Você está na página 1de 4

Nada é a nossa condição 

(Antonia e marido entram)

Antonia: Eu quero viver para sempre ao seu lado.

Marido: Então vamos, faz de conta.

( Marido entrega uma flor para Antônia e a mesma começa a plantar. Se sentam e começam
a cantar a cantiga)

ANTONIA E MARIDO: 

Gira, Gira, Gira 

Roda d'água Gira

Gira e chame o Senhor Sol

Gira, Gira, Gira 

Roda d'água Gira

Gira e chame o Senhor Sol

Pássaros, insetos, bestas

Grama, aves, flores lá no meu jardim 

Traga a primavera e o verão outono inverno tudo para mim

(Filha entra e canta junto)

Gira, Gira, Gira 

Roda d'água Gira

Gira e chame o Senhor Sol

Gira, Gira, Gira 

Roda d'água Gira

Gira e chame o Senhor Sol

Vai girando, vem girando tempo tão distante de tanta emoção 


Vai girando, Gira no meu coração 

Cada coisa tem seu tempo vidas vem e vão.

Filha: Pai, o que vai nascer desse botão?

Marido: Não importa, todas as coisas tem o seu chamado, inclusive esta que em dia será uma
rosa. O que sei, é que se a rosa tivesse outro nome, isso não alteraria a sua como você aflorou
dentro de mim, primeiro em semente e depois uma flor no mundo.
Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele do que eu. Ainda sou
homem depois disso? Agora sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e
temo abreviar com a vida nos rasos do mundo. Saudade é ser depois de ter.
O problema não é a morte: se você nasceu, você está morrendo. O problema não é a vida: se
você está aqui hoje, está vivo. O problema é como se vive. Como se vive faz a vida e a morte
valerem a pena. Ou não.
Todo oceano é feito de esperança para o corpo que se faz navio.
O fato, é que as pessoas não morrem, elas ficam encantadas. No fim das contas, a gente
morre pra provar que viveu.

(Marido morre e sai. Antônia aceita a morte do marido e olha pra filha, que sai correndo
atrás do pai)

(Antônia sentindo a morte do marido, filha entra com o paletó do pai)

Filha: (abraçando o paletó) Te amo pai. 

Antonia: (beijando a rosa e colocando no peito) As pessoas não morrem, elas ficam
encantadas.

(Antônia vai para o praticado da frente enquanto a filha se aproxima)

Filha: Mãe, a vida é feita só de traiçoeiros altos e baixos? Não haverá, para a gente, algum
tempo de felicidade, de verdadeira segurança? Como vivemos agora?

Antonia: Faz de conta, minha filha... Faz de conta.

Filha: O que de tudo há e tudo a gente encontra? De si para si, quem sabe, só o que inútil,
novo e necessário, segredasse; ele consigo mesmo muito se calava. Pois era assim que era, se;
só estamos vivendo os futuros antanhos. Ele, por detrás de si mesmo, pondo-se de parte, em
ambíguos âmbitos e momentos, como se a vida fosse ocultável; não o conheceriam através de
figuras, e sim sombras. O que a gente não percebia por de trás é que ele estava partindo.

Antônia: Você minha filha… faz de conta… faz de conta.

(Antônia fica e filha sai e logo entra e fica em cima do praticado de trás arrumando a mala)

( paisagem sonora do trem)


(Antônia e filha "olham" o trem, se olham e a filha fala)

Filha: Mãe? Mãe? A senhora nem me escuta, e eu não aguento mais ficar aqui, sem o papai e
…quase que sem você. Eu não aguento isso e eu vou embora!

Silêncio 

(Se aproxima da mãe)

Filha: Vou pedir abrigo pra Dorinha!

Antonia: (entregando a rosa) Faz de conta…

(Filha sai cheirando as flores, olhando para casa e o Nada toma mais conta de Antônia que
começa a pintar o broto de flor morto. Antonia tira a roupa e o nada fica)

TRANSFORMANDO EM NADA:

Estamos em vida mas estamos mortos 

Sobrevivendo a uma existência inexistente 

A morte que nos ensina.

Estamos mais mortos do que vivos!

O que a morte tem de tão assustador? 

Por que vivemos? 

Por que não sabemos? 

Da onde vim, para onde vou, tanto faz o destino 

Vida e morte me movem 

Me consomem

Na certeza da incerteza 

Do controle do incontrolável 

Assim vou caminhando… 

(Tira a roupa da Antônia e começa fazer uma trouxinha para levar embora)

Dentro deste mundo há outro mundo

impermeável às palavras.
Nele, nem a vida teme a morte,

nem a primavera dá lugar ao outono.

Histórias e lendas surgem dos tetos e paredes,

até mesmo as rochas e árvores exalam poesia.

Para mudar a paisagem, basta mudar o que sente;

E se quer passear por esses lugares,

basta expressar o desejo.

Há coisas…

As coisas que existiam antes de nós.

As coisas que serão criadas depois que morrermos.

A terra que será adubada por nosso corpo em decomposição.

Este exato instante, que nunca mais vai se repetir e é completamente insuficiente.

As coisas, dentro das coisas, dentro das coisas,

Dito pelo Nada às 12h45.

(Coloca a máscara do Nada e sai com a trouxa de roupa da Antônia)

Você também pode gostar