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KHALIL GIBRAN
Existe um mundo além do nosso. É um mundo de magia antiga
e segredos bem guardados, um mundo de leis rigorosas e duras
punições para aqueles que os traem, um mundo habitado pelos Ikati,
uma raça de pessoas dotadas que são muito mais do que parecem à
primeira vista. Trazidos juntos pelo destino neste mundo de perigo e
beleza, duas pessoas com passados sombrios irão se encontrar.
Morgan é linda, inteligente, sexy... e está prestes a morrer.
Condenada por traição contra seus parentes Shifters, recebe uma
última chance de redenção; descobrir o covil escondido do inimigo
com a intenção de destruir cada um de sua espécie, ou perder sua vida.
Xander é cruel, sem coração, de sangue frio... e atribuído a
matá-la se ela falhar em sua tarefa. Esperando não sentir nada além
do desprezo pela traidora sob seu cuidado, o assassino acompanha
Morgan em sua busca, mas enquanto os dois correm pelo coração da
Itália, enquanto o relógio atinge a zero hora, ele se vê empurrado para
uma teia perigosa de desejo tão poderoso quanto proibido. Sua paixão
vai testar tudo o que acredita, e pôr em perigo o futuro da própria
tribo.
Sensual, tenso e cheio de ação, Edge of Oblivion é uma leitura
obrigatória para os amantes do romance paranormal sombrio.
Uma vez, éramos deuses.
Há séculos, idílicos, incontáveis séculos antes que o
homem ou suas astutas, vastas civilizações tivessem sonhado,
governávamos soberanos sobre todas as outras criaturas no
coração mais profundo e virgem da África Equatorial. Divina
e resplandecente, deleitando-nos com a recompensa e glória
dos nossos muitos dons, nos demos o nome de Ikati – Zulu
para ‘gatos guerreiros’– porque ele descreve o mais perto da
nossa perfeição furtiva, o nosso felino, graça sinuosa, nossas
proezas felinas e letais.
Vivíamos, amávamos e criávamos nossos filhos ali, ao
lado das águas cristalinas do Congo, debaixo do sol nutritivo
e do céu azul infinito e sombra exuberante e matizada das
árvores de baobá. Usávamos coroas de ouro, 1granada e 2
Tanzânia; Andávamos nus entre a natureza e uns aos outros e
não conhecíamos a vergonha. Honrávamos nossos mortos e
caçávamos nossa comida e dormíamos nos braços gordos e
1 A pedra granada mais conhecida por possuir um profundo tom avermelhado, como o sangue, e simboliza
vitalidade, rejuvenescimento, criatividade, atração e apetite sexual. Conhecida por despertar paixões,
principalmente pela vida, é muito utilizada quando estamos apáticos, sem impulso.
2A Tanzanita é uma pedra extraordinária. Ela é azul e apresenta delicados pontos púrpura. A origem de seu
nome é uma referência ao país onde é encontrada, a Tanzânia, na África.
tortuosos de acácias e marulas; contávamos a nossa ilustre
história para a próxima geração. Celebrávamos nossa Mãe
Terra e sua grande magia, e tudo estava bem. Tudo era
perfeito.
Mas o Tempo é um ladrão implacável, mesmo para
criaturas tão abençoadas como nós, e lentamente as coisas
começaram a mudar.
Os invasores vieram. Animal desajeitado, feio, de duas
pernas com lanças para esfaquear corações, flechas para
perfurar carne e fogo para queimar casas. Eles roubaram
nossas florestas e caçaram em nossas pastagens; envenenaram
nossos rios e capturaram nossos filhos, e nossos velhos e
fracos. Lutei contra os nossos inimigos; nós não tínhamos
escolha. Ano após ano lutávamos, décadas de luta, guerra,
sangue, morte. Batalhas foram ganhas, só para começar de
novo com a próxima geração. Havia tantos de nossos
inimigos, e tão poucos de nós. Com o tempo, nosso número
diminuiu. Com o tempo, nossos inimigos ganharam a
vantagem.
Assim, como todas as criaturas devem, nós nos
adaptamos para sobreviver.
Aprendemos os caminhos humanos. Falamos a língua
humana. Usávamos roupas humanas, cultivamos como os
humanos e construímos casas de lama e grama, depois de
madeira, depois de tijolo, como eles fizeram. Aprendemos a
esconder nossa verdadeira natureza. E assim começamos a
prosperar.
Em segredo. Em silêncio. Com ódio ardente em nossos
corações.
Então um dia veio um tipo diferente de homem, um
homem sem lança ou espada, um homem de braços abertos e
uma voz gentil que afirmou ser nosso amigo. Ele ofereceu
uma trégua e o retorno do que já foi nosso por direito, os rios
e as montanhas e as verdejantes florestas intocadas. Confie
em mim, disse o homem, e, cansado de tanta guerra e
derramamento de sangue, nós fizemos.
Durante muito, muito tempo, o arranjo nos serviu a
ambos e prosperamos. Nossos filhos cresceram
juntos. Nossos clãs viviam lado a lado. Como éramos muito
lindos e dotados, não fixados em um único aspecto como eles
eram de carne e osso, mas mutáveis, flexíveis, evanescentes,
os invasores de duas pernas começaram a nos adorar como os
deuses que realmente éramos. Ofícios foram feitos, estátuas
de ouro e ébano e pedra oleada foram esculpidas, templos
foram construídos – a Esfinge, a mais famosa – tudo em
nosso nome. Nós até nos acasalamos com nossos antigos
inimigos, tendo filhos meio-sangue, descendentes que
poderiam um dia ser tão talentosos e abençoados como os
puros-sangues são.
Ou talvez não.
Uma rainha surgiu de uma dessas uniões. Cleópatra, ela
foi chamada, que significa – a glória de seu pai – porque ele
era Ikati, um de nosso próprio sangue. Mais bela e astuta e
sensual que todos nós, ela governou impérios, seduziu
corações e convenceu um homem a se voltar contra seu rei. E
com isso, ela selou todos os nossos destinos.
O golpe falhou. A rainha e seu amante morreram. E
os Ikati foram caçados mais uma vez. Nós fomos
odiados. Fomos expulsos de nossa pátria, quase fomos
extintos.
Os poucos que permaneceram se lembraram de como
eles sobreviveram antes da pestilência humana, antes de
enganos inteligentes cegarem seus olhos e roubarem sua
glória, e fizeram um pacto para retornar aos antigos modos de
fingir e mentir, de manter a si mesmos. Eles fugiram de sua
amada África e encontraram outros lugares no mundo para
chamar de seu, pequenos e arborizados locais, encobertos em
silêncio, longe de olhares curiosos.
Passaram incontáveis anos, e ainda vivemos em segredo
e silêncio, unidos pela honra e tradição e um conjunto de
regras impenetráveis para nos proteger da maior ameaça de
todas: o esquecimento.
Nosso reino de paz e perfeição nos foi roubado
por você, avarento, ambicioso homem, traiçoeiro. E embora
tenhamos aprendido a viver ao seu lado, embora nós
aprendêssemos a sobreviver, embora nós possamos sorrir e
acenar quando passamos por você na rua estamos
sempre, sempre prontos para comer seus corações.
Cuidado.
Certificação da resolução da Assembleia No. 218.4.9
Datado neste dia 12 de julho, 20 –.
Quanto à disposição legal de Morgan Marlena
Montgomery, membro Senior da Assembleia, colônia de
Sommerley, Hampshire, Reino Unido, acusada de alta traição,
crime 3acessório, e outros.
RESOLUÇÃO QUE AUTORIZA A EXECUÇÃO
considerando que, o membro da Assembleia acima citado foi
acusado e declarou-se culpado do seguinte:
1. Alta traição
2. Crime acessório
4. Crimes de ódio
5. Desordem
6. Terrorismo
4
e abertamente hostil. Invejando o falcão solitário que
circundava muito acima no céu azul forte além das janelas, ela
fechou em punhos suas mãos trêmulas em seu colo e praticou
a respiração.
Dentro. Fora. Dentro. Fora.
O visconde começou de novo em tom mais conciliador.
— Não há absolutamente nada que garanta que essa
fêmea — disse para Morgan com a boca curvada, — Que
provou ser um perigo para a tribo pelo pior ato possível de
traição, fará como você diz. Ela simplesmente desaparecerá,
nunca mais será vista novamente. Ou pior, ela vai encontrá-
los. E revelar tudo.
Morgan olhou-o de relance sob os cílios. De sua posição
sentada ereta e dourada perto da cabeceira da mesa, ele
balançou a cabeça.
Duas manchas brilhantes de vermelho manchavam suas
bochechas, um brilho fino de suor cobria sua testa, suas mãos
enroladas em torno dos braços de sua cadeira tão forte que
seus dedos ficaram brancos. Ela quase sentiu pena dele.
Quase.
— Não, ela não vai. — Jenna virou a cabeça e olhou
através do cômodo para ela com olhos luminosos de verde-
amarelo, fresco e avaliando. — Você vai, Morgan?
Sem palavras, tentando não tremer, piscar ou revelar de
outra forma o monstro do terror em seu estômago, Morgan
negou com a cabeça.
Jenna voltou-se para o visconde e lhe concedeu um
sorriso satisfeito.
Ninguém disse nada por um longo momento
congelado. Então uma voz soou do meio da mesa, mais forte
do que ela teria lhe dado crédito.
— Eu acho que é um bom plano.
Nathaniel, recém-batizado membro da Assembleia,
olhou nervosamente ao redor com uma mecha de cabelo
escuro caindo sobre um olho. Morgan inclinou-se contra a
parte traseira estofada da cadeira rosa e exalou um longo
suspiro, em silêncio pelo nariz. Ela queria que ele ficasse
quieto, o olhou fixamente. Por favor, fique quieto, ou você
não está em seu juízo perfeito, seu idiota!
Ele era doce e jovem, e ela não queria vê-lo fazer nada
estúpido e se machucar, especialmente por sua causa. Não era
a primeira vez, ela desejou que seu dom da sugestão pudesse
ser usado através do espaço vazio e não fosse limitado ao
toque.
— Concordo, — disse Leander, ao óbvio choque de
todos na mesa, exceto a Rainha, que se sentou ao lado dele,
descontraída e elegante, com uma sobrancelha finamente
arqueada, ligeiramente levantada, como se dissesse para o
resto deles, vá em frente, se você ousa.
— Mas, mas... — o visconde balbuciou lívido. Ele se
sacudiu da cadeira. — É impossível! Não há garantia —
Outro homem estava de pé, Grayson Sutherland, atarracado
e bem-considerado. — O risco é muito grande, senhor.
Mesmo você deve ver...
— Sim, sim, — outra pessoa estava dizendo em voz alta,
— Os riscos superam qualquer vantagem que poderíamos
esperar obtermos.
— Ela não iria apenas retornar
— É escandaloso pensar...
— Ela não é de confiança!
— ...O perigo para nós...
— Pense nas consequências — Eles estavam todos em
seus pés agora, discutindo e gritando uns sobre os outros,
todos, exceto a rainha e seu Alfa, que permaneceu distante e
silencioso, e Morgan, sozinha no final da mesa, tremendo em
sua cadeira. Embora estivesse quente o suficiente na sala, ela
estava fria, gelada, um gelo que se tornou profundo. Sepultura
profunda. Ela se perguntou se sentirá quente novamente um
dia.
Leander ergueu-se abruptamente da cadeira, um leve
desdobramento de membros que era ao mesmo tempo
elegante e inquestionavelmente ameaçador.
— Silêncio, — ele ordenou com os dentes cerrados, e,
tão abruptamente, houve.
Com os lábios brancos e petrificados, Morgan sorriu. Se
ela alguma vez tivesse questionado a autoridade do conde de
Sommerley ou seu controle e poder sobre a tribo, sua
habilidade de enviar um grupo de dezesseis homens selvagens
e sedentos de sangue, a se afundarem de volta em seus
assentos com uma fúria silenciosa e pálida com apenas uma
palavra, provava sem dúvida. Ele era Alfa por uma boa razão.
Olhou em volta da mesa e, um a um, todos os homens
da Assembleia se afastaram.
— Vou falar com a minha esposa, — ele continuou
nesse tom baixo, de aço. — Sozinho.
Os homens compartilhavam olhares
amargos; Resmungos de assentimentos foram ouvidos. Eles
ficaram de pé um a um, e as cadeiras foram raspando o chão
de mármore como os grilhões que prendiam o pulso de
Morgan fazendo seus dentes rangerem. Alguém chegou perto
dela, tocou-lhe suavemente o braço nu. Ela olhou para cima
para encontrar Nathaniel olhando para ela, sorrindo
hesitantemente, aquela mecha de cabelo caindo sobre um
olho, obstinadamente recusando-se a permanecer no lugar.
— Senhorita Morgan, vou levá-la de volta para o seu...
— Não a toque! — Assobiou o Visconde Weymouth,
vindo por trás dele. Ele afastou a mão de Nathaniel de seu
braço, e Nathaniel empalideceu e deu um passo para trás, de
olhos arregalados. — Você quer que ela te tire o sentido,
garoto? Faça de você o seu boneco com não mais do que isso?
Ele ergueu um dedo como se fosse uma arma carregada.
Nathaniel deu outro rápido passo para trás. Morgan
sabia que era inútil argumentar, dizer-lhe que, claro, ela não
faria tal coisa, então ela manteve a boca fechada e levantou-se
da cadeira, insegura, sem entender o que provocou tudo isso.
Sua confusão era esmagadora e bem
fundamentada. Jenna quase morrera por causa dela.
Por que ela tentaria salvar a vida de Morgan?
Mas ela não iria descobrir em breve, porque o visconde
voltou para a mesa e pegou o ferrão que Nathaniel deixou
para trás. Ele caminhou para trás em toda a sala em direção a
ela, segurando-a para fora e a ameaçando da forma como um
domesticador de leão empunha um chicote.
Sabia que ele o ligou mesmo antes de apertá-lo contra
seu ombro, a sacudida de eletricidade que a esfaqueou como
uma lança derretida e fez a sala explodir em pedaços de
vermelho e branco e depois deslizar, escorregar em preto era
mais do que a confirmação.
Pelo menos ela teve tempo de agarrar seu pulso antes
que ela desmaiasse.
Iria chover.
Jenna sentiu em seus ossos, embora o céu através das
janelas altas da biblioteca do leste fosse ainda aquele azul
perfeito, sem nuvens. Havia uma dor maçante em seu peito
que predizia a tempestade que se aproximava, assim como no
passado um sibilo vibrante em seu estômago indicara um
iminente terremoto, um gosto amargo na parte de trás de sua
língua predisse neve e aquela dor rara atrás do olho direito -
experimentado apenas uma vez, quando era criança e vivia em
uma das ilhas havaianas menores - prenunciava uma erupção
vulcânica. Os furacões trouxeram enxaquecas, batendo e
uivando como a própria tempestade.
Você vai sentir a própria pulsação da terra, alguém sábio
certa vez disse para ela não muito tempo atrás, e ele estava
certo. Ser Ikati significava estar vivo e em sintonia com a
sinfonia da natureza como nenhuma outra criatura na Terra
era.
Atrás dela, de um lado para o outro, pelo chão de
mármore e pelos tapetes turcos feitos à mão, aquele sábio
passeava, silencioso, como só um predador noturno pode ser.
— Você não me disse, — veio sua gentil acusação, baixa
e levemente divertida.
Ela não se virou da janela.
— Eu não sabia até esta manhã, — ela respondeu com
sinceridade.
Ela estava temendo este dia por semanas. Uma e outra
vez, ela o transformou em sua mente, trabalhando nisso da
mesma maneira obstinada e firme que um cupim mastiga
através da madeira. O que ela ia fazer?
Porque ela tinha que fazer alguma coisa, obviamente. Ela
não iria apenas sentar e deixar Morgan morrer. Mas o que?
O que?
Era um problema que desafiou a solução. O perdão
estava fora de questão. Execução estava fora de questão. A
prisão indefinida estava fora de questão, porque ela sabia que
seria pior do que a morte para alguém como Morgan, tão
feroz e orgulhosa.
Mas sua traição cortou Jenna até o osso, tanto literal
como figurativamente. E a irmã de Leander, Daria, ainda
estava em uma situação grave, com maior probabilidade de
ficar mutilada por toda a vida.
Havia o fato inegável, entretanto, que Jenna, apesar de
zangada, traída e bastante ferida, compreendia exatamente
porque ela fez isso. O que a deixou de volta onde ela começou
ponderando qual seria o castigo de Morgan.
Nada chegou a ela até que se pegou olhando fixamente
para um dos óleos de cor dourada na Galeria de Alfas. Ela foi
quase todos os dias para olhá-lo, atraída por uma combinação
de curiosidade, nostalgia, e o sentimento fraco, irritante de
algo óbvio que estava sendo desperdiçado. Era um retrato
feito com cuidado e precisão, a imagem de um homem bonito,
sorridente, com uma mandíbula afiada e uma testa larga, feita
em fosco severo e carvão, iluminado de cima. Seus olhos
verdes brilhantes olhavam para baixo da tela, tão selvagens e
astutos quanto os dela. Pois o retrato era de seu pai.
Ele fora um fora da lei para a tribo também, e pagou o
preço final.
— Ela me lembra de meu pai, de certa forma, — Jenna
refletiu em voz alta, observando as andorinhas subirem da
linha de árvores além das janelas. Elas se espalharam em
flashes de cinza e preto, derretendo no céu.
— Mesmo? — A resposta murmurada de Leander era
irônica, não era uma pergunta. O ritmo parou por um
momento, depois começou de novo.
Ela se virou para encará-lo com um farfalhar de tafetá e
cetim, lembrando-se de trocar o ridículo vestido o mais rápido
possível. A Assembleia inevitavelmente exigia um vestido
formal para essas ocasiões, embora o odiasse. Até seu Leander
selvagem estava vestido formalmente com um belo terno azul
marinho tão profundo que era quase preto, mocassins
italianos reluzentes, abotoaduras e uma camisa engomada e
gravata de seda.
Somente o cabelo permanecia indomado, um brilhante
emaranhado escuro que roçava os ombros, sempre parecendo
levado pelo vento mesmo depois de ter sido penteado.
Nu. Ele parecia muito melhor nu. Embora ela supusesse
que ele precisava usar alguma coisa, roupas só serviram para
mascarar sua verdadeira glória.
O problema do vestido formal logo seria remediado,
disse a si mesma com firmeza. Ela estava completamente
curada agora de todas as suas feridas, e era hora de subir ao
trono e começar a revisar as regras antigas.
O primeiro item do negócio era Morgan.
— Ambos são rebeldes...
— Com muito diferentes motivos, — ele interrompeu
ainda irônico, ainda andando com as mãos cruzadas atrás das
costas. Ele atirou-lhe um olhar medido e aquecido sob os
cílios fuliginosos.
Sua boca se curvou.
— Um para o amor, outro para a liberdade. Ambos
nobres ideais.
— Nobre? — Ele parou abruptamente e olhou para ela
do outro lado da sala. Sua expressão limitou-se a severo. —
Jenna.
Ele disse o nome daquela maneira particular quando ele
pensava que ela estava sendo irracional, repreendendo-a, mas
ainda acariciando, terno, mas reprovador, e ela estava
abruptamente zangada. Afastou-se da janela, cruzou os braços
sobre o peito e foi parar em frente à enorme e apagada
lareira. Ela chutou o pé da tela de ferro enrolada que a
protegia e foi recompensada com uma mancha negra de
cinzas através do dedo do pé de seu sapato de cetim marfim.
— Você não pode entender Leander. Você teve sua
liberdade toda a sua vida. Ela foi presa, trancada, negada os
direitos mais básicos.
— Por sua segurança. — Para a nossa segurança, — ele
lembrou.
Quando ela não respondeu, ele chegou atrás dela e ficou
de pé com a ampla extensão de seu peito pressionado contra
suas costas. Suas mãos levantadas para gentilmente rodear
seus ombros. Ele afastou a massa dourada de seus longos
cabelos e pressionou um beijo suave em sua nuca. Ela franziu
o cenho para os restos de um fogo morto há muito tempo e
se recusou a se virar e enrolar os braços ao redor de seu
pescoço, embora quisesse com um desejo tão forte que ainda
a pegou de surpresa.
Sempre, sempre esta necessidade por ele. Pelo seu
corpo, seu coração e sua proximidade, mesmo quando estava
irritada com ele, mesmo quando ele a estava deixando louca
com sua lógica fria e calculada. Ela simplesmente não podia
imaginar ficar sem ele, por um segundo de um dia. Apenas o
pensamento disso causava dor física.
O amor, ela aprendeu, era seu próprio tipo de
prisão. Com correntes e fechaduras invisíveis, mas tão reais e
inflexíveis quanto às de aço.
— Você sabe o que está lá fora, — ele murmurou. Seus
lábios roçaram a pele dela com uma gentileza que deixou a
carne sensível em seu rastro. — Você sabe melhor do que a
maioria.
Ela fechou os olhos e inalou, deixando que ele a atraísse
mais perto, deixando seu cheiro de especiarias, fumo e
homem viril envolvê-la. Seus lábios deslizaram por seu
pescoço; a suave pressão de seus dentes contra a jugular a fez
tremer de prazer. Mas ela ainda estava zangada com
ele. Definitivamente.
— Todo mundo merece uma segunda chance, — disse
ela, inclinando-se para ele. Ela deixou a cabeça cair para trás e
repousar contra seu ombro. Ele virou os lábios para a
bochecha dela.
— Hmmm, — ele murmurou não convencido. Ele a
abraçou em um abraço gentil e possessivo e enfiou o rosto em
seu pescoço. Ela pressionou sua vantagem. — Um acordo, —
ele sussurrou perto de sua orelha, — Pode ser uma coisa boa.
Seus olhos piscaram. Instantaneamente em guarda, ela
endureceu. — Acordo?
Ele soltou uma risada baixa pelo pescoço que enviou o
calor subindo por todo seu corpo. Ele a amaciava, a fazendo
pensar em travesseiros, lençóis e sua cama muito boa, e ele
ardente, quente e nu ao lado dela.
Dentro dela.
Irritada, ela se lembrou. Irritada.
— Eu sei que isso é importante para você, — ele disse
naquela voz macia de quarto, acariciando com suas palmas
para cima e para baixo de seus braços, balançando lentamente
para frente e para trás em seu forte abraço. — E eu sei que
uma vez que você tem sua mente feita, bem... — Ele abaixou
seus lábios para seu pescoço novamente, abriu a boca sobre a
base de sua garganta, calor e suavidade e uma sucção suave
que fez suas pálpebras flutuarem. —Eu poderia muito bem
tentar parar o vento norte.
— Exatamente — disse ela, franzindo o cenho agora
para as estatuetas esculpidas que decoravam a longa moldura
da lareira, fileira após fileira de obsidiana, porcelana e panteras
de vidro em miniatura, agachadas, pulando, descansando nos
membros de uma árvore.
Sua risada abafada sacudiu os dois. Ele a girou em um
movimento praticado, fluido, suas mãos suavemente
coagindo seus quadris, suas mãos espalmadas contra a suas
costas, atraindo-a novamente. Sem pensar, seus braços se
estenderam e se enrolaram em torno de seus
ombros. Inclinou a cabeça e pressionou os lábios contra a
têmpora, a bochecha, e o canto da boca.
— Mas talvez, grande Rainha, permita-me uma ou duas
condições minhas — murmurou, estendendo a mão pela
nuca. Ele inclinou a cabeça e choveu beijos suaves sobre suas
pálpebras, sua testa.
Ela fez um barulho de protesto sem palavras e manteve
os olhos fechados, franzindo a testa, sentindo o calor e o
músculo dele queimá-la diretamente através de suas roupas.
— Pare de tentar me subornar.
— Nunca a subornaria, — ele respirou, roçando seus
lábios sobre os dela, levemente, oh tão levemente, apenas o
suficiente para fazer seu pulso saltar e tê-la levantando em
seus dedos para melhor encontrá-los. Seus lábios se
separaram e ela sentiu o ligeiro, choque elétrico de sua língua
contra a dela. Seu braço se apertou ao redor dela, então ela
sentiu o batimento de seu coração bater contra seu peito,
destacado e forte, para combinar com o seu próprio. —
Apenas perguntando.
Com uma das mãos ainda segurando a cabeça e a outra
segurando duramente ao redor de seu corpo, ele cobriu sua
boca com a dele e beijou-a profundamente, fazendo-a
esquecer de tudo sobre a diferença entre um suborno e uma
pergunta simples, fazendo-a arrependida, havia uma mansão
cheia de inquietos, selvagens Ikati de olhos à espera de sua
decisão, fazendo-a lamentar o terrível inconveniente de sua
fina e formal roupa.
Ela se afastou primeiro, ofegante e ruborizada, e olhou
para ele de baixo de suas pestanas.
— Um ou dois, — disse ela, ainda teimosa, acesa na
escuridão, incandescente queimando de seus olhos. — Mas
concordamos que ela pode tentar?
Uma figura cambaleou do lado de fora das janelas
sombreadas pelo sol, com olhos vidrados e frouxo,
tropeçando cegamente sobre o gramado bem cuidado, se
dirigindo para a linha escura de árvores na distância onde a
floresta começa. Sem olhar, ela sabia que era o visconde
Weymouth, vagando sem rumo em seu colete cor de mostarda
e gravata antiquada, completamente nu sob a cintura.
Leander sorriu para ela, como um lobo, e o rubor se
espalhou por suas bochechas e pelo pescoço.
— Ela pode tentar, — ele cedeu, inclinando sua cabeça
para a dela de novo. — E quando ela acordar do choque que
Weymouth deu a ela, talvez você possa levá-la a sugerir a ele
que coloque de volta a suas calças.
— Ele é sortudo. Se eu tivesse o seu dom e ele tivesse
me dado um choque com essa coisa, ele estaria nu e deitado
em uma poça de seu próprio sangue. — Jenna suspirou,
inclinando-se para Leander, pressionando os lábios nos dele
novamente. — Vamos para o quarto, meu amor? — Ela
murmurou, tocando o nó de sua gravata de seda. — Eu
encontro-me com necessidade de.... Uma mudança de roupa.
O assassino estava olhando para a mesma grande
extensão de janelas Tudor na biblioteca do leste que Jenna
olhou no dia anterior, observando a massa de nuvens negras
de trovão que estrondou acima, sinistro e opaco. Chuva
coberta de prata, inclinada de lado ao vento e manchando a
vista dos campos se misturava com a floresta para além de
partes de silêncio cinza, marrom e verde. Relâmpagos
atravessaram as nuvens, brancos brilhantes, e iluminaram as
colinas e as árvores em repouso, linhas pagãs antes de
dissolver novamente a fumaça e sombra. Um som baixo de
trovão estremeceu o vidro.
A tempestade começou exatamente quando
desembarcou do avião particular do condado de Sommerley
em Heathrow esta manhã e não mostrou nenhum sinal de que
ia acabar. Lembrava-lhe as tempestades que encharcaram sua
própria colônia no Brasil todo verão. Mas esse temporal,
vigoroso como era, parecia de alguma forma menos
primitivo. Mais previsível. Mais .... Restrito.
Tudo nesta sofisticada, alastrada colônia Inglesa era tão
contido. A arquitetura, as pessoas, a terra, até o clima. Apenas
sua Lei era a mesma, pensou. Ele viu a evidência disso no
dispositivo de aparência medieval ainda em pé no grande
salão. Exalava uma fome animal, assim como as máquinas
mantidas por sua tribo.
— Eu não segui, — ele disse para as janelas. — Se você
sabe onde eles estão, por que não enviam uma guarnição? Por
que vocês não enviam uma força completa para eliminá-los?
— Nós não sabemos exatamente onde eles estão. E até
que o façamos, não podemos montar um assalto direto. Não
podemos arriscar a exposição ou a mão-de-obra. A maioria
das nossas forças está preparando a tribo para a mudança para
Manaus. E uma vez que eles sabem sobre todas as colônias,
exceto a sua, mover a tribo para a segurança é a nossa primeira
prioridade. Uma vez que todo mundo estiver seguro,
podemos nos concentrar em estratégia, mas, entretanto, não
podemos acabar com eles cegamente. Precisamos de mais
informações.
O tom de Leander estava apertado o suficiente para
revelar sua irritação. Xander conhecia o conde há décadas e
sabia como odiava as perguntas, odiava as explicações. O que
significava que, além de precisar de informações, Leander
precisava dele.
— Mais informações. — Xander girou da janela e olhou
para Leander com uma sobrancelha levantada.
Matar primeiro, fazer perguntas mais tarde, esse era o
seu próprio lema, e isso o serviu bem. Mas aquele homem que
se recostava tão casualmente na parte de trás de sua elaborada
cadeira em seu elaborado salão dentro de sua casa senhorial,
ainda mais elaborada, não podia viver do simples credo de um
assassino. Ele era Alfa, o que significava decisões cuidadosas,
perguntas cuidadosas, planos cuidadosos.
Política. Ele a odiava. Graças a Deus o papel de Alfa de
Manaus foi para seu meio-irmão.
— Sim, — disse Leander, olhando para ele agora com
irritação desveladas em seus afiados olhos verdes. Ele se
mexeu na cadeira, inquieto, e algo em sua expressão sugeriu
que ele tinha seus próprios problemas, não ditos com este
plano. — Localização exata, números exatos. Como eles
vivem. O que, exatamente, eles sabem sobre nós.
Xander o estudou, perguntando-se o que estava
perdendo.
— Se você está procurando esse tipo de informação,
você não precisa de um assassino. Você precisa de um
infiltrado. Uma toupeira.
— Como acontece, precisamos de ambos.
Aparentemente, já não se contentava em sentar-se,
Leander levantou-se de sua cadeira e se mudou para um
elegante aparador de cerejeira polida que exibia uma variedade
de garrafas de cristal cheias de âmbar, ouro e líquidos claros,
colocadas numa bandeja de prata. Xander assistiu com ligeira
surpresa quando seu anfitrião derramou uma generosa dose
de scotch em um copo, jogou a cabeça para trás e a tomou em
um gole.
De acordo com o relógio longo no canto, mal passava
do meio-dia. A sensação vaga de que algo estava sendo
solidificado em segurança.
— Ambos? — Ele perguntou quando Leander não
continuou.
Houve silêncio na sala por vários momentos,
ininterrupto, exceto pelo som de chuva contra as janelas e o
tique-taque do relógio. Então Leander falou baixo, para o
copo vazio em sua mão.
— Você já se apaixonou, Alexander?
O assassino, treinado desde a infância para agir e não
sentir foi apanhado completamente desprevenido.
Contra sua vontade, a imagem passageira de um par de
olhos castanho-chocolate, líquido escuro e sorridente, brilhou
em sua memória. Ele piscou e a imagem desapareceu,
deixando para trás um fantasma de dor maçante que palpitava
e choramingava em seu peito antes de impiedosamente
sufocá-lo.
— Não, — ele respondeu sem rodeios.
— Nem eu, até recentemente, — prosseguiu ainda
baixo, imóvel para o copo vazio. Xander sabia que ele falava
de sua nova esposa. A Rainha do Diamante, eles a
chamaram; tão bonita tão rara. Era famosa em todas as quatro
colônias Ikati, tão famosa por seus dons e charme como
foram os seus antepassados e sua filiação.
A única Ikati nascida livre, filha de um fora da lei Alfa e
sua predestinada, amor proibido.
Um humano, de todas as coisas. O inimigo.
— É mais poderoso do que eu jamais teria imaginado,
— Leander pensou, quase para si mesmo.
— Elementar. Transformativo. E doloroso. — Ele deu
uma risada suave, sem humor. — Como o fogo.
— Como a morte, — Xander se juntou ainda naquele
tom plano, sem emoção.
Esta conversa foi dirigida por um caminho muito escuro,
um caminho perigoso, um que ele não se importava de
seguir. O amor era um elemento, ele sabia muito bem, tão
cruel e violento como furacões ou tornados e inundações. Até
mesmo falar sobre isso convidava o desastre.
Outro estrondo de trovão sacudiu as janelas, e Leander
pareceu sair de seu devaneio.
Colocou o copo vazio sobre um porta-copos frisado e
virou-se abruptamente, seu rosto limpo de emoção.
— Nós queremos que você acompanhe um membro de
nossa colônia a Roma para caçar o Expurgari.
As sobrancelhas de Xander se ergueram.
— Estão em Roma?
— Eu sei — disse Leander. — Eu sempre imaginei que
os Expurgari viviam nos piores lugares do mundo, nos lugares
desolados ou doentes. Em algum lugar como Calcutá ou Vale
da Morte.
— Ou Chernobyl — acrescentou Xander, muito seco.
— Mas talvez nunca tenham saído de Roma. Tudo
começou com um imperador romano, afinal. Um de seus
descendentes pode ser seu líder agora.
— Mas por que eu? — Xander persistiu. — Eu não sou
um guarda-costas, como você bem sabe. Na verdade, eu sou
exatamente o oposto. Se seu membro da tribo precisa de
músculo, há escolhas muito melhores do que eu...
— Não! — Interrompeu Leander, olhando de soslaio
para Xander. Ele inalou uma respiração lenta que levantou
seus ombros, então atravessou a sala e afundou de volta no
conforto de sua cadeira.
Apoiado na cadeira. Ele virou seu olhar sobre a
tempestade fora das janelas.
— Não é um guarda-costas que procuramos. Seu
conjunto de habilidades específicas é exatamente o que é
necessário. Para nosso membro da tribo.
Havia algo de irônico na maneira como pronunciou a
última palavra, algo zombeteiro.
Xander esperou, sabendo que ele iria obter as respostas
que estava procurando, se esperasse o suficiente. Sua
paciência era lendária, quase tanto quanto sua precisão e
eficiência, sua total falta de emoção.
— Uma vez em Roma, — disse Leander em voz baixa,
ainda olhando pela janela. — Você irá ficar duas semanas,
nem mais um dia. E se nesse período se a localização exata do
quartel-general dos Expurgari não for determinada pela
pessoa que você acompanhará, se as informações detalhadas
que buscamos não forem recolhidas, você fará o que faz de
melhor. — Ele virou a cabeça e seu olhar pisou sobre Xander
uma vez em avaliação afiada, fria. — Você vai matá-la.
— Ela? — Xander repetiu, chocado, embora sua
expressão permanecesse impassível como sempre.
Mas antes que pudesse dizer mais, houve uma batida
forte na porta da biblioteca. Quando se abriu Leander disse
seco — Entre, — Xander ficou chocado mais uma vez, desta
vez em silêncio.
— Isso é o melhor que eu posso fazer, — Jenna disse
com sua voz esticada, e soltou os dedos de Morgan. Ela caiu
de volta no tumulto de peônias escarlate e rosa que decoravam
sua cadeira de seda estofada e descansou uma mão pálida,
agitando sobre os olhos.
Morgan afundou de volta no frio de sua cadeira de metal
em frente à de Jenna e tentou muito não vomitar. Ela ainda
lutava contra aquele puxão lateral, aquela desorientadora
perda de gravidade, aquelas imagens vívidas que surgiram e
queimaram e borbulhavam desde os primeiros momentos em
que Jenna agarrou sua mão.
O Dom da Rainha da Visão era extraordinário, tão
poderoso e elegante como a própria mulher.
Ela podia ler os pensamentos de uma pessoa com um
toque, ver planos futuros e lembranças passadas, colher
informações e encontrar a verdade por trás de mentiras. Ela
também podia reproduzir essa informação de volta para outra
pessoa em uma espécie de filme silencioso e maníaco,
exatamente como ela estava fazendo agora. Mas Morgan
nunca pensara que estar dentro da mente de alguém – as
memórias de outra pessoa – seria tão terrível. Ou muito
nauseante.
Ela viu tudo. Tudo o que fizeram à rainha, tudo o que
ela sofreu nas mãos dos inimigos, e literalmente deixou
Morgan doente.
Um guarda avançou vestido de preto e musculoso, um
dos doze ou mais que ficavam observando com intensidade
semelhante a um falcão perto de suas cadeiras de frente no
solário. Era uma enorme câmara de teto de vidro com
enormes palmeiras, paredes afrescadas e sofás de seda,
cercados nos quatro lados por janelas arqueadas, cobertas de
chuva. A sala abrigava uma extraordinária variedade de
pássaros exóticos em gaiolas penduradas, batendo
impotentemente as asas cortadas contra as barras. Morgan
achava que era uma alegoria perfeita para toda a sua vida. Seus
chilreios e assobios fizeram uma sinfonia estranha com a
implacável batida da chuva sobre as vidraças acima.
— Majestade — murmurou o guarda, lançando um olhar
sombrio na direção de Morgan. Ele se aproximou e hesitou
alguns pés respeitosos afastados. — Você não está bem?
— Estou bem, — Jenna disse, acenando-o. — Eu estou
perfeitamente bem. Não era ela — acrescentou, sabendo que
suspeitavam de Morgan com alguma sugestão nefasta,
semelhante ao pequeno cenário com o visconde de ontem. A
rainha beliscou a ponta do nariz entre dois dedos e
murmurou, — Sempre estão pairando. É o suficiente para
deixá-la louca.
— Sim, — Morgan disse, muito suavemente. — Isto é.
O guarda recuou para o seu lugar com os outros homens,
e Jenna abriu os olhos e a nivelou com um olhar tão claro e
compassivo que a fez querer se encolher de vergonha, tão
indigna era ela da bondade ali. Mas ela não podia se
afastar; tudo que podia fazer era fechar os olhos para evitá-lo.
— Eu sinto muito, — Morgan sussurrou. Seu rosto
ficou quente; lágrimas ameaçadas atrás de seus olhos
fechados.
— Eu sinto muito pelo que fizeram a você, e que eu sou
a responsável, por isso.
Com um farfalhar de tecido, Jenna inclinou-se para
frente em sua cadeira. Uma mão gentil tocou o joelho de
Morgan.
— Eu sei o que você sente. Eu sei que você não quis
dizer.... Eu sei que não era o que você queria. — Quase como
uma reflexão tardia, ela acrescentou: — Eu posso ver você
sabe.
Morgan abriu os olhos, olhou para o pálido e sombrio
rosto oval de Jenna, e suportou um momento de auto aversão
tão ruim que parecia ter engolido uma granada.
— Por que você está fazendo isso por mim? Porque não
deixá-los me matar?
Ela não achou isso possível, mas o rosto de Jenna ficou
mais pálido. Ela tirou a mão do joelho de Morgan e se inclinou
lentamente para trás, acomodando-se em sua cadeira com o
menor dos suspiros melancólicos. Era um som patético como
sua vida. Seu olhar percorreu Morgan por um momento de
silêncio antes que ela começasse a falar hesitante.
— Fiz uma promessa para você uma vez. Não há muito
tempo. Você se lembra?
Sim, ela queria dizer. Eu me lembro. É claro que eu
lembro. Minha liberdade pelo o meu silêncio. Mas ela não
disse isso. Havia outros aqui, homens, guardas, legalistas
inquestionáveis, que nunca entenderiam como a semente da
amizade pode enraizar e florescer no escuro solo de um
segredo compartilhado.
— Mas isso foi antes... — Ela começou em protesto,
então parou, não querendo nem falar em voz alta.
Os lábios de Jenna se curvaram, e por algum motivo
bizarro, Morgan pensou que poderia esconder um sorriso.
— Meu pai costumava me dizer: “Uma promessa feita é
uma promessa mantida”. Ele nunca voltou em sua palavra e
nem eu. Tudo o que estou oferecendo é uma chance,
Morgan. Uma chance para que possamos ganhar vantagem e
fazer as coisas certas. Se conseguir, você será perdoada. Você
pode voltar a Sommerley ou mudar para uma das outras
colônias e começar uma nova vida para si
mesma. Realisticamente, não é uma grande chance - Roma é
uma cidade muito grande. Eu não vi nada específico do
Expurgari que me torturou, – ela disse torturou,
inflexivelmente, e o rosto de Morgan virou novamente – que
nos levaria a sua sede lá. Sem endereço, sem marcos pendente,
nem sequer uma ideia geral de bairro. Só aquela sala horrível
cheia de...
Cabeças, a rainha não disse. Cabeças preservadas em
formol, fileira após fileira delas em frascos de vidro que
revestiam uma parede inteira em uma grande sala sem janelas
de pedra escura e móveis antigos e coloridas bandeiras
penduradas perto do teto. Chefes de seus parentes Ikatis
assassinados, alguns de apenas alguns meses atrás e
dissecados, outros encolhidos de só Deus sabe quantos
longos séculos atrás.
Era a sala de troféus dos inimigos. E o alvo de Morgan,
quase impossível de encontrar.
Jenna limpou a garganta e baixou o olhar para suas mãos
descansando em seu colo.
— Você só tem duas semanas. Meio mês para encontrar
uma agulha num palheiro não é realmente uma grande chance,
mas é tudo o que posso fazer. É um... acordo. Encontre-os, e
tudo vai bem quando termina bem. Se, no entanto, você não
os encontrar a tempo... — Ela parou no meio da frase como
Morgan fez momentos antes, não precisando articular o
óbvio.
Se não os encontrasse a tempo, morreria.
Jenna deve ter visto como ela empalideceu, porque se
inclinou para frente de repente, agarrou ambas as mãos de
Morgan entre as suas, e falou em uma voz baixa, urgente.
— O destino terá o seu caminho com todos nós,
Morgan. Eu não posso prever como isso vai acabar, porque
está fora de minhas mãos, mas eu posso dar-lhe uma chance
de redenção. Todo mundo merece pelo menos isso. O resto
é com você. Encontre o Expurgari e deixe a tribo obter sua
vingança em outro lugar.
Muda, Morgan olhou para ela enquanto os guardas
pairando começaram a murmurar e sussurrar e avançar,
alarmados com este novo contato. Dois deles se aproximaram
e puxaram Morgan para trás pelos ombros, arrastando a
cadeira para trás vários metros.
Jenna levantou-se.
— Isso não é necessário, — ela sibilou quando um dos
guardas puxou as mãos de Morgan para as costas e torceu
colocando um par de algemas frias mordendo seus pulsos. Ela
apertou os dentes contra a repentina dor e – pior –
humilhação de estar presa. Os guardas a puxaram para cima,
empurrando a cadeira de lado com um chute.
— Ordens de Lorde McLaughlin, Vossa Alteza —
respondeu o maior, mal-humorado, respirando o ar maltado
no pescoço de Morgan. — Nenhum contato, exceto para a
transferência.
— Solte-a neste instante ou vou pedir sua cabeça,
— Jenna atirou de volta, com raiva, e o guarda endureceu no
que deveria ter sido de terror, mas foi mais provavelmente
indignação. Ela poderia literalmente ter sua cabeça, muito
facilmente, mas ninguém nesta sociedade patriarcal ainda
estava acostumado a uma mulher que exercia tanto
poder. Especialmente desde que Jenna não flexionou aqueles
músculos particularmente desde que se tornou
Rainha. Morgan sabia que seria preciso apenas um exemplo
sangrento para tê-los todos assustados e obedientes na linha,
mas ela não queria ser a causa de mais derramamento de
sangue.
— Está tudo bem, — ela disse para Jenna entre seus
dentes cerrados. — Você já fez o suficiente. Por favor, você
já fez o suficiente. — Ela olhou fixamente para o guarda
menor, o olhar preocupado com olhos suaves e uma boca
virada para baixo. — Já acabamos. Estou pronta.
Ele acenou com a cabeça e enrolou uma mão enluvada
em torno de seu braço, com cuidado para inclinar-se o mais
longe possível enquanto ainda se agarrava a ela.
— Morgan. — Jenna deu um passo à frente com a mão
estendida, mas os dois guardas que já começaram a levá-la
para longe, tropeçando nos seus calcanhares e vestido fino do
dia anterior, amarrotado agora porque ela dormiu nele. Os
outros guardas vieram para cercá-la em um nó, desfeito
quando eles foram em direção à porta com sua prisioneira.
— Estarei de volta — Morgan disse sobre seus ombros,
sua voz não muito equilibrada, nem muito forte. Ela observou
a figura solitária de Jenna recuar entre as palmeiras
aglomeradas e gaiolas revoltantes, cabelos pálidos e pele rígida
como neve contra o dia cinzento e chuvoso. — Eu vou fazer
isso dar certo. Eu prometo, — acrescentou ela, assim que eles
chegaram à porta.
— Boa sorte — disse Jenna. Mas carregada, triste com
sua voz suave, Morgan ouviu a despedida e sabia o que boa
sorte realmente significava.
Isso significava adeus.
O guarda com a respiração de malte – Matthew era seu
nome – foi o que bateu na porta de carvalho esculpida da
Biblioteca do Leste. De alguma forma, ele se achava no
comando, embora Morgan e todos os outros guardas
soubessem perfeitamente que ele não era classificado e era o
menos dotado do grupo. Sua única vantagem era um tipo de
força desajeitada, que ele usava judiciosamente para arrastá-la
através dos corredores silenciosos e sombreados da mansão,
puxando-a pelo cotovelo quando ela desacelerou ou tropeçou
em um solavanco em um tapete de pelo grosso.
Conhecia Matthew toda a sua vida, é claro, tal como
conheceu todos na tribo desde o dia em que nasceu. Ela
esteve lá há muito tempo, quando sua mãe deixou cair sua
irmã recém-nascida, pequenininha, chorando e deformada, na
boca negra aberta do Poço, a afogando, então se virou e se
afastou sem nem sequer derramar uma lágrima. Pequena e
assustada entre os sombrios adultos reunidos, Morgan
agarrou a mão de seu pai e sentia-se aterrorizada e orgulhosa,
não havia nada de errado com ela, nenhuma deformidade ou
fraqueza que obrigaria a tribo a evitá-la, obrigando a sua
própria mãe a fazer uma viagem a este lugar profano, um risco
de morte para todos os seus outros filhos e ela mesma.
Mas sua mãe já estava morta. E Morgan não tinha
fraqueza.
Bem, nenhuma fraqueza que eles podiam ver. Lembrou-
se de outra lembrança de Matthew, zombando dela com dois
amigos de olhos escorregadios das sombras frondosas de um
seixo de mil e duzentos anos na véspera do Festival do
Equinócio, um inverno em que a neve estava no
tornozelo. Tinha quinze anos, à beira de seu primeiro turno,
apenas começando a perceber que ela era diferente das outras
meninas da tribo, desinteressada em meninos e casamentos e
conversas sussurradas, dar risadinhas sobre o que acontecia
depois que o casamenteiro e o guardião combinavam você
com seu par de linhagem de sangue adequado, e vocês forem
autorizados a ficarem sozinhos juntos.
Vagando sem rumo sozinha, como quase sempre fazia,
ela se viu longe da fogueira e da dança na praça da cidade e
entre a catedral escura das árvores e o silêncio cristalino do
bosque. Eles subiram em silêncio enquanto ela estava
inspecionando a perfeição eriçada de uma pinha pendurada
em um galho coberto de neve e a derrubou no chão com um
empurrão por trás.
Ela não teve a chance de correr ou até mesmo ficar de
pé antes que eles estavam sobre ela, agarrando suas roupas,
rindo e rosnando e incitando uns aos outros como os jovens
selvagens que eram.
Ela tinha uma arma, no entanto. Uma adaga, de dois
gumes, roubada da mesa do pai.
Ela era diferente, mas não era estúpida. Ela notou como
eles a observavam.
Depois disso, deixaram-na em paz, Matthew e seus dois
amigos, um dos quais teve que usar um tampão de olho para
o resto de sua vida para esconder o buraco escancarado em
seu crânio.
Ela estava agora atrás dele, cercada pela falange de
guardas, olhando para a parte de trás da cabeça dele e
desejando que ela tivesse o inaudível, mas muito conveniente
– Dom de explodir o crânio inimigo.
— Entre — gritou Leander por trás da porta
fechada. Matthew abriu a porta. Não satisfeito em entrar na
sala com ela atrás, virou-se, agarrou-a pelo braço, arrastou-a
pelo limiar, depois a soltou abruptamente, como se tivesse
sido queimado ao tocá-la.
Então, é claro, ela caiu. Claro que sim.
Apanhada em um dos saltos de seus sapatos, a bainha de
seu vestido emaranhou debaixo de seus pés. O tecido delicado
cedeu com um ruído suave de rasgar, e ela caiu à frente,
incapaz de jogar os braços para o equilíbrio porque estavam
algemados atrás de suas costas. Ela caiu de joelhos no chão de
mármore frio com uma sacudida de ossos sendo triturados –
que causou um suspiro de dor saindo de seus lábios, mas
pouco antes dela bater seu rosto no chão, algo a parou.
Um par de mãos. Fortes e quentes em seus ombros. Ela
foi pega e estabilizada, e gentilmente colocada de joelhos,
onde ela, encontrou seu equilíbrio. Então ela levantou a
cabeça e olhou para cima. Para um par de olhos âmbar
brilhante bordado em kohl5, que olhava de um rosto
escurecido pelo sol de tal beleza fria e selvagem que enviou
uma emoção de puro medo zumbindo ao longo de cada
nervo. Adrenalina corria através de seu corpo, primitiva e
química, e de repente acordou o seu animal dentro que se
irritou e assobiou e gritou perigo! No topo de seus pulmões.
Ele era enorme – alto e musculoso, muito maior do que
seus ágeis, parentes vigorosos – e tinha ombros tão largos que
ela se agachava em uma piscina de sombras jogadas a seus
pés. Seus cabelos pretos, inclinados em sua testa larga para o
bico de viúva6, estavam cortados perto de sua cabeça. Sua
roupa também era preta, simples e ajustável, facilitando o
movimento. Em sua parte traseira, estava um par de espadas
cruzadas, embainhadas em bainhas de couro. Em seu cinto e
botas estavam mais armas, mal brilhando na pouca luz.
Mas tudo isso empalideceu em comparação com a
ameaça mais iminente de seus olhos ambarinos. Eles fixaram
nos dela, sem piscar, sem sentimento, e ela percebeu com
outra sacudida que este homem olhando para ela em absoluto
silêncio com seu rosto bonito e olhos escaldantes e
iluminados por fogo não era nada do que ela já viu antes. Ele
estava vivo, seu corpo vivo, mas por trás dessa máscara de
perfeição, não havia um pingo de humanidade ou misericórdia
ou bondade ou sentimento. Não havia nada. Ele estava
morto.
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É um tipo de maquiagem tipo rímel ou delineador que faz o contorno do olho.
6
Alma morta.
Ao lado de Furiant, ele era a coisa mais aterrorizante que
ela já viu.
— Xander — disse uma voz da direita. A de Leander,
ela supunha, consciente no nível molecular de seu coração
trovejante, seus músculos congelados, o olhar do estranho,
que caiu ao pulso batendo violentamente no oco de seu
pescoço. Suas narinas ardiam com uma inalação, e por um
momento selvagem, horrorizada, ela pensou que ele poderia
se inclinar e rasgar sua garganta com os dentes.
Mas ele não o fez. Ele só levantou aquele olhar
penetrante de volta para o dela e, em um movimento de graça
fluido e predatório, puxou-a para seus pés. Ele a soltou e deu
um passo atrás, sem piscar, sua atenção nunca vacilando,
aqueles olhos penetrantes e mortos nunca deixando seu rosto.
— Xander — disse Leander novamente. — Esta é a
Morgan. Seu voo para Roma parte à uma da tarde.
Morgan estava bastante certa de que o assassino estava
planejando os detalhes de sua morte naquele exato momento,
embora não lhe desse o mínimo de atenção e não lhe tivesse
falado uma única palavra durante todo o voo.
Ela olhou-o de novo sob os cílios. Sentou-se imóvel no
assento em frente ao dela, na frente da luxuosa cabine, como
foi nas últimas duas horas e meia, as grandes mãos espalhadas
sobre suas coxas musculosas, a cabeça inclinada contra o
assento, os olhos fechados. Seu peito subiu e desceu em um
ritmo calmo e constante, mas ela sabia que não estava
dormindo; seu dedo indicador batia silenciosamente contra
sua perna, e de vez em quando um músculo em sua mandíbula
afiada flexionava. Ela teve a impressão de que ele estava
apenas se privando de saltar de seu assento.
Traçando sua morte. Definitivamente.
Quando Leander pronunciou seu nome, soube
instantaneamente quem ele era. O que ele faz. Infame em
todas as quatro colônias de Ikati, Alexander Luna era
chamado, a sombra ou o martelo ou, na sua língua nativa, A
Ira de Deus. Ele era um assassino, um muito bom, enviado
em missões especiais por todo o mundo pelos Alfas para
rastrear desertores ou eliminar ameaças.
Ou acompanhar criminosos condenados em viagens de
caça de agulhas no palheiro.
Assassino ou não, ele era uma beleza. Todos os
músculos e nervos sobressalentes, endurecidos, moviam-se
como nada que ela já viu, a fluidez sem esforço e habilidade
instintiva, não estudada. Ele tinha um carisma poderoso e
ameaçador sobre si, do tipo que chama a atenção e o segura,
o tipo que cativou a atenção para contemplar a disparidade
desses lábios sensuais com aquela expressão impiedosa,
aquela pele macia de cetim, feita para tocar, com a ameaça fria
e ardente daqueles olhos âmbar mortos. Ele era carnal,
elegante e proibitivo, tão proibido que mesmo o ar parecia
segurar sua respiração quando passava por ele.
Uma turbulência sacudiu a cabine, interrompendo o
estudo dela. Morgan ofegou e enrijeceu em seu assento.
Confortável no assento de couro creme do avião
particular de Leander, ela logo o rasgaria em pedaços se a
turbulência continuasse. Ela odiava voar.... Ela era uma
criatura da terra, nascida para escorregar pelas gramas altas e
subir nos troncos perfumados de árvores e descansar
sonolenta em vales iluminados pelo sol até que sua língua
estava descansando a vontade e sua pele quente. Voar era para
criaturas menores, para presas – os pássaros.
Outra sacudida – esta forte o suficiente para desalojar
sua mochila do compartimento superior e cair no chão – em
uma súbita queda de altitude que deixou seu estômago na
garganta. Agarrou os braços e fechou os olhos, engolindo em
seco, desejando não vomitar.
E quando abriu os olhos novamente o assassino estava
sentado ao lado dela, olhando para o seu rosto.
— O quê... — ela deixou escapar, assustada, mas antes
que pudesse tirá-lo, ele estendeu a mão e agarrou seu
pulso. Ele pressionou o polegar e o indicador no tendão de
ambos os lados, não forte, mas não gentilmente, e o desejo de
vomitar desapareceu.
— Oh, — ela disse, e então, — Como? — Porque ela
não conseguia pensar em mais nada.
— O portão interior.
Sua voz era profunda e suave, o sotaque
indefinível. Entre isso, e sua súbita proximidade quase ao
ponto de se fundirem, e o fogo frio dos olhos sem piscar de
seu tigre, Morgan ficou abruptamente sem palavras, sua
cabeça estava girando. A turbulência, ela pensou. Estou tonta
com a turbulência. Ela fez um pequeno som de
questionamento sem palavras e tentou sem sucesso desviar o
olhar.
— É um ponto de acupressão7, — acrescentou, em
modo de explicação. Ele ainda não tinha piscado, e ela se
perguntou se isso veio de anos mirando com suas armas, suas
presas fugitivas. Seu pulso ainda estava agarrado em sua mão
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É uma forma de aliviar as dores ou estimular o funcionamento dos órgãos internos por meio da pressão
de pontos nas mãos, nas plantas dos pés, nas orelhas e em algumas partes específicas do rosto.
grande e quente.
— Você está meio branca, — ele disse quando não
respondeu, e agora ela se perguntava se ele só falava em frases
de duas a quatro palavras. Talvez ele não fosse muito
brilhante.
— Eu estou bem, — ela estalou e puxou seu pulso de
seu aperto.
Realmente, o que diabos? Ela queria gritar com ele. Você
não quer que eu vomite, mas você está perfeitamente bem
com colocar uma arma na minha cabeça e explodir meus
miolos?
Ela supôs que seria uma arma. Ele parecia o tipo que
teria muitas armas.
— Logo nós iremos desembarcar — disse ele, e ela se
viu contando. Quatro. Quatro palavras. Ela se sentiu
dominada pelo repentino e incongruente desejo de rir.
Em duas semanas, se ela não tivesse completado sua
tarefa impossível de encontrar a sede de um inimigo malicioso
e maligno em uma cidade de quase três milhões de habitantes,
ela iria ser morta por um belo idiota. Ela apoiou a cabeça no
assento e suspirou. Sua mãe deve estar rolando em seu
túmulo.
— Você provavelmente não deveria me tocar. — Ela
olhou para o teto curvo e suas fileiras de luzes suavemente
brilhantes. — Ou não lhe disseram isso?
— Sugestão não funciona em mim.
Morgan se virou para olhá-lo. Ele realmente era
estúpido. Ou talvez era apenas estupidamente arrogante. Ela
resistiu ao impulso de estender a mão, tocar no lado de seu
rosto estupidamente bonito, e sussurrar, faça Quack como
um pato.
— Funciona em todos, — ela disse secamente,
enfatizando a última palavra. — Não importa seu nível de
inteligência.
Uma das sobrancelhas dele levantou, mas isso foi
tudo. Ele parecia estar esperando por ela para continuar.
— Posso mandar você fazer qualquer coisa que eu
queira, — ela disse, enunciando cada palavra, tentando ser
clara para que este instrumento contundente sentado ao seu
lado entendesse. — É meu dom, tudo que eu tenho que fazer
é tocar em você, sugerir algo que quero que faça e você irá
fazer.
Seus lábios curvaram em um sorriso que era tanto
perverso quanto desafiador. E não estúpido em tudo.
— Então por todos os meios — disse ele. Ele estendeu
a mão em convite. — Toque-me.
Seu coração gritou até parar dentro de seu peito. Então
sua mente partiu selvagem, disparando um milhão de milhas
para o espaço na extensão de um segundo para o próximo.
Podia fazê-lo esquecer.
Ela poderia o fazer esquecer e torná-lo inconsciente e,
em seguida, fazer o mesmo para o piloto.
Bem, talvez depois de terem aterrissado – e fugir para o
interminável labirinto das ruas históricas de Roma, banhadas
pelo sol, e nunca mais ser vista novamente. Só eram os três,
seria tão fácil, Leander não nem sequer enviou outros
guardas. Ela podia viajar para Paris e Praga e até a Islândia, se
quisesse, ela poderia encontrar seu próprio lugar no mundo e
deixar Sommerley e a Lei e os Ikati, tudo para trás, para
sempre.
Ela poderia ser livre.
Antes que ele pudesse mudar de ideia, ela agarrou sua
mão estendida.
Calor e uma carga de eletricidade, um formigar acima de
seu braço. — Esqueça-me — sussurrou veemente, olhando
para as profundezas de seus olhos âmbar, franzidos de
Kohl. — Esqueça-me e durma.
Então, muito inconvenientemente, nada aconteceu.
Nunca, nunca, nunca, nunca aconteceu antes. Desde a
infância eu tive este dom, e ninguém é impermeável, ninguém
pode resistir. Eu treinei durante anos para ter cuidado para
não tocar, não abraçar, não ter quaisquer pensamentos
aleatórios que iria prejudicar um da tribo.
— Minha cara, — o assassino murmurou. Ele a olhou
nos olhos, ainda com aquele sorriso malicioso, perverso, sua
mão agarrada na dela. — Minha querida. Como se poderia
esquecer uma mulher como você?
Isso bateu nela como uma bola de demolição, rápida e
sólida e muito devastador: imune. Ele era imune. E estava
brincando com ela.
— Filho da puta! — Ela sibilou e arrancou a mão dela.
Isso lhe rendeu uma risada, escura e perigosa.
— Filho de um Alfa, — ele corrigiu, alcançando por trás
dele para agarrar algo preso ao cinto. Ele puxou-o em um
movimento tão rápido que tudo o que ela registrou foi o
brilho da prata, o tilintar musical de metais deslizando contra
metal, sólido e elegante.
Então suas mãos estavam ao redor de sua garganta.
Ela gritou e empurrou para trás, mas foi mantida no
lugar pelo cinto de segurança, seus pés lutando para encontrar
algo contra o tapete liso, de baixa aderência. Ele estava de
repente em cima dela, músculos e calor e uma maldição baixa
e rosnada, sua perna sobre a dela, seus braços ao redor de seus
ombros, seus dedos apertando em seu pescoço, cortando seu
ar. Ela balançou para fora cegamente e conectou com seu
queixo, encontrou um punhado de seu cabelo brilhante e
puxou tão duro como poderia. Outra maldição e, em seguida,
ele estava fora dela, a poucos metros de distância, respirando
com dificuldade e olhando para ela com olhos brilhantes e
cautelosos.
Ela rasgou o cinto de segurança e saltou para seus pés,
ágil e rápida como relâmpago, e ficou de frente para ele no
meio do corredor, seus pés separados, pernas flexionadas,
mãos balançando em punhos. Tremendo e furiosa, ela
percebeu com um choque que seu pescoço estava latejando e
dolorido onde ele envolveu suas mãos ao redor dele.
Ele a machucou.
A vontade de mudar veio sobre ela em uma centelha
branca, violenta e primitiva. A razão, a cautela e a calma foram
afastadas, substituídas pelo impulso instintivo e avassalador
de arrancar para fora de sua pele humana e voar rugindo pelo
ar para pousar em cima dele e cortar os olhos, arrancar os
braços, comer fora seu coração.
— Você vai morrer, — ela rosnou e deu um passo à
frente.
A carga aquecida veio, em seguida, a chama que acendeu
e pegou como pólvora, em seguida, o cheiro de fumaça e mel,
o flash rápido e terrível de dor quando seus músculos e
tendões e ossos começaram a transfigurar em seu outro eu,
seu verdadeiro eu. Ela inalou, saboreando a dor, saboreando
o pensamento de seu sangue em sua língua.
E então... Nada.
Ela hesitou. A dor em sua garganta aumentou a pressão
e um estranho, elétrico zumbido que enviou agonia
flamejando por sua espinha e segurou-a apenas na beira da
transformação. Ela ergueu as mãos para a dor, procurando a
fonte, o círculo de fogo que lhe rodeava o pescoço.
Seus dedos tocaram no metal frio. Havia algo em volta
de seu pescoço.
— Não, — ela sussurrou. Seu coração se tornou um
peso repentino, congelado dentro de seu peito.
— Temo que sim — respondeu o assassino sem se
arrepender. Ele deu um passo para trás no corredor,
observando-a cuidadosamente, seu rosto em branco, estéril de
toda emoção. — O seu dom de sugestão não pode me
prejudicar, mas eu temo que você transformada e com garras
seja outra situação completamente diferente.
Estava horrorizada. Horrorizada. Ela poderia estar
morta.
— Você me colocou uma coleira!
Ele não respondeu. Ele não precisava; A evidência
estava ali, fria e apertada contra a veia pulsante em sua
garganta. Ele apenas continuou se afastando em direção à
frente do avião, em direção à porta fechada que saia da cabine
principal para a sala de jantar e sala de mídia mais à frente.
— Eu não posso viver assim! Eu não posso passar duas
semanas sem mudar! — Ela gritou, cavando seus dedos na
pele ao redor do colar, procurando uma maneira de tirá-
lo. Mas mesmo assim, sabia que não havia jeito. As
fechaduras, uma vez montadas juntas, fundiam fechadas. Isso
só poderia ser removido por uma tocha de soldador em um
processo arriscado que muitas vezes deixava cicatrizes
hediondas. Era o meio mais eficaz dos Ikatis de punir os
infratores menores, e um de seus mais temidos. Viver com o
colar significava nunca ser capaz de mudar. Significava
permanecer em forma humana, pelo tempo que fosse
necessário para promover uma atitude mais cooperativa.
— Encontre o Expurgari mais cedo, e não serão duas
semanas, — sugeriu o assassino, frio como gelo. Chegou à
porta e abriu-a, parou por um momento para olhá-la. Ela
olhou para ele com uma fúria impotente, o rosto branco, a
boca aberta de horror. — Ou talvez, entretanto, — ele disse
com um brilho maligno em seus olhos, — Eu
possa esquecer por que o coloquei em primeiro lugar. — Ele
se virou e desapareceu pela porta, fechando-a com uma
pancada definitiva atrás dele.
Morgan caiu de joelhos no meio do corredor, seus dedos
ainda agarrados ao redor dos anéis frios que cercam sua
garganta.
— Filho da puta! — ela gritou.
De trás da porta fechada, podia ouvir risadas.
Roma. Cidade espetacular da história viva, de
imperadores, poetas e amantes e telhados de telhas vermelhas
abraçando uma torção no rio escuro que serpenteia através
dele, de santos, artistas e monumentos antigos erguidos na
exaltação de deuses mortos há muito tempo.
Do ar parecia uma cidade mágica de conto de fadas,
Morgan pensou, olhando pela janela do avião para o labirinto
alastrando abaixo. Pintado em lavagens mornas de terracota,
canela e ocre, cercado por uma paisagem verdejante e
montanhosa pontilhada de ruínas desmoronando, brilhou
rara e bonita como um topázio contra um plano fundo de
esmeraldas. As ruas eram retorcidas e entrelaçadas como uma
gaveta cheia de cobras, cobertas de torres, sinos, palácios e
cúpulas de catedrais que brilhavam douradas no sol da
tarde. Ela sentiu um arrepio de emoção real que logo estaria
andando naquelas ruas, o que foi seguido pela azeda, chocante
percepção de que ele estaria andando ao lado dela.
Seus dedos se ergueram novamente para rastrear os anéis
de metal rígido do colar. Era melhor não estar na sala com ela
quando saísse disso, porque cortar o rosto dele em fatias com
suas garras se mudou para o topo de sua lista de prioridades.
O avião estremeceu quando o trem de pouso foi
engatado, e ela se recostou no fundo de seu assento.
Primeiro de tudo, pensou com amargura, vendo a cidade
levantar-se para encontrá-los. Bastardo bonito. Vou
encontrá-los primeiro e depois cuidarei de você.
8
Está fechado. (Italiano)
9
Fechado para visitas às cinco. (Italiano)
10
Andar ou Movimentar-se. (Italiano)
11
Obrigada. (Italiano)
e a impressão de que ele foi pago pelo passeio. E
generosamente inclinado.
Apesar do acesso negado aos portões de ferro trancados,
três vezes a altura de um homem, que fechava cada entrada
arqueada, multidões de pessoas ainda passeavam pelo
gramado do Coliseu, conversando, rindo, fumando, tirando
fotos diante disso. Ela sentia-se como uma turista,
maravilhada, esticando o pescoço para contemplar
maravilhada. Só uma vez fora deixada sair de Sommerley, em
uma viagem com Leander a Los Angeles, e essa cidade era tão
elementarmente diferente daquela, que tentar compará-las
seria comparar água com fogo.
Mas Roma. Oh, Roma.
Até mesmo o ar era diferente aqui, morno e macio e
cheio de vida, maduro com canto de pássaros e carros
buzinando, riso nas proximidades e cantos longínquos,
embriagando com o cheiro de pão fresco e o sol.
Pedra aquecida. Um homem corpulento e de óculos,
com uma boca como uma ameixa seca, aproximou-se e disse
algo em japonês, apontando para a câmera e para a sua
pequena e sorridente esposa, a poucos metros de distância, ao
lado de uma cerca baixa.
— Claro. Sim! — Ela disse, sem perceber que nunca
segurou uma câmera em sua vida e não tinha ideia de como
operá-la. Sua confusão tornou-se rapidamente aparente, e o
homem, em Inglês quebrado, gentilmente mostrou-lhe como
focalizar a lente e qual botão apertar.
Quando terminou, eles sorriram, curvaram-se e
apertaram a mão, e Morgan experimentou um sentimento tão
estranho que levou um momento para identificar. Como
otimismo, mas mais forte, uma confiança flutuante e boa
vontade e antecipação doce, tudo se transformou em um.
Esperança. Ela sentiu esperança.
O casal japonês agradeceu-lhe uma última vez e afastou-
se, deixando-a de pé aturdida e sozinha, inundada de
sentimentalismo por este novo broto de sentimentos que
vislumbrou o que ela sabia sem dúvida não viveria muito
tempo.
E você não vai, uma pequena voz sussurrou em seu
ouvido, se você não conseguir.
Ela olhou para o bloco de pedra dourado do Coliseu.
Um olhar para dentro, ela decidiu, apenas um pouco de
turismo, uma vez que ela provavelmente nunca teria a
oportunidade novamente, e então ela descobriria por onde
começar sua busca.
Começando em um passeio casual, Morgan atravessou o
gramado verde e rodeou o perímetro pavimentado de
paralelepípedos, imaginando como era quando estava aberto,
o quão acessível mesmo com os portões de ferro. Ela podia
andar direito para cima e tocá-lo. E o fez, passando os dedos
por rachaduras e solavancos e pedra quente e áspera, sobre
um pequeno e desbotado remendo de grafite azul e preto na
curva interior de uma graciosa coluna iónica, perdida por
quem foi encarregado de removê-la. Ela mudou-se, notando
com não pouca satisfação que ela estava sozinha e
despercebida – praticamente livre – em um país estrangeiro,
algo que até dois meses atrás teria sido impensável, uma
impossibilidade total.
Ela não pôde evitar o sorriso perverso que curvou seus
lábios, imaginando o que ele fez quando descobriu que ela
saiu. Ela esperava que sofresse um derrame.
Em volta de uma curva em que a fachada exterior
abruptamente dava lugar ao que restava das paredes mais
curtas do interior do anfiteatro, fez uma pausa para olhar em
volta. Poucos turistas estavam perto desta seção, apenas um
grupo de adolescentes sentados de pernas cruzadas, talvez a
cinquenta metros de distância, em um semicírculo sob os
ramos de um abeto retorcido, fumando algo doce e acre que
não cheirava a tabaco. Um deles bufou e empurrou outro no
ombro, e todos caíram em gargalhadas.
Ela duvidava muito se eles notassem o que estava prestes
a fazer.
Os sapatos de saltos ela lançou em um canto, embora
odiasse a ideia de deixar o seu par favorito de sandálias Chanel
para fora no aberto como patos abandonados. Então, com
um último olhar furtivo ao redor, ela envolveu as mãos em
torno das barras de ferro frio do portão, olhou para cima e
começou a subir.
Preso entre a fúria, a incredulidade e aquela mesma
estranha e fugaz admiração que sentira no hotel quando quase
fez um porteiro regurgitar seu almoço nele, Xander observou
a esbelta e confiante figura de Morgan escalando a fachada
exterior do Coliseu como uma aranha que avança acima de
uma parede.
Havia centenas de pessoas a distância de um grito,
centenas mais apressando através de tráfego de noite na
avenida mais além. Ela estava totalmente exposta. Apenas um
deles teria que olhar para cima para ver o par de longas pernas
nuas, os cabelos escuros como uma pincelada pelas costas, a
blusa branca como a luz do dia contra a noite.
O que ela estava pensando? Ela estava pensando? Se
algum dos turistas remanescentes tirasse uma foto dela, pior
ainda, um vídeo, pesadelo dos pesadelos – ambos iriam
perder suas cabeças.
Ele viu Ikatis serem executados por delitos muito menos
flagrantes do que isso.
Segredo. Silêncio. Lealdade à tribo. Isso era tudo o que
havia para todos eles, desde o início dos tempos, tudo o que
os mantinha seguros contra a exposição, contra a descoberta.
Evidentemente, Morgan infligiu os três.
Pela terceira vez desde que ele a conheceu há menos de
oito horas, Xander estava girando em uma roda de emoção,
de raiva para diversão para surpresa e além, tudo isso lutando
por dominância ao mesmo tempo. Ele não sentia isto –
muito – em quase vinte anos, desde seus dezesseis anos,
quando mergulhou no meio de uma agonia tão profunda que
nunca foi capaz de falar sobre isso novamente.
Ele se lançou de baixo da escuridão da fileira de
ciprestes, onde ele estava de pé, correu com passos longos e
silenciosos para um trecho de parede onde nenhum turista se
demorou, e pressionou seu corpo cheio contra isso. Ele
exalou, deu um passo para trás, e derreteu na pedra quente,
áspera.
— Uau.
Não havia simplesmente nenhuma outra palavra para
descrever isso.
Morgan estava em seus pés descalços no alto da arcada
superior, olhando para baixo o que era uma vez o chão
arenoso do Coliseu. O chão foi removido há muito tempo,
exceto por uma parte nas extremidades.
As estruturas abaixo estavam agora expostas, uma rede
de dois níveis de túneis e câmaras subterrâneas em ruínas,
enroladas e sombreadas à luz das estrelas.
Um vento quente, leve soprou seu corpo, girou seu
cabelo em seus olhos. Querendo sentir a terra rochosa e tufos
de grama verde sob seus pés, ela decidiu descer e explorá-
lo. Assim que ela fez um movimento para pular para o
próximo nível de assentos de pedra desgastado abaixo, veio
uma voz baixa e hostil.
— Que diabos você acha que está fazendo?
Ela congelou. Por um instante horrível, ela imaginou-se
na prisão – prisão humana desta vez – trancada por invadir
um tesouro nacional. Mas então ela se virou e foi Xander, não
um dos policiais local, conhecido pela sua ferocidade.
Morgan não sabia o que era pior.
— O que você acha que estou fazendo, gênio? — Ela
disse friamente, esquadrando seus ombros. — O que eu vim
fazer aqui: Procurar os Expurgari.
— Realmente? — Ele respondeu frio. Ele a avaliou com
um lábio ligeiramente enrolado. — Porque o que você está
fazendo parece mais perto do turismo do que procurar.
— Você pode ler mentes? — Ela estalou, cruzando os
braços em seu peito.
Aquele lábio ondulado dele recuou ainda mais, e ela
desesperadamente queria dar um tapa no rosto dele.
— Não é preciso ser um gênio para descobrir isso, —
disse ele, sua voz gotejando de sarcasmo. — Você está
praticamente hiperventilando com excitação.
Ele colocou uma ligeira ênfase na palavra gênio, e a
vontade de esbofeteá-lo cresceu exponencialmente mais
forte. Presunçoso bastardo. E ela não estava ofegante.
— E a propósito, — ele continuou antes que ela pudesse
responder, — vamos esclarecer as coisas. Você precisa
perguntar. Bem, imagino que vai parecer um desafio para você
— Se tem permissão para sair do hotel. E se eu conceder essa
permissão, e só com a condição de eu estar com você. Preciso
saber exatamente onde você está o tempo todo, então no
futuro você não deve ir a lugar nenhum sem me perguntar
primeiro. Entendido?
Morgan ouviu o sangue fervendo, em muitas ocasiões,
mas ela de repente, agarrou completamente o seu verdadeiro
significado. O fogo fluía através de suas veias, ardendo
quente.
— Eu não vou pedir sua permissão para qualquer coisa,
nunca, — ela enunciou lentamente. — Mas vou informá-
lo que estou indo até lá, — ela apontou para o chão
sombreado do anfiteatro, — Para dar uma olhada ao redor.
Xander deu um único passo para fora das sombras. Seus
olhos âmbar queimavam como brasas nos duros e escuros
ângulos de seu rosto. Vestido inteiramente de preto, parecia
como se estivesse apanhado numa inesperada tempestade de
poeira: um fino casaco de pó amarelo pálido se pendurava nas
suas roupas e na pele, até mesmo apagando o brilho de seus
reluzentes cabelos. Ela odiava admiti-lo, mas mesmo sujo e
irritado, ele era o homem mais lindo que ela já viu.
Em um tom cheio de ameaça escura, ele disse:
— Eu não faria isso se fosse você.
— Bem, obviamente você não é. E descer lá é
exatamente o que vou fazer.
— Não, — ele respondeu enfático. — Você não vai.
Morgan empurrou seu cabelo dos seus olhos e olhou
para ele. — Eu não estou pedindo permissão!
— E eu não estou fazendo uma sugestão. Você não vai
a lugar algum, a não ser por aquelas escadas — ele sacudiu a
cabeça, indicando os largos degraus de pedra que levavam aos
níveis mais baixos e à rua – e de volta ao
hotel. Comigo. Agora.
Suas mãos estavam vazias e abertas. Ele estava de pé
com as pernas afastadas, os joelhos levemente dobrados, o
peso nas pontas dos pés. Posição de luta. Ela o reconheceu
por anos de lições de esgrima que ela foi forçada a tomar por
seu pai. Suas ideias arcaicas de feminilidade provavelmente
foram superadas apenas por aquele Espartano incrustado em
poeira, que olhava furiosamente para ela.
— Eu não sabia que Leander o enviara para que você
pudesse me irritar até morrer.
Ele sorriu – sombrio, sem um traço de humor ou calor
e respondeu com o tom mais ameaçador que ela já ouviu,
entregue suave como seda.
— O que quer que funcione.
Oh, oh, e oh. O rubor de sangue que subia pelo pescoço
para se espalhar palpitando sobre suas orelhas estava quente,
dolorosamente. Sentia-se envergonhada e instável,
indevidamente exposta, e sabia, sem questionar, que procurou
exatamente isso.
Não o deixe vê-lo! Não o deixe vencer!
— Você tem sorte de ter me colocado um colar. — Sua
voz era firme, seu rosto estava composto, mas tudo por
dentro era um tumulto de emoção. A necessidade de
transformar comia através de seu sangue como ácido, mas ela
estava aleijada pelo maldito colar. Que ele colocou. Ela
inclinou a cabeça e deixou que seu olhar o atravessasse.
Medindo. — Mas eu aposto...
— O quê? — Perguntou ele. Seus dedos flexionados.
Ela sorriu docemente para ele. — Aposto que ainda sou
mais rápida do que você.
Um batimento cardíaco antes de reconhecer o desafio,
então sua expressão mudou, uma mudança microscópica de
desprezo plano para algo mais aquecido, mais próximo da
curiosidade, ou antecipação.
— Nem sequer pense...— Antes que pudesse terminar
a frase, Morgan se virou, deu dois passos nos degraus
correndo e saiu da parede mais alta do Coliseu para o espaço
vazio.
Quando tinha quinze anos, Morgan mudou pela primeira
vez.
Tremores que estavam à superfície por anos. Um
lampejo de dor ilusória em seus ossos, uma nitidez inesperada
de olfato e audição. Todos os Ikatis tinham aumentado seus
sentidos, desde o nascimento, mas de repente ela foi capaz de
cheirar um pássaro pairando em milhas ao largo e saber se era
falcão ou um estominho, de repente, ela foi capaz de ver cada
gota de orvalho em cada folha de grama fora da janela de seu
segundo quarto de História. Ela ouviu os abetos zumbindo
com seiva, ela provou dias de chuva à frente, ela sentiu a terra
virar sob seus pés. Toda a natureza entrou em foco brilhante
e perfeito, e ela estava no centro de tudo, um lugar de
consciência.
Em seguida, na manhã de seu aniversário de quinze anos,
ela finalmente mudou para pantera e descobriu que, além de
força e agilidade e sentidos aguçados, ela poderia
ser muito rápida.
Ela sabia que mesmo com o colar ela ainda teria essa
velocidade relâmpago. E não havia nenhuma chance no
mundo que o Sr. Regras e Regulamentos mudasse para
persegui-la, porque a Lei expressamente os proibia de mudar
na frente dos humanos.
Ele teria que a seguir a pé.
Ela navegou pelo ar quente da noite, suspensa por um
momento sem fôlego – o coração batendo, os braços
estendidos, os cabelos estalando em uma longa e escura
bandeira atrás dela – e pousou em um trecho de grama a
poucos metros de um banco de pedra onde dois amantes
estavam trancados em um abraço apaixonado. Eles se
separaram com suspiros e começaram a exclamar em italiano
surpresos, mas ela os ignorou e concentrou-se em recuperar
seu equilíbrio. O chão era duro e a sacudida doía para
caramba, mas ela sabia que nenhum osso seria quebrado. Uma
queda livre de quinze andares realmente não era tão ruim
assim; ela uma vez caiu duas vezes mais longe do topo de um
antigo, alto abeto na Floresta Nova em Sommerley e mal se
machucou.
Respirando pesadamente, ainda agachada no chão, ela
olhou por cima do ombro e esticou o pescoço para onde
esteve para ver se ele a seguiu.
Mas ele não tinha. Ele olhou para baixo, uma figura
pequena em preto inundado em luzes douradas, sozinho no
topo do Coliseu, observando-a com aqueles olhos âmbar
astuto. Sentindo-se forte, viva e livre, ela soprou-lhe um beijo,
então decolou em uma corrida.
A partir da parede da arcada superior, Xander observou
Morgan, em uma exibição verdadeiramente surpreendente de
imprudência, levantou a mão em seu rosto, franziu seus lábios
vermelhos, generosos, e soprou-lhe um beijo.
Apesar de tudo, ele bufou um riso curto e descrente. Ele
era a Ira de Deus. Assassino famoso, temido. Perseguidor da
morte.
Nunca, ninguém o tratou com tal desrespeito.
Seu respeito por ela cresceu em proporção exata à sua
indignação. Nunca conhecera alguém que tivesse se atrevido
a tomar liberdades como esta. Ela era arrogante e desafiadora,
definitivamente imprudente, e parecia não se importar nem
um pouco com sua reputação ou a possibilidade muito real e
iminente de que ele seria o único a terminar com sua vida.
Ela era.... Destemida. Nunca conhecera ninguém como
ela.
Por um momento breve e perturbado, enquanto a
observava se erguendo de seu pouso na grama e correndo
descalça pela avenida, o tráfego trancando em uma parada em
ambas as direções ao passar, ele foi mantido fixo por surpresa
e admiração e simplesmente a assistiu correr. Ela saltou
graciosamente e fria como uma gazela de Thomson através
do grunhido de carros e táxis e scooters, até limpando o capuz
de um Fiat vermelho que não parou a tempo, em um salto
gracioso de pernas longas.
Sua mão ergueu-se automaticamente para as facas de lua
crescente de Ba Gua Zhang enfaixadas em uma fina bainha
de couro na parte de baixo das costas, escondida dentro de
seu cinto. Doado a ele por seu mestre de capoeira quando era
apenas um menino, eram facas de arremesso do século XV,
dobradas e perfeitamente ponderadas, em condição perfeitas
embora frequentemente usadas.
Ele hesitou, então baixou a mão. Se tivesse sido qualquer
outra pessoa, teria havido uma lâmina se projetando entre
aqueles ombros rapidamente se afastando agora. Os
desertores eram uma ameaça extrema para a tribo, e ele
capturou – ou matou – todos os que ele foi enviado para
procurar.
Mas não é qualquer outra pessoa. O pensamento
aumentou errante, o perfurando. É ela.
Sem se preocupar em examinar exatamente o que isso
significava, levantou o olhar para o céu e viu as estrelas
cintilantes, a pérola gorda e perfeita da lua crescente. Então
ele fechou os olhos e deixou que subisse para um pico ardente
dentro dele, o poder resplandecente e brilhante da mudança,
sempre lá apenas debaixo de sua pele.
Então, sem ruído ou aviso, ele se dissolveu em névoa.
Era o mesmo sempre, sem esforço como a respiração,
um mero foco da vontade. Como se uma pálpebra tivesse sido
descascada para revelar tudo à sua volta em cores vivas de
todos os ângulos, ele percebeu acima e abaixo exatamente
como percebeu frente e trás. Não havia nenhum
impedimento à sua visão, embora ele carecesse de olhos
através dos quais se concentrarem ou mesmo, para o assunto,
uma cabeça. Ele existiu como uma parte do próprio ar, sem
peso, e mudou-se através dele, voando, baixo, rápido e lento.
O único inconveniente era sua roupa. Qualquer coisa
que ele usava ou segurasse em suas mãos simplesmente caiu
no chão enquanto seu corpo se dissolvia em névoa. Ele nunca
foi capaz de levar as coisas com ele como vapor, mas tinha
outro dom absolutamente único e poderoso à sua disposição
para isso.
Voltaria para pegar suas roupas e facas depois. Agora ele
tinha um fugitivo para pegar.
Em uma sinuosa nuvem de névoa, pálida, levantou-se no
ar e pegou a corrente de ar quente da avenida embaixo. Usou-
o para levantá-lo, montando-o até que estivesse bem acima do
Coliseu, o suficiente para que qualquer pessoa olhasse para
cima veria o que parecia ser uma pequena nuvem,
estranhamente rápida. Sob ele, Roma estava esplendidamente
resplandecente, adornada de brilhos de cobre e ouro. As ruas
eram pulsantes artérias cheias de tráfego, serpenteando em
todas as direções em serpentinas de vermelho e branco.
Acima dele estava o céu noturno, a safira escura,
salpicada de estrelas.
E ali, parada na calçada enquanto pedestres se separavam
ao redor dela como água corrente em volta de uma rocha,
Morgan estava de pé.
Mesmo desta distância ele viu seu choque, sua
incredulidade em branco. Ela ficou pálida, quase tão branca
quanto sua blusa. Ela sentiu seu deslocamento; que foi muito
óbvio. Se tivesse lábios, teria rido alto.
Sim, eu posso mudar para mais do que apenas uma
pantera, minha cara. Eu tenho a minha mãe para agradecer
por isso.
Ele empurrou a atmosfera, para cima e para frente,
voando, fácil como o ar, sabendo sem dúvida que no exato
momento ela estava xingando seu nome e recalculando
planos. Não importa. Podia correr, podia se esconder, mas
não estava escapando.
Nunca.
Ele se manteve bem acima quando ela se virou e
começou a empurrar através da multidão de turistas
tagarelando e amantes passeando e mulheres idosas com
cachecóis de cabeça e sapatos sensíveis saindo para a missa
vespertina. Sentia-se curioso e sem pressa, os luxos da
autoconfiança, e tentava manter-se fora de vista enquanto a
caçava, camuflando-se com vários graus de sucesso em torno
de campanários e chaminés, na folhagem das árvores. Ela
continuou olhando para cima e para trás enquanto corria, mas
nunca parou nem mesmo abrandou seu ritmo.
Foi para o norte, seguindo as ruas bem-viajadas e bem
iluminadas, entrando e saindo de igrejas e lanchonetes e cafés,
entrando na frente e saindo pelas costas ou alguma outra porta
lateral, tentando sacudi-lo. Era divertido, e ele se viu
esperando que isso não terminasse logo.
Ele estava tendo algo como – diversão.
Então ela correu por um lance de escadas em uma
entrada subterrânea para o Metrô e ele começou a se
preocupar.
Ele desceu rapidamente os degraus atrás dela,
assustando um grupo de pombos que correram no trilho em
um voo barulhento. Seguiu a visão de sua cabeça escancarada
e escura, facilmente identificável por trás com aquela queda
de cabelos escuros brilhantes como a luz do sol sobre a água,
tão diferente de todos os outros que se aglomeravam em um
dos elegantes carros prateados ao mesmo tempo em que suas
portas se fechavam. Aplanou-se contra o teto, espalhado tão
fino quanto podia ao redor dos tubos fluorescentes que
iluminavam o carro.
Estava lotado. Morgan não estava à vista.
— Terrivelmente nebuloso aqui dentro, — observou um
homem de cabelos brancos em italiano, olhando para o teto
do assento de plástico embaixo.
— São os seus olhos, — respondeu sua esposa severa,
acenando com uma mão desdenhosa para ele. — Quantas
vezes tenho que dizer para você comprar novos óculos? —
Ela procurou em uma bolsa de mão granulada, sua caixa de
óculos, e entregou ao marido sem outra palavra. Xander
aproveitou a oportunidade para escapar, molécula por
molécula, sobre metal frio e boca dura de goma seca, em
direção à porta deslizante traseira.
Morgan não estava no carro seguinte. Ou o próximo.
Ele não começou a entrar em pânico até a terceira
parada, depois que ele passou por todos os carros na linha e
não a encontrou. Estranhamente, ele não encontrou nenhum
cheiro dela em qualquer lugar, exceto perto da porta onde ela
entrou. Quando ele flutuava invisível acima, ouvindo um par
de adolescentes discutindo os prós e contras do rap contra o
metal, ele percebeu.
Morgan entrou e saiu na mesma parada.
Enquanto esperava o que parecia uma eternidade,
espalhado como a fumaça contra a parede de azulejo na
plataforma do Metrô para o próximo carro que iria levá-lo de
volta para o Barberini Fontana di Trevi, Xander começou a
reavaliar a situação.
12
Boa noite. (Italiano)
muito perto. Seu olhar nunca se levantou do nível de seu
peito. Ele disse algo mais em italiano que ela não entendia,
uma pergunta.
— Tatuagem? — Ela apontou para seu quadril
direito. — Aqui?
Ele deixou seu olhar se desviar do peito até o quadril. —
Sì, — respondeu ele, não totalmente estável e umedeceu os
lábios. Mais algo ininteligível em italiano seguiu, mas não
sentiu falta da sugestão ou da maneira como olhou para as
pernas nuas.
Ela se virou, foi até a porta da frente da pequena loja,
trancou a porta. Quando ela se voltou para ele, ele estava
olhando para ela com uma combinação divertida de terror e
antecipação, torcendo as mãos.
Ela caminhou em direção a ele devagar, ainda com o
sorriso.
— Sim, esta é a sua noite de sorte. Infelizmente para
você, meu amigo sujo – acrescentou, estendendo a mão para
tocar seu braço. — Você não vai se lembrar de nada disso.
Depois da tatuagem – que a fazia feliz na maneira como
as crianças pequenas são felizes na manhã de Natal.
Ela passeou até II Corso, a via principal de volta para o
hotel. Ela estava cansada, com fome e dor de seu salto
anterior e de onde a agulha perfurou sua pele. Quem diria que
um quadril pode ser tão sensível? Tudo o que ela queria agora
era algo para comer, um banho e cama.
A sorveteria era charmosa, pequena como todas as
outras lojas na II Corso e ainda cheia com pessoas embora a
hora fosse tarde. Ela escolheu um pistache – grande e o
comeu com uma pequena colher de pau enquanto vagava,
pensativa, pela avenida.
O que Xander estava fazendo agora?
Ela não tinha dúvida de sua fúria. Em seu lugar, ela
sentiria o mesmo. Mas ela não sentia pena dele. Ela pensou
que ele precisava muito de um balde de água fria para apagar
o fogo que era seu ego. Tão certo de si mesmo, tão
confiante. Tão dominador. Muito irritante.
Embora uma pequena parte dela estivesse contente com
a distração. Isso a impediu de pensar demais no relógio de sua
missão.
Talvez ela tivesse ido longe demais, no entanto. Se ele
realmente pensava que a perdeu, estaria ao telefone com
Sommerley em um piscar de olhos, chamando reforços. Ela
não tinha dúvida de que pudesse escapar dele novamente, mas
uma cidade cheia de Ikati, todos com a intenção de encontrá-
la, era outra situação completamente diferente. O
pensamento lhe deu arrepios.
Ela seguiu para o hotel a um ritmo mais rápido, jogando
seu recipiente de sorvete vazio em uma lata de lixo na calçada
enquanto caminhava.
Nada. Ele não encontrou nada dela, nem mesmo um
traço de seu perfume. Não na estação de Barberini Fontana di
Trevi, não na fonte barroca da obra-prima de Tritão que se
precipita na praça acima, não ao longo da elegante e agitada
Via Veneto, nem nos bairros comerciais ou no labirinto de
pequenas ruas construídas na Idade Média do Piazza Navona.
Ela se foi. Desapareceu.
E ela nem sequer tinha o dom de vapor para explicar
isso, embora ela usasse o colar e não teria sido capaz de mudar
de qualquer maneira. Ele voou alto sobre a cidade, distrito
após distrito passando por baixo em borrões de cor pintada,
sua fúria com ele aumentando a cada segundo passado.
Uma criminosa conhecida. Uma ameaça para a
tribo. Um peão do inimigo. Como poderia deixá-la escapar?
Quando a luz apareceu levemente verde ao longo do
horizonte oriental, ele finalmente desistiu. Ele voltou para o
Coliseu e retomou sua forma humana, recuperou suas roupas
e lâminas, vestiu-se, então tomou um táxi de volta ao Hotel
de Russie, ao mesmo tempo tentando descobrir exatamente o
que ele diria a Leander e à Assembleia de Sommerley.
Desculpe, mas perdi a única pessoa que poderia destruir
a todos. Desculpe?
De alguma forma ele não achava que isso seria suficiente.
No hotel, passou pelo porteiro e tomou o elevador até o
último andar. Uma vez na porta da suíte de Nijinsky, ele nem
sequer se incomodou com a chave. Ele apenas passou através
disso, roupas e tudo, e veio a uma parada abrupta dentro do
foyer de mármore.
Uma suave respiração vinha da cama king-size.
Alguém estava dormindo na cama.
Assim que o pensamento passou por cima dele e ele
pegou suas facas, a cheirou, açúcar quente e mulher, e
congelou em descrença.
Ela voltou.
Ela voltou.
Continuava repetindo em sua cabeça como um disco
quebrado, ancorando-o ao chão com a impossibilidade
absoluta dele. Então outro pensamento, ainda mais confuso:
Por quê?
A liberdade era dela. Ela – inconcebivelmente – o
ultrajava, ela tinha os recursos para orquestrar sua fuga para
qualquer canto distante da terra, mas ela voltou. O alívio que
surgia através dele era frio e espinhoso, tão palpável como a
chuva. Ele foi seguido por um emocionante desejo de saber
exatamente o que fez esta perigosa, enlouquecedora,
encantadora mulher, voltar.
Sem fazer um som, sem ligar nenhuma luz, Xander
atravessou a sala de estar elegantemente decorada e entrou na
suíte máster para ficar ao lado da cama. Ele olhou para seu
rosto adormecido por vários minutos, apenas observando-
a. Suas mãos estavam dobradas sob sua bochecha como se
estivesse em oração; seus cílios fizeram uma curva preta
sedosa sobre suas bochechas. Seu cabelo derramou chocolate
escuro e espalhado sobre os travesseiros; aqueles lábios
cheios, sempre vermelhos mesmo sem batom, eram macios e
ligeiramente separados. Ela parecia linda, inocente e
totalmente em paz.
Ele estaria bem dentro de seus direitos de matá-la agora
e não esperar as duas semanas.
Não, pensou imediatamente. Não. Aquele corpo, o
rosto, os lábios de rubi de pelúcia.... Não.
Então ele amaldiçoou sua própria estupidez e se
perguntou o que estava errado com ele. Ela era um
desertor! Era uma traidora! Ela era... bonita.
Misteriosa. Forte.
Ele fechou os olhos, esticou o pescoço para trás e sibilou
uma respiração longa e calma, com os dentes cerrados. Em
seguida, retirou-se para a segurança de uma poltrona de couro,
colocada diagonalmente em frente à cama num canto da sala,
tirou as facas de suas bainhas na parte inferior das costas e se
acomodou com suas mãos entrelaçadas para esperar.
Quando Morgan abriu os olhos pela manhã, Xander
estava de pé na beira da cama, olhando para ela com olhos
ardentes e derretidos. Em suas mãos estava um par de facas
de aparência perversa.
Sentou-se tão abruptamente que os travesseiros de penas
de ganso deslizaram para fora da cama. Mesmo enquanto
olhava ao redor selvagemente procurando algo para apunhalar
sobre a mesa de cabeceira, sim! Ele estava recuando,
abaixando as mãos para os lados.
— Desculpe — disse ele. — Eu não queria te assustar.
Ele parecia querer dizer isso porque se retirou até a porta
do quarto antes de colocar as mãos nas costas e enfiar as facas
na cintura. Então ele ficou ali, olhando para ela
silenciosamente, com as mãos soltas nos lados.
— Excelente plano, — disse ela, o coração trovejando,
— Porque ficar de pé sobre uma pessoa dormindo, segurando
facas não é nada assustador.
Nenhuma resposta. O modo como ele olhou para ela,
procurando ardentemente intenção, trouxe o sangue para suas
bochechas. Ela puxou os lençóis até o queixo e olhou
desafiadoramente para trás.
— Você voltou. — Sua voz era diferente de ontem. Tão
grave, mas mais suave de alguma forma.
— Eu nunca saí, — ela respondeu, cruzando os
braços. — Eu apenas.... Eu apenas...
Inclinou a cabeça num movimento afiado, parecido com
uma ave, que trazia à mente uma ave de rapina que uma vez
vira caçar um coelho branco na Floresta Nova. Não terminou
bem.
Ela se levantou, puxou o lençol do colchão, e o envolveu
em torno de seu corpo. Ela usava uma camisola e calcinha e
nada mais e de repente se sentiu muito exposta.
— Estou faminta. Acho que o café da manhã será
necesário antes de começar.
Ele franziu o cenho para ela como se estivesse falando
em uma língua estrangeira e deixasse seu olhar ardente
flutuando sobre o lençol, enrugado até as dobras em seu
punho.
— Começar, — ele repetiu com sua voz rouca. O sangue
de suas bochechas ardia mais quente. Ele também parecia
morto de fome, mas talvez não da mesma maneira que ela. O
pensamento a perturbou. — A nossa pequena missão aqui.
Ele piscou. Seu olhar voltou para seu rosto.
— Encontrar o Expurgari, — ela articulou quando ele
ainda não falou.
Uma de suas sobrancelhas se ergueu e,
surpreendentemente, um canto da boca dele.
— Oh. Isso. Achei que você poderia querer começar
com entusiasmo.
Seus lábios se curvaram. — Eu penso que tive minha
diversão para começar ontem à noite, enquanto eu estava... —
fazendo minha tatuagem, ela quase disse, mas pensou
melhor. Sua mão livre deslizou para baixo para traçar a carne
dolorida em seu quadril, e seus olhos seguiram o movimento,
ávido. — Fazendo passeios turísticos — concluiu ela.
Olharam silenciosamente um para o outro. Lá fora, no
alvorecer rosa, os sinos das igrejas começaram a soar, lindos
e melancólicos. A luz do sol fluía de ouro pálido e brilhava
através da fenda das cortinas de seda para se acumular no
tapete entre eles, tão brilhante que quase machucava seus
olhos.
— Você vai fugir de novo? — Sua voz era
estranhamente cortês. Isso a fez suspeitar.
Talvez ele estivesse rindo da sua cara.
— Só se você deixar mais notas grosseiras, — ela
respondeu, então caminhou ao redor da extremidade da cama,
foi para o banheiro. Ela parou na porta e olhou para ele por
cima do ombro.
— Não! — disse ele, muito sério. — Não vou.
— Bem, então não. — Ela ainda não tinha certeza se ele
estava zombando dela. Mas o jeito que ele olhava para ela não
era zombador. Sua expressão era ao mesmo tempo grave e
vagamente confusa inefavelmente curiosa.
E... Com fome.
Uma onda de calor passou entre eles, brilhante como
perigo. Isso a fez dar um passo para trás, para além da porta
do banheiro. O mármore era um choque frio sob seus pés.
— Ah, você se importa se eu...? — Ela gesticulou para o
chuveiro, tomando cuidado para não permitir que sua mão
tremesse.
— Claro, — disse ele, inclinando a cabeça. Ele deu um
passo para trás, também, para a sala de estar. — Eu estarei
esperando por você.
Isso, ela pensou com firmeza ao fechar a porta do
banheiro, é exatamente com isso que eu estou preocupada.
Morgan estava sob controle pelo tempo que o café-da-
manhã foi servido.
O café era pitoresco e ensolarado, situado em frente do
Keats-Shelley Memorial House13 na base da Escadaria da
Espanha. Possuía uma excelente vista na escadaria do jardim
no terraço, com a sua fúcsia tumultuada de azaleias, o
imponente volume renascentista da igreja Trinità dei Monti
empoleirado no topo e os turistas que passavam pela Piazza
di Spagna como tantos tagarelando, pássaros exóticos. Era
13
A casa memorável de Keats-Shelley é museu da casa de um escritor em Roma, Itália, homenageando
os poetas românticos John Keats e Percy Bysshe Shelley. O museu abriga uma das coleções as mais
extensivas do mundo das memorabilia, das letras, dos manuscritos e das pinturas relativas a Keats e
Shelley, assim como Byron, Wordsworth, Robert Browning, Elizabeth Barret Browning, Oscar Wilde e
outros.
escolha de Xander; ele a guiou até lá com uma mão levemente
apoiada sob seu cotovelo, a quadra inteira do hotel.
Sentaram-se agora em silêncio na sombra de um guarda-
sol branco, olhando para tudo, menos um para o outro.
A garçonete veio com seus copos cheios de expresso
e partiu com um arco.
— Assim. Qual é o seu plano? — Xander tomou um
gole da pequena xícara de porcelana. Em sua mão grande
parecia uma coisa de criança, pequena e facilmente quebrável.
— Esperava que tivesse um.
Morgan se mexeu em sua cadeira, acomodando-se
melhor em suas costas amortecidas, e levantou sua própria
xícara para seus lábios. Ela engoliu e provou o céu: uma
pequena dose de café tão fino e forte e doce que era quase
uma sobremesa, coberto com um creme suave de espuma.
— Deus, isso é bom, — disse ela. Ela terminou em um
longo gole e suspirou de prazer.
Ao lado dela, Xander sorriu.
— Você não tem café expresso na Inglaterra?
— Chá — disse ela. — Chá muito fino, mas nada como
isto. Isto é... — Ela lutou por um momento até que ele
forneceu a palavra perfeita.
— Decadente.
Ele virou a cabeça para olhá-la, e a luz do sol atrás da
cabeça dele agarrada em seu cabelo escuro era como uma
auréola com chama azul. Voltou a surpreendê-la, como era
belo, quão selvagemente gracioso, ao mesmo tempo mítico e
ameaçador. Havia algo estranhamente condenado sobre ele
também, um ar de tristeza cansada como a memória de muitos
pecados.
Como um anjo caído, ela pensou, e teve que desviar o
olhar.
— É melhor do que o que temos no Brasil também.
Ela olhou para ele, observando como ele drenou sua
xícara e a colocou para baixo, cada movimento elegante e
livre. Ele olhou para ela, descansou seu cotovelo no braço de
sua cadeira, então esfregou um dedo em seus lábios cheios em
um gesto lento e pensativo que também conseguiu parecer
profundamente erótico.
— Nosso expresso é cultivado em altitudes mais baixas,
em solos não vulcânicos. As misturas italianas são mais
refinadas.
— Por que a altitude faz a diferença?
— Como as uvas do vinho, somente os grãos de cafés
cultivados em grandes altitudes em solo rochoso e inóspito
produzem o melhor fruto.
Ela levantou uma sobrancelha.
— É a luta que os refina, — explicou, — O desafio. Dê-
lhes muita água, luz do sol e solo fértil e eles crescem gordos
e sem gosto, como uma uva Concord, apetitoso apenas
quando saturado com açúcar e feito em geleia. Ou murcham
e morrem de tédio. Como pessoas. Os melhores são
sobreviventes. Despojados de palha, refinados pela luta e
dificuldades, eles são tornados complexados e potentes pela
sua própria resistência e capacidade de prosperar apesar da
privação.
Poético, pensou. Meu assassino é poético.
— Então, — Morgan disse, olhando para ele de súbito
sob seus cílios, — qual é você, então? Uma uva gorda de
geleia?
Ele sorriu irônico. — Não. — Seu olhar passou
rapidamente por ela, uma vez, avaliando ardentemente. — E
nem suspeito que você seja.
A comida chegou. Pratos carregados com presunto,
manteiga, torradas, bolinhos e ovos cozidos com tomates, pão
torrado e muito mais do maravilhoso café expresso. Morgan
cavou em seu prato, tentando evitar o olhar ardente que
Xander apontou em sua direção.
— Pensei que talvez as áreas mais cheias primeiro – ela
ofereceu em torno de uma mordida de torradas com manteiga
uma vez que o garçom recuou. — As áreas turísticas. Roma
antiga, o Monte Palatino, lugares como esse.
— Mais visitas turísticas — disse ele, com um tom que
indicava sua desaprovação a esse plano.
Ela engoliu seu pedaço de torrada e lhe enviou um olhar
gelado. — É apenas um jogo de números. Jenna não viu sua
localização direta, então eu tenho que começar em algum
lugar. Podemos eliminar as maiores, mais óbvias armadilhas
turísticas em primeiro lugar, em seguida, mover para as áreas
externas, se não encontrar nada. Mas tenho a sensação de que
vamos.
— Você acha que eles estão escondidos à vista?
— Por que não? — Ela deu de ombros. — Nós
fazemos.
Seguiu-se um silêncio longo e desconfortável. Ela
comeu, tentando ignorá-lo enquanto ele ainda estava como
uma pedra em sua cadeira, examinando-a com um olhar tão
pesado que era sensível ao toque. Calor esquentou suas maçãs
do rosto, a adrenalina correu percorrendo suas veias. Mas ela
foi firme, não, não. Não iria olhar para ele.
Finalmente ele falou, e ela instantaneamente desejou que
não tivesse.
— Por que você fez isso?
Concentrando-se no conteúdo de seu prato, espetou um
pedaço de melão maduro nos dentes de seu garfo, dobrou
uma tira fina de presunto sobre isso e levantou para a
boca. Derretia em sua língua, salgado e doce.
— Eu pensei que não precisava lhe dizer. Eu não estava
fugindo. Eu só queria olhar um pouco antes de começarmos.
— Não foi isso que eu quis dizer. E você sabe.
Sua voz era tranquila, apenas audível sobre dois
cavalheiros idosos na mesa ao lado discutindo vigorosamente
sobre um jogo de xadrez. Apesar de tudo, olhou para ele,
esperando encontrar escárnio ou desprezo. Mas havia apenas
curiosidade, isso e algo mais profundo, algo indefinível que
brilhou escuro nas profundezas douradas de seus olhos. O ar
entre eles estalou.
Apreensiva e desconfortável baixou o olhar para o
prato. — Que diferença faz? O que está feito está feito. —
Ela arremessou selvagemente outro pedaço de melão, então
deixou cair o garfo em seu prato com um estrondo e sentou-
se contra sua cadeira, seu apetite desapareceu.
— De fato, faz muita diferença.
— Para quem? — Respondeu ela, infeliz. Sua sentença
era de ferro, seu destino estava selado. Por que já não fazia
diferença para ninguém.
— No final, tudo importa — foi a sua resposta
enigmática. — Os grandes triunfos e fracassos são o que mais
nos lembramos, mas todos os pequenos momentos estúpidos,
todos os detalhes esquecidos de sua vida também são
importantes. Tudo é importante, porque tudo se resume a
quem você realmente é.
Surpresa, olhou para ele. Esse olhar de curiosidade ainda
estava lá, intenso e incansável, e ela estava presa nele, suspensa
como um fóssil preso em âmbar líquido. De repente, sua
apreensão e infelicidade desapareceram e ela sentiu apenas
aquele estranho botão de esperança novamente, aquele que
tomou raízes na noite passada. Queimou em seu coração
como uma lança de fogo.
— Quem eu realmente sou, — ela repetiu incerta. Isso
era um teste?
Ele assentiu com um pequeno movimento de sua
cabeça.
— Eu não sou nada. Eu não sou ninguém. Eu... — ela
limpou a garganta, miserável, —.... Sou uma traidora. —
Murmurou, com um sotaque quase imperceptível na primeira
palavra.
Seus olhos eram hipnóticos, a luz do sol e a sombra,
procurando e ardendo e lavando-se com a tristeza antiga que
escurecia sua luminosidade pura, mas lhe permitia vislumbrar
um poço de tormento tão profundo, tão insondável, que era
assustador. Por um momento, enquanto a observava, sua
máscara de perfeita indiferença escorregou e ela vislumbrou
algo que reconheceu muito bem.
Dor. Assim como ela, esse belo e impenitente assassino
sentia dor.
No espaço de um momento para o outro, algo vital
mudou.
— Você nunca quis um tipo diferente de vida? — Ela
falou, sem pensar. Isso saiu pequeno e suplicante. Cru.
— Um tipo de vida diferente — ele ecoou vazio.
— Isso foi tudo que eu sempre sonhei desde que era uma
menina, — ela correu em frente. — Algo mais. Alguma
coisa.... Outra coisa. Qualquer outra coisa. — Ela apontou
para as pessoas passando por eles, os garçons assobiando, os
jogadores de xadrez discutindo, um par de freiras em hábitos
negros andando de braços dados em direção à igreja. — O
que eles têm, mas eu nunca vou ter.
Sentou-se em absoluto silêncio, observando-a com olhos
sem pestanejar, o rosto rígido.
— Liberdade.
— Sim, — ela disse surpresa que ele adivinhou. —
Liberdade, independência e, especialmente, a escolha sobre
quem podemos amar. — Seu rosto ficou pálido quando ela
disse aquelas palavras, mas ela continuou ignorando-o. — “A
pessoa deve morrer com orgulho quando não é mais
possível viver com orgulho.” Sabe quem disse isso?
Ele não hesitou. — Nietzsche.
Ela riu surpresa novamente. — Um assassino
existencialista! Sim, Nietzsche. E ele estava certo.
— A morte é sempre preferível a uma vida encadeada. Se
nada mais, pelo menos, deveria ser permitido isso. — Suas
mãos tremiam. Ela as puxou para o seu colo, apertando-as
com força. — Mas não somos. Não nos é permitido nada. E
para mim, para uma mulher...
Sua voz se apagou. Houve silêncio entre eles por um
momento antes que ela retomasse baixo, para as mãos. — Eu
pensei que me tornar um membro da Assembleia fosse mudar
isso. Eu pensei que ser mais dotada do que a maioria dos
outros homens em nossa colônia iria mudar isso. Eu pensei
que se eu trabalhasse duro e tentasse o meu melhor para ser
como eles.... Para me encaixar.... Eu pensei que as coisas
poderiam ser... Diferentes.
Ele não se moveu ou, ao que parecia, respirou fundo. Ela
olhou para ele, procurando.
— Mas eu estava errada.
— A nova Rainha — ele começou, mas ela balançou a
cabeça e cortou-o.
— Eu não sabia. Isso foi antes. E agora... — Ela mordeu
o lábio, lutando contra o súbito e assustador ataque de
lágrimas. — Agora é tarde demais.
— Eles te prometeram liberdade. O Expurgari
prometeu-lhe a liberdade. — Ele disse isto suavemente, não
como uma acusação, mas como se ele entendesse.
Morgan sabia em seu coração que ela era uma
covarde. Ela era corajosa, esperta e autossuficiente, era muitas
coisas de que sua mãe teria se orgulhado, se tivesse vivido para
vê-lo, mas ela era uma covarde porque não podia suportá-
lo. O isolamento, a opressão, o segredo e o silêncio, o
esmagador peso do legado de sua linhagem e seus dons.
Todos os outros na tribo poderiam suportá-lo. Tinham
milênios. Mas não ela.
Preferia morrer.
— Quando eu mudei pela primeira vez aos quinze anos,
— disse ela, lutando para manter a compostura, — Fui levada
perante o Guardião e o Casamenteiro para que pudessem
determinar quem seria um bom par de linhagem de Sangue
para mim. Porque eu tinha o dom da sugestão, eu era mais
valiosa para eles. — Ela olhou para Xander. — Como
reprodutora. — Ela respirou fundo e continuou. — Eles
queriam que eu reproduzisse na linhagem do Alfa, mas eu
sabia o que isso significava – a menor quantidade possível de
liberdade concebível. Então ameacei me matar. Você não
pode imaginar o alvoroço que isso causou. — Sua mão se
moveu para cima para tocar nos anéis de metal ao redor de
seu pescoço. — Eles ameaçaram colocar o colar, mas eu não
me movi. Eles cederam, em parte porque acho que meu pai
era muito valioso para eles...
— Por quê? — Xander interrompeu intenso.
Ela levantou seu olhar para o dele.
— Dinheiro. Ele lidou com os investimentos da
tribo. Ele sabia tudo, onde tudo estava, o quanto
valíamos. Tudo. Dia e noite, contando, contando, contando.
Registros e participações e contas bancárias. Ela voltou
à cabeça e olhou para a praça movimentada, para uma criança
cigana com enormes olhos escuros e roupas sujas, implorando
dinheiro na base da Escadaria da Espanha.
— Especialmente depois que minha mãe morreu.
— Ele a amava?
Assustada, ela olhou para ele. Ele a observou com
intensidade de laser, sem piscar.
— Sim. Eles... foram um arranjo, mas eles se amavam.
— Então você era uma criança do amor.
Ela olhou para ele, em branco. Amor?
— Você foi concebida com amor, — ele insistiu.
— Eu sim. Eu acho que sim, se você colocar dessa
maneira. Acho que sim.
Ele assentiu com a cabeça, como se isso o satisfizesse, e
ela corou vermelha, envergonhada com o giro na conversa e
completamente confusa. Por que diabos ela estava falando
sobre o amor com o homem encarregado de terminar com
sua vida se ela falhasse em sua missão?
— Você foi? — Ela retrucou, na defensiva.
Seu rosto mudou. Um piscar de emoção sem nome,
estava aqui e então se foi.
— Minha mãe sofreu o destino que você teve a sorte de
evitar.
Ela piscou, entendendo. — O Alfa.
Ele assentiu. Um músculo se contraiu na sua mandíbula.
— Ela é Dotada.
— Ela era, — ele corrigiu, e agora, percebendo o que ele
queria dizer, ela estava arrependida por ter perguntado.
— Oh. Sinto muito. O que aconteceu?
Ele segurou seu olhar por outro momento, ainda em
branco, então inalou e recostou-se em sua cadeira. Ele
desviou o olhar e passou a mão pelo cabelo cortado e segurou-
o por um momento, um gesto não estudado, masculino e
inconsciente e de algum modo íntimo. Sua voz estava muito
baixa.
— Ele não era um homem gentil.
Isso a deixou gelada. Ela só podia imaginar as
atrocidades por trás dessas palavras simples e
sucintas. Mesmo Leander, Alfa de Sommerley, com toda a sua
sofisticação e elegância, até mesmo ele era um assassino por
baixo de tudo isso. Todos os Alfas de sua espécie nasceram e
foram criados para uma coisa, e uma só coisa: a dominação.
— Não, — ela disse calmamente depois de um
momento. — Eles nunca são.
Ele não respondeu, e ela se sentou olhando para seu
perfil, delineado contra o sol da manhã, brutalmente bonito e
duro. Já conhecera o Alfa de sua colônia, um homem
chamado Alejandro...
— Você é filho de um Alfa, — disse ela,
curiosa. Leander nunca permitiria que nada estivesse entre ele
e seu direito de primogenitura. — Por que você não é Alfa da
colônia de Manaus agora?
Aquele tremor na mandíbula novamente, mas isso foi
tudo. Ele olhou para ela, seus olhos dourados.
— O destino escolheu meu caminho. E eu segui.
Ela franziu o cenho para ele, esperando mais, mas ele só
virou a cabeça e dirigiu seu olhar para os turistas que
passavam, balançando em um mar de cor e barulho.
— Você é o assassino mais estranho que já conheci, —
ela declarou indecisa novamente se ele estava zombando ou
apenas sendo evasivo. Toda essa conversa fez sua cabeça
girar.
— Você está familiarizada com muitos assassinos? —
Perguntou ele secamente, à vista do palácio.
Ela empurrou outro pedaço de melão maduro, ergueu-o
até os lábios e comeu. — Nenhum que leu Nietzsche e falou
sobre o amor e o destino ao mesmo tempo, — murmurou ela.
Ele riu suavemente. — Eu tive uma educação incomum.
Ela bufou. — Eu aposto que teve...— Ele ficou rígido
em sua cadeira e chicoteou a cabeça ao redor tão rápido que
foi um borrão preto em sua visão periférica. Ele sibilou baixo,
através de seus dentes, e deu um grunhido profundo de aviso
através de seu peito. Todos os pequeninos pelos em seus
braços estavam em pé.
— O que é? — Ela disse, endurecendo.
O ar ao redor deles parecia se encolher e brilhar, e ela
sentiu sua raiva e adrenalina pulsarem sobre sua pele em ondas
aquecidas e perigosas. Os homens que discutiam na mesa
seguinte ficaram em silêncio, e ela se perguntou se sentiam a
súbita mudança atmosférica, mas ela não se atreveu a olhar.
— Abra seu nariz, — ele rosnou escanceando o
palácio. Seus lábios desceram para revelar um conjunto de
dentes brancos, brilhantes e cintilantes. Sua mão foi até sua
cintura.
Ela olhou ao redor. O café, a multidão que passava a
manhã brilhante e ensolarada – ela não via nada fora do
comum.
— Seu nariz, — ele assobiou e levantou
abruptamente. Sua cadeira derrapou para trás e caiu com um
ruído nos paralelepípedos.
Houve um murmúrio de uma mesa de mulheres jovens,
quando elas notaram Xander pela primeira vez; alguns
suspiros macios subiram de outra. A conversa ao redor deles
cessou, exceto por alguns murmúrios assustados. E ela podia
entender o porquê. Com toda sua altura, em estado de alerta,
o assassino exalava uma corrente de eletricidade feroz,
crepitante, viril e potente, que balançava suas costas em sua
cadeira e a deixava sem fôlego. Mesmo os humanos devem ter
sido capazes de senti-lo, mas se não, ainda havia o fato das
linhas tensas e amarradas de seu corpo, aqueles ombros
maciços e braços, o rosto de um anjo destruidor,
perfeitamente bonito e perfeitamente frio. Ela olhou para ele,
assustada, enquanto uma exuberante onda de calor inundava
suas veias.
— Xander, não há nada — disse ela, horrorizada com a
resposta de seu corpo. Que diabos estava acontecendo com
ela? — Por favor, sente-se, você está fazendo uma cena no...
— Mas então ela percebeu isso. Quente, pesado e peculiar,
uma onda de poder diferente de tudo o que ela já
sentiu. Envelopando. Queimando. Em torno. Sentia-se ao
mesmo tempo íntima e estranha, sondando, e ela sabia sem
dúvida que era para ele. Por instinto ela inalou e pegou o
cheiro de raios e fumaça, uma picada persistente como
pólvora na parte de trás da língua. Suor, almíscar e suculência,
masculino e embriagador.
— Alfa, — ela respirou, saboreando a verdade com cada
nervo em seu corpo. — Meu Deus é um Alfa.
E não um deles, ninguém de nenhuma das quatro
colônias Ikati parecia com isso. Embora fosse
indubitavelmente um dos seus, um macho de sua espécie, ele
tinha um cheiro diferente. Ele tinha um gosto diferente. Sua
aura era perfumada escura, tão escura, como vinho quente,
especiarias e violência, como segredos, sussurros e túneis sob
a terra. Intoxicante e assustador, a segurou congelada em sua
cadeira, hipnotizada.
— Encontre-o, — Xander ordenou, seus olhos juntando
a multidão que passa.
Sem hesitar, Morgan fechou os olhos e concentrou-se.
A multidão desapareceu. Tudo ficou em silêncio. Havia
apenas ar quente, a cadeira debaixo dela e a beira de vidro da
mesa, fria debaixo de seu pulso. Ela expulsou sua consciência
em anéis rápidos e concêntricos, envolvendo tudo ao seu
redor. Os seres humanos quentes e edifícios sólidos e o nervo
cortado das árvores, dos guarda-sóis de lona e de toda a forma
dos objetos inanimados, maçantes e do roçar doce do vento
da frota dos barulhos que voam através do ar. Carros
passaram por alguns quarteirões mais, um avião voou por
cima, duro e rápido e metálico.
E então – oh, e então.
Ela colidiu com ele e ofegou.
Ele era poderoso, escuridão e sombrio, a necessidade de
agarrar, um puxão assustador e gravitacional, forte e
elementar. Ela sentiu como se tivesse entrado na atmosfera de
um enorme buraco negro e estava em perigo de ser sugada e
engolida.
— Nos degraus, — ela ofegou, puxando para trás do
contato com um esforço que lhe causou uma dor quase
física. — No topo da Escadaria de Espanha, ele está lá!
Ela abriu os olhos, virou a cabeça, e através do mar de
pessoas, cor e movimento, encontrou-o.
Ele estava parado e silencioso no degrau mais alto da
escada branca e abrangente, apoiado na balaustrada com as
mãos tão apertadas sobre a beira curva que seus nós dos dedos
estavam brancos. Ele era alto e grande - não tão musculoso
como Xander, mas tão substancial quanto – com cabelos
pretos começando a ficar cinzentos nas têmporas. Vestido de
branco elegante e imaculado, ele se destacou no tumulto de
cor ao seu redor, e o poder de sua brilhante presença fez tudo
ficar cinza como um brilhante raio de sol contra as nuvens.
Seu rosto era sombrio ainda que atraente, abençoado
com a graça dura e inegável beleza compartilhada por
todos Ikatis, uma beleza que fez cabeças girarem para outro
olhar enquanto ele estava olhando para ela com olhos tão
afiados que suas estranhas estremeceram.
Eles eram negros. Carvão. Plano e sem fim. Tinha a
impressão de ser sugada de novo na gravidade, de cair. De
afogar.
Então Xander moveu e libertou-a. Ele saiu em uma
corrida, brutalmente empurrando através da praça, deixando
uma fileira de turistas amaldiçoando em seu rastro. Ele
navegou sobre a enorme fonte de água no seu centro em um
pulo voando e aterrissou do outro lado – uma proeza que
nenhum ser humano jamais conseguiria, evidenciada pelos
rostos espantados de todos que o viram – e continuou
correndo em linha reta. A escada larga e arrebatadora e o
homem de pé perto do topo.
O homem de branco não se moveu enquanto observava
a aproximação de Xander. Ele manteve-se perfeitamente
imóvel, seu olhar treinado nele, usando uma expressão de leve
irritação, mas não medo ou surpresa, quase como se esperasse
exatamente esse cenário.
Seu olhar foi novamente para Morgan. Sentada
perfeitamente imóvel sob o peso frio, rígida como pedra,
achando difícil respirar.
Houve uma voz dentro de sua cabeça, e então a
respiração tornou-se impossível.
Você será minha. Bela estrangeira, sangue do meu sangue, você
será minha.
Assim que Xander alcançou o primeiro nível da escada,
o homem de branco virou-se e desapareceu na multidão.
Xander o viu se virar e desaparecer, e ele correu ainda
mais rápido.
Numa arrancada simples, ele subiu os degraus de três em
três, batendo com força os braços e as pernas, empurrando as
pessoas ou colidindo com elas, derrubando-as, mas ele não
parou nem se demorou.
Um alfa. Em Roma.
Impossível.
Em todas as quatro colônias de Ikati, Inglaterra, Brasil,
Quebec, e Nepal – não havia ninguém desaparecido. As
viagens eram severamente restringidas, os encarregados pelas
linhagens eram cuidadosamente mantidos; todos conheciam
todos e sempre conheceram. Nem sequer havia meios-
sangues dispersos, desde que a nova Rainha fora
encontrada. E os poucos desertores que tiveram nas últimas
décadas foram todos capturados e devolvidos, ou mortos,
mais a seu próprio crédito. O fato de que um macho de sua
idade e potência não tivesse sido detectado e passasse
despercebido era impossível.
Mas de alguma forma aconteceu.
Ele alcançou o nível superior da escada no terraço e
derrapou até parar, examinando a multidão, inalando
profundamente. Ele sentiu o cheiro inconfundível de Ikati a
oeste, um vislumbre de poder desaparecendo rapidamente
por uma arborizada rua estreita. Ele partiu atrás disso.
Estava vagamente consciente de pessoas saindo de seu
caminho, do pavimento de paralelepípedos voando sob seus
pés, de seu próprio coração batendo no peito, nos pulmões
que ardiam como fogo. A única coisa em que ele se
concentrava era correr, o mais rápido que podia, e o
pensamento único de que seus nervos, sangue e ossos
continuavam gritando dentro de seu crânio.
Inimigo! Inimigo! Inimigo!
Porque é claro que o homem de branco era seu
inimigo. Um Alfa feroz – com a possível exceção do
Expurgari não havia nada mais perigoso para a tribo que isso,
um fato provado repetidamente ao longo dos séculos. Os
machos alfas das quatro colônias conhecidas eram altamente
agressivos e violentos em relação a outros Alfas. Eles lutaram
pelo domínio, quase sempre até a morte.
Se ele soubesse das outras colônias, faria um movimento
para usurpar seus Alfas. Estava em seu sangue, na estrutura
de seu DNA. E a dominação total era o único resultado
aceitável; também em seu DNA. O que significava a morte de
um alfa ou do outro.
O que significava guerra.
Xander cheirou o desejo do Alfa em primeiro lugar –
direcionado para Morgan, feromônios, animal grosso,
pungente e o choque de fúria que isso lhe deu, enviou uma
enxurrada de agressão assassina através de suas veias.
Ele só podia imaginar o que queria dela, o que queria
fazer com ela, uma fêmea não acasalada, exuberante e
requintada.
Ele amaldiçoou e correu mais rápido.
Ao redor de uma curva na estrada, e ele viu um flash de
branco desaparecendo em um beco. Ele se lançou para frente,
com a expectativa fervendo em seu sangue. Ele desnudou os
dentes em vitória. O homem de branco ficaria preso.
Xander virou o canto do beco e fez uma pausa repentina.
Lá, no final do longo beco, estava o homem de branco.
Segurando uma arma.
Sorridente.
Houve um alto estalo, um alto ruído que ricocheteou nos
altos prédios de tijolos de ambos os lados. Um brilho de luz e
o cheiro de fumaça, e Xander teve tempo suficiente para se
concentrar antes que a bala o atingisse.
Foi um tiro perfeito. Quatro polegadas abaixo da
clavícula no lado esquerdo de seu peito.
Seu coração.
A bala passou pela frente e para fora na parte de trás,
perfurando um perfeito, buraco redondo no tecido de sua
camisa. Ele ignorou o cheiro de linho queimado. Ele
cambaleou de volta com a força e levantou a mão contra o
peito.
— Merda, — ele murmurou, franzindo a testa.
Ele realmente gostava dessa camisa. Ele olhou de volta
para o homem de branco, que abaixou à arma para o seu lado
e estava olhando para ele em incompreensão atordoada.
— Surpresa — disse ele e ofereceu ao estranho um
sorriso próprio. Então ele pegou suas facas.
Morgan teve de se livrar dos sapatos para poder correr –
o segundo belo par que deixava em menos de quatorze horas,
um Louboutin pele de cobra, de seda vermelha – e acabara de
chegar no topo da Escadaria da Espanha quando ouviu o tiro.
Ela congelou. Seu sangue esfriou. Todos ao seu redor
também se congelaram, exclamando em várias línguas, e se
encararam, com os olhos arregalados. Houve gritos em
italiano que mencionavam a palavra polícia, e ela não queria
ficar para isso. Ela se virou e correu para uma rua lateral com
o perfume de Xander flamejante quente em seu nariz.
Ela rodeou o canto do beco bem a tempo de vê-lo atirar
uma estrela no homem de branco. Pouco antes do impacto,
seu alvo dissolveu em um fino spray de névoa, e a estrela
pegou a gola da camisa branca agora vazia e incorporou-se na
parede de tijolos atrás dele com uma conversão. Pendurada
pelos picos da estrela como uma camisa pendurada para
secar. A névoa que tinha sido o homem de branco aderiu e
subiu rapidamente em plumas cinza.
A força de sua transformação a fez ofegar. Ele era
incrivelmente poderoso, tão poderoso quanto o pulsar de
energia que a chocara tanto quando Xander deslocou no
Coliseu na noite anterior.
Era sempre assim com um Alfa. Poder, paixão e
calor. Depois de seu choque, ela se perguntou de novo por
que Xander não era o Alfa de Manaus – ele era muito mais
forte do que Alejandro, aquele que governava agora.
Movendo-se rapidamente, a nuvem cinza de névoa
desapareceu acima da linha do telhado, calças, sapatos e
roupas de baixo deixados para trás em um monte no cimento
sujo. Xander correu para a pilha de roupas, agachou-se e
rapidamente olhou sobre eles. Ele embolsou algo, então
percebeu que ela estava ali, olhando-o fixamente.
Ele ficou de pé e olhou para trás. Seus olhos eram
ferozes, o ouro iluminado por fogo, inconfundivelmente
perigoso e selvagem.
Ela sentiu a onda de desejo sangrento atravessar seu
corpo e deu um passo para trás, sua mão em sua garganta.
— Volte para o hotel. — Ele estava respirando
pesadamente, mas sua voz estava perfeitamente controlada,
perfeitamente fria. — Espere por mim lá. Não deixe ninguém
além de mim entrar, não importa o que aconteça. Entendido?
Ela assentiu com a cabeça, recuando, sua mão ainda em
sua garganta. Se tivesse tido alguma ilusão da verdade do que
era, se tivesse abrigado alguma esperança secreta por causa da
estranha conversa no café da manhã, ela foi rapidamente
arrancada e queimada pela pura força pulsante da raiva e do
ódio que queimava em seus olhos, brilhante como cometas.
Assassino, pensou. Ele era um assassino. Disso, não
havia dúvida.
Então ele se virou, caminhou até o final do beco, onde
as paredes de tijolos se encontraram atrás de um par de lixeiras
e simplesmente se fundiu no edifício, deixando para trás nem
um único traço que ele estivera lá.
Ele não queria deixar suas facas para trás, então Xander
simplesmente usou a Passagem em vez de Vapor, um dom
conveniente que ele mais de uma vez foi grato por ter.
Dessa forma, ele poderia simplesmente passar através de
material sólido – ou isso passar através dele, como a bala.
Mantendo suas roupas e tudo o que ele carregava com
ele. Qualquer coisa que não fosse muito pesada, isso é, tentou
uma vez passar um desertor de 130 quilos de sua colônia
através das barras de aço da prisão do país em que o
encontrara, bêbado e cheio de mijo, fez a infeliz e horripilante
descoberta de que havia restrições de peso a este dom
particular. O homem chegou a meio do caminho antes que as
coisas ficassem feias. Xander teve que abandonar o corpo,
mas queimou a prisão ao chão, de modo que não havia
evidência da morte incomum do desertor.
Em outra vida ele teria sido um ladrão de gato. Ele
sonhara mais de uma vez com as riquezas que podia acumular,
sem mais esforço do que precisava para se concentrar.
O edifício que ele entrou pela parte de trás foi uma vez
uma casa privada de vários níveis, convertido agora em um
hotel modesto. Uma vez através das paredes, ele se viu em
uma lavanderia, cheia de vapor e coberta de montanhas de
lençóis, fronhas e toalhas. Ele se orientou por um momento,
encontrando a energia abafada do Alfa muito acima dele,
movendo-se rapidamente sobre o telhado. Então ele
começou a correr, esquivando máquinas de lavar, tábuas de
engomar e duas velhas mulheres italianas dobrando toalhas
que gritavam quando ele passou.
Atravessou a cozinha, a sala de jantar e o pequeno
vestíbulo deserto, sem se preocupar em encontrar portas,
apenas atravessando as paredes enquanto ia, e correu para a
rua.
Sua presa estava lá, bem acima, uma faixa de cinza pálido
movendo-se rápida e silenciosamente pelo céu.
Embora fosse tudo o que ele pudesse fazer para manter
o animal debaixo de sua pele de arranhar sua saída, Xander
forçou-se a cair para uma distância mais segura. Um plano se
formou em sua mente. Ele sempre poderia mudar para Vapor
se necessário, mas só não queria jogar essa mão particular
ainda, queria que o homem de branco pensasse que o perdeu
no labirinto enredado das ruas de Roma e Xander o esperaria
para sua tocaia. Se ele pensasse que ainda estava sendo
seguido, as chances de que isso acontecesse eram exatamente
zero.
Xander correu para um pinho de pedra alto, em forma
de guarda-sol e onipresente em torno da cidade, e escalou o
tronco rapidamente, esquecendo em sua pressa de sequer
olhar ao redor para observar os olhos dos pedestres
abaixo. Ele alcançou o topo e firmou-se entre dois ramos
maciços e olhou para fora, sua visão obstruída por nada,
apenas um pequeno ramo com aglomerados de espinhos
pendentes que ele jogou de lado.
Sobre a paisagem de telhados, copas de árvores e torres
de igreja, surgiu uma estrutura maciça e icônica, uma basílica
cruciforme coberta pela cúpula mais alta do mundo. Ela
dominava o horizonte, brilhando enorme e como um
diamante branco no sol da manhã.
Xander assistiu com curiosidade quando a pequena
nuvem cinzenta de névoa abriu caminho acima da cidade,
inclinou-se para baixo em direção à cúpula, e desapareceu na
cúpula que o encabeçava.
— Meu Deus, — ele respirou congelado em choque
horrorizado.
Isso era ainda pior do que ele pensava.
Morgan acordou na escuridão quente, ao som da voz de
Xander em algum lugar próximo, com um tom baixo e
tenso. Fez uma pausa intermitente entre as frases como se
estivesse ouvindo.
— Sim, tenho certeza. Eu sei. Eu fiz, mas ele
desapareceu. Vou tentar novamente em algumas horas. Eu
estive nisso a noite toda. Sim, ela – não, não Leander, isso
não. — Ele exalou em um silvo longo, agravado, então ficou
em silêncio.
Ela se sentou do sofá, piscando na sala escura. Ela sentiu
que ainda faltava um pouco antes do amanhecer; os pássaros
não tinham sequer começado a cantar fora das janelas nas
árvores ainda, e a cidade ainda tinha aquela quietude sonolenta
de manhã muito cedo. Ela esticou-se, estremecendo ao torcer
seu pescoço, e se levantou do sofá, empurrando a caxemira de
marfim de lado.
Foi uma das noites mais longas de sua vida.
O ritmo não ajudou. Preocupação não ajudou. Quatro
doses de uísque muito fino não ajudaram.
Somente o sono proporcionou uma fuga do estado de
ansiedade que ela esteve desde que voltou para o hotel depois
de encontrar Xander no beco, e que foi uma solução
temporária. Agora que ela estava acordada, a ansiedade veio
inundando com toda a força.
O que aconteceu? Ele pegou o Alfa? Ele descobriu
alguma coisa? Havia mais Ikatis dispersos vagando pelas ruas
de Roma? Por que ele não voltou a noite? Como ele poderia
atravessar paredes? Ele estava machucado?
Sua voz veio do quarto principal, e ela olhou para a porta
fechada, se perguntando se deveria bater ou simplesmente
esperar que ele saísse. O som da água corrente decidiu por
ela. Xander estava tomando banho.
Com um suspiro pesado, esfregou os olhos e foi
procurar algo para comer na cozinha.
Ela tomou apenas o café da manhã de ontem, e agora
seu estômago estava amarrado em nós famintos e inquietos.
Além da ampla sala de estar, suíte máster, área de estar,
e um quarto. Uma varanda com vista para os telhados de
Roma, a suíte Nijinsky tinha uma cozinha completa, um bar e
uma sala de jantar separada para dez pessoas. Ela olhou ao
redor da cozinha de mármore e cromo e pensou que poderia
viver muito feliz aqui pelo resto de sua vida. Exceto quando
ela abriu a porta da geladeira, não havia nada além de ar frio
para cumprimentá-la.
Ela franziu os lábios, debatendo. Esperar Xander
terminar seu banho, bater na porta do quarto, e começar a
lidar com a realidade ou pedir serviço de quarto?
Ela pensou sobre a realidade – sua missão, os dias em
rápido declínio até o fim, o que aconteceria se ela falhasse – e
decidiu pedir serviço de quarto. A realidade ganhou.
Ela encontrou o menu sobre a mesa na sala de estar e
pediu o que equivalia a uma refeição grande o suficiente para
cinco pessoas. Chegou em menos de quinze minutos, e ela
deixou que o homem de cabelos pretos que trouxe a comida,
colocasse tudo na longa mesa de madeira polida no terraço,
ao lado de uma treliça coberta de buganvílias escarlates.
Quando ele terminou e fechou a porta, ela olhou para os
guardanapos de linho branco, pratos de cúpula prata e os
copos de suco de laranja fresco espremido, puro. Ainda estava
escuro, e o ar continha um tom fresco, úmido, mas havia uma
leve sugestão de lavanda ao longo do horizonte oriental e ela
sabia que o sol estaria nascendo em breve.
Outro dia. Seu terceiro dia em Roma. Somente onze
sobraram, e então seu destino seria decidido.
Ela prendeu o lábio inferior entre os dentes. E este
assassino que você mandou trazer café da manhã, ela pensou
em um ataque de agitação, será o único a decidi-lo. Sua idiota!
— Oh, pelo amor de Deus, eu ainda tenho que comer,
— ela murmurou, e caminhou em direção à suíte master.
Quando ela bateu na porta, não houve
resposta. Também não havia uma resposta para seu
telefonema, então ela abriu a porta e olhou em volta.
— Xander, — ela disse para o quarto fumegante. — Eu
pedi café da manhã.
Nenhuma resposta. Imaginou-o silenciosamente
sangrando no azulejo no chuveiro, e seu coração fez um
estranho pequeno flip-flop dentro de seu peito.
— Xander, — ela disse, mais alto, passando pela porta e
para o centro da sala — Você está bem? Onde é que... — Mas
ela parou abruptamente porque o viu de pé, de costas para ela,
a cabeça inclinada, as mãos presas na pia de mármore na
frente do grande espelho encharcado. Estava nu da cintura
para cima. Sua pele bronzeada pingava água, seus cabelos
faziam uma touca escura e úmida contra sua cabeça. Uma
toalha branca estava enrolada em torno de seus quadris, e a
ela foi oferecida uma visão espetacular do seu físico bastante
perfeito, a musculatura e proporção que mesmo um
fisiculturista iria invejar.
Mas suas costas. Oh Deus, suas costas.
Nunca viu cicatrizes assim. Longos vergões levantados
em branco, entrecruzados em densos padrões em todos seus
ombros, a parte superior das costas, espinha. Imaginar
exatamente o que causou isso, lhe roubou o ar de seus
pulmões e fez suas pernas ficarem fracas.
Ele lentamente levantou a cabeça e encontrou seu olhar
no espelho. Ele usava aquela expressão morta novamente, a
ausência de todos os sentimentos que a assustara pela primeira
vez que ela vislumbrara seu rosto. Endireitou-se lentamente,
como se isso doesse - e então notou seu peito, refletido em
um contorno nublado no espelho.
Se ela pensasse que suas costas eram uma visão dolorosa,
seu peito era um enigma enlouquecedor. Em ambos os lados
do esterno, ao nível do seu coração, havia marcas em linhas
retas. Marcas pretas nasciam no lado direito em grupos de
quatro linhas com uma quinta em diagonal, marcas vermelhas
nasciam à esquerda, sobre o seu coração. Havia dúzias delas,
mais do que isso, linha após linha de marcas rígidas e sem
beleza. Eram as tatuagens mais estranhas que ela podia
imaginar.
— É uma contagem, — disse ele muito baixo para o
espelho.
Uma terrível ideia começou a se formar em sua mente,
uma que ela sentiu como dedos gelados invadindo seu
cérebro. Ela o empurrou de volta, horrorizada.
Ele se virou e a encarou, sem pressa, sem expressão, com
os braços soltos ao lado. Não fez qualquer tentativa de se
cobrir, nenhuma tentativa de se esconder de seu alarme de
boca aberta, como se estivesse convidando sua
aversão. Como se ele quisesse.
— Vermelho para Ikati, preto para os outros, — disse
ele sem emoção.
E então ela soube.
—As pessoas que você matou, — ela sussurrou,
entendendo além do impulso de enterrá-lo. Seu olhar saltou
sobre seu peito musculoso, tentando não contar, tentando
não imaginar todas as vidas reduzidas a marcas curtas e
bruscas no peito de um assassino. Ela ergueu o olhar para o
seu rosto. — Por quê? — Ela disse em uma voz pequena.
Suas mãos se enrolaram em punhos. — Porque o que?
— Por que você faz as marcas?
A pergunta o assustou. Ele piscou e estava lá de novo,
aquela profundidade patética e urgente, saindo à
superfície. Um flash e desapareceu, sumiu atrás da expressão
de vazio que ela veio a reconhecer como sua máscara, uma
muito boa, muito praticada, uma que escondeu seus
sentimentos genuínos muito bem.
Quase.
Ele respondeu sem inflexão, seus olhos tão vazios
quanto sua voz.
— Assim eu sempre lembro exatamente o que sou e o
que tenho que responder. Então nunca posso me enganar
pensando que sou algo além de um monstro.
Ela respirou profundamente. Um monstro. Isso é o que
eles chamaram ela também.
Seu coração começou a doer, mas não apenas pela
carnificina que presenciou esculpida em sua carne nua, e não
pela linha vermelha que ela sabia que estava esperando por
ela, à última que terminaria um grupo incompleto de quatro,
exatamente acima de seu mamilo esquerdo...
Seu coração lhe doía. Pelo terrível preço que a morte
deve ter tomado sobre sua alma.
Você nunca quis um tipo diferente de vida? Ela
perguntou a ele ontem, pensando apenas em si mesma. Ela se
perguntou agora quantas vezes ele deve ter desejado isso.
— Pedi comida — disse ela, limpando a garganta
grossa. — Eu pensei que você pudesse estar com fome.
Ele olhou para ela como se fosse à última coisa na Terra
que ele esperava. Ela sabia exatamente como ele se sentia.
— Eu apenas.... Espero que você se vista.
Ela se virou e caminhou lentamente do quarto,
deixando-o olhando silenciosamente atrás dela.
Automaticamente, ele se vestiu.
Roupa interior, calça, camisa, sapatos. Facas em suas
botas e cinto, cabelo penteado descuidadamente com seus
dedos. Dentes escovados, relógio preso ao pulso esquerdo,
seu coração como um pedaço de madeira estilhaçada dentro
de seu peito.
Isso era novo. Ele não estava pensando nisso.
Eu pensei que você poderia estar com fome, ela disse em
resposta a sua admissão não arrependida do pecado, e isso era
tudo o que tinha. O sangue em suas mãos mergulhou tão
profundamente em cada poro e átomo; as coisas que ele fez
eram tão terríveis que nunca poderiam ser expiadas. Ele
estava além da salvação, tão longe do limite que ele era quase
um clichê do mal. E, no entanto, ela não o condenará. Ela
apenas olhou para ele com aqueles enormes olhos verdes,
olhou para ele, quase como se ela ...
Não! Pense! Sobre isso!
Encontrou-a sentada à mesa no amplo terraço, olhando
para o brilho rosado do amanhecer. Ele simplesmente a
observou por um momento através da porta de vidro
deslizante. Seu cabelo estava bagunçado e derramado escuro
sobre seus ombros, em torno do lenço de caxemira que ela
envolveu ao redor deles para afastar o frio da manhã. Sua saia
estava enrugada; ela deve ter dormido nela. Ele se perguntou
se ela esperava por ele. Quanto tempo poderia ter esperado
antes de adormecer em suas roupas? O colar de metal ao
redor de seu pescoço adquiriu um brilho rosado na luz, e ele
sentiu um sibilo de descontentamento ao vê-lo contra a fina
pele de sua garganta, delicada como a de um potro.
Duas vezes. Ela teve a oportunidade de fugir agora, duas
vezes, e não tomou qualquer uma.
Ele inalou, afastando suas emoções fragmentadas com
esforço, empurrando para baixo o pensamento que se erguia
espontaneamente dentro dele como uma atração que
balançava para cima, indesejável, da água escura.
Você pode confiar nela.
Não. A confiança era para crianças e tolos. Ele não era
isso.
Sua cabeça se virou e ela olhou para ele através do
controle deslizante. Ela enviou-lhe um olhar fugaz,
interrogativo, em seguida, dirigiu sua atenção para as cúpulas
de prata sobre os pratos na mesa. Ela levantou uma,
cheirando seu conteúdo.
Bacon. Ele o cheirou através do vidro, e seu estômago
grunhiu.
Ele saiu para o terraço e sentou-se em frente a
ela. Nenhum deles falou durante vários minutos enquanto
eles encheram seus pratos e comeram. Os pássaros
começaram a gorjear nas árvores além do pátio cheio de
plantas, hesitantes pequenos petiscos sonolentos no começo
que se transformaram em cânticos de boas-vindas, enquanto
o sol se erguia sobre o horizonte.
— Você não o pegou, — ela disse, afirmando o óbvio.
Ele rasgou um croissant com os dedos. — Não. Eu sei
onde ele foi, no entanto. Vou sair de novo.
— Isso deve ser útil para um assassino. — Ela olhou
para ele. — A caminhada através de paredes, eu nunca vi isso
antes. E você também tem Vapor. Você é muito talentoso.
Ele não respondeu. Sinos da igreja em toda a cidade
começaram a tocar.
— Eu gosto disso, — Morgan disse calmamente entre
as mordidas de ovos mexidos. Xander congelou com o garfo
na metade da boca.
— Os sinos — disse ela, olhando para o prato. — Nós
não temos sinos de igreja em Sommerley.
— Oh. — Seu coração aliviou fora de sua
garganta. Tolo.
Quando conseguiu respirar novamente, sentiu algo
diferente. Ela estava muito sombria. Suas sobrancelhas
finamente arqueadas estavam juntas, sua boca generosa virada
para baixo.
— Você está bem? — Ele disse baixo, sem olhar para
ela.
Ela piscou para ele, assustada. — Eu? — Ela soltou uma
risada pequena e quebradiça. — Eu estou.... Sim! Claro que
estou bem! Eu estou apenas.... Tão...
Então ela cuidadosamente colocou o garfo, deixou cair
o rosto em suas mãos, e ficou em silêncio.
— Morgan. — Disse ele, mais severo do que pretendia.
Ela levantou uma mão. — Só me dê um minuto. —
Então ela pôs a mão sobre seu rosto abaixado.
A impaciência que o açoitava era quase insuportável. Ele
se manteve imóvel, olhando para seus reluzentes cabelos
escuros, o fino corte de suas clavículas expostas no decote
aberto de sua blusa, seus dedos longos e cônicos que apenas
tremiam ligeiramente em seu rosto.
Ele disse seu nome novamente, mais suave. Ela inalou,
então deixou seu fôlego em uma exalação afiada que soou
como se ela chegasse a algum tipo de decisão. Ela levantou a
cabeça e olhou diretamente para ele, e seu olhar estava firme
e claro.
— Eu tenho que saber como você vai fazer isso.
Ele franziu o cenho. Fazer o quê?
— É apenas o não saber. Acho que se eu souber,
posso.... Será mais fácil para mim.
A comida que comeu se transformou em um nódulo
amargo em seu estômago.
— Por favor, me diga, — ela sussurrou. O olhar que ela
lhe deu então, suplicante e vulnerável, quebrou o pedaço de
madeira em seu peito em pedaços.
Empurrando a cadeira para trás da mesa, atravessou o
pátio, parando apenas quando terminou em uma balaustrada
de mármore rosa revestida com cestos de flores. Ele tinha um
pensamento selvagem de saltar. De alguma forma, isso
parecia muito preferível a responder a sua pergunta.
Como você vai me matar? Era o que ela estava pedindo.
Como, na verdade?
Ele a ouviu caminhar atrás dele, lentamente, seu passo
suave sobre a pedra. Ele não se virou para olhar para ela
quando parou a poucos centímetros ao lado dele. Ele sentiu
seu olhar como fogo em seu rosto.
— Eu não vou fugir de você, — ela disse, muito
calmamente. — Você tem minha palavra, se isso significa
alguma coisa.
Parecia haver uma faixa de aço apertando forte em torno
de seu peito com cada respiração. Ele cruzou os braços e
permaneceu imóvel como uma rocha, espetando adagas num
gerânio vermelho em vaso.
— E eu quero que você saiba que sinto muito.
Isso chegou a ele. Ele olhou para ela, chocado. —
Você sente muito. Pelo quê?
Ela sorriu, e ele pensou que nunca tinha viu nada tão
triste em toda sua vida.
— Por nós. Sinto muito por nós dois. Pela maneira
como as coisas são. Pelas pessoas que poderíamos ter sido,
em outra vida. E eu não o culpo. — Ela balançou a cabeça. —
Eu sei que é apenas seu.... — Ela hesitou, baixou o olhar dele,
e virou-se para a vista da cidade, rosa escuro e âmbar à luz da
manhã. — Eu sei que é apenas seu trabalho.
Ele estava cambaleando. Se isso era uma manobra para
desarmá-lo, não poderia ter sido mais bem planejado ou
direcionado mais perfeitamente.
Eu sei que é apenas o seu trabalho. Ela estava
concedendo-lhe a absolvição por ter que matá-la. Ela estava
o perdoando.
— Nós vamos encontrá-los, — disse ele grosseiramente,
apenas metade acreditando nisso.
— Talvez, — ela concordou suavemente. — Mas se não,
eu tenho que saber como você vai fazer isso. Eu tenho que
saber. Eu não posso continuar assim, imaginando todas as
coisas possíveis que você poderia... — Ela fez um gesto vago
com uma mão, e estava tão desamparada e resignada e
completamente doce que ele queria gritar em raiva impotente.
Mas ele não o fez. Tudo o que fez foi levantar a mão,
estender a mão para ela, e colocar dois dedos muito levemente
na sua nuca entre as vértebras C1 e C2.
Sua pele era morna e muito macia. Seus cabelos estavam
frios, pesados e sedosos no dorso de sua mão, como se ele
tivesse mergulhado com o punho na água. Ela fechou os olhos
e curvou a cabeça, e ele não conseguiu tirar a mão, não
importa quantas vezes ele dissesse a si mesmo.
— Uma faca? — Ela sussurrou.
Sem palavras, ele acenou com a cabeça.
— Isso vai doer?
— Não, — ele disse sua voz de repente rouca.
Ela respirou fundo e pareceu se recuperar. Ela levantou
a cabeça, e ele deixou cair a mão dele. A repentina perda do
calor de sua pele foi um choque frio contra seus dedos.
— Bem então.
Ela olhou para ele sem medo ou censura, seus olhos
vivos e brilhantes, quase aliviados. Ela exalou. Ela sorriu. A
mudança nela foi imediata e profunda, como se grilhões
invisíveis tivessem sido liberados e caísse em seus pés. —
Vamos terminar o café da manhã, certo?
E ela se virou e caminhou de volta para a mesa,
deixando-o, mais uma vez, atordoado e silencioso.
— O Vaticano? — Morgan virou-se para Xander em
estado de choque.
Ele deu as instruções ao motorista de táxi em italiano,
depois deu um curto aceno de cabeça, ignorando com grande
esforço a visão que lhe oferecia enquanto a saia de Morgan
subia por cima dos joelhos e um par de longas pernas
emergiam em toda sua glória tonificada.
Cristo, pensou, cerrando os dentes. Isso é um desastre
maldito. Ele se recostou contra o assento do táxi duro e olhou
pela janela.
Terminaram o café da manhã rapidamente, e ela tomou
banho e saíram do hotel. Ele queria começar cedo, pegando
onde deixou ontem, e ela insistiu em se juntar a ele. Duas
cabeças são melhores do que uma, disse ela, só que com seu
cheiro no nariz e a visão desse corpo exibido tão
espetacularmente em uma simples saia preta, uma blusa
vermelha decotada e aqueles saltos altos que a favorecia,
apenas uma de suas cabeças estava funcionando. E não era a
que estava em cima de seu pescoço.
Ele realmente precisava dormir um pouco.
— Mas..., Mas... Como é possível? — Disse ela,
inclinando-se para frente.
Por acaso, Xander olhou no espelho retrovisor e viu o
motorista de táxi boquiaberto admirando de queixo caído ao
reflexo de seu decote, espreitando em toda sua perfeição
cremosa e arredondada do botão superior desfeito de sua
blusa vermelha. Desnudou os dentes e o homem empalideceu
e afastou os olhos.
— Os Expurgari não estão associados com a igreja? Por
que um de nós iria para perto do Vaticano? Será que ele
não sabe? — Morgan inclinou-se ainda mais perto, tão perto
que podia sentir o cheiro exatamente onde ela tocou de leve
o perfume no oco de sua garganta. Para seu grande horror,
sua boca começou a molhar.
— Sente-se, — ele retrucou, olhando para ela, — E pare
de fazer tantas perguntas malditas!
Ela olhou para ele, fria, com as sobrancelhas erguidas em
dois caprichos escuros, não impressionada com sua
demonstração de raiva.
Maravilhoso. Ela nem sequer tinha medo dele. Ele lhe
disse exatamente como iria matá-la, e mesmo isso não a
assustou. Pelo contrário, isso a fazia feliz.
De todos os desertores e criminosos e ameaças à tribo
que rastreou em sua vida, ele teve que ficar preso em Roma
por duas semanas compartilhando um quarto de hotel com
uma mulher obstinada, sexy, inteligente e destemida que
também aconteceu de ser tão bonita que deixava os homens
como estátuas na rua.
Merda.
Ela se acomodou no banco, cruzou as pernas e disse
calmamente:
— Bem. Suponho que se você não estiver interessado
em minhas informações, provavelmente não deveria dizer que
nosso novo amigo é um telepata.
O táxi saltou ao longo da estrada. A música de rock
americana tocava no rádio do táxi.
A luz do sol atravessava as janelas, iluminando seus
cabelos com um brilho de marrom acinzentado. E seu sangue
cessou de circular por suas veias. Telepatia era inédita na
tribo. De todos os seus dons – vapor, sugestão, previsão,
passagem e muitos outros – ele nunca encontrou um
telepata. Até o dom da Visão de sua nova rainha estava
limitado ao toque. Sua mente correu com as possibilidades.
— E você sabe disso por que...?
Inexplicavelmente, ela ficou vermelha. Ela deixou cair os
cílios e começou a inspecionar suas unhas impecáveis com
grande interesse.
— Morgan — disse ele, em tom imperativo. Ela olhou
para ele sob seus cílios.
— Diga-me o que ele disse.
Mas podia adivinhar. Pelo rubor em suas bochechas ao
modo como ela se contorcia sob seu penetrante olhar, ele
podia adivinhar.
— Ele não a ameaçou...
— Não, — ela disse muito alto, então limpou sua
garganta e desviou o olhar. Sua voz caiu. — Não, ele não me
ameaçou.
Sua voz era plana e acusadora.
— Ele sabe que você não está acasalada.
Seu rubor se aprofundou, espalhando pelo pescoço. Ela
assentiu, uma vez, e ele queria quebrar alguma coisa.
Foi o cheiro que a entregou. Fêmeas não acasaladas
exalavam um cheiro diferente – selvagem, mais primitivo –
que suas contrapartes acasaladas. O odor do acasalamento era
sutil, mas distinto e suavizava o perfume de sereia sensual de
uma fêmea Ikati não acasalada.
Um Ikati como Morgan.
Ele treinou durante anos para tornar-se imune a ela, da
mesma maneira que ele treinou para se tornar imune a dor ou
medo ou dons como sugestão. Um soldado não pode permitir
distrações, seu mestre de capoeira lhe disse quando ainda era
muito jovem, mais e mais, mesmo que ele estivesse se
tornando enredado pela distração mais perigosa de todos eles,
uma que ninguém pensou em treiná-lo para resistir, porque
ninguém pensou que fosse possível.
— Isso é muito perigoso para você. Você está voltando
para o hotel, — disse ele com os dentes cerrados, mas ela se
firmou e pegou seu braço quando estava prestes a se inclinar
para a janela deslizante de plástico que separava o assento
dianteiro para dar instruções para voltar ao motorista. Seus
dedos apertaram tão fortes em seu bíceps que ele achou que
sentiu uma forma de contusão.
— É da minha vida que estamos falando, — ela
retrucou, os olhos brilhando um verde quente, brilhante. —
Eu sou a única que deveria estar seguindo o Expurgari, sou a
única com tudo a perder, então vou ser amaldiçoada se deixar
você mandar em mim e decidir o que é melhor para mim só
porque você é maior e carrega um monte de facas!
Ele sentiu o olhar preocupado do motorista do táxi no
espelho, mas ele não se afastou do rosto lívido e pálido de
Morgan. — Este não é um jogo, Morgan, — ele disse
áspero. — Você sabe o que um feroz Alfa fará se ele te
pegar? Você tem alguma ideia do que ele vai fazer?
— Sim, — ela disse friamente. — E isso é de longe
preferível ao que você vai fazer para mim.
Suas palavras o atingiram como um punho no
estômago. O táxi parou – ele não se virou para olhar onde.
E ela soltou seu braço e deu-lhe um segundo soco antes
de abrir a porta e sair para a rua.
— E pelo menos eu farei um pouco de sexo antes de
morrer. — Ela murmurou, em seguida, bateu a porta atrás
dela, virou-se, e se afastou.
Se uma granada tivesse caído em seu colo, não teria tido
nem de perto o efeito explosivo que aquelas palavras
causaram em seu corpo.
Tudo entrou em choque instantâneo. Seu ritmo
cardíaco, respiração, hormônios, tudo girava
descontroladamente, incluindo seus pensamentos, que
estavam saturados com as imagens mais carnais e vívidas do
corpo nu de Morgan, enrolada em torno do seu.
Ele encolheu-se, apertou as mãos no cabelo e sentou-se
com os olhos apertados, respirando grandes suspiros de ar,
até que o motorista do táxi limpou a garganta.
— Mi scusi, signore. Stiamo andando in?14
— Não. — Ele respirou um pouco mais. — Estou
saindo.
Tirou um pouco de dinheiro do bolso traseiro e jogou
um número ilimitado de euros através da pequena janela de
plástico. — Fique com isso, — disse em italiano quando o
motorista disse que era muito dinheiro.
Dinheiro. Quem se importava com o dinheiro? Leander
o daria tanto quanto necessitasse enquanto ele
precisasse. Não, o dinheiro não era o problema mais
urgente. E nem sequer, se verdade fosse dita, era Morgan.
O problema era ele.
Esta mulher, este alvo, de alguma forma conseguiu
dividir seu controle toda vez que ele se aproximava dela. Tudo
sobre ela estava sob sua pele, dos olhos ao seu perfume, a voz,
14
Me desculpe, Senhor. Vamos continuar?
o fogo e paixão, tão frágil, o apelo à perdição que vazou dela
em momentos de descuido quando pensou que ninguém
estava olhando. E as coisas que ela disse, o impossível, coisas
loucas!
Coisas que demoravam no fundo de sua mente em replay
por horas, um em cima da outra, um bolo de camada de
confusão e fantasia e tentação horrível e pior de tudo.
Compreensão.
De alguma forma, impossivelmente, sabia que ela
entendia que ele não queria matá-la, mas ele faria porque tinha
que fazer. Porque era quem ele era. Isso era tudo o que ele era
e tudo que foi, por tanto tempo que ele não conseguia se
lembrar de nada antes. E sua aceitação disso era a pior coisa
que podia imaginar.
Você nunca quis outro tipo de vida?
Ficou de pé na esquina da rua, enquanto o táxi deslizava
para o trânsito, observando-a se afastar, observando as
cabeças girarem em seu rastro, ouvindo o coro de assobios
que seguiam aqueles quadris balançando e por um breve e
terrível momento o lembrou de outra mulher que falou essas
mesmas palavras para ele, há muitos anos.
Uma mulher que morreu por causa dele.
E se eles não encontrarem o Expurgari, Morgan teria que
morrer também.
Filho. Da. Puta!
Ela estava quase cega de raiva. Se ela tivesse tido uma
metralhadora nas mãos, poderia ter ceifado todos à vista,
todos esses italianos alegres e turistas tagarelando e essas
freiras estúpidas. Parecia haver mil freiras para cada igreja
nesta cidade. Honestamente, estava começando a assustá-la.
— Isso é muito perigoso para você, — ela imitou sob
sua respiração enquanto andava pela calçada movimentada,
sem se preocupar em sair do caminho de ninguém. — Há!
Muito perigoso. Oh, me desculpe, você está certo! Eu
nunca estive em qualquer tipo de perigo antes. Eu nunca fui
condenada por traição e trancada por semanas e enfrentei
minha morte iminente, horrível.
Eu nunca lutei contra um bando de meninos panteras
selvagens ou chutei todos aqueles outros selvagens que
queriam o meu lugar na Assembleia ou compartilhado um
quarto de hotel com um assassino!
Ela passou a mão pelos cabelos longos e amaldiçoou em
voz alta, arrebatando um olhar de desaprovação de outra
dessas freiras multifacetadas que ficavam do lado de fora de
um pequeno café na calçada, bebendo café expresso.
— Não enche, irmã — disse ela, e continuou andando.
Onde diabos ela estava, afinal? Ela parou por um
momento para olhar em volta e se orientar.
Eles foram apenas a algumas quadras do hotel no táxi, e
ela não tinha um mapa ou falava italiano. Tinha dinheiro para
poder pegar outro táxi, mas quando colocou uma mão na testa
para proteger os olhos do sol, viu, inconfundível e enorme, a
cúpula da Basílica de São Pedro a menos de uma milha de
distância do outro lado do lento e tortuoso Tibre.
Ela decidiu andar.
Era um belo dia, brilhante e ensolarado, e todos os
pássaros da cidade pareciam estar cantando pequenos e
melodiosos sons dos bolsos de árvores que estavam por toda
parte. Ela atravessou o rio sobre uma ponte de pedra
arqueada, com musgo e escura com a idade, e foi ao longo da
avenida arborizada, esquivando de pedestres e pulando fora
do caminho de pilotos de scooters insanas que todos pareciam
compartilhar o mesmo desejo de morte.
Ela passou por fontes e ruínas e uma antiga fortaleza
resistida que acabou por ser o mausoléu do imperador
Adriano, encimado por um anjo de bronze maciço,
empunhando espadas. A cidade era uma festa de arte e
arquitetura, todos casualmente colocados sobre a vista para o
gozo de todos. Ela amava a vitalidade dela, os espaços verdes
abertos e os edifícios antigos e o senso de magia que
permeavam tudo, até mesmo o ar.
E os homens italianos, pensou ela, olhando para um
espécime espetacular descansando de braços cruzados contra
uma árvore, são muito mágicos também. Eles se vestiam
bem. Eles se moviam bem. Eles eram altos, escuros e
elegantes, muito parecidos com os seus. Mesmo os
desleixados, barrigudos, carecas tinham um certo ‘seja o que
for’.
O rapaz de cabelos escuros levantou a cabeça, a olhou e
assobiou baixo e rouco.
Seus olhos ardiam. Ela desviou o olhar, continuou
andando, e tentou não pensar em outros olhos ardentes,
esfumaçado - arredondados, âmbar e infinito.
Xander observou enquanto Morgan ignorava a
barulhenta fila de centenas de pessoas que esperavam entrar
no Vaticano, aproximando-se do oficial uniformizado que
operava o detector de metal na entrada, e tocou seu braço.
O guarda, sorrindo um sorriso esmaltado, distante,
conduziu-a pela mão em uma entrada lateral privada. Xander
revirou os olhos e bufou.
Ela era sem vergonha.
Mas ele não estava prestes a ficar na fila, especialmente
com aquele detector de metal e as facas escondidas em suas
botas e cinto, então ele passeou por aí até encontrar uma área
relativamente despovoada – não é uma façanha fácil – e se
apoiou contra uma enorme parede de granito. Ele fechou os
olhos e concentrou-se, enviando sua consciência para fora,
procurando o calor e movimento que indicaria a presença de
pessoas do outro lado. Não havia nada. Ele respirou fundo e
empurrou para trás.
A pedra estava fresca e muito velha, muito mais dura do
que o tijolo ou o mármore e mais duramente para passar
completamente.
A toca vulcânica, mais seca e mais seca do Coliseu,
deixara um resíduo em suas roupas e pele, mas o granito não
deixava senão um ligeiro sabor alcalino em sua
boca. Concentrou-se em avançar pela massa densa, as pernas,
os braços e o peito pressionados como se estivesse debaixo
d'água. Era mais difícil respirar nesse tipo de rocha, também,
e ele não tentou.
Quando ele saiu do outro lado, estava em um pequeno
corredor de serviço que era sem traços e brilhantemente
iluminado. Ele inalou aliviado por estar livre do granito, e
seguiu o corredor em torno de um conjunto de portas duplas
de aço. Ele parou com os ouvidos abertos ao lado deles,
ouvindo, saboreando o ar.
Pessoas. Estátuas. Muito vidro e estatuetas de bronze e...
Múmias?
Ele abriu a porta e entrou na sala, fazendo uma rápida
inspeção. Era uma coleção egípcia de algum tipo, com
sarcófagos e urnas funerárias e estátuas de vários faraós e
deuses animais. Ele sorriu para uma bela escultura de basalto
da deusa gato Bastet, em um case iluminado e colocou dois
dedos em sua testa em saudação. Então ele se moveu
silenciosamente através da câmara, ignorando os olhares
especulativos do grupo de excursão que passou na saída.
Tinha o cheiro de Morgan novamente. Exuberante
almiscarado escuro e mulher quente, inconfundível e
absolutamente única, coberta por esse perfume floral que ela
aplicou esta manhã. Lírios, pensou ele, passando pela
multidão. Lírios e prontidão quente adorável.
Saia fora disso, soldado!
Ele rangeu os dentes e continuou através dos quartos
adjacentes, finalmente limpando a asa egípcia e movendo-se
através das galerias de imagens e as tapeçarias e as cerâmicas,
os estatuários e mosaicos e óleos, todas as obras-primas que
ele viu no escuro quando ele fez uma ronda pelos mesmos
corredores ontem à noite em busca de qualquer vestígio do
homem de branco.
Ele seguiu seu perfume para a Capela Sistina, que era
muito pequena, não maior do que a sala de estar de sua suíte
no hotel, cheia com turistas e policiais uniformizados que
silenciavam a multidão a intervalos regulares e impediam
fotografias. Demorou um momento para olhar para cima e
admirar o trabalho de um de seus parentes mais famosos,
Michelangelo, e riu para si mesmo. Ninguém, além dos Ikatis
jamais saberiam.
Abaixo vários degraus estreitos claustrofóbicos,
rastejante na multidão quente, pressionando, através de uma
pequena fenda nos prédios, e ele estava na majestade altaneira
da Basílica de São Pedro.
Era silencioso, vasto e misterioso como um cemitério,
denso com velas cintilantes, incenso e sussurros que ecoavam
o teto abobadado muito acima. O sol enevoado derramado
como focos no elaborado piso de mármore embutido das
dezesseis janelas na enorme cúpula acima do altar, mas aqui
no pórtico tudo estava escuro e silencioso.
Ele viu uma blusa vermelha bem adiante na nave, uma
onda de cabelos escuros derramando as costas de uma mulher
e acelerando o passo. Atravessou um grupo de turistas
sussurrantes, contornou uma enorme coluna, e ela estava
abruptamente ali, corada e ofegante, encostada na coluna com
uma mão na garganta e a outra estendida para impedir que
chegasse mais perto.
— Vá embora — sussurrou ela, rouca. Seus olhos
estavam meio fechados, as pupilas dilatadas tão largas que
quase engoliram todo o verde circundante, deixando apenas
um negro estranho e plano.
Ele congelou, sabendo instantaneamente que algo estava
errado. Ele expulsou sua consciência, abriu o nariz e as
orelhas, mas não encontrou nada de incomum. Ele se
aproximou, e ela soltou um suave gemido que levantou cada
cabelo em seu corpo.
— Não mais, — ela insistiu estranhamente fraca e sem
fôlego. Sob a sua impecável tez de café-com-leite, ela estava
muito pálida. Um brilho de suor se formara em sua testa.
— O que foi? — Ele disse baixo, observando suas
pálpebras vibrarem, o pulso batendo selvagemente em sua
garganta.
Seu sentido de perigo cresceu para roer contra sua pele.
— Ele está aqui. — Enquanto ela dizia as palavras, suas
sobrancelhas franzidas e ela ofegou, um pouco de admissão
assustada através de lábios separados. — Em algum lugar,
perto... — Ela engasgou com outro ofego. Quando Xander se
aproximou, estremeceu e gemeu, arqueando-se contra a
coluna como se estivesse sofrendo.
— É isso aí. Nós estamos tirando você daqui. — Ele fez
um movimento em direção a ela, e ela balançou a cabeça,
veemente, sibilando como uma cobra.
— Não! Por favor! Estou tentando tirá-lo! Eu tenho
que tirá-lo!
Ele olhou ao redor novamente, descontroladamente,
procurando e escaneando, mas não detectou nada daquele
cheiro escuro e violento e da sensação do Alfa que ele
detectou ontem. Essa ganância.
— Que diabos ele está fazendo com você?
Ela inalou longa e trêmula, e olhou para ele debaixo dos
cílios escuros, um olhar concentrado, cheio de calor,
necessidade e desejo. — Tudo, — ela sussurrou. Suas
bochechas ficaram vermelhas e ardentes.
Com um choque frio de reconhecimento que sentiu
como água gelada em seu pescoço, Xander compreendeu.
Seu mestre de capoeira lhe dissera uma vez que a melhor
maneira de vencer uma guerra era quebrar a resistência do
inimigo sem nunca lutar. Havia maneiras melhores do que
ataques diretos, maneiras de pensar e planejar melhor um
plano que fosse superior a envolver-se em uma batalha
sangrenta e cara.
E um dom como o da telepatia – onde você poderia
inserir-se diretamente na mente de seu inimigo – pode até
tornar a resistência impossível.
Pode até fazer o seu inimigo sentir algo tão impensável
como o desejo.
— O que posso fazer? — Ele disse impotente, querendo
pegá-la e levá-la para algum lugar mais seguro, mas não
querendo fazer nada para piorar as coisas. — Não o sinto em
lugar algum Morgan. Não consigo senti-lo... — Ela ofegou e
se arqueou contra a coluna. Com os olhos fechados e a cabeça
para trás, ela mordeu o lábio e fez um som baixo dentro de
sua garganta. Seu coração parou. Então ela colocou as mãos
em seu cabelo e se estendeu para trás como um gato,
empurrando o peito para fora, então ele viu com perfeita
clareza o contorno de seus seios cheios, seus mamilos
esticando tenso contra a seda vermelha.
Ele parou de respirar. Instantaneamente, ele ficou duro.
— Faça alguma coisa! — Implorou rouca.
Ele disse a si mesmo no momento seguinte que estava
apenas ajudando ela, que esta era a maneira melhor e mais
eficaz para distraí-la e quebrar a ligação da sua mente, mas
mesmo quando ele estivesse dizendo a si mesmo essas coisas,
ele realmente não acreditava nisso. Ele se conhecia muito
bem.
Em dois passos rápidos ele fechou a distância entre eles,
envolveu seus braços apertados em torno de seu corpo,
colocou sua boca sobre a dela, e beijou-a.
E, inesperadamente, com calor, fervor e uma paixão que
destrancou algo profundo dentro dele que ele guardou há
muito tempo, ela o beijou de volta.
O tempo girou, o som desapareceu tudo ficou em ponto
morto. Suas mãos estavam em seus cabelos e os dele estavam
em suas curvas suaves, sua mandíbula, o mergulho de sua
cintura. Ela arqueou dentro dele, macia e exuberante, e ele
pensou que nunca sentiu nada tão fino como ela, isso e o doce
calor de sua boca, de sua língua na sua, deslizando sensual e
exigente.
Mais, seu corpo disse, esforçando-se contra ele. Mais, a
boca macia disse, com fome. Mais! O pequeno ruído
necessitado na garganta exigiu quando ele pressionou sua
pélvis para a dela e ela sentiu toda sua excitação, pulsando
quente.
E ele queria dar-lhe mais. Naquele momento ele queria
dar a ela qualquer coisa e tudo - o que ela pedisse, qualquer
coisa que pudesse apagar aquela queimadura dolorosa em seu
peito e o rugido em seus ouvidos e o veneno comendo através
de seu sangue, veneno que ele experimentou pela primeira vez
no momento em que se encontraram.
Ele queria estar dentro dela. Queria ouvi-la gemer seu
nome. Ele a queria.
De repente, ela se separou.
Ela ficou ali olhando para ele, em branco, ofegante, seus
braços ainda apertados ao redor de seu pescoço. Então, com
um grito horrorizado, ela se afastou e bateu duro no rosto
dele.
— Filho da puta! — Exclamou, perturbada.
Ele apertou sua mandíbula onde ela o bateu e tentou
muito concentrar-se no fato de que ela já não parecia estar
feliz com o beijo. Dentro dele, seu desejo por ela bateu.
— Você percebe que esse não é o meu nome, — disse
ele secamente.
— O que diabos você – como você pôde – o que diabos
você estava pensando?
O último pedaço foi gritado, e o teto de mármore
abobadado da catedral conduziu-o, fazendo uma sinfonia
ecoar que rompeu o silêncio nos vastos salões ao redor
deles. Exclamações assustadas e reprovações murmuradas
vieram de vários ângulos, mas ele os ignorou.
Apesar da tensão desconfortável contra a frente de suas
calças e a realização horrível que talvez não fosse nele que
esteve pensando quando eles compartilharam aquele beijo
apaixonado, Xander manteve sua voz cuidadosamente neutra
e profissional quando respondeu.
— Você me pediu para ajudar...
— Eu não quis dizer desse jeito!
— E porque eu não podia senti-lo em qualquer lugar
próximo, era a maneira mais conveniente para quebrar a
ligação. Caso contrário, eu teria ido atrás dele. — Ele limpou
a garganta. — Obviamente.
Ela estava tremendo, ruborizada e claramente livre de
qualquer feitiço que ela estivesse. Com seu rumo rígido e seus
olhos brilhantes e distrações aturdidas, ela era absolutamente
adorável. Ela também estava chateada.
Agora ele estava muito feliz por esse colar.
— Você está tentando me dizer que sabia que
funcionaria? — Perguntou duvidosa. Ela cruzou os braços
sobre o peito e estreitou os olhos para ele.
Ele cruzou os braços também, levantou-se a toda sua
altura, e friamente olhou para baixo para ela. — Claro. Por
que mais eu iria te beijar?
As narinas dela brilharam. Ela jogou o cabelo para trás
por cima de um ombro com uma sacudida de cabeça. — Eu
vejo, — ela disse, recuperando um pouco de seu equilíbrio
fraturado. — Sou tão repugnante para você?
Ele fez uma pausa, olhando-a com um olhar que ele
sabia que era impiedosamente proibitivo, disposto a fazer a
coisa certa e terminar com toda essa tolice. Mas ele não
conseguia dizer isso. Ele não podia fazer-se dizer que sim.
Ela tomou seu silêncio como uma afirmação de qualquer
maneira e ficou ainda mais vermelha. — O sentimento é
mútuo, Ace.
Ele lhe enviou um sorriso sombrio e contornou isso. —
Vamos voltar aos negócios, não é? Você o sente agora?
Ela engoliu em seco e olhou ao redor. — Não, — ela
disse baixo. — Está quebrado.
— E quando você o sentiu pela primeira vez, — ele
balançou para uma palavra apropriada — Quando você sentiu
pela primeira vez a conexão, onde você estava?
Ela empurrou o queixo para uma capela próxima,
decorada com mosaicos e estátuas, com um altar de madeira,
pedra e mármore proeminente que abrigava os restos
macabros iluminados de um papa morto em um caixão de
cristal.
— Eu quero que você venha comigo até lá, e se você
sentir qualquer coisa – qualquer coisa, nós vamos nos separar
e eu vou voltar sozinho. Entendido?
Ela não respondeu. Ela não estava olhando para ele, e
ele se perguntou se ela nunca iria novamente.
— Morgan, — ele disse mais suavemente, tentando uma
tática diferente. — Estamos de acordo?
Depois de um momento, ela sacudiu a cabeça para cima
e para baixo: — Sim.
Progresso. Bom.
Abriu a palma da mão para a capela. Ela foi antes dele,
hesitando apenas quando se aproximou do altar.
Era encimado com oito velas cônicas em suportes de
bronze, apenas na frente de um mosaico maciço retratando o
martírio de São Sebastião. Havia colunas de mármore rosa e
mísulas com querubins esculpidos e folha de ouro
avermelhado em cada superfície disponível.
— Qualquer coisa? — Ele murmurou, chegando atrás
dela.
Ela estava muito quieta, com a cabeça inclinada, como
se estivesse ouvindo. Ela olhou para a esquerda e depois para
a direita, franzindo a testa um pouco, levantando o
queixo. Seu olhar percorreu as altas colunas de mármore até
o teto abobadado bem acima, e ela parou,
considerando. Então ela deixou cair os cílios e olhou para o
chão sob seus pés.
— É... Estranho, — ela finalmente disse. — Há um leve
eco de algo. Quase como déjà vu. Mas eu não posso colocar
o meu dedo sobre de onde isso poderia estar vindo. É como
se estivesse em toda parte. E em nenhum lugar.
Xander estava desapontado, principalmente porque ele
encontrou apenas a mesma coisa em sua busca na noite
anterior. Isso o deixou um pouco mais duro do que
deveria. Ele estava realmente ansioso para colocar suas mãos
sobre este bastardo.
— Bem, isso é útil. Talvez seja Deus que você sente. —
Seus lábios achataram. Ela se virou para olhá-lo
completamente no rosto. — Você, — ela disse, — É
um burro absoluto.
Ele olhou para ela, lutando contra a vontade de beijá-la
novamente. Aqueles lábios malditos.
— E você não está se esforçando o suficiente, — disse
ele, sua voz apertada. — Se ele está perto você deve ser capaz
de encontrá-lo, como fez ontem. Apenas concentre-se.
— Se fosse assim tão fácil, eu já o teria encontrado! —
Disse ela, exasperada. — Talvez seja este prédio. — Enrugou
o nariz ao caixão aceso. — Há algo muito estranho e intocável
aqui.
Ele tinha que admitir que o cara morto estivesse
desprendendo um odor realmente estranho sob todo aquele
selante de caixão cuidadoso. E havia outra coisa que ele não
conseguia entender, algo desconcertante, um sopro de terra
antiga e ar morto e frio, corredores apagados. Lembrava-lhe
uma cripta. Também algo muito inconvenientemente
interferiu com sua própria capacidade de sentir o seu
ambiente tão plenamente como ele normalmente fazia. Tudo
estava estranhamente silencioso.
Foi o mesmo ontem à noite. Ele esperara que o sol
descesse antes de tentar infiltrar-se na cúpula onde o homem
de branco desapareceu. O cheiro de Alfa estava na pedra lá
fora e as vidraças, até mesmo permaneciam como uma
reflexão tardia no ar sobre o altar, mas então depois
desapareceu por completo. Mas havia algo, alguma energia
indefinível, nas próprias paredes da catedral, vibrando dos
alicerces...
Não fazia sentido. Nada disso fazia sentido.
A única razão pela qual ele poderia imaginar por que
um Ikati iria a qualquer lugar perto do que muitos
consideravam a igreja mais santa da cristandade era a
ignorância total. Desde que a meio-sangue rainha Cleópatra
havia incitado à ira de César Augusto, em 30 dC,
os Ikatis foram caçados e perseguidos, há muito tempo
recuaram em silêncio a pequenas colônias bem fortificadas
para sobreviver. A situação piorou no século XIII, quando o
papa Gregório IX instituiu a Inquisição. Junto com os
hereges, os gatos foram declarados diabólicos. Isso preparou
o terreno para execuções massivas aprovadas pela igreja. Os
gatos eram familiares de bruxas, associados ao diabo, animais
sujos não confiáveis.
Muito ruim para os humanos. Porque no momento em
que a Peste Negra os atingiu um século mais tarde, quase não
havia mais gatos para comer todos aqueles ratos infestados de
pulgas e portadores de doenças. Metade da população da
Europa foi aniquilada em apenas alguns anos.
— Talvez devêssemos voltar para a Escadaria de
Espanha e tentar de novo lá. Morgan olhou
esperançosamente para as portas maciças atrás deles que
levavam para fora para o ar fresco e a luz do sol.
Ela não parecia completamente recuperada de qualquer
feitiço que o Alfa lhe tivesse colocado; ela ainda estava um
pouco corada. E se ele ainda espreitava em algum lugar,
Xander definitivamente não queria dar a ele outra chance de
entrar em seu cérebro.
— Tudo certo. Nós vamos voltar amanhã. — Ele fez um
movimento para pegar seu braço, e ela enviou-lhe um olhar
de hostilidade tão congelado que segurou sua mão no lugar.
— Eu não sou uma inválida, — disse ela.
Apertou os lábios para não sorrir. — Claramente.
— E você já sabe que não vou fugir.
— Se você diz, — ele respondeu curto.
— Então por que você continua pegando meu braço
quando estamos andando?
Porque eu gosto de te tocar.
— Hábito. — Foi a primeira coisa fora de sua boca, mas
não o que ele estava pensando e, obviamente, não o que ela
esperava, se a expressão dela era qualquer coisa além de
indicação.
— Então você é um assassino cavalheiro, — disse ela
com desdém macio. — Eles ensinaram isso na Academia de
Assassinos? Como ser agradável com sua presa?
Ele fechou os olhos por apenas mais de um piscar de
olhos e encontrou a memória de outro braço macio e
feminino que ele uma vez amou tocar pronto para torturá-lo
com uma dor fresca. Estar em torno de Morgan estava
descascando as crostas de algumas feridas antigas e
desagradáveis, e ele não sabia o que fazer a respeito.
— Meu erro. Não vai acontecer de novo.
Sua voz estava desprovida de toda emoção, mas algo
escuro se movia dentro dele, algo irritado e violento que
precisava de uma saída. Ele sentiu o desejo de lutar, de bater
em algo, tão agudamente que ela sentiu e deu um rápido passo
para trás, piscando. Ele olhou para ela, frio como uma pedra,
depois virou as costas e se afastou, para o brilho do sol
cintilante da Praça de São Pedro.
E ali, rodeado ao redor da base do obelisco de granito
subindo em seu centro, estavam seis grandes
homens Ikati, selvagens como lobos, olhando diretamente
para ele.
A adrenalina explodiu como dinamite através de suas
veias. Xander girou ao redor, deu quatro largos passos rápidos
de volta dentro da catedral, agarrou o braço de Morgan, e a
puxou duro contra ele.
— Corra! — Ele sussurrou em seu ouvido. Ele a
empurrou na sua frente.
Ela gritou de surpresa e deslizou em seus calcanhares
sobre o mármore liso, mas não importa, porque ele estava
bem atrás dela, empurrando-a para frente, segurando-a
quando ela tropeçou.
— Xander! O que está acontecendo! O que você está...
— Ele não ouviu uma palavra que ela disse, não ouviu os
suspiros surpreendidos das pessoas que ele empurrou, não
desacelerou nem olhou para trás para ver se eles estavam
sendo seguidos. Ele sabia ser sua melhor – sua única chance
– de conseguir que Morgan estivesse em segurança era mover-
se rapidamente.
Mais rápido do que eles.
Os dois deslizaram em torno de uma enorme coluna de
mármore, com seus saltos batendo no chão. Ela perdeu um e
depois o outro quando ele a rebocou sem piedade para o
grande altar dourado papal onde o serviço de manhã estava
sendo mantido na sombra do Baldacchino colossal, um
monumento de cerca de 28 metros de altura de bronze
esculpido por Bernini.
Ele sentiu os machos Ikati entrarem na frente da
catedral, um por um, rajadas escuras de energia que picaram
sua pele como agulhas.
Morgan sentiu isso também porque ela ofegou e
enrijeceu, virando-se para olhar por cima de seu ombro.
— Não! — Ele gritou, puxando-a para frente. Seu grito
dividiu em mil nãos que colidiram e caíram juntos na
sobrecarga da grande cúpula iluminada pelo sol, quando o
repicar de sinos tocou. O bispo de manto vermelho que
conduzia a missa não perdeu uma batida – ele parecia com
cerca de cem anos de idade e provavelmente era surdo, mas
várias dezenas de fiéis se viraram em suas cadeiras e esticaram
o pescoço para ver o distúrbio.
Eles voaram pelos adoradores, entraram no transepto
maciço, semicircular, branco e dourado, derraparam em torno
de cordas de veludo vermelho em pilares erguidos para
manter o público fora desta área fora do limite e dirigiram-se
diretamente para o altar e seu mosaico de O martírio de São
Processus.
— Prenda sua respiração! — Xander gritou com Morgan
a reboque atrás dele. Acima dos degraus de mármore, através
do altar, direito à parede com o mosaico colorido.
Morgan hesitou, entrando em pânico. — Aonde você
vai? Não há saída!
Mas é claro que existia. — Apenas segure sua respiração!
— Ele gritou novamente e apertou forte em sua mão. Ele
bateu na parede primeiro e seu grito chocado cortou o
silêncio.
Pedra fria e dura. Peso pesado e esmagador. Obscura
escuridão e silêncio absoluto e a sensação de sua mão na dele,
calor, suavidade e vida entre toda a rocha morta passando por
seus poros.
E então eles passaram por isso.
Eles emergiram em uma faixa de grama ao longo da rua
movimentada atrás da catedral, e Morgan caiu de joelhos,
ofegando e tossindo. A repentina luz do sol a estava cegando.
Um ônibus de turista de dois andares passou
perto. Xander, sem lhe dar a chance de se recuperar ou
começar a amaldiçoá-lo, puxou Morgan para ele. Ele tinha
que colocar as mãos sob as axilas para fazê-la avançar, porque
suas pernas pareciam incapazes de carregar seu peso.
— Suba naquele ônibus e volte para o hotel — grunhiu,
empurrando-a para a rua, parando o trânsito com um olhar
vicioso. Ele pegou velocidade e ela correu com ele, respirando
com dificuldade, encontrando seu equilíbrio. O ônibus de
turismo estava apenas alguns metros à frente. — Se eu não
voltar ao pôr-do-sol, ligue para Leander e diga que há uma
colônia selvagem aqui, não apenas o homem que vimos
ontem. E depois saia daqui. Mas espere até o pôr-do-sol,
entendeu?
— Uma colônia? — Ela balbuciou ofegante. Eles
chegaram ao ônibus e correu ao lado dela por alguns passos.
Então ela agarrou uma barra na parte de trás, onde havia
um conjunto de escadas e subiu para o segundo andar e
pulou. Ela se virou e olhou para ele com olhos enormes e
assustados. Seus cabelos giravam ao redor de seu rosto ao
vento.
As narinas dele dilataram. Havia algo mais escuro no
cheiro que atingiu seu nariz, algo ainda mais quente e mais
temperado do que seu habitual perfume natural. Seu pulso, já
batendo, respondeu a ele como se tivesse sido injetado com
adrenalina. Cada músculo de seu corpo se apertou, e ele sentiu
uma súbita onda de agressão que não estava relacionada com
os machos que deixaram para trás.
Doce Jesus, ele conhecia aquele perfume. Ele sabia o que
seu corpo lhe dizia.
E ele tinha que ficar o mais longe dela. Certo. Agora.
Ele parou de correr abruptamente. Ele ficou no meio da
rua com carros buzinando e pessoas gritando com ele e
observou o ônibus partir. Morgan agarrou-se ao trilho de
latão enquanto ela ficou, observando-o com aqueles enormes
olhos verdes, rosto enrubescido, pernas longas e nuas sob sua
saia preta e fina.
— Espere até o pôr-do-sol! — Ele gritou. Ela assentiu
com a cabeça. O ônibus virou um canto e desapareceu.
15
Ele saiu com a mulher (tradução do latim)
— E cheio de sangue, — acrescentou Lix. Ele parou a
um lado, examinando o mosaico que os dois desapareceram,
procurando por pistas. Ele passou a mão pelos cabelos
pretos. — Você já ouviu falar em algo assim?
— Dominus saberá o que significa — disse
Celian. Dominus sempre soube o que tudo significava. Razão
pela qual ele era Rex.
Rei.
— Vamos indo.
Os irmãos afastaram-se do mosaico de São Processus e
voltaram através da vasta basílica ecoando até a entrada
principal, ignorando os olhares e sussurros que caminhavam
em seu rastro. Dirigindo o grupo, Celian sabia o quão
ameaçador eles devem ser ao olhar. Nenhum deles tinha
menos 1,95m, e todos eram musculosos de anos de
treinamento de luta, boxe, espadas e artes marciais. Seu traje
escolhido não ajudou: couro preto, um monte disso, coberto
por casacos pretos longos que disfarçava muitas armas. Ele
tinha um pensamento aleatório de que o macho que acabaram
de perseguir teria se encaixado bem com eles.
Uma mulher humana ficou boquiaberta ao passar por
ele, e ele piscou para ela, lascivo. Ela recuou contra uma
coluna de mármore, pálida, com a mão na garganta. Ele sentiu
o cheiro forte de seu medo no nariz.
É isso mesmo, Querida. Vou comê-la no almoço.
O Bellatorum16 chegou à entrada principal da igreja, em
seguida, dividiu-se e foi em direções opostas sem outra
palavra.
16
Guerreiro (traduzido do Latim)
que parecia ser uma Glock Semiautomático, e começou a
disparar.
A multidão se despedaçava como se fossem ervas,
gritando e empurrando, batendo o pavimento. Centenas de
corpos empurraram em todas as direções, em pânico,
enquanto mais tiros soavam pelo pátio. Perfeitamente imóvel
e silencioso, Xander estava no meio do caos, enquanto um
furacão continuava ao seu redor.
Droga, eles eram ousados. Ele nunca teria tentado algo
assim.
A primeira bala perfurou sua coxa. A segunda o atingiu
no bíceps esquerdo. Quando a terceira bala rasgou seu peito,
ele estava sorrindo.
O atirador abaixou a arma. Seus companheiros de cada
lado olhavam para ele, duros, sem medo, mas definitivamente
surpresos. Então só porque ele realmente queria irritá-los,
Xander levantou a mão para a boca e fingiu um bocejo.
Os lábios do atirador se curvaram sobre seus dentes. Ele
deu dois passos para frente, quando uma dúzia de membros
da Guarda Suíça apareceu nos degraus da basílica. Eles
pareciam verdadeiramente ridículos em seus uniformes
renascentistas de listras azuis, amarelas e vermelhas, suas golas
alta e boinas pretas. Mas os rifles de assalto que carregavam
não pareciam tão ridículos.
— Abaixe sua arma!
O atirador, a quem Xander começou a pensar
simplesmente como Big, mandou o guarda que lhe gritava em
italiano um olhar irritado. Então ele disse algo para seus três
companheiros, e todos balançaram a cabeça.
Quando a Guarda Suíça começou a aproximar-se
lentamente dos homens de preto, eles simplesmente
desapareceram na névoa. Todos os quatro, todos de uma vez.
Suas roupas e armas caíam até os paralelepípedos em grandes
montões.
Xander ficou frio.
Não só podiam mudar para Vapor – que só os mais
dotados de sua espécie poderiam – não tinham absolutamente
nenhum problema em fazê-lo à vista dos humanos. Centenas
deles. O que significava que eles não se importam se a
humanidade soubesse de sua existência.
O que significava que agora eram a pior ameaça para a
tribo. Mais ameaça que o Expurgari.
Ele assistiu enquanto eles subiam acima da multidão
clamando, movendo-se rapidamente. A Guarda Suíça
congelou no lugar, esticando o pescoço para olhar para
cima. Três deles fizeram o sinal da cruz sobre seus peitos,
outros cinco deram alguns passos para trás, os olhos
escancarados. O resto estava aparentemente muito atordoado
para se mover.
As quatro nuvens de Vapor foram para o oeste, em
frente onde ele mandou Morgan. Ele observou rasgado, até
que eles desapareceram passando um bosque distante de
figueiras. Então ele se virou e começou a correr, a visão do
rosto corado de Morgan recuando no ônibus vívido em sua
mente.
As mãos de Morgan tremiam tanto que mal conseguia
encaixar a chave da porta no leitor eletrônico. Ela finalmente
o fez, e a pequena luz LED vermelha mudou para verde. A
porta se abriu.
Ela caiu na suíte do hotel e bateu a porta atrás dela, virou
a alavanca e a fechadura, em seguida, desabou contra a porta,
ofegante por ar.
Ela foi da última parada do ônibus de turismo perto da
estação Terminal para o hotel, uma distância de várias milhas,
esperando que sua trilha de perfume fosse difundida em toda
a cidade quando o ônibus de turismo parou para ela,
esperando que o fato de não ter deixado São Pedro a pé
ajudaria a disfarçá-la.
Esperando que Xander soubesse o que diabos ele estava
fazendo.
Seu primeiro impulso foi pegar o telefone e chamar
Sommerley. Leander saberia o que fazer.
Leander pode até vir buscá-la! Seu coração saltou ante a
ideia de voltar para casa, depois caiu quando percebeu que não
haveria misericórdia para ela se não conseguisse encontrar o
Expurgari. E até agora ela falhou. Encontrar uma colônia
perdida de Ikati dificilmente apaziguaria a Assembleia. Ela
ainda teria que pagar com sua vida. E provavelmente acusada
de trabalhar com os machos selvagens o tempo todo.
Ela estremeceu e passou a mão sobre os olhos. Deus,
todos aqueles machos selvagens. Se ela tivesse pensado que
seus próprios parentes não foram vistos sob sua fina camada
de civilização, aqueles seis homens que ela sentia na igreja
eram selvagens absolutos. Exalava aquela mesma necessidade
de raiva e violenta que sentia do homem de branco, mas onde
ele era frio, um vazio silencioso de escuridão, todos eles eram
calor pulsante e febre, carnificina quente envolvida em couros
pretos. Ela sabia o que eram.
Soldados. Soldados bárbaros para um rei de gelo.
Ela afastou-se da porta e cambaleou um pouco,
sentindo-se quente. Muito quente. Seu rosto ainda estava
muito vermelho. E ela estava suando. Deve ser a corrida. Ela
normalmente corria apenas em forma animal, até agora.
Ela foi até a cozinha, colocou os pulsos sob a torneira
fria, espirrou seu rosto aquecido com água.
Ficou ali um momento, tentando limpar a
cabeça. Através das janelas da sala de estar, o sol brilhava em
plena luz, diretamente sobre sua cabeça.
Meio-dia isso seria... Seis horas até o anoitecer. Ela
precisava de uma bebida forte.
Assim que ela se afastou da pia, o primeiro tremor de
calor a atingiu.
Ela congelou no meio do caminho. Ouvindo, esticando
seus sentidos, ela ficou ali, sem fôlego, imóvel. Apenas seu
coração parecia estar funcionando, e martelava em seu peito
como um martelo.
Algo estava próximo. Alguém.
Sua mão voou para o colar ao redor de seu pescoço. Ela
não podia mudar. Ela não podia se proteger se eles viessem
buscá-la.
Outro tremor, mais substancial desta vez, acompanhado
pelo fraco, masculino perfume de especiarias e pólvora. O
calor de advertência pulsou sobre sua pele.
Ela se virou para o bloco de madeira pesada de facas na
bancada de mármore, agarrou uma, e chicoteou-a para seu
lado, avaliando o melhor lugar para fazer uma parada. Ela não
queria ficar presa com as costas contra a parede da
cozinha. Ela definitivamente não quer tentar se esconder no
quarto e na sala de estar não oferecia esconderijos em
tudo. Não que eles não pudessem encontrá-la pelo
cheiro. Isso era impossível! Onde estava Xander?
Sentindo uma indecisão paralisante, só conseguiu se
mover quando pensou ter ouvido um pisar no corredor da
porta da frente.
Ela se arrastou lentamente da cozinha com a faca
apertada em sua mão suada e olhou ao redor. Tudo na sala
parecia normal. A porta aberta para a suíte master oferecia
uma vista parcial do quarto, mas nada parecia mal. O cheiro
de especiarias e do homem viril desapareceu, deixando apenas
o sabor amargo e metálico do medo em sua língua. Os passos
fora da porta cessaram.
Sabe o que ele fará com você se te pegar?
Deus, ela esteve tão despreocupada quando respondeu à
pergunta de Xander. E agora... Havia seis deles. Além do
líder. O que significava que havia sete machos selvagens
procurando por ela. Talvez mais.
Ela engoliu em pânico cru agarrando sua garganta.
Com verdadeiro arrependimento, lembrou-se da
tatuagem que conseguiu há poucos dias, lembrou-se também
de como a liberdade era tão preciosa para ela que arriscou sua
vida em mais de uma ocasião para obtê-la. Decidiu então e ali
que se fosse capturada, ela se mataria. De jeito nenhum ela ia
deixar se tornar algum tipo de escrava sexual.
Isso decidido, ela se sentiu um pouco melhor.
Ela se moveu silenciosamente pela sala e olhou para a
porta da frente. A inquietação abriu caminho através de seu
corpo como um exército de mil formigas que marcham acima
e abaixo de suas terminações nervosas.
Um som do terraço. Ela girou ao redor, levantou a faca,
e ofegou.
Do outro lado do vidro estava um dos grandes
homens Ikati da Basílica. Suas mãos pendiam soltas em seus
lados, suas pernas estavam plantadas na largura dos ombros,
seus olhos escuros queimando brilhantes, sem alma. Ele era
enorme, grande desossado e fortemente musculoso, sem uma
grama reserva de carne em todo o seu corpo. Ela viu isso
claramente porque estava completamente nu.
E despertado.
O terror lhe deu asas.
Ela deu meia-volta e saltou para a porta da frente,
enquanto o horrível estrondo de vidro quebrando encheu a
sala. Ela não teve que olhar para saber que ele esmagou
através da fechadura deslizante. Com o coração em sua
garganta e um grito estrangulado em seus lábios, ela voou
através da sala de estar, através do vestíbulo em mármore, e
em sua pressa caiu direto na porta. Ela deu um passo para trás
e a abriu para ser encontrada com um novo horror.
Outro. Grande e olhos negros na porta. Nu.
Instinto de sobrevivência assumiu. Seu braço se ergueu
e cortou com força a faca. O macho na entrada se desviou,
evitando seu impulso, e agarrou seu pulso apenas quando a
faca zumbiu por sua cabeça. Ela puxou para trás, rosnando
através de seus dentes, e encontrou uma resistência de pedra.
Ele disse algo em uma língua que ela não reconheceu e
mostrou os dentes para ela, os olhos brilhando.
O instinto lhe disse que ele estava comandando-a a
recuar. Submeter.
— Foda-se! — Ela gritou, lutando contra o seu aperto.
Suas sobrancelhas se arquearam. Então ele bateu nela
tão duro que fogos de artifício foram detonados atrás de seus
olhos e todos os ossos em seu pescoço estalaram. Degustando
seu próprio sangue em sua boca, ela deslizou para o chão,
onde permaneceu, atordoada, seu pulso ainda preso em seu
aperto, seu corpo pendendo de sua enorme mão. Em seu
estupor, ela notou que os dois homens tinham grandes
tatuagens nos ombros esquerdos, um olho preto estilizado
que parecia um hieróglifo egípcio.
Aquele que a atingiu tirou a faca de seus dedos, então se
moveu para o vestíbulo e fechou a porta com um chute de seu
pé. Ele colocou a faca na mesa de café e silenciosamente
olhou para ela.
O outro homem estava na sala com pilhas de vidro em
ruínas ao redor de seus pés, observando-os. Ele disse algo
naquela língua estranha. Parecia divertido e também parecia
irritar aquele com a mão em torno de seu pulso.
Ele a empurrou para seus pés tão forte que sentiu como
se seu ombro saísse do soquete. Ele apareceu sobre ela,
exalando ameaça e poder cru, e ela encolheu de volta ao
comprimento de ambos os braços.
Ele permitiu que ela pairasse ali, segura, puxando
fortemente contra seu aperto, e não a deixasse ir mais longe.
O mármore estava frio e liso sob seus pés descalços.
— Sou Lucien — disse ele em inglês perfeito.
Ela manteve seus olhos focados em seu rosto, sabendo
o que encontraria com seu olhar se ela permitisse que viajasse
mais para baixo. Pontos negros flutuavam em sua visão
periférica. Ela lambeu sangue de seu lábio inferior.
— Encantada — disse ela, olhando-o nos olhos. — Eu
vou te chamar de Lucy para encurtar.
Ele piscou. O da porta do pátio bufou, depois caminhou
mais perto. Ela olhou para ele, perguntando através de sua
neblina de dor como os dois eram tão confortáveis com sua
nudez. Eles obviamente a seguiram como Vapor e
materializaram-se sem todo aquele preto que usaram na
catedral, o que revelara o fato geral de seus físicos maciços,
mas mantinham ocultos os detalhes. Todos os detalhes
musculosos, masculinos e de pele
dourada. Involuntariamente, o olhar dela desceu.
Ela empalideceu. O tamanho...
Lá veio uma risada baixa e ela estalou seu olhar até seu
rosto.
Meu Deus, ele estava sorrindo para ela.
— Você vê algo que gosta mulher? — Sua voz era rouca,
divertida.
Os pontos negros em sua visão diminuíram o suficiente
para vê-lo refletir em sua resposta fria. — Eu vejo algo que
gostaria de cortar.
Lucien rosnou profundamente em seu peito e apertou
seus dedos em torno de seu pulso tão duro que ela pensou
que os ossos poderiam estalar. Doeu parra caramba, mas ela
mordeu o lábio para segurar de soltar o gemido de dor. O
outro homem ficou olhando para ela com a cabeça inclinada.
— Você é feroz para uma mulher, — ele murmurou. Seu
olhar piscou sobre ela, levando em suas pernas nuas, a saia
curta, a blusa que ela agora desejava que fosse mais
folgada. Ele lentamente lambeu os lábios, um gesto que
poderia ter sido sedutor de outro homem tão bem formado e
viril, mas nele era totalmente arrepiante. Uma flor de calor
lavada pelo ar. Foi seguido pelo cheiro escuro e temperado do
desejo.
— Aurelio — disse Lucien, afiado, depois outra coisa
naquela língua deles. Seus lábios achatados e a flor do calor
esfriou alguns graus.
— Ela ainda não foi reivindicada, — disse Aurelio, com
afinco.
— Irmão! Isso é traição! — Lucien sibilou, olhando para
ele.
— Só se o Rei descobrir. — Ele se aproximou, olhando
para Lucien com algo como raiva assassina. Nenhum deles
parecia notar que mudaram para o inglês. Aurelio olhou de
volta para Morgan, e algo em seus olhos a fez estremecer. Sua
voz caiu várias oitavas. — Quero um gosto antes de entregá-
la. — As narinas dele brilharam. — Ela cheira tão bem.
— Não temos tempo para o motim diário, Aurelio —
grunhiu Lucien. — Ela pertence ao Rei. Afaste-se ou farei
com que você deseje não ter saído da cama esta manhã!
Aurelio encolheu as mãos nos punhos e rosnou para
Lucien, ele mostrou os dentes para Aurelio, e Morgan
aproveitou a oportunidade para estender a mão livre e tocar a
mão que Lucien ainda apertava ao redor de seu pulso.
— Você vai me deixar ir e matar Aurelio agora, — ela
disse muito claramente.
Aquele brilho de diversão apareceu novamente no rosto
de Aurelio enquanto ele deslocava sua atenção para ela e lhe
dava uma vez mais com aqueles olhos negros. — Bonita e
feroz, mas talvez um pouco demente, hein, Lucien?
Mas Lucien não respondeu. Ele piscou uma vez, então
soltou seu aperto no pulso de Morgan. Aurelio não teve
tempo de reagir antes que seu irmão lhe batesse o punho no
rosto.
Morgan saltou para fora do caminho quando Lucien
seguiu o balanço selvagem batendo seu enorme corpo nu em
seu irmão, derrubando os dois para o mármore com um baque
surdo. Lutaram loucamente, Aurelio maldizendo e gritando,
Lucien estranhamente silencioso, exceto por vários grunhidos
roucos, enquanto tentava colocar as mãos em volta do
pescoço de seu irmão mais velho, enquanto estava sendo
perfurado e lutando. Ela caiu de joelhos contra a mesa de
madeira, aterrorizada, tentando organizar a mente para fazer
uma corrida. Tudo que ela viu foi agitados membros enormes
e acres de carne nua, tonificados e o flash ocasional de um
pesado, balançando membro masculino. Ela tinha o desejo
insano de rir.
Naquele exato momento, Xander passou pela porta.
Quando ele avistou Morgan encolhida e sangrando
contra a mesa, olhando para ele com os olhos enormes,
aterrorizados e um hematoma florescendo berrante azul e
roxo em sua bochecha, Xander experimentou uma onda de
raiva tão avassaladora que ele literalmente perdeu a cabeça.
Com um rugido tão forte que puxou os dois machos
lutando para cima e quebrou o espelho oval acima do console
em uma teia de vidro estilhaçado, ele mostrou os dentes,
desembainhou suas facas, e investiu contra eles.
Ele pegou o maior primeiro. Sua força era tão poderosa
que levantou os dois fora de seus pés.
Eles voaram pelo ar e pousaram em cima da mesa de
vidro da sala de estar, que se quebrou em um milhão de
pedaços com um acidente horrível. O macho sob ele grunhiu
de dor, mas envolveu os braços ao redor das costas de Xander
com tanta força que achou que sua espinha poderia ser
esmagada. Eles rolaram sobre o vidro quebrado juntos e bateu
contra o sofá, que foi empurrado para trás vários metros pelo
impacto.
Ele ouviu Morgan gritando algo, mas estava muito
concentrado na luta para ver isso. Seus braços estavam presos
no aperto do torno do macho; seu peso o prendia ao
chão. Ele estava preso no sofá, mas nada disso importava. Em
um movimento rápido, praticado, empurrou acima com seu
punhal e afundou-o profundamente no lado do seu
oponente. O macho arqueou para trás, uivando, e deu a
Xander um acesso perfeito e desobstruído à garganta.
Xander aproveitou a oportunidade e cortou seu outro
punhal diretamente através de sua artéria carótida.
O sangue pulverizado em um arco vermelho enorme
ondulou seu rosto, seu peito, o chão. O macho rolou de
costas, apertando a garganta e contorcendo-se, e Xander se
libertou de debaixo dele e se pôs de pé, pronto para lutar
contra o outro. Ele se virou para encontrá-lo parado a poucos
metros de distância, tremendo de raiva, seus olhos negros
selvagens.
— Ele era meu, — ele sussurrou, curvando as mãos para
os punhos.
Xander franziu o cenho. Parecia quase como se ele
estivesse zangado com ele por matar o outro primeiro. Ele
não teve tempo de descobrir porque o macho se lançou sobre
ele como um louco, rosnando e balançando. Xander esperou
em uma posição agachada para ele se aproximar o
suficiente; Em seguida, num movimento incansavelmente
rápido, praticado centenas de vezes afastaram-se rapidamente,
usou o impulso do outro contra ele e empurrou o macho tão
duro por trás que tropeçou para a direita na metade da porta
deslizante de vidro do terraço que não foi destruído.
O macho enorme o atingiu de frente. Quebrou como
uma bomba.
Agitando os braços, ele saiu voando através de um
campo de vidro afiado, brilhando e caiu sobre seu peito com
um feio tapa contra o terraço em mármore rosa. Ficou
deitado, atordoado, enquanto fragmentos de vidro caíam ao
seu redor, capturando a luz como flocos de diamante. Com a
adrenalina rugindo por suas veias, Xander saltou pela sala,
aterrissou agachado ao lado do macho, retirou uma adaga de
sua bota e afundou-a profundamente entre os ossos do
pescoço do macho, cortando sua medula espinhal.
Ele se sacudiu e exalou em um crepitar. No mármore
sob seu corpo, o sangue começou a se acumular.
Respirando com dificuldade, Xander notou uma dor
aguda em seu abdômen, florescendo com calor. Ele se
levantou e olhou para si mesmo e ficou surpreso ao encontrar
um círculo de sangue cada vez mais escorrendo pela frente de
sua camisa.
— Xander.
A voz de Morgan o empurrou de volta à realidade. Ele
virou. Ela estava no vestíbulo da suíte, tremendo, apoiada no
console. Seu belo rosto estava quase branco.
— Você está ferida? — Ele lutou contra uma onda súbita
de tontura. O instinto o fez chegar às suas costas, onde ele
descobriu um pedaço de vidro espesso e esticado saindo em
um ângulo de sua camisa. Ele tocou e enviou uma onda de
dor disparando através de seu corpo. Uma corrente quente de
líquido derramou sobre sua pele e juntou-se em torno da
cintura de suas calças.
A mesa. Ele atingiu a mesa de centro, ele rolou no vidro
quebrado.
— Você está ferida? — ele disse novamente, mais severo
desta vez, dando um passo sobre o tapete de marfim salpicado
de sangue em direção a Morgan.
— Não. — Seu olhar baixou até a cintura. Ele colocou
uma mão sobre seu abdômen e sentiu seu próprio sangue
escorrer quente e espesso entre os dedos. Um pequeno
pedaço de vidro picando a ponta de seu dedo.
Cristo. Ele atravessou. Ele viu feridas de faca suficientes
para saber que um intestino perfurado não ia ser bonito. E ele
estava sangrando como um porco preso, o que significava que
havia uma possibilidade clara de uma das artérias abdominais
ter sido comprometida. Se ele tivesse alguma chance de
sobrevivência, ele precisava de ajuda.
Rápido.
— Escute-me com muito cuidado, Morgan — disse ele,
com a língua estranhamente entorpecida. — Eu quero que
você pegue meu celular da caixa de couro na mesa e ligue para
o primeiro número na discagem rápida. Ninguém vai falar
quando for atendido, mas diga a eles que você está comigo, e
eu estou machucado. Quando eles pedirem, a senha é
Esperanza.
Sentiu tanto calor como frio, e o suor floresceu sobre
seu peito. Ele deu mais um passo para ela e quase
tropeçou. Ela empurrou para frente com ambas as mãos para
fora e atravessou o quarto.
— Diga que você entende. Diga Morgan.
— Você está sangrando. — Sua voz quebrou. — Aqui,
sente-se no sofá. Deixe-me ver.
Ela o guiou até o sofá e, sem protestar, ele a deixou. Com
a dor agora irradiando para fora da ferida em palpitantes
pontas quentes, ele se manteve perfeitamente imóvel
enquanto ela rapidamente desabotoou sua camisa e alisou
sobre seus ombros, em seguida, puxou-o fora de seu
corpo. Ajoelhou-se a seu lado e tocou-lhe o lado, sondando,
com os dedos iluminados pela pele nua. Seus movimentos
eram cuidadosos, quase reverentes, e ele percebeu que estava
tomando cuidado para evitar machucá-lo.
Ela não queria machucá-lo.
Esse pensamento lhe deu tanta dor quanto à lâmina de
vidro embutida em seu corpo. Ele fechou os olhos,
concentrou-se em sua respiração, e deixou o cheiro quente e
profundo de sua pele lavá-lo.
Não é ruim. Esta não era uma má maneira de
morrer. Aqui, com ela, com seu cheiro no nariz e seus dedos
suaves em sua pele. Das mil maneiras que ele imaginara sua
morte, uma tão agradável como esta nunca foi incluída.
— Está limpo, mas não vou mentir, é ruim, — disse
ela. — Eu não vou removê-lo porque isso só vai piorar. —
Ele sorriu, imaginando como ela sabia disso. — Você acha
que pode deitar de lado?
Ele abriu os olhos e olhou para ela, e quando ela olhou
para seu rosto, ele não viu medo ou pânico, mas algo fresco e
destacado que parecia preocupantemente próximo ao
cálculo. Ele congelou seu coração a pedra em seu peito. E foi
quando percebeu que não iria chamar ninguém para pedir
ajuda. Ela iria deixá-lo sangrar aqui no sofá de seda listrado de
trigo e marfim, e depois ter sua liberdade de uma vez por
todas.
E realmente, ele poderia culpá-la?
O quarto inclinou. Ele não tinha muito tempo.
— Eu quero que você saiba que entendo, — ele
murmurou. Seu olhar percorreu seu rosto, memorizando os
planos e ângulos perfeitos, os lábios macios, o arco escuro de
suas sobrancelhas. Ela se afastou, piscando, e ele pegou sua
mão. — Eu sei que isso é algo que você precisa fazer, e eu
entendo. E... Eu não culpo você.
Ela franziu o cenho para ele. — Você não me culpa pelo
quê, exatamente?
— Por me deixar morrer.
Quando seus olhos se arregalaram, ele ergueu a mão para
a bochecha dela e traçou um dedo pela curva de sua bochecha.
Cetim. Perfeito.
Ele sorriu para ela. Então caiu sobre as almofadas macias
do sofá e desmaiou.
17
Legião (traduzido do Latim)
18
Os conservadores (traduzido do Latim)
19
Eleito
20
Servos
— E agradeça a Horus por isso, porque vou ter que ir a
algum lugar longe para me livrar de sua constante
queixa. Você é como uma velha.
— Cuidado, rainha da beleza — respondeu Lix,
tomando a isca. — Ou eu tocarei aquela coleção de sapato
que você tem. Quantos você tem agora, cerca de dez mil
pares? E todos esses produtos de cabelo são realmente
necessários? Você poderia começar seu próprio salão.
Constantine bufou e balançou a cabeça, enviando
lustrosos cabelos suaves derramando sobre seu ombro. Ele
era, de acordo com todas as contas, o mais belo homem do
reino. Alguns diziam que ele era ainda mais bonito do que
a princesa Eliana. As fêmeas desmaiam sobre ele, e ele se
aproveitou muito disso, mas tinha lealdade inabalável a seus
irmãos e sempre foi o primeiro a se colocar no caminho do
mal por um deles. O que era afortunado para ele, ou então o
ciúme provavelmente teria feito todo mundo odiar suas
entranhas.
— Pelo menos eu tomo banho — disse Constantine,
apontando para Lix em voz alta e pontiaguda.
— E você cheira como um jardim de rosas! Esse é o seu
perfume?
— Coloque um ponto final nisso, senhoras, — rosnou
Celian por cima do ombro. — A menos que um de vocês
queira explicar a situação ao rei.
Isso os silenciou. Ninguém jamais quis ser portador de
más notícias para Dominus. Havia apenas uma chance de
cinquenta por cento de que sua língua permanecesse ligada.
Mais alguns minutos de caminhada através do labirinto
subterrâneo silencioso, e finalmente chegaram.
O corredor abriu-se abruptamente num vasto e
crescente espaço decorado como a torre de um castelo
gótico. Não havia janelas neste lugar, mas havia estátuas
egípcias e retratos ancestrais e velas de cera de abelha em
braseiros de ferro gotejando cera para o chão de pedra. Havia
mobília de madeira robusta e tapetes persas e uma longa mesa
com cadeiras esculpidas de espaldar alto que sentavam
trinta. Sofás de veludo vermelho alinhado com a
parede; brilhantes ternos de armadura ladeavam uma caixa de
vidro maciça de armamento antigo.
No centro da sala havia um trono elaborado de madeira
escura com pés arranhados e almofada carmesim. Sua parte
traseira curvou-se acima a um ponto elevado, afiado, em cima
disso empoleirou um crânio humano sorrindo, inclinado em
um ponto.
No trono estava sentado um homem. Ele era grande,
ainda que esbelto e vestido de branco como à neve, o que
contrastava com o brilho de bronze-mel de sua pele. De seu
pescoço pendia um talismã dourado em uma corrente: o Olho
de Horus, símbolo do antigo deus egípcio da guerra e da
vingança. Dominus acredita ser a reencarnação de Horus, e
todos os guerreiros tinham o símbolo marcado em seus
ombros esquerdos quando foram doutrinados na Bellatorum.
— Cavalheiros — disse o rei. Sua voz profunda levava
facilmente a distância entre eles.
— Como vão vocês?
— Bem, senhor. — Celian inclinou a cabeça. Os outros,
alinhados ao lado dele, seguiram o exemplo e permaneceram
em silêncio.
— Bem? — Dominus repetiu em um tom
questionador. Por sua vez, os guerreiros sentiram cada um a
aguda e fugaz picada do olhar do rei sobre eles. — De fato?
Celian levantou a cabeça e encontrou o olhar de seu
mestre. — Nós quatro estamos bem, senhor, — ele corrigiu,
— Mas para Aurelio e Lucien, eu não posso dizer. Eles não
voltaram ao ponto de encontro como combinado.
Todas as velas na câmara balbuciavam com uma brisa
repentina e fria. Celian sentiu seus irmãos ao seu lado tensos
e concentrados em manter seu próprio corpo relaxado, sua
respiração regular. O rei prosperou no medo e sentiu-o como
uma serpente sente um rato. Se não tivesse visto o contrário
por si mesmo, teria pensado que a língua do rei estava
bifurcada.
— O ponto de encontro — retorquiu o rei, sardônico,
descansando contra o dorso de seu trono com uma perna
cruzada casualmente sobre a outra. — O que significa que
vocês se separaram.
— O macho escapou pela parede do Vaticano, senhor...
— Através da parede? — Dominus disse, afiado. Ele
inclinou-se para frente, os olhos vidrados e duros como
obsidiana.
— Quer dizer que ele evanesceu, como nós?
Celian respirou fundo, calculando. Como descrevê-
lo? — Quero dizer, ele passou pela parede. Ele....
Derreteu. Além disso. Ele é impermeável a balas, também.
Os olhos negros do Rei não piscaram. Mas eles
queimaram. Por Deus, eles queimaram.
— Sim. Eu descobri isso sozinho. Muito interessante. E
inconveniente. — Ele parou por um momento,
contemplativo, então, muito suavemente disse: — E a fêmea?
Celian estava temendo isso. O rei não fez nenhum
segredo sobre seu desejo por aquela fêmea.
— Ele passou com ela através da parede.
As narinas do Rei brilharam, mas isso foi tudo. Ele ainda
não piscou.
— Nós reencontramos o macho fora, mas a fêmea se
foi. Aurelio e Lucien foram atrás dela, e tentamos conduzir o
macho na direção oposta, mas ele não seguiu. Nós circulamos
para trás, mas perdemos seu cheiro. E Aurelio e Lucien não
voltaram na hora acordada.
Celian sabia que não era a sua imaginação que tinha a
temperatura na sala caindo em vários graus. Ao lado dele, Lix
deslocou seu peso de um pé para o outro.
— Infeliz — disse o Rei, afiado como a ponta de uma
espada. — Muito infeliz. Especialmente desde que eu fiz
minhas instruções perfeitamente claras.
Uma brisa gelada se agitou em torno de seus ombros
quando os primeiros picos de dor pulsaram através de seus
crânios. Somente Celian permaneceu imóvel contra ele, tendo
sido sujeitado aos dons excruciantes do rei muitas vezes
antes. Seu amo e senhor não somente lia a mente das outras
pessoas como também podia habitá-las, e quando quisesse,
sua raiva os habitava também.
Nesse caso, a raiva do rei parecia uma víbora enfeitada
que deslizava por dentro da cabeça, cuspindo veneno em seu
cérebro.
Os outros começaram subtilmente, a inquietar-se. D
rolou os ombros; um deles rachado. Lix mudou de peso
novamente, e Constantine flexionou as mãos abertas e
fechadas.
— Faciles, — Celian murmurou. — Calma rapazes. Se
acalmem.
Um gato, uma das centenas que corriam selvagens em
todas as catacumbas, apareceu por trás do trono, onde ele
estava dormindo no chão de pedra. Preto puro e lustroso, era
uma miniatura perfeita para seu tipo em sua forma animal
verdadeira. Exceto por seus olhos, que brilharam amarelos
vivos na sala iluminada por velas. O Bellatorum – nascido na
escuridão, crescido na escuridão, treinado para lutar e matar
na escuridão – tinha os olhos negros. O gato esfregou o rosto
contra uma perna do trono, depois saltou em um gracioso
salto para as pernas cruzadas do rei.
Ele começou a acariciá-lo atrás das orelhas. Ele
ronronou e se acomodou em seu colo.
— Esperaremos até a meia-noite para ver se Aurelio e
Lucien voltam com o que é meu, — disse o Rei
suavemente. — E se não o fizerem, — voltou seus olhos
pretos ardentes para Celian e seus lábios curvados em um
sorriso, — Vou exigir compensação.
A pele de Celian rastejou. Ele sabia que compensação o
rei exigia. Uma coisa, somente uma coisa que comprava
expiação do desagrado do rei: dor.
A dor seria seu dízimo para o fracasso.
— Sim, senhor — disse ele, sua voz muito baixa.
Um rosnado rugiu pelo peito de Constantine, e o rei
sorriu ainda mais. — Sempre o protetor, Constantine. E ainda
como você me desagrada com este show de preocupação para
seu irmão. Sua lealdade está comigo primeiro, não é?
Constantine levantou a cabeça e encontrou os olhos
frios do rei. — Sim, meu senhor.
— Bom. Porque será você quem dispensará a punição
de Celian se seus outros irmãos não retornarem com a fêmea.
Celian sentiu Constantine endurecer-se e queria estender
a mão para soca-lo. O Desafio poderia matá-lo. Ele não valia
a pena.
— Como você desejar, meu senhor — disse
Constantine, lentamente, a raiva escurecendo seu rosto.
O rei voltou ao seu trono, pensativo, acariciando o
gato. Ele os olhou, um por um, calculando. — Considerai-vos
afortunados, cavalheiros. Eu estou de bom humor, porque
três homens sobreviveram à transição esta semana. Temos
vários outros Liberi21, que em breve serão testados, e temos a
promessa de uma nova puro-sangue em nossas mãos. As
coisas estão indo bem, vocês não concordam?
Os guerreiros responderam como um, suas vozes
ecoando na câmara de pedra. — Sim senhor!
Dominus deu uma risadinha. — E estou mais perto do
que nunca de aperfeiçoar o antissoro. Sim, as coisas estão
definitivamente indo bem.
Nenhum deles sabia exatamente o que ele estava
falando, mas ninguém comentou ou questionou.
Perguntas nunca eram permitidos.
Dominus suspirou e sacudiu-os com um movimento do
pulso. — Preparem-se, então. Vou acompanhá-lo na fovea à
meia-noite.
Os irmãos se curvaram e se afastaram para a saída, mas
pararam quando ouviram a voz do rei.
— E Constantine?
Ele virou. — Sim senhor?
— Pegue o chicote ‘gato de nove caudas’. — Seus lábios
se curvaram em um sorriso, frio e vermelho. Ele olhou para
21
Livres (traduzido do Italiano)
Celian. — Quero ver sangue.
Três horas depois que Morgan fez a ligação com o
telefone de Xander, ela ouviu uma batida forte na porta da
suíte do hotel.
Nessa altura, tinha pouca esperança de que ele pudesse
sobreviver. Seu pulso acelerou rapidamente como um beija-
flor, depois parou por segundos de cada vez, sua pele estava
cinza, e sua respiração muito fraca.
E o sangue. Tanta parte de seu sangue tinha vazado de
sua ferida que ela chegou a pensar que não haveria nada para
seu coração bombear através de suas veias.
Ela estava agachada no chão na frente dele o máximo
que podia, com a camisa encharcada de sangue pressionada
na ferida, até que suas pernas estavam apertadas e ela se
reposicionou no sofá ao lado dele, ignorando o sangue que
percorreu sua saia e blusa das almofadas do sofá, entre seus
dedos do corte em sua barriga. Ela não se moveu desde
então. Sua mente se recusou a considerar as implicações de
sua morte e, em vez disso manteve um laço infinito de
imagens de Xander desde que eles se conheceram.
Seus olhos ardentes de tigre se enroscavam em um mato
de cílios negros, seu sorriso perverso, a maneira como ele se
movia como um caçador silencioso e mortal, aquelas
cicatrizes por todas as costas. Sua expressão terna e sangrenta
quando ele disse que não a culpava por deixá-lo morrer.
Esse beijo.
Aquela parte era a que se recusava a desaparecer, não
importava o quanto ela tentasse afastá-lo.
Então, quando a pancada finalmente chegou, ela ficou
aliviada. Por cerca de cinco segundos, até que ela abriu a
porta.
Lá no corredor havia três machos. Dois eram
obviamente Ikati, grandes e carrancudos e exalando o tipo de
ameaça e poder que só um macho de sua espécie faz. Um
tinha cabelos escuros nos ombros e olhos tempestuosos,
incrivelmente incolores; o outro tinha cabelo aparado curto
como Xander e olhos a sombra exata de grama nova. Ambos
tinham armas levantadas, apontadas para seu rosto.
Eles flanqueavam um terceiro macho, menor, mais
velho, com óculos.
— E humano.
Ela não teve tempo para perguntar sobre isso porque foi
sumamente empurrada de lado quando eles empurraram
passando ela no quarto.
O humano caiu de joelhos na frente do sofá, escavou um
estetoscópio da maleta de couro preto que carregara e escutou
o coração de Xander. Ele fez um exame físico superficial com
dedos ágeis que eram gentis e seguros: pulso, inspeção da
ferida, dilatação da pupila, levantando primeiro uma pálpebra,
em seguida, a outra para brilhar uma lanterna do tamanho de
uma caneta em seus olhos. Os dois Ikatis realizaram uma
varredura rápida, silenciosa dos quartos e terraço, olhando por
trás de portas, verificando fechaduras e saídas. Quando
estiveram satisfeitos que nenhuma ameaça se escondia no
interior, o Ikati de olhos verdes colocou a arma no coldre na
frente de sua cintura e foi colocar-se sobre o médico enquanto
ele trabalhava. Ele observou em silêncio enquanto o outro
macho fazia uma rápida verificação dos dois corpos que
estavam deitados no chão durante as últimas horas. Cinzentos
e rígidos começavam a emitir o fraco e distinto odor de
decadência.
— E? — Disse o Ikati de olhos verdes. Sua voz era
profunda e grave.
O humano ajustou seus óculos e fez um pequeno ruído
insatisfeito. Os tufos de cabelo branco cobriam a cabeça
como uma coroa de nuvens em miniatura. — Ele perdeu
muito sangue, Matheo. Tenho que fazer uma cirurgia para
tirar esse pedaço de vidro e parar o sangramento, mas não
podemos levá-lo para a casa segura assim. Ele vai morrer antes
de o levarmos para lá.
Matheo passou a mão pela cabeça e amaldiçoou. O outro
homem Ikati terminou sua inspeção dos corpos e parou,
examinando o quarto com aqueles olhos esfumaçados.
— Eu disse que devíamos ter trazido um doador.
— Nós não temos tempo, Tomás, — Matheo
respondeu afiado. — E onde diabos teriam encontrado um,
afinal?
— Com licença, — Morgan disse. Todos a ignoraram.
— Vamos levá-lo para cima da mesa — disse o humano,
apontando para a brilhante mesa de jantar de mogno.
— Eu posso trabalhar melhor lá em cima. E eu vou
precisar de toalhas e cobertores, e algo para ele morder se nós
vamos fazer a cirurgia aqui. Uma colher de pau é boa.
— Hum, cavalheiros? — Morgan tentou novamente. E
falhou novamente. Os dois Ikati pegaram os ombros e pernas
de Xander, enquanto o humano correu com sua maleta e
começou a limpar os arranjos de flores de seda do centro da
mesa.
— Calma e cuidado com sua cabeça! — Repreendeu o
homem enquanto Matheo e Tomás o colocavam sobre a
mesa. Xander sacudiu e gemeu quando ele foi deitado, mas
suas pálpebras permaneceram fechadas. — Coloque-o de
lado, assim — disse o homem, trabalhando sobre ele. —
Gentilmente, por favor. Suavemente.
— Rapazes.
— Meu deus, ele perdeu muito sangue, — Tomás
murmurou. Ele ficou de pé na cabeceira da mesa, olhando
para o rosto pálido de Xander, seus lábios azuis.
— Ele é forte — disse Matheo, aos pés de Xander. Seu
rosto estava quase tão pálido quanto o de Xander, sua
mandíbula apertada. — Ele já passou por muito pior.
Morgan limpou a garganta. — Posso apenas ter uma
palavra.
— Ele não vai durar muito sem uma transfusão, —
murmurou o médico, olhando para a parte inferior das costas
nuas de Xander. — Você vai ter que encontrar alguém local,
e rápido porque ele está desaparecendo.
— Deixe-o morrer, e vamos ter a sua cabeça, Bartleby,
— disse Tomás, eriçado.
— Nada útil, — disse Matheo, observando como o
homem empalideceu sob o ataque da raiva de Tomás.
Ele se dirigiu diretamente ao médico. —
Não há ninguém local. Não há colônia na Itália, e obviamente
não pode ser nenhum de nós desde que seu corpo vai rejeitar
sangue de outro macho. Você só vai ter que encontrar uma
maneira de fazê-lo funcionar sem isso.
— Olá! — Gritou Morgan.
Três cabeças giraram em sua direção.
— Eu posso lhe dar sangue, — disse ela, mais calma
agora que tinha sua atenção. — Posso ser a doadora.
Congelado, Bartleby olhou primeiro para Matheo,
depois Tomás, que se voltou para olhá-la com o olhar plano
e assassino. Ninguém se moveu.
— Você é o mark, — disse Matheo. Destemido, seu
olhar percorreu seu corpo.
— Eu sou Morgan, na verdade, — ela respondeu
bruscamente.
— Mark significa alvo, — Tomás interrompeu com uma
onda de seu lábio superior completo. —
Acertar. Trabalho. Pombo. Vítima.
— Que esclarecimento. — Morgan interrompeu,
cruzando os braços sobre o peito. Ela olhou para ele com
tanta força que pensou que seus olhos podiam se desviar do
esforço. — Obrigada pela lição de vocabulário. Agora você
vai me deixar ser o doador ou deixar seu menino sangrar até
morrer naquela mesa encantadora de Cassina?
Seguiu-se um silêncio longo e crepitante.
Morgan estava no final de suas reservas de paciência, um
poço que era superficial sob as melhores
circunstâncias. Estava exausta. Seu corpo doía, seus ossos
doíam até mesmo os dentes doíam, e seu sangue fervia como
se alguém tivesse acendido um fogo sob seus pés. Se ela
tivesse algo para compará-lo, ela teria pensado que estava
ficando com a gripe. Portanto, o fato de que havia dois
estranhos homens hostis olhando para ela como se fosse o
almoço, não a assustou tanto quanto deveria.
— Ele só pode ter sangue de uma fêmea Ikati, — ela
disse, exasperada com o seu silêncio contínuo, sua hostilidade
estreitando os olhos — E se ele não conseguir logo, vai
morrer. Certo? — Ela acrescentou, olhando para o
humano. Com um rápido mergulho na cabeça branca, ele
assentiu. Ela acenou de volta, já sabendo a resposta antes que
perguntasse. Ikati não tinha tipos de sangue, não há doenças
transmitidas pelo sangue, e sangue humano era inútil para eles,
tão fraco como água. Apenas uma fêmea poderia doar sangue
ao macho e vice-versa.
— Então eu estou oferecendo, — ela disse em
conclusão.
Ainda sem resposta. Matheo e Tomás olharam para ela
enquanto em algum lugar lá fora um cão começou a latir.
Morgan exalou e deixou cair os braços para o lado. A
exaustão afundou-se para manchar seus ossos, e sentiu de
repente como se sua pele estivesse apertada demais. — Tudo
bem, — disse ela, amargurada. — Está com vocês, então.
Quando a Assembleia perguntar o que aconteceu, são vocês
que vão responder.
Ela se virou e estava prestes a caminhar até o telefone na
mesa de vidro na sala de estar para ligar para Leander quando
a voz áspera de cascalho de Matheo a deteve.
— Por que você faria isso?
Em suas rígidas roupas cobertas de sangue, Morgan
voltou-se e olhou para ele. Ele olhou de volta para ela, todo o
músculo e massa e ameaça de olhos verdes, a luz brilhando
preto azulado fora de seu cabelo.
— Se eu não estou enganado, sua missão é matá-la, se
você falhar em sua tarefa. Por que você vai lhe doar seu
sangue? — Ele persistiu.
Boa pergunta. Infelizmente, ela não tinha uma boa
resposta. Pelo menos, não uma que fizesse qualquer tipo de
sentido. Ficou ali parada por quase um minuto, pensando.
— Ele acabou de salvar minha vida, — ela finalmente
respondeu, gesticulando para os dois corpos esparramados
como prova sangrenta no terraço e no chão da sala. — Devo-
lhe pelo menos uma oportunidade. Ele merece isso de
mim. E... Porque eu quero que ele fique vivo. — Ela soprou
um suspiro longo, exausto, percebendo o quão insana ela
soou até mesmo para si mesma, percebendo também que era
a verdade honesta de Deus. — Mesmo que isso signifique...
— Que ele finalmente terá que me matar, pensou. E que eu
sou uma idiota autodestrutiva com um desejo de morte. Mas
ela não disse isso. Em vez disso, ela mal terminou com, — ....
Você sabe.
Um nervo atrás de seu olho pulsou, enviando um pico
de dor através de seu crânio. Ela apertou os dedos contra isso,
pensando que esta seria a mãe de todas as enxaquecas. E
como isso era possível, já que ela nunca teve uma
antes? Somente os humanos sofriam dores de cabeça. Os
seres humanos e fêmeas Ikati que estavam prestes a...
— Você nos honra — disse Matheo, rouco.
Piscando, ela deixou cair à mão de seu rosto e olhou para
ele. Ele estava olhando para ela com algo como... admiração.
— O que? — Ela olhou para Tomás, cuja expressão
mudara de uma suspeita total apenas alguns segundos antes
para uma que parecia alarmantemente próxima da gratidão.
— O que você faz com qualquer um de nós, você faz
a cada um, — Tomás respondeu enigmático, seus olhos
correndo ao redor curiosamente.
Morgan olhou para trás e para frente entre os dois
machos Ikati e o congelado, médico humano estupefato. —
Uh...
— É o código deles, — disse o médico com um rápido
olhar para os companheiros. Ele empurrou os óculos para o
nariz. — O código do assassino. Atravesse um, e cruza com
todos nós. Mate um, mate a todos. Ama um...
Ele limpou a garganta. — Ama a todos nós.
— Mais assassinos, — Morgan disse um pouco mais
fraca do que ela teria gostado. Ela fechou os olhos. —
Quantos vocês são exatamente?
— Quatro — disse Matheo e Tomás juntos.
Poderia ter sido pior. Pelo menos não eram
quatrocentos. Ela olhou para Xander e de volta para eles. —
Onde está o outro?
Matheo respondeu desta vez. — Esperando lá embaixo
com o carro.
— O carro?
Sua voz áspera estava tingida com algo como
diversão. — Você não acha que nós íamos voar para fora
daqui, não é?
Uma menina só pode esperar. — Ok. Vamos acabar
com isso, — ela suspirou.
— Vamos, Doutor — disse Matheo a Bartleby.
O médico saltou em um borrão de ação. Ele pegou sua
bolsa preta e removeu uma grande seringa de aparência
perversa e um comprido tubo de plástico com cânulas de
prata pontiagudas em cada extremidade. Enfiou a tubulação
através da seringa, preparou uma pequena garrafa de vidro
que cheirava a álcool, uma pilha de ataduras brancas e bolas
de algodão e colocou tudo na mesa ao lado da forma imóvel
de Xander. Ele agarrou um par de finas luvas de látex.
— Na mesa, por favor. — Ele fez um gesto com a mão
aberta para a longa mesa de jantar. Morgan sentou-se na beira
com tanta dignidade quanto ela podia reunir em suas roupas
manchadas de sangue com as pernas nuas penduradas sobre
o lado como uma criança. Ela cruzou então descruzou as
pernas, notando com nenhuma trepidação que nem Matheo
nem Tomás estavam olhando para qualquer coisa além dela.
Sentia-se como uma formiga sob um muito grande –
muito masculino – microscópio.
— Deveria deitar-se — disse Bartleby suavemente. Fez
levantar uma mão para seu ombro, mas um rosnado baixo de
Tomás rapidamente o despojou dessa ideia. Sua mão caiu para
seu lado. Seu rosto ficou rosado.
— Peço-lhe que se deite?
— É realmente necessário?
— Você pode ficar um pouco tonta, — ele disse,
olhando entre Matheo e Tomás.
Quando ele falou de novo, sua voz se desculpou.
— E isso vai doer.
Ela olhou para Xander, bonito e inconsciente, à beira da
morte, e se perguntou se doeria tanto como uma faca enfiada
entre as vértebras de seu pescoço. O pensamento fez o sangue
escorrer de seu rosto. Ela se deitou ao lado dele em um rápido
movimento. O médico enrolou a manga da blusa e esfregou
o braço com álcool.
— Quanto tempo vai demorar?
— Não muito tempo. — Ele cuidadosamente passou o
algodão no braço de Xander, em seguida, reposicionou-o,
com a palma para cima, tentando equilibrá-lo em seu quadril.
Não deu certo. — Segure assim, se puder — disse ele a
Matheo. O assassino obedeceu, em silêncio, se aproximando
tão grande sobre a mesa que ele bloqueou o orbe de luz da
lâmpada no teto acima.
Ela fechou os olhos, respirou pelo nariz e tentou não
pensar na estupidez colossal do que estava fazendo.
Havia um pingo de dor em seu braço, a mordida de aço
frio deslizando em sua veia, um puxão quando a agulha foi
fixada e seu sangue foi bombeado para fora de seu
corpo. Então nada.
Ela falou no silêncio sem abrir os olhos. — Está
funcionando?
— Perfeitamente — murmurou Bartleby. — Só mais um
momento e ele vai bater em sua veia, — Xander deu uma
sacudida como se tivesse sido eletrocutado.
Suas pálpebras se abriram. Ao lado dela, seu grande
corpo se transformou em um arco musculoso e tenso, que
Matheo e Tomás estavam fazendo o possível para segurá-lo,
sobre a mesa.
— O que há de errado? — Ela gritou, entrando em
pânico. Ela sentou-se abruptamente e ficou tonta. — O que
aconteceu?
— É bom, é completamente normal, — Bartleby
acalmou, estendendo a mão para verificar a agulha em seu
braço e a conexão com Xander. Ele lhe enviou um olhar
estranho e lateral. — É apenas seu sangue atingindo seu
sistema. Por favor, fique quieta tanto quanto puder. Ele vai se
acostumar em um momento.
E, enquanto observava fascinada, ele o fez.
Os músculos do seu braço relaxaram primeiro. Então
sua mandíbula se soltou, suas costas e suas pernas. Com um
gemido baixo que reverberou através de seu corpo, Xander
caiu de volta contra a madeira fresca e polida e deu um suspiro
longo, estremecendo. O calor irradiava dele em ondas
pulsantes como se estivesse envolvido em uma chama
invisível.
Matheo e Tomás também relaxaram e sopraram
respirações duras e aliviadas. Eles deram um ao outro um dos
olhares que o médico acabou de lhe enviar, e ela estava
abruptamente envergonhada.
Ela exagerou. Eles pensaram que ela era uma mulher
histérica.
— Nunca vi fazer isso antes, — admitiu Morgan, um
pouco envergonhada. Ela era a única menina em uma ninhada
de cinco, e embora seus dois conjuntos de irmãos gêmeos
fossem mais jovens, eles eram – de acordo com seu gênero –
tinham muito mais clemência e privilégios do que ela. Mesmo
que ela fosse mais esperta, mais forte, mais rápida, como uma
menina, ela quase foi sequestrada por causa de seu sexo. Até
que sua mãe morreu, e então ela correu selvagem...
Ela olhou para eles. — Eu não achei que seria tão....
Dramático.
— Normalmente não é, — disse Bartleby. Uma pequena
carranca franziu as sobrancelhas. Ele lançou um rápido e
furtivo olhar para Matheo. — Não é nada anormal, mas esse
tipo de reação geralmente só acontece com...
— Verifique, doutor, — disse Tomás, com força. — A
menos que você queira acabar parecendo um saco de lixo
esmagado, esta conversa não exige sua entrada.
Bartleby ficou branco, engoliu e sentou-se abruptamente
em uma das cadeiras acolchoadas da sala de jantar.
— O que, — Matheo rosnou de volta para Tomás. —
Nós precisamos dele, então você vai aliviar sobre essa merda.
E manter sua cabeça fria limpa na frente
da ultimecia22. Estamos entendidos?
22
Ele estava se referindo a ela entrando na sua febre. (No cio)
Tomás olhou para ele, longa e duramente, como se
estivesse contemplando os méritos do estrangulamento
contra um duro chute no peito. Sem pestanejar, Matheo olhou
para trás. Depois de um inclinar de queixo, Tomás respirou
fundo, deu um passo para trás e disse: — Claro como um
maldito sino, irmão.
Morgan olhou para trás e para frente entre eles,
querendo saber o que Bartleby estava prestes a dizer, e por
que Tomas não queria que ele falasse, e que droga era
um ultimecia. Mas ela estava cansada demais para fazer algo a
respeito. E quente. A sala de repente pareceu como um
forno. Ela levantou a mão para a testa e ficou surpresa ao
encontrá-la coberta de suor.
— Você tem alguma coisa naquela bolsa para dor de
cabeça, doutor? — Ela esfregou seu olho esquerdo. — Estou
me sentindo um pouco...
— Fraca? — Ele forneceu de sua cadeira, olhando-a
atrás de seus óculos redondos com um olhar estranhamente
intenso. — Tonta? Febril?
Ela assentiu, franzindo a testa. Como ele poderia saber
disso?
Ele se levantou e revirou através de sua maleta, veio com
um termômetro digital. — Posso tomar a sua temperatura?
O assentindo de novo, e ele veio ficar ao lado dela. Ele
afastou o cabelo, colocou o termômetro na orelha. Em cinco
segundos, ouviu-se um sinal sonoro. Ele retirou o item de
plástico e olhou para ele. Seu rosto ficou ainda mais
branco. — Oh, querida — disse ele.
O pânico começou a agitar seu estômago em nós. — O
que? Estou doente?
— Não, não, nada disso. Você está perfeitamente
saudável. — Ele murmurou, distraído. Voltou-se para sua
maleta preta e depositou o termômetro dentro, então mediu
o pulso de Xander e rapidamente tomou sua pressão arterial
com um punho de velcro em torno de seu bíceps.
— O que é então? — Ela pressionou.
Olhou fixamente para Matheo e Tomás, depois de voltar
para ela, tentando, ao que parece comunicar algo crucial. —
É só um pouco de... — ele tossiu, —... Coisas de fêmeas, você
sabe.... Eu tenho algo para isso. — Seu rosto flamejou
brilhante, vermelho carmesim.
Morgan estreitou os olhos. Coisas de fêmeas?
— Vamos fazer esse show na estrada, Doutor. —
Interrompeu Matheo, olhando para o relógio. Ele puxou um
telefone de um bolso em sua calça e apertou um número. —
Nós estamos descendo em cinco, — ele disse para quem
respondeu na outra extremidade. — Mantenha ligado. — Ele
fechou e colocou de volta na calça, então se dirigiu a
Bartleby. — Estamos prontos?
— Sim, sim — disse ele, agitando-se sobre Xander. —
Ele já teve o suficiente da transfusão. Ele já está forte o
bastante para ser movido. — Seu olhar voltou-se novamente
para Morgan, então ele se virou e terminou de fazer as coisas.
Matheo estendeu a mão. — Você está pronta?
Morgan respirou fundo e olhou para ele. — Pronta
como sempre estarei. — E ele pegou sua mão na dela.
Xander acordou deitado de costas, numa sala quieta,
com a língua colada ao céu da boca e a dor latejando no
abdômen.
Ele se manteve imóvel em velho hábito, seus olhos
fechados, medindo seu ambiente com seus sentidos.
Qualquer pessoa olhando para ele teria pensado que ele
ainda estava dormindo, mas estava em alerta imediato,
preparado e pronto para lutar, embora estivesse deitado, e a
dor em seu lado era substancial, e ele poderia dizer pela
tontura que perdeu muito sangue.
Ninguém estava na sala com ele. Ele explorou sua
consciência mais adiante, através das paredes, através de salas
vazias, até que ele se encontrou com uma parede fria de
chumbo onde sua exploração abruptamente parou. Bom.
Isso era bom. O chumbo significava uma casa segura, o
que significava que eles foram buscá-lo.
O que significava que Morgan não o deixara morrer
depois de tudo.
O pensamento dela enviou uma lança de dor pelo
peito. Seus olhos piscaram abertos e ele ergueu a cabeça,
olhando ao redor. Uma cama estreita, alguns móveis simples,
um banheiro acessado através de uma porta entreaberta,
instrumentos cirúrgicos e ataduras em uma mesa de prata
rolante nas proximidades. Não havia janelas, mas ele sentiu
que estava perto do nascer do sol. Há quanto tempo ele estava
fora?
Com um esforço que enviou a dor irradiando em suas
pestanas pesadas para abrir, sua espinha e até os dedos dos
pés, Xander empurrou o lençol de lado e se sentou.
Ele estava nu, vestido com apenas um grande curativo
branco enrolado firmemente em torno de sua cintura. Estava
manchado de ferrugem com sangue em círculos erráticos no
lado direito. Ele inalou, testando os limites de sua tolerância,
e descobriu que podia respirar fundo sem esforço. Suas
costelas não estavam comprometidas e, como ele podia
mover os braços e as pernas, sua coluna também não estava
comprometida. Isso foi um alívio, porque a última coisa que
ele lembrou antes de desmaiar foi uma terrível dormência em
suas pernas.
Ele sentou com cuidado, equilibrando seu peso sobre
seus joelhos dobrados. Suas costas protestavam com uma dor
aguda e punhalada, mas era tolerável, menos do que quando
se sentara. Ele estava vivo, se não perfeitamente bem. Mas
não importava a lesão, ele curaria rapidamente. Se não
estivesse morto, ficaria bem dentro de dias.
Atravessou a sala, encontrou as calças pretas e a camisa
que foram dobradas em uma cadeira, e as puxou
cuidadosamente com os dentes cerrados. Suas armas estavam
dispostas em uma fileira no topo da cômoda lisa, e ele sorriu
quando colocou isso também, amarrando as facas em torno
de sua cintura e tornozelos. Ele puxou um par de novas botas
pretas, tamanho quinze, militar, e amarrando os laços.
Então ele saiu pela porta e foi encontrá-la.
A casa segura, uma das dezenas do Sindicato mantido
em todas as grandes cidades do mundo, era uma villa
remodelada na região montanhosa e moderadamente rica em
Aventino, Roma. Possuía vistas de 360 graus da cidade e mais
de dez mil pés quadrados de espaço vital, a grande maioria no
subsolo. Da rua, era uma modesta casa de tijolo e argamassa
com por volta de um século de idade, cercada por uma cerca
de ferro alto, com jardins e árvores e um gnomo de gramado
barbudo e gordinho junto ao portão da frente, cujo chapéu
vermelho apontado há muito desbotou para rosa, e um
sistema de segurança para rivalizar com o de Fort Knox.
Os quartos e sala de descanso ficam no piso inferior, a
cozinha, sala de jantar e meios de comunicação no segundo
andar, academia e centro de treinamento no primeiro andar
subterrâneo. Acima, era simplesmente uma casa. Uma casa
lindamente decorada, desocupada, porque ninguém jamais
comia, dormia ou vivia ali. Acima era tudo para mostrar. Uma
vez que você desceu para além da porta de ligação reforçada
para o ‘Porão’, você entrava em outro mundo.
Passou por seis quartos desocupados e encontrou-se
sozinho. Uma escada virou-se para a sala principal, que era
um grande espaço aberto decorado em carvões escuros e
castanho e bege sem um toque de suavidade feminina. Além
disso, estavam à sala de jantar e a cozinha - modernas e
masculinas como o resto das áreas subterrâneas, e assim que
alcançou o degrau mais alto da escada, ouviu a voz áspera de
cascalho de Matheo vindo daquela direção.
— Não aguento mais, T.
Lá veio um grunhido agitado, então o som das botas
andando para frente e para trás sobre o piso.
— Você não pode! Eu sinto que vou arrastar para fora
da porra de minha pele.
— Se ele não acordar logo, teremos que deixar Bartleby
aqui com ele e voltar quando isso passar.
Xander congelou, escutando.
— Quanto tempo demorou?
— Três dias menos dezesseis horas — murmurou
Matheo. — E contando.
Gemidos — Jesus Cristo.
Ele esperou, mas não disseram mais nada. A curiosidade
tomou conta dele, e ele se dirigiu silenciosamente para a
cozinha, onde ficou ali na porta, despercebido, olhando-os.
Seus garotos. Seus irmãos, de coração se não em Sangue.
Eles eram assassinos como ele – coletivamente
chamados de Sindicato pelo resto de sua espécie – e como ele,
eles eram filhos desonrados de machos poderosos que foram
entregues como crianças à tutela brutal do mestre de capoeira
Karyo, um ser humano, a colônia de Manaus manteve-se em
retenção porque era uma máquina de matar perfeitamente
mantendo os lábios apertados sobre seus – únicos estudantes
e seus parentes, que pagaram tão generosamente por seu
silêncio. Ou era estudar sob Karyo ou ser jogado no Poço
Afogado; trazendo vergonha ao nome da família não era bem
tolerado por seu tipo, e pelo menos a Academia ofereceu uma
chance para salvar a cara.
Ele ofereceu a seus pais uma chance de salvar sua
reputação. Os jovens que se tornariam os assassinos
endurecidos do Sindicato nunca se importaram com coisas
assim.
Matheo era o filho de um duque, Grande do
Império. Aos seis anos de idade ele chamou seu pai pomposo
de um cachorro puto – filho da puta – na frente de toda a
Assembleia de Manaus. Ele agora se apoiava contra o balcão
junto a pia, os braços musculosos cruzados sobre o peito,
mastigando o lábio inferior.
Tomás, filho mais velho do casamenteiro da colônia,
queimou a casa de sua família até o chão quando ele tinha oito
anos em um ataque de raiva depois que seu pai espancou seu
traseiro nu no meio dos cultos dominicais quando ele não
parou de se contorcer no banco. Ele estava sentado à grande
mesa de madeira quadrada, com um joelho pulando para cima
e para baixo, com a cabeça inclinada, as mãos sobre a nuca.
Julian, um crânio-triturador gigante de um macho com
cabelo escuro desgrenhado que sempre dirigia o carro de fuga
não importa o trabalho, roubou maçãs de uma árvore do
vizinho. Sentava-se encurvado sobre uma tigela de massa na
mesa, empurrando-a mecanicamente na boca com um olhar
inexpressivo, como se nem sequer soubesse o que estava
comendo.
E ele, Xander, simplesmente nasceram da mulher errada.
Eles treinaram juntos no Brasil desde a infância nas belas
artes do assassinato e do caos, até que seus três irmãos
adotados entraram nas forças armadas americanas como
espiões e ele ficou lentamente insano.
Eram as únicas três almas no mundo que ele confiava
em sua vida. Eles sabiam todos os seus segredos e ele sabia
tudo deles, e se algo era mais próximo do que isso, ele não
viu.
— Meninos — disse ele.
Incrivelmente, todos os três saltaram. Eles o olhavam
como se fosse Lázaro, ressuscitado dentre os mortos.
Suas sobrancelhas se arquearam.
— O que estão fazendo, cavalheiros?
E então eles estavam sobre ele como uma matilha de
cachorros enormes, ásperos e caídos, abraçando-o, dando-lhe
um tapa nas costas, fazendo-o sentir o dobro de dor com os
braços espremidos ao redor de sua cintura.
— Você parece uma merda, — disse Tomás quando
acabou. Ele deu um passo atrás para olhar para ele com um
olhar crítico. — Você não deveria estar acordado ainda.
— Como está o corte, cara? Pensei que o perderíamos lá
por um minuto, mano. Você estava bem cortado, — disse
Julian, sua grande mão enrolada no ombro de Xander.
Matheo apenas o olhou de cima a baixo e sacudiu a
cabeça. — Você é uma merda resistente, sabe disso?
— E você é tão feio quanto me lembro, — respondeu
Xander, sorrindo. — Mas eu acho que um jarhead23 não é
para ser bonito, certo?
— Marinheiro, idiota, — rosnou Julian ao lado dele. —
Jarhead é um marinheiro. E temos cabelo melhor.
— Sim, bem, você é toda a forragem do canhão até as
forças armadas. Mas nós sabemos o que você realmente é,
não é? — Ele piscou, e o grande macho sorriu para ele,
balançando a cabeça e deu um tapa no ombro.
— Ele é um motorista de merda, é o que é, — disse
Tomás num tom afetuoso, olhando para o lado de Julian. —
Nós teríamos chegado a você mais cedo no hotel, mas
conduzir Senhorita Margarida aqui tendo seu tempo doce
deixando Monte Carlo.
Julian franziu o cenho para ele. — Eu fiz uma viagem de
sete horas em menos de três horas, idiota. Supere isso!
23
Marinheiro
Tomás encolheu os ombros. — Teria sido mais rápido
se aquele ônibus de modelos de biquíni não estivesse
descarregando na frente do Fairmont. — Ele sorriu as linhas
ao redor de seus olhos arranhando. — Pensei que você ia ter
um chicote. Ou um ataque cardíaco.
— Você dirigiu até aqui de Mônaco? — Xander disse
surpreso. — O que vocês estavam fazendo lá?
Os três sabiam voar - e sequestrar - qualquer coisa, desde
um Cessna de um só motor a um avião de caça militar, então
ele supunha que viriam de avião. Felizmente estavam perto o
suficiente para chegar a ele rapidamente. Se estivessem em
Quebec ou Manaus, suas chances de sobrevivência poderiam
ter sido exatamente zero.
Tomás e Matheo compartilharam um olhar severo. —
Ali Baba nos enviou para fazer reconciliação com algum dono
de um cassino grande nomeado Stark, — disse Matheo. —
Parece que ele está com esse cara Stark por algum dinheiro
sério e está procurando uma saída. E se Stark tem um
pequeno acidente, por assim dizer, Ali Baba não terá que
pagar a todos.
Xander apertou a mandíbula. — Ele está jogando de
novo, — ele disse, e os outros três assassinos assentiram.
Ali Baba era o apelido para o meio-irmão de Xander,
Alejandro, que governava como Alfa a colônia de
Manaus. Um homem vaidoso, indisciplinado, desajeitado
com um ego do tamanho de um país pequeno, Alejandro era
também incrivelmente afortunado. Daí o apelido. Embora ele
tivesse uma habilidade para ganhar grandes quantias em
cassinos – e ocasionalmente perder grandes, o que parecia que
ele fez recentemente – que não era o que lhe mereceu o
apelido sarcástico dado por Tomás anos atrás. O Sindicato
chamou-lhe Ali Baba porque ele foi coroado Alfa apenas por
uma sorte do destino que o impulsionou para uma posição de
poder que ele não ganhou e não merecia. Ele não era tão
dotado como Xander, ou metade tão forte ou inteligente.
Mas ele era o filho primogênito da nova esposa de seu
pai. A nova esposa que odiava Xander com uma ferocidade
elementar e foi finalmente responsável por tê-lo enviado para
a Academia. A nova esposa que levou Xander da casa da sua
mãe quando ela morreu. Mais corretamente, quando ela foi
morta.
Pelo seu pai.
História antiga, isso. Mas algumas cicatrizes nunca
desaparecem. Como as cicatrizes em suas costas, onde seu pai
o chicoteou sempre que ele era desobediente e, em seguida,
derramou sal sobre a pele esfolada apenas para ouvi-lo
gritar. Assim, a menção do nome de seu meio-irmão fez seu
sangue ferver.
— O jogo terá que parar quando o resto dos Alfas se
reunirem em Manaus — disse Xander, sombrio, pensando no
movimento que todas as colônias se preparavam para
fazer. Desde que o Expurgari descobriu os locais de todas as
colônias exceto Manaus, os preparativos foram nos trabalhos
para combinar todas as quatro colônias em uma mega-
colônia. A logística estava provando ser um pesadelo, mas
uma vez que Alejandro foi cercado por três outros Alfas
rosnando, não teria uma possibilidade de ficar longe com sua
idiotice usual.
E esperava que ele faça algo para urinar em um deles e
houvesse uma sangrenta-luta-de-morte.
— Talvez — disse Julian. — Mas o nosso amigo Sr.
Stark ainda não acordou de manhã.
— Falando de manhã, quanto tempo eu estive fora? —
Xander perguntou curioso quanto tempo ele levou para curar
desta vez. Ele não estava totalmente operacional, é claro, mas
um ser humano não teria sobrevivido ao golpe que ele tomou
e estar em cima e de volta tão breve.
Silêncio, tensão súbita e olhares furtivos passaram de um
lado para o outro. Matheo disse: — Dezesseis horas.
Exatamente.
O sistema nervoso de Xander ficou em alerta
instantâneo. Eles estavam falando quando ele entrou na
sala, três dias menos dezesseis horas, Matheo disse... O que
isso tinha a ver com Morgan – se ela tivesse sido ferida? Onde
ela estava? Algo em seu peito se esfriou.
Sua voz baixou uma oitava, ele disse, — O que há de
errado?
— Como está o seu faro, X? — Disse Matheo,
observando-o de olhos verdes encapuzados.
Xander estava confuso. E ele odiava ser confundido. —
Do que você está falando?
Matheo olhou para Tomás, que disse com uma
sobrancelha levantada, — Cheire cara.
Quando o fez, o perfume de Morgan bateu nele como
uma bola de demolição. Fogo, febre e uma necessidade escura
e abrasadora, atada com seu perfume normal de especiarias
exóticas, pele morna e mulher exuberante, tudo isso coberto
com o aroma distinto e requintado de uma fêmea, excitada.
A febre. Ela estava profundamente em sua febre. E não
havia absolutamente nada mais irresistível para um
homem Ikati do que isso.
Ele cambaleou para trás, de olhos arregalados. Uma
ereção saltou para a vida sólida em suas calças.
— Sim, — Tomás disse sarcasticamente, como
explicação. — Então há isso.
Ele engoliu em seco, sua garganta como um deserto. —
Onde ela está?
— Bartleby está com ela — disse Matheo com um olhar
para cima. — Na Academia.
— Na academia? — Ele ficou horrorizado com o
pensamento dela esparramada sobre tapetes de atletismo,
contorcendo-se em necessidade não satisfeita. — Por que, em
nome de Deus, não está em um dos quartos, confortável...
— Um dos quartos ao seu lado? — Julian interrompeu
com um olhar aguçado na parte da frente da calça. — Você
acha que teria dormido as últimas dezesseis horas com isso?
Doce Jesus, isso é o que eles estavam falando quando ele
entrou. Ele não podia acreditar que eles aguentaram por tanto
tempo como tinham; uma fêmea em sua febre emite uma
chamada irresistível como uma sirene a um macho, uma
chamada que em um nível puramente biológico era quase
impossível ignorar. A Febre em mulheres mais jovens em
idade de acasalamento acontece uma vez por ano e dura por
três dias, e acoplado ou não, era um tempo perigoso para a
fêmea e todos os machos próximos, também.
Concorrência aparece. Lutas estouraram. Os impulsos
animais reinavam supremos.
Em sua colônia, qualquer fêmea com a febre era mantida
em completo isolamento até que passasse. E agora.
— Bartleby está dando drogas para mantê-la calma —
disse Matheo. — E nós temos feito um pouco de
automedicação com nosso amigo, o Sr. Daniels lá, —
acrescentou, olhando para uma garrafa de uísque Tennessee
no balcão. — E agora que você está acordado, podemos
limpar e ir até...
— Não vou embora — disse Xander enfaticamente. —
Não vou deixá-la aqui sozinha.
Silenciosamente o avaliaram. — Ela estará com Bartleby,
X — disse Tomás.
Ele se encontrou com o olhar do macho. — Não vou
deixá-la.
— Estaremos de volta em poucos dias — disse Matheo,
tentando ser razoável. — Ela está fora de perigo. Você abateu
os dois desertores que invadiram o quarto do hotel, e ninguém
além de nós sabe que estamos aqui. Ela estará perfeitamente
segura aqui com Bartleby por alguns dias. — Xander virou-se
para ele, seu olhar pálido. — Você não está me
ouvindo. Eu. Não. Estou. A. Deixando.
Matheo olhou para ele. — Por que...?
— Porque ela é minha responsabilidade.
Matheo inclinou a cabeça. Seus olhos se estreitaram. —
Isso soa estranhamente familiar, Alexander.
Uma onda de fúria viciosa, branco cegante e antes que
ele soubesse o que estava fazendo, seu punho conectou com
a mandíbula de Matheo.
Tomás e Julian saltaram entre eles quando Matheo
rosnou e se moveu para retaliar, com seu próprio braço
musculoso armado para trás para golpear, todos eles gritando
imediatamente. Levou alguns minutos antes que eles
pudessem ser separados. Julian arrastou Xander de volta para
um canto da cozinha, Tomás empurrou Matheo xingando
para o outro. Eles ficaram olhando um para o outro em lados
opostos da sala, respirando com dificuldade, esticando contra
os braços que os seguravam.
— Você fez de novo, não é? — Matheo ofegou, corado
e irritado, apertado nos braços de Tomás.
Xander se eriçou. — Mais uma palavra e Deus me
ajude...
— Você está ligado com ela, seu idiota! — Matheo
gritou. — Você se envolveu com seu alvo! Você é maluco?
— Não seja ridículo! — Xander rosnou, esticando
contra o aperto de Julian. — Estou apenas fazendo meu
trabalho!
— Oh sim? Diga isso para o braço que apenas deu um
soco em mim! Diga isso ao seu sangue!
Xander congelou. — O que você disse? — Ele
sussurrou, olhando fixamente para Matheo. Toda a luz da sala
estava de repente brilhante, muito horrivelmente brilhante.
— Saia de cima de mim, — Matheo cuspiu, e se libertou
de Tomás. Ele circulou em volta da cozinha, jogando fora o
calor e flexionando seus braços musculosos, encarando o
assassinato escuro em todos e em tudo. Finalmente ele se
virou e olhou para Xander, e quando falou sua voz soou como
se tivesse engolido pedras. — O doutor fez uma transfusão,
direto dela para você. Sim, — disse ele quando Xander ficou
rígido. — Seu sangue. Em você.
Ele se virou, sentou-se pesadamente na cadeira da
cozinha que Julian ocupou, e olhou para o prato de rigatoni
arrefecido.
— Ela fez isso? Ela fez isso por mim? — Xander mal
teve a respiração para falar. Seu corpo ficou completamente
relaxado. Julian o soltou, mas manteve uma mão cautelosa em
seu ombro.
Matheo olhou para ele. Depois de um momento de
silêncio pesado, ele exalou uma respiração pesada através de
seu nariz. — Sim. Talvez você não seja o único que está
ligado.
— Não estou ligado — disse ele, rouco.
Um macho ligado a fêmea era agressivamente territorial,
insanamente ciumento, e totalmente devotado.
Ele mataria por ela, ele morreria por ela, adorava o
mesmo chão que ela seguia.
Ele não sentia nada disso. Ele se sentiu.... Não assim. Ele
não o fez. Ele não podia.
— Oh, cara, — disse Matheo, ofegante. — Acabe com
essa porra. Com quem você acha que está falando aqui?
Xander olhou para ele, sua mente completamente
vazia. — Eu nem a conheço.
— Aparentemente, você conhece o suficiente. Quando
o sangue dela bateu em seu sistema, você pulou como se
estivesse montando um relâmpago.
Se perdeu qualquer pedaço de humor no momento, ele
poderia ter rido de Matheo e seus divertidos coloquialismos. –
Montar o relâmpago – significava ser eletrocutado. Na cadeira
elétrica. Que é como se parece quando um Ikati recebe
sangue de seu companheiro.
De seu companheiro.
Para todos Ikati, o amor era muito mais do que um
estado de espírito. É mais profundo do que a emoção, mais
profundo do que desejos ou votos feitos em uma capela ou
uma vida de valores e objetivos compartilhados. Muda algo
dentro, em um nível fisiológico. Ele deixa uma marca, uma
impressão digital, a impressão da alma que nunca é
apagada. Embora alguns de sua espécie foram selecionados
para propagar as chances, na esperança de transmitir dons aos
seus descendentes, alguns deles foram acasalados por amor,
como verdadeiros amantes e companheiros de alma e
amigos, todos eles eram acasalados para a vida toda. – Até que
a morte nos separe – não eram apenas palavras pronunciadas
num domingo. Foi um pronunciamento regido pelo destino.
Entre seu tipo, não havia divórcio, nenhum caso, nada que se
comparasse entre companheiros. Nunca.
Exceto a morte.
Não! Gritou sua mente. Não pode ser! Não pode ser!
Matheo se levantou e empurrou o queixo para Julian e
Tomás.
— De qualquer maneira, estamos fora daqui pelas
próximas sessenta horas. Há comida e remédios suficientes
para durar até que voltemos. Bartleby vai ficar para cuidar de
vocês dois. Ele caminhou até a escada que levava ao andar de
cima e deu os passos de dois em dois.
— E você é bem-vindo para vir com seu traseiro
desagradável, — ele murmurou pouco antes de suas botas
desaparecerem de vista.
Os três ficaram em silêncio desconfortáveis até que
Tomás finalmente falou.
— Ele vai superar isso. Ele só está preocupado com
você. E ele provavelmente está com ciúmes. Aquela sua
garota é um pedaço sério de... — Cortado pelo profundo
grunhido de advertência de Xander, Tomás ergueu as
mãos. — Ponto tomado! Não vou dizer mais uma palavra.
Julian falou. — Você não será capaz de ficar aqui sem...
Você sabe. Isso é uma impossibilidade física.
— Eu posso me controlar, — disse ele, rígido.
Julian olhou para a protuberância que se esticava nas
calças de Xander. — Certamente você pode.
— X — disse Tomás, muito baixinho. Seus olhos se
encontraram, e Xander viu algo que ele nunca viu lá antes:
pena. — Não faça dela outra Esperanza, cara. Você não pôde
salvá-la, e não pode salvar esta também. Não entre nessa
porra de tragédia.
Xander caminhou até Tomás, apertou seu peito contra o
do outro macho, e ficou olhando para ele, olhos nos olhos,
nariz a nariz, raiva vibrante. Quando falou, sua voz era baixa,
controlada, e fria como gelo.
— Saia, Tomás. Você está entrando em um campo
minado. E todos sabem o que acontece com os tolos que
andam nos campos minados.
Eles ficaram assim, olhos nos olhos, sem piscar, até que
Julian interveio. — Jesus Cristo, — ele cuspiu, empurrando-
os para longe. — Que diabos está errado com vocês! Estamos
na mesma equipe, idiotas!
— Diga isso ao seu amigo Romeu, — rosnou Tomás,
depois virou as costas e se dirigiu para a escada. Ele subiu,
mas parou no meio do caminho. Ele se virou e prendeu
Xander com um olhar duro. — Leve os próximos três dias
para colocar a cabeça no lugar, mano. Foda-a, não a foda, eu
realmente não dou a mínima. Mas se você não acabar com ela
enquanto tiver tempo, você sabe o que acontece. A
Assembleia virá até nós. Então nós vamos ter que matá-la
e você também, seu fodido burro. Caso contrário, estaremos
todos mortos. Então não nos coloque nessa posição. Já
passamos por muita coisa juntos para sermos mortos por uma
saia.
Depois subiu as escadas, deixando Xander sozinho com
um pensativo Julian.
— Desculpe X, — ele disse, soando como se realmente
sentisse. — Mas ele está certo. Você sabe que ele está certo.
— Ele bateu uma mão no ombro de Xander em despedida,
então, como seus dois irmãos antes dele, foi para as escadas.
— Há uma colônia selvagem em algum lugar nas
imediações do Vaticano — disse Xander a Julian. O grande
macho girou para encará-lo, os olhos arregalados. Xander
continuou, com a voz apagada, o coração apertado em um
punho no peito. — Esses dois machos que você viu no quarto
de hotel não eram desertores. Eles são selvagens; eles não
pertencem a nenhuma das colônias conhecidas. Eles estavam
com outros quatro quando os vi pela primeira vez. E há outro,
um homem mais velho que eu acho que é seu líder. Então, se
há muitos machos, há mulheres. Há uma colônia perto.
— Como? — Perguntou Julian, chocado.
Xander olhou para o chão de cerâmica branca, balançou
a cabeça, respirou fundo e explodiu. — Eu não sei. Mas eles
querem Morgan. — Ele olhou para os olhos largos de Julian,
e sua voz tomou um tom ameaçador. — E eu não vou deixar
que eles a tenham.
— Oh, cara, — disse Julian, balançando a cabeça. —
Esta situação foi totalmente FUBAR.
Xander permitiu-se um sorriso pequeno, sem
graça. FUBAR era um dos muitos termos de gíria que salpicou
o discurso dos três membros do Sindicato que treinaram nas
forças armadas americanas.
A abreviatura representava: fodido muito além de todo o
reconhecimento.
— Lembre-se, — Xander disse sem uma pitada de
sarcasmo, sabendo por experiência que ele estava certo sobre
isso, — As coisas podem sempre piorar. — Então ele
atravessou a cozinha, bateu a mão no ombro de Julian e subiu
as escadas rapidamente, indo para a academia.
D estava sonhando.
Uma parte de sua mente – a parte que sempre estava
lúcida, se ele estava dormindo, acordado ou de pedra.
Bêbado frio – reconheceu esse fato e começou a gravar
os detalhes do sonho para que ele pudesse acessá-los quando
acordasse. Muitos de seus sonhos não significavam
nada; muitos eram pistas fraturadas que ele tinha que as
encaixar como peças de quebra-cabeça durante alguns dias ou
semanas, a fim de ver a imagem completa do futuro de seus
sonhos pintados para ele.
Mas alguns sonhos, como o que estava envolvido agora,
estavam completamente formados e lhe apresentaram uma
imagem do futuro tão vívido quanto um Van Gogh.
Ele teve o dom da premonição desde o nascimento,
muito antes de ele ser capaz de mudar para vapor ou pantera,
muito antes de ele perceber o que os sonhos realmente
eram. E embora fosse um dom incrivelmente poderoso – ele
foi cuidadoso em minimizar sua inteligência e maximizava sua
crueldade porque acreditava que ser subestimado e mal
entendido o colocava em uma vantagem distinta com o amigo
e o inimigo – e ele odiava isso com cada fibra de seu ser.
Porque saber exatamente como e quando todo mundo
que você amava estava indo morrer não era uma caminhada
no parque.
Alguém estava morrendo nesse sonho também, mas não
alguém que D amava. Era o estranho do sexo masculino com
os olhos flamejantes de tigre laranja que Celian disparou nele,
no Vaticano, o único que impressionou os Bellatorum com
sua demonstração de coragem e bravura, a pessoa que os
insultou com gestos obscenos e tédio fingido e o sorriso de
escárnio.
Aquele que podia andar através das paredes. O corpo de
quem filtra balas.
No sonho, uma faca sobressaía das costas do homem,
afundada entre as omoplatas. Havia uma grande quantidade
de sangue, jorrando da ferida e espirrando sobre o chão de
pedra preta, correndo em minúsculos riachos carmesins sobre
o punho cerrado em torno da lâmina da faca, o punho que
torceu a lâmina e mandou o macho caindo aos joelhos em
seus pés.
Era Dominus que mergulhou a faca nas costas do
macho. Dominus que o torceu.
Dominus, que estava sorrindo sobre o macho que
desmoronou de lado no chão e ficou ali, em silêncio e imóvel,
vazando sua vida em círculos cada vez mais amplos que se
aglomeravam sob ele e brilhavam vermelhos à luz das velas.
A bela fêmea puro-sangue estava lá também, acorrentada
nua na parede da pedra por trás deles, onde Celian apanhou
até perto da morte à meia-noite, quando Lucien e Aurelio não
conseguiram aparecer. Batendo contra os punhos de aço que
seguravam os pulsos acima dela, ela gritou algo que não
conseguiu distinguir, gritou com tanta força e angústia que
enviou uma concussão como uma bomba detonada pelo
quarto e empurrou Dominus para frente vários metros,
tirando-lhe o equilíbrio.
Nada disso surpreendeu o sonho de D., Dominus
sempre venceu. Ele sempre fez. E claramente o macho teria
que morrer se a fêmea fosse tomada. Quem quer que fosse,
era perigoso e poderoso, e não a abandonaria sem lutar. Ela
era obviamente poderosa, também; tudo o que ele tinha que
fazer era estar perto dela para sentir a corrente única que
zumbia exalada pelos mais puros-sangues sangues de sua
espécie.
O que surpreendeu D foi quando um Constantine frio e
sorridente apareceu atrás de Dominus, apontou uma arma
para a cabeça dele e puxou o gatilho.
— D! D! Demetrius! Acorde!
A voz de Lix perfurou o sonho como um punhal na
pele. Sentou-se abruptamente na cama e olhou
descontroladamente ao redor, pesando a escuridão, sentindo
seu coração como um martelo em seu peito.
Tudo estava exatamente como ele deixou quando
adormeceu —Há quanto tempo? — As seis caixas de metal,
os armários de madeira alinhados em seus pés, as paredes
nuas, o espaço espartano, não decorado.
As catacumbas onde o Bellatorum vivia e dormia e eram
treinados foram desenhadas e decoradas muito como um
quartel militar, com quartos de dormir, quartos de jantar,
arsenais e salas de reuniões, com áreas de formação, que
incluiu uma academia, arena de combate e de tiro. Porque eles
eram a elite da guarda do rei, que tinham mais liberdade e
privilégios do que a classe soldado meio-sangue
de Legiones que viviam nas câmaras vizinhas, mas não foi
dado nada na forma de luxos que fariam mais confortáveis.
Assim, o cobertor que D tinha espremido entre os
punhos era áspero e fino.
— Que horas são? — Perguntou a Lix, com a voz rouca
no silêncio. Ele passou uma mão sobre sua cabeça, respirando
profundamente para neutralizar a súbita tontura – sonhos
como os que ele acabou de ter levam um tempo para se
recuperar.
Agachado sobre os calcanhares ao lado da cama baixa de
D, Lix disse, — Não olhei para o relógio recentemente, mas
o Servorum está chegando. Deve ser perto do amanhecer.
Ao contrário do Bellatorum, que iam e vinham como
queriam, a classe servo tinha permissão para sair apenas à
noite. Mas pelo menos eles foram autorizados a sair: as
fêmeas escolhidas do harém do rei, o Electi, e os machos
castrados que os guardavam, o Castratus, não foram
autorizados a deixar o esplendor de suas catacumbas escuras
em tudo. Nem era qualquer uma das centenas de
descendentes que viviam com o Electi, descendentes de
várias idades e forças de sangue.
Somente usuários puros-sangues
do Bellatorum, os Optimates, e relativamente próximos do
Rei – com exceção da princesa Eliana – foram autorizado a
entrar e sair à vontade.
D se levantou e puxou as roupas que deixou dobradas
em cima da arma no fim da cama. Ele amarrou as botas e
pegou o equipamento: Glock nove milímetros no quadril
direito, kukhri-tip24 mergulhado em veneno – à sua esquerda,
empurrou punhais em cada uma de suas botas, outras facas
enfiadas nos bolsos das calças. Olhou para as duas camas
vazias que pertenciam a Lucien e Aurelio, e sua boca
apertou. Ele tinha uma suspeita terrível de que nunca mais
iriam dormir lá novamente.
— Onde está Constantine?
Lix levantou-se e cruzou os braços sobre o peito, e D
sentiu a ira do outro homem como um peso ardente em seu
próprio peito. — Com Celian, — Lix respondeu escuro.
Trocaram olhares. Celian estava deitado de bruços sobre
uma cama na enfermaria, ensanguentando uma toalha depois
de outra sendo pressionada contra suas costas. O chicote de
nove caudas era infame por sua brutalidade – ele estaria fora
24
Um tipo de punhal pequeno e um pouco curvado.
da comissão e com muita dor enquanto os pedaços de carne
marcada cresciam juntas novamente.
D disse: — Como ele está?
Lix encolheu os ombros. — Perdeu muito sangue, mas
ele vai ficar bem em alguns dias, você sabe disso. Celian é um
fodão.
— Eu quis dizer Constantine, — disse D, encolhendo
os ombros em seu longo sobretudo.
Lix inalou profundamente, então passou uma mão sobre
seu rosto. Ele deixou cair ambas as mãos na cintura e
exalou. — Ele não está falando.
O que significava que ele estava suportando duramente,
como sempre fez, como Dominus, claro, sabia.
O rei conhecia a fraqueza de todos, e a fraqueza de
Constantine era seus irmãos. Ele era mais leal a eles do que a
seu Rei cruel, e quando eles se machucavam, doía
nele. Especialmente quando ele era a causa desse mal. Como
esta noite, quando ele foi forçado a chicotear Celian até a
inconsciência enquanto o rei assistiu, divertido. Dominus
mediu a lealdade de Constantine com ele com testes horríveis
como esses durante anos, e D se perguntou quanto tempo
seria antes de Constantine finalmente explodir.
D amaldiçoou sob sua respiração, lembrando o sonho, o
olhar particular no rosto de Constantine enquanto ele puxava
o gatilho: ódio e profunda satisfação. Evidentemente, ele iria
se soltar, e logo.
— Tive um sonho, — disse ele a Lix, que lhe enviou um
sorriso irônico em troca.
— Eu sei. É por isso que estou aqui.
D olhou para Lix, suas sobrancelhas juntas em questão,
mas Lix apenas deu de ombros novamente, o movimento não
exatamente despreocupado. — Dominus, — ele disse
simplesmente.
D percebeu com um frio sobre a pele que o Rei sentira
que estava sonhando, como fazia quando os sonhos eram
particularmente vivos. E agora ele queria um relatório
completo.
— Merda, — murmurou D, olhando para o corredor
arqueado no final da sala que levava a um refeitório e
conectando túneis além. Aqueles túneis, sinuosos e escuros,
conduziam diretamente às câmaras do rei.
— Apenas diga a ele a verdade, D, — Lix disse
calmamente. — Apenas diga a ele o que precisa saber.
Ele não precisa saber tudo, pensou D rebelde, mas em
voz alta, ele disse apenas: — Certo.
Certo.
25
É tipo um colchão, porém mais fino.
simples, calcinha branca de menina sob o lençol. Seus cabelos
eram uma confusão escura emaranhada sobre o travesseiro
debaixo de sua cabeça, seus olhos estavam fechados, sua pele
brilhava com a Febre e um brilho fino de suor. Os fios de
cabelo ondulavam a franja úmida em sua testa, se apegavam a
seu pescoço, e ele coçava para empurrá-los de sua pele com
os dedos.
Olhando para ela, cada átomo em seu corpo, cada nervo,
gritou, eu quero! Eu preciso! Minha!
— Já lhe disse que vai piorar se você... — Bartleby,
agachou sobre Morgan com uma seringa na mão, virou-se
enquanto falava. Quando viu Xander em pé, parou de
surpresa e levantou-se. — Como você está se sentindo?
A boca de Xander parecia pedra assada. Ele não desviou
o olhar de Morgan quando respondeu.
— Neste exato momento? — Ele disse com sua voz
tremendo. — Como King Kong que tomou Viagra.
— São os hormônios que ela está emitindo — disse
Bartleby, lançando um olhar preocupado para Morgan. Como
se soubesse que ele estava olhando para ela, ela soltou um
gemido. Sua cabeça rolou de um lado para o outro no
travesseiro, e se arqueou no futon, irradiando calor. Bartleby
olhou para Xander, cuja boca começara a molhar. — Você
não pode estar aqui. Você sabe disso, — ele disse, movendo-
se entre Xander e Morgan assim que ele bloqueou a vista.
Um grunhido baixo, de aviso grunhiu através do peito
de Xander. Ele não podia evitar.
— Alexander — disse o médico, cuidadoso para manter
a voz suave. — Só estou tentando tornar isso mais fácil para
ela. Ela está muito desconfortável – com dor, na verdade. E
embora eu tenha dado apenas uma dose de morfina, ela ainda
será capaz de sentir você aqui e isso vai fazer a dor
piorar. Você precisa sair. Por ela.
Ele não se moveu. Seu cérebro enviou o comando, mas
seus pés recusaram. Seu corpo inteiro estava em motim. O
desejo bateu nele em ondas sobre onda escura e poderosa, e
ele ficou lá lutando contra isso, lutando contra o impulso
quase irresistível de arrancar aquele lençol e aquela inocente
calcinha branca e levá-la bem ali, no chão da academia.
— Por que Leander me enviaria com uma mulher
prestes a entrar em sua febre? — Ele se perguntou em voz
alta.
Sua voz se quebrou em cada palavra. — Por que alguém
seria tão estúpido?
Bartleby suspirou e colocou a seringa em uma mesa
baixa, cheia de toalhas, garrafas de água e vários suprimentos
médicos depois se voltou para Xander. — Ele não sabia. Ela
disse que é a sua primeira febre.
Xander parou. Ele nunca ouviu falar de uma mulher
entrando em febre pela primeira vez depois da puberdade. —
O que? Isso é impossível! Ela tem quantos anos?
— Vinte e seis, — veio à resposta. — E, sim, é quase
inédito acontecer tão tarde. Mas não impossível. — Seu tom
sombreado com sarcasmo. — Claramente. — Ele colocou
uma mão gentil no bíceps de Xander e deu um pequeno
empurrão. Era como tentar mover um edifício.
— Eu só quero colocá-la em algum lugar mais
confortável, — disse Xander, lambendo os lábios. — Eu não
suporto vê-la no chão. Só vou levá-la para um dos quartos, lá
embaixo. — Ele olhou para o médico. — Será que vai
machucá-la se eu movê-la?
Bartleby sacudiu a cabeça. Seus olhos estavam
preocupados. — Mas pode te machucar. — Um rubor se
espalhou por suas bochechas.
— A ferida está curando — disse Xander. — Dói, mas
você sabe que eu curo rápido. E ela provavelmente não pesa
muito para mim.
— Não é a sua ferida que me preocupa, meu velho amigo
— disse o médico, depois dirigiu um olhar aguçado para
frente das calças de Xander, na protuberância que se esticava
ali. Bartleby tossiu em sua mão e olhou para longe.
Xander descartou isso. Ele estava sob controle. Ele
ficou aqui com o cheiro dela impregnando as suas narinas
durante os últimos minutos e não fez nada para satisfazer a
necessidade de gritar que se desencadearia nele, ele poderia se
controlar.
Ele estava relativamente certo disso.
Passou por Bartleby e se ajoelhou ao lado do futon. Ele
se inclinou sobre Morgan. Seu olhar percorreu seu rosto
ruborizado, seus cabelos emaranhados, seu peito...
Ele fechou os olhos com força, banindo a visão dos
duros mamilos cor-de-rosa que se esticavam tensos através do
fino tecido da camisola, de seus seios, tão cheios e redondos.
— Morgan, — ele sussurrou, abrindo os olhos. Ela fez
um pequeno som em sua garganta e sua sobrancelha franziu,
mas seus olhos não se abriram. — Vou levá-la para um lugar
mais confortável, para uma cama. Está bem?
Ela não respondeu. Ele cheirava a droga que o médico
lhe dera, cheirava a dureza química dela em seu sangue sob o
cheiro incrível e opulento da Febre, e sabia que não duraria
muito. Seu corpo estava queimando mesmo enquanto ele se
ajoelhava lá.
Ele juntou o lençol em volta dela, cuidadosamente
deslizou seus braços sob seu corpo, e puxou-a contra ele,
embalando-a contra seu peito. Ele a segurou e se
levantou. Sua cabeça caiu contra seu ombro, ela respirou um
pouco e suspirou descontente. Sua pele estava quente, muito
quente.
Os dedos de uma de suas mãos se enrolaram em torno
da frente de sua camisa. Olhos fechados, ela enterrou contra
ele, inalando, respirando seu próprio perfume em seu
nariz. Então ela fez outro som em sua garganta, mas este era
puramente erótico.
Um estremecimento o invadiu. Ele tinha que levá-la para
a cama, e rápido, e então ele tinha que se afastar dela.
Sem mais uma palavra ao médico, atravessou a academia
escura, abriu as portas e foi para a escada.
Morgan estava em chamas.
Tudo queimava, tudo doía, a pele, os músculos e os
ossos. Até mesmo seus pensamentos – caóticos e
desarticulados como estavam – chamuscaram um caminho
dolorosamente ardente através de seu cérebro, batendo uma
palavra repetidamente.
Companheiro. Companheiro. Companheiro.
Ela nunca sentira nada como essa incineração, elementar
urgência antes, mas supôs que ela não deveria ter ficado tão
surpresa; sua própria mãe teve sua primeira febre tarde,
embora não tão tarde como esta.
Uma vez que Morgan passou a puberdade sem um sinal
disso, então vinte, depois vinte e cinco, todo mundo
simplesmente assumiu que ela era uma anomalia. Que
possivelmente seu poderoso dom de sugestão veio com um
lado mais sombrio. Infertilidade.
Mas não. Ela era fértil. Agora ela sentia isso até a medula
de seus ossos.
E havia um homem segurando-a. Um macho Ikati, não
o médico humano que cuidou dela desde que os primeiros
sinais da febre a atingiu. Ela sentiu a diferença entre eles, o
poder, a força desse homem carregando-a em seus
braços. Cheirava a luxúria, escura e profunda.
Suas pálpebras estavam tão pesadas da droga que não
podia abrir os olhos, mas ela poderia inspirar, e tomou esse
perfume celestial de luxúria em seus pulmões. Este próximo
foi espesso e suave como um doce, delicioso.
Isso enviou um pico de calor para baixo entre suas
pernas.
Ela fez um pequeno barulho de desejo em sua
garganta. O macho começou a andar mais rápido.
Ouviu-se o som de portas pesadas sendo chutadas,
depois luzes atrás de suas pálpebras acesas que doíam o
suficiente para fazê-la girar, estremecendo e enterrar o rosto
no duro peito contra o qual estava encurralada.
Movimento e respiração, seu corpo balançando com
seus passos, o movimento rítmico e calmante, exceto pela
pressão de seus seios contra seu corpo, a consciência dolorosa
dele e seu belo cheiro como algo que ela queria comer.
Sim, prove dele, sua mente insistiu, agitando. Prove tudo
dele! Ele é o que você precisa!
Ela arqueou as costas, deslizou uma mão ao redor de seu
pescoço, e abriu a boca sobre a base de sua garganta.
Salgado, almiscarado e masculinidade, calor e retidão, o
pulsar de seu pulso sob seus lábios. Ele tropeçou e
amaldiçoou, afastou a cabeça, mas ela queria mais, ela queria
passar a língua por toda sua pele lisa e adorável, e então queria
mordê-lo e cavalgá-lo e levá-lo para dentro.
— Toque-me, — ela sussurrou, arqueando nele
novamente. Seus braços apertaram ao redor dela. Ele fez um
grunhido baixo e duro no peito.
Eles continuavam se movendo.
Mais rápido agora, abaixo um conjunto de escadas,
outro, o macho respirando duramente e quase tropeçando
várias vezes enquanto ele se apressava. Seu nariz estava em
seus cabelos, seus lábios estavam em sua pele, seus dentes
mordiscando em seu lóbulo da orelha, seu ombro, o ponto
macio entre sua clavícula e pescoço. Isso enviou arrepios
através de seu corpo, deliciosas ondulações do músculo duro
que fez a sua própria necessidade ainda maior. Ela ouviu o
som de outra porta sendo aberta, então havia uma escuridão
fria e foi abruptamente depositada em uma cama.
— Morgan — disse uma voz rouca, e então ela
soube. Sua voz emitiu uma onda de prazer através de seu
corpo, puro e doce, como o mel iluminado pelo sol.
Ele a ajudaria a aliviar a dor. Embora ele a desprezasse,
era o seu trabalho mantê-la viva e bem. Pelo menos por
enquanto.
— Xander. — Ela se contorceu contra o colchão,
estendendo a mão cegamente. — Por favor, Xander.
Um lençol foi puxado sobre seu corpo; seus pulsos
foram apanhados e presos. Ela lutou contra isso; ela não
queria aquele lençol em cima dela. Ela o queria em cima.
— Morgan, — ele disse de novo, e desta vez ele
realmente soou como se estivesse com dor.
Ela conseguiu abrir os olhos, e ele nadou para sua visão,
pairando acima dela com os lábios puxados para trás em uma
careta e um brilho fino de suor cintilando em sua testa. Seus
olhos a encarando, ardente, derretido âmbar bordado em
cílios negros.
Ele também quer você! O animal dentro dela assobiou,
contorcendo-se para se libertar. Tome-o!
Ele tinha preso seus pulsos contra o travesseiro acima de
sua cabeça, e ela sabia que não poderia libertá-los. Ele era
muito forte para isso. Então ela não se incomodou em tentar.
Em um único e rápido movimento, ela arqueou do
colchão, esticou o pescoço e colocou a boca sobre a dele.
Ele gemeu contra seus lábios, mas não se afastou. Ele
também não se aproximou. Ele apenas permitiu que ela o
beijasse, sugando seus lábios e deslizando sua língua em sua
boca, enquanto segurava seus pulsos tão fortemente contra o
travesseiro que seus braços começaram a tremer.
— Eu quero você, — ela sussurrou através de beijos
frenéticos. — Eu preciso de você.
— É apenas a Febre, — ele gemeu, sua testa franzida,
seus olhos semicerrados, observando-a. — São os
hormônios. E as drogas. Você não sabe o que está dizendo.
— Eu preciso de você, — ela insistiu, provocando sua
língua dentro e fora de sua boca. Ele virou a cabeça para
longe, ofegante, e ela aproveitou a oportunidade para colocar
seus lábios contra sua garganta novamente, para pressionar
seus dentes em sua jugular latejante.
O grunhido que rasgou entre seus dentes cerrados era
como nada que ela já ouviu e enviou uma emoção de alegria
eletrizante ao longo de cada nervo.
Ele se ergueu contra ela, jogando o comprimento de seu
corpo duro em cima dela e aquele rosnado continuou
chegando, feroz e animalesco. Ele a beijou como um animal
também, todos os dentes, ganância e áspera intenção, um Alfa
levando o que queria sem restrições ou desculpas, suas mãos
por todo o corpo, apertando seus seios e bunda, parando em
seus cabelos.
Ela gemeu e estendeu-se contra ele, perdida, não mais
ela mesma, mas outra pessoa, alguém consumida em chamas,
carne e prazer, no pulso acelerado de dois batimentos
cardíacos, no rugido de desejo como as ondas do oceano
crescendo sobre ela, caindo, falhando.
E então, com um grito horrorizado, Xander se separou.
Ela ficou sem fôlego, girando, cada nervo como uma
ferida aberta raspado em bruto.
— Jesus, — ele sussurrou, retrocedendo em direção à
porta. — Desculpe Morgan, eu sinto muito...
— Por favor, Xander, não vá, está tudo bem, — disse
ela, lutando para sentar-se. A sala girou. Ela sacudiu a cabeça
para limpar, mas as drogas – malditas drogas.
— Eu sinto muito, — ele engasgou de novo, então fugiu
pela porta e bateu com ela fechada atrás dele.
Morgan afundou contra o colchão, com dor no crânio
como agulhas passadas pelos olhos, no corpo como se tivesse
sido incendiada numa pira funerária.
— Mas dói... — ela choramingou para o quarto vazio.
Então desmaiou.
Se ele fosse humano, D teria tido dificuldade para ouvir
Lix sobre a alta batida da música techno que gritava dos alto-
falantes na seção VIP de seu bar favorito e boate, Alien.
Mas infelizmente D ouviu-o claro como o dia.
— Isso é besteira, — disse Lix, e derrubou outra dose
de Patrón.
Era a quinta. Ele estava apenas começando.
Observando Constantine desaparecer em torno de um
canto escuro no outro lado da sala com uma fêmea humana
vestindo um vestido tão curto que era quase um cinto, D
suspirou e passou uma mão sobre a cabeça raspada. — Eu
estou lhe dizendo, Lix, há algo estranho acontecendo com
Dominus e aquele servus Silas. Eu só não sei o que é ainda.
— Ele balançou a cabeça, franzindo a testa. — Algo não está
certo.
Ele sonhou com isso em pedaços, pistas que insinuavam
tramas nefastas e segredos bem guardados, tentadores, mas
sempre fora do alcance. Ao contrário do sonho que ele teve
esta manhã que chegou cheio.
Embora o tivesse editado no relato, uma prática que ele
sabia que iria matá-lo se descoberto – e aquele que lhe
mostrava a fêmea de sangue puro e seu Alfa de olhos
alaranjados chegando a Roma, ele estava recebendo bocados
de algo mais nos últimos meses. Anos, até, talvez. Era difícil
dizer.
— Conversa como esta pode fazê-lo ser morto, D. É
melhor não mencionar em torno de qualquer um
dos Legiones; eles estão apenas morrendo para nos levar
destruir com um pequeno deslize. Eles são apenas soldados,
porque não foram dotados suficientes para serem
Bellatorum, mas não seja estúpido. Um deles vai dedurá-lo
apenas para ganhar um dia de folga.
— Imagine o que eles fariam se descobrissem que eu
estava seguindo ele, — disse D numa voz irônica.
Lix ficou boquiaberto. — Você não faria isso. Você não
poderia ser tão estúpido. Ele vai te pegar!
D esteve espionando o rei e Silas por vários meses agora,
tentando obter qualquer tipo de informação que satisfizesse a
sensação irritante de que não eram bons, mas um olhar para a
expressão horrorizada de Lix disse a D que ele não devia ter
dito nada. Não que ele fosse parar.
Embora ele já devesse estar acostumado a isso, odiava
sentir-se como uma peça de xadrez, uma engrenagem muda
na máquina do Rei. Ele planejou continuar procurando até
encontrar algumas respostas.
Mas para seu irmão ele apenas disse: — Você está
certo. Eu não sou tão estúpido. Piada ruim.
Melhor ter Lix ignorante de qualquer maneira. Era mais
seguro para ele assim.
Lix relaxou de volta contra a cabine de couro branco e
fez sinal para a garçonete pairando para encher seu copo com
tequila. — Jesus. Não me assuste assim, idiota.
A garçonete se aproximou de onde estava no bar,
olhando, e se inclinou sobre Lix. Uma mecha de seu cabelo
caia sobre seus ombros; seus seios grandes quase pulando de
seu decote.
— Si, signore? — Ela respirou, tremulando suas
pestanas.
D revirou os olhos. Outra fêmea humana atirando-se
aos pés de um guerreiro.
Os Bellatorum eram maiores e diferente e muito mais
perigosos do que os seus homólogos masculinos humanos,
exalando um poder primitivo que os separava de multidões
onde quer que fossem, e eles não se importavam em serem
notados. O próprio Dominus não se importava. O Rei só
exigia que eles guardassem a localização da sua toca em
segredo, mas o resto era permitido, mudar ou se destacar na
multidão...
— Os seres humanos são tão estúpidos que não
conseguem ver o que está bem debaixo do seu nariz, — o Rei
gostava de dizer, – e mesmo que o raro o faça, todo o resto o
chamam de louco.
D relutantemente admitiu que ele estivesse
certo. Embora esses rumores de lobisomens persistissem por
séculos, equivocados como eram. Era do conhecimento geral
que se originou a partir de um grego bêbado da antiguidade
que viu um Ikati mudar; como se um cão fose capaz de alterar
a sua forma.
Fazia muito tempo que estava cansado da atenção. No
entanto, os outros Bellatorum não estavam, então eles
encontravam-se passando mais uma noite neste parque
subterrâneo, liberdade condicional do purgatório, observando
o circo se desdobrar.
Lix deu à humana garçonete um sorriso perigoso. Com
os olhos fixos no decote, lambeu os lábios. — Alium 26,
— disse ele, baixo.
Suas sobrancelhas franziram em confusão. Lix esqueceu
que falava latim, não italiano. Ele não estava pensando com a
cabeça certa.
— Traga água para ele, — disse D à garçonete em
italiano e acenou para longe dela.
— Gratias, matrem, — Lix disse sarcasticamente, em
seguida, gritou de seu acento giratório para trazer outra tequila
como solicitou originalmente. Voltou-se para D, com a
expressão amarga. — Quem cagou no seu cereal?
Ele não se incomodou em responder. Tenso, ele se
26
Outro
recostou contra a cabine e estendeu os braços.
Seu olhar se lançou sobre a multidão suando, girando na
pista de dança abaixo.
— Ah — disse Lix, puxando o olhar de D para o seu
rosto. O macho de cabelos compridos estava balançando a
cabeça. — Entendi. Você viu Eliana hoje. Você está sempre
em um clima ruim depois de ver a princesa.
D lançou lhe um olhar feroz, mas não respondeu.
— Ela gosta de você, sabe, — Lix disse sorrindo.
Agora D falou, e sua voz era como pedra.
— Cala-te, irmão.
Imperturbado pela hostilidade que pulsava de D como
outra batida da música, Lix encolheu os ombros.
— Estou apenas afirmando o óbvio. Você deve fazer um
movimento, antes de um desses maricas
dos Optimates acasalar-se com ela e estará fora da comissão
para sempre.
— Falando em conversa que pode te matar— disse D,
ponderando, olhando para Lix.
Embora o Bellatorum pudesse ter qualquer mulher que
eles quisessem e eram muito procurados como parceiros de
reprodução de fêmeas virgens, as fêmeas de linhagem direta
do Supremus, o Rei, estavam estritamente fora dos limites,
sob pena de morte. E sua única filha... D estremeceu ao
pensar no castigo que se seguiria se descobrissem que ele a
acariciou. Ou até mesmo beijá-la.
Lix fez uma careta para ele e esticou as pernas sob a mesa
entre eles.
— Talvez Aurelio tivesse razão depois de tudo. Já
pensaste nisso? Talvez seja melhor pedir perdão do que
permissão.
A expressão de D azedou.
— Perdão? Como o perdão que Dominus concedeu a
Celian? Porque esse tipo de perdão eu posso ficar sem.
Foi à vez de Lix franzir o cenho. Ele lançou um olhar
por cima do ombro para o canto que Constantine
desapareceu. Sua voz baixa, ele disse:
— Eu pensei que ele ia fazer Constantine matá-lo.
D balançou a cabeça, passou a mão pela nuca e apertou
os músculos tensos.
— Constantine se mataria antes de fazer qualquer dano
duradouro a um de nós, e o rei sabe. Então, o fazendo
chicotear Celian foi apenas uma parte de sua...
Doença, ele não disse. Crueldade. Insanidade.
— ...Coisa. E Celian cura mais rápido do que
ninguém. Ele vai estar lá em cima em alguns dias.
Mas, entretanto, Constantine se puniria e anestesiaria de
qualquer maneira possível, incluindo ficar bêbado, entrar em
brigas, e fazer sexo áspero, anônimo com fêmeas
humanas. Como fazia cada vez que o rei jogava um de seus
jogos doentes sobre ele.
Pela milésima vez, D se perguntou por que diabos tudo
isso acontecia, de qualquer maneira.
Lix sentou-se na cabine, cruzou os braços sobre os
joelhos e disse:
— Você acha que Lucien e Aurelio estão voltando?
D encontrou o olhar intenso de Lix. A música batia, as
luzes estalavam, os corpos balançavam e se contorciam.
— Não.
Lix nem piscou. — Nem eu. Então o que vamos fazer
sobre isso?
D observou Constantine reaparecer em torno do canto
escuro da boate, desgrenhado e sombrio, parecendo como se
tivesse assistido ao seu próprio funeral. A fêmea humana
tropeçou atrás dele, tecendo tremulamente através da
multidão. Ela se dirigiu para o bar e desabou sobre um banco,
tentando em vão ajustar a roupa bagunçada.
— Não fazemos nada — disse D com uma ligeira ênfase
na primeira palavra.
— Por quê? — Lix disse surpreso.
Constantine aproximou-se. Embora ele fosse tão bonito
que Michelangelo poderia ter modelado o David por ele, uma
sensação de escuridão se moveu com ele, o frio sutil de
morte. A multidão se separou para deixá-lo passar,
empurrando um ao outro em sua pressa para sair de seu
caminho.
— Porque esta situação vai se resolver por si só.
O rosto de Lix se nublou depois se aclarou.
— Seu sonho — isso é certo. Dominus matou aquele
homem em seu sonho. — Não que isso me faz sentir
melhor. Eu gostaria de colocar minhas mãos sobre aquele
bastardo eu mesmo. — Seu olhar procurou o rosto de D. —
Você viu mais alguma coisa? Qualquer coisa antes ou depois?
D balançou a cabeça e evitou o olhar de Lix. Ele
simplesmente não podia deixar que o Rei descobrisse sua
traição durante uma de suas viagens regulares através do
cérebro de Lix.
Ele aprendeu a esconder coisas. Aprendeu a dobrar as
coisas em lugares pequenos e invisíveis em sua mente, lugares
que o Rei nunca se incomodava em ir. Lá ele manteve suas
fantasias de Eliana, as visões de seu corpo macio e olhos
suaves e boca suave, lá ele manteve suas suspeitas de seu pai,
lá ele manteve os trechos de sonhos que ele editou aqueles
sonhos que insinuavam coisas terríveis por vir.
Lá ele manteve seu medo.
Era o medo que o mantinha acordado as noites, banhado
em suor, seu corpo rígido e sua mente um inferno
barulhento. Ele não sabia exatamente o que estava por vir,
mas ele sabia que algo vasto, escuro e frio que sentia como
esquecimento. E agora que os dois de sangue puro chegaram
exatamente como seus sonhos predisseram, ele sentiu um
relógio invisível marcando a meia noite.
Mas para quê? O quê?
— Preciso de um drinque — disse Constantine, que
parou de pé e morto ao lado da mesa.
D estava prestes a abrir a boca para falar, mas congelou
a respiração roubada de seus pulmões. Constantine e Lix
congelaram também; então todos os três se voltaram em
uníssono para olhar para baixo na pista de dança, enquanto a
multidão se separava para deixar passar três enormes machos
musculosos.
Ikati. Estrangeiros.
Inimigos.
Os três estranhos olharam para eles, no instante que
Constantine disse: — Pensando bem, uma luta vai dar certo.
28
Ele diz em português.
corpo nu. Ela murmurou algo sobre duende não
completamente audível – então se voltou dormir.
Vestiu-se rapidamente, amarrou as facas que nunca
deixava, e foi até a porta.
— Desculpe — disse Bartleby novamente quando
Xander entrou no corredor. Ele fechou a porta suavemente
atrás dele.
— O que foi isso?
O médico balançou a cabeça, apontou para a escada. —
Você vai querer ver isso. — Ele se virou e rapidamente desceu
o corredor com Xander perto de seus calcanhares.
Subiram as escadas e entraram na grande sala de mídia
com sua decoração sombria e masculina de paredes de carvão,
sofás de couro preto, mesa de café de vidro, aço inoxidável e
mesas laterais. As luzes embutidas no teto brilhavam
suavemente na tela plana que pendia acima de um elegante
aparador preto.
Uma grande bandeira vermelha na parte superior da tela
de televisão dizia: — Panteras pretas raras capturadas em
ataques viciosos.
O sangue de Xander se transformou em gelo.
E então veio o vídeo granulado capturado por uma
testemunha ocular. Movimento e caos, imagens trêmulas de
uma multidão em pânico, empurrando e gritando, a visão
impossível de seis enormes panteras pretas atacando um ao
outro numa pista de dança. Ouviu-se um tiro, depois outro,
depois um dos animais desabou, três deles giraram e os outros
dois correram sobre o oficial que disparou e começou a rasgá-
lo em pedaços. Uma voz masculina solene falou sobre o
vídeo.
— Como você pode ver a partir deste vídeo perturbador,
estes animais são altamente agressivos e perigosos.
Especialistas em vida selvagem nos dizem que esses
animais têm vivido em áreas abertas e se alimentam de
grandes presas e podem até ter sido de alguma forma
geneticamente melhorados, evidenciado pelo seu enorme
tamanho em comparação com a norma para a espécie. Como
as outras panteras que foram capturadas e mortas nos últimos
anos nesta área, estes predadores noturnos são tão grandes
que é improvável que um entusiasta de vida selvagem novato
não foi capaz de explicar como grandes gatos passaram
despercebidos no meio de uma área urbana.
— Espera-se que vários membros do Fundo de
Preservação da Vida Selvagem da União Europeia, incluindo
o preeminente biólogo evolucionista Dr. Hermann Parnassus,
cheguem amanhã a Roma para fornecer opiniões de
especialistas e realizar testes em animais. As autoridades estão
pedindo aos cidadãos que vivem nas proximidades a ficarem
dentro de casa até que as outras três panteras sejam
capturadas, mas mesmo assim fica a questão: De onde vieram
essas extraordinárias criaturas?
Lá embaixo no quarto onde ele deixou Morgan, o
telefone celular de Xander começou a tocar.
— Merda, — ele respirou congelado com
descrença. Bartleby baixou o volume na televisão enquanto a
tela mudava para as cenas do hospital onde o policial estava
sendo tratado, a instalação onde os animais estavam sendo
detidos. Ele anotou o endereço.
— São eles, não é? — Perguntou Bartleby, triste. —
Matheo e Tomás e Julian?
Xander assentiu com a cabeça, escutando o toque do
telefone. Para seus ouvidos, o som inocente era tão sinistro
quanto um tiroteio. Tinha que ser Leander. Se a Assembleia
tivesse visto isso, eles o usariam como prova de culpa. Tais
flagrantes violações – transformação em público, permitir ser
filmado, ser capturado pelos seres humanos, sem dúvida,
acionar três execuções. Se, Matheo, Tomás, e Julian
conseguirem sair do cativeiro.
Que eles iriam. Ele iria garantir que fosse muito
rápido. Mas ele não ia salvá-los para que pudessem ser
executados, isso era certo. Ele vai salvá-los e então.... Ajudá-
los a desaparecer.
Nem sequer era uma escolha. Tinha que ser feito. E
rapidamente.
— Se eles estão sendo mantidos significa que estão
feridos, o que significa que eles não podem mudar, — disse
Xander, sua voz tremendo. A adrenalina percorreu suas
veias; ele não tinha certeza se poderia mudar também, não
tinha certeza se sua ferida no estômago curou
completamente. Ele estaria indo cego. — O que significa que
vai ser complicado tirá-los. Teremos de encontrar um
caminho, usar subterfúgios, encontrar uma maneira de
distrair...
— Não precisamos de subterfúgios — disse Bartleby,
piscando para ele por trás dos óculos. — Nós vamos ser
capazes de apenas entrar.
Xander arqueou as sobrancelhas.
— Meu caro rapaz, eu sou um médico, lembra? E um
especialista com essas.... Bestas particulares. — Ele acariciou
as nuvens tufadas de seus cabelos brancos, ajustou a gravata
borboleta e lhe enviou um sorriso irônico. — Também sou
extremamente bonito. E encantador. Posso falar com as aves
diretamente das árvores. Quem está segurando nossos
meninos simplesmente não será capaz de resistir a mim. —
Seu sorriso cresceu mais. — Especialmente quando
apresentar uma documentação oficial.
Embora o corpo de Xander estivesse ainda congelado
com descrença, sua mente rompeu o degelo e arrebatou o
plano genial de Bartleby. — Dr. Hermann Parnassus.
Bartleby executou um arco, conseguindo fazê-lo parecer
elegante e zombeteiro.
— Ao seu serviço, senhor.
Lá embaixo, seu telefone celular começou a tocar
novamente.
— Quanto tempo você precisa?
Bartleby encolheu os ombros. — Cerca de vinte
minutos. Depois de todos esses anos com vocês, me tornei
um especialista em falsificar identidades.
O toque parou. Ouviu um sinal sonoro, indicando um
novo correio de voz.
— Faça em dez — disse Xander, e saiu correndo para a
escada.
29
Escritório de escavações (traduzido do italiano)
embutida na parede de pedra, talvez a cem metros de
distância, debaixo de uma enorme estátua de uma mulher
vestida de hábito tradicional. Outra maldita freira.
— Ufficio Scavi, — o guarda disse novamente, com mais
força, agora olhando para sua boca.
— Oh, — disse ela, a compreensão. Ufficio -
escritório. Escritório do ... Scavi? Ela saltou quando o guarda
lhe respondeu em inglês fortemente acentuado, sua voz baixa.
— Eu te levo.
Era sua imaginação ou havia um duplo sentido lá? —
Ora, eu adoraria isso, — ela ronronou, olhando para ele
através de suas pestanas. Ela ficou gratificada ao ver seu rubor
se aprofundar.
Tomou-a pelo braço e rapidamente a conduziu pelos
largos degraus de mármore e pelos pedregulhos desgastados
até a Praça dos Protomártires ao redor da basílica. Passaram
por baixo de um canto em arco e atravessou a porta preta
rangendo do Ufficio Scavi, que se fechou com
um baque ecoando por trás deles. Estavam em uma pequena
antecâmara de pedra, totalmente sem adornos, fria e quieta
como um túmulo. Uma entrada em arco, diretamente na
frente deles, tinha degraus que levavam a um túnel engolido
em escuridão. Estavam sozinhos.
— Espere — disse o guarda, soltando o braço e
apontando para o chão. — Aqui. Primeira turnê às nove.
— Você foi tão útil! Muito obrigada. Grazie, — Morgan
respirou, fazendo a sua melhor impressão de uma donzela em
perigo. Uma donzela cujo coração não foi recentemente
arrancado – batendo e sangrando – em seu peito. Sorrindo
docemente, ela arrastou um dedo pelas dobras macias do
colarinho do vestido, expondo como se por acidente o
inchaço superior de seus seios, a fenda entre eles. — Posso
lhe mostrar uma coisa, desde que você foi tão legal?
O guarda empalideceu. Seu olhar piscou para a porta
fechada; então ele deu um passo adiante e lambeu os lábios
como se ela fosse um peru trançado e assado de Ação de
Graças que ele não comeu em anos. Ele levantou a mão para
o rosto dela, mas antes que ele pudesse tocá-la ela o tinha pelo
pulso.
Calmamente, ela disse: — Pare.
Obedientemente, ele congelou no meio do caminho. Seu
rosto se secou.
— Você vai responder algumas perguntas, então vai sair
desta sala e esquecer que você me viu. Entendido?
O guarda olhou para ela, seus olhos azuis e
completamente vazios.
— Entendido? — Ela insistiu.
Lentamente, ele acenou com a cabeça.
— Ótimo — Morgan disse, mantendo o aperto em seu
pulso. Com a outra mão, puxou o medalhão por baixo do
decote drapeado do vestido. — Você conhece esse símbolo?
O guarda voltou a assentir.
— O que é isso?
— Horus, — disse ele em um tom monótono, — Dio
della vendetta.
Dio — Deus. OK. Vendetta ... Vingança? — Deus da
vingança?
O guarda franziu a testa um pouco, concentrando-
se. Ele disse suavemente, — Si. Er... Vingança.
O deus da vingança. Uma fria sensação pela coluna de
Morgan. Ela engoliu em torno de um súbito pedaço de medo
que se alojou como uma pedra em sua garganta. — Onde
posso encontrar este símbolo na necrópole?
— O túmulo dos egípcios, — ele entoou, olhando para
seu peito. — Tumbas de letras Z; símbolo de Horus é pintado
na parede norte.
Pintado na parede? — Em qualquer outro lugar?
Ele piscou, lentamente levantou o olhar para o dela, e
com um movimento vago de sua mão, disse: — Ovunque.
Morgan suspirou um suspiro frustrado. — Inglês, por
favor.
A guarda olhou-a nos olhos. — Em todo lugar — disse
ele, muito macio.
— O que quer dizer, em todos os lugares? — Morgan
disse severamente, para que sua voz ecoasse pelas paredes de
pedra.
— Pinturas, — ele respondeu calmamente, — Estátuas,
afrescos, o obelisco na Praça de São Pedro, o chapéu do papa.
— O chapéu do papa! — Exclamou atônita.
— Escultura de madeira, no trabalho de azulejo,
tapeçarias, trabalho em pedras...
— O suficiente! Pare.
Ele ficou em silêncio, esperando seu próximo comando,
enquanto Morgan tentava não hiperventilar.
Em todos os lugares. O símbolo do Alfa selvagem estava
em todo o Vaticano. Até no – bom Senhor – o chapéu do
Papa. Como? Por quê?
— Eu não entendo. Por que o símbolo de um deus
egípcio estaria por toda a sede da igreja cristã?
Um leve sorriso curvou seus lábios. — Seus deuses
estavam aqui muito antes do nosso. Nós só... — ele se
debateu, em busca de uma palavra em Inglês, —
... apropriamo-nos. Roubamos. Reconfiguramos.
A boca de Morgan se abriu e logo se fechou. Ela não
tinha tempo para isso. — Há outras entradas para as
catacumbas?
Ele balançou sua cabeça. — Só nas câmaras particulares
do papa, mas você não pode ir.
Oh, mas ela podia. Mas no momento, ela estava na
entrada da necrópole, então poderia muito bem começar por
aqui. Ela deu um aperto de advertência final no pulso do
guarda e disse: — Você vai voltar para o seu posto e me
esquecer.
O guarda piscou para ela e murmurou
melancolicamente: — Esquecer você.
— Sim. Vá agora.
Ele acenou com a cabeça lentamente, depois girou sobre
o calcanhar, atravessou a porta e deixou que ela se fechasse
atrás dele.
No momento em que ele se foi, Morgan se virou e foi
pelo estreito lance de escadas, seu coração pulsando, luz
diminuindo atrás dela a cada passo. Na parte inferior dos
degraus havia uma série de passagens estreitas, construídas
com tijolos vermelhos que partiam em todas as direções,
iluminadas por luzes fracas em longos intervalos. O ar estava
úmido e estagnado, o solo sujo e irregular. Vários sarcófagos
de pedra ricamente gravados foram colocados perto da
entrada, além do qual havia um maior corredor principal com
um mapa em inglês e italiano na parede que mostrava os
vários túmulos da necrópole. Sentindo emoção misturada
com pavor esmagador, Morgan localizou a tumba egípcia no
mapa e partiu em busca dela.
Ela passou túmulo após túmulo, tanto grandes como
pequenos, frios, sombreados quartos de tijolo e terra com
sarcófagos de pedra descansando em nichos nas
paredes. Motivos de veados e vasos e vinhas em flor, paredes
e tetos perfeitamente conservados e decorados;
Remanescentes de mosaicos coloridos sobreviveram em
remendos sobre os pisos. O corredor se estreitava em
comprimento, as paredes de tijolo mostravam mais sinais de
deterioração, o ar se tornava úmido e grosso. Em outra
esquina, e ela começou a sentir claustrofobia. As antigas
muralhas, agora em flocos e irregulares, se apertavam; a luz
escureceu para uma fraca tonalidade esverdeada.
Assim que ela estava começando a entrar em pânico que
estava perdida, a luz fraca da entrada para o túmulo dos
egípcios apareceu em torno de outro canto, iluminando a
escuridão como um fantasma em um cemitério.
Com o coração na garganta, Morgan entrou hesitante no
túmulo. Seis elaborados sarcófagos de pedra e quatro nichos
vazios alinhavam as paredes do mausoléu quadrado; várias
urnas de alabastro e fragmentos de cerâmica quebrada
estavam em um canto. Na parede norte, tal como o guarda
dissera, estava a pintura de Horus, deus da vingança.
Era maciça e estranhamente vívida na penumbra, rica em
cores e uma misteriosa dimensionalidade que a fazia parecer
uma protuberância na parede. Um guerreiro de peito nu com
a cabeça substituída pela de um falcão e asas enormes,
flamejantes que ventilam para fora do meio de sua parte
traseira, flutuando sobre uma multidão de adoradores
prostrados recolhidos em uma margem do rio. Ele segurava
uma espada em uma mão e um bastão na outra, faixas de ouro
rodeavam seus bíceps musculosos, uma saia de linho pendia
de seus quadris. Mas os olhos eram, de longe, os mais
marcantes de todos. Preto e afiado acima de um fino, bico
alongado, eles pareciam estranhamente vivos.
Morgan deu um passo atrás involuntário, baixou o olhar
e viu, no canto direito da pintura, um recorte na pedra do
mesmo tamanho e forma que o medalhão que pendia ao redor
de seu pescoço.
Seu coração pulsou sobre o esterno.
Sentindo-se como um personagem de Indiana Jones, ela
soltou o medalhão de seu pescoço e trêmula se aproximou do
pequeno nicho na parede. Sem respirar, ela colocou o
medalhão contra o tijolo antigo e saltou para trás com um
grito quando a tampa do sarcófago diretamente atrás dela
abriu com um sopro de poeira e o gemido baixo de pedra
sobre pedra.
— Oh, inferno, não, — ela disse para o silêncio antigo e
sinistro. — Você tem que estar brincando comigo.
O silêncio respondendo era ensurdecedor.
Ficou parada no centro do mausoléu por vários minutos,
discutindo os prós e os contras de ir em frente. Ela encontrou
o que estava procurando – possivelmente – e agora ela
poderia voltar e dizer a Xander... Pedir sua ajuda...
Se não fosse por você, Julian ainda poderia estar vivo.
Certo. Xander era o último que queria ajudar.
Lutando contra o ataque súbito amargo de lágrimas,
Morgan jogou o colar de volta ao pescoço, caminhou até o
sarcófago e abriu a tampa. Olhando para baixo, ela viu um
conjunto de degraus impossivelmente estreitos descendo em
uma escuridão impenetrável. Sentou-se na beirada do caixão
de pedra e balançou as pernas, então, movendo-se tão
silenciosamente quanto seus pés permitiam, desceu para a
escuridão.
D olhou para o bilhete dobrado em sua mão. Mudança
de planos lia-se, na melodiosa e elegante letra que ele
reconheceu como de Eliana. Encontro antes da
purgação? Igreja Afundada. Meia hora.
Ele dispensou a jovem garota corada que trouxera o
bilhete com um aceno brusco que a fez corar
profundamente. Quando ela recuou rapidamente para fora da
sala e fugiu para a segurança do corredor escuro, D
lentamente desenrolou a fita em torno de seus nós dos dedos.
Seu peito nu estava banhado em suor, os músculos de
seus braços e ombros doíam, sua respiração era pesada, mas
ele estava convencido de que o saco de pancadas que ele
estava batendo a pela última hora, serviu o seu propósito. Ele
estava mais calmo agora, sua cabeça mais clara.
E ele definitivamente ia precisar disso.
Ele saiu do ginásio com sua mochila na mão e foi para
os banheiros adjacentes, onde a água morna da primavera
borbulhava naturalmente a partir do leito rochoso muito
abaixo. Ele estava sozinho nos banhos há esta hora, mas não
se incomodou com sua costumeira caminhada. Ele conseguiu
se limpar o mais rápido possível, secar e vestir, então, depois
de uma viagem rápida para esconder a mochila em seu baú
nos aposentos privados do Bellatorum, correu para a igreja
afundada.
No caminho, ele queimou a nota de Eliana com um
isqueiro e deixou as cinzas caírem no chão.
Ninguém iria sentir falta dele a esta
hora. Ao Bellatorum foi autorizado tempo pessoal antes
da purgação, e em qualquer caso, Celian, Lix, e Constantine –
todos agora curados – decidiram jogar com um quarteto de
noivas jovens eleitas do Rei que ficou entediado e as doou
para seu prazer.
Nosso prazer, pensou severamente. Mas eu não estou
interessado em qualquer coisa que não seja o que estou indo
encontrar agora.
Vinte minutos depois, ele atravessou o labirinto de
catacumbas e ficou em silêncio nas sombras da igreja
afundada, esperando por ela ao lado de uma coluna de pedra
desmoronando ao lado do corredor que levava
profundamente as entranhas das catacumbas de que acabara
de emergir. Ele ficou lá respirando, sentindo seu coração
bombear em seu peito, sentindo antecipação apertar os
músculos profundamente em sua barriga.
Ele sentiu raiva. Exultante. Vivo.
Ele sentiu em vez de ouvi-la. Ela era silenciosa como a
meia-noite, mas carregava consigo uma corrente tangível de
poder, refinada, porém elétrica. Ao passar a soleira na igreja
afundada e olhar nervosamente ao redor, moveu-se
rapidamente de sua posição escondida contra a coluna,
agarrou-a pelos braços, e girou-a ao redor, seus pulsos
prendidos firmemente atrás dela em ambas as mãos. Ela
ofegou quando ele empurrou seu corpo contra o dela e
segurou-a, presa, à parede.
— Demetrius!
— Diga-me de novo — disse ele, muito baixo, seu rosto
a poucos centímetros do dela, — Por que estou arriscando
minha vida para estar aqui?
Arfando um pouco, olhou-o nos olhos. Sua pele era
lúcida à luz da lua que se espalhava pelo chão das pequenas
janelas no alto da sala redonda.
— Porque você quer, — disse ela, sem fôlego.
Ele olhou para seus lábios entreabertos, sentindo o
aperto em sua barriga crescer para uma queimadura. — Não
é bom o suficiente, — ele disse, balançando a cabeça
lentamente.
— Por que.... Eu quero você?
Ele inclinou a cabeça e considerou, apreciando o calor e
a suavidade de seu corpo pressionado contra o dele,
prolongando o momento. Jesus, ela parecia boa o suficiente
para comer. Vestida em leggings pretas apertadas, botas
pretas, e uma blusa preta que abraçava cada curva, era
provavelmente a coisa mais bonita que viu na vida.
Ele baixou o rosto lentamente, observando seus olhos se
alargarem, observando o pulso no seu pescoço crescer
irregular. Lentamente, suavemente, ele correu a ponta de seu
nariz abaixo da base de sua garganta e inalou profundamente,
contra sua pele. Sentiu-se endurecer, soube que ela sentia isso
também porque sua respiração se agarrava e, sutilmente, ela
se arqueou dentro dele.
— Eu preciso de algo mais definitivo do que
isso, Princesa... — ele murmurou, deixando os lábios roçarem
sua clavícula exposta enquanto falava.
— Oh. Nesse caso, que tal isso? — Ela respirou, então
se inclinou para frente e levou o lóbulo da orelha entre os
lábios.
D congelou enquanto o calor detonava em seu
corpo. Eliana sugou suavemente o lóbulo de sua orelha,
passando a língua por cima daquela minúscula carne que ele
nunca soubera que tinha tantas terminações nervosas, e então
apertou ligeiramente entre seus dentes. Ele afastou-se, pegou
o rosto dela em sua mão, e sobriamente disse: — Oh, menina,
você realmente não deveria ter feito isso.
Então ele a ergueu e a jogou sobre seu ombro para que
ela pendesse de cabeça para baixo atrás de suas costas. Virou-
se e atravessou o chão iluminado pela lua, dirigindo-se para a
porta que conduzia para fora, para a noite.
— Demétrio! — Gritou Eliana, golpeando as costas com
os punhos. — Coloque-me no chão! Coloque-me neste
instante!
Ele bateu duro na sua bunda e apreciou seu uivo
mortificado.
— Desculpe, Vossa Alteza, — ele disse, — Mas não vou
tomar ordens esta noite.
Ela ofegou em horror ou espanto, ele não podia dizer
qual, e D quebrou em um sorriso. Com o braço facilmente
cruzando ambas as coxas, ele se dirigiu através da porta oculta
que conduzia para fora e ao redor de um mato de framboesas
silvestres que cresciam ao longo da parede
arredondada. Eliana segurou seu cinto para se manter firme
enquanto caminhava, alternando entre suplicar e exigir que ele
a descesse.
— Pare de se contorcer ou eu vou colocá-la para baixo
e levá-la sobre o meu joelho, — ele ameaçou, e deu a sua
bunda um beliscão suave. Ela se acalmou instantaneamente
com uma respiração forte, e seu sorriso se alargou.
Deus, isso ia ser divertido.
Em um trecho úmido de trevo ao redor da parede leste
da igreja afundada, ele abruptamente a colocou em seus
pés. Antes que ela pudesse protestar, ele colocou uma mão
sobre seus olhos – ela cobriu a maior parte de seu rosto – e
girou-a para que suas costas estivessem contra seu peito. Ele
a puxou para perto. — Você está pronta? — Ele murmurou
sugestivamente em seu ouvido.
Ela tremeu contra ele e agarrou o braço que ele
envolvera em seu peito. — Pronta para quê? — Ela sussurrou.
Oh, sim, ela estava pronta. Sua voz a entregou. O calor
e o anseio nela cheios de impulsos carnais, mas ele conseguiu
se controlar, apenas muito mal. Porque agora ele queria dar
algo que ela – e todos com alma – mereciam.
Lentamente, ele tirou a mão de seu rosto. — Para Roma.
Ela exalou bruscamente. Seu corpo ficou
completamente imóvel.
Diante deles estava o glorioso e decadente labirinto da
cidade mais magnífica da humanidade, a joia da coroa da
conquista e da imaginação do homem, o pulsante e vibrante
coração do planeta que bateu por mais de dois mil e
quinhentos anos. Palácios renascentistas e basílicas barrocas,
campanários medievais e túmulos etruscos, uma extensão de
telhados até onde o olho podia ver, ouro lavado de poeira de
fadas pela lua enorme e laranja que cresce como uma abóbora
gorda sobre as colinas negras distantes. Uma enorme nuvem
de estorninhos subiu em um emaranhado na cúpula espessa
do céu, voando juntos até que eles desapareceram no
horizonte, e fora à distância a enorme massa de pedra do
Coliseu agachado no centro de tudo, ouro listrado e preto
como um tigre adormecido.
Um pequeno espasmo invadiu seu corpo, e ele olhou
para o seu rosto. Seus olhos estavam enormes, sem piscar,
cheios de lágrimas. Ele gentilmente a virou para encará-lo.
— Eliana, — ele sussurrou contrito. Ele fez algo errado?
Ela virou a cabeça e olhou-o nos olhos. — Obrigada —
disse ela, sua voz sufocou.
Seu coração se derreteu. Uma única lágrima escorregou
por sua bochecha, e ele a limpou com o polegar.
— Menina tola, — ele disse suavemente, — Você não
deveria chorar no começo de um encontro. Chore no final,
como eu.
— Você, chora? — Ela zombou, fungando e enxugando
a umidade em torno de seus olhos. Ela respirou fundo e
endireitou os ombros. — Acho isso muito difícil de acreditar,
Sr. Chutador de Traseiros.
D olhou para ela com fingida indignação. — Sr.
Chutador de Traseiros? Vou fazer você saber que sou muito
afetuoso, Sra. Alta e Poderosa.
Era sua vez de fingir afronta. — Alta e poderosa? Eu
vou fazer você saber que sou muito humilde e dócil.
Ele se aproximou, sorrindo. — Sério? Dócil, não é?
Ela inclinou a cabeça e olhou para ele através de suas
pestanas, brincalhona. — Bem. Dócil para uma princesa, de
qualquer maneira.
— Hmmm. Foi o que eu pensei.
Ele arrastou seus dedos sobre o lado de seu rosto e
mandíbula, porque queria, porque podia, porque gostava de
ver o efeito que seu toque tinha sobre ela. Mesmo na
escuridão ele a viu ruborizada.
— E eu tenho certeza que se você não fizer
isso agora, em qualquer sentido tradicional da palavra, —
disse ela, menos estável do que antes.
Sua mão deslizou em volta de seu pescoço, e ele a puxou
contra si. Suas mãos se ergueram para descansar levemente
contra seu peito.
— Agora por que você pensaria isso? — Ele murmurou,
baixando sua cabeça para a dela.
Seus dedos se enrolaram na frente de sua camisa
enquanto seus lábios roçavam sua têmpora, deslizando,
apenas tocando até sua mandíbula. Fez uma pausa no canto
da boca.
— Porque há muitas mulheres se jogando a seus pés para
se preocupar com o namoro — ela suspirou, seus lábios
apenas roçando os dele. — Você pode simplesmente levá-las
para a cama e dispensar todas as formalidades.
Ele colocou a mão no cabelo da nuca e gentilmente
puxou a cabeça para trás, obrigando-a a levantar os olhos. —
Só quero uma mulher na minha cama, — disse ele, com a voz
rouca, toda a provocação perdida, — E estou pronto e
disposto a fornecer qualquer tipo de formalidade que ela
requer.
Ela olhou para ele com intensidade escura, seus olhos
encapuzados e os lábios de Mona Lisa, o luar tecendo magia
azul em seu cabelo.
— Sem resposta ágil para isso, Princesa?
— Bem, — ela murmurou estupefata, — Eu não
consigo entender se isso é incrivelmente ofensivo ou
incrivelmente quente.
Uma pequena risada ecoou pelo peito dele. — Não
pense demais. Apenas vá com seu instinto.
Seu olhar caiu em seus lábios. Suas bochechas
aquecidas. — Incrivelmente quente, então, — ela sussurrou,
e se levantou em seus dedos do pé para pressionar
suavemente sua boca contra a dele.
Isso o matou. Ela era tão doce, tão bonita, tão boa – e
ela o queria.
Ele.
Ele gemeu em sua boca, endurecendo instantaneamente
quando sua língua deslizou contra a dele. Ela envolveu seus
braços ao redor de seu pescoço e se pressionou contra ele e
beijou-o com um ardor que lhe tomou o fôlego. Ele queria
beijá-la assim por anos, mas agora que ele a tinha em seus
braços, sua boca na sua, ele se sentiu enjoado e zonzo e de
repente estava receoso que poderia fazer algo para machucá-
la, com medo que ele poderia ser muito áspero e assustá-la.
Ele parou o beijo, ofegando, e afastou-a dele com as duas
mãos.
Ela piscou, sua expressão aquela de um filhote
repreendido. Em uma voz pequena ela disse: — O que é? Fiz
algo de errado?
— Jesus, não, — ele gemeu, encolhendo-se, — Você fez
tudo certo.
Com o olhar triste franziu o cenho. — Eu não entendo.
Sua voz saiu rouca, áspera, dolorida. — Eliana. Você
tem alguma ideia do que quero fazer com você? Quanto te
quero? Quanto controle de mim mesmo é necessário para não
tirar essas calças do seu corpo perfeito, delicioso e foder você
aqui? Agora?
— Oh, — ela disse, empalidecendo. Seus olhos ficaram
enormes. — Oh meu.... Estamos de volta ao território
incrivelmente ofensivo ou incrivelmente quente.
— É apenas a verdade! Eu queria ter você a cada
segundo de cada dia durante anos, e agora que você está aqui,
a sós comigo, eu estou achando muito difícil não fazer isso.
— Foder-me? — Ela interrompeu, encarando-o.
O menor indício de um sorriso rabugento levantou sua
bochecha, e sua boca se abriu.
— Você está sorrindo para mim, Sra. Alta e Poderosa?
— Ele rosnou. Apertou suas mãos em torno de seus braços e
puxou-a mais perto.
— Eu não se atreveria, Sr. Chutador de Traseiros, — ela
disse inocentemente. — Conhecendo a mão que você tem.
Tenho medo de ter tantas palmadas que não poderia sentar-
me por uma semana.
— Oh, você realmente não tem ideia, — ele respirou,
fechando a distância final entre eles. Ele apertou seus braços
em torno de suas costas novamente, apertou-se contra ela, e
tomou seu queixo em sua mão. Ele olhou para baixo em seus
olhos e disse: — Eu adoraria transformar esse belo traseiro
em perfeito tom de rosa, e estar dentro de você e te fazer
gemer meu nome e a promessa de pertencer a mim para
sempre. Não se engane Eliana, quero fazer você ser
minha. Toda minha. Eu quero fazer coisas muito ruins para
você, coisa que ninguém jamais fez antes ou nunca vai fazer.
É o que mais quero, que você aprenda o que me agrada e faça
porque você quer, porque a faz feliz. Porque eu vou te fazer
feliz.
Ela olhou para ele com a boca aberta, os olhos
arregalados.
— Mas nós não vamos fazer nada disso até que eu te
mostre esta cidade que você viveu por baixo a sua vida inteira
e nós tivermos uma conversa muito honesta sobre o que
exatamente você está procurando aqui, porque vou dizer-lhe,
agora não estou interessado em apenas uma noite e não vou
compartilhar você com mais ninguém. Incluindo seu pai. Nós
estamos entendidos?
Ela engoliu em seco e assentiu com a cabeça.
— Bom. — Ele se inclinou e beijou-a muito suavemente,
primeiro tomando seu lábio inferior entre os dentes, então
deslizando a língua em sua boca, com cuidado para segurar
quando ela arqueou perto dele e fez um som em sua garganta
que soou perigosamente perto de render-se.
— Primeiro, menina, — ele sussurrou, então apertou um
beijo casto em sua testa e a soltou. — Vamos ver Roma, não
é? — Ele estendeu a mão.
Um pouco instável em seus pés, ela estendeu a mão para
ele e fechou seus dedos frios ao redor dos dele. Ela tragou de
novo e lhe enviou um olhar divertido, ligeiramente
desorientado.
— Você é sempre tão mandão?
Ele sorriu. — Alguém tem que se levantar para você. Seu
ego está completamente fora de controle.
— Meu ego! — Ela riu depois que ele levou-a para longe,
descendo a colina gramada inclinada.
— E sim, eu sou sempre este mandão, — ele disse sobre
seu ombro. — Na verdade, estou apenas começando.
— Sim, bem, boa sorte com isso, Sr. Chutador de
Traseiros, — ela zombou. — Você não é o único que está
acostumado a dar ordens. Se você pode mandar, é melhor ser
capaz de obedecer também.
D ouviu seu riso doce e baixo atrás dele e ficou contente
por não ver o enorme sorriso que dividia seu rosto.
Sim, ele ia aceitar. Ele ia levar tudo.