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De uma metáfora a outra: a partenogênese do bolismo

Article · November 2009

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Jeferson Mariano Silva


University of São Paulo
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OUTUBRO.2009

VOZ
ACADÊMICA
ÓRGÃO OFICIAL DO CENTRO ACADÊMICO AFONSO PENA

Por um processo
democrático de
escolha do Reitorado

Honduras:
o fundamento
legal inexistente

Vetusta Irrelevância

A irrefutável

R A
U
verdade do progresso

NS
CE
EM
S
O VOZ AGORA ESTÁ DISPONÍVEL
NA INTERNET! ACESSE O NOVO
SITE DO CAAP E CONFIRA:
WWW.CAAPUFMG.COM.BR
2
SUMÁRIO
EDITORIAL ..................................02

VOZ EM VOGA
EDITORIAL
POR UM PROCESSO DEMOCRÁTICO Esta é uma edição peculiar do Jornal Voz Acadêmica. do texto. Na referida reunião, votou-se por ampla maioria por
DE ESCOLHA DO REITORADO.............03 Inicialmente, pelo fato de que, neste mês, devido a um grande recomendar ao Conselho Editorial do Voz que publicasse o
movimento empreendido pelo Conselho Editorial para a busca de polêmico texto, que acatou a recomendação, de forma que o
HONDURAS: O FUNDAMENTO ampla adesão e participação dos alunos da UFMG, recebemos o texto segue no Voz para conhecimento de toda a comunidade.
LEGAL INEXISTENTE ......................04 triplo de textos do que estamos habituados. Além disso, vários
dos textos nos surpreenderam pela densidade e pertinência de A liberdade de expressão é pressuposto elementar para um
TOFFOLI: A INSURGÊNCIA ACADÊMICO- movimento estudantil livre, autêntico e responsável. O CAAP
suas críticas, bem como pela qualidade de sua redação.
JURÍDICA CONTRA SUA INDICAÇÃO E A sempre foi, e não pode deixar de ser, um Território Livre da
CONSTITUCIONALIDADE DA VIRTÙ.......06 A ampla adesão ao Voz Acadêmica deste mês se mostra clara censura, de ingerência ou de ameaças, seja do autoritarismo
quando notamos que alunos integrantes de diversos grupos de do Estado, seja da intervenção de algum professor ou qualquer
SOLTE A VOZ estudos enviaram textos, que antigos e atuais membros do pessoa que não faça parte do Corpo Social do CAAP. Se no
CAAP deram sua contribuição e que até mesmo a Associação passado nem a polícia da ditadura tinha a audácia de entrar no
VETUSTA IRRELEVÂNCIA ..................07 Atlética Acadêmica ocupou seu espaço. Foi tamanha a CAAP, agora, a liberdade outrora tão arduamente conquistada
participação e os debates que circundaram a presente edição com o sangue de José Carlos da Mata Machado, não será objeto
SER DA ATLÉTICA...........................08 do Voz que a Diretoria do CAAP, resguardando a autonomia e de barganha de quem quer que seja. O CAAP luta contra
DE UMA METÁFORA A OUTRA: independência do Conselho Editorial do Voz, decidiu por qualquer tipo de neurose, histeria ou de patologia psicossocial
dilatar o Conselho, abrindo espaço para que quaisquer que possa acometer a Casa de Affonso Penna, de onde quer que
A PARTENOGÊNESE DO BOLISMO..........10
membros da comunidade acadêmica participassem. O venham tais fraquezas.
resultado dessa Integração se encontra no expediente: mais de
VOZ CIENTÍFICA 50 pessoas assinam o Jornal. As atuais circunstâncias reforçam O Jornal Voz Acadêmica, com seus mais de 50 anos acumulados,
o caráter original do Voz Acadêmica, de ser um veículo amplo e rejeita toda e qualquer crítica de cunho pessoal, a prezar e
O DESENROLAR DO FUNDAMENTO enaltecer as críticas institucionais responsáveis.
democrático onde todo o Corpo Social do CAAP, ou seja, todo o
DE VALIDADE DO DIREITO..................11
corpo discente da Faculdade de Direito da UFMG, tem espaço
Ao criar a Revista da Faculdade de Direito em 1894, Affonso
AS LEIS ANTITABAGISMO BRASILEIRA....12 para se manifestar. Daí a relevância de se manter a tradição de
Penna, no discurso de criação do periódico, estimava que “nos
independência do Conselho Editorial do Voz Acadêmica, não
governos livres o conjunto das instituições políticas, que
obstante o mais comum seja a consonância e perfeita
VOZES QUE ECOAM constituem o Estado, nas suas múltiplas manifestações, atua de
correspondência entre os objetivos da Diretoria do CAAP e do
modo direto sobre o espírito popular, provocando e fortalecendo
O AGORA É LUGAR DA UTOPIA...........13 Conselho do Voz, já que ambos representam os alunos da Casa
a iniciativa popular. Nas democracias é esta a base primordial das
de Affonso Penna.
O CINEMA NA CONSTRUÇÃO instituições. A criação das faculdades livres, ao lado dos institutos
DO OLHAR JURÍDICO.......................13 A presente edição do Voz Acadêmica traz uma novidade. oficiais, é fato auspicioso para o progresso dos estudos no Brasil”.
Frequentemente o Conselho Editorial se via incomodado diante A Faculdade de Direito da UFMG ainda é um espaço da livre
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA...............14 de textos que não se encaixavam nem propriamente à editoria manifestação, elemento essencial para a manutenção da tão
Solte a Voz, destinada a manifestações de caráter político, avocada excelência jurídica.
VOZ CULTURAL nem propriamente à editoria Voz Científica, destinada a textos
Que isso não se perca, e que seja aprimorado, pelo bem da
com caráter técnico e formalmente voltados para debates
DA IRREFUTÁVEL Vetusta Casa de Afonso Pena. O Voz Acadêmica é elemento
acadêmico-jurídicos. Era quase sempre o caso quando o texto
VERDADE DO PROGRESSO.................15 essencial nesse movimento. Que seja proclamada sua
então avaliado se tratava de manifestação acerca de
integridade e autonomia.
acontecimento atual, sem, contudo, caráter expresso de
AS PIRUETAS DO SOL reivindicação ou conteúdo propriamente científico. Nesse
E O LEGADO DE ADÃO......................15 sentido, o Conselho Editorial lançou a editoria Voz em Voga, Tudo porque o poeta olhou o céu,
espaço em que serão publicadas opiniões e debates acerca de Só viu o vazio
VOZES MALDITAS...........................16 temas atuais que, no momento da publicação do Voz, estejam – Olhou as árvores desfolhadas,
ou devessem estar - sendo discutidos pela mídia e pela E o vento, tristemente, a chorar,
sociedade. Na presente edição, a editoria contém artigos
por entre os galhos
acerca da luta pela paridade na consulta à comunidade
Tristeza...
acadêmica para eleição do reitorado da UFMG, do caso de

EXPEDIENTE Honduras e da polêmica indicação, feita pelo Presidente Lula,


do advogado José Antônio Dias Toffoli para ocupar cargo de
E suas águas, lentamente, a correr
Nostalgia...
Foi ao mar
Ministro do Supremo Tribunal Federal.
E as gaivotas, vagamente, a voar
Conselho Editorial: André Freire Azevedo, Bianca Teixeira de
Na editoria Solte a Voz, um texto específico foi fruto de ora beijavam o céu, ora beijavam o mar
Fátima Caldas, Breno Dias Bláu, Bruno Braz de Castro, Bruno
diversas polêmicas no fórum de deliberações do Conselho E o poeta, quem o beijava?
Demétrio Pereira da Luz, Bruno Martins Soares, Clara A.
Coutinho, Clésio Pereira Neves, Cíntia de Freitas Melo, Editorial, a partir do momento em que um Professor da Casa, Somente a solidão
Daniel G. G. Caetano, David Francisco Lopes Gomes, sentindo-se atingido por alguns dos neologismos utilizados pelo Virou-se
Gustavo de Lucas Fiche, Henrique Chaves Faria Carvalho, autor, protocolou ação cautelar de notificação direcionada ao Diante de si viu a muralha.
Henrique Napoleão, Henrique Pereira de Almeida, Hildegard Presidente do CAAP, pedindo-lhe que impedisse a publicação (Muralha Escrita)
Gouvea, Hugo Viçoso Ignácio e Silva, Isabelle Carvalho do polêmico texto e resguardando-se no direito de processar o
Curvo, Jennifer Heringer, João Marcus Martins, João Pedro autor, todos os integrantes do Conselho Editorial, e o próprio Esta poesia deu origem imediata a um IPM (Inquérito Policial
Meira Reis, João Vitor Rodrigues Loureiro, Jordão Vieira Presidente do CAAP, civil, penal e administrativamente, caso o Militar) e foi constantemente depredada e apagada por
Silva, Laura Delamônica, Lucas Azevedo Paulino, Lucas texto fosse publicado. O texto em questão não faz qualquer informantes e policiais. Contudo, era descrita sempre no
Passos Tenório, Luiz Felipe Moura Rios, Luiz Philippe Rolla de menção a nome de qualquer pessoa; ao contrário, limita-se a mesmo lugar, tornando-se símbolo da juventude mineira, que
Caux, Magnum Lamounier Ferreira, Marcela Rodrigues descrever, de maneira impessoal e genérica, um suposto encontrava abrigo, e ainda encontra, no espaço do Centro
Santos, Marcelo Sarsur Lucas da Silva, Marco Amaral sistema que estaria tomando conta da Faculdade de Direito, Acadêmico Afonso Pena na luta pela justiça e pela democracia
Mendonça, Marcos Bernardes, Marcos Gabriel Souza por meio do controle de suas funções principais. contra a ditadura e o autoritarismo que assolava o país. O CAAP
Palhares, Maria Alice Ferreira e Silva, Mariana Diamantino continua a repudiar qualquer forma de autoritarismo ou
de Souza Oliveira, Mariana Sousa Canuto, Mariane dos Reis Surpreendente foi o fato de o professor em questão ter tomado intervencionismo.
Cruz, Matheus Antunes Oliveira, Matheus Dourado, Matheus conhecimento do texto, escrito no domingo, 18 de outubro de
Guimarães Quiossa, Matheus Moura Miranda, Mirian Lima 2009, antes mesmo de que fosse apreciado e deliberado pelo
Lipovetsky, Paulina Santana, Paulo da Costa Baraldi, Paulo
Conselho Editorial, às 18 horas da segunda-feira, 19 de outubro
Martins da Costa Crosara, Pedro Ivo Martins Dutra, Pedro
de 2009. Quando, então, o Conselho se reuniu, recebeu um
Magalhães Gomes Garcia, Pedro Vitor Santos Delamonica,
recado do referido Professor com as notificações supracitadas,
Renato Augusto P. Maia, Ricardo de Lins e Horta, Rodolpho
formalizadas por meio da ação cautelar de notificação no dia
Venturini de Assis Pimentel, Taís Freire de Andrade Clark,
Tarcísio Passos Júnior, Tatiana Maria Badaró Baptista, Telma
seguinte. Ainda que o Conselho Editorial tenha se sentido “Dizem que os
Weber Cirino, Tiago de Almeida Mendonça, Victor Matthaus coagido a não publicar o texto, deliberou-se que, dada sua anjos encarnados
M. S. Cunha qualidade e sua pertinência, ele não poderia ser excluído da têm vida curta...
presente edição do Voz Acadêmica. Apesar disso, o Conselho Mas a luz de seus
“Os artigos assinados são de responsabilidade de seus
sugeriu ao autor que alterasse determinados termos que espíritos fica
autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do
suscitaram maior polêmica. O autor do texto, no entanto, eternamente
jornal”
resguardando-se no seu direito fundamental da liberdade de refletida em
Realização: Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP) expressão, não alterou em absolutamente nada a redação nossos corações”
Gestão INTEGRAÇÃO – Dialogar, Representar e Executar
original. Diante de toda a polêmica, o Presidente do CAAP,
acautelando a autonomia do Conselho do Voz, decidiu por ouvir
Presidente do CAAP: Marco Amaral Mendonça todo o Corpo Social do CAAP interessado no assunto em uma
Contato do CAAP: 3409-8629 Reunião Geral do Centro Acadêmico ocorrida no dia 21 de
Esta edição do Voz Acadêmica é dedicada à
outubro de 2009, sem, no entanto, sequer aventar a
Diagramação: Agência Esquadra memória da aluna Cláudia Campos Pereira, que
possibilidade de ferir a autonomia do Conselho Editorial do faleceu no dia 17 de outubro.
Tiragem: 2.500 exemplares Voz, mas, apenas, para emitir um parecer sobre a publicação
3
VOZ EM VOGA
POR UM PROCESSO determinar para sua realização. Dessa forma, não restam
dúvidas de que a realização de consulta paritária à
comunidade acadêmica não viola os dispositivos da LDB.
Professora Ana Lúcia Gazzola como Reitora, foi fruto do
menor índice de participação em toda a história das eleições
para a Reitoria na UFMG até então: participou apenas
aproximadamente 25% dos votantes, o que perfaz um
Na UFMG, o Conselho Universitário aprova as regras para a
DEMOCRÁTICO consulta à comunidade universitária que são elaboradas por
uma comissão eleitoral. Como é tradição na UFMG, em
universo de 7,8 mil pessoas. Longe de entrar no mérito da
qualidade da gestão da Professora em questão e ainda na
impossibilidade de saber qual seria o resultado do certame
analogia ao disposto na Lei Darcy Ribeiro acerca da caso fosse aplicado o método paritário de consulta, é
composição de órgãos colegiados e comissões, o voto dos importante frisar que, em números absolutos, a chapa
DE ESCOLHA docentes tem peso arrasadoramente superior ao voto dos
discentes e dos técnicos administrativos, na proporção de
vencedora teve 2,7 mil votos, pouco mais da metade dos
votos conquistados pela chapa perdedora: 4,8 mil votos².
70%-15%-15%. Esse método de consulta ocorre em Nesse contexto, tal quais os votos brancos e nulos em
detrimento de um sistema paritário e legitimamente eleições para o poder legislativo, afastados do cálculo do
DO REITORADO democrático, em que os três segmentos da Universidade
tenham peso igualitário de um terço dos votos.
coeficiente eleitoral e desprovidos de qualquer
conseqüência jurídica, ao voto dos estudantes, incapaz de
exercer influência prática no resultado da consulta pelas
Este ano, às vésperas da definição das regras para a consulta regras atuais, ficou resguardado apenas o efeito moral: ele
que, ao final de outubro, poderá definir o reitorado 2010- pode questionar, em alguns casos, a legitimidade
A paridade de votos na consulta 2014, houve mobilização de estudantes e de servidores democrática de determinada gestão da Universidade.
técnico-administrativos em prol da conquista da paridade do
à comunidade acadêmica peso de votos: com a assinatura de um terço dos membros do Em levantamento feito por jornalistas da Secretaria de
Conselho Universitário, foi convocada reunião específica Comunicação da UnB em 43 IFES no ano de 2008, verifica-se
à luz da Lei de Diretrizes para debater a questão. Dispensável informar que a proposta que, destas, 23 já adotam consultas com sistemas paritários,
não foi acatada. A mobilização, que deveria ter sido iniciada entre as quais as Universidades sediadas em algumas das
e Bases da Educação, em momento bem anterior, por meio da busca do apoio de principais capitais do país, como a UFRJ e a UNIRIO, a UFSC, a
professores sensíveis à causa, se iniciou em cima da hora. O UFES, a UFPR e a UFAM³. Na USP, extremo oposto, em que o
da conjuntura da UFMG movimento estudantil na UFMG, em regra aparelhado por Reitor é eleito pelo Conselho Universitário através de lista
partidos políticos, em parte acaba por se dividir em dois óctupla de Professores Titulares encaminhada pelas
e da conjuntura nacional eixos: de um lado estudantes tão radicalmente contrários à Congregações e Conselhos Centrais, órgãos compostos
estrutura da administração universitária como um todo que também por quase 90% de professores titulares, a cada crise,
adeptos de uma oposição desprovida de qualquer caráter como a que deflagrou a famosa ocupação da reitoria que
André Freire Azevedo pragmático, ineficiente por não conduzir a qualquer ocorreu em 2007, a legitimidade do presente Reitor é
mudança e que não se vale dos métodos estabelecidos para o questionada. É tamanha a arbitrariedade na USP que, a
(Vice-Presidente do Centro Acadêmico Afonso Pena) questionamento, por discordar destes; de outro lado, título de exemplo, em 1985, os nomes de dois dos três
estudantes adeptos da linha política petista atualmente candidatos mais votados em consulta paritária com ampla
seguida por nosso reitorado, que não hesitam em endossar a participação da comunidade acadêmica da referida
maior parte das proposições vindas da situação. A aprovação Universidade sequer constavam na lista tríplice
A lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei nº 9394/96 – da paridade na consulta à comunidade, devido à composição encaminhada pelo Conselho Universitário, um dos quais o
Lei Darcy Ribeiro) define e regulariza o sistema de educação do C.U. determinada pela LDB, só será possível, na situação célebre jurista Dalmo de Abreu Dallari, que desde o início
brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição, atual, com o apoio de parte dos professores. Esse é um apoio dos anos 80 é um dos principais defensores da consulta
entre os quais a igualdade de condições para o acesso e que deve ser buscado continuamente: não faz sentido que as paritária à comunidade da USP4.
permanência na escola, o respeito à liberdade e apreço à campanhas em prol da paridade aconteçam pontualmente a
tolerância, a gratuidade do ensino público e, com destaque, cada quatro anos. Para encerrar, vale citar, como sugestão à UFMG, o método
a gestão democrática do ensino público. Em seu artigo 56, a da UFPa na realização de suas consultas à comunidade
lei reitera que as instituições públicas de ensino superior É necessário que se questione se o sistema paritário é o que universitária, que, de acordo com a Professora Vera Jacob,
devem obedecer ao princípio da gestão democrática, trará os melhores frutos para a Universidade. Há, por um presidente da Associação de Docentes da Universidade
determinando que em seus órgãos colegiados deliberativos lado, quem argumente que a consulta paritária favoreça a Federal do Pará, foi responsável pelas eleições mais
participem segmentos não só da comunidade institucional, eleição de reitores com base em critérios unicamente democráticas da história da Universidade. Na referida
mas também da comunidade local e regional. O mesmo políticos, como a popularidade do candidato, em detrimento Universidade, é calculada a proporção entre os votos
artigo, contudo, em um parágrafo único com ares de de sua dedicação à missão da academia e sua competência recebidos por determinada chapa provindos de cada
incoerência, expressa que em qualquer caso, os docentes executiva. O sistema paritário de consulta à comunidade categoria e o universo de votantes da mesma categoria. É,
ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão universitária, contudo, não retira dos docentes, nesse ponto então, feita média aritmética entre as três descobertas
colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da de vista “mais aptos para a decisão”, o protagonismo na porcentagens de votos que cada chapa recebeu em relação
elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem escolha do novo Reitorado, o que ocorreria apenas se ao universo de votantes de cada segmento. O resultado
como da escolha de dirigentes. adotado o sistema de voto universal. Como se baseia em dar encontrado é considerado a pontuação do candidato. Nesse
peso equânime aos votos de professores, servidores técnico- sistema, fica resguardada a possibilidade de que cada
A lei Darcy Ribeiro foi aprovada em 1996, às pressas, em administrativos e discentes e como os professores compõem segmento contribua com um terço do peso dos votos para o
substituição a um projeto de lei que tramitou por seis anos a classe que existe em menor quantidade de pessoas na Reitorado. Por outro lado, por ser considerado o universo de
no Congresso, através de manobras regimentais. Foi alvo do Universidade, consequentemente no sistema paritário o pessoas aptas a votar por categoria no cálculo da média de
repúdio do sociólogo Florestan Fernandes, em uma série de voto de cada professor continuará tendo peso maior na votos recebidos por cada candidato, e não o número de
artigos publicados na Folha de São Paulo. Talvez por contar consulta. Além disso, não é correto subjugar a classe dos votantes efetivos, o peso que terá a votação proveniente de
com a condescendência dos professores universitários, estudantes e a classe dos servidores técnico-administrativos cada segmento na escolha do Reitor fica vinculado à
segue substancialmente inalterada até os dias de hoje, à condição de inaptos a compreender e participar da participação que teve este segmento no processo de
transformando a categoria dos docentes em verdadeira consecução dos objetivos institucionais de uma consulta eleitoral. Trata-se de forma ímpar de estimular a
casta universitária, como se única detentora do saber e do Universidade. Os estudantes, destinatários primários e diretos participação de toda a comunidade acadêmica no processo
fazer sociopolítico na academia. de todo o fazer acadêmico e historicamente defensores do viés de consulta, pois cada pessoa que, nesse sistema, se abstém
crítico e da mudança das estruturas caducas da sociedade, de votar, diminui o peso que a categoria que representa terá
Embora a composição de órgãos colegiados na Universidade possuem, sim, visão de curto-prazo da situação da
Pública esteja vinculada pela referida lei à proporção de 70% na escolha do novo Reitorado. É uma forma, ainda, de se
Universidade, mas possuem também legitimidade única para conceder aos estudantes e aos servidores técnico-
de docentes, de modo a não ser possível alterar essa avaliar determinados aspectos da vivência acadêmica
realidade apenas no âmbito interno à Universidade, não administrativos a possibilidade de influir decisivamente nos
desconhecidos pelas outras classes que a compõe. No caso dos rumos da Universidade, mas apenas se for do interesse da
estão afastadas todas as formas de dar maior efetividade ao servidores técnico-administrativos, a experiência mostra que
princípio da gestão democrática do ensino público. Os maior parte desses segmentos. Esse sistema, por fim,
eles possuem ampla visão global da Instituição em que propicia o que, afinal, é o mais importante: que os dirigentes
reitores das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) trabalham, além de possuírem a vantagem de estar em posição
são, formalmente, indicados pelo Presidente da República, da Universidade sejam escolhidos de forma legítima e
isenta de conflitos de interesses e possíveis trocas de favores democrática. Essa, contudo e infelizmente, não é a
através de lista tríplice encaminhada pelo Conselho que, é público e notório, ocorrem entre os professores.
Universitário (C.U.). Em consonância com princípio da realidade presente na UFMG.
autonomia universitária, é de praxe que o Presidente O que importa, de fato, é reconhecer que a Universidade é
respeite a indicação majoritária feita pelo Conselho composta pela indissociabilidade de seus três segmentos, e 1
SOARES, Eduardo Fajardo. “Triste vitória e gloriosa derrota”. In:
Universitário, qual seja seu método de escolha do reitorado que a escolha do reitorado só se revestirá de caráter Boletim UFMG, nº1332, Ano 28, Belo Horizonte, p.2, 2001.
ou de consulta à sua respectiva comunidade acadêmica. A legitimamente democrático quando a vontade de todos 2 idem
LDB não regula o processo de consulta à comunidade igualmente importar nessa decisão. 3 Redação da Secretaria de Comunicação na UnB. “23 Federais têm
universitária, de forma que as IFES têm ampla autonomia
voto paritário”. In: Notícias, site da UnB, disponível em:
para definir se farão a consulta e, em caso afirmativo, como O descompromisso com a democracia universitária, http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=147
se dará essa consulta. Em todos os casos, a lista tríplice é consubstanciado na disparidade dos pesos dos votos, que se (última consulta em outubro de 2009)
sempre formulada pelo C.U., que tem sua composição reflete, por sua vez, na ínfima relevância do voto de um 4
MIRAGLIA, Francisco. “Quem tem medo de diretas para reitor?”. In:
adequada ao exigido pelo art. 56, parágrafo único, da LDB aluno na consulta eleitoral, serve como feroz desestímulo ao Jornal do Campus, edição online, disponível em
para órgãos colegiados que tratam da escolha de dirigentes. envolvimento dos discentes com o processo de escolha da http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2009/07/debate-
O Conselho, nesse caso, irá referendar o resultado da sucessão do reitorado. Essa é uma realidade sintomática. A diretas-ja-o-atual-modelo-de-eleicoes-para-reitor-na-usp-e-o-mais-
consulta eleitoral, qual seja o método que ele próprio consulta eleitoral realizada em 2001, em que foi eleita a democratico/ (última consulta em outubro de 2009)
4
VOZ EM VOGA
Uma interpretação equivocada dos dispositivos mencionados
HONDURAS: Logo depois, em 26 de maio de 2009, Zelaya emitiu uma
ordem executiva, com base na Lei de Participação Cidadã,
que determinava a realização de uma pesquisa de opinião
e da situação como um todo levou ao equívoco de se concluir
que Zelaya “estava atentando contra a normalidade jurídica
nacional, de caráter consultivo, a ocorrer em 28 de junho de e a democracia em Honduras” (Cfr., por exemplo: Dallari,

