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Para Jay, meu marido, namorado, parceiro de negócios e

melhor amigo. A melhor parte de cada dia é abrir os olhos


pela manhã e ver você aí.

Que julgamento você pronuncia sobre aquele que embora


honesto na carne seja um ladrão em espírito?
Que penalidade você coloca sobre aquele que mata na carne,
mas ele mesmo é morto no espírito?
E como perseguir a você, aquele que na ação é um enganador
e um opressor,
No entanto, quem também está agravado e indignado?
E como punireis aqueles cujo remorso já é maior do que as
suas más ações?

KHALIL GIBRAN
Existe um mundo além do nosso. É um mundo de magia antiga
e segredos bem guardados, um mundo de leis rigorosas e duras
punições para aqueles que os traem, um mundo habitado pelos Ikati,
uma raça de pessoas dotadas que são muito mais do que parecem à
primeira vista. Trazidos juntos pelo destino neste mundo de perigo e
beleza, duas pessoas com passados sombrios irão se encontrar.
Morgan é linda, inteligente, sexy... e está prestes a morrer.
Condenada por traição contra seus parentes Shifters, recebe uma
última chance de redenção; descobrir o covil escondido do inimigo
com a intenção de destruir cada um de sua espécie, ou perder sua vida.
Xander é cruel, sem coração, de sangue frio... e atribuído a
matá-la se ela falhar em sua tarefa. Esperando não sentir nada além
do desprezo pela traidora sob seu cuidado, o assassino acompanha
Morgan em sua busca, mas enquanto os dois correm pelo coração da
Itália, enquanto o relógio atinge a zero hora, ele se vê empurrado para
uma teia perigosa de desejo tão poderoso quanto proibido. Sua paixão
vai testar tudo o que acredita, e pôr em perigo o futuro da própria
tribo.
Sensual, tenso e cheio de ação, Edge of Oblivion é uma leitura
obrigatória para os amantes do romance paranormal sombrio.
Uma vez, éramos deuses.
Há séculos, idílicos, incontáveis séculos antes que o
homem ou suas astutas, vastas civilizações tivessem sonhado,
governávamos soberanos sobre todas as outras criaturas no
coração mais profundo e virgem da África Equatorial. Divina
e resplandecente, deleitando-nos com a recompensa e glória
dos nossos muitos dons, nos demos o nome de Ikati – Zulu
para ‘gatos guerreiros’– porque ele descreve o mais perto da
nossa perfeição furtiva, o nosso felino, graça sinuosa, nossas
proezas felinas e letais.
Vivíamos, amávamos e criávamos nossos filhos ali, ao
lado das águas cristalinas do Congo, debaixo do sol nutritivo
e do céu azul infinito e sombra exuberante e matizada das
árvores de baobá. Usávamos coroas de ouro, 1granada e 2
Tanzânia; Andávamos nus entre a natureza e uns aos outros e
não conhecíamos a vergonha. Honrávamos nossos mortos e
caçávamos nossa comida e dormíamos nos braços gordos e
1 A pedra granada mais conhecida por possuir um profundo tom avermelhado, como o sangue, e simboliza
vitalidade, rejuvenescimento, criatividade, atração e apetite sexual. Conhecida por despertar paixões,
principalmente pela vida, é muito utilizada quando estamos apáticos, sem impulso.

2A Tanzanita é uma pedra extraordinária. Ela é azul e apresenta delicados pontos púrpura. A origem de seu
nome é uma referência ao país onde é encontrada, a Tanzânia, na África.
tortuosos de acácias e marulas; contávamos a nossa ilustre
história para a próxima geração. Celebrávamos nossa Mãe
Terra e sua grande magia, e tudo estava bem. Tudo era
perfeito.
Mas o Tempo é um ladrão implacável, mesmo para
criaturas tão abençoadas como nós, e lentamente as coisas
começaram a mudar.
Os invasores vieram. Animal desajeitado, feio, de duas
pernas com lanças para esfaquear corações, flechas para
perfurar carne e fogo para queimar casas. Eles roubaram
nossas florestas e caçaram em nossas pastagens; envenenaram
nossos rios e capturaram nossos filhos, e nossos velhos e
fracos. Lutei contra os nossos inimigos; nós não tínhamos
escolha. Ano após ano lutávamos, décadas de luta, guerra,
sangue, morte. Batalhas foram ganhas, só para começar de
novo com a próxima geração. Havia tantos de nossos
inimigos, e tão poucos de nós. Com o tempo, nosso número
diminuiu. Com o tempo, nossos inimigos ganharam a
vantagem.
Assim, como todas as criaturas devem, nós nos
adaptamos para sobreviver.
Aprendemos os caminhos humanos. Falamos a língua
humana. Usávamos roupas humanas, cultivamos como os
humanos e construímos casas de lama e grama, depois de
madeira, depois de tijolo, como eles fizeram. Aprendemos a
esconder nossa verdadeira natureza. E assim começamos a
prosperar.
Em segredo. Em silêncio. Com ódio ardente em nossos
corações.
Então um dia veio um tipo diferente de homem, um
homem sem lança ou espada, um homem de braços abertos e
uma voz gentil que afirmou ser nosso amigo. Ele ofereceu
uma trégua e o retorno do que já foi nosso por direito, os rios
e as montanhas e as verdejantes florestas intocadas. Confie
em mim, disse o homem, e, cansado de tanta guerra e
derramamento de sangue, nós fizemos.
Durante muito, muito tempo, o arranjo nos serviu a
ambos e prosperamos. Nossos filhos cresceram
juntos. Nossos clãs viviam lado a lado. Como éramos muito
lindos e dotados, não fixados em um único aspecto como eles
eram de carne e osso, mas mutáveis, flexíveis, evanescentes,
os invasores de duas pernas começaram a nos adorar como os
deuses que realmente éramos. Ofícios foram feitos, estátuas
de ouro e ébano e pedra oleada foram esculpidas, templos
foram construídos – a Esfinge, a mais famosa – tudo em
nosso nome. Nós até nos acasalamos com nossos antigos
inimigos, tendo filhos meio-sangue, descendentes que
poderiam um dia ser tão talentosos e abençoados como os
puros-sangues são.
Ou talvez não.
Uma rainha surgiu de uma dessas uniões. Cleópatra, ela
foi chamada, que significa – a glória de seu pai – porque ele
era Ikati, um de nosso próprio sangue. Mais bela e astuta e
sensual que todos nós, ela governou impérios, seduziu
corações e convenceu um homem a se voltar contra seu rei. E
com isso, ela selou todos os nossos destinos.
O golpe falhou. A rainha e seu amante morreram. E
os Ikati foram caçados mais uma vez. Nós fomos
odiados. Fomos expulsos de nossa pátria, quase fomos
extintos.
Os poucos que permaneceram se lembraram de como
eles sobreviveram antes da pestilência humana, antes de
enganos inteligentes cegarem seus olhos e roubarem sua
glória, e fizeram um pacto para retornar aos antigos modos de
fingir e mentir, de manter a si mesmos. Eles fugiram de sua
amada África e encontraram outros lugares no mundo para
chamar de seu, pequenos e arborizados locais, encobertos em
silêncio, longe de olhares curiosos.
Passaram incontáveis anos, e ainda vivemos em segredo
e silêncio, unidos pela honra e tradição e um conjunto de
regras impenetráveis para nos proteger da maior ameaça de
todas: o esquecimento.
Nosso reino de paz e perfeição nos foi roubado
por você, avarento, ambicioso homem, traiçoeiro. E embora
tenhamos aprendido a viver ao seu lado, embora nós
aprendêssemos a sobreviver, embora nós possamos sorrir e
acenar quando passamos por você na rua estamos
sempre, sempre prontos para comer seus corações.
Cuidado.
Certificação da resolução da Assembleia No. 218.4.9
Datado neste dia 12 de julho, 20 –.
Quanto à disposição legal de Morgan Marlena
Montgomery, membro Senior da Assembleia, colônia de
Sommerley, Hampshire, Reino Unido, acusada de alta traição,
crime 3acessório, e outros.
RESOLUÇÃO QUE AUTORIZA A EXECUÇÃO
considerando que, o membro da Assembleia acima citado foi
acusado e declarou-se culpado do seguinte:
1. Alta traição

2. Crime acessório

3. Assalto com intenção

4. Crimes de ódio

5. Desordem

6. Terrorismo

CONSIDERANDO que, a punição para cada um desses


crimes individualmente ou em plural de acordo com a Lei e
prática comum é a morte, CONSIDERANDO que, nós, os
membros da Assembleia assinados, em uma votação unânime
declaramos o réu culpado de todas as acusações,
PORTANTO, resolvido o acusado será executado. A punição
3
Delito que exige outro como pressuposto
será realizada imediatamente após a gravação deste
documento.
EM TESTEMUNHO DO QUE, eu atribuí o meu nome
e coloquei o selo desta Assembleia em 12/7/20–
*
Edward, Visconde Weymouth GUARDADOR DAS
LINHAS DE SANGUE.
Nathaniel rapidamente desceu a escada de madeira
estreita e torcida até as celas subterrâneas, uma grande
lanterna segura em uma das mãos, um ferrão elétrico de gado
na outra.
Estava frio e úmido, e muito escuro, exceto pela estreita
luz do raio amarelo de sua lanterna. As escadas foram
construídas há muito tempo – quase duas dúzias de gerações
dos antepassados do Alfa habitaram a mansão desde então –
e elas rangiam em altos protestos sob seus pés. Seus passos
perturbaram uma nuvem sufocante de poeira e criaturas
pequenas e invisíveis que correram e desapareceram nas
rachaduras das paredes de pedra ásperas, manchadas de
musgo e umidade. Uma teia de aranha flutuava, fios
fantasmagóricos pálidos que se erguiam para roçar seu
rosto. Em algum lugar distante – abaixo? – ouviu o som
abafado de água corrente.
Ele quase perdeu o equilíbrio em um passo desigual,
então recuperou o equilíbrio e, franzindo o cenho, afastou
nervosamente uma mecha de cabelos castanhos de seus
olhos. Ele não queria essa incumbência, era detestável fazê-lo,
se a verdade fosse dita, mas ele foi votado hoje para preencher
o assento vazio da Assembleia e não estava em posição de
dizer não. Ele só teria que acabar com isso o mais rápido
possível e colocar todo o negócio desagradável fora de sua
mente, uma vez que tivesse terminado.
Ele odiava as execuções. O sangue. Os gritos. Os rostos
frios e sorridentes que se reuniam para assistir a tudo. Um mal
necessário, mas ele desejou que tivesse sido capaz de fazer
uma exceção para ela.
Não que ele questionasse. Não que ele alguma vez
ousasse.
No último degrau, fez uma pausa, fazendo uma
careta. Cheirava aqui, como ferrugem, podridão, algo azedo e
profundamente desagradável, algo que ele não queria levar
muito tempo tentando identificar. Sua lanterna iluminava uma
sala longa e primitiva, com um chão de terra batida, um teto
escarpado acima, uma fileira de portas de madeira sem janelas
que se alinhavam em ambos os lados, fortemente trancadas.
Seu coração começou a correr. Os criminosos, os
proscritos e os desertores do clã sempre foram mantidos aqui,
no fundo das entranhas da terra, tão abaixo da mansão, que
seus gritos não podiam ser ouvidos.
Tremendo, imaginou que os murmúrios moribundos
daqueles gritos ainda ecoavam nas paredes.
Ele correu para a terceira porta à direita, parou ao lado
dela com uma orelha treinada para qualquer som. Mas tudo
estava em silêncio. Com um rápido olhar para as escadas, ele
transferiu a lanterna para a boca, segurou-a entre os dentes,
enquanto procurava no cinto o anel que prendia as chaves
enferrujadas e antiquadas, franzindo o cenho para cada uma
na semiescuridão até encontrar a correta. Ele encaixou-a na
fechadura, girou o pulso e encolheu-se com o chiar ruidoso
do metal contra o metal quando isso abriu.
Ele tinha um pensamento fugaz de que isso não poderia
ter sido uma boa ideia, vir aqui sozinho. Era um teste, ele
sabia, e queria provar que era digno, mas este lugar fazia sua
pele arrepiar-se com medo picante, e ele não tinha ideia do
que estava prestes a cumprimentá-lo do outro lado. Ela
poderia até estar morta, por tudo o que ele sabia.
Ou pior: com raiva.
A porta abriu-se lentamente com um longo e estranho
gemido de dobradiças enferrujadas. Ficou tenso, aguardando
qualquer movimento ou barulho, mas não havia nada. Ele
pegou a lanterna na mão e, com o ferrão elétrico estendido
como um crucifixo afastando espíritos malignos entrou na
cela.
O cadáver de um rato estava apodrecendo perto de uma
pilha de palha podre contra a parede de pedra, a boca aberta,
a pele dura com sangue seco. Havia um balde de água salobra,
um prato de comida intocado no chão perto da porta, um
cobertor de lã sujo no alto de uma pá vazia de feno. O ar
estava tão sombrio e frio que viu sua exalação em uma nuvem
branca fosca. Ele estava na cela certa?
Ele colocou a ponta do ferrão contra a parte de trás da
porta e deu um pequeno empurrão. A porta se abriu e, de
repente, surgiu um som que lhe arrepiava todos os pequenos
cabelos na nuca.
Um grunhido baixo, rumoroso, de um canto traseiro da
cela, um canto tão escuro que ele não conseguia ver.
Rico e espinhoso, com um tom inconfundível de
advertência, era um som que ele reconheceria em qualquer
lugar. Então, da escuridão, um brilho apareceu, dois pontos
em forma de amêndoa quente, verde ardente.
Um par de olhos, lindos e predatórios, fixados nele.
Ele estava na cela certa depois de tudo.
— Morgan, — ele sussurrou, se segurando no chão, pois
ele realmente queria virar e correr. Ele limpou a garganta,
ficou um pouco mais reto. — Senhorita Morgan, — ele disse
novamente, sua voz um pouco mais forte desta vez, embora
ainda rosqueado com hesitação. — Está na hora.
O rosnado se aprofundou, eletrizante e primitivo. Os
olhos não piscaram.
Nathaniel sentiu seu próprio animal predatório piscar
bem acordado dentro dele, os pelos erguidos, as garras
desembainhadas. Ele respirou fundo para acalmá-lo. Isso não
resolveria nada, e ele provavelmente acabaria morto. Ela era a
mais forte dos dois, a mais experiente de longe e a mais
letal. Ele manteve um forte aperto no ferrão e, com o polegar,
acendeu um minúsculo interruptor. A lanterna que ele
mantinha inclinada em direção ao chão. Ele drapejou as
paredes e o teto em sombras de ouro fosco.
— Sinto muito — acrescentou, mantendo o tom suave
mesmo com muito esforço e uma surpreendentemente força
de vontade. — Você sabe que isso não é minha vontade. Você
sabe que esta é a Lei.
Um engate naquele barulho profundo e rosnado, uma
nota reveladora de algo como um acordo. Isso o fazia respirar
mais fácil, só um pouquinho. Deixando a porta aberta,
avançou lentamente pelo chão de terra irregular, lentamente,
sem fazer movimentos bruscos, dando-lhe mais espaço. O
ferrão, porém, não baixou. Ele não precisou olhar para longe
daqueles brilhantes olhos esmeralda para saber o quanto sua
mão tremia.
— Eu vou esperar aqui, senhorita Morgan, bem aqui
onde você pode me ver, e você pode sair quando estiver
pronta. Por favor, por favor, não me faça entrar para pegá-
la. Eu fiquei noivo no mês passado, tenho apenas vinte e um
anos. Quando estiver pronta, vou estar esperando aqui.
Ele estalou a mandíbula para que não dissesse nada
estúpido e continuou lentamente até que estivesse a uma
distância mais segura perto das escadas. Depois de um
momento, o rosnado cedeu a um chiado descontente, depois
um bufar final.
Esperou por ela na escada pelo o que parecia um milhão
de anos, os nervos gritando, os ouvidos doendo pelo menor
sinal de movimento, esperando sinceramente que Leander e o
resto da Assembleia tivessem pensado melhor em sua decisão
de mandá-lo sozinho e viessem ajudar. Então, de repente, a
prisão subterrânea frígida e escura cantarolou com um
agradável estalo de eletricidade que enviou uma laçada de
calor meloso sobre sua pele em onda após onda perfumada.
Deus, ela era poderosa. Sentir o seu deslocamento era
como estar a poucos metros de um relâmpago, tão eletrizante,
tão letal. E ela cheirava a algo quente e gostoso, como xarope
de bordo ou açúcar mascavo, apenas mais escuro, mais fino,
completamente diferente de sua noiva, que era perfumada de
lilás e água de rosas, encantadoramente doce.
— Nathaniel, — uma voz ronronada, feminina e suave,
tão escura e deliciosa quanto seu cheiro. Ele viu uma erupção
de arrepios rastejando sobre sua pele. Ele viu um movimento
além da porta aberta da cela. Uma figura deslizava para frente
através de sombras sem ruído, manobrando com graça não
estudada e elegante.
Uma mão no batente da porta, depois um rosto que
parecia se manifestar no ar, sobrancelhas arqueadas e enormes
olhos de amêndoa e belos lábios cheios curvados em um
pequeno sorriso que poderia ser de tristeza ou desdém.
Ela avançou pela porta e foi até a luz amarela e fraca de
sua lanterna, e Nathaniel não conseguiu deter o suspiro que
separou seus lábios. Estava nua.
Incrivelmente, perfeitamente, nua.
Sua mente ficou em branco. O ferrão abaixou-se ao seu
lado. Palavras aleatórias formadas em sua mente, em seguida,
desapareceram engolidas por prazer e espanto: adorável;
cheia; curva; cetim; delgada; doce; suave; quer; sim, quer.
— Nathaniel — disse ela de novo, divertida com a
admiração indolente. — O menino Williams. Eu me lembro
de você. — Seu olhar piscou sobre ele, desconfortavelmente
afiado, então ela sorriu. — Você está crescido.
Sua língua não funcionava. Não podia formar um
pensamento coerente.
— Infelizmente estou sem roupa — Morgan continuou
virando o pulso num movimento lento e gracioso para indicar
sua nudez espetacular. Ele tentou responder, mas ela
continuou ignorando-o. — Você poderia ser amável e
encontrar algo agradável para que eu possa vestir na minha
execução?

O grande salão de Sommerley Manor estava


ruidosamente cheio e quente. As janelas altas, de chumbo, que
se alinhavam na parede ocidental, foram abertas em seus
compartimentos, deixando entrar a glória perfumada de uma
tarde de campo inglês. Uma brisa desordenada agitava as
cortinas de seda marfim, mas nada fazia para esfriar o mar de
corpos pressionados ombro a ombro na grande sala dourada.
Embora toda a tribo queria participar do processo,
apenas alguns entraram na Assembleia realizada por uma
loteria. Sentindo-se imensamente satisfeitos com a
participação e a demonstração de uma falsa democracia que
tanto satisfazia a multidão, quanto ao grupo de quinze
homens que agora se sentavam pomposos e vaidosos sobre
um estrado elevado na frente da sala atrás de uma longa mesa
de carvalho coberta de linho cinza sombrio, balançando a
cabeça para a multidão e murmurando presunçosos parabéns
uns aos outros.
Erguido no centro da sala abarrotada e cavernosa, havia
um dispositivo alto e maligno no topo de um andaime. Uma
inteligente montagem de madeira escurecida em sangue e
metal brilhante, lâminas afiadas e anguladas, a máquina foi
enrolada em uma plataforma de rodas de seu lugar de
armazenamento em um galpão bem evitado perto da parte
traseira da propriedade, que uma vez foi o barracão de
armazenamento do guarda-caça. Agora isso abrigava uma
coleção de itens macabros como este racks, trituradores,
serras e garrotes, usados não raramente. Ao lado da máquina
havia um carrasco encapuzado, calado e silencioso.
Embora bem enraizada no século XXI, a alma da tribo
não mudou em milênios. Nem tinha sua Lei, nem o castigo
para aqueles que a quebravam.
E conspirar com o inimigo exigia o castigo mais severo
de todos.
Ao lado do estrado, em sua própria plataforma, havia
duas cadeiras de mogno, cuidadosamente esculpidas,
almofadadas e grandes. Em uma sentou-se um homem,
bonito e leonino, de olhos de lobo e silencioso, de cabelos
negros como o resto de seus parentes. Sua postura estava
relaxada, exceto pelo dedo indicador bronzeado de sua mão
direita, que manteve uma batida firme contra o braço polido
de seu trono, contornando sua agitação interior. O trono ao
lado dele, para o qual lançava um rápido e ocasional olhar,
estava vazio.
Sua esposa se recusou a comparecer.
Elas eram próximas, todos sabiam, a nova rainha e a
traidora, a multidão esperava animada.
Para a rainha à traição era particularmente difícil de
aceitar.
Era do conhecimento comum também que a rainha
tinha até agora se recusado a intervir ou mesmo oferecer uma
opinião sobre o que deveria ser feito em nome da justiça. Isto
foi tomado como um sinal claro de sua aprovação da
resolução da Assembleia, embora fosse bem dentro de seus
direitos e autoridade fazer exatamente como ela queria, até
mesmo conceder um perdão completo. Ela sozinha estava
fora da Lei que tão fortemente ligava o resto de sua
espécie; Só ela era soberana, mesmo acima de seu marido, o
Alfa, o macho mais forte de toda a colônia. Ao contrário do
resto, se ela desejasse poder sair, ou ficar, ou dançar nua sobre
a bola iluminada que cai na véspera de Ano Novo na Times
Square, a tantos milhares de quilômetros de distância. Ela
viera do mundo exterior e estava livre para se juntar a eles,
mas decidiu ficar com seu clã de pessoas secretas, dotadas e
seu belo e distraído marido, que agora esperava para assistir a
uma execução que ele aprovava, mas não queria testemunhar.
Porque ela escolhera ficar, seu povo a adorava. E porque
ela escolheu não intervir em seus negócios, a Assembleia tinha
–a contragosto – começado a oferecer-lhe seu respeito.
Com uma lenta e majestosa pompa que silenciou
rapidamente a multidão reunida, as portas duplas de folhas de
marfim e ouro na extremidade do Grande Salão se abriram, e
todos se voltaram, sem fôlego, para olhar.
Até que ela realmente viu o que a esperava, Morgan
pensou estar preparada para este momento. Ela esperava
estupidamente que fosse rápida e relativamente indolor: a
guilhotina, decapitando pela espada, talvez por um esquadrão
de fuzilamento. Algo que ela poderia suportar com dignidade
que causaria mais dor a sua psique do que a seu corpo. Algo
poético, trágico ou morbidamente elegante.
Como ela estava equivocada. Como era ingênua.
Isso não seria rápido. Eles estavam esperando por mais
do que apenas seu sangue – eles queriam humilhá-la, fazer
dela um exemplo. Eles queriam espetáculo. Eles
queriam teatro.
A máquina horrível, a multidão raivosa e sibilante, o
coração apertado em um punho no peito. O ar tão sufocado
de malícia e sede de sangue que mal podia respirar sem se
sentir sufocada. Uma acusação gritada do fundo da sala: —
Traidora! — E a multidão começou a zombar, agarrando-a
em coro, batendo os pés.
Ela rezou para não quebrar tão cedo e dar-lhes a
satisfação de ouvi-la implorar por misericórdia. Ela não
fraquejou ainda, em todas as semanas de isolamento e
privação e brutalidade que sofreu na cela esperando.
Mas isso, oh, isso...
Engoliu em seco, com as mãos trêmulas, lutando contra
o medo animal que se agarrava, formando um grito em sua
garganta e silenciosamente repetiu quatro palavras que
englobavam tudo o que ela acreditava, tudo o que tanto
desejara, seu sonho de toda a vida transformado em profecia
e maldição.
Viva livre ou morra.
Um ou outro. Ela escolheu há muito tempo.
Ela não nasceu para se esconder. Ela não nasceu para
viver como um animal domesticado, manso e dócil,
acorrentado a uma estaca no quintal. Ela nunca realmente se
encaixou. Mesmo quando era uma criança, tudo o que ela
queria era mais, embora não soubesse exatamente mais do
que.
Viva livre ou morra. Que assim seja.
Com Nathaniel a alguns pés hesitantes atrás dela, ainda
agarrando seu ferrão, ela avançou através da multidão com a
cabeça erguida, suas mãos trêmulas escondidas nas dobras de
seu vestido, seu olhar fixo à frente sobre o estrado e seu grupo
de Vigilantes homens à espera.
— Incrível, — Leander ouviu um dos membros da
Assembleia cuspir em voz baixa. Ele não se voltou para ver
quem era; seu olhar muito preso agudamente em Morgan.
Ela estava mais magra, pensou; definitivamente mais
magra e pálida, embora não tivesse reduzido sua beleza ou seu
apelo sensual e magnético. Ele observou as cabeças girarem e
as bocas caírem em seu rastro, homens, mulheres e
crianças. Embora todos em sua maneira fossem bonitos até o
ponto de não ter sentido, ela os superava.
De alguma forma – como sempre – ela encontrará algo
glamoroso e dramático, apesar de ter sido enviada para sua
cela quase quatro semanas atrás, em nada mais do que trapos
ensanguentados. Agora usava preto fúnebre, simples e sério,
mas fazia com que parecesse a mais elaborada nas costuras:
um longo vestido de seda sem mangas, de um ombro,
flutuando sobre suas curvas suaves, com um fino
encantamento; sandálias prata de salto alto; cabelos de mogno
espesso varridos para trás de seu rosto em um penteado
elegante e casual. Mesmo sem adornos, sem pintura ou
ornamento, mesmo proscrito e injuriado e caminhando em
direção a sua morte iminente, terrível, ela era verdadeiramente
magnífica.
Apesar de toda a situação, sorriu. Nesse momento, ela o
lembrou de sua esposa.
Orgulhosa. Real. Uma lutadora.
Ele nunca realmente olhou para ela antes, não assim,
como um estranho, que a vê pela primeira vez.
Eles cresceram juntos, afinal, e ele não tinha nada além
de admiração por seu fogo e inteligência, por sua capacidade
de ter sucesso onde nenhuma na tribo antes dela teve. Ela foi
à primeira mulher a servir em qualquer Assembleia em
qualquer das Colônias, a primeira a entrar em qualquer briga,
a primeira a se rebelar seriamente contra seu papel de esposa
e, com o tempo, valorizada criadora. Ela poderia até ter
intimidado ele se não tivesse sido o Alfa e, portanto, imune a
esse tipo de coisa.
Mas você é Alfa, o animal dentro dele assobiou irritado,
levantando-se picando sua pele. E ela quase matou sua
irmã. Ela quase matou sua esposa. Ela traiu todos vocês.
Seu sorriso desapareceu. Ele relaxou de volta para o
conforto macio de sua enorme cadeira esculpida, inalou uma
respiração profunda, e esperou que começasse.
— Morgan Marlena Montgomery, — o visconde
Weymouth entoou sobre a cacofonia, olhando para baixo de
seu nariz aquilino através de seus óculos. Ele tomou um
prazer especial em seu papel no processo, porque
foi ele quem ela conspirou para matar, afinal de contas,
independentemente da sua incapacidade de fazê-lo. — Filha
de Malcolm e Elizabeth, ex-jurada desta Assembleia, você
entende as acusações feitas contra você?
Morgan ficou parada diante do estrado, com as mãos
cruzadas na cintura, à cabeça inclinada. A multidão
zombadora caiu de repente em silêncio tenso, e até mesmo a
brisa rastejando pelas janelas abertas parecia ter
parado. Lentamente, ela levantou a cabeça e nivelou o
visconde com seu olhar, calmo e direto.
Os raios de sol inclinados caíam em seus cabelos e
enlaçaram sua cabeça com brilho de cinza e bronze, uma
coroa de luz de fadas, e ela parecia por um momento como
uma Madona de Michelangelo, pura e doce, e nada como a
víbora traiçoeira que ele sabia que era.
— Eu entendo, — ela respondeu com sua voz suave,
mas clara. — E eu aceito a vontade da Assembleia.
O visconde farejou desgostoso. Ela não parecia
apropriadamente com medo. Bem, não importa. Teria medo
em breve, assegurou-se. Muito em breve. Ele a teria
despojada, esfolada e atada como um peru; Ele a daria à
multidão para suavizar antes de fixá-la ao Furiant, seu
pessoalmente favorito dispositivo de tortura da tribo, assim
chamado em homenagem à dança boêmia de girar e agitar
corpos e membros.
Logo, ele prometeu a si mesmo novamente, quase
salivando com antecipação. Vou ver você nua e implorando
em breve, minha pomba traiçoeira. Ele estalou o grosso maço
de papéis em suas mãos e umedeceu os lábios, abaixando seu
olhar mais uma vez.
— Então, por resolução unânime deste Corpo — ele leu
sua voz sonora levando até os confins da sala silenciosa, —
estamos aqui para que...
— Espera.
A voz veio atrás dele, clara e comandante, o sotaque
americano evidente mesmo com aquela única palavra. Ele se
virou assustado, e a sala virou-se com ele, todos os olhares
agora focados na mulher que apareceu tão de repente ao lado
do trono vazio. Ela era adorável e pálida, a criatura mais pálida
da sala, de cabelos dourados e delicado em um vestido de
cetim marfim que quase combinava com sua pele.
Ela ficou ali como uma opala cintilante entre um mar de
pérolas negras.
Ele vislumbrou seu rosto solene, registrou a obstinada
elevação de seu queixo, e seu coração afundou.
— Majestade, — ele murmurou, executando um arco
baixo e praticado. Os homens de cada lado dele levantaram-
se e curvaram-se por sua vez, assim como todos na multidão,
em completo silêncio. Como a eletricidade estática que
acende em refegas invisíveis sobre todas as suas cabeças, a
sensação de antecipação no ar aumentou mais.
O marido levantou-se e tomou-lhe a mão, e, com um
arco interrogativo de uma testa, inclinou-se e pressionou os
lábios nos dedos. Quando ele se endireitou, ela lhe enviou um
olhar penetrante de soslaio e deixou sua mão descansar na
dele enquanto ela se virava para o salão.
— Tenho uma ideia — declarou a Rainha.
Sob o colarinho branco engomado da camisa, o visconde
Weymouth começou a suar.
Morgan estava tendo dificuldade em se lembrar de como
respirar.
— E assim — prosseguiu a rainha, dirigindo-se
calmamente à estupefata Assembleia. — Podemos matar dois
pássaros com uma só pedra. Por assim dizer.
Na esteira desta declaração – total silêncio.
Eles voltaram a se reunir na Biblioteca do Leste, uma
sala menor, mas não menos grandiosa do que o salão formal
que acabavam de sair. Estava cheia de antiguidades
inestimáveis e relógios com tique-taque, tapetes felpudos
turcos e um enorme lustre de cristal que lançava prismas
fraturados de luz sobre a mesa de mogno polido e o grupo
silencioso e rígido de dezenove sentados à sua volta.
Dezesseis membros da Assembleia, um Alfa, uma
Rainha, e ela.
A traidora.
Para quem a rainha acabou de oferecer uma salvação,
embora fosse difícil.
Morgan manteve-se calma o melhor que podia,
concentrando-se na vista das colinas através das janelas,
rolando a deriva de terra argilosa acarpetada em campos de
esmeralda, balançando flores silvestres e quilômetros de
floresta tão densa que apenas uma fraca lembrança de sol
chegava à floresta silenciosa, por ter copas muito altas. Raios
verdes pálidos se filtravam, mas nunca penetravam
completamente a melancolia fresca.
O rio Avon cortava o centro escuro dela, quilômetros de
voltas serpenteantes e água cristalina brilhantes como joias
acima por lançar libélulas turquesa e cheiros de pinheiro
perfumadas e tufos finos de flutuantes solidagos4 a deriva,
abaixo um espelho de um flash de truta arco-íris. Em um dia
claro como este, ela sabia que seria capaz de ver claramente o
fundo arenoso, os faisões acenando de musgo ancorado nas
camas de pedras lisas e escuras, os filhotes minúsculos,
lançando e pegando. Passara horas explorando a Floresta
Nova quando era uma criança, muitas horas, dias e meses de
sua vida. A memória se dissolveu como uma pílula amarga em
sua língua; com toda a probabilidade, ela nunca iria explorá-la
novamente.
— Com todo o respeito, minha senhora, — disse o
visconde à rainha com os lábios rígidos, — Eu não consigo
ver como o plano pode ser realisticamente executado.
Pelo canto do olho, Morgan viu a cabeça de Leander
girar na direção do visconde. Ela não precisava ver seu rosto
para sentir o calor particular de seu olhar em resposta: alerta

4
e abertamente hostil. Invejando o falcão solitário que
circundava muito acima no céu azul forte além das janelas, ela
fechou em punhos suas mãos trêmulas em seu colo e praticou
a respiração.
Dentro. Fora. Dentro. Fora.
O visconde começou de novo em tom mais conciliador.
— Não há absolutamente nada que garanta que essa
fêmea — disse para Morgan com a boca curvada, — Que
provou ser um perigo para a tribo pelo pior ato possível de
traição, fará como você diz. Ela simplesmente desaparecerá,
nunca mais será vista novamente. Ou pior, ela vai encontrá-
los. E revelar tudo.
Morgan olhou-o de relance sob os cílios. De sua posição
sentada ereta e dourada perto da cabeceira da mesa, ele
balançou a cabeça.
Duas manchas brilhantes de vermelho manchavam suas
bochechas, um brilho fino de suor cobria sua testa, suas mãos
enroladas em torno dos braços de sua cadeira tão forte que
seus dedos ficaram brancos. Ela quase sentiu pena dele.
Quase.
— Não, ela não vai. — Jenna virou a cabeça e olhou
através do cômodo para ela com olhos luminosos de verde-
amarelo, fresco e avaliando. — Você vai, Morgan?
Sem palavras, tentando não tremer, piscar ou revelar de
outra forma o monstro do terror em seu estômago, Morgan
negou com a cabeça.
Jenna voltou-se para o visconde e lhe concedeu um
sorriso satisfeito.
Ninguém disse nada por um longo momento
congelado. Então uma voz soou do meio da mesa, mais forte
do que ela teria lhe dado crédito.
— Eu acho que é um bom plano.
Nathaniel, recém-batizado membro da Assembleia,
olhou nervosamente ao redor com uma mecha de cabelo
escuro caindo sobre um olho. Morgan inclinou-se contra a
parte traseira estofada da cadeira rosa e exalou um longo
suspiro, em silêncio pelo nariz. Ela queria que ele ficasse
quieto, o olhou fixamente. Por favor, fique quieto, ou você
não está em seu juízo perfeito, seu idiota!
Ele era doce e jovem, e ela não queria vê-lo fazer nada
estúpido e se machucar, especialmente por sua causa. Não era
a primeira vez, ela desejou que seu dom da sugestão pudesse
ser usado através do espaço vazio e não fosse limitado ao
toque.
— Concordo, — disse Leander, ao óbvio choque de
todos na mesa, exceto a Rainha, que se sentou ao lado dele,
descontraída e elegante, com uma sobrancelha finamente
arqueada, ligeiramente levantada, como se dissesse para o
resto deles, vá em frente, se você ousa.
— Mas, mas... — o visconde balbuciou lívido. Ele se
sacudiu da cadeira. — É impossível! Não há garantia —
Outro homem estava de pé, Grayson Sutherland, atarracado
e bem-considerado. — O risco é muito grande, senhor.
Mesmo você deve ver...
— Sim, sim, — outra pessoa estava dizendo em voz alta,
— Os riscos superam qualquer vantagem que poderíamos
esperar obtermos.
— Ela não iria apenas retornar
— É escandaloso pensar...
— Ela não é de confiança!
— ...O perigo para nós...
— Pense nas consequências — Eles estavam todos em
seus pés agora, discutindo e gritando uns sobre os outros,
todos, exceto a rainha e seu Alfa, que permaneceu distante e
silencioso, e Morgan, sozinha no final da mesa, tremendo em
sua cadeira. Embora estivesse quente o suficiente na sala, ela
estava fria, gelada, um gelo que se tornou profundo. Sepultura
profunda. Ela se perguntou se sentirá quente novamente um
dia.
Leander ergueu-se abruptamente da cadeira, um leve
desdobramento de membros que era ao mesmo tempo
elegante e inquestionavelmente ameaçador.
— Silêncio, — ele ordenou com os dentes cerrados, e,
tão abruptamente, houve.
Com os lábios brancos e petrificados, Morgan sorriu. Se
ela alguma vez tivesse questionado a autoridade do conde de
Sommerley ou seu controle e poder sobre a tribo, sua
habilidade de enviar um grupo de dezesseis homens selvagens
e sedentos de sangue, a se afundarem de volta em seus
assentos com uma fúria silenciosa e pálida com apenas uma
palavra, provava sem dúvida. Ele era Alfa por uma boa razão.
Olhou em volta da mesa e, um a um, todos os homens
da Assembleia se afastaram.
— Vou falar com a minha esposa, — ele continuou
nesse tom baixo, de aço. — Sozinho.
Os homens compartilhavam olhares
amargos; Resmungos de assentimentos foram ouvidos. Eles
ficaram de pé um a um, e as cadeiras foram raspando o chão
de mármore como os grilhões que prendiam o pulso de
Morgan fazendo seus dentes rangerem. Alguém chegou perto
dela, tocou-lhe suavemente o braço nu. Ela olhou para cima
para encontrar Nathaniel olhando para ela, sorrindo
hesitantemente, aquela mecha de cabelo caindo sobre um
olho, obstinadamente recusando-se a permanecer no lugar.
— Senhorita Morgan, vou levá-la de volta para o seu...
— Não a toque! — Assobiou o Visconde Weymouth,
vindo por trás dele. Ele afastou a mão de Nathaniel de seu
braço, e Nathaniel empalideceu e deu um passo para trás, de
olhos arregalados. — Você quer que ela te tire o sentido,
garoto? Faça de você o seu boneco com não mais do que isso?
Ele ergueu um dedo como se fosse uma arma carregada.
Nathaniel deu outro rápido passo para trás. Morgan
sabia que era inútil argumentar, dizer-lhe que, claro, ela não
faria tal coisa, então ela manteve a boca fechada e levantou-se
da cadeira, insegura, sem entender o que provocou tudo isso.
Sua confusão era esmagadora e bem
fundamentada. Jenna quase morrera por causa dela.
Por que ela tentaria salvar a vida de Morgan?
Mas ela não iria descobrir em breve, porque o visconde
voltou para a mesa e pegou o ferrão que Nathaniel deixou
para trás. Ele caminhou para trás em toda a sala em direção a
ela, segurando-a para fora e a ameaçando da forma como um
domesticador de leão empunha um chicote.
Sabia que ele o ligou mesmo antes de apertá-lo contra
seu ombro, a sacudida de eletricidade que a esfaqueou como
uma lança derretida e fez a sala explodir em pedaços de
vermelho e branco e depois deslizar, escorregar em preto era
mais do que a confirmação.
Pelo menos ela teve tempo de agarrar seu pulso antes
que ela desmaiasse.

Iria chover.
Jenna sentiu em seus ossos, embora o céu através das
janelas altas da biblioteca do leste fosse ainda aquele azul
perfeito, sem nuvens. Havia uma dor maçante em seu peito
que predizia a tempestade que se aproximava, assim como no
passado um sibilo vibrante em seu estômago indicara um
iminente terremoto, um gosto amargo na parte de trás de sua
língua predisse neve e aquela dor rara atrás do olho direito -
experimentado apenas uma vez, quando era criança e vivia em
uma das ilhas havaianas menores - prenunciava uma erupção
vulcânica. Os furacões trouxeram enxaquecas, batendo e
uivando como a própria tempestade.
Você vai sentir a própria pulsação da terra, alguém sábio
certa vez disse para ela não muito tempo atrás, e ele estava
certo. Ser Ikati significava estar vivo e em sintonia com a
sinfonia da natureza como nenhuma outra criatura na Terra
era.
Atrás dela, de um lado para o outro, pelo chão de
mármore e pelos tapetes turcos feitos à mão, aquele sábio
passeava, silencioso, como só um predador noturno pode ser.
— Você não me disse, — veio sua gentil acusação, baixa
e levemente divertida.
Ela não se virou da janela.
— Eu não sabia até esta manhã, — ela respondeu com
sinceridade.
Ela estava temendo este dia por semanas. Uma e outra
vez, ela o transformou em sua mente, trabalhando nisso da
mesma maneira obstinada e firme que um cupim mastiga
através da madeira. O que ela ia fazer?
Porque ela tinha que fazer alguma coisa, obviamente. Ela
não iria apenas sentar e deixar Morgan morrer. Mas o que?
O que?
Era um problema que desafiou a solução. O perdão
estava fora de questão. Execução estava fora de questão. A
prisão indefinida estava fora de questão, porque ela sabia que
seria pior do que a morte para alguém como Morgan, tão
feroz e orgulhosa.
Mas sua traição cortou Jenna até o osso, tanto literal
como figurativamente. E a irmã de Leander, Daria, ainda
estava em uma situação grave, com maior probabilidade de
ficar mutilada por toda a vida.
Havia o fato inegável, entretanto, que Jenna, apesar de
zangada, traída e bastante ferida, compreendia exatamente
porque ela fez isso. O que a deixou de volta onde ela começou
ponderando qual seria o castigo de Morgan.
Nada chegou a ela até que se pegou olhando fixamente
para um dos óleos de cor dourada na Galeria de Alfas. Ela foi
quase todos os dias para olhá-lo, atraída por uma combinação
de curiosidade, nostalgia, e o sentimento fraco, irritante de
algo óbvio que estava sendo desperdiçado. Era um retrato
feito com cuidado e precisão, a imagem de um homem bonito,
sorridente, com uma mandíbula afiada e uma testa larga, feita
em fosco severo e carvão, iluminado de cima. Seus olhos
verdes brilhantes olhavam para baixo da tela, tão selvagens e
astutos quanto os dela. Pois o retrato era de seu pai.
Ele fora um fora da lei para a tribo também, e pagou o
preço final.
— Ela me lembra de meu pai, de certa forma, — Jenna
refletiu em voz alta, observando as andorinhas subirem da
linha de árvores além das janelas. Elas se espalharam em
flashes de cinza e preto, derretendo no céu.
— Mesmo? — A resposta murmurada de Leander era
irônica, não era uma pergunta. O ritmo parou por um
momento, depois começou de novo.
Ela se virou para encará-lo com um farfalhar de tafetá e
cetim, lembrando-se de trocar o ridículo vestido o mais rápido
possível. A Assembleia inevitavelmente exigia um vestido
formal para essas ocasiões, embora o odiasse. Até seu Leander
selvagem estava vestido formalmente com um belo terno azul
marinho tão profundo que era quase preto, mocassins
italianos reluzentes, abotoaduras e uma camisa engomada e
gravata de seda.
Somente o cabelo permanecia indomado, um brilhante
emaranhado escuro que roçava os ombros, sempre parecendo
levado pelo vento mesmo depois de ter sido penteado.
Nu. Ele parecia muito melhor nu. Embora ela supusesse
que ele precisava usar alguma coisa, roupas só serviram para
mascarar sua verdadeira glória.
O problema do vestido formal logo seria remediado,
disse a si mesma com firmeza. Ela estava completamente
curada agora de todas as suas feridas, e era hora de subir ao
trono e começar a revisar as regras antigas.
O primeiro item do negócio era Morgan.
— Ambos são rebeldes...
— Com muito diferentes motivos, — ele interrompeu
ainda irônico, ainda andando com as mãos cruzadas atrás das
costas. Ele atirou-lhe um olhar medido e aquecido sob os
cílios fuliginosos.
Sua boca se curvou.
— Um para o amor, outro para a liberdade. Ambos
nobres ideais.
— Nobre? — Ele parou abruptamente e olhou para ela
do outro lado da sala. Sua expressão limitou-se a severo. —
Jenna.
Ele disse o nome daquela maneira particular quando ele
pensava que ela estava sendo irracional, repreendendo-a, mas
ainda acariciando, terno, mas reprovador, e ela estava
abruptamente zangada. Afastou-se da janela, cruzou os braços
sobre o peito e foi parar em frente à enorme e apagada
lareira. Ela chutou o pé da tela de ferro enrolada que a
protegia e foi recompensada com uma mancha negra de
cinzas através do dedo do pé de seu sapato de cetim marfim.
— Você não pode entender Leander. Você teve sua
liberdade toda a sua vida. Ela foi presa, trancada, negada os
direitos mais básicos.
— Por sua segurança. — Para a nossa segurança, — ele
lembrou.
Quando ela não respondeu, ele chegou atrás dela e ficou
de pé com a ampla extensão de seu peito pressionado contra
suas costas. Suas mãos levantadas para gentilmente rodear
seus ombros. Ele afastou a massa dourada de seus longos
cabelos e pressionou um beijo suave em sua nuca. Ela franziu
o cenho para os restos de um fogo morto há muito tempo e
se recusou a se virar e enrolar os braços ao redor de seu
pescoço, embora quisesse com um desejo tão forte que ainda
a pegou de surpresa.
Sempre, sempre esta necessidade por ele. Pelo seu
corpo, seu coração e sua proximidade, mesmo quando estava
irritada com ele, mesmo quando ele a estava deixando louca
com sua lógica fria e calculada. Ela simplesmente não podia
imaginar ficar sem ele, por um segundo de um dia. Apenas o
pensamento disso causava dor física.
O amor, ela aprendeu, era seu próprio tipo de
prisão. Com correntes e fechaduras invisíveis, mas tão reais e
inflexíveis quanto às de aço.
— Você sabe o que está lá fora, — ele murmurou. Seus
lábios roçaram a pele dela com uma gentileza que deixou a
carne sensível em seu rastro. — Você sabe melhor do que a
maioria.
Ela fechou os olhos e inalou, deixando que ele a atraísse
mais perto, deixando seu cheiro de especiarias, fumo e
homem viril envolvê-la. Seus lábios deslizaram por seu
pescoço; a suave pressão de seus dentes contra a jugular a fez
tremer de prazer. Mas ela ainda estava zangada com
ele. Definitivamente.
— Todo mundo merece uma segunda chance, — disse
ela, inclinando-se para ele. Ela deixou a cabeça cair para trás e
repousar contra seu ombro. Ele virou os lábios para a
bochecha dela.
— Hmmm, — ele murmurou não convencido. Ele a
abraçou em um abraço gentil e possessivo e enfiou o rosto em
seu pescoço. Ela pressionou sua vantagem. — Um acordo, —
ele sussurrou perto de sua orelha, — Pode ser uma coisa boa.
Seus olhos piscaram. Instantaneamente em guarda, ela
endureceu. — Acordo?
Ele soltou uma risada baixa pelo pescoço que enviou o
calor subindo por todo seu corpo. Ele a amaciava, a fazendo
pensar em travesseiros, lençóis e sua cama muito boa, e ele
ardente, quente e nu ao lado dela.
Dentro dela.
Irritada, ela se lembrou. Irritada.
— Eu sei que isso é importante para você, — ele disse
naquela voz macia de quarto, acariciando com suas palmas
para cima e para baixo de seus braços, balançando lentamente
para frente e para trás em seu forte abraço. — E eu sei que
uma vez que você tem sua mente feita, bem... — Ele abaixou
seus lábios para seu pescoço novamente, abriu a boca sobre a
base de sua garganta, calor e suavidade e uma sucção suave
que fez suas pálpebras flutuarem. —Eu poderia muito bem
tentar parar o vento norte.
— Exatamente — disse ela, franzindo o cenho agora
para as estatuetas esculpidas que decoravam a longa moldura
da lareira, fileira após fileira de obsidiana, porcelana e panteras
de vidro em miniatura, agachadas, pulando, descansando nos
membros de uma árvore.
Sua risada abafada sacudiu os dois. Ele a girou em um
movimento praticado, fluido, suas mãos suavemente
coagindo seus quadris, suas mãos espalmadas contra a suas
costas, atraindo-a novamente. Sem pensar, seus braços se
estenderam e se enrolaram em torno de seus
ombros. Inclinou a cabeça e pressionou os lábios contra a
têmpora, a bochecha, e o canto da boca.
— Mas talvez, grande Rainha, permita-me uma ou duas
condições minhas — murmurou, estendendo a mão pela
nuca. Ele inclinou a cabeça e choveu beijos suaves sobre suas
pálpebras, sua testa.
Ela fez um barulho de protesto sem palavras e manteve
os olhos fechados, franzindo a testa, sentindo o calor e o
músculo dele queimá-la diretamente através de suas roupas.
— Pare de tentar me subornar.
— Nunca a subornaria, — ele respirou, roçando seus
lábios sobre os dela, levemente, oh tão levemente, apenas o
suficiente para fazer seu pulso saltar e tê-la levantando em
seus dedos para melhor encontrá-los. Seus lábios se
separaram e ela sentiu o ligeiro, choque elétrico de sua língua
contra a dela. Seu braço se apertou ao redor dela, então ela
sentiu o batimento de seu coração bater contra seu peito,
destacado e forte, para combinar com o seu próprio. —
Apenas perguntando.
Com uma das mãos ainda segurando a cabeça e a outra
segurando duramente ao redor de seu corpo, ele cobriu sua
boca com a dele e beijou-a profundamente, fazendo-a
esquecer de tudo sobre a diferença entre um suborno e uma
pergunta simples, fazendo-a arrependida, havia uma mansão
cheia de inquietos, selvagens Ikati de olhos à espera de sua
decisão, fazendo-a lamentar o terrível inconveniente de sua
fina e formal roupa.
Ela se afastou primeiro, ofegante e ruborizada, e olhou
para ele de baixo de suas pestanas.
— Um ou dois, — disse ela, ainda teimosa, acesa na
escuridão, incandescente queimando de seus olhos. — Mas
concordamos que ela pode tentar?
Uma figura cambaleou do lado de fora das janelas
sombreadas pelo sol, com olhos vidrados e frouxo,
tropeçando cegamente sobre o gramado bem cuidado, se
dirigindo para a linha escura de árvores na distância onde a
floresta começa. Sem olhar, ela sabia que era o visconde
Weymouth, vagando sem rumo em seu colete cor de mostarda
e gravata antiquada, completamente nu sob a cintura.
Leander sorriu para ela, como um lobo, e o rubor se
espalhou por suas bochechas e pelo pescoço.
— Ela pode tentar, — ele cedeu, inclinando sua cabeça
para a dela de novo. — E quando ela acordar do choque que
Weymouth deu a ela, talvez você possa levá-la a sugerir a ele
que coloque de volta a suas calças.
— Ele é sortudo. Se eu tivesse o seu dom e ele tivesse
me dado um choque com essa coisa, ele estaria nu e deitado
em uma poça de seu próprio sangue. — Jenna suspirou,
inclinando-se para Leander, pressionando os lábios nos dele
novamente. — Vamos para o quarto, meu amor? — Ela
murmurou, tocando o nó de sua gravata de seda. — Eu
encontro-me com necessidade de.... Uma mudança de roupa.
O assassino estava olhando para a mesma grande
extensão de janelas Tudor na biblioteca do leste que Jenna
olhou no dia anterior, observando a massa de nuvens negras
de trovão que estrondou acima, sinistro e opaco. Chuva
coberta de prata, inclinada de lado ao vento e manchando a
vista dos campos se misturava com a floresta para além de
partes de silêncio cinza, marrom e verde. Relâmpagos
atravessaram as nuvens, brancos brilhantes, e iluminaram as
colinas e as árvores em repouso, linhas pagãs antes de
dissolver novamente a fumaça e sombra. Um som baixo de
trovão estremeceu o vidro.
A tempestade começou exatamente quando
desembarcou do avião particular do condado de Sommerley
em Heathrow esta manhã e não mostrou nenhum sinal de que
ia acabar. Lembrava-lhe as tempestades que encharcaram sua
própria colônia no Brasil todo verão. Mas esse temporal,
vigoroso como era, parecia de alguma forma menos
primitivo. Mais previsível. Mais .... Restrito.
Tudo nesta sofisticada, alastrada colônia Inglesa era tão
contido. A arquitetura, as pessoas, a terra, até o clima. Apenas
sua Lei era a mesma, pensou. Ele viu a evidência disso no
dispositivo de aparência medieval ainda em pé no grande
salão. Exalava uma fome animal, assim como as máquinas
mantidas por sua tribo.
— Eu não segui, — ele disse para as janelas. — Se você
sabe onde eles estão, por que não enviam uma guarnição? Por
que vocês não enviam uma força completa para eliminá-los?
— Nós não sabemos exatamente onde eles estão. E até
que o façamos, não podemos montar um assalto direto. Não
podemos arriscar a exposição ou a mão-de-obra. A maioria
das nossas forças está preparando a tribo para a mudança para
Manaus. E uma vez que eles sabem sobre todas as colônias,
exceto a sua, mover a tribo para a segurança é a nossa primeira
prioridade. Uma vez que todo mundo estiver seguro,
podemos nos concentrar em estratégia, mas, entretanto, não
podemos acabar com eles cegamente. Precisamos de mais
informações.
O tom de Leander estava apertado o suficiente para
revelar sua irritação. Xander conhecia o conde há décadas e
sabia como odiava as perguntas, odiava as explicações. O que
significava que, além de precisar de informações, Leander
precisava dele.
— Mais informações. — Xander girou da janela e olhou
para Leander com uma sobrancelha levantada.
Matar primeiro, fazer perguntas mais tarde, esse era o
seu próprio lema, e isso o serviu bem. Mas aquele homem que
se recostava tão casualmente na parte de trás de sua elaborada
cadeira em seu elaborado salão dentro de sua casa senhorial,
ainda mais elaborada, não podia viver do simples credo de um
assassino. Ele era Alfa, o que significava decisões cuidadosas,
perguntas cuidadosas, planos cuidadosos.
Política. Ele a odiava. Graças a Deus o papel de Alfa de
Manaus foi para seu meio-irmão.
— Sim, — disse Leander, olhando para ele agora com
irritação desveladas em seus afiados olhos verdes. Ele se
mexeu na cadeira, inquieto, e algo em sua expressão sugeriu
que ele tinha seus próprios problemas, não ditos com este
plano. — Localização exata, números exatos. Como eles
vivem. O que, exatamente, eles sabem sobre nós.
Xander o estudou, perguntando-se o que estava
perdendo.
— Se você está procurando esse tipo de informação,
você não precisa de um assassino. Você precisa de um
infiltrado. Uma toupeira.
— Como acontece, precisamos de ambos.
Aparentemente, já não se contentava em sentar-se,
Leander levantou-se de sua cadeira e se mudou para um
elegante aparador de cerejeira polida que exibia uma variedade
de garrafas de cristal cheias de âmbar, ouro e líquidos claros,
colocadas numa bandeja de prata. Xander assistiu com ligeira
surpresa quando seu anfitrião derramou uma generosa dose
de scotch em um copo, jogou a cabeça para trás e a tomou em
um gole.
De acordo com o relógio longo no canto, mal passava
do meio-dia. A sensação vaga de que algo estava sendo
solidificado em segurança.
— Ambos? — Ele perguntou quando Leander não
continuou.
Houve silêncio na sala por vários momentos,
ininterrupto, exceto pelo som de chuva contra as janelas e o
tique-taque do relógio. Então Leander falou baixo, para o
copo vazio em sua mão.
— Você já se apaixonou, Alexander?
O assassino, treinado desde a infância para agir e não
sentir foi apanhado completamente desprevenido.
Contra sua vontade, a imagem passageira de um par de
olhos castanho-chocolate, líquido escuro e sorridente, brilhou
em sua memória. Ele piscou e a imagem desapareceu,
deixando para trás um fantasma de dor maçante que palpitava
e choramingava em seu peito antes de impiedosamente
sufocá-lo.
— Não, — ele respondeu sem rodeios.
— Nem eu, até recentemente, — prosseguiu ainda
baixo, imóvel para o copo vazio. Xander sabia que ele falava
de sua nova esposa. A Rainha do Diamante, eles a
chamaram; tão bonita tão rara. Era famosa em todas as quatro
colônias Ikati, tão famosa por seus dons e charme como
foram os seus antepassados e sua filiação.
A única Ikati nascida livre, filha de um fora da lei Alfa e
sua predestinada, amor proibido.
Um humano, de todas as coisas. O inimigo.
— É mais poderoso do que eu jamais teria imaginado,
— Leander pensou, quase para si mesmo.
— Elementar. Transformativo. E doloroso. — Ele deu
uma risada suave, sem humor. — Como o fogo.
— Como a morte, — Xander se juntou ainda naquele
tom plano, sem emoção.
Esta conversa foi dirigida por um caminho muito escuro,
um caminho perigoso, um que ele não se importava de
seguir. O amor era um elemento, ele sabia muito bem, tão
cruel e violento como furacões ou tornados e inundações. Até
mesmo falar sobre isso convidava o desastre.
Outro estrondo de trovão sacudiu as janelas, e Leander
pareceu sair de seu devaneio.
Colocou o copo vazio sobre um porta-copos frisado e
virou-se abruptamente, seu rosto limpo de emoção.
— Nós queremos que você acompanhe um membro de
nossa colônia a Roma para caçar o Expurgari.
As sobrancelhas de Xander se ergueram.
— Estão em Roma?
— Eu sei — disse Leander. — Eu sempre imaginei que
os Expurgari viviam nos piores lugares do mundo, nos lugares
desolados ou doentes. Em algum lugar como Calcutá ou Vale
da Morte.
— Ou Chernobyl — acrescentou Xander, muito seco.
— Mas talvez nunca tenham saído de Roma. Tudo
começou com um imperador romano, afinal. Um de seus
descendentes pode ser seu líder agora.
— Mas por que eu? — Xander persistiu. — Eu não sou
um guarda-costas, como você bem sabe. Na verdade, eu sou
exatamente o oposto. Se seu membro da tribo precisa de
músculo, há escolhas muito melhores do que eu...
— Não! — Interrompeu Leander, olhando de soslaio
para Xander. Ele inalou uma respiração lenta que levantou
seus ombros, então atravessou a sala e afundou de volta no
conforto de sua cadeira.
Apoiado na cadeira. Ele virou seu olhar sobre a
tempestade fora das janelas.
— Não é um guarda-costas que procuramos. Seu
conjunto de habilidades específicas é exatamente o que é
necessário. Para nosso membro da tribo.
Havia algo de irônico na maneira como pronunciou a
última palavra, algo zombeteiro.
Xander esperou, sabendo que ele iria obter as respostas
que estava procurando, se esperasse o suficiente. Sua
paciência era lendária, quase tanto quanto sua precisão e
eficiência, sua total falta de emoção.
— Uma vez em Roma, — disse Leander em voz baixa,
ainda olhando pela janela. — Você irá ficar duas semanas,
nem mais um dia. E se nesse período se a localização exata do
quartel-general dos Expurgari não for determinada pela
pessoa que você acompanhará, se as informações detalhadas
que buscamos não forem recolhidas, você fará o que faz de
melhor. — Ele virou a cabeça e seu olhar pisou sobre Xander
uma vez em avaliação afiada, fria. — Você vai matá-la.
— Ela? — Xander repetiu, chocado, embora sua
expressão permanecesse impassível como sempre.
Mas antes que pudesse dizer mais, houve uma batida
forte na porta da biblioteca. Quando se abriu Leander disse
seco — Entre, — Xander ficou chocado mais uma vez, desta
vez em silêncio.
— Isso é o melhor que eu posso fazer, — Jenna disse
com sua voz esticada, e soltou os dedos de Morgan. Ela caiu
de volta no tumulto de peônias escarlate e rosa que decoravam
sua cadeira de seda estofada e descansou uma mão pálida,
agitando sobre os olhos.
Morgan afundou de volta no frio de sua cadeira de metal
em frente à de Jenna e tentou muito não vomitar. Ela ainda
lutava contra aquele puxão lateral, aquela desorientadora
perda de gravidade, aquelas imagens vívidas que surgiram e
queimaram e borbulhavam desde os primeiros momentos em
que Jenna agarrou sua mão.
O Dom da Rainha da Visão era extraordinário, tão
poderoso e elegante como a própria mulher.
Ela podia ler os pensamentos de uma pessoa com um
toque, ver planos futuros e lembranças passadas, colher
informações e encontrar a verdade por trás de mentiras. Ela
também podia reproduzir essa informação de volta para outra
pessoa em uma espécie de filme silencioso e maníaco,
exatamente como ela estava fazendo agora. Mas Morgan
nunca pensara que estar dentro da mente de alguém – as
memórias de outra pessoa – seria tão terrível. Ou muito
nauseante.
Ela viu tudo. Tudo o que fizeram à rainha, tudo o que
ela sofreu nas mãos dos inimigos, e literalmente deixou
Morgan doente.
Um guarda avançou vestido de preto e musculoso, um
dos doze ou mais que ficavam observando com intensidade
semelhante a um falcão perto de suas cadeiras de frente no
solário. Era uma enorme câmara de teto de vidro com
enormes palmeiras, paredes afrescadas e sofás de seda,
cercados nos quatro lados por janelas arqueadas, cobertas de
chuva. A sala abrigava uma extraordinária variedade de
pássaros exóticos em gaiolas penduradas, batendo
impotentemente as asas cortadas contra as barras. Morgan
achava que era uma alegoria perfeita para toda a sua vida. Seus
chilreios e assobios fizeram uma sinfonia estranha com a
implacável batida da chuva sobre as vidraças acima.
— Majestade — murmurou o guarda, lançando um olhar
sombrio na direção de Morgan. Ele se aproximou e hesitou
alguns pés respeitosos afastados. — Você não está bem?
— Estou bem, — Jenna disse, acenando-o. — Eu estou
perfeitamente bem. Não era ela — acrescentou, sabendo que
suspeitavam de Morgan com alguma sugestão nefasta,
semelhante ao pequeno cenário com o visconde de ontem. A
rainha beliscou a ponta do nariz entre dois dedos e
murmurou, — Sempre estão pairando. É o suficiente para
deixá-la louca.
— Sim, — Morgan disse, muito suavemente. — Isto é.
O guarda recuou para o seu lugar com os outros homens,
e Jenna abriu os olhos e a nivelou com um olhar tão claro e
compassivo que a fez querer se encolher de vergonha, tão
indigna era ela da bondade ali. Mas ela não podia se
afastar; tudo que podia fazer era fechar os olhos para evitá-lo.
— Eu sinto muito, — Morgan sussurrou. Seu rosto
ficou quente; lágrimas ameaçadas atrás de seus olhos
fechados.
— Eu sinto muito pelo que fizeram a você, e que eu sou
a responsável, por isso.
Com um farfalhar de tecido, Jenna inclinou-se para
frente em sua cadeira. Uma mão gentil tocou o joelho de
Morgan.
— Eu sei o que você sente. Eu sei que você não quis
dizer.... Eu sei que não era o que você queria. — Quase como
uma reflexão tardia, ela acrescentou: — Eu posso ver você
sabe.
Morgan abriu os olhos, olhou para o pálido e sombrio
rosto oval de Jenna, e suportou um momento de auto aversão
tão ruim que parecia ter engolido uma granada.
— Por que você está fazendo isso por mim? Porque não
deixá-los me matar?
Ela não achou isso possível, mas o rosto de Jenna ficou
mais pálido. Ela tirou a mão do joelho de Morgan e se inclinou
lentamente para trás, acomodando-se em sua cadeira com o
menor dos suspiros melancólicos. Era um som patético como
sua vida. Seu olhar percorreu Morgan por um momento de
silêncio antes que ela começasse a falar hesitante.
— Fiz uma promessa para você uma vez. Não há muito
tempo. Você se lembra?
Sim, ela queria dizer. Eu me lembro. É claro que eu
lembro. Minha liberdade pelo o meu silêncio. Mas ela não
disse isso. Havia outros aqui, homens, guardas, legalistas
inquestionáveis, que nunca entenderiam como a semente da
amizade pode enraizar e florescer no escuro solo de um
segredo compartilhado.
— Mas isso foi antes... — Ela começou em protesto,
então parou, não querendo nem falar em voz alta.
Os lábios de Jenna se curvaram, e por algum motivo
bizarro, Morgan pensou que poderia esconder um sorriso.
— Meu pai costumava me dizer: “Uma promessa feita é
uma promessa mantida”. Ele nunca voltou em sua palavra e
nem eu. Tudo o que estou oferecendo é uma chance,
Morgan. Uma chance para que possamos ganhar vantagem e
fazer as coisas certas. Se conseguir, você será perdoada. Você
pode voltar a Sommerley ou mudar para uma das outras
colônias e começar uma nova vida para si
mesma. Realisticamente, não é uma grande chance - Roma é
uma cidade muito grande. Eu não vi nada específico do
Expurgari que me torturou, – ela disse torturou,
inflexivelmente, e o rosto de Morgan virou novamente – que
nos levaria a sua sede lá. Sem endereço, sem marcos pendente,
nem sequer uma ideia geral de bairro. Só aquela sala horrível
cheia de...
Cabeças, a rainha não disse. Cabeças preservadas em
formol, fileira após fileira delas em frascos de vidro que
revestiam uma parede inteira em uma grande sala sem janelas
de pedra escura e móveis antigos e coloridas bandeiras
penduradas perto do teto. Chefes de seus parentes Ikatis
assassinados, alguns de apenas alguns meses atrás e
dissecados, outros encolhidos de só Deus sabe quantos
longos séculos atrás.
Era a sala de troféus dos inimigos. E o alvo de Morgan,
quase impossível de encontrar.
Jenna limpou a garganta e baixou o olhar para suas mãos
descansando em seu colo.
— Você só tem duas semanas. Meio mês para encontrar
uma agulha num palheiro não é realmente uma grande chance,
mas é tudo o que posso fazer. É um... acordo. Encontre-os, e
tudo vai bem quando termina bem. Se, no entanto, você não
os encontrar a tempo... — Ela parou no meio da frase como
Morgan fez momentos antes, não precisando articular o
óbvio.
Se não os encontrasse a tempo, morreria.
Jenna deve ter visto como ela empalideceu, porque se
inclinou para frente de repente, agarrou ambas as mãos de
Morgan entre as suas, e falou em uma voz baixa, urgente.
— O destino terá o seu caminho com todos nós,
Morgan. Eu não posso prever como isso vai acabar, porque
está fora de minhas mãos, mas eu posso dar-lhe uma chance
de redenção. Todo mundo merece pelo menos isso. O resto
é com você. Encontre o Expurgari e deixe a tribo obter sua
vingança em outro lugar.
Muda, Morgan olhou para ela enquanto os guardas
pairando começaram a murmurar e sussurrar e avançar,
alarmados com este novo contato. Dois deles se aproximaram
e puxaram Morgan para trás pelos ombros, arrastando a
cadeira para trás vários metros.
Jenna levantou-se.
— Isso não é necessário, — ela sibilou quando um dos
guardas puxou as mãos de Morgan para as costas e torceu
colocando um par de algemas frias mordendo seus pulsos. Ela
apertou os dentes contra a repentina dor e – pior –
humilhação de estar presa. Os guardas a puxaram para cima,
empurrando a cadeira de lado com um chute.
— Ordens de Lorde McLaughlin, Vossa Alteza —
respondeu o maior, mal-humorado, respirando o ar maltado
no pescoço de Morgan. — Nenhum contato, exceto para a
transferência.
— Solte-a neste instante ou vou pedir sua cabeça,
— Jenna atirou de volta, com raiva, e o guarda endureceu no
que deveria ter sido de terror, mas foi mais provavelmente
indignação. Ela poderia literalmente ter sua cabeça, muito
facilmente, mas ninguém nesta sociedade patriarcal ainda
estava acostumado a uma mulher que exercia tanto
poder. Especialmente desde que Jenna não flexionou aqueles
músculos particularmente desde que se tornou
Rainha. Morgan sabia que seria preciso apenas um exemplo
sangrento para tê-los todos assustados e obedientes na linha,
mas ela não queria ser a causa de mais derramamento de
sangue.
— Está tudo bem, — ela disse para Jenna entre seus
dentes cerrados. — Você já fez o suficiente. Por favor, você
já fez o suficiente. — Ela olhou fixamente para o guarda
menor, o olhar preocupado com olhos suaves e uma boca
virada para baixo. — Já acabamos. Estou pronta.
Ele acenou com a cabeça e enrolou uma mão enluvada
em torno de seu braço, com cuidado para inclinar-se o mais
longe possível enquanto ainda se agarrava a ela.
— Morgan. — Jenna deu um passo à frente com a mão
estendida, mas os dois guardas que já começaram a levá-la
para longe, tropeçando nos seus calcanhares e vestido fino do
dia anterior, amarrotado agora porque ela dormiu nele. Os
outros guardas vieram para cercá-la em um nó, desfeito
quando eles foram em direção à porta com sua prisioneira.
— Estarei de volta — Morgan disse sobre seus ombros,
sua voz não muito equilibrada, nem muito forte. Ela observou
a figura solitária de Jenna recuar entre as palmeiras
aglomeradas e gaiolas revoltantes, cabelos pálidos e pele rígida
como neve contra o dia cinzento e chuvoso. — Eu vou fazer
isso dar certo. Eu prometo, — acrescentou ela, assim que eles
chegaram à porta.
— Boa sorte — disse Jenna. Mas carregada, triste com
sua voz suave, Morgan ouviu a despedida e sabia o que boa
sorte realmente significava.
Isso significava adeus.
O guarda com a respiração de malte – Matthew era seu
nome – foi o que bateu na porta de carvalho esculpida da
Biblioteca do Leste. De alguma forma, ele se achava no
comando, embora Morgan e todos os outros guardas
soubessem perfeitamente que ele não era classificado e era o
menos dotado do grupo. Sua única vantagem era um tipo de
força desajeitada, que ele usava judiciosamente para arrastá-la
através dos corredores silenciosos e sombreados da mansão,
puxando-a pelo cotovelo quando ela desacelerou ou tropeçou
em um solavanco em um tapete de pelo grosso.
Conhecia Matthew toda a sua vida, é claro, tal como
conheceu todos na tribo desde o dia em que nasceu. Ela
esteve lá há muito tempo, quando sua mãe deixou cair sua
irmã recém-nascida, pequenininha, chorando e deformada, na
boca negra aberta do Poço, a afogando, então se virou e se
afastou sem nem sequer derramar uma lágrima. Pequena e
assustada entre os sombrios adultos reunidos, Morgan
agarrou a mão de seu pai e sentia-se aterrorizada e orgulhosa,
não havia nada de errado com ela, nenhuma deformidade ou
fraqueza que obrigaria a tribo a evitá-la, obrigando a sua
própria mãe a fazer uma viagem a este lugar profano, um risco
de morte para todos os seus outros filhos e ela mesma.
Mas sua mãe já estava morta. E Morgan não tinha
fraqueza.
Bem, nenhuma fraqueza que eles podiam ver. Lembrou-
se de outra lembrança de Matthew, zombando dela com dois
amigos de olhos escorregadios das sombras frondosas de um
seixo de mil e duzentos anos na véspera do Festival do
Equinócio, um inverno em que a neve estava no
tornozelo. Tinha quinze anos, à beira de seu primeiro turno,
apenas começando a perceber que ela era diferente das outras
meninas da tribo, desinteressada em meninos e casamentos e
conversas sussurradas, dar risadinhas sobre o que acontecia
depois que o casamenteiro e o guardião combinavam você
com seu par de linhagem de sangue adequado, e vocês forem
autorizados a ficarem sozinhos juntos.
Vagando sem rumo sozinha, como quase sempre fazia,
ela se viu longe da fogueira e da dança na praça da cidade e
entre a catedral escura das árvores e o silêncio cristalino do
bosque. Eles subiram em silêncio enquanto ela estava
inspecionando a perfeição eriçada de uma pinha pendurada
em um galho coberto de neve e a derrubou no chão com um
empurrão por trás.
Ela não teve a chance de correr ou até mesmo ficar de
pé antes que eles estavam sobre ela, agarrando suas roupas,
rindo e rosnando e incitando uns aos outros como os jovens
selvagens que eram.
Ela tinha uma arma, no entanto. Uma adaga, de dois
gumes, roubada da mesa do pai.
Ela era diferente, mas não era estúpida. Ela notou como
eles a observavam.
Depois disso, deixaram-na em paz, Matthew e seus dois
amigos, um dos quais teve que usar um tampão de olho para
o resto de sua vida para esconder o buraco escancarado em
seu crânio.
Ela estava agora atrás dele, cercada pela falange de
guardas, olhando para a parte de trás da cabeça dele e
desejando que ela tivesse o inaudível, mas muito conveniente
– Dom de explodir o crânio inimigo.
— Entre — gritou Leander por trás da porta
fechada. Matthew abriu a porta. Não satisfeito em entrar na
sala com ela atrás, virou-se, agarrou-a pelo braço, arrastou-a
pelo limiar, depois a soltou abruptamente, como se tivesse
sido queimado ao tocá-la.
Então, é claro, ela caiu. Claro que sim.
Apanhada em um dos saltos de seus sapatos, a bainha de
seu vestido emaranhou debaixo de seus pés. O tecido delicado
cedeu com um ruído suave de rasgar, e ela caiu à frente,
incapaz de jogar os braços para o equilíbrio porque estavam
algemados atrás de suas costas. Ela caiu de joelhos no chão de
mármore frio com uma sacudida de ossos sendo triturados –
que causou um suspiro de dor saindo de seus lábios, mas
pouco antes dela bater seu rosto no chão, algo a parou.
Um par de mãos. Fortes e quentes em seus ombros. Ela
foi pega e estabilizada, e gentilmente colocada de joelhos,
onde ela, encontrou seu equilíbrio. Então ela levantou a
cabeça e olhou para cima. Para um par de olhos âmbar
brilhante bordado em kohl5, que olhava de um rosto
escurecido pelo sol de tal beleza fria e selvagem que enviou
uma emoção de puro medo zumbindo ao longo de cada
nervo. Adrenalina corria através de seu corpo, primitiva e
química, e de repente acordou o seu animal dentro que se
irritou e assobiou e gritou perigo! No topo de seus pulmões.
Ele era enorme – alto e musculoso, muito maior do que
seus ágeis, parentes vigorosos – e tinha ombros tão largos que
ela se agachava em uma piscina de sombras jogadas a seus
pés. Seus cabelos pretos, inclinados em sua testa larga para o
bico de viúva6, estavam cortados perto de sua cabeça. Sua
roupa também era preta, simples e ajustável, facilitando o
movimento. Em sua parte traseira, estava um par de espadas
cruzadas, embainhadas em bainhas de couro. Em seu cinto e
botas estavam mais armas, mal brilhando na pouca luz.
Mas tudo isso empalideceu em comparação com a
ameaça mais iminente de seus olhos ambarinos. Eles fixaram
nos dela, sem piscar, sem sentimento, e ela percebeu com
outra sacudida que este homem olhando para ela em absoluto
silêncio com seu rosto bonito e olhos escaldantes e
iluminados por fogo não era nada do que ela já viu antes. Ele
estava vivo, seu corpo vivo, mas por trás dessa máscara de
perfeição, não havia um pingo de humanidade ou misericórdia
ou bondade ou sentimento. Não havia nada. Ele estava
morto.

5
É um tipo de maquiagem tipo rímel ou delineador que faz o contorno do olho.

6
Alma morta.
Ao lado de Furiant, ele era a coisa mais aterrorizante que
ela já viu.
— Xander — disse uma voz da direita. A de Leander,
ela supunha, consciente no nível molecular de seu coração
trovejante, seus músculos congelados, o olhar do estranho,
que caiu ao pulso batendo violentamente no oco de seu
pescoço. Suas narinas ardiam com uma inalação, e por um
momento selvagem, horrorizada, ela pensou que ele poderia
se inclinar e rasgar sua garganta com os dentes.
Mas ele não o fez. Ele só levantou aquele olhar
penetrante de volta para o dela e, em um movimento de graça
fluido e predatório, puxou-a para seus pés. Ele a soltou e deu
um passo atrás, sem piscar, sua atenção nunca vacilando,
aqueles olhos penetrantes e mortos nunca deixando seu rosto.
— Xander — disse Leander novamente. — Esta é a
Morgan. Seu voo para Roma parte à uma da tarde.
Morgan estava bastante certa de que o assassino estava
planejando os detalhes de sua morte naquele exato momento,
embora não lhe desse o mínimo de atenção e não lhe tivesse
falado uma única palavra durante todo o voo.
Ela olhou-o de novo sob os cílios. Sentou-se imóvel no
assento em frente ao dela, na frente da luxuosa cabine, como
foi nas últimas duas horas e meia, as grandes mãos espalhadas
sobre suas coxas musculosas, a cabeça inclinada contra o
assento, os olhos fechados. Seu peito subiu e desceu em um
ritmo calmo e constante, mas ela sabia que não estava
dormindo; seu dedo indicador batia silenciosamente contra
sua perna, e de vez em quando um músculo em sua mandíbula
afiada flexionava. Ela teve a impressão de que ele estava
apenas se privando de saltar de seu assento.
Traçando sua morte. Definitivamente.
Quando Leander pronunciou seu nome, soube
instantaneamente quem ele era. O que ele faz. Infame em
todas as quatro colônias de Ikati, Alexander Luna era
chamado, a sombra ou o martelo ou, na sua língua nativa, A
Ira de Deus. Ele era um assassino, um muito bom, enviado
em missões especiais por todo o mundo pelos Alfas para
rastrear desertores ou eliminar ameaças.
Ou acompanhar criminosos condenados em viagens de
caça de agulhas no palheiro.
Assassino ou não, ele era uma beleza. Todos os
músculos e nervos sobressalentes, endurecidos, moviam-se
como nada que ela já viu, a fluidez sem esforço e habilidade
instintiva, não estudada. Ele tinha um carisma poderoso e
ameaçador sobre si, do tipo que chama a atenção e o segura,
o tipo que cativou a atenção para contemplar a disparidade
desses lábios sensuais com aquela expressão impiedosa,
aquela pele macia de cetim, feita para tocar, com a ameaça fria
e ardente daqueles olhos âmbar mortos. Ele era carnal,
elegante e proibitivo, tão proibido que mesmo o ar parecia
segurar sua respiração quando passava por ele.
Uma turbulência sacudiu a cabine, interrompendo o
estudo dela. Morgan ofegou e enrijeceu em seu assento.
Confortável no assento de couro creme do avião
particular de Leander, ela logo o rasgaria em pedaços se a
turbulência continuasse. Ela odiava voar.... Ela era uma
criatura da terra, nascida para escorregar pelas gramas altas e
subir nos troncos perfumados de árvores e descansar
sonolenta em vales iluminados pelo sol até que sua língua
estava descansando a vontade e sua pele quente. Voar era para
criaturas menores, para presas – os pássaros.
Outra sacudida – esta forte o suficiente para desalojar
sua mochila do compartimento superior e cair no chão – em
uma súbita queda de altitude que deixou seu estômago na
garganta. Agarrou os braços e fechou os olhos, engolindo em
seco, desejando não vomitar.
E quando abriu os olhos novamente o assassino estava
sentado ao lado dela, olhando para o seu rosto.
— O quê... — ela deixou escapar, assustada, mas antes
que pudesse tirá-lo, ele estendeu a mão e agarrou seu
pulso. Ele pressionou o polegar e o indicador no tendão de
ambos os lados, não forte, mas não gentilmente, e o desejo de
vomitar desapareceu.
— Oh, — ela disse, e então, — Como? — Porque ela
não conseguia pensar em mais nada.
— O portão interior.
Sua voz era profunda e suave, o sotaque
indefinível. Entre isso, e sua súbita proximidade quase ao
ponto de se fundirem, e o fogo frio dos olhos sem piscar de
seu tigre, Morgan ficou abruptamente sem palavras, sua
cabeça estava girando. A turbulência, ela pensou. Estou tonta
com a turbulência. Ela fez um pequeno som de
questionamento sem palavras e tentou sem sucesso desviar o
olhar.
— É um ponto de acupressão7, — acrescentou, em
modo de explicação. Ele ainda não tinha piscado, e ela se
perguntou se isso veio de anos mirando com suas armas, suas
presas fugitivas. Seu pulso ainda estava agarrado em sua mão
7
É uma forma de aliviar as dores ou estimular o funcionamento dos órgãos internos por meio da pressão
de pontos nas mãos, nas plantas dos pés, nas orelhas e em algumas partes específicas do rosto.
grande e quente.
— Você está meio branca, — ele disse quando não
respondeu, e agora ela se perguntava se ele só falava em frases
de duas a quatro palavras. Talvez ele não fosse muito
brilhante.
— Eu estou bem, — ela estalou e puxou seu pulso de
seu aperto.
Realmente, o que diabos? Ela queria gritar com ele. Você
não quer que eu vomite, mas você está perfeitamente bem
com colocar uma arma na minha cabeça e explodir meus
miolos?
Ela supôs que seria uma arma. Ele parecia o tipo que
teria muitas armas.
— Logo nós iremos desembarcar — disse ele, e ela se
viu contando. Quatro. Quatro palavras. Ela se sentiu
dominada pelo repentino e incongruente desejo de rir.
Em duas semanas, se ela não tivesse completado sua
tarefa impossível de encontrar a sede de um inimigo malicioso
e maligno em uma cidade de quase três milhões de habitantes,
ela iria ser morta por um belo idiota. Ela apoiou a cabeça no
assento e suspirou. Sua mãe deve estar rolando em seu
túmulo.
— Você provavelmente não deveria me tocar. — Ela
olhou para o teto curvo e suas fileiras de luzes suavemente
brilhantes. — Ou não lhe disseram isso?
— Sugestão não funciona em mim.
Morgan se virou para olhá-lo. Ele realmente era
estúpido. Ou talvez era apenas estupidamente arrogante. Ela
resistiu ao impulso de estender a mão, tocar no lado de seu
rosto estupidamente bonito, e sussurrar, faça Quack como
um pato.
— Funciona em todos, — ela disse secamente,
enfatizando a última palavra. — Não importa seu nível de
inteligência.
Uma das sobrancelhas dele levantou, mas isso foi
tudo. Ele parecia estar esperando por ela para continuar.
— Posso mandar você fazer qualquer coisa que eu
queira, — ela disse, enunciando cada palavra, tentando ser
clara para que este instrumento contundente sentado ao seu
lado entendesse. — É meu dom, tudo que eu tenho que fazer
é tocar em você, sugerir algo que quero que faça e você irá
fazer.
Seus lábios curvaram em um sorriso que era tanto
perverso quanto desafiador. E não estúpido em tudo.
— Então por todos os meios — disse ele. Ele estendeu
a mão em convite. — Toque-me.
Seu coração gritou até parar dentro de seu peito. Então
sua mente partiu selvagem, disparando um milhão de milhas
para o espaço na extensão de um segundo para o próximo.
Podia fazê-lo esquecer.
Ela poderia o fazer esquecer e torná-lo inconsciente e,
em seguida, fazer o mesmo para o piloto.
Bem, talvez depois de terem aterrissado – e fugir para o
interminável labirinto das ruas históricas de Roma, banhadas
pelo sol, e nunca mais ser vista novamente. Só eram os três,
seria tão fácil, Leander não nem sequer enviou outros
guardas. Ela podia viajar para Paris e Praga e até a Islândia, se
quisesse, ela poderia encontrar seu próprio lugar no mundo e
deixar Sommerley e a Lei e os Ikati, tudo para trás, para
sempre.
Ela poderia ser livre.
Antes que ele pudesse mudar de ideia, ela agarrou sua
mão estendida.
Calor e uma carga de eletricidade, um formigar acima de
seu braço. — Esqueça-me — sussurrou veemente, olhando
para as profundezas de seus olhos âmbar, franzidos de
Kohl. — Esqueça-me e durma.
Então, muito inconvenientemente, nada aconteceu.
Nunca, nunca, nunca, nunca aconteceu antes. Desde a
infância eu tive este dom, e ninguém é impermeável, ninguém
pode resistir. Eu treinei durante anos para ter cuidado para
não tocar, não abraçar, não ter quaisquer pensamentos
aleatórios que iria prejudicar um da tribo.
— Minha cara, — o assassino murmurou. Ele a olhou
nos olhos, ainda com aquele sorriso malicioso, perverso, sua
mão agarrada na dela. — Minha querida. Como se poderia
esquecer uma mulher como você?
Isso bateu nela como uma bola de demolição, rápida e
sólida e muito devastador: imune. Ele era imune. E estava
brincando com ela.
— Filho da puta! — Ela sibilou e arrancou a mão dela.
Isso lhe rendeu uma risada, escura e perigosa.
— Filho de um Alfa, — ele corrigiu, alcançando por trás
dele para agarrar algo preso ao cinto. Ele puxou-o em um
movimento tão rápido que tudo o que ela registrou foi o
brilho da prata, o tilintar musical de metais deslizando contra
metal, sólido e elegante.
Então suas mãos estavam ao redor de sua garganta.
Ela gritou e empurrou para trás, mas foi mantida no
lugar pelo cinto de segurança, seus pés lutando para encontrar
algo contra o tapete liso, de baixa aderência. Ele estava de
repente em cima dela, músculos e calor e uma maldição baixa
e rosnada, sua perna sobre a dela, seus braços ao redor de seus
ombros, seus dedos apertando em seu pescoço, cortando seu
ar. Ela balançou para fora cegamente e conectou com seu
queixo, encontrou um punhado de seu cabelo brilhante e
puxou tão duro como poderia. Outra maldição e, em seguida,
ele estava fora dela, a poucos metros de distância, respirando
com dificuldade e olhando para ela com olhos brilhantes e
cautelosos.
Ela rasgou o cinto de segurança e saltou para seus pés,
ágil e rápida como relâmpago, e ficou de frente para ele no
meio do corredor, seus pés separados, pernas flexionadas,
mãos balançando em punhos. Tremendo e furiosa, ela
percebeu com um choque que seu pescoço estava latejando e
dolorido onde ele envolveu suas mãos ao redor dele.
Ele a machucou.
A vontade de mudar veio sobre ela em uma centelha
branca, violenta e primitiva. A razão, a cautela e a calma foram
afastadas, substituídas pelo impulso instintivo e avassalador
de arrancar para fora de sua pele humana e voar rugindo pelo
ar para pousar em cima dele e cortar os olhos, arrancar os
braços, comer fora seu coração.
— Você vai morrer, — ela rosnou e deu um passo à
frente.
A carga aquecida veio, em seguida, a chama que acendeu
e pegou como pólvora, em seguida, o cheiro de fumaça e mel,
o flash rápido e terrível de dor quando seus músculos e
tendões e ossos começaram a transfigurar em seu outro eu,
seu verdadeiro eu. Ela inalou, saboreando a dor, saboreando
o pensamento de seu sangue em sua língua.
E então... Nada.
Ela hesitou. A dor em sua garganta aumentou a pressão
e um estranho, elétrico zumbido que enviou agonia
flamejando por sua espinha e segurou-a apenas na beira da
transformação. Ela ergueu as mãos para a dor, procurando a
fonte, o círculo de fogo que lhe rodeava o pescoço.
Seus dedos tocaram no metal frio. Havia algo em volta
de seu pescoço.
— Não, — ela sussurrou. Seu coração se tornou um
peso repentino, congelado dentro de seu peito.
— Temo que sim — respondeu o assassino sem se
arrepender. Ele deu um passo para trás no corredor,
observando-a cuidadosamente, seu rosto em branco, estéril de
toda emoção. — O seu dom de sugestão não pode me
prejudicar, mas eu temo que você transformada e com garras
seja outra situação completamente diferente.
Estava horrorizada. Horrorizada. Ela poderia estar
morta.
— Você me colocou uma coleira!
Ele não respondeu. Ele não precisava; A evidência
estava ali, fria e apertada contra a veia pulsante em sua
garganta. Ele apenas continuou se afastando em direção à
frente do avião, em direção à porta fechada que saia da cabine
principal para a sala de jantar e sala de mídia mais à frente.
— Eu não posso viver assim! Eu não posso passar duas
semanas sem mudar! — Ela gritou, cavando seus dedos na
pele ao redor do colar, procurando uma maneira de tirá-
lo. Mas mesmo assim, sabia que não havia jeito. As
fechaduras, uma vez montadas juntas, fundiam fechadas. Isso
só poderia ser removido por uma tocha de soldador em um
processo arriscado que muitas vezes deixava cicatrizes
hediondas. Era o meio mais eficaz dos Ikatis de punir os
infratores menores, e um de seus mais temidos. Viver com o
colar significava nunca ser capaz de mudar. Significava
permanecer em forma humana, pelo tempo que fosse
necessário para promover uma atitude mais cooperativa.
— Encontre o Expurgari mais cedo, e não serão duas
semanas, — sugeriu o assassino, frio como gelo. Chegou à
porta e abriu-a, parou por um momento para olhá-la. Ela
olhou para ele com uma fúria impotente, o rosto branco, a
boca aberta de horror. — Ou talvez, entretanto, — ele disse
com um brilho maligno em seus olhos, — Eu
possa esquecer por que o coloquei em primeiro lugar. — Ele
se virou e desapareceu pela porta, fechando-a com uma
pancada definitiva atrás dele.
Morgan caiu de joelhos no meio do corredor, seus dedos
ainda agarrados ao redor dos anéis frios que cercam sua
garganta.
— Filho da puta! — ela gritou.
De trás da porta fechada, podia ouvir risadas.
Roma. Cidade espetacular da história viva, de
imperadores, poetas e amantes e telhados de telhas vermelhas
abraçando uma torção no rio escuro que serpenteia através
dele, de santos, artistas e monumentos antigos erguidos na
exaltação de deuses mortos há muito tempo.
Do ar parecia uma cidade mágica de conto de fadas,
Morgan pensou, olhando pela janela do avião para o labirinto
alastrando abaixo. Pintado em lavagens mornas de terracota,
canela e ocre, cercado por uma paisagem verdejante e
montanhosa pontilhada de ruínas desmoronando, brilhou
rara e bonita como um topázio contra um plano fundo de
esmeraldas. As ruas eram retorcidas e entrelaçadas como uma
gaveta cheia de cobras, cobertas de torres, sinos, palácios e
cúpulas de catedrais que brilhavam douradas no sol da
tarde. Ela sentiu um arrepio de emoção real que logo estaria
andando naquelas ruas, o que foi seguido pela azeda, chocante
percepção de que ele estaria andando ao lado dela.
Seus dedos se ergueram novamente para rastrear os anéis
de metal rígido do colar. Era melhor não estar na sala com ela
quando saísse disso, porque cortar o rosto dele em fatias com
suas garras se mudou para o topo de sua lista de prioridades.
O avião estremeceu quando o trem de pouso foi
engatado, e ela se recostou no fundo de seu assento.
Primeiro de tudo, pensou com amargura, vendo a cidade
levantar-se para encontrá-los. Bastardo bonito. Vou
encontrá-los primeiro e depois cuidarei de você.

— Há apenas uma cama, — Morgan declarou mordendo


e se virou para olhá-lo com uma hostilidade congelada de
olhos verdes.
— Observadora, — Xander respondeu secamente e
passou por ela na opulência luxuosa da suíte de Nijinsky. A
porta se fechou em silenciosas dobradiças atrás dele.
O Hotel de Russie não era o hotel mais famoso de Roma
– essa honra foi para o Hassler, mais abaixo – mas foi o
melhor. Ele ficou aqui em muitas ocasiões e apreciou os seus
jardins exuberantes, terraços, a sua localização central entre a
Escadaria da Praça de Espanha e da Piazza del Popolo, o seu
ar exclusivamente romano de sensualidade sexy,
sofisticada. Era impecável e belo, decorado em clássico luxo
italiano: paredes de painéis de seda; óleos com moldura
dourada; copioso uso de mármore cremoso, brilhantes
espelhos e o tipo de escandalosamente caro de cama
decadente encontrada apenas em hotéis cinco estrelas ou os
melhores bordéis.
Mas mesmo os melhores bordéis não oferecem um
cardápio de travesseiros. Foi aqui que ele primeiro descobriu
que tinha sentimentos fortes sobre a questão das penas de
pato para seus travesseiros versus as de ganso.
Colocou a pequena mochila com suas roupas e o estojo
de couro com cadeado que abrigava sua coleção de facas – a
pequena coleção, para viajar – na grande escrivaninha com
tampo de vidro na sala principal, depois atravessou a extensão
do tapete baunilha até a cortina das janelas. Ele empurrou a
seda marfim com uma mão e olhou para a praça, seis andares
abaixo, o obelisco egípcio do Faraó Ramsés no
centro. Transferido a Roma por César Augustus de seu
repouso original em Heliópolis.
Cidade do Sol, a mais antiga das antigas colônias egípcias
– estava esculpida em hieróglifos e tinha mais de cem metros
de altura, um amplo lembrete da história misturada a
sangrenta guerra dos dois impérios.
Os romanos realizaram execuções públicas na praça
abaixo, durante séculos, mesmo até a última em 1826. O
pensamento lhe ocorreu, não pela primeira vez, que
os Ikatis realmente não eram tão diferentes dos seres
humanos que eles tanto detestavam. Mais dotados, talvez,
mas tão violentos quanto.
Talvez ainda mais.
— Eu não vou dormir com você, — Morgan cuspiu
atrás dele.
Contra sua vontade, trouxe a imagem vívida, de parar o
coração, de ambos nus enredados nos lençóis daquela cama
grande e decadente, Morgan arqueando e gemendo seu nome
debaixo dele.
— Não seja estúpida, — disse Xander com os dentes
cerrados, banindo a ilusão lúcida. — E não se lisonjeie. Isto é
apenas por conveniência. Eu não vou deixar você sair da
minha vista. — Ele se virou da janela e a nivelou com um
olhar letal que drenou o sangue de suas bochechas.
Mas, Deus. Mesmo com as bochechas escorrendo de
sangue, as roupas amarrotadas e a hostilidade que pulsava em
ondas, sua beleza era surpreendente e de outro mundo, o tipo
que ele viu apenas uma vez antes em uma pintura de um anjo
de Caravaggio. O tipo que fez todos os homens no aeroporto
e hotel parar e ficarem de boca aberta quando ela passou.
O tipo inesquecível. O tipo perigoso.
Mesmo agora, enquanto olhava para ele com assassinato
e caos, um clarão de calor apertou sua virilha contra o
fantasma daquela fantasia desenfreada dos dois juntos na
cama, o mesmo calor abrasador que o envolvera na primeira
vez que a vislumbrara em Sommerley. Alta e esbelta como
uma árvore, com os olhos eloquentes de uma estrela de
cinema silenciosa, ela entrou no quarto e todo o ar saiu.
Então ela tropeçou e ele reagiu em puro instinto para
pegá-la e tomou uma lufada de seu perfume, quente e exótica,
cheiro escuro, um perfume diferente de tudo que ele
experimentou antes, fino e feminino e poderosamente
provocante.
Traidora, ele se lembrou. Traidora, mentirosa e marcada.
— Bem então, — ela disse ainda congelada e feroz. —
Eu espero que você aproveite o chão.
Eles ficaram olhando um para o outro, bloqueados em
silenciosa animosidade, até que chegou uma batida na porta.
Uma voz masculina acentuada gritou:
— Porteiro. Tenho suas malas, senhor.
Morgan lançou lhe um último olhar feroz e depois se
moveu com graça para o sofá listrado na sala de estar. Deixou
cair à bolsa sem cerimônia no chão e pousou no braço do sofá
com os braços cruzados sobre o peito. Uma perna, delgada e
nua, vestida com um sapato de salto alto, que parecia útil
apenas para acentuar os delicados ossos de seu tornozelo,
balançava para frente e para trás em agitação.
Ele apertou os dentes novamente. Porque em nome de
Deus que ela tinha que estar vestindo uma saia?
Ele foi até a porta, deixou o porteiro entrar, e indicou
onde o homem deveria colocar as malas. Havia uma
quantidade desmedidamente grande delas – todas de Morgan
– e ele teve que fazer várias viagens de ida e volta de seu
carrinho no corredor. O homem continuava lançando olhares
acalorados para o sofá, onde Morgan se empoleirava
enquanto ela o observava como um gato quando ouve o
abridor de latas.
Xander foi pegar sua carteira da mochila na
mesa. Quando ele se voltou, o porteiro ficou de boca aberta e
silenciosa diante de Morgan, estupidamente boquiaberto. Ela
afastou os cabelos de seu rosto, um gesto que parecia de
alguma forma antinatural, como se suas mãos estivessem
fazendo outra coisa, e sorriu para ele.
— Porteiro — disse Xander bruscamente. Ver homens
caírem em pedaços ia ficar velho, rápido.
Piscando, o homem se virou. Xander estendeu um
punhado de euros e empurrou a cabeça em direção à porta.
— Sim, senhor, — o porteiro murmurou e caminhou até
ele – mais corretamente tropeçou – seu rosto tinha um tom
curioso e muito anormal de verde. Xander franziu o cenho.
E foi capaz de saltar para fora do caminho no momento
em que o porteiro abriu a boca e enviou um jato de quente,
amarelo vômito pulverizando sobre o tapete de cor baunilha
no exato lugar que ele estava de pé.
Repugnado, ele latiu uma série de maldições. O homem
ficou de joelhos, tossindo e cuspindo, pedindo desculpas em
italiano. Do sofá atrás dele veio uma risada, baixa e contente,
e ele olhou para cima para encontrar Morgan sorrindo para
ele, doce como sacarina de tão falsa.
— Oh senhor, — ela disse, ainda casualmente
balançando seu pé com seu tornozelo virando para frente e
para trás.
— Eu me pergunto se foi algo na água. Pena que você
não foi capaz de ajudá-lo com uma dose de sua
maravilhosa acupressão.
Ele sentiu uma pontada de admiração que ela arriscaria
algo tão ousado puramente por despeito, logo antes de ser
engolido por uma onda de raiva tão forte que ele teve que
fechar suas mãos em punhos para controlar a coceira de
enrolá-los em torno do pescoço dela.
— Tente algo assim de novo — disse ele, com a voz
baixa e gutural — E você sentirá falta de um par de mãos.
Ela ficou vermelha, e ele ficou gratificado ao vê-lo. O
porteiro lutou para ficar de pé. Ele encontrou o pé e se afastou
em direção à porta, enxugando a boca na manga de seu
uniforme de linho bege, ainda balbuciando desculpas e
garantias de que alguém viria para arrumar a confusão. Ele
alcançou a porta e desapareceu através dela em uma corrida.
Morgan se curvou e retirou a bolsa do chão, depois se
levantou, sem a menor pressa ou desconforto. Ela pegou uma
de suas malas menores da fileira contra a parede, depois
caminhou com passos fáceis e graciosos até a porta da suíte
principal. Dentro da porta, fez uma pausa e se virou com a
mão na moldura da porta, um sorriso no rosto, o quadro de
elegância.
Só seus olhos a entregavam. O calor em seu olhar
esmeralda ardia o ar entre eles como um fusível aceso.
— E se alguma vez me ameaçar de novo, — ela disse em
voz baixa, balançando a porta fechada, — Você vai encontrar-
se perdendo o seu p... — A porta bateu fechada antes de ouvir
a palavra final, mas ele não precisava saber. Ele sabia
exatamente o que era.
Quando a mulher da limpeza chegou vinte minutos
depois para limpar o tapete, Xander ainda estava parado no
meio da sala, olhando fixamente para a porta fechada do
quarto.
Passaram-se duas horas antes que ela estivesse
suficientemente calma para deixar a suíte principal, e nesse
momento Xander tinha desaparecido.
O chuveiro ajudou. Era um mosaico de vidro-fechado
expansão de luxo com shampoo de lavanda sedosa, francês
sabão de óleo de semente de uva moídas e três conjuntos de
jatos definidos em alturas diferentes, o melhor para massagear
um corpo com quente, pulsante água de todos os
ângulos. Fervendo, ela passou o que parecia sempre sob os
sprays antes que começar a relaxar. Quando ela saiu –
enrugada – havia toalhas de algodão egípcio, de pelúcia um
branco imaculado, havia roupão de caxemira marfim
pendurados em uma brilhante cavilha de prata, havia uma
lareira de mármore e o que parecia ser um verdadeiro Picasso
pendurado acima da penteadeira. Havia até uma janela com
vista para as longínquas colinas de pôr do sol.
Só o que não havia era uma arma. Que ela teria gostado
muito de encontrar escondida em uma das gavetas da
penteadeira.
Desgraçado. Um bastardo arrogante e frio. Se não fosse
por sua promessa a Jenna, ela colocaria uma bala em sua
cabeça e queimaria este lugar ao chão.
Mas ela tinha trabalho a fazer e não poderia se dar ao
luxo de gastar mais tempo imaginando como colocar uma
arma contra o seu crânio ou empurrá-lo para fora da varanda
ou sugerindo a um dos funcionários do hotel que envenenasse
sua comida. Quanto mais cedo ela descobrisse o que deveria
fazer, melhor.
E depois para o inferno com ele.
Secou os cabelos e vestiu-se, depois saiu para a sala,
esperando encontrá-lo esfolando gatinhos ou engolindo
peixinhos vivos, mas só havia um par de luvas pretas de pele
– luvas de mulher, macias e delicadas – dispostas ao lado de
uma nota manuscrita na mesa de vidro com tampo na sala de
estar.
Jantar. Oito horas. Andar de baixo. Não se atrase.
Um par de luvas e sete palavras, todas inofensivas em
si. No entanto, nada enquanto ela pudesse se lembrar, batia
profundo um acento de amargo ressentimento no fundo de
seu coração. O colar, agora isso.
Será que ele realmente esperava que ela com graça
colocasse as luvas, dando voluntariamente o presente final à
sua disposição? Deixando-a indefesa, completamente à mercê
do destino?
Não. Suas mãos permaneceriam nuas, e Deus o ajudaria
se tentasse forçá-la. Quanto ao jantar... Preferia jantar com o
diabo do que com ele.
Ignorando as luvas, amassou a nota, atirou-a ao chão e
desceu até o saguão, onde pegou um táxi e desapareceu na
névoa púrpura-azul do cálido crepúsculo romano.
De sua posição por trás dos ramos espalhados de uma
palmeira de rafia no bar do átrio, Xander a observou ir e
ganhou uma aposta com ele mesmo. Então pegou o próximo
táxi e instruiu o motorista a segui-la.
Morgan não fazia ideia de onde estava indo até que viu a
etérea e enorme, em uma vívida lavagem de ouro, o esboço
de pedra irregular do Coliseu. Era a coisa mais incrível que já
vira, uma elipse de blocos travestido de tufo amarelo pálido
ao longo de um campo de futebol com uma fachada de três
andares de arcadas sobrepostas, abismos arqueados onde
existiam enormes estátuas de deuses e imperadores. Os vazios
escuros olhavam para a cidade como fileiras de olhos vazios.
— Lá! — Ela disse para o motorista, excitada,
apontando através da janela aberta.
Ele olhou para ela no espelho retrovisor. Era grisalho,
pálido e completamente indescritível, mas seus olhos eram
como chocolate escuro, líquido e doce, e ela viu o reflexo do
homem mais jovem que ele foi.
— Pomba? — Disse ele em torno de seu cigarro,
puxando as duas sílabas em um tenor lânguido, sensual, que
também desmentia sua idade. E fez com que ela apreciasse
sua ambição.
— O Coliseu — disse ela, esperançosa. Certamente que
traduzido para qualquer idioma?
— È chiuso8. — Ele fez um gesto com a mão que
enviou espirais cinza pálidos de fumaça subindo em círculos
fantasmagóricos do cigarro que agora segurava entre os
dedos. — Tour fermano a cinque9.
Ela reconheceu apenas uma palavra dessa resposta
languidamente entregue, que foi chiuso – fechado.
— Tudo bem. — Ela deu-lhe o sinal internacional para
aprovação: um polegar para cima. —Por Favor – per favore,
leve-me para o Coliseu.
Ele encolheu os ombros e continuou através do
grunhido do tráfego à noite, várias vezes apenas evitando
bater uma das dezenas de scooters que zuniu perto do táxi à
velocidade da luz. Eles se viraram para Via dei Fori Imperiali,
e Morgan viu crescer cada vez mais perto, um enorme gigante
erguido bem no coração da cidade quase dois mil anos
atrás. O carro diminuiu a velocidade para parar na
calçada. Este recebeu um coro de buzinas irado e gritos de –
Spostati10! A partir da fila de carros atrás deles.
— Grazie11, — disse ela, a única outra palavra italiana
que sabia além de por favor. Ela se inclinou sobre o assento
dianteiro, tocou a mão dela no ombro do motorista, e
encontrou seus olhos no espelho retrovisor.
— Grazie, — ela disse de novo, mais suave. Ele
balançou a cabeça, lentamente, e ela o deixou com um sorriso

8
Está fechado. (Italiano)
9
Fechado para visitas às cinco. (Italiano)
10
Andar ou Movimentar-se. (Italiano)
11
Obrigada. (Italiano)
e a impressão de que ele foi pago pelo passeio. E
generosamente inclinado.
Apesar do acesso negado aos portões de ferro trancados,
três vezes a altura de um homem, que fechava cada entrada
arqueada, multidões de pessoas ainda passeavam pelo
gramado do Coliseu, conversando, rindo, fumando, tirando
fotos diante disso. Ela sentia-se como uma turista,
maravilhada, esticando o pescoço para contemplar
maravilhada. Só uma vez fora deixada sair de Sommerley, em
uma viagem com Leander a Los Angeles, e essa cidade era tão
elementarmente diferente daquela, que tentar compará-las
seria comparar água com fogo.
Mas Roma. Oh, Roma.
Até mesmo o ar era diferente aqui, morno e macio e
cheio de vida, maduro com canto de pássaros e carros
buzinando, riso nas proximidades e cantos longínquos,
embriagando com o cheiro de pão fresco e o sol.
Pedra aquecida. Um homem corpulento e de óculos,
com uma boca como uma ameixa seca, aproximou-se e disse
algo em japonês, apontando para a câmera e para a sua
pequena e sorridente esposa, a poucos metros de distância, ao
lado de uma cerca baixa.
— Claro. Sim! — Ela disse, sem perceber que nunca
segurou uma câmera em sua vida e não tinha ideia de como
operá-la. Sua confusão tornou-se rapidamente aparente, e o
homem, em Inglês quebrado, gentilmente mostrou-lhe como
focalizar a lente e qual botão apertar.
Quando terminou, eles sorriram, curvaram-se e
apertaram a mão, e Morgan experimentou um sentimento tão
estranho que levou um momento para identificar. Como
otimismo, mas mais forte, uma confiança flutuante e boa
vontade e antecipação doce, tudo se transformou em um.
Esperança. Ela sentiu esperança.
O casal japonês agradeceu-lhe uma última vez e afastou-
se, deixando-a de pé aturdida e sozinha, inundada de
sentimentalismo por este novo broto de sentimentos que
vislumbrou o que ela sabia sem dúvida não viveria muito
tempo.
E você não vai, uma pequena voz sussurrou em seu
ouvido, se você não conseguir.
Ela olhou para o bloco de pedra dourado do Coliseu.
Um olhar para dentro, ela decidiu, apenas um pouco de
turismo, uma vez que ela provavelmente nunca teria a
oportunidade novamente, e então ela descobriria por onde
começar sua busca.
Começando em um passeio casual, Morgan atravessou o
gramado verde e rodeou o perímetro pavimentado de
paralelepípedos, imaginando como era quando estava aberto,
o quão acessível mesmo com os portões de ferro. Ela podia
andar direito para cima e tocá-lo. E o fez, passando os dedos
por rachaduras e solavancos e pedra quente e áspera, sobre
um pequeno e desbotado remendo de grafite azul e preto na
curva interior de uma graciosa coluna iónica, perdida por
quem foi encarregado de removê-la. Ela mudou-se, notando
com não pouca satisfação que ela estava sozinha e
despercebida – praticamente livre – em um país estrangeiro,
algo que até dois meses atrás teria sido impensável, uma
impossibilidade total.
Ela não pôde evitar o sorriso perverso que curvou seus
lábios, imaginando o que ele fez quando descobriu que ela
saiu. Ela esperava que sofresse um derrame.
Em volta de uma curva em que a fachada exterior
abruptamente dava lugar ao que restava das paredes mais
curtas do interior do anfiteatro, fez uma pausa para olhar em
volta. Poucos turistas estavam perto desta seção, apenas um
grupo de adolescentes sentados de pernas cruzadas, talvez a
cinquenta metros de distância, em um semicírculo sob os
ramos de um abeto retorcido, fumando algo doce e acre que
não cheirava a tabaco. Um deles bufou e empurrou outro no
ombro, e todos caíram em gargalhadas.
Ela duvidava muito se eles notassem o que estava prestes
a fazer.
Os sapatos de saltos ela lançou em um canto, embora
odiasse a ideia de deixar o seu par favorito de sandálias Chanel
para fora no aberto como patos abandonados. Então, com
um último olhar furtivo ao redor, ela envolveu as mãos em
torno das barras de ferro frio do portão, olhou para cima e
começou a subir.
Preso entre a fúria, a incredulidade e aquela mesma
estranha e fugaz admiração que sentira no hotel quando quase
fez um porteiro regurgitar seu almoço nele, Xander observou
a esbelta e confiante figura de Morgan escalando a fachada
exterior do Coliseu como uma aranha que avança acima de
uma parede.
Havia centenas de pessoas a distância de um grito,
centenas mais apressando através de tráfego de noite na
avenida mais além. Ela estava totalmente exposta. Apenas um
deles teria que olhar para cima para ver o par de longas pernas
nuas, os cabelos escuros como uma pincelada pelas costas, a
blusa branca como a luz do dia contra a noite.
O que ela estava pensando? Ela estava pensando? Se
algum dos turistas remanescentes tirasse uma foto dela, pior
ainda, um vídeo, pesadelo dos pesadelos – ambos iriam
perder suas cabeças.
Ele viu Ikatis serem executados por delitos muito menos
flagrantes do que isso.
Segredo. Silêncio. Lealdade à tribo. Isso era tudo o que
havia para todos eles, desde o início dos tempos, tudo o que
os mantinha seguros contra a exposição, contra a descoberta.
Evidentemente, Morgan infligiu os três.
Pela terceira vez desde que ele a conheceu há menos de
oito horas, Xander estava girando em uma roda de emoção,
de raiva para diversão para surpresa e além, tudo isso lutando
por dominância ao mesmo tempo. Ele não sentia isto –
muito – em quase vinte anos, desde seus dezesseis anos,
quando mergulhou no meio de uma agonia tão profunda que
nunca foi capaz de falar sobre isso novamente.
Ele se lançou de baixo da escuridão da fileira de
ciprestes, onde ele estava de pé, correu com passos longos e
silenciosos para um trecho de parede onde nenhum turista se
demorou, e pressionou seu corpo cheio contra isso. Ele
exalou, deu um passo para trás, e derreteu na pedra quente,
áspera.
— Uau.
Não havia simplesmente nenhuma outra palavra para
descrever isso.
Morgan estava em seus pés descalços no alto da arcada
superior, olhando para baixo o que era uma vez o chão
arenoso do Coliseu. O chão foi removido há muito tempo,
exceto por uma parte nas extremidades.
As estruturas abaixo estavam agora expostas, uma rede
de dois níveis de túneis e câmaras subterrâneas em ruínas,
enroladas e sombreadas à luz das estrelas.
Um vento quente, leve soprou seu corpo, girou seu
cabelo em seus olhos. Querendo sentir a terra rochosa e tufos
de grama verde sob seus pés, ela decidiu descer e explorá-
lo. Assim que ela fez um movimento para pular para o
próximo nível de assentos de pedra desgastado abaixo, veio
uma voz baixa e hostil.
— Que diabos você acha que está fazendo?
Ela congelou. Por um instante horrível, ela imaginou-se
na prisão – prisão humana desta vez – trancada por invadir
um tesouro nacional. Mas então ela se virou e foi Xander, não
um dos policiais local, conhecido pela sua ferocidade.
Morgan não sabia o que era pior.
— O que você acha que estou fazendo, gênio? — Ela
disse friamente, esquadrando seus ombros. — O que eu vim
fazer aqui: Procurar os Expurgari.
— Realmente? — Ele respondeu frio. Ele a avaliou com
um lábio ligeiramente enrolado. — Porque o que você está
fazendo parece mais perto do turismo do que procurar.
— Você pode ler mentes? — Ela estalou, cruzando os
braços em seu peito.
Aquele lábio ondulado dele recuou ainda mais, e ela
desesperadamente queria dar um tapa no rosto dele.
— Não é preciso ser um gênio para descobrir isso, —
disse ele, sua voz gotejando de sarcasmo. — Você está
praticamente hiperventilando com excitação.
Ele colocou uma ligeira ênfase na palavra gênio, e a
vontade de esbofeteá-lo cresceu exponencialmente mais
forte. Presunçoso bastardo. E ela não estava ofegante.
— E a propósito, — ele continuou antes que ela pudesse
responder, — vamos esclarecer as coisas. Você precisa
perguntar. Bem, imagino que vai parecer um desafio para você
— Se tem permissão para sair do hotel. E se eu conceder essa
permissão, e só com a condição de eu estar com você. Preciso
saber exatamente onde você está o tempo todo, então no
futuro você não deve ir a lugar nenhum sem me perguntar
primeiro. Entendido?
Morgan ouviu o sangue fervendo, em muitas ocasiões,
mas ela de repente, agarrou completamente o seu verdadeiro
significado. O fogo fluía através de suas veias, ardendo
quente.
— Eu não vou pedir sua permissão para qualquer coisa,
nunca, — ela enunciou lentamente. — Mas vou informá-
lo que estou indo até lá, — ela apontou para o chão
sombreado do anfiteatro, — Para dar uma olhada ao redor.
Xander deu um único passo para fora das sombras. Seus
olhos âmbar queimavam como brasas nos duros e escuros
ângulos de seu rosto. Vestido inteiramente de preto, parecia
como se estivesse apanhado numa inesperada tempestade de
poeira: um fino casaco de pó amarelo pálido se pendurava nas
suas roupas e na pele, até mesmo apagando o brilho de seus
reluzentes cabelos. Ela odiava admiti-lo, mas mesmo sujo e
irritado, ele era o homem mais lindo que ela já viu.
Em um tom cheio de ameaça escura, ele disse:
— Eu não faria isso se fosse você.
— Bem, obviamente você não é. E descer lá é
exatamente o que vou fazer.
— Não, — ele respondeu enfático. — Você não vai.
Morgan empurrou seu cabelo dos seus olhos e olhou
para ele. — Eu não estou pedindo permissão!
— E eu não estou fazendo uma sugestão. Você não vai
a lugar algum, a não ser por aquelas escadas — ele sacudiu a
cabeça, indicando os largos degraus de pedra que levavam aos
níveis mais baixos e à rua – e de volta ao
hotel. Comigo. Agora.
Suas mãos estavam vazias e abertas. Ele estava de pé
com as pernas afastadas, os joelhos levemente dobrados, o
peso nas pontas dos pés. Posição de luta. Ela o reconheceu
por anos de lições de esgrima que ela foi forçada a tomar por
seu pai. Suas ideias arcaicas de feminilidade provavelmente
foram superadas apenas por aquele Espartano incrustado em
poeira, que olhava furiosamente para ela.
— Eu não sabia que Leander o enviara para que você
pudesse me irritar até morrer.
Ele sorriu – sombrio, sem um traço de humor ou calor
e respondeu com o tom mais ameaçador que ela já ouviu,
entregue suave como seda.
— O que quer que funcione.
Oh, oh, e oh. O rubor de sangue que subia pelo pescoço
para se espalhar palpitando sobre suas orelhas estava quente,
dolorosamente. Sentia-se envergonhada e instável,
indevidamente exposta, e sabia, sem questionar, que procurou
exatamente isso.
Não o deixe vê-lo! Não o deixe vencer!
— Você tem sorte de ter me colocado um colar. — Sua
voz era firme, seu rosto estava composto, mas tudo por
dentro era um tumulto de emoção. A necessidade de
transformar comia através de seu sangue como ácido, mas ela
estava aleijada pelo maldito colar. Que ele colocou. Ela
inclinou a cabeça e deixou que seu olhar o atravessasse.
Medindo. — Mas eu aposto...
— O quê? — Perguntou ele. Seus dedos flexionados.
Ela sorriu docemente para ele. — Aposto que ainda sou
mais rápida do que você.
Um batimento cardíaco antes de reconhecer o desafio,
então sua expressão mudou, uma mudança microscópica de
desprezo plano para algo mais aquecido, mais próximo da
curiosidade, ou antecipação.
— Nem sequer pense...— Antes que pudesse terminar
a frase, Morgan se virou, deu dois passos nos degraus
correndo e saiu da parede mais alta do Coliseu para o espaço
vazio.
Quando tinha quinze anos, Morgan mudou pela primeira
vez.
Tremores que estavam à superfície por anos. Um
lampejo de dor ilusória em seus ossos, uma nitidez inesperada
de olfato e audição. Todos os Ikatis tinham aumentado seus
sentidos, desde o nascimento, mas de repente ela foi capaz de
cheirar um pássaro pairando em milhas ao largo e saber se era
falcão ou um estominho, de repente, ela foi capaz de ver cada
gota de orvalho em cada folha de grama fora da janela de seu
segundo quarto de História. Ela ouviu os abetos zumbindo
com seiva, ela provou dias de chuva à frente, ela sentiu a terra
virar sob seus pés. Toda a natureza entrou em foco brilhante
e perfeito, e ela estava no centro de tudo, um lugar de
consciência.
Em seguida, na manhã de seu aniversário de quinze anos,
ela finalmente mudou para pantera e descobriu que, além de
força e agilidade e sentidos aguçados, ela poderia
ser muito rápida.
Ela sabia que mesmo com o colar ela ainda teria essa
velocidade relâmpago. E não havia nenhuma chance no
mundo que o Sr. Regras e Regulamentos mudasse para
persegui-la, porque a Lei expressamente os proibia de mudar
na frente dos humanos.
Ele teria que a seguir a pé.
Ela navegou pelo ar quente da noite, suspensa por um
momento sem fôlego – o coração batendo, os braços
estendidos, os cabelos estalando em uma longa e escura
bandeira atrás dela – e pousou em um trecho de grama a
poucos metros de um banco de pedra onde dois amantes
estavam trancados em um abraço apaixonado. Eles se
separaram com suspiros e começaram a exclamar em italiano
surpresos, mas ela os ignorou e concentrou-se em recuperar
seu equilíbrio. O chão era duro e a sacudida doía para
caramba, mas ela sabia que nenhum osso seria quebrado. Uma
queda livre de quinze andares realmente não era tão ruim
assim; ela uma vez caiu duas vezes mais longe do topo de um
antigo, alto abeto na Floresta Nova em Sommerley e mal se
machucou.
Respirando pesadamente, ainda agachada no chão, ela
olhou por cima do ombro e esticou o pescoço para onde
esteve para ver se ele a seguiu.
Mas ele não tinha. Ele olhou para baixo, uma figura
pequena em preto inundado em luzes douradas, sozinho no
topo do Coliseu, observando-a com aqueles olhos âmbar
astuto. Sentindo-se forte, viva e livre, ela soprou-lhe um beijo,
então decolou em uma corrida.
A partir da parede da arcada superior, Xander observou
Morgan, em uma exibição verdadeiramente surpreendente de
imprudência, levantou a mão em seu rosto, franziu seus lábios
vermelhos, generosos, e soprou-lhe um beijo.
Apesar de tudo, ele bufou um riso curto e descrente. Ele
era a Ira de Deus. Assassino famoso, temido. Perseguidor da
morte.
Nunca, ninguém o tratou com tal desrespeito.
Seu respeito por ela cresceu em proporção exata à sua
indignação. Nunca conhecera alguém que tivesse se atrevido
a tomar liberdades como esta. Ela era arrogante e desafiadora,
definitivamente imprudente, e parecia não se importar nem
um pouco com sua reputação ou a possibilidade muito real e
iminente de que ele seria o único a terminar com sua vida.
Ela era.... Destemida. Nunca conhecera ninguém como
ela.
Por um momento breve e perturbado, enquanto a
observava se erguendo de seu pouso na grama e correndo
descalça pela avenida, o tráfego trancando em uma parada em
ambas as direções ao passar, ele foi mantido fixo por surpresa
e admiração e simplesmente a assistiu correr. Ela saltou
graciosamente e fria como uma gazela de Thomson através
do grunhido de carros e táxis e scooters, até limpando o capuz
de um Fiat vermelho que não parou a tempo, em um salto
gracioso de pernas longas.
Sua mão ergueu-se automaticamente para as facas de lua
crescente de Ba Gua Zhang enfaixadas em uma fina bainha
de couro na parte de baixo das costas, escondida dentro de
seu cinto. Doado a ele por seu mestre de capoeira quando era
apenas um menino, eram facas de arremesso do século XV,
dobradas e perfeitamente ponderadas, em condição perfeitas
embora frequentemente usadas.
Ele hesitou, então baixou a mão. Se tivesse sido qualquer
outra pessoa, teria havido uma lâmina se projetando entre
aqueles ombros rapidamente se afastando agora. Os
desertores eram uma ameaça extrema para a tribo, e ele
capturou – ou matou – todos os que ele foi enviado para
procurar.
Mas não é qualquer outra pessoa. O pensamento
aumentou errante, o perfurando. É ela.
Sem se preocupar em examinar exatamente o que isso
significava, levantou o olhar para o céu e viu as estrelas
cintilantes, a pérola gorda e perfeita da lua crescente. Então
ele fechou os olhos e deixou que subisse para um pico ardente
dentro dele, o poder resplandecente e brilhante da mudança,
sempre lá apenas debaixo de sua pele.
Então, sem ruído ou aviso, ele se dissolveu em névoa.
Era o mesmo sempre, sem esforço como a respiração,
um mero foco da vontade. Como se uma pálpebra tivesse sido
descascada para revelar tudo à sua volta em cores vivas de
todos os ângulos, ele percebeu acima e abaixo exatamente
como percebeu frente e trás. Não havia nenhum
impedimento à sua visão, embora ele carecesse de olhos
através dos quais se concentrarem ou mesmo, para o assunto,
uma cabeça. Ele existiu como uma parte do próprio ar, sem
peso, e mudou-se através dele, voando, baixo, rápido e lento.
O único inconveniente era sua roupa. Qualquer coisa
que ele usava ou segurasse em suas mãos simplesmente caiu
no chão enquanto seu corpo se dissolvia em névoa. Ele nunca
foi capaz de levar as coisas com ele como vapor, mas tinha
outro dom absolutamente único e poderoso à sua disposição
para isso.
Voltaria para pegar suas roupas e facas depois. Agora ele
tinha um fugitivo para pegar.
Em uma sinuosa nuvem de névoa, pálida, levantou-se no
ar e pegou a corrente de ar quente da avenida embaixo. Usou-
o para levantá-lo, montando-o até que estivesse bem acima do
Coliseu, o suficiente para que qualquer pessoa olhasse para
cima veria o que parecia ser uma pequena nuvem,
estranhamente rápida. Sob ele, Roma estava esplendidamente
resplandecente, adornada de brilhos de cobre e ouro. As ruas
eram pulsantes artérias cheias de tráfego, serpenteando em
todas as direções em serpentinas de vermelho e branco.
Acima dele estava o céu noturno, a safira escura,
salpicada de estrelas.
E ali, parada na calçada enquanto pedestres se separavam
ao redor dela como água corrente em volta de uma rocha,
Morgan estava de pé.
Mesmo desta distância ele viu seu choque, sua
incredulidade em branco. Ela ficou pálida, quase tão branca
quanto sua blusa. Ela sentiu seu deslocamento; que foi muito
óbvio. Se tivesse lábios, teria rido alto.
Sim, eu posso mudar para mais do que apenas uma
pantera, minha cara. Eu tenho a minha mãe para agradecer
por isso.
Ele empurrou a atmosfera, para cima e para frente,
voando, fácil como o ar, sabendo sem dúvida que no exato
momento ela estava xingando seu nome e recalculando
planos. Não importa. Podia correr, podia se esconder, mas
não estava escapando.
Nunca.
Ele se manteve bem acima quando ela se virou e
começou a empurrar através da multidão de turistas
tagarelando e amantes passeando e mulheres idosas com
cachecóis de cabeça e sapatos sensíveis saindo para a missa
vespertina. Sentia-se curioso e sem pressa, os luxos da
autoconfiança, e tentava manter-se fora de vista enquanto a
caçava, camuflando-se com vários graus de sucesso em torno
de campanários e chaminés, na folhagem das árvores. Ela
continuou olhando para cima e para trás enquanto corria, mas
nunca parou nem mesmo abrandou seu ritmo.
Foi para o norte, seguindo as ruas bem-viajadas e bem
iluminadas, entrando e saindo de igrejas e lanchonetes e cafés,
entrando na frente e saindo pelas costas ou alguma outra porta
lateral, tentando sacudi-lo. Era divertido, e ele se viu
esperando que isso não terminasse logo.
Ele estava tendo algo como – diversão.
Então ela correu por um lance de escadas em uma
entrada subterrânea para o Metrô e ele começou a se
preocupar.
Ele desceu rapidamente os degraus atrás dela,
assustando um grupo de pombos que correram no trilho em
um voo barulhento. Seguiu a visão de sua cabeça escancarada
e escura, facilmente identificável por trás com aquela queda
de cabelos escuros brilhantes como a luz do sol sobre a água,
tão diferente de todos os outros que se aglomeravam em um
dos elegantes carros prateados ao mesmo tempo em que suas
portas se fechavam. Aplanou-se contra o teto, espalhado tão
fino quanto podia ao redor dos tubos fluorescentes que
iluminavam o carro.
Estava lotado. Morgan não estava à vista.
— Terrivelmente nebuloso aqui dentro, — observou um
homem de cabelos brancos em italiano, olhando para o teto
do assento de plástico embaixo.
— São os seus olhos, — respondeu sua esposa severa,
acenando com uma mão desdenhosa para ele. — Quantas
vezes tenho que dizer para você comprar novos óculos? —
Ela procurou em uma bolsa de mão granulada, sua caixa de
óculos, e entregou ao marido sem outra palavra. Xander
aproveitou a oportunidade para escapar, molécula por
molécula, sobre metal frio e boca dura de goma seca, em
direção à porta deslizante traseira.
Morgan não estava no carro seguinte. Ou o próximo.
Ele não começou a entrar em pânico até a terceira
parada, depois que ele passou por todos os carros na linha e
não a encontrou. Estranhamente, ele não encontrou nenhum
cheiro dela em qualquer lugar, exceto perto da porta onde ela
entrou. Quando ele flutuava invisível acima, ouvindo um par
de adolescentes discutindo os prós e contras do rap contra o
metal, ele percebeu.
Morgan entrou e saiu na mesma parada.
Enquanto esperava o que parecia uma eternidade,
espalhado como a fumaça contra a parede de azulejo na
plataforma do Metrô para o próximo carro que iria levá-lo de
volta para o Barberini Fontana di Trevi, Xander começou a
reavaliar a situação.

Morgan sempre quis uma tatuagem.


Nada grande, nada que pudesse ser visto por um
observador casual, e nada bobo. Ela queria que significasse
algo, algo especial e com alma e não uma decoração ociosa
como uma borboleta ou um coração.
Não que ela já tivesse visto uma tatuagem de borboleta
ou coração. Não em pessoa. Aqueles tipos de caprichos não
eram permitidos em um lugar como Sommerley, onde cada
dever era para a tribo. Sua vida e sua alma e até mesmo a
sua carne pertencia a eles e somente a eles. Uma tatuagem,
para a maioria de seus parentes e filhos, seria uma
abominação. Algo profano, algo que mina sua sagrada
primogenitura: a beleza.
Algo proibido.
E era exatamente por isso que sentia a necessidade de
fazer uma.
— Buonasera 12, — ronronou o rapaz atrás do balcão de
vidro, medindo-a com os olhos ansiosos. Era alto e curvado,
com a pele gordurosa, o cabelo que necessitava muito de uma
lavagem, e respiração como se estivesse bebendo há três dias,
que ela podia sentir onde estava. Ela sorriu para ele, fingindo
não notar.
— Buonasera.
A loja era pequena e iluminada por luzes fluorescentes
piscando em vívido azul e amarelo e roxo que emprestava
uma atmosfera de circo noturno, surreal e sonhadora. Várias
cadeiras de couro alinhavam uma parede; Centenas de
tatuagens a amostra alinhavam as outras. Além do homem
atrás do balcão, ela era a única na loja.
Ninguém mais, era perfeito.
Ele saiu de trás do balcão de vidro e chegou perto –

12
Boa noite. (Italiano)
muito perto. Seu olhar nunca se levantou do nível de seu
peito. Ele disse algo mais em italiano que ela não entendia,
uma pergunta.
— Tatuagem? — Ela apontou para seu quadril
direito. — Aqui?
Ele deixou seu olhar se desviar do peito até o quadril. —
Sì, — respondeu ele, não totalmente estável e umedeceu os
lábios. Mais algo ininteligível em italiano seguiu, mas não
sentiu falta da sugestão ou da maneira como olhou para as
pernas nuas.
Ela se virou, foi até a porta da frente da pequena loja,
trancou a porta. Quando ela se voltou para ele, ele estava
olhando para ela com uma combinação divertida de terror e
antecipação, torcendo as mãos.
Ela caminhou em direção a ele devagar, ainda com o
sorriso.
— Sim, esta é a sua noite de sorte. Infelizmente para
você, meu amigo sujo – acrescentou, estendendo a mão para
tocar seu braço. — Você não vai se lembrar de nada disso.
Depois da tatuagem – que a fazia feliz na maneira como
as crianças pequenas são felizes na manhã de Natal.
Ela passeou até II Corso, a via principal de volta para o
hotel. Ela estava cansada, com fome e dor de seu salto
anterior e de onde a agulha perfurou sua pele. Quem diria que
um quadril pode ser tão sensível? Tudo o que ela queria agora
era algo para comer, um banho e cama.
A sorveteria era charmosa, pequena como todas as
outras lojas na II Corso e ainda cheia com pessoas embora a
hora fosse tarde. Ela escolheu um pistache – grande e o
comeu com uma pequena colher de pau enquanto vagava,
pensativa, pela avenida.
O que Xander estava fazendo agora?
Ela não tinha dúvida de sua fúria. Em seu lugar, ela
sentiria o mesmo. Mas ela não sentia pena dele. Ela pensou
que ele precisava muito de um balde de água fria para apagar
o fogo que era seu ego. Tão certo de si mesmo, tão
confiante. Tão dominador. Muito irritante.
Embora uma pequena parte dela estivesse contente com
a distração. Isso a impediu de pensar demais no relógio de sua
missão.
Talvez ela tivesse ido longe demais, no entanto. Se ele
realmente pensava que a perdeu, estaria ao telefone com
Sommerley em um piscar de olhos, chamando reforços. Ela
não tinha dúvida de que pudesse escapar dele novamente, mas
uma cidade cheia de Ikati, todos com a intenção de encontrá-
la, era outra situação completamente diferente. O
pensamento lhe deu arrepios.
Ela seguiu para o hotel a um ritmo mais rápido, jogando
seu recipiente de sorvete vazio em uma lata de lixo na calçada
enquanto caminhava.
Nada. Ele não encontrou nada dela, nem mesmo um
traço de seu perfume. Não na estação de Barberini Fontana di
Trevi, não na fonte barroca da obra-prima de Tritão que se
precipita na praça acima, não ao longo da elegante e agitada
Via Veneto, nem nos bairros comerciais ou no labirinto de
pequenas ruas construídas na Idade Média do Piazza Navona.
Ela se foi. Desapareceu.
E ela nem sequer tinha o dom de vapor para explicar
isso, embora ela usasse o colar e não teria sido capaz de mudar
de qualquer maneira. Ele voou alto sobre a cidade, distrito
após distrito passando por baixo em borrões de cor pintada,
sua fúria com ele aumentando a cada segundo passado.
Uma criminosa conhecida. Uma ameaça para a
tribo. Um peão do inimigo. Como poderia deixá-la escapar?
Quando a luz apareceu levemente verde ao longo do
horizonte oriental, ele finalmente desistiu. Ele voltou para o
Coliseu e retomou sua forma humana, recuperou suas roupas
e lâminas, vestiu-se, então tomou um táxi de volta ao Hotel
de Russie, ao mesmo tempo tentando descobrir exatamente o
que ele diria a Leander e à Assembleia de Sommerley.
Desculpe, mas perdi a única pessoa que poderia destruir
a todos. Desculpe?
De alguma forma ele não achava que isso seria suficiente.
No hotel, passou pelo porteiro e tomou o elevador até o
último andar. Uma vez na porta da suíte de Nijinsky, ele nem
sequer se incomodou com a chave. Ele apenas passou através
disso, roupas e tudo, e veio a uma parada abrupta dentro do
foyer de mármore.
Uma suave respiração vinha da cama king-size.
Alguém estava dormindo na cama.
Assim que o pensamento passou por cima dele e ele
pegou suas facas, a cheirou, açúcar quente e mulher, e
congelou em descrença.
Ela voltou.
Ela voltou.
Continuava repetindo em sua cabeça como um disco
quebrado, ancorando-o ao chão com a impossibilidade
absoluta dele. Então outro pensamento, ainda mais confuso:
Por quê?
A liberdade era dela. Ela – inconcebivelmente – o
ultrajava, ela tinha os recursos para orquestrar sua fuga para
qualquer canto distante da terra, mas ela voltou. O alívio que
surgia através dele era frio e espinhoso, tão palpável como a
chuva. Ele foi seguido por um emocionante desejo de saber
exatamente o que fez esta perigosa, enlouquecedora,
encantadora mulher, voltar.
Sem fazer um som, sem ligar nenhuma luz, Xander
atravessou a sala de estar elegantemente decorada e entrou na
suíte máster para ficar ao lado da cama. Ele olhou para seu
rosto adormecido por vários minutos, apenas observando-
a. Suas mãos estavam dobradas sob sua bochecha como se
estivesse em oração; seus cílios fizeram uma curva preta
sedosa sobre suas bochechas. Seu cabelo derramou chocolate
escuro e espalhado sobre os travesseiros; aqueles lábios
cheios, sempre vermelhos mesmo sem batom, eram macios e
ligeiramente separados. Ela parecia linda, inocente e
totalmente em paz.
Ele estaria bem dentro de seus direitos de matá-la agora
e não esperar as duas semanas.
Não, pensou imediatamente. Não. Aquele corpo, o
rosto, os lábios de rubi de pelúcia.... Não.
Então ele amaldiçoou sua própria estupidez e se
perguntou o que estava errado com ele. Ela era um
desertor! Era uma traidora! Ela era... bonita.
Misteriosa. Forte.
Ele fechou os olhos, esticou o pescoço para trás e sibilou
uma respiração longa e calma, com os dentes cerrados. Em
seguida, retirou-se para a segurança de uma poltrona de couro,
colocada diagonalmente em frente à cama num canto da sala,
tirou as facas de suas bainhas na parte inferior das costas e se
acomodou com suas mãos entrelaçadas para esperar.
Quando Morgan abriu os olhos pela manhã, Xander
estava de pé na beira da cama, olhando para ela com olhos
ardentes e derretidos. Em suas mãos estava um par de facas
de aparência perversa.
Sentou-se tão abruptamente que os travesseiros de penas
de ganso deslizaram para fora da cama. Mesmo enquanto
olhava ao redor selvagemente procurando algo para apunhalar
sobre a mesa de cabeceira, sim! Ele estava recuando,
abaixando as mãos para os lados.
— Desculpe — disse ele. — Eu não queria te assustar.
Ele parecia querer dizer isso porque se retirou até a porta
do quarto antes de colocar as mãos nas costas e enfiar as facas
na cintura. Então ele ficou ali, olhando para ela
silenciosamente, com as mãos soltas nos lados.
— Excelente plano, — disse ela, o coração trovejando,
— Porque ficar de pé sobre uma pessoa dormindo, segurando
facas não é nada assustador.
Nenhuma resposta. O modo como ele olhou para ela,
procurando ardentemente intenção, trouxe o sangue para suas
bochechas. Ela puxou os lençóis até o queixo e olhou
desafiadoramente para trás.
— Você voltou. — Sua voz era diferente de ontem. Tão
grave, mas mais suave de alguma forma.
— Eu nunca saí, — ela respondeu, cruzando os
braços. — Eu apenas.... Eu apenas...
Inclinou a cabeça num movimento afiado, parecido com
uma ave, que trazia à mente uma ave de rapina que uma vez
vira caçar um coelho branco na Floresta Nova. Não terminou
bem.
Ela se levantou, puxou o lençol do colchão, e o envolveu
em torno de seu corpo. Ela usava uma camisola e calcinha e
nada mais e de repente se sentiu muito exposta.
— Estou faminta. Acho que o café da manhã será
necesário antes de começar.
Ele franziu o cenho para ela como se estivesse falando
em uma língua estrangeira e deixasse seu olhar ardente
flutuando sobre o lençol, enrugado até as dobras em seu
punho.
— Começar, — ele repetiu com sua voz rouca. O sangue
de suas bochechas ardia mais quente. Ele também parecia
morto de fome, mas talvez não da mesma maneira que ela. O
pensamento a perturbou. — A nossa pequena missão aqui.
Ele piscou. Seu olhar voltou para seu rosto.
— Encontrar o Expurgari, — ela articulou quando ele
ainda não falou.
Uma de suas sobrancelhas se ergueu e,
surpreendentemente, um canto da boca dele.
— Oh. Isso. Achei que você poderia querer começar
com entusiasmo.
Seus lábios se curvaram. — Eu penso que tive minha
diversão para começar ontem à noite, enquanto eu estava... —
fazendo minha tatuagem, ela quase disse, mas pensou
melhor. Sua mão livre deslizou para baixo para traçar a carne
dolorida em seu quadril, e seus olhos seguiram o movimento,
ávido. — Fazendo passeios turísticos — concluiu ela.
Olharam silenciosamente um para o outro. Lá fora, no
alvorecer rosa, os sinos das igrejas começaram a soar, lindos
e melancólicos. A luz do sol fluía de ouro pálido e brilhava
através da fenda das cortinas de seda para se acumular no
tapete entre eles, tão brilhante que quase machucava seus
olhos.
— Você vai fugir de novo? — Sua voz era
estranhamente cortês. Isso a fez suspeitar.
Talvez ele estivesse rindo da sua cara.
— Só se você deixar mais notas grosseiras, — ela
respondeu, então caminhou ao redor da extremidade da cama,
foi para o banheiro. Ela parou na porta e olhou para ele por
cima do ombro.
— Não! — disse ele, muito sério. — Não vou.
— Bem, então não. — Ela ainda não tinha certeza se ele
estava zombando dela. Mas o jeito que ele olhava para ela não
era zombador. Sua expressão era ao mesmo tempo grave e
vagamente confusa inefavelmente curiosa.
E... Com fome.
Uma onda de calor passou entre eles, brilhante como
perigo. Isso a fez dar um passo para trás, para além da porta
do banheiro. O mármore era um choque frio sob seus pés.
— Ah, você se importa se eu...? — Ela gesticulou para o
chuveiro, tomando cuidado para não permitir que sua mão
tremesse.
— Claro, — disse ele, inclinando a cabeça. Ele deu um
passo para trás, também, para a sala de estar. — Eu estarei
esperando por você.
Isso, ela pensou com firmeza ao fechar a porta do
banheiro, é exatamente com isso que eu estou preocupada.
Morgan estava sob controle pelo tempo que o café-da-
manhã foi servido.
O café era pitoresco e ensolarado, situado em frente do
Keats-Shelley Memorial House13 na base da Escadaria da
Espanha. Possuía uma excelente vista na escadaria do jardim
no terraço, com a sua fúcsia tumultuada de azaleias, o
imponente volume renascentista da igreja Trinità dei Monti
empoleirado no topo e os turistas que passavam pela Piazza
di Spagna como tantos tagarelando, pássaros exóticos. Era

13
A casa memorável de Keats-Shelley é museu da casa de um escritor em Roma, Itália, homenageando
os poetas românticos John Keats e Percy Bysshe Shelley. O museu abriga uma das coleções as mais
extensivas do mundo das memorabilia, das letras, dos manuscritos e das pinturas relativas a Keats e
Shelley, assim como Byron, Wordsworth, Robert Browning, Elizabeth Barret Browning, Oscar Wilde e
outros.
escolha de Xander; ele a guiou até lá com uma mão levemente
apoiada sob seu cotovelo, a quadra inteira do hotel.
Sentaram-se agora em silêncio na sombra de um guarda-
sol branco, olhando para tudo, menos um para o outro.
A garçonete veio com seus copos cheios de expresso
e partiu com um arco.
— Assim. Qual é o seu plano? — Xander tomou um
gole da pequena xícara de porcelana. Em sua mão grande
parecia uma coisa de criança, pequena e facilmente quebrável.
— Esperava que tivesse um.
Morgan se mexeu em sua cadeira, acomodando-se
melhor em suas costas amortecidas, e levantou sua própria
xícara para seus lábios. Ela engoliu e provou o céu: uma
pequena dose de café tão fino e forte e doce que era quase
uma sobremesa, coberto com um creme suave de espuma.
— Deus, isso é bom, — disse ela. Ela terminou em um
longo gole e suspirou de prazer.
Ao lado dela, Xander sorriu.
— Você não tem café expresso na Inglaterra?
— Chá — disse ela. — Chá muito fino, mas nada como
isto. Isto é... — Ela lutou por um momento até que ele
forneceu a palavra perfeita.
— Decadente.
Ele virou a cabeça para olhá-la, e a luz do sol atrás da
cabeça dele agarrada em seu cabelo escuro era como uma
auréola com chama azul. Voltou a surpreendê-la, como era
belo, quão selvagemente gracioso, ao mesmo tempo mítico e
ameaçador. Havia algo estranhamente condenado sobre ele
também, um ar de tristeza cansada como a memória de muitos
pecados.
Como um anjo caído, ela pensou, e teve que desviar o
olhar.
— É melhor do que o que temos no Brasil também.
Ela olhou para ele, observando como ele drenou sua
xícara e a colocou para baixo, cada movimento elegante e
livre. Ele olhou para ela, descansou seu cotovelo no braço de
sua cadeira, então esfregou um dedo em seus lábios cheios em
um gesto lento e pensativo que também conseguiu parecer
profundamente erótico.
— Nosso expresso é cultivado em altitudes mais baixas,
em solos não vulcânicos. As misturas italianas são mais
refinadas.
— Por que a altitude faz a diferença?
— Como as uvas do vinho, somente os grãos de cafés
cultivados em grandes altitudes em solo rochoso e inóspito
produzem o melhor fruto.
Ela levantou uma sobrancelha.
— É a luta que os refina, — explicou, — O desafio. Dê-
lhes muita água, luz do sol e solo fértil e eles crescem gordos
e sem gosto, como uma uva Concord, apetitoso apenas
quando saturado com açúcar e feito em geleia. Ou murcham
e morrem de tédio. Como pessoas. Os melhores são
sobreviventes. Despojados de palha, refinados pela luta e
dificuldades, eles são tornados complexados e potentes pela
sua própria resistência e capacidade de prosperar apesar da
privação.
Poético, pensou. Meu assassino é poético.
— Então, — Morgan disse, olhando para ele de súbito
sob seus cílios, — qual é você, então? Uma uva gorda de
geleia?
Ele sorriu irônico. — Não. — Seu olhar passou
rapidamente por ela, uma vez, avaliando ardentemente. — E
nem suspeito que você seja.
A comida chegou. Pratos carregados com presunto,
manteiga, torradas, bolinhos e ovos cozidos com tomates, pão
torrado e muito mais do maravilhoso café expresso. Morgan
cavou em seu prato, tentando evitar o olhar ardente que
Xander apontou em sua direção.
— Pensei que talvez as áreas mais cheias primeiro – ela
ofereceu em torno de uma mordida de torradas com manteiga
uma vez que o garçom recuou. — As áreas turísticas. Roma
antiga, o Monte Palatino, lugares como esse.
— Mais visitas turísticas — disse ele, com um tom que
indicava sua desaprovação a esse plano.
Ela engoliu seu pedaço de torrada e lhe enviou um olhar
gelado. — É apenas um jogo de números. Jenna não viu sua
localização direta, então eu tenho que começar em algum
lugar. Podemos eliminar as maiores, mais óbvias armadilhas
turísticas em primeiro lugar, em seguida, mover para as áreas
externas, se não encontrar nada. Mas tenho a sensação de que
vamos.
— Você acha que eles estão escondidos à vista?
— Por que não? — Ela deu de ombros. — Nós
fazemos.
Seguiu-se um silêncio longo e desconfortável. Ela
comeu, tentando ignorá-lo enquanto ele ainda estava como
uma pedra em sua cadeira, examinando-a com um olhar tão
pesado que era sensível ao toque. Calor esquentou suas maçãs
do rosto, a adrenalina correu percorrendo suas veias. Mas ela
foi firme, não, não. Não iria olhar para ele.
Finalmente ele falou, e ela instantaneamente desejou que
não tivesse.
— Por que você fez isso?
Concentrando-se no conteúdo de seu prato, espetou um
pedaço de melão maduro nos dentes de seu garfo, dobrou
uma tira fina de presunto sobre isso e levantou para a
boca. Derretia em sua língua, salgado e doce.
— Eu pensei que não precisava lhe dizer. Eu não estava
fugindo. Eu só queria olhar um pouco antes de começarmos.
— Não foi isso que eu quis dizer. E você sabe.
Sua voz era tranquila, apenas audível sobre dois
cavalheiros idosos na mesa ao lado discutindo vigorosamente
sobre um jogo de xadrez. Apesar de tudo, olhou para ele,
esperando encontrar escárnio ou desprezo. Mas havia apenas
curiosidade, isso e algo mais profundo, algo indefinível que
brilhou escuro nas profundezas douradas de seus olhos. O ar
entre eles estalou.
Apreensiva e desconfortável baixou o olhar para o
prato. — Que diferença faz? O que está feito está feito. —
Ela arremessou selvagemente outro pedaço de melão, então
deixou cair o garfo em seu prato com um estrondo e sentou-
se contra sua cadeira, seu apetite desapareceu.
— De fato, faz muita diferença.
— Para quem? — Respondeu ela, infeliz. Sua sentença
era de ferro, seu destino estava selado. Por que já não fazia
diferença para ninguém.
— No final, tudo importa — foi a sua resposta
enigmática. — Os grandes triunfos e fracassos são o que mais
nos lembramos, mas todos os pequenos momentos estúpidos,
todos os detalhes esquecidos de sua vida também são
importantes. Tudo é importante, porque tudo se resume a
quem você realmente é.
Surpresa, olhou para ele. Esse olhar de curiosidade ainda
estava lá, intenso e incansável, e ela estava presa nele, suspensa
como um fóssil preso em âmbar líquido. De repente, sua
apreensão e infelicidade desapareceram e ela sentiu apenas
aquele estranho botão de esperança novamente, aquele que
tomou raízes na noite passada. Queimou em seu coração
como uma lança de fogo.
— Quem eu realmente sou, — ela repetiu incerta. Isso
era um teste?
Ele assentiu com um pequeno movimento de sua
cabeça.
— Eu não sou nada. Eu não sou ninguém. Eu... — ela
limpou a garganta, miserável, —.... Sou uma traidora. —
Murmurou, com um sotaque quase imperceptível na primeira
palavra.
Seus olhos eram hipnóticos, a luz do sol e a sombra,
procurando e ardendo e lavando-se com a tristeza antiga que
escurecia sua luminosidade pura, mas lhe permitia vislumbrar
um poço de tormento tão profundo, tão insondável, que era
assustador. Por um momento, enquanto a observava, sua
máscara de perfeita indiferença escorregou e ela vislumbrou
algo que reconheceu muito bem.
Dor. Assim como ela, esse belo e impenitente assassino
sentia dor.
No espaço de um momento para o outro, algo vital
mudou.
— Você nunca quis um tipo diferente de vida? — Ela
falou, sem pensar. Isso saiu pequeno e suplicante. Cru.
— Um tipo de vida diferente — ele ecoou vazio.
— Isso foi tudo que eu sempre sonhei desde que era uma
menina, — ela correu em frente. — Algo mais. Alguma
coisa.... Outra coisa. Qualquer outra coisa. — Ela apontou
para as pessoas passando por eles, os garçons assobiando, os
jogadores de xadrez discutindo, um par de freiras em hábitos
negros andando de braços dados em direção à igreja. — O
que eles têm, mas eu nunca vou ter.
Sentou-se em absoluto silêncio, observando-a com olhos
sem pestanejar, o rosto rígido.
— Liberdade.
— Sim, — ela disse surpresa que ele adivinhou. —
Liberdade, independência e, especialmente, a escolha sobre
quem podemos amar. — Seu rosto ficou pálido quando ela
disse aquelas palavras, mas ela continuou ignorando-o. — “A
pessoa deve morrer com orgulho quando não é mais
possível viver com orgulho.” Sabe quem disse isso?
Ele não hesitou. — Nietzsche.
Ela riu surpresa novamente. — Um assassino
existencialista! Sim, Nietzsche. E ele estava certo.
— A morte é sempre preferível a uma vida encadeada. Se
nada mais, pelo menos, deveria ser permitido isso. — Suas
mãos tremiam. Ela as puxou para o seu colo, apertando-as
com força. — Mas não somos. Não nos é permitido nada. E
para mim, para uma mulher...
Sua voz se apagou. Houve silêncio entre eles por um
momento antes que ela retomasse baixo, para as mãos. — Eu
pensei que me tornar um membro da Assembleia fosse mudar
isso. Eu pensei que ser mais dotada do que a maioria dos
outros homens em nossa colônia iria mudar isso. Eu pensei
que se eu trabalhasse duro e tentasse o meu melhor para ser
como eles.... Para me encaixar.... Eu pensei que as coisas
poderiam ser... Diferentes.
Ele não se moveu ou, ao que parecia, respirou fundo. Ela
olhou para ele, procurando.
— Mas eu estava errada.
— A nova Rainha — ele começou, mas ela balançou a
cabeça e cortou-o.
— Eu não sabia. Isso foi antes. E agora... — Ela mordeu
o lábio, lutando contra o súbito e assustador ataque de
lágrimas. — Agora é tarde demais.
— Eles te prometeram liberdade. O Expurgari
prometeu-lhe a liberdade. — Ele disse isto suavemente, não
como uma acusação, mas como se ele entendesse.
Morgan sabia em seu coração que ela era uma
covarde. Ela era corajosa, esperta e autossuficiente, era muitas
coisas de que sua mãe teria se orgulhado, se tivesse vivido para
vê-lo, mas ela era uma covarde porque não podia suportá-
lo. O isolamento, a opressão, o segredo e o silêncio, o
esmagador peso do legado de sua linhagem e seus dons.
Todos os outros na tribo poderiam suportá-lo. Tinham
milênios. Mas não ela.
Preferia morrer.
— Quando eu mudei pela primeira vez aos quinze anos,
— disse ela, lutando para manter a compostura, — Fui levada
perante o Guardião e o Casamenteiro para que pudessem
determinar quem seria um bom par de linhagem de Sangue
para mim. Porque eu tinha o dom da sugestão, eu era mais
valiosa para eles. — Ela olhou para Xander. — Como
reprodutora. — Ela respirou fundo e continuou. — Eles
queriam que eu reproduzisse na linhagem do Alfa, mas eu
sabia o que isso significava – a menor quantidade possível de
liberdade concebível. Então ameacei me matar. Você não
pode imaginar o alvoroço que isso causou. — Sua mão se
moveu para cima para tocar nos anéis de metal ao redor de
seu pescoço. — Eles ameaçaram colocar o colar, mas eu não
me movi. Eles cederam, em parte porque acho que meu pai
era muito valioso para eles...
— Por quê? — Xander interrompeu intenso.
Ela levantou seu olhar para o dele.
— Dinheiro. Ele lidou com os investimentos da
tribo. Ele sabia tudo, onde tudo estava, o quanto
valíamos. Tudo. Dia e noite, contando, contando, contando.
Registros e participações e contas bancárias. Ela voltou
à cabeça e olhou para a praça movimentada, para uma criança
cigana com enormes olhos escuros e roupas sujas, implorando
dinheiro na base da Escadaria da Espanha.
— Especialmente depois que minha mãe morreu.
— Ele a amava?
Assustada, ela olhou para ele. Ele a observou com
intensidade de laser, sem piscar.
— Sim. Eles... foram um arranjo, mas eles se amavam.
— Então você era uma criança do amor.
Ela olhou para ele, em branco. Amor?
— Você foi concebida com amor, — ele insistiu.
— Eu sim. Eu acho que sim, se você colocar dessa
maneira. Acho que sim.
Ele assentiu com a cabeça, como se isso o satisfizesse, e
ela corou vermelha, envergonhada com o giro na conversa e
completamente confusa. Por que diabos ela estava falando
sobre o amor com o homem encarregado de terminar com
sua vida se ela falhasse em sua missão?
— Você foi? — Ela retrucou, na defensiva.
Seu rosto mudou. Um piscar de emoção sem nome,
estava aqui e então se foi.
— Minha mãe sofreu o destino que você teve a sorte de
evitar.
Ela piscou, entendendo. — O Alfa.
Ele assentiu. Um músculo se contraiu na sua mandíbula.
— Ela é Dotada.
— Ela era, — ele corrigiu, e agora, percebendo o que ele
queria dizer, ela estava arrependida por ter perguntado.
— Oh. Sinto muito. O que aconteceu?
Ele segurou seu olhar por outro momento, ainda em
branco, então inalou e recostou-se em sua cadeira. Ele
desviou o olhar e passou a mão pelo cabelo cortado e segurou-
o por um momento, um gesto não estudado, masculino e
inconsciente e de algum modo íntimo. Sua voz estava muito
baixa.
— Ele não era um homem gentil.
Isso a deixou gelada. Ela só podia imaginar as
atrocidades por trás dessas palavras simples e
sucintas. Mesmo Leander, Alfa de Sommerley, com toda a sua
sofisticação e elegância, até mesmo ele era um assassino por
baixo de tudo isso. Todos os Alfas de sua espécie nasceram e
foram criados para uma coisa, e uma só coisa: a dominação.
— Não, — ela disse calmamente depois de um
momento. — Eles nunca são.
Ele não respondeu, e ela se sentou olhando para seu
perfil, delineado contra o sol da manhã, brutalmente bonito e
duro. Já conhecera o Alfa de sua colônia, um homem
chamado Alejandro...
— Você é filho de um Alfa, — disse ela,
curiosa. Leander nunca permitiria que nada estivesse entre ele
e seu direito de primogenitura. — Por que você não é Alfa da
colônia de Manaus agora?
Aquele tremor na mandíbula novamente, mas isso foi
tudo. Ele olhou para ela, seus olhos dourados.
— O destino escolheu meu caminho. E eu segui.
Ela franziu o cenho para ele, esperando mais, mas ele só
virou a cabeça e dirigiu seu olhar para os turistas que
passavam, balançando em um mar de cor e barulho.
— Você é o assassino mais estranho que já conheci, —
ela declarou indecisa novamente se ele estava zombando ou
apenas sendo evasivo. Toda essa conversa fez sua cabeça
girar.
— Você está familiarizada com muitos assassinos? —
Perguntou ele secamente, à vista do palácio.
Ela empurrou outro pedaço de melão maduro, ergueu-o
até os lábios e comeu. — Nenhum que leu Nietzsche e falou
sobre o amor e o destino ao mesmo tempo, — murmurou ela.
Ele riu suavemente. — Eu tive uma educação incomum.
Ela bufou. — Eu aposto que teve...— Ele ficou rígido
em sua cadeira e chicoteou a cabeça ao redor tão rápido que
foi um borrão preto em sua visão periférica. Ele sibilou baixo,
através de seus dentes, e deu um grunhido profundo de aviso
através de seu peito. Todos os pequeninos pelos em seus
braços estavam em pé.
— O que é? — Ela disse, endurecendo.
O ar ao redor deles parecia se encolher e brilhar, e ela
sentiu sua raiva e adrenalina pulsarem sobre sua pele em ondas
aquecidas e perigosas. Os homens que discutiam na mesa
seguinte ficaram em silêncio, e ela se perguntou se sentiam a
súbita mudança atmosférica, mas ela não se atreveu a olhar.
— Abra seu nariz, — ele rosnou escanceando o
palácio. Seus lábios desceram para revelar um conjunto de
dentes brancos, brilhantes e cintilantes. Sua mão foi até sua
cintura.
Ela olhou ao redor. O café, a multidão que passava a
manhã brilhante e ensolarada – ela não via nada fora do
comum.
— Seu nariz, — ele assobiou e levantou
abruptamente. Sua cadeira derrapou para trás e caiu com um
ruído nos paralelepípedos.
Houve um murmúrio de uma mesa de mulheres jovens,
quando elas notaram Xander pela primeira vez; alguns
suspiros macios subiram de outra. A conversa ao redor deles
cessou, exceto por alguns murmúrios assustados. E ela podia
entender o porquê. Com toda sua altura, em estado de alerta,
o assassino exalava uma corrente de eletricidade feroz,
crepitante, viril e potente, que balançava suas costas em sua
cadeira e a deixava sem fôlego. Mesmo os humanos devem ter
sido capazes de senti-lo, mas se não, ainda havia o fato das
linhas tensas e amarradas de seu corpo, aqueles ombros
maciços e braços, o rosto de um anjo destruidor,
perfeitamente bonito e perfeitamente frio. Ela olhou para ele,
assustada, enquanto uma exuberante onda de calor inundava
suas veias.
— Xander, não há nada — disse ela, horrorizada com a
resposta de seu corpo. Que diabos estava acontecendo com
ela? — Por favor, sente-se, você está fazendo uma cena no...
— Mas então ela percebeu isso. Quente, pesado e peculiar,
uma onda de poder diferente de tudo o que ela já
sentiu. Envelopando. Queimando. Em torno. Sentia-se ao
mesmo tempo íntima e estranha, sondando, e ela sabia sem
dúvida que era para ele. Por instinto ela inalou e pegou o
cheiro de raios e fumaça, uma picada persistente como
pólvora na parte de trás da língua. Suor, almíscar e suculência,
masculino e embriagador.
— Alfa, — ela respirou, saboreando a verdade com cada
nervo em seu corpo. — Meu Deus é um Alfa.
E não um deles, ninguém de nenhuma das quatro
colônias Ikati parecia com isso. Embora fosse
indubitavelmente um dos seus, um macho de sua espécie, ele
tinha um cheiro diferente. Ele tinha um gosto diferente. Sua
aura era perfumada escura, tão escura, como vinho quente,
especiarias e violência, como segredos, sussurros e túneis sob
a terra. Intoxicante e assustador, a segurou congelada em sua
cadeira, hipnotizada.
— Encontre-o, — Xander ordenou, seus olhos juntando
a multidão que passa.
Sem hesitar, Morgan fechou os olhos e concentrou-se.
A multidão desapareceu. Tudo ficou em silêncio. Havia
apenas ar quente, a cadeira debaixo dela e a beira de vidro da
mesa, fria debaixo de seu pulso. Ela expulsou sua consciência
em anéis rápidos e concêntricos, envolvendo tudo ao seu
redor. Os seres humanos quentes e edifícios sólidos e o nervo
cortado das árvores, dos guarda-sóis de lona e de toda a forma
dos objetos inanimados, maçantes e do roçar doce do vento
da frota dos barulhos que voam através do ar. Carros
passaram por alguns quarteirões mais, um avião voou por
cima, duro e rápido e metálico.
E então – oh, e então.
Ela colidiu com ele e ofegou.
Ele era poderoso, escuridão e sombrio, a necessidade de
agarrar, um puxão assustador e gravitacional, forte e
elementar. Ela sentiu como se tivesse entrado na atmosfera de
um enorme buraco negro e estava em perigo de ser sugada e
engolida.
— Nos degraus, — ela ofegou, puxando para trás do
contato com um esforço que lhe causou uma dor quase
física. — No topo da Escadaria de Espanha, ele está lá!
Ela abriu os olhos, virou a cabeça, e através do mar de
pessoas, cor e movimento, encontrou-o.
Ele estava parado e silencioso no degrau mais alto da
escada branca e abrangente, apoiado na balaustrada com as
mãos tão apertadas sobre a beira curva que seus nós dos dedos
estavam brancos. Ele era alto e grande - não tão musculoso
como Xander, mas tão substancial quanto – com cabelos
pretos começando a ficar cinzentos nas têmporas. Vestido de
branco elegante e imaculado, ele se destacou no tumulto de
cor ao seu redor, e o poder de sua brilhante presença fez tudo
ficar cinza como um brilhante raio de sol contra as nuvens.
Seu rosto era sombrio ainda que atraente, abençoado
com a graça dura e inegável beleza compartilhada por
todos Ikatis, uma beleza que fez cabeças girarem para outro
olhar enquanto ele estava olhando para ela com olhos tão
afiados que suas estranhas estremeceram.
Eles eram negros. Carvão. Plano e sem fim. Tinha a
impressão de ser sugada de novo na gravidade, de cair. De
afogar.
Então Xander moveu e libertou-a. Ele saiu em uma
corrida, brutalmente empurrando através da praça, deixando
uma fileira de turistas amaldiçoando em seu rastro. Ele
navegou sobre a enorme fonte de água no seu centro em um
pulo voando e aterrissou do outro lado – uma proeza que
nenhum ser humano jamais conseguiria, evidenciada pelos
rostos espantados de todos que o viram – e continuou
correndo em linha reta. A escada larga e arrebatadora e o
homem de pé perto do topo.
O homem de branco não se moveu enquanto observava
a aproximação de Xander. Ele manteve-se perfeitamente
imóvel, seu olhar treinado nele, usando uma expressão de leve
irritação, mas não medo ou surpresa, quase como se esperasse
exatamente esse cenário.
Seu olhar foi novamente para Morgan. Sentada
perfeitamente imóvel sob o peso frio, rígida como pedra,
achando difícil respirar.
Houve uma voz dentro de sua cabeça, e então a
respiração tornou-se impossível.
Você será minha. Bela estrangeira, sangue do meu sangue, você
será minha.
Assim que Xander alcançou o primeiro nível da escada,
o homem de branco virou-se e desapareceu na multidão.
Xander o viu se virar e desaparecer, e ele correu ainda
mais rápido.
Numa arrancada simples, ele subiu os degraus de três em
três, batendo com força os braços e as pernas, empurrando as
pessoas ou colidindo com elas, derrubando-as, mas ele não
parou nem se demorou.
Um alfa. Em Roma.
Impossível.
Em todas as quatro colônias de Ikati, Inglaterra, Brasil,
Quebec, e Nepal – não havia ninguém desaparecido. As
viagens eram severamente restringidas, os encarregados pelas
linhagens eram cuidadosamente mantidos; todos conheciam
todos e sempre conheceram. Nem sequer havia meios-
sangues dispersos, desde que a nova Rainha fora
encontrada. E os poucos desertores que tiveram nas últimas
décadas foram todos capturados e devolvidos, ou mortos,
mais a seu próprio crédito. O fato de que um macho de sua
idade e potência não tivesse sido detectado e passasse
despercebido era impossível.
Mas de alguma forma aconteceu.
Ele alcançou o nível superior da escada no terraço e
derrapou até parar, examinando a multidão, inalando
profundamente. Ele sentiu o cheiro inconfundível de Ikati a
oeste, um vislumbre de poder desaparecendo rapidamente
por uma arborizada rua estreita. Ele partiu atrás disso.
Estava vagamente consciente de pessoas saindo de seu
caminho, do pavimento de paralelepípedos voando sob seus
pés, de seu próprio coração batendo no peito, nos pulmões
que ardiam como fogo. A única coisa em que ele se
concentrava era correr, o mais rápido que podia, e o
pensamento único de que seus nervos, sangue e ossos
continuavam gritando dentro de seu crânio.
Inimigo! Inimigo! Inimigo!
Porque é claro que o homem de branco era seu
inimigo. Um Alfa feroz – com a possível exceção do
Expurgari não havia nada mais perigoso para a tribo que isso,
um fato provado repetidamente ao longo dos séculos. Os
machos alfas das quatro colônias conhecidas eram altamente
agressivos e violentos em relação a outros Alfas. Eles lutaram
pelo domínio, quase sempre até a morte.
Se ele soubesse das outras colônias, faria um movimento
para usurpar seus Alfas. Estava em seu sangue, na estrutura
de seu DNA. E a dominação total era o único resultado
aceitável; também em seu DNA. O que significava a morte de
um alfa ou do outro.
O que significava guerra.
Xander cheirou o desejo do Alfa em primeiro lugar –
direcionado para Morgan, feromônios, animal grosso,
pungente e o choque de fúria que isso lhe deu, enviou uma
enxurrada de agressão assassina através de suas veias.
Ele só podia imaginar o que queria dela, o que queria
fazer com ela, uma fêmea não acasalada, exuberante e
requintada.
Ele amaldiçoou e correu mais rápido.
Ao redor de uma curva na estrada, e ele viu um flash de
branco desaparecendo em um beco. Ele se lançou para frente,
com a expectativa fervendo em seu sangue. Ele desnudou os
dentes em vitória. O homem de branco ficaria preso.
Xander virou o canto do beco e fez uma pausa repentina.
Lá, no final do longo beco, estava o homem de branco.
Segurando uma arma.
Sorridente.
Houve um alto estalo, um alto ruído que ricocheteou nos
altos prédios de tijolos de ambos os lados. Um brilho de luz e
o cheiro de fumaça, e Xander teve tempo suficiente para se
concentrar antes que a bala o atingisse.
Foi um tiro perfeito. Quatro polegadas abaixo da
clavícula no lado esquerdo de seu peito.
Seu coração.
A bala passou pela frente e para fora na parte de trás,
perfurando um perfeito, buraco redondo no tecido de sua
camisa. Ele ignorou o cheiro de linho queimado. Ele
cambaleou de volta com a força e levantou a mão contra o
peito.
— Merda, — ele murmurou, franzindo a testa.
Ele realmente gostava dessa camisa. Ele olhou de volta
para o homem de branco, que abaixou à arma para o seu lado
e estava olhando para ele em incompreensão atordoada.
— Surpresa — disse ele e ofereceu ao estranho um
sorriso próprio. Então ele pegou suas facas.
Morgan teve de se livrar dos sapatos para poder correr –
o segundo belo par que deixava em menos de quatorze horas,
um Louboutin pele de cobra, de seda vermelha – e acabara de
chegar no topo da Escadaria da Espanha quando ouviu o tiro.
Ela congelou. Seu sangue esfriou. Todos ao seu redor
também se congelaram, exclamando em várias línguas, e se
encararam, com os olhos arregalados. Houve gritos em
italiano que mencionavam a palavra polícia, e ela não queria
ficar para isso. Ela se virou e correu para uma rua lateral com
o perfume de Xander flamejante quente em seu nariz.
Ela rodeou o canto do beco bem a tempo de vê-lo atirar
uma estrela no homem de branco. Pouco antes do impacto,
seu alvo dissolveu em um fino spray de névoa, e a estrela
pegou a gola da camisa branca agora vazia e incorporou-se na
parede de tijolos atrás dele com uma conversão. Pendurada
pelos picos da estrela como uma camisa pendurada para
secar. A névoa que tinha sido o homem de branco aderiu e
subiu rapidamente em plumas cinza.
A força de sua transformação a fez ofegar. Ele era
incrivelmente poderoso, tão poderoso quanto o pulsar de
energia que a chocara tanto quando Xander deslocou no
Coliseu na noite anterior.
Era sempre assim com um Alfa. Poder, paixão e
calor. Depois de seu choque, ela se perguntou de novo por
que Xander não era o Alfa de Manaus – ele era muito mais
forte do que Alejandro, aquele que governava agora.
Movendo-se rapidamente, a nuvem cinza de névoa
desapareceu acima da linha do telhado, calças, sapatos e
roupas de baixo deixados para trás em um monte no cimento
sujo. Xander correu para a pilha de roupas, agachou-se e
rapidamente olhou sobre eles. Ele embolsou algo, então
percebeu que ela estava ali, olhando-o fixamente.
Ele ficou de pé e olhou para trás. Seus olhos eram
ferozes, o ouro iluminado por fogo, inconfundivelmente
perigoso e selvagem.
Ela sentiu a onda de desejo sangrento atravessar seu
corpo e deu um passo para trás, sua mão em sua garganta.
— Volte para o hotel. — Ele estava respirando
pesadamente, mas sua voz estava perfeitamente controlada,
perfeitamente fria. — Espere por mim lá. Não deixe ninguém
além de mim entrar, não importa o que aconteça. Entendido?
Ela assentiu com a cabeça, recuando, sua mão ainda em
sua garganta. Se tivesse tido alguma ilusão da verdade do que
era, se tivesse abrigado alguma esperança secreta por causa da
estranha conversa no café da manhã, ela foi rapidamente
arrancada e queimada pela pura força pulsante da raiva e do
ódio que queimava em seus olhos, brilhante como cometas.
Assassino, pensou. Ele era um assassino. Disso, não
havia dúvida.
Então ele se virou, caminhou até o final do beco, onde
as paredes de tijolos se encontraram atrás de um par de lixeiras
e simplesmente se fundiu no edifício, deixando para trás nem
um único traço que ele estivera lá.

Ele não queria deixar suas facas para trás, então Xander
simplesmente usou a Passagem em vez de Vapor, um dom
conveniente que ele mais de uma vez foi grato por ter.
Dessa forma, ele poderia simplesmente passar através de
material sólido – ou isso passar através dele, como a bala.
Mantendo suas roupas e tudo o que ele carregava com
ele. Qualquer coisa que não fosse muito pesada, isso é, tentou
uma vez passar um desertor de 130 quilos de sua colônia
através das barras de aço da prisão do país em que o
encontrara, bêbado e cheio de mijo, fez a infeliz e horripilante
descoberta de que havia restrições de peso a este dom
particular. O homem chegou a meio do caminho antes que as
coisas ficassem feias. Xander teve que abandonar o corpo,
mas queimou a prisão ao chão, de modo que não havia
evidência da morte incomum do desertor.
Em outra vida ele teria sido um ladrão de gato. Ele
sonhara mais de uma vez com as riquezas que podia acumular,
sem mais esforço do que precisava para se concentrar.
O edifício que ele entrou pela parte de trás foi uma vez
uma casa privada de vários níveis, convertido agora em um
hotel modesto. Uma vez através das paredes, ele se viu em
uma lavanderia, cheia de vapor e coberta de montanhas de
lençóis, fronhas e toalhas. Ele se orientou por um momento,
encontrando a energia abafada do Alfa muito acima dele,
movendo-se rapidamente sobre o telhado. Então ele
começou a correr, esquivando máquinas de lavar, tábuas de
engomar e duas velhas mulheres italianas dobrando toalhas
que gritavam quando ele passou.
Atravessou a cozinha, a sala de jantar e o pequeno
vestíbulo deserto, sem se preocupar em encontrar portas,
apenas atravessando as paredes enquanto ia, e correu para a
rua.
Sua presa estava lá, bem acima, uma faixa de cinza pálido
movendo-se rápida e silenciosamente pelo céu.
Embora fosse tudo o que ele pudesse fazer para manter
o animal debaixo de sua pele de arranhar sua saída, Xander
forçou-se a cair para uma distância mais segura. Um plano se
formou em sua mente. Ele sempre poderia mudar para Vapor
se necessário, mas só não queria jogar essa mão particular
ainda, queria que o homem de branco pensasse que o perdeu
no labirinto enredado das ruas de Roma e Xander o esperaria
para sua tocaia. Se ele pensasse que ainda estava sendo
seguido, as chances de que isso acontecesse eram exatamente
zero.
Xander correu para um pinho de pedra alto, em forma
de guarda-sol e onipresente em torno da cidade, e escalou o
tronco rapidamente, esquecendo em sua pressa de sequer
olhar ao redor para observar os olhos dos pedestres
abaixo. Ele alcançou o topo e firmou-se entre dois ramos
maciços e olhou para fora, sua visão obstruída por nada,
apenas um pequeno ramo com aglomerados de espinhos
pendentes que ele jogou de lado.
Sobre a paisagem de telhados, copas de árvores e torres
de igreja, surgiu uma estrutura maciça e icônica, uma basílica
cruciforme coberta pela cúpula mais alta do mundo. Ela
dominava o horizonte, brilhando enorme e como um
diamante branco no sol da manhã.
Xander assistiu com curiosidade quando a pequena
nuvem cinzenta de névoa abriu caminho acima da cidade,
inclinou-se para baixo em direção à cúpula, e desapareceu na
cúpula que o encabeçava.
— Meu Deus, — ele respirou congelado em choque
horrorizado.
Isso era ainda pior do que ele pensava.
Morgan acordou na escuridão quente, ao som da voz de
Xander em algum lugar próximo, com um tom baixo e
tenso. Fez uma pausa intermitente entre as frases como se
estivesse ouvindo.
— Sim, tenho certeza. Eu sei. Eu fiz, mas ele
desapareceu. Vou tentar novamente em algumas horas. Eu
estive nisso a noite toda. Sim, ela – não, não Leander, isso
não. — Ele exalou em um silvo longo, agravado, então ficou
em silêncio.
Ela se sentou do sofá, piscando na sala escura. Ela sentiu
que ainda faltava um pouco antes do amanhecer; os pássaros
não tinham sequer começado a cantar fora das janelas nas
árvores ainda, e a cidade ainda tinha aquela quietude sonolenta
de manhã muito cedo. Ela esticou-se, estremecendo ao torcer
seu pescoço, e se levantou do sofá, empurrando a caxemira de
marfim de lado.
Foi uma das noites mais longas de sua vida.
O ritmo não ajudou. Preocupação não ajudou. Quatro
doses de uísque muito fino não ajudaram.
Somente o sono proporcionou uma fuga do estado de
ansiedade que ela esteve desde que voltou para o hotel depois
de encontrar Xander no beco, e que foi uma solução
temporária. Agora que ela estava acordada, a ansiedade veio
inundando com toda a força.
O que aconteceu? Ele pegou o Alfa? Ele descobriu
alguma coisa? Havia mais Ikatis dispersos vagando pelas ruas
de Roma? Por que ele não voltou a noite? Como ele poderia
atravessar paredes? Ele estava machucado?
Sua voz veio do quarto principal, e ela olhou para a porta
fechada, se perguntando se deveria bater ou simplesmente
esperar que ele saísse. O som da água corrente decidiu por
ela. Xander estava tomando banho.
Com um suspiro pesado, esfregou os olhos e foi
procurar algo para comer na cozinha.
Ela tomou apenas o café da manhã de ontem, e agora
seu estômago estava amarrado em nós famintos e inquietos.
Além da ampla sala de estar, suíte máster, área de estar,
e um quarto. Uma varanda com vista para os telhados de
Roma, a suíte Nijinsky tinha uma cozinha completa, um bar e
uma sala de jantar separada para dez pessoas. Ela olhou ao
redor da cozinha de mármore e cromo e pensou que poderia
viver muito feliz aqui pelo resto de sua vida. Exceto quando
ela abriu a porta da geladeira, não havia nada além de ar frio
para cumprimentá-la.
Ela franziu os lábios, debatendo. Esperar Xander
terminar seu banho, bater na porta do quarto, e começar a
lidar com a realidade ou pedir serviço de quarto?
Ela pensou sobre a realidade – sua missão, os dias em
rápido declínio até o fim, o que aconteceria se ela falhasse – e
decidiu pedir serviço de quarto. A realidade ganhou.
Ela encontrou o menu sobre a mesa na sala de estar e
pediu o que equivalia a uma refeição grande o suficiente para
cinco pessoas. Chegou em menos de quinze minutos, e ela
deixou que o homem de cabelos pretos que trouxe a comida,
colocasse tudo na longa mesa de madeira polida no terraço,
ao lado de uma treliça coberta de buganvílias escarlates.
Quando ele terminou e fechou a porta, ela olhou para os
guardanapos de linho branco, pratos de cúpula prata e os
copos de suco de laranja fresco espremido, puro. Ainda estava
escuro, e o ar continha um tom fresco, úmido, mas havia uma
leve sugestão de lavanda ao longo do horizonte oriental e ela
sabia que o sol estaria nascendo em breve.
Outro dia. Seu terceiro dia em Roma. Somente onze
sobraram, e então seu destino seria decidido.
Ela prendeu o lábio inferior entre os dentes. E este
assassino que você mandou trazer café da manhã, ela pensou
em um ataque de agitação, será o único a decidi-lo. Sua idiota!
— Oh, pelo amor de Deus, eu ainda tenho que comer,
— ela murmurou, e caminhou em direção à suíte master.
Quando ela bateu na porta, não houve
resposta. Também não havia uma resposta para seu
telefonema, então ela abriu a porta e olhou em volta.
— Xander, — ela disse para o quarto fumegante. — Eu
pedi café da manhã.
Nenhuma resposta. Imaginou-o silenciosamente
sangrando no azulejo no chuveiro, e seu coração fez um
estranho pequeno flip-flop dentro de seu peito.
— Xander, — ela disse, mais alto, passando pela porta e
para o centro da sala — Você está bem? Onde é que... — Mas
ela parou abruptamente porque o viu de pé, de costas para ela,
a cabeça inclinada, as mãos presas na pia de mármore na
frente do grande espelho encharcado. Estava nu da cintura
para cima. Sua pele bronzeada pingava água, seus cabelos
faziam uma touca escura e úmida contra sua cabeça. Uma
toalha branca estava enrolada em torno de seus quadris, e a
ela foi oferecida uma visão espetacular do seu físico bastante
perfeito, a musculatura e proporção que mesmo um
fisiculturista iria invejar.
Mas suas costas. Oh Deus, suas costas.
Nunca viu cicatrizes assim. Longos vergões levantados
em branco, entrecruzados em densos padrões em todos seus
ombros, a parte superior das costas, espinha. Imaginar
exatamente o que causou isso, lhe roubou o ar de seus
pulmões e fez suas pernas ficarem fracas.
Ele lentamente levantou a cabeça e encontrou seu olhar
no espelho. Ele usava aquela expressão morta novamente, a
ausência de todos os sentimentos que a assustara pela primeira
vez que ela vislumbrara seu rosto. Endireitou-se lentamente,
como se isso doesse - e então notou seu peito, refletido em
um contorno nublado no espelho.
Se ela pensasse que suas costas eram uma visão dolorosa,
seu peito era um enigma enlouquecedor. Em ambos os lados
do esterno, ao nível do seu coração, havia marcas em linhas
retas. Marcas pretas nasciam no lado direito em grupos de
quatro linhas com uma quinta em diagonal, marcas vermelhas
nasciam à esquerda, sobre o seu coração. Havia dúzias delas,
mais do que isso, linha após linha de marcas rígidas e sem
beleza. Eram as tatuagens mais estranhas que ela podia
imaginar.
— É uma contagem, — disse ele muito baixo para o
espelho.
Uma terrível ideia começou a se formar em sua mente,
uma que ela sentiu como dedos gelados invadindo seu
cérebro. Ela o empurrou de volta, horrorizada.
Ele se virou e a encarou, sem pressa, sem expressão, com
os braços soltos ao lado. Não fez qualquer tentativa de se
cobrir, nenhuma tentativa de se esconder de seu alarme de
boca aberta, como se estivesse convidando sua
aversão. Como se ele quisesse.
— Vermelho para Ikati, preto para os outros, — disse
ele sem emoção.
E então ela soube.
—As pessoas que você matou, — ela sussurrou,
entendendo além do impulso de enterrá-lo. Seu olhar saltou
sobre seu peito musculoso, tentando não contar, tentando
não imaginar todas as vidas reduzidas a marcas curtas e
bruscas no peito de um assassino. Ela ergueu o olhar para o
seu rosto. — Por quê? — Ela disse em uma voz pequena.
Suas mãos se enrolaram em punhos. — Porque o que?
— Por que você faz as marcas?
A pergunta o assustou. Ele piscou e estava lá de novo,
aquela profundidade patética e urgente, saindo à
superfície. Um flash e desapareceu, sumiu atrás da expressão
de vazio que ela veio a reconhecer como sua máscara, uma
muito boa, muito praticada, uma que escondeu seus
sentimentos genuínos muito bem.
Quase.
Ele respondeu sem inflexão, seus olhos tão vazios
quanto sua voz.
— Assim eu sempre lembro exatamente o que sou e o
que tenho que responder. Então nunca posso me enganar
pensando que sou algo além de um monstro.
Ela respirou profundamente. Um monstro. Isso é o que
eles chamaram ela também.
Seu coração começou a doer, mas não apenas pela
carnificina que presenciou esculpida em sua carne nua, e não
pela linha vermelha que ela sabia que estava esperando por
ela, à última que terminaria um grupo incompleto de quatro,
exatamente acima de seu mamilo esquerdo...
Seu coração lhe doía. Pelo terrível preço que a morte
deve ter tomado sobre sua alma.
Você nunca quis um tipo diferente de vida? Ela
perguntou a ele ontem, pensando apenas em si mesma. Ela se
perguntou agora quantas vezes ele deve ter desejado isso.
— Pedi comida — disse ela, limpando a garganta
grossa. — Eu pensei que você pudesse estar com fome.
Ele olhou para ela como se fosse à última coisa na Terra
que ele esperava. Ela sabia exatamente como ele se sentia.
— Eu apenas.... Espero que você se vista.
Ela se virou e caminhou lentamente do quarto,
deixando-o olhando silenciosamente atrás dela.
Automaticamente, ele se vestiu.
Roupa interior, calça, camisa, sapatos. Facas em suas
botas e cinto, cabelo penteado descuidadamente com seus
dedos. Dentes escovados, relógio preso ao pulso esquerdo,
seu coração como um pedaço de madeira estilhaçada dentro
de seu peito.
Isso era novo. Ele não estava pensando nisso.
Eu pensei que você poderia estar com fome, ela disse em
resposta a sua admissão não arrependida do pecado, e isso era
tudo o que tinha. O sangue em suas mãos mergulhou tão
profundamente em cada poro e átomo; as coisas que ele fez
eram tão terríveis que nunca poderiam ser expiadas. Ele
estava além da salvação, tão longe do limite que ele era quase
um clichê do mal. E, no entanto, ela não o condenará. Ela
apenas olhou para ele com aqueles enormes olhos verdes,
olhou para ele, quase como se ela ...
Não! Pense! Sobre isso!
Encontrou-a sentada à mesa no amplo terraço, olhando
para o brilho rosado do amanhecer. Ele simplesmente a
observou por um momento através da porta de vidro
deslizante. Seu cabelo estava bagunçado e derramado escuro
sobre seus ombros, em torno do lenço de caxemira que ela
envolveu ao redor deles para afastar o frio da manhã. Sua saia
estava enrugada; ela deve ter dormido nela. Ele se perguntou
se ela esperava por ele. Quanto tempo poderia ter esperado
antes de adormecer em suas roupas? O colar de metal ao
redor de seu pescoço adquiriu um brilho rosado na luz, e ele
sentiu um sibilo de descontentamento ao vê-lo contra a fina
pele de sua garganta, delicada como a de um potro.
Duas vezes. Ela teve a oportunidade de fugir agora, duas
vezes, e não tomou qualquer uma.
Ele inalou, afastando suas emoções fragmentadas com
esforço, empurrando para baixo o pensamento que se erguia
espontaneamente dentro dele como uma atração que
balançava para cima, indesejável, da água escura.
Você pode confiar nela.
Não. A confiança era para crianças e tolos. Ele não era
isso.
Sua cabeça se virou e ela olhou para ele através do
controle deslizante. Ela enviou-lhe um olhar fugaz,
interrogativo, em seguida, dirigiu sua atenção para as cúpulas
de prata sobre os pratos na mesa. Ela levantou uma,
cheirando seu conteúdo.
Bacon. Ele o cheirou através do vidro, e seu estômago
grunhiu.
Ele saiu para o terraço e sentou-se em frente a
ela. Nenhum deles falou durante vários minutos enquanto
eles encheram seus pratos e comeram. Os pássaros
começaram a gorjear nas árvores além do pátio cheio de
plantas, hesitantes pequenos petiscos sonolentos no começo
que se transformaram em cânticos de boas-vindas, enquanto
o sol se erguia sobre o horizonte.
— Você não o pegou, — ela disse, afirmando o óbvio.
Ele rasgou um croissant com os dedos. — Não. Eu sei
onde ele foi, no entanto. Vou sair de novo.
— Isso deve ser útil para um assassino. — Ela olhou
para ele. — A caminhada através de paredes, eu nunca vi isso
antes. E você também tem Vapor. Você é muito talentoso.
Ele não respondeu. Sinos da igreja em toda a cidade
começaram a tocar.
— Eu gosto disso, — Morgan disse calmamente entre
as mordidas de ovos mexidos. Xander congelou com o garfo
na metade da boca.
— Os sinos — disse ela, olhando para o prato. — Nós
não temos sinos de igreja em Sommerley.
— Oh. — Seu coração aliviou fora de sua
garganta. Tolo.
Quando conseguiu respirar novamente, sentiu algo
diferente. Ela estava muito sombria. Suas sobrancelhas
finamente arqueadas estavam juntas, sua boca generosa virada
para baixo.
— Você está bem? — Ele disse baixo, sem olhar para
ela.
Ela piscou para ele, assustada. — Eu? — Ela soltou uma
risada pequena e quebradiça. — Eu estou.... Sim! Claro que
estou bem! Eu estou apenas.... Tão...
Então ela cuidadosamente colocou o garfo, deixou cair
o rosto em suas mãos, e ficou em silêncio.
— Morgan. — Disse ele, mais severo do que pretendia.
Ela levantou uma mão. — Só me dê um minuto. —
Então ela pôs a mão sobre seu rosto abaixado.
A impaciência que o açoitava era quase insuportável. Ele
se manteve imóvel, olhando para seus reluzentes cabelos
escuros, o fino corte de suas clavículas expostas no decote
aberto de sua blusa, seus dedos longos e cônicos que apenas
tremiam ligeiramente em seu rosto.
Ele disse seu nome novamente, mais suave. Ela inalou,
então deixou seu fôlego em uma exalação afiada que soou
como se ela chegasse a algum tipo de decisão. Ela levantou a
cabeça e olhou diretamente para ele, e seu olhar estava firme
e claro.
— Eu tenho que saber como você vai fazer isso.
Ele franziu o cenho. Fazer o quê?
— É apenas o não saber. Acho que se eu souber,
posso.... Será mais fácil para mim.
A comida que comeu se transformou em um nódulo
amargo em seu estômago.
— Por favor, me diga, — ela sussurrou. O olhar que ela
lhe deu então, suplicante e vulnerável, quebrou o pedaço de
madeira em seu peito em pedaços.
Empurrando a cadeira para trás da mesa, atravessou o
pátio, parando apenas quando terminou em uma balaustrada
de mármore rosa revestida com cestos de flores. Ele tinha um
pensamento selvagem de saltar. De alguma forma, isso
parecia muito preferível a responder a sua pergunta.
Como você vai me matar? Era o que ela estava pedindo.
Como, na verdade?
Ele a ouviu caminhar atrás dele, lentamente, seu passo
suave sobre a pedra. Ele não se virou para olhar para ela
quando parou a poucos centímetros ao lado dele. Ele sentiu
seu olhar como fogo em seu rosto.
— Eu não vou fugir de você, — ela disse, muito
calmamente. — Você tem minha palavra, se isso significa
alguma coisa.
Parecia haver uma faixa de aço apertando forte em torno
de seu peito com cada respiração. Ele cruzou os braços e
permaneceu imóvel como uma rocha, espetando adagas num
gerânio vermelho em vaso.
— E eu quero que você saiba que sinto muito.
Isso chegou a ele. Ele olhou para ela, chocado. —
Você sente muito. Pelo quê?
Ela sorriu, e ele pensou que nunca tinha viu nada tão
triste em toda sua vida.
— Por nós. Sinto muito por nós dois. Pela maneira
como as coisas são. Pelas pessoas que poderíamos ter sido,
em outra vida. E eu não o culpo. — Ela balançou a cabeça. —
Eu sei que é apenas seu.... — Ela hesitou, baixou o olhar dele,
e virou-se para a vista da cidade, rosa escuro e âmbar à luz da
manhã. — Eu sei que é apenas seu trabalho.
Ele estava cambaleando. Se isso era uma manobra para
desarmá-lo, não poderia ter sido mais bem planejado ou
direcionado mais perfeitamente.
Eu sei que é apenas o seu trabalho. Ela estava
concedendo-lhe a absolvição por ter que matá-la. Ela estava
o perdoando.
— Nós vamos encontrá-los, — disse ele grosseiramente,
apenas metade acreditando nisso.
— Talvez, — ela concordou suavemente. — Mas se não,
eu tenho que saber como você vai fazer isso. Eu tenho que
saber. Eu não posso continuar assim, imaginando todas as
coisas possíveis que você poderia... — Ela fez um gesto vago
com uma mão, e estava tão desamparada e resignada e
completamente doce que ele queria gritar em raiva impotente.
Mas ele não o fez. Tudo o que fez foi levantar a mão,
estender a mão para ela, e colocar dois dedos muito levemente
na sua nuca entre as vértebras C1 e C2.
Sua pele era morna e muito macia. Seus cabelos estavam
frios, pesados e sedosos no dorso de sua mão, como se ele
tivesse mergulhado com o punho na água. Ela fechou os olhos
e curvou a cabeça, e ele não conseguiu tirar a mão, não
importa quantas vezes ele dissesse a si mesmo.
— Uma faca? — Ela sussurrou.
Sem palavras, ele acenou com a cabeça.
— Isso vai doer?
— Não, — ele disse sua voz de repente rouca.
Ela respirou fundo e pareceu se recuperar. Ela levantou
a cabeça, e ele deixou cair a mão dele. A repentina perda do
calor de sua pele foi um choque frio contra seus dedos.
— Bem então.
Ela olhou para ele sem medo ou censura, seus olhos
vivos e brilhantes, quase aliviados. Ela exalou. Ela sorriu. A
mudança nela foi imediata e profunda, como se grilhões
invisíveis tivessem sido liberados e caísse em seus pés. —
Vamos terminar o café da manhã, certo?
E ela se virou e caminhou de volta para a mesa,
deixando-o, mais uma vez, atordoado e silencioso.
— O Vaticano? — Morgan virou-se para Xander em
estado de choque.
Ele deu as instruções ao motorista de táxi em italiano,
depois deu um curto aceno de cabeça, ignorando com grande
esforço a visão que lhe oferecia enquanto a saia de Morgan
subia por cima dos joelhos e um par de longas pernas
emergiam em toda sua glória tonificada.
Cristo, pensou, cerrando os dentes. Isso é um desastre
maldito. Ele se recostou contra o assento do táxi duro e olhou
pela janela.
Terminaram o café da manhã rapidamente, e ela tomou
banho e saíram do hotel. Ele queria começar cedo, pegando
onde deixou ontem, e ela insistiu em se juntar a ele. Duas
cabeças são melhores do que uma, disse ela, só que com seu
cheiro no nariz e a visão desse corpo exibido tão
espetacularmente em uma simples saia preta, uma blusa
vermelha decotada e aqueles saltos altos que a favorecia,
apenas uma de suas cabeças estava funcionando. E não era a
que estava em cima de seu pescoço.
Ele realmente precisava dormir um pouco.
— Mas..., Mas... Como é possível? — Disse ela,
inclinando-se para frente.
Por acaso, Xander olhou no espelho retrovisor e viu o
motorista de táxi boquiaberto admirando de queixo caído ao
reflexo de seu decote, espreitando em toda sua perfeição
cremosa e arredondada do botão superior desfeito de sua
blusa vermelha. Desnudou os dentes e o homem empalideceu
e afastou os olhos.
— Os Expurgari não estão associados com a igreja? Por
que um de nós iria para perto do Vaticano? Será que ele
não sabe? — Morgan inclinou-se ainda mais perto, tão perto
que podia sentir o cheiro exatamente onde ela tocou de leve
o perfume no oco de sua garganta. Para seu grande horror,
sua boca começou a molhar.
— Sente-se, — ele retrucou, olhando para ela, — E pare
de fazer tantas perguntas malditas!
Ela olhou para ele, fria, com as sobrancelhas erguidas em
dois caprichos escuros, não impressionada com sua
demonstração de raiva.
Maravilhoso. Ela nem sequer tinha medo dele. Ele lhe
disse exatamente como iria matá-la, e mesmo isso não a
assustou. Pelo contrário, isso a fazia feliz.
De todos os desertores e criminosos e ameaças à tribo
que rastreou em sua vida, ele teve que ficar preso em Roma
por duas semanas compartilhando um quarto de hotel com
uma mulher obstinada, sexy, inteligente e destemida que
também aconteceu de ser tão bonita que deixava os homens
como estátuas na rua.
Merda.
Ela se acomodou no banco, cruzou as pernas e disse
calmamente:
— Bem. Suponho que se você não estiver interessado
em minhas informações, provavelmente não deveria dizer que
nosso novo amigo é um telepata.
O táxi saltou ao longo da estrada. A música de rock
americana tocava no rádio do táxi.
A luz do sol atravessava as janelas, iluminando seus
cabelos com um brilho de marrom acinzentado. E seu sangue
cessou de circular por suas veias. Telepatia era inédita na
tribo. De todos os seus dons – vapor, sugestão, previsão,
passagem e muitos outros – ele nunca encontrou um
telepata. Até o dom da Visão de sua nova rainha estava
limitado ao toque. Sua mente correu com as possibilidades.
— E você sabe disso por que...?
Inexplicavelmente, ela ficou vermelha. Ela deixou cair os
cílios e começou a inspecionar suas unhas impecáveis com
grande interesse.
— Morgan — disse ele, em tom imperativo. Ela olhou
para ele sob seus cílios.
— Diga-me o que ele disse.
Mas podia adivinhar. Pelo rubor em suas bochechas ao
modo como ela se contorcia sob seu penetrante olhar, ele
podia adivinhar.
— Ele não a ameaçou...
— Não, — ela disse muito alto, então limpou sua
garganta e desviou o olhar. Sua voz caiu. — Não, ele não me
ameaçou.
Sua voz era plana e acusadora.
— Ele sabe que você não está acasalada.
Seu rubor se aprofundou, espalhando pelo pescoço. Ela
assentiu, uma vez, e ele queria quebrar alguma coisa.
Foi o cheiro que a entregou. Fêmeas não acasaladas
exalavam um cheiro diferente – selvagem, mais primitivo –
que suas contrapartes acasaladas. O odor do acasalamento era
sutil, mas distinto e suavizava o perfume de sereia sensual de
uma fêmea Ikati não acasalada.
Um Ikati como Morgan.
Ele treinou durante anos para tornar-se imune a ela, da
mesma maneira que ele treinou para se tornar imune a dor ou
medo ou dons como sugestão. Um soldado não pode permitir
distrações, seu mestre de capoeira lhe disse quando ainda era
muito jovem, mais e mais, mesmo que ele estivesse se
tornando enredado pela distração mais perigosa de todos eles,
uma que ninguém pensou em treiná-lo para resistir, porque
ninguém pensou que fosse possível.
— Isso é muito perigoso para você. Você está voltando
para o hotel, — disse ele com os dentes cerrados, mas ela se
firmou e pegou seu braço quando estava prestes a se inclinar
para a janela deslizante de plástico que separava o assento
dianteiro para dar instruções para voltar ao motorista. Seus
dedos apertaram tão fortes em seu bíceps que ele achou que
sentiu uma forma de contusão.
— É da minha vida que estamos falando, — ela
retrucou, os olhos brilhando um verde quente, brilhante. —
Eu sou a única que deveria estar seguindo o Expurgari, sou a
única com tudo a perder, então vou ser amaldiçoada se deixar
você mandar em mim e decidir o que é melhor para mim só
porque você é maior e carrega um monte de facas!
Ele sentiu o olhar preocupado do motorista do táxi no
espelho, mas ele não se afastou do rosto lívido e pálido de
Morgan. — Este não é um jogo, Morgan, — ele disse
áspero. — Você sabe o que um feroz Alfa fará se ele te
pegar? Você tem alguma ideia do que ele vai fazer?
— Sim, — ela disse friamente. — E isso é de longe
preferível ao que você vai fazer para mim.
Suas palavras o atingiram como um punho no
estômago. O táxi parou – ele não se virou para olhar onde.
E ela soltou seu braço e deu-lhe um segundo soco antes
de abrir a porta e sair para a rua.
— E pelo menos eu farei um pouco de sexo antes de
morrer. — Ela murmurou, em seguida, bateu a porta atrás
dela, virou-se, e se afastou.
Se uma granada tivesse caído em seu colo, não teria tido
nem de perto o efeito explosivo que aquelas palavras
causaram em seu corpo.
Tudo entrou em choque instantâneo. Seu ritmo
cardíaco, respiração, hormônios, tudo girava
descontroladamente, incluindo seus pensamentos, que
estavam saturados com as imagens mais carnais e vívidas do
corpo nu de Morgan, enrolada em torno do seu.
Ele encolheu-se, apertou as mãos no cabelo e sentou-se
com os olhos apertados, respirando grandes suspiros de ar,
até que o motorista do táxi limpou a garganta.
— Mi scusi, signore. Stiamo andando in?14
— Não. — Ele respirou um pouco mais. — Estou
saindo.
Tirou um pouco de dinheiro do bolso traseiro e jogou
um número ilimitado de euros através da pequena janela de
plástico. — Fique com isso, — disse em italiano quando o
motorista disse que era muito dinheiro.
Dinheiro. Quem se importava com o dinheiro? Leander
o daria tanto quanto necessitasse enquanto ele
precisasse. Não, o dinheiro não era o problema mais
urgente. E nem sequer, se verdade fosse dita, era Morgan.
O problema era ele.
Esta mulher, este alvo, de alguma forma conseguiu
dividir seu controle toda vez que ele se aproximava dela. Tudo
sobre ela estava sob sua pele, dos olhos ao seu perfume, a voz,
14
Me desculpe, Senhor. Vamos continuar?
o fogo e paixão, tão frágil, o apelo à perdição que vazou dela
em momentos de descuido quando pensou que ninguém
estava olhando. E as coisas que ela disse, o impossível, coisas
loucas!
Coisas que demoravam no fundo de sua mente em replay
por horas, um em cima da outra, um bolo de camada de
confusão e fantasia e tentação horrível e pior de tudo.
Compreensão.
De alguma forma, impossivelmente, sabia que ela
entendia que ele não queria matá-la, mas ele faria porque tinha
que fazer. Porque era quem ele era. Isso era tudo o que ele era
e tudo que foi, por tanto tempo que ele não conseguia se
lembrar de nada antes. E sua aceitação disso era a pior coisa
que podia imaginar.
Você nunca quis outro tipo de vida?
Ficou de pé na esquina da rua, enquanto o táxi deslizava
para o trânsito, observando-a se afastar, observando as
cabeças girarem em seu rastro, ouvindo o coro de assobios
que seguiam aqueles quadris balançando e por um breve e
terrível momento o lembrou de outra mulher que falou essas
mesmas palavras para ele, há muitos anos.
Uma mulher que morreu por causa dele.
E se eles não encontrarem o Expurgari, Morgan teria que
morrer também.
Filho. Da. Puta!
Ela estava quase cega de raiva. Se ela tivesse tido uma
metralhadora nas mãos, poderia ter ceifado todos à vista,
todos esses italianos alegres e turistas tagarelando e essas
freiras estúpidas. Parecia haver mil freiras para cada igreja
nesta cidade. Honestamente, estava começando a assustá-la.
— Isso é muito perigoso para você, — ela imitou sob
sua respiração enquanto andava pela calçada movimentada,
sem se preocupar em sair do caminho de ninguém. — Há!
Muito perigoso. Oh, me desculpe, você está certo! Eu
nunca estive em qualquer tipo de perigo antes. Eu nunca fui
condenada por traição e trancada por semanas e enfrentei
minha morte iminente, horrível.
Eu nunca lutei contra um bando de meninos panteras
selvagens ou chutei todos aqueles outros selvagens que
queriam o meu lugar na Assembleia ou compartilhado um
quarto de hotel com um assassino!
Ela passou a mão pelos cabelos longos e amaldiçoou em
voz alta, arrebatando um olhar de desaprovação de outra
dessas freiras multifacetadas que ficavam do lado de fora de
um pequeno café na calçada, bebendo café expresso.
— Não enche, irmã — disse ela, e continuou andando.
Onde diabos ela estava, afinal? Ela parou por um
momento para olhar em volta e se orientar.
Eles foram apenas a algumas quadras do hotel no táxi, e
ela não tinha um mapa ou falava italiano. Tinha dinheiro para
poder pegar outro táxi, mas quando colocou uma mão na testa
para proteger os olhos do sol, viu, inconfundível e enorme, a
cúpula da Basílica de São Pedro a menos de uma milha de
distância do outro lado do lento e tortuoso Tibre.
Ela decidiu andar.
Era um belo dia, brilhante e ensolarado, e todos os
pássaros da cidade pareciam estar cantando pequenos e
melodiosos sons dos bolsos de árvores que estavam por toda
parte. Ela atravessou o rio sobre uma ponte de pedra
arqueada, com musgo e escura com a idade, e foi ao longo da
avenida arborizada, esquivando de pedestres e pulando fora
do caminho de pilotos de scooters insanas que todos pareciam
compartilhar o mesmo desejo de morte.
Ela passou por fontes e ruínas e uma antiga fortaleza
resistida que acabou por ser o mausoléu do imperador
Adriano, encimado por um anjo de bronze maciço,
empunhando espadas. A cidade era uma festa de arte e
arquitetura, todos casualmente colocados sobre a vista para o
gozo de todos. Ela amava a vitalidade dela, os espaços verdes
abertos e os edifícios antigos e o senso de magia que
permeavam tudo, até mesmo o ar.
E os homens italianos, pensou ela, olhando para um
espécime espetacular descansando de braços cruzados contra
uma árvore, são muito mágicos também. Eles se vestiam
bem. Eles se moviam bem. Eles eram altos, escuros e
elegantes, muito parecidos com os seus. Mesmo os
desleixados, barrigudos, carecas tinham um certo ‘seja o que
for’.
O rapaz de cabelos escuros levantou a cabeça, a olhou e
assobiou baixo e rouco.
Seus olhos ardiam. Ela desviou o olhar, continuou
andando, e tentou não pensar em outros olhos ardentes,
esfumaçado - arredondados, âmbar e infinito.
Xander observou enquanto Morgan ignorava a
barulhenta fila de centenas de pessoas que esperavam entrar
no Vaticano, aproximando-se do oficial uniformizado que
operava o detector de metal na entrada, e tocou seu braço.
O guarda, sorrindo um sorriso esmaltado, distante,
conduziu-a pela mão em uma entrada lateral privada. Xander
revirou os olhos e bufou.
Ela era sem vergonha.
Mas ele não estava prestes a ficar na fila, especialmente
com aquele detector de metal e as facas escondidas em suas
botas e cinto, então ele passeou por aí até encontrar uma área
relativamente despovoada – não é uma façanha fácil – e se
apoiou contra uma enorme parede de granito. Ele fechou os
olhos e concentrou-se, enviando sua consciência para fora,
procurando o calor e movimento que indicaria a presença de
pessoas do outro lado. Não havia nada. Ele respirou fundo e
empurrou para trás.
A pedra estava fresca e muito velha, muito mais dura do
que o tijolo ou o mármore e mais duramente para passar
completamente.
A toca vulcânica, mais seca e mais seca do Coliseu,
deixara um resíduo em suas roupas e pele, mas o granito não
deixava senão um ligeiro sabor alcalino em sua
boca. Concentrou-se em avançar pela massa densa, as pernas,
os braços e o peito pressionados como se estivesse debaixo
d'água. Era mais difícil respirar nesse tipo de rocha, também,
e ele não tentou.
Quando ele saiu do outro lado, estava em um pequeno
corredor de serviço que era sem traços e brilhantemente
iluminado. Ele inalou aliviado por estar livre do granito, e
seguiu o corredor em torno de um conjunto de portas duplas
de aço. Ele parou com os ouvidos abertos ao lado deles,
ouvindo, saboreando o ar.
Pessoas. Estátuas. Muito vidro e estatuetas de bronze e...
Múmias?
Ele abriu a porta e entrou na sala, fazendo uma rápida
inspeção. Era uma coleção egípcia de algum tipo, com
sarcófagos e urnas funerárias e estátuas de vários faraós e
deuses animais. Ele sorriu para uma bela escultura de basalto
da deusa gato Bastet, em um case iluminado e colocou dois
dedos em sua testa em saudação. Então ele se moveu
silenciosamente através da câmara, ignorando os olhares
especulativos do grupo de excursão que passou na saída.
Tinha o cheiro de Morgan novamente. Exuberante
almiscarado escuro e mulher quente, inconfundível e
absolutamente única, coberta por esse perfume floral que ela
aplicou esta manhã. Lírios, pensou ele, passando pela
multidão. Lírios e prontidão quente adorável.
Saia fora disso, soldado!
Ele rangeu os dentes e continuou através dos quartos
adjacentes, finalmente limpando a asa egípcia e movendo-se
através das galerias de imagens e as tapeçarias e as cerâmicas,
os estatuários e mosaicos e óleos, todas as obras-primas que
ele viu no escuro quando ele fez uma ronda pelos mesmos
corredores ontem à noite em busca de qualquer vestígio do
homem de branco.
Ele seguiu seu perfume para a Capela Sistina, que era
muito pequena, não maior do que a sala de estar de sua suíte
no hotel, cheia com turistas e policiais uniformizados que
silenciavam a multidão a intervalos regulares e impediam
fotografias. Demorou um momento para olhar para cima e
admirar o trabalho de um de seus parentes mais famosos,
Michelangelo, e riu para si mesmo. Ninguém, além dos Ikatis
jamais saberiam.
Abaixo vários degraus estreitos claustrofóbicos,
rastejante na multidão quente, pressionando, através de uma
pequena fenda nos prédios, e ele estava na majestade altaneira
da Basílica de São Pedro.
Era silencioso, vasto e misterioso como um cemitério,
denso com velas cintilantes, incenso e sussurros que ecoavam
o teto abobadado muito acima. O sol enevoado derramado
como focos no elaborado piso de mármore embutido das
dezesseis janelas na enorme cúpula acima do altar, mas aqui
no pórtico tudo estava escuro e silencioso.
Ele viu uma blusa vermelha bem adiante na nave, uma
onda de cabelos escuros derramando as costas de uma mulher
e acelerando o passo. Atravessou um grupo de turistas
sussurrantes, contornou uma enorme coluna, e ela estava
abruptamente ali, corada e ofegante, encostada na coluna com
uma mão na garganta e a outra estendida para impedir que
chegasse mais perto.
— Vá embora — sussurrou ela, rouca. Seus olhos
estavam meio fechados, as pupilas dilatadas tão largas que
quase engoliram todo o verde circundante, deixando apenas
um negro estranho e plano.
Ele congelou, sabendo instantaneamente que algo estava
errado. Ele expulsou sua consciência, abriu o nariz e as
orelhas, mas não encontrou nada de incomum. Ele se
aproximou, e ela soltou um suave gemido que levantou cada
cabelo em seu corpo.
— Não mais, — ela insistiu estranhamente fraca e sem
fôlego. Sob a sua impecável tez de café-com-leite, ela estava
muito pálida. Um brilho de suor se formara em sua testa.
— O que foi? — Ele disse baixo, observando suas
pálpebras vibrarem, o pulso batendo selvagemente em sua
garganta.
Seu sentido de perigo cresceu para roer contra sua pele.
— Ele está aqui. — Enquanto ela dizia as palavras, suas
sobrancelhas franzidas e ela ofegou, um pouco de admissão
assustada através de lábios separados. — Em algum lugar,
perto... — Ela engasgou com outro ofego. Quando Xander se
aproximou, estremeceu e gemeu, arqueando-se contra a
coluna como se estivesse sofrendo.
— É isso aí. Nós estamos tirando você daqui. — Ele fez
um movimento em direção a ela, e ela balançou a cabeça,
veemente, sibilando como uma cobra.
— Não! Por favor! Estou tentando tirá-lo! Eu tenho
que tirá-lo!
Ele olhou ao redor novamente, descontroladamente,
procurando e escaneando, mas não detectou nada daquele
cheiro escuro e violento e da sensação do Alfa que ele
detectou ontem. Essa ganância.
— Que diabos ele está fazendo com você?
Ela inalou longa e trêmula, e olhou para ele debaixo dos
cílios escuros, um olhar concentrado, cheio de calor,
necessidade e desejo. — Tudo, — ela sussurrou. Suas
bochechas ficaram vermelhas e ardentes.
Com um choque frio de reconhecimento que sentiu
como água gelada em seu pescoço, Xander compreendeu.
Seu mestre de capoeira lhe dissera uma vez que a melhor
maneira de vencer uma guerra era quebrar a resistência do
inimigo sem nunca lutar. Havia maneiras melhores do que
ataques diretos, maneiras de pensar e planejar melhor um
plano que fosse superior a envolver-se em uma batalha
sangrenta e cara.
E um dom como o da telepatia – onde você poderia
inserir-se diretamente na mente de seu inimigo – pode até
tornar a resistência impossível.
Pode até fazer o seu inimigo sentir algo tão impensável
como o desejo.
— O que posso fazer? — Ele disse impotente, querendo
pegá-la e levá-la para algum lugar mais seguro, mas não
querendo fazer nada para piorar as coisas. — Não o sinto em
lugar algum Morgan. Não consigo senti-lo... — Ela ofegou e
se arqueou contra a coluna. Com os olhos fechados e a cabeça
para trás, ela mordeu o lábio e fez um som baixo dentro de
sua garganta. Seu coração parou. Então ela colocou as mãos
em seu cabelo e se estendeu para trás como um gato,
empurrando o peito para fora, então ele viu com perfeita
clareza o contorno de seus seios cheios, seus mamilos
esticando tenso contra a seda vermelha.
Ele parou de respirar. Instantaneamente, ele ficou duro.
— Faça alguma coisa! — Implorou rouca.
Ele disse a si mesmo no momento seguinte que estava
apenas ajudando ela, que esta era a maneira melhor e mais
eficaz para distraí-la e quebrar a ligação da sua mente, mas
mesmo quando ele estivesse dizendo a si mesmo essas coisas,
ele realmente não acreditava nisso. Ele se conhecia muito
bem.
Em dois passos rápidos ele fechou a distância entre eles,
envolveu seus braços apertados em torno de seu corpo,
colocou sua boca sobre a dela, e beijou-a.
E, inesperadamente, com calor, fervor e uma paixão que
destrancou algo profundo dentro dele que ele guardou há
muito tempo, ela o beijou de volta.
O tempo girou, o som desapareceu tudo ficou em ponto
morto. Suas mãos estavam em seus cabelos e os dele estavam
em suas curvas suaves, sua mandíbula, o mergulho de sua
cintura. Ela arqueou dentro dele, macia e exuberante, e ele
pensou que nunca sentiu nada tão fino como ela, isso e o doce
calor de sua boca, de sua língua na sua, deslizando sensual e
exigente.
Mais, seu corpo disse, esforçando-se contra ele. Mais, a
boca macia disse, com fome. Mais! O pequeno ruído
necessitado na garganta exigiu quando ele pressionou sua
pélvis para a dela e ela sentiu toda sua excitação, pulsando
quente.
E ele queria dar-lhe mais. Naquele momento ele queria
dar a ela qualquer coisa e tudo - o que ela pedisse, qualquer
coisa que pudesse apagar aquela queimadura dolorosa em seu
peito e o rugido em seus ouvidos e o veneno comendo através
de seu sangue, veneno que ele experimentou pela primeira vez
no momento em que se encontraram.
Ele queria estar dentro dela. Queria ouvi-la gemer seu
nome. Ele a queria.
De repente, ela se separou.
Ela ficou ali olhando para ele, em branco, ofegante, seus
braços ainda apertados ao redor de seu pescoço. Então, com
um grito horrorizado, ela se afastou e bateu duro no rosto
dele.
— Filho da puta! — Exclamou, perturbada.
Ele apertou sua mandíbula onde ela o bateu e tentou
muito concentrar-se no fato de que ela já não parecia estar
feliz com o beijo. Dentro dele, seu desejo por ela bateu.
— Você percebe que esse não é o meu nome, — disse
ele secamente.
— O que diabos você – como você pôde – o que diabos
você estava pensando?
O último pedaço foi gritado, e o teto de mármore
abobadado da catedral conduziu-o, fazendo uma sinfonia
ecoar que rompeu o silêncio nos vastos salões ao redor
deles. Exclamações assustadas e reprovações murmuradas
vieram de vários ângulos, mas ele os ignorou.
Apesar da tensão desconfortável contra a frente de suas
calças e a realização horrível que talvez não fosse nele que
esteve pensando quando eles compartilharam aquele beijo
apaixonado, Xander manteve sua voz cuidadosamente neutra
e profissional quando respondeu.
— Você me pediu para ajudar...
— Eu não quis dizer desse jeito!
— E porque eu não podia senti-lo em qualquer lugar
próximo, era a maneira mais conveniente para quebrar a
ligação. Caso contrário, eu teria ido atrás dele. — Ele limpou
a garganta. — Obviamente.
Ela estava tremendo, ruborizada e claramente livre de
qualquer feitiço que ela estivesse. Com seu rumo rígido e seus
olhos brilhantes e distrações aturdidas, ela era absolutamente
adorável. Ela também estava chateada.
Agora ele estava muito feliz por esse colar.
— Você está tentando me dizer que sabia que
funcionaria? — Perguntou duvidosa. Ela cruzou os braços
sobre o peito e estreitou os olhos para ele.
Ele cruzou os braços também, levantou-se a toda sua
altura, e friamente olhou para baixo para ela. — Claro. Por
que mais eu iria te beijar?
As narinas dela brilharam. Ela jogou o cabelo para trás
por cima de um ombro com uma sacudida de cabeça. — Eu
vejo, — ela disse, recuperando um pouco de seu equilíbrio
fraturado. — Sou tão repugnante para você?
Ele fez uma pausa, olhando-a com um olhar que ele
sabia que era impiedosamente proibitivo, disposto a fazer a
coisa certa e terminar com toda essa tolice. Mas ele não
conseguia dizer isso. Ele não podia fazer-se dizer que sim.
Ela tomou seu silêncio como uma afirmação de qualquer
maneira e ficou ainda mais vermelha. — O sentimento é
mútuo, Ace.
Ele lhe enviou um sorriso sombrio e contornou isso. —
Vamos voltar aos negócios, não é? Você o sente agora?
Ela engoliu em seco e olhou ao redor. — Não, — ela
disse baixo. — Está quebrado.
— E quando você o sentiu pela primeira vez, — ele
balançou para uma palavra apropriada — Quando você sentiu
pela primeira vez a conexão, onde você estava?
Ela empurrou o queixo para uma capela próxima,
decorada com mosaicos e estátuas, com um altar de madeira,
pedra e mármore proeminente que abrigava os restos
macabros iluminados de um papa morto em um caixão de
cristal.
— Eu quero que você venha comigo até lá, e se você
sentir qualquer coisa – qualquer coisa, nós vamos nos separar
e eu vou voltar sozinho. Entendido?
Ela não respondeu. Ela não estava olhando para ele, e
ele se perguntou se ela nunca iria novamente.
— Morgan, — ele disse mais suavemente, tentando uma
tática diferente. — Estamos de acordo?
Depois de um momento, ela sacudiu a cabeça para cima
e para baixo: — Sim.
Progresso. Bom.
Abriu a palma da mão para a capela. Ela foi antes dele,
hesitando apenas quando se aproximou do altar.
Era encimado com oito velas cônicas em suportes de
bronze, apenas na frente de um mosaico maciço retratando o
martírio de São Sebastião. Havia colunas de mármore rosa e
mísulas com querubins esculpidos e folha de ouro
avermelhado em cada superfície disponível.
— Qualquer coisa? — Ele murmurou, chegando atrás
dela.
Ela estava muito quieta, com a cabeça inclinada, como
se estivesse ouvindo. Ela olhou para a esquerda e depois para
a direita, franzindo a testa um pouco, levantando o
queixo. Seu olhar percorreu as altas colunas de mármore até
o teto abobadado bem acima, e ela parou,
considerando. Então ela deixou cair os cílios e olhou para o
chão sob seus pés.
— É... Estranho, — ela finalmente disse. — Há um leve
eco de algo. Quase como déjà vu. Mas eu não posso colocar
o meu dedo sobre de onde isso poderia estar vindo. É como
se estivesse em toda parte. E em nenhum lugar.
Xander estava desapontado, principalmente porque ele
encontrou apenas a mesma coisa em sua busca na noite
anterior. Isso o deixou um pouco mais duro do que
deveria. Ele estava realmente ansioso para colocar suas mãos
sobre este bastardo.
— Bem, isso é útil. Talvez seja Deus que você sente. —
Seus lábios achataram. Ela se virou para olhá-lo
completamente no rosto. — Você, — ela disse, — É
um burro absoluto.
Ele olhou para ela, lutando contra a vontade de beijá-la
novamente. Aqueles lábios malditos.
— E você não está se esforçando o suficiente, — disse
ele, sua voz apertada. — Se ele está perto você deve ser capaz
de encontrá-lo, como fez ontem. Apenas concentre-se.
— Se fosse assim tão fácil, eu já o teria encontrado! —
Disse ela, exasperada. — Talvez seja este prédio. — Enrugou
o nariz ao caixão aceso. — Há algo muito estranho e intocável
aqui.
Ele tinha que admitir que o cara morto estivesse
desprendendo um odor realmente estranho sob todo aquele
selante de caixão cuidadoso. E havia outra coisa que ele não
conseguia entender, algo desconcertante, um sopro de terra
antiga e ar morto e frio, corredores apagados. Lembrava-lhe
uma cripta. Também algo muito inconvenientemente
interferiu com sua própria capacidade de sentir o seu
ambiente tão plenamente como ele normalmente fazia. Tudo
estava estranhamente silencioso.
Foi o mesmo ontem à noite. Ele esperara que o sol
descesse antes de tentar infiltrar-se na cúpula onde o homem
de branco desapareceu. O cheiro de Alfa estava na pedra lá
fora e as vidraças, até mesmo permaneciam como uma
reflexão tardia no ar sobre o altar, mas então depois
desapareceu por completo. Mas havia algo, alguma energia
indefinível, nas próprias paredes da catedral, vibrando dos
alicerces...
Não fazia sentido. Nada disso fazia sentido.
A única razão pela qual ele poderia imaginar por que
um Ikati iria a qualquer lugar perto do que muitos
consideravam a igreja mais santa da cristandade era a
ignorância total. Desde que a meio-sangue rainha Cleópatra
havia incitado à ira de César Augusto, em 30 dC,
os Ikatis foram caçados e perseguidos, há muito tempo
recuaram em silêncio a pequenas colônias bem fortificadas
para sobreviver. A situação piorou no século XIII, quando o
papa Gregório IX instituiu a Inquisição. Junto com os
hereges, os gatos foram declarados diabólicos. Isso preparou
o terreno para execuções massivas aprovadas pela igreja. Os
gatos eram familiares de bruxas, associados ao diabo, animais
sujos não confiáveis.
Muito ruim para os humanos. Porque no momento em
que a Peste Negra os atingiu um século mais tarde, quase não
havia mais gatos para comer todos aqueles ratos infestados de
pulgas e portadores de doenças. Metade da população da
Europa foi aniquilada em apenas alguns anos.
— Talvez devêssemos voltar para a Escadaria de
Espanha e tentar de novo lá. Morgan olhou
esperançosamente para as portas maciças atrás deles que
levavam para fora para o ar fresco e a luz do sol.
Ela não parecia completamente recuperada de qualquer
feitiço que o Alfa lhe tivesse colocado; ela ainda estava um
pouco corada. E se ele ainda espreitava em algum lugar,
Xander definitivamente não queria dar a ele outra chance de
entrar em seu cérebro.
— Tudo certo. Nós vamos voltar amanhã. — Ele fez um
movimento para pegar seu braço, e ela enviou-lhe um olhar
de hostilidade tão congelado que segurou sua mão no lugar.
— Eu não sou uma inválida, — disse ela.
Apertou os lábios para não sorrir. — Claramente.
— E você já sabe que não vou fugir.
— Se você diz, — ele respondeu curto.
— Então por que você continua pegando meu braço
quando estamos andando?
Porque eu gosto de te tocar.
— Hábito. — Foi a primeira coisa fora de sua boca, mas
não o que ele estava pensando e, obviamente, não o que ela
esperava, se a expressão dela era qualquer coisa além de
indicação.
— Então você é um assassino cavalheiro, — disse ela
com desdém macio. — Eles ensinaram isso na Academia de
Assassinos? Como ser agradável com sua presa?
Ele fechou os olhos por apenas mais de um piscar de
olhos e encontrou a memória de outro braço macio e
feminino que ele uma vez amou tocar pronto para torturá-lo
com uma dor fresca. Estar em torno de Morgan estava
descascando as crostas de algumas feridas antigas e
desagradáveis, e ele não sabia o que fazer a respeito.
— Meu erro. Não vai acontecer de novo.
Sua voz estava desprovida de toda emoção, mas algo
escuro se movia dentro dele, algo irritado e violento que
precisava de uma saída. Ele sentiu o desejo de lutar, de bater
em algo, tão agudamente que ela sentiu e deu um rápido passo
para trás, piscando. Ele olhou para ela, frio como uma pedra,
depois virou as costas e se afastou, para o brilho do sol
cintilante da Praça de São Pedro.
E ali, rodeado ao redor da base do obelisco de granito
subindo em seu centro, estavam seis grandes
homens Ikati, selvagens como lobos, olhando diretamente
para ele.
A adrenalina explodiu como dinamite através de suas
veias. Xander girou ao redor, deu quatro largos passos rápidos
de volta dentro da catedral, agarrou o braço de Morgan, e a
puxou duro contra ele.
— Corra! — Ele sussurrou em seu ouvido. Ele a
empurrou na sua frente.
Ela gritou de surpresa e deslizou em seus calcanhares
sobre o mármore liso, mas não importa, porque ele estava
bem atrás dela, empurrando-a para frente, segurando-a
quando ela tropeçou.
— Xander! O que está acontecendo! O que você está...
— Ele não ouviu uma palavra que ela disse, não ouviu os
suspiros surpreendidos das pessoas que ele empurrou, não
desacelerou nem olhou para trás para ver se eles estavam
sendo seguidos. Ele sabia ser sua melhor – sua única chance
– de conseguir que Morgan estivesse em segurança era mover-
se rapidamente.
Mais rápido do que eles.
Os dois deslizaram em torno de uma enorme coluna de
mármore, com seus saltos batendo no chão. Ela perdeu um e
depois o outro quando ele a rebocou sem piedade para o
grande altar dourado papal onde o serviço de manhã estava
sendo mantido na sombra do Baldacchino colossal, um
monumento de cerca de 28 metros de altura de bronze
esculpido por Bernini.
Ele sentiu os machos Ikati entrarem na frente da
catedral, um por um, rajadas escuras de energia que picaram
sua pele como agulhas.
Morgan sentiu isso também porque ela ofegou e
enrijeceu, virando-se para olhar por cima de seu ombro.
— Não! — Ele gritou, puxando-a para frente. Seu grito
dividiu em mil nãos que colidiram e caíram juntos na
sobrecarga da grande cúpula iluminada pelo sol, quando o
repicar de sinos tocou. O bispo de manto vermelho que
conduzia a missa não perdeu uma batida – ele parecia com
cerca de cem anos de idade e provavelmente era surdo, mas
várias dezenas de fiéis se viraram em suas cadeiras e esticaram
o pescoço para ver o distúrbio.
Eles voaram pelos adoradores, entraram no transepto
maciço, semicircular, branco e dourado, derraparam em torno
de cordas de veludo vermelho em pilares erguidos para
manter o público fora desta área fora do limite e dirigiram-se
diretamente para o altar e seu mosaico de O martírio de São
Processus.
— Prenda sua respiração! — Xander gritou com Morgan
a reboque atrás dele. Acima dos degraus de mármore, através
do altar, direito à parede com o mosaico colorido.
Morgan hesitou, entrando em pânico. — Aonde você
vai? Não há saída!
Mas é claro que existia. — Apenas segure sua respiração!
— Ele gritou novamente e apertou forte em sua mão. Ele
bateu na parede primeiro e seu grito chocado cortou o
silêncio.
Pedra fria e dura. Peso pesado e esmagador. Obscura
escuridão e silêncio absoluto e a sensação de sua mão na dele,
calor, suavidade e vida entre toda a rocha morta passando por
seus poros.
E então eles passaram por isso.
Eles emergiram em uma faixa de grama ao longo da rua
movimentada atrás da catedral, e Morgan caiu de joelhos,
ofegando e tossindo. A repentina luz do sol a estava cegando.
Um ônibus de turista de dois andares passou
perto. Xander, sem lhe dar a chance de se recuperar ou
começar a amaldiçoá-lo, puxou Morgan para ele. Ele tinha
que colocar as mãos sob as axilas para fazê-la avançar, porque
suas pernas pareciam incapazes de carregar seu peso.
— Suba naquele ônibus e volte para o hotel — grunhiu,
empurrando-a para a rua, parando o trânsito com um olhar
vicioso. Ele pegou velocidade e ela correu com ele, respirando
com dificuldade, encontrando seu equilíbrio. O ônibus de
turismo estava apenas alguns metros à frente. — Se eu não
voltar ao pôr-do-sol, ligue para Leander e diga que há uma
colônia selvagem aqui, não apenas o homem que vimos
ontem. E depois saia daqui. Mas espere até o pôr-do-sol,
entendeu?
— Uma colônia? — Ela balbuciou ofegante. Eles
chegaram ao ônibus e correu ao lado dela por alguns passos.
Então ela agarrou uma barra na parte de trás, onde havia
um conjunto de escadas e subiu para o segundo andar e
pulou. Ela se virou e olhou para ele com olhos enormes e
assustados. Seus cabelos giravam ao redor de seu rosto ao
vento.
As narinas dele dilataram. Havia algo mais escuro no
cheiro que atingiu seu nariz, algo ainda mais quente e mais
temperado do que seu habitual perfume natural. Seu pulso, já
batendo, respondeu a ele como se tivesse sido injetado com
adrenalina. Cada músculo de seu corpo se apertou, e ele sentiu
uma súbita onda de agressão que não estava relacionada com
os machos que deixaram para trás.
Doce Jesus, ele conhecia aquele perfume. Ele sabia o que
seu corpo lhe dizia.
E ele tinha que ficar o mais longe dela. Certo. Agora.
Ele parou de correr abruptamente. Ele ficou no meio da
rua com carros buzinando e pessoas gritando com ele e
observou o ônibus partir. Morgan agarrou-se ao trilho de
latão enquanto ela ficou, observando-o com aqueles enormes
olhos verdes, rosto enrubescido, pernas longas e nuas sob sua
saia preta e fina.
— Espere até o pôr-do-sol! — Ele gritou. Ela assentiu
com a cabeça. O ônibus virou um canto e desapareceu.

— Abiit cum femina15 — disse Aurelio, olhando


fixamente para o mosaico colorido onde os dois intrusos
acabaram de desaparecer completamente. Embora ela
estivesse fora, ele ainda tinha seu perfume em seu nariz,
persistindo doce na parte de trás de sua língua, e era como
nada que ele já provou. Rico. Sensual. Estimulante. Seu corpo
inteiro doía com necessidade.
Uma mulher cheia de sangue. Nova, madura e
bonita. Não era de estranhar que Dominus a quisesse.
— Proin invenisti eam, — respondeu Celian. Nós
vamos encontrá-la. Embora cada um pudesse falar várias
línguas, quando estavam juntos, os irmãos falavam apenas em
Latim. Ainda em latim, ele acrescentou: — Você e Lucien vão
atrás dela. Vou levar Constantine, Lix e D para o
macho. Vamos nos encontrar na igreja ao pôr do sol, com ou
sem eles. Entendido?
Todos concordaram. Celian era o segundo em comando,
a mão direita de Dominus, e em sua ausência a palavra de
Celian era lei.
— Tenha cuidado com esse macho — murmurou
Aurelio, lançando a Celian um olhar sombrio. — Ele é
treinado.

15
Ele saiu com a mulher (tradução do latim)
— E cheio de sangue, — acrescentou Lix. Ele parou a
um lado, examinando o mosaico que os dois desapareceram,
procurando por pistas. Ele passou a mão pelos cabelos
pretos. — Você já ouviu falar em algo assim?
— Dominus saberá o que significa — disse
Celian. Dominus sempre soube o que tudo significava. Razão
pela qual ele era Rex.
Rei.
— Vamos indo.
Os irmãos afastaram-se do mosaico de São Processus e
voltaram através da vasta basílica ecoando até a entrada
principal, ignorando os olhares e sussurros que caminhavam
em seu rastro. Dirigindo o grupo, Celian sabia o quão
ameaçador eles devem ser ao olhar. Nenhum deles tinha
menos 1,95m, e todos eram musculosos de anos de
treinamento de luta, boxe, espadas e artes marciais. Seu traje
escolhido não ajudou: couro preto, um monte disso, coberto
por casacos pretos longos que disfarçava muitas armas. Ele
tinha um pensamento aleatório de que o macho que acabaram
de perseguir teria se encaixado bem com eles.
Uma mulher humana ficou boquiaberta ao passar por
ele, e ele piscou para ela, lascivo. Ela recuou contra uma
coluna de mármore, pálida, com a mão na garganta. Ele sentiu
o cheiro forte de seu medo no nariz.
É isso mesmo, Querida. Vou comê-la no almoço.
O Bellatorum16 chegou à entrada principal da igreja, em
seguida, dividiu-se e foi em direções opostas sem outra
palavra.

Xander sentiu sua aproximação como ondas de agulhas


picantes em sua pele. Exceto que havia menos deles... Quatro,
pensou, concentrando-se na energia que emitiam. Apenas
quatro agora. O que significava que mandaram dois atrás de
Morgan.
Merda. Ele ia ter que trabalhar rápido.
Ele saiu da fila de turistas esperando para entrar no
Vaticano e olhou diretamente para os quatro machos de preto
que estavam em silêncio nos degraus da basílica, olhando ao
redor, testando o ar com seus narizes. Ele estava depois de
toda vasta praça de paralelepípedos, mas eles o encontraram
imediatamente. Quatro cabeças escuras giraram em sua
direção; Oito olhos negros e planos fixaram-se nele com
precisão fria e calculada.
Ninguém se moveu.
Então Xander jogou-lhes o pássaro e todo o caos se
soltou.
Em vez de correr atrás dele – como ele antecipou como
qualquer Ikati treinado para manter segredo e silêncio, dos
pilares da existência da tribo, teria feito – o maior macho no
meio, simplesmente colocou a mão debaixo do casaco tirou o

16
Guerreiro (traduzido do Latim)
que parecia ser uma Glock Semiautomático, e começou a
disparar.
A multidão se despedaçava como se fossem ervas,
gritando e empurrando, batendo o pavimento. Centenas de
corpos empurraram em todas as direções, em pânico,
enquanto mais tiros soavam pelo pátio. Perfeitamente imóvel
e silencioso, Xander estava no meio do caos, enquanto um
furacão continuava ao seu redor.
Droga, eles eram ousados. Ele nunca teria tentado algo
assim.
A primeira bala perfurou sua coxa. A segunda o atingiu
no bíceps esquerdo. Quando a terceira bala rasgou seu peito,
ele estava sorrindo.
O atirador abaixou a arma. Seus companheiros de cada
lado olhavam para ele, duros, sem medo, mas definitivamente
surpresos. Então só porque ele realmente queria irritá-los,
Xander levantou a mão para a boca e fingiu um bocejo.
Os lábios do atirador se curvaram sobre seus dentes. Ele
deu dois passos para frente, quando uma dúzia de membros
da Guarda Suíça apareceu nos degraus da basílica. Eles
pareciam verdadeiramente ridículos em seus uniformes
renascentistas de listras azuis, amarelas e vermelhas, suas golas
alta e boinas pretas. Mas os rifles de assalto que carregavam
não pareciam tão ridículos.
— Abaixe sua arma!
O atirador, a quem Xander começou a pensar
simplesmente como Big, mandou o guarda que lhe gritava em
italiano um olhar irritado. Então ele disse algo para seus três
companheiros, e todos balançaram a cabeça.
Quando a Guarda Suíça começou a aproximar-se
lentamente dos homens de preto, eles simplesmente
desapareceram na névoa. Todos os quatro, todos de uma vez.
Suas roupas e armas caíam até os paralelepípedos em grandes
montões.
Xander ficou frio.
Não só podiam mudar para Vapor – que só os mais
dotados de sua espécie poderiam – não tinham absolutamente
nenhum problema em fazê-lo à vista dos humanos. Centenas
deles. O que significava que eles não se importam se a
humanidade soubesse de sua existência.
O que significava que agora eram a pior ameaça para a
tribo. Mais ameaça que o Expurgari.
Ele assistiu enquanto eles subiam acima da multidão
clamando, movendo-se rapidamente. A Guarda Suíça
congelou no lugar, esticando o pescoço para olhar para
cima. Três deles fizeram o sinal da cruz sobre seus peitos,
outros cinco deram alguns passos para trás, os olhos
escancarados. O resto estava aparentemente muito atordoado
para se mover.
As quatro nuvens de Vapor foram para o oeste, em
frente onde ele mandou Morgan. Ele observou rasgado, até
que eles desapareceram passando um bosque distante de
figueiras. Então ele se virou e começou a correr, a visão do
rosto corado de Morgan recuando no ônibus vívido em sua
mente.
As mãos de Morgan tremiam tanto que mal conseguia
encaixar a chave da porta no leitor eletrônico. Ela finalmente
o fez, e a pequena luz LED vermelha mudou para verde. A
porta se abriu.
Ela caiu na suíte do hotel e bateu a porta atrás dela, virou
a alavanca e a fechadura, em seguida, desabou contra a porta,
ofegante por ar.
Ela foi da última parada do ônibus de turismo perto da
estação Terminal para o hotel, uma distância de várias milhas,
esperando que sua trilha de perfume fosse difundida em toda
a cidade quando o ônibus de turismo parou para ela,
esperando que o fato de não ter deixado São Pedro a pé
ajudaria a disfarçá-la.
Esperando que Xander soubesse o que diabos ele estava
fazendo.
Seu primeiro impulso foi pegar o telefone e chamar
Sommerley. Leander saberia o que fazer.
Leander pode até vir buscá-la! Seu coração saltou ante a
ideia de voltar para casa, depois caiu quando percebeu que não
haveria misericórdia para ela se não conseguisse encontrar o
Expurgari. E até agora ela falhou. Encontrar uma colônia
perdida de Ikati dificilmente apaziguaria a Assembleia. Ela
ainda teria que pagar com sua vida. E provavelmente acusada
de trabalhar com os machos selvagens o tempo todo.
Ela estremeceu e passou a mão sobre os olhos. Deus,
todos aqueles machos selvagens. Se ela tivesse pensado que
seus próprios parentes não foram vistos sob sua fina camada
de civilização, aqueles seis homens que ela sentia na igreja
eram selvagens absolutos. Exalava aquela mesma necessidade
de raiva e violenta que sentia do homem de branco, mas onde
ele era frio, um vazio silencioso de escuridão, todos eles eram
calor pulsante e febre, carnificina quente envolvida em couros
pretos. Ela sabia o que eram.
Soldados. Soldados bárbaros para um rei de gelo.
Ela afastou-se da porta e cambaleou um pouco,
sentindo-se quente. Muito quente. Seu rosto ainda estava
muito vermelho. E ela estava suando. Deve ser a corrida. Ela
normalmente corria apenas em forma animal, até agora.
Ela foi até a cozinha, colocou os pulsos sob a torneira
fria, espirrou seu rosto aquecido com água.
Ficou ali um momento, tentando limpar a
cabeça. Através das janelas da sala de estar, o sol brilhava em
plena luz, diretamente sobre sua cabeça.
Meio-dia isso seria... Seis horas até o anoitecer. Ela
precisava de uma bebida forte.
Assim que ela se afastou da pia, o primeiro tremor de
calor a atingiu.
Ela congelou no meio do caminho. Ouvindo, esticando
seus sentidos, ela ficou ali, sem fôlego, imóvel. Apenas seu
coração parecia estar funcionando, e martelava em seu peito
como um martelo.
Algo estava próximo. Alguém.
Sua mão voou para o colar ao redor de seu pescoço. Ela
não podia mudar. Ela não podia se proteger se eles viessem
buscá-la.
Outro tremor, mais substancial desta vez, acompanhado
pelo fraco, masculino perfume de especiarias e pólvora. O
calor de advertência pulsou sobre sua pele.
Ela se virou para o bloco de madeira pesada de facas na
bancada de mármore, agarrou uma, e chicoteou-a para seu
lado, avaliando o melhor lugar para fazer uma parada. Ela não
queria ficar presa com as costas contra a parede da
cozinha. Ela definitivamente não quer tentar se esconder no
quarto e na sala de estar não oferecia esconderijos em
tudo. Não que eles não pudessem encontrá-la pelo
cheiro. Isso era impossível! Onde estava Xander?
Sentindo uma indecisão paralisante, só conseguiu se
mover quando pensou ter ouvido um pisar no corredor da
porta da frente.
Ela se arrastou lentamente da cozinha com a faca
apertada em sua mão suada e olhou ao redor. Tudo na sala
parecia normal. A porta aberta para a suíte master oferecia
uma vista parcial do quarto, mas nada parecia mal. O cheiro
de especiarias e do homem viril desapareceu, deixando apenas
o sabor amargo e metálico do medo em sua língua. Os passos
fora da porta cessaram.
Sabe o que ele fará com você se te pegar?
Deus, ela esteve tão despreocupada quando respondeu à
pergunta de Xander. E agora... Havia seis deles. Além do
líder. O que significava que havia sete machos selvagens
procurando por ela. Talvez mais.
Ela engoliu em pânico cru agarrando sua garganta.
Com verdadeiro arrependimento, lembrou-se da
tatuagem que conseguiu há poucos dias, lembrou-se também
de como a liberdade era tão preciosa para ela que arriscou sua
vida em mais de uma ocasião para obtê-la. Decidiu então e ali
que se fosse capturada, ela se mataria. De jeito nenhum ela ia
deixar se tornar algum tipo de escrava sexual.
Isso decidido, ela se sentiu um pouco melhor.
Ela se moveu silenciosamente pela sala e olhou para a
porta da frente. A inquietação abriu caminho através de seu
corpo como um exército de mil formigas que marcham acima
e abaixo de suas terminações nervosas.
Um som do terraço. Ela girou ao redor, levantou a faca,
e ofegou.
Do outro lado do vidro estava um dos grandes
homens Ikati da Basílica. Suas mãos pendiam soltas em seus
lados, suas pernas estavam plantadas na largura dos ombros,
seus olhos escuros queimando brilhantes, sem alma. Ele era
enorme, grande desossado e fortemente musculoso, sem uma
grama reserva de carne em todo o seu corpo. Ela viu isso
claramente porque estava completamente nu.
E despertado.
O terror lhe deu asas.
Ela deu meia-volta e saltou para a porta da frente,
enquanto o horrível estrondo de vidro quebrando encheu a
sala. Ela não teve que olhar para saber que ele esmagou
através da fechadura deslizante. Com o coração em sua
garganta e um grito estrangulado em seus lábios, ela voou
através da sala de estar, através do vestíbulo em mármore, e
em sua pressa caiu direto na porta. Ela deu um passo para trás
e a abriu para ser encontrada com um novo horror.
Outro. Grande e olhos negros na porta. Nu.
Instinto de sobrevivência assumiu. Seu braço se ergueu
e cortou com força a faca. O macho na entrada se desviou,
evitando seu impulso, e agarrou seu pulso apenas quando a
faca zumbiu por sua cabeça. Ela puxou para trás, rosnando
através de seus dentes, e encontrou uma resistência de pedra.
Ele disse algo em uma língua que ela não reconheceu e
mostrou os dentes para ela, os olhos brilhando.
O instinto lhe disse que ele estava comandando-a a
recuar. Submeter.
— Foda-se! — Ela gritou, lutando contra o seu aperto.
Suas sobrancelhas se arquearam. Então ele bateu nela
tão duro que fogos de artifício foram detonados atrás de seus
olhos e todos os ossos em seu pescoço estalaram. Degustando
seu próprio sangue em sua boca, ela deslizou para o chão,
onde permaneceu, atordoada, seu pulso ainda preso em seu
aperto, seu corpo pendendo de sua enorme mão. Em seu
estupor, ela notou que os dois homens tinham grandes
tatuagens nos ombros esquerdos, um olho preto estilizado
que parecia um hieróglifo egípcio.
Aquele que a atingiu tirou a faca de seus dedos, então se
moveu para o vestíbulo e fechou a porta com um chute de seu
pé. Ele colocou a faca na mesa de café e silenciosamente
olhou para ela.
O outro homem estava na sala com pilhas de vidro em
ruínas ao redor de seus pés, observando-os. Ele disse algo
naquela língua estranha. Parecia divertido e também parecia
irritar aquele com a mão em torno de seu pulso.
Ele a empurrou para seus pés tão forte que sentiu como
se seu ombro saísse do soquete. Ele apareceu sobre ela,
exalando ameaça e poder cru, e ela encolheu de volta ao
comprimento de ambos os braços.
Ele permitiu que ela pairasse ali, segura, puxando
fortemente contra seu aperto, e não a deixasse ir mais longe.
O mármore estava frio e liso sob seus pés descalços.
— Sou Lucien — disse ele em inglês perfeito.
Ela manteve seus olhos focados em seu rosto, sabendo
o que encontraria com seu olhar se ela permitisse que viajasse
mais para baixo. Pontos negros flutuavam em sua visão
periférica. Ela lambeu sangue de seu lábio inferior.
— Encantada — disse ela, olhando-o nos olhos. — Eu
vou te chamar de Lucy para encurtar.
Ele piscou. O da porta do pátio bufou, depois caminhou
mais perto. Ela olhou para ele, perguntando através de sua
neblina de dor como os dois eram tão confortáveis com sua
nudez. Eles obviamente a seguiram como Vapor e
materializaram-se sem todo aquele preto que usaram na
catedral, o que revelara o fato geral de seus físicos maciços,
mas mantinham ocultos os detalhes. Todos os detalhes
musculosos, masculinos e de pele
dourada. Involuntariamente, o olhar dela desceu.
Ela empalideceu. O tamanho...
Lá veio uma risada baixa e ela estalou seu olhar até seu
rosto.
Meu Deus, ele estava sorrindo para ela.
— Você vê algo que gosta mulher? — Sua voz era rouca,
divertida.
Os pontos negros em sua visão diminuíram o suficiente
para vê-lo refletir em sua resposta fria. — Eu vejo algo que
gostaria de cortar.
Lucien rosnou profundamente em seu peito e apertou
seus dedos em torno de seu pulso tão duro que ela pensou
que os ossos poderiam estalar. Doeu parra caramba, mas ela
mordeu o lábio para segurar de soltar o gemido de dor. O
outro homem ficou olhando para ela com a cabeça inclinada.
— Você é feroz para uma mulher, — ele murmurou. Seu
olhar piscou sobre ela, levando em suas pernas nuas, a saia
curta, a blusa que ela agora desejava que fosse mais
folgada. Ele lentamente lambeu os lábios, um gesto que
poderia ter sido sedutor de outro homem tão bem formado e
viril, mas nele era totalmente arrepiante. Uma flor de calor
lavada pelo ar. Foi seguido pelo cheiro escuro e temperado do
desejo.
— Aurelio — disse Lucien, afiado, depois outra coisa
naquela língua deles. Seus lábios achatados e a flor do calor
esfriou alguns graus.
— Ela ainda não foi reivindicada, — disse Aurelio, com
afinco.
— Irmão! Isso é traição! — Lucien sibilou, olhando para
ele.
— Só se o Rei descobrir. — Ele se aproximou, olhando
para Lucien com algo como raiva assassina. Nenhum deles
parecia notar que mudaram para o inglês. Aurelio olhou de
volta para Morgan, e algo em seus olhos a fez estremecer. Sua
voz caiu várias oitavas. — Quero um gosto antes de entregá-
la. — As narinas dele brilharam. — Ela cheira tão bem.
— Não temos tempo para o motim diário, Aurelio —
grunhiu Lucien. — Ela pertence ao Rei. Afaste-se ou farei
com que você deseje não ter saído da cama esta manhã!
Aurelio encolheu as mãos nos punhos e rosnou para
Lucien, ele mostrou os dentes para Aurelio, e Morgan
aproveitou a oportunidade para estender a mão livre e tocar a
mão que Lucien ainda apertava ao redor de seu pulso.
— Você vai me deixar ir e matar Aurelio agora, — ela
disse muito claramente.
Aquele brilho de diversão apareceu novamente no rosto
de Aurelio enquanto ele deslocava sua atenção para ela e lhe
dava uma vez mais com aqueles olhos negros. — Bonita e
feroz, mas talvez um pouco demente, hein, Lucien?
Mas Lucien não respondeu. Ele piscou uma vez, então
soltou seu aperto no pulso de Morgan. Aurelio não teve
tempo de reagir antes que seu irmão lhe batesse o punho no
rosto.
Morgan saltou para fora do caminho quando Lucien
seguiu o balanço selvagem batendo seu enorme corpo nu em
seu irmão, derrubando os dois para o mármore com um baque
surdo. Lutaram loucamente, Aurelio maldizendo e gritando,
Lucien estranhamente silencioso, exceto por vários grunhidos
roucos, enquanto tentava colocar as mãos em volta do
pescoço de seu irmão mais velho, enquanto estava sendo
perfurado e lutando. Ela caiu de joelhos contra a mesa de
madeira, aterrorizada, tentando organizar a mente para fazer
uma corrida. Tudo que ela viu foi agitados membros enormes
e acres de carne nua, tonificados e o flash ocasional de um
pesado, balançando membro masculino. Ela tinha o desejo
insano de rir.
Naquele exato momento, Xander passou pela porta.
Quando ele avistou Morgan encolhida e sangrando
contra a mesa, olhando para ele com os olhos enormes,
aterrorizados e um hematoma florescendo berrante azul e
roxo em sua bochecha, Xander experimentou uma onda de
raiva tão avassaladora que ele literalmente perdeu a cabeça.
Com um rugido tão forte que puxou os dois machos
lutando para cima e quebrou o espelho oval acima do console
em uma teia de vidro estilhaçado, ele mostrou os dentes,
desembainhou suas facas, e investiu contra eles.
Ele pegou o maior primeiro. Sua força era tão poderosa
que levantou os dois fora de seus pés.
Eles voaram pelo ar e pousaram em cima da mesa de
vidro da sala de estar, que se quebrou em um milhão de
pedaços com um acidente horrível. O macho sob ele grunhiu
de dor, mas envolveu os braços ao redor das costas de Xander
com tanta força que achou que sua espinha poderia ser
esmagada. Eles rolaram sobre o vidro quebrado juntos e bateu
contra o sofá, que foi empurrado para trás vários metros pelo
impacto.
Ele ouviu Morgan gritando algo, mas estava muito
concentrado na luta para ver isso. Seus braços estavam presos
no aperto do torno do macho; seu peso o prendia ao
chão. Ele estava preso no sofá, mas nada disso importava. Em
um movimento rápido, praticado, empurrou acima com seu
punhal e afundou-o profundamente no lado do seu
oponente. O macho arqueou para trás, uivando, e deu a
Xander um acesso perfeito e desobstruído à garganta.
Xander aproveitou a oportunidade e cortou seu outro
punhal diretamente através de sua artéria carótida.
O sangue pulverizado em um arco vermelho enorme
ondulou seu rosto, seu peito, o chão. O macho rolou de
costas, apertando a garganta e contorcendo-se, e Xander se
libertou de debaixo dele e se pôs de pé, pronto para lutar
contra o outro. Ele se virou para encontrá-lo parado a poucos
metros de distância, tremendo de raiva, seus olhos negros
selvagens.
— Ele era meu, — ele sussurrou, curvando as mãos para
os punhos.
Xander franziu o cenho. Parecia quase como se ele
estivesse zangado com ele por matar o outro primeiro. Ele
não teve tempo de descobrir porque o macho se lançou sobre
ele como um louco, rosnando e balançando. Xander esperou
em uma posição agachada para ele se aproximar o
suficiente; Em seguida, num movimento incansavelmente
rápido, praticado centenas de vezes afastaram-se rapidamente,
usou o impulso do outro contra ele e empurrou o macho tão
duro por trás que tropeçou para a direita na metade da porta
deslizante de vidro do terraço que não foi destruído.
O macho enorme o atingiu de frente. Quebrou como
uma bomba.
Agitando os braços, ele saiu voando através de um
campo de vidro afiado, brilhando e caiu sobre seu peito com
um feio tapa contra o terraço em mármore rosa. Ficou
deitado, atordoado, enquanto fragmentos de vidro caíam ao
seu redor, capturando a luz como flocos de diamante. Com a
adrenalina rugindo por suas veias, Xander saltou pela sala,
aterrissou agachado ao lado do macho, retirou uma adaga de
sua bota e afundou-a profundamente entre os ossos do
pescoço do macho, cortando sua medula espinhal.
Ele se sacudiu e exalou em um crepitar. No mármore
sob seu corpo, o sangue começou a se acumular.
Respirando com dificuldade, Xander notou uma dor
aguda em seu abdômen, florescendo com calor. Ele se
levantou e olhou para si mesmo e ficou surpreso ao encontrar
um círculo de sangue cada vez mais escorrendo pela frente de
sua camisa.
— Xander.
A voz de Morgan o empurrou de volta à realidade. Ele
virou. Ela estava no vestíbulo da suíte, tremendo, apoiada no
console. Seu belo rosto estava quase branco.
— Você está ferida? — Ele lutou contra uma onda súbita
de tontura. O instinto o fez chegar às suas costas, onde ele
descobriu um pedaço de vidro espesso e esticado saindo em
um ângulo de sua camisa. Ele tocou e enviou uma onda de
dor disparando através de seu corpo. Uma corrente quente de
líquido derramou sobre sua pele e juntou-se em torno da
cintura de suas calças.
A mesa. Ele atingiu a mesa de centro, ele rolou no vidro
quebrado.
— Você está ferida? — ele disse novamente, mais severo
desta vez, dando um passo sobre o tapete de marfim salpicado
de sangue em direção a Morgan.
— Não. — Seu olhar baixou até a cintura. Ele colocou
uma mão sobre seu abdômen e sentiu seu próprio sangue
escorrer quente e espesso entre os dedos. Um pequeno
pedaço de vidro picando a ponta de seu dedo.
Cristo. Ele atravessou. Ele viu feridas de faca suficientes
para saber que um intestino perfurado não ia ser bonito. E ele
estava sangrando como um porco preso, o que significava que
havia uma possibilidade clara de uma das artérias abdominais
ter sido comprometida. Se ele tivesse alguma chance de
sobrevivência, ele precisava de ajuda.
Rápido.
— Escute-me com muito cuidado, Morgan — disse ele,
com a língua estranhamente entorpecida. — Eu quero que
você pegue meu celular da caixa de couro na mesa e ligue para
o primeiro número na discagem rápida. Ninguém vai falar
quando for atendido, mas diga a eles que você está comigo, e
eu estou machucado. Quando eles pedirem, a senha é
Esperanza.
Sentiu tanto calor como frio, e o suor floresceu sobre
seu peito. Ele deu mais um passo para ela e quase
tropeçou. Ela empurrou para frente com ambas as mãos para
fora e atravessou o quarto.
— Diga que você entende. Diga Morgan.
— Você está sangrando. — Sua voz quebrou. — Aqui,
sente-se no sofá. Deixe-me ver.
Ela o guiou até o sofá e, sem protestar, ele a deixou. Com
a dor agora irradiando para fora da ferida em palpitantes
pontas quentes, ele se manteve perfeitamente imóvel
enquanto ela rapidamente desabotoou sua camisa e alisou
sobre seus ombros, em seguida, puxou-o fora de seu
corpo. Ajoelhou-se a seu lado e tocou-lhe o lado, sondando,
com os dedos iluminados pela pele nua. Seus movimentos
eram cuidadosos, quase reverentes, e ele percebeu que estava
tomando cuidado para evitar machucá-lo.
Ela não queria machucá-lo.
Esse pensamento lhe deu tanta dor quanto à lâmina de
vidro embutida em seu corpo. Ele fechou os olhos,
concentrou-se em sua respiração, e deixou o cheiro quente e
profundo de sua pele lavá-lo.
Não é ruim. Esta não era uma má maneira de
morrer. Aqui, com ela, com seu cheiro no nariz e seus dedos
suaves em sua pele. Das mil maneiras que ele imaginara sua
morte, uma tão agradável como esta nunca foi incluída.
— Está limpo, mas não vou mentir, é ruim, — disse
ela. — Eu não vou removê-lo porque isso só vai piorar. —
Ele sorriu, imaginando como ela sabia disso. — Você acha
que pode deitar de lado?
Ele abriu os olhos e olhou para ela, e quando ela olhou
para seu rosto, ele não viu medo ou pânico, mas algo fresco e
destacado que parecia preocupantemente próximo ao
cálculo. Ele congelou seu coração a pedra em seu peito. E foi
quando percebeu que não iria chamar ninguém para pedir
ajuda. Ela iria deixá-lo sangrar aqui no sofá de seda listrado de
trigo e marfim, e depois ter sua liberdade de uma vez por
todas.
E realmente, ele poderia culpá-la?
O quarto inclinou. Ele não tinha muito tempo.
— Eu quero que você saiba que entendo, — ele
murmurou. Seu olhar percorreu seu rosto, memorizando os
planos e ângulos perfeitos, os lábios macios, o arco escuro de
suas sobrancelhas. Ela se afastou, piscando, e ele pegou sua
mão. — Eu sei que isso é algo que você precisa fazer, e eu
entendo. E... Eu não culpo você.
Ela franziu o cenho para ele. — Você não me culpa pelo
quê, exatamente?
— Por me deixar morrer.
Quando seus olhos se arregalaram, ele ergueu a mão para
a bochecha dela e traçou um dedo pela curva de sua bochecha.
Cetim. Perfeito.
Ele sorriu para ela. Então caiu sobre as almofadas macias
do sofá e desmaiou.

A onda de emoção que atingiu Morgan foi tão grande


que ela teve que tomar um momento para respirar, porque ela
estava com medo de desmaiar como Xander fez.
Raiva. Vergonha. Tristeza. Arrependimento. Ultraje. D
esapontamento. Tudo isso a inundou imediatamente.
Ele salvou a sua vida. E então ele a insultou. Mais uma
vez.
Ele achava que ela era uma mentirosa – isso ficou muito
claro. Ela já lhe deu à palavra de que não fugiria, mas
obviamente não tinha efeito. Ele também pensou que ela era
baixa o suficiente para deixá-lo lá para sangrar no sofá depois
que ele arriscou sua própria vida para salvar a dela. E a
maneira como ele a olhara na igreja depois que a beijara para
quebrar o elo com o homem de branco – isso doeu mais do
que ela gostava de admitir.
Porque ela gostou desse beijo. Ela estava perdida
nisso. Com seus lábios nos dela, sentiu algo que não sentira
em anos: conexão. Real, quente e luminoso, como se alguém
tivesse acendido as luzes em um quarto mantido sempre
escuro.
Mas ele só estava fazendo seu trabalho. O olhar de
desgosto em seu rosto depois que ela acabou o beijo fora
evidência clara disso.
Tudo isso foi apenas o seu trabalho, recordou-se,
olhando ao redor da sala destruída. Se ela morresse sob os
seus cuidados, seria responsabilizado. Não era nada mais do
que isso, e era como deveria ser, mas ela não conseguia tirar
seu coração disso. Doía, latejava, e ela não queria saber por
quê.
Ela realmente não queria.
Ainda tremendo, ela se levantou e encontrou o celular
na bolsa de Xander, exatamente onde ele dissera que
estaria. Era difícil marcar o número, porque suas mãos
estavam tremendo e escorregadias com o sangue de Xander,
mas ela o fez. Levantou o telefone ao ouvido e escutou.
Foi atendido no segundo toque, mas não respondeu
como ele disse. Somente o silêncio a cumprimentou do outro
lado. Ela não ouviu ninguém respirar.
Sua voz estava baixa e trêmula. — Xander me disse para
ligar para esse número. Ele está machucado, e me disse para
ligar...
— Temos suas coordenadas, — veio à resposta
cortada. Era uma voz masculina, brusca e grave, sem sotaque
discernível. — Qual é a senha?
— Esperanza, — ela sussurrou.
Silêncio novamente. Então: — Não se mova de sua
posição atual.
— Por favor, se apresse... — A linha foi deligada.
Ela largou o telefone na mesa e voltou para Xander. Ele
parecia tão maciço e masculino naquele sofá encantador, tão
irresistível e ao mesmo tempo estranhamente pacífico com
seus olhos fechados, sua respiração profunda e pesada. Como
um touro dormindo.
Um touro bonito, meio nu, sangrento, cochilando, com
um peito cheio de marcas de cortes.
Ela pegou a camisa que tirou dele e pressionou-a
suavemente contra a ferida queimando em seu abdômen. Ele
se sacudiu, gemendo.
— Shhhh, — ela murmurou. — Eu preciso manter a
pressão sobre isso. Para ajudar a parar o sangramento. Eu
sinto muito. Desculpe se dói. E eu vou ficar aqui com
você. Eu não vou deixar você.
Ele murmurou algo que soou como a senha que ela
acabou de sussurrar no telefone, depois afundou de volta à
inconsciência.
— Eles não estão vindo.
Foi Celian quem finalmente disse em voz alta o que
todos pensaram nos últimos trinta minutos, e fiel à sua
natureza, sua voz era fria. Ele era o maior do grupo com quase
2,03m e 280 quilos de músculo sólido, como um
tubarão. Estava vestido, como todos eles, num dos muitos
conjuntos de roupas de reposição guardadas em recantos em
Roma para ocasiões como esta, quando a fuga como Vapor
era necessária e seus couros e armas eram abandonados. Este
último cache foi recuperado da torre do sino de uma igreja
abandonada do século IV.
— Vamos esperar mais cinco minutos, — disse
Constantine, lançando um rápido olhar para o rosto duro de
Celian.
Todos sabiam o que significava o fracasso e o peso da
punição cairia para o primeiro-em-comando. E por não
retornar com nenhum dos alvos previstos, as consequências
seriam muito ruins.
Lix rosnou um acordo, e Demétrius conhecido ao
Bellatorum simplesmente como D – permaneceu
caracteristicamente silencioso. Ironicamente nomeado após
um orador grego que morreu no primeiro século A.C, D
frequentemente ficava dias sem dizer em momento algum
uma palavra. Além de seu silêncio ameaçador, sua cabeça era
raspada e ele tinha vários piercings de sobrancelha e tatuagens
sinistras no pescoço, e ele estava propenso a explosões de
violência não provocada. Apesar de todos os guerreiros – os
Bellatorum – serem temidos por seu povo, ele era
absolutamente temido.
Celian olhou para a bacia azul profunda do céu visível
em pequenas fatias através das janelas rodeadas pelos pés
superiores do teto de pedra. Acima da antiga igreja
subterrânea cujo telhado subiu apenas alguns metros acima do
nível da rua, as estrelas estavam começando a piscar à vida. —
Não adianta é melhor desistir — disse ele, prático como
sempre. — Quanto mais esperarmos, pior será quando ele
finalmente saber.
Ele se afastou da coluna dórica que se desmoronava
sobre a qual esteve inclinado, atravessou o chão de pedra
desgastado e desapareceu por uma porta escondida atrás do
altar. Lix, Constantine e D compartilharam um olhar, depois
o seguiram.
O corredor que entraram era um pouco mais do que um
ombro-largo e tão baixo em alguns lugares que tiveram que
abaixar suas cabeças. Estava frio e úmido e escuro perto de
preto, mas eles viveram aqui por tantos anos que estavam
acostumados com a temperatura e não precisavam de luzes
para guiar o caminho. Caminharam em silêncio por mais de
dez minutos, descendo mais adiante na terra, seguindo o
corredor principal e as escadas desgastadas e
enroladas. Outros corredores abriram-se e serpentearam para
a escuridão à medida que passavam. Nenhum deles levantou
os olhos para admirar os afrescos envelhecidos de deuses e
vinhedos e querubins pintados no teto áspero acima; nenhum
deles prestou atenção às cavidades vazias onde há séculos os
corpos foram envoltos em linho e deitados para
descansar. Exceto pelos arranhões de suas botas no tufo
empoeirado, estava quieto como uma cripta. E tão alegre
quanto.
— Mais de quarenta catacumbas debaixo de Roma, e
temos de ficar presos na que cheira a pés — murmurou Lix,
erguendo a retaguarda.
— É a maior delas, Felix, — disse Constantine, sabendo
que Lix odiaria ouvir seu nome inteiro e na esperança de
desviar para outra de suas diatribes lendárias sobre o cheiro
das catacumbas onde os Bellatorum e a classe de soldados
da Legiones17 viveram e treinaram. O Optimates18, o Electi19,
e o Servorum20 – a aristocracia, as fêmeas escolhidas do
harém do rei, e as servas castas-viviam em catacumbas
próximas que eram acessadas por uma série de túneis
conectados a eles. Todas as catacumbas estavam desertas
havia séculos, e muitas ainda não eram descobertas pelo
mundo exterior.

17
Legião (traduzido do Latim)
18
Os conservadores (traduzido do Latim)
19
Eleito
20
Servos
— E agradeça a Horus por isso, porque vou ter que ir a
algum lugar longe para me livrar de sua constante
queixa. Você é como uma velha.
— Cuidado, rainha da beleza — respondeu Lix,
tomando a isca. — Ou eu tocarei aquela coleção de sapato
que você tem. Quantos você tem agora, cerca de dez mil
pares? E todos esses produtos de cabelo são realmente
necessários? Você poderia começar seu próprio salão.
Constantine bufou e balançou a cabeça, enviando
lustrosos cabelos suaves derramando sobre seu ombro. Ele
era, de acordo com todas as contas, o mais belo homem do
reino. Alguns diziam que ele era ainda mais bonito do que
a princesa Eliana. As fêmeas desmaiam sobre ele, e ele se
aproveitou muito disso, mas tinha lealdade inabalável a seus
irmãos e sempre foi o primeiro a se colocar no caminho do
mal por um deles. O que era afortunado para ele, ou então o
ciúme provavelmente teria feito todo mundo odiar suas
entranhas.
— Pelo menos eu tomo banho — disse Constantine,
apontando para Lix em voz alta e pontiaguda.
— E você cheira como um jardim de rosas! Esse é o seu
perfume?
— Coloque um ponto final nisso, senhoras, — rosnou
Celian por cima do ombro. — A menos que um de vocês
queira explicar a situação ao rei.
Isso os silenciou. Ninguém jamais quis ser portador de
más notícias para Dominus. Havia apenas uma chance de
cinquenta por cento de que sua língua permanecesse ligada.
Mais alguns minutos de caminhada através do labirinto
subterrâneo silencioso, e finalmente chegaram.
O corredor abriu-se abruptamente num vasto e
crescente espaço decorado como a torre de um castelo
gótico. Não havia janelas neste lugar, mas havia estátuas
egípcias e retratos ancestrais e velas de cera de abelha em
braseiros de ferro gotejando cera para o chão de pedra. Havia
mobília de madeira robusta e tapetes persas e uma longa mesa
com cadeiras esculpidas de espaldar alto que sentavam
trinta. Sofás de veludo vermelho alinhado com a
parede; brilhantes ternos de armadura ladeavam uma caixa de
vidro maciça de armamento antigo.
No centro da sala havia um trono elaborado de madeira
escura com pés arranhados e almofada carmesim. Sua parte
traseira curvou-se acima a um ponto elevado, afiado, em cima
disso empoleirou um crânio humano sorrindo, inclinado em
um ponto.
No trono estava sentado um homem. Ele era grande,
ainda que esbelto e vestido de branco como à neve, o que
contrastava com o brilho de bronze-mel de sua pele. De seu
pescoço pendia um talismã dourado em uma corrente: o Olho
de Horus, símbolo do antigo deus egípcio da guerra e da
vingança. Dominus acredita ser a reencarnação de Horus, e
todos os guerreiros tinham o símbolo marcado em seus
ombros esquerdos quando foram doutrinados na Bellatorum.
— Cavalheiros — disse o rei. Sua voz profunda levava
facilmente a distância entre eles.
— Como vão vocês?
— Bem, senhor. — Celian inclinou a cabeça. Os outros,
alinhados ao lado dele, seguiram o exemplo e permaneceram
em silêncio.
— Bem? — Dominus repetiu em um tom
questionador. Por sua vez, os guerreiros sentiram cada um a
aguda e fugaz picada do olhar do rei sobre eles. — De fato?
Celian levantou a cabeça e encontrou o olhar de seu
mestre. — Nós quatro estamos bem, senhor, — ele corrigiu,
— Mas para Aurelio e Lucien, eu não posso dizer. Eles não
voltaram ao ponto de encontro como combinado.
Todas as velas na câmara balbuciavam com uma brisa
repentina e fria. Celian sentiu seus irmãos ao seu lado tensos
e concentrados em manter seu próprio corpo relaxado, sua
respiração regular. O rei prosperou no medo e sentiu-o como
uma serpente sente um rato. Se não tivesse visto o contrário
por si mesmo, teria pensado que a língua do rei estava
bifurcada.
— O ponto de encontro — retorquiu o rei, sardônico,
descansando contra o dorso de seu trono com uma perna
cruzada casualmente sobre a outra. — O que significa que
vocês se separaram.
— O macho escapou pela parede do Vaticano, senhor...
— Através da parede? — Dominus disse, afiado. Ele
inclinou-se para frente, os olhos vidrados e duros como
obsidiana.
— Quer dizer que ele evanesceu, como nós?
Celian respirou fundo, calculando. Como descrevê-
lo? — Quero dizer, ele passou pela parede. Ele....
Derreteu. Além disso. Ele é impermeável a balas, também.
Os olhos negros do Rei não piscaram. Mas eles
queimaram. Por Deus, eles queimaram.
— Sim. Eu descobri isso sozinho. Muito interessante. E
inconveniente. — Ele parou por um momento,
contemplativo, então, muito suavemente disse: — E a fêmea?
Celian estava temendo isso. O rei não fez nenhum
segredo sobre seu desejo por aquela fêmea.
— Ele passou com ela através da parede.
As narinas do Rei brilharam, mas isso foi tudo. Ele ainda
não piscou.
— Nós reencontramos o macho fora, mas a fêmea se
foi. Aurelio e Lucien foram atrás dela, e tentamos conduzir o
macho na direção oposta, mas ele não seguiu. Nós circulamos
para trás, mas perdemos seu cheiro. E Aurelio e Lucien não
voltaram na hora acordada.
Celian sabia que não era a sua imaginação que tinha a
temperatura na sala caindo em vários graus. Ao lado dele, Lix
deslocou seu peso de um pé para o outro.
— Infeliz — disse o Rei, afiado como a ponta de uma
espada. — Muito infeliz. Especialmente desde que eu fiz
minhas instruções perfeitamente claras.
Uma brisa gelada se agitou em torno de seus ombros
quando os primeiros picos de dor pulsaram através de seus
crânios. Somente Celian permaneceu imóvel contra ele, tendo
sido sujeitado aos dons excruciantes do rei muitas vezes
antes. Seu amo e senhor não somente lia a mente das outras
pessoas como também podia habitá-las, e quando quisesse,
sua raiva os habitava também.
Nesse caso, a raiva do rei parecia uma víbora enfeitada
que deslizava por dentro da cabeça, cuspindo veneno em seu
cérebro.
Os outros começaram subtilmente, a inquietar-se. D
rolou os ombros; um deles rachado. Lix mudou de peso
novamente, e Constantine flexionou as mãos abertas e
fechadas.
— Faciles, — Celian murmurou. — Calma rapazes. Se
acalmem.
Um gato, uma das centenas que corriam selvagens em
todas as catacumbas, apareceu por trás do trono, onde ele
estava dormindo no chão de pedra. Preto puro e lustroso, era
uma miniatura perfeita para seu tipo em sua forma animal
verdadeira. Exceto por seus olhos, que brilharam amarelos
vivos na sala iluminada por velas. O Bellatorum – nascido na
escuridão, crescido na escuridão, treinado para lutar e matar
na escuridão – tinha os olhos negros. O gato esfregou o rosto
contra uma perna do trono, depois saltou em um gracioso
salto para as pernas cruzadas do rei.
Ele começou a acariciá-lo atrás das orelhas. Ele
ronronou e se acomodou em seu colo.
— Esperaremos até a meia-noite para ver se Aurelio e
Lucien voltam com o que é meu, — disse o Rei
suavemente. — E se não o fizerem, — voltou seus olhos
pretos ardentes para Celian e seus lábios curvados em um
sorriso, — Vou exigir compensação.
A pele de Celian rastejou. Ele sabia que compensação o
rei exigia. Uma coisa, somente uma coisa que comprava
expiação do desagrado do rei: dor.
A dor seria seu dízimo para o fracasso.
— Sim, senhor — disse ele, sua voz muito baixa.
Um rosnado rugiu pelo peito de Constantine, e o rei
sorriu ainda mais. — Sempre o protetor, Constantine. E ainda
como você me desagrada com este show de preocupação para
seu irmão. Sua lealdade está comigo primeiro, não é?
Constantine levantou a cabeça e encontrou os olhos
frios do rei. — Sim, meu senhor.
— Bom. Porque será você quem dispensará a punição
de Celian se seus outros irmãos não retornarem com a fêmea.
Celian sentiu Constantine endurecer-se e queria estender
a mão para soca-lo. O Desafio poderia matá-lo. Ele não valia
a pena.
— Como você desejar, meu senhor — disse
Constantine, lentamente, a raiva escurecendo seu rosto.
O rei voltou ao seu trono, pensativo, acariciando o
gato. Ele os olhou, um por um, calculando. — Considerai-vos
afortunados, cavalheiros. Eu estou de bom humor, porque
três homens sobreviveram à transição esta semana. Temos
vários outros Liberi21, que em breve serão testados, e temos a
promessa de uma nova puro-sangue em nossas mãos. As
coisas estão indo bem, vocês não concordam?
Os guerreiros responderam como um, suas vozes
ecoando na câmara de pedra. — Sim senhor!
Dominus deu uma risadinha. — E estou mais perto do
que nunca de aperfeiçoar o antissoro. Sim, as coisas estão
definitivamente indo bem.
Nenhum deles sabia exatamente o que ele estava
falando, mas ninguém comentou ou questionou.
Perguntas nunca eram permitidos.
Dominus suspirou e sacudiu-os com um movimento do
pulso. — Preparem-se, então. Vou acompanhá-lo na fovea à
meia-noite.
Os irmãos se curvaram e se afastaram para a saída, mas
pararam quando ouviram a voz do rei.
— E Constantine?
Ele virou. — Sim senhor?
— Pegue o chicote ‘gato de nove caudas’. — Seus lábios
se curvaram em um sorriso, frio e vermelho. Ele olhou para

21
Livres (traduzido do Italiano)
Celian. — Quero ver sangue.
Três horas depois que Morgan fez a ligação com o
telefone de Xander, ela ouviu uma batida forte na porta da
suíte do hotel.
Nessa altura, tinha pouca esperança de que ele pudesse
sobreviver. Seu pulso acelerou rapidamente como um beija-
flor, depois parou por segundos de cada vez, sua pele estava
cinza, e sua respiração muito fraca.
E o sangue. Tanta parte de seu sangue tinha vazado de
sua ferida que ela chegou a pensar que não haveria nada para
seu coração bombear através de suas veias.
Ela estava agachada no chão na frente dele o máximo
que podia, com a camisa encharcada de sangue pressionada
na ferida, até que suas pernas estavam apertadas e ela se
reposicionou no sofá ao lado dele, ignorando o sangue que
percorreu sua saia e blusa das almofadas do sofá, entre seus
dedos do corte em sua barriga. Ela não se moveu desde
então. Sua mente se recusou a considerar as implicações de
sua morte e, em vez disso manteve um laço infinito de
imagens de Xander desde que eles se conheceram.
Seus olhos ardentes de tigre se enroscavam em um mato
de cílios negros, seu sorriso perverso, a maneira como ele se
movia como um caçador silencioso e mortal, aquelas
cicatrizes por todas as costas. Sua expressão terna e sangrenta
quando ele disse que não a culpava por deixá-lo morrer.
Esse beijo.
Aquela parte era a que se recusava a desaparecer, não
importava o quanto ela tentasse afastá-lo.
Então, quando a pancada finalmente chegou, ela ficou
aliviada. Por cerca de cinco segundos, até que ela abriu a
porta.
Lá no corredor havia três machos. Dois eram
obviamente Ikati, grandes e carrancudos e exalando o tipo de
ameaça e poder que só um macho de sua espécie faz. Um
tinha cabelos escuros nos ombros e olhos tempestuosos,
incrivelmente incolores; o outro tinha cabelo aparado curto
como Xander e olhos a sombra exata de grama nova. Ambos
tinham armas levantadas, apontadas para seu rosto.
Eles flanqueavam um terceiro macho, menor, mais
velho, com óculos.
— E humano.
Ela não teve tempo para perguntar sobre isso porque foi
sumamente empurrada de lado quando eles empurraram
passando ela no quarto.
O humano caiu de joelhos na frente do sofá, escavou um
estetoscópio da maleta de couro preto que carregara e escutou
o coração de Xander. Ele fez um exame físico superficial com
dedos ágeis que eram gentis e seguros: pulso, inspeção da
ferida, dilatação da pupila, levantando primeiro uma pálpebra,
em seguida, a outra para brilhar uma lanterna do tamanho de
uma caneta em seus olhos. Os dois Ikatis realizaram uma
varredura rápida, silenciosa dos quartos e terraço, olhando por
trás de portas, verificando fechaduras e saídas. Quando
estiveram satisfeitos que nenhuma ameaça se escondia no
interior, o Ikati de olhos verdes colocou a arma no coldre na
frente de sua cintura e foi colocar-se sobre o médico enquanto
ele trabalhava. Ele observou em silêncio enquanto o outro
macho fazia uma rápida verificação dos dois corpos que
estavam deitados no chão durante as últimas horas. Cinzentos
e rígidos começavam a emitir o fraco e distinto odor de
decadência.
— E? — Disse o Ikati de olhos verdes. Sua voz era
profunda e grave.
O humano ajustou seus óculos e fez um pequeno ruído
insatisfeito. Os tufos de cabelo branco cobriam a cabeça
como uma coroa de nuvens em miniatura. — Ele perdeu
muito sangue, Matheo. Tenho que fazer uma cirurgia para
tirar esse pedaço de vidro e parar o sangramento, mas não
podemos levá-lo para a casa segura assim. Ele vai morrer antes
de o levarmos para lá.
Matheo passou a mão pela cabeça e amaldiçoou. O outro
homem Ikati terminou sua inspeção dos corpos e parou,
examinando o quarto com aqueles olhos esfumaçados.
— Eu disse que devíamos ter trazido um doador.
— Nós não temos tempo, Tomás, — Matheo
respondeu afiado. — E onde diabos teriam encontrado um,
afinal?
— Com licença, — Morgan disse. Todos a ignoraram.
— Vamos levá-lo para cima da mesa — disse o humano,
apontando para a brilhante mesa de jantar de mogno.
— Eu posso trabalhar melhor lá em cima. E eu vou
precisar de toalhas e cobertores, e algo para ele morder se nós
vamos fazer a cirurgia aqui. Uma colher de pau é boa.
— Hum, cavalheiros? — Morgan tentou novamente. E
falhou novamente. Os dois Ikati pegaram os ombros e pernas
de Xander, enquanto o humano correu com sua maleta e
começou a limpar os arranjos de flores de seda do centro da
mesa.
— Calma e cuidado com sua cabeça! — Repreendeu o
homem enquanto Matheo e Tomás o colocavam sobre a
mesa. Xander sacudiu e gemeu quando ele foi deitado, mas
suas pálpebras permaneceram fechadas. — Coloque-o de
lado, assim — disse o homem, trabalhando sobre ele. —
Gentilmente, por favor. Suavemente.
— Rapazes.
— Meu deus, ele perdeu muito sangue, — Tomás
murmurou. Ele ficou de pé na cabeceira da mesa, olhando
para o rosto pálido de Xander, seus lábios azuis.
— Ele é forte — disse Matheo, aos pés de Xander. Seu
rosto estava quase tão pálido quanto o de Xander, sua
mandíbula apertada. — Ele já passou por muito pior.
Morgan limpou a garganta. — Posso apenas ter uma
palavra.
— Ele não vai durar muito sem uma transfusão, —
murmurou o médico, olhando para a parte inferior das costas
nuas de Xander. — Você vai ter que encontrar alguém local,
e rápido porque ele está desaparecendo.
— Deixe-o morrer, e vamos ter a sua cabeça, Bartleby,
— disse Tomás, eriçado.
— Nada útil, — disse Matheo, observando como o
homem empalideceu sob o ataque da raiva de Tomás.
Ele se dirigiu diretamente ao médico. —
Não há ninguém local. Não há colônia na Itália, e obviamente
não pode ser nenhum de nós desde que seu corpo vai rejeitar
sangue de outro macho. Você só vai ter que encontrar uma
maneira de fazê-lo funcionar sem isso.
— Olá! — Gritou Morgan.
Três cabeças giraram em sua direção.
— Eu posso lhe dar sangue, — disse ela, mais calma
agora que tinha sua atenção. — Posso ser a doadora.
Congelado, Bartleby olhou primeiro para Matheo,
depois Tomás, que se voltou para olhá-la com o olhar plano
e assassino. Ninguém se moveu.
— Você é o mark, — disse Matheo. Destemido, seu
olhar percorreu seu corpo.
— Eu sou Morgan, na verdade, — ela respondeu
bruscamente.
— Mark significa alvo, — Tomás interrompeu com uma
onda de seu lábio superior completo. —
Acertar. Trabalho. Pombo. Vítima.
— Que esclarecimento. — Morgan interrompeu,
cruzando os braços sobre o peito. Ela olhou para ele com
tanta força que pensou que seus olhos podiam se desviar do
esforço. — Obrigada pela lição de vocabulário. Agora você
vai me deixar ser o doador ou deixar seu menino sangrar até
morrer naquela mesa encantadora de Cassina?
Seguiu-se um silêncio longo e crepitante.
Morgan estava no final de suas reservas de paciência, um
poço que era superficial sob as melhores
circunstâncias. Estava exausta. Seu corpo doía, seus ossos
doíam até mesmo os dentes doíam, e seu sangue fervia como
se alguém tivesse acendido um fogo sob seus pés. Se ela
tivesse algo para compará-lo, ela teria pensado que estava
ficando com a gripe. Portanto, o fato de que havia dois
estranhos homens hostis olhando para ela como se fosse o
almoço, não a assustou tanto quanto deveria.
— Ele só pode ter sangue de uma fêmea Ikati, — ela
disse, exasperada com o seu silêncio contínuo, sua hostilidade
estreitando os olhos — E se ele não conseguir logo, vai
morrer. Certo? — Ela acrescentou, olhando para o
humano. Com um rápido mergulho na cabeça branca, ele
assentiu. Ela acenou de volta, já sabendo a resposta antes que
perguntasse. Ikati não tinha tipos de sangue, não há doenças
transmitidas pelo sangue, e sangue humano era inútil para eles,
tão fraco como água. Apenas uma fêmea poderia doar sangue
ao macho e vice-versa.
— Então eu estou oferecendo, — ela disse em
conclusão.
Ainda sem resposta. Matheo e Tomás olharam para ela
enquanto em algum lugar lá fora um cão começou a latir.
Morgan exalou e deixou cair os braços para o lado. A
exaustão afundou-se para manchar seus ossos, e sentiu de
repente como se sua pele estivesse apertada demais. — Tudo
bem, — disse ela, amargurada. — Está com vocês, então.
Quando a Assembleia perguntar o que aconteceu, são vocês
que vão responder.
Ela se virou e estava prestes a caminhar até o telefone na
mesa de vidro na sala de estar para ligar para Leander quando
a voz áspera de cascalho de Matheo a deteve.
— Por que você faria isso?
Em suas rígidas roupas cobertas de sangue, Morgan
voltou-se e olhou para ele. Ele olhou de volta para ela, todo o
músculo e massa e ameaça de olhos verdes, a luz brilhando
preto azulado fora de seu cabelo.
— Se eu não estou enganado, sua missão é matá-la, se
você falhar em sua tarefa. Por que você vai lhe doar seu
sangue? — Ele persistiu.
Boa pergunta. Infelizmente, ela não tinha uma boa
resposta. Pelo menos, não uma que fizesse qualquer tipo de
sentido. Ficou ali parada por quase um minuto, pensando.
— Ele acabou de salvar minha vida, — ela finalmente
respondeu, gesticulando para os dois corpos esparramados
como prova sangrenta no terraço e no chão da sala. — Devo-
lhe pelo menos uma oportunidade. Ele merece isso de
mim. E... Porque eu quero que ele fique vivo. — Ela soprou
um suspiro longo, exausto, percebendo o quão insana ela
soou até mesmo para si mesma, percebendo também que era
a verdade honesta de Deus. — Mesmo que isso signifique...
— Que ele finalmente terá que me matar, pensou. E que eu
sou uma idiota autodestrutiva com um desejo de morte. Mas
ela não disse isso. Em vez disso, ela mal terminou com, — ....
Você sabe.
Um nervo atrás de seu olho pulsou, enviando um pico
de dor através de seu crânio. Ela apertou os dedos contra isso,
pensando que esta seria a mãe de todas as enxaquecas. E
como isso era possível, já que ela nunca teve uma
antes? Somente os humanos sofriam dores de cabeça. Os
seres humanos e fêmeas Ikati que estavam prestes a...
— Você nos honra — disse Matheo, rouco.
Piscando, ela deixou cair à mão de seu rosto e olhou para
ele. Ele estava olhando para ela com algo como... admiração.
— O que? — Ela olhou para Tomás, cuja expressão
mudara de uma suspeita total apenas alguns segundos antes
para uma que parecia alarmantemente próxima da gratidão.
— O que você faz com qualquer um de nós, você faz
a cada um, — Tomás respondeu enigmático, seus olhos
correndo ao redor curiosamente.
Morgan olhou para trás e para frente entre os dois
machos Ikati e o congelado, médico humano estupefato. —
Uh...
— É o código deles, — disse o médico com um rápido
olhar para os companheiros. Ele empurrou os óculos para o
nariz. — O código do assassino. Atravesse um, e cruza com
todos nós. Mate um, mate a todos. Ama um...
Ele limpou a garganta. — Ama a todos nós.
— Mais assassinos, — Morgan disse um pouco mais
fraca do que ela teria gostado. Ela fechou os olhos. —
Quantos vocês são exatamente?
— Quatro — disse Matheo e Tomás juntos.
Poderia ter sido pior. Pelo menos não eram
quatrocentos. Ela olhou para Xander e de volta para eles. —
Onde está o outro?
Matheo respondeu desta vez. — Esperando lá embaixo
com o carro.
— O carro?
Sua voz áspera estava tingida com algo como
diversão. — Você não acha que nós íamos voar para fora
daqui, não é?
Uma menina só pode esperar. — Ok. Vamos acabar
com isso, — ela suspirou.
— Vamos, Doutor — disse Matheo a Bartleby.
O médico saltou em um borrão de ação. Ele pegou sua
bolsa preta e removeu uma grande seringa de aparência
perversa e um comprido tubo de plástico com cânulas de
prata pontiagudas em cada extremidade. Enfiou a tubulação
através da seringa, preparou uma pequena garrafa de vidro
que cheirava a álcool, uma pilha de ataduras brancas e bolas
de algodão e colocou tudo na mesa ao lado da forma imóvel
de Xander. Ele agarrou um par de finas luvas de látex.
— Na mesa, por favor. — Ele fez um gesto com a mão
aberta para a longa mesa de jantar. Morgan sentou-se na beira
com tanta dignidade quanto ela podia reunir em suas roupas
manchadas de sangue com as pernas nuas penduradas sobre
o lado como uma criança. Ela cruzou então descruzou as
pernas, notando com nenhuma trepidação que nem Matheo
nem Tomás estavam olhando para qualquer coisa além dela.
Sentia-se como uma formiga sob um muito grande –
muito masculino – microscópio.
— Deveria deitar-se — disse Bartleby suavemente. Fez
levantar uma mão para seu ombro, mas um rosnado baixo de
Tomás rapidamente o despojou dessa ideia. Sua mão caiu para
seu lado. Seu rosto ficou rosado.
— Peço-lhe que se deite?
— É realmente necessário?
— Você pode ficar um pouco tonta, — ele disse,
olhando entre Matheo e Tomás.
Quando ele falou de novo, sua voz se desculpou.
— E isso vai doer.
Ela olhou para Xander, bonito e inconsciente, à beira da
morte, e se perguntou se doeria tanto como uma faca enfiada
entre as vértebras de seu pescoço. O pensamento fez o sangue
escorrer de seu rosto. Ela se deitou ao lado dele em um rápido
movimento. O médico enrolou a manga da blusa e esfregou
o braço com álcool.
— Quanto tempo vai demorar?
— Não muito tempo. — Ele cuidadosamente passou o
algodão no braço de Xander, em seguida, reposicionou-o,
com a palma para cima, tentando equilibrá-lo em seu quadril.
Não deu certo. — Segure assim, se puder — disse ele a
Matheo. O assassino obedeceu, em silêncio, se aproximando
tão grande sobre a mesa que ele bloqueou o orbe de luz da
lâmpada no teto acima.
Ela fechou os olhos, respirou pelo nariz e tentou não
pensar na estupidez colossal do que estava fazendo.
Havia um pingo de dor em seu braço, a mordida de aço
frio deslizando em sua veia, um puxão quando a agulha foi
fixada e seu sangue foi bombeado para fora de seu
corpo. Então nada.
Ela falou no silêncio sem abrir os olhos. — Está
funcionando?
— Perfeitamente — murmurou Bartleby. — Só mais um
momento e ele vai bater em sua veia, — Xander deu uma
sacudida como se tivesse sido eletrocutado.
Suas pálpebras se abriram. Ao lado dela, seu grande
corpo se transformou em um arco musculoso e tenso, que
Matheo e Tomás estavam fazendo o possível para segurá-lo,
sobre a mesa.
— O que há de errado? — Ela gritou, entrando em
pânico. Ela sentou-se abruptamente e ficou tonta. — O que
aconteceu?
— É bom, é completamente normal, — Bartleby
acalmou, estendendo a mão para verificar a agulha em seu
braço e a conexão com Xander. Ele lhe enviou um olhar
estranho e lateral. — É apenas seu sangue atingindo seu
sistema. Por favor, fique quieta tanto quanto puder. Ele vai se
acostumar em um momento.
E, enquanto observava fascinada, ele o fez.
Os músculos do seu braço relaxaram primeiro. Então
sua mandíbula se soltou, suas costas e suas pernas. Com um
gemido baixo que reverberou através de seu corpo, Xander
caiu de volta contra a madeira fresca e polida e deu um suspiro
longo, estremecendo. O calor irradiava dele em ondas
pulsantes como se estivesse envolvido em uma chama
invisível.
Matheo e Tomás também relaxaram e sopraram
respirações duras e aliviadas. Eles deram um ao outro um dos
olhares que o médico acabou de lhe enviar, e ela estava
abruptamente envergonhada.
Ela exagerou. Eles pensaram que ela era uma mulher
histérica.
— Nunca vi fazer isso antes, — admitiu Morgan, um
pouco envergonhada. Ela era a única menina em uma ninhada
de cinco, e embora seus dois conjuntos de irmãos gêmeos
fossem mais jovens, eles eram – de acordo com seu gênero –
tinham muito mais clemência e privilégios do que ela. Mesmo
que ela fosse mais esperta, mais forte, mais rápida, como uma
menina, ela quase foi sequestrada por causa de seu sexo. Até
que sua mãe morreu, e então ela correu selvagem...
Ela olhou para eles. — Eu não achei que seria tão....
Dramático.
— Normalmente não é, — disse Bartleby. Uma pequena
carranca franziu as sobrancelhas. Ele lançou um rápido e
furtivo olhar para Matheo. — Não é nada anormal, mas esse
tipo de reação geralmente só acontece com...
— Verifique, doutor, — disse Tomás, com força. — A
menos que você queira acabar parecendo um saco de lixo
esmagado, esta conversa não exige sua entrada.
Bartleby ficou branco, engoliu e sentou-se abruptamente
em uma das cadeiras acolchoadas da sala de jantar.
— O que, — Matheo rosnou de volta para Tomás. —
Nós precisamos dele, então você vai aliviar sobre essa merda.
E manter sua cabeça fria limpa na frente
da ultimecia22. Estamos entendidos?

22
Ele estava se referindo a ela entrando na sua febre. (No cio)
Tomás olhou para ele, longa e duramente, como se
estivesse contemplando os méritos do estrangulamento
contra um duro chute no peito. Sem pestanejar, Matheo olhou
para trás. Depois de um inclinar de queixo, Tomás respirou
fundo, deu um passo para trás e disse: — Claro como um
maldito sino, irmão.
Morgan olhou para trás e para frente entre eles,
querendo saber o que Bartleby estava prestes a dizer, e por
que Tomas não queria que ele falasse, e que droga era
um ultimecia. Mas ela estava cansada demais para fazer algo a
respeito. E quente. A sala de repente pareceu como um
forno. Ela levantou a mão para a testa e ficou surpresa ao
encontrá-la coberta de suor.
— Você tem alguma coisa naquela bolsa para dor de
cabeça, doutor? — Ela esfregou seu olho esquerdo. — Estou
me sentindo um pouco...
— Fraca? — Ele forneceu de sua cadeira, olhando-a
atrás de seus óculos redondos com um olhar estranhamente
intenso. — Tonta? Febril?
Ela assentiu, franzindo a testa. Como ele poderia saber
disso?
Ele se levantou e revirou através de sua maleta, veio com
um termômetro digital. — Posso tomar a sua temperatura?
O assentindo de novo, e ele veio ficar ao lado dela. Ele
afastou o cabelo, colocou o termômetro na orelha. Em cinco
segundos, ouviu-se um sinal sonoro. Ele retirou o item de
plástico e olhou para ele. Seu rosto ficou ainda mais
branco. — Oh, querida — disse ele.
O pânico começou a agitar seu estômago em nós. — O
que? Estou doente?
— Não, não, nada disso. Você está perfeitamente
saudável. — Ele murmurou, distraído. Voltou-se para sua
maleta preta e depositou o termômetro dentro, então mediu
o pulso de Xander e rapidamente tomou sua pressão arterial
com um punho de velcro em torno de seu bíceps.
— O que é então? — Ela pressionou.
Olhou fixamente para Matheo e Tomás, depois de voltar
para ela, tentando, ao que parece comunicar algo crucial. —
É só um pouco de... — ele tossiu, —... Coisas de fêmeas, você
sabe.... Eu tenho algo para isso. — Seu rosto flamejou
brilhante, vermelho carmesim.
Morgan estreitou os olhos. Coisas de fêmeas?
— Vamos fazer esse show na estrada, Doutor. —
Interrompeu Matheo, olhando para o relógio. Ele puxou um
telefone de um bolso em sua calça e apertou um número. —
Nós estamos descendo em cinco, — ele disse para quem
respondeu na outra extremidade. — Mantenha ligado. — Ele
fechou e colocou de volta na calça, então se dirigiu a
Bartleby. — Estamos prontos?
— Sim, sim — disse ele, agitando-se sobre Xander. —
Ele já teve o suficiente da transfusão. Ele já está forte o
bastante para ser movido. — Seu olhar voltou-se novamente
para Morgan, então ele se virou e terminou de fazer as coisas.
Matheo estendeu a mão. — Você está pronta?
Morgan respirou fundo e olhou para ele. — Pronta
como sempre estarei. — E ele pegou sua mão na dela.
Xander acordou deitado de costas, numa sala quieta,
com a língua colada ao céu da boca e a dor latejando no
abdômen.
Ele se manteve imóvel em velho hábito, seus olhos
fechados, medindo seu ambiente com seus sentidos.
Qualquer pessoa olhando para ele teria pensado que ele
ainda estava dormindo, mas estava em alerta imediato,
preparado e pronto para lutar, embora estivesse deitado, e a
dor em seu lado era substancial, e ele poderia dizer pela
tontura que perdeu muito sangue.
Ninguém estava na sala com ele. Ele explorou sua
consciência mais adiante, através das paredes, através de salas
vazias, até que ele se encontrou com uma parede fria de
chumbo onde sua exploração abruptamente parou. Bom.
Isso era bom. O chumbo significava uma casa segura, o
que significava que eles foram buscá-lo.
O que significava que Morgan não o deixara morrer
depois de tudo.
O pensamento dela enviou uma lança de dor pelo
peito. Seus olhos piscaram abertos e ele ergueu a cabeça,
olhando ao redor. Uma cama estreita, alguns móveis simples,
um banheiro acessado através de uma porta entreaberta,
instrumentos cirúrgicos e ataduras em uma mesa de prata
rolante nas proximidades. Não havia janelas, mas ele sentiu
que estava perto do nascer do sol. Há quanto tempo ele estava
fora?
Com um esforço que enviou a dor irradiando em suas
pestanas pesadas para abrir, sua espinha e até os dedos dos
pés, Xander empurrou o lençol de lado e se sentou.
Ele estava nu, vestido com apenas um grande curativo
branco enrolado firmemente em torno de sua cintura. Estava
manchado de ferrugem com sangue em círculos erráticos no
lado direito. Ele inalou, testando os limites de sua tolerância,
e descobriu que podia respirar fundo sem esforço. Suas
costelas não estavam comprometidas e, como ele podia
mover os braços e as pernas, sua coluna também não estava
comprometida. Isso foi um alívio, porque a última coisa que
ele lembrou antes de desmaiar foi uma terrível dormência em
suas pernas.
Ele sentou com cuidado, equilibrando seu peso sobre
seus joelhos dobrados. Suas costas protestavam com uma dor
aguda e punhalada, mas era tolerável, menos do que quando
se sentara. Ele estava vivo, se não perfeitamente bem. Mas
não importava a lesão, ele curaria rapidamente. Se não
estivesse morto, ficaria bem dentro de dias.
Atravessou a sala, encontrou as calças pretas e a camisa
que foram dobradas em uma cadeira, e as puxou
cuidadosamente com os dentes cerrados. Suas armas estavam
dispostas em uma fileira no topo da cômoda lisa, e ele sorriu
quando colocou isso também, amarrando as facas em torno
de sua cintura e tornozelos. Ele puxou um par de novas botas
pretas, tamanho quinze, militar, e amarrando os laços.
Então ele saiu pela porta e foi encontrá-la.
A casa segura, uma das dezenas do Sindicato mantido
em todas as grandes cidades do mundo, era uma villa
remodelada na região montanhosa e moderadamente rica em
Aventino, Roma. Possuía vistas de 360 graus da cidade e mais
de dez mil pés quadrados de espaço vital, a grande maioria no
subsolo. Da rua, era uma modesta casa de tijolo e argamassa
com por volta de um século de idade, cercada por uma cerca
de ferro alto, com jardins e árvores e um gnomo de gramado
barbudo e gordinho junto ao portão da frente, cujo chapéu
vermelho apontado há muito desbotou para rosa, e um
sistema de segurança para rivalizar com o de Fort Knox.
Os quartos e sala de descanso ficam no piso inferior, a
cozinha, sala de jantar e meios de comunicação no segundo
andar, academia e centro de treinamento no primeiro andar
subterrâneo. Acima, era simplesmente uma casa. Uma casa
lindamente decorada, desocupada, porque ninguém jamais
comia, dormia ou vivia ali. Acima era tudo para mostrar. Uma
vez que você desceu para além da porta de ligação reforçada
para o ‘Porão’, você entrava em outro mundo.
Passou por seis quartos desocupados e encontrou-se
sozinho. Uma escada virou-se para a sala principal, que era
um grande espaço aberto decorado em carvões escuros e
castanho e bege sem um toque de suavidade feminina. Além
disso, estavam à sala de jantar e a cozinha - modernas e
masculinas como o resto das áreas subterrâneas, e assim que
alcançou o degrau mais alto da escada, ouviu a voz áspera de
cascalho de Matheo vindo daquela direção.
— Não aguento mais, T.
Lá veio um grunhido agitado, então o som das botas
andando para frente e para trás sobre o piso.
— Você não pode! Eu sinto que vou arrastar para fora
da porra de minha pele.
— Se ele não acordar logo, teremos que deixar Bartleby
aqui com ele e voltar quando isso passar.
Xander congelou, escutando.
— Quanto tempo demorou?
— Três dias menos dezesseis horas — murmurou
Matheo. — E contando.
Gemidos — Jesus Cristo.
Ele esperou, mas não disseram mais nada. A curiosidade
tomou conta dele, e ele se dirigiu silenciosamente para a
cozinha, onde ficou ali na porta, despercebido, olhando-os.
Seus garotos. Seus irmãos, de coração se não em Sangue.
Eles eram assassinos como ele – coletivamente
chamados de Sindicato pelo resto de sua espécie – e como ele,
eles eram filhos desonrados de machos poderosos que foram
entregues como crianças à tutela brutal do mestre de capoeira
Karyo, um ser humano, a colônia de Manaus manteve-se em
retenção porque era uma máquina de matar perfeitamente
mantendo os lábios apertados sobre seus – únicos estudantes
e seus parentes, que pagaram tão generosamente por seu
silêncio. Ou era estudar sob Karyo ou ser jogado no Poço
Afogado; trazendo vergonha ao nome da família não era bem
tolerado por seu tipo, e pelo menos a Academia ofereceu uma
chance para salvar a cara.
Ele ofereceu a seus pais uma chance de salvar sua
reputação. Os jovens que se tornariam os assassinos
endurecidos do Sindicato nunca se importaram com coisas
assim.
Matheo era o filho de um duque, Grande do
Império. Aos seis anos de idade ele chamou seu pai pomposo
de um cachorro puto – filho da puta – na frente de toda a
Assembleia de Manaus. Ele agora se apoiava contra o balcão
junto a pia, os braços musculosos cruzados sobre o peito,
mastigando o lábio inferior.
Tomás, filho mais velho do casamenteiro da colônia,
queimou a casa de sua família até o chão quando ele tinha oito
anos em um ataque de raiva depois que seu pai espancou seu
traseiro nu no meio dos cultos dominicais quando ele não
parou de se contorcer no banco. Ele estava sentado à grande
mesa de madeira quadrada, com um joelho pulando para cima
e para baixo, com a cabeça inclinada, as mãos sobre a nuca.
Julian, um crânio-triturador gigante de um macho com
cabelo escuro desgrenhado que sempre dirigia o carro de fuga
não importa o trabalho, roubou maçãs de uma árvore do
vizinho. Sentava-se encurvado sobre uma tigela de massa na
mesa, empurrando-a mecanicamente na boca com um olhar
inexpressivo, como se nem sequer soubesse o que estava
comendo.
E ele, Xander, simplesmente nasceram da mulher errada.
Eles treinaram juntos no Brasil desde a infância nas belas
artes do assassinato e do caos, até que seus três irmãos
adotados entraram nas forças armadas americanas como
espiões e ele ficou lentamente insano.
Eram as únicas três almas no mundo que ele confiava
em sua vida. Eles sabiam todos os seus segredos e ele sabia
tudo deles, e se algo era mais próximo do que isso, ele não
viu.
— Meninos — disse ele.
Incrivelmente, todos os três saltaram. Eles o olhavam
como se fosse Lázaro, ressuscitado dentre os mortos.
Suas sobrancelhas se arquearam.
— O que estão fazendo, cavalheiros?
E então eles estavam sobre ele como uma matilha de
cachorros enormes, ásperos e caídos, abraçando-o, dando-lhe
um tapa nas costas, fazendo-o sentir o dobro de dor com os
braços espremidos ao redor de sua cintura.
— Você parece uma merda, — disse Tomás quando
acabou. Ele deu um passo atrás para olhar para ele com um
olhar crítico. — Você não deveria estar acordado ainda.
— Como está o corte, cara? Pensei que o perderíamos lá
por um minuto, mano. Você estava bem cortado, — disse
Julian, sua grande mão enrolada no ombro de Xander.
Matheo apenas o olhou de cima a baixo e sacudiu a
cabeça. — Você é uma merda resistente, sabe disso?
— E você é tão feio quanto me lembro, — respondeu
Xander, sorrindo. — Mas eu acho que um jarhead23 não é
para ser bonito, certo?
— Marinheiro, idiota, — rosnou Julian ao lado dele. —
Jarhead é um marinheiro. E temos cabelo melhor.
— Sim, bem, você é toda a forragem do canhão até as
forças armadas. Mas nós sabemos o que você realmente é,
não é? — Ele piscou, e o grande macho sorriu para ele,
balançando a cabeça e deu um tapa no ombro.
— Ele é um motorista de merda, é o que é, — disse
Tomás num tom afetuoso, olhando para o lado de Julian. —
Nós teríamos chegado a você mais cedo no hotel, mas
conduzir Senhorita Margarida aqui tendo seu tempo doce
deixando Monte Carlo.
Julian franziu o cenho para ele. — Eu fiz uma viagem de
sete horas em menos de três horas, idiota. Supere isso!

23
Marinheiro
Tomás encolheu os ombros. — Teria sido mais rápido
se aquele ônibus de modelos de biquíni não estivesse
descarregando na frente do Fairmont. — Ele sorriu as linhas
ao redor de seus olhos arranhando. — Pensei que você ia ter
um chicote. Ou um ataque cardíaco.
— Você dirigiu até aqui de Mônaco? — Xander disse
surpreso. — O que vocês estavam fazendo lá?
Os três sabiam voar - e sequestrar - qualquer coisa, desde
um Cessna de um só motor a um avião de caça militar, então
ele supunha que viriam de avião. Felizmente estavam perto o
suficiente para chegar a ele rapidamente. Se estivessem em
Quebec ou Manaus, suas chances de sobrevivência poderiam
ter sido exatamente zero.
Tomás e Matheo compartilharam um olhar severo. —
Ali Baba nos enviou para fazer reconciliação com algum dono
de um cassino grande nomeado Stark, — disse Matheo. —
Parece que ele está com esse cara Stark por algum dinheiro
sério e está procurando uma saída. E se Stark tem um
pequeno acidente, por assim dizer, Ali Baba não terá que
pagar a todos.
Xander apertou a mandíbula. — Ele está jogando de
novo, — ele disse, e os outros três assassinos assentiram.
Ali Baba era o apelido para o meio-irmão de Xander,
Alejandro, que governava como Alfa a colônia de
Manaus. Um homem vaidoso, indisciplinado, desajeitado
com um ego do tamanho de um país pequeno, Alejandro era
também incrivelmente afortunado. Daí o apelido. Embora ele
tivesse uma habilidade para ganhar grandes quantias em
cassinos – e ocasionalmente perder grandes, o que parecia que
ele fez recentemente – que não era o que lhe mereceu o
apelido sarcástico dado por Tomás anos atrás. O Sindicato
chamou-lhe Ali Baba porque ele foi coroado Alfa apenas por
uma sorte do destino que o impulsionou para uma posição de
poder que ele não ganhou e não merecia. Ele não era tão
dotado como Xander, ou metade tão forte ou inteligente.
Mas ele era o filho primogênito da nova esposa de seu
pai. A nova esposa que odiava Xander com uma ferocidade
elementar e foi finalmente responsável por tê-lo enviado para
a Academia. A nova esposa que levou Xander da casa da sua
mãe quando ela morreu. Mais corretamente, quando ela foi
morta.
Pelo seu pai.
História antiga, isso. Mas algumas cicatrizes nunca
desaparecem. Como as cicatrizes em suas costas, onde seu pai
o chicoteou sempre que ele era desobediente e, em seguida,
derramou sal sobre a pele esfolada apenas para ouvi-lo
gritar. Assim, a menção do nome de seu meio-irmão fez seu
sangue ferver.
— O jogo terá que parar quando o resto dos Alfas se
reunirem em Manaus — disse Xander, sombrio, pensando no
movimento que todas as colônias se preparavam para
fazer. Desde que o Expurgari descobriu os locais de todas as
colônias exceto Manaus, os preparativos foram nos trabalhos
para combinar todas as quatro colônias em uma mega-
colônia. A logística estava provando ser um pesadelo, mas
uma vez que Alejandro foi cercado por três outros Alfas
rosnando, não teria uma possibilidade de ficar longe com sua
idiotice usual.
E esperava que ele faça algo para urinar em um deles e
houvesse uma sangrenta-luta-de-morte.
— Talvez — disse Julian. — Mas o nosso amigo Sr.
Stark ainda não acordou de manhã.
— Falando de manhã, quanto tempo eu estive fora? —
Xander perguntou curioso quanto tempo ele levou para curar
desta vez. Ele não estava totalmente operacional, é claro, mas
um ser humano não teria sobrevivido ao golpe que ele tomou
e estar em cima e de volta tão breve.
Silêncio, tensão súbita e olhares furtivos passaram de um
lado para o outro. Matheo disse: — Dezesseis horas.
Exatamente.
O sistema nervoso de Xander ficou em alerta
instantâneo. Eles estavam falando quando ele entrou na
sala, três dias menos dezesseis horas, Matheo disse... O que
isso tinha a ver com Morgan – se ela tivesse sido ferida? Onde
ela estava? Algo em seu peito se esfriou.
Sua voz baixou uma oitava, ele disse, — O que há de
errado?
— Como está o seu faro, X? — Disse Matheo,
observando-o de olhos verdes encapuzados.
Xander estava confuso. E ele odiava ser confundido. —
Do que você está falando?
Matheo olhou para Tomás, que disse com uma
sobrancelha levantada, — Cheire cara.
Quando o fez, o perfume de Morgan bateu nele como
uma bola de demolição. Fogo, febre e uma necessidade escura
e abrasadora, atada com seu perfume normal de especiarias
exóticas, pele morna e mulher exuberante, tudo isso coberto
com o aroma distinto e requintado de uma fêmea, excitada.
A febre. Ela estava profundamente em sua febre. E não
havia absolutamente nada mais irresistível para um
homem Ikati do que isso.
Ele cambaleou para trás, de olhos arregalados. Uma
ereção saltou para a vida sólida em suas calças.
— Sim, — Tomás disse sarcasticamente, como
explicação. — Então há isso.
Ele engoliu em seco, sua garganta como um deserto. —
Onde ela está?
— Bartleby está com ela — disse Matheo com um olhar
para cima. — Na Academia.
— Na academia? — Ele ficou horrorizado com o
pensamento dela esparramada sobre tapetes de atletismo,
contorcendo-se em necessidade não satisfeita. — Por que, em
nome de Deus, não está em um dos quartos, confortável...
— Um dos quartos ao seu lado? — Julian interrompeu
com um olhar aguçado na parte da frente da calça. — Você
acha que teria dormido as últimas dezesseis horas com isso?
Doce Jesus, isso é o que eles estavam falando quando ele
entrou. Ele não podia acreditar que eles aguentaram por tanto
tempo como tinham; uma fêmea em sua febre emite uma
chamada irresistível como uma sirene a um macho, uma
chamada que em um nível puramente biológico era quase
impossível ignorar. A Febre em mulheres mais jovens em
idade de acasalamento acontece uma vez por ano e dura por
três dias, e acoplado ou não, era um tempo perigoso para a
fêmea e todos os machos próximos, também.
Concorrência aparece. Lutas estouraram. Os impulsos
animais reinavam supremos.
Em sua colônia, qualquer fêmea com a febre era mantida
em completo isolamento até que passasse. E agora.
— Bartleby está dando drogas para mantê-la calma —
disse Matheo. — E nós temos feito um pouco de
automedicação com nosso amigo, o Sr. Daniels lá, —
acrescentou, olhando para uma garrafa de uísque Tennessee
no balcão. — E agora que você está acordado, podemos
limpar e ir até...
— Não vou embora — disse Xander enfaticamente. —
Não vou deixá-la aqui sozinha.
Silenciosamente o avaliaram. — Ela estará com Bartleby,
X — disse Tomás.
Ele se encontrou com o olhar do macho. — Não vou
deixá-la.
— Estaremos de volta em poucos dias — disse Matheo,
tentando ser razoável. — Ela está fora de perigo. Você abateu
os dois desertores que invadiram o quarto do hotel, e ninguém
além de nós sabe que estamos aqui. Ela estará perfeitamente
segura aqui com Bartleby por alguns dias. — Xander virou-se
para ele, seu olhar pálido. — Você não está me
ouvindo. Eu. Não. Estou. A. Deixando.
Matheo olhou para ele. — Por que...?
— Porque ela é minha responsabilidade.
Matheo inclinou a cabeça. Seus olhos se estreitaram. —
Isso soa estranhamente familiar, Alexander.
Uma onda de fúria viciosa, branco cegante e antes que
ele soubesse o que estava fazendo, seu punho conectou com
a mandíbula de Matheo.
Tomás e Julian saltaram entre eles quando Matheo
rosnou e se moveu para retaliar, com seu próprio braço
musculoso armado para trás para golpear, todos eles gritando
imediatamente. Levou alguns minutos antes que eles
pudessem ser separados. Julian arrastou Xander de volta para
um canto da cozinha, Tomás empurrou Matheo xingando
para o outro. Eles ficaram olhando um para o outro em lados
opostos da sala, respirando com dificuldade, esticando contra
os braços que os seguravam.
— Você fez de novo, não é? — Matheo ofegou, corado
e irritado, apertado nos braços de Tomás.
Xander se eriçou. — Mais uma palavra e Deus me
ajude...
— Você está ligado com ela, seu idiota! — Matheo
gritou. — Você se envolveu com seu alvo! Você é maluco?
— Não seja ridículo! — Xander rosnou, esticando
contra o aperto de Julian. — Estou apenas fazendo meu
trabalho!
— Oh sim? Diga isso para o braço que apenas deu um
soco em mim! Diga isso ao seu sangue!
Xander congelou. — O que você disse? — Ele
sussurrou, olhando fixamente para Matheo. Toda a luz da sala
estava de repente brilhante, muito horrivelmente brilhante.
— Saia de cima de mim, — Matheo cuspiu, e se libertou
de Tomás. Ele circulou em volta da cozinha, jogando fora o
calor e flexionando seus braços musculosos, encarando o
assassinato escuro em todos e em tudo. Finalmente ele se
virou e olhou para Xander, e quando falou sua voz soou como
se tivesse engolido pedras. — O doutor fez uma transfusão,
direto dela para você. Sim, — disse ele quando Xander ficou
rígido. — Seu sangue. Em você.
Ele se virou, sentou-se pesadamente na cadeira da
cozinha que Julian ocupou, e olhou para o prato de rigatoni
arrefecido.
— Ela fez isso? Ela fez isso por mim? — Xander mal
teve a respiração para falar. Seu corpo ficou completamente
relaxado. Julian o soltou, mas manteve uma mão cautelosa em
seu ombro.
Matheo olhou para ele. Depois de um momento de
silêncio pesado, ele exalou uma respiração pesada através de
seu nariz. — Sim. Talvez você não seja o único que está
ligado.
— Não estou ligado — disse ele, rouco.
Um macho ligado a fêmea era agressivamente territorial,
insanamente ciumento, e totalmente devotado.
Ele mataria por ela, ele morreria por ela, adorava o
mesmo chão que ela seguia.
Ele não sentia nada disso. Ele se sentiu.... Não assim. Ele
não o fez. Ele não podia.
— Oh, cara, — disse Matheo, ofegante. — Acabe com
essa porra. Com quem você acha que está falando aqui?
Xander olhou para ele, sua mente completamente
vazia. — Eu nem a conheço.
— Aparentemente, você conhece o suficiente. Quando
o sangue dela bateu em seu sistema, você pulou como se
estivesse montando um relâmpago.
Se perdeu qualquer pedaço de humor no momento, ele
poderia ter rido de Matheo e seus divertidos coloquialismos. –
Montar o relâmpago – significava ser eletrocutado. Na cadeira
elétrica. Que é como se parece quando um Ikati recebe
sangue de seu companheiro.
De seu companheiro.
Para todos Ikati, o amor era muito mais do que um
estado de espírito. É mais profundo do que a emoção, mais
profundo do que desejos ou votos feitos em uma capela ou
uma vida de valores e objetivos compartilhados. Muda algo
dentro, em um nível fisiológico. Ele deixa uma marca, uma
impressão digital, a impressão da alma que nunca é
apagada. Embora alguns de sua espécie foram selecionados
para propagar as chances, na esperança de transmitir dons aos
seus descendentes, alguns deles foram acasalados por amor,
como verdadeiros amantes e companheiros de alma e
amigos, todos eles eram acasalados para a vida toda. – Até que
a morte nos separe – não eram apenas palavras pronunciadas
num domingo. Foi um pronunciamento regido pelo destino.
Entre seu tipo, não havia divórcio, nenhum caso, nada que se
comparasse entre companheiros. Nunca.
Exceto a morte.
Não! Gritou sua mente. Não pode ser! Não pode ser!
Matheo se levantou e empurrou o queixo para Julian e
Tomás.
— De qualquer maneira, estamos fora daqui pelas
próximas sessenta horas. Há comida e remédios suficientes
para durar até que voltemos. Bartleby vai ficar para cuidar de
vocês dois. Ele caminhou até a escada que levava ao andar de
cima e deu os passos de dois em dois.
— E você é bem-vindo para vir com seu traseiro
desagradável, — ele murmurou pouco antes de suas botas
desaparecerem de vista.
Os três ficaram em silêncio desconfortáveis até que
Tomás finalmente falou.
— Ele vai superar isso. Ele só está preocupado com
você. E ele provavelmente está com ciúmes. Aquela sua
garota é um pedaço sério de... — Cortado pelo profundo
grunhido de advertência de Xander, Tomás ergueu as
mãos. — Ponto tomado! Não vou dizer mais uma palavra.
Julian falou. — Você não será capaz de ficar aqui sem...
Você sabe. Isso é uma impossibilidade física.
— Eu posso me controlar, — disse ele, rígido.
Julian olhou para a protuberância que se esticava nas
calças de Xander. — Certamente você pode.
— X — disse Tomás, muito baixinho. Seus olhos se
encontraram, e Xander viu algo que ele nunca viu lá antes:
pena. — Não faça dela outra Esperanza, cara. Você não pôde
salvá-la, e não pode salvar esta também. Não entre nessa
porra de tragédia.
Xander caminhou até Tomás, apertou seu peito contra o
do outro macho, e ficou olhando para ele, olhos nos olhos,
nariz a nariz, raiva vibrante. Quando falou, sua voz era baixa,
controlada, e fria como gelo.
— Saia, Tomás. Você está entrando em um campo
minado. E todos sabem o que acontece com os tolos que
andam nos campos minados.
Eles ficaram assim, olhos nos olhos, sem piscar, até que
Julian interveio. — Jesus Cristo, — ele cuspiu, empurrando-
os para longe. — Que diabos está errado com vocês! Estamos
na mesma equipe, idiotas!
— Diga isso ao seu amigo Romeu, — rosnou Tomás,
depois virou as costas e se dirigiu para a escada. Ele subiu,
mas parou no meio do caminho. Ele se virou e prendeu
Xander com um olhar duro. — Leve os próximos três dias
para colocar a cabeça no lugar, mano. Foda-a, não a foda, eu
realmente não dou a mínima. Mas se você não acabar com ela
enquanto tiver tempo, você sabe o que acontece. A
Assembleia virá até nós. Então nós vamos ter que matá-la
e você também, seu fodido burro. Caso contrário, estaremos
todos mortos. Então não nos coloque nessa posição. Já
passamos por muita coisa juntos para sermos mortos por uma
saia.
Depois subiu as escadas, deixando Xander sozinho com
um pensativo Julian.
— Desculpe X, — ele disse, soando como se realmente
sentisse. — Mas ele está certo. Você sabe que ele está certo.
— Ele bateu uma mão no ombro de Xander em despedida,
então, como seus dois irmãos antes dele, foi para as escadas.
— Há uma colônia selvagem em algum lugar nas
imediações do Vaticano — disse Xander a Julian. O grande
macho girou para encará-lo, os olhos arregalados. Xander
continuou, com a voz apagada, o coração apertado em um
punho no peito. — Esses dois machos que você viu no quarto
de hotel não eram desertores. Eles são selvagens; eles não
pertencem a nenhuma das colônias conhecidas. Eles estavam
com outros quatro quando os vi pela primeira vez. E há outro,
um homem mais velho que eu acho que é seu líder. Então, se
há muitos machos, há mulheres. Há uma colônia perto.
— Como? — Perguntou Julian, chocado.
Xander olhou para o chão de cerâmica branca, balançou
a cabeça, respirou fundo e explodiu. — Eu não sei. Mas eles
querem Morgan. — Ele olhou para os olhos largos de Julian,
e sua voz tomou um tom ameaçador. — E eu não vou deixar
que eles a tenham.
— Oh, cara, — disse Julian, balançando a cabeça. —
Esta situação foi totalmente FUBAR.
Xander permitiu-se um sorriso pequeno, sem
graça. FUBAR era um dos muitos termos de gíria que salpicou
o discurso dos três membros do Sindicato que treinaram nas
forças armadas americanas.
A abreviatura representava: fodido muito além de todo o
reconhecimento.
— Lembre-se, — Xander disse sem uma pitada de
sarcasmo, sabendo por experiência que ele estava certo sobre
isso, — As coisas podem sempre piorar. — Então ele
atravessou a cozinha, bateu a mão no ombro de Julian e subiu
as escadas rapidamente, indo para a academia.
D estava sonhando.
Uma parte de sua mente – a parte que sempre estava
lúcida, se ele estava dormindo, acordado ou de pedra.
Bêbado frio – reconheceu esse fato e começou a gravar
os detalhes do sonho para que ele pudesse acessá-los quando
acordasse. Muitos de seus sonhos não significavam
nada; muitos eram pistas fraturadas que ele tinha que as
encaixar como peças de quebra-cabeça durante alguns dias ou
semanas, a fim de ver a imagem completa do futuro de seus
sonhos pintados para ele.
Mas alguns sonhos, como o que estava envolvido agora,
estavam completamente formados e lhe apresentaram uma
imagem do futuro tão vívido quanto um Van Gogh.
Ele teve o dom da premonição desde o nascimento,
muito antes de ele ser capaz de mudar para vapor ou pantera,
muito antes de ele perceber o que os sonhos realmente
eram. E embora fosse um dom incrivelmente poderoso – ele
foi cuidadoso em minimizar sua inteligência e maximizava sua
crueldade porque acreditava que ser subestimado e mal
entendido o colocava em uma vantagem distinta com o amigo
e o inimigo – e ele odiava isso com cada fibra de seu ser.
Porque saber exatamente como e quando todo mundo
que você amava estava indo morrer não era uma caminhada
no parque.
Alguém estava morrendo nesse sonho também, mas não
alguém que D amava. Era o estranho do sexo masculino com
os olhos flamejantes de tigre laranja que Celian disparou nele,
no Vaticano, o único que impressionou os Bellatorum com
sua demonstração de coragem e bravura, a pessoa que os
insultou com gestos obscenos e tédio fingido e o sorriso de
escárnio.
Aquele que podia andar através das paredes. O corpo de
quem filtra balas.
No sonho, uma faca sobressaía das costas do homem,
afundada entre as omoplatas. Havia uma grande quantidade
de sangue, jorrando da ferida e espirrando sobre o chão de
pedra preta, correndo em minúsculos riachos carmesins sobre
o punho cerrado em torno da lâmina da faca, o punho que
torceu a lâmina e mandou o macho caindo aos joelhos em
seus pés.
Era Dominus que mergulhou a faca nas costas do
macho. Dominus que o torceu.
Dominus, que estava sorrindo sobre o macho que
desmoronou de lado no chão e ficou ali, em silêncio e imóvel,
vazando sua vida em círculos cada vez mais amplos que se
aglomeravam sob ele e brilhavam vermelhos à luz das velas.
A bela fêmea puro-sangue estava lá também, acorrentada
nua na parede da pedra por trás deles, onde Celian apanhou
até perto da morte à meia-noite, quando Lucien e Aurelio não
conseguiram aparecer. Batendo contra os punhos de aço que
seguravam os pulsos acima dela, ela gritou algo que não
conseguiu distinguir, gritou com tanta força e angústia que
enviou uma concussão como uma bomba detonada pelo
quarto e empurrou Dominus para frente vários metros,
tirando-lhe o equilíbrio.
Nada disso surpreendeu o sonho de D., Dominus
sempre venceu. Ele sempre fez. E claramente o macho teria
que morrer se a fêmea fosse tomada. Quem quer que fosse,
era perigoso e poderoso, e não a abandonaria sem lutar. Ela
era obviamente poderosa, também; tudo o que ele tinha que
fazer era estar perto dela para sentir a corrente única que
zumbia exalada pelos mais puros-sangues sangues de sua
espécie.
O que surpreendeu D foi quando um Constantine frio e
sorridente apareceu atrás de Dominus, apontou uma arma
para a cabeça dele e puxou o gatilho.
— D! D! Demetrius! Acorde!
A voz de Lix perfurou o sonho como um punhal na
pele. Sentou-se abruptamente na cama e olhou
descontroladamente ao redor, pesando a escuridão, sentindo
seu coração como um martelo em seu peito.
Tudo estava exatamente como ele deixou quando
adormeceu —Há quanto tempo? — As seis caixas de metal,
os armários de madeira alinhados em seus pés, as paredes
nuas, o espaço espartano, não decorado.
As catacumbas onde o Bellatorum vivia e dormia e eram
treinados foram desenhadas e decoradas muito como um
quartel militar, com quartos de dormir, quartos de jantar,
arsenais e salas de reuniões, com áreas de formação, que
incluiu uma academia, arena de combate e de tiro. Porque eles
eram a elite da guarda do rei, que tinham mais liberdade e
privilégios do que a classe soldado meio-sangue
de Legiones que viviam nas câmaras vizinhas, mas não foi
dado nada na forma de luxos que fariam mais confortáveis.
Assim, o cobertor que D tinha espremido entre os
punhos era áspero e fino.
— Que horas são? — Perguntou a Lix, com a voz rouca
no silêncio. Ele passou uma mão sobre sua cabeça, respirando
profundamente para neutralizar a súbita tontura – sonhos
como os que ele acabou de ter levam um tempo para se
recuperar.
Agachado sobre os calcanhares ao lado da cama baixa de
D, Lix disse, — Não olhei para o relógio recentemente, mas
o Servorum está chegando. Deve ser perto do amanhecer.
Ao contrário do Bellatorum, que iam e vinham como
queriam, a classe servo tinha permissão para sair apenas à
noite. Mas pelo menos eles foram autorizados a sair: as
fêmeas escolhidas do harém do rei, o Electi, e os machos
castrados que os guardavam, o Castratus, não foram
autorizados a deixar o esplendor de suas catacumbas escuras
em tudo. Nem era qualquer uma das centenas de
descendentes que viviam com o Electi, descendentes de
várias idades e forças de sangue.
Somente usuários puros-sangues
do Bellatorum, os Optimates, e relativamente próximos do
Rei – com exceção da princesa Eliana – foram autorizado a
entrar e sair à vontade.
D se levantou e puxou as roupas que deixou dobradas
em cima da arma no fim da cama. Ele amarrou as botas e
pegou o equipamento: Glock nove milímetros no quadril
direito, kukhri-tip24 mergulhado em veneno – à sua esquerda,
empurrou punhais em cada uma de suas botas, outras facas
enfiadas nos bolsos das calças. Olhou para as duas camas
vazias que pertenciam a Lucien e Aurelio, e sua boca
apertou. Ele tinha uma suspeita terrível de que nunca mais
iriam dormir lá novamente.
— Onde está Constantine?
Lix levantou-se e cruzou os braços sobre o peito, e D
sentiu a ira do outro homem como um peso ardente em seu
próprio peito. — Com Celian, — Lix respondeu escuro.
Trocaram olhares. Celian estava deitado de bruços sobre
uma cama na enfermaria, ensanguentando uma toalha depois
de outra sendo pressionada contra suas costas. O chicote de
nove caudas era infame por sua brutalidade – ele estaria fora
24
Um tipo de punhal pequeno e um pouco curvado.
da comissão e com muita dor enquanto os pedaços de carne
marcada cresciam juntas novamente.
D disse: — Como ele está?
Lix encolheu os ombros. — Perdeu muito sangue, mas
ele vai ficar bem em alguns dias, você sabe disso. Celian é um
fodão.
— Eu quis dizer Constantine, — disse D, encolhendo
os ombros em seu longo sobretudo.
Lix inalou profundamente, então passou uma mão sobre
seu rosto. Ele deixou cair ambas as mãos na cintura e
exalou. — Ele não está falando.
O que significava que ele estava suportando duramente,
como sempre fez, como Dominus, claro, sabia.
O rei conhecia a fraqueza de todos, e a fraqueza de
Constantine era seus irmãos. Ele era mais leal a eles do que a
seu Rei cruel, e quando eles se machucavam, doía
nele. Especialmente quando ele era a causa desse mal. Como
esta noite, quando ele foi forçado a chicotear Celian até a
inconsciência enquanto o rei assistiu, divertido. Dominus
mediu a lealdade de Constantine com ele com testes horríveis
como esses durante anos, e D se perguntou quanto tempo
seria antes de Constantine finalmente explodir.
D amaldiçoou sob sua respiração, lembrando o sonho, o
olhar particular no rosto de Constantine enquanto ele puxava
o gatilho: ódio e profunda satisfação. Evidentemente, ele iria
se soltar, e logo.
— Tive um sonho, — disse ele a Lix, que lhe enviou um
sorriso irônico em troca.
— Eu sei. É por isso que estou aqui.
D olhou para Lix, suas sobrancelhas juntas em questão,
mas Lix apenas deu de ombros novamente, o movimento não
exatamente despreocupado. — Dominus, — ele disse
simplesmente.
D percebeu com um frio sobre a pele que o Rei sentira
que estava sonhando, como fazia quando os sonhos eram
particularmente vivos. E agora ele queria um relatório
completo.
— Merda, — murmurou D, olhando para o corredor
arqueado no final da sala que levava a um refeitório e
conectando túneis além. Aqueles túneis, sinuosos e escuros,
conduziam diretamente às câmaras do rei.
— Apenas diga a ele a verdade, D, — Lix disse
calmamente. — Apenas diga a ele o que precisa saber.
Ele não precisa saber tudo, pensou D rebelde, mas em
voz alta, ele disse apenas: — Certo.
Certo.

O antissoro que permitiria que os meios-sangues


sobrevivessem à Transição estava quase perfeito.
Dominus trabalhou nisso durante as últimas três
décadas, de fato iniciou os primeiros experimentos antes de
ter obtido seu diploma em terapia celular e genética quando
jovem. Isso o confundiu, naquela época, mais do que agora,
desde que ele quase resolveu o enigma enlouquecedor de
exatamente qual componente do DNA humano deformado
faz as características genéticas superiores do
DNA Ikati. Porque muito claramente faz: mais de vários
milhares de anos de história registrada de sua raça, apenas uma
pequena porcentagem de sangue misturado, conseguiu
sobreviver a primeira mudança.
A primeira e mais famosa era uma fêmea chamada
Cleópatra. Impiedosa e astúcia, aquela, quase tão fina
estrategista como ele. E seus espiões informaram que outra
mulher fez o mesmo, e até mesmo foi nomeada Rainha
daquela colônia maciça nos antigos bosques do sul da
Inglaterra, que ele teve seus olhos por tanto tempo.
Ele nunca tomaria uma Rainha Meio-Sangue para si
mesmo. Embora ele tivesse mantido mulheres humanas –
capturadas e mantidas prisioneiras, principalmente turistas, as
mais elegantes – como parte de seu harém desde que sua
amada Sabina morreu há tanto tempo, isso era puro
pragmatismo: os humanos criavam como coelhos. Uma única
fêmea poderia produzir uma criança – ou dois ou três – a cada
nove meses durante décadas durante a totalidade de seus anos
de reprodução.
Fêmeas sangue-puro Ikati eram apenas férteis uma vez
por ano e raramente ficava grávida. Era a razão pela qual seu
tipo sobreviveu na beira do esquecimento por séculos. Os
seres humanos simplesmente procriavam. Não por muito
tempo, entretanto. Ele iria transformar sua fertilidade contra
eles.
Três dos seis Liberi injetado com a versão mais recente
do antissoro sobreviveu a sua transição na semana
passada. Ele estava tão perto. Apenas mais algumas provas, e
ele tinha certeza de que aperfeiçoaria o complexo, e então
injetaria centenas de seus bastardos meios-sangues e colocaria
a fase final de seu plano no lugar.
— Majestade.
Dominus levantou os olhos da leitura do último relatório
de sequência de DNA e variação de seu laboratório de última
geração em Milão para encontrar D e Lix na entrada arqueada
de sua biblioteca. Como janelas, as portas estavam ausentes
em todas as catacumbas.
Exceto as portas fortemente guardadas que levaram ao
mundo exterior, é claro.
— Salve Bellatores, — disse ele, deixando de lado o
relatório sobre a sua mesa. Ele se recostou no conforto de
uma grande poltrona de couro e olhou para eles enquanto
estavam parados em silêncio na entrada, esperando por seu
comando. Eles não entrariam a menos que fossem
convidados, e ele tinha meia mente para deixá-los ficar de pé
e suar, mas ele sabia que ambos estavam no limite com o
incidente com Celian. Ele gostava de ocasionalmente
empurrá-los até o limite de suas restrições: raiva mantinha um
guerreiro afiado. — Melhor ser temido do que amado, — seu
próprio pai lhe dissera, sabiamente.
Ele não sentira nem pelo velho e o matara assim que teve
idade suficiente para liderar, mas mesmo assim foi um bom
conselho.
Movendo-os para frente com a mão, ele disse: —
Entrem, sentem-se comigo.
Os dois enormes guerreiros sentaram-se nas duas
cadeiras em frente à sua escrivaninha – diminuindo o
mobiliário e parecendo profundamente desconfortáveis – e
Dominus teve que apertar o sorriso de seus lábios. Ele olhou
primeiro para Lix, de cabelos compridos e sem barbear,
depois para D, tatuado, careca, e emitindo sua aura habitual
de violência escura como uma tempestade de relâmpagos e
tão perigoso quanto.
Diga-me, Bellator, pensou. Com uma mandíbula
apertada, o guerreiro começou a falar.
— O homem de sangue puro que encontramos no
Vaticano — disse ele, movendo apenas os lábios. Seu corpo
inteiro, grande como era, parou como pedra. Odiava quando
Dominus estava dentro de sua cabeça, o que, é claro, o rei
achava muito divertido.
Ele fez um barulho de interesse e gesticulou para D
continuar.
— Ele estava aqui, na fovea. — Ele lambeu os lábios. —
Com a fêmea.
As sobrancelhas do Rei se ergueram. Inclinou-se para
frente, apoiou os cotovelos na mesa. — Continue.
— Ela estava nua, — disse ele sem emoção, —
acorrentada à parede.
Com isso, o sangue começou a bater nas veias do rei.
Nua Acorrentada. Duas palavras mais bonitas não podiam ser
encontradas em nenhuma língua. Pensaria mais nisso mais
tarde, quando estivesse sozinho.
Talvez quando estivesse com uma de suas concubinas
humanas; elas eram muito mais fáceis para assustar do que
suas contrapartes Ikati, e amava quando ficavam com medo
quando ele as tomava. Ele amava faze-las gritar. — E o
macho?
Aqui D inalou e baixou o olhar para a beira da mesa do
rei. — Você o apunhalou pelas costas. Você o matou.
— Então eu ganho, — disse ele, muito suave. D olhou
para ele, seu rosto de pedra. Sua voz estava muito baixa.
— Você sempre ganha, senhor.
Dominus recostou-se na cadeira, satisfeito. Aquele
macho que ele encontrou tinha poderes de que nunca ouviu
falar e cheirava a morte e carnificina e ao tipo de penas
endurecidas que ele só encontrou em si mesmo, o que lhe
causara preocupação.
Mas isso tornou tudo muito mais fácil. Os sonhos do
guerreiro nunca estavam errados e, como aquele que o alertara
sobre a chegada dos dois estranhos, este foi tão forte que
sentira os ecos dele a menos de um quilômetro de
distância. Ele assistiu enquanto Lix se movia na cadeira, ainda
desconfortável, e decidiu abruptamente que os dois mereciam
uma pequena recompensa.
— São três dias até a próxima purgação, — disse ele,
pensando na cerimônia de ritual de enterro que ocorre à meia-
noite sob cada lua cheia para todos os Liberi que não
sobreviveram suas primeiras transições em relação ao mês
anterior. Suas mães, o Bellatorum, e o resto das classes
superiores reuniram-se para espalhar as cinzas em um local
secreto do rio Tiber, juntamente com flores e despedidas
murmuradas, e ele viria a odiar todos e cada purgação como
uma afronta pessoal à seu orgulho.
Mas não por muito tempo. Este próximo poderia ser o
último.
— Tome os próximos dias de folga — continuou o rei,
satisfeito quando os dois guerreiros olharam para ele,
chocados. — Vá para fora, se embebedar, mudar na Villa
Borghese, se quiser. Silas lhe dará dinheiro.
Ele fez um gesto para seu servo mais confiável, que
deslizou para frente silenciosamente das sombras da sala e
curvou-se em sua direção. — Divirtam-se.
— Obrigado, senhor, — disse Lix, soando mais do que
um pouco confuso, e ele tentou não sorrir novamente. O rei
não era conhecido pela clemência ou caridade, mas ele amava
muito para mantê-los adivinhando.
— Leve Constantine também, — acrescentou numa rara
demonstração de benevolência. O macho tomou sua tarefa de
punir Celian excepcionalmente difícil e não poderia deixar sua
cabeceira até que ele curasse. Um pequeno gesto de
generosidade seria um longo caminho para remendar suas
emoções cruas. Afinal, um rei precisava de seus guerreiros
leais. E, como o homem muito inteligente Niccolô
Machiavelli disse uma vez: — ‘As severidades devem ser
tratadas de uma só vez... Mas os benefícios devem ser
distribuídos gota a gota, para que possam ser mais apreciados.’
— Pai — disse uma voz feminina da porta. Os dois
guerreiros pularam e ficaram de pé, com os olhos fixos em
algum ponto distante atrás da cabeça do rei.
Dominus levantou-se da cadeira. — Eliana, — ele disse
com sua voz quente.
Ela caminhou em direção a ele sobre o tapete persa feito
à mão com o equilíbrio e graça de uma modelo e parou ao
lado dele, oferecendo a sua bochecha.
Ele se inclinou e a beijou, pensando que ela era muito
magra. Suas maçãs do rosto se destacavam no perfeito oval de
seu rosto, o que fazia seus olhos escuros parecer ainda
maiores do que o normal. Ele roçou uma mecha de seu cabelo
preto agitado de sua testa e desejou que ele crescesse mais. Ele
não gostava desse olhar moderno sobre ela.
Era bonita quanto sua mãe foi uma vez, sua única filha
era duas vezes isso e tinha sua inteligência. Formada em artes
marciais – desnecessário, mas isso a mantinha ocupada –
especialista em informática e fluente em várias línguas, valia
cem pessoas como César, seu irmão mais velho. O menino
era covarde e pouco dotado e se ele não fosse seu filho,
Dominus teria lhe dado para o Castratus. Mas Eliana era seu
orgulho e alegria. Infelizmente ela ficava irritada como sua
mãe, na vida de privilégio protegida que ela foi forçada a viver.
Mas Dominus nunca se arriscaria a permitir que ela se
perdesse na liberdade no mundo. Ela era a única coisa que
realmente amava a única centelha preciosa de luz em sua vida
de guerra e escuridão, e ele a protegia dos perigos do mundo
exterior da mesma forma que a protegia da feia verdade do
que era e de todas as coisas que ele fez para conseguir tudo.
Mas um dia, se seu plano funcionasse, ela poderia viver
livre como um pássaro. Como poderiam todos.
Para sempre.
Ela se virou para os guerreiros. — Bom dia, Bellatores,
— ela murmurou, olhando para D., Lix deu um murmurado
“Olá”, mas D permaneceu em silêncio. Seu olhar piscou para
o dela, e ele inclinou a cabeça, depois olhou para longe. Esse
músculo em sua mandíbula flexionando novamente.
Dominus sorriu. Ele já notou isso antes, a fome que
flutuava do guerreiro tatuado como perfume sempre que sua
única filha estava perto, e ele percebeu. Eliana nunca o acharia
atraente; disso ele tinha certeza. Ela tinha muitos
pretendentes e estava literalmente fora de sua classe. E
Demétrio – rebelde, insubordinado, combativo Demétrio –
foi mais de uma vez induzido a seguir uma ordem que achou
atroz simplesmente porque ele mandou Eliana proferir para
ele.
Oh, como ele gostava de caçar suas fraquezas. Só de
pensar nisso aqueceu os batimentos congelados de seu
coração.
— Ouvi um rumor de que um homem estranho de
sangue puro foi visto perto do Vaticano — disse Eliana,
voltando-se para ele com um pequeno sulco entre suas
sobrancelhas escuras. — Um alfa. Você está em perigo?
Ele sorriu para ela. Por necessidade, ele lhe disse. —
todos, na verdade, — disse a todos há muito tempo, que eles
estavam sendo caçados por outros de sua espécie, que seriam
massacrados se encontrados por esses selvagens intrusos.
Que seu próprio pai foi morto por um deles.
— Isso não é nada para você se preocupar, amor, — ele
disse com um olhar significativo para D. O macho grande
encontrou seu olhar diretamente.
—Não é verdade, meu amigo?
Lentamente, D assentiu com a cabeça e o sorriso do rei
se alargou. — Isso não é nada para você se preocupar, — ele
repetiu, e enviou os guerreiros em seu caminho.
Quando Xander abriu a porta para a academia e enfiou
a cabeça no interior, o perfume que atingiu seu nariz foi tão
maravilhoso que ele caiu sobre o batente, momentaneamente
atordoado.
— Quem está aí? — Veio à voz agitada de Bartleby por
trás de uma tela dobrada erguida em um canto do quarto
escuro.
O perfume de Morgan, uma flor voluptuosa de mulher
aquecida e uma exótica beleza escura, o atraía para frente,
fazendo-o salivar como um dos cães treinados por
Pavlov. Seguiu-se uma compulsão, uma decisão tomada em
alguma parte profunda e animal de seu cérebro que anulou
toda lógica e contenção. Ele empurrou o batente da porta e
deixou a porta se fechar atrás dele.
Estava quente na sala, um calor tropical, o ar úmido e
perfumado. Juntamente com a falta de luz, isso lembrou-lhe
uma noite que ele passou uma vez em Bali, mas não houve
essa força surpreendente e sensual puxando-o para frente
então. Não havia essa necessidade.
Porque era necessidade. Tão básica como a necessidade
de comer, respirar ou mudar, o desejo de acasalar com a fonte
de todo aquele aroma encantador, profundo e feminino era
uma exigência dominante em cada célula de seu corpo.
Ele deu vários passos dentro do lugar, mas congelou
quando ouviu um gemido baixo.
O gemido de Morgan.
— Vá embora, — sibilou Bartleby por trás da tela, —
Você vai piorar!
Vou só movê-la para um quarto, pensou Xander, uma
parte irregular de seu cérebro que ainda estava em
funcionamento. Vou somente tirá-la do chão, deixá-la
confortável...
Ele cambaleou através do assoalho de bambu polido da
academia um passo de cada vez, tentando não respirar muito
profundamente porque enviou o animal dentro dele em um
frenesi de fome roncando. Morgan gemeu de novo, e o
médico amaldiçoou. Xander dobrou o lado da tela dobrável e
congelou, olhando para baixo com os lábios entreabertos e o
coração pulsando de repente em seu peito.
Ela estava deitada de costas em um futon25 desdobrado
no chão, braços e pernas caídos, um lençol amontoado em
torno de sua cintura como se ela tivesse sido embrulhada
nele. Ela estava vestida, mas não por muito: uma camisola
simples dava para ver-através do seu suor, um vislumbre da

25
É tipo um colchão, porém mais fino.
simples, calcinha branca de menina sob o lençol. Seus cabelos
eram uma confusão escura emaranhada sobre o travesseiro
debaixo de sua cabeça, seus olhos estavam fechados, sua pele
brilhava com a Febre e um brilho fino de suor. Os fios de
cabelo ondulavam a franja úmida em sua testa, se apegavam a
seu pescoço, e ele coçava para empurrá-los de sua pele com
os dedos.
Olhando para ela, cada átomo em seu corpo, cada nervo,
gritou, eu quero! Eu preciso! Minha!
— Já lhe disse que vai piorar se você... — Bartleby,
agachou sobre Morgan com uma seringa na mão, virou-se
enquanto falava. Quando viu Xander em pé, parou de
surpresa e levantou-se. — Como você está se sentindo?
A boca de Xander parecia pedra assada. Ele não desviou
o olhar de Morgan quando respondeu.
— Neste exato momento? — Ele disse com sua voz
tremendo. — Como King Kong que tomou Viagra.
— São os hormônios que ela está emitindo — disse
Bartleby, lançando um olhar preocupado para Morgan. Como
se soubesse que ele estava olhando para ela, ela soltou um
gemido. Sua cabeça rolou de um lado para o outro no
travesseiro, e se arqueou no futon, irradiando calor. Bartleby
olhou para Xander, cuja boca começara a molhar. — Você
não pode estar aqui. Você sabe disso, — ele disse, movendo-
se entre Xander e Morgan assim que ele bloqueou a vista.
Um grunhido baixo, de aviso grunhiu através do peito
de Xander. Ele não podia evitar.
— Alexander — disse o médico, cuidadoso para manter
a voz suave. — Só estou tentando tornar isso mais fácil para
ela. Ela está muito desconfortável – com dor, na verdade. E
embora eu tenha dado apenas uma dose de morfina, ela ainda
será capaz de sentir você aqui e isso vai fazer a dor
piorar. Você precisa sair. Por ela.
Ele não se moveu. Seu cérebro enviou o comando, mas
seus pés recusaram. Seu corpo inteiro estava em motim. O
desejo bateu nele em ondas sobre onda escura e poderosa, e
ele ficou lá lutando contra isso, lutando contra o impulso
quase irresistível de arrancar aquele lençol e aquela inocente
calcinha branca e levá-la bem ali, no chão da academia.
— Por que Leander me enviaria com uma mulher
prestes a entrar em sua febre? — Ele se perguntou em voz
alta.
Sua voz se quebrou em cada palavra. — Por que alguém
seria tão estúpido?
Bartleby suspirou e colocou a seringa em uma mesa
baixa, cheia de toalhas, garrafas de água e vários suprimentos
médicos depois se voltou para Xander. — Ele não sabia. Ela
disse que é a sua primeira febre.
Xander parou. Ele nunca ouviu falar de uma mulher
entrando em febre pela primeira vez depois da puberdade. —
O que? Isso é impossível! Ela tem quantos anos?
— Vinte e seis, — veio à resposta. — E, sim, é quase
inédito acontecer tão tarde. Mas não impossível. — Seu tom
sombreado com sarcasmo. — Claramente. — Ele colocou
uma mão gentil no bíceps de Xander e deu um pequeno
empurrão. Era como tentar mover um edifício.
— Eu só quero colocá-la em algum lugar mais
confortável, — disse Xander, lambendo os lábios. — Eu não
suporto vê-la no chão. Só vou levá-la para um dos quartos, lá
embaixo. — Ele olhou para o médico. — Será que vai
machucá-la se eu movê-la?
Bartleby sacudiu a cabeça. Seus olhos estavam
preocupados. — Mas pode te machucar. — Um rubor se
espalhou por suas bochechas.
— A ferida está curando — disse Xander. — Dói, mas
você sabe que eu curo rápido. E ela provavelmente não pesa
muito para mim.
— Não é a sua ferida que me preocupa, meu velho amigo
— disse o médico, depois dirigiu um olhar aguçado para
frente das calças de Xander, na protuberância que se esticava
ali. Bartleby tossiu em sua mão e olhou para longe.
Xander descartou isso. Ele estava sob controle. Ele
ficou aqui com o cheiro dela impregnando as suas narinas
durante os últimos minutos e não fez nada para satisfazer a
necessidade de gritar que se desencadearia nele, ele poderia se
controlar.
Ele estava relativamente certo disso.
Passou por Bartleby e se ajoelhou ao lado do futon. Ele
se inclinou sobre Morgan. Seu olhar percorreu seu rosto
ruborizado, seus cabelos emaranhados, seu peito...
Ele fechou os olhos com força, banindo a visão dos
duros mamilos cor-de-rosa que se esticavam tensos através do
fino tecido da camisola, de seus seios, tão cheios e redondos.
— Morgan, — ele sussurrou, abrindo os olhos. Ela fez
um pequeno som em sua garganta e sua sobrancelha franziu,
mas seus olhos não se abriram. — Vou levá-la para um lugar
mais confortável, para uma cama. Está bem?
Ela não respondeu. Ele cheirava a droga que o médico
lhe dera, cheirava a dureza química dela em seu sangue sob o
cheiro incrível e opulento da Febre, e sabia que não duraria
muito. Seu corpo estava queimando mesmo enquanto ele se
ajoelhava lá.
Ele juntou o lençol em volta dela, cuidadosamente
deslizou seus braços sob seu corpo, e puxou-a contra ele,
embalando-a contra seu peito. Ele a segurou e se
levantou. Sua cabeça caiu contra seu ombro, ela respirou um
pouco e suspirou descontente. Sua pele estava quente, muito
quente.
Os dedos de uma de suas mãos se enrolaram em torno
da frente de sua camisa. Olhos fechados, ela enterrou contra
ele, inalando, respirando seu próprio perfume em seu
nariz. Então ela fez outro som em sua garganta, mas este era
puramente erótico.
Um estremecimento o invadiu. Ele tinha que levá-la para
a cama, e rápido, e então ele tinha que se afastar dela.
Sem mais uma palavra ao médico, atravessou a academia
escura, abriu as portas e foi para a escada.
Morgan estava em chamas.
Tudo queimava, tudo doía, a pele, os músculos e os
ossos. Até mesmo seus pensamentos – caóticos e
desarticulados como estavam – chamuscaram um caminho
dolorosamente ardente através de seu cérebro, batendo uma
palavra repetidamente.
Companheiro. Companheiro. Companheiro.
Ela nunca sentira nada como essa incineração, elementar
urgência antes, mas supôs que ela não deveria ter ficado tão
surpresa; sua própria mãe teve sua primeira febre tarde,
embora não tão tarde como esta.
Uma vez que Morgan passou a puberdade sem um sinal
disso, então vinte, depois vinte e cinco, todo mundo
simplesmente assumiu que ela era uma anomalia. Que
possivelmente seu poderoso dom de sugestão veio com um
lado mais sombrio. Infertilidade.
Mas não. Ela era fértil. Agora ela sentia isso até a medula
de seus ossos.
E havia um homem segurando-a. Um macho Ikati, não
o médico humano que cuidou dela desde que os primeiros
sinais da febre a atingiu. Ela sentiu a diferença entre eles, o
poder, a força desse homem carregando-a em seus
braços. Cheirava a luxúria, escura e profunda.
Suas pálpebras estavam tão pesadas da droga que não
podia abrir os olhos, mas ela poderia inspirar, e tomou esse
perfume celestial de luxúria em seus pulmões. Este próximo
foi espesso e suave como um doce, delicioso.
Isso enviou um pico de calor para baixo entre suas
pernas.
Ela fez um pequeno barulho de desejo em sua
garganta. O macho começou a andar mais rápido.
Ouviu-se o som de portas pesadas sendo chutadas,
depois luzes atrás de suas pálpebras acesas que doíam o
suficiente para fazê-la girar, estremecendo e enterrar o rosto
no duro peito contra o qual estava encurralada.
Movimento e respiração, seu corpo balançando com
seus passos, o movimento rítmico e calmante, exceto pela
pressão de seus seios contra seu corpo, a consciência dolorosa
dele e seu belo cheiro como algo que ela queria comer.
Sim, prove dele, sua mente insistiu, agitando. Prove tudo
dele! Ele é o que você precisa!
Ela arqueou as costas, deslizou uma mão ao redor de seu
pescoço, e abriu a boca sobre a base de sua garganta.
Salgado, almiscarado e masculinidade, calor e retidão, o
pulsar de seu pulso sob seus lábios. Ele tropeçou e
amaldiçoou, afastou a cabeça, mas ela queria mais, ela queria
passar a língua por toda sua pele lisa e adorável, e então queria
mordê-lo e cavalgá-lo e levá-lo para dentro.
— Toque-me, — ela sussurrou, arqueando nele
novamente. Seus braços apertaram ao redor dela. Ele fez um
grunhido baixo e duro no peito.
Eles continuavam se movendo.
Mais rápido agora, abaixo um conjunto de escadas,
outro, o macho respirando duramente e quase tropeçando
várias vezes enquanto ele se apressava. Seu nariz estava em
seus cabelos, seus lábios estavam em sua pele, seus dentes
mordiscando em seu lóbulo da orelha, seu ombro, o ponto
macio entre sua clavícula e pescoço. Isso enviou arrepios
através de seu corpo, deliciosas ondulações do músculo duro
que fez a sua própria necessidade ainda maior. Ela ouviu o
som de outra porta sendo aberta, então havia uma escuridão
fria e foi abruptamente depositada em uma cama.
— Morgan — disse uma voz rouca, e então ela
soube. Sua voz emitiu uma onda de prazer através de seu
corpo, puro e doce, como o mel iluminado pelo sol.
Ele a ajudaria a aliviar a dor. Embora ele a desprezasse,
era o seu trabalho mantê-la viva e bem. Pelo menos por
enquanto.
— Xander. — Ela se contorceu contra o colchão,
estendendo a mão cegamente. — Por favor, Xander.
Um lençol foi puxado sobre seu corpo; seus pulsos
foram apanhados e presos. Ela lutou contra isso; ela não
queria aquele lençol em cima dela. Ela o queria em cima.
— Morgan, — ele disse de novo, e desta vez ele
realmente soou como se estivesse com dor.
Ela conseguiu abrir os olhos, e ele nadou para sua visão,
pairando acima dela com os lábios puxados para trás em uma
careta e um brilho fino de suor cintilando em sua testa. Seus
olhos a encarando, ardente, derretido âmbar bordado em
cílios negros.
Ele também quer você! O animal dentro dela assobiou,
contorcendo-se para se libertar. Tome-o!
Ele tinha preso seus pulsos contra o travesseiro acima de
sua cabeça, e ela sabia que não poderia libertá-los. Ele era
muito forte para isso. Então ela não se incomodou em tentar.
Em um único e rápido movimento, ela arqueou do
colchão, esticou o pescoço e colocou a boca sobre a dele.
Ele gemeu contra seus lábios, mas não se afastou. Ele
também não se aproximou. Ele apenas permitiu que ela o
beijasse, sugando seus lábios e deslizando sua língua em sua
boca, enquanto segurava seus pulsos tão fortemente contra o
travesseiro que seus braços começaram a tremer.
— Eu quero você, — ela sussurrou através de beijos
frenéticos. — Eu preciso de você.
— É apenas a Febre, — ele gemeu, sua testa franzida,
seus olhos semicerrados, observando-a. — São os
hormônios. E as drogas. Você não sabe o que está dizendo.
— Eu preciso de você, — ela insistiu, provocando sua
língua dentro e fora de sua boca. Ele virou a cabeça para
longe, ofegante, e ela aproveitou a oportunidade para colocar
seus lábios contra sua garganta novamente, para pressionar
seus dentes em sua jugular latejante.
O grunhido que rasgou entre seus dentes cerrados era
como nada que ela já ouviu e enviou uma emoção de alegria
eletrizante ao longo de cada nervo.
Ele se ergueu contra ela, jogando o comprimento de seu
corpo duro em cima dela e aquele rosnado continuou
chegando, feroz e animalesco. Ele a beijou como um animal
também, todos os dentes, ganância e áspera intenção, um Alfa
levando o que queria sem restrições ou desculpas, suas mãos
por todo o corpo, apertando seus seios e bunda, parando em
seus cabelos.
Ela gemeu e estendeu-se contra ele, perdida, não mais
ela mesma, mas outra pessoa, alguém consumida em chamas,
carne e prazer, no pulso acelerado de dois batimentos
cardíacos, no rugido de desejo como as ondas do oceano
crescendo sobre ela, caindo, falhando.
E então, com um grito horrorizado, Xander se separou.
Ela ficou sem fôlego, girando, cada nervo como uma
ferida aberta raspado em bruto.
— Jesus, — ele sussurrou, retrocedendo em direção à
porta. — Desculpe Morgan, eu sinto muito...
— Por favor, Xander, não vá, está tudo bem, — disse
ela, lutando para sentar-se. A sala girou. Ela sacudiu a cabeça
para limpar, mas as drogas – malditas drogas.
— Eu sinto muito, — ele engasgou de novo, então fugiu
pela porta e bateu com ela fechada atrás dele.
Morgan afundou contra o colchão, com dor no crânio
como agulhas passadas pelos olhos, no corpo como se tivesse
sido incendiada numa pira funerária.
— Mas dói... — ela choramingou para o quarto vazio.
Então desmaiou.
Se ele fosse humano, D teria tido dificuldade para ouvir
Lix sobre a alta batida da música techno que gritava dos alto-
falantes na seção VIP de seu bar favorito e boate, Alien.
Mas infelizmente D ouviu-o claro como o dia.
— Isso é besteira, — disse Lix, e derrubou outra dose
de Patrón.
Era a quinta. Ele estava apenas começando.
Observando Constantine desaparecer em torno de um
canto escuro no outro lado da sala com uma fêmea humana
vestindo um vestido tão curto que era quase um cinto, D
suspirou e passou uma mão sobre a cabeça raspada. — Eu
estou lhe dizendo, Lix, há algo estranho acontecendo com
Dominus e aquele servus Silas. Eu só não sei o que é ainda.
— Ele balançou a cabeça, franzindo a testa. — Algo não está
certo.
Ele sonhou com isso em pedaços, pistas que insinuavam
tramas nefastas e segredos bem guardados, tentadores, mas
sempre fora do alcance. Ao contrário do sonho que ele teve
esta manhã que chegou cheio.
Embora o tivesse editado no relato, uma prática que ele
sabia que iria matá-lo se descoberto – e aquele que lhe
mostrava a fêmea de sangue puro e seu Alfa de olhos
alaranjados chegando a Roma, ele estava recebendo bocados
de algo mais nos últimos meses. Anos, até, talvez. Era difícil
dizer.
— Conversa como esta pode fazê-lo ser morto, D. É
melhor não mencionar em torno de qualquer um
dos Legiones; eles estão apenas morrendo para nos levar
destruir com um pequeno deslize. Eles são apenas soldados,
porque não foram dotados suficientes para serem
Bellatorum, mas não seja estúpido. Um deles vai dedurá-lo
apenas para ganhar um dia de folga.
— Imagine o que eles fariam se descobrissem que eu
estava seguindo ele, — disse D numa voz irônica.
Lix ficou boquiaberto. — Você não faria isso. Você não
poderia ser tão estúpido. Ele vai te pegar!
D esteve espionando o rei e Silas por vários meses agora,
tentando obter qualquer tipo de informação que satisfizesse a
sensação irritante de que não eram bons, mas um olhar para a
expressão horrorizada de Lix disse a D que ele não devia ter
dito nada. Não que ele fosse parar.
Embora ele já devesse estar acostumado a isso, odiava
sentir-se como uma peça de xadrez, uma engrenagem muda
na máquina do Rei. Ele planejou continuar procurando até
encontrar algumas respostas.
Mas para seu irmão ele apenas disse: — Você está
certo. Eu não sou tão estúpido. Piada ruim.
Melhor ter Lix ignorante de qualquer maneira. Era mais
seguro para ele assim.
Lix relaxou de volta contra a cabine de couro branco e
fez sinal para a garçonete pairando para encher seu copo com
tequila. — Jesus. Não me assuste assim, idiota.
A garçonete se aproximou de onde estava no bar,
olhando, e se inclinou sobre Lix. Uma mecha de seu cabelo
caia sobre seus ombros; seus seios grandes quase pulando de
seu decote.
— Si, signore? — Ela respirou, tremulando suas
pestanas.
D revirou os olhos. Outra fêmea humana atirando-se
aos pés de um guerreiro.
Os Bellatorum eram maiores e diferente e muito mais
perigosos do que os seus homólogos masculinos humanos,
exalando um poder primitivo que os separava de multidões
onde quer que fossem, e eles não se importavam em serem
notados. O próprio Dominus não se importava. O Rei só
exigia que eles guardassem a localização da sua toca em
segredo, mas o resto era permitido, mudar ou se destacar na
multidão...
— Os seres humanos são tão estúpidos que não
conseguem ver o que está bem debaixo do seu nariz, — o Rei
gostava de dizer, – e mesmo que o raro o faça, todo o resto o
chamam de louco.
D relutantemente admitiu que ele estivesse
certo. Embora esses rumores de lobisomens persistissem por
séculos, equivocados como eram. Era do conhecimento geral
que se originou a partir de um grego bêbado da antiguidade
que viu um Ikati mudar; como se um cão fose capaz de alterar
a sua forma.
Fazia muito tempo que estava cansado da atenção. No
entanto, os outros Bellatorum não estavam, então eles
encontravam-se passando mais uma noite neste parque
subterrâneo, liberdade condicional do purgatório, observando
o circo se desdobrar.
Lix deu à humana garçonete um sorriso perigoso. Com
os olhos fixos no decote, lambeu os lábios. — Alium 26,
— disse ele, baixo.
Suas sobrancelhas franziram em confusão. Lix esqueceu
que falava latim, não italiano. Ele não estava pensando com a
cabeça certa.
— Traga água para ele, — disse D à garçonete em
italiano e acenou para longe dela.
— Gratias, matrem, — Lix disse sarcasticamente, em
seguida, gritou de seu acento giratório para trazer outra tequila
como solicitou originalmente. Voltou-se para D, com a
expressão amarga. — Quem cagou no seu cereal?
Ele não se incomodou em responder. Tenso, ele se

26
Outro
recostou contra a cabine e estendeu os braços.
Seu olhar se lançou sobre a multidão suando, girando na
pista de dança abaixo.
— Ah — disse Lix, puxando o olhar de D para o seu
rosto. O macho de cabelos compridos estava balançando a
cabeça. — Entendi. Você viu Eliana hoje. Você está sempre
em um clima ruim depois de ver a princesa.
D lançou lhe um olhar feroz, mas não respondeu.
— Ela gosta de você, sabe, — Lix disse sorrindo.
Agora D falou, e sua voz era como pedra.
— Cala-te, irmão.
Imperturbado pela hostilidade que pulsava de D como
outra batida da música, Lix encolheu os ombros.
— Estou apenas afirmando o óbvio. Você deve fazer um
movimento, antes de um desses maricas
dos Optimates acasalar-se com ela e estará fora da comissão
para sempre.
— Falando em conversa que pode te matar— disse D,
ponderando, olhando para Lix.
Embora o Bellatorum pudesse ter qualquer mulher que
eles quisessem e eram muito procurados como parceiros de
reprodução de fêmeas virgens, as fêmeas de linhagem direta
do Supremus, o Rei, estavam estritamente fora dos limites,
sob pena de morte. E sua única filha... D estremeceu ao
pensar no castigo que se seguiria se descobrissem que ele a
acariciou. Ou até mesmo beijá-la.
Lix fez uma careta para ele e esticou as pernas sob a mesa
entre eles.
— Talvez Aurelio tivesse razão depois de tudo. Já
pensaste nisso? Talvez seja melhor pedir perdão do que
permissão.
A expressão de D azedou.
— Perdão? Como o perdão que Dominus concedeu a
Celian? Porque esse tipo de perdão eu posso ficar sem.
Foi à vez de Lix franzir o cenho. Ele lançou um olhar
por cima do ombro para o canto que Constantine
desapareceu. Sua voz baixa, ele disse:
— Eu pensei que ele ia fazer Constantine matá-lo.
D balançou a cabeça, passou a mão pela nuca e apertou
os músculos tensos.
— Constantine se mataria antes de fazer qualquer dano
duradouro a um de nós, e o rei sabe. Então, o fazendo
chicotear Celian foi apenas uma parte de sua...
Doença, ele não disse. Crueldade. Insanidade.
— ...Coisa. E Celian cura mais rápido do que
ninguém. Ele vai estar lá em cima em alguns dias.
Mas, entretanto, Constantine se puniria e anestesiaria de
qualquer maneira possível, incluindo ficar bêbado, entrar em
brigas, e fazer sexo áspero, anônimo com fêmeas
humanas. Como fazia cada vez que o rei jogava um de seus
jogos doentes sobre ele.
Pela milésima vez, D se perguntou por que diabos tudo
isso acontecia, de qualquer maneira.
Lix sentou-se na cabine, cruzou os braços sobre os
joelhos e disse:
— Você acha que Lucien e Aurelio estão voltando?
D encontrou o olhar intenso de Lix. A música batia, as
luzes estalavam, os corpos balançavam e se contorciam.
— Não.
Lix nem piscou. — Nem eu. Então o que vamos fazer
sobre isso?
D observou Constantine reaparecer em torno do canto
escuro da boate, desgrenhado e sombrio, parecendo como se
tivesse assistido ao seu próprio funeral. A fêmea humana
tropeçou atrás dele, tecendo tremulamente através da
multidão. Ela se dirigiu para o bar e desabou sobre um banco,
tentando em vão ajustar a roupa bagunçada.
— Não fazemos nada — disse D com uma ligeira ênfase
na primeira palavra.
— Por quê? — Lix disse surpreso.
Constantine aproximou-se. Embora ele fosse tão bonito
que Michelangelo poderia ter modelado o David por ele, uma
sensação de escuridão se moveu com ele, o frio sutil de
morte. A multidão se separou para deixá-lo passar,
empurrando um ao outro em sua pressa para sair de seu
caminho.
— Porque esta situação vai se resolver por si só.
O rosto de Lix se nublou depois se aclarou.
— Seu sonho — isso é certo. Dominus matou aquele
homem em seu sonho. — Não que isso me faz sentir
melhor. Eu gostaria de colocar minhas mãos sobre aquele
bastardo eu mesmo. — Seu olhar procurou o rosto de D. —
Você viu mais alguma coisa? Qualquer coisa antes ou depois?
D balançou a cabeça e evitou o olhar de Lix. Ele
simplesmente não podia deixar que o Rei descobrisse sua
traição durante uma de suas viagens regulares através do
cérebro de Lix.
Ele aprendeu a esconder coisas. Aprendeu a dobrar as
coisas em lugares pequenos e invisíveis em sua mente, lugares
que o Rei nunca se incomodava em ir. Lá ele manteve suas
fantasias de Eliana, as visões de seu corpo macio e olhos
suaves e boca suave, lá ele manteve suas suspeitas de seu pai,
lá ele manteve os trechos de sonhos que ele editou aqueles
sonhos que insinuavam coisas terríveis por vir.
Lá ele manteve seu medo.
Era o medo que o mantinha acordado as noites, banhado
em suor, seu corpo rígido e sua mente um inferno
barulhento. Ele não sabia exatamente o que estava por vir,
mas ele sabia que algo vasto, escuro e frio que sentia como
esquecimento. E agora que os dois de sangue puro chegaram
exatamente como seus sonhos predisseram, ele sentiu um
relógio invisível marcando a meia noite.
Mas para quê? O quê?
— Preciso de um drinque — disse Constantine, que
parou de pé e morto ao lado da mesa.
D estava prestes a abrir a boca para falar, mas congelou
a respiração roubada de seus pulmões. Constantine e Lix
congelaram também; então todos os três se voltaram em
uníssono para olhar para baixo na pista de dança, enquanto a
multidão se separava para deixar passar três enormes machos
musculosos.
Ikati. Estrangeiros.
Inimigos.
Os três estranhos olharam para eles, no instante que
Constantine disse: — Pensando bem, uma luta vai dar certo.

— Um bar? — Reclamou Julian de trás do volante do


Maserati que roubou em Mônaco. Ele, Tomás e Matheo
estavam dirigindo aleatoriamente pelas ruas escuras e
chuvosas de Roma, fazendo um jogo de ver quão perto eles
poderia chegar dos pedestres sem realmente bater em
nenhum deles.
Ele tinha certeza de que a freira da Via Veneto
sobreviveria.
— É uma boate, não apenas um bar, — resmungou
Matheo, olhando pela janela para os prédios piscando. Ele
ainda não estava bem sobre o incidente com Xander, embora
já tivesse passado umas doze horas. Essas sete palavras eram
mais do o dobro do que ele falou o dia todo.
— E um bom nisso, — acrescentou Tomás do banco de
trás. — Eu ouvi que Angelina Jolie estava lá na semana
passada.
— Por favor, — zombou Julian, dirigindo o carro em
uma esquina tão rápido que as duas rodas do lado direito se
ergueram a alguns centímetros do chão. Ele passou muito
perto de em um casal de idosos atravessando a rua. — Ela
está muito ocupada fazendo filmes para sair em bares.
O carro pescou enquanto Julian o corrigia. Matheo e
Tomás foram jogados contra as janelas.
— Eles têm comida em um bar? — Julian continuou
imperturbado pelas maldições que estavam sendo atiradas
para ele. — Responda-me isso: O que há em um bar que eu
estaria interessado? Eu danço? Não. Eu bebo? Bem, sim, sim,
mas eu não vou pagar vinte dólares por uma dose de whisky
aguado. Eu gosto de música alta? Não. A única coisa que vou
encontrar em um bar é... — Ele parou de falar abruptamente,
mas não foi por causa da scooter que ele acabara de cortar
com o para-choque dianteiro direito, enviando seu motorista
com capacete em um giro que o lançou sobre o guidão e fora
da faixa de grama ao lado da estrada.
Ele parou antes que ele pudesse dizer: mulheres.
A única coisa a ser encontrada em um bar era mulheres
humanas. Muitas delas. Como aquela que Xander amou há
tanto tempo. A mera menção dela o deixou irritado todo o dia
e se transformar em uma pilha de merda fervendo.
— Ele tem um complexo de heróis, — murmurou
Matheo para a janela, sabendo exatamente por que Julian se
calou tão rapidamente. — Sempre procurando salvar a
donzela em perigo.
Mas, na realidade, ela não estava em perigo até que se
apaixonou por Xander.
Era um conto trágico, um conto de advertência, que
ainda se sussurrava em sua colônia no Brasil, embora,
naturalmente, nunca ao rosto de Xander. Esperanza foi a filha
brilhante e cativante de Karyo, seu mestre de capoeira, com
quem Xander foi morar com seis anos quando seu pai se
casou de novo e a prole de sua esposa morta foi banida da
visão de sua nova esposa.
Os cinco praticamente cresceram juntos, lá naquele
composto sem alegria e seu arsenal mórbido de
armamento. Ninguém jamais soube o que aconteceu com a
esposa de Karyo ou se ele tinha mesmo uma; ninguém se
importava. O Ikati só se importava com que seu animal de
estimação humano mantivesse sua boca fechada e continuasse
produzindo assassinos treinados como o oceano agita as
ondas. E assim ele fez. Karyo era um brilhante
professor. Seus alunos eram brilhantemente dotados. Todos
ficaram brilhantemente satisfeitos.
Todos, exceto Xander e Esperanza, que, à medida que
os anos progrediam, entre o seu árduo treinamento e sua
educação e subsequente noivado com um homem mais velho,
que ela nunca conhecera, encontraram de algum modo o
momento de se apaixonar.
Foi dito mais tarde que foi inevitável. Pegue um menino
danificado, de cabeça errada, como Alexander Luna —
deformado demais pelas batidas selvagens de seu pai,
espancamentos que logo foram transferidos para sua esposa
quando viu a rapidez com que Xander tocou a linha quando a
dor de sua mãe foi usada como medida de dissuasão – e isso
o colocou no caminho da tentação, dar-lhe um gosto de fruta
proibida, por assim dizer... O que alguém esperava?
Durante anos, Xander e Esperanza mantiveram seu
segredo bem escondido. Como é claro que eles deveriam. Se
seu relacionamento fosse descoberto mais cedo, o Ikati teria
que terminar com isso.
Permanentemente.
Mas, como aconteceu, o destino tinha sua própria
maneira cruel de lidar com as coisas.
Karyo os descobriu. Os detalhes de como e onde, os
outros membros do Sindicato nunca souberam. A única coisa
segura foi o fato do corpo bonito e quebrado de Esperanza
descoberto em uma manhã enevoada deitada em uma piscina
de seu próprio sangue nos paralelepípedos na frente do centro
de treinamento.
Seu pescoço estava quebrado. Ela foi atirada do telhado.
Julian, Matheo e Tomás estavam todos lá quando
Xander a encontrou, quando ele confrontou Karyo, que ficou
observando, o rosto como uma laje de pedra.
— Você a matou! — Xander gritou para o velho ardente.
— É melhor isso do que vê-la contaminada por um
animal — Karyo respondeu friamente.
E então, aos dezesseis anos, Xander cometeu assassinato
pela primeira vez.
Depois, ele estava inconsolável. Os Ikatis não ligavam
muito que ele matou Karyo. Os seres humanos, afinal, eram
dispensáveis. Seu próprio pai, entretanto, se preocupou com
as fofocas que isso trouxe e veio para o complexo dar a
Xander uma surra implacável.
Então Xander cometeu seu segundo assassinato.
Após a morte de seu pai – ele foi julgado pela Assembleia
um homicídio justificável por razões de autodefesa.
Seu meio-irmão, Alejandro, foi elegido como o novo alfa
de Manaus, e Xander abandonou qualquer pedaço de
misericórdia, abateu qualquer sentimento de ternura que lhe
permitisse sentir dor, amor ou felicidade.
Ele morreu.
Caminhou, falou, tornou-se o melhor assassino que a
tribo já vira. Mas ele não passava de um cadáver. Um zumbi.
— FUBAR, — murmurou Julian em voz baixa, então
soprou um longo, duro suspiro. — Tudo bem me mostre o
caminho para esta agitação. Suponho que eu poderia ter uma
bebida diluída. — Ele se virou para a esquerda, virando uma
rua de sentido único, assustando os pedestres em um voo
estridente e disperso. — Mas não espere que eu goste. E você
está pagando, Tomás.
O primeiro dos gritos surgiu de algum lugar acima deles.
Mesmo antes dos gritos que Matheo sentiu e Julian e
Tomás não ficaram atrás. Quando eles foram através da pista
de dança, observando os seres humanos escorregar longe
como cachorros assustados diante deles, o reconhecimento
quente que havia três outros Ikati machos em algum lugar
neste clube bateu todos os três como um soco pesado.
Olharam na direção dos gritos no exato momento em
que três enormes animais pretos se erguiam em suas patas
traseiras e colocavam patas largas na grade metálica da
varanda do segundo andar.
Olhos amarelos, sem piscar; caudas longas,
serpenteando para frente e para trás; presas expostas, brancas
e afiadas. Um deles rugiu um desafio.
— Ah, merda, — disse Julian. — Eu sabia que era uma
má ideia.
A música batia, as luzes brilharam e não parecia que
alguém na pista de dança tivesse notado o que estava
acontecendo acima até que os corpos começaram a cair.
De repente, houve uma debandada. As pessoas não
conseguiam fugir rápido o suficiente. Gritando e
empurrando, eles formaram uma multidão aglomerada que
começou a descer as escadas. Alguns não se preocuparam
com as escadas e saltaram sobre os trilhos, batendo, para
aterrissar sobre desafiantes foliões abaixo. Era um caos.
— Nós não podemos mudar! — Gritou Matheo sobre a
música quando ele cheirou a intenção de Tomás como uma
picada de pólvora na parte de trás de sua garganta. — Se a
Assembleia descobrir que mudamos em público... — Tomás
afundou-se, abaixando os dentes. — Situação especial. E as
regras são feitas para serem quebradas.
— Não, Tomás! — Gritou Matheo, agarrando o
antebraço de Tomás. — Não!
Muito tarde. Acima dos gritos, da música e do barulho
de passos, ouviu-se um crepitar doentio como um osso e um
tendão transformado, depois o barulho de tecido que foi
rasgado em pedaços. Em seu outro lado, Julian mudando,
bem como, o maior Ikati que ele já tenha visto – o enorme,
cabeça em forma de cunha com seu nariz afilado e longo,
bigodes prata estava acima ombro alto para o seu próprio. Fez
um urso parecer como um Chihuahua. A roupa estava em
farrapos ao redor de seus pés.
Os três Ikati equilibrando-se sobre as patas dianteiras no
parapeito acima tomaram isso como um convite. Eles
empurraram com poderosas patas traseiras e navegaram sobre
a grade do segundo andar para aterrissar em uma agachada,
silenciosa e ameaçadora forma a poucos metros de distância
na pista de dança que agora estava limpa de qualquer coisa,
exceto os seis.
Em uníssono, as cinco panteras agacharam-se, saltaram,
bateram umas nas outras de cabeça no ar. Eles caíram sobre
o chão, arranhando e mordendo, seus rosnados ruidosos e
viciosos o suficiente para afogar a música.
Então, para seu grande horror, Matheo viu uma fêmea
humana no canto mais distante do clube agachada sob uma
mesa de cocktail, segurando algo em sua mão trêmula. Seu
primeiro pensamento foi que era uma arma. Ele se
concentrou, então quase desejou que fosse.
Um pequeno objeto de metal, uma tela azul brilhante.
Um telefone.
Uma câmera.
A coisa toda estava sendo filmada.
— Por que você acha que, — disse Bartleby a Xander
enquanto eles se sentaram no gramado de trás da casa segura
em duas cadeiras dobráveis, — me manteve nesse emprego
todos estes anos?
Xander suspirou, sentindo que um sermão se
aproximava. Ele olhou para a Via Láctea reluzente espiando
através de fendas nas nuvens aveludadas e escuras acima. O
fresco aroma de umidade no ar e o tique de eletricidade que
levantou os pequenos pelos em seus braços lhe disseram que
ia chover e logo.
Ele disse, — Por causa de seu charme e boa aparência,
obviamente.
Mas não era isso. A verdade da lealdade de Xander para
com o médico estava em algum lugar mais escuro.
Bartleby fora o médico pessoal de Karyo. Em desespero,
sua mente incapaz de compreender que Esperanza se foi,
realmente foi – Xander o chamou naquele dia terrível há
muito tempo, viu através das lágrimas que o médico
examinou-a, encontrou o olhar de Xander, balançou a cabeça
em confirmação mudo a horrível verdade.
Ele foi gentil naquele dia, o único tipo de homem mais
velho que Xander conhecera, humano ou não.
Desde então, o Sindicato manteve Bartleby como seu
próprio médico. Ele era de confiança e respeitado e salvou
suas vidas em mais de uma ocasião.
Porque ele conhecia o médico tão bem, Xander nem
sequer tinha que olhar para sentir o olhar azedo que seu velho
amigo atirou nele.
— Errado. Porque sou a única pessoa que sempre foi
honesta com você. — Declarou o médico.
Isso definitivamente soou como um sermão
pendente. Xander observou o cachorro do vizinho fitá-lo
através de um pequeno buraco na cerca de trás, a cinquenta
metros de distância. O cão estava rosnando e tremendo, e
Xander teve a metade de uma mente para levantar-se de sua
cadeira e realmente dar a besta burra algo para tremer.
— Não quero ouvir, doutor.
— Eu sei que você não quer ouvir, Alexander, mas a
verdade pode fazer um pouco de bem.
Bartleby levantou-se da cadeira, esticou os braços sobre
a cabeça, mexendo o pescoço para frente e para trás.
Então ele se virou e olhou para Xander, sua cabeça calva
coroada por uma coroa de estrelas.
— Mas primeiro, uma pergunta.
Xander se preparou.
— Você está apaixonado por Morgan?
Ele drenou a última garrafinha de uísque muito fino que
estivera bebendo durante a última hora enquanto eles estavam
sentados olhando a tempestade que se aproximava e engoliu
em torno do nó abrasador em sua garganta.
— Você tem assistido a muitas novelas.
— Bem, — Bartleby persistiu após um momento em que
Xander não disse mais nada, — Você está?
— Você é um bastardo insistente, sabe disso? — Xander
resmungou e levantou. Ele atirou a garrafa de uísque vazia na
cerca de trás e ficou gratificado por ouvir o cachorro gritando
quando isso caiu contra a madeira.
— E você está evitando a pergunta. — O médico olhou
para ele através de seus óculos e ajustou sua gravata. — Não
que eu te culpe, mas acho que se você tiver um esclarecimento
sobre esta questão vai tornar as coisas mais fáceis para todos
os envolvidos.
— Esclarecimento — repetiu com desdém, desenhando
as sílabas. — Agora eu sei que você está assistindo a muitas
novelas.
— Meu ponto é — continuou Bartleby, indiferente ao
sarcasmo de Xander — Que você não pode decidir o que vai
fazer até que esteja claro o que exatamente sente por essa
mulher.
— Alvo, — corrigiu Xander, com afinco. —
Trabalho. Mira.
— Mmmhmmm, — disse o médico.
— E não há nenhuma decisão sobre o que vou fazer. Eu
vou...
O que? Ele estava indo fazer o quê?
Bartleby ergueu as sobrancelhas, esperando. Xander fez
um movimento cortando em sua garganta com uma mão.
— Por favor — zombou o médico. — Você não vai
machucar um cabelo na cabeça dela.
— Eu nem quero ouvir sua teoria sobre por que isso
pode ser.
— Porque você está apaixonado por ela! Mesmo seu
sangue sabe que está apaixonado por ela! Por que você
simplesmente não admite isso!
Xander suspirou e massageou suas têmporas. — Você
está demitido.
— Mais uma vez?
Era uma piada entre eles. Xander demitiu Bartleby pelo
menos três dezenas de vezes nos últimos vinte anos. Ele
nunca acabava. O velho cresceu nele como um cupim.
No que esperava que fosse o período final da frase dessa
conversa indesejada, Xander virou-se e voltou para a
casa. Uma brisa farfalhou através das árvores ao longo da
cerca, um estrondo de trovão batia nas janelas. Assim que ele
levantou a mão para abrir a porta dos fundos, Bartleby disse:
— Ela me pediu para não lhe dar mais drogas.
Xander girou ao redor, chocado.
— O que? Pensei que tivesse dito que a ajudava. Pensei
que você tivesse dito que ela estava com dor...
— Ela está. E estará pelos próximos dois dias. — Ele
inclinou a cabeça para trás e olhou para Xander através de
seus óculos. — Mas ela disse que não queria que você tivesse
mais desculpas.
Xander apertou o peito. Seus pulmões se recusavam a se
expandir ou contrair. Sua voz ficou baixa e cautelosa.
— Desculpas para quê?
O médico sorriu. — Por não terminar o que você
começou mais cedo.
Querido, doce senhor no céu. Ele ficou parado,
cambaleando, enquanto Bartleby olhava para ele, sereno
como Buda, o luar brilhando suavemente em seus óculos. Um
barulho baixo de trovão quebrou o silêncio, e em algum lugar
ao longe, um cão começou a uivar.
— Vá em frente, então. — O médico acenou para longe
e sentou-se de volta em sua cadeira. Ele estendeu as pernas
para a grama e inclinou a cabeça para o céu a tempo de ver a
lua escorregar por trás de uma nuvem de trovoada. — Vá
encontrar clareza, meu amigo, e talvez com isso você vá
encontrar alguma paz de espírito. Depois de todos esses anos,
você merece.
Por não terminar o que você começou. Isso repetia na
sua cabeça como um disco quebrado, enquanto lentamente
atravessava a casa escura, descendo dois degraus, até o nível
do quarto onde acordou esta manhã. Fez uma pausa no
desembarque, olhando para o longo corredor até a porta no
final, onde deixara Morgan.
Fugiu dela – seu coração batia tão forte que ele pensou
que poderia quebrar suas costelas e explodir, matando-o.
Ela estava delirando. Ela estava brincando. Ela estava
apenas tentando obter algo dele para que pudesse atormentá-
lo mais tarde sobre sua estupidez.
Certo?
Seu perfume provocava o ar, enrolado no nariz, atraindo,
puxando-o para frente. A energia de sua Febre palpitava em
pulsos exuberantes e crepitantes sobre sua pele. Sabendo
exatamente o que o esperava atrás daquela porta, ele se
perguntou se essa era a maneira de Deus de puni-lo por tudo
o que fez em sua vida. Ele definitivamente sentia como
punição.
Um gemido atrás de sua porta fechada, e novamente ele
pensou que iria morrer. O desejo flamejava nele, quente como
o sol, consumindo. Um barulho como uma tremenda estática
rugiu em seus ouvidos.
Seus pés o moveram pelo corredor.
Ele colocou as mãos abertas na porta fechada e ficou ali
de pé, com os braços apoiados contra ele por segundos,
minutos, o que pareciam horas, lutando contra todos os
instintos furiosos em seu corpo.
Você não vai fazer isso. Você manterá o controle. Não
há como voltar atrás de algo como isso, nada de bom pode vir
disso.
O gemido baixo veio novamente, e sua vontade
começou a quebrar. Ele pôs a mão na maçaneta e girou
lentamente.
O cheiro que escorregava da porta aberta era tão forte e
esmagador que ele foi balançado sobre seus calcanhares
quando isso o atingiu em onda após onda de beleza
perfumada. Feroz, o animal dentro dele assobiou e se
contorceu para ser livre.
Xander abriu mais a porta. Quando viu o que estava
dentro, congelou.
O quarto estava em ruínas. O chão estava cheio de coisas
quebradas: uma lâmpada, um vaso amarelo, uma televisão de
tela plana pendurada acima da estreita cômoda. Uma pintura
a óleo emoldurado foi rasgada em pedaços, atirada para um
canto. Os lençóis estavam em desordem, o edredom de cetim
estava em uma pilha amarrotada ao pé da cama... A cama em
si estava vazia. Frenético, seu olhar se lançou sobre o quarto
escuro. Morgan não estava no chão, na cadeira, em qualquer
lugar que pudesse ver.
Do banheiro ao lado, veio o som da água corrente,
seguido muito rapidamente depois disso por um forte
estrondo.
Atravessou o quarto, abriu a porta do banheiro e parou
ao lado da pia. Ela estava agachada no chão de azulejos do
chuveiro – nua, tremendo, os joelhos erguidos até o queixo –
com água derramando por toda ela, derramando sobre os
cacos de vidro fosco que jaziam espalhados ao redor dela.
A porta do chuveiro foi demolida. Pedaços de vidro
penduravam da armação de metal, como os dentes de
tubarão. Alguns deles caíram tilintando no azulejo.
— Morgan! — Ele procurou freneticamente o sangue,
por sinais de que fora ferida. — O que aconteceu? Você
caiu? Você... — Ela olhou para ele através de cílios escuros, e
seu olhar agonizante perfurou um buraco dolorido no centro
de seu peito.
— Isso dói menos se eu quebrar alguma coisa, — disse
ela, com os dentes batendo.
O alívio que correu sobre ele era tão forte que ele teve
que fechar os olhos por um momento para gerenciá-lo.
— Você fez isso de propósito.
Ele abriu os olhos para encontrá-la acenando em seus
joelhos, seus cabelos escuros revolvidos sobre seus ombros e
costas, pingando.
— Porta estúpida.
Vapor enrolado em seus cabelos emplumados em seus
ombros, e quando ele alcançou para desligar o chuveiro, ficou
chocado ao perceber que a água derramando sobre ela estava
gelada. O vapor saiu de sua pele.
Ela estava queimando.
— Você precisa da morfina, — ele rosnou, pegando uma
das toalhas que pendurava em um gancho ao lado da
pia. Ajoelhou-se ao lado dela e cuidadosamente colocou-o
sobre seus ombros.
Ela afastou-o. — Água, — ela disse com sua voz
quebrando. — Preciso de água fria.
Alcançando um braço até o registro do chuveiro, ela fez
um movimento para levantar, mas cambaleou. Antes que ela
pudesse cair, Xander a tinha em seus braços, a tinha –
tremendo, molhada e ardente – pressionada contra seu
peito. Ele manteve os olhos na porta arruinada enquanto os
manobrou passando por isso, evitando o vidro dentado e a
visão de seus seios nus, ambos a centímetros de distância. Ele
arrancou a outra toalha da prateleira e, desajeitadamente,
tentou puxá-la sobre ela enquanto se contorcia em seus
braços.
Deus, a fragrância de sua pele – o calor.
— Pare de lutar contra mim — disse ele, com os dentes
cerrados.
— Você para de lutar contra mim!
— Jesus, mulher. Você será a minha morte!
Ele a levou, contorcendo-se, para a cama, onde
gentilmente a deitou sobre os lençóis. As toalhas ainda a
cobriam – na maior parte cobrindo-a – mas ele rapidamente
sacudiu o edredom e colocou-o sobre seu corpo molhado. Ela
chutou.
— Muito quente, — ela gemeu, contorcendo-se.
Ele estava lá acima dela com as mãos atadas atrás do
pescoço – como se isso pudesse impedi-lo de alcançá-la –
enquanto ela atirava e espancava e implorava que ele a
colocasse de volta no chuveiro para esfriá-la.
Não era água fria que ela precisava. Xander sabia o que
ela precisava. Era a mesma coisa que todas as mulheres em
sua febre precisavam para aliviar a dor.
Um macho. Ela precisava se acasalar.
Ela recusou as drogas...
.... Por não terminar o que você começou...
Não faça isso, Alexander. Não faça isso. Você vai odiar
a si mesmo depois – ela irá te odiar depois.
Você sabe que é estúpido, é perigoso, é...
Ela olhou para ele – seus olhos incandescentes,
brilhantes como estrelas – e falou seu nome. Nunca viu tanta
necessidade, tanta fome. Isso deixou suas pernas
entorpecidas.
Lentamente, sentindo que estava fora de si, ajoelhou-se
ao lado da cama. Ele estendeu a mão para o braço dela, e isso
não surpreendeu nada que sua mão tremesse. Seus dedos
roçaram sua pele quente, tão quente – e ela estremeceu, fez
um pequeno choramingar animal na parte de trás de sua
garganta.
É apenas a Febre, ela não está em seu juízo perfeito.
— Eu não tomei as drogas, — ela ofegou. — Eu não
queria.
— Eu sei, — ele sussurrou, lutando contra cada impulso
em seu corpo para segurá-la, beijá-la, amá-la.
Ela rolou para o lado e as toalhas caíram, expondo seus
seios e barriga, seus adoráveis quadris arredondados. Ele
fechou os olhos com força. Sua mão, quente e tremendo,
tocou o lado de seu rosto.
Muito guturalmente Morgan disse: — Você sabe o que
eu quero. E eu sei que você também quer. É por isso que está
aqui, não é?
Xander gemeu baixo, um som torturado. Ela se
aproximou mais. Sua mão deslizou até seu peito, seus dedos
enrolados em torno da frente de sua camisa. Ela puxou para
ele.
— Eu não posso.... Não posso tirar vantagem de você
quando está assim, — ele disse com sua voz rouca, seu nariz
cheio de seu cheiro inebriante enquanto ela o puxava mais
perto, mais perto.
— Eu sei, — ela murmurou, persuadindo, — Você é um
assassino cavalheiro. Você me mataria antes de tirar vantagem
de mim. Mas eu... — Suas mãos embalaram seu rosto. Seus
lábios macios tocaram sua bochecha, seu queixo, sua boca, e
sua vontade começou a rachar. —.... Eu posso tirar vantagem
de você. Podemos nos odiar mais tarde, Xander, mas por uma
noite, só por esta noite, vamos ser os melhores amigos.
Ela deslizou sua língua entre seus lábios, e então ele
quebrou.
Ele a esmagou contra si. Ela era de veludo, fogo e curvas
suaves, tremendo em seus braços, puxando a cabeça para
baixo com as duas mãos enroladas ao redor de seu pescoço e
seu corpo arqueado contra ele. Ele não conseguia respirar,
não conseguia se mover, nem conseguia pensar. Tudo o que
podia fazer era sentir, então ele deixou a fúria em seu coração
e corpo assumir.
Quando outro barulho de trovão sacudiu as janelas da
casa acima, Xander a empurrou de volta contra o colchão,
olhando para baixo, ofegante, para ela. Ela olhou para ele com
aquele mesmo olhar faminto, expectante agora, seus lábios
entreabertos, vermelho cereja contra seus dentes brancos. Seu
cabelo se espalhou escuro e ondulando molhado sobre o
travesseiro; suas mãos se estenderam para tocar a bainha de
sua camisa, para puxá-la da cintura e suas calças.
Ele a rasgou. Ele não conseguia tirar tudo rápido o
bastante. Ela o ajudou, tremendo, ambos tremendo e
ofegantes e beijando o tempo todo, tocando e explorando
enquanto suas roupas caíam no chão. Ele rolou em cima dela,
e ela passou suas mãos sobre suas costas, acariciando as
cicatrizes lá com algo como reverência.
— Meu lindo assassino, — disse ela contra sua boca, sua
voz tão macia que doía.
— Não — disse ele, rouco, com a palma em volta do
rosto. — Hoje à noite não sou um assassino. Hoje à noite é
apenas Alexander e Morgan. Esta noite somos eu e você. —
Ele a beijou, duro e delicioso, e suas pernas se levantaram para
embrulhar em torno de sua cintura.
Ela se contorceu contra ele, pronta, mas ele não estava
pronto. Queria saborear e explorar e aproveitar o seu doce
tempo, porque sabia que era apenas um passe de uma só
vez; amanhã seria outro dia. Amanhã ela voltaria a odiá-lo
como fez desde o início.
Mas esta noite...
Ele enredou as mãos em seu cabelo, puxou sua cabeça
para trás para expor sua garganta. Ele beijou do ponto macio
abaixo de sua orelha até sua clavícula, saltando sobre as
ligações frias do maldito colar, querendo rasgá-lo de seu
pescoço, livrá-la dele. Ele acariciou sua língua sobre a
cavidade em sua garganta, sobre o pulso que bateu lá, sua pele
de seda quente contra seus lábios. Ela fez um pequeno
barulho de impaciência e balançou seus quadris contra os dele,
o calor e a umidade de seu sexo pressionado contra sua
ereção, mas ele ignorou suas demandas, concentrado em vez
disso na bela curva de seu peito em sua mão, o peso dele, a
textura de cetim e cor, caramelo e framboesa.
Ele tomou seu mamilo em sua boca, chupando com seus
lábios, lambendo com sua língua. Ela ofegou e arqueou contra
ele, deslizou suas mãos em seu cabelo. Ele mordeu
suavemente e ela gemeu seu nome.
Isso fez seu coração bater ainda mais rápido. Queria
ouvi-la fazer de novo.
Ele puxou a língua entre seus seios, colocando-os juntos
em suas palmas, provocando seus mamilos com os
polegares. Ele deslizou as mãos na cintura fina, sobre a barriga
macia, os quadris curvos, deixando seu olhar seguir suas mãos,
aprendendo seus segredos, aprendendo todos os lugares
escondidos que ele fantasiou desde o dia em que se
encontraram.
A primeira chuva começou rufando no telhado três
andares acima, assim que ele viu uma marca pequena e escura
em seu quadril direito: uma tatuagem. Uma tatuagem fresca,
ele podia dizer pela tinta. Ele se moveu para ela, beijando para
baixo de seu corpo, então fez uma pausa quando estava perto
o suficiente para discerni-lo no quarto escuro.
Em perfeitas letras cursivas lia-se: Viva livre ou morra.
Seu fôlego deixou seus pulmões apressados. Por um
momento, sentiu-se doente; Ele se sentiu
enjoado. Remoendo com culpa e súbita auto repugnância, ele
fechou os olhos e pressionou sua testa contra seu estômago
macio.
E claro que ela sabia. Morgan bonita, misteriosa Morgan,
exuberante, desafiadora e intuitiva Morgan – sentiu sua dor e
compreendeu.
— Xander. Xander. Xander, — ela murmurou, como se
dissesse, pare com isso, fica comigo, me olhe. Ela acariciou
suas mãos sobre seu cabelo, e ele ergueu a cabeça para olhar
em seus olhos. Vívidos e procurando, eles estavam cheios de
alguma emoção que fazia seu coração doer. Suavemente ela
disse, — Nós dois sabemos como viver quebrados. Mas o
passado é apenas isso. Passado. E o futuro está fora de nossas
mãos. Nenhum dos dois tem um lugar aqui conosco agora.
Deixe tudo ir e fica comigo.
Ela deslizou para baixo da cama quando ele ficou
congelado com culpa e colocou seu rosto em suas mãos. Ela
disse seu nome de novo, sussurrou-o contra sua boca, beijou-
o tão gentilmente que ele foi agarrado por um repentino,
terrível desejo de possuí-la, toda ela, não apenas seu corpo,
mas seu coração e sua alma e cada pensamento que ela poderia
pensar e cada emoção que ela pudesse sentir, tudo isso apenas
para que ele pudesse mantê-la aqui com ele assim – suave e
vulnerável e, sim, – para sempre amorosa.
Soltando seus lábios, Xander a virou e beijou suas
costas. Quente, suave e hesitante, abriu uma porta dentro dele
que estava trancada havia anos.
— Ame-me, — ela sussurrou em seu ouvido, e a porta
se abriu completamente.
Estava perdido agora; Ele sabia disso. Em algum lugar
no canto mais escuro de seu coração, ele sabia disso desde o
começo. Então ele não se incomodou em segurar nada.
Deixou-se cair.
Ele ergueu-se de joelhos a virou e olhou para ela, deixou
suas mãos se moverem sobre seu corpo, seu olhar seguindo
cada toque e sentindo cada pedaço. Ela arqueou para
encontrar seu toque. Ela deu um pequeno, suave suspiro, e
seus olhos se fecharam.
Ele afagou as mãos pelas coxas entreabertas, inclinando-
se para testar a carne tenra ali com os dentes, com a língua. Ela
gemeu e suas mãos estavam em seu cabelo novamente,
tremendo. Ele lambeu até onde ele realmente queria colocar a
boca, tomando o seu tempo, provocando-a porque ele amava
os pequenos gemidos e o movimento de balanço que seus
quadris fizeram. Ele parou a poucos centímetros de distância
da parte mais sensível e secreta dela, um grunhido baixo
subindo na parte de trás de sua garganta.
Ambrósia. Açúcar, especiarias e flores de estufa... Ela
cheirava a céu.
Ele a abriu com os polegares e soprou uma respiração
sobre seus lábios molhados, apenas para fazê-la dizer seu
nome novamente, o que ela fez. Mergulhou a cabeça e
provou-a, e ambos gemeram ao mesmo tempo.
Deliciosa. Perfeita. Doce e suculenta e minha, minha,
minha.
Um forte instinto o golpeou. A besta nele assumiu.
Ele deslizou um dedo dentro dela, abrupto, invasivo. Ele
chupou-a avidamente, mordiscando seu nó inchado com os
dentes, lambendo-a por toda parte. Ele não sabia se estava
sendo gentil o suficiente. Ele não sabia quanto tempo poderia
se segurar; ela estava gemendo, balançando e ofegando seu
nome, suas unhas escavadas em seus ombros. Com a mão
livre, agarrou o seio, apertou o mamilo duro, observou o
efeito que tinha nela e se deleitou.
— Goze para mim, — ele rosnou, e deslizou outro dedo
dentro dela.
Ela gritou, suas coxas tremendo contra seus ombros, seu
corpo esticado quando uma corrente passou abaixo dele. Ela
congelou por um momento e até pareceu parar de
respirar. Então começou um aperto latejante contra os dedos
que ele empurrou dentro dela, e ela estremeceu.
— Xander, Deus, Xander, — ela ofegou, contorcendo-
se.
Com um grunhido animal, ele levantou seu corpo e
mergulhou profundamente dentro dela.
Ela gritou de novo, assim como ele. Fogo, cetim e
umidade apertada, ela era como nada do que ele já tivesse
sentido, e seu orgasmo ainda estava chegando, apertando o
comprimento dele enterrado dentro dela, uma fricção
deliciosa que ameaçava enviá-lo para o limite muito cedo –
muito cedo.
Arqueando, ele se curvou e beijou seus lábios. — Estou
muito perto – preciso parar...
— Não! — Ela gemeu. — Não pare! Vamos fazê-lo
novamente – e novamente – só não pare ainda.
— Morgan.
— Xander. — Ela envolveu suas pernas em torno de sua
cintura, seus braços ao redor de seus ombros. Ela olhou em
seus olhos e levou-o profundamente com um movimento
feminino, fluido de sua pélvis. — Não pare.
Ela o beijou e balançou abaixo dele e com seus quadris
persuadiu seu corpo para onde queria ir. Ele começou a
empurrar, um movimento primitivo, desconectado de sua
vontade, que queria que ele fosse devagar, ser gentil.
Morgan gemeu sua aprovação sob ele. Seus quadris
tomaram acompanhando e ele empurrou com mais força.
Ouviu trovões, ouviu chuva, ouviu a cabeceira de metal
bater contra a parede, enviando repetitivo eco batendo no
quarto. Ele apoiou uma mão contra ela, agarrou o quadril de
Morgan em sua outra mão, e levantou-a para que apenas seus
ombros estivessem na cama. Tão profundo, ele não achava
que poderia ir mais fundo.
— Eu vou gozar de novo, — ela suspirou. Ela agarrou
seus braços, encontrando cada impulso de seus quadris com
um dos seus próprios, olhando para ele com aqueles olhos
procurando que esculpiram um buraco em seu coração.
— Goze comigo. Goze comigo, Xander.
Respirando com dificuldade, o suor florescendo por
todo o corpo, soltou a cabeceira e apertou os quadris com
força em ambas as mãos. Ele mergulhou nela uma e outra vez,
mais selvagem e mais duro, com cada empurrão se perdendo
nela, na tempestade e na magia que do eles fizeram juntos,
aqui na escuridão.
— Amada mio, — ele assobiou com os dentes cerrados,
oscilando à beira de uma onda de calor que subiu por sua
espinha. Cada músculo em seu corpo flexionado. — Eu me
comprometo com você.
Ela enrijeceu e gritou, sua cabeça inclinada para trás nos
travesseiros. Seus olhos se fecharam e ele ouviu um rugido,
apenas vagamente consciente de que veio dele. O prazer, o
branco abrasador, disparou através dele e ele se sacudiu,
esvaziando-se dentro dela, subindo novamente e novamente
enquanto seu orgasmo tirava sua respiração e cada
pensamento coerente afastado. Por um momento cegante,
não havia nada senão os dois, unidos como um só. Ela girava
e seguia, sonhadora, e então – ele desabou sobre
ela. Agitado. Arfando. Sem palavras. Ele enterrou o rosto em
seu pescoço.
Seus braços lhe rodearam os ombros. Ela o embalou,
murmurou coisas macias em seu cabelo que ele não podia
compreender, tão grande era sua agonia e sua felicidade. Ele
derivou em uma corrente de gratidão tão pura que era quase
doce.
Ela deixou um monstro entrar na parte mais preciosa
dela, lhe lembrou o que era sentir paixão, prazer e ternura, lhe
deu um vislumbre de coisas que ele não merecia.
Felicidade.
Esperança.
Ele queria dizer a ela isso, queria dizer, você me mostrou
o caminho de volta do inferno. Mas havia uma pressão terrível
em seu peito e um ardor em seus olhos e um aperto em sua
garganta que ameaçava sufocá-lo se ele abrisse a boca.
— Está tudo bem — ela murmurou, conhecendo-o
muito bem. — Estamos a salvo do mundo agora, por um
tempo. Podemos ter isso. Não precisa mudar nada. Podemos
ter a nossa noite e voltar para quem somos amanhã. Só por
esta noite, podemos ter aquela vida diferente que sempre
quisemos.
Ficou em silêncio, enquanto lá dentro chorava.
Eliana assistiu horrorizada quando um D molhado e
ensanguentado cambaleou para a opulência fresca e iluminada
por velas da biblioteca particular de seu pai.
— Demétrio! — Ela saltou da cadeira, espalhando o
jornal que ela estava lendo em uma rajada no chão.
Estava com o peito nu e ofegante, seu rosto estava
machucado, ferimento no pescoço sangrando em riachos
escuros que cobriam seu peito tatuado em um brilho de
vermelho. Em seu bíceps esquerdo, logo abaixo do Olho de
Hórus, uma ferida profunda e irregular mostrou o músculo e
um pedaço de branco: osso.
— O que aconteceu? — Perguntou Dominus,
levantando-se da mesa.
— Havia três homens novos, como o que vimos no
Vaticano, três deles estavam no Alien.
— Três mais! — Disse Dominus, atônito.
— Você estava em uma briga! — Gritou Eliana. Ela
correu para o lado dele. — Meu Deus, seu braço...
— Você nunca disse nada sobre outros três homens, —
Dominus interveio, dando uma volta em torno da mesa, seu
tom ameaçador. — Você me disse que só sonhava com a
fêmea e com o homem de olhos laranja...
— Pai! Ele está machucado! — Eliana protestou,
ouvindo a ameaça em sua voz. Como ele poderia ser tão
insensível?
— Onde estão Constantine e Felix? — Seu olhar piscou
sobre o guerreiro, avaliando.
Caindo quando ele ficou mais reto, D disse: — Aqui. Na
enfermaria. Lix ficou muito ruim...
— Então o que você está me dizendo, — Dominus
interrompeu, — É que todo meu Bellatorum foi superado
por estes intrusos? — Uma brisa gelada varreu a sala. Com
um sorriso sarcástico, ele disse: — Eu não fazia ideia de que
vocês eram tão fracos.
D enrijeceu e Eliana também. Chamar um guerreiro de
fraco era o pior insulto possível. Se não fosse o rei, o agressor
já estaria morto. Ela não conseguia entender por que ele
estava tratando D dessa maneira. O que estava errado com
ele?
Com uma mandíbula apertada, D respondeu: — Eles
estão mal igual a nós. — Sua voz se tornou desdenhosa. —
Majestade.
Sua inimizade mútua estalou no ar, erguendo o cabelo
em seus braços. Enquanto seu pai se aproximava com um
grunhido, Eliana tomou uma decisão na fração de segundo e
pisou entre os dois machos eriçados.
— Tenho certeza de que os detalhes de quem feriu quem
pode ser resolvido mais tarde — disse ela, olhando
calmamente para o pai. Por suas próprias razões egoístas, ela
não queria ver sendo feito para D o que aconteceu a Celian, e
ela sabia que sua única chance era se interviesse. — A boa
notícia é que os Bellatorum estão vivos, e quanto mais cedo
eles começarem a curar, mais cedo eles podem voltar e cuidar
do problema. Então, talvez, já que Demétrio foi gentil o
suficiente para vir aqui para informá-lo do problema, ele
poderia agora ser autorizado a ir para a enfermaria e ter seus
ferimentos tratados?
Uma batida de silêncio. O exame de olhos de lobo de
seu pai em seu rosto.
Pela milionésima vez, ela ficou grata por não poder ler
sua mente. O véu impenetrável que cercava seus pensamentos
era outro de seus dons, a que ela secretamente se referia como
‘A Bênção’ porque tinha muitos segredos perigosos, segredos
que outros membros de sua colônia não podiam se dar ao luxo
de saber.
Não menos do que era seu fascínio proibido por D.
Finalmente, Dominus sorriu, e então enviou um olhar
vacilante para o guerreiro ensanguentado na porta. — Existe
algum perigo iminente?
D sacudiu a cabeça. — Não. Eles não sabem onde
estamos. Eles não poderiam nos seguir após a chegada
da policia.
— Policia? — Eliana engasgou. Ele poderia muito bem
ter dito açougueiro. Só nos últimos anos, seis de seus parentes
foram mortos pela polícia local. Saiu em todos os jornais; O
mundo exterior assumiu que alguns entusiastas de animais
exóticos estavam liberando panteras cativas nos subúrbios.
D assentiu com a cabeça, desviando o olhar dela. —
Tiros foram disparados. Nós saímos ilesos, mas um deles
pode ter sido atingido.
— Você está quase incólume! — Ela protestou.
Dominus disse: — Machucado ou não, você e o resto
do Bellatorum vão estar bem o suficiente para participar
da purgação, Demetrius. Devo me esclarecer?
D inalou bruscamente e fez uma careta, um olhar que ela
viu em uma centena de rostos diferentes, quando seu pai
estava descontente. Ninguém jamais falou nisso – ninguém se
atreveu – mas Eliana tinha uma suspeita escura de que a leitura
da mente de seu pai não era seu Dom mais poderoso.
— Perfeitamente — disse D entre os dentes
cerrados. Ele deu um arco duro e dolorido.
— Eliana. — Seu pai se virou para ela com um pequeno
sorriso, alguma intenção desconhecida brilhando em seus
olhos. — Seria tão amável de acompanhar Demétrio à
enfermaria? Parece que ele poderia usar alguma ajuda.
D ficou pálido. — Sou completamente capaz de...
— É claro — disse Eliana, cortando a retórica de D. Ela
estava ansiosa para ter certeza de que o guerreiro estava bem,
ainda mais ansiosa por ter alguns momentos a sós com ele,
embora naturalmente ele a ignoraria praticamente, como de
costume.
Com uma mandíbula apertada, D se curvou de novo,
virou-se e saiu coxeando da sala. Seu pai aproximou-se dela, e
eles viram as pernas musculosas de D levá-lo, hesitante, pelo
corredor sombreado.
— E veja se consegue mais informações dele —
murmurou o pai, com os olhos entrecerrados.
Ela suspirou de repente triste. — Eu não sei por que
você acha que seria capaz. Ele não pode me suportar. Você
não notou? Ele mal pode sequer olhar para mim.
Seu pai parecia satisfeito com isso e também
inexplicavelmente divertido. Ela compreendeu o
prazer; afinal, era proibido que ambos estivessem juntos. Ele
não era de sua casta e por isso não havia chance para eles, e
era assim que sempre fora, e para sempre seria. Ela resignou-
se a isso. Mas a diversão? O que poderia significar?
Ainda sorrindo, seu pai disse: — Sim. Não há realmente
nada pior do que querer algo e saber que você nunca pode tê-
lo.
E tudo dentro de seu mundo foi para os ares.
D queria ela?
Um milhão de lembranças passaram por sua mente, um
milhão de olhares que ele a enviou, quente e fugaz, sua
mandíbula tão dura quanto à linha lisa de sua boca. O modo
como ele recuava sempre que ela se aproximava da maneira
que ele às vezes corava. Ela sempre pensou que ele a
desprezava, tinha certeza de que a dor irregular em sua barriga
quando ele estava perto era apenas unilateral, mas... Poderia
ser?
Ela ficou sem fôlego com a possibilidade. Mas o que ela
estava disposta a fazer?
— Não fique tão surpresa, minha querida — disse
Dominus, divertido. — É bastante óbvio para todos, menos
para você. — Seu rosto escureceu. — Mas há algo mais
acontecendo com ele ultimamente. Acho que ele está
escondendo alguma coisa. Ele olhou para ela. Suas escuras
sobrancelhas lançavam seus olhos na sombra, mas brilhavam
com uma nova astúcia. — Isso requer um toque mais delicado
do que tenho paciência para hoje. Vá e veja se ele vai te dizer
algo interessante, Ana. Veja se ele vai lhe dizer algo que não
vai me dizer.
Ele deu-lhe um empurrão suave quando ela ficou
congelada como uma estátua no chão.
— Sim, sim — murmurou exaltada, tentando muito não
mostrar. — Vou... Falar com ele. Agora.
Então ela se lembrou de como mover seus pés e usou-
os para caminhar lentamente, seu passo casual e lento, porque
ela sentiu o peso do olhar de seu pai em suas costas como
duas mãos pesadas e frias.

Lix e Constantine já estavam dispostos em duas camas


na enfermaria quando D coxeava, murmurando maldições.
— Como foi? — Disse Constantine, levantando a cabeça
do travesseiro para assistir D tropeçar em direção à outra
cama vazia no fim da longa, sala bem iluminada. Era um dos
únicos lugares brilhantes nas catacumbas, inundado em luzes
fluorescentes duras funcionadas pelo
gerador. O Bellatorum era muito pouco e muito valioso para
Dominus ser submetido a uma cirurgia à luz de velas.
Celian deitou-se de bruços sobre uma cama perto da
porta, roncando alto em seu travesseiro.
— Foi maravilhosamente, — cuspiu D, e caiu para a
cama. A armação de metal gritou e quase dobrou sob seu
peso. Foi exatamente como ele sempre faz, pensou furioso. O
rei tinha tanta compreensão e apoio e agradecimento que até
me deu um grande abraço no final. Ele olhou para o teto
curvado e não olhou quando o suave passo de Eliana ecoou
pela sala.
— Princesa, — disse Constantine e Lix em uníssono,
surpreso.
— Não, não se levantem Bellatorum, — insistiu ela, —
por favor. Descansem.
D fechou os olhos, não querendo vê-los – feridos –
tentar levantar-se e curvar-se a ela, não querendo vê-la se
aproximar. Apenas ter seu perfume em seu nariz e sua voz
melódica em seus ouvidos era tortura bastante. A dor latejava
por seu corpo, e ele sabia que não era só por causa de seus
ferimentos.
Alguém entrou no quarto. Ele abriu um olho para ver
um dos Servorum – uma jovem mulher – carregando uma
bandeja de ataduras, pomadas, e instrumentos de metal. Ela
foi trabalhar em Lix primeiro, sua perna foi triturada, quase
mordido limpo por aquele macho enorme no
clube. A princesa murmurou algo para ela. Apertando os
dentes, D fechou os olhos novamente. Ouviu o movimento,
conversa baixa, o som das maldições de Lix quando suas
feridas foram atendidas.
Uma cortina pendurada foi arrastada em torno da cama
com um assobio de anéis em uma haste de metal, e então
Eliana estava ao lado dele. — Eu preciso dar uma olhada
nesse braço, — ela disse calmamente.
Seus olhos se abriram. Ele olhou para ela. A luz brilhou
como um nimbo ao redor de sua cabeça, obscurecendo seu
rosto. Ele tentou sentar-se, mas ela o empurrou de volta para
baixo com uma palma plana no centro de seu peito, e o
contato pele-com-pele foi tão inesperado que o atordoou em
submissão.
— Está tudo bem, — disse ele, rouco, com o pulso
batendo nas orelhas.
— Puh.
Ele não sabia o que isso significava, então ele manteve a
boca fechada e se concentrou em não olhar para ela. Ele
olhou para a parede de pedra nua, marrom e irregular, mas
Deus, como ele queria olhar para ela.
Linda e delicada com os membros alongados e a graça
de uma bailarina e aquele choque de cabelo escuro agitado que
em qualquer um mais teria parecido masculino, mas nela
servia somente para destacar mais perfeitamente a simetria
sem falhas de seus traços, aqueles olhos de corça de amêndoa.
Não. Ele não precisava olhar para ela. Ele já memorizou
tudo. Fechou os olhos e, sob as pálpebras, dançou.
Seus dedos em sua pele, tentativos, um flash de dor que
perfurou através de seu estômago e fez estremecer quando ela
sondou a ferida profunda em seu bíceps. Seu suave suspiro,
um formigamento quando sua respiração, triste, roçou seu
peito nu. Ele ouviu um barulho quando ela puxou uma
bandeja de metal rolante de suprimentos de sua posição
contra a parede.
— Eu te perguntaria se dói, mas já sei qual será a
resposta.
Ela parecia insatisfeita. Ele perguntou por que, em
seguida, gritou silenciosamente para si mesmo para parar
de se perguntar o porquê.
Ele respirou. Ele expirou. Ele respirou novamente. Ela
tocou uma atadura embebida em álcool até as beiras da ferida
em seu braço e ele se encolheu mesmo aquele contato menor,
mesmo quando trouxe dor – era demais. Isso o fez pensar em
coisas que nunca poderia ter. Isso o fez sentir dor.
Ele afastou a mão dela. — Deixe isso — disse ele, com
força. — Tem o Servus para fazê-lo. Nem deveria estar
aqui. Isto não é lugar para você.
Houve um momento de silêncio, então ela suspirou. —
Oh, Demétrio.
Assustado pela tristeza tranquila em sua voz, ele abriu os
olhos e a encontrou olhando para ele, um sulco entre suas
sobrancelhas arqueadas. Sentou-se num banquinho ao lado da
cama e baixou o olhar. Seus cílios fizeram uma mancha escura
curvar contra suas bochechas.
— O que eu fiz para te ofender tanto? — Ela sussurrou.
Ele não poderia ter ficado mais surpreso. — Me
ofender? Me ofender?
Ele repetiu duas vezes porque não conseguia pensar em
uma única coisa coerente a dizer. Ela nunca fez nada para
ofendê-lo. Pelo contrário, ela fez tudo para seduzi-lo, para
encantá-lo, fazê-lo sonhar com ela em agonia – noite de suor.
— Eu sei que fiz alguma coisa porque você está sempre
tão.... Tão frio, mas eu não sei o que poderia ter sido porque
só quero... — Ela olhou para cima, seu olhar se deteve em
seus lábios, e seu estômago apertou em um punho. — Meu
pai me pediu para cuidar de você, e assim devo, mas.... Mas se
você quiser, posso dizer a ele.... Que você está bem, que não
precisa da minha ajuda. — D não podia ajudar a si mesmo.
Ele se inclinou e segurou seu pulso. — Eu quero você –
eu quero você, sua ajuda, — ele corrigiu, tropeçando em suas
palavras em sua pressa para falar, — E você não fez nada para
me ofender. Eu juro pela minha vida.
Ela respirou rapidamente. Seus olhos se arregalaram, sua
boca fez um – O – de surpresa. O olhar em seu rosto era pura
revelação, espanto que se transformou rapidamente em algo
que ele não conhecia, e teria pensado que era desejo.
No entanto, seu corpo não sabia a diferença. O calor
saturou o ar entre eles, correu batendo em sua virilha.
Ele soltou seu pulso como se sua pele o tivesse
queimado, o que aconteceu. Deitou-se contra os lençóis frios
e fechou os olhos uma vez mais, pensando que de todas as
coisas que seu pai poderia ter feito para torturá-lo, este era de
longe o pior.
O fruto proibido era sempre o mais tentador.
O relógio na parede, assinalando, o zumbido baixo de ar
fresco que foi bombeado através das catacumbas, Lix e
Constantine, flertando descaradamente com a Servus, no
outro extremo da sala.
Então a voz de Eliana, baixa e hesitante. — Eu... Eu
preciso limpar as feridas primeiro, antes que eu possa suturá-
lo. Vai doer, mas vou tentar ser o mais gentil possível. Tudo
bem?
Ele acenou com a cabeça, então porque não queria que
ela pensasse que estava sendo frio, acrescentou: — Sim. Por
favor. Obrigado.
Ele sibilou um fôlego entre seus dentes. Que desastre.
Ela trabalhou nele um pouco em silêncio, limpando
sangue com toalhas macias úmidas, limpando arranhões
superficiais com algodão mergulhados em álcool, arrastando
seus dedos nus sobre sua pele. A dor e o anseio o açoitavam
como o sol, e ele se perguntou se ela sabia exatamente o que
ela estava fazendo enquanto se inclinava sobre ele,
aquecendo-o com seu cheiro e sua proximidade,
engrossando-o como se tivesse tido muito para beber.
Ele enrijeceu com um pensamento: Era um
truque? Dominus estava usando ela.
— Aqui estão as suturas — murmurou ela. — Por favor,
segure o mais forte que puder.
A dor da agulha não era nada comparada à dor de deitar
meio nu ao lado dela, tendo pensamentos ilícitos, imaginando
se ela estava, mesmo agora, manipulando-o. Um pequeno
ruído escapou de sua garganta, e ela congelou entendendo
errado.
— Estou bem, — ele disse, apertando a mandíbula. Ele
acenou com a cabeça para enfatizá-lo. — Sólido como uma
rocha. Continue.
Ela fez. Ficou calmo entre eles por um momento, mas
não pacífico. Ele conseguiu manter sua respiração, mesmo
com um esforço de vontade incrivelmente difícil.
Ele disse: — Quando você aprendeu a fazer isso?
Ela fez um som em sua garganta. Embora sardônico, era
baixo e feminino e enviou uma erupção de arrepios pela
espinha.
— Caesar costumava escolher muitas lutas quando era
mais novo. Ele nunca venceu. Mas ele não queria que
Dominus soubesse, então eu tinha que ser a única que iria o
consertar. Aprendi desde o início a fazer suturas tão finas que
nem sequer deixariam uma cicatriz. — A voz dela tomou um
tom melancólico. — Aprender coisas novas sempre me
ajudou há passar o tempo.
Houve uma batida quando ele processou isso. Sua
consideração por ela estava em oposição exata à sua
repugnância pelo seu irmão, que, apesar do nascimento, não
recebeu nenhum dom. E o tipo de covarde que tinha de
diminuir os outros para se sentir maior. Perguntou-se como
seria para ela, mantida como um pássaro precioso e exótico
em uma gaiola sua vida inteira, limpando as bagunças de seu
irmão.
— Você chama seu pai de Dominus?
— Não em sua frente.
Ele abriu um olho para avaliar sua expressão. Seus lábios
cor-de-rosa estavam retorcidos em um pequeno sorriso
secreto. Ela o pegou olhando e seu sorriso se aprofundou. —
Ninguém lhe chama de nada em sua frente, não é verdade?
Ele deixou que seu silêncio fosse sua resposta.
Ela encolheu os ombros, um movimento que parecia ao
mesmo tempo casual e cheio de significado. — Eu sei. Você
não pode falar para mim. Ninguém pode falar comigo. Eu
não culpo você, sei como ele é.
— E você? — Disse ele asperamente, antes que pudesse
pensar. No minuto em que saiu da boca, mordeu o lábio,
amaldiçoando-se. Seu sorriso desapareceu.
— Eu... Na verdade, não, — ela disse, muito
suavemente, surpreendendo-o. — Ele é meu pai, é claro que
eu o amo, mas... — Ela parou, mordendo o lábio. — Mas nos
últimos anos ele parece tão... Ele parece... — Ela olhou para
ele, questionando, e ele se perguntou novamente se isso era
algum truque para fazê-lo se revelar.
— Ele é como sempre foi comigo, — ele disse
friamente.
A expressão dela se azedou. Ela apertou uma das suturas
forte, e ele respirou fundo, surpreendido – isso doeu.
— Vou lhe contar um pequeno segredo, Demétrio —
disse ela, com os lábios rígidos, olhando-o de soslaio pelas
pestanas enquanto continuava a costurar o braço. — Você
pode confiar em mim. Eu não posso fazer você acreditar
nisso, é claro, mas... — Ela se sentou um pouco mais reta. —
Espere, não, eu posso! — Ela parecia excitada. — Se eu te
contar uma coisa que ninguém mais sabe, algo que iria me
colocar num problema sério. Se eu lhe contar, você vai confiar
em mim?
Ele estreitou os olhos. — O que quer que você esteja
prestes a dizer, não faça.
Ela se inclinou tão perto que poderia ter o beijado, tão
perto que ele viu todos os detalhes de sua pele desprotegida,
a linha de seus cílios escuros, o perfeito arco de Cupido de seu
lábio superior.
— Eu não sou virgem, — ela sussurrou, olhando
profundamente em seus olhos.
Ele de repente sentiu como se estivesse conduzindo
fogo através de suas veias. Ao ouvir essa palavra em seus
lábios “ virgem” era como uma audiência alcoólica as
palavras happy hour. Sua boca literalmente cheia.
Então sua mente racional deu um pontapé: Ela está
brincando com você?
— Eu não estou no humor para jogos, menina, — ele
rosnou baixo em sua garganta.
Com isso, levantou as sobrancelhas. — Menina? — Ela
sorriu novamente, um sorriso de mulher, conhecedor e
misterioso. — Tenho vinte e três anos, apenas oito anos mais
jovem do que você. — Sua voz caiu uma oitava.
— E você não está olhando para mim como se pensasse
que sou uma menininha, Demetrius.
Com seu rosto flamejante, ele sentou-se abruptamente,
o último de sua paciência acabando. — O que é isso? — Ele
sibilou.
— Esta sou eu sendo honesta com você, — ela disse
imperturbável, surpreendendo-o novamente. Desta vez,
porque ela não tinha medo dele. Todo mundo tinha medo
dele. — Eu duvido que você obtenha muito disso, então pode
não estar familiarizado com isso, mas, francamente, acho que
você poderia ter um pouco mais de honestidade em sua vida.
— Você percebe que apenas falar comigo essas coisas,
poderia me matar. — A raiva afiada através de sua voz,
embora ele tivesse o cuidado de mantê-la baixa para que os
outros não ouvissem.
— E eu? — Ela era desafiadora sob seu olhar feroz. Sem
piscar. — Você não acha que há algum perigo para mim?
— Você é a filha do rei, — ele estalou agora lívido. —
Você receberá uma bofetada na mão. Eu vou ter a
minha cortada.
Inexplicavelmente, seu olhar caiu para seus lábios. —
Não, você não vai.
Ele olhou para ela, esperando.
Ela encontrou seu olhar novamente e suavemente disse:
— Eu nunca deixaria que ele te machucasse. Ver você é a
única coisa que tenho que me faz ansiar vir aqui.
Seu coração se dissolveu até os dedos dos pés.
— Pare com isso, — disse ele com os dentes cerrados.
Ela continuou calmamente como se não tivesse
falado. — Eu tinha dezessete anos. Ele foi um dos Legiones.
Varro era seu nome. Ele tinha vinte anos. Foi depois
da purgação de Natal. Ele foi morto uma semana depois em
uma briga de rua; eles disseram que estava bebendo...
D percebeu de repente o que estava falando. — Jesus!
— O que fazia sentido porque ele gostava de beber. Ele
era um perturbador...
Ele agarrou seus pulsos. — Pare! — Ele sibilou perto de
seu rosto.
— E eu provavelmente estava atraída por isso, porque
sempre tive que ser uma princesa tão perfeita, tão protegida e
aborrecida, mesmo que eu não tivesse nascido um menino, o
mais velho... — Ele se sacudiu da cama e plantou suas botas
no chão, se erguendo sobre ela, chocado com o que estava
saindo de sua boca, impotente para detê-la.
— Por favor.
— Mesmo que eu tenha matado minha mãe quando
nasci.
— Eliana! — Implorou.
— Eu ainda fui colocada em um pedestal e dada todos
os privilégios, mas se ele soubesse que eu dei a minha
virgindade para alguém de fora da minha própria casta, eu
provavelmente estaria flutuando abaixo do Tibre na
próxima purgação com todos aqueles outros infelizes que não
fizeram a transição.
Ele não conseguia respirar. Ele olhou para ela,
congelado.
— Então agora você sabe algo sobre mim. — Ela estava
respirando um pouco demais, sua cabeça inclinada para trás,
seus olhos brilhando escuro. — Agora você sabe um segredo
que poderia me matar. E não se engane Demétrio. Ele iria me
matar. Eu sou sua favorita, sou seu prêmio, mas não há nada
mais importante para ele do que honra. Nem mesmo eu. Eu
posso não saber muito sobre ele, mas isso sei até a medula dos
meus ossos.
Com um movimento fluido de seus pulsos, ela se soltou
de seu aperto, levantou-se, e deu um passo para trás.
Ela alisou as mãos na frente de seu simples vestido preto,
passou uma mão trêmula pelo cabelo.
Então ela puxou seus ombros para trás e apontou um
polegar para a cama. — Deite. Eu não terminei com esse
braço.
Atordoado, mudo, ele fez como lhe foi dito. Ele sentiu
como se tivesse sido atropelado por um caminhão.
A picada da agulha novamente, o puxão da linha. —
Então, — ela disse, bruscamente, depois de um longo
silêncio. — Nós nos entendemos?
Sentia uma vida diminutiva observando-os do teto de
rocha esculpida bem acima, uma aranha agachada na sombra,
girando sua teia. Ele sentiu uma verdadeira surpresa; nenhum
inseto vivia nas catacumbas e nenhum animal jamais se
aventurou perto, salvo os gatos selvagens. Todos sabiam o
que vivia na escuridão perpétua aqui, todos fugiram. Exceto
por aquele único, intrépido aracnídeo acima, tenaz como o
felino diante dele.
— Você seria um grande general, você sabe disso? —
Ele finalmente disse, de má vontade admirando.
— Vou aceitar isso como um sim.
Sua bússola interna começou a se ajustar lentamente,
magneticamente atraída para ela como se a terra tivesse girado
em seu eixo e ela estava – de repente, absolutamente –
verdadeiro norte. Ele era um pensador, um
analisador mais, tão frio e calculista como um computador,
mas a proximidade de Eliana bateu sua placa mãe e causou
em todos os seus circuitos um curto.
Perigo! Um alarme distante gritou, piscando em
vermelho. Perigo! Abortar!
D limpou a garganta. — Eu me lembro dele.
Os dedos de Eliana, hábeis e quentes, congelaram em
seu braço.
— Varro. Ele era forte. Bravo. Imprudente, mas
corajoso.
Uma sombra cruzou seu rosto. Tristeza? Ele se
perguntou. Arrependimento? Ela sentiu falta dele? O
pensamento o fez ferver de ciúme e trouxe para fora seu lado
implacável. — Eu pensei que você escolheria alguém um
pouco mais bonito, no entanto, — ele retrucou. — Ele não
era um Constantine, isso é certo.
Ela olhou para seu peito, seu pescoço, os anéis de prata
em sua sobrancelha. Seus olhares se encontraram de
novo. Sua resposta foi muito baixa. — Algumas garotas não
querem um namorado que seja mais bonito do que
elas. Algumas garotas gostam de tatuagens. E piercings.
O calor passou de novo entre eles, brilhante como a luz
do sol, queimando. Houve um puxão, um abrandamento, e
ele sentiu-se deslizar, sentiu a inclinação do quarto. Sua
frequência cardíaca disparou. — Eliana.
— Como é? — Ela interrompeu.
Lançado fora do equilíbrio – novamente – ele franziu a
testa. — Como é o que?
Ela baixou o olhar para seu braço, observando
atentamente como uma gota errante de chuva ainda
perfurando em sua pele começou a rastrear lentamente sobre
seu bíceps.
— O lado de fora.
Ele inspirou pelo nariz, calculando. Ela poderia estar
manipulando-o ainda. Ela poderia estar testando-o, para usá-
lo – embora pudesse ter qualquer um que quisesse para usar,
porque ele? Ela poderia simplesmente estar conversando.
Mas não. Eliana não era assim. E sentiu em suas células
que ele não estava sendo manipulado; ele tinha um nariz
afiado para isso, tendo servido seu pai por tantos anos. Ela
realmente queria saber. E depois que dissesse a ela.... Ela ia
pedir que ele a levasse para fora.
Ele sabia disso. Ele sabia disso.
Ele deveria se levantar agora, voltar para sua própria
cama, deixar suas feridas curarem sozinhas e nunca, nunca
falar com ela novamente. Sim, ele deveria fazer isso.
Em vez disso, ele abriu a boca e, em voz rouca, disse:
— É... Tudo.
Sua respiração se acalmou. Ela encontrou seu olhar.
— É terrível, duro e cruel. É lindo, grandioso e
deslumbrante. É... — Ele hesitou, procurando, —... É o
paraíso e o inferno e seu pior pesadelo e seu sonho mais
querido, tudo se transformando em um. E você nunca sabe o
que vai vir a seguir, porque nada é o que se espera, e isso é o
que faz com que seja assim tão surpreendente. E tão terrível.
Seus olhares prenderam, o momento aprofundou-
se. Seus dedos mantiveram uma fraca e encantadora pressão
no braço.
Ela disse: — Eu quero vê-lo.
— Você não pode.
— Eu quero.
— Seu pai.
— O que meu pai não sabe, — ela disse, olhos escuros
brilhando. — Não vai machucá-lo.
Seu coração estava de repente como uma coisa selvagem
em seu peito, roendo, torcendo. Ela não estava falando
apenas de ir para fora. Ela estava falando sobre
ele. Sobre eles.
— Você não quer dizer isso, — ele disse, sua voz baixa
e rouca.
— Não quero? — Ela não piscou. Ele viu algo em seu
rosto que nunca viu antes: aço.
Não havia como confundir aquela voz, aquele olhar. Ele
estava bem familiarizado com isso, tendo vivido em silêncio
sua vida inteira. Mas havia algo mais também, alguma
qualidade inefável, saudade ou solidão que agitaram a besta
dentro dele para o frenesi.
Ele estava errado? Ele estava interpretando mal essa
coisa toda? Isso era apenas um desejo sua parte?
Ele tinha que saber. Ele tinha. Ele tinha que fazê-la dizer
isso.
— Você pode ter qualquer homem nesta
colônia, princesa. Há mil homens que lutariam pelo privilégio,
mais mil que tomariam uma sentença de morte apenas para
beijar sua mão. Você não precisa de mim.
Seu rosto se suavizou.
— Eu não os quero. Eu não os quero, Demetrius. Eu
quero você.
Uma guerra estourou dentro de seu corpo. Calor,
tempestade e fúria, um raio de desejo contra sua fortaleza de
bom senso, explodindo pedaços de cautela.
Eles ficaram olhando um para o outro um longo, longo
e silencioso tempo, seus dedos em seu braço, seus olhos
procurando em seu rosto, os sons de outras conversas
apagados. Sabia que sentia o prazer e a fome, sabia que sentia
o pulso latejar sob a pele, e sabia, sem dúvida, que embora
fosse estúpido, perigoso e completamente proibido, ia levar
esse precioso ser oferecido a ele porque a queria com cada
átomo de seu ser, e quis por anos.
Muito baixo, ele disse: — Quando?
Seus olhos brilharam. — Depois da purgação. Ele vai
ficar distraído. Ele está sempre distraído então. Encontro
você na igreja submersa.
Um puxar entre eles novamente, mais forte. A
necessidade de beijá-la era quase irresistível. Para gerenciá-lo,
ele disse algo, qualquer coisa.
— Use preto.
Ela deu um sorriso, brilhante, desolador.
— Eu sempre não uso?
Então ela se inclinou e beijou-o nos lábios – rápido e
suave, deixando-o e virado, voltou a trabalhar em seu braço.
Quando Morgan acordou em algum momento da noite
- desorientada, sedenta e dolorida – ela ficou por um
momento completamente desconhecida com o que a
rodeava. O quarto escuro, a cama estranha, a perna pesada
lançada sobre a dela.
A memória voltou aguda como adagas.
Ela virou a cabeça com muito cuidado no travesseiro, e
lá estava ele ao lado dela grande, macho e adormecido.
Xander. Seu assassino. Seu amante.
Ela não tinha certeza do que era pior.
Ela não se arrependeu, embora, não realmente. Bem,
ainda não. Porque a febre ainda queimava como um sol
engolido dentro dela, e mesmo agora seus hormônios estavam
subindo novamente como uma maré. Deixou-se levar por ele,
flutuando em direção ao inevitável, em direção ao que fizeram
uma e outra vez, até que finalmente ambos caíram dormindo,
exaustos e a dor que sentira, tendo afastado.
Agora estava de volta. Ela precisava dele de novo. Ela se
preocuparia com as consequências mais tarde.
Ela se mexeu debaixo dele, rolou para seu lado,
empurrou-o para suas costas com uma mão plana em seu
peito. Ele fez um som baixo em sua garganta e se esticou – ela
sentiu, a forma como seus músculos se alongaram, puxou
tenso e tremeu então relaxado – mas não acordou. Ela
acariciou seu nariz em seu pescoço, e seu braço envolveu seus
ombros, puxando-a para mais perto.
Ele murmurou algo em seu sono que soou como seu
nome.
Ela passou os dedos sobre a extensão de seu peito, sobre
o campo de marcas, sobre seu peito nu acima de seu mamilo
esquerdo que ela assumiu seria logo preenchido. Ela
empurrou o pensamento de lado e deixou seus dedos
acariciarem mais para baixo, sobre o curativo ainda enrolado
em torno de sua cintura, sobre os músculos duros e achatados
de sua barriga, sobre a trilha de pelos que levava do seu
umbigo diretamente para a ondulação trilhando para sua
ereção, já quente e latejante duro contra a sua mão.
— Eu te disse que você seria a minha morte, — ele
murmurou em seus cabelos. Ela não pôde evitar: ela riu.
— Tudo é justo no amor e na guerra, — ela brincou.
Sentiu-o acordado. Ela olhou para seus olhos, quentes,
sem fim de âmbar, sombreado por aqueles cílios escuros.
— Não estamos em guerra — disse ele, muito sério, e
afastou uma mechinha de cabelo da testa.
— Não até o sol se levante, — ela lembrou, acariciando
a ponta dos dedos por seu duro eixo. A pele lá era tão macia,
a coisa mais suave que ela já sentiu, como seda derramada
sobre aço.
Ele estremeceu, franzindo a testa, e puxou-a para mais
perto.
— Nunca, — ele sussurrou em seu ouvido.
Ela encontrou um ritmo com sua mão, persuadindo uma
resposta dele, persuadindo seus quadris a empurrar e puxar,
ela amou sua masculinidade, o poder bruto. Ele pressionou
um beijo em sua têmpora, sua bochecha. Ela acariciou-o até
que sua respiração ficar errática e ele a beijou na boca, duro e
exigente.
Ele disse algo para ela naquela sua língua – musical e
mágico português – e sua mão abrandou. Seus dedos
suavemente apertaram e soltaram, explorando,
provocando. Ele gemeu, seu rosto virou para seu cabelo.
— O que isso significa?
— Significa que você está me deixando louco.
— Não, o que você acabou de dizer. — Ela correu seus
dedos sobre uma veia latejante na parte de baixo de seu eixo,
ao redor e em torno da cabeça cheia em cima, e ele gemeu
novamente, mais alto. Sua própria respiração ficou
irregular; ela o amava assim. Como massa de vidraceiro em
suas mãos. Dura massa de vidraceiro.
Ele colocou o rosto em suas mãos, beijou-a novamente,
profundamente.
— Significa — disse ele quase ofegante, — Não pare.
Tinha sido muitas palavras para significar simplesmente
— Não pare, — mas ela não o empurrou – ela estava distraída
agora por sua mão em seu peito, beliscando seu mamilo,
derivando para baixo para acariciar a umidade suave entre
suas pernas.
Ela ofegou quando seu dedo deslizou dentro dela, e ela
viu o flash de seus dentes quando ele sorriu.
— Dois podem jogar neste jogo, amor.
Isso a emocionou, ouvir essa palavra em seus
lábios. Amor. Ela escondeu-o girando o rosto para seu peito
e beliscando seu mamilo. Ele deu um pulo e gritou: — Oh!
Ela sacudiu a língua e lambeu onde seus dentes acabaram
de estar, chupando e beijando, acariciando com sua
língua. Ele relaxou de volta contra o colchão com um gemido
baixo, e ela continuou beijando por seu peito, passando suas
mãos sobre sua pele, esfregando sua bochecha contra sua
barriga, ridiculamente musculosa e dura contra seu rosto. Ele
estremeceu quando ela o beijou lá, roçando seus lábios através
dos cumes de seus abdominais, mergulhando sua língua em
seu umbigo. Ele deslizou suas mãos em seu cabelo,
empurrou-o fora de seu rosto para que pudesse vê-la.
Ela olhou para ele, maliciosamente. Enquanto ele
parecia, rígido e sem fôlego, com os olhos arregalados, ela
deslizou a língua para baixo, mais baixo, até sentir seu calor e
sua dureza contra a coluna de sua garganta. Segurando seu
olhar, ela o segurou em sua palma, lambeu seus lábios, e o
observou tremer.
— Devo continuar? — Ela sussurrou, brincando, já
sabendo o que sua resposta seria antes que ele assentiu
enfaticamente que sim.
Mergulhou o queixo, sacudiu a língua e deslizou-a por
cima daquela cabeça dura e de veludo.
Ele ofegou. Então ela abaixou a cabeça e o levou em sua
boca, chupando gananciosa e querendo ouvi-lo gemer.
Ele fez, em voz alta. Ele se arqueou do colchão, sua
cabeça retrocedeu no travesseiro, suas mãos apertadas em seu
cabelo, tremendo, quente. Ele gemeu o nome dela e Morgan
adorou o som dele, amou o poder que ela sentia, a maneira
como ele se moveu, instintivo e impotente em suas mãos, em
sua boca, o gosto dele, seu calor e cheiro esfumaçado.
Arrastou-a sobre ele e, sem preliminares, com apenas um
rápido e duro movimento de seus quadris, empalou-a tão
profundamente que os seus ossos pélvicos se encontraram.
Morgan o ouviu gemer de novo, estremecendo sob ela,
mas ela estava em outro lugar, embriagada de prazer e calor,
e essa nova fome em ondulação que se erguia dentro dela
como uma onda, como um demônio, escuro e devorador. Ela
começou a mover-se sobre ele, balançando, fazendo círculos
minúsculos com sua pélvis, sua cabeça inclinada para trás e
seus olhos fechados, o ar fresco contra sua pele ardente, o
cheiro de chuva e relâmpagos no ar. Suas mãos levantadas
para cobrir seus seios, ele murmurou algo ininteligível. Parecia
um apelo. Ela não parou; ela não podia. Ela estava fora de si
mesma. Ela estava flutuando.
Ele se sentou e agarrou-a pela cintura. Ela agarrou seus
ombros e levou-o ainda mais para dentro, encontrou seus
impulsos com os seus próprios, arqueando contra seus
joelhos, abrindo-se para ele como uma flor. Seu cabelo se
espalhou pelas pernas abertas.
Fogo branco e dor, fricção e acariciamento, o som de sua
bela voz abafada contra seus seios quando ele a beijou lá,
urgente, lábios quentes em seus mamilos, puxando contra sua
pele. A culminação estava correndo por ela, brilhante como
um cometa, e ela estava ofegante, tremendo, dizendo seu
nome.
— Olhe para mim — disse ele, rouco, e colocou o rosto
em suas mãos.
Morgan abriu os olhos. Ele estava olhando para ela, um
olhar de algo como angústia em seu belo rosto. — Oh-Deus-
eu estou quase.... Eu estou...
— Eu quero te ver. Eu quero observar você. Deixe-me
ver isso acontecer. — Sua voz era suave, tão suave, quase tão
tenra quanto seus olhos, e ela explodiu.
Meio gemido, meio soluço, e ela estava por cima do
limite, estremecendo, quebrando e olhando para baixo em seu
rosto, alarmada com a umidade descendo em seus olhos,
impotente para detê-lo.
— Sim, querida, sim, — ele sussurrou reverente,
enquanto seu corpo se apertava ao redor dele.
Ele era tão bonito para ela, em seguida, absorto e de
olhos arregalados para o prazer que ele estava testemunhando
– o prazer que ele estava dando a ela – que doía. Queimou
como ácido em sua garganta.
Ela começou a chorar.
— Maldito seja, — ela soluçou, enterrando seu rosto em
seu ombro.
Ele se acalmou, apertou seus braços ao redor dela. —
Está tudo bem, — ele sussurrou, acariciando seu cabelo. —
Vai ficar tudo bem.
— Não, não vai, — disse ela, soluçando ainda mais. —
Não vai ficar bem! Não diga isso! Não minta para mim!
— Shhh.
Ele a embalou, a balançou, acariciou lhe as costas e alisou
o cabelo. Tudo que ela podia fazer era esconder seu rosto e
tremer em seus braços. Ele ainda estava dentro dela, ainda
latejando quente, sem alívio, e embora ela quisesse fugir e se
esconder, ele era tão quente e tão forte e tão.... Maldito....
Maravilhoso.
Deus, ele era maravilhoso.
— Eu t-te odeio, — soluçou contra seu ombro.
— Eu sei — murmurou, acariciando-a. Ele apertou um
beijo em seus cabelos. — Eu sei.
Ele deixou que ela se acalmasse, deixou o choro lento e
depois parou. Ele a acomodou no colchão e se sentou ao lado
dela, limpou as lágrimas com os nós dos dedos, beijou suas
bochechas quentes. Ele olhou profundamente em seus olhos
e disse suavemente. — Eu odeio você também, linda
garota. Tanto. — Ele roçou seus lábios contra os dela, apenas
acariciando, terno. — Tanto.
Ela mordeu o lábio, virou-se. Ela não podia lidar com
isso – a emoção a estava esmagando, muito
terrível, muito. Sua mão acariciou seu rosto, ele a virou de
volta para ele com dedos suaves sob seu queixo.
— Não se esconda de mim. Você nunca precisa se
esconder quando estiver comigo.
Aquele aperto horrível em seu peito outra vez, o brilho
em seus olhos. Ele beijou a lágrima que deslizou sobre sua
bochecha, pegou outra com a ponta do dedo e roçou-a. Ela
queria virar, mas não o fez, e ele viu, e então havia umidade
em seus olhos, também.
— Você é o amor da minha vida,27 — ele murmurou sua
voz embargada. Ele a beijou com um desespero que lhe tirou
o fôlego, um desespero que era igualado apenas pelo dela. Ela
se agarrou a ele, e ele se moveu entre suas pernas e empurrou
dentro dela.
— Diga isso de novo, — ela implorou, sem saber o que
ele disse, mas sabendo, sentindo como se ela fosse se
afogar. — Diga tudo. Diga-me tudo, Xander, diga-me agora,
27
Ele disse isso em português.
antes que seja tarde demais.
E ele fez. Seus lábios nos dela, seu corpo se movendo
dentro do dela, seus batimentos cardíacos batendo fortes e
erráticos contra seu peito, ele deixou as palavras se
derramarem. Suave e quebrada e em uma língua que ela não
entendia, que derramou dele e sobre ela e queimou sua alma
em cinzas.
Mais tarde, muito mais tarde, à medida que a madrugada
rastejava rosa e lavanda sobre as colinas de Aventino, Xander
acordou sozinho.
Era uma vez, quando ela era uma menina não mais alta
que o muro de tijolo revestido do poço de Drowning, a mãe
de Morgan lhe contou uma história.
— Vou lhe contar uma história — disse com aquele
olhar distante em seus olhos que às vezes fazia Morgan ter um
pouco de medo por uma razão que não entendia. A canção
que ela estava cantando morreu em seus lábios como se as
fadas de madeira a arrebatassem para fora de sua boca.
Estavam andando de mãos dadas através do brumoso
sol da manhã, à altura dos joelhos, nas ondas de urzes
selvagens que cresciam como ervas daninha à beira da
Floresta Nova, observando pequenas borboletas brancas
voando com graça irregular em torno de campainhas e botões
de ouro, ouvindo a doce sinfonia do canto dos pássaros e as
brisas sussurradas através dos pinheiros.
— Uma história — Morgan sussurrou encantada, com o
receio da menina que não perdeu até os seis anos, observando
o caixão de sua mãe sendo abaixado em uma camada de duro
chão de inverno. Ela olhou para a mãe – viva ainda naquela
verdejante manhã de primavera – e viu o que sempre viu: uma
princesa de contos de fadas com a pele branca como leite e
um sorriso agridoce e uma galáxia de tristeza em seus olhos
verde-folha.
Mesmo como uma criança pequena, Morgan reconheceu
que sua mãe era bonita, e muito, muito triste.
— Havia uma vez uma menina chamada Kalamazoo, —
começou sua mãe, e Morgan riu, gostando do som do
nome. O olhar pálido de sua mãe inclinou-se para o dela, e ela
começou de novo, seus lábios inclinados para cima nos
cantos. — Kalamazoo, — ela disse, — Era uma menina
obstinada, à frente de seu tempo, muito inteligente, forte e
independente. Ela também era linda – alguns até disseram que
ela era abençoada por anjos no dia em que nasceu, tão bonita
que era – e curiosa e gentil.
A voz de sua mãe tomou um tom mais sombrio. Como
se o próprio céu soubesse o que estava por vir, uma nuvem
passou sobre o sol.
— Mas Kalamazoo tinha uma... Falha.... Fatal.
Elas diminuíram a velocidade e depois pararam ao lado
do tronco enorme e podre de um antigo pinheiro, coberto de
líquen e hera, derrubado por alguma tempestade há muito
tempo. Sua mãe levantou-a, colocou-a balançando em sua
beira para que elas estivessem quase no nível dos olhos uma
com a outra, segurou suas mãos em torno de sua cintura para
estabilizá-la até que seus pés descalços encontraram o
equilíbrio sobre a casca áspera. Os pés de sua mãe também
estavam nus; nenhum deles usava sapatos na floresta.
— Ela queria, — disse sua mãe com profunda
solenidade, olhando nos olhos de Morgan. — Ela tinha tudo,
mas queria outras coisas, qualquer coisa que não tivesse. Seus
cabelos eram escuros e ela queria que fosse ouro, o céu estava
claro e ela queria que chovesse, sua casa estava no bosque e
ela queria. Ela tanto queria – viver na cidade. Ela queria ser
uma garota que falava línguas exóticas e dançava o tango
argentino com um belo estranho em um bar esfumaçado e
fosse capaz de dizer jovialmente, coisas como, “Oh, obrigada
pelo convite adorável, mas estou indo para Cannes este fim
de semana para o festival.” — Kalamazoo sonhava com todas
as coisas que não tinha e andava o tempo todo com sua alma
desejando tanto todas aquelas coisas como e não tivesse nada
para usar em seu corpo como uma camisa amassada.
— E isso, — disse a mãe de forma ameaçadora. — É
por isso que os duendes conseguiram pegá-la.
Os olhos de Morgan se arregalaram. — Duendes? — Ela
sussurrou.
Sua mãe acenou com a cabeça. — Duendes, você vê, não
são como nós. Eles não comem comida regular. Eles não têm
uso para carne e leite e doces. O que eles comem...
O pequeno coração de Morgan batia em seu peito. Sua
mãe se inclinou para mais perto.
—... São almas.
Embora estivesse quente, Morgan estremeceu,
desejando poder colocar sua alma em algum lugar mais seguro
dentro dela, onde os duendes não conseguissem chegar.
— Mas eles não podem simplesmente pegar nossas
almas. Oh, não, não é assim que funciona! Eles têm que fazer-
nos dar nossas almas livremente. E você sabe como eles
fazem isso?
Morgan enfiou o polegar na boca e furiosamente sugou.
Em voz vazia e chumbo, sua mãe disse:
— Esperança. Eles atacam nossa esperança. Mais doce
do que o mel e mais embriagador do que o vinho, a esperança
é a atração que eles usam. Eles sussurram em nossos ouvidos
todas aquelas coisas que tão desesperadamente desejamos que
possamos ter um dia, e assim nós vamos contornando a
cobiça, sonhando e deixando nossas almas arrastar-nos em
torno de desejos até que finalmente estamos tão
atormentados que não percebemos que a nossa alma deslizou
diretamente fora de nosso corpo como um caracol desliza
fora de sua concha e nós ficamos ocos.
— E foi isso que aconteceu com a adorável
Kalamazoo. Pouco a pouco, dia após dia, esperança pela
esperança, sua alma escorregou e os duendes devoraram cada
último pedaço dela. Sem a sua alma, a pobre menina
rapidamente se perdeu e morreu, e quando a enterraram, nada
cresceria em torno de seu túmulo, nem sequer uma flor,
porque qualquer um que morra sem uma alma é amaldiçoado
para sempre.
Imaginando os duendes, o túmulo e o terreno estéril,
Morgan chiava de terror.
Sua mãe levantou-a. Morgan se aconchegou tremendo
contra seu peito, escondeu o rosto nos suaves cabelos de sua
mãe. Elas começaram a longa caminhada de volta para
Sommerley.
— A esperança é uma droga, meu amor, — sua mãe
murmurou suavemente em seu ouvido. — A esperança é uma
tragédia. Ela irá assombrá-la com seu perfume agridoce e
adicionar seus sentidos e, finalmente, deixá-la louca. Criaturas
como nós não podem arcar com a insanidade da esperança,
porque tudo o que somos e sempre seremos pode ser
encontrado dentro de cinquenta milhas de onde estamos
agora. Não pode haver mais para nós. Então, observe sua
alma com cuidado, garota doce. Observe para que você não
dê para os duendes o que eles desejam. Procure a esperança
dentro de si mesma e não tenha medo de fazer o que
Kalamazoo não fez: esmague-a.
Morgan não era mais do que um bebê, mas lembrou-se
da história de Kalamazoo tão vívida como fogos de artifício
contra o céu noturno, e agora sentada de pernas cruzadas no
gramado coberto de água da casa segura, miserável com febre
e desgosto, observando o sol nascer em uma bola laranja
ardente sobre o horizonte oriental – ela sabia por que sua mãe
disse isso.
Porque, como ela, Morgan queria. Talvez fosse uma
coisa genética, transmitida em seu DNA, talvez fosse apenas
má sorte. Mas Morgan foi assombrada por aquela velha puta
que queria toda a sua vida, e embora sua mãe tivesse tentado
adverti-la de que sua própria alma estava em perigo, ela não
escutou.
Ela fez o pior. Tinha-a levado a cometer o maior erro de
sua vida, um com o preço mais caro. E agora a prima malvada
Esperança, eclodiu dentro dela como um ovo de dragão e ela
seria devorada por dentro, sua alma expulsa para a festa dos
duendes.
Xander era o calor que incubou esse terrível ovo de
esperança. Com as mãos, os lábios, a poesia de suas palavras
e a incandescente e escuro calor de seus olhos, ele aumentou
a esperança dentro dela até que ela mal podia respirar com
possibilidade.
E se.
As duas palavras por si só eram inofensivas. Mas colocá-
los juntos – e se? Inofensivo cresceu e sugou todo o seu
sangue.
Ela não podia pagar por outro erro caro. Agora sabia o
que tinha de fazer.
Ela ouviu passos rápidos na casa, ecoando por salas
vazias. Seu nome era freneticamente chamado, fraco, depois
mais perto, mais alto. O som da porta dos fundos se abriu,
batendo na parede externa com um golpe forte que enviou
um emaranhado de pardais gritando dos galhos de um olmo
para o céu matutino. Respiração pesada, uma longa pausa, em
seguida, passos hesitantes roçando luz como as asas de
borboleta sobre a grama e ele estava atrás dela. Ele
permaneceu ali por um momento em silêncio, e ela sentiu o
peso de seu olhar como uma quente pressão sobre suas costas.
— O que você está fazendo aqui fora? — Xander
murmurou sua voz cheia de preocupação. — Está
frio. Entre. Volte para a cama.
Volte para a cama – apenas isso foi o suficiente para
fazê-la vacilar. Ela colocou os dentes contra a necessidade que
se agitou dentro dela, a dor que sua proximidade causou. Os
hormônios da febre eram ruins o suficiente, mas seu coração,
oh, seu coração...
— É lindo, não é? — Pensou, observando o nascer do
sol alaranjado, observando o céu subir de azul-púrpura para
âmbar para rosa brilhante, translúcido como uma água-
viva. — Quando eu era pequena sempre me perguntava se o
nascer do sol parecia o mesmo em qualquer outro
lugar. Como em uma praia em Fiji, ou em algum outro lugar
que eu nunca veria.... Seria isto o mesmo?
Ela sentiu quando ele ficou tenso, ouviu sua respiração
vacilar, apenas por um segundo. Então, ele se aproximou e
ajoelhou-se atrás dela na grama molhada, o aroma de
especiarias, pele e masculinidade fazendo seu melhor para
despedaçá-la em dois.
Sem tocá-la, sua voz muito baixa, ele disse: — Diga-me.
Deus, ter alguém que te conheça assim. Sem uma
palavra, sem sequer um olhar, ele sabia. Ele a fez tremer em
miséria. Uma noite de respirações, corpos e batimentos
cardíacos compartilhados, de segredos sem palavras passados
entre a carne, e os corações podem tricotar e fundir-se juntos
como dois fragmentos de cura de osso estilhaçado.
Morgan se perguntou por que sua mãe também não a
advertiu. Eviscerar esse órgão recém curado parecia uma
coisa ainda mais terrível do que ter um duende devorando sua
alma.
— O que aconteceu ontem à noite... Esta... Coisa...
Entre nós...
Ela hesitou, sem fôlego, lutando. A mão de Xander
pressionou contra sua parte inferior das costas, deslizou sob
seus cabelos, espalhou calor sobre o espaço entre suas
omoplatas. O polegar começou a traçar lentamente a coluna,
e ela enrolou os dedos dos pés nus na grama úmida. Uma
joaninha pousou no peito do seu pé e começou um amplo
movimento em ziguezague sobre seu pé. Não fazia
cócegas; ela não sentia nada.
— Isso não pode acabar bem. Não há fins felizes para
pessoas como nós, Xander — sussurrou ela, olhando para o
céu. — Nós dois sabemos disso.
Passou muito, muito tempo antes de ele responder. Seu
polegar manteve um ritmo lento sobre sua pele.
Quando ele finalmente falou, ele parecia mais velho, e
muito cansado.
— Sim.
Ela ficou surpresa com o quanto isso doeu, e o alívio foi
que ele não tivesse tentado mentir. Inclinou a cabeça e fechou
os olhos. Ele deslizou sua palma para cima de seu pescoço e
cobriu a base de sua cabeça com sua mão.
— Mas ainda temos um tempo, — disse ele suavemente
suplicando. — Temos hoje, e esta noite, e mais oito dias e
noites depois disso. Algumas pessoas vivem suas vidas
inteiras e nunca conseguem isso.
Ela inalou uma respiração longa e trêmula, e então suas
mãos estavam em seu cabelo e seus lábios estavam em seu
ombro, seu pescoço, sua bochecha. Ela se apoiou contra ele,
tentando não quebrar, tentando empurrá-lo para longe, mas
então ele a tomou em seus braços e apertou-a contra seu peito
e ela quebrou envergonhada e enraivecida que não havia nada
a ser feito sobre isso, exceto chorar.
— Deixe-me ir, não posso, não podemos.... Ela não
conseguiu, mas sabia. Ele sabia o que ela queria dizer.
— Mais um dia, então — ele insistiu, colocando o rosto
em suas mãos. Seus olhos ardiam quentes e desesperados,
brilhantes como sóis moribundos. — Me dê mais um dia, só
até que a febre passe...
— Não! Eu já fui... — Ele a beijou, duro, a cortou antes
que pudesse dizer muito longe. Eu já fui longe demais. Ele a
beijou como se fosse à última vez que a beijou e ninguém
nunca mais a beijaria, e seu cérebro atrapalhado acendeu a
Febre até que todos os seus pelos estavam se encrespados nas
cinzas do inferno de seu desejo por ele.
— Uh, — ela ofegava, rompendo. — Quando a febre
passar.
— Terá acabado, — prometeu, recolhendo-a em seus
braços. — Teremos acabado e nunca mais falaremos sobre
isso.
Ela estava acenando com a cabeça, estava chorando,
estava tentando esmagada pelo ataque horrível e violento de
adrenalina que fez seu coração bater e seu sangue ferver.
Espero, pensou ela, delirante. Você é mal bastardo. Mais
um dia, e então eu colocarei uma estaca no teu maldito
coração.
Xander colocou um braço ao redor de suas costas e
outro enganchou atrás de seus joelhos, e ele a levantou da
grama em um movimento rápido como se ela não pesasse
nada, absolutamente nada. Ele roçou seus lábios contra sua
testa, colocou a sua contra ele, e correu de volta para a casa
com ela embalada suavemente em seus braços como um
tesouro, como algo frágil, precioso e fugaz, um pardal de asas
quebradas quase curado o suficiente para voar.

Matheo foi acordado pelo barulho alto, ecoando de uma


porta de metal se fechando.
A dor latejava pelo ombro e pelas costas, o chão frio sob
ele lambia o calor de seu corpo, o sabor afiado e acre de álcool
e urina queimava suas narinas. Abriu os olhos e olhou em uma
incompreensão vazia em seu ambiente desconhecido.
Paredes de blocos de cimento em três lados, uma porta
deslizante de metal com grade no quarto, um piso de cimento
rachado com um dreno central redondo. Linhas de brilhantes
lâmpadas fluorescentes brilhavam do teto.
Sua boca ficou seca como osso.
Ele estava em uma cela. Mais corretamente gaiola.
Ele saltou em um rápido movimento para as quatro
patas e ficou tenso e eriçado no centro da gaiola quadrada,
testando o ar azedo com o nariz, medindo o perigo com todos
os seus sentidos. Fios de conversa distante chegaram aos seus
ouvidos, palavras desarticuladas que foram abafadas pelo
baixo zumbido de um antigo condicionador de ar e a hélice
de um helicóptero pairando invisível em algum lugar bem
acima do telhado. Ele escolheu várias surpreendentes
palavras, – investigação, espécime, testes – observando o fato
de que eles estavam falando em Inglês, mas concentrando-se
mais profundamente no tom da voz dos alto-falantes.
A gaiola era ruim o suficiente, mas aquela excitação era
ainda pior.
Seu olhar varreu o corredor estéril para além das barras
estreitamente espaçadas da porta deslizante. Ele viu um chão
de pedra, algumas gaiolas vazias, além disso, eram réplicas das
mesmas, e não muito mais. O horror total de sua situação
desceu sobre ele com uma clareza de tirar o fôlego, e ele ficou
paralisado, sua mente um emaranhado de lembranças,
cálculos, planos.
Lembrou-se dos três inimigos Ikati machos, ele lembrou
a luta no clube, o caos, os gritos, a menina com o telefone
celular, a polícia.... Seu coração gelou.
A polícia. Tiros.
Julian.
Julian foi baleado. Ele foi para baixo na pista de dança
em um spray de sangue carmesim enquanto Matheo e Tomás
rosnaram de raiva e saltaram sobre o atirador e os outros
machos Ikati fugiram. Eles atacaram o policial sem qualquer
reconhecimento, mas havia outros ali, mais homens gritando
e uniformizados com armas e bastões e de Taser que, em
última instância, derrubaram Tomás e ele com choques por
trás. Ele não se lembrava de nada depois disso, e agora só
restavam perguntas para provocá-lo.
Julian ainda estava vivo? Onde estava Tomás? O que os
proprietários dessas vozes vão fazer com eles?
Dor brilhou em seu ombro enquanto ele coxeava para
frente da gaiola. Seu braço estava quase rasgado da briga – um
daqueles machos selvagens afundou suas presas nele e dado
uma grande, sacudida de sua cabeça - mas curaria mais rápido
quando estava em sua forma natural. Não que ele fosse capaz
de voltar a ser humano, mesmo que quisesse. A mudança não
viria quando houvesse qualquer ferimento; mesmo o menor
corte iria impedi-lo. E ele definitivamente não iria chamar a
mudança enquanto estivesse em cativeiro, mesmo se ele
ficasse aqui o suficiente para curar completamente. Seus
captores não conseguiam ver o que ele realmente era. Sua
própria vida.
E a de Julian e Tomás dependiam disso. Um de sua
espécie nunca – nunca – foi levado vivo por seres
humanos. Ele sabia, sem questionar, que, se isso acontecesse,
se ele não pudesse encontrar uma maneira de escapar, teria
que se matar.
Se necessário, arrancaria uma artéria importante com os
próprios dentes.
Ele se dirigiu silenciosamente para frente da cela, com as
orelhas planas contra a cabeça, examinando as paredes e o teto
por qualquer sinal de câmeras de vigilância. Não havia
nenhum, e nada mais moderno. Este hotel parecia e cheirava
a meio século. Não era um zoológico, isso era muito claro,
embora um cheiro de mofo de primatas há muito
desaparecido emanava de rachaduras úmidas no
chão. Macacos, pensou. Gorilas e orangotangos. Outros
animais também vivem invisíveis nas proximidades. Uma
confusão de aromas de roedores e de mamíferos se
aglomerava em seu nariz, mas por baixo dele tudo permanecia
um cheiro curioso de decadência. Não, não decadente,
exatamente, era mais frio e mais acre, mais como... Morte.
Uma sacudida de medo o abalou ao perceber que este
era provavelmente um abrigo para animais. A julgar pelo
cheiro, um abrigo de morte.
Um grunhido irritado e baixo roncou em seu peito. Ele
ecoou através da gaiola vazia fazendo ressoar, engatando e foi
imediatamente respondido por outro como ele, em algum
lugar perto.
O coração de Matheo acelerou. Ele chamou uma
saudação com um rosnado baixo, bufante e coxeou sobre o
cimento frio para frente da gaiola. Seu olhar se lançou sobre
as gaiolas opostas até que de repente ele viu na extremidade
do longo corredor uma visão que aliviava seu ritmo cardíaco,
senão o caos agitado de sua mente.
A enorme figura negra de Tomás olhou para ele com
olhos ferozes, iluminados pela tempestade, atrás das barras
estreitas de sua própria gaiola. Matheo fez, um baixo gemido
insatisfeito suave em sua garganta – você pode acreditar nesta
merda? E Tomás respondeu com um rosnado cortado de
frustração. As marcas da garra marcaram um trajeto vermelho
irregular, abaixo do lado de seu nariz afilando-se, mas de outra
maneira ele apareceu ileso. Ele se ergueu silenciosamente em
suas patas traseiras e, a longa cauda serpenteando para trás
dele, testou a força da porta gradeadas com suas patas grandes
e acolchoadas. Chacoalhou e flexionou sob seu peso, mas não
cedeu, e Tomás caiu de volta para o cimento, rosnando seu
descontentamento. Começou a andar de um lado para o outro
em círculos apertados dentro dos limites da jaula de metal.
Ele ainda estava passeando quando a pesada porta no
final do longo corredor se abriu e seis brancos seres humanos
entraram na sala.
A repórter feminina no noticiário noturno era loira e
peituda e ostentava um daqueles sorrisos salientes e dentes
perfeitamente adequados para a televisão. Em uma das mãos,
ela agarrou um microfone, na outra um maço de anotações
rabiscadas que seu olhar continuou a dar quando relatou sobre
a história da manchete. Ela estava no brilho das luzes de
halogéneo na frente de um prédio agachada, tijolos vermelho
que estava sem janelas e rodeado com uma cerca de metal alta
coberta com fios elétricos que lhe emprestou o ar ameaçador
de uma instalação secreta do governo ou um sanatório. Uma
multidão de policiais estava tentando colocar para longe as
câmeras de televisão que tinham em volta da cerca, cantando
algo sobre direitos dos animais, enquanto dois helicópteros
sobrevoaram, passando a cena com holofotes que atravessava
a noite como lasers brancos e enviou folhas e poeira e
penteados rodando na esteira de suas lâminas zunindo.
— Os feridos sofreram de tudo, de ossos quebrados a
concussões na briga, — a repórter se entusiasmou com seus
olhos azuis cintilantes. — E a polícia não está dizendo como
esses animais vieram parar dentro de um dos clubes de dança
mais populares e de luxo no coração de Roma. Nossas fontes
estão nos dizendo que havia mais três panteras que escaparam
da cena e continuam foragidos, mas isso não foi confirmado
pelas autoridades. Por enquanto tudo o que sabemos com
certeza é que os três capturados estão sendo mantidos em
quarentena enquanto a decisão está sendo tomada de
transferi-los para um dos zoológicos da zona do euro ou –
por causa do ataque violento ao policial – eutanásia.
Seu sorriso se tornou positivamente cego.
— De volta a você, Ruben!
Dominus desligou a televisão com um apertar de um
botão no controle remoto em sua mesa, e a biblioteca entrou
em silêncio. Sorrindo, ele sentou-se de volta em sua cadeira,
cruzando seus dedos debaixo de seu queixo, e deixou seu
olhar vagar lentamente sobre a câmara escassamente
iluminada. Os cantos estavam todos na sombra, assim como
o alto arco do teto acima, exatamente como ele
preferia. Embora a luz das velas tremesse vagarosamente dos
braseiros de ferro ao longo da parede, a maior parte do quarto
era uma máscara de crepúsculo, sombrio e escuro, em
oposição exata ao seu humor.
Eutanásia. Era perfeito. Totalmente sublime.
Era uma lei inviolável da natureza que até as criaturas
mais gloriosas tinham seus calcanhares de Aquiles. A astuta
raposa tinha o seu atraente casaco vermelho, a lebre rápida
tinha a sua cauda branca, o urso pardo era lento, o golfinho
confiava, o tubarão tinha que seguir em frente ou perecer.
Para o Ikati, a fraqueza era ainda mais profunda. Eles
não poderiam mudar quando feridos.
Transformação tornou-se permanente. Mudança ficou
fixa. Camuflagem tornou-se a gaiola.
De trás dele veio o som divertido de Silas.
— Parece que esses intrusos não serão um problema
afinal, meu senhor. A Providência está de novo ao nosso lado.
Dominus não se virou nem o convidou para fora das
sombras onde ele estivera de pé durante a última hora e
permaneceria indefinidamente até ser direcionado para fazer
o contrário. Ele simplesmente empurrou para o lado a tigela
vazia de ensopado de cordeiro que comeu para o jantar em
sua mesa enquanto observava as notícias internacionais e
falava com a enorme estátua de alabastro de Horus, deus da
vingança, deus da guerra, na parede.
— A sorte favorece o corajoso, Silas.
E ele foi ousado, todos os dias de sua vida. Era
emocionante que o culminar de todos esses anos de ousadia
estava tão perto de fruir. Muito, muito perto...
Dominus apertou um guardanapo em um canto de sua
boca.
— Já chegou?
— Não a partir desta tarde, senhor — Silas murmurou
com pesar. — No entanto, há a possibilidade de um atraso na
entrega. O courier foi dito para esperar tanto quanto
necessário.
Insatisfação percorreu-o. Ele queria os resultados do
laboratório antes da purgação. Ele queria ser capaz de fazer
um anúncio que levantaria todos os seus espíritos. Ele queria
ser capaz de dizer a todos definitivamente quando todas as
suas vidas mudariam.
— Vá ver se há alguma palavra — instruiu Dominus,
puxando um caderno grosso de uma gaveta trancada em sua
mesa. Colocou-o com cuidado sobre o mata-borrão e passou
os dedos sobre a fina cobertura de linho, escurecida com o
uso e desgastada nas beiras. Couro teria sido mais durável,
mas ele achou a ideia de trabalho de sua vida ligado na pele de
um cadáver bovino nojento.
Silas murmurou um reconhecimento e foi
silenciosamente até a porta. Uma vez lá, ele executou um arco
baixo e endireitou, permitindo Dominus uma visão clara do
nariz longo, aquilino, os olhos negros impenetráveis, o sorriso
pequeno e secreto.
Silas tinha boas razões para sorrir. Só ele conhecia os
planos do rei.
— E traga essa nova mulher que você adquiriu ontem
para a fovea, — Dominus acrescentou, um flash de calor
apertando sua virilha com a lembrança da turista loira que foi
arrancada por um dos Legiones de um bar perto do
Panteão. Parecia muito com a apresentadora de
notícias. Loira Peituda. Estúpida.
Perguntou-se quão alto ele poderia fazê-la gritar.
Silas curvou-se novamente e recuou silenciosamente
para a opaca escuridão do corredor sinuoso que ficava além
da biblioteca. Quando ficou sozinho, Dominus abriu seu
caderno e começou a escrever, seu fluido roteiro e preciso: De
acordo com os resultados de experiências de Dodd com
isolamento reprodutivo, meus cálculos sugerem um período
de oito gerações serão necessárias para gerar uma alteração
permanente na Genética para atingir a especiação uma vez que
a fórmula correta do antissoro foi isolada e aplicada à
população existente. Além disso, através da inseminação
artificial de fêmeas de qualidade boa e transferência
embrionária para fêmeas substitutas, podemos
simultaneamente aumentar o número de descendentes de
sangue puro, expondo assim exponencialmente tanto
reprodutores como sujeitos de sangue puro. Em questão de
apenas algumas gerações, o poço genético inimigo será
irreparavelmente danificado e, em última instância, destruído.
Juntamente com seu terrível legado de guerra, ignorância
e ganância implacável, a raça humana desaparecerá da face da
terra para sempre.
Dominus colocou a caneta-tinteiro sobre o papel
secando, fechou o caderno e lentamente exalou.
E assim o seu mundo vai acabar, pensou com profunda
satisfação, olhando para Horus, assim como TS.
Eliot previu. Não com um estrondo, mas um gemido. E
eu serei o arquiteto disso tudo.
Ele trancou o caderno escondido e levantou-se,
dirigindo-se a fovea, esperando que Silas se lembre de trazer
seu chicote de aço qilinbian favorito junto com a loira.

A batida suave veio através da porta fechada do quarto,


e assim era a voz que a seguia.
— Alexander — murmurou Bartleby através da madeira.
Xander apertou seus braços ao redor do corpo de
Morgan e puxou-a para mais perto. Eles passaram o dia
inteiro na cama, fazendo amor, cochilando na semiescuridão,
sem falar de nada ou ninguém fora das paredes deste
quarto. Ele sentiu o crepúsculo descendo lá fora, mas ainda
não estava pronto para se levantar. Ele ia saborear cada
momento.
— Não é um bom momento, Doutor, — disse Xander
calmamente, olhando para o rosto dormindo de Morgan. Ela
ainda irradiava o calor da Febre, mas agora ameno. Em breve
iria acabar... E eles também.
— Sinto muito incomodá-lo, mas há algo que você
precisa ver. — Bartleby limpou a garganta, um som
preocupado. — É importante.
Morgan fez um pequeno barulho no sono e se
aproximou do peito de Xander. Ele colocou o nariz na massa
escura de seu cabelo e inalou profundamente, perguntando-se
se esta seria a última vez que ele seria capaz de fazê-lo. O
pensamento emitiu um pico de dor no peito.
— Amada28, — ele murmurou. Amada. Ele acariciou
uma mão pelo seu braço. — Eu preciso sair por um minuto.
Ela fez outro som sonolento, protestando, e ele
pressionou um beijo em sua têmpora.
— Eu também não quero, mas vou trazer algo para você
comer, — ele sussurrou, acariciando sua garganta. Ela se
arqueou dentro dele, sensível mesmo quando dormia com
seus dedos enroscados em seu cabelo. Ele se endureceu
instantaneamente, ansioso por ela – de novo, – mas houve
outra batida na porta e ele suspirou.
Apenas alguns minutos. Levaria apenas alguns minutos
e então voltaria, com seu cheiro e sua pele e aquele sorriso
lento e travesso que derretia seu coração e inflamava seu
corpo...
Ele não conseguia o bastante dela. Ele não podia
imaginar não ser capaz de tocá-la, beijá-la. Não agora, não
depois de terem olhado em silêncio, arrebatados e espantados,
nos olhos uns dos outros, enquanto seus corpos e almas se
fundiram, uma e outra vez. E suspeitava que, num canto
muito escuro e abandonado de seu coração, não iria honrar
sua promessa de acabar com as coisas entre eles.
Ela iria fazer dele um mentiroso, a consequência ser
condenado.
Ele pressionou um beijo rápido contra o pulso em sua
garganta e levantou-se, puxando o lençol para cobrir seu

28
Ele diz em português.
corpo nu. Ela murmurou algo sobre duende não
completamente audível – então se voltou dormir.
Vestiu-se rapidamente, amarrou as facas que nunca
deixava, e foi até a porta.
— Desculpe — disse Bartleby novamente quando
Xander entrou no corredor. Ele fechou a porta suavemente
atrás dele.
— O que foi isso?
O médico balançou a cabeça, apontou para a escada. —
Você vai querer ver isso. — Ele se virou e rapidamente desceu
o corredor com Xander perto de seus calcanhares.
Subiram as escadas e entraram na grande sala de mídia
com sua decoração sombria e masculina de paredes de carvão,
sofás de couro preto, mesa de café de vidro, aço inoxidável e
mesas laterais. As luzes embutidas no teto brilhavam
suavemente na tela plana que pendia acima de um elegante
aparador preto.
Uma grande bandeira vermelha na parte superior da tela
de televisão dizia: — Panteras pretas raras capturadas em
ataques viciosos.
O sangue de Xander se transformou em gelo.
E então veio o vídeo granulado capturado por uma
testemunha ocular. Movimento e caos, imagens trêmulas de
uma multidão em pânico, empurrando e gritando, a visão
impossível de seis enormes panteras pretas atacando um ao
outro numa pista de dança. Ouviu-se um tiro, depois outro,
depois um dos animais desabou, três deles giraram e os outros
dois correram sobre o oficial que disparou e começou a rasgá-
lo em pedaços. Uma voz masculina solene falou sobre o
vídeo.
— Como você pode ver a partir deste vídeo perturbador,
estes animais são altamente agressivos e perigosos.
Especialistas em vida selvagem nos dizem que esses
animais têm vivido em áreas abertas e se alimentam de
grandes presas e podem até ter sido de alguma forma
geneticamente melhorados, evidenciado pelo seu enorme
tamanho em comparação com a norma para a espécie. Como
as outras panteras que foram capturadas e mortas nos últimos
anos nesta área, estes predadores noturnos são tão grandes
que é improvável que um entusiasta de vida selvagem novato
não foi capaz de explicar como grandes gatos passaram
despercebidos no meio de uma área urbana.
— Espera-se que vários membros do Fundo de
Preservação da Vida Selvagem da União Europeia, incluindo
o preeminente biólogo evolucionista Dr. Hermann Parnassus,
cheguem amanhã a Roma para fornecer opiniões de
especialistas e realizar testes em animais. As autoridades estão
pedindo aos cidadãos que vivem nas proximidades a ficarem
dentro de casa até que as outras três panteras sejam
capturadas, mas mesmo assim fica a questão: De onde vieram
essas extraordinárias criaturas?
Lá embaixo no quarto onde ele deixou Morgan, o
telefone celular de Xander começou a tocar.
— Merda, — ele respirou congelado com
descrença. Bartleby baixou o volume na televisão enquanto a
tela mudava para as cenas do hospital onde o policial estava
sendo tratado, a instalação onde os animais estavam sendo
detidos. Ele anotou o endereço.
— São eles, não é? — Perguntou Bartleby, triste. —
Matheo e Tomás e Julian?
Xander assentiu com a cabeça, escutando o toque do
telefone. Para seus ouvidos, o som inocente era tão sinistro
quanto um tiroteio. Tinha que ser Leander. Se a Assembleia
tivesse visto isso, eles o usariam como prova de culpa. Tais
flagrantes violações – transformação em público, permitir ser
filmado, ser capturado pelos seres humanos, sem dúvida,
acionar três execuções. Se, Matheo, Tomás, e Julian
conseguirem sair do cativeiro.
Que eles iriam. Ele iria garantir que fosse muito
rápido. Mas ele não ia salvá-los para que pudessem ser
executados, isso era certo. Ele vai salvá-los e então.... Ajudá-
los a desaparecer.
Nem sequer era uma escolha. Tinha que ser feito. E
rapidamente.
— Se eles estão sendo mantidos significa que estão
feridos, o que significa que eles não podem mudar, — disse
Xander, sua voz tremendo. A adrenalina percorreu suas
veias; ele não tinha certeza se poderia mudar também, não
tinha certeza se sua ferida no estômago curou
completamente. Ele estaria indo cego. — O que significa que
vai ser complicado tirá-los. Teremos de encontrar um
caminho, usar subterfúgios, encontrar uma maneira de
distrair...
— Não precisamos de subterfúgios — disse Bartleby,
piscando para ele por trás dos óculos. — Nós vamos ser
capazes de apenas entrar.
Xander arqueou as sobrancelhas.
— Meu caro rapaz, eu sou um médico, lembra? E um
especialista com essas.... Bestas particulares. — Ele acariciou
as nuvens tufadas de seus cabelos brancos, ajustou a gravata
borboleta e lhe enviou um sorriso irônico. — Também sou
extremamente bonito. E encantador. Posso falar com as aves
diretamente das árvores. Quem está segurando nossos
meninos simplesmente não será capaz de resistir a mim. —
Seu sorriso cresceu mais. — Especialmente quando
apresentar uma documentação oficial.
Embora o corpo de Xander estivesse ainda congelado
com descrença, sua mente rompeu o degelo e arrebatou o
plano genial de Bartleby. — Dr. Hermann Parnassus.
Bartleby executou um arco, conseguindo fazê-lo parecer
elegante e zombeteiro.
— Ao seu serviço, senhor.
Lá embaixo, seu telefone celular começou a tocar
novamente.
— Quanto tempo você precisa?
Bartleby encolheu os ombros. — Cerca de vinte
minutos. Depois de todos esses anos com vocês, me tornei
um especialista em falsificar identidades.
O toque parou. Ouviu um sinal sonoro, indicando um
novo correio de voz.
— Faça em dez — disse Xander, e saiu correndo para a
escada.

A névoa obscurecia quase tudo e abafava todos os sons


da floresta em seus redemoinhos cinzentos, frios e
agarrados. Vários círculos se aglomeravam em torno dos pés
de Morgan enquanto caminhava sobre leitos perfumados de
folhas e samambaias, procurando por ele, gritando seu nome,
sua voz quase sem som na névoa interminável.
Ela ouviu riso por perto e tropeçou em direção a ele,
pegando seu pé na raiz torcida de um pinho antigo e alto. Ela
caiu em um leito macio de agulhas secas e lutou para se
levantar, mas as agulhas se voltaram para areia movediça,
sugando-a para baixo, agarrando-se a sua pele, puxando,
puxando implacavelmente.
— Xander! — Morgan gritou desamparadamente,
cavando seus dedos na areia macia. Ela afundou o peito....
Profundamente e esticou o pescoço, procurando
desesperadamente na floresta escura por ele. Os ramos de
árvores se aproximavam escuros sobre ela. — Xander ajude-
me!
E lá estava ele, caminhando lentamente pela floresta em
direção a ela, num raio de luz, sorridente de coração
parecendo belíssimo, um anjo vestido de preto com espadas
enfiadas nas costas.
— Ajuda-me! — Ela ofegou, a areia fria e molhada
deslizou espessa sobre seus ombros, seu pescoço, seu queixo.
Isso deslizou entre seus lábios e ela cuspiu para fora,
sufocando.
— Xander!
Ele parou ao lado da piscina de areia e olhou para ela,
beatificado, seus brilhantes olhos dourados deslumbrantes na
escuridão.
— Você está muito fundo, — ele murmurou, calmo
como a manhã. — Mil beijos profundos. Nada pode salvá-la
agora.
A areia estava em seus ouvidos, em sua boca, em seus
olhos. O silêncio da floresta ecoou ao seu redor.
— Por favor! — Ela implorou, chorando, sufocando,
afogando-se na escuridão. — Por favor!
— Adeus, meu amor, — Xander cantou, sorrindo. —
Dê ao diabo meus carinhosos cumprimentos.
Ele se virou e desapareceu de volta para a floresta. A
escuridão engoliu seu todo.
— Morgan!
Ela levantou-se na cama, ofegante, com a mão na
garganta. Algo tocou seu ombro e ela cambaleou, balançando
cegamente para ele.
— Sou só eu! Morgan! Acorde! Sou eu!
Xander a tinha pelos ombros, sacudindo-a
acordada. Demorou um momento antes de sua mente
registrá-lo, reconheceu sua voz e seu cheiro, então ela se jogou
em seus braços, tremendo.
— Está tudo bem, — ele murmurou, segurando-a
firmemente contra seu peito. Ele se sentou na beirada do
colchão com seus braços em volta dela enquanto ela tremia e
piscava, tentando dissipar a horrível sensação de desgraça. —
Você estava tendo um pesadelo. Foi apenas um sonho.
Ela apertou os olhos. Apenas um sonho. Mil beijos
profundos.
Ele apertou um beijo no alto de sua cabeça. — Eu tenho
que sair por um tempo.
Ela levantou a cabeça e olhou-o nos olhos. Eles estavam
preocupados, tensos, e de repente ela estava também.
— Por quê? O que aconteceu?
Ele respirou fundo, e ela se afastou dos seus braços e
ficou olhando para ele com o lençol franzido entre eles.
— Matheo, Tomás e... — Sua voz vacilou. Ele engoliu
em seco e então disse: — Julian. Houve uma briga. Os outros
machos.... Eles foram apanhados.
Morgan ofegou. Ela puxou o lençol até o queixo, o
pesadelo esquecido, mas um medo mais novo e mais escuro
se apoderou. — Pegos!
Ele assentiu com a cabeça, afastando uma mecha de
cabelo de sua testa, que caiu em seus olhos. — Eles estão
sendo mantidos em algum tipo de abrigo de animais por
perto. Tenho que ir ajudá-los. Você entende? Bartleby está
vindo comigo. Você estará aqui sozinha por... Um tempo. —
Ele engoliu de novo, parecendo dolorido.
— Você não acha... — ela hesitou, puxou seus joelhos
contra seu peito e abraçou seus braços ao redor deles, —....
Você não acha que vou fugir, não é?
Ele piscou assustado.
— Não. Eu sei que você não vai, sei que posso confiar
em você. Eu não suporto pensar em deixá-la sozinha. — Ele
lambeu os lábios e sua voz caiu. — Eu não quero ficar longe
de você.
Seus dedos do pé enrolaram de prazer. Deixou-se cair
nisso por um momento, enquanto eles se encaravam. Ela
esperava lembrar-se um dia do que se sentia, desejando com
todo seu coração que um pequeno eco desse sentimento
duraria. Mesmo a menor lembrança disso poderia sustentá-la
durante todos os anos escuros que estavam por vir.
Se ela sobrevivesse na próxima semana, isso é. Embora
eles tivessem compartilhado algo aqui – algo precioso – ele
ainda era o que era. Se ela não encontrasse o Expurgari...
Esse pensamento anulou a calorosa flor do prazer, e ela
desviou o olhar, o coração batendo forte.
— Eu vou ficar bem, — ela sussurrou.
Ele levantou-se da cama – não pareceu notar sua
repentina palidez – e pressionou um suave e fugaz beijo em
sua bochecha. O telefone celular na cômoda começou a tocar.
— Eu sei que você vai. — Ele colocou um dedo sob o
queixo dela e inclinou a cabeça para que ela tivesse que olhar
em seu rosto. — Minha guerreira feroz. Mas não tenho tanta
certeza de que ficarei. — Os olhos dele escureceram, e por
um momento ele pareceu assombrado. Pensativo, em algum
lugar distante, passou o polegar lentamente sobre seu lábio
inferior. — Deus, Morgan, — ele sussurrou, segurando seu
queixo, olhando para ela, — O que você faz comigo.
O celular continuou a tocar. Ele nunca desviou o olhar
de seu rosto.
— Vá — ela insistiu, afastando a mão dele. — Vá buscá-
los. Estarei aqui quando você voltar.
Ele balançou a cabeça, lentamente se afastou, depois
atravessou a sala e pegou o telefone. Ele olhou para o número
na tela, em seguida, embolsou-o com um suspiro
sombrio. Ele cruzou a porta.
Ela disse fracamente: — Tenha cuidado.
Ele parou com a mão na maçaneta da porta e só olhou
para ela. Seu olhar intenso percorreu seu rosto, seus cabelos,
seus ombros nus e braços acima do lençol. Um canto da boca
dele curvou-se, então abriu a porta e saiu da sala.

A meia-noite é historicamente vista como a hora das


bruxas, quando as criaturas sobrenaturais aparecem e a magia
negra é a mais poderosa, mas Xander sabia, por muitos anos
de experiência, que às três da manhã é a hora do diabo, a mais
profunda da noite, – é melhor para caçar presas. Ou, neste
caso, organizar uma operação de busca e salvamento arriscada
e precipitada. Assim, era pouco antes das três da manhã,
quando ele e Bartleby fizeram uma parada nas sombras negras
de um bosque de pinheiros romanos que cercavam um
pequeno parque urbano e desligou o motor do enorme SUV
preto modificado para alta capacidade, que ele se apropriou
de um de seus vizinhos no Aventino, um russo corpulento
que ele suspeitava ser traficante de armas, a julgar pelas armas
automáticas que encontrou escondido no pneu de reposição.
Se tudo corresse bem, estariam de volta à casa segura em
menos de uma hora e seu vizinho não saberia de nada. Se não
corresse bem e ele tivesse que abandonar o veículo... O
vizinho pode estar em um monte de problemas com as
autoridades.
O abrigo de animais estava localizado ao lado das antigas
ruínas de Largo di Torre Argentina, um grande quadrado de
terra batida e pavimento de travertino que acolheu quatro
desmoronando templos romanos e os restos do Teatro de
Pompeu, onde Júlio César foi morto em 44 AC. Localizado a
poucos minutos de marcos como a Piazza Navona, o Panteão,
o Coliseu, e o Campo de 'Fiori, era um leve sabor no meio da
Roma antiga.
Que viu alguns problemas bastante óbvios.
— Há muitos apartamentos por aqui — murmurou
Bartleby com desaprovação, espiando através do para-brisa
nas fileiras de prédios de tijolos que cercavam o
parque. Centenas de janelas brilharam na luz dos postes,
janelas que podiam estar escondendo olhos vigilantes.
— Hotéis, também. — Xander observou um par de
porteiros em um hotel boutique do outro lado da rua, carregar
bagagens em uma van de transferência do aeroporto que
estava parada na calçada. Dois turistas bêbados tropeçaram na
caminhonete. — Mas é por isso que se chama uma operação
clandestina.
Bartleby levantou um par de óculos de campo para os
olhos e disse:
— Não é uma operação secreta?
— Operações secretas é sobre negação, — Xander
explicou, verificando seu pacote de armas uma última vez.
Dentro havia punhais, um par de cortadores de arame,
uma comprida corda, uma granada, uma bomba de fumaça de
lata, uma picareta de bloqueio e seis cápsulas de cianeto
encerradas em um pacote de bolhas, no caso de toda a
operação ter sido uma merda. Ele nunca carregava armas:
muito alto, muito pesado, muito pouco confiável.
— Operações clandestinas, por outro lado, são sobre o
segredo.
O médico baixou os óculos de campo e olhou para ele.
— Qual é a diferença?
Xander lhe deu um sorriso sombrio.
— Política.
Bartleby lhe devolveu o sorriso.
— Ah. Bem, pelo menos as armadilhas para turistas não
abrem por mais seis horas. Esperançosamente nós estaremos
muito longe até então, com ninguém mais notando. — Ele
apontou para algo além do para-brisa, vários blocos
abaixo. — Mas podem ser um problema.
Acampados em um lado da cerca de arame fora da
instalação onde seus meninos estavam sendo presos estavam
três caminhões móveis da televisão com seus braços
descansando nas câmeras cobertas estendidas altamente sobre
seus telhados. A imprensa. Abutres.
— Eu os vi quando paramos, — disse Xander. Apenas
alguns repórteres estavam andando por aí, fumando e falando
em telefones celulares. O resto da área estava deserta. — Pelo
menos os manifestantes dos direitos dos animais foram
embora.
— Eles provavelmente estavam fracos demais para ficar
de pé toda a noite. Uma dieta de tofu e recortes de grama vai
fazer isso com uma pessoa. — Bartleby se inclinou, pegou
uma pequena mala de aço inoxidável perto de seus pés, e
colocou-a em seu colo. Ele puxou duas travas e abriu-a,
depois tirou uma identificação de foto laminada em um
cordão, um documento de aparência oficial e um cartão de
visita – tudo falso, é claro – e fechou a mala. Ele enrolou o
cordão em volta do pescoço, dobrou o documento em quatro,
o colocou no bolso dianteiro de sua blusa branca junto com
o cartão de visita e se virou para Xander.
— Pronto para explodir paredes?
Sem se aguentar, Xander riu.
— Você está andando com o sindicato há muito tempo,
meu amigo.
Bartleby abriu a porta e entrou na rua.
— Eu tomarei isso como um sim, — ele disse, ajustando
seus óculos. Ele verificou seu relógio de pulso. — O táxi deve
estar aqui a qualquer momento.
Como se no taco, outro transporte do aeroporto virou a
esquina atrás deles. Ele rastejou lentamente pela rua,
procurando o endereço que eles chamaram apenas momentos
antes de um dos celulares descartáveis que Xander sempre
mantinha à mão.
— Tem certeza disso, Doutor? — Xander perguntou
calmamente, notando o ligeiro tremor nas mãos do velho
enquanto observava o táxi se aproximar.
Bartleby inclinou a cabeça e deu a Xander um olhar
penetrante.
— Vocês são a única família que tenho. Vocês são
como filhos para mim, e não há nada que eu não faria por
nenhum de vocês, — ele disse suavemente.
Depois apertou os lábios. — Mas não deixe isso subir
para sua cabeça. Já é suficientemente grande.
Xander saudou, suprimindo um sorriso.
Sem outra palavra, Bartleby fechou a porta. Caminhou
rapidamente para o táxi, assobiando entre os dedos. O táxi
parou, e Bartleby entrou. Xander observou das sombras
enquanto o táxi deslizava, avançou lentamente pela rua e se
virou para a entrada fechada em frente ao abrigo. O motorista
falou em uma caixa de chamada sem fio montada na parede
em frente ao portão. Nada aconteceu por vários momentos,
então dois guardas armados apareceram nas portas principais
da instalação e se aproximaram do táxi. Um deles, alto e
corpulento, trocou palavras com Bartleby pela janela, depois
pegou os documentos que apresentou. O guarda os estudou
brevemente, depois assentiu com a cabeça.
Um barulhento grito, então a imprensa derramou de seus
caminhões móveis como um enxame de gafanhotos. Mas
tarde demais: o táxi já havia depositado o impostor Dr.
Hermann Parnassus, que, avançando rapidamente com a
pasta de aço apertada na mão, rompeu o santuário interno do
estacionamento vedado antes que pudessem alcançá-lo. A
porta se fechou com um baque sólido por trás dele, e os
guardas, impassível e silencioso, seguindo Bartleby ao interior
enquanto os repórteres gritavam perguntas em suas costas.
Xander ligou o carro e tomou ruas laterais e um beco
traseiro para sair com facilidade. Ele estacionou o carro atrás,
perto o suficiente para que pudesse levar seus meninos para
fora, se necessário, mas longe o suficiente para que ele
estivesse fora da vista dos repórteres e câmeras de
segurança. Ele vinha da parte de trás ou do telhado, o que
fosse mais conveniente, enquanto Bartleby proporcionaria
uma distração para quem quer que esteja dentro.
Parecia bastante simples. Deus sabia que ele executara
mil operações mais perigosas e complicadas do que isso. Mas
um leve zumbido de descontentamento, a sensação de que ele
estava perdendo alguma coisa, irritou-o.
Quando ele colocou o pacote de armas sobre os ombros
e partiu em um trote pela rua, as solas de seus sapatos
silenciosos sobre o asfalto, o ar fresco da noite em seu rosto,
isso bateu nele.
Guardas armados. Arame farpado.
Por que um abrigo de animais estava cercado por arame
farpado?
Julian sabia que estava drogado pelo modo como seus
membros se recusavam a responder às instruções de seu
cérebro para se mover.
Sua língua estava pesada e grogue, e sua cabeça pesava
100 quilos. Talvez mais.
— E a pantera é consideravelmente maior e mais
entalhado do que o esperado, — uma voz masculina estava
excitadamente dizendo em algum lugar próximo, —
Superando até mesmo um cérebro humano, indicando tanto
avançado status evolutivo e extraordinária inteligência. Mas o
aspecto mais notável deste mamífero. E que também sugere
que não estamos lidando com uma espécie que já vimos antes,
apesar de sua semelhança física por fora, para os membros da
família pantera de um pequeno órgão localizado bem ao lado
do nó sinusal.
Houve um clique, alguns ruídos, mais cliques, depois
murmúrios de surpresa enquanto a voz continuava.
— Como você recorda, o nódulo do SA serve como o
precursor natural para o coração emitido para fora o impulso
elétrico que dispara cada batida do coração. Nesses exames de
ressonância magnética, você pode ver como a rede nervosa
está profundamente enredada entre os ventrículos do coração,
o nódulo SA e este novo órgão desconhecido.
— O que isso sugere para mim – e lembre-se, esta é
apenas uma hipótese não testada neste momento – é que este
órgão pode ser algum tipo de apoio em caso de insuficiência
cardíaca, na forma como um gerador é usado em caso de falha
elétrica. Ou... — o alto-falante pausou para o efeito
dramático, —.... Pode possivelmente ser uma fonte elétrica
separada e suficiente por si só.
— Para alimentar o quê? — Disse uma voz, esta uma
fêmea.
Julian tentou mover a cabeça, mas não conseguiu, nem
pôde abrir os olhos. Confusas memórias vindo à tona. Luzes
estroboscópicas, música pulsante, gritos.
— Eu não sei. É um mistério. Mas como este sujeito —
Julian sentiu um toque em sua espinha — Que, como você
pode ver, foi marcado com o identificador TS-4187, está tão
ferido, ele foi selecionado para a vivissecção, o que nos dirá
mais. Como você viu, os outros dois animais estão muito
melhores, então outros testes sobre eles começarão assim que
o Dr. Parnassus chegar.
Vivissecção. Julian procurou seu cérebro nebuloso
enquanto o grupo - seis pessoas? Dez? Circulava em torno
murmurando palavras como notável, inovadora e descoberta.
Vivissecção significava...
Dissecção. Desmembramento. Corte.
Enquanto ele estava vivo.
Fúria deu-lhe a força que precisava. Silenciosamente
ergueu a cabeça, abriu os olhos e olhou ao redor.
Ele estava em uma sala grande e estéril com paredes
brancas e pisos brancos e brilhantes instrumentos cirúrgicos
de metal dispostos para baixo o comprimento de uma
prateleira de aço polido aparafusada à parede como pratas em
exibição em um registro de casamento. Em sua forma animal,
ele foi colocado de lado em uma longa mesa de metal com um
tubo anexado com fita adesiva a uma veia em seu braço, um
pedaço de pelo raspado em torno dele. O grupo de branco.
Os seres humanos revestidos estavam agrupados na
frente de uma caixa de luz de raios-X na parede, olhando para
o filme preto e branco iluminado pendurado de clipes ao
longo do topo.
Quando ele soltou um rugido estridente que estremeceu
as fileiras de instrumentos de metal e ecoou através da sala
como fogo de canhão, no entanto, todos eles saltaram e
olharam para ele, ofegantes bocas penduradas.
— Jesus Cristo! — Gritou um deles, pulando para um
painel embutido na parede junto à porta. — A anestesia já está
perdendo efeito! — Ele bateu a mão contra o painel, e isso
abriu, revelando uma fileira de botões. Ele apunhalou um
dedo em um dos botões, e Julian sentiu um novo calor subir
a veia em seu braço.
Ele olhou para baixo e congelou, chocado e horrorizado
com o que ele estava vendo. Ou, mais corretamente, o que
ele não estava vendo.
Suas pernas - ambas as pernas - desapareceram.

Morgan ficou em silêncio e pensativa em frente ao


espelho embebido de vapor no banheiro da casa segura,
olhando para o colar e medalhão pesado dourado reluzente
na palma da mão. Ela conhecia o símbolo retratado no
medalhão, e vendo o olho grande e estilizado egípcio fez seu
sangue correr frio.
Era o mesmo símbolo que os machos ferozes do hotel
tinham tatuado em seus ombros maciços.
Ela encontrou quando foi à procura de algo para vestir
na cômoda após o banho. A maior parte de sua bagagem foi
abandonada no hotel na pressa de levar Xander à casa segura,
mas Matheo lhe permitira trazer duas malas. O conteúdo de
ambos foi colocado cuidadosamente em gavetas e pendurado
no armário por alguém - tinha que ter sido Xander - quando
ela estava dormindo.
O pensamento de suas mãos grandes organizando
cuidadosamente suas coisas trouxe uma picada das lágrimas a
seus olhos, e limpou-as furiosamente com a parte traseira de
sua mão livre.
Estúpida. Apaixonada por um assassino. Por seu
assassino. Incrivelmente estúpida.
Ela balançou a cabeça, respirou fundo e voltou a focar o
colar.
Foi enrolado em um canto de uma das gavetas,
escondido sob a seda lustrosa de uma camisa vermelha. Tinha
que ser o que Xander tirou do homem de branco naquele dia
na rua perto da Escadaria de Espanha. Ela se lembrou que
Xander se ajoelhou para procurar as roupas que o Alfa
selvagem deixou para trás quando ele se mudou para Vapor e
desapareceu sobre os telhados, se lembrou do sutil flash de
ouro em sua mão quando o colocou no bolso. Ela viu esse
símbolo em outro lugar também, ela tinha certeza disso, mas
onde? Sua mente, ainda pesada com os restos da Febre, se
recusou a revelar.
Quando despertou, a febre tinha desaparecido. Apenas...
puf! .... Desapareceu. Três dias do pior tipo de inferno e do
sabor mais doce do céu, então terminado como se nunca
tivesse acontecido. Exceto por uma apatia em seu cérebro que
as memórias de alguma forma vívidas do corpo bonito de
Xander, musculoso ao lado dela, dentro dela, de facilmente
penetrar.
Estava exausta. Mentalmente, fisicamente,
emocionalmente esgotada. Embora eles tivessem
compartilhado algo que ela nunca pensou ser possível, ela e
Xander fizeram um acordo, justo e quadrado. Assim.
Encontro amoroso? Uma insanidade mútua? Acabava
quando a Febre terminasse, o que agora era. Ele era um
homem de palavra e assim honraria seu acordo, mas ela faria?
Agarrada por uma visão súbita e horrível de si mesma
chorando e gritando a seus pés como uma patética fraca,
esperando por alguma migalha de seus afetos, ela sentiu um
arrepio percorrer sua espinha.
Você está muito fundo. Mil beijinhos profundos.
Ela esfregou um círculo claro no meio do espelho
fumegante e olhou para seu reflexo.
Esperança. Mais doce do que mel e mais embriagante
que vinho.... Sua mãe tinha razão. Esperança era uma droga
que atraía sua alma para fora do seu corpo. Quanto de sua
alma os duendes já comeram?
Quanto ela ainda tinha sobrando?
Sentiu uma dor aguda em sua mão e olhou para baixo
para encontrar seus dedos apertados tão fortes em torno do
colar que seus nós dos dedos estavam brancos. Ela abaixou o
punho e olhou para o colar, para os pequenos dentes
vermelhos em sua palma. Em um flash de algo parecido com
desafio, ela envolveu a corrente em torno de seu pescoço e
apertou o fecho.
O medalhão deslizou entre os seios e lá se estabeleceu
como uma brecha sinistra, pressentimento. Algo no som
quebrou através de sua névoa e trouxe-a para cima.
Correntes rangendo e metais antigos, corredores
ecoando e vozes sussurrantes, escuridão, incenso e pedra em
processo de desbaste. O que? O que era isso?
Ela estava parada, à beira disso, incapaz de
respirar. Segundos passaram, minutos, mas.... Nada.
Apenas aquela sombra pálida de uma memória, um
rastro de déjà vu. De repente, ela estava fria, tremendo. Ela
esfregou as palmas das mãos contra as bochechas para obter
o sangue de volta e pegou a toalha para terminar de se secar
do banho.
Enquanto Morgan secava o corpo, enquanto se vestia,
enquanto se movia pelo quarto escuro, arrumando,
arrumando a cama, preparando-se para mover todas as suas
coisas para um dos outros quartos desocupados, o medalhão
estava pesado e frio entre seus seios, e ela estava agudamente
consciente de seu peso estranho, de como ele nunca se
aqueceu contra sua pele.

A primeira bala assobiada pela orelha esquerda de


Xander, perdendo o rosto por centímetros. Uma segunda
seguida rapidamente após a primeira e encaixou-se na parede
a alguns pés atrás dele com uma conversão que deslocou uma
pulverização fina de pó da parede seca no interior; uma
terceira encontrou seu alvo e o atingiu diretamente no peito.
Ele estava preparado, então essa passou
inofensivamente através de seu corpo, mas ainda bateu o
fôlego fora dele.
As coisas não estavam indo tão bem como planejado.
Tudo estava bem desde o início. Passara pela parede
traseira da instalação depois de encontrar um lugar onde seus
sentidos lhe disseram que era seguro – significando deserto –
do outro lado. Ele mantinha-se firme na sala escura de
suprimentos em que se encontrara por um tempo suficiente
para confirmar que os fios que cortou na caixa de fusíveis
eram, na verdade, os detectores de alarme e de
movimento. Ele isolou a voz de Bartleby de um balbucio de
outros em algum lugar perto da frente do edifício, o que
significava que o médico foi bem sucedido em conseguir
acesso e agora tinha a atenção do que Xander esperava que
fosse a maioria dos outros humanos no edifício. Ele abriu
caminho através do labirinto de corredores e quartos escuros
para onde seu nariz dizia que Tomás e Matheo estavam sendo
mantidos, sentindo nada fora do comum. Encontrou os dois,
sem vigilância, trancados em grandes gaiolas numa sala bem
iluminada e rapidamente os libertou e os levou de volta pelo
caminho que veio, Matheo mancando e silencioso, Tomás
eriçando-se e rosnando baixinho guturalmente, pingando
sangue de uma ferida em seu rosto.
Eles escorregaram para fora da instalação e para o SUV
sem o menor engate.
Simples. Tudo era muito simples.
Até que, ao voltar para dentro para encontrar Julian,
Xander passou por uma porta de aço trancada e parou em
seco, preso pelo cheiro de sangue.
Muito do que o ar foi manchado por sua espessura,
ferrugem-e-sal, gosto picante.
Um músculo em sua mandíbula se contraiu quando ele
olhou para a porta. Ele sabia que, como muitos abrigos de
animais na Europa, os abrigos na Itália tinham uma política
de não matar. Animais não desejados não foram
sacrificados; eles foram mantidos até serem adotados ou
enviados para um dos muitos santuários animais em todo o
país. E no caso de animais mortalmente feridos ou doentes
terminais, um coquetel de drogas foi administrado por injeção
para uma morte rápida e – humana.
Então por que todo o sangue?
Ele não se incomodou em passar pela porta. Passou a
cabeça e os ombros e olhou ao redor. Embora as luzes
estivessem apagadas e a sala estivesse mergulhada na
escuridão quebrada apenas pelo brilho azul misterioso das
telas de computador e das leituras digitais, ele viu e cheirou
tudo com perfeita clareza e foi instantaneamente superado
por um horror tão avassalador que não conseguiu mover mais
de um centímetro para salvar sua vida.
Era um longo quarto branco cheio de milhares de gaiolas
de todos os tamanhos, empilhadas em filas ordenadas uma
sobre a outra, até o teto. Algumas estavam vazias, mas os que
estavam ocupados continham miséria de que nunca viu.
Centenas de coelhos brancos e nevados foram
imobilizados em uma longa fileira de gaiolas de plástico pretas
de tamanho de caixa de sapatos ao longo da parede norte, seus
corpos pressionados pela gaiola de cada lado, suas cabeças
presas por buracos na frente, seus olhos rosados cobertos de
choro e feridas sangrentas. Ao lado deles estavam os gatos,
apertados por uma dúzia de gaiolas de arame de galinha,
eletrodos implantados em seus crânios e ligados aos painéis,
passeando distraidamente ou deitado de olhos mortos e
babando em seus próprios resíduos.
Ao longo da parede oposta estavam os cães emaciados
amontoados nos cantos de suas gaiolas metálicas maiores,
com todo tipo de desfiguração: casacos crus e sangrentos,
ausência de membros e olhos, feridas abertas, sem dentes,
gengivas sangrando.
Os macacos estavam nas maiores gaiolas, reforçadas
com barras de aço, como todas as outras estéreis de qualquer
alimento ou água ou até mesmo um lugar macio para
descansar a cabeça. Com seus rostos de homem idoso e olhos
afiados, eloquentes, eles eram piores de tudo. Assim que ele
olhou em sua direção, todos enviaram um grito penetrante,
com gargantas, suficientemente alto para destruir demônios
de seus ninhos. Eles começaram a saltar para cima e para
baixo, balançando braços longos, batem as barras de suas
gaiolas.
Todos os que ainda estavam vivos. Macaco e chimpanzé
e corpos de macacos esqueléticos e estranhamente humano –
no fundo de gaiolas, como inútil e esquecido como o jornal
de ontem.
O grito que rasgou deles veio de algum lugar no fundo
de sua alma que ele não sabia que existia.
A morte era uma coisa que ele estava bem acostumado,
um companheiro firme de sua vida por tantos anos que era
tanto uma parte dele como sua própria carne. Mas a tortura...
Tortura de milhares de criaturas inocentes tão impotentes que
não tinha nenhuma chance de escapar, sem capacidade de
expressar sua miséria e dor.... Isso era algo que ele nunca
gostaria de ficar cara-a-cara, e sua mente quase não podia
compreender o mal de tal coisa.
Este não era um abrigo de animais. Esta era
uma instalação de testes em animais.
Assim, os seres humanos poderiam ter seus cosméticos,
seus sabonetes perfumados, seus lençóis secos e shampoo,
todos pagos pelo sangue de milhões de animais vivos,
conscientes e capazes de sofrer como os guardiões que os
mutilaram e torturaram.
Ele arrancou a porta de metal sólido de suas dobradiças
e atirou-a para o lado. Isso colidiu com um barulho alto,
ecoando contra a parede do corredor. As luzes do sensor de
movimento no laboratório de testes piscaram, iluminando o
horror em Technicolor enquanto ele corria como um louco
pela sala, rugindo, esmagando coisas, cego de raiva. Bancos de
mesas e computadores e armários foram destruídos, latas de
vidro com parafuso em um armário alto e aberto explodiram
em sprays de produtos químicos cáusticos quando uma
cadeira foi voando para eles, uma ilha de mesas de trabalho
quadradas de metal no centro da sala, pias esportivas e
restrições de correntes amassadas como folha de alumínio sob
seus punhos.
Os macacos gritavam malditamente o tempo todo, os
cães uivavam, os coelhos começavam a gritar e se contorcer,
desesperados para fugir, incapazes de virar a cabeça para olhar
em sua direção. Os gatos, agachados e eriçados, apenas
olhavam para ele, com as orelhas planas contra suas cabeças
de Frankenstein.
Pés pesados e vozes gritando do corredor lhe disseram
que alguém estava a caminho.
Múltiplos indivíduos, provavelmente guardas,
provavelmente armados, que acompanharam Bartleby por
dentro.
Através de sua raiva, Xander reuniu seu juízo e removeu
outro de seus telefones celulares descartáveis de um bolso em
suas calças. Ele tirou foto após foto, então trocou para a
função de vídeo para gravar e percorreu a sala.
— Vocês vão sair daqui logo, — ele prometeu aos
animais gritando, sua voz crua em sua garganta.
— Espere um pouco mais. — Ele parou a câmera e girou
a tempo para ver três guardas armados aparecerem na
porta. Eles ficaram paralisados quando o vira parado em meio
ao caos.
Como marionetes, suas mandíbulas desfeitas em choque.
— Pare! — Gritou um deles depois de um momento de
silêncio. Ele ergueu o Glock .44 tirou do coldre em sua
cintura. Os outros fizeram o mesmo. — Pare ou atiro! Pare
ou vamos atirar.
— Seja meu convidado, idiotas! — Gritou Xander,
furioso. Então ele se abateu sobre eles.
Eles deram três tiros antes de caírem como pinos de
boliche sob a força cheia de seu peso. Eles caíram no chão em
um emaranhado de braços e pernas. Amaldiçoando em
italiano, um dos guardas tentou livrar-se do estrangulamento
que Xander tinha em seu pescoço, mas Xander abaixou e
sentiu os ossos se estalarem com a fragilidade de galhos
secos. Com a mandíbula franzida, o guarda caiu imóvel. Os
outros dois se levantaram e começaram a disparar círculos
contra ele, mas quando ele saltou ileso e rosnando, eles se
afastaram lentamente e começaram a tagarelar como pássaros
assustados.
Mais passos correndo de algum lugar muito além da
porta destruída. Mais gritos de homens invisíveis. Os gritos de
alma penada dos macacos perfuraram em seu cérebro.
Xander bateu o punho no rosto do segundo guarda, e o
sangue jorrou do nariz quebrado. Ele deslizou para o chão e
caiu ao seu lado, onde permaneceu inconsciente, imóvel como
um cadáver. O último guarda se abateu sobre ele, mas Xander
era muito rápido, seus instintos muito afiados. Xander o
pegou pela garganta com uma mão espremida ao redor de sua
laringe antes que o homem tivesse dado um passo completo,
então o levantou alto, completamente fora do chão.
O guarda agarrou-lhe a mão, mas seu aperto não
afrouxou. Ele tentou gritar, mas conseguiu apenas um sibilo,
olhos rolando, rosto beterraba vermelha. Suas botas chutaram
e encontraram resistência: as canelas de Xander.
— Onde eles estão guardando o terceiro animal? —
Xander gritou. Este bastardo sabia tudo, sabia o que acontecia
naquela sala de tortura e desviou os olhos por causa de um
salário. — A pantera que estava separada dos outros
dois! Onde o estão guardando?
O guarda tentou freneticamente escapar. Seus olhos
saíram de suas órbitas, veias surgiram ao longo de seu
pescoço. Ele ofegou, tentando falar. Xander ouviu um
sufocado, por favor, e isso enfureceu tanto que ele viu
vermelho quando os fragmentos finais de sua contenção
começaram a estalar.
— Oh, me desculpe, você está com dor? — Xander
assobiou. Ele empurrou a cabeça para as gaiolas de
animais. — Devemos derramar algum produto tóxico em
seus olhos e ver se isso o torna melhor? Ou talvez alguns
produtos químicos corrosivos em sua pele que derreterá? Que
tal um pouco de cirurgia improvisada onde implanto algo em
seu crânio para que eu possa estudar como suas ondas
cerebrais sobem quando você é injetado com uma carga
cardíaca de carcinógenos?
O guarda deu um balanço, mas Xander inclinou-se para
trás, facilmente evitando o punho.
— Eu tenho tudo que preciso aqui para transformá-lo
em algo de um filme de terror, meu amigo, então é melhor
você começar a falar, e rápido, — ele rosnou.
Seus lábios se descontrolaram sobre seus dentes, seus
caninos se alongaram quando o turno começou a bater em seu
sangue, aquecendo as células, eletrizando. Com um som
como uma exalação fraca, uma fina sesta de pelo preto saltou
dos poros em todo o corpo. Quase ali, tão perto, apenas uma
ligeira pontada no seu lado ferido segurou-o de completar
integralmente a mudança e rasgando a garganta do homem
com suas presas.
Sim, a besta nele rugiu, agarrado apenas sob sua pele,
contorcendo-se para se libertar. Sim!
Quando voltou a falar, sua voz adquiriu uma qualidade
profunda e animalesca, grosseira e bárbara, inteiramente
desumana. Roncou a sala, ecoando, e todos os animais
gritaram de novo.
— Onde está a terceira pantera?
O guarda endureceu, a boca se abriu num grito
silencioso. Seu rosto escureceu para roxo. Ele lançou o
conteúdo de suas entranhas em suas calças com um
sonoro plfflolff, malcheiroso!
Xander o deixou, e o homem caiu amassado a um monte
em seus pés, tossindo, agarrando em sua garganta. Botas
bateram pelo corredor, mais perto.
— Onde!
— Segundo andar, — o guarda aterrorizado
raspou. Tremendo e tossindo, ele cuspiu sangue sobre o piso
branco. — Conjunto de cirurgia no segundo andar. — Seus
olhos rolaram para trás em suas bases, e ele desmaiou frio.
Xander virou-se, percorreu o comprimento da sala,
passando pelos gritos e uivando, berrando e gritando. Passou
pela parede de trás quando mais meia dúzia de guardas
armados entraram pela ruína do caos ensurdecedor.

Náusea rolou através de Julian em onda depois de onda


quente, doentio. Luzes vermelhas e laranja sob suas pálpebras
fechadas; sentiu movimento e mãos grandes e suaves sob seu
corpo. Sons, entortados lentamente, penetraram a escuridão
que ele flutuava como se de algum lugar muito longe ou
debaixo de água. Havia dor, mas na maior parte se mantinha
distante também, apenas ocasionalmente mergulhando em
baixo para empurrá-lo com garras afiadas.
Ele estava ciente de ser levantado, de se mover
rapidamente pelo espaço, embora como isso fosse possível,
ele não sabia desde que estava paralisado. Ele não se
importava muito, a verdade seja dita – apesar da náusea, a
escuridão era quente e reconfortante e ele não estava inclinado
a deixá-la tão cedo.
Depois de um tempo, o ar fresco roçou seu rosto e ele
sugou-o profundamente em seus pulmões.
Isso ajudou a náusea. Ele afundou um pouco mais na
escuridão reconfortante.
— Julian! — Disse uma voz masculina que vagamente
reconheceu. Quem quer que fosse parecia realmente
preocupado.
Em pânico, realmente. A voz disse: — Se você morrer
em mim, eu mato você!
Há. Há há Ele gostava do dono daquela voz, quem quer
que fosse. Ele respirou fundo, sentindo o coração bater
devagar. Gostava de como ele se sentia calmo de repente. Seu
corpo começou lentamente a derreter.
— Julian!
Os sons mais fracos chegavam aos seus ouvidos, sons de
animal, baixos grunhidos, gemidos, sons sibilantes, e com o
som de um motor girando o movimento mudou de sacudido
para suave. Algo úmido e áspero passou por seu lado, algo
úmido e frio cutucou seu nariz. Por um momento ele quis
tentar abrir os olhos, mas então a escuridão chamou mais uma
vez e ele se voltou para ela, derretendo, afundando, caindo,
entregando alegremente ao vazio sem fim.
Aquela voz suplicante quase familiar chamou seu nome
uma e outra vez, até que, finalmente, ficou em silêncio
enquanto Julian se dissolvia na escuridão.
Com o elaborado abridor de carta Vitoriano prata de seu
pai morto segurado cuidadosamente entre dois dedos,
Dominus abriu o envelope marrom selado em suas mãos. O
maço de papéis do laboratório de Milão que emergia de
dentro era de uma polegada de espessura, preso por um
grampo preto enorme no canto superior. Ele dispensou o
criado que o trouxera e sem retornar à sua escrivaninha,
começou a examinar rapidamente a página de resumo no
topo.
... nucleotídeo representado como amostra A no
relatório substituído com sucesso pela amostra G ...
Enquanto lia, o envelope caiu despercebido de seus
dedos e silenciosamente flutuou em uma deriva lateral ao chão
a seus pés.
... mutação replicada em testes sucessivos ...
Seu coração começou a bater. Seu olhar se afastou mais
para o fundo da página.
... resultados positivos obtidos.
Seus braços, estranhamente entorpecidos, baixaram para
seus lados. Ele ergueu a cabeça e olhou para a estátua de pedra
de Horus contra a parede, olhando com os olhos
inexpressivos para a escuridão. Lá fora um novo dia estava
amanhecendo, mas aqui no ventre úmido das catacumbas, a
escuridão se manteve firme. Vinte e cinco anos o tomara, mas
agora ele ressuscitaria da escuridão, tomaria de volta tudo o
que fora roubado de sua espécie, e choveria a morte naquela
mancha que era a humanidade. Tudo o que ele precisava agora
para completar sua felicidade era aquela beleza de sangue puro
não acasalada, que ele viu na Escadaria de Espanha.
E há essa hora amanhã ele a teria. Os sonhos de
Demétrio atestaram isso.
— Meu senhor? — Murmurou Silas, saindo de seu
silêncio sempre presente nas sombras da
biblioteca. Aproximou-se com um farfalhar de vestes e o
aroma fumegante de incenso que eles sempre queimaram para
difundir o cheiro de mofo que saturou tudo.
— Está na hora, Silas — sussurrou Dominus, agarrando-
se de repente ao receio de que dizê-lo em voz alta o
atrapalharia. Mas ele era um homem de ciência, um homem
de ação, ele não acreditava na superstição. Ele se endireitou e
falou mais alto. Sua voz ecoou pelo quarto. — Eu finalmente
o fiz. Está na hora.
Ele se virou para encontrar Silas olhando para ele com
um olhar de incredulidade atordoada. Ele caiu de joelhos no
chão de pedra, puxou o medalhão de ouro que usava em volta
do pescoço por debaixo do colarinho de sua túnica e beijou-
o.
Vendo-o de joelhos, Dominus conseguiu continuar. —
Eu sinto vontade de comemorar, — ele anunciou,
caminhando para sua enorme mesa de carvalho. Ele abriu
uma gaveta trancada e cuidadosamente colocou o relatório
dentro. Ele colocou a mão sobre isso por um momento antes
de fechar novamente a gaveta. — Vá buscar a nova loira que
eu tive ontem à noite.
Ainda de joelhos, Silas respondeu, tremendo: — Ela não
foi capaz de resistir às suas... Atenções, senhor. Ela morreu na
enfermaria a apenas uma hora.
Dominus ergueu as sobrancelhas. Ele olhou para o
criado, em silêncio.
— Vou encontrar uma substituta — disse Silas,
levantando-se. Ele curvou-se. — Imediatamente.
Dominus sorriu para a escuridão, vitória cantando
através de seu sangue.
— Traga duas. — Pensou na fêmea de sangue puro
novamente, seu corpo exuberante, seu cheiro exótico, sua
mente surpreendente, doce emaranhado de brilho, solidão e
culpa – e uma onda de calor passou pela sala. — E traga
morenas, — disse ele, sorrindo.
Xander agachou-se nas pontas de seus pés com as costas
contra a casca áspera de um pinho torcido no topo do
gramado, a colina Palatine salpicada de ruínas, olhando para a
vista deslumbrante do sol matinal escalando sobre o Fórum e
Circus Maximus abaixo. A partir desta elevação, toda Roma
foi colocada à sua frente como um banquete: as outras seis
colinas famosas, a Cidade do Vaticano, o Coliseu, as
intermináveis milhas de ruas tortuosas e telhados de telhas
vermelhas, as antigas muralhas Aureliana que cercavam a
cidade, Verde do Tibre, a paisagem circundante e longe,
montanhas esfumaçadas roxas.
Era uma vista adequada para um rei. Era exatamente por
isso que ele a escolhera.
Uma brisa fresca da manhã agitava o seu cabelo, e ele
fechou os olhos por um momento, saboreando o alívio que
trouxe sua pele superaquecida. Estava encharcado de suor; a
pele das palmas das mãos feridas e ardendo; todos seus
músculos doíam.
Escavação era trabalho duro. Mais difícil do que ele se
lembrava.
Do lado dele, Bartleby disse em voz baixa: — Você está
bem?
Um rápido olhar à esquerda revelou o igualmente suado
e desgrenhado médico apoiado em sua pá, olhando para
Xander com real preocupação em seus olhos. Xander engoliu
em seco e desviou o olhar. — Não, — ele murmurou
honestamente. Ele não tinha certeza se estaria bem de novo.
A exalação lenta do médico foi quase afogada pelo grito
áspero de dois corvos perseguindo um falcão peregrino longe
de seu ninho em uma das árvores próximas. O velho
lentamente se afundou, agarrando-se ao punho de sua pá para
apoiar, depois se recostou abruptamente na grama com um
grande suspiro, como se aliviado por não mais estar de pé.
Permaneceram sentados em silêncio por alguns minutos,
olhando para a vista, para o brilho do sol nascente, para o
pedaço achatado de pedaços de erva danificado e sujeira
diretamente à frente deles que abrigava os restos mortais de
Julian, dois metros abaixo.
— Ele aprovaria, eu acho — disse Bartleby, olhando
lentamente. Colocou a pá no chão ao lado de Xander na
grama entre eles e sacudiu alguns agarrados aglomerado de
sujeira de suas mãos.
O coração de Xander apertou em seu peito enquanto
uma lembrança chamuscava agonizante por cada nervo em
seu corpo. O médico disse essas palavras – exatamente essas,
com exceção de mudar ‘ele’ para ‘ela’ – a última vez que
fizeram algo assim em conjunto, há quase vinte anos. Ele
nunca esqueceu um único detalhe do dia em que Esperanza
morreu, suspeitava que jamais esqueceria um único detalhe de
hoje.
Tanta morte. Tanta perda. Sem querer se perguntou se
ele estaria vivo em mais vinte anos para olhar para trás. Ele
decidiu que não esperava.
— Isso é minha culpa, — disse ele, moralmente,
afogando-se em auto aversão.
— Ele era um menino grande, Alexander, — Bartleby
respondeu severamente. — Ele tomou suas próprias
decisões. Não havia absolutamente nada que você pudesse ter
feito para impedi-lo de lutar.
— Ele nunca deveria ter estado naquele bar, em primeiro
lugar, — Xander interrompeu, passando uma mão suada pela
confusão de seu cabelo. — Eu nunca teria permitido.
— Agora você é sua mãe? — A voz do médico estava
gentilmente repreendendo.
— Eles deixaram a casa segura por minha causa! —
Xander explodiu. Ele pulou em seus pés em um movimento
fluido, adrenalina cantando através de suas veias, sua raiva
finalmente quebrando livre depois de ser mantida em cheque
toda a noite. Ele olhou para Bartleby com os punhos
flexionados e a necessidade esmagadora de dar um soco em
algo. — Nós brigamos! Eu os coloquei para fora! Eu e minha
estúpida idiotice.
— Pare! — Bartleby estalou, levantando-se com
surpreendente agilidade. Ele ficou na frente de Xander,
olhando para ele com olhos azuis, lívidos e ardentes. — Pare
de culpar a si mesmo por tudo de ruim que acontece e
torcendo para torná-lo sua própria culpa! Você não pode
controlar tudo, Alexander, Julian não foi uma exceção! E
posso lembrá-lo porque você parece ter esquecido que
eles tiveram que sair. E não por causa de qualquer briga com
você.
Nesse momento, Xander estremeceu. Sim, ele estava
certo. Julian, Matheo e Tomás tiveram que sair porque havia
uma mulher na Febre em casa... E ele deveria ter ido com
eles. Ele se recusou a deixar Morgan só por causa do que ele
queria dela, porque da forma como ela o fez sentir-se e o
homem que ele pensou que quase poderia ser, um homem
mais feliz, um melhor, apenas por estar perto dela, nadando
em seu sorriso e seu cheiro e as profundezas escuras e
tentadoras de seus olhos.
Ele escolhera Morgan e agora Julian estava morto.
Bartleby estreitou os olhos para ele, examinando. — Seja
lá o que você está pensando, garanto que está errado.
— Eu estou pensando que cara maravilhoso você é, —
disse Xander entre os dentes cerrados.
Impossivelmente, isso trouxe um sorriso ao rosto de
Bartleby. — Pelo menos você não perdeu esse senso de
humor encantador.
Xander rosnou e desviou o olhar. O sol da manhã
brilhava em seus olhos – muito brilhante – e por um
momento fechou os olhos contra isso. Imediatamente, muitas
imagens brilharam sob suas pálpebras fechadas, fantasmas se
levantando para zombar dele em sua miséria.
Encontrando Julian quase morto na sala de cirurgia na
instalação de testes, o cheiro de drogas quimicamente sobre
ele, acelerando no SUV roubado para a casa segura,
freneticamente tentando reanimá-lo, mesmo depois de todos
os sinais de vida desaparecerem. Bartleby puxou um lençol
sobre o corpo de seu grande amigo, indo cuidar de Matheo e
Tomás na enfermaria improvisada que ele montou para eles
na academia. Tropeçando em choque fora da sala em busca
de Morgan, só para saber que ela saiu do quarto que
compartilharam, levando todas as suas coisas, o quarto estava
estéril e limpo como se ela nunca tivesse estado lá. Ficando
do lado de fora do quarto em que ela se mudara, cheirando
seu perfume além da porta trancada.
Trancada. Ela trancou a porta contra ele.
Ele poderia ter facilmente quebrado, mas ele sabia o que
ela queria dizer com isso. A Febre terminou.
Eles acabaram. E em seu estado de angústia e total auto
aversão, rasgou um buraco nele grande o suficiente para
passar um caminhão. Tudo o que era bom em sua vida
terminava inevitavelmente. E quanto melhor a coisa, mais
catastrófico o final.
Para cada dom, um preço igualmente terrível.
Ele decidiu enquanto ele e Bartleby dirigiram a este lugar
na escuridão de antes do amanhecer com o corpo envolto de
Julian na parte de trás do carro. Por causa de quem e o que ele
era, por causa da vida que ele viveu, porque desde o início ele
foi indesejado, um estranho em um mundo que ele podia ver,
mas nunca tocar, seu próprio ser estava contaminado. Como
a chuva suave que se transforma em inundações ruinosas ou
o sol da manhã que se levanta para queimar toda a terra seca
ao meio-dia ou a brisa suave que se torna um furacão, tudo o
que ele tocou começou muito bem, mas sempre virou a merda
mais tarde.
Maldito.
Então era melhor Morgan ficar longe dele. Melhor que
ela quisesse manter o acordo deles, melhor que ela pensasse
que ele também, embora isso o matasse até mesmo pensar em
não estar perto dela novamente, sem tocá-la novamente.
Porque ele sabia sem dúvida que estava apaixonado por
ela. Ele estava totalmente perdido. Ela enfureceu-o, o levou a
distração, o provocou e desafiou-o, mas por tudo isso, ela o
acalmou de uma maneira que ninguém jamais fez. E depois
de anos de estar morto, ela o fez sentir-se vivo.
Com ela, sentia-se... Inteiro.
— Devemos voltar. Preciso verificar Matheo e Tomás
— disse Bartleby, tirando Xander de seus pensamentos. Abriu
os olhos para encontrar o médico olhando-o solenemente, um
sulco entre as sobrancelhas.
Xander assentiu com a cabeça, um frio como o gelo se
espalhando pelo estômago. Ele se inclinou para pegar as duas
pás e as entregou a Bartleby. — Dê-me um momento — disse
ele.
Bartleby pousou uma mão gentil em seu ombro. —
Tome seu tempo, — ele murmurou com compreensão, então
se virou e caminhou lentamente pela encosta inclinada em
direção ao carro, uma pá da escavação da sepultura apertada
em cada mão como um par de bastões mórbidos.
Xander olhou para o pedaço de grama recém-perturbado
a seus pés. Ele sentiu, pela primeira vez em sua vida adulta,
medo. Misturado com pesar e o tipo de ácido, devorando
tristeza que não tem um nome, era quase completamente
debilitante. Por um momento ele não sabia se seus pulmões
se lembrariam de como se expandir e contrair. Ele quase
esperava que não.
Quanta dor pode um coração tomar antes que pare de
bater? Ele se perguntou, engolindo em torno da chama de
agonia em sua garganta. Certamente não poderia suportar
muito mais?
— Adeus, velho amigo — disse ele, com a cabeça
inclinada. — Eu sinto muito. Onde quer que você esteja,
espero que possa me perdoar por todas as maneiras pelas
quais falhei com você. — Ele respirou fundo e lentamente,
então ergueu a cabeça e olhou para os telhados de Roma,
vermelhos, dourados e cintilantes na luz da manhã.
— Talvez eu te veja logo, — ele sussurrou.
Quando ele e Bartleby chegaram de volta à casa segura,
ele encontrou Morgan enrolada no sofá de couro preto na sala
de mídia com os pés enfiados debaixo de seu corpo,
mastigando o polegar enquanto ela assistia à televisão. Estava
tão absorta no programa, que não ouviu quando ele entrou e
ficou olhando-a silenciosamente pela porta. Ela estava
completamente vestida de preto, calças e um longo suéter
preto, preso na cintura para parecer como um vestido tocando
seus joelhos. Seus pés estavam nus, seu cabelo estava puxado
para trás em um coque solto, seu rosto estava desprovido de
maquiagem.
Ela estava, como sempre, de tirar o fôlego. Seu coração
se partiu novamente.
— Estamos de volta, — disse ele sem emoção, e ela
pulou.
— Oh! — Ela saltou do sofá e o encarou pálida como a
neve, a mão em sua garganta tremendo, o pulso batendo
furiosamente no oco de seu pescoço. — Eu não.... Eu não
estava... — ela balbuciou, piscando, e ajustou o decote de seu
suéter, fechando-o firmemente ao redor de sua garganta. —
Eu estava assistindo televisão. Eles disseram... o jornal disse
que alguém deu um vídeo secreto à imprensa mostrando
abuso animal naquela instalação... E as autoridades entraram
para fechá-la... — Ela parou, esperando que ele respondesse.
Ele não disse nada. Ele já havia se esquecido do telefone
com as fotos e o vídeo que deixou cedo esta manhã nos
escritórios de noticiários locais. Nesse momento, mal
conseguia se lembrar de nada; precisava de toda a sua
concentração para não cruzar a sala e puxá-la para seus
braços. Ele queria enterrar o nariz em seus cabelos, enterrar-
se em seu calor, cheiro e suavidade, chorar como um bebê
enquanto ela o abraçava e enxugava suas lágrimas.
— Eu estava tão preocupada, — ela murmurou, olhando
para ele, seus olhos suaves.
Maldito! Ele gritou para si mesmo, e ficou onde
estava. Ele forçou o rosto a permanecer na máscara
inexpressiva a que estava acostumado há tantos anos e disse:
— A febre se foi, não é?
Ela mudou de peso de um pé para o outro. Um rubor se
espalhou por suas pálidas bochechas sob o peso de seu
olhar. Ela assentiu, parecendo absolutamente tão miserável
quanto sentia, e mordeu o lábio.
Interiormente, ele gemeu em tortura. Ele queria morder
aquele lábio. Suas mãos apertaram os punhos ao seu lado, e
ele ficou olhando para ela, desejoso de permanecer onde
estava até que seu corpo vibrasse sob a agonia de empurrar /
puxar, ficar / ir, segurar / quebrar. Mas a febre foi embora,
ela o trancou fora de seu quarto, eles tinham um acordo, e de
qualquer forma ele não era bom para ela.
Ele tinha que deixá-la se afastar.
Só que ele não tinha ideia de como faria isso quando
estar com ela de repente parecia mais importante do que o ar.
Obviamente desconfortável com seu rígido silêncio, ela
tentativamente disse: — Eu não ouvi você entrar na noite
passada. Como... Como foi?
— Matheo e Tomás estão lá em cima na academia, —
ele respondeu sua voz absolutamente plana.
— Oh, Xander, — Morgan respirou, visivelmente
relaxando. — Graças a Deus. E... E Julian?
Ele desviou o olhar, passou uma mão sobre sua
cabeça. Demorou algumas tentativas antes que ele fosse capaz
de resmungar, — Ele está morto. Nós o enterramos esta
manhã.
Seu suspiro chocou sua cabeça. Morgan afundou no
sofá, uma mão sobre a boca, de olhos arregalados. — Oh meu
Deus, — ela disse em uma voz pequena atrás de sua
mão. Seus olhos eram enormes e escuros. — Sinto muito,
Xander. Eu sinto muito. O que... O que aconteceu?
Ele olhou para longe, incapaz de tomar a emoção em seu
rosto, muito menos lidar com o peso esmagador do seu
próprio. Parecia que alguém estacionou um caminhão em seu
peito. — Eu não cheguei a tempo, é isso. Bartleby diz que foi
uma overdose de Telazol, um tranquilizante animal.
Ela fez um pequeno barulho de horror, levantou-se
rapidamente do sofá e deu alguns passos na direção dele, suas
mãos estendidas como se quisesse abraçá-lo.
Ele deu um rápido passo para trás. — Não, — ele disse
duro. — Não me toque.
Ela parou abruptamente e piscou para ele, seus olhos se
enchendo de lágrimas. — Não é culpa sua, Xander, — ela
sussurrou.
As dezoito rodas no peito começaram a fazer
cavalinhos. Ele fechou os olhos e respirou profundamente,
firme, tentando bloquear seu cheiro e sua necessidade por ela
e a terrível e paralisante realidade de que ela realmente não o
queria. Se o tivesse feito, nunca fecharia a porta. Isso não era
nada além de piedade. Como ele não viu isso antes?
Ela sentiu pena dele.
— Eu sei o que você está pensando, — continuou ela,
movendo-se mais um passo, — E não é culpa sua. Eu sei o
quanto ele significou para você; sei que você deve ter feito
tudo o que podia para ajudá-lo...
— Você não sabe nada! — Gritou ele, toda a sua miséria
e saudade e raiva finalmente fervendo. Tremendo e ofegante,
ele continuou as palavras caindo de sua boca antes que ele
pudesse detê-las.
— Não desperdice seu precioso tempo de se preocupar
com isso porque acabou! Está tudo acabado! Não há nada
que eu possa fazer para mudar isso agora, e falar sobre isso
não vai ajudar! Então, por que você apenas não faz o que de
melhor sabe fazer e pense em você! Por que você não se
concentra em seus próprios malditos problemas e descubra
como vai realizar o que veio aqui para fazer, então não vai ser
um total desperdício do tempo de todos e da vida do meu
melhor amigo! Porque se não fosse por você, nenhum de nós
teria estado aqui, em primeiro lugar! Se não fosse por você e
seu fodido “tipo diferente de vida”, Julian poderia ainda estar
vivo!
Ela ficou parada em silêncio atônita, boca aberta,
manchas lívidas de vermelho em suas bochechas como se
tivesse acabado de levar um tapa no rosto.
Imediatamente ele ficou envergonhado. Maldito,
envergonhado e apaixonado por uma mulher que ele nunca
poderia ter e – oh, sim, não vamos esquecer – era
supostamente quem ele deveria matar em breve. Embora,
obviamente, não quisesse, porque ele não podia, e isso era
apenas mais uma catástrofe esperando para acontecer,
cortesia do sentido impiedosamente cruel do destino.
— Oh, foda-se tudo, — ele cuspiu. Ele se virou e saiu
da sala.
Em um aturdimento, Morgan viu Xander ir e sentiu algo
dentro dela sair com ele.
Se não fosse por você, Julian ainda poderia estar vivo.
Se ela achou que estava familiarizada com a dor antes
deste momento, ela estava errada.
Ela se moveu atordoada até a porta, sem ver, sem saber
o que faria consciente apenas de que tinha que sair daquela
sala, sair daquela casa, sair para o ar, onde pudesse limpar a
cabeça e pensar. Talvez soltar o grito que estava queimando
um buraco em seu peito.
Se não fosse por você...
Encontrou os sapatos onde os deixara perto da cômoda
e os deslizou nos pés. Caminhou, insegura, pelo corredor,
depois subiu as escadas um degrau de cada vez, lentamente,
com as pernas bambas, as solas dos sapatos pressionando-se
contra a madeira. Atravessou o terceiro andar e pegou outro
conjunto de escadas até a casa modelo montada acima, depois
saiu para o quintal e ficou na varanda, piscando para o sol, fria
de choque, apesar do calor da manhã.
Se não fosse por você, Julian ainda poderia estar vivo.
Ele estava certo, é claro. Ela percebeu que enquanto
olhava para a grama, para as árvores, para a cerca branca e
para o céu azul sem fundo acima, a bile subia em sua
garganta. Ela era o centro de toda essa tempestade de merda
que girava em torno deles, e ela não tinha ninguém para
culpar, além dela mesma. Querendo e querendo e querendo,
sua vida inteira, ela cavou um buraco tão profundo que não
havia nenhuma escalada fora disso agora. E todos à sua volta
também começavam a cair.
A única saída era fazer a coisa certa. Fazer o que ela veio
fazer aqui – encontrar o Expurgari.
E então... O que então? Esqueça que conheceu Xander?
Sim, veio à resposta sarcástica de seu
subconsciente. Esqueça-o, porque ele acha que você matou
seu melhor amigo. E querida, ele provavelmente está certo.
Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela sufocou um
soluço atrás de sua mão. Assim seria mais fácil para ele agora,
quando chegasse a hora. Seria mais fácil deslizar essa faca
entre as vértebras em seu pescoço.
Eu ainda tenho tempo! Pensou desesperadamente,
girando em torno instável a olhar para a casa. Parecia
ameaçadora sob o sol da manhã, cheio de perigo oculto e uma
carga palpável, como se fosse uma bomba-relógio gigante e
de tempo.
Como aconteceu inúmeras vezes desde que ela o
colocou, o medalhão ao redor de seu pescoço chamou sua
mão como um ímã. Estava como pedra fria e sinistra contra
seu peito e lhe dava o mesmo sentimento inquietante que
tinha desde que o vislumbrara pela primeira vez, que havia
algo aqui que ela estava perdendo, uma pista que esse colar
mantinha uma peça de quebra-cabeças que ela não sabia como
fazer o ajuste. Isso raspou sua mente, uma e outra vez, tão
irritante como uma unha arranhando um quadro-negro.
O Alfa. O Expurgari.
De alguma forma eles estavam relacionados. Mas
como? E como ela o encontraria?
Ela ficou ali olhando a casa como se tivesse algum tipo
de resposta por um longo, longo tempo, quanto tempo ela
não sabia. Os carros passavam pelas ruas além do quintal, os
pássaros cantavam nas árvores, o tumulto mecânico de um
cortador de grama quebrava a quietude da manhã. Então
finalmente um pensamento ocorreu e ela ficou sem fôlego
com o horror disso.
Ela nunca encontraria o Alfa, ou o Expurgari. Ela estava
se enganando.
E o homem que ela estava apaixonada.... Ficaria feliz em
matá-la.
Um estremecimento invadiu seu corpo. Com um
gemido baixo, ela deixou cair à cabeça em suas mãos.
Um relógio começou a tocar dentro da casa, contando a
hora em tons baixos e tristes. Cinco, seis, sete.... Ao longe, um
sino da igreja começou a tocar, espelhando o relógio da sala,
e depois outro, então outro, tênue e melancólico que tocava
os ouvidos de igrejas distantes ao redor da cidade, anunciando
a hora.
Morgan ficou rígida. Sua mente se virou então seu
estômago. Lentamente, moveu a cabeça e olhou para longe,
onde viu através da névoa matinal a enorme cúpula dourada
da Basílica de São Pedro brilhando como um ovo de Fabergé
sobre o Vaticano. Ela se virou e olhou para a casa segura, para
a fachada vazia que escondia todos os segredos abaixo.
Abaixo.
As peças do quebra-cabeça se reuniram com um frio,
clique sólido.
Embora tivessem sentido sua energia difusa em torno
deles no Vaticano, o Alfa feroz evitou a detecção porque ele
não estava na basílica. Ele estava por baixo, com segurança
fora da vista, assim como escondido e protegido como eram
nos quartos subterrâneos da casa segura.
Segurando a respiração, ela retrocedeu um passo para
longe da casa, depois outro. Sem se preocupar em pensar,
Morgan se virou e correu para a cerca de trás.
Mais de dois mil anos atrás, ou assim a história foi, da
primeira purgação – Purificação – foi realizada em um local
secreto nas margens do rio Tibre sinuosas onde os plátanos
gigantes dobram baixos e choram suas folhas verde-prata nas
águas quentes perto da pequena ilha Tiberina no que é agora
o coração de Roma. O lugar foi abandonado para mais e mais
local rural quando Roma cresceu e se espalhou alastrando
sobre a planície de inundação do Campus Martius ao redor do
rio, e agora estava bem localizado ao norte da cidade em um
lugar calmo ainda não reclamado pelo homem.
A localização mudou, mas a cerimônia – solene e antiga
– não tinha.
A cada mês no ápice da lua cheia, as cinzas de todo o
meio-sangue Ikati que não sobreviveu suas transições do mês
anterior foram retirados das pequenas urnas de barro que
eram recolhidos após a cremação e transferidos para
recipientes formados a partir de quadrados de seda crua
branca amarrada com cordões de ouro girado à mão. Maçãs
verdes foram colocadas no topo das cinzas para pagar o
dízimo faminto do barqueiro ao mundo inferior; um pequeno
feixe de capim-pântano trouxe a infeliz paz da alma. Um a um,
quando os nomes dos mortos eram chamados pelo alfa da
tribo, os pacotes foram colocados em balsa.
Tábuas de madeira com velas de cera de abelha
iluminadas em cada extremidade e colocadas no rio, onde eles
balançaram e mergulharam e finalmente pegaram as
chamas. Mães, pais e irmãs, irmãos e primos e amigos
vigiavam em silêncio enquanto os feixes flamejantes se
afastavam no rio inquieto até que eles escorregavam com um
sibilo e fumaça cinza sob a superfície da água escura, a
caminho de seu Lugar de descanso final no fundo do vasto e
encantado Mediterrâneo.
Eliana às vezes se perguntou se havia uma enorme pilha
de cinzas Ikati amontoado como desvios de sedimentos na
foz do rio Tibre, onde drenava para o mar.
Porque ela estava cheia de sangue, a filha do rei, e
referida como esperança para o futuro pelo mais velho dos
tribais anciãos - esperança para o futuro, qualquer que fosse –
Eliana era considerada muito preciosa para participar
da purgação mensal. Ficou sob a guarda, dentro das
catacumbas onde nasceu e passara todos os momentos de sua
vida.
Mas hoje à noite, oh, esta noite – ela finalmente se
libertaria.
Nos últimos dias, ela foi um trapo de nervos se torcendo
e reprimida pela emoção sóbria que se falhar nisto – ser pega
– significaria desastre. Ela não estava pensando muito de
perto sobre isso, no entanto, porque a atenção integral e de
fato imaginação foi capturada pelo pensamento de
estar sozinha – fora! Com Demetrius.
Com calor e poderosa necessidade em seus olhos, ele
concordou com seu pedido e simultaneamente expôs seu
próprio desejo. Ele a desejava tanto quanto ela o desejava, e
agora tinha sua prova, evidenciada inegavelmente por sua
disposição de arriscar-se a morte apenas para ficar sozinho
com ela por algumas horas. Como exatamente ele estava indo
gerenciar isso ainda não tinha certeza, porque ele não falou
uma palavra para ela nos últimos dias, acabou de olhá-la com
aquela intensidade silenciosa e ardente sempre que seus
caminhos se cruzaram. Mas ela sabia que ele iria descobrir um
caminho. Embora Celian fosse o líder do Bellatorum, D era o
mais inteligente, o mais disposto a assumir riscos e desafiar a
autoridade, e ela adorava isso nele.
Ela só tinha que despistar a guarda o tempo suficiente
para chegar à igreja afundada, então D trataria do resto.
Ela suspirou antecipadamente quando seu pai entrou na
luz cintilante de seu grande quarto, branco-em-branco,
iluminado por velas.
— Eliana, — ele disse, e ela pulou culpada.
— Pai! — Ela saltou da cadeira estofada perto de sua
cama de dossel e fechou o livro que estava
devorando: Guia do Solitário Planet para Roma. — Eu não te
esperava ver tão cedo. Bom Dia!
Embora não houvesse relógios nas catacumbas, sabia
que era de manhã. O amanhecer e o crepúsculo eram sentidos
afiados como muita fome mesmo abaixo. Independentemente
disso, os relógios foram totalmente desnecessários:
os Ikatis das catacumbas não tinham outro lugar para estar.
— Bom dia para você. — Um pequeno sorriso secreto
cruzou os lábios de seu pai, e ele cruzou para ela rapidamente
sobre o chão de pedra espalhado com tapetes de pelúcia e
abraçou-a. — Eu vou ficar ocupado durante todo o dia, mas
queria te ver antes da última purgação esta noite, — disse ele,
baixo, em seu cabelo.
Eliana se afastou e franziu o cenho, estudando seu belo
rosto, seus olhos ardentes e carvões, tão parecidos com os
seus. — Eu não entendo. O que quer dizer, a
última purgação? Teremos outra no próximo mês. E o mês
depois disso.
Ele tomou o queixo dela na mão e a olhou, aqueles olhos
escuros acesos com uma vitória selvagem, febril que lhe
tomou o fôlego sua euforia estranha. Ela nunca o viu tão
agitado. Na verdade, ele parecia um pouco... perturbado.
— Tenho um anúncio a fazer, algo que preocupa a todos
nós, — ele murmurou, segurando seu rosto de um modo que
a deixou nervosa. Era possessivo, mais parecido com um
amante ciumento do que um pai, e ela recuou, fora de seu
abraço. Ele notou seu desconforto e seus olhos brilharam. —
Algo que também te preocupa, minha filha — disse ele, com
uma nova dureza em seu tom.
Eliana estava no meio de outro passo para trás, mas ela
congelou instantaneamente e assim fez o sangue circulando
em suas veias. — Eu? — Ela sussurrou, pensando apenas em
D. Seu coração se transformou em uma debandada de
garanhões selvagens em seu peito.
Como ele poderia saber de seus planos?
Seu pequeno sorriso se alargou, revelando seus perfeitos
dentes ultra brancos. Vestido elegantemente e com cuidado
em seu habitual impecável branco que rivalizou sua pele
polida e cabelos negros despenteados de modelo – como
perfeição ainda exsudando o tipo de ameaça crua
normalmente encontrada apenas em criminosos violentos, ele
parecia o amado filho de Cary Grant e Barba Negra o
pirata. Ele se aproximou, fechando a distância entre eles,
aquela corrente de ameaça que esfriava o ar em seu quarto, já
frio.
— Você é minha vida, sabe disso, — disse ele, tomando
seus ombros em suas mãos. Sua voz era muito baixa,
controlada, não entregando nada. Seus olhos ardiam. — E sua
felicidade é minha única preocupação, bela Eliana. É por isso
eu trabalhei tão duro, todos esses longos anos.
Seus dedos enrolados em sua pele, e mais uma vez ela
lutou contra o desejo de recuar. Ela nunca teve medo dele
antes, mas havia algo em seus olhos.... Algo muito escuro.
— Pai, — ela conseguiu dizer, engolindo o pânico que
estava agarrando sua garganta, — Do que você está falando?
Ele levantou a mão e afastou um fio de cabelo da sua
testa de repente transpirando.
— Eu estou falando sobre o destino, — ele
sussurrou. — O seu e o meu. O nosso. — Ele fez um gesto
arrebatador com uma mão, indicando, ela pensou em todos
os seus parentes que viveram juntos na escuridão além das
paredes arredondadas e luz polida de seu quarto. — Nós
éramos deuses uma vez, Ana, há muito tempo, antes que
nosso destino fosse roubado de nós. Mas agora podemos
tomar o nosso destino e sermos deuses mais uma vez. Eu
finalmente vou fazer isso.
Alívio a inundou, e ela quase cedeu em seus braços, seus
batimentos cardíacos palpitando como um beija-flor. — Seu
projeto, — ela respirou, tentando reunir seu juízo. Ele não
podia ler sua mente, mas era excepcionalmente bom em ler
seu rosto. — Oh, Pai, isso é maravilhoso...
Ela parou porque realmente não tinha a menor ideia se
era maravilhoso ou não. Ninguém podia ser secreto do jeito
que seu pai podia, e durante todos os anos em que esteve viva,
ela estava ciente de seu trabalho no laboratório, consciente de
algum grande esquema envolvendo os destinos de todos os
seus parentes do submundo, mas ele não revelou quase nada
exceto para um pequeno número de seus confidentes mais
próximos, e ela não estava entre eles.
Seu pai pegou seu rosto em ambas as mãos e sussurrou
veementemente: — Minha linda filha. Tão jovem governará a
terra.
A batida do coração de Eliana ficou fraca. Primeiro
porque seu pai parecia inteiramente além da razão e segundo
porque ela não queria isso, e nunca quis. Mas.... Ela tinha uma
escolha? Ela estava prestes a abrir a boca para perguntar, mas
seu mercurial pai a soltou e sorriu de uma maneira que fazia
todos os cabelos minúsculos na parte de trás de seu pescoço
ficar em pé.
— Você estará na sala de convergência na madrugada de
amanhã, — ele comandou, — Ficará ao meu lado quando eu
fizer o anúncio. Enquanto isso durma um pouco. — Sua voz
ficou mais suave. — Você parece um pouco.... Cansada,
minha querida.
Oh, ele realmente não tinha ideia. Ela afundou de volta
na cadeira estofada, tentando controlar sua respiração,
quando uma explosão de inspiração atingiu. Ela limpou a
garganta e olhou para ele através de suas pestanas. — Estou
cansada. Não tenho dormido bem, ultimamente, pai.
Ele ergueu as sobrancelhas. — Oh?
Ela assentiu com a cabeça, então lançou seu olhar para o
chão a seus pés. — O novo guarda que você designou como
minha escolta...
— Sim? — Ele disse bruscamente, instantaneamente
tenso.
— Bem, ele.... Deixa-me desconfortável. — Isso era
absolutamente verdade. O novo guarda observou cada
movimento dela como um falcão. Ela não sabia o que
aconteceu com o velho amigo e não ousou perguntar; as
decisões de seu pai nunca foram questionadas.
— Desconfortável — repetiu Dominus, suavemente
mortal.
Eliana olhou para ele. — É só.... É apenas a maneira
como ele olha para mim.
Dominus respirou fundo. Sua cabeça girou em torno da
entrada de seu quarto, onde o guarda estava vigilante lá fora,
apenas seu cotovelo e o pé direito visível para além do pesado
pano retorcido que parcialmente cobria a entrada
arredondada.
— Ele não fez nada inapropriado, pai, — ela correu para
assegurá-lo, sabendo que poderia salvar a vida do guarda, —
Mas ainda assim eu me sentiria melhor se você pudesse me
dar outra pessoa. Talvez amanhã, depois do anúncio? Eu
estaria bem por apenas um dia sem um guarda, tenho certeza.
Ele se virou para olhá-la com os olhos estreitados, e seu
batimento cardíaco disparou novamente. Aterrorizada, ela
sentiu seu pequeno engano, e implorou, — Eu vou dormir
melhor esta noite sem alguém novo me observando. Vou ficar
bem, só por um dia. Uma noite. Eu realmente não acho que
consiga dormir sabendo que ele está lá.
— Por que você não me disse isso antes? — Ele sibilou,
aproximando-se dela. — Eu teria lidado com ele...
— Eu não quero que você lide com ele, Pai, por
favor! Só me deixe ter outro guarda. Amanhã.
Ele a considerou em silêncio por vários longos e tensos
momentos. Então seu rosto se suavizou e ele disse: — Como
você quiser.
Sério? Ela não podia acreditar que funcionou. Ela
colocou uma mão tremendo em seu rosto, a adrenalina
causando estragos em seus nervos. — Obrigada, — Ela
sussurrou.
Ele se inclinou e plantou um beijo no topo de sua cabeça,
então abruptamente girou sobre seu calcanhar e caminhou em
direção à porta. Ele parou pouco antes de passar sobre o
limiar e disse por cima do ombro: — A propósito, um
convidado muito especial chegará esta manhã. Alguém que
vai ficar conosco de agora em diante, que eu espero que
você.... Goste.... Tanto quanto eu.
Sua voz, baixa e rouca, latejava de emoção. Suas orelhas
picaram. — Um convidado?
Ele se virou um pouco e encontrou seu olhar
curioso. Aquele sorriso ameaçador fez outra aparição. —
Sim. Vou apresentá-lo amanhã de manhã, depois do anúncio.
— Por que não hoje?
Seu rosto ficou vermelho, seu olho quente. — Porque
hoje vamos passar algum tempo juntos, conhecer melhor um
ao outro.
Eliana olhou para ele, confusa. Era por isso que ele
estava em tal estado?
— Quem é esse convidado?
Um brilho entrou em seus olhos, um que fez seu couro
cabeludo picar com medo.
— Sua nova mãe — ele respondeu. Então ele se virou e
desapareceu além da porta, deixando Eliana boquiaberta
depois em choque.

No momento em que Morgan chegou ao Vaticano, o sol


da manhã subiu sobre o telhado de São Pedro e banhou a
vasta praça de calçada em luz quente e dourada. Era muito
cedo para os turistas, mas a guarda suíça estava sempre
presente, e ela abriu caminho através da praça banhada pelo
sol para um guarda solitário postado no topo das escadas do
lado esquerdo da entrada da basílica, esperando para elaborar
seu plano.
Ele era um homem grande, impondo-se fisicamente
mesmo naquele traje tonto, riscado do renascimento com as
bota, as luvas brancas, e o pavão branco em torno de sua
garganta. A espigada no seu quadril, no entanto, parecia mais
sinistro do que bobo, assim como o braço preso ao seu outro
quadril, e ela se aproximou com cautela. Quando finalmente
ficou na frente dele, ele não fez nenhuma indicação de que
estava ciente de sua presença, exceto por uma leve inalação de
fôlego. Olhando para seus olhos azuis pálidos – afixados em
algum ponto acima de sua cabeça – ela viu suas íris se
dilatarem.
Assim como as de Xander quando ele olhou para ela
enquanto se empurrava para dentro.
Pare! Morgan gritou com ela e mordeu a língua duro para
parar o pensamento. Com suas mãos agora trêmulas e seu
coração batendo forte, ela voltou sua atenção para o guarda.
— Com licença — disse ela. Ele a ignorou
completamente.
Hmmm.
Ela levantou ambas as mãos para puxar seu cabelo para
trás de seu rosto como se fosse fazer um rabo de cavalo. Ela
forçou sua caixa torácica para cima, e seus seios – sem um
sutiã – pressionados contra o tecido justo de seu vestido. —
Desculpe-me, senhor? Acho que estou um pouco perdida. Eu
estou procurando o passeio que vai abaixo do Vaticano? A
turnê das necrópoles, eu acho?
Ela ouviu isso do motorista de táxi no caminho até
ali. Havia uma excursão guiada das áreas raramente vistas
debaixo do Vaticano, antigas grutas e catacumbas com
túmulos de santos mortos há muito tempo, incluindo o
túmulo de São Pedro em torno do qual toda a igreja foi
construída. Parecia o lugar perfeito para iniciar sua busca.
Um músculo na mandíbula do guarda se contraiu, mas
ele ainda não respondeu. Obviamente, ele estava bem
treinado para ignorar todo tipo de tolice dos turistas. Ou
apenas teimoso para caramba.
De qualquer forma, ele era poeira, porque agora isso era
pessoal.
Morgan deixou cair os braços e sacudiu os cabelos para
trás, então deslizou ambas as mãos lentamente pela frente de
seu vestido, por sua cintura e quadris, suavizando rugas
imaginárias. Ela deslocou seu peso para um pé e empurrou
para fora seu quadril, então alegremente descansou sua mão
nele, olhando fixamente para ele com uma intensidade que ela
sabia que ele sentia, porque a mais leve sugestão de cor corou
suas bochechas.
Graças a Deus pela visão periférica.
— Sinto muito, — ela suspirou em um tom
conspiratório, aproximando-se, certificando-se de exagerar o
rebolar de seus quadris, — Eu sei que você provavelmente
não deve falar e não quero incomodá-lo, mas se você puder
me dar uma ideia? Talvez... — ela fez um leve movimento de
cabelo entre os dedos. — Me aponte na direção geral?
Ele engoliu em seco, mas não disse nada.
Maldito bastardo. Ela franziu os lábios. Ela ergueu a
mecha de cabelo para a boca e arrastou-a para frente e para
trás em seus lábios entreabertos. — Per favore? — Ela disse,
muito rouca.
Seu olhar baixou até sua boca, e suas narinas
brilharam. — Ufficio Scavi29, — ele deixou escapar,
brusco. Ela não entendeu e levantou as sobrancelhas.
Seu olhar foi direto para uma pequena porta preta

29
Escritório de escavações (traduzido do italiano)
embutida na parede de pedra, talvez a cem metros de
distância, debaixo de uma enorme estátua de uma mulher
vestida de hábito tradicional. Outra maldita freira.
— Ufficio Scavi, — o guarda disse novamente, com mais
força, agora olhando para sua boca.
— Oh, — disse ela, a compreensão. Ufficio -
escritório. Escritório do ... Scavi? Ela saltou quando o guarda
lhe respondeu em inglês fortemente acentuado, sua voz baixa.
— Eu te levo.
Era sua imaginação ou havia um duplo sentido lá? —
Ora, eu adoraria isso, — ela ronronou, olhando para ele
através de suas pestanas. Ela ficou gratificada ao ver seu rubor
se aprofundar.
Tomou-a pelo braço e rapidamente a conduziu pelos
largos degraus de mármore e pelos pedregulhos desgastados
até a Praça dos Protomártires ao redor da basílica. Passaram
por baixo de um canto em arco e atravessou a porta preta
rangendo do Ufficio Scavi, que se fechou com
um baque ecoando por trás deles. Estavam em uma pequena
antecâmara de pedra, totalmente sem adornos, fria e quieta
como um túmulo. Uma entrada em arco, diretamente na
frente deles, tinha degraus que levavam a um túnel engolido
em escuridão. Estavam sozinhos.
— Espere — disse o guarda, soltando o braço e
apontando para o chão. — Aqui. Primeira turnê às nove.
— Você foi tão útil! Muito obrigada. Grazie, — Morgan
respirou, fazendo a sua melhor impressão de uma donzela em
perigo. Uma donzela cujo coração não foi recentemente
arrancado – batendo e sangrando – em seu peito. Sorrindo
docemente, ela arrastou um dedo pelas dobras macias do
colarinho do vestido, expondo como se por acidente o
inchaço superior de seus seios, a fenda entre eles. — Posso
lhe mostrar uma coisa, desde que você foi tão legal?
O guarda empalideceu. Seu olhar piscou para a porta
fechada; então ele deu um passo adiante e lambeu os lábios
como se ela fosse um peru trançado e assado de Ação de
Graças que ele não comeu em anos. Ele levantou a mão para
o rosto dela, mas antes que ele pudesse tocá-la ela o tinha pelo
pulso.
Calmamente, ela disse: — Pare.
Obedientemente, ele congelou no meio do caminho. Seu
rosto se secou.
— Você vai responder algumas perguntas, então vai sair
desta sala e esquecer que você me viu. Entendido?
O guarda olhou para ela, seus olhos azuis e
completamente vazios.
— Entendido? — Ela insistiu.
Lentamente, ele acenou com a cabeça.
— Ótimo — Morgan disse, mantendo o aperto em seu
pulso. Com a outra mão, puxou o medalhão por baixo do
decote drapeado do vestido. — Você conhece esse símbolo?
O guarda voltou a assentir.
— O que é isso?
— Horus, — disse ele em um tom monótono, — Dio
della vendetta.
Dio — Deus. OK. Vendetta ... Vingança? — Deus da
vingança?
O guarda franziu a testa um pouco, concentrando-
se. Ele disse suavemente, — Si. Er... Vingança.
O deus da vingança. Uma fria sensação pela coluna de
Morgan. Ela engoliu em torno de um súbito pedaço de medo
que se alojou como uma pedra em sua garganta. — Onde
posso encontrar este símbolo na necrópole?
— O túmulo dos egípcios, — ele entoou, olhando para
seu peito. — Tumbas de letras Z; símbolo de Horus é pintado
na parede norte.
Pintado na parede? — Em qualquer outro lugar?
Ele piscou, lentamente levantou o olhar para o dela, e
com um movimento vago de sua mão, disse: — Ovunque.
Morgan suspirou um suspiro frustrado. — Inglês, por
favor.
A guarda olhou-a nos olhos. — Em todo lugar — disse
ele, muito macio.
— O que quer dizer, em todos os lugares? — Morgan
disse severamente, para que sua voz ecoasse pelas paredes de
pedra.
— Pinturas, — ele respondeu calmamente, — Estátuas,
afrescos, o obelisco na Praça de São Pedro, o chapéu do papa.
— O chapéu do papa! — Exclamou atônita.
— Escultura de madeira, no trabalho de azulejo,
tapeçarias, trabalho em pedras...
— O suficiente! Pare.
Ele ficou em silêncio, esperando seu próximo comando,
enquanto Morgan tentava não hiperventilar.
Em todos os lugares. O símbolo do Alfa selvagem estava
em todo o Vaticano. Até no – bom Senhor – o chapéu do
Papa. Como? Por quê?
— Eu não entendo. Por que o símbolo de um deus
egípcio estaria por toda a sede da igreja cristã?
Um leve sorriso curvou seus lábios. — Seus deuses
estavam aqui muito antes do nosso. Nós só... — ele se
debateu, em busca de uma palavra em Inglês, —
... apropriamo-nos. Roubamos. Reconfiguramos.
A boca de Morgan se abriu e logo se fechou. Ela não
tinha tempo para isso. — Há outras entradas para as
catacumbas?
Ele balançou sua cabeça. — Só nas câmaras particulares
do papa, mas você não pode ir.
Oh, mas ela podia. Mas no momento, ela estava na
entrada da necrópole, então poderia muito bem começar por
aqui. Ela deu um aperto de advertência final no pulso do
guarda e disse: — Você vai voltar para o seu posto e me
esquecer.
O guarda piscou para ela e murmurou
melancolicamente: — Esquecer você.
— Sim. Vá agora.
Ele acenou com a cabeça lentamente, depois girou sobre
o calcanhar, atravessou a porta e deixou que ela se fechasse
atrás dele.
No momento em que ele se foi, Morgan se virou e foi
pelo estreito lance de escadas, seu coração pulsando, luz
diminuindo atrás dela a cada passo. Na parte inferior dos
degraus havia uma série de passagens estreitas, construídas
com tijolos vermelhos que partiam em todas as direções,
iluminadas por luzes fracas em longos intervalos. O ar estava
úmido e estagnado, o solo sujo e irregular. Vários sarcófagos
de pedra ricamente gravados foram colocados perto da
entrada, além do qual havia um maior corredor principal com
um mapa em inglês e italiano na parede que mostrava os
vários túmulos da necrópole. Sentindo emoção misturada
com pavor esmagador, Morgan localizou a tumba egípcia no
mapa e partiu em busca dela.
Ela passou túmulo após túmulo, tanto grandes como
pequenos, frios, sombreados quartos de tijolo e terra com
sarcófagos de pedra descansando em nichos nas
paredes. Motivos de veados e vasos e vinhas em flor, paredes
e tetos perfeitamente conservados e decorados;
Remanescentes de mosaicos coloridos sobreviveram em
remendos sobre os pisos. O corredor se estreitava em
comprimento, as paredes de tijolo mostravam mais sinais de
deterioração, o ar se tornava úmido e grosso. Em outra
esquina, e ela começou a sentir claustrofobia. As antigas
muralhas, agora em flocos e irregulares, se apertavam; a luz
escureceu para uma fraca tonalidade esverdeada.
Assim que ela estava começando a entrar em pânico que
estava perdida, a luz fraca da entrada para o túmulo dos
egípcios apareceu em torno de outro canto, iluminando a
escuridão como um fantasma em um cemitério.
Com o coração na garganta, Morgan entrou hesitante no
túmulo. Seis elaborados sarcófagos de pedra e quatro nichos
vazios alinhavam as paredes do mausoléu quadrado; várias
urnas de alabastro e fragmentos de cerâmica quebrada
estavam em um canto. Na parede norte, tal como o guarda
dissera, estava a pintura de Horus, deus da vingança.
Era maciça e estranhamente vívida na penumbra, rica em
cores e uma misteriosa dimensionalidade que a fazia parecer
uma protuberância na parede. Um guerreiro de peito nu com
a cabeça substituída pela de um falcão e asas enormes,
flamejantes que ventilam para fora do meio de sua parte
traseira, flutuando sobre uma multidão de adoradores
prostrados recolhidos em uma margem do rio. Ele segurava
uma espada em uma mão e um bastão na outra, faixas de ouro
rodeavam seus bíceps musculosos, uma saia de linho pendia
de seus quadris. Mas os olhos eram, de longe, os mais
marcantes de todos. Preto e afiado acima de um fino, bico
alongado, eles pareciam estranhamente vivos.
Morgan deu um passo atrás involuntário, baixou o olhar
e viu, no canto direito da pintura, um recorte na pedra do
mesmo tamanho e forma que o medalhão que pendia ao redor
de seu pescoço.
Seu coração pulsou sobre o esterno.
Sentindo-se como um personagem de Indiana Jones, ela
soltou o medalhão de seu pescoço e trêmula se aproximou do
pequeno nicho na parede. Sem respirar, ela colocou o
medalhão contra o tijolo antigo e saltou para trás com um
grito quando a tampa do sarcófago diretamente atrás dela
abriu com um sopro de poeira e o gemido baixo de pedra
sobre pedra.
— Oh, inferno, não, — ela disse para o silêncio antigo e
sinistro. — Você tem que estar brincando comigo.
O silêncio respondendo era ensurdecedor.
Ficou parada no centro do mausoléu por vários minutos,
discutindo os prós e os contras de ir em frente. Ela encontrou
o que estava procurando – possivelmente – e agora ela
poderia voltar e dizer a Xander... Pedir sua ajuda...
Se não fosse por você, Julian ainda poderia estar vivo.
Certo. Xander era o último que queria ajudar.
Lutando contra o ataque súbito amargo de lágrimas,
Morgan jogou o colar de volta ao pescoço, caminhou até o
sarcófago e abriu a tampa. Olhando para baixo, ela viu um
conjunto de degraus impossivelmente estreitos descendo em
uma escuridão impenetrável. Sentou-se na beirada do caixão
de pedra e balançou as pernas, então, movendo-se tão
silenciosamente quanto seus pés permitiam, desceu para a
escuridão.
D olhou para o bilhete dobrado em sua mão. Mudança
de planos lia-se, na melodiosa e elegante letra que ele
reconheceu como de Eliana. Encontro antes da
purgação? Igreja Afundada. Meia hora.
Ele dispensou a jovem garota corada que trouxera o
bilhete com um aceno brusco que a fez corar
profundamente. Quando ela recuou rapidamente para fora da
sala e fugiu para a segurança do corredor escuro, D
lentamente desenrolou a fita em torno de seus nós dos dedos.
Seu peito nu estava banhado em suor, os músculos de
seus braços e ombros doíam, sua respiração era pesada, mas
ele estava convencido de que o saco de pancadas que ele
estava batendo a pela última hora, serviu o seu propósito. Ele
estava mais calmo agora, sua cabeça mais clara.
E ele definitivamente ia precisar disso.
Ele saiu do ginásio com sua mochila na mão e foi para
os banheiros adjacentes, onde a água morna da primavera
borbulhava naturalmente a partir do leito rochoso muito
abaixo. Ele estava sozinho nos banhos há esta hora, mas não
se incomodou com sua costumeira caminhada. Ele conseguiu
se limpar o mais rápido possível, secar e vestir, então, depois
de uma viagem rápida para esconder a mochila em seu baú
nos aposentos privados do Bellatorum, correu para a igreja
afundada.
No caminho, ele queimou a nota de Eliana com um
isqueiro e deixou as cinzas caírem no chão.
Ninguém iria sentir falta dele a esta
hora. Ao Bellatorum foi autorizado tempo pessoal antes
da purgação, e em qualquer caso, Celian, Lix, e Constantine –
todos agora curados – decidiram jogar com um quarteto de
noivas jovens eleitas do Rei que ficou entediado e as doou
para seu prazer.
Nosso prazer, pensou severamente. Mas eu não estou
interessado em qualquer coisa que não seja o que estou indo
encontrar agora.
Vinte minutos depois, ele atravessou o labirinto de
catacumbas e ficou em silêncio nas sombras da igreja
afundada, esperando por ela ao lado de uma coluna de pedra
desmoronando ao lado do corredor que levava
profundamente as entranhas das catacumbas de que acabara
de emergir. Ele ficou lá respirando, sentindo seu coração
bombear em seu peito, sentindo antecipação apertar os
músculos profundamente em sua barriga.
Ele sentiu raiva. Exultante. Vivo.
Ele sentiu em vez de ouvi-la. Ela era silenciosa como a
meia-noite, mas carregava consigo uma corrente tangível de
poder, refinada, porém elétrica. Ao passar a soleira na igreja
afundada e olhar nervosamente ao redor, moveu-se
rapidamente de sua posição escondida contra a coluna,
agarrou-a pelos braços, e girou-a ao redor, seus pulsos
prendidos firmemente atrás dela em ambas as mãos. Ela
ofegou quando ele empurrou seu corpo contra o dela e
segurou-a, presa, à parede.
— Demetrius!
— Diga-me de novo — disse ele, muito baixo, seu rosto
a poucos centímetros do dela, — Por que estou arriscando
minha vida para estar aqui?
Arfando um pouco, olhou-o nos olhos. Sua pele era
lúcida à luz da lua que se espalhava pelo chão das pequenas
janelas no alto da sala redonda.
— Porque você quer, — disse ela, sem fôlego.
Ele olhou para seus lábios entreabertos, sentindo o
aperto em sua barriga crescer para uma queimadura. — Não
é bom o suficiente, — ele disse, balançando a cabeça
lentamente.
— Por que.... Eu quero você?
Ele inclinou a cabeça e considerou, apreciando o calor e
a suavidade de seu corpo pressionado contra o dele,
prolongando o momento. Jesus, ela parecia boa o suficiente
para comer. Vestida em leggings pretas apertadas, botas
pretas, e uma blusa preta que abraçava cada curva, era
provavelmente a coisa mais bonita que viu na vida.
Ele baixou o rosto lentamente, observando seus olhos se
alargarem, observando o pulso no seu pescoço crescer
irregular. Lentamente, suavemente, ele correu a ponta de seu
nariz abaixo da base de sua garganta e inalou profundamente,
contra sua pele. Sentiu-se endurecer, soube que ela sentia isso
também porque sua respiração se agarrava e, sutilmente, ela
se arqueou dentro dele.
— Eu preciso de algo mais definitivo do que
isso, Princesa... — ele murmurou, deixando os lábios roçarem
sua clavícula exposta enquanto falava.
— Oh. Nesse caso, que tal isso? — Ela respirou, então
se inclinou para frente e levou o lóbulo da orelha entre os
lábios.
D congelou enquanto o calor detonava em seu
corpo. Eliana sugou suavemente o lóbulo de sua orelha,
passando a língua por cima daquela minúscula carne que ele
nunca soubera que tinha tantas terminações nervosas, e então
apertou ligeiramente entre seus dentes. Ele afastou-se, pegou
o rosto dela em sua mão, e sobriamente disse: — Oh, menina,
você realmente não deveria ter feito isso.
Então ele a ergueu e a jogou sobre seu ombro para que
ela pendesse de cabeça para baixo atrás de suas costas. Virou-
se e atravessou o chão iluminado pela lua, dirigindo-se para a
porta que conduzia para fora, para a noite.
— Demétrio! — Gritou Eliana, golpeando as costas com
os punhos. — Coloque-me no chão! Coloque-me neste
instante!
Ele bateu duro na sua bunda e apreciou seu uivo
mortificado.
— Desculpe, Vossa Alteza, — ele disse, — Mas não vou
tomar ordens esta noite.
Ela ofegou em horror ou espanto, ele não podia dizer
qual, e D quebrou em um sorriso. Com o braço facilmente
cruzando ambas as coxas, ele se dirigiu através da porta oculta
que conduzia para fora e ao redor de um mato de framboesas
silvestres que cresciam ao longo da parede
arredondada. Eliana segurou seu cinto para se manter firme
enquanto caminhava, alternando entre suplicar e exigir que ele
a descesse.
— Pare de se contorcer ou eu vou colocá-la para baixo
e levá-la sobre o meu joelho, — ele ameaçou, e deu a sua
bunda um beliscão suave. Ela se acalmou instantaneamente
com uma respiração forte, e seu sorriso se alargou.
Deus, isso ia ser divertido.
Em um trecho úmido de trevo ao redor da parede leste
da igreja afundada, ele abruptamente a colocou em seus
pés. Antes que ela pudesse protestar, ele colocou uma mão
sobre seus olhos – ela cobriu a maior parte de seu rosto – e
girou-a para que suas costas estivessem contra seu peito. Ele
a puxou para perto. — Você está pronta? — Ele murmurou
sugestivamente em seu ouvido.
Ela tremeu contra ele e agarrou o braço que ele
envolvera em seu peito. — Pronta para quê? — Ela sussurrou.
Oh, sim, ela estava pronta. Sua voz a entregou. O calor
e o anseio nela cheios de impulsos carnais, mas ele conseguiu
se controlar, apenas muito mal. Porque agora ele queria dar
algo que ela – e todos com alma – mereciam.
Lentamente, ele tirou a mão de seu rosto. — Para Roma.
Ela exalou bruscamente. Seu corpo ficou
completamente imóvel.
Diante deles estava o glorioso e decadente labirinto da
cidade mais magnífica da humanidade, a joia da coroa da
conquista e da imaginação do homem, o pulsante e vibrante
coração do planeta que bateu por mais de dois mil e
quinhentos anos. Palácios renascentistas e basílicas barrocas,
campanários medievais e túmulos etruscos, uma extensão de
telhados até onde o olho podia ver, ouro lavado de poeira de
fadas pela lua enorme e laranja que cresce como uma abóbora
gorda sobre as colinas negras distantes. Uma enorme nuvem
de estorninhos subiu em um emaranhado na cúpula espessa
do céu, voando juntos até que eles desapareceram no
horizonte, e fora à distância a enorme massa de pedra do
Coliseu agachado no centro de tudo, ouro listrado e preto
como um tigre adormecido.
Um pequeno espasmo invadiu seu corpo, e ele olhou
para o seu rosto. Seus olhos estavam enormes, sem piscar,
cheios de lágrimas. Ele gentilmente a virou para encará-lo.
— Eliana, — ele sussurrou contrito. Ele fez algo errado?
Ela virou a cabeça e olhou-o nos olhos. — Obrigada —
disse ela, sua voz sufocou.
Seu coração se derreteu. Uma única lágrima escorregou
por sua bochecha, e ele a limpou com o polegar.
— Menina tola, — ele disse suavemente, — Você não
deveria chorar no começo de um encontro. Chore no final,
como eu.
— Você, chora? — Ela zombou, fungando e enxugando
a umidade em torno de seus olhos. Ela respirou fundo e
endireitou os ombros. — Acho isso muito difícil de acreditar,
Sr. Chutador de Traseiros.
D olhou para ela com fingida indignação. — Sr.
Chutador de Traseiros? Vou fazer você saber que sou muito
afetuoso, Sra. Alta e Poderosa.
Era sua vez de fingir afronta. — Alta e poderosa? Eu
vou fazer você saber que sou muito humilde e dócil.
Ele se aproximou, sorrindo. — Sério? Dócil, não é?
Ela inclinou a cabeça e olhou para ele através de suas
pestanas, brincalhona. — Bem. Dócil para uma princesa, de
qualquer maneira.
— Hmmm. Foi o que eu pensei.
Ele arrastou seus dedos sobre o lado de seu rosto e
mandíbula, porque queria, porque podia, porque gostava de
ver o efeito que seu toque tinha sobre ela. Mesmo na
escuridão ele a viu ruborizada.
— E eu tenho certeza que se você não fizer
isso agora, em qualquer sentido tradicional da palavra, —
disse ela, menos estável do que antes.
Sua mão deslizou em volta de seu pescoço, e ele a puxou
contra si. Suas mãos se ergueram para descansar levemente
contra seu peito.
— Agora por que você pensaria isso? — Ele murmurou,
baixando sua cabeça para a dela.
Seus dedos se enrolaram na frente de sua camisa
enquanto seus lábios roçavam sua têmpora, deslizando,
apenas tocando até sua mandíbula. Fez uma pausa no canto
da boca.
— Porque há muitas mulheres se jogando a seus pés para
se preocupar com o namoro — ela suspirou, seus lábios
apenas roçando os dele. — Você pode simplesmente levá-las
para a cama e dispensar todas as formalidades.
Ele colocou a mão no cabelo da nuca e gentilmente
puxou a cabeça para trás, obrigando-a a levantar os olhos. —
Só quero uma mulher na minha cama, — disse ele, com a voz
rouca, toda a provocação perdida, — E estou pronto e
disposto a fornecer qualquer tipo de formalidade que ela
requer.
Ela olhou para ele com intensidade escura, seus olhos
encapuzados e os lábios de Mona Lisa, o luar tecendo magia
azul em seu cabelo.
— Sem resposta ágil para isso, Princesa?
— Bem, — ela murmurou estupefata, — Eu não
consigo entender se isso é incrivelmente ofensivo ou
incrivelmente quente.
Uma pequena risada ecoou pelo peito dele. — Não
pense demais. Apenas vá com seu instinto.
Seu olhar caiu em seus lábios. Suas bochechas
aquecidas. — Incrivelmente quente, então, — ela sussurrou,
e se levantou em seus dedos do pé para pressionar
suavemente sua boca contra a dele.
Isso o matou. Ela era tão doce, tão bonita, tão boa – e
ela o queria.
Ele.
Ele gemeu em sua boca, endurecendo instantaneamente
quando sua língua deslizou contra a dele. Ela envolveu seus
braços ao redor de seu pescoço e se pressionou contra ele e
beijou-o com um ardor que lhe tomou o fôlego. Ele queria
beijá-la assim por anos, mas agora que ele a tinha em seus
braços, sua boca na sua, ele se sentiu enjoado e zonzo e de
repente estava receoso que poderia fazer algo para machucá-
la, com medo que ele poderia ser muito áspero e assustá-la.
Ele parou o beijo, ofegando, e afastou-a dele com as duas
mãos.
Ela piscou, sua expressão aquela de um filhote
repreendido. Em uma voz pequena ela disse: — O que é? Fiz
algo de errado?
— Jesus, não, — ele gemeu, encolhendo-se, — Você fez
tudo certo.
Com o olhar triste franziu o cenho. — Eu não entendo.
Sua voz saiu rouca, áspera, dolorida. — Eliana. Você
tem alguma ideia do que quero fazer com você? Quanto te
quero? Quanto controle de mim mesmo é necessário para não
tirar essas calças do seu corpo perfeito, delicioso e foder você
aqui? Agora?
— Oh, — ela disse, empalidecendo. Seus olhos ficaram
enormes. — Oh meu.... Estamos de volta ao território
incrivelmente ofensivo ou incrivelmente quente.
— É apenas a verdade! Eu queria ter você a cada
segundo de cada dia durante anos, e agora que você está aqui,
a sós comigo, eu estou achando muito difícil não fazer isso.
— Foder-me? — Ela interrompeu, encarando-o.
O menor indício de um sorriso rabugento levantou sua
bochecha, e sua boca se abriu.
— Você está sorrindo para mim, Sra. Alta e Poderosa?
— Ele rosnou. Apertou suas mãos em torno de seus braços e
puxou-a mais perto.
— Eu não se atreveria, Sr. Chutador de Traseiros, — ela
disse inocentemente. — Conhecendo a mão que você tem.
Tenho medo de ter tantas palmadas que não poderia sentar-
me por uma semana.
— Oh, você realmente não tem ideia, — ele respirou,
fechando a distância final entre eles. Ele apertou seus braços
em torno de suas costas novamente, apertou-se contra ela, e
tomou seu queixo em sua mão. Ele olhou para baixo em seus
olhos e disse: — Eu adoraria transformar esse belo traseiro
em perfeito tom de rosa, e estar dentro de você e te fazer
gemer meu nome e a promessa de pertencer a mim para
sempre. Não se engane Eliana, quero fazer você ser
minha. Toda minha. Eu quero fazer coisas muito ruins para
você, coisa que ninguém jamais fez antes ou nunca vai fazer.
É o que mais quero, que você aprenda o que me agrada e faça
porque você quer, porque a faz feliz. Porque eu vou te fazer
feliz.
Ela olhou para ele com a boca aberta, os olhos
arregalados.
— Mas nós não vamos fazer nada disso até que eu te
mostre esta cidade que você viveu por baixo a sua vida inteira
e nós tivermos uma conversa muito honesta sobre o que
exatamente você está procurando aqui, porque vou dizer-lhe,
agora não estou interessado em apenas uma noite e não vou
compartilhar você com mais ninguém. Incluindo seu pai. Nós
estamos entendidos?
Ela engoliu em seco e assentiu com a cabeça.
— Bom. — Ele se inclinou e beijou-a muito suavemente,
primeiro tomando seu lábio inferior entre os dentes, então
deslizando a língua em sua boca, com cuidado para segurar
quando ela arqueou perto dele e fez um som em sua garganta
que soou perigosamente perto de render-se.
— Primeiro, menina, — ele sussurrou, então apertou um
beijo casto em sua testa e a soltou. — Vamos ver Roma, não
é? — Ele estendeu a mão.
Um pouco instável em seus pés, ela estendeu a mão para
ele e fechou seus dedos frios ao redor dos dele. Ela tragou de
novo e lhe enviou um olhar divertido, ligeiramente
desorientado.
— Você é sempre tão mandão?
Ele sorriu. — Alguém tem que se levantar para você. Seu
ego está completamente fora de controle.
— Meu ego! — Ela riu depois que ele levou-a para longe,
descendo a colina gramada inclinada.
— E sim, eu sou sempre este mandão, — ele disse sobre
seu ombro. — Na verdade, estou apenas começando.
— Sim, bem, boa sorte com isso, Sr. Chutador de
Traseiros, — ela zombou. — Você não é o único que está
acostumado a dar ordens. Se você pode mandar, é melhor ser
capaz de obedecer também.
D ouviu seu riso doce e baixo atrás dele e ficou contente
por não ver o enorme sorriso que dividia seu rosto.
Sim, ele ia aceitar. Ele ia levar tudo.

— Que diabos você quer dizer, — soprou Xander, frio


com o choque, — Você não sabe onde ela está?
Ele acabara de voltar de um dia inteiro vagando pelas
ruas de Roma, tentando se distrair dos pensamentos de
Morgan, apenas para ver seu rosto em cada morena da
cidade. Depois de tê-la deixado na parte da manhã, ele ficara
tão atormentado que levara o dia todo a se acalmar o
suficiente para retornar à casa segura, e quando o fez, ela não
foi encontrada. Em pânico crescente, ele revirou todos os
cantos da casa e finalmente encontrara Bartleby e Tomás – de
volta em forma humana, curado dos cortes superficiais em seu
rosto – sentado na mesa da cozinha.
— Nós... nós pensamos que Morgan estava com você!
— Bartleby balbuciou, piscando. — Eu não vi nenhum de
vocês desde que voltamos de... Julian.... Esta manhã... Eu
supus que vocês estavam juntos! Eu estava com Matheo e
Tomás o dia inteiro na academia!
Num tom discreto e hostil, Tomás disse: — Matheo vai
ficar bem daqui a um ou dois dias. Se você se importa.
Xander tomou fôlego e olhou para Tomás. Ele merecia
isso, supunha, mas ainda assim sentia como se alguém tivesse
apenas torcido um punhal quente dentro de seu estômago.
— É claro que eu me importo!
— É uma maneira engraçada de mostrá-la, para nós e
tudo mais, — disse Tomás, ainda com aquele tom afiado.
Xander não podia negar. Todos sabiam que era
verdade. Ele afundou na cadeira mais próxima, descansou os
cotovelos sobre a mesa, inclinou e envolveu as mãos ao redor
de sua cabeça. Ele fechou os olhos e respirou fundo, lutando
contra o pânico e o impulso de pular e fugir para o exterior da
noite, gritando seu nome.
No silêncio tenso, ele disse:
— Desculpe. Você está certo. Mas... — ele engoliu e
fechou os olhos, — mas eu a amo. Eu a amo, Tomás, com
cada átomo fodido do meu ser. Ela me ressuscitou, me
compreendeu, deu uma razão para eu viver. Eu nunca
pensei.... Eu nunca pensei que pudese sentir nada parecido
com isso de novo, e desta vez é... mais. É tudo. Eu
simplesmente não podia deixá-la aqui sozinha.
Ele ouviu a exalação de Tomás vaiada no ar, mas
ele sentiu o sorriso de Bartleby.
— Deus droga, Alexander, — rosnou Tomás com os
dentes cerrados; Então ele ficou em silêncio.
— Bem, — disse Bartleby, tagarela de repente. — Eu
acho que vocês formam um casal adorável.
— Para o quê? — Tomás murmurou, mas o médico
ignorou isso.
— Onde você acha que ela foi Xander? Onde você vai
procurá-la?
Xander ergueu a cabeça e olhou para Bartleby, desolado.
— Eu não sei, — ele sussurrou. — Eu não sei como
vou encontrá-la. — E depois da maneira que eu a tratei nesta
manhã, ela provavelmente nunca mais vai querer me ver
novamente.
Tomás bufou alto. Xander olhou para ele, e ele cruzou
seus braços musculosos sobre seu peito e olhou para
ele. Depois de um momento, ele respirou fundo como se
tivesse chegado a uma decisão não tácita.
— Para um cara esperto, você pode ser colossalmente
estúpido, você sabe disso? — Ele estalou.
— Desculpe Tomás. Farei qualquer coisa para que as
coisas fiquem bem entre nós...
— Oh, cala a boca, pelo amor de merda. Eu não estou
falando sobre nós, não mais!
Xander piscou para ele, confuso, e Tomás rolou os olhos
para o teto.
— Dá-me paciência, Deus — disse entre os lábios
rígidos.
Bartleby sentou-se olhando para trás e para frente entre
os dois, mastigando o interior de seu lábio.
Tomás descruzou os braços, pôs as mãos sobre a mesa
e inclinou-se para frente.
— Você tem seu sangue dentro de você, — ele disse
muito lentamente, como se falasse com alguém
excepcionalmente idiota. — Você pode encontrá-la, em
qualquer lugar.
O fogo entrou em erupção na pele de Xander e foi
escaldante sobre cada músculo, nervo e osso em seu corpo.
— O sangue segue o Sangue, — ele sussurrou, sem
fôlego.
Era um ditado tão antigo quanto sua raça, com uma
dúzia de significados diferentes. Para os pais que passaram os
dons para sua prole, para os membros da tribo que juraram
fidelidade ao seu Alfa, para posições como Casamenteiro e
Guardião das Linhagens que foram mantidas em
perpetuidade por uma única família, transmitida de pai para
filho através de cada sucessiva geração.
Para o laço de ligação criado quando
um Ikati compartilhava do fluido em suas veias com outro.
Xander pôs-se de pé, e sua cadeira caiu para o chão de
cerâmica atrás dele.
— Tomás, eu tenho que ir, me desculpe com Matheo.
— Sim, sim, — Tomás murmurou secamente, acenando
com a mão. — Eu sei tudo sobre isso, garoto amante. E não
se preocupe, nós vamos ficar bem. Vá encontrar sua princesa
dor na bunda e traga-a de volta em uma peça, certo?
E com isso, Xander sabia que ele estava perdoado. Ele
se lançou contra Tomás, arrastou-o da cadeira e esmagou os
braços ao redor das costas do irmão. Tomás o abraçou
brevemente, depois se desvencilhou dos braços de Xander
com um olhar desgostoso.
— Vá, cara de merda, — ele rosnou, lutando contra um
sorriso, e empurrou Xander para a porta.
Ele foi voluntariamente, gritando por cima do ombro:
— Quando eu voltar, vamos falar sobre esconder você e
Matheo da Assembleia!
— Escondendo, fugindo, — ele ouviu Tomás murmurar
por trás dele quando ele bateu como um trem de carga através
da porta dos fundos. — Eu estava pensando em me aposentar
de qualquer maneira.
Xander ajoelhou-se na grama no quintal, olhando para o
crepúsculo roxo-azulado. A força em suas pernas o
abandonou, e ele não sabia como exatamente isso iria
funcionar de qualquer maneira, então ele achou que poderia
muito bem ficar perto do chão, caso ele estivesse inclinado a
cair.
Ele estendeu as mãos sobre suas coxas flexionadas,
fechou os olhos e respirou.
— Morgan, — ele murmurou. — Amor. Onde você
está?
O tráfego distante murmurou. As folhas rangiam nas
árvores. Ar fresco e suave roçava sua pele.
Nada mais aconteceu.
Ele mudou de peso e tentou novamente, concentrando-
se em seu nome, repetindo-o silenciosamente como um
mantra, limpando sua mente de tudo o mais. Depois de alguns
minutos disto, seu pé esquerdo começou a formigar; estava
adormecendo.
Ele rangeu os dentes em frustração. Como diabos isso
deveria funcionar? Tinha um pensamento aleatório de voltar
para dentro e perguntar a Tomás, mas instantaneamente
pensou melhor. Ele tinha que ser o único a fazer isso, e tinha
que fazer isso sozinho.
Um barulho úmido na cerca de trás chamou sua
atenção. Lá estava o beagle, olhando-o com os olhos
arregalados pelo nó da madeira branca pintada. Ele congelou
quando deixou um grunhido baixo, ressoou crescendo em seu
peito, em seguida, gritando quando ele se sentou para frente
em suas pernas e rosnou como um animal, como o animal que
ele era.
Cachorro estúpido. Lembrou-se da primeira vez que o
viu, quando ele e Bartleby se sentaram juntos, e o médico
perguntou a Xander se ele estava apaixonado por Morgan. Ele
riu, lembrando-se disso, negando quando esteva apenas
momentos antes de ele ter descido e se entregar à primeira
emoção que sentira em duas décadas.
E Deus, que emoção era. Doce, feroz e bonita, como
ela. Apaixonado.
Consumindo. Demoníaco.
As lembranças subiram para assaltar seus sentidos: seus
olhos, pele, cabelo, lábios, cheiro. Palavras pronunciadas,
caladas e reverentes, roucas e suplicantes. Prazeres
compartilhados. Pele em pele aquecida. Amor. Ele engoliu
em seco para tentar aliviar a dor em seu peito, respirou fundo
para neutralizar uma repentina tontura. — Morgan, — ele
gemeu suavemente.
E então um vento frio que o acariciava, rugindo em seus
ouvidos.
Subterrâneo-úmido ar-empoeirado pedra-ossos,
sombras e perigo. Ela estava em perigo e aterrorizada.
Xander saltou para seus pés. Ele olhou para os telhados
de Roma, sentindo uma atração como a gravidade, seu sangue
escaldante queimando através de suas veias. Seu nome era
como um bater de tambor dentro de sua cabeça, mais alto
quando olhava para o oeste, ensurdecedor quando ele espiou
o telhado dourado e arredondado da Basílica de São Pedro.
Toda a respiração deixou seu corpo como se tivesse sido
perfurado.
— Eu estou chegando, querida, — ele rosnou, e saiu em
uma corrida completa.
Morgan acordou com um martelo batendo pura agonia
através de seu crânio.
Com um gemido, ela levantou a cabeça, estremecendo
de dor. Um rápido olhar revelou uma vasta câmara de pedra
sombreada, decorada por um excêntrico puxador com um
gosto pela decoração gótica eduardiana e a cor
vermelha. Cada centímetro de espaço estava repleto de
antiguidades que pareciam valiosas e muito antigas, e tudo
estava saturado em tons de sangue fresco derramado, desde
os tapetes padronizados até o elaborado mobiliário estofado
de veludo até as tapeçarias tecidas nas paredes. Mesmo os
braseiros de ferro pesados que alinhavam as paredes tinham
velas vermelhas que lançavam um brilho demoníaco e
dançante sobre tudo.
A câmara foi adaptada com um esqueleto de pedra
calcária enorme e intrincada que abraçou as paredes
crescentes e criou a ilusão do interior de uma catedral
medieval com colunas agrupadas, abóbadas acentuadas
nervuras e arabescos extravagantes em vitrais que olhavam
para nada.
Havia estátuas, óleos e figuras esculpidas de santos,
gárgulas que olhavam para baixo de colunas, ternos de
armaduras e exibições de armamento antigo, fileiras de
bandeiras com crista penduradas bem acima.
Era espantoso, morbidamente bonito e muito
frio. Nenhuma lareira ou outra fonte visível de calor aquecia
a câmara, e o ar úmido e aderente afundou para esfriar seus
ossos.
E havia a questão de sua cabeça.
Ela explorou cuidadosamente a parte de trás do crânio
com os dedos e encontrou um nó enorme e macio, escondido
atrás de sua orelha esquerda. Quando ela afastou a mão,
estava manchada de sangue.
— Maldição, — ela murmurou. O que aconteceu? A
última coisa que ela lembrou foi o túmulo dos egípcios, o
sarcófago,
— Minhas desculpas, — disse uma voz baixa e sedosa à
sua direita, — Mas meus guardas tendem a serem um pouco
zelosos em seu tratamento a intrusos. Como você está se
sentindo?
Ela estalou a cabeça – a sala ficou girando – e ali estava
ele, o Alfa selvagem de branco. Ele era tão bonito quanto ela
se lembrava, reclinado sobre um divã de veludo elaborado
esculpido a poucos metros de distância. Ele a olhava com
olhos pretos encapuzados e um sorriso preguiçoso e sinistro.
Seu corpo ficou frio, mais frio ainda do que o quarto. —
Você, — ela sussurrou.
Ele pareceu levemente divertido. Ele ergueu as
sobrancelhas. — Meu nome é Dominus, Morgan. E sim,
eu. Você estava esperando o Papai Noel?
A adrenalina de lutar ou correr percorreu seu corpo,
eletrizante, primitivo. Ela se manteve na cadeira por pura
força de vontade, mas suas mãos começaram, um pouco, a
tremer.
— Como você sabe meu nome?
— Eu sei tudo sobre você, hóspede elegante. Suas forças
e fraquezas, suas maiores alegrias, seus medos mais
profundos. Você pode até dizer que eu a conheço melhor do
que você mesma. O interior da sua mente é um lugar muito....
Interessante. — Seu sorriso sinistro se alargou. — A
propósito, você está em negação terrível sobre esse seu
problema.
Ela olhou para ele, o tremor em suas mãos piorando a
cada segundo.
— Apaixonada por um assassino? — Ele devaneou. —
Contratado para matá-la? Tsk. Isso é mais do que apenas a
sua variedade do jardim de auto repugnância, minha
querida. Isso é verdadeiramente patológico.
Morgan tentou pular e não pôde. Horrorizada, ela olhou
para as pernas, mas não havia restrições, ferimentos visíveis,
apenas a cadeira debaixo dela, outro assento de veludo escuro
que parecia transportado de um bordel do século XVIII.
— Eu não preciso de apoios para mantê-la onde a quero, querida,
— uma voz sussurrou em sua mente.
Mesmo sem falar palavras, ela ouviu sua diversão, seu
tom de vitória satisfeito, e a raiva que inundou seu corpo
finalmente proporcionou um calor muito necessário.
— Fique fora da minha cabeça!
Seu rosto escureceu. De repente, também não conseguiu
mover os braços. Eles caíram frouxos para seus lados, e
embora ela tentasse freneticamente fazê-los responder, nada
aconteceu. Era como se sua medula espinhal tivesse sido
cortada em seu pescoço.
— As exigências não são algo que eu tolero de minhas
fêmeas, — disse Dominus, moralmente macio, olhando para
ela das sombras com um foco ameaçador como um predador
contemplando sua próxima refeição.
— Uma vez que você sabe tudo sobre mim, deve saber
que eu não sou sua, — ela retrucou.
A dor explodiu em um fogo de artifício branco-quente
atrás de seu olho direito. Ela ficou rígida e ofegou.
Languidamente Dominus desdobrou-se do divã. Ele
veio para ficar ao seu lado e lentamente acariciou um frio dedo
em sua bochecha, observando seu progresso com brilhantes,
olhos famintos.
— Não é? — Murmurou. Seu sorriso deu uma nota de
puro terror em seu coração.
De pé, veio à ordem tácita.
Sem um hálito de hesitação, seus membros saltaram para
cumprir a ordem, e ela estava de pé, muda e furiosa e
aterrorizada, seu corpo um boneco para suas cordas
invisíveis. A dor por trás do seu olho irradiava-lhe pela cabeça,
ardendo, quente, e ela tinha que morder o lábio para não
gritar.
Dominus começou um círculo lento ao redor dela,
inspecionando, sorrindo seu sorriso malévolo. Ela estava
congelada, mumificada, incapaz de mover os olhos para seguir
seu progresso. Ela sentiu um toque suave em seu ombro, um
ligeiro puxão enquanto seus dedos se penteavam em seus
cabelos, uma mão gentil acariciou suas costas. Quando sua
mão deslizou para baixo para persistir possessivamente em
sua cintura, sua pele rastejou como se mil aranhas estivessem
correndo sobre seu corpo.
— Tudo isso é meu, — ele murmurou. — Todos os seus
pensamentos, todos os seus sentimentos, cada músculo e osso
e tendão neste corpo perfeito e bonito é meu. E de agora em
diante, sempre será.
— Não — Metade sussurro, metade gemido, ela o levou
a um impasse.
— Não? — Veio o seu desafio falado suavemente. A dor
em sua cabeça se reuniu em um gritante, uivo monstruoso
com dentes afiados, rangendo que rasgou e picou sua carne,
um dragão devorando aldeões e vomitando fogo dentro de
seu crânio.
Dominus disse: — Você não parece convencida. Talvez
uma demonstração seja necessária.
Ele agarrou-a pelo pulso e levantou seu braço longe de
seu corpo, virou-o em várias posições até que ele encontrou
um que gostava. Então, com um murmuro, — Fique, — ele
a soltou, pegou seu outro braço, e repetiu o mesmo
procedimento, então inclinou a cabeça. Em um momento ela
estava em uma postura como uma estátua do Renascimento
que ele escolhera, e ela ficou impotente em agonia sufocante,
enterrada viva.
— Vênus em correntes — murmurou Dominus,
paralisado.
Seu olhar passando sobre sua figura, ávido, e olhou por
um momento como se fosse atacar e devorar inteira. Mas ele
tomou várias respirações lentas, profundas, e a emoção
raivosa em seus olhos eventualmente batida. — A dor é um
motivador muito poderoso, Morgan. A maioria das criaturas
fará qualquer coisa para evitá-la. Qualquer coisa. — Ele
lambeu os lábios, lento e deliberado. — Você pode adivinhar
o que eu quero de você para que a dor vá embora?
Incapaz de responder, ela fez um som agudo de terror
que soou como um rato quando ele corre do gato ao meio dia.
— O.be.di.ên.ci.a. — Ele disse, cuidadosamente
enfatizando cada sílaba. — Você me obedecerá em todas as
coisas. Você vai fazer o que eu pedir sem hesitação ou vou
deixá-la ficar aqui assim, em agonia, até que você apodreça em
seus pés. O que, por acaso, sei por experiência, leva cerca de
três semanas.
Com um gesto elegante de sua mão bem cuidada,
indicou uma pilha dos ossos branqueados misturados em uma
confusão enorme, medonha e branca em um canto escuro ao
lado de uma estátua de basalto do diabo.
Seu coração disparou. Arranhou. Começou de novo
com um latejante doloroso.
Dominus aproximou-se. — Mas eu não quero fazer isso.
— Sua voz estava suave agora, acariciando, e seus olhos se
tornaram macios. Ele tocou um dedo em seu lábio
inferior. — Tenho outras coisas em mente para
você. Para nós. Dê-me sua palavra que você vai se comportar
e vou soltá-la, e podemos começar de novo.
— E em troca? — Ela sussurrou, parando. O suor
brotou ao longo de sua linha do cabelo, gotejado em um
riacho frio pela parte de trás de seu pescoço. — Se eu
concordar em... Obedecer... O que você vai me dar?
Primeiro ele parecia zangado: seus olhos brilharam; sua
bela boca desenhou para uma linha dura, plana. Ele deixou
cair à mão de seu rosto e fez um punho ao seu lado, e ela
preparou-se para um soco. Mas então outra emoção suavizou
seu rosto, e por um momento ele pareceu mais jovem, quase
melancólico.
— Você está negociando comigo?
Ele parecia divertido, espantado, mas, sobretudo
intrigado.
— Eu gostaria de não apodrecer nos meus pés, — disse
ela, fracamente. — Mas vou, se isso significa que tenho que
sacrificar o livre arbítrio. Prefiro morrer em pé a viver de
joelhos, que se você realmente me conhece, seria óbvio. —
Ela umedeceu os lábios. — E porque você não me conhece....
Isso me faz pensar que você pode estar cheio de merda.
Ele inalou uma respiração aguda e espantada. Sua boca
se abriu. Seus olhos, negros e ardentes de carvão, se
abriram. Ele olhou para ela em silêncio enquanto as velas
balbuciavam em uma brisa súbita e fria e o sangue rugia
selvagem através de suas veias.
— Ninguém nunca falou comigo assim, — ele sibilou,
sem piscar. Um rubor de carmesim subiu por seu pescoço, e
por um momento horrível, sem fôlego, ele não fez nada.
Então, impossivelmente, ele começou a rir.
Ele ecoava pela vasta câmara como uma coisa
viva. Saltava para fora das paredes e se dividia em cem risadas
diferentes, cada uma mais escura e mais sinistra que a
anterior. Ele se sentou de volta no divã de veludo e se
entregou a isso, cabeça jogada para trás, olhos fechados,
dentes brancos brilhando na escuridão. Em um momento seu
riso diminuiu e ele se recompôs e ficou olhando para ela com
um dedo esfregando seus lábios cheios e sorridentes.
— Você me diverte — disse, surpreso. — Eu não tinha
ideia quando te escolhi que você seria tão.... Interessante. —
E com um pequeno movimento de sua mão, ele a libertou de
seu controle e a dor simultaneamente desapareceu.
Morgan desmoronou na cadeira estofada, engolindo ar,
lutando contra náuseas, quente e azeda.
Sua mente não estava funcionando, seu corpo não estava
funcionando. Tinha que pensar!
— Es-escolheu-me? — Ela conseguiu dizer.
— Para me ajudar a infiltrar-me nas outras colônias, —
respondeu, de fato. — Meu povo estava observando todos
eles – bem, as três que eu conhecia – por anos, procurando
por um elo fraco, por alguém que não se encaixava, alguém
rebelde, alguém talvez, que pudesse querer um pouco, — ele
acenou os dedos, timidamente à procura de uma palavra, —
Vingança?
Vingança.
— Mas nunca conseguimos encontrar uma fenda na
armadura deles. Até você. E você estava tão pronta para isso.
— Ele sorriu. — Tanta solidão. Tanta raiva. Virar-te
dificilmente vai ser trabalho algum.
Um iceberg deslizou silenciosamente sobre ela e a
esmagou com seu peso frio e maciço. De repente,
horrivelmente, compreendeu tudo com uma claridade cegante
e brilhante, como a luz do sol refletida na neve.
— Oh meu Deus, — ela sussurrou.
— Sim, — ele sorriu mais largo, — Eu sou o teu Deus,
Morgan. Deus da vingança, deus da guerra, deus da salvação,
que libertará toda a nossa raça da opressão do homem. Levou
uma vida de planejamento, mas agora todos os jogadores
estão perfeitamente posicionados no tabuleiro e os Ikatis vão
finalmente ter o xeque-mate.
Seu estômago se arqueou. O conhecimento súbito e
miserável do que ele fez da parte que ela jogou tão
voluntariamente, queimou como veneno em sua garganta.
— Você.... Você planejou isso, — ela balbuciou. —
Você planejou tudo isso! Você me criou!
Seu sorriso se tornou perigoso. — Você era um alvo
fácil.
— Você matou o seu próprio povo! — Ela gritou
quando o sangue inundou seu rosto. — Você os torturou!
Você trabalhou com os seres humanos...
— A destruição é um dos mandatos da natureza, como
o marquês de Sade disse com tanta eloquência — respondeu
ele calmamente — E um rei deve estar disposto a sacrificar
algumas torres para ganhar uma guerra. E como você sabe,
linda Morgan, estamos empenhados na guerra desde o início
dos tempos.
Ela o odiava, o odiava com uma ferocidade que fazia seu
coração bater e seus dedos coçarem para arrancar seus
olhos. — Seu filho da puta! Temos sido caçados por séculos
e forçados a fugir, a nos esconder.
— Silêncio! — Ele gritou, e pulou do divã.
Ele começou a andar na frente dela, esbelto e ameaçador,
eriçado como um animal enjaulado. Ele passou uma mão
agitada pela crina de seus cabelos preto-prateados.
— Eles começaram isso. Eles declararam guerra contra
nós. Você está familiarizada com o velho ditado 'Mantenha
seus amigos próximos e seus inimigos mais próximos'? Isso é
o que os Alfas de minha linhagem fizeram desde que a
Inquisição começou em 1231. Meus antepassados
rapidamente perceberam que uma igreja, assassinato em
massa, era uma oportunidade de ouro para se infiltrar no
bastião da liderança humana e causar um pouco de confusão
própria, vingança, se você quiser. Que desculpa maravilhosa
para matar seres humanos! E de maneiras tão imaginativas! —
Ele parou de andar e se virou para olhar para ela. Sua voz caiu
uma oitava, e sua expressão enviou um frio de medo sobre
sua pele.
— E foi então que a organização foi formada pela
primeira vez.
— O Expurgari, — ela sussurrou.
— Os Purificadores, — ele concordou, balançando a
cabeça. — No começo, o objetivo era matar o maior número
de humanos possível. Milhares foram abatidos, hereges de
marca, e a igreja nunca suspeitou de nada. Eles nos deram
ouro, montanhas de ouro, pelo maravilhoso trabalho que
fizemos. Nós fingimos ser seus discípulos mais devotos,
quando tudo o que realmente queríamos era ver seu sangue
correr nas ruas. E funcionou perfeitamente.... Até que, em
nossas viagens pelo mundo levando toda a sua falsamente
acusação, descobrimos outra colônia de Ikati, vivendo
escondida na França.
Ele retomou o ritmo. — Até esse ponto, nós pensamos
que éramos os únicos. Nossos registros só vão tão longe com
o soldado romano que trouxe de volta quatro filhos estranhos,
órfãos do Egito, após Cleópatra ser derrotada por César
Augusto na batalha de Actium. Mas uma vez que a colônia na
França foi descoberta, o objetivo do Expurgari mudou.
Morgan suspirou: — Não há colônia na França.
Dominus parou de andar. Ele sorriu. — Não mais.
— Por quê? — Sua voz quebrou. — Por que você quer
destruir uma colônia inteira de sua própria espécie?
— Eu não, — ele disse ofendido, então deu de
ombros. — Meus antepassados foram um pouco menos
benevolentes do que eu sou, no entanto. Eles não gostavam
mais de seus rivais do que os humanos.
— Mas você está matando os Guardiões da
Linhagem! Você está torturando mulheres – a Rainha da
nossa colônia.
— Sim, isso, — ele disse azedo, e voltou para sua
posição no divã. Ele estendeu os braços sobre as costas
enroladas e a prendeu com um olhar penetrante e intenso. —
Isso foi um erro, provocado pelo líder idiota de uma de nossas
células menos organizadas. Os seres humanos são tão pouco
confiáveis, mas há tantos deles e tão poucos de nós.... Eles
foram servos úteis, na maior parte, mas o que aconteceu em
sua colônia não foi planejado. Ele deveria tomar o Guardião,
como você sabe, mas infelizmente desfez o trabalho e
terminou com uma fêmea em vez disso. — Um sorriso
irônico rastejou sobre seu rosto. — Sei que seu Alfa cuidou
dele, no entanto.
Morgan gemeu, fechou os olhos e deixou cair à cabeça
em suas mãos. Era pior do que ela jamais pensara ser possível,
a pior coisa que ela poderia imaginar, um pesadelo do qual
não haveria despertar.
Ela encontrou o Alfa selvagem. E encontrou o cabeça
dos Expurgaris.
Eles eram um e o mesmo.
— Eu não entendo, — ela sussurrou através de seus
dedos. — Eu não entendo.
— Meu plano nunca foi destruir as outras colônias,
Morgan — disse ele suavemente, como se fosse uma
criança. — Os Alfas, sim. Só pode haver um Rei, e esse sou
eu. Eu queria os Guardiões porque eles me diriam tudo que
eu precisava saber sobre cada colônia, sobre os Alfas, as
Linhagens de Sangue Mais Dotadas, sobre suas defesas e
fraquezas e seus membros mais descontentes que poderiam
estar convencidos de que era hora de mudar. E então eu tive
que matá-los, obviamente, então eles não me expuseram.
— Mas por quê?
Ela não estava olhando para ele, mas ouviu o sorriso em
sua voz. — Porque vamos nos unir como um só, como
sempre deveria ser. Vamos combinar nossos recursos e
contaminar seu poço de genes e recuperar tudo o que foi
roubado de nós há tanto tempo. E então.... Nós
governaremos o mundo.
Sua voz caiu em um sussurro zeloso. — A vingança é
minha, diz o Senhor. Um sentimento tão bonito, você não
acha? A Bíblia humana está cheia de pequenas joias como
essa; eu deus é um mesquinho, mau. Temperado com algumas
questões de insegurança substanciais, mas sobre isso ele está
certo. Vingança é melhor deixar para os deuses. Melhor
deixar para mim.
Morgan estremeceu. Bonito e genial e completamente
insano, ele a atraiu para sua armadilha e ela caíra
voluntariamente, como uma abelha embriagada com o cheiro
inebriante de néctar.
Ele veio e ficou ao lado dela, tocou uma mão gentil em
seu cabelo. — Pense nisso, — ele disse, razoavelmente,
enquanto ela se encolhia. — Não mais correndo. Não mais
escondido. Não mais vivendo como ratos, tremendo nos
rodapés. Vamos ser livres, Morgan. Livres. — Sua voz
endureceu. — E você, mais como eu do que você está
disposta a admitir, ficará ao meu lado. Como minha Rainha.
Ela endureceu, todos os músculos se esticaram para
fugir, mas antes que ela pudesse se mover, ele sentiu sua
intenção e puxou a cabeça para trás com a mão apertada
dolorosamente em seu cabelo.
— Ou, — ele disse, olhando para ela, perfeitamente
controlado, — Você acabará lá.
Ele apontou, movendo a mão e a cabeça para que ela
fosse forçada a girar na cadeira, esticando o pescoço.
Para além da estátua de chifre do diabo, para além da
horrível pilha de ossos, ainda mais para dentro das longas e
escorregadias sombras da sala havia uma moderna caixa de
vidro contra a parede, iluminada de dentro para iluminar o
conteúdo, fileira após fileira de grandes frascos da parte
superior com algumas coisas sombrias escuras dentro.
Cabeças.
Fileira e fileira de cabeças preservadas em um líquido
amarelo pálido com olhos arregalados e nuvens de cabelos
escuros, carne dessecada descascada de crânios, lábios
encolhidos sobre os dentes arreganhados, as mesmas cabeças
que Jenna mostrou a ela, o que parecia uma vida atrás.
Um rugido subiu em seus ouvidos, a dor latejava em seu
crânio, ela sentiu-se fraca, nauseada e fria. O tremor começou
em algum ponto profundo de seu estômago e se espalhou
para seus braços e pernas, deixando-a fraca, bamboleante
como um potro.
— Como eu disse antes, não tolero exigências e não
tolero desobediência de nenhum tipo — disse Dominus,
segurando-a rapidamente. — Um ato de desafio, — ele
levantou o dedo indicador da outra mão, — Um, e eu não
hesitaria em colocá-la na minha estante de troféus, juntamente
com todos os outros que não veem as coisas do meu jeito.
Ele sorriu para ela, excitação ardendo em seus olhos. —
Obedeça-me, submeta-se a mim, reine comigo, — ele
sussurrou. — Ou morra. Escolha. Agora.
Sem pensar, sem quebrar o contato visual, Morgan abriu
a boca e muito calmamente disse: — Foda-se.
Uma fraca surpresa registrou-se em seus olhos negros de
carvão. Ele piscou. Então, com a mão ainda apertada
dolorosamente em seus cabelos, ele se levantou a toda à altura
e a arrastou, fraca, junto com ele.
— Interessante escolha de palavras.
Ele abriu o punho e a soltou. Ela cambaleou para trás,
ofegante em um súbito terror, até que ela foi levada para cima
pela gélida, garra de dor que perfurou através de seu peito e
queimou em uma geada fria e crepitante em todo seu
corpo. O frio se espalhou, endurecendo seus músculos,
imobilizando-a.
Mais uma vez ela estava presa, sem fôlego, mantida
refém dentro de seu próprio corpo.
Com os braços cruzados sobre o peito largo, Dominus
disse: — Sim, escolha muito interessante de palavras,
considerando o que estou prestes a fazer com você.
Seu tom era leve, mas a fúria em seu rosto não era, e se
ela pensou que tinha medo antes, ela sabia que isso era apenas
um aprendizado do medo.
De repente, com os movimentos entorpecidos e
sacudidos de uma marionete, suas mãos se ergueram e
começaram a puxar o material de seu vestido, agarrando-o,
deslizando-o sobre seus quadris. Ela olhou para suas mãos
estranhas em horror, e tudo o que podia pensar
era, Xander! Xander! Xander!
— Oh, sim, obrigado por me lembrar, — Dominus
disse. — Seu namorado está vindo para te salvar, mas eu o
mato antes que ele possa. Só pensei que você gostaria de
saber. Agora, — ele disse seu tom um pouco mais baixo do
que antes, — Vamos tirar você desse vestido.
E antes que ela pudesse abrir a boca para gritar, suas
próprias mãos de fantoche puxaram o vestido sobre sua
cabeça e deixaram cair em uma poça silenciosa para o chão de
pedra.
D mostrou a Eliana tanto quanto podia nas poucas horas
que tinham entre crepúsculo e a purgação, transformando
tudo em um turbilhão, de viagem épica.
O Fórum, o Coliseu, o Panteão, as suas ruínas antigas
favoritas, lojas de curiosidades, os artefatos e arcadas do
mercado de Trajano, os banhos decadentes de Cascatas, a
Piazza Navona com as suas fontes abundantes barroco e cafés
movimentados. Ele mantinha uma moto – Italiana, é claro,
uma Ducati preta e musculosa, coberta em uma garagem
perto da Domitila, e eles voaram pela cidade com as coxas
apertadas contra a dele, os braços envoltos em torno da
cintura, o calor e maciez moldada nos músculos duros de suas
costas.
Ele nunca foi mais feliz em sua vida.
Mas agora estava chegando à meia-noite. O tempo era
curto.
— Nós temos que voltar, — ele murmurou,
observando-a devorar um sorvete stracciatella triplo no
pequeno café na calçada que parou para comer.
— O que é isso? — Ela exclamou com a boca cheia,
batendo a pequena colher de pau contra o copo de
plástico. — É como o céu na minha boca!
Vê-la assim – espantada, excitada, cheia de admiração –
foi o melhor presente que teve em muito, muito
tempo. Talvez nunca. Ele inalou, cheirando a flor cítrica de
um par de limoeiros próximos, provando um sabor agridoce
na língua que imaginava ser o sabor fugaz da alegria.
— Chocolate chips com creme. Da próxima vez vou
comprar a com pera de canela.
Ela engoliu o bocado de sorvete e bateu em seus
cílios. — Da próxima vez? — Ela colocou a colher de madeira
em sua boca e lentamente sugou, segurando seu olhar.
Ele se inclinou sobre a mesa e suavemente agarrou seu
pulso, forçando a colher fora de sua boca.
— Sim, da próxima vez. E pare de chupar tão
sugestivamente sobre a colher, ou vou pensar que você está
me provocando de propósito.
— E então você vai ter que me espancar, — ela
sussurrou, seus olhos brilhando com alegria.
Ele rosnou e a puxou para fora de sua cadeira e para seu
colo. Ela gritou e deixou cair à xícara de sorvete enquanto um
casal de idosos em uma mesa vizinha fez careta em sua
desaprovação.
— Não me faça fazer isso aqui mesmo, — ele rosnou,
acariciando seu pescoço.
Ela riu e passou os braços em volta dos ombros. —
Promessas, promessas, — ela disse, um pouco sem fôlego, e
então olhou para ele com aqueles olhos escuros e bonitos que
iluminaram sua alma em chamas.
— Princesa, — ele murmurou encantado. — Eu
morreria mil mortes para acordar uma manhã com esse
sorriso.
— Bem, — ela brincou, inclinando-se para pressionar
seus lábios contra os dele. — Vamos esperar que não tenha
que chegar a isso.
E então eles estavam se beijando, apaixonadamente, sem
se lembrar do tempo ou do lugar, escuro ou claro, envolvidos
tão completamente um no outro, nada mais existia naquele
momento, absolutamente nada.
Ela se separou primeiro, e ele soltou um gemido suave
na falta de sua boca quente e doce, com a dor amarga de
retirada.
— Eu não quero voltar, — ela sussurrou, segurando a
gola de couro de seu casaco. — Ainda não.
Ele abriu os olhos. — Nós temos que ir. Você sabe que
temos que fazer isso.
Ela traçou o arco de seu lábio superior com a ponta de
um dedo, arrastando fogo em sua pele. — Você vai continuar
fingindo que não pode me suportar? — Ela perguntou em
uma voz pequena.
D balançou a cabeça, perplexo com sua beleza, pelo
olhar doce e amoroso em seu rosto. — Não se você não
quiser que eu faça, — ele respondeu. Ele foi recompensado
por esse sorriso brilhante novamente.
— Bem, talvez até descobrirmos como... vamos
manter...
Ela hesitou, piscando, e ele colocou a cabeça contra seu
peito e fechou os olhos. Seu batimento cardíaco batia forte e
uniforme e acalmou o fogo ardente em seu peito.
— Não, — ele sussurrou, inalando o cheiro de sua
pele. — Por favor, não.
Ele sabia que havia apenas uma maneira de eles poderem
estar juntos. Só uma coisa curaria o que os afligia, e não podia
suportar pensar nisso agora. Porque a terapia provavelmente
mataria o paciente.
Ela sentiu pena dele, pensou, porque suspirou e depois
ficou em silêncio. — Tudo bem, — ela disse depois de um
momento. Ela se afastou dele e se levantou, alisando seu
suéter, empurrando para trás uma mecha de cabelos escuros
e pálidos de seu rosto. Sem olhar para ele, ela disse: — De
volta a prisão, então.
Ele parou. Com um rápido olhar em sua direção, ela se
virou e se dirigiu para onde a moto estava estacionada, e ele a
seguiu, em silêncio. Ela esperou que ele passasse sua perna
sobre o assento e montasse a moto, então ela agarrou seu
braço, pisou e subiu se acomodando atrás dele.
Na longa e fria viagem de volta para a igreja afundada,
Dominus não pôde evitar a sensação de que, embora estivesse
mais feliz do que jamais fora, algo, de alguma forma, estava
prestes a dar terrivelmente errado.

O primeiro dos gritos ecoou fracamente pelo longo


corredor, assim que Constantine se puxou para fora da jovem
fêmea e desmoronou nu e ofegante, ao lado dela na cama
espalhada.
Ele ouviu novamente o som, aquele grito distante e
pungente de angústia, mas não veio, e ele pensou que devia
estar imaginando coisas. Viver na terra da noite tinha uma
maneira de fazer isso com você.
É muito malditamente rosa aqui, pensou
irracionalmente irritado, olhando em volta para a decoração
ultra feminina usada em todo o harém. Ele estivera aqui por
mais de quatro horas, e estava dolorido e cansado e
desidratado, ansioso para fugir da sobrecarga de pastel. Até
mesmo o maldito teto estava pendurado com panos rosa,
puro, fino que flutuavam sobre a cabeça como nuvens rosadas
e caíram para encobrir a grande cama. Sentiu-se abafado, um
pouco em pânico, como se permanecesse um segundo mais
longo neste algodão doce, o quarto faria sua própria pele
tornar-se cor-de-rosa.
O que havia de errado com ele? Ele gostou da mulher
mais enérgica que ele teve em anos, a nata da colheita do rei,
por assim dizer, ainda deitada ao lado dele suada, mas ele não
sentiu nenhuma satisfação. Ele sentiu, na verdade, com
vontade de se levantar e rasgar algo em pedaços.
Ele estava se sentindo assim muito
ultimamente. Especialmente toda vez que ele colocava os
olhos em Dominus.
— Isso foi incrível, — a fêmea ronronou. Ele percebeu
sem arrependimento que ele não sabia o seu nome. Ela rolou
preguiçosamente para seu lado e descansou sua mão em seu
peito. — Gostaria de outra vez... — Mas antes que ela
pudesse terminar, Constantine se levantou da cama e cuspiu,
— Quieta!
Ela bufou indignada e se afastou. — Idiota, — ela
murmurou, levantando-se da cama em um pulo.
Ela empurrou os painéis de tecido, inclinou-se, e
arrancou seu vestido do chão, onde ele deixou arrancado
apressadamente de seu corpo, horas atrás. —
Vocês Bellatorum acham que são tão especiais.
— Quieta, eu disse!
Lá estava outra vez. O grito. Afinal de contas, ele não
imaginara.
— Que porra? — Ele sussurrou os olhos apertados na
entrada em arco do outro lado da câmara.
O quarto usado somente quando o Rei faz uma visita,
foi um dos vários agrupados em torno do eixo central do
harém onde o Electi vive, suntuoso lazer. Lix e Celian
estavam nos dois quartos ao lado dele, e quando ele saltou da
cama e puxou as calças, ouviu a voz de Celian da entrada,
escura como o corredor lá fora.
— Constantine.
— Sim. Estou indo.
Ele terminou de se vestir e saiu do quarto sem olhar para
trás. Lix e Celian, ambos radiantes de tensão, já estavam
vestidos e esperando no corredor estreito por ele.
— Parece que está vindo da fovea, — Celian disse
baixo. Ele não se incomodou em colocar uma camisa, e os
enormes músculos de seus braços flexionou quando ele
lançou um olhar para baixo do corredor longo, sombreado
enrolando em direção a câmara do rei.
— Um dos brinquedos de Dominus? — Perguntou
Lix. Passou a mão pelo longo e desgrenhado cabelo, seguindo
o olhar de Celian. — Ele pegou dois novos esta semana.
— Isso soa como um humano para qualquer um de
vocês?
Não. Com certeza não. Os gritos humanos nunca
poderiam alcançar esse passo. Mas Constantine não sabia
dizer se era homem ou mulher...
Os três se entreolharam.
— Onde está D? — Celian finalmente disse.
— Nós, uh, — Lix lançou um olhar nervoso na direção
de Constantine. — Nós não queríamos te dizer. No caso de
Dominus descobrir. Você não iria ficar em apuros. Desde que
você acabou de se curar... Da última vez...
O rosto de Celian endureceu. — Caso Dominus
descobrisse exatamente o quê?
— D está com a princesa, — Constantine respondeu, e
deu um passo para trás quando o calor da raiva de Celian
pulsou sobre ele como um forno com a porta arrancada.
— Eliana? — Ele sibilou olhos piscando. — O que
diabos ele está fazendo com ela?
— Não tenho certeza — disse Constantine, segurando o
olhar furioso de Celian. — Mas tenho uma boa ideia.
O grito voltou uma nota alta e sustentada de dor de
algum lugar distante na escuridão das catacumbas. Todos os
três congelaram, ouvindo.
Celian disse: — Eu tenho um sentimento muito ruim
sobre isso. Estejam prontos para qualquer coisa.
E com Lix e Constantine duros em seus calcanhares, ele
partiu em uma corrida mortal em direção à fovea e dos altos
gritos oscilando.

Correndo tão rápido quanto seus pés o levariam, Xander


correu pelos calçadões desgastados da Praça de São Pedro,
dirigindo-se diretamente para o pórtico da basílica e a obra-
prima de bronze Porta da Morte, esculpida com imagens de
um Cristo crucificado e a Virgem Maria subindo ao céu.
Passou diretamente através dele, assim que um par de
guardas suíços saltou para impedi-lo de seus postos nas
colunas de mármore que se elevavam e flanqueavam a
porta. Ouviu seus gritos de fora, cada vez mais fracos, quando
correu para o centro da vasta e sombreada catedral. Passando
pela nave, passando pelo batistério, passando os transeptos
com as suas estátuas de olhos dourados, os santos fundadores
em nichos de pedra, as botas batendo alto sobre o elaborado
piso embutido.
Aproximou-se da capela de São Sebastião, curvado por
uma torção no coração. Aqui, cantou à canção
fantasmagórica, cadenciada do laço de sangue que o fez correr
por toda a cidade.
Arfando, com o coração batendo forte, aproximou-se
lentamente da capela. Foi como antes, quando ele e Morgan
tentaram sem sucesso, localizar o Alfa quando ele
entrou. Caixão iluminado com o corpo de um papa morto há
muito tempo sob o imponente mosaico do martírio de São
Sebastião, pinturas barrocas na cúpula e fraco cheiro de
decadência e morte.
Escuro tremor, sem corpos de Ikati selvagens em todos
os lugares.
Ele percorreu toda a capela, procurando freneticamente,
mas não havia nada, ninguém, nenhuma entrada escondida ou
passagem ou porta secreta, apenas aquela atração magnética
de sua conexão.
— Morgan!
Ele gritou com toda a força, porque não conseguia
pensar no que fazer. Fragmentou-se em mil gritos de eco de
seu nome que pareciam assumir uma vida própria, zombando
de seus ouvidos, zombando dele enquanto reverberavam por
quase seis acres de espaço bocejando, pulando de mármore,
vidro e pedra. Ele estava tão perto; ela estava em algum lugar
próximo, aterrorizado, e ele não conseguia encontrá-la, ele
não sabia para onde olhar, tinha que fazer alguma coisa.
De algum lugar bem abaixo de seus pés, o mais fraco,
mais fraco eco de um grito atingiu seus ouvidos.
Xander saltou de volta como se o chão o tivesse
queimado. Ele ficou olhando para baixo, preso, seu coração
congelado sólido em seu peito.
No chão, no meio da capela, estava pintado um colorido
brasão, rodeado por um círculo de letras gregas. Caracterizou
um par de chaves cruzadas acima de um protetor dourado que
descrevesse a imagem de um ramo de oliveira que carregava a
pomba com um trio de flores-de-lis. Flutuando acima do
escudo havia uma coroa.
E logo acima, pintado em negrito o traço de preto e
ouro, estava o olho que tudo via, Horus.
Xander caiu de joelhos e apertou suas mãos trêmulas
contra o mármore frio.
Abaixo. Subterrâneo. Mas — Como?
O grito veio de novo, e como não importava mais. Tudo
o que importava era Morgan, e ela estava em algum lugar lá
embaixo, sob seus pés.
Assim que um grupo de guardas suíços armados
explodiu através de uma porta lateral perto da entrada da
basílica, Xander fechou os olhos, concentrou-se e foi engolido
como uma pedra jogada na água pelo antigo chão de mármore
da igreja.
Alguém muito além do mar de enxofre estava
controlando seus músculos. Alguém além do mar cantando
um refrão queimar, queimar, queimar, e por causa dele que ela
estava queimando, ela estava escaldando, sua carne estava
derretendo.
— Xander, — Morgan gemeu com a voz crua de gritar.
— Oh, sim, — disse o demônio controlando seu corpo,
alimentando o fogo que queimava seus ossos. — Eu imagino
que ele estará a qualquer momento aqui. Talvez eu deva
revivê-la um pouco para seu encontro. — Ele riu, um som
como atiçador vermelho-quente esfaqueando através de suas
orelhas. — Nós não queremos que você perca o final infeliz,
agora, não é?
De repente, o fogo se apagou e ela foi tirada ofegando e
tossindo do lago escaldante de enxofre para encontrar-se
acorrentada nua – ilesa tudo em uma só peça – no muro de
pedra arredondado.
— Bem-vinda de volta, Morgan — disse Dominus,
sorrindo serenamente. — E como estamos nos sentindo?
A sala girou. Escura e circular exibia paredes negras tão
altas que o teto se perdia na sombra.
Isso parecia muito como o fundo de um poço. Um poço
de sangue salpicado, porque ao longo das paredes no nível dos
olhos para baixo estavam manchados com trilhas escuras de
carmesim, alguns velhos e descamando, alguns brilhantes e
horrivelmente frescos.
O quarto estava desprovido de ornamento, exceto por
uma enorme grade de metal enferrujada perfurada na pedra
da qual pendia a coleção de brinquedos de um sádico. Aço,
couro e chicotes, correntes, atiçador, serras, máscaras e facas
e coisas de metal que ela não poderia nomear, mas
reconhecido como implementos de atrocidades indizíveis, no
entanto.
Morgan olhou para as ferramentas e os respingos de
sangue nas paredes. Sua mente começou a clarear. A
enormidade da situação avançou.
— Essa era realmente uma pergunta retórica, — pensou
Dominus, aproximando-se. — Eu não vou fazer você
responder. — Ele levantou a mão e muito gentilmente,
quando Morgan encolheu de volta contra a rocha áspera,
frígida, acariciou seu peito nu.
Seus pulsos estavam algemados em cima com o que
parecia aço ou ferro; seus tornozelos ostentavam o
mesmo. Mas ela ainda era capaz de mover seu corpo. E
enquanto ele a acariciava e a observava se contorcendo,
observava atentamente o desgosto, o medo e a raiva sobre seu
rosto, Morgan percebeu que ele poderia simplesmente tê-la
congelada no lugar com sua mente. Mas a luxúria ardendo em
seus olhos disse-lhe que ele achou a exibição física de seu
medo muito mais excitante.
Ela acalmou, fechou os olhos e engoliu o vômito que
subia em sua garganta.
Foda-se ele. Foda-se. Ele. Ela não lhe daria a satisfação
de vê-la se contorcer.
— Oh, Morgan, — ele suspirou, e ela ouviu a
exasperação em sua voz. — Honestamente, isso está
começando a tornar-se cansativo.
E ele lhe deu um tapa no rosto com tanta força que ela
provou sangue.
— Toque-a de novo, — gritou uma voz furiosa por trás
dele. — E eu vou arrancar fora seu fodido coração!
Morgan soluçou, Dominus girou ao redor, e Xander
saltou, rosnando, das sombras da parede oposta.
Então tudo aconteceu de uma vez.
Com a força de trens eles colidiram de direções opostas,
eles se quebraram um no outro e caíram em um emaranhado
gritando ao chão, trocando socos viciosos, uivando como
lobos raivosos, um ruído profano que reverberou através do
quarto. Eles rolaram mais e mais até que atingiram o rack de
chicotes e facas e correntes. Com um terrível grito agudo de
metal, toda a coisa arrancou da parede e veio cair em cima
deles.
Três machos enormes apareceram na porta à sua
direita. Eles derraparam parando ao ver Dominus e Xander
agarrando-se à pilha de instrumentos e às ruínas da
prateleira. Um quarto macho-calvo, perfurado e tatuado,
apareceu na entrada em arco do lado oposto da sala.
Ele deu à cena um rápido olhar e congelou. Seu rosto
duro empalideceu; sua expressão se tornou incrédula, então,
estranhamente, exaltada.
Dominus saltou dos escombros e desembarcou uma
dúzia de metros longe, agachado e rosnando, sua atenção
ainda focada em Xander, que pulou fora do rack amassado e
lutou para ficar de pé no meio dos escombros. Quando
Dominus espiou o macho careca no lado oposto da sala, um
olhar – selvagem sanguinário – passou entre eles.
— Você não me disse que ele era imune ao controle da
mente! — Dominus gritou, mostrando os dentes.
O macho olhou para ele, o ódio escurecendo seu rosto.
— Eu não contei muitas coisas.
Dominus olhou para ele por um momento fugaz e
suspenso. Depois, horrorizado, sussurrou:
— Eliana.
Com a rapidez de um interruptor sendo acionado, a
temperatura na sala caiu trinta graus. O gelo formou-se nas
paredes, levantou-se em dedos longos, crepitantes e brancos
até a pedra negra. A respiração de Morgan saiu em nuvens
pálidas na frente de seu rosto. O próprio ar começou a tremer
e zumbir.
Então algo aconteceu.
Era como uma detonação. Todo o ar aspirado em um
núcleo apertado e, em seguida, explodiu, sem luz e silencioso,
em uma explosão que rasgou a sala. Atirou o macho tatuado
contra a parede com força devastadora. Ele ficou ali suspenso
por um momento, esparramado, engolindo respirações
ofegantes, seu enorme corpo se contorcendo. Dominus tirou
uma pequena adaga do cinto e atirou-a pelo quarto. Com um
barulho nauseante, ela afundou no peito do homem. Ele
deslizou pela parede e caiu no chão.
Como um, os três machos na porta soltaram um rugido
ensurdecedor de fúria. O de peito nu e o de cabelos
compridos se lançaram pela sala e aterraram, deslizando em
uma parada brusca, contra a parede de pedra ao lado do
macho ferido. Seu companheiro, um belo homem com traços
clássicos perfeitos, ficou rígido na porta, olhando horrorizado
para a cena. Ele olhou para Dominus e Xander, que agora
estava bem longe dos escombros e agachado para saltar sobre
Dominus, e enfiou a mão na cintura de suas calças e tirou uma
arma.
— Xander! — Morgan gritou.
E assim que Xander girou para atender a sua advertência,
Dominus arrancou uma lâmina de aspecto perverso da
bagunça de armas no chão e mergulhou-a em suas costas.
Impossível! O coração dela gritou. Então sua voz se
levantou para ecoar, rasgando fora dela como uma coisa com
garras, eviscerando-a. Ela gritou e assistiu em horror indefeso
quando Xander afundou a seus joelhos, lábios separados em
surpresa, olhos arregalados focados em seu rosto.
— Eu te disse Morgan, — rosnou Dominus, os dentes
descobriram quando ele a olhou. Um fino spray de sangue de
Xander foi misturado através do tecido branco intocado de
sua camisa. — Eu disse que ganharia!
— Isso é o que você pensa, — disse uma voz dura de
sua direita.
Em seguida, houve um estrondoso barulho perto de sua
cabeça, um flash de luz, uma onda de ar quente, pressurizado
e o cheiro de pólvora. Dominus retrocedeu vários passos e
um pequeno e perfeito buraco apareceu no centro de sua
testa. Por um momento, ele pareceu confuso. Do buraco
escorria um minúsculo riacho de sangue. Ele tocou um dedo.
Olhou para sua mão em incompreensão.
Franziu o cenho.
Então lentamente lançou para trás e caiu imóvel no chão.
A poucos metros de distância, Xander vacilou de
joelhos, caiu para frente em suas mãos. Sangue da ferida em
suas costas jorrou um padrão de mancha sobre as costas de
suas pernas e a pedra sobre a qual ele se ajoelhou. Seu rosto
estava branco, branco como a geada nas paredes.
— Xander! — Morgan gritou, esticando contra as
restrições do pulso. — Xander, não!
O macho na porta ao lado dela colocou a arma na cintura
e veio para ficar na frente dela. — Lamento, — disse ele,
olhando para ela com aqueles olhos negros. — Eu sinto
muito. Não somos todos como ele.
Ele a soltou, estalando as restrições que circundavam
seus pulsos e tornozelos como se fossem galhos em vez de
ferro. Assim que ela estava livre correu, soluçando e quase
cega pelas lágrimas, para Xander e jogou seus braços ao redor
de seu pescoço. Ela ouviu sua inalação aguda, ouviu o som
fraco dentro de seu peito.
— Você estava certa, eu tenho medo, — ele murmurou,
pressionando seu rosto em seu cabelo. Ele caiu de lado e ela
o pegou, o deitou na pedra fria. Ele olhou para ela, pálido e
solene, enquanto embalava sua cabeça. — Sobre finais
felizes. Eu deveria ter sabido que terminaria assim. — Seus
lábios, tão cheios e macios, lábios que ela beijara com a cobiça
escura, curvados para um sorriso irônico. — Eu não sou o
herói. Eu não salvei o dia. — Suas pálpebras vibraram, sua
voz ficou fraca. — Eu não ganho a garota.
— Não, não, não, não, não. — Ela continuou repetindo,
soluçando histericamente enquanto sangue vermelho
brilhante e quente começou a se juntar abaixo dela. —
Xander, por favor, fique comigo, fique comigo!
— Eu não ia fazer isso, — ele murmurou, olhando para
cima em seus olhos. — Você sabe disso, não é? Eu nunca
iria.... Machucá-la. — Ele respirou fundo, e sua voz caiu ao
mais ínfimo dos sussurros.
— Eu nunca poderia te machucar. Eu te amo demais.
Então seus olhos se fecharam e sua cabeça caiu para o
chão.

Com três pares de mãos nos braços, costas e ombros, D


levantou-se.
— Foda-se, você é pesado, — murmurou Lix por trás
dele. — O que você tem nos bolsos, pedras?
Ele não reconheceu o chiado que saiu de sua garganta
como seu próprio. Parecia o chocalho de morte de um
homem muito velho e muito doente. A faca embutida em seu
peito enviou onda após onda de dor excruciante, sangue
correu quente e rápido para baixo de seu peito, o quarto
perdeu a sua forma. Ele estava impotente para ficar sem
apoio, como se toda a força tinha deixado às pernas.
— Alguns de nós temos músculos reais, Lix — grunhiu
ele, deslizando-se muito perto da parede de neblina cinzenta
e vacilante que se escondia nos cantos de sua
visão. Respirando muito profundamente fez o rolo de
nevoeiro mais perto; aquela faca perfurou um pulmão. Como
evidenciado por aquele chocalho doentio em seu peito.
Pelo menos não acertou seu coração. Aquele homem no
chão não parecia tão sortudo.
— Cale a boca, os dois, — Celian estalou. — Se não o
levarmos para a enfermaria rápido, você vai sangrar antes de
podermos costurar você, D.
D recordou a última vez que ele foi costurado. Um leve
sorriso cruzou seu rosto.
— Temos de conter a situação — disse Constantine. Ele
acomodou seu ombro sob o braço levantado de D, pegou sua
mão e a ergueu em volta do pescoço, envolvendo o outro
braço em volta das costas. Do outro lado, Celian fez o
mesmo. — Poderíamos ter um motim em nossas mãos se não
lidarmos com isso direito.
— Confie em mim, ninguém vai sentir falta dele —
murmurou Celian, olhando para o corpo de Dominus. Um
buraco de sangue escapou da ferida de bala e formou um
círculo perfeito ao redor de sua cabeça como o halo sangrento
de algum diabo bíblico.
Sua filha pode, pensou D, então respirou quando dor lhe
disparou a espinha. Celian e Constantine deram vários passos
adiante, controlando seu peso entre eles. Eles foram
lentamente através do quarto.
— Mesmo assim, os Legiones podem fazer uma jogada
sobre nós, — disse Constantine. — Nós vamos ter que
apresentar uma frente unida, estar no controle, gerenciar o
que acontece a seguir. Em outras palavras, tomar uma ação
decisiva. A natureza odeia o vácuo, meninos, então não vamos
dar um.
Sua voz muito baixa, Lix disse: — E ela?
Ninguém tinha que olhar para ver quem ele queria
dizer. De joelhos ao lado do pálido e parado macho que
perseguiram no Vaticano, a fêmea balançava para frente e para
trás silenciosamente, tremendo, ambas as mãos sobre o
rosto. Seus cabelos soltos envolviam seus ombros nus e de
volta em mogno reluzente.
Celian falou. — Quanto a mim, o inimigo do meu
inimigo é meu amigo. E eu acho que todos nós já vimos
bastante derramamento de sangue. Deixe-os irem.
D não achava que o macho estivesse indo a lugar algum,
mas não conseguia falar. A dor tomou sua língua.
— Aqui. — Constantine tirou a arma da cintura e
cutucou-a na mão que D envolveu ao redor de seu ombro. —
Só no caso de as coisas ficarem feias no caminho para a
enfermaria.
E assim que seus dedos se enrolaram em torno da
alavanca metálica do Glock, D ouviu o eco avançar de botas
de longe pelo corredor. Alguém estava correndo para a fovea.
Claro. Os Legiones. Foram atraídos pelo som de tiros.
Ele fechou os olhos, tentando conservar a força. E
quando ele os abriu de novo, Eliana estava de pé na entrada
para onde estavam indo, olhando para eles branca com o
choque e de boca aberta. Seu olhar se lançou pela sala. O
caos. O sangue. O corpo do pai dela.
O ferimento de bala na testa.
Ela olhou de volta para Dominus, e toda a cor drenou
de seu rosto.
— Você, — ela respirou, olhando para a arma agarrada
em sua mão direita. Seu olhar, horrorizado, incompreendido,
saltou de volta para o dele. — Você!
Constantine e Celian congelaram, e seu próprio coração
batia em ponto morto.
— Não. Não. — Sussurrou ele com veemência, gelado
como se o gelo tivesse sido injetado em suas veias. Uma
tempestade entrou em erupção em seu corpo, um grito de
terror branco e pânico. Ela entendeu tudo errado; ela pensou
que foi ele.
— Não. Eliana! Não é o que você pensa!
Mas ela tinha retrocedido da entrada para as sombras
mais profundas do corredor e, antes que ele pudesse dizer
outra palavra, virou-se e desapareceu.
Calcanhares suaves, calor e suavidade, gritos de gaivotas
e o sabor da água salgada que amadurece o ar.
O som da água lambendo levemente contra a madeira. O
cheiro de chuva tropical, doce e quente.
O inferno pensou Xander, não era tão ruim quanto
esperava.
Ponderando isso, permitiu-se derivar em uma corrente
sem objetivo de descuido sonhador, levantando-se e caindo
com aquele movimento de balanço encantador que o
embalava completamente. Pensou que a qualquer momento
apareceriam às forquilhas e a chuva sulfurosa, então ele não
se incomodou em abrir os olhos. E de qualquer maneira, a luz
que brilhava vermelha atrás de suas pestanas fechadas era um
pouco alarmante. Melhor pô-lo fora por um minuto e apreciar
a calma antes da tempestade. Ou seja, lá o que fosse.
Um pequeno som chamou sua atenção. Estava perto,
muito macio, escuro e perturbador.
Um suspiro.
Uma exalação de algum demônio que segurava a
forquilha, sem dúvida, ansioso para transportá-lo para o
próximo círculo do inferno assim que ele abrisse os
olhos. Bem, fique com isso. Ele estava ficando aqui. Ele não
se sentiu tão relaxado em anos. Ele apertou seus olhos
fechados tão firmemente que seu rosto amassou em uma
carranca.
E então aquele pequeno suspiro se transformou em um
suspiro, cheio de preocupação.
O ruído do tecido, o som de algo rastejando mais perto,
um toque frio em sua testa.
Ele se encolheu, amaldiçoando, e o demônio gritou seu
nome.
— Xander!
Até no inferno ele reconheceu aquela voz. Cortou
através de sua tranquilidade sonhadora como uma faca através
da manteiga, e seus olhos se abriram. E seu coração – oh, seu
coração.
— Você está acordado, — sussurrou Morgan,
inclinando-se sobre ele com o cabelo coberto ao redor de seu
rosto como um véu de bronze polido e sedoso.
Se ele ainda não estivesse morto, tinha certeza de que iria
morrer de um ataque cardíaco.
— Eu... Não.... Penso assim, — ele murmurou, olhando
para esta bela aparição. Ele estendeu a mão e tocou um dedo
em sua bochecha de cetim. Sua íris queimava esmeralda
vívida, aquele círculo de amarelo ao redor da pupila borrado
apenas ligeiramente pela umidade que brotava em seus
olhos. — Este é um sonho maravilhoso, no entanto.
Muito realista.
Ela riu e soluçou ao mesmo tempo, então apertou as
costas de uma mão trêmula contra sua boca. Ela pegou seu
vestido e se sentou ao lado dele, e pela primeira vez ele
percebeu que estava em uma cama.
Em um quarto. Não, uma cabana? O céu brilhava mais
profundo através de uma vigia redonda, afiada em latão, no
alto da parede revestida de painéis de madeira; O teto foi
pintado de azul e povoado com golfinhos, algas e enguias
escorregando através do coral. O relógio da roda do navio
com um raio na cômoda ao lado da cama lia-se 4:17 pm.
— Não é um sonho, — ela disse. — E aqui, eu vou
provar para você.
Então seu belo fantasma se inclinou e pressionou seus
lábios contra os dele. Quando ela recuou, ambos estavam sem
fôlego.
— Bem, — disse Xander. — Eu disse que era
realista. Talvez um pouco mais de prova seja necessário. —
Ele puxou-a para baixo para ele, ignorando a repentina dor
entre suas omoplatas, e beijou-a com força e profundamente
com as mãos pressionadas contra seu rosto, seus dedos
passando por seus cabelos.
Ela se separou primeiro – novamente – e riu
quietamente. — Você está se sentindo melhor.
— Pensei que você era um demônio.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Você acha isso agora?
— E isso era um inferno. Pensei que estivesse
morto. Como não estou morto?
Seus olhos ficaram suaves. Ela afastou o cabelo de sua
testa e sorriu.
— Bem.... Eu meio que salvei sua vida. Mais uma vez.
Xander respirou fundo.
— Oh. Não muito viril da minha parte, precisando
tanto ser resgatado, é?
— É um bocado de trabalho — concordou ela,
assentindo sombriamente. Então ela levantou um ombro e
deixou cair seu olhar para a manta de malha azul em seu
peito. Ela pegou o material, mordeu seu lábio inferior. Sua
voz baixou. — Alguém tem que cuidar de você, no entanto. E
desde que estou tão.... Apaixonada por você, bem, acho que
poderia ser eu.
Enquanto seu coração inchava dentro de seu peito,
Xander teve que lutar muito para não sorrir. Ele estendeu a
mão para ela.
— Podemos salvar um ao outro, — ele sussurrou, e
pressionou seus lábios contra seus nós dos dedos.
Ela mordeu o lábio, e aquela umidade em seus olhos
finalmente transbordou. Lágrimas escorreram pelo seu
rosto. Ela enterrou o rosto em seu peito.
— Você me encontrou — disse ela, abafada, no
cobertor. — Você veio por mim, Xander, você
me encontrou.
— Eu sempre vou por você, amor, — ele murmurou,
acariciando seus cabelos. — Você não sabe disso? Você é meu
coração. Você é minha alma. Eu não vou deixar uma coisinha
como você ser sequestrada por um louco e mantida em sua
masmorra secreta subterrânea e me manter longe de meu
coração e alma. Você não vai se afastar de mim tão facilmente.
Ela soluçou no cobertor.
— Cale-se agora, doce menina. — Ele a abraçou e a
beijou até que ela se acalmou e todas as suas lágrimas foram
gastas. — Diga-me o que aconteceu.
Ela suspirou se aconchegou mais perto dele, e começou
a falar. Ela lhe contou como os machos das catacumbas a
ajudaram, como eles cuidaram dele em sua enfermaria, quão
perto ele chegou da morte.
Ela contou-lhe como acabaram com a rebelião que se
agitou quando os outros membros da colônia souberam da
morte do rei, como eles instalaram e nomearam Celian como
o novo líder, como a filha do Rei fugiu da colônia, ela o Irmão
e um punhado de outros e ainda não foram encontrados.
— Mas a melhor parte é — ela disse calmamente em
conclusão. — Agora que eu fiz o que fui enviada a Roma para
fazer, me foi dada um perdão total. E a rainha honrou sua
promessa feita para mim. — Ela ergueu os olhos e olhou para
ele. A luz da janela ficou presa em seus cabelos, aquecendo as
pontas de seus cílios. — Eu posso ir onde quiser. Viver onde
eu quiser. Eu estou livre.
Ele olhou para ela sem entender. — Eu não entendo.
— Dominus. Ele era o chefe dos Expurgari. Nós o
encontramos, então...
— O chefe do Expurgari — repetiu Xander lentamente.
Ela abanou a cabeça.
— Vou explicar tudo mais tarde. Agora você deve
descansar. Você está um pouco pálido.
Ele pegou seu pulso e segurou-a, puxando-a para mais
perto dele. Ele se sentou na cama e ignorou a dor abrasadora
ao longo de sua espinha. — Você quer dizer que
nós não somos fugitivos? Esta viagem, este barco...
— Oh! — Ela disse assustada. — Não! Deus, não somos
fugitivos. Nós cinco estamos completamente livres.
Ele olhou para ela. — Todos os cinco?
Naquele exato momento, pesados passos batiam sobre
o teto acima de sua cabeça. Um sorriso percorreu os lábios de
Morgan enquanto o observava acompanhar o som com os
olhos enquanto ele se movia sobre a cabeça, ficando cada vez
mais suave e mais alto, batendo para baixo o que soava como
um lance de escadas. Uma cabeça escura estalou na janela alta,
redonda, então desapareceu; alguém saltou para olhar para
dentro.
Uma mão pesada bateu na porta.
Então, Morgan falou divertida — Entre, — Tomás e
Matheo irromperam pela porta.
— Ei, idiota, — Matheo disse, sorrindo. — Parece que
a morte te esquentou.
Tomás assentiu com uma saudação e encostou na
enorme moldura contra a parede. — Cara de puta.
— Bartleby está no convés, fazendo o jantar. — Morgan
disse gentilmente, vendo o espanto de Xander com a boca
aberta. — Seus amigos aqui são muito pescadores.
— Até agora eu peguei um marlin azul, atum albacora,
wahoo, mesma isca, — Tomás se gabou.
— Kadavu é incrível!
— Kadavu — repetiu Xander, achando difícil saber
onde procurar. Seu cérebro não estava traduzindo a
informação corretamente. Ele tinha que estar ouvindo isso
errado.
— Fiji, — disse Matheo com rolar de olhos, como se
deveria ter sido óbvio. — Setenta e cinco Milhas de recife de
barreira imaculada com água tão clara que você pode ver o
fundo do oceano de cima do barco. Selva.... Cobertas colinas
vulcânicas, manguezais, praias de areia branca... O que?
Ele parou porque Xander fechou os olhos. Tinha certeza
de que estava pálido.
Morgan se aproximou de sua orelha. — Eu lhe disse que
sempre quis ver um nascer do sol em Fiji, — ela murmurou,
sua mão em seu braço. — Então agora vou ver um. Ou... —
ela riu, e isso fez seu sangue cantar —.... Talvez dois ou três.
Abriu os olhos e viu seu sorriso diabólico e começou a
rir, um som rouco e trêmulo que se agarrou em seu peito e
pegou em sua garganta e fez o sorriso de Morgan vacilar. Sua
risada morreu, e a puxou bruscamente contra si e enterrou seu
rosto em seu cabelo.
— Jesus, mulher, — ele disse esfarrapado, com toda a
moderação desaparecida. — Você tem alguma ideia de quanto
eu te amo?
Ela se afastou e olhou para ele, os olhos brilhando. —
Provavelmente não tanto quanto eu te amo, — ela sussurrou
então se curvou para beijar seus lábios.
— Caramba, peguem um quarto, — resmungou Tomás,
mas Xander mal ouviu. Contra seus protestos, ele puxou
Morgan para cima dele e envolveu seus braços ao redor dela,
ignorando a dor entre suas omoplatas e em seu peito, cautela
finalmente jogada ao vento. Ouviu a porta da cabine fechar-
se suavemente e o som de passos recuando.
— Case comigo — disse entre beijos sem fôlego,
lutando para livrá-la de seu vestido.
— Duvido que haja um padre nesta ilha, — ela
respondeu com uma risada baixa, então se sentou e puxou o
vestido sobre sua cabeça. Ela foi jogada na cama, e se recostou
contra ele, sua pele quente contra a dele. — Há apenas praias,
enseadas e coqueiros. E de qualquer maneira, você não está
em forma para ficar de pé em um altar, meu amor.
Ele tomou isso como um desafio e puxou-a para perto.
— Permita que eu demonstre exatamente o quão em
forma estou. — Ele pegou a sua mão e manobrou-a debaixo
das cobertas, até a dureza entre suas pernas.
Ela riu novamente, e eram como mel para seus ouvidos,
doce, escuro e delicioso.
— Oh, como eu admiro um homem ambicioso. Mas
você ainda está se curando. Mais alguns dias e depois...
— E então você vai ficar dolorida por uma semana, —
ele rosnou, beliscando seu pescoço.
Ela permitiu que ele ficasse muito relaxado contra ela
para que ele pudesse passar suas mãos sobre sua pele nua e
inalar seu perfume e beijá-la, e todo o tempo sorriu para ele
como um gato com todo o creme.
— O que é o esse olhar misterioso, amor? — Ele
sussurrou, acariciando seu rosto.
— Você percebe algo diferente em mim? — Ela disse
timidamente.
Ele deixou seu olhar se mover sobre seu corpo nu. — Se
eu disser não, — disse ele, rouco, — Em que dificuldade
estarei?
— Muita, — ela riu. — Considerando que você é quem
colocou a maldita coisa!
Ele franziu o cenho e ela esticou a cabeça para trás,
olhou para ele de baixo de suas pestanas, e arrastou seus dedos
pela garganta com um floreio.
— Seu amigo Matheo é muito bom com um
maçarico. Nem sequer deixou uma marca.
Ele inalou bruscamente. O colar: desapareceu. Sentindo
um aperto em seu peito, ele passou os dedos por seu pescoço,
o fino corte de suas clavículas. O maçarico não deixou uma
marca, mas um ligeiro anel de contusões circulares do
tamanho de seu polegar manchou a pele perfeita apenas sobre
sua jugular no lado esquerdo de seu pescoço. Apertou a
mandíbula e fechou os olhos, enojado consigo mesmo.
Ele não pensou quando uma onda violenta de amor e
possessividade varreu através dele, nunca mais vou fazer
qualquer coisa para machucá-la.
Ele abriu os olhos e calmamente disse:
— Eu estava errado em fazer isso. Eu estive errado
sobre tudo. Você terá que ser paciente comigo, Morgan,
porque sou teimoso e temperamental e vou cometer erros
estúpidos, provavelmente muitos deles. Mas juro que farei o
meu melhor para te fazer feliz todos os dias da sua vida, se me
deixar. Eu vou te amar, e nenhuma outra, até que eu tome
meu último suspiro, e quando estiver morto, continuarei
amando você. Para sempre.
Ela engoliu em seco e se afastou por um momento,
respirou fundo algumas vezes. Seus olhos se fecharam e
depois piscaram abertos, e ela se virou para ele e sussurrou,
— Eu estava errada sobre algumas coisas, também.
— O que?
Ela sorriu e colocou sua mão em seu rosto.
— Há um final feliz para pessoas como nós. Bem-vindo
ao nosso felizes para sempre, meu amor.
Então ela se inclinou e suavemente pressionou seus
lábios contra os dele.
Sábado, doze de agosto, 20...

Outro dia sufocante, outra noite interminável. Aqui tudo


é tão diferente. É difícil se ajustar.
Meu irmão e eu e um pequeno grupo de fiéis da colônia
se instalaram perto da Basílica do Sacré Coeur em
Montmartre, no último andar de um edifício alto na crista da
colina mais alta da cidade. Às vezes estamos perdidos nas
nuvens aqui. Às vezes parece que o horizonte se estende para
sempre.
Encontro-me muitas vezes vagando pelas criptas
sombreadas das catacumbas nas proximidades, muito mais
familiar do que minha nova casa no céu. Nesses passeios
errantes, minha mente é um emaranhado negro de esquemas
e memórias e perguntas sem resposta. Como um fantasma,
assombroso nos corredores retorcidos naquelas horas
silenciosas e escuras antes do amanhecer, meus pensamentos,
um mar de ratos famintos, mastigando buracos em minha
mente, devorando a memória da menina ingênua que eu
fui. Devorando qualquer sombra de suavidade que ainda
persiste.
Desejo que os ratos famintos comam a memória dele.
Mas essa é a única coisa que eles deixam intocado. Ratos
traidores.
Pelo menos eu não estou sozinha; não acho que poderia
suportar. Tenho outros aqui para me ajudar a terminar o
trabalho que meu pai começou - e isso vai ser difícil, porque
seus diários foram deixados para trás e ele nunca
compartilhou sua visão comigo – outros que acreditam como
eu, que o que ele tinha planejado para o seu povo deve ter
sido bom, e que sua morte não deve ficar sem
vingança. Somos poucos e eles são muitos, por isso, por
enquanto, devemos nos contentar em perseguir os corredores
de osso de les Carrières de Paris, enquanto os planos são
feitos e alianças são forjadas.
Enquanto o plano de vingança é desenhado.
— Eliana.
Ela girou de sua mesa ao som da voz, relaxando apenas
quando viu o rosto familiar na porta, os penetrantes olhos
escuros e nariz aquilino.
— Você me assustou, — ela disse irritada. Ela fechou o
diário, empurrou a cadeira para trás e foi para a janela alta. O
calor opressivo do dia deu lugar a uma tempestade à noite; A
chuva cobriu o vidro, correndo pelas vidraças em longas
lágrimas prateadas.
— Desculpe, minha Rainha.
Ele começou a chamá-la assim ultimamente. Ela ficou
nervosa.
Ela falou para a janela, sem se preocupar em se virar. —
O que é?
— Recebi notícias do laboratório de seu pai em
Milão. Os relatórios que você solicitou.
Agora ela se virou tão depressa que perdeu o equilíbrio
e teve que colocar uma mão contra o peitoril para se
estabilizar.
— Você os tem? Onde eles estão?
Um grande envelope marrom foi trazido por trás das
costas dele. Ele estendeu a mão, sorrindo.
— Aqui. Devemos revisá-los juntos?
Eliana deu vários pequenos passos hesitante, seu
coração como um beija-flor preso em seu peito. Os relatos de
seu pai. Isso lhe diria o que descobrira, o que ele falou tão
arrebatadamente – e vagamente – na noite em que foi morto.
Morto pelo homem com quem quase se convencera de
que estava apaixonada. O homem que a usou tão vilmente,
que conspirou para tomar o reino de seu pai para si mesmo.
Ela conhecia a cortesia do servo leal que agora estava na
frente dela. Ele mesmo descobriu o plano, esteve a caminho
para avisar seu pai pouco antes de ser morto. Pelo menos, foi
o que ele disse quando a encontrou naquela noite, histérica e
incoerente. Ele serviu a sua família por tanto tempo – sem
dúvida, sem expectativa de recompensa – ela sabia que era
correto ouvi-lo quando ele disse que tinham que fugir de
Roma e começar de novo em algum outro lugar.
Ela sabia que ele era o único em quem podia confiar.
Cheio de uma onda de gratidão por ele, ela disse:
— Sim. Vamos analisá-los juntos. E...
Obrigada. Obrigada, Silas. Você fez muito por mim. Eu não
poderia ter feito nada disso sem você.
Silas sorriu um sorriso lento e dilatado que atingiu todo
o seu rosto, mas não tocou as profundidades congeladas de
seus olhos pretos e escuros.
— Ah, não, minha rainha — murmurou, aproximando-
se. — Eu é que não poderia ter feito isso sem você.
Em primeiro lugar, quero agradecer especialmente a
Eleni Caminis, minha incrível editora em Montlake.
Seu entusiasmo, profissionalismo, senso de humor e
torcida infatigável me mantinham sã sempre que eu estava
prestes a sair dos trilhos. Trabalhar com você é um sonho, e
eu não poderia estar mais grata pelo seu apoio. Além disso,
você tem um grande cabelo. (Como uma pessoa pode ser tão
perfeita?)
Para o resto da equipe em Montlake Romance: VOCÊ
GUYS ROCK! É como maravilhas Wunderkinder lá. Jessica
Poore e Nikki Sprinkle em particular merecem elogios por
pura sensação. Obrigada por sempre pacientemente
responder às escritoras loucas que pedem ajuda. (Outras
escritoras loucas, você sabe, não eu.)
Também abraços grandes para o incrível Brooke Gilbert
e um abraço apertado para a pura fabulosa que é Sra. Daphne
Durham. Eu sou tão grata a todas as pessoas especiais que eu
conheci em Montlake e Amazon, e eu gostaria de também
dizer que Jeff Bezos é um gênio não só porque ele construiu
uma das melhores empresas do mundo, mas também porque
ele sabe a importância de contratar as pessoas certas e dando-
lhes as ferramentas para ser incríveis.
Tenho uma dívida de gratidão com Marlene Stringer,
agente extraordinária. Sem você eu provavelmente ainda
estaria em um mundo de pesquisa. Obrigada pela sua
determinação obstinada e perspicácia de negócios; eu aprendi
muito com você.
Para Melody Guy, que pegou todos os meus goofs e
gaffes, eu gostaria de conceder o Prêmio Nobel para edição
de desenvolvimento. (Infelizmente, não estou no comitê de
seleção, mas vou enviar-lhes uma carta fortemente redigida.)
E para Renee Johnson, obrigada por lidar com a questão da
vírgula serial, entre outras coisas!
Eu também devo um grito especial para Lily Yao, aka
Eagle Eye, que pegou um erro flagrante antes que fosse tarde
demais. Xander e eu agradecemos.
E finalmente a Jay.... Você sempre me salvando. Isso
nunca vai durar. — Você me salvou do desastre uma vez, e
você continua me salvando, todos os dias. Eu te amo.
Sobre a autora

JT Geissinger é uma autora, empresária e ávida


colecionadora de vinhos. Seu romance de estreia, Shadow’s
Edge, livro de um dos romances de Night Prowler, foi
publicado em Junho de 2012, e ela está trabalhando em um
terceiro livro da série.
Sinopse

Segredos... no mundo oculto que existe junto ao nosso, um


mundo espetacular de magia antiga e enganos elegantes, um
mundo de pessoas que são muito mais do que parecem, uma
guerra está sendo planejada. A maioria destas pessoas dotadas –
os Ikati, uma raça selvagem e sensual de predadores letais – se
contentam com esconder-se atrás de sorrisos humanos,
disfarçando seu esplendor para sobreviver. Mas outros estão
descontentes. E não se esconderão mais.

Traições... Eliana vive sozinha apenas por duas coisas: a


vingança contra o homem que matou seu pai e ver o sonho de
seu pai de viver ao ar livre com seres humanos acontecer. Mas
este sonho é muito perigoso por causa dos Caçadores, um grupo
de assassinos Ikati de elite com um objetivo: eliminá-la antes que
possa expor seus segredos para o mundo.

Sedução... Demetrius tem uma obsessão pela lembrança da


mulher que uma vez amou. Arriscará tudo para salvá-la dos
assassinos atrás dela... e convencê-la, antes das antigas muralhas
entre os dois mundos caírem, que apenas juntos podem derrotar
seu verdadeiro inimigo, um traidor brilhante, astuto e muito mais
mortal que qualquer um deles possa imaginar.

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