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Invasões Biológicas

Prof. Pós-Dr. Daniel Pereira, MV


I) Introdução – conceitos e definições:
A distribuição geográfica de muitas espécies é normalmente
limitada, de forma geral, por barreiras climáticas e ambientais.
Este isolamento geográfico propiciou padrões distintos de
evolução.
No entanto, a movimentação de espécies é um dos fenômenos
que determinaram a história da vida na Terra.
Cavalos, mastodontes e bisões – Sibéria até a América, pelo
Estreito de Bering (mesma rota dos ancestrais humanos).
I) Introdução – conceitos e definições:
Intercâmbio de diversas espécies entre as Américas do Norte e
do Sul pelos afloramentos e afundamentos do istmo do Panamá.
Mudanças drásticas na fauna e flora da América do Sul.
Distribuição de espécies – equilíbrio entre migrações e
extinções.
Especialmente nos últimos dois séculos, uma força sem
precedentes tem mudado de forma definitiva a distribuição de
espécies no planeta.
I) Introdução – conceitos e definições:
Seres humanos: papel principal nessa nova distribuição
geográfica.
Diminuição do isolamento geográfico natural: transporte de um
grande número de espécies (flora e fauna) para fora de suas
regiões de ocorrência original.
Intenções: assegurar segurança alimentar, disponibilidade de
combustível e materiais de construção ou atender a outras
necessidades associadas a diferentes atividades humanas.
I) Introdução – conceitos e definições:
Outras espécies viajam desapercebidas em carregamentos ou na
água de lastro de navios.
Há, portanto, uma mistura das biotas em escala global.
A velocidade da invasão, diversidade e volume dos invasores não
tem precedentes históricos.
Danos causados por invasões de espécies exóticas superarão,
num futuro próximo, a perda de habitat como a principal causa
da desintegração ecológica global.
I) Introdução – conceitos e definições:
Charles Elton: o “pai” da invasão
biológica (1958).
Estimulou pesquisas na área.
Nunca definiu os termos “invasão” ou
“invasor”.
Exemplos de espécies introduzidas que
causavam impacto econômico e/ou
ambiental, com base em dados
disponíveis na época.
I) Introdução – conceitos e definições:
Crescente movimentação de espécies para fora dos seus
ambientes naturais - surgimento de um conjunto de termos
utilizados para definir as diferentes variantes deste fenômeno.
Espécies exóticas: que apresentam uma história evolutiva em
determinado lugar e que se encontram em ambientes distintos
da sua distribuição original.
Outros termos – não indígenas, não nativas, introduzidas,
naturalizadas, alienígenas, alóctones.
I) Introdução – conceitos e definições:
Esta espécie, uma vez introduzida, pode se tornar um agente de
mudança que ameaça, em algum grau, a biodiversidade nativa.
Algumas vezes, esta definição coincide com as fronteiras
políticas de um país – uma espécie é considerada exótica se
trazida do exterior.
Conceito adequado para políticas e regulamentações.
Comporta restrições importantes para o manejo de invasões
biológicas – movimentação de espécies dentro de um país.
I) Introdução – conceitos e definições:
Espécies nacionais podem ser exóticas em um ambiente diverso,
ainda que dentro das mesmas fronteiras políticas.
Exemplos:
Tucunaré (Cichla ocellaris) – Bacia Amazônia / Rio Paraná.
Saguis (Callithrix jacchus e C. penicillata) – Caatinga, Mata Atlântica do
NE e Cerrado / Mata Atlântica do SE e do Sul.
I) Introdução – conceitos e definições:
A definição deve abranger qualquer organismo com origem em
outro ambiente ou região, independente de divisas políticas de
estados ou países.
Qual deve ser a maior preocupação – espécies “estrangeiras” ou
“domésticas” introduzidas em outra área do território?
Prevenção do movimento de espécies entre ecossistemas ou
regiões biogeográficas mais preocupante do que a transposição de
fronteiras nacionais.
I) Introdução – conceitos e definições:
Espécies estabelecidas: à medida que as espécies exóticas
introduzidas conseguem estabelecer populações sustentáveis.
Espécies invasoras: quando algumas espécies estabelecidas
tornam-se aptas a avançar sobre ambientes naturais e alterados.
É uma espécie introduzida que avança, sem assistência humana, e
ameaça habitats naturais ou seminaturais fora do seu território
de origem, causando impactos econômicos, sociais ou
ambientais.
I) Introdução – conceitos e definições:
O status errado de uma espécie quanto ao processo de invasão
pode dificultar a formulação objetiva de prioridades para o seu
correto manejo.
Richardson et al. (2000): padronização da terminologia para
invasão de plantas e adotada, em alguns casos, para outras
espécies.
As fases do processo de invasão são definidas com base nas
barreiras relevantes que são (ou não) superadas pela espécie.
Geográfico Introdução significa que a
espécie superou através da
ajuda dos seres humanos, uma
barreira geográfica maior.

Muitos táxons introduzidos


sobrevivem como casuais, podem
reproduzir, mas não conseguem
manter suas populações sobre
longos períodos - necessitam de
introduções repetidas.
Barreiras A

Status do taxa casual

Processo de Invasão (adaptado de Richardson et al, 2000)


Meio Ambiente (local)
Naturalização começa

Reprodutivo
Geográfico
quando barreiras ambientais
(B) não impedem os indivíduos
de sobreviverem...
e quando várias barreiras para
uma reprodução regular (C)
a
b
são superadas.
c

Então um táxon pode ser


considerado naturalizado com
sucesso após superar as barreiras
A, B e C.
A probabilidade de extinção
Barreiras A B C devido a uma estocasticidade
alienígena

casual
ambiental é pequena.
Status do taxa

Processo de Invasão (adaptado de Richardson et al, 2000)


A invasão - expansão

Ambiente (local)

Ambiente (Habitats perturbados)


Dispersão
Reprodutivo
Geográfico além dos sítios de
introdução, requer que
a espécie supere
barreiras para dispersar
dentro de nova região
a (D) ...
b
e possa lidar com o
c
ambiente abiótico e a
d
biota na área geral
e
(E).

Barreiras A B C D E
alienígena

Status do taxa casual estabilizada

Processo de Invasão (adaptado de Richardson et al, 2000)


Invasão -

Ambiente (local)

Ambiente (Habitats perturbados)

Ambiente (Habitats naturais)


Dispersão
Reprodutivo
Geográfico
comunidades
perturbadas
ou semi-
naturais.
Invasão de
a
b
comunidades
c
maduras, não
perturbadas
d
requer que o
e
táxon supere a
f resistência de
diferentes
fatores (F).
Barreiras A B C D E F
alienígena

Status do taxa casual estabilizada


invasora
Processo de Invasão (adaptado de Richardson et al, 2000)
Ambiente (local)

Ambiente (Habitats perturbados)

Ambiente (Habitats naturais)


Decidir se

Dispersão
Reprodutivo
Geográfico um táxon
deva ser
nomeado
‘naturalizado,
não invasor’
a
b
(c ou d) ou
c
‘invasor’ (e
ou f) pode
d
ser
e
problemático.
f As duas fases
não são
discretas.
Barreiras A B C D E F
alienígena