O FUNDAMENTO 2009, com a pergunta: “Você concorda que, nas eleições


gerais de 2009, uma quarta votação seja adicionada para o
2009). Todavia, a proposta de Zelaya não ofende nenhum dos
mencionados dispositivos, porquanto: (i) “a simples
povo decidir por convocar ou não uma Assembléia proposta de reeleição por um mandato do presidente da

LEGAL INEXISTENTE Constituinte? Sim / Não”. Três dias depois, em resposta a um


pedido de esclarecimento sobre a pesquisa de opinião, a
República não implica atentado contra o princípio da
alternância, apenas altera o lapso de tempo pelo qual se
Suprema Corte decidiu que aquela pesquisa, e qualquer dará tal alternância”; (ii) “Zelaya tem afirmado que sua
Henrique Napoleão Alves outra pesquisa com o mesmo intento, não poderia ser feita. proposta é de possibilitar a reeleição de futuros presidentes,
Recursos impetrados por grupos a favor da pesquisa de e não dele próprio” (Serrano, 2009).
opinião foram todos sumariamente negados.
1. Introdução: breve contextualização dos fatos Em conclusão, analisando um último dispositivo relevante
No dia 25 de junho de 2009, o Poder Executivo publicou um para a contenda, o art. 42 determina que a pessoa que
Honduras é uma república da América Central com uma decreto público que apregoava sua intenção de realizar a incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição
população aproximada de 7,5 milhões de pessoas, dentre as pesquisa nacional de opinião. Em resposta, o Poder do presidente poderá perder seus direitos de cidadania
quais 90% são de “Mestizos”, 7% indígenas, 2% negros e 1% Legislativo autorizou a prisão de Zelaya e um mandato de (i.e., de votar e ser votado). Ora, como vimos, Zelaya não
brancos. Como muitos outros países latino-americanos, sua busca na sua residência. Tal decisão foi tomada no dia 27 de pretendia o continuísmo de si próprio. Nada obstante,
história é marcada por regimes autoritários e diferentes junho de 2009, sábado, e fora do horário comercial, de modo a mesmo se se considerasse, argumentativamente, que
ciclos econômicos que seguem predominantemente o cerne propositadamente dificultar as chances do Presidente de se Zelaya tivesse o objetivo de garantir sua própria reeleição,
da exploração de recursos naturais, superexploração da opor legalmente à ordem de prisão. Na manhã do dia 28 de ainda assim as medidas tomadas contra ele não se
força de trabalho e exportação de matéria-prima a preços junho, domingo, as Forças Armadas seqüestraram e justificariam, uma vez que o mesmo art. 42 determina que
baixos. A exploração de seus recursos naturais, também a expatriaram o presidente, entregando-o a autoridades a perda da cidadania só pode ocorrer após processo
exemplo de muitos outros países latino-americanos, foi estrangeiras na Costa Rica. O governo passou às mãos de judicial com garantia do devido processo legal, o que não
realizada predominantemente por empresas estadunidenses, Micheletti, presidente do Congresso nacional. ocorreu (Serrano, 2009).
desde o início do século XX até os dias atuais. O resultado de
tudo isso é uma sociedade profundamente desigual, a Além disso, a perda da cidadania mencionado no
terceira mais pobre da América Latina: segundo dados art. 42 é muito diferente de expatriação
recentíssimos da CEPAL, 69% da população “Nada obstante, mesmo se se considerasse, forçada. A postura da Suprema Corte, de parte
hondurenha está abaixo da linha da pobreza, e 46% do legislativo hondurenho e da base de apoio
abaixo da linha da indigência ou extrema pobreza. argumentativamente, que Zelaya tivesse o militar que angariaram, longe de se
fundamentarem em preceitos constitucionais,
O país tem um quadro histórico de violações de objetivo de garantir sua própria reeleição, ainda
violaram frontalmente, dentre outros, o art. 102
direitos humanos, especialmente durante as
ditaduras militares que se sucederam dos anos 50 assim as medidas tomadas contra ele não se da Constituição hondurenha, que proíbe, a
entrega de qualquer hondurenho a autoridades
aos anos 80, todas com apoio declarado ou velado
do governo estadunidense. Em 1982, foi instituído
justificariam, uma vez que o mesmo art. 42 de um outro país (American Association of
Jurists et al, 2009).
um governo civil. Na época, Honduras era o determina que a perda da cidadania só pode
principal território dos Anti-Sandinistas, grupos A remoção juridicamente injustificada de um
paramilitares financiados pelos EUA para combater ocorrer após processo judicial com garantia do presidente constitucionalmente eleito, feita
os movimentos sociais e movimentos de guerrilha sem nenhum apoio popular, representa em si
em Honduras, El Salvador e Guatemala. Naquele devido processo legal, o que não ocorreu.” uma inconstitucionalidade ainda mais grave: a
ano, foi promulgada a Constituição que atualmente do desrespeito à soberania do povo hondurenho.
vige no país, que é baseada nas constituições de É essa conduta que, “clara e cristalinamente,
1957 e 1965 (promulgadas por ditaduras militares) e que Desde então, a comunidade internacional tem repudiado a constitui crime conforme o disposto no artigo 2º da Carta
conta, inclusive, com artigos aprovados em sessões fechadas remoção de Zelaya, vista como golpe de Estado, e clamado hondurenha, que tipifica como delito de traição da pátria a
com o alto-comando militar. pela restauração da ordem institu-cional e democrática em usurpação da soberania popular e dos poderes constituídos”
Honduras. Em sua defesa, o governo de fato argumenta que (Serrano, 2009).
Em 27 de novembro de 2005, Manuel Zelaya Rosales foi eleito
havia fundamentos jurídicos constitucionais para a remoção
presidente pelo Partido Liberal. Ao iniciar seu mandato em Diante disso, não é de se estranhar que o “presidente de
de Zelaya do poder, e que eram eles os defensores do Estado
27 de janeiro de 2006, Zelaya passou a tomar uma série de fato” Roberto Micheletti, em entrevista ao jornal Clarín,
de Direito e da ordem institucional.¹
reformas com o intuito de mitigar as desigualdades tenha aberto mão de qualquer fundamento constitucional
econômicas e sociais profundas que assolam o país, como o para revelar as verdadeiras razões por trás dos atos
aumento do salário mínimo. Ademais, o Presidente passou a
2. A insubsistência dos argumentos jurídicos a favor da realizados contra Zelaya: “Tiramos Zelaya por seu
integrar a economia hondurenha com parceiros distintos dos
deposição de Zelaya: caracterização do golpe esquerdismo e corrupção. Ele foi presidente, liberal, como
EUA, como o mercado comum da ALBA, além de eliminar
eu. Mas se tornou amigo de Daniel Ortega, [Hugo] Chávez,
intermediadores na compra de petróleo e comprá-lo do A consulta convocada por Zelaya foi considerada [Rafael] Correa, Evo Morales" (http://www1.folha.uol.
vendedor mais barato – a companhia venezuelana inconstitucional principalmente com base nos arts. 4, 237, com.br/folha/mundo/ult94u631402.shtml. Acesso em
PetroCaribe. 239 e 374 da Constituição.² O art. 4º prevê que a
30.09.2009). Ou seja: Zelaya foi removido não por razões
obrigatoriedade da alternância no exercício da Presidência
Em 2009, Zelaya decidiu realizar um referendo popular, jurídicas, mas políticas rasteiras.
da República, e que a infração desta norma constitui delito
perguntando aos cidadãos hondurenhos se eles gostariam de
de traição à Pátria. O art. 237 apregoa que o mandato A roupagem jurídica vacilante e o fato do governo
votar nas próximas eleições, marcadas para 29 de Novembro
presidencial será de quatro anos, e o art. 239 determina que estadunidense de Obama não apoiar abertamente a remoção
de 2009, se seriam a favor ou contra a convocação de uma
o cidadão que tiver desempenhado a titularidade do Poder de Zelaya³ são apenas inovações formais, mas que pouco ou
Assembléia Constituinte para alterar a Constituição.
Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente no nada alteram um velho enredo, muito conhecido de nós
As elites econômicas e políticas hondurenhas, já desgostosas período subseqüente, e quem desrespeitar esta norma ou outros latino-americanos. Trata-se da dramática história do
das outras medidas de caráter popular e nacionalista propor sua reforma, assim como os que o apoiarem direta ou presidente democraticamente eleito que pretende adotar
adotadas por Zelaya, se opuseram veementemente ao indiretamente, cessarão de imediato no desempenho dos reformas para diminuir as desigualdades sociais, desagrada,
referendo e apelaram aos poderes legislativo e judiciário. seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos com isso, as elites locais e internacionais, e é, mais cedo ou
Ademais, o Procurador-Geral entrou com uma ação para o exercício de toda função pública. Por fim, o art. 374 mais tarde, deposto do cargo. Nós vimos esse filme muitas
administrativa contra o Presidente Zelaya. A Suprema Corte contém o equivalente hondurenho às nossas cláusulas vezes, com montagens em outros países e com outros no
rapidamente ordenou a suspensão do referendo. pétreas, afirmando que não é passível de reforma, dentre papel de Zelaya: João Goulart, Juan Bosch, Salvador
outros, a proibição descrita no art. 239. Allende... O nome do filme é “Golpe de Estado”.
5

“Trata-se da dramática história do presidente democraticamente eleito que pretende adotar reformas para diminuir as
desigualdades sociais, desagrada, com isso, as elites locais e internacionais, e é, mais cedo ou mais tarde, deposto do cargo.”

¹ Os dados colocados nessa introdução foram retirados de: American Association of Jurists et al, 2009. Esse documento se refere a um relatório
preliminar de uma missão composta por quatro juristas, representantes de diferentes organizações não-governamentais (American Association

“A remoção juridicamente of Jurists, National Lawyers Guild, International Association of Democratic Lawyers e International Association Against Torture), que
estiveram em Honduras no mês passado para apurar dados e averiguar se houve ou não um golpe militar. Agradeço nominalmente a duas das
especialistas que compuseram a missão, Susan Scott e Vanessa Ramos, pela gentileza de terem fornecido o relatório a mim por email. Até a
injustificada de um presente data, o relatório preliminar ainda não havia sido disponibilizado na internet. De qualquer forma, sugiro ao leitor que consulte o
seguinte sítio virtual, referente a uma das organizações envolvidas: http://www. nlginternational.org/ (acesso em 10 de outubro de 2009).

presidente consti- Nada obstante, fico ainda à disposição para compartilhar o relatório por email com os eventuais interessados.

² Não citamos o texto literal dos dispositivos da Constituição hondurenha por respeito ao espaço desse artigo. No entanto, convidamos o leitor a
acessar a Carta hondurenha, cuja versão original pode ser encontrada em: http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Honduras/
tucionalmente eleito, feita hond05.html (acesso em 07.10.2009).

³ Diferentemente do que fez o governo anterior em relação ao golpe de Estado ocorrido na Venezuela em 2002. Sobre esse golpe, que baseou-se
sem nenhum apoio popular, em uma das maiores farsas midiáticas da história, sugerimos os documentários: The Revolution Will Not Be Televised e Puente LLaguno: Claves
de una Masacre.

representa em si uma

inconstitucionalidade ainda Referências bibliográficas

AMERICAN ASSOCIATION OF JURISTS (AAJ); NATIONAL LAWYERS GUILD (NLG); INTERNATIONAL ASSOCIATION OF DEMOCRATIC LAWYERS (IADL);
INTERNATIONAL ASSOCIATION AGAINST TORTURE (AICT). Preliminary Report of the International Observation Mission of the American
mais grave: a do Association of Jurists (AAJ), the National Lawyers Guild (NLG), the International Association of Democratic Lawyers (IADL) and the
International Association Against Torture (AICT) on the Crisis in Honduras caused by the Coup d'état and the Breach of the Rule of Law. Não
publicado.
desrespeito à soberania do
DALLARI, Dalmo de Abreu. O fundamento legal omitido. Observatório da Imprensa, 30 de setembro de 2009. Disponível em:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=557IMQ011 (acesso em: 05.10.2009).
povo hondurenho.” SERRANO, Pedro Estevam. Constituição hondurenha não justifica o golpe. Folha de São Paulo, Caderno Mundo, 30 de setembro de 2009.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ ft3009200906.htm (acesso em: 05.10.2009).
6
VOZ EM VOGA
TOFFOLI: É preciso analisar somente o notório saber jurídico, afinal o
feliz indicado foi reprovado duas vezes em concurso para a
Rocha Cubas. Ele propôs uma ação popular contra o
Presidente da República, contra o Presidente do Senado
magistratura, não tem livros escritos e não tem títulos Federal e contra o Presidente do Supremo Tribunal Federal,
com o objetivo de obstar a indicação de Toffoli ao cargo de
A INSURGÊNCIA acadêmicos. Ele é como somos muitos de nós. Mas nós
somos os seus julgadores. Ministro, na medida cautelar em petição 4.666-8/DF. Alega
o magistrado violação constitucional da separação de
“O problema é sua ligação poderes, vedação do exercício de atividade político-
ACADÊMICO- partidária. Mas, e daí? Daí que
partidária aos magistrados e exigência de notável saber
jurídico. Tem preocupações políticas ao dizer que “o Exmo.
ele só tem de se desligar do Sr. Presidente da República indicou ao cargo de Ministro do

JURÍDICA CONTRA Partido dos Trabalhadores.”


Supremo Tribunal Federal um representante absoluto de
sua militância político-partidária” e debochou ao dizer na
sua petição que “nunca antes na história da República
E a turma do Direito caiu de pau em cima da indicação, com
SUA INDICAÇÃO E A as devidas vênias pelos termos vernaculares impróprios.
alguém com um currículo tão simples foi indicado ao STF
associado ao fato de tenra idade”. A petição explicita a
A Constituição da República faz doze referências a notório ausência de notório saber jurídico, sustentando que o
saber e notório saber jurídico (arts. 94, 101, 103-B, XIII, indicado não possui qualquer livro publicado, foi reprovado
CONSTITUCIONALI- 119, II, 120,§1º, III, 122, parágrafo único, I, 130-A, VI, 131, em concursos públicos e não tem fluência em qualquer
§1º, 234, III, 235,V,b, 235,VII). Retirando aqueles artigos língua estrangeira. (Esqueceu-se, entretanto, de que outro
das Disposições Transitórias, art. 234, III e art. 235, VIII, que ministro possuía somente quarenta e quatro anos quando
DADE DA VIRTÙ. fazem referências a somente a notório saber, restam dez
citações. Destas dez, sete fazem referências diretas a
foi empossado, e outros ministros que não publicaram
livros e nem possuíam títulos acadêmicos). No mérito,
desembargadores, juízes ou advogados e quatro delas requereu ser declarado o indicado não portador dos
incluem os outros cidadãos brasileiros sem, contudo, a requisitos constitucionais para o cargo. O Ministro
Raimundo Jorge Ivo Metzker exigência da qualificação técnica, e se destinam à Lewandowski considerou que não cabe ao Supremo Tribunal
composição do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, Federal analisar requisito, pois, no caso, é atribuição
XIII), Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130- privativa da Presidência da República e enterrou o assunto,
Uma grande discussão tomou conta do meio acadêmico, A,VI) , Advocacia Geral da União (art. 131, §1º) e por fim, extinguindo o processo sem resolução do mérito.
principalmente, no âmbito dos cursos de Direito com a Supremo Tribunal Federal (art. 101). Assim, concluímos que
indicação do advogado José Antônio Dias Toffoli para a maior parte daquilo que chamamos de justiça brasileira é “O outro requisito fluido é a
assumir o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, feita por pessoas dotadas de relevante conhecimento
para a vaga aberta pelo Ministro Carlos Alberto Menezes técnico. O que é bom. Para a Advocacia-Geral da União, o reputação ilibada, que não chegou
Direito, morto, vitimado por um câncer. cargo é de livre nomeação do Presidente da República
sequer a ser ventilado. Ainda bem,
O que se quer aqui não é discutir questões partidárias, se o escolhidos dentre os cidadãos brasileiros de notório saber
indicado tem ligação visceral com o Partido dos jurídico. Não se tem notícia de que até hoje tenha havido nestes tempos de relaxamento,
Trabalhadores ou se ele foi condenado a devolver aos cofres alguma rejeição de nomes nas pessoas indicadas para todos
estes dez casos acima, cujo requisito principal é o notável distensionamento e relativização
públicos do Estado do Amapá dinheiro pela acusação de ter
saber jurídico, sejam eles juristas ou não.
vencido uma licitação para prestação de serviços dos valores ético-morais.”
advocatícios sem a observância dos ditames da Lei de O atual Presidente da República já indicou outros sete
Licitações. Antes, é discutir o mal-estar que a indicação de É provável que a sociedade brasileira creia nos estudos
ministros para o Supremo Tribunal Federal e não se cogita
Toffoli gerou entre os estudantes de Direito, na imprensa, como a melhor forma de ascensão social e que também é
de ter havido tamanha agitação tal como ocorreu com esta.
nos meios jurídicos e até na magistratura, porque não se bem possível que a admiração num profissional qualquer
Será que a sociedade acordou para a importância do STF
reconhecia que ele preenchia os requisitos constitucionais cresça na medida em que ele faz progrida nas atividades
nas suas vidas e agora tem a exata dimensão do perigo do
para o cargo. acadêmicas para a obtenção de títulos de mestre e doutor.
que é não possuir notório saber jurídico? Por certo, não.
Contudo, objetivamente, se o requisito de notório saber
Toffoli já vinha exercendo o cargo de Advogado-Geral da
Dispõe a Constituição da República que os ministros do jurídico fosse substituído por requisitos que revelassem a
União e, para o exercício deste cargo, os requisitos são
Supremo Tribunal Federal serão escolhidos dentre aqueles capacidade técnica, tal como ter cursado as letras jurídicas
rigorosamente os mesmos para o exercício do cargo de
cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e e ter no mínimo, 10 anos de atividades técnico-jurídicas,
Ministro do STF. Porque os meios jurídicos não se
cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação como propugnam alguns constitucionalistas, Toffoli
aperceberam disto antes? Foi porque estes ou pelo menos
ilibada, por indicação do Presidente da República seguida também preencheria estes requisitos. O problema é sua
dois terços destes colocaram na Presidência da República
de aprovação da maioria absoluta do Senado Federal. É o ligação partidária. Mas, e daí? Daí que ele só tem de se
uma pessoa sem notório saber jurídico ou, pelo menos, sem
que está dito no seu art. 101, no seu caput e no seu desligar do Partido dos Trabalhadores.
notório saber político-filosófico ou ainda sem notório saber
parágrafo único. Tem-se, então, quatro critérios objetivos:
intelectual? Também não, pois a eleição de um e a Toffoli sempre esteve ao lado do PT, do Presidente Lula,
a cidadania, a idade, a indicação pelo Presidente da
indicação do outro foram frutos somente do juízo de José Dirceu, Genoíno, Antônio Palocci e outros tantos,
República e aprovação pelo Senado. Têm-se outros dois
oportunidade, o primeiro, pela sociedade; o segundo, pelo mesmo nos piores momentos, como nas derrotas eleitorais
critérios de significação fluida. Fluidez aqui tem a sua
próprio eleito pela sociedade através deste juízo, que é de 1994 e 1998, nos episódios do mensalão e do caseiro da
exata importância físico-político-jurídica, ou seja, é a
plenamente aceito pela Constituição num e noutro caso. casa da República de Ribeirão Preto. Mas valeu-se dos bons
propriedade daquilo que toma a forma do recipiente que o
ventos das vitórias de 2002 e 2006. Talvez tenha recebido a
contém. O outro requisito fluido é a reputação ilibada, que Para ilustrar bem a contrariedade com a indicação do
indicação por isso. Aproveitou bem a virtù, pois o
não chegou sequer a ser ventilado. Ainda bem, nestes advogado para o STF dentro dos meios acadêmicos, aqui,
Presidente Lula, sabidamente, não tem pruridos
tempos de relaxamento, distensionamento e relativização na Faculdade de Direito da UFMG, basta verificar nos blogs,
intelectuais e o indicou. Pura discricionariedade, diriam os
dos valores ético-morais. nos sites de relacionamento e nas trocas de
administrativistas, dado o conceito indeterminado de
correspondência do Conselho de Representantes de Turmas
Toffoli tem a “tenra idade” de 41 anos, é cidadão porque é notório saber jurídico.
– CRT - do Centro Acadêmico Afonso Penna – CAAP. Somente
eleitor (e professor de Direito Eleitoral), o Presidente Lula
alguns estudantes defenderam acanhadamente a Todavia, é inegável que esta virtù em nada fere qualquer
Inácio Lula da Silva o indicou e o Senado Federal o confirmou
indicação. Até nestas mensagens de defesa via-se saltar ditame constitucional, mesmo que façamos birra ou
por cinqüenta e oito votos favoráveis, o que significa setenta
pelas telas dos monitores dos computadores o fiquemos de cara amarrada.
e um por cento dos membros do Senado Federal. Outros nove
acanhamento da argumentação favorável.
senadores votaram contra e dois se abstiveram. Portanto, os Diga-se de passagem, não tenho nenhuma admiração pelo
requisitos objetivos foram preenchidos. Outra insurgência foi feita pelo juiz federal Eduardo Luiz PT e nem pelo Presidente Lula. Nem por Toffoli.
7
SOLTE A VOZ
VETUSTA “Ainda vige aqui certo provincianismo acadêmico, que confunde excelência com auto-
referência, debate acalorado com clientelismo caloroso... isolados nessa esfera, certos

IRRELEVÂNCIA docentes não se dão ao trabalho de observar o que se tem produzido mundo afora”.

Ricardo Lins Horta

Amartya Sen, economista indiano ganhador do Prêmio Nobel “nova síntese” explicativa, a partir do trabalho de estar soçobrando. Desde pelo menos a década de 1960 há
de Economia em 1998, está lançando agora em setembro de pesquisadores como Jonathan Haidt e Joshua Greene. Mais referenciais teóricos transversais, como as Teorias da
2009 o livro “The Idea of Justice”. Apenas pelo seu do que um sistema racional-discursivo, a moral, humana e Escolha Racional e a Teoria dos Jogos, que são aplicadas da
consistente e aclamado trabalho sobre combate à pobreza, animal (sim, há anos já se estuda o “comportamento moral” Ciência Política e Microeconomia à Criminologia e Biologia
cidadania e liberdade, a obra já mereceria nossa atenção. em outras espécies), é composta de heurísticas, isto é, Evolucionista. Mais do que “modas” passageiras, deram azo
Mas há mais motivos: Sen contesta a teoria da Justiça como vieses inatos, com forte componente intuitivo e emocional, a tentativas ousadas de unificar todas as ciências
Equidade de John Rawls, por ser baseada em um que guiam os nossos juízos. A Psicologia Evolucionista e a comportamentais. Hoje, já se fala com seriedade na
racionalismo excessivo, sem lastro na realidade, e propõe Neuroética têm muito a dizer sobre o que de fato se passa na construção de um marco explicativo único, não-reducionista
uma justiça comparativa, menos idealizada, que leva em cabeça de um juiz que se defronta com um caso difícil ou um e interdisciplinar, como pretende Herbert Gintis. E os
conta as escolhas, sempre aproximativas, de que as dilema moral. Ao passo que, em vetustas paragens, ainda há juristas? Vão continuar de fora?
sociedades de fato dispõem. Um prato cheio, portanto, para quem diga que a fonte da moralidade é a religião! Não me
os jusfilósofos do século XXI, que enfrentam a árdua tarefa Se já é difícil encontrar pesquisadores que se aventuram na
surpreende que o único jurista brasileiro que já tratou dessa
de debater distintas visões sobre o tema, de Ronald Dwokin a junção entre Direito e Economia, como Richard Posner – são
nova perspectiva seja Atahualpa Fernandez, hoje cursando
Friedrich Hayek, de Robert Nozick a G. A. Cohen. poucos por aqui, e em sua maioria circunscritos aos estudos
pós-doutorado na Espanha, por não encontrar ambiente
de Direito da Concorrência – como pode a comunidade
Mas algo me diz que nesta Casa de tão doutos luminares, esse acadêmico para esse tipo de pesquisa nas faculdades de
jurídica enfrentar o turbulento cenário de crise mundial? A
será mais um livro que será apreciado por uns poucos (e Direito tupiniquins.
Economia Comportamental e a Neuroeconomia estão aí,
admiravelmente teimosos) professores-guerreiros. Por sinal, mostrando os limites da racionalidade humana, a forma
E não faltam exemplos lá fora. Owen D. Jones é um jurista
ainda vige aqui certo provincianismo acadêmico, que como consumidores fazem escolhas aparentemente ruins no
que tem publicado muitos artigos sobre como as
confunde excelência com auto-referência, debate acalorado
neurociências podem afetar o Direito. No nosso universo seu cotidiano, e poderia ser uma valiosíssima ferramenta
com clientelismo caloroso. É a lógica circular, que pode ser
acadêmico, porém, basta gritar “biologia!” ou “genética!” para o Direito. Para citar exemplos, estudos sobre desconto
sintetizada no tautológico axioma “fulano é meu orientando
para que chovam acusações preconceituosas de de futuro podem ajudar a se desenhar uma reforma
porque é o melhor; fulano é o melhor porque é meu
“determinismo” e “reducionismo”, ou impropriedades da previdenciária efetiva, e pesquisas sobre as falhas de
orientando”. Isolados nessa esfera, certos docentes não se
boca de quem acha que toda ciência biológica é sinônimo de mercado e “efeitos de manada” de investidores
dão ao trabalho de observar o que se tem produzido mundo
Lombroso. Parece óbvio, porém, que tormentosas questões “irracionais” em mercados financeiros – chamados por
afora, nem que seja para criticar com bons argumentos. É
como o livre-arbítrio, a autonomia decisória e a Keynes de “animal spirits” – em muito contribuiriam para se
como nas Capitanias Hereditárias, mas em vez de sesmarias,
culpabilidade simplesmente não deveriam ser discutidas pensar numa melhor forma de regulação do mercado
doam-se pacotes requentados com velhas teses e marcos
sem levar em conta o que as ciências do comportamento têm financeiro pós-crise. É gritante o descompasso entre o
teóricos mofados. “Ora”, retrucam eles, “a Filosofia não é
descoberto. E mesmo que se discorde da aplicabilidade de debate internacional – o Portal da CAPES está aí, basta usá-lo
como a Coruja de Minerva”?
conceitos das ciências naturais à compreensão do homem, o nas pesquisas! – e o que se considera relevante por aqui. É
E simples assim, fecham-se as portas para instigantes que se deve fazer é uma crítica minimamente fundamentada, preciso, numa palavra, interdisciplinaridade.
debates que têm sido travados noutras plagas! E todos com tal como já fez mais de uma vez o grande antropólogo Marshall
O Direito sempre teve certa vocação para encapsular-se em
implicações importantíssimas para o Direito atual. Sahlins, em vez de se enfiar os olhos num buraco feito
si mesmo. Pena. Não precisa ser assim. Para que seja
avestruz.
No campo dos estudos sobre a moral – um dos primeiros diferente, porém, é passada a hora de decretarmos a
temas que se estuda no curso de Direito – está surgindo uma Até a clássica divisão entre ciências naturais e sociais parece aposentadoria de ideias decrépitas.

Referências Bibliográficas
Akerlof, G.; Shiller, R. (2009) Animal Spirits: How Human Psychology Drives the Economy, and Why It Matters for Global
Capitalism. Princeton University Press.

Fernandez, Atahualpa; Fernandez, Marly. (2008) Neuroética, Direito e Neurociência – conduta humana, liberdade e
racionalidade jurídica. Curitiba: Juruá.

Damásio, António. (2007) O Erro de Descartes – emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras.

Hauser, Marc. (2006) Moral Minds – how nature designed our universal sense of right and wrong. New York: HarperCollins
Publishers.

Serrano Maíllo, Alfonso. (2007) Introdução à Criminologia. São Paulo: RT.

Ridley, Matt. (2008). O que nos faz humanos? Genes, natureza e experiência. Rio de Janeiro: Record.

Sahlins, Marshall. (2008). The Western Illusion of Human Nature. Chicago: Prickly Paradigm Press.

Sen, Amartya. (2009). The Idea of Justice. Cambridge: Harvard University Press.

Artigos de Owen D. Jones sobre a interface Direito e Biologia: http://law.vanderbilt.edu/faculty/faculty-


detail/index.aspx?faculty_id=176

Estudos sobre a moral animal, pelo primatólogo Frans de Waal: http://www.emory.edu/LIVING_LINKS/articles.html

Mais estudos sobre a “nova síntese” moral, por Joshua D. Greene: http://www.wjh.harvard.edu/~jgreene/

Site do Herbet Gintis: http://people.umass.edu/gintis/ (Texto: “Five Principles for the Unification of the
Behavioral Sciences”)
8
SOLTE A VOZ
SER DA ATLÉTICA Em outubro, reunião do Conselho Editorial do Voz Acadêmica

Enquanto eram sugeridos temas para os artigos do jornal,


STJD, um dos maiores especialistas em doping do mundo,
Advogados do Cruzeiro Esporte Clube e do Clube Atlético
Mineiro, agentes FIFA, enfim, grandes nomes do Direito
João Paulo Guerra Vieira alguém lembrou a todos que a cidade do Rio de Janeiro
Desportivo nacional e internacional. A Atlética recebeu
havia sido escolhida, há poucas horas, como cidade-sede
homenagens de diversas pessoas e instituições de todo o
dos Jogos Olímpicos de 2016, e que esse fato poderia ser
Brasil pela iniciativa e organização.
Em julho, colação de grau dos alunos do 10º período da objeto de um texto para o próximo (no caso, este) Voz. Pois
Faculdade de Direito da UFMG bem, duas pessoas se habilitaram a escrever um artigo Tendo em vista que o objetivo do Seminário era justamente
sobre o tema, mas o aluno argumentou contrariamente, se fortalecer o terceiro “A” da AAA, a aproximação entre o
A cerimônia prosseguia, e estavam sendo entregues os
dispondo a solicitar aos integrantes da Associação Atlética esporte e os estudos acadêmicos não cessou. Pelo
prêmios aos alunos que mais se destacaram em algumas
Acadêmica que o fizessem, pois possivelmente estariam contrário, a ideia permaneceu na mente dos estudantes, o
disciplinas e em atividades outras como o Movimento
mais inteirados com relação ao assunto, uma vez que se que ensejou a recente criação do Grupo de Estudos em
Estudantil e o trabalho junto à Associação Atlética
tratava do mais abrangente evento esportivo do planeta. Direito e Justiça do Esporte, que se reúne semanalmente,
Acadêmica. Nesse último quesito, o acadêmico que mais se
Um dos membros do Conselho questionou: “mas você tem às quartas-feiras, para a discussão dos temas mais
destacou foi o Presidente da AAA da gestão de 2006, que
certeza de que eles (integrantes da Atlética) cumprirão o relevantes dessa área do Direito. É, parece que aquele par
recebeu uma placa das mãos do atual Presidente. Enquanto
prazo para envio de textos?”. O aluno respondeu: “sim, de indivíduos que proferiu aqueles infelizes comentários
discretamente assistia à solenidade, um aluno ouviu
eles cumprirão o prazo. Ao contrário do que a maioria durante a colação de grau não costumavam se informar
comentários trocados entre dois outros espectadores, que,
pensa, os membros da Atlética trabalham duro, e muito.” adequadamente a respeito de grandes eventos acadêmicos
sobre a homenagem ao ex-Presidente da Atlética, diziam:
Novamente as gargalhadas tomaram conta do recinto. Pela que mobilizam a Faculdade de Direito da UFMG.
“você está vendo aquele cara que está ganhando o prêmio
terceira e última vez o aluno silenciou.
ali? O que ele fez na Faculdade? Só festa”. E ambos riram O Vetustão e o Vetustete, torneios de futsal masculino e
ironicamente. É verdade, um aluno que “só festa” fez na Esse aluno agora se dirige à comunidade acadêmica da feminino da Faculdade de Direito, respectivamente, são
Vetusta merecia risadas ao invés de aplausos, pois aquele Faculdade de Direito, como membro de sua Associação realizados semestralmente, e contam com a participação
reconhecimento soava como uma brincadeira. O aluno Atlética, para expressar o quanto os três episódios de equipes dos diversos períodos e também de bacharéis
escutou aquilo em silêncio. relatados acima o marcaram. É fato notório que grande formados na Vetusta. Além de ser a paixão dos jogadores
parte do corpo docente e discente da Faculdade de Direito que o disputam, o Vetustão é uma forma saudável (leia-se:
Em setembro, reunião do Colegiado de Graduação
tem a impressão preconceituosa de que na Atlética não se através do esporte) de integração entre gerações múltiplas
Os professores debatiam com os Representantes Discentes trabalha com seriedade, de que os membros da Atlética não de alunos ou ex-alunos da FDUFMG, e é também um dos
disposições da Resolução que regulamentava as Atividades tem muito o que fazer, de que seus projetos se resumem a maiores campeonatos universitários intra-curso já
Complementares de Graduação, as conhecidas ACGs, mais barulho e gandaia. A despeito disso, era extremamente consolidados, devido a um esforço de longa data, iniciado
especificamente o artigo que dispunha uma lista exaustiva decepcionante ouvir, pessoalmente, comentários que em 2003, ano em que o Vetustão passou a ter os moldes
daquelas atividades passíveis de recebimento do tanto depreciavam uma das entidades representativas dos atuais. O Jornalzinho do Vetustão, com resenhas das
Certificado que confere horas de ACG. Questionava-se por alunos da Vetusta. Assim, pensei em alguma maneira de partidas, é publicado semanalmente, juntamente com as
que o inciso que tratava do trabalho junto ao Centro transformar tamanha frustração em algo proveitoso. Quem informações atualizadas. Mas, é claro, o fato de os
Acadêmico Afonso Pena confiava ao Estatuto deste a missão sabe as realizações da AAA não estivessem tendo a integrantes da Atlética sacrificarem seus domingos para,
de discriminar quais as Diretorias que receberiam publicidade necessária para que aqueles que debocharam voluntariamente, estarem presentes aos jogos do Vetustão
Certificado de ACG, enquanto o inciso referente ao da instituição soubessem o quanto lutamos pela e do Vetustete, trabalhando como mesários ou auxiliando
trabalho junto à Associação Altética Acadêmica dispunha, consecução de nossos objetivos. na organização, não é trabalhar muito.
ele mesmo, quais as Diretorias que poderiam receber tal
certificado. Um dos Representantes Discentes disse que o Antes de mais nada, vale lembrar aos desavisados que o Não há espaço físico para os treinamentos das equipes das
Estatuto do CAAP é o mesmo desde 1987, e essa Presidente da Atlética de 2006 – aquele mesmo, que “só fez diversas modalidades que a Faculdade possui. Sendo assim,
estabilidade conferia uma segurança no sentido de que festa” – esteve à frente da organização, em 2007, do I a Diretoria de Esportes da AAA procura incessantemente
apenas uma Reforma Estatutária, processo lento, seria Seminário de Direito Desportivo da AAA FDUFMG, contando quadras disponíveis para aluguel, no período da noite ou
capaz de modificar as Diretorias do Centro Acadêmico. com a ajuda valiosa de outros membros da gestão. O aos sábados, para que as equipes se preparem, com a ajuda
Dessa maneira, a redação era ideal ao remeter-se ao Seminário foi, em Minas Gerais, o primeiro evento desse de técnicos profissionais remunerados de cada esporte,
Estatuto. Após essa exposição feita pelo Representante porte a abordar o Direito Desportivo, área jurídica que para a disputa dos torneios universitários nos quais a
Discente, que não teceu comentários com relação ao inciso nunca antes havia adentrado a Vetusta Casa de Afonso Atlética se inscreve. No primeiro semestre de 2009, a AAA
que tratava da AAA, um professor comentou: “já da Pena. Um público excelente compareceu às cadeiras do consolidou uma parceria com o Colégio Santo Antônio, na
Atlética podemos esperar qualquer coisa, daqui a pouco o Auditório Maximum Alberto Deodato, que teve o privilégio qual o ginásio da escola estaria à disposição das equipes em
cantor da Charanga vai estar querendo ACG!”. Mais uma de receber Auditores (Juízes) do Superior Tribunal de determinadas datas. Em contrapartida, a Atlética
vez, risadas de todos os presentes. O aluno ficou calado. Justiça Desportiva (STJD) do Futebol, Procuradores do promoveu palestras de professores e alunos da Faculdade

“Exautivas reuniões semanais de


“Esse é o preconceito de quem não pautas intermináveis, sacrifício de “É fato notório que grande parte
sabe diferenciar isso de um grande parte do tempo livre, que do corpo docente e discente da
trabalho desgastante mas poderia ser dedicado ao estudo, Faculdade de Direito tem a
realizado com alegria e bom ao sono, à família, à vida pessoal. impressão preconceituosa de que
humor […]. Possivelmente, muitos Essa é a realidade daqueles que na Atlética não se trabalha com
órgãos da Universidade em geral participam de instituições como o seriedade, de que os membros da
seriam mais produtivos caso seus CAAP e a AAA. São pessoas que Atlética não tem muito o que
componentes empreendessem o abraçam uma ideia. São alunos fazer, de que seus projetos se
mesmo ânimo em suas atividades.” que acreditam. Sem exigir nada resumem a barulho e gandaia.”
em troca.”
9

de Direito no Santo Antônio, tendo como público-alvo o manhãs de sábado e domingo. No dia das finais, em que AAA já viajou até Pará de Minas mais de uma dezena de
Ensino Médio, de forma a aproximá-los de temas jurídicos, ocorreu a premiação, os integrantes da AAA estenderam vezes, só nos últimos meses, para reuniões com a
o que pode orientá-los em sua escolha para o Vestibular. duas faixas de protesto direcionadas à organização. É uma Prefeitura e outras deliberações com autoridades locais.
Realmente, organizar palestras a respeito de temas pena que alguns não considerem tudo isso trabalho. Trabalho duro? Logicamente, não.
importantes do Direito em outra instituição de ensino, de
Os Jogos Jurídicos são os maiores eventos esportivos e de Os Estatutos da AAA, em seu art. 2o, enumeram as
forma a possibilitar os treinos de nossas equipes, é
integração entre Faculdades de Direito no Brasil, que finalidades da associação, que envolvem basicamente
praticamente o mesmo que “só fazer festa”.
acontecem todos os anos, seja em âmbito regional, estadual atividades esportivas, seminários jurídicos e desportivos,
A Charanga busca uma melhora qualitativa a cada show, ou nacional. A Vetusta sempre tem a maior delegação de eventos sociais, atuação junto às demais associações
seja pela seleção de novos talentos no “Vetusta Idol”, seja Minas Gerais e uma das maiores do Brasil, mesmo sem que a atléticas e ações de saúde. Ante os estatutos da associação
pelos exaustivos ensaios às quintas-feiras e aos sábados, ou AAA receba praticamente nenhum apoio da Faculdade, nem e as informações expostas nesses últimos parágrafos,
até mesmo pela contratação de um especialista em contribuição dos alunos, diferentemente do que acontece indaga-se: com relação aos fins precípuos da Atlética, seus
baterias de escola de samba para uma orientação em peso na Milton Campos ou nas faculdades de São Paulo,
membros trabalham de fato? Em qualquer gestão, seja da
adequada. Além disso, ela tem alegrado boa parte das por exemplo. Enquanto principal evento da Atlética, é
Atlética, do CAAP ou até mesmo do Poder Público, haverá
formaturas e pós-bailes das turmas da Faculdade, com impressionante a oportunidade de integração que os Jogos
aqueles que cumprem suas atribuições com afinco e haverá
apresentações cada vez mais contagiantes e uma postura geram, as amizades inter-períodos que surgem, amenizando
aquelas pessoas que não contribuem com o mínimo de
profissional que a torna ainda mais respeitada. E olha que o as dificuldades que a estrutura vertical da Faculdade impõe
esforço para a instituição da qual participam. Portanto,
“cantor” nem ganha certificado de ACG. nesse aspecto. Poucos são os que nunca foram competir,
seria uma generalização injusta dizer que todos os
torcer pelas equipes da Vetusta e curtir durante 3 ou 4 dias.
Já no segundo semestre de 2009, a AAA direcionou esforços membros da AAA exercem seu papel com dedicação. Sem
Para tanto, os integrantes da AAA deixam de se divertir na
para uma intensa campanha de divulgação. A ideia era embargo, os integrantes que efetivamente se preocupam
maior parte do tempo nos Jogos para coordenar as
mostrar aos estudantes a importância de representar a com os interesses dos associados e desejam zelar pela
atividades; acordam cedo para ser delegado de partida
Faculdade de Direito e a UFMG no esporte universitário. Em entidade, estes sim, realizam com louvor sua função.
enquanto as demais pessoas descansam; são obrigados a
função disso, o site da Atlética voltou a ser atualizado;
aguentar reclamações e a chamar atenção de alunos, muitas Alguém que passe em frente à sala da Atlética e veja seus
foram produzidos cartazes com cenas das equipes e da
vezes se indispondo ou até brigando com amigos; tudo para membros sorrindo, receptivos, pode pensar que o trabalho
torcida nos Jogos Jurídicos, vídeos para divugação dos
que a organização não desande. Ademais, eles perdem finais é fácil ou até mesmo que ele inexista. Esse é o preconceito
Jogos Jurídicos Mineiros 2009, cartilhas em multimídia
de semana em viagens para reuniões, passam noites em claro de quem não sabe diferenciar isso de um trabalho
para os calouros, além de banners e faixas. O respeito que a
preparando kits, despendem absurda quantidade de tempo desgastante mas realizado com alegria e bom humor, que
nossa Escola tem não se deve restringir tão somente à
em negociações de patrocínio, hotel, ônibus, uniforme, definitivamente não se trata de um lazer de deleite dos
qualidade do conhecimento aqui produzido e dos
camisas e brindes para a delegação, enfim, dedicam-se ao próprios integrantes. Possivelmente, muitos órgãos da
profissionais aqui formados, mas também levar em conta a
máximo para que tudo aconteça. Será que cada indivíduo que Universidade em geral seriam mais produtivos caso seus
projeção nacional das entidades representativas de seus
apenas compra seu pacote e se diverte em alguns dos componentes empreendessem o mesmo ânimo em suas
discentes, como a AAA e o CAAP. Vestir a camisa da Vetusta
melhores dias de sua vida imagina que os membros da atividades. Se a AAA possui, hoje, algum respeito, isso se
é motivo de orgulho para qualquer aluno.
Atlética tiveram que se dedicar dessa maneira? deve aos muitos alunos que sofreram esse tipo de
Nos meses de agosto e setembro, as equipes da Vetusta preconceito e mesmo assim batalharam em prol do
Em junho deste ano, a Atlética levou a Foz do Iguaçu uma
obtiveram excelentes resultados na IV Olimpíada crescimento e fortalecimento de uma entidade promissora
delegação de mais de cem pessoas para a disputa dos Jogos
Universitária da UFMG, disputada no Centro Esportivo na Faculdade de Direito da UFMG.
Jurídicos Estaduais do Paraná, evento para o qual a
Universitário (CEU). As equipes de vôlei masculino e feminino
Faculdade de Direito da UFMG foi a única faculdade Exautivas reuniões semanais de pautas intermináveis,
conquistaram a medalha de ouro, enquanto o futsal
convidada pela segunda vez consecutiva. Nossa equipe de
masculino conseguiu a prata. A organização do torneio, a sacrifício de grande parte do tempo livre, que poderia ser
futsal, em jogos eletrizantes, chegou à final, conquistando
cargo do CEU, foi catastrófica. A Olimpíada não possuia dedicado ao estudo, ao sono, à família, à vida pessoal. Essa
o vice-campeonato, em meio a quinze outras faculdades. É
qualquer espécie de regulamento, datas e horários de é a realidade daqueles que participam de instituições como
verdade, “da Atlética podemos esperar qualquer coisa”.
partidas eram modificados sem que os participantes fossem o CAAP e a AAA. São pessoas que abraçam uma ideia. São
avisados e obter informação pelo telefone do CEU era uma A Atlética tomou a frente na Liga Jurídica Mineira (LJM) e alunos que acreditam. Sem exigir nada em troca. Sim, é um
verdadeira via crucis. Citar todos essas falhas não é o está laborando de maneira incansável na organização dos trabalho voluntário, cuja recompensa está em ver o
objetivo deste texto, e o estenderia em demasia. Vale Jogos Jurídicos Mineiros de 2009, evento que ocorrerá de sucesso de nossos projetos e as consequências disso: a
ressaltar, contudo, que, apesar de todos os obstáculos que 30 de outubro a 2 de novembro em Pará de Minas. satisfação e o reconhecimento por parte de nossos
se apresentavam, os membros da Atlética se desdobravam Aproximadamente 1/4 dos alunos da Faculdade estará representados, bem como a contribuição para nossa
para auxiliar os atletas, comparecendo ao CEU, muitas presente, competindo nas diversas modalidades ou formação pessoal. Cumpre ao leitor avaliar se isso é ou não
vezes antes de sua abertura, às 8h da manhã, em todas as torcendo pelos atletas. A Diretoria de Relações Públicas da trabalho duro.

“O respeito que a nossa Escola


tem não se deve restringir tão
“O aluno respondeu: 'sim, eles
“Quem sabe as realizações da somente à qualidade do
cumprirão o prazo. Ao contrário
AAA não estivessem tendo a conhecimento aqui produzido e
do que a maioria pensa, os
publicidade necessária para que dos profissionais aqui formados,
membros da Atlética trabalham
aqueles que debocharam da mas também levar em conta a
duro, e muito.' Novamente as
instituição soubessem o quanto projeção nacional das entidades
gargalhadas tomaram conta do
lutamos pela consecução de representativas de seus discentes,
recinto. Pela terceira e última
nossos objetivos.” como a AAA e o CAAP. Vestir a
vez o aluno silenciou.”
camisa da Vetusta é motivo de
orgulho para qualquer aluno.”
10

“Reforçamos que as opiniões sustentadas nos textos do Voz


Acadêmica são de inteira responsabilidade dos autores”
SOLTE A VOZ
DE UMA METÁFORA “Nos últimos anos, porém, um novo órgão passou a controlar cada vez mais as

funções de entrada de todo o sistema, em seus diversos níveis. Em outras palavras, a


A OUTRA:
entrada de professores, de pós-graduandos e de funcionários é, atualmente,
A PARTENOGÊNESE determinada por um subsistema específico. O nome desse novo subsistema e do

DO BOLISMO processo que ele desencadeou é bolismo e seus membros chamam-se bolistas.”

Jeferson Mariano Silva


do Direito, o bolismo o ultrapassou, atingindo e submetendo de saída é condição necessária, embora não suficiente, para
(Ex-aluno da Faculdade de Direito da UFMG) virtualmente todos os demais subsistemas. A última eleição a perpetuação do bolismo. Garantindo que a qualidade de
para Diretor é a expressão máxima disso. Terceiro, o bolismo seus membros não será avaliada nos concursos, o bolismo
é partenogenético. Ao controlar as funções de entrada, os vale-se do baixo nível das avaliações para titulá-los rápida e
Em 2006, tentei caracterizar o modo como se organiza a demais subsistemas renovam o conjunto do sistema, ao abundantemente. O resultado é a reunião crescente de
Faculdade de Direito da UFMG por meio de uma metáfora passo que o bolismo renova a si próprio. A cada geração de títulos e inépcia. Mais que isso: assegurando que seus
que, volta e meia, aparecia nos corredores mais antigos da entradas – leia-se: de concursos para professor e para a pós- membros sejam, no sentido exato do termo, absolutamente
Faculdade. A “Vetusta” seria um principado; cada graduação –, o bolismo se reproduz, tornando-se mais imbecis, o bolismo impede que eles entrem em outras
Departamento, um feudo; e as eleições, um simulacro para a agigantado e mais capaz de controlar, na geração seguinte, instituições. Por uma via, o bolismo força a Faculdade a
perpetuação quase hereditária. O propósito era mostrar, por ainda mais entradas. No limite, o bolismo tende a sobrepor- reproduzi-lo; por outra, o bolismo se obriga a se reproduzir.
meio do absurdo, o caráter da “escolha” do Diretor. O se ao conjunto do sistema, à Faculdade de Direito.
vocabulário adequado ao mundo feudal ajudou a descrever, Os estudantes de graduação aliciados pelo bolismo mediante
num contexto supostamente democrático, a combinação Agregados, os resultados dessas características deixam claro bolsas de iniciação científica e mesmo os pós-graduandos
entre votação de cartas marcadas, atraso intelectual, que o bolismo se disseminou pela Faculdade, subjugando incautos talvez não tenham em mente que a facilidade com
fragmentação acadêmica, provincianismo e conformismo. suas partes e seu conjunto e fazendo dela o seu órgão de
que eles alcançarão os píncaros da titulação acadêmica será
No entanto, para analisar um organismo específico da auto-reprodução. Nessa autopoiese (para usar a linguagem
igual e oposta à dificuldade que terão para serem
Faculdade, não seria suficiente caracterizá-lo como uma que os bolistas balbuciam), o bolismo se fortalece na mesma
minimamente úteis fora do bolismo. E essa inconsciência ou
espécie de reinvenção da idade das trevas. Sugiro, pois, uma proporção que a Faculdade se debilita.
insensatez conduz ao último problema que quero abordar.
nova metáfora.
O propósito desse texto é renovar uma
A Faculdade de Direito da UFMG, tal como os avaliação anterior, adicionando-lhe um novo
organismos biológicos, é um sistema aberto. “Em geral, o nível de exigência das avaliações dos componente. Além da nova metáfora, esse
Com isso quero significar três coisas: (a) que texto traz de novo o reconhecimento de que
ela consiste na reunião de um número de alunos é fraquíssimo, de tal modo, que sair do sistema
não se trata mais de construir uma alternativa
determinados membros; (b) que essa reunião com um grau qualquer, de bacharel, mestre ou doutor é eleitoral para a Faculdade de Direito. Nesse
se subdivide em subsistemas ou órgãos,
tarefa fácil. O difícil (para alguns) é entrar.” campo o bolismo triunfou de forma
cabendo uma função específica a cada um
retumbante. No entanto, é preciso que o
deles; e (c) que o conjunto do sistema se
sistema aberto reaja a seus parasitas. As
mantém por meio de funções de saída e de “No limite, o bolismo tende a sobrepor-se ao conjunto
condições para uma ação desse tipo são dadas
entrada. do sistema, à Faculdade de Direito.” pelos mesmos mecanismos mencionados até
Esta última função é exercida em diversos aqui. O crescimento do bolismo não se faz sem
níveis e, num deles, determinada contradições. O controle das entradas
exclusivamente pelo ambiente: a entrada de estudantes na Até aqui, procurei descrever como o bolismo cresce significa, necessariamente, tanto a inclusão de bolistas
graduação é controlada pelas regras do vestibular. Nos controlando as funções de entrada do sistema. É isso, como a exclusão de não bolistas. Estes, no entanto,
demais níveis, a função de entrada é controlada, de forma inclusive, que distingue seu modo de ser. Sucintamente, a permanecem no ambiente como possíveis agentes externos
mais ou menos autônoma, por órgãos internos: a entrada de Faculdade é um organismo parasitado por outro, colocado de desestabilização. O controle das saídas, por sua vez,
professores é controlada pelos departamentos; a de pós- em função dele. O que o bolismo rouba da Faculdade de condiciona a rapidez da expansão do subsistema parasitário
graduandos, pelo Colegiado de Pós; e a de funcionários, pela Direito são pessoas. E – isto é crucial – o mal que ele lhe e, pelo mesmo caminho, determina a sua inconsistência.
Diretoria. Todos esses subsistemas interagem nesses diversos impõe é a manutenção dessas pessoas no conjunto do Numa palavra, o bolismo se expande na mesma medida que
níveis, cabendo à Congregação o controle central. São como sistema. A entrada das pessoas que o bolismo coopta é fenece. E, por fim, a expansão do bolismo supõe a existência
as atividades de nutrição do sistema. artificialmente garantida por meio de favoritismo, de outros subsistemas sujeitados a ele. Estes são os únicos
nepotismo e outras feridas abertas no sistema. Esse ponto capazes de iniciar uma reação que, explorando as
Nos últimos anos, porém, um novo órgão passou a controlar
suscita outro: a necessidade de controle também das debilidades inerentes ao bolismo, possa conquistar apoio
cada vez mais as funções de entrada de todo o sistema, em
funções de saída. externo e, assim, trabalhar para a restituição da saúde do
seus diversos níveis. Em outras palavras, a entrada de
professores, de pós-graduandos e de funcionários é, Tal como a função de entrada, a função de saída é exercida sistema. Nesta condição estão os estudantes de graduação,
atualmente, determinada por um subsistema específico. O em níveis distintos, sendo que, num deles, o exercício da uma vez que sua entrada não é e nem pode ser controlada
nome desse novo subsistema e do processo que ele função de saída consiste em não exercê-la: não há pelo bolismo, e, também, alguns professores.
desencadeou é bolismo e seus membros chamam-se bolistas. mecanismos de saída para os professores a não ser a
A natureza da reação que se espera desses subsistemas é
aposentadoria3. Nos outros níveis, a função de saída é
Em primeiro lugar, o bolismo, ao contrário dos política, mas não chega a ser eleitoral. O desafio é a
controlada pelos professores por meio de suas avaliações
departamentos, do Colegiado de Pós e da Diretoria, não usa excelência. Estudantes e professores que se orgulham dessas
particulares ou por meio de suas avaliações em bancas.
as funções de entrada como mecanismos de manutenção e condições não têm alternativa, salvo a insensatez, diante do
Quanto aos funcionários, a saída é determinada pela
nutrição do sistema. À medida que avança, o bolismo bolismo: estão obrigados a combatê-lo a cada vez que abrem
conveniência truculenta do bolismo.
debilita o conjunto do sistema, sugando dele aquelas um livro. Suas funções próprias implicam esse combate e a
pessoas que lhe poderiam ser úteis. Segundo, o bolismo se Em geral, o nível de exigência das avaliações dos alunos é ameaça que a Faculdade sofre na próxima avaliação da
disseminou por outros subsistemas, reorganizando-os fraquíssimo, de tal modo, que sair do sistema com um grau CAPES pode acentuar essa contradição. Nessa oportunidade
segundo sua própria imagem. Tendo nascido no qualquer, de bacharel, mestre ou doutor é tarefa fácil. O talvez seja possível sussurrar a história concreta do bolismo:
Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo difícil (para alguns) é entrar. Essa “fluidez” dos mecanismos ascensão e queda.
11
VOZ CIENTÍFICA
em que se destacaram Descartes (DESCARTES: 2004, 44/45 e 54) propõe com sua tópica critérios argumentativos de controle
O DESENROLAR e Hobbes (HOBBES: 2004, 113).
Nesse contexto, a ordem moral a que o direito positivo deve
do conteúdo do Direito positivo baseados no convencimento
dos envolvidos (VIEHWEG: 1964). Dworkin também desenvolve
corresponder não é mais revelada por Deus, mas é acessada uma teoria, na qual a interpretação sistemática e socialmente

DO FUNDAMENTO por cada homem pela razão inerente a todos, que leva a uma
elaboração universal e justa, a partir de observações
contextualizada integra o ordenamento jurídico, concebendo
os princípios como gabarito para decisões judiciais,
empíricas ou da dedução racional. A Escola do Direito Natural controlando-as materialmente (DWORKIN: 2007).

DE VALIDADE e das Gentes, em suas nuances e indecisões, que pela


brevidade desta abordagem não serão tratadas, fundamenta a
Pouco após e sobre essa influência, o esforço doutrinário de
alguns autores em apresentar um critério de controle do
validade do Direito em sua concordância com a razão conteúdo do Direito positivo, acabou por consolidar nova

DO DIREITO individual e natural dos seres morais, desde Grotius e


Pufendorf até Montesquieu (GOYARD-FABRE: 2002, 57/58).
Essa corrente apresentava crescente racionalização e
forma de fundamentação da validade do Direito, não mais
material ou meramente formal, mas procedimental. Muito
embora, já em Kant se possa identificar um precoce caráter
Robert Steven Vieira Taves secularização do Direito, que era tratado como proveniente procedimental na fundamentação do direito, visto que o
do homem e forte argumento de anteposição às autoridades imperativo categórico, como teste de universalidade das
(Participante do Grupo de Estudos “Método na Ciência do condutas propostas, é procedimento que determina limites
absolutistas, segundo Locke (LOCKE: 1973, 92), Rousseau
Direito”, orientado pelo Prof. Dr. Alexandre Travessoni Gomes materiais às ações (TRAVESSONI GOMES: 2008, 297). Essas
(ROUSSEAU: 71/73) e outros.
e pela Profa. Dra. Mônica Sette Lopes) teorias procedimentais, como as denomina Travessoni Gomes,
Deflagrada a Revolução Francesa e demais revoluções
liberais, seguiu-se subsequente esforço legislador das surgem como revisão do positivismo relativista, propondo um
A fundamentação da validade do direito, ao longo da história, codificações para consolidar os direitos revolucionariamente critério de validade que não seja material, mas que permita
como bem sustenta Travessoni Gomes, passou do fundamento conquistados e trazer cientificidade ao direito, conforme um controle da legitimidade do conteúdo das normas.
material para o formal e, finalmente, para uma fundamentação Thibaut (STERN: 1970, 10/11) ao disputar com Savigny. Com Nessa corrente, destacam-se por sua influência a Teoria da
procedimental (TRAVESSONI GOMES: 2008, 295/302). isso, entendia-se que o direito natural havia sido positivado e, Justiça de Rawls e a Teoria Discursiva do Direito de Habermas,
A fundamentação de cunho material da validade do Direito se não o foi totalmente, a concepção do legislador como um pelas quais diretrizes argumentativas devem ser atendidas na
entendia que a validade do Direito positivo decorre de sua conjunto de homens racionais atribuiria à lei positiva a aplicação e na elaboração das normas jurídicas. Essas
concordância com uma ordem moral natural. Essa autoridade da natural, nos termos antes formulados por Locke diretrizes, com isso, compõem a forma e, por outro lado, ao
fundamentação só se sustentaria em uma sociedade de (LOCKE: 1973, 92) e Rousseau (ROUSSEAU: 71/73 e 77). pré-fixar critérios de convencimento, permitem o controle do
extrema homogeneidade moral, marcada pela comunhão de Ademais, a expansão das relações comerciais e humanas conteúdo do Direito positivo.
crenças, costumes e visões de mundo em níveis que permitem decorrentes do imperialismo europeu, bem como a Rawls concebe o Direito em função da realização da justiça
sua imposição a todos os membros dessa comunidade jurídica. redistribuição do poder econômico e político com as como equidade na promoção da igualdade de oportunidades
revoluções industriais e liberais, prejudicaram a entre os cidadãos e propõe que essa orientação seja
Os gregos atribuíam a essa ordem moral um caráter
homogeneidade moral pressuposta pelo fundamento de transposta para a relação entre as partes envolvidas na
cosmológico, devendo o direito positivo, para ser válido,
validade material do Direito. formulação e aplicação do direito positivo. Sob essa
corresponder à ordem natural do universo presente e atuante
A sociedade contemporânea, caracterizada pela diversidade, orientação e partindo dos valores e ideais normalmente
sobre todas as coisas, inclusive sobre o homem. Construção
pelo individualismo, pelo relativismo filosófico e pelo prevalecentes seria possível alcançar no caso o que denomina
mítica dessa ordem, caracterizada pela identificação de
pluralismo normativo, já não comportava mais um de “consenso por coincidência parcial” (GOYARD-FABRE:
divindades em fenômenos naturais, resta claramente retratada
fundamento material. Daí, a manutenção de tal fundamento 2002, 311/317).
na Antígona, de Sófocles. Nela a protagonista sustenta que o
decreto real só teria validade se não fosse contrário às sagradas representaria a imposição da moral compartilhada por alguns Habermas, a seu turno, elabora uma Teoria do Discurso que,
leis dos deuses, próprias da natureza humana (SÓFOCLES: 1991, sobre outros, o que é inaceitável no contexto histórico- fundada na idéia de ação comunicativa, concebe e analisa o
214/215). Platão faz uma formulação idealista desse direito político contemporâneo. Por isso, a perspectiva de uma discurso prático, próprio da moral e do direito. De forma que
natural, como idéia cosmológica existente por si mesma e à qual fundamentação material foi gradualmente abandonada após a somente a busca pela maximização do alcance das condições
todas as coisas por natureza se referem, inclusive as leis Revolução Francesa. ideais de universalidade no discurso de produção e aplicação
(PLATÃO: 2004, 255 e 319). Para Aristóteles, esse direito A superveniente proposta de fundamentação do Direito do direito pode fundamentá-lo. Essa concepção influenciou
também proviria da natureza das coisas, como tendência apresentaria, então, caráter formal com o legalismo do século vários teóricos do direito que propuseram teorias da
natural, identificada por prudência nas várias manifestações XIX e, após, com o positivismo relativista do século XX. Ela argumentação que permitissem um controle da legitimidade
físicas das coisas e relações sociais (ARISTÓTELES: 2004, 247. baseava-se no reconhecimento de uma autoridade e na material das decisões judiciais sem comprometer o caráter
ARISTÓTELES: 2002, 167/170). necessidade de manutenção de uma ordem social, seja ela qual formal da validade do direito, o próprio Habermas também
for, como função do Direito. Atendia, também, a uma ânsia de adentra na questão posteriormente. Dentre os autores
A ascensão do Império Romano não alterou profundamente o
cientificidade que, por inspiração do positivismo filosófico, influenciados pelo filósofo, destacam-se, na discussão do
fundamento de validade do Direito, conservando o caráter
buscava objetividade na lei como posta no mundo sensível. fundamento do Direito, Alexy e Günther.
cosmológico. Em Cícero, a lei positiva tem sua validade
condicionada a sua correspondência com as leis naturais O legalismo restringia a interpretação quase a um processo
ditadas pela reta razão, pelo espírito do homem que vive com autômato de desvelar um significado objetivo incutido na Referências Bibliográficas
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como
retidão (GOYARD-FABRE: 2002, 34). letra da lei. É o que preconizava a Escola da Exegese de teoria da fundamentação jurídica / tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva / revisão
Demolombe, a doutrina analítica de Austin e teoria da técnica e introdução: Claudia Toledo. 2ª edição. São Paulo: Landy, 2005.
O declínio do Império Romano do Ocidente, as invasões ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco / tradução Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2002.
Herrschaft de Jellinek, obstinados na autoridade do Estado e
bárbaras, a estruturação feudal do continente europeu, a _________. Política. In: Aristóteles. Coleção Pensadores. São Paulo: Editora Nova
na discricionariedade daquele que formula leis, em especial Cultura, 2004.
distribuição pulverizada do poder bélico, econômico e
esta última corrente (GOYARD-FABRE: 2002, 73/74). DESCARTES, René. Discurso do Método / tradução Enrico Corvisieri / in Descartes.
político, bem como o feudalismo, fragilizaram o Estado. Coleção Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 2004.
Inevitavelmente, o Direito foi apropriado pela Igreja Católica, A proposta legalista para a Ciência do Direito, em seu DWORKIN, Ronald. Levando Direitos a Sério / tradução de Nelson Boeira. 2ª edição.
que pela culpa e quase monopólio da produção científica e formalismo, não implicaria, de fato, na imposição moral de São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GOYARD-FABRE, Simone. Os Fundamentos da Ordem Jurídica / tradução Cláudia
artística tornou-se hegemônica. O Direito medieval, de uns sobre outros. Contudo, o aspecto que conformava o Beliner / revisão Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
orientação precipuamente canônica, também manifesta um positivismo à sociedade contemporânea era também o maior GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e
desafio que ele enfrenta na prática jurídica, qual seja: a Aplicação / tradução Cláudio Molz / introdução à edição brasileira Luiz Moreira. São
fundamento material de validade do Direito. Santo Agostinho, Paulo: Landy Editora, 2004.
em sua releitura de Platão e Cícero, propõe o Direito natural ausência de um critério que possa permitir o julgamento do HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. V. I e II.
como idéia racional de uma lei de retidão emanada de Deus e conteúdo do direito positivo. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio De Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
HART, Herbert. L. A. O conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
manifesta nos homens, da qual a lei positiva deve provir (SANTO Essa dificuldade já se percebia no positivismo relativista do HOBBES, Thomas. Leviatã / tradução João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da
AGOSTINHO: 2004, 89). São Tomás de Aquino toma Deus como século XX, em que tanto a regra de reconhecimento de Hart Silva. Coleção Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultura, 2004.
criador de tudo o que é, de forma que também a justiça e as leis KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito / tradução João Baptista Machado. 6ª edição.
(HART: VIII) quanto a norma fundamental de Kelsen (KELSEN: São Paulo: Martins Fontes, 2003.
devem se conformar a Ele para serem verdadeiras. Assim, Deus é 2003, VIII) são propostas de fundamentação que não LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil / tradução E. Jacy Monteiro /
a medida das leis positivas que ao intelecto divino devem conseguiam evitar e admitiam a discricionariedade do juiz ao in Locke. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril, 1973.
PLATÂO. A República / tradução Enrico Corvisieri. Coleção Pensadores. São Paulo:
convergir (TOMÁS DE AQUINO: 2004, 254/256). aplicar o direito no caso concreto. Posição que se extrai da Editora Nova Cultura, 2004.
O renascimento do comércio, o mercantilismo, a descoberta menção feita a uma textura aberta do direito pelo primeiro ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social / tradução Antônio de P. Machado.
autor e a referência do segundo a uma indeterminação da Coleção Universidade. Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint.
da América, o aumento da concentração populacional urbana, a SANTO AGOSTINHO. Confissões in Santo Agostinho. Coleção Pensadores. São Paulo:
reforma protestante, dentre outros tantos acontecimentos, aplicação de normas gerais a casos concretos. Mantém-se, Editora Nova Cultura, 2004.
culminaram no absolutismo como resgate do Estado. Surgia a destarte, o estrito formalismo e, consequentemente, a SÓFOCLES. A Trilogia Tebana / tradução Mário da Gama Kury. 2ª edição. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
burguesia como classe social detentora dos recursos econômicos ausência de um critério de controle da legitimidade do
STERN, Jacques (organizador). Thibaut y Savigny: la codificacion / tradução Joi Daz
e que recorria ao monarca para se opor à iniciativa eclesiástica conteúdo do Direito positivo. Garcia. Madrid: Aguilar, 1970.
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica / tradução Alexandre Correia / in Tomás de
de manutenção da ordem social e política medieval. Associado a Ainda no século XX e quase concomitantemente ao Aquino. Coleção Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultura, 2004.
isso, as concepções filosóficas do recente Estado-nação seguiam amadurecer do positivismo relativista, novas propostas TRAVESSONI GOMES, Alexandre. Fundamentação do Direito e Argumentação
orientação antropológica, concebendo a cognição e a justiça teóricas pretendem suprir a falta de um critério de controle Jurídica: a proposta de Alexy. In: O Fundamento do Direito: estudos em homenagem
ao Professor Sebastião Trogo / org. Nuno Manuel Morgadinho. Rio de Janeiro: Freita
como elaborações da razão própria da natureza de cada homem, do conteúdo do Direito positivo. Viehweg, nesse intuito, Bastos, 2008.
12
VOZ CIENTÍFICA
AS LEIS ANTITABAGISMO BRASILEIRAS:
UMA ANÁLISE DE SUA CONSTITUCIONALIDADE SOB A ÓTICA DO CONCEITO DE NORMA GERAL
Davi Madalon Fraga

I – Breve histórico do tabaco e do tabagismo Fazê-lo no presente caso é de suma importância para que se limites aos poderes legislativos dos Estados, Distrito Federal
Os primeiro registros históricos do uso do tabaco apontam entenda o que a posteriori neste artigo pretende-se analisar, e União no que diz respeito à competência concorrente: (a)
povos primitivos latino-americanos como os “descobridores” a saber, as legislações estaduais em vigência e em sobre os temas que prevê o art. 24, a União deverá criar
de tal elemento. Utilizavam-no de maneira medicinal em tramitação sobre o tema. apenas normas gerais; (b) os Estados e Distrito Federal terão,
seus ritos e cerimônias em conjunto com outras substâncias A meu ver, o tabagismo engloba dois assuntos dentre os sobre a competência da União, competência suplementar,
vegetais. vários elencados nos incisos dos arts. 22, 23 e 24 da isso é, de elaborar normas particulares que complementem
Constituição da República que tratam de competência o sentido das normas gerais nacionais; (c) para os casos em
No início do século XVI, com a invasão das Américas pelos
legislativa. São eles: amparo à saúde, é dizer, prevenção de que não houver norma geral nacional, os Estados e Distrito
europeus, levaram os espanhóis, em suas embarcações, tal Federal terão capacidade plena para legislar sobre a
possíveis malefícios e doenças causados pelo cigarro que, se
substância até o antigo mundo. Na Europa, foi utilizada de matéria, e; (d) as normas gerais de autoria da União
de fato ocorrerem, serão de responsabilidade do Estado
diversas maneiras: a priori, pelos ingleses, em cachimbos; e, suspenderão a eficácia de normas estaduais, se estas lhe
também tratá-los; e possíveis danos causados ao meio
posteriormente, na França, na forma do rapé, que forem contrárias.
ambiente, por meio da emissão de gases tóxicos, e aos
salvaguardado o entendimento que se tem de tempo e de
consumidores, sejam eles os do próprio cigarro, ou os Entendida a importância de se indicar quais seriam as
velocidade da informação à época, rapidamente tornou-se
usuários dos ambientes que são freqüentados também por normas gerais da lei que estudamos, façamo-lo, posto
conhecido naquele continente por trazer alívio a crises de
fumantes, e que, por conseqüência, acabam por inalar, outrora que não interessa ao presente artigo as normas que
enxaqueca. Na Espanha, criaram-se os primeiros charutos e
desmotivadamente, as substâncias tóxicas dos cigarros, os dizem respeito às formas de publicidade de cigarros e afins.
por lá se deu início à moda, que perdurou por séculos, de se
chamados fumantes passivos.
fumar no intuito único e exclusivo de ostentação, de Examinada a lei, entende-se por geral o art. 2º que diz: “É
demonstração de noblesse. Tais situações encontram-se no art. 24, nos incisos VIII e XII, proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos
que trata de competência concorrente entre União, Estados ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do
Somente em 1840 é que se verificam os primeiros relatos do e Distrito Federal para elaboração de leis. tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em
uso do cigarro no formato em que hoje é conhecido. Já nesse
A doutrina nos mostra que a competência legislativa área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente
momento, não se percebe mais sua utilização com
concorrente há de ser exercida, como o próprio nome já isolada e com arejamento conveniente.” (grifo nosso)
finalidades terapêuticas, mas para saciar desejos e
demonstra, concomitantemente por União e pelos Estados Concluímos, pois, até o presente momento, que qualquer
prazeres. Seu uso disseminado, todavia, há de ser verificado
ou Distrito Federal, na medida em que a União elabora norma estadual que contrarie o exposto no art. 2º dessa lei,
com o fim da Segunda Guerra Mundial.
normas gerais e os Estados e Distrito Federal normas mais há de ser considerada inconstitucional, por ferir o §4º do art.
Vale dizer que o maior publicitário da indústria do tabaco foi setorizadas e regionalizadas para os casos específicos em 24 da Constituição da República.
Hollywood, que exibia em suas películas grandes heróis, que, de forma geral, legislou a União. Vale ressaltar que
galãs, mocinhos, mocinhas e beldades ostentando cigarros, qualquer norma estadual, de matéria de competência
de modo a disseminar a moda pré-citada originada na concorrente dos entes federados citados, não pode VI – Das leis “antifumo” paulista e fluminense, gaúcha e
Espanha. contrariar as normas gerais estipuladas pela União, sob pena mineira
A partir de 1960, entretanto, publicados os primeiros de ser considerada ilegal e, portanto, perder sua validade. As leis sancionadas nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro,
estudos científicos sobre os malefícios que o cigarro poderia Aplicando-se, destarte, o tema estudado ao conceito além de terem sido de iniciativa do Governador de cada
causar à saúde é que o cigarro começa a ser enxergado de explanado, entendemos que tanto União quanto Estados são Estado, têm outra semelhança que é a de terem seus textos
maneira diferenciada, tal qual o é nos dias de hoje, e que competentes para elaborar leis sobre o tabagismo. idênticos.
têm início as campanhas anti-fumo. Importante advertir, todavia, que as normas gerais propostas
Ambos trazem dispositivos que não só proíbem o fumo em
Devendo o Direito ser produto dos anseios sociais, vê-se pela União não poderão, de forma alguma, ser contrariadas
locais coletivos, como também vedam a criação de
iniciados no Brasil, em primórdios da década de 90, pela legislação estadual e por qualquer norma estadual dita
ambientes próprios para fumantes, o que contrasta de forma
manifestações e movimentos no sentido de limitar-se o individual.
clara e precisa com o texto da Lei Federal, sendo essas leis
consumo de cigarro por meio de legislações, até que, em formalmente inconstitucionais.
1996, aprovou-se a primeira lei que regula o uso de cigarro IV – Definição de norma geral Já na lei em vigor no Rio Grande do Sul não se verifica essa
em determinados lugares em nosso País. afronta ao §4º do art. 24 da CR, por quedar possível a criação
A distinção que há de ser feita entre norma geral e normal
individual, para que melhor se entenda o conceito que se de ambientes para fumantes (“fisicamente delimitados e
II – A legislação federal pretende neste caso aplicar, ultrapassa as definições de equipados com soluções técnicas que garantam,
Noberto Bobbio em sua Teoria della Norma Giuridica, em plenamente, a exaustão do ar desta área para o ambiente
A lei supracitada foi sancionada com o número 9.294, em 15
que diz-se geral a norma que apanha uma classe de sujeitos e externo”, art. 4º do PL 148/2009).
de julho daquele ano e tem, em primeiras linhas, dois
individual aquela que se volta para um único sujeito. O texto do Projeto de Lei que ainda tramita na Assembléia
objetivos: um, fazerem-se regulamentadas as propagandas
de cigarro e afins (tais quais cigarrilhas, charutos, Isso acontece porque, se o contrário o fosse, qualquer norma Legislativa de Minas Gerais parece-nos o que mais se adéqua
cachimbos), dentre outros produtos, e dois, limitar o seu uso editada pela União que obrigasse todos os entes federados ao corpo da Lei Federal, obedecendo aos critérios de
em ambientes fechados de uso coletivo. haveria de ser geral, por fazer de sujeito mais de um único constitucionalidade, por dois aspectos básicos. O primeiro
indivíduo, a saber, todos os Estados e Municípios. Entretanto, deles, por estabelecer, tal qual estabelecido na lei gaúcha, a
Os dispositivos dessa lei incluíram, dentre os locais em que
não é dessa maneira, em um federalismo, que a norma dita possibilidade de criação de área própria para fumantes,
se restringiu o fumo, os aviões, repartições públicas,
geral deve ser entendida. obedecidos os requisitos de isolamento total desse ambiente
hospitais, postos de saúde, salas de aula, bibliotecas, salas
Norma geral deve ser entendida por aquela norma que, e garantia da exaustão de ar dessa área para a área externa.
de cinema e de teatro. Em grande parte desses locais, até
editada pela União, haverá de ser adaptada aos territórios O segundo, por excluir da definição de ambiente fechado
então, se era permitido fumar, havendo ou não área
de cada Estado e do Distrito Federal (para o art. 24) aqueles em que haja “superfícies abertas em pelo menos um
exclusiva e reservada a fumantes.
conforme suas especificidades. Ou seja, qualquer norma de seus lados, cobertas ou não, ainda que delimitadas em
A lei ainda estabelece que, em alguns desses locais, será formulada pelo Congresso Nacional, que englobar tema do seus contornos”.
permito o uso de substância fumígenas, desde que em área art. 24 da CR, sendo geral, deverá deixar espaços para que o
reservada exclusivamente a esse fim, com isolamento e legislador estadual ou distrital adapte tal lei às suas
arejamento devidos e convenientes. VII – Conclusão
especificidades locais.
O maior enfoque da legislação, entretanto, dar-se-á às formas Muito embora entendamos ser de grande importância a
Norma geral, portanto, é norma principiológica, que
de publicidade que não serão analisadas no presente artigo. elaboração de leis que visem à proteção da saúde de cada
introduz balizas de determinados instituto, de modo que não
indivíduo, é mister que se o faça sem contrariar a legislação
Dois meses e meio após a publicação dessa lei, o decreto deve ser específica, muito menos minuciosa.
vigente e a constituição.
presidencial 2.018 traz limitações ao texto da lei, definindo
Concluímos, portanto, não pela mera ilegalidade das leis
cada um dos termos nela utilizados, e.g., recinto coletivo,
V – Normas gerais na Lei 9.294/96 antitabagismo paulista e fluminense, por contrariarem Lei
que exclui de seu conceito os locais abertos ou ao ar livre,
Como bem se verificou no ponto anterior, definir, em casos Federal, mas também por sua inconstitucionalidade por
ainda que cercados.
práticos que normas são ou não gerais é assaz subjetivo. estarem em desacordo com o §4º do art. 24 da CR.
Fazê-lo, entretanto, torna-se primordial para esta situação Entende-se, ainda, que o teor das leis gaúcha e
III – Da competência para legislar sobre o tabagismo específica, a partir do momento em que se verificam os mineira não só estão em acordo com o expresso na
Faz-se grande discussão doutrinária sempre que há de se parágrafos do artigo ora estudado, a saber, o art. 24 da CR. Constituição, como também atendem aos interesses de
apontar competência para legislar sobre tal ou qual matéria. Tais dispositivos (os §§1º, 2º, 3º e 4º) estabelecem quatro proteção à saúde pública.
13
VOZES QUE ECOAM
encontrar sua solução: nem More a tinha. É preciso entrar no pelos ares o continuum da história” (BENJAMIN, 1985, p. 231).
O AGORA É O jogo e ser capaz de imaginar por conta própria novas idéias
para uma sociedade política mais livre e justa. Essa sim é a
Daí, de uma concepção cairológica do tempo, é que emerge
a Utopia em toda sua força. O “agora” é o “lugar do não-
proposta de More: “Uma vez estimulada pelo aprendizado, a tempo”, a se tomar o tempo em seu sentido cronológico. É o

LUGAR DA UTOPIA
mente dos utopienses é maravilhosamente rápida em buscar oposto da razão indolente, que deixa passar as
as várias artes que tornam a vida mais agradável e oportunidades por se achar maior que elas. É preciso,
conveniente” (MORE, 2003, p. 76, tradução minha). portanto, “expandir o presente e contrair o futuro”
Dito em que sentido Utopia não é um projeto ingênuo e fadado (SANTOS, 2002, p. 239), seja dando visibilidade às
Luis Philipe de Caux à tirania, resta dizer por que também não é um projeto alternativas que já existem, mas que são produzidas como
descartável e por que ainda faz sentido se falar disso. inexistentes, seja fazendo emergir as possibilidades de
(Grupo de Estudos FLANAR – Direito, Utopia e Democracia)
Somente uma concepção empobrecida da temporalidade e mudança já inscritas na realidade social. Só assim o futuro
da história poderia sustentar a crença de que o presente deixará de ser visto como um tempo vazio para voltar a ser o
Lá se vão, a se completarem em novembro, vinte anos desde atual da humanidade é o cume do progresso humano. Como tempo do imprevisível, do possível, do plural.
o anúncio definitivo do fim das utopias, soterradas pelos afirma Boaventura Santos, “a compreensão do mundo e a É no presente que podem vir à tona as esperanças não
escombros do Muro de Berlim. A vitória do capitalismo foi forma como ela cria e legitima o poder social tem muito que cumpridas dos homens que passaram pela Terra, e é nesse
compreendida como o fim da história, a síntese última da ver com concepções do tempo e da temporalidade” sentido que a Utopia é assunto do passado. É por que suas
configuração ideológica mundial, o advento de uma era (SANTOS, 2002, p.239). A compreensão que o mundo esperanças ainda são, em grande parte, as nossas, que se faz
eterna de prosperidade e liberdade para os povos. A palavra ocidental tem hoje de si e de seu tempo é empobrecida necessário reacender o pensamento utópico. Não por que
“Utopia”, no mundo pós-89, ou perdeu o sentido de existir porque é manifestação de um pensamento do mesmo, da acreditemos que o mundo perfeito virá, mas por que, como
ou foi lançada ao descrédito. repetição, da continuidade, de um futuro que teria perdido More, Benjamin e Boaventura Santos, rejeitamos a
Não é mais um projeto necessário para aqueles que a capacidade de inovar. Além de obstruir o futuro, esse indolência conformista que crê tal coisa exista. Enquanto o
acreditam, de fato, que a nossa geração é a vanguarda do “pensamento indolente”, como o denominou Boaventura mundo não aprender a reconhecer a si próprio em sua
tempo, a ponta de um progresso implacável e em Santos (2002), ainda oblitera a alteridade que lhe é alteridade, ainda haverá Utopia: ainda haverá muros a
aceleração. Para estes, nosso mundo só não é o melhor dos contemporânea. Aos postular-se como a locomotiva do trem serem derrubados.
mundos possíveis porque o mundo de amanhã, certamente e do tempo, o Ocidente impõe, a contrário, que o que não é
independentemente de nenhum esforço, será ainda melhor, Ocidente e não compartilha seus valores e modo de vida é, ¹ Kairós é uma das palavras para designar o tempo. Enquanto chronos diz
embora muito pouco diferente. Ora, falar de Utopia não faz portanto, anacrônico. É a idéia de um tempo puramente respeito ao tempo enquanto fluxo linear e contínuo, kairós designa o
sentido nesse mundo: ela deixa de ser um ideal para ser um cronológico, “homogêneo e vazio”, nas palavras de Walter momento singular de uma iluminação, o momento oportuno de agir.
fato. Se a Utopia, do grego “ou” + “topos”, “lugar de Benjamin em “Sobre o conceito de história”, que subjaz a
nenhum lugar”, é posta em algum lugar, não pode mais ser esse pensamento indolente. Referências Bibliográficas
Utopia, mas realidade. Dirá Benjamin que “a história é objeto de uma construção ABENSOUR, Miguel. O novo espírito utópico. Campinas: UNICAMP, 1990.
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre
Para outros, “Utopia” não é mais um projeto desejável: é cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo
literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985.
uma ingenuidade e um equívoco. Estes fazem remontar a saturado de “agoras”” (BENJAMIN, 1985, p. 229). É no “agora”,
MORE, Thomas. Utopia. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
Utopia a Platão e sua República, e daí, em um passo, até o esse tempo da oportunidade, da liberdade humana que
SANTOS, Boaventura de Sousa. “Para um sociologia das ausências e uma
Estalinismo. Em razão da leitura literal de que fazem da obra confere a seus portadores a capacidade de inovar, rompendo sociologia das emergências”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63,
A Utopia, de Thomas More, veem o termo como a exigência uma continuidade, é aí que está a chave para “fazer saltar Outubro 2002. pp. 237-280.
material de uma organização social perfeita, ou
perfeitamente igualitária, o que seria impossível e, se
tentado, levaria ao autoritarismo. Ressuscitar a Utopia seria
apenas o primeiro passo para reerguer os muros que tanto
custaram a cair. Assim, a Utopia, do grego “eu” + “topos”,
O CINEMA NA CONSTRUÇÃO DO OLHAR JURÍDICO
“lugar bom”, “lugar da felicidade”, já provou na história que Sara Cardoso Vinhal
só pode conduzir ao totalitarismo.
Unanimidade no mundo jurídico: O ensino do Direito no emblemático nessa busca. Além de representar por si só um
Utopia é, então, uma coisa do passado? Soterrada, virou Brasil está em crise. Os indícios? De uma perspectiva mais olhar, é também o símbolo de um século cada vez mais
assunto de arqueólogos? À primeira pergunta, apenas em um concreta, os resultados cada vez mais alarmantes, tanto no voltado ao visual, à linguagem enquanto imagem – em
sentido pode-se dizer que sim: dele se tratará mais tarde. No exame da OAB, quanto nos concursos públicos para o contraste com o compromisso quase que exclusivo do século
sentido induzido pela segunda pergunta, só se pode replicar Judiciário e o Ministério Público. De uma perspectiva mais passado com a escrita. A experiência didática, assim, não
um enfático “não”. subjetiva, contudo, o fracasso em tal formação profissional pode desconsiderar tais modificações no âmbito da
Qual é, afinal, o lugar da Utopia, no fim da primeira década pode ser percebido pela 'cara' que o Direito tem para a linguagem e da expressão sob o risco de se tornar irrelevante
do século XXI? Seria preciso perguntar, talvez, a um homem sociedade. Pergunte ao trocador do ônibus e você terá a triste aos seus destinatários.
do século XVI. Thomas More, o cunhador do termo, foi um confirmação: Direito virou sinônimo de código e advogado, de
Um exemplo bem sucedido do uso didático do cinema é o da
grande humanista e um astucioso homem de letras. O técnico.
Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Nesta,
neologismo de More condensa três sentidos: outopia, E o que é pior: As instituições de formação jurídica do país desde 2005, é oferecido aos alunos, na forma de uma
udetopia e eutopia, respectivamente, “lugar de lugar parecem ter aderido em massa a esta visão, solidificando um atividade extracurricular eletiva, o contato entre o universo
nenhum”, “lugar de nenhum tempo” e “lugar da felicidade”. único modelo (lucrativo, mas ineficiente) de ensino e jurídico e o cinematográfico. Em seu livro “O Direito no
Com efeito, toda a obra A Utopia é um grande jogo de escrita transformando o aluno em um reles 'declamador de leis'. A Cinema”, o pioneiro de tal iniciativa, Gabriel Lacerda,
oblíqua, que, através de contradições e pistas deixadas de postura comumentemente adotada pelo mesmo é, aliás, pontua os resultados obtidos nessa matéria, dos quais se
propósito, ora confunde, ora previne o leitor a não levar o outro indicio da crise mencionada: têm-se estudantes pode destacar: A percepção do papel social da profissão
texto ao pé-da-letra. Basta se atentar para o nome do comprometidos com as notas, mas não com o ambiente (saindo dos estereótipos do advogado como “mocinho da lei”
narrador, Rafael Hitlodeu. “Hitlodeu”, mais uma das acadêmico, movidos pela iminência de status social e de um ou como “ator”), o distanciamento necessário dos simples
artimanhas literárias de More, é traduzível, do grego, por bom salário, mas não com sua efetiva participação na 'certos e errados' do senso comum, a predisposição à
“narrador de fábulas”. A Utopia não é um projeto de sociedade. Em uma palavra: desencantados. Falta, dessa absorção do conhecimento por meio da emoção
sociedade, um modelo ou um plano de constituição, como forma, no ensino do Direito, algo elementar: o proporcionada pelo cinema e, por fim, o desenvolvimento da
dar-se-ia a entender a quem lesse apenas seu Livro II. De encantamento em relação ao olhar jurídico. capacidade de expressão, poder de síntese e habilidade de
acordo com Abensour, é o Livro I d'A Utopia e seus demais argumentação. A confluência de tais resultados com os
Mas afinal, por que este olhar jurídico é tão importante e
paratextos que servem de chave de interpretação ao objetivos primordiais de todo e qualquer curso de formação
como desenvolvê-lo didaticamente? O olhar jurídico
conjunto da obra. Abensour argumenta que jurídica não são circunstanciais; indicam, ao contrário, a
significa, de maneira sintética, a observação da realidade e
“se consentirmos em trilhar os arcanos do caminho das relações sociais através das 'lentes' jurídicas. É, complementaridade existente entre cinema e Direito. A
moriano, A Utopia, na sua própria textura, não cessa de conforme afirma Solange Souto, “descobrir nos atos das Faculdade de Direito da UFMG, por sua vez, experimenta
trabalhar no sentido de persuadir o leitor de que “o desde o ano passado projetos correspondentes a tal
pessoas o sentimento de justiça”. Da mesma forma que o
verdadeiro livro de ouro” não é nem um plano, nem um
olhar artisticamente treinado de Picasso o fez reconstruir o metodologia, sendo estes: O “Projeto Direito em Tela” - no
modelo. Daí decorre, desde o início, um equívoco: o
crítico precipitasse sobre teses ou proposições padrão estético de sua época e o olhar arquitetônico de qual há a exibição de um filme escolhido, seguida por uma
doutrinais que pretende extrair diretamente do texto Niemeyer aproximou o exercício da arquitetura à inspiração mini-palestra e, posteriormente, por uma roda de discussões
[...] sem perceber que A Utopia é o fruto de um poética, o olhar jurídico é essencial para que o profissional – e o “Grupo de Estudos Direitos Humanos no Cinema” – com a
dispositivo textual propositadamente complexo, tenha consciência de suas reais possibilidades de ação na proposta de aprofundar as questões levantadas no primeiro.
armadilha que brinca com a vontade do leitor,
prática do Direito. Nas palavras de Joaquim Falcão: “Formar A utilização didática do cinema é ainda um diferencial
expondo-o permanentemente a um logro. Jogo sábio,
um professional é mais do que apenas incutir-lhe uma estratégico em um mercado saturado com quase mil
sutil, erudito, jogo aéreo de um humanista simples
como uma pomba porém sábio como uma serpente.” técnica ou saber. É, sobretudo, o desafio de conquistá-lo, de faculdades de Direito, no qual a existência de uma instituição
(ABENSOUR, 1990, p. 77) seduzi-lo a ver o mundo de determinada maneira. É torná-lo fica inevitavelmente condicionada ao que se pode oferecer de
cúmplice de um olhar”. novo. Talvez seja a mesmice, afinal, o cerne da crise do ensino
Daí, por não ter a mesma paciência e a mesma formação E é justamente para possibilitar a construção desse olhar que jurídico. Se assim for, a convergência do pluralismo didático e
humanística daqueles a quem More dirigiu sua obra, o a Dogmática do Direito deve se abrir às manifestações da inovação permanente na formação do olhar jurídico seria
homem do século XX e XXI não sabe mais ler o A Utopia, e, culturais e artísticas, buscando, em tal contato, a percepção não apenas uma solução razoável, mas também a mais rica e
consequentemente, tampouco o pensamento utópico. do “desafio da permanente inovação” característico das estimulante.
Vencer o jogo de ambigüidades d'A Utopia de More não é mesmas. O cinema, mais que qualquer outra manifestação, é Fonte: “O Direito no Cinema” de Gabriel Lacerda

O “Direito em Tela” acontece quinzenalmente, às segundas-feiras, às 15h, no 16o andar do prédio da Pós-Graduação. Estão todos convidados!
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VOZES QUE ECOAM
ENSAIO SOBRE “Será que ainda acreditamos que se morrendo
o bicho acaba-se a peçonha?”
A CEGUEIRA
Reflexões sobre o real Mediante outra, bem... o silêncio e a resignação calam o
sentimento de revolta, e como resultado, ficamos inertes
nesse sentido lato tudo é ideologia: a realidade é uma ficção
simbólica. Porém o processo de edificação simbólica é
por “só mais uma vez”. incompleto, a realidade nunca é a própria coisa “em si”, o
e o imaginário Na comparação entre literatura e realidade seguimos...
que pensamos ser um cachimbo não é o cachimbo “em si”.
Todo o resto, que a simbolização não consegue assimilar, é o
que chamamos de real (Lacan). Há, pois, uma linha tênue
Anelice Teixeira da Costa e Gustavo Fiche Outro trecho interessante do livro Ensaio sobre a Cegueira é o
entre o real e a realidade, entre ficção e não-ficção, e toda
que se refere ao estupro coletivo realizado pelos cegos de uma
(Participantes do Grupo de estuo e extensão Direito e Literatura) vez que se tenta deslocar essa fronteira, – estabelecendo-se
das alas do manicômio, que impuseram aos cegos das outras
uma relação numa não-relação –, estamos diante do sentido
alas a troca de comida condicionada a favores sexuais:
estrito de ideologia: deformação intencional do real; como
Durante horas haviam passado de homem em bem ilustra a alegoria da cegueira-branca. Dessa forma a
É comum escutarmos o paralelo feito entre a arte e a homem, de humilhação em humilhação, de ofensa realidade é ficcional, não só porque é uma construção
realidade. Contudo, apesar de familiarizados com tais em ofensa, tudo quanto é possível fazer a uma simbólica, mas também, e principalmente, por existir um
expressões e chavões, não nos voltamos para uma análise mulher deixando-a ainda viva.(...) Surdas, cegas, terceiro – o Estado, a Igreja, e, sobretudo hoje, o mercado –
profunda da plausibilidade e utilidade dessas aproximações caladas, aos tombos, apenas com vontade suficiente
interpondo entre o eu e a observância do mundo. Queremos,
feitas entre o real e o imaginário. para não largarem a mão da que seguia à frente
aqui, defender a possibilidade do real (não-simbólico) se
(...). Levantou em braços o corpo subitamente
Observemos os trechos abaixo: manifestar na literatura, expressão simbólica. A literatura,
desconjuntado, as pernas ensanguentadas, o ventre
O Governo lamenta ter sido forçado a exercer bem como o cinema, apontaria como uma experiência-
espancado, os pobres seios descobertos, marcados
energicamente o que considera ser seu direito e seu limite, de ares revolucionários, que desposa o sujeito da
com fúria, uma mordedura num ombro, Este é o
dever, proteger por todos os meios as populações na realidade, permitindo-lhes, então, aperceber-se das ilusões
retrato do meu corpo, pensou, o retrato do corpo de
crise que estamos a atravessar (...), e desejaria que os cegavam. Como o real não simbólico pode se
quantas aqui vamos, entre estes insultos e as nossas
poder contar com o civismo e a colaboração de todos expressar numa construção simbólica (literatura)?
dores não há mais do que uma diferença, nós, por
os cidadãos para estancar a propagação (...). A enquanto, ainda estamos vivas. 3 Segundo Lacan, o verdadeiro eu é inconsciente: “penso onde
decisão (...) não foi tomada sem sérias ponderações.
não sou, logo sou onde não penso”. Assim, o eu real – que
O Governo está perfeitamente ciente de suas
escapa à conformação social – é inconsciente. No processo
responsabilidades, e espera que aqueles a quem Além de triste, é doloroso ler o relato acima. Mais doloroso
ainda é saber que situações como essa ocorrem criativo há extravasamento dessas forças inconscientes,
esta mensagem se dirige assumam também , como
cotidianamente, não só com mulheres adultas, mas com bem no sentido de Blonchot, para o qual a literatura é a
cumpridores cidadãos que devem ser, as
parte do fogo de uma sociedade: é o lugar em que tudo que é
responsabilidades que lhes competem. 1 homens, crianças e idosos. Casos como o de Márcia
Constantino, 10 anos, que foi estuprada, morta e recalcado, tudo aquilo que uma cultura quer destruir, é
Meus companheiros cidadãos, nesse momento as
queimada4, são chocantes e comoventes, e deveriam despejado. Ora, o que a ideologia – sobremaneira – recalca é
forças de coalizão estão no estágio inicial da a impossibilidade da representação de uma coisa ser “a coisa
motivar ações que visassem impedir a reincidência de tais
operação militar para desarmar (...), libertar a em si”; o objeto é irrepresentável. Na produção literária
acontecimentos.
população e defender o mundo de um grave perigo. esse sintoma recalcado se revela nas entrelinhas da
Este é o estágio inicial daquela que será uma Contudo, o que se observa, é que os índices de abuso sexual e enunciação simbólica.
campanha ampla e planejada. A todos os homens e pedofilia continuam a subir5, em contraponto à nossa
mulheres das forças armadas (...) a paz de um percepção dos fatos, cada vez pior. Quem foi Márcia mesmo? Enfim, o real se exprime no imaginário da literatura, na
mundo tumultuado e a esperança de um povo medida em que esta opera uma experiência que permite ao
deprimido agora depende de vocês. Nós Virando a página, nos deparamos com outra situação sujeito se desposar da realidade, subjetiva e o objetiva,
defenderemos nossa liberdade. Nós traremos conflitante: pondo-o – ainda que virtualmente – fora das relações de
liberdade para os outros. E nós venceremos. Que (...) tão longe estamos do mundo que não tarda que poder (ideológicas); permite-o o enxergar pra além do mar
Deus abençoe nosso país e a todos que o defendem. 2 comecemos a não saber quem somos, nem nos de leite da cegueira-branca.
lembramos sequer de dizer-nos como chamamos, e
Bem, a maioria dos questionamentos levantados acima
para quê, para que iriam servir-nos os nomes,
Qual deles é real? Qual é fictício? Difícil identificar? partiu das discussões que ocorreram nas reuniões do Grupo
nenhum cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a
de Estudo e Extensão Direito e Literatura. No início desse
É impressionante como o segundo trecho, retirado do conhecer pelos nomes que lhe foram postos (...)
semestre, quando resolvemos estudar dois livros de José
discurso de George W. Bush, na época da segunda invasão do provavelmente é disso mesmo que eles estão à
Saramago, indicados pela Profª. Rosana Felisberto, – Ensaio
Iraque, aproxima-se do discurso feito pelo Governo aos cegos espera, que acabemos aqui uns atrás dos outros,
sobre a Cegueira e Ensaio sobre a Lucidez –, fazendo um
aprisionados no manicômio, personagens do livro Ensaio morrendo o bicho acaba-se a peçonha. 6
paralelo com a evolução do Estado Democrático, não
sobre a Cegueira, de José Saramago. O apelo à qualidade de tinhamos imaginado quão ricas seriam as análises
cidadãos dos indivíduos para justificar a adesão dos mesmos No livro é revoltante constatar que o Estado, representado estabelecidas entre o real e o fictício. Também não havíamos
à atuação estatal, o reforço às atitudes estatais como ações na figura do Governo, inicialmente responsável pela imaginado quão reveladora poderia ser a leitura de tais
pensadas e deliberadas cuidadosamente, a “divina” missão segurança e saúde de TODOS os cidadãos, despeja, em um livros: a literatura desmascara uma realidade tão palpável,
estatal de trazer a liberdade, a segurança e a paz são ambiente inóspito, vários indivíduos infectados pela que se posiciona a nossa frente, e que, contudo, não é vista
elementos comuns do real e do imaginário, que representam cegueira-branca. O que deveria ser um lugar para realização nem sentida; será que estamos cegos? Será a cegueira-
uma tentativa de manipulação grosseira da opinião pública da quarentena acaba por se tornar um lixão humano, onde branca? Será que não queremos ver?
para a legitimação de ações totalitárias e despóticas. são excluídos e descartados todos aqueles que ameaçam a
sociedade, ou melhor, ameaçam a maioria. Talvez sim, talvez não.
O mais impressionante, contudo, é a diversidade de reações
que situações tão próximas despertam em nós. Engraçado ainda é perceber que nossos presídios, cadeias, O desafio agora é interpretar e reagir à realidade, tão
manicômios judiciários, e até mesmo as favelas se próxima à ficção dos livros.
Mediante uma demonstramos nossa revolta, protestos,
assemelham bastante com o ambiente inóspito descrito no
pensamentos de justiça, necessidade de mudança! Ah... se
livro... será que ainda acreditamos que se morrendo o bicho 1SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira: romance. São Paulo:
fosse real... nem sei o que faria!!!
acaba-se a peçonha? Companhia das letras, 1995, p.49-50.
2 http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u53194.shtml
Assim, não parece existir uma fronteira clara entre a 3SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira: romance. São Paulo:
realidade e a ilusão. O real persiste no ilusório, e o ilusório na Companhia das letras, 1995, p.178.
Grupo Direito e Literatura
Reuniões: terças-feiras, no 8o andar da Pós-Graduação. realidade. Explico-me melhor. 4
http://brasilcontraapedofilia.wordpress.com/2009/09/23/reu-
Horário: 18 horas confesso-de-estupro-e-assassinato-natanael-bufalo-pode-pegar-
Neste semestre estamos analisando duas obras de José A realidade humana é, por excelência, simbólica (ficcional). mais-de-30-anos-de-prisao/
Saramago: O ser - humano ao ser lançado no mundo é apresentado a um 5 http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI3739808-
“Ensaio sobre a cegueira” e “Ensaio sobre a lucidez.”
O objetivo é relacionar as obras ao desenvolvimento do Estado
conjunto de pré-compreensões (topoi) pré-subjetivas que EI7896,00.html
Democrático. lhe permitirão, por exemplo, afirmar que um cachimbo é um 6
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira: romance. São Paulo:
cachimbo. É essa simbolização que constrói sua realidade; Companhia das letras, 1995,p.64.
15
VOZ CULTURAL
DA IRREFUTÁVEL Os aglomerados terão uma nova face, mais límpida e
perfumada. Toda máscara é uma nova face. As famílias se
dirigirão a um outro lugar. Outros bairros, talvez outras
e de outros planaltos estaduais ou locais. Logo será possível
que até mesmo a corrupção moral do país seja erradicada. E
tudo com a simples destruição de algumas favelas. Sim, elas
cidades. É sempre bom respirar novos aromas, enxergar precisam deixar de existir.
VERDADE outras flores. Tendo abandonado os antigos, farão novos
amigos. Distantes do local de trabalho, aprenderão novos
Ademais, não era isto o que sempre quiseram: moradia,
saneamento, transporte. Tudo isso virá. Mas será preciso
caminhos. É sempre bom marchar por outras vielas. Também suportar os ônus. É a natureza das coisas: o sacrifício de
DO PROGRESSO isso o progresso justifica. Não há problema se a nova face dos
aglomerados não será para a maioria dos que ali viveram.
alguns em prol do benefício de outros, sejam estes quem
forem. Uma geração que se imola em favor de uma outra que
Uma nova face precisa de novos sorrisos. Ainda que há de vir. Assegurar direitos fundamentais e ao mesmo tempo
Davi Francisco Lopes passageiros. Igualmente, não importa o insuficiente valor respeitar a diferença e reconhecer a favela como espaço
das indenizações e os boatos sobre possíveis especulações digno em sua especificidade? Não, isso não é possível, ainda
imobiliárias. Boatos são sempre boatos, tão falsos quanto que porventura alguém algum dia o pudesse querer. Não há
Este texto é totalmente sem sentido. Não parte de premissa
alguma, não possui nenhum objetivo e qualquer conclusão a qualquer outra verdade. como servir a dois senhores, e o Senhor da Guerra sempre
que chegue será mais por incompetência do que por mérito. Pode parecer estranha a escolha de certos aglomerados, em está do lado de quem vai vencer.
Não diz nada, pois tudo o que dissesse permaneceria como detrimento de outros, porventura mais necessitados. Mas Talvez fosse possível argumentar com Ronald Dworkin que os
silêncio. E por isso se cala. É contraditório, circular, confuso. isso não deve gerar questionamentos. O progresso também direitos fundamentais são trunfos diante de pretensões
Além disso, é atrasado. E como o tempo é sempre quem desenha não reconhece perguntas, sobretudo as mais simples. Se o políticas e que interesses majoritários, sejam eles quais
o contorno da verdade, ele não passa de uma grande mentira. conhecimento histórico da urbanização francesa poderia forem, não justificam o desrespeito a garantias de minorias.
Fato é que o progresso é aquilo que buscamos. Qualquer ajudar na compreensão de alguns dos conflitos atuais da Ou, quem sabe, recorrer a Habermas para criticar a ausência
filosofia que o negue deve ter por adjetivo o fracasso e por periferia parisiense, é preciso lembrar que a História nada de um processo legítimo e autônomo de deliberação,
pena o esquecimento. Caminhamos em direção a algum fim. tem a ensinar, que ela não passa de uma grande ilusão, uma dizendo que os supostos momentos e espaços de debate com
Não importa que não o conheçamos, a Filosofia da História o mentira que pertence sempre a quem a conta. a comunidade foram insuficientes e falaciosos, mais para
conhece. Quincas, o Borba, principalmente, mais que Hegel, As favelas precisam deixar de existir. É difícil conviver com justificar posteriormente as ações da Administração do que
Marx ou qualquer outro. E a advertência de que quando se elas. Estão no lugar errado, na época errada, no mundo para permitir uma adequada e livre formação da opinião e da
caminha sempre em frente não se pode mesmo ir muito errado. Como se não bastasse, possibilitam, estimulam e vontade. Mas Dworkin nem mesmo escreve pensando em um
longe é tão falsa quanto desnecessária. proliferam a incômoda arte de flanar. É necessário que não sistema jurídico como o do Brasil, e Habermas não passa de
existam. E se construí-las conceitualmente como não- um alemão alienado, que escreve difícil e a quem não resta
As favelas precisam deixar de existir. A autocompreensão
existentes já não funciona, o melhor é mesmo destruí-las. sequer o pessimismo nostálgico, poético e romântico da
normativa da sociedade contemporânea não as tolera. As
Assim se há de inviabilizar – embora isso não seja possível – Primeira Escola de Frankfurt.
cicatrizes incomodam quem as traz no rosto. Não sempre,
mas todas as vezes que se apresentam diante de um espelho. qualquer hipótese absurda como a de uma Sociologia das Ruínas são o que resta. Delas lentamente emerge uma poeira
O espelho reflete mais que a imagem e se localiza por detrás Ausências. Boaventura não passa mesmo de um português etérea que ofusca a luz do Sol. Ruínas, poeira e sombra são o
de uma cortina de arranha-céus. Por isso, às vezes não se indeciso entre a ciência e a poesia, nem cientista, nem que resta. Uma sombra que mantém o invisível e uma
deixa ver. A cegueira produz também o silêncio. poeta, e muito menos filósofo. camada fina de poeira que recai sobre os corpos amontoados
A violência chegará ao fim. As favelas são sua única origem. O entre barracões e destroços, retirando-lhes ao menos a
O Vila Viva abrirá caminhos. Os becos darão lugar a ruas, as
tráfico de drogas não mais será a afamada vedete de um preocupação de Antígona. Uma lágrima é o que resta.
ruas se tornarão avenidas e edifícios se alimentarão do
mesmo solo de onde brotavam barracos e casebres jornalismo hematófago. As favelas são sua única responsável Mas de nada adiantaria dizer. Pois o que fosse dito
desajeitados. Becos e casebres são imperfeitos. A estética - por ambos, aliás. As questões envolvendo a classe política continuaria como silêncio aos ouvidos a que se destina. O
também os condena. Que os barracos ao caírem soterrem também serão resolvidas. Afinal, os favelados, pobres e silêncio também é linguagem e o não-dito é sempre a única
sonhos e histórias, não tem muita importância. O progresso analfabetos, intelectual e culturalmente despreparados, coisa que se entende. E assim este texto se cala. Ele não
justifica tudo, inclusive ele mesmo, e não reconhece as mas a quem ainda assim é assegurado o direito de participar passa mesmo de uma grande bobagem. O que não é refutável
ruínas do passado nem os esquecidos à sombra das da democracia, são os únicos e verdadeiros culpados pela não é verdadeiro ou falso, é apenas dogma. E por isso o
vanguardas. Mesmo quando ruínas e sombra são o que resta. eleição daqueles que maculam a nobreza do Planalto Central progresso sempre se justifica.

AS PIRUETAS DO SOL seu juízo final? Ninguém pode. Nossas constatações são
baseadas em experiências e no milagre da escrita que
noite seguinte em que o dia não nasceu – pois que não há dia
seguinte se não há sol para separar uma noite de outra noite.
permite que nossas experiências sejam somadas a Nossas certezas são feitas de experiências, mas todas

E O LEGADO DE ADÃO experiências dos que já não podem falar e cujo reflexo ficou
inscrito no papiro, no linho, na celulose, ou, mesmo, nas
experiências são falhas. Samarago brinca “ e no dia seguinte
ninguém morreu” com sua verve caótica em que um evento
pedras. Eis o homem que morre para quem importa, para si, extraordinário implica em um caos social. Se o sol não
mas deixa no mundo o vestígio de uma vida de que já não tem nascesse, meus caros, por um dia que fosse, todos os
Pilar Coutinho
conhecimento, a escrita.Pobre do homem que escreve, institutos da ciência cairiam em falso. Homens e mulheres
poderá ser deturpado pela eternidade sem direito de escreveriam livros, enterrariam cápsulas, arranhariam
Qual a diferença entre o real e o imaginário se a realidade é resposta. Vejam Socrátes, dizem que não escrevia porque o árvores, gravariam dvds, anotariam em seus diários,
sempre uma perspectiva e elétrons podem ser partículas ou conhecimento não deve ficar estático, outros vieram, enviariam e-mails (e sou capaz de acreditar que, nesse dia
ondas dependendo do ponto de vista? Desde as minúcias do colocaram na sua boca o que bem queriam, deturpando o fatídico, os registros de óbitos aumentariam, de cientistas
universo até as grandes questões humanas, tudo está ligado conhecimento que o próprio mestre alardeava (ou não –
desiludidos com a própria profissão, de socialites frustradas,
ao que estamos dispostos ver. Se o mundo veio de uma mega talvez Socrátes fosse um mero analfabeto) o de que nada
deprimidas e infelizes cuja única força para a vida é a
explosão ou de um ato de intervenção divina para criar sua deve ficar. Teria Maquiavel escrito sua obra sobre a boa
recuperação de suas energias torrando debaixo do sol). Em
própria novela em um planeta assim assado que poderia governança possível à sua época se soubesse que seu nome
milênios, quando os emails estivessem apagados, os dvds
chamar de Èden, até que a criação impusesse sua própria teria sido associado ao mal? De certo modo, a eternidade só
arranhados e páginas de diários e livros fossem encontradas,
vontade e ao homem restasse arrancar da terra, pão e a pertence aos vivos, são eles que fazem gato e sapato de seu
em várias partes do mundo, diriam os cientistas da época,
mulher arrancar da carne, a vida, é uma mera questão de fé: couro. O que me diz que o sol nascerá amanhã?, o fato de que
com a certeza e retórica dos que resguardam a verdade, que
fé no que não se pode ver ou fé no que se pode testar(mas, o sol nasceu em todos os dias desde que me lembro! E se eu
convenhamos, que a física atual está um passinho além do o mundo passara por uma alucinação coletiva, pois fato era,
for a escola, ler alguns livros, ou mesmo conversar com
teste). Sim, parece auto-ajuda complicada, mas não é. de que o sol não poderia, de um dia para o outro, deixar de
outras pessoas, o fato de que o sol nasceu desde que todos
Deve haver UM mundo, e ele dá uma dose de substrato para meus possíveis interlocutores, sejam os cientistas que brilhar, dar uma pirueta, sem que o mundo inteiro entrasse
que tenhamos parâmetros em comum, mas os esquimós escreveram os livros que a professora decorou, sejam os em parafuso, e, assim como se fosse um capricho, voltar a
vêem mais brancos na neve do que nós dos trópicos podemos escritores que inventaram histórias e se esqueceram de que brilhar, voltar ao seu lugar, mas também atestariam a
imaginar. Isso não torna o mundo melhor ou pior. Se você o sol podia dar uma pirueta e a órbita da terra ficar ali, sem necessidade de que a migração para uma galáxia não assim
quer ver um milagre, você o enxerga, mas se milhares de centro ( Haveria órbita se não houvesse sol? Se pensarmos tão distante, onde houvesse outro sistema solar, era de
pessoas consideram isso um fato da natureza passível de que a órbita decorre da gravidade / da deturpação causada muitíssima importância, pois fato era de que esse sol que nos
previsão, ele se torna ciência. Os eclipses já foram dragões pela massa no espaço e no tempo, não. Mas fiquemos com a guia, entre um verão e outro verão, sem o qual não há
engolindo astros, hoje, uma de suas modalidades, é a lua órbita pois já basta um sol que desrespeita as certezas que primavera, é uma estrelinha bem tronca, que já vai se
encobrindo o sol, mas, quem pode garantir, que um dia não parecem não passar. E perdoem os meus conhecimentos apagando, enquanto em seu caldeirão, hidrogênios se tornam
surgirá um dragão das entranhas da terra, que habitava os científicos, talvez eu esteja aqui, a distorcer teorias que hélio, até que a luz se extinga, porque está escrito no mundo,
fiordes enigmáticos da Noruega, e que acordou de sua foram a tanto custo extraídas do universo), sejam meus desde aquela primeira explosão, que os antigos chamavam de
digestão de milênios e passará frente ao sol antes de fazer familiares que nunca me contaram o relato assombroso da big bang, que este é o destino de tudo: a extinção.
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VOZES MALDITAS
“Ela deve ter achado que o cavalo era um “Mulher mata com martelada? Não! Mulher
trabalhador.” só mata de dois jeitos: veneno, que já está
Prof. Osmar Brina Corrêa-Lima, sobre voz de prisão que juíza do
no Código, e de raiva, que deve entrar em
trabalho proferiu a homem que chicoteava cavalo em frente ao seu
tribunal. alguma reforma daqui a uns vinte anos.”
Prof. Hermes Guerrero, comentando sobre violência doméstica.

“Se eu tivesse três palavras para dizer para a


humanidade antes de morrer, já sei qual elas “Vocês estão na melhor época da vida de
seriam: 'Odeio Direito Trabalhista'.” vocês. É uma pena que coincida com a que
Prof. Brunello Stancioli, após um de seus exemplos dado em sala de vocês não tem dinheiro.”
aula ser frustrado por uma peculiaridade do Direito do Trabalho. Prof. Hermes Guerrero, em reflexão nostálgica sobre a
juventude.

“Bem que eu te falei que era mais fácil passar em


concurso da Casa do que tê-lo homologado…”
“Você nem sabe o que vai cair na prova!”
Prof. Eduardo Goulart Pimenta, retrucando um aluno que disse
Brunello Stanciolli, na sala dos professores.
não saberia responder uma prova que perguntasse sobre a
matéria em estudo.
“No circo, atirar um anão pelo canhão é
ofensivo à dignidade da pessoa humana. Mas, e “Se você fura o olho de todo mundo, uma
um cara que não é anão mas também não é
hora ninguém mais olha pra você!”
grande, tipo eu assim?” Prof. Roberto Luiz Silva, criticando o modelo questionável de
Prof. Fernando Galvão. crescimento chinês.

“Quando duas crianças brigam, as duas têm “Cabeça de juiz é igual bunda de neném,
razão. Quando dois adultos brigam, nenhum ninguém sabe o que vai sair de dentro.”
tem razão. Essa frase é genial. E é minha.” Prof. Gláucio Ferreira Maciel, juiz federal e professor de
Prof. Hermes Guerrero. processo.

SEPARADOS NO NASCIMENTO

Prof. Brodt e Gugu Prof. Fernando Galvão e Juninho Paulista Profa. Moema e Cruela

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