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VOZ
ACADÊMICA
ÓRGÃO OFICIAL DO CENTRO ACADÊMICO AFONSO PENA
Por um processo
democrático de
escolha do Reitorado
Honduras:
o fundamento
legal inexistente
Vetusta Irrelevância
A irrefutável
R A
U
verdade do progresso
NS
CE
EM
S
O VOZ AGORA ESTÁ DISPONÍVEL
NA INTERNET! ACESSE O NOVO
SITE DO CAAP E CONFIRA:
WWW.CAAPUFMG.COM.BR
2
SUMÁRIO
EDITORIAL ..................................02
VOZ EM VOGA
EDITORIAL
POR UM PROCESSO DEMOCRÁTICO Esta é uma edição peculiar do Jornal Voz Acadêmica. do texto. Na referida reunião, votou-se por ampla maioria por
DE ESCOLHA DO REITORADO.............03 Inicialmente, pelo fato de que, neste mês, devido a um grande recomendar ao Conselho Editorial do Voz que publicasse o
movimento empreendido pelo Conselho Editorial para a busca de polêmico texto, que acatou a recomendação, de forma que o
HONDURAS: O FUNDAMENTO ampla adesão e participação dos alunos da UFMG, recebemos o texto segue no Voz para conhecimento de toda a comunidade.
LEGAL INEXISTENTE ......................04 triplo de textos do que estamos habituados. Além disso, vários
dos textos nos surpreenderam pela densidade e pertinência de A liberdade de expressão é pressuposto elementar para um
TOFFOLI: A INSURGÊNCIA ACADÊMICO- movimento estudantil livre, autêntico e responsável. O CAAP
suas críticas, bem como pela qualidade de sua redação.
JURÍDICA CONTRA SUA INDICAÇÃO E A sempre foi, e não pode deixar de ser, um Território Livre da
CONSTITUCIONALIDADE DA VIRTÙ.......06 A ampla adesão ao Voz Acadêmica deste mês se mostra clara censura, de ingerência ou de ameaças, seja do autoritarismo
quando notamos que alunos integrantes de diversos grupos de do Estado, seja da intervenção de algum professor ou qualquer
SOLTE A VOZ estudos enviaram textos, que antigos e atuais membros do pessoa que não faça parte do Corpo Social do CAAP. Se no
CAAP deram sua contribuição e que até mesmo a Associação passado nem a polícia da ditadura tinha a audácia de entrar no
VETUSTA IRRELEVÂNCIA ..................07 Atlética Acadêmica ocupou seu espaço. Foi tamanha a CAAP, agora, a liberdade outrora tão arduamente conquistada
participação e os debates que circundaram a presente edição com o sangue de José Carlos da Mata Machado, não será objeto
SER DA ATLÉTICA...........................08 do Voz que a Diretoria do CAAP, resguardando a autonomia e de barganha de quem quer que seja. O CAAP luta contra
DE UMA METÁFORA A OUTRA: independência do Conselho Editorial do Voz, decidiu por qualquer tipo de neurose, histeria ou de patologia psicossocial
dilatar o Conselho, abrindo espaço para que quaisquer que possa acometer a Casa de Affonso Penna, de onde quer que
A PARTENOGÊNESE DO BOLISMO..........10
membros da comunidade acadêmica participassem. O venham tais fraquezas.
resultado dessa Integração se encontra no expediente: mais de
VOZ CIENTÍFICA 50 pessoas assinam o Jornal. As atuais circunstâncias reforçam O Jornal Voz Acadêmica, com seus mais de 50 anos acumulados,
o caráter original do Voz Acadêmica, de ser um veículo amplo e rejeita toda e qualquer crítica de cunho pessoal, a prezar e
O DESENROLAR DO FUNDAMENTO enaltecer as críticas institucionais responsáveis.
democrático onde todo o Corpo Social do CAAP, ou seja, todo o
DE VALIDADE DO DIREITO..................11
corpo discente da Faculdade de Direito da UFMG, tem espaço
Ao criar a Revista da Faculdade de Direito em 1894, Affonso
AS LEIS ANTITABAGISMO BRASILEIRA....12 para se manifestar. Daí a relevância de se manter a tradição de
Penna, no discurso de criação do periódico, estimava que “nos
independência do Conselho Editorial do Voz Acadêmica, não
governos livres o conjunto das instituições políticas, que
obstante o mais comum seja a consonância e perfeita
VOZES QUE ECOAM constituem o Estado, nas suas múltiplas manifestações, atua de
correspondência entre os objetivos da Diretoria do CAAP e do
modo direto sobre o espírito popular, provocando e fortalecendo
O AGORA É LUGAR DA UTOPIA...........13 Conselho do Voz, já que ambos representam os alunos da Casa
a iniciativa popular. Nas democracias é esta a base primordial das
de Affonso Penna.
O CINEMA NA CONSTRUÇÃO instituições. A criação das faculdades livres, ao lado dos institutos
DO OLHAR JURÍDICO.......................13 A presente edição do Voz Acadêmica traz uma novidade. oficiais, é fato auspicioso para o progresso dos estudos no Brasil”.
Frequentemente o Conselho Editorial se via incomodado diante A Faculdade de Direito da UFMG ainda é um espaço da livre
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA...............14 de textos que não se encaixavam nem propriamente à editoria manifestação, elemento essencial para a manutenção da tão
Solte a Voz, destinada a manifestações de caráter político, avocada excelência jurídica.
VOZ CULTURAL nem propriamente à editoria Voz Científica, destinada a textos
Que isso não se perca, e que seja aprimorado, pelo bem da
com caráter técnico e formalmente voltados para debates
DA IRREFUTÁVEL Vetusta Casa de Afonso Pena. O Voz Acadêmica é elemento
acadêmico-jurídicos. Era quase sempre o caso quando o texto
VERDADE DO PROGRESSO.................15 essencial nesse movimento. Que seja proclamada sua
então avaliado se tratava de manifestação acerca de
integridade e autonomia.
acontecimento atual, sem, contudo, caráter expresso de
AS PIRUETAS DO SOL reivindicação ou conteúdo propriamente científico. Nesse
E O LEGADO DE ADÃO......................15 sentido, o Conselho Editorial lançou a editoria Voz em Voga, Tudo porque o poeta olhou o céu,
espaço em que serão publicadas opiniões e debates acerca de Só viu o vazio
VOZES MALDITAS...........................16 temas atuais que, no momento da publicação do Voz, estejam – Olhou as árvores desfolhadas,
ou devessem estar - sendo discutidos pela mídia e pela E o vento, tristemente, a chorar,
sociedade. Na presente edição, a editoria contém artigos
por entre os galhos
acerca da luta pela paridade na consulta à comunidade
Tristeza...
acadêmica para eleição do reitorado da UFMG, do caso de
“Trata-se da dramática história do presidente democraticamente eleito que pretende adotar reformas para diminuir as
desigualdades sociais, desagrada, com isso, as elites locais e internacionais, e é, mais cedo ou mais tarde, deposto do cargo.”
¹ Os dados colocados nessa introdução foram retirados de: American Association of Jurists et al, 2009. Esse documento se refere a um relatório
preliminar de uma missão composta por quatro juristas, representantes de diferentes organizações não-governamentais (American Association
“A remoção juridicamente of Jurists, National Lawyers Guild, International Association of Democratic Lawyers e International Association Against Torture), que
estiveram em Honduras no mês passado para apurar dados e averiguar se houve ou não um golpe militar. Agradeço nominalmente a duas das
especialistas que compuseram a missão, Susan Scott e Vanessa Ramos, pela gentileza de terem fornecido o relatório a mim por email. Até a
injustificada de um presente data, o relatório preliminar ainda não havia sido disponibilizado na internet. De qualquer forma, sugiro ao leitor que consulte o
seguinte sítio virtual, referente a uma das organizações envolvidas: http://www. nlginternational.org/ (acesso em 10 de outubro de 2009).
presidente consti- Nada obstante, fico ainda à disposição para compartilhar o relatório por email com os eventuais interessados.
² Não citamos o texto literal dos dispositivos da Constituição hondurenha por respeito ao espaço desse artigo. No entanto, convidamos o leitor a
acessar a Carta hondurenha, cuja versão original pode ser encontrada em: http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Honduras/
tucionalmente eleito, feita hond05.html (acesso em 07.10.2009).
³ Diferentemente do que fez o governo anterior em relação ao golpe de Estado ocorrido na Venezuela em 2002. Sobre esse golpe, que baseou-se
sem nenhum apoio popular, em uma das maiores farsas midiáticas da história, sugerimos os documentários: The Revolution Will Not Be Televised e Puente LLaguno: Claves
de una Masacre.
representa em si uma
AMERICAN ASSOCIATION OF JURISTS (AAJ); NATIONAL LAWYERS GUILD (NLG); INTERNATIONAL ASSOCIATION OF DEMOCRATIC LAWYERS (IADL);
INTERNATIONAL ASSOCIATION AGAINST TORTURE (AICT). Preliminary Report of the International Observation Mission of the American
mais grave: a do Association of Jurists (AAJ), the National Lawyers Guild (NLG), the International Association of Democratic Lawyers (IADL) and the
International Association Against Torture (AICT) on the Crisis in Honduras caused by the Coup d'état and the Breach of the Rule of Law. Não
publicado.
desrespeito à soberania do
DALLARI, Dalmo de Abreu. O fundamento legal omitido. Observatório da Imprensa, 30 de setembro de 2009. Disponível em:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=557IMQ011 (acesso em: 05.10.2009).
povo hondurenho.” SERRANO, Pedro Estevam. Constituição hondurenha não justifica o golpe. Folha de São Paulo, Caderno Mundo, 30 de setembro de 2009.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ ft3009200906.htm (acesso em: 05.10.2009).
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VOZ EM VOGA
TOFFOLI: É preciso analisar somente o notório saber jurídico, afinal o
feliz indicado foi reprovado duas vezes em concurso para a
Rocha Cubas. Ele propôs uma ação popular contra o
Presidente da República, contra o Presidente do Senado
magistratura, não tem livros escritos e não tem títulos Federal e contra o Presidente do Supremo Tribunal Federal,
com o objetivo de obstar a indicação de Toffoli ao cargo de
A INSURGÊNCIA acadêmicos. Ele é como somos muitos de nós. Mas nós
somos os seus julgadores. Ministro, na medida cautelar em petição 4.666-8/DF. Alega
o magistrado violação constitucional da separação de
“O problema é sua ligação poderes, vedação do exercício de atividade político-
ACADÊMICO- partidária. Mas, e daí? Daí que
partidária aos magistrados e exigência de notável saber
jurídico. Tem preocupações políticas ao dizer que “o Exmo.
ele só tem de se desligar do Sr. Presidente da República indicou ao cargo de Ministro do
IRRELEVÂNCIA docentes não se dão ao trabalho de observar o que se tem produzido mundo afora”.
Amartya Sen, economista indiano ganhador do Prêmio Nobel “nova síntese” explicativa, a partir do trabalho de estar soçobrando. Desde pelo menos a década de 1960 há
de Economia em 1998, está lançando agora em setembro de pesquisadores como Jonathan Haidt e Joshua Greene. Mais referenciais teóricos transversais, como as Teorias da
2009 o livro “The Idea of Justice”. Apenas pelo seu do que um sistema racional-discursivo, a moral, humana e Escolha Racional e a Teoria dos Jogos, que são aplicadas da
consistente e aclamado trabalho sobre combate à pobreza, animal (sim, há anos já se estuda o “comportamento moral” Ciência Política e Microeconomia à Criminologia e Biologia
cidadania e liberdade, a obra já mereceria nossa atenção. em outras espécies), é composta de heurísticas, isto é, Evolucionista. Mais do que “modas” passageiras, deram azo
Mas há mais motivos: Sen contesta a teoria da Justiça como vieses inatos, com forte componente intuitivo e emocional, a tentativas ousadas de unificar todas as ciências
Equidade de John Rawls, por ser baseada em um que guiam os nossos juízos. A Psicologia Evolucionista e a comportamentais. Hoje, já se fala com seriedade na
racionalismo excessivo, sem lastro na realidade, e propõe Neuroética têm muito a dizer sobre o que de fato se passa na construção de um marco explicativo único, não-reducionista
uma justiça comparativa, menos idealizada, que leva em cabeça de um juiz que se defronta com um caso difícil ou um e interdisciplinar, como pretende Herbert Gintis. E os
conta as escolhas, sempre aproximativas, de que as dilema moral. Ao passo que, em vetustas paragens, ainda há juristas? Vão continuar de fora?
sociedades de fato dispõem. Um prato cheio, portanto, para quem diga que a fonte da moralidade é a religião! Não me
os jusfilósofos do século XXI, que enfrentam a árdua tarefa Se já é difícil encontrar pesquisadores que se aventuram na
surpreende que o único jurista brasileiro que já tratou dessa
de debater distintas visões sobre o tema, de Ronald Dwokin a junção entre Direito e Economia, como Richard Posner – são
nova perspectiva seja Atahualpa Fernandez, hoje cursando
Friedrich Hayek, de Robert Nozick a G. A. Cohen. poucos por aqui, e em sua maioria circunscritos aos estudos
pós-doutorado na Espanha, por não encontrar ambiente
de Direito da Concorrência – como pode a comunidade
Mas algo me diz que nesta Casa de tão doutos luminares, esse acadêmico para esse tipo de pesquisa nas faculdades de
jurídica enfrentar o turbulento cenário de crise mundial? A
será mais um livro que será apreciado por uns poucos (e Direito tupiniquins.
Economia Comportamental e a Neuroeconomia estão aí,
admiravelmente teimosos) professores-guerreiros. Por sinal, mostrando os limites da racionalidade humana, a forma
E não faltam exemplos lá fora. Owen D. Jones é um jurista
ainda vige aqui certo provincianismo acadêmico, que como consumidores fazem escolhas aparentemente ruins no
que tem publicado muitos artigos sobre como as
confunde excelência com auto-referência, debate acalorado
neurociências podem afetar o Direito. No nosso universo seu cotidiano, e poderia ser uma valiosíssima ferramenta
com clientelismo caloroso. É a lógica circular, que pode ser
acadêmico, porém, basta gritar “biologia!” ou “genética!” para o Direito. Para citar exemplos, estudos sobre desconto
sintetizada no tautológico axioma “fulano é meu orientando
para que chovam acusações preconceituosas de de futuro podem ajudar a se desenhar uma reforma
porque é o melhor; fulano é o melhor porque é meu
“determinismo” e “reducionismo”, ou impropriedades da previdenciária efetiva, e pesquisas sobre as falhas de
orientando”. Isolados nessa esfera, certos docentes não se
boca de quem acha que toda ciência biológica é sinônimo de mercado e “efeitos de manada” de investidores
dão ao trabalho de observar o que se tem produzido mundo
Lombroso. Parece óbvio, porém, que tormentosas questões “irracionais” em mercados financeiros – chamados por
afora, nem que seja para criticar com bons argumentos. É
como o livre-arbítrio, a autonomia decisória e a Keynes de “animal spirits” – em muito contribuiriam para se
como nas Capitanias Hereditárias, mas em vez de sesmarias,
culpabilidade simplesmente não deveriam ser discutidas pensar numa melhor forma de regulação do mercado
doam-se pacotes requentados com velhas teses e marcos
sem levar em conta o que as ciências do comportamento têm financeiro pós-crise. É gritante o descompasso entre o
teóricos mofados. “Ora”, retrucam eles, “a Filosofia não é
descoberto. E mesmo que se discorde da aplicabilidade de debate internacional – o Portal da CAPES está aí, basta usá-lo
como a Coruja de Minerva”?
conceitos das ciências naturais à compreensão do homem, o nas pesquisas! – e o que se considera relevante por aqui. É
E simples assim, fecham-se as portas para instigantes que se deve fazer é uma crítica minimamente fundamentada, preciso, numa palavra, interdisciplinaridade.
debates que têm sido travados noutras plagas! E todos com tal como já fez mais de uma vez o grande antropólogo Marshall
O Direito sempre teve certa vocação para encapsular-se em
implicações importantíssimas para o Direito atual. Sahlins, em vez de se enfiar os olhos num buraco feito
si mesmo. Pena. Não precisa ser assim. Para que seja
avestruz.
No campo dos estudos sobre a moral – um dos primeiros diferente, porém, é passada a hora de decretarmos a
temas que se estuda no curso de Direito – está surgindo uma Até a clássica divisão entre ciências naturais e sociais parece aposentadoria de ideias decrépitas.
Referências Bibliográficas
Akerlof, G.; Shiller, R. (2009) Animal Spirits: How Human Psychology Drives the Economy, and Why It Matters for Global
Capitalism. Princeton University Press.
Fernandez, Atahualpa; Fernandez, Marly. (2008) Neuroética, Direito e Neurociência – conduta humana, liberdade e
racionalidade jurídica. Curitiba: Juruá.
Damásio, António. (2007) O Erro de Descartes – emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras.
Hauser, Marc. (2006) Moral Minds – how nature designed our universal sense of right and wrong. New York: HarperCollins
Publishers.
Ridley, Matt. (2008). O que nos faz humanos? Genes, natureza e experiência. Rio de Janeiro: Record.
Sahlins, Marshall. (2008). The Western Illusion of Human Nature. Chicago: Prickly Paradigm Press.
Sen, Amartya. (2009). The Idea of Justice. Cambridge: Harvard University Press.
Mais estudos sobre a “nova síntese” moral, por Joshua D. Greene: http://www.wjh.harvard.edu/~jgreene/
Site do Herbet Gintis: http://people.umass.edu/gintis/ (Texto: “Five Principles for the Unification of the
Behavioral Sciences”)
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SOLTE A VOZ
SER DA ATLÉTICA Em outubro, reunião do Conselho Editorial do Voz Acadêmica
de Direito no Santo Antônio, tendo como público-alvo o manhãs de sábado e domingo. No dia das finais, em que AAA já viajou até Pará de Minas mais de uma dezena de
Ensino Médio, de forma a aproximá-los de temas jurídicos, ocorreu a premiação, os integrantes da AAA estenderam vezes, só nos últimos meses, para reuniões com a
o que pode orientá-los em sua escolha para o Vestibular. duas faixas de protesto direcionadas à organização. É uma Prefeitura e outras deliberações com autoridades locais.
Realmente, organizar palestras a respeito de temas pena que alguns não considerem tudo isso trabalho. Trabalho duro? Logicamente, não.
importantes do Direito em outra instituição de ensino, de
Os Jogos Jurídicos são os maiores eventos esportivos e de Os Estatutos da AAA, em seu art. 2o, enumeram as
forma a possibilitar os treinos de nossas equipes, é
integração entre Faculdades de Direito no Brasil, que finalidades da associação, que envolvem basicamente
praticamente o mesmo que “só fazer festa”.
acontecem todos os anos, seja em âmbito regional, estadual atividades esportivas, seminários jurídicos e desportivos,
A Charanga busca uma melhora qualitativa a cada show, ou nacional. A Vetusta sempre tem a maior delegação de eventos sociais, atuação junto às demais associações
seja pela seleção de novos talentos no “Vetusta Idol”, seja Minas Gerais e uma das maiores do Brasil, mesmo sem que a atléticas e ações de saúde. Ante os estatutos da associação
pelos exaustivos ensaios às quintas-feiras e aos sábados, ou AAA receba praticamente nenhum apoio da Faculdade, nem e as informações expostas nesses últimos parágrafos,
até mesmo pela contratação de um especialista em contribuição dos alunos, diferentemente do que acontece indaga-se: com relação aos fins precípuos da Atlética, seus
baterias de escola de samba para uma orientação em peso na Milton Campos ou nas faculdades de São Paulo,
membros trabalham de fato? Em qualquer gestão, seja da
adequada. Além disso, ela tem alegrado boa parte das por exemplo. Enquanto principal evento da Atlética, é
Atlética, do CAAP ou até mesmo do Poder Público, haverá
formaturas e pós-bailes das turmas da Faculdade, com impressionante a oportunidade de integração que os Jogos
aqueles que cumprem suas atribuições com afinco e haverá
apresentações cada vez mais contagiantes e uma postura geram, as amizades inter-períodos que surgem, amenizando
aquelas pessoas que não contribuem com o mínimo de
profissional que a torna ainda mais respeitada. E olha que o as dificuldades que a estrutura vertical da Faculdade impõe
esforço para a instituição da qual participam. Portanto,
“cantor” nem ganha certificado de ACG. nesse aspecto. Poucos são os que nunca foram competir,
seria uma generalização injusta dizer que todos os
torcer pelas equipes da Vetusta e curtir durante 3 ou 4 dias.
Já no segundo semestre de 2009, a AAA direcionou esforços membros da AAA exercem seu papel com dedicação. Sem
Para tanto, os integrantes da AAA deixam de se divertir na
para uma intensa campanha de divulgação. A ideia era embargo, os integrantes que efetivamente se preocupam
maior parte do tempo nos Jogos para coordenar as
mostrar aos estudantes a importância de representar a com os interesses dos associados e desejam zelar pela
atividades; acordam cedo para ser delegado de partida
Faculdade de Direito e a UFMG no esporte universitário. Em entidade, estes sim, realizam com louvor sua função.
enquanto as demais pessoas descansam; são obrigados a
função disso, o site da Atlética voltou a ser atualizado;
aguentar reclamações e a chamar atenção de alunos, muitas Alguém que passe em frente à sala da Atlética e veja seus
foram produzidos cartazes com cenas das equipes e da
vezes se indispondo ou até brigando com amigos; tudo para membros sorrindo, receptivos, pode pensar que o trabalho
torcida nos Jogos Jurídicos, vídeos para divugação dos
que a organização não desande. Ademais, eles perdem finais é fácil ou até mesmo que ele inexista. Esse é o preconceito
Jogos Jurídicos Mineiros 2009, cartilhas em multimídia
de semana em viagens para reuniões, passam noites em claro de quem não sabe diferenciar isso de um trabalho
para os calouros, além de banners e faixas. O respeito que a
preparando kits, despendem absurda quantidade de tempo desgastante mas realizado com alegria e bom humor, que
nossa Escola tem não se deve restringir tão somente à
em negociações de patrocínio, hotel, ônibus, uniforme, definitivamente não se trata de um lazer de deleite dos
qualidade do conhecimento aqui produzido e dos
camisas e brindes para a delegação, enfim, dedicam-se ao próprios integrantes. Possivelmente, muitos órgãos da
profissionais aqui formados, mas também levar em conta a
máximo para que tudo aconteça. Será que cada indivíduo que Universidade em geral seriam mais produtivos caso seus
projeção nacional das entidades representativas de seus
apenas compra seu pacote e se diverte em alguns dos componentes empreendessem o mesmo ânimo em suas
discentes, como a AAA e o CAAP. Vestir a camisa da Vetusta
melhores dias de sua vida imagina que os membros da atividades. Se a AAA possui, hoje, algum respeito, isso se
é motivo de orgulho para qualquer aluno.
Atlética tiveram que se dedicar dessa maneira? deve aos muitos alunos que sofreram esse tipo de
Nos meses de agosto e setembro, as equipes da Vetusta preconceito e mesmo assim batalharam em prol do
Em junho deste ano, a Atlética levou a Foz do Iguaçu uma
obtiveram excelentes resultados na IV Olimpíada crescimento e fortalecimento de uma entidade promissora
delegação de mais de cem pessoas para a disputa dos Jogos
Universitária da UFMG, disputada no Centro Esportivo na Faculdade de Direito da UFMG.
Jurídicos Estaduais do Paraná, evento para o qual a
Universitário (CEU). As equipes de vôlei masculino e feminino
Faculdade de Direito da UFMG foi a única faculdade Exautivas reuniões semanais de pautas intermináveis,
conquistaram a medalha de ouro, enquanto o futsal
convidada pela segunda vez consecutiva. Nossa equipe de
masculino conseguiu a prata. A organização do torneio, a sacrifício de grande parte do tempo livre, que poderia ser
futsal, em jogos eletrizantes, chegou à final, conquistando
cargo do CEU, foi catastrófica. A Olimpíada não possuia dedicado ao estudo, ao sono, à família, à vida pessoal. Essa
o vice-campeonato, em meio a quinze outras faculdades. É
qualquer espécie de regulamento, datas e horários de é a realidade daqueles que participam de instituições como
verdade, “da Atlética podemos esperar qualquer coisa”.
partidas eram modificados sem que os participantes fossem o CAAP e a AAA. São pessoas que abraçam uma ideia. São
avisados e obter informação pelo telefone do CEU era uma A Atlética tomou a frente na Liga Jurídica Mineira (LJM) e alunos que acreditam. Sem exigir nada em troca. Sim, é um
verdadeira via crucis. Citar todos essas falhas não é o está laborando de maneira incansável na organização dos trabalho voluntário, cuja recompensa está em ver o
objetivo deste texto, e o estenderia em demasia. Vale Jogos Jurídicos Mineiros de 2009, evento que ocorrerá de sucesso de nossos projetos e as consequências disso: a
ressaltar, contudo, que, apesar de todos os obstáculos que 30 de outubro a 2 de novembro em Pará de Minas. satisfação e o reconhecimento por parte de nossos
se apresentavam, os membros da Atlética se desdobravam Aproximadamente 1/4 dos alunos da Faculdade estará representados, bem como a contribuição para nossa
para auxiliar os atletas, comparecendo ao CEU, muitas presente, competindo nas diversas modalidades ou formação pessoal. Cumpre ao leitor avaliar se isso é ou não
vezes antes de sua abertura, às 8h da manhã, em todas as torcendo pelos atletas. A Diretoria de Relações Públicas da trabalho duro.
DO BOLISMO processo que ele desencadeou é bolismo e seus membros chamam-se bolistas.”
DO FUNDAMENTO por cada homem pela razão inerente a todos, que leva a uma
elaboração universal e justa, a partir de observações
contextualizada integra o ordenamento jurídico, concebendo
os princípios como gabarito para decisões judiciais,
empíricas ou da dedução racional. A Escola do Direito Natural controlando-as materialmente (DWORKIN: 2007).
I – Breve histórico do tabaco e do tabagismo Fazê-lo no presente caso é de suma importância para que se limites aos poderes legislativos dos Estados, Distrito Federal
Os primeiro registros históricos do uso do tabaco apontam entenda o que a posteriori neste artigo pretende-se analisar, e União no que diz respeito à competência concorrente: (a)
povos primitivos latino-americanos como os “descobridores” a saber, as legislações estaduais em vigência e em sobre os temas que prevê o art. 24, a União deverá criar
de tal elemento. Utilizavam-no de maneira medicinal em tramitação sobre o tema. apenas normas gerais; (b) os Estados e Distrito Federal terão,
seus ritos e cerimônias em conjunto com outras substâncias A meu ver, o tabagismo engloba dois assuntos dentre os sobre a competência da União, competência suplementar,
vegetais. vários elencados nos incisos dos arts. 22, 23 e 24 da isso é, de elaborar normas particulares que complementem
Constituição da República que tratam de competência o sentido das normas gerais nacionais; (c) para os casos em
No início do século XVI, com a invasão das Américas pelos
legislativa. São eles: amparo à saúde, é dizer, prevenção de que não houver norma geral nacional, os Estados e Distrito
europeus, levaram os espanhóis, em suas embarcações, tal Federal terão capacidade plena para legislar sobre a
possíveis malefícios e doenças causados pelo cigarro que, se
substância até o antigo mundo. Na Europa, foi utilizada de matéria, e; (d) as normas gerais de autoria da União
de fato ocorrerem, serão de responsabilidade do Estado
diversas maneiras: a priori, pelos ingleses, em cachimbos; e, suspenderão a eficácia de normas estaduais, se estas lhe
também tratá-los; e possíveis danos causados ao meio
posteriormente, na França, na forma do rapé, que forem contrárias.
ambiente, por meio da emissão de gases tóxicos, e aos
salvaguardado o entendimento que se tem de tempo e de
consumidores, sejam eles os do próprio cigarro, ou os Entendida a importância de se indicar quais seriam as
velocidade da informação à época, rapidamente tornou-se
usuários dos ambientes que são freqüentados também por normas gerais da lei que estudamos, façamo-lo, posto
conhecido naquele continente por trazer alívio a crises de
fumantes, e que, por conseqüência, acabam por inalar, outrora que não interessa ao presente artigo as normas que
enxaqueca. Na Espanha, criaram-se os primeiros charutos e
desmotivadamente, as substâncias tóxicas dos cigarros, os dizem respeito às formas de publicidade de cigarros e afins.
por lá se deu início à moda, que perdurou por séculos, de se
chamados fumantes passivos.
fumar no intuito único e exclusivo de ostentação, de Examinada a lei, entende-se por geral o art. 2º que diz: “É
demonstração de noblesse. Tais situações encontram-se no art. 24, nos incisos VIII e XII, proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos
que trata de competência concorrente entre União, Estados ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do
Somente em 1840 é que se verificam os primeiros relatos do e Distrito Federal para elaboração de leis. tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em
uso do cigarro no formato em que hoje é conhecido. Já nesse
A doutrina nos mostra que a competência legislativa área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente
momento, não se percebe mais sua utilização com
concorrente há de ser exercida, como o próprio nome já isolada e com arejamento conveniente.” (grifo nosso)
finalidades terapêuticas, mas para saciar desejos e
demonstra, concomitantemente por União e pelos Estados Concluímos, pois, até o presente momento, que qualquer
prazeres. Seu uso disseminado, todavia, há de ser verificado
ou Distrito Federal, na medida em que a União elabora norma estadual que contrarie o exposto no art. 2º dessa lei,
com o fim da Segunda Guerra Mundial.
normas gerais e os Estados e Distrito Federal normas mais há de ser considerada inconstitucional, por ferir o §4º do art.
Vale dizer que o maior publicitário da indústria do tabaco foi setorizadas e regionalizadas para os casos específicos em 24 da Constituição da República.
Hollywood, que exibia em suas películas grandes heróis, que, de forma geral, legislou a União. Vale ressaltar que
galãs, mocinhos, mocinhas e beldades ostentando cigarros, qualquer norma estadual, de matéria de competência
de modo a disseminar a moda pré-citada originada na concorrente dos entes federados citados, não pode VI – Das leis “antifumo” paulista e fluminense, gaúcha e
Espanha. contrariar as normas gerais estipuladas pela União, sob pena mineira
A partir de 1960, entretanto, publicados os primeiros de ser considerada ilegal e, portanto, perder sua validade. As leis sancionadas nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro,
estudos científicos sobre os malefícios que o cigarro poderia Aplicando-se, destarte, o tema estudado ao conceito além de terem sido de iniciativa do Governador de cada
causar à saúde é que o cigarro começa a ser enxergado de explanado, entendemos que tanto União quanto Estados são Estado, têm outra semelhança que é a de terem seus textos
maneira diferenciada, tal qual o é nos dias de hoje, e que competentes para elaborar leis sobre o tabagismo. idênticos.
têm início as campanhas anti-fumo. Importante advertir, todavia, que as normas gerais propostas
Ambos trazem dispositivos que não só proíbem o fumo em
Devendo o Direito ser produto dos anseios sociais, vê-se pela União não poderão, de forma alguma, ser contrariadas
locais coletivos, como também vedam a criação de
iniciados no Brasil, em primórdios da década de 90, pela legislação estadual e por qualquer norma estadual dita
ambientes próprios para fumantes, o que contrasta de forma
manifestações e movimentos no sentido de limitar-se o individual.
clara e precisa com o texto da Lei Federal, sendo essas leis
consumo de cigarro por meio de legislações, até que, em formalmente inconstitucionais.
1996, aprovou-se a primeira lei que regula o uso de cigarro IV – Definição de norma geral Já na lei em vigor no Rio Grande do Sul não se verifica essa
em determinados lugares em nosso País. afronta ao §4º do art. 24 da CR, por quedar possível a criação
A distinção que há de ser feita entre norma geral e normal
individual, para que melhor se entenda o conceito que se de ambientes para fumantes (“fisicamente delimitados e
II – A legislação federal pretende neste caso aplicar, ultrapassa as definições de equipados com soluções técnicas que garantam,
Noberto Bobbio em sua Teoria della Norma Giuridica, em plenamente, a exaustão do ar desta área para o ambiente
A lei supracitada foi sancionada com o número 9.294, em 15
que diz-se geral a norma que apanha uma classe de sujeitos e externo”, art. 4º do PL 148/2009).
de julho daquele ano e tem, em primeiras linhas, dois
individual aquela que se volta para um único sujeito. O texto do Projeto de Lei que ainda tramita na Assembléia
objetivos: um, fazerem-se regulamentadas as propagandas
de cigarro e afins (tais quais cigarrilhas, charutos, Isso acontece porque, se o contrário o fosse, qualquer norma Legislativa de Minas Gerais parece-nos o que mais se adéqua
cachimbos), dentre outros produtos, e dois, limitar o seu uso editada pela União que obrigasse todos os entes federados ao corpo da Lei Federal, obedecendo aos critérios de
em ambientes fechados de uso coletivo. haveria de ser geral, por fazer de sujeito mais de um único constitucionalidade, por dois aspectos básicos. O primeiro
indivíduo, a saber, todos os Estados e Municípios. Entretanto, deles, por estabelecer, tal qual estabelecido na lei gaúcha, a
Os dispositivos dessa lei incluíram, dentre os locais em que
não é dessa maneira, em um federalismo, que a norma dita possibilidade de criação de área própria para fumantes,
se restringiu o fumo, os aviões, repartições públicas,
geral deve ser entendida. obedecidos os requisitos de isolamento total desse ambiente
hospitais, postos de saúde, salas de aula, bibliotecas, salas
Norma geral deve ser entendida por aquela norma que, e garantia da exaustão de ar dessa área para a área externa.
de cinema e de teatro. Em grande parte desses locais, até
editada pela União, haverá de ser adaptada aos territórios O segundo, por excluir da definição de ambiente fechado
então, se era permitido fumar, havendo ou não área
de cada Estado e do Distrito Federal (para o art. 24) aqueles em que haja “superfícies abertas em pelo menos um
exclusiva e reservada a fumantes.
conforme suas especificidades. Ou seja, qualquer norma de seus lados, cobertas ou não, ainda que delimitadas em
A lei ainda estabelece que, em alguns desses locais, será formulada pelo Congresso Nacional, que englobar tema do seus contornos”.
permito o uso de substância fumígenas, desde que em área art. 24 da CR, sendo geral, deverá deixar espaços para que o
reservada exclusivamente a esse fim, com isolamento e legislador estadual ou distrital adapte tal lei às suas
arejamento devidos e convenientes. VII – Conclusão
especificidades locais.
O maior enfoque da legislação, entretanto, dar-se-á às formas Muito embora entendamos ser de grande importância a
Norma geral, portanto, é norma principiológica, que
de publicidade que não serão analisadas no presente artigo. elaboração de leis que visem à proteção da saúde de cada
introduz balizas de determinados instituto, de modo que não
indivíduo, é mister que se o faça sem contrariar a legislação
Dois meses e meio após a publicação dessa lei, o decreto deve ser específica, muito menos minuciosa.
vigente e a constituição.
presidencial 2.018 traz limitações ao texto da lei, definindo
Concluímos, portanto, não pela mera ilegalidade das leis
cada um dos termos nela utilizados, e.g., recinto coletivo,
V – Normas gerais na Lei 9.294/96 antitabagismo paulista e fluminense, por contrariarem Lei
que exclui de seu conceito os locais abertos ou ao ar livre,
Como bem se verificou no ponto anterior, definir, em casos Federal, mas também por sua inconstitucionalidade por
ainda que cercados.
práticos que normas são ou não gerais é assaz subjetivo. estarem em desacordo com o §4º do art. 24 da CR.
Fazê-lo, entretanto, torna-se primordial para esta situação Entende-se, ainda, que o teor das leis gaúcha e
III – Da competência para legislar sobre o tabagismo específica, a partir do momento em que se verificam os mineira não só estão em acordo com o expresso na
Faz-se grande discussão doutrinária sempre que há de se parágrafos do artigo ora estudado, a saber, o art. 24 da CR. Constituição, como também atendem aos interesses de
apontar competência para legislar sobre tal ou qual matéria. Tais dispositivos (os §§1º, 2º, 3º e 4º) estabelecem quatro proteção à saúde pública.
13
VOZES QUE ECOAM
encontrar sua solução: nem More a tinha. É preciso entrar no pelos ares o continuum da história” (BENJAMIN, 1985, p. 231).
O AGORA É O jogo e ser capaz de imaginar por conta própria novas idéias
para uma sociedade política mais livre e justa. Essa sim é a
Daí, de uma concepção cairológica do tempo, é que emerge
a Utopia em toda sua força. O “agora” é o “lugar do não-
proposta de More: “Uma vez estimulada pelo aprendizado, a tempo”, a se tomar o tempo em seu sentido cronológico. É o
LUGAR DA UTOPIA
mente dos utopienses é maravilhosamente rápida em buscar oposto da razão indolente, que deixa passar as
as várias artes que tornam a vida mais agradável e oportunidades por se achar maior que elas. É preciso,
conveniente” (MORE, 2003, p. 76, tradução minha). portanto, “expandir o presente e contrair o futuro”
Dito em que sentido Utopia não é um projeto ingênuo e fadado (SANTOS, 2002, p. 239), seja dando visibilidade às
Luis Philipe de Caux à tirania, resta dizer por que também não é um projeto alternativas que já existem, mas que são produzidas como
descartável e por que ainda faz sentido se falar disso. inexistentes, seja fazendo emergir as possibilidades de
(Grupo de Estudos FLANAR – Direito, Utopia e Democracia)
Somente uma concepção empobrecida da temporalidade e mudança já inscritas na realidade social. Só assim o futuro
da história poderia sustentar a crença de que o presente deixará de ser visto como um tempo vazio para voltar a ser o
Lá se vão, a se completarem em novembro, vinte anos desde atual da humanidade é o cume do progresso humano. Como tempo do imprevisível, do possível, do plural.
o anúncio definitivo do fim das utopias, soterradas pelos afirma Boaventura Santos, “a compreensão do mundo e a É no presente que podem vir à tona as esperanças não
escombros do Muro de Berlim. A vitória do capitalismo foi forma como ela cria e legitima o poder social tem muito que cumpridas dos homens que passaram pela Terra, e é nesse
compreendida como o fim da história, a síntese última da ver com concepções do tempo e da temporalidade” sentido que a Utopia é assunto do passado. É por que suas
configuração ideológica mundial, o advento de uma era (SANTOS, 2002, p.239). A compreensão que o mundo esperanças ainda são, em grande parte, as nossas, que se faz
eterna de prosperidade e liberdade para os povos. A palavra ocidental tem hoje de si e de seu tempo é empobrecida necessário reacender o pensamento utópico. Não por que
“Utopia”, no mundo pós-89, ou perdeu o sentido de existir porque é manifestação de um pensamento do mesmo, da acreditemos que o mundo perfeito virá, mas por que, como
ou foi lançada ao descrédito. repetição, da continuidade, de um futuro que teria perdido More, Benjamin e Boaventura Santos, rejeitamos a
Não é mais um projeto necessário para aqueles que a capacidade de inovar. Além de obstruir o futuro, esse indolência conformista que crê tal coisa exista. Enquanto o
acreditam, de fato, que a nossa geração é a vanguarda do “pensamento indolente”, como o denominou Boaventura mundo não aprender a reconhecer a si próprio em sua
tempo, a ponta de um progresso implacável e em Santos (2002), ainda oblitera a alteridade que lhe é alteridade, ainda haverá Utopia: ainda haverá muros a
aceleração. Para estes, nosso mundo só não é o melhor dos contemporânea. Aos postular-se como a locomotiva do trem serem derrubados.
mundos possíveis porque o mundo de amanhã, certamente e do tempo, o Ocidente impõe, a contrário, que o que não é
independentemente de nenhum esforço, será ainda melhor, Ocidente e não compartilha seus valores e modo de vida é, ¹ Kairós é uma das palavras para designar o tempo. Enquanto chronos diz
embora muito pouco diferente. Ora, falar de Utopia não faz portanto, anacrônico. É a idéia de um tempo puramente respeito ao tempo enquanto fluxo linear e contínuo, kairós designa o
sentido nesse mundo: ela deixa de ser um ideal para ser um cronológico, “homogêneo e vazio”, nas palavras de Walter momento singular de uma iluminação, o momento oportuno de agir.
fato. Se a Utopia, do grego “ou” + “topos”, “lugar de Benjamin em “Sobre o conceito de história”, que subjaz a
nenhum lugar”, é posta em algum lugar, não pode mais ser esse pensamento indolente. Referências Bibliográficas
Utopia, mas realidade. Dirá Benjamin que “a história é objeto de uma construção ABENSOUR, Miguel. O novo espírito utópico. Campinas: UNICAMP, 1990.
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre
Para outros, “Utopia” não é mais um projeto desejável: é cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo
literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985.
uma ingenuidade e um equívoco. Estes fazem remontar a saturado de “agoras”” (BENJAMIN, 1985, p. 229). É no “agora”,
MORE, Thomas. Utopia. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
Utopia a Platão e sua República, e daí, em um passo, até o esse tempo da oportunidade, da liberdade humana que
SANTOS, Boaventura de Sousa. “Para um sociologia das ausências e uma
Estalinismo. Em razão da leitura literal de que fazem da obra confere a seus portadores a capacidade de inovar, rompendo sociologia das emergências”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63,
A Utopia, de Thomas More, veem o termo como a exigência uma continuidade, é aí que está a chave para “fazer saltar Outubro 2002. pp. 237-280.
material de uma organização social perfeita, ou
perfeitamente igualitária, o que seria impossível e, se
tentado, levaria ao autoritarismo. Ressuscitar a Utopia seria
apenas o primeiro passo para reerguer os muros que tanto
custaram a cair. Assim, a Utopia, do grego “eu” + “topos”,
O CINEMA NA CONSTRUÇÃO DO OLHAR JURÍDICO
“lugar bom”, “lugar da felicidade”, já provou na história que Sara Cardoso Vinhal
só pode conduzir ao totalitarismo.
Unanimidade no mundo jurídico: O ensino do Direito no emblemático nessa busca. Além de representar por si só um
Utopia é, então, uma coisa do passado? Soterrada, virou Brasil está em crise. Os indícios? De uma perspectiva mais olhar, é também o símbolo de um século cada vez mais
assunto de arqueólogos? À primeira pergunta, apenas em um concreta, os resultados cada vez mais alarmantes, tanto no voltado ao visual, à linguagem enquanto imagem – em
sentido pode-se dizer que sim: dele se tratará mais tarde. No exame da OAB, quanto nos concursos públicos para o contraste com o compromisso quase que exclusivo do século
sentido induzido pela segunda pergunta, só se pode replicar Judiciário e o Ministério Público. De uma perspectiva mais passado com a escrita. A experiência didática, assim, não
um enfático “não”. subjetiva, contudo, o fracasso em tal formação profissional pode desconsiderar tais modificações no âmbito da
Qual é, afinal, o lugar da Utopia, no fim da primeira década pode ser percebido pela 'cara' que o Direito tem para a linguagem e da expressão sob o risco de se tornar irrelevante
do século XXI? Seria preciso perguntar, talvez, a um homem sociedade. Pergunte ao trocador do ônibus e você terá a triste aos seus destinatários.
do século XVI. Thomas More, o cunhador do termo, foi um confirmação: Direito virou sinônimo de código e advogado, de
Um exemplo bem sucedido do uso didático do cinema é o da
grande humanista e um astucioso homem de letras. O técnico.
Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Nesta,
neologismo de More condensa três sentidos: outopia, E o que é pior: As instituições de formação jurídica do país desde 2005, é oferecido aos alunos, na forma de uma
udetopia e eutopia, respectivamente, “lugar de lugar parecem ter aderido em massa a esta visão, solidificando um atividade extracurricular eletiva, o contato entre o universo
nenhum”, “lugar de nenhum tempo” e “lugar da felicidade”. único modelo (lucrativo, mas ineficiente) de ensino e jurídico e o cinematográfico. Em seu livro “O Direito no
Com efeito, toda a obra A Utopia é um grande jogo de escrita transformando o aluno em um reles 'declamador de leis'. A Cinema”, o pioneiro de tal iniciativa, Gabriel Lacerda,
oblíqua, que, através de contradições e pistas deixadas de postura comumentemente adotada pelo mesmo é, aliás, pontua os resultados obtidos nessa matéria, dos quais se
propósito, ora confunde, ora previne o leitor a não levar o outro indicio da crise mencionada: têm-se estudantes pode destacar: A percepção do papel social da profissão
texto ao pé-da-letra. Basta se atentar para o nome do comprometidos com as notas, mas não com o ambiente (saindo dos estereótipos do advogado como “mocinho da lei”
narrador, Rafael Hitlodeu. “Hitlodeu”, mais uma das acadêmico, movidos pela iminência de status social e de um ou como “ator”), o distanciamento necessário dos simples
artimanhas literárias de More, é traduzível, do grego, por bom salário, mas não com sua efetiva participação na 'certos e errados' do senso comum, a predisposição à
“narrador de fábulas”. A Utopia não é um projeto de sociedade. Em uma palavra: desencantados. Falta, dessa absorção do conhecimento por meio da emoção
sociedade, um modelo ou um plano de constituição, como forma, no ensino do Direito, algo elementar: o proporcionada pelo cinema e, por fim, o desenvolvimento da
dar-se-ia a entender a quem lesse apenas seu Livro II. De encantamento em relação ao olhar jurídico. capacidade de expressão, poder de síntese e habilidade de
acordo com Abensour, é o Livro I d'A Utopia e seus demais argumentação. A confluência de tais resultados com os
Mas afinal, por que este olhar jurídico é tão importante e
paratextos que servem de chave de interpretação ao objetivos primordiais de todo e qualquer curso de formação
como desenvolvê-lo didaticamente? O olhar jurídico
conjunto da obra. Abensour argumenta que jurídica não são circunstanciais; indicam, ao contrário, a
significa, de maneira sintética, a observação da realidade e
“se consentirmos em trilhar os arcanos do caminho das relações sociais através das 'lentes' jurídicas. É, complementaridade existente entre cinema e Direito. A
moriano, A Utopia, na sua própria textura, não cessa de conforme afirma Solange Souto, “descobrir nos atos das Faculdade de Direito da UFMG, por sua vez, experimenta
trabalhar no sentido de persuadir o leitor de que “o desde o ano passado projetos correspondentes a tal
pessoas o sentimento de justiça”. Da mesma forma que o
verdadeiro livro de ouro” não é nem um plano, nem um
olhar artisticamente treinado de Picasso o fez reconstruir o metodologia, sendo estes: O “Projeto Direito em Tela” - no
modelo. Daí decorre, desde o início, um equívoco: o
crítico precipitasse sobre teses ou proposições padrão estético de sua época e o olhar arquitetônico de qual há a exibição de um filme escolhido, seguida por uma
doutrinais que pretende extrair diretamente do texto Niemeyer aproximou o exercício da arquitetura à inspiração mini-palestra e, posteriormente, por uma roda de discussões
[...] sem perceber que A Utopia é o fruto de um poética, o olhar jurídico é essencial para que o profissional – e o “Grupo de Estudos Direitos Humanos no Cinema” – com a
dispositivo textual propositadamente complexo, tenha consciência de suas reais possibilidades de ação na proposta de aprofundar as questões levantadas no primeiro.
armadilha que brinca com a vontade do leitor,
prática do Direito. Nas palavras de Joaquim Falcão: “Formar A utilização didática do cinema é ainda um diferencial
expondo-o permanentemente a um logro. Jogo sábio,
um professional é mais do que apenas incutir-lhe uma estratégico em um mercado saturado com quase mil
sutil, erudito, jogo aéreo de um humanista simples
como uma pomba porém sábio como uma serpente.” técnica ou saber. É, sobretudo, o desafio de conquistá-lo, de faculdades de Direito, no qual a existência de uma instituição
(ABENSOUR, 1990, p. 77) seduzi-lo a ver o mundo de determinada maneira. É torná-lo fica inevitavelmente condicionada ao que se pode oferecer de
cúmplice de um olhar”. novo. Talvez seja a mesmice, afinal, o cerne da crise do ensino
Daí, por não ter a mesma paciência e a mesma formação E é justamente para possibilitar a construção desse olhar que jurídico. Se assim for, a convergência do pluralismo didático e
humanística daqueles a quem More dirigiu sua obra, o a Dogmática do Direito deve se abrir às manifestações da inovação permanente na formação do olhar jurídico seria
homem do século XX e XXI não sabe mais ler o A Utopia, e, culturais e artísticas, buscando, em tal contato, a percepção não apenas uma solução razoável, mas também a mais rica e
consequentemente, tampouco o pensamento utópico. do “desafio da permanente inovação” característico das estimulante.
Vencer o jogo de ambigüidades d'A Utopia de More não é mesmas. O cinema, mais que qualquer outra manifestação, é Fonte: “O Direito no Cinema” de Gabriel Lacerda
O “Direito em Tela” acontece quinzenalmente, às segundas-feiras, às 15h, no 16o andar do prédio da Pós-Graduação. Estão todos convidados!
14
VOZES QUE ECOAM
ENSAIO SOBRE “Será que ainda acreditamos que se morrendo
o bicho acaba-se a peçonha?”
A CEGUEIRA
Reflexões sobre o real Mediante outra, bem... o silêncio e a resignação calam o
sentimento de revolta, e como resultado, ficamos inertes
nesse sentido lato tudo é ideologia: a realidade é uma ficção
simbólica. Porém o processo de edificação simbólica é
por “só mais uma vez”. incompleto, a realidade nunca é a própria coisa “em si”, o
e o imaginário Na comparação entre literatura e realidade seguimos...
que pensamos ser um cachimbo não é o cachimbo “em si”.
Todo o resto, que a simbolização não consegue assimilar, é o
que chamamos de real (Lacan). Há, pois, uma linha tênue
Anelice Teixeira da Costa e Gustavo Fiche Outro trecho interessante do livro Ensaio sobre a Cegueira é o
entre o real e a realidade, entre ficção e não-ficção, e toda
que se refere ao estupro coletivo realizado pelos cegos de uma
(Participantes do Grupo de estuo e extensão Direito e Literatura) vez que se tenta deslocar essa fronteira, – estabelecendo-se
das alas do manicômio, que impuseram aos cegos das outras
uma relação numa não-relação –, estamos diante do sentido
alas a troca de comida condicionada a favores sexuais:
estrito de ideologia: deformação intencional do real; como
Durante horas haviam passado de homem em bem ilustra a alegoria da cegueira-branca. Dessa forma a
É comum escutarmos o paralelo feito entre a arte e a homem, de humilhação em humilhação, de ofensa realidade é ficcional, não só porque é uma construção
realidade. Contudo, apesar de familiarizados com tais em ofensa, tudo quanto é possível fazer a uma simbólica, mas também, e principalmente, por existir um
expressões e chavões, não nos voltamos para uma análise mulher deixando-a ainda viva.(...) Surdas, cegas, terceiro – o Estado, a Igreja, e, sobretudo hoje, o mercado –
profunda da plausibilidade e utilidade dessas aproximações caladas, aos tombos, apenas com vontade suficiente
interpondo entre o eu e a observância do mundo. Queremos,
feitas entre o real e o imaginário. para não largarem a mão da que seguia à frente
aqui, defender a possibilidade do real (não-simbólico) se
(...). Levantou em braços o corpo subitamente
Observemos os trechos abaixo: manifestar na literatura, expressão simbólica. A literatura,
desconjuntado, as pernas ensanguentadas, o ventre
O Governo lamenta ter sido forçado a exercer bem como o cinema, apontaria como uma experiência-
espancado, os pobres seios descobertos, marcados
energicamente o que considera ser seu direito e seu limite, de ares revolucionários, que desposa o sujeito da
com fúria, uma mordedura num ombro, Este é o
dever, proteger por todos os meios as populações na realidade, permitindo-lhes, então, aperceber-se das ilusões
retrato do meu corpo, pensou, o retrato do corpo de
crise que estamos a atravessar (...), e desejaria que os cegavam. Como o real não simbólico pode se
quantas aqui vamos, entre estes insultos e as nossas
poder contar com o civismo e a colaboração de todos expressar numa construção simbólica (literatura)?
dores não há mais do que uma diferença, nós, por
os cidadãos para estancar a propagação (...). A enquanto, ainda estamos vivas. 3 Segundo Lacan, o verdadeiro eu é inconsciente: “penso onde
decisão (...) não foi tomada sem sérias ponderações.
não sou, logo sou onde não penso”. Assim, o eu real – que
O Governo está perfeitamente ciente de suas
escapa à conformação social – é inconsciente. No processo
responsabilidades, e espera que aqueles a quem Além de triste, é doloroso ler o relato acima. Mais doloroso
ainda é saber que situações como essa ocorrem criativo há extravasamento dessas forças inconscientes,
esta mensagem se dirige assumam também , como
cotidianamente, não só com mulheres adultas, mas com bem no sentido de Blonchot, para o qual a literatura é a
cumpridores cidadãos que devem ser, as
parte do fogo de uma sociedade: é o lugar em que tudo que é
responsabilidades que lhes competem. 1 homens, crianças e idosos. Casos como o de Márcia
Constantino, 10 anos, que foi estuprada, morta e recalcado, tudo aquilo que uma cultura quer destruir, é
Meus companheiros cidadãos, nesse momento as
queimada4, são chocantes e comoventes, e deveriam despejado. Ora, o que a ideologia – sobremaneira – recalca é
forças de coalizão estão no estágio inicial da a impossibilidade da representação de uma coisa ser “a coisa
motivar ações que visassem impedir a reincidência de tais
operação militar para desarmar (...), libertar a em si”; o objeto é irrepresentável. Na produção literária
acontecimentos.
população e defender o mundo de um grave perigo. esse sintoma recalcado se revela nas entrelinhas da
Este é o estágio inicial daquela que será uma Contudo, o que se observa, é que os índices de abuso sexual e enunciação simbólica.
campanha ampla e planejada. A todos os homens e pedofilia continuam a subir5, em contraponto à nossa
mulheres das forças armadas (...) a paz de um percepção dos fatos, cada vez pior. Quem foi Márcia mesmo? Enfim, o real se exprime no imaginário da literatura, na
mundo tumultuado e a esperança de um povo medida em que esta opera uma experiência que permite ao
deprimido agora depende de vocês. Nós Virando a página, nos deparamos com outra situação sujeito se desposar da realidade, subjetiva e o objetiva,
defenderemos nossa liberdade. Nós traremos conflitante: pondo-o – ainda que virtualmente – fora das relações de
liberdade para os outros. E nós venceremos. Que (...) tão longe estamos do mundo que não tarda que poder (ideológicas); permite-o o enxergar pra além do mar
Deus abençoe nosso país e a todos que o defendem. 2 comecemos a não saber quem somos, nem nos de leite da cegueira-branca.
lembramos sequer de dizer-nos como chamamos, e
Bem, a maioria dos questionamentos levantados acima
para quê, para que iriam servir-nos os nomes,
Qual deles é real? Qual é fictício? Difícil identificar? partiu das discussões que ocorreram nas reuniões do Grupo
nenhum cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a
de Estudo e Extensão Direito e Literatura. No início desse
É impressionante como o segundo trecho, retirado do conhecer pelos nomes que lhe foram postos (...)
semestre, quando resolvemos estudar dois livros de José
discurso de George W. Bush, na época da segunda invasão do provavelmente é disso mesmo que eles estão à
Saramago, indicados pela Profª. Rosana Felisberto, – Ensaio
Iraque, aproxima-se do discurso feito pelo Governo aos cegos espera, que acabemos aqui uns atrás dos outros,
sobre a Cegueira e Ensaio sobre a Lucidez –, fazendo um
aprisionados no manicômio, personagens do livro Ensaio morrendo o bicho acaba-se a peçonha. 6
paralelo com a evolução do Estado Democrático, não
sobre a Cegueira, de José Saramago. O apelo à qualidade de tinhamos imaginado quão ricas seriam as análises
cidadãos dos indivíduos para justificar a adesão dos mesmos No livro é revoltante constatar que o Estado, representado estabelecidas entre o real e o fictício. Também não havíamos
à atuação estatal, o reforço às atitudes estatais como ações na figura do Governo, inicialmente responsável pela imaginado quão reveladora poderia ser a leitura de tais
pensadas e deliberadas cuidadosamente, a “divina” missão segurança e saúde de TODOS os cidadãos, despeja, em um livros: a literatura desmascara uma realidade tão palpável,
estatal de trazer a liberdade, a segurança e a paz são ambiente inóspito, vários indivíduos infectados pela que se posiciona a nossa frente, e que, contudo, não é vista
elementos comuns do real e do imaginário, que representam cegueira-branca. O que deveria ser um lugar para realização nem sentida; será que estamos cegos? Será a cegueira-
uma tentativa de manipulação grosseira da opinião pública da quarentena acaba por se tornar um lixão humano, onde branca? Será que não queremos ver?
para a legitimação de ações totalitárias e despóticas. são excluídos e descartados todos aqueles que ameaçam a
sociedade, ou melhor, ameaçam a maioria. Talvez sim, talvez não.
O mais impressionante, contudo, é a diversidade de reações
que situações tão próximas despertam em nós. Engraçado ainda é perceber que nossos presídios, cadeias, O desafio agora é interpretar e reagir à realidade, tão
manicômios judiciários, e até mesmo as favelas se próxima à ficção dos livros.
Mediante uma demonstramos nossa revolta, protestos,
assemelham bastante com o ambiente inóspito descrito no
pensamentos de justiça, necessidade de mudança! Ah... se
livro... será que ainda acreditamos que se morrendo o bicho 1SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira: romance. São Paulo:
fosse real... nem sei o que faria!!!
acaba-se a peçonha? Companhia das letras, 1995, p.49-50.
2 http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u53194.shtml
Assim, não parece existir uma fronteira clara entre a 3SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira: romance. São Paulo:
realidade e a ilusão. O real persiste no ilusório, e o ilusório na Companhia das letras, 1995, p.178.
Grupo Direito e Literatura
Reuniões: terças-feiras, no 8o andar da Pós-Graduação. realidade. Explico-me melhor. 4
http://brasilcontraapedofilia.wordpress.com/2009/09/23/reu-
Horário: 18 horas confesso-de-estupro-e-assassinato-natanael-bufalo-pode-pegar-
Neste semestre estamos analisando duas obras de José A realidade humana é, por excelência, simbólica (ficcional). mais-de-30-anos-de-prisao/
Saramago: O ser - humano ao ser lançado no mundo é apresentado a um 5 http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI3739808-
“Ensaio sobre a cegueira” e “Ensaio sobre a lucidez.”
O objetivo é relacionar as obras ao desenvolvimento do Estado
conjunto de pré-compreensões (topoi) pré-subjetivas que EI7896,00.html
Democrático. lhe permitirão, por exemplo, afirmar que um cachimbo é um 6
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira: romance. São Paulo:
cachimbo. É essa simbolização que constrói sua realidade; Companhia das letras, 1995,p.64.
15
VOZ CULTURAL
DA IRREFUTÁVEL Os aglomerados terão uma nova face, mais límpida e
perfumada. Toda máscara é uma nova face. As famílias se
dirigirão a um outro lugar. Outros bairros, talvez outras
e de outros planaltos estaduais ou locais. Logo será possível
que até mesmo a corrupção moral do país seja erradicada. E
tudo com a simples destruição de algumas favelas. Sim, elas
cidades. É sempre bom respirar novos aromas, enxergar precisam deixar de existir.
VERDADE outras flores. Tendo abandonado os antigos, farão novos
amigos. Distantes do local de trabalho, aprenderão novos
Ademais, não era isto o que sempre quiseram: moradia,
saneamento, transporte. Tudo isso virá. Mas será preciso
caminhos. É sempre bom marchar por outras vielas. Também suportar os ônus. É a natureza das coisas: o sacrifício de
DO PROGRESSO isso o progresso justifica. Não há problema se a nova face dos
aglomerados não será para a maioria dos que ali viveram.
alguns em prol do benefício de outros, sejam estes quem
forem. Uma geração que se imola em favor de uma outra que
Uma nova face precisa de novos sorrisos. Ainda que há de vir. Assegurar direitos fundamentais e ao mesmo tempo
Davi Francisco Lopes passageiros. Igualmente, não importa o insuficiente valor respeitar a diferença e reconhecer a favela como espaço
das indenizações e os boatos sobre possíveis especulações digno em sua especificidade? Não, isso não é possível, ainda
imobiliárias. Boatos são sempre boatos, tão falsos quanto que porventura alguém algum dia o pudesse querer. Não há
Este texto é totalmente sem sentido. Não parte de premissa
alguma, não possui nenhum objetivo e qualquer conclusão a qualquer outra verdade. como servir a dois senhores, e o Senhor da Guerra sempre
que chegue será mais por incompetência do que por mérito. Pode parecer estranha a escolha de certos aglomerados, em está do lado de quem vai vencer.
Não diz nada, pois tudo o que dissesse permaneceria como detrimento de outros, porventura mais necessitados. Mas Talvez fosse possível argumentar com Ronald Dworkin que os
silêncio. E por isso se cala. É contraditório, circular, confuso. isso não deve gerar questionamentos. O progresso também direitos fundamentais são trunfos diante de pretensões
Além disso, é atrasado. E como o tempo é sempre quem desenha não reconhece perguntas, sobretudo as mais simples. Se o políticas e que interesses majoritários, sejam eles quais
o contorno da verdade, ele não passa de uma grande mentira. conhecimento histórico da urbanização francesa poderia forem, não justificam o desrespeito a garantias de minorias.
Fato é que o progresso é aquilo que buscamos. Qualquer ajudar na compreensão de alguns dos conflitos atuais da Ou, quem sabe, recorrer a Habermas para criticar a ausência
filosofia que o negue deve ter por adjetivo o fracasso e por periferia parisiense, é preciso lembrar que a História nada de um processo legítimo e autônomo de deliberação,
pena o esquecimento. Caminhamos em direção a algum fim. tem a ensinar, que ela não passa de uma grande ilusão, uma dizendo que os supostos momentos e espaços de debate com
Não importa que não o conheçamos, a Filosofia da História o mentira que pertence sempre a quem a conta. a comunidade foram insuficientes e falaciosos, mais para
conhece. Quincas, o Borba, principalmente, mais que Hegel, As favelas precisam deixar de existir. É difícil conviver com justificar posteriormente as ações da Administração do que
Marx ou qualquer outro. E a advertência de que quando se elas. Estão no lugar errado, na época errada, no mundo para permitir uma adequada e livre formação da opinião e da
caminha sempre em frente não se pode mesmo ir muito errado. Como se não bastasse, possibilitam, estimulam e vontade. Mas Dworkin nem mesmo escreve pensando em um
longe é tão falsa quanto desnecessária. proliferam a incômoda arte de flanar. É necessário que não sistema jurídico como o do Brasil, e Habermas não passa de
existam. E se construí-las conceitualmente como não- um alemão alienado, que escreve difícil e a quem não resta
As favelas precisam deixar de existir. A autocompreensão
existentes já não funciona, o melhor é mesmo destruí-las. sequer o pessimismo nostálgico, poético e romântico da
normativa da sociedade contemporânea não as tolera. As
Assim se há de inviabilizar – embora isso não seja possível – Primeira Escola de Frankfurt.
cicatrizes incomodam quem as traz no rosto. Não sempre,
mas todas as vezes que se apresentam diante de um espelho. qualquer hipótese absurda como a de uma Sociologia das Ruínas são o que resta. Delas lentamente emerge uma poeira
O espelho reflete mais que a imagem e se localiza por detrás Ausências. Boaventura não passa mesmo de um português etérea que ofusca a luz do Sol. Ruínas, poeira e sombra são o
de uma cortina de arranha-céus. Por isso, às vezes não se indeciso entre a ciência e a poesia, nem cientista, nem que resta. Uma sombra que mantém o invisível e uma
deixa ver. A cegueira produz também o silêncio. poeta, e muito menos filósofo. camada fina de poeira que recai sobre os corpos amontoados
A violência chegará ao fim. As favelas são sua única origem. O entre barracões e destroços, retirando-lhes ao menos a
O Vila Viva abrirá caminhos. Os becos darão lugar a ruas, as
tráfico de drogas não mais será a afamada vedete de um preocupação de Antígona. Uma lágrima é o que resta.
ruas se tornarão avenidas e edifícios se alimentarão do
mesmo solo de onde brotavam barracos e casebres jornalismo hematófago. As favelas são sua única responsável Mas de nada adiantaria dizer. Pois o que fosse dito
desajeitados. Becos e casebres são imperfeitos. A estética - por ambos, aliás. As questões envolvendo a classe política continuaria como silêncio aos ouvidos a que se destina. O
também os condena. Que os barracos ao caírem soterrem também serão resolvidas. Afinal, os favelados, pobres e silêncio também é linguagem e o não-dito é sempre a única
sonhos e histórias, não tem muita importância. O progresso analfabetos, intelectual e culturalmente despreparados, coisa que se entende. E assim este texto se cala. Ele não
justifica tudo, inclusive ele mesmo, e não reconhece as mas a quem ainda assim é assegurado o direito de participar passa mesmo de uma grande bobagem. O que não é refutável
ruínas do passado nem os esquecidos à sombra das da democracia, são os únicos e verdadeiros culpados pela não é verdadeiro ou falso, é apenas dogma. E por isso o
vanguardas. Mesmo quando ruínas e sombra são o que resta. eleição daqueles que maculam a nobreza do Planalto Central progresso sempre se justifica.
AS PIRUETAS DO SOL seu juízo final? Ninguém pode. Nossas constatações são
baseadas em experiências e no milagre da escrita que
noite seguinte em que o dia não nasceu – pois que não há dia
seguinte se não há sol para separar uma noite de outra noite.
permite que nossas experiências sejam somadas a Nossas certezas são feitas de experiências, mas todas
E O LEGADO DE ADÃO experiências dos que já não podem falar e cujo reflexo ficou
inscrito no papiro, no linho, na celulose, ou, mesmo, nas
experiências são falhas. Samarago brinca “ e no dia seguinte
ninguém morreu” com sua verve caótica em que um evento
pedras. Eis o homem que morre para quem importa, para si, extraordinário implica em um caos social. Se o sol não
mas deixa no mundo o vestígio de uma vida de que já não tem nascesse, meus caros, por um dia que fosse, todos os
Pilar Coutinho
conhecimento, a escrita.Pobre do homem que escreve, institutos da ciência cairiam em falso. Homens e mulheres
poderá ser deturpado pela eternidade sem direito de escreveriam livros, enterrariam cápsulas, arranhariam
Qual a diferença entre o real e o imaginário se a realidade é resposta. Vejam Socrátes, dizem que não escrevia porque o árvores, gravariam dvds, anotariam em seus diários,
sempre uma perspectiva e elétrons podem ser partículas ou conhecimento não deve ficar estático, outros vieram, enviariam e-mails (e sou capaz de acreditar que, nesse dia
ondas dependendo do ponto de vista? Desde as minúcias do colocaram na sua boca o que bem queriam, deturpando o fatídico, os registros de óbitos aumentariam, de cientistas
universo até as grandes questões humanas, tudo está ligado conhecimento que o próprio mestre alardeava (ou não –
desiludidos com a própria profissão, de socialites frustradas,
ao que estamos dispostos ver. Se o mundo veio de uma mega talvez Socrátes fosse um mero analfabeto) o de que nada
deprimidas e infelizes cuja única força para a vida é a
explosão ou de um ato de intervenção divina para criar sua deve ficar. Teria Maquiavel escrito sua obra sobre a boa
recuperação de suas energias torrando debaixo do sol). Em
própria novela em um planeta assim assado que poderia governança possível à sua época se soubesse que seu nome
milênios, quando os emails estivessem apagados, os dvds
chamar de Èden, até que a criação impusesse sua própria teria sido associado ao mal? De certo modo, a eternidade só
arranhados e páginas de diários e livros fossem encontradas,
vontade e ao homem restasse arrancar da terra, pão e a pertence aos vivos, são eles que fazem gato e sapato de seu
em várias partes do mundo, diriam os cientistas da época,
mulher arrancar da carne, a vida, é uma mera questão de fé: couro. O que me diz que o sol nascerá amanhã?, o fato de que
com a certeza e retórica dos que resguardam a verdade, que
fé no que não se pode ver ou fé no que se pode testar(mas, o sol nasceu em todos os dias desde que me lembro! E se eu
convenhamos, que a física atual está um passinho além do o mundo passara por uma alucinação coletiva, pois fato era,
for a escola, ler alguns livros, ou mesmo conversar com
teste). Sim, parece auto-ajuda complicada, mas não é. de que o sol não poderia, de um dia para o outro, deixar de
outras pessoas, o fato de que o sol nasceu desde que todos
Deve haver UM mundo, e ele dá uma dose de substrato para meus possíveis interlocutores, sejam os cientistas que brilhar, dar uma pirueta, sem que o mundo inteiro entrasse
que tenhamos parâmetros em comum, mas os esquimós escreveram os livros que a professora decorou, sejam os em parafuso, e, assim como se fosse um capricho, voltar a
vêem mais brancos na neve do que nós dos trópicos podemos escritores que inventaram histórias e se esqueceram de que brilhar, voltar ao seu lugar, mas também atestariam a
imaginar. Isso não torna o mundo melhor ou pior. Se você o sol podia dar uma pirueta e a órbita da terra ficar ali, sem necessidade de que a migração para uma galáxia não assim
quer ver um milagre, você o enxerga, mas se milhares de centro ( Haveria órbita se não houvesse sol? Se pensarmos tão distante, onde houvesse outro sistema solar, era de
pessoas consideram isso um fato da natureza passível de que a órbita decorre da gravidade / da deturpação causada muitíssima importância, pois fato era de que esse sol que nos
previsão, ele se torna ciência. Os eclipses já foram dragões pela massa no espaço e no tempo, não. Mas fiquemos com a guia, entre um verão e outro verão, sem o qual não há
engolindo astros, hoje, uma de suas modalidades, é a lua órbita pois já basta um sol que desrespeita as certezas que primavera, é uma estrelinha bem tronca, que já vai se
encobrindo o sol, mas, quem pode garantir, que um dia não parecem não passar. E perdoem os meus conhecimentos apagando, enquanto em seu caldeirão, hidrogênios se tornam
surgirá um dragão das entranhas da terra, que habitava os científicos, talvez eu esteja aqui, a distorcer teorias que hélio, até que a luz se extinga, porque está escrito no mundo,
fiordes enigmáticos da Noruega, e que acordou de sua foram a tanto custo extraídas do universo), sejam meus desde aquela primeira explosão, que os antigos chamavam de
digestão de milênios e passará frente ao sol antes de fazer familiares que nunca me contaram o relato assombroso da big bang, que este é o destino de tudo: a extinção.
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VOZES MALDITAS
“Ela deve ter achado que o cavalo era um “Mulher mata com martelada? Não! Mulher
trabalhador.” só mata de dois jeitos: veneno, que já está
Prof. Osmar Brina Corrêa-Lima, sobre voz de prisão que juíza do
no Código, e de raiva, que deve entrar em
trabalho proferiu a homem que chicoteava cavalo em frente ao seu
tribunal. alguma reforma daqui a uns vinte anos.”
Prof. Hermes Guerrero, comentando sobre violência doméstica.
“Quando duas crianças brigam, as duas têm “Cabeça de juiz é igual bunda de neném,
razão. Quando dois adultos brigam, nenhum ninguém sabe o que vai sair de dentro.”
tem razão. Essa frase é genial. E é minha.” Prof. Gláucio Ferreira Maciel, juiz federal e professor de
Prof. Hermes Guerrero. processo.
SEPARADOS NO NASCIMENTO
Prof. Brodt e Gugu Prof. Fernando Galvão e Juninho Paulista Profa. Moema e Cruela