Status do taxa casual estabilizada


invasora
Processo de Invasão (adaptado de Richardson et al, 2000)
I) Introdução – conceitos e definições:
A introdução de espécies em locais fora de sua distribuição
natural é uma preocupação importante na conservação da
biodiversidade.
A grande maioria das espécies não sobrevive no novo ambiente
- cerca de uma em cada mil consegue se estabelecer.
Essas espécies se reproduzem, dispersam e causam sérios danos
ao ambiente, à economia e à saúde humana.
Promovem homonegeização biológica, associada à exclusão
competitiva ou predatória das espécies nativas.
I) Introdução – conceitos e definições:
Impactos sinérgicos e em cascata: influência sobre muitos
aspectos do ambiente e do bem-estar humano, por longos
períodos de tempo.
Facilidade de invasão e domínio de habitats: ausência de
predadores, doenças e parasitas no novo ambiente.
Ilhas: isolamento favorece desenvolvimento de espécies
endêmicas.
Evolução na ausência de novos predadores, competidores ou
patógenos: poucas defesas.
I) Introdução – conceitos e definições:
Animais introduzidos em ilhas são eficazes predadores: aceleram
processo de extinção.
Ecossistemas insulares: diversidade baixa e estrutura
comunitária simples facilitam mais a invasão do que no
continente.
Grupo especial formado por espécies que possuem afinidades
filogenéticas com outras espécies da biota nativa invadida.
II) Tipos de Impactos:
2.1- Impactos Ambientais:
Entre as espécies que apresentam risco de extinção, 20% são
ameaçadas por espécies exóticas.
São encontradas em todos os grupos taxonômicos, afetando a
biota nativa de cada ecossistema do planeta.
Condições ambientais não usuais, criadas pelo homem, facilitam
a adaptação das exóticas em detrimento das nativas.
São encontradas em altas concentrações nos habitats alterados
ou criados por ação antrópica.
II) Tipos de Impactos:
2.1- Impactos Ambientais:
Mesmo as áreas naturais protegidas não estão livres de invasão.
Extinção de espécies nativas.
Mudanças na estrutura das comunidades.
Alterações na estrutura física de ecossistemas.
Potencial de disseminação maior em áreas invadidas.
Predomínio global de poucas espécies: homogeneização da
biota.
II) Tipos de Impactos:
2.1- Impactos Ambientais:
Deslocamento das espécies nativas: competição por recursos,
transmissão de enfermidades, predação.
Alteração do habitat de modo que as nativas não se adaptem.
Hibridação: eliminação de genótipos locais, supressão de
endemismos e incertezas quanto aos limites taxonômicos.
II) Tipos de Impactos:
2.2- Impactos Econômicos:
As espécies exóticas podem custar caro aos governos, indústrias
e cidadãos.
Poucos estudos quantitativos que documentem o impacto.
Introdução involuntária em reservas naturais: degradação das
áreas protegidas e aumento dos custos de manejo.
Presença em produtos ou sistemas de transporte: custos.
A maioria dos custos referentes à invasão se perpetuam, mesmo
que as introduções tenham cessado.
II) Tipos de Impactos:
2.2- Impactos Econômicos:
Custos indiretos: consequências ambientais das invasões e
outros valores que não integram o mercado (alterações nos
serviços ecológicos).
A maior parte das evidências destes impactos provém de países
desenvolvidos.
Regiões em desenvolvimento apresentam perdas similares,
quando não proporcionalmente maiores.
II) Tipos de Impactos:
2.3- Impactos à Saúde Humana:
Dinâmica dos patógenos invasores, comportamento humano e
desenvolvimento econômico: complexidades.
Interações entre a virulência da enfermidade, populações
infectadas e características dos assentamentos humanos.
Grandes projetos de desenvolvimento contribuem para a
invasão.
Uma espécie exótica pode afetar a saúde de homens, plantas e
animais.
II) Tipos de Impactos:
2.3- Impactos à Saúde Humana:
Patógenos e parasitas podem ser espécies exóticas ou
carreados por vetores.
Agentes infecciosos provenientes de animais domésticos ou
selvagens podem ameaçar as populações humanas.
Efeitos indiretos sobre a saúde humana: uso inadequado e
abusivo de pesticidas, ameaça aos cultivos e ao gado por pragas
- escassez de alimentos.
II) Tipos de Impactos:
2.3- Impactos à Saúde Humana:
Preocupação quanto a enfermidades: peste bubônica, cólera,
doenças tropicais (malária, esquistossomose, dengue, febre
amarela, etc.).
Agentes causadores de doenças infecciosas são com frequência
– e talvez tipicamente – espécies exóticas.
III) A questão global das espécies-problema:

Os impactos das espécies exóticas invasoras (EEI) sobre as


espécies nativas, comunidades e ecossistemas são reconhecidos
há décadas.
1968 (Brasil): Atenção para o controle e diminuição de algumas
espécies visando a conservação de outras (em áreas protegidas).
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) / 1992.
Art. 8º: impedir a introdução / controlar ou erradicar EEI que
ameacem os ecossistemas, habitats ou espécies.
III) A questão global das espécies-problema:

Lei 9.605/1998, art. 61: punição para quem “disseminar doença


ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à
pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas”.
Resolução CONABIO nº5/2009: Estratégia Nacional sobre
Espécies Exóticas Invasoras (Nova resolução lançada em 2018).
Infelizmente, o processo de invasão biológica pode ser lento,
dificultando seu monitoramento e compreensão.
A dinâmica da invasão é frequentemente complexa, resultando
em considerável incerteza científica.
III) A questão global das espécies-problema:

Ameaça real – ações urgentes – informação escassa.


As ações de conservação da biodiversidade não podem esperar.
Abster-se de executar uma ação de manejo pode ter
consequências tão ou mais graves do que fazer algo
equivocadamente.
CDB: enfrentamento das EEI com base no Princípio da Precaução.
Ações de combate às EEI potenciais são recomendadas, apesar
das incertezas.
III) A questão global das espécies-problema:

Política de manejo que prefere “prevenir a curar”.


