Você está na página 1de 66

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO

FACULDADE DE ENFERMAGEM NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS


LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR E CAPOEIRA:


EXPERIÊNCIAS CONSTRUÍDAS NO CENTRO DE CAPOEIRA SÃO
SALOMÃO

ANDRÉ MICHEL XAVIER AFFONSO

Recife -PE
2021
UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO
FACULDADE DE ENFERMAGEM NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR E CAPOEIRA:


EXPERIÊNCIAS CONSTRUÍDAS NO CENTRO DE CAPOEIRA SÃO
SALOMÃO

ANDRÉ MICHEL XAVIER AFFONSO

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso


de Licenciatura em Ciências Sociais, da Universidade
de Pernambuco (UPE), como requisito parcial para a
obtenção do título de graduado em Licenciatura em
Ciências Sociais, sob a orientação da Professora
Doutora Izabel Cordeiro.

Recife -PE
2021
BANCA EXAMINADORA

Profª Dr.ª Izabel Cristina de Araújo Cordeiro

Prof. Dr Anderson Vicente da Silva

Prof. Dr. Erisvelton Sávio Silva de Melo

Profª Dr.ª Waldênia Leão de Carvalho


“Um dos títulos concedidos a Exu, princípio
progenitor e protomatéria de tudo é o que o
referencia como Onã. Èsù Onã seria o senhor
dos caminhos ou aquele que nos concede
mobilidade, ritmo, movimento e por
consequência, caminhos. Cabe ressaltar que a
noção de caminho endereçada a Onã se vincula
à noção de possibilidades. Dessa forma Onã é
caminho circunstancial, imprevisível e
inacabado. A ideia de caminho como algo
determinado, linear, indicando início, meio e
fim não encontra identificação nesse princípio”.

(Luiz Rufino)
AGRADECIMENTOS

Este Trabalho de Conclusão de Curso e a graduação em Ciencias Sociais foi possível


graças à ajuda de várias pessoas a quem gostaria de expressar minha gratidão. Em primeiro
lugar, desejo expressar minha gratidão e meu amor a meus pais e avós pela vida e a educação
que me permitiram percorrer meu caminho.Também gostaria de agradecer, a minha
companheira pela paciência e apoio no dia a dia. Agradeço, a meus orientadores por suas
disponibilidades e, sobretudo, seus conselhos criteriosos, que ajudaram a alimentar minha
reflexão.
Agradeço igualmente aos docentes e discentes do curso de Ciencias Sociais que me
forneceram as ferramentas necessárias para o sucesso em meus estudos universitários, como
também no “apoio moral” durante e após as aulas. Gostaria de expressar também minha
gratidão a ancestralidade da Capoeira, a todos os Mestres e Mestras que salvaguardaram essa
arte, que há 18 anos orienta e guia meus passos na vida. Agradeço meu primeiro Mestre,
Bernardinho Francisco (Mestre Zé Pequeno), quem me iniciou e fez eu me apaixonar pela
vadiação. Em seguida ao Mestre Mago e a Mestra Bel pelo acolhimento, a confiança e os
ensinamentos.

Salve Mestre Bimba!


Salve Mestre Mosquito!
Salve Mestre Mulatinho!
Salve Todos os Mestres!
Salve todas as Mestras!
Salve a Capoeira!
RESUMO

O microcosmo da Capoeira é reflexo do macrocosmo da vida, vários elementos


permeiam nossas relações com o mundo e no jogo de Capoeira estes elementos aparecem de
maneira intensa. A Capoeira se consolidou ao longo da história do Brasil como uma das mais
importantes tradições culturais de matrizes africanas. Configurando-se, atualmente, como
uma filosofia de vida, uma forma de ver o mundo, atualiza-se e se insere no jogo político, na
luta pelo reconhecimento cultural de sua comunidade. O foco dessa investigação é a
Capoeira do Centro de Capoeira São Salomão (CCSS), que se apresenta como um espaço de
educação popular. Esse TCC investigou as experiências educativas do Centro de Capoeira
São Salomão, observadas numa pesquisa qualitativa,utilizando a observação participante
como técnica de coleta de dados. Verificou-se que pela Capoeira as pessoas se entendam, se
respeitem e se educam a partir de seus lugares, como mulher, homem, criança, adolescente,
jovem ou ancião. Foi também observada que a Capoeira no CCSS, como educação popular,
colabora para o cumprimento da Lei 11.645, de 10 março de 2008, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, e dá visibilidade a temas como a educação
antirracista, a pluralidade cultural e o multiculturalismo. No estudo destacamos o Projeto É
Cor de Rosa Choque, que ajuda no empoderamento da mulher capoeirista, discutindo as
relações sociais de gênero no campo da educação popular e sua importância como expressão
de cidadania. Assim como no Projeto Caxinguelês Jovem a discussão do racismo. Dessa
forma concluimos que a educação da Capoeira, no Centro de Capoeira São Salomão é uma
educação na perspectiva cidadã, de promoção de uma sociedade que se transforma pela
práxis da educação popular, ou seja, através dos modos de ser e estar dos sujeitos diversos
em relações entre eles e elas e o mundo.

Palavras-chave: Capoeira, Educação Popular, Gênero e Raça.


Abstract

The microcosm of Capoeira is a reflection of the macrocosm that is life and several
elements permeate our relations with the world and in the Capoeira Game these elements
appear in an intense way. Capoeira has consolidated itself throughout Brazil's history as one
of the most important cultural traditions of African origin. Currently configuring itself as a
philosophy of life, a resilient way of seeing the world, which is updated and inserted in the
political game, in the struggle for its recognition. The focus of this investigation is the
Capoeira of the Centro de Capoeira São Salomão ( CCSS), which is characterized as a
popular education space. This bachelor thesis will investigate the educational experiences of
the Capoeira São Salomão Center, which will be observed in a qualitative research, using
participant observation as a data collection technique. The individual and collective
relationship in capoeira allows people to understand and respect each other as a woman,
man, child, teenager, youth or elder. Capoeira activity as a popular education then
participates in the fulfillment of Law 11.645, of 10 March 2008, the guidelines and bases of
the Brazillian national education, which gives visibility to topics such as anti-racist
education, cultural plurality and multiculturalism. Also, the empowerment of capoeirista
women makes possible to discuss social gender relations in the field of popular education.
And so, this course conclusion work highlights, the capacity of capoeirista women to
influence the balance of power in the public space, where it became conceivable and
possible to reinforce the importance of the theme of gender in popular education as an
expression of citizenship. Therefore, i highlight the popular education of capoeira at the
Centro de Capoeira São Salomão as a citizen education that participates in the recreation of
our society. A society that intends to be transformed by the praxis of popular education, that
is, through the ways of being and being of different subjects in relationships.

Keywords: Capoeira, Popular education, Gender, Race, Resiliency, Tradition, Social


change.
Résumé

Le microcosme de la Capