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A UTILIZAÇÃO DA CAPOEIRA COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NO


DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR DO EDUCANDO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL.

QUINTANA, Alexandre Gularte1


ROMANOWSKI, Joana Paulin, UNINTER2

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo examinar o desenvolvimento psicomotor das


crianças por meio da vivência da Capoeira na Educação Infantil. As práticas
pedagógicas desenvolvidas nessa etapa permitem a criança compreender a si e ao
outro. Esse é um processo gradual e contínuo em que ocorre a evolução da
cognição, afetividade, motricidade, comunicação e sociabilidade, de forma integrada,
simultânea e global. O desenvolvimento deste estudo foi realizado por meio de uma
revisão bibliográfica da literatura com diferentes estudos realizados referente ao
tema da pesquisa, a partir de publicações de artigos científicos nacionais nas bases
de dados CNPq, Google Acadêmico, SCIELO e acervo de livros do pesquisador. O
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) indica que
pedagogo, em sua prática docente, trabalhe conteúdos e atividades voltadas à
estimular a formação integral da criança de forma lúdica e prazerosa. Reconhecendo
que a Educação Infantil é um pilar importante do ensino fundamental e é
considerada a primeira etapa de aprendizagem das crianças, professores e gestores
contribuem ao indicar recursos, estratégias e abordagens, para serem
implementadas para que o ensino contribua significativamente para a aprendizagem
das crianças, levando em consideração sua integração e desenvolvimento. Na
atualidade a Capoeira não é vista simplesmente como prática esportiva, mas sim
como uma importante ferramenta pedagógica, podendo ser trabalhada nas etapas
da educação básica de várias formas, como brincadeira, dança, jogo, música e
história, como um aprendizado rico de cultura corporal do movimento (CAMPOS,
2013).

Palavras-chave: Capoeira. Ferramenta pedagógica. Psicomotricidade. Educação


Infantil.

1
Graduando no Curso de Licenciatura em Pedagogia pela UNINTER. E-mail:
xeroxdoporto@hotmail.com
2
Orientador UNINTER.
2

INTRODUÇÃO

O presente estudo corresponde ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),


do curso de Licenciatura em Pedagogia, do Centro Universitário Internacional
UNINTER.
A proposta da pesquisa tem o objetivo de examinar a importância de utilizar a
Capoeira como ferramenta pedagógica na formação integral do educando na
Educação Infantil, a fim de que os alunos possam vivenciar os benefícios que a
prática da Capoeira poderá trazer no desenvolvimento da consciência corporal,
musical e rítmica, pois trabalha aspectos físicos, psicológicos, cognitivos, sociais e
culturais (CAMPOS, 2001).
Vale salientar que o educador em sua prática pedagógica, tem o papel de
contribuir diretamente na formação integral do educando nos aspectos cognitivo,
físico e motor, sendo ele o responsável pela aplicação desses conteúdos
pedagógicos, traçando objetivos e metas a serem alcançados, de forma a
proporcionar práticas evidências, de forma lúdica e prazerosa ao educando,
promovendo uma apropriação efetiva dessas competências (MENEZES, 2021).
De acordo com Pinto (2016, p.10), “A utilização das lutas como conteúdo nas
aulas da Educação Básica tem um papel importante na formação de seus alunos,
através delas pode-se trabalhar o corpo na totalidade”. Portanto, a capoeira torna-se
uma importante ferramenta pedagógica,com uma vasta cultura corporal de
movimento a ser utilizada pelo educador, pois se encaixa perfeitamente nos pilares
norteadores, podendo ser trabalhada de forma lúdica, proporcionando ao educando
a tomada de consciência do seu próprio corpo, de suas capacidades motoras,
auxiliando no desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo (CAMPOS, 2013).
Segundo Adriano (2006), a aula de capoeira trabalhada nas aulas da
Educação Infantil é uma excelente atividade física, e atua de maneira direta e
indireta sobre os aspectos cognitivo, afetivo e motor. Proporcionando um
autoconhecimento importantíssimo para a formação do aluno e influenciando as
mudanças de comportamento. Ou seja, a prática da capoeira proporcionará uma
série de benefícios no desenvolvimento integral do aluno, desenvolvendo a força
muscular, flexibilidade, lateralidade, coordenação motora global, criatividade e
mudanças comportamentais, visando promover a socialização através da prática
da capoeira.
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A escolha do tema da pesquisa foi motivada a partir de minha vivência com a


capoeira, ao qual tive meu primeiro contato em 1991, com 16 anos. Com o passar
do tempo pude perceber que a capoeira não era somente luta, ou pernadas na Roda
de Capoeira. Tem algo intrínseco nessa expressão cultural e corporal, onde os
capoeiristas usam de forma harmoniosa toda sua inteligência e astucia em um Jogo
que mais parece uma conversa entre os jogadores, onde as perguntas são
respondidas através dos movimentos de ataque e defesa desta luta (VIEIRA,1995).
De acordo com Teixeira (2015), a capoeira pode ser abordada de várias
formas na escola, sendo que o aluno pode escolher dentro da cultura da capoeira a
frente que melhor se identifica como: o jogo; a música; o tocar instrumentos da
bateria da capoeira. Para o autor a riqueza em utilizar essa ferramenta, está nas
várias formas que ela pode de ser abordada como conteúdo na escola, onde o
aluno, através de sua prática direcionada, poderá vivenciá-la e escolher atuar nas
linhas que mais se identifica.
Nesse sentido, com base nos aspectos introdutórios abordados, esse estudo
tem como objetivo principal, examinar como a Capoeira pode ser utilizada como
ferramenta pedagógica, argumentando sobre a importância da utilização da capoeira
não desenvolvimento psicomotor dos alunos na educação infantil.

2 REVISÃO DE LEITURA

2.1 HISTÓRICO DA CAPOEIRA

A história da Capoeira teve início com o tráfico de negros trazidos contra a


sua vontade, a força, do continente Africano para o Brasil, época em que o Brasil era
colônia de Portugal no século XVI. Os escravos Foram forçados a trabalhar nas
fazendas de café, nos engenhos de cana de açúcar e nas casas dos senhores
donos de engenho. Por não possuir armas, os escravos passaram a utilizar a
Capoeira como forma de defesa das agressões sofridas por parte dos senhores de
engenho e capitães do mato (caçadores de escravos). Afim de não levantar
suspeitas, os escravos disfarçaram a luta em dança (SANTOS, 1990).
Para Campos (2001. p, 19) existem várias hipóteses sobre a origem da luta
capoeira, dentre elas pode-se destacar duas mais aceitas: “uma afirma que a
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Capoeira teria vindo para o Brasil, trazida pelos escravos, e a outra considera a
Capoeira como uma invenção dos escravos no Brasil”.
Segundo Priore (2016) a Capoeira descende de um ritual Africano,
denominado de N’Goloou Dança da zebra,de origem do povo “Mucope” do sul da
Angola, que ocorria durante o ritual de puberdade das meninas. O referido ritual
chamado Deefico, Efundula ou Mufico, marca a passagem da menina para a
condição de mulher. Assim, os guerreiros das tribos disputavam o direito de escolha
das jovens mulheres, dentro de um círculo em pares, desferindo coices e cabeçadas
um no outro até que um caía ou desista semelhante à dança de acasalamento das
zebras.
De acordo com Mello (2002) a Capoeira é uma luta de ataque e defesa
criada no Brasil por escravos trazidos da África. A prática foi criada no século XVI,
para tentar opor-se a opressão e a exploração sofrida pelos escravos na época da
escravidão. O substantivo Capoeira significa mato ralo ou mato que foi cortado,esse
lugar onde os escravos treinavam, tinha vegetação rasteira. Os escravos usavam
local denominado de capoeira para se esconder dos feitores e capitães do mato, nas
fugas para o quilombo.
Areias (1983) relata que os escravos não possuíam armas para se defender
da violência a eles imposta por inimigos, senhores de engenho, feitores e capitães
do mato (caçadores de escravos). Diante de sua situação difícil como escravo,
sempre que podiam praticavam Capoeira, descobrindo em si próprios a arte de bater
com o corpo, reproduzindo os movimentos de brigas de animais suas marradas,
coices, botes e saltos.
A Capoeira, portanto, começou a fazer parte da vida dos negros que a
praticavam, seja nos canaviais ou nos terreiros. No entanto, essa prática ocorre em
segredo, pois era utilizada como recurso de combate. Os senhores donos de
escravos começaram a proibi-la, punindo e impondo terríveis torturas a quem
desrespeitasse essa proibição (MELLO, 1996).
Santos (1990) afirma que para manter a continuidade da Capoeira na época,
os capoeiristas, quando percebiam a aproximação do feitor, transformavam a luta
em brincadeira, a fim de esconder que se tratava de um treinamento. O instrumento
berimbau tenha duas funções no treino dos escravos, a primeira era dar ritmo a
prática, a segunda, avisar que o feitor estava chegando e era hora de transformar a
luta em dança.
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Vieira (2004) diz que o momento de maior perseguição da Capoeira foi


quando a família real venho para o Brasil,em consequência da invasão de Portugal
pelas tropas Francesas comandadas por Napoleão Bonaparte. Para aumentar a
segurança da família real,com medo de ataques de escravos revoltos e espiões,
criou o destacamento de polícia com nome de Guarda Real comandada pelo Major e
exímio capoeirista Miguel Nunes Vidigal. O autor ressalta que o comandante Vidigal
conhecia os lugares onde os negros se encontravam como rodas de samba e
terreiros de candomblé, sempre a procura de quem praticasse Capoeira, aplicando
uma seção de tortura para os capoeiristas chamadas de “Ceia dos camarões”.
Oliveira (1989) afirma que após a abolição da escravidão no Brasil em 1888,
milhares de escravos foram abandonados a própria sorte, não tendo como se
sustentar e tão pouco se proteger dos inimigos, a Capoeira foi o instrumento de
sobrevivência utilizado pelos escravos alforriados. Para o autor, mesmo com a
abolição da escravidão, os praticantes de capoeira continuaram sendo perseguidos
pelas forças policiais da época, pois, a capoeira era vista como uma prática
marginalizada.
Vianna (1984) nos conta que no ano de 1888 o Ministro da Fazenda, Ruy
Barbosa, do Governo Deodoro da Fonseca, destruiu todos os documentos
referentes à escravidão no Brasil, com a finalidade de apagar a mancha da
escravidão no Brasil, e eliminar os comprovantes fiscais de propriedade que
pudessem ser utilizados pelos ex-proprietários de escravos para pleitear
indenizações junto ao governo da época, haja vista que esses documentos
incinerados comprovariam a propriedade dos ex-escravos alforriados pela Lei Áurea.
No ano de 1890 a Capoeira passou a ser classifica como fora da lei, existindo
uma serie de leis que puniam severamente o praticante de capoeira. No antigo
Código Penal da República, capítulo XIII, os artigos de número 402, 403 e 404,
tratavam das penas impostas aos vadios e capoeiras (FONTOURA; GUIMARES,
2002).
Código Penal da Republica dos Estados Unidos do Brasil.
(Decreto numero 847, de 11 de outubro de 1890)
Capítulo XIII -- Dos vadios e capoeiras
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza
corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras,
com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando
tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo
temor de algum mal; Pena -- de prisão celular por dois a seis meses. A
penalidade é a do art. 96. Parágrafo único. É considerado circunstância
agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou
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cabeças, se imporá a pena em dobro. Art. 403. No caso de reincidência


será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400. Parágrafo
único. Se fôr estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.
Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar
alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a
ordem, a tranqüilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas,
incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes (BRASIL,
1890).

Para Oliveira (1989), a Capoeira Angola foi o primeiro estilo de Capoeira em


que se ouviu falar, por ser a mais próxima dos escravos. Adeptos desse estilo eram
chamados de angoleiros, jogando com movimentos lentos e mais no chão. A
Capoeira Angola herdou esse nome porque os escravos que a criaram eram
originários de Angola.
Vicente Ferreira Pastinha, Mestre Pastinha, nasceu em 5 de Abril de 1889,
defensor do estilo de capoeira tradicional, Capoeira Angola, foi o responsável pela
difusão desse estilo de Capoeira, sua primeira escola foi fundada em 1941 com o
nome de Centro Esportivo de Capoeira Angola no casarão número 19 do Largo do
Pelourinho. Ressalta o autor que Pastinha com seu carisma e personalidade gentil,
transformou seu Centro de Capoeira em um local freqüentado por grandes figuras
públicas, grandes capoeiristas e artistas como Carybé e Jorge Amado. Faleceu em
13 de novembro de 1981 (OLIVEIRA, 1989).
Na década de 1930, o Presidente Getúlio Vargas teve contato com a
Capoeira por intermédio de um renomado Mestre de Capoeira chamado Manoel dos
Reis Machado “Mestre Bimba”, permitindo sua prática vigiada em recintos fechados
com a autorização da polícia (CAPOEIRA, 1999). No ano de 1932 Mestres Bimba
inaugurou a primeira academia de ensino de Capoeira Regional da Bahia
(CAPOEIRA, 1998). Em 1953 Mestre Bimba fez uma apresentação de Capoeira
especialmente para o Presidente Getúlio Vargas. Nessa data o Presidente se referiu
a Capoeira como sendo um esporte genuinamente nacional (CAMPOS, 2009).
Segundo Sodré (2002) Mestre Bimba nasceu em 23 de novembro de 1900,
no bairro de engenho velho, freguesia de brotas, Salvador Bahia. Manoel dos Reis
Machado recebeu o apelido de Bimba devido uma aposta que sua mãe fez com a
parteira que o aparou (segurou). O autor ressalta que Mestre Bimba criou a
Capoeira Regional unindo golpes de uma luta antiga chamada de Batuque, o qual
seu pai era praticante e campeão.
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Bimba disse no livro, A Saga de Mestre Bimba, ter criado ela completa a
Regional, que é o Batuque misturado com a Angola, ótima para o físico e a mente,
uma luta de verdade, com mais golpes. Por motivos financeiros, Mestre Bimba
deixou a Bahia, vindo a falecerem fevereiro de 1974 na cidade de Goiânia, vítima de
um de um derrame cerebral (ALMEIDA, 1995).

2.2 RECONHECIMENTO DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL


BRASILEIRO

A capoeira foi perseguida implacavelmente pelos senhores de engenho e


governo, sendo expressamente proibida sua prática na sociedade e punindo
severamente quem desobedecesse à lei vigente da época, perseguida desde os
tempos da escravidão e consecutivamente após a abolição da escravatura.
Passando por todas essas dificuldades a capoeira sobreviveu e se difundiu pelo
Brasil e o mundo, sendo reconhecida, a Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de
Capoeira, como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, pelo Instituto do Patrimônio
histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no dia 15 de julho de 2008, um marco na
história da Capoeira que reafirma a luta pela liberdade e inclusão social das classes
menos favorecidas (FERREIRA NETO; CUNHA FILHO, 2018).
Segundo Souza (2013), no ano de 1936, Mario de Andrade a pedido do
Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, elaborou um anteprojeto para a
criação do serviço de Patrimônio Artístico Nacional. O anteprojeto após passar por
várias mudanças resultou no Decreto Lei n° 25, de 30 de novembro de 1937, pois, o
presidente Getúlio Vargas, buscando o apoio das classes mais pobres, permitiu a
prática da Capoeira em recintos fechados e com alvará de funcionamento emitido
pela polícia, revogando o artigo 402 do código penal de 1890, descriminalizando a
Capoeira.
Souza (2013), afirma que, o então presidente Getúlio Vargas, reconheceu a
Capoeira como sendo o único esporte verdadeiramente nacional, assim ganhando
proteção jurídica e adentrando em espaços de convívio social que antes eram
proibidos a sua prática como academias, escolas, clubes, quartéis, palácios do
governo entre outros.
Depois de tantos anos a Capoeira sendo perseguida, discriminada e
hostilizada, finalmente foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro, mas não
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era o suficiente, pois, a Capoeira é praticada em mais de 150 países em todos os


continentes com mais de 4,5 milhões de adeptos em todo o Mundo (FERREIRA
NETO, 2018). Esse merecido reconhecimento começou na era Vargas, que recebeu
Manoel dos Reis Machado, “Mestre Bimba”, criador da Capoeira Regional e o
homenageou (SOUZA, 2013). A capoeira não ficou apenas como patrimônio cultural
do Brasil, anos após em 2014 a roda de Capoeira foi reconhecida como patrimônio
imaterial da humanidade (UNESCO, 2013).
Segundo Souza (2013) a Roda de Capoeira foi cotada para fazer parte da
lista representativa do Patrimônio Imaterial da Humanidade. Onde a Organização
das Nações Unidas para a Educação, ciência e Cultura (UNESCO) em uma reunião
avaliou essa possibilidade, para que ocorresse essa contemplação, o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) mobilizou capoeiristas de todo o
país a colaborarem por meio de petição pública. A autora justifica que a coleta de
assinaturas funcione de incentivo para esta luta, já reconhecida como Patrimônio
Cultural do Brasil, reafirmando o compromisso com sociedade, a cultura popular e
reafirmando a identidade do país.
UNESCO (2013) declara que o reconhecimento da Roda de Capoeira é uma
conquista muito importante para a sociedade e a cultura brasileira. Com suas raízes
vindas da África, a Capoeira deve ser cada vez mais valorizada pelo seu povo, ela
expressa a história da luta e resistência negra no Brasil. A Roda de Capoeira, após
votação durante a 9° sessão do comitê Intergovernamental para Salvaguarda do
Patrimônio Imaterial que aconteceu em Paris dia 26 de novembro de 2014, recebeu
da UNESCO o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

2.3 EDUCACAO INFANTIL: o que dizem os documentos?

A escola é entendida como um importante espaço de socialização, que


recebe dentro de suas dependências crianças e jovens de diferentes classes sociais,
culturas, etnias e religiões. A função da escola vai muito além da aquisição de
conhecimentos científicos, é nela que desde cedo à criança adquire informações,
aprende a socializar e interagir dentro da sociedade. Conforme Belloni (2007), para
que haja o processo de interação e socialização da criança, e ela torne-se um ser
social, é necessário que exista uma prática interativa que inclua vivencias vividas na
família, igreja e escola.
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A educação infantil conhecida como primeira etapa da educação básica, tem


um papel fundamental no processo educacional, nessa etapa são trabalhas
competências visando à formação integral da criança possibilitando a ela
aprendizagem, desenvolvimento e socialização. Para a da educação infantil, não há
disciplinas específicas ou currículo obrigatório, apenas diretrizes norteadoras, a
partir das quais cada secretaria educacional e conselho escolar elaboram seus
próprios planos escolares.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) Nº 9394, de 1996, trouxe um
novo olhar para a Educação Infantil. Conforme a referida lei:

A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica tem como finalidade


o desenvolvimento integral da criança até 5 anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da
família e da comunidade (BRASIL, ART. 29, 1996).

Dessa forma, a Educação Infantil, no campo da legislação educacional,


percebe a criança como um ser social, histórico, de direitos. Como mencionado a
Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e conforme a LDB, em seu
artigo 30, a Educação Infantil será ofertada em: “I- creches, ou entidades
equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II- pré-escolas, para crianças
de quatro a cinco anos de idade” (LDB – Nº 9394/96).3
O Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI), elaborado
em 1998, tem o propósito de guiar a reflexão dos conteúdos, dos objetivos e das
orientações pedagógicas escolares, contribuindo para a melhoria da qualidade da
educação de crianças de zero a cinco anos de idade e na qualificação e
aperfeiçoamento dos professores. De acordo com o RCNEI (BRASIL, 1998) a
Educação infantil oferece um espaço para educar, cuidar, socializar e desenvolver
habilidades nas crianças; O documento sugere que os professores nessa fase
devem contemplar: “[...] a multiplicidade de funções manifestações do ato motor,
propiciando um amplo desenvolvimento de aspectos específicos da motricidade das
crianças, [...] bem como atividades voltadas para a ampliação da cultura corporal de
cada criança” (BRASIL - RCNEI, 1998, v. 3, p. 15). Dessa forma, o documento

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A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), Nº 9394/96, estabelece, em seu Artigo
29, que a “educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL - LDB, 1996).
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sugere que o professor quando trabalhe com movimento na Educação Infantil, leve
em consideração as capacidades das crianças de acordo com sua faixa etária.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), de
2010, salientam a importância do corpo e do movimento na aquisição de
conhecimentos através, entre outros objetivos, “da ampliação de experiências
sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão
da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança” (BRASIL – DCNEI,
2010, p. 25).
Juntamente com os documentos acima citados, temos a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), de 2017, a qual normatiza as aprendizagens que devem
ser desenvolvidas nas diferentes etapas e modalidades que compõem a Educação
Básica. Consequentemente, a Educação Infantil está sujeita às normatizações
expressas no documento citado. A BNCC divide o currículo em campos de
experiências4 e parte da compreensão que:

[...] na Educação Infantil, as aprendizagens e o desenvolvimento das


crianças têm como eixos estruturantes as interações e a brincadeira,
assegurando-lhes os direitos de conviver, brincar, participar, explorar,
expressar-se e conhecer-se, a organização curricular da Educação Infantil
na BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito
dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.
Os campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe as
situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus
saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural (BRASIL – BNCC, 2017, p. 40).

É possível, notar a valorização do movimentar-se abordada no item três da


BNCC, no que diz respeito à Educação Infantil, o campo de experiências chamado
corpo, gestos e movimentos. O movimento, nesse campo de experiência, é
fundamental por quê:
As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo
e, com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus
limites, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é
seguro e o que pode ser um risco à sua integridade física. Na Educação
Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe
privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a
emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição
escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam,
sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares,
explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares,
sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e

4
A BNCC (2017) propõe cinco campos de experiências: O eu, o outro e o nós; Corpo gestos e
movimentos; Traços, sons, cores e imagens; Escuta, fala, pensamento e imaginação; Espaços,
tempos, quantidades, relações e transformações.
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uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar,
engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas,
saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.)
(BRASIL - BNCC, 2017, p. 41).

Após a análise dos documentos que normatizam a Educação infantil,


percebe-se, de modo geral, a valorização do movimento para aquisição das
habilidades cognitivas, afetivas e motoras; durante essa fase de escolarização é
indispensável que às crianças tenham a oportunidade de explorar, além das
habilidades motoras, a dimensão da cultura corporal do movimento. Portanto, a
presente discussão se encaminha, no próximo item, para o debate acerca da
contribuição da Capoeira como ferramenta pedagógica afim de que possam ser
proporcionados aos alunos da Educação Infantil os benefícios que essa prática pode
trazer no desenvolvimento da consciência corporal, rítmica e social.

2.4 CAPOEIRA COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NAS AULAS DE


EDUCAÇÃO INFANTIL

A partir do que foi discutido no item anterior, se faz necessário compreender a


importância do movimento no desenvolvimento de crianças, de zero a seis anos de
idade, como elemento de descoberta, experimentação, cultura e ressignificação no
contexto infantil.
Segundo o RCNEI (1998), os trabalhos com movimento na etapa da
Educação Infantil devem contemplar a diversidade de funções do ato motor, visando
o desenvolvimento das funções psicomotoras como esquema Corporal, lateralidade,
ritmo, organização espaço-temporal, motricidade fina, imagem corporal e tônus
muscular. Conforme BRÉSCIA (2003) a musicalidade, também, irá influenciar no
desenvolvimento da inteligência e interação social, trabalhando como reforço das
dimensões cognitivas/linguística, psicomotora e socioafetiva da criança.
A Capoeira torna-se uma importante ferramenta aliada no trato com o
movimento nessa fase de escolarização, a partir da musicalidade na capoeira, as
crianças passam a experimentar ações envolvendo ritmo, flexibilidade, coordenação
e percepção espacial, possibilitando a tomada de consciência do seu corpo, através
do lúdico, bem como de suas limitações. Diniz Júnior (2018, p.15) afirma que:
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A utilização da capoeira pode trazer diversos benefícios que proporcionam,


no período de escolarização, um desenvolvimento que vai além do
movimento pelo movimento. Trata-se de motricidade ampla e fina,
consciência corporal, lateralidade, musicalidade e ritmo, linguagens (através
das cantigas), criatividade no movimento, cooperação, desenvolvimento
social e lúdico; tudo isso através do ato de brincar jogando capoeira.

Conforme Adriano (2006) a música, o movimento e o ritual intrínseco na


Capoeira, são de muita importância nas relações interpessoais entre as crianças. A
musicalidade da Capoeira tem papel de grande relevância, pois através dela os
movimentos são desenvolvidos, os instrumentos são tocados e as cantigas
entoadas. Durante o desenvolvimento da roda, as cantigas acompanham e
descrevem as situações que acontecem no jogo. Dessa forma, a musicalidade
presente na Capoeira poderá ser utilizada no processo pedagógico infantil,
auxiliando na linguagem, leitura e escrita. O autor ressalta importância de utilizar o
trabalho musical da capoeira com o manuseio dos instrumentos (berimbau, caxixi,
pandeiro, atabaque e agogô) na educação Infantil, visando o aperfeiçoamento o
desenvolvimento da coordenação motora fina.
Paula e Bezerra (2014) evidenciam que a Capoeira trabalha o corpo na sua
totalidade, e a variedade de movimentos executados auxiliam a integração e
desenvolvimento psicomotor dos envolvidos nas seguintes dimensões:
a) Imagem do Corpo: a capoeira auxilia o aluno a reconhecer o seu corpo,
como um todo, sua estrutura física, movimentos e funções que seu corpo
podes desempenhar;
b) Autoimagem: a Capoeira ajuda a melhorar a percepção que a criança tem
de si mesma como ser social. Ela se sente mais confiante, e melhora sua
autoavaliação;
c) Equilíbrio: a Capoeira auxilia o desenvolvimento e melhora tanto do
equilíbrio estático, quanto equilíbrio dinâmico durante a execução de
movimentos giratórios e estáticos;
d) Associação Visual Motora: desenvolve a habilidade de respostas visuais e
motoras na forma de ações físicas;
e) Coordenação: a Capoeira desenvolve de forma mais eficaz a musculatura
esquelética, resultando em movimentos mais precisos. A coordenação
entre olhos e mãos e entre olhos e pés; trabalha ao mesmo tempo tanto os
olhos quanto as mãos e os pés, para produzir movimentos;
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f) Movimentos de locomoção e movimentos uniformes: a Capoeira trabalha


uma variedade de deslocamentos básicos como engatinhar, acocorar,
caminhar, correr, pular e saltar obstáculos, dando a criança à percepção de
mudanças. Vivenciando também movimentos uniformes, durante as
repetições dos golpes giratórios, que devem ser praticados repetidamente
na mesma velocidade;
g) Orientação Espacial: desenvolve na criança a imagem do seu próprio corpo
referente a outro objeto;
h) Lateralidade: a Capoeira trabalha de maneira igualitária, lado direito e lado
esquerdo, fazendo com que o aluno perceba e utilize o lado que for mais
eficiente em determinada situação de jogo. A criança aprende a controlar
os lados direito e esquerdo, juntos ou separadamente (PAULA; BEZERRA,
2014).
Conforme Souza (2013) a Capoeira teria que fazer parte do currículo da
escola, junto com a história e cultura do negro no Brasil, seria importante seu
ensinamento, pois dessa forma a sociedade teria a possibilidade de conhecer e
praticar a nossa cultura, e buscar sua própria identidade.
Para Souza e Oliveira (2001) a Capoeira utilizada como conteúdo na
educação física escolar, é um tema amplo e deve ser trabalhada pelos seus
múltiplos aspectos, que possibilitam a vivenciar a luta, o jogo, a dança, o ritmo, a
educação, devendo ser ensinada em sua totalidade, deixando que o aluno escolha
atuar nas linhas que mais se identifica.
Segundo Campos (2001), a Capoeira é uma excelente atividade física, e atua
de maneira direta e indireta sobre os aspectos cognitivo, afetivo e motor.
Proporcionando um autoconhecimento importantíssimo para a formação do aluno e
influenciando as mudanças de comportamento. Para Columa (2017) a escolha de
utilizar a prática da capoeira na Educação Básica, torna-se positiva para a criança,
pois estimula sua percepção, trabalha a capacidade de interpretação estimulando a
organização das informações adquiridas, facilitando a aprendizagem em outras
disciplinas no ambiente escolar. O autor afirma que nesse período a criança está em
pleno processo de construção do conhecimento de si mesma e do mundo que a
rodeia (COLUMA, 2017).
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Seguindo na mesma linha de entendimento Campos (2001) aponta as


possibilidades de a capoeira ser aborda como ferramenta pedagógica na educação
básica tais como:
a) Capoeira luta– Representa a Capoeira luta sua origem e sobrevivência
através dos tempos na sua forma natural como instrumento de defesa
pessoal genuinamente brasileiro. Deverá ser ministrada com o objetivo de
Capoeira combate e de defesa.
b) Capoeira dança e arte:a arte Capoeira dança e arte se faz presente através
da música, ritmo, canto, instrumento, expressão corporal, criatividade de
movimentos, assim como um riquíssimo tema para as artes plásticas,
literários e cênicos. Na dança, as aulas deverão ser dirigidas no sentido de
aproveitar os movimentos da capoeira, desenvolvendo flexibilidade,
agilidade, destreza, equilíbrio e coordenação em buscada coreografia e
satisfação pessoal;
c) Capoeira folclore: é uma Capoeira folclore expressão popular que faz parte
da cultura brasileira e que deve ser preservada, promovendo a participação
dos alunos tanto na parte prática como teórica;
d) Capoeira esporte: como modalidade desportiva e institucionalizada em
1972 pelo Conselho Nacional de Desportos, ela mesma deverá ter um
enfoque especial para competição, estabelecendo-se treinamentos físicos,
técnicos e táticos;
e) Capoeira educação: apresenta-se como um elemento importantíssimo para
a formação integral do aluno, desenvolvendo o físico, o caráter, a
personalidade, e influenciando nas mudanças de comportamento.
Proporciona, ainda, um autoconhecimento e uma análise crítica das suas
potencialidades e limites. Na educação especial, a Capoeira encontra
campo frutífero junto aos deficientes e excepcionais;
f) Capoeira como lazer: como prática não formal através das “rodas”
espontâneas, realizadas nas praças, praias, colégios, universidades, festas
de largo (CAMPOS, 2001, p. 23-24).

3 METODOLOGIA
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Esta pesquisa, em sua abordagem metodológica foi realizada no formato de


pesquisa bibliográfica de forma qualitativa. Buscou-se examinar a Capoeira como
ferramenta pedagógica, nas aulas de educação física no ensino fundamental. O que
de acordo com Lakatos e Marconi (2001, p. 157) uma pesquisa bibliográfica “é um
apanhado gerais sobre os principais trabalhos já realizados revestidos de
importância, por serem competentes de fornecer dados atuais relevantes
relacionados com o tema”.
Sendo assim o pesquisador buscou artigos publicados e periódicos
científicos disponíveis para consulta em base de dados, tais como, Google
Acadêmico, documentos oficiais como RCNEI (1998), livros, portais específicos de
alguns periódicos como Scielo. Os descritores utilizados foram: Capoeira,
Ferramenta pedagógica, Psicomotricidade e Educação Infantil. A análise dos dados
incluiu publicações produzidas no período de 1983 a 2021.
Utilizou-se a leitura exploratória, de artigos científicos e livros por meio de
uma leitura rápida acerca do tema, com o objetivo de verificar informações
relevantes para o estudo. Em seguida a leitura seletiva, para melhor desenvolver a
pesquisa, após, foi realizada uma leitura analítica para verificar de forma sistemática
o conteúdo e sintetizar melhor as informações, organizando os conceitos de modo a
obter um melhor embasamento teórico para o estudo. Por último, com base nessa
compreensão procurou-se relacionar as idéias selecionadas com o problema a qual
se buscou respostas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O professor em sua prática pedagógica tem o papel de contribuir diretamente


na formação integral do educando nos aspectos cognitivo, físico e motor, sendo ele
o responsável pela aplicação efetiva desses conteúdos pedagógicos, traçando
objetivos e metas a serem alcançados, de forma a proporcionar práticas e vivências,
de forma lúdica e prazerosa ao educando, promovendo uma apropriação efetiva
dessas competências.
Diante do exposto considera-se a Capoeira uma ferramenta essencial a ser
trabalhada na Educação Infantil, proporcionando ao educando uma formação
integral, pois além de ser uma excelente atividade física, atua de maneira direta e
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indireta sobre os aspectos cognitivos, afetivo, motor, social e cultural, tornando-se


uma ótima aliada na aprendizagem de outras disciplinas.
Ensino Capoeira desde 1999, tendo tido a oportunidade de participar de dois
projetos na área de esporte e lazer, “Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC)” e
“Projeto Vida Ativa” na cidade de Pelotas, e pude observar como a Capoeira é um
importante fator motivacional para os alunos, fazendo com que os objetivos
propostos nas aulas sejam alcançados de maneira fácil e prazerosa.
Dada a relevância pedagógica do tema abordado nesse artigo, será
indispensável o desenvolvimento futuro de um projeto baseado em um estudo de
caso, coletando desta forma informações quantitativas, para garantir a confiabilidade
e a razão dos estudos bibliográficos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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