Não há garantias de impedimento do dano - contribuição para
um alto nível de proteção.
Estabelecimento de prioridades no combate de EEI.
Estratégia de manejo: enfrentar o problema e aumentar o
conhecimento científico.
Prevenção: conjunto de ações que visam evitar a presença e o
estabelecimento de populações de EEI ou seu retorno às áreas
onde tenha ocorrido sua erradicação.
III) A questão global das espécies-problema:

Ações de prevenção:
Diagnóstico das populações de espécies exóticas com potencial
invasor e detecção de áreas críticas.
Campanhas educativas.
Qualificação da fiscalização.
Erradicações e programas de controle bem sucedidos –
oportunidades para reverter as perdas de biodiversidade.
III) A questão global das espécies-problema:

Dificuldades logísticas – captura, transporte, alimentação,


destinação, bem-estar animal e custo dos procedimentos.
Manejo de EEI – ferramenta para a conservação da
biodiversidade.
Métodos controversos para limitar a disseminação (caça
terrestre / aérea, uso de armadilhas, envenenamento, educação
das comunidades locais...).
Grupos de defesa dos direitos dos animais / erradicação /
grandes (e/ou carismáticos) mamíferos.
III) A questão global das espécies-problema:

Agentes de controle biológico / controle de pragas / risco maior


do que o já criado pelas EEI.
Diversos países já demonstram conhecimento do prejuízo
causado por EEI.
O conhecimento sobre a ecologia das EEI é importante para o
seu manejo.
EEI promovem homogeneização biológica, associada à exclusão
competitiva ou predatória das espécies nativas.
III) A questão global das espécies-problema:

Deslocamento de espécies nativas causadas por competição por


limitação de recursos ou transmissão de enfermidades.
As EEI podem ser predadoras das espécies nativas e levá-las à
extinção, ou alterar o seu habitat de tal modo que muitas destas
espécies não conseguem subsistir.
Número muito pequeno de exemplares - fração da diversidade
genética da espécie em seu ambiente natural - danos ambientais
extensos em um novo ambiente.
IV) Possibilidades de manejo:
EEI são capazes de provocar alterações nas funções e na
biodiversidade dos ecossistemas locais na medida em que se
estabelecem com sucesso nos habitats invadidos.
As introduções a longas distâncias de EEI em novas áreas são
resultado direto ou indireto de ações humanas.
Quando se detecta uma EEI potencial ou atual, os passos para
mitigar os impactos incluem a erradicação, a contenção e o
controle.
IV) Possibilidades de manejo:
Controle: redução das populações e do crescimento
populacional de EEI em função da inviabilidade, momentânea ou
não, de realizar sua erradicação.
Controle planejado para reduzir a densidade e a abundância da
espécie-alvo para um nível aceitável em que cause menos danos.
Medidas de controle populacional (combinadas ou isoladas*):
(1) Esterilização química.
(2) Esterilização cirúrgica.
(3) Remoção de indivíduos.
IV) Possibilidades de manejo:
Contenção: caso especial de controle, cuja finalidade é limitar a
dispersão da espécie, contendo-a dentro de limites geográficos
definidos.
Erradicação: remoção completa da EEI.
Aplicada quando há falha das medidas preventivas e:
(1) Em áreas com incipiente ou moderada ocupação por populações de EEI.
(2) Em casos onde a presença destas populações comprometa a viabilidade
de qualquer outra espécie oficialmente ameaçada.
(3) Onde a viabilidade da erradicação é alta.
V) Conclusões:
A definição de prioridades no combate a EEI deve estar focada
nas menores populações com maior potencial de invasão.
A maior parte dos métodos utilizados para combate de EEI tem
gerado controvérsias entre a comunidade científica e a
sociedade, e mesmo entre os próprios cientistas.
Ainda que algumas pessoas ou organizações rechacem iniciativas
de controle de animais, é fundamental que isso aconteça -
viabilidade da perpetuação de espécies nativas.
V) Conclusões:
Quando indicado, o sacrifício / abate / eutanásia de animais
exóticos invasores é uma medida necessária.
Casos “polêmicos” – trabalho paralelo com campanhas de
conscientização e esclarecimento público – diminuição de
aspectos aparentemente negativos.
O manejo de EEI geralmente envolve a preocupação com a
sobrevivência de uma ou mais espécies nativas.
Contribuição de instituições públicas (em diferentes locais e
momentos históricos) para o estado atual.
V) Conclusões:
Promoção de EA e conscientização das comunidades - evitar
novas introduções ou reduzir a um nível menor do que a taxa
de mortalidade ou remoção dos invasores.
Controle / erradicação de EEI - mais possibilidades de êxito
com apoio de comunidades locais, setores e/ou grupos
apropriados.
Manejo abrange não só dimensão técnico-científica, mas também
aspectos éticos, sociais e legais.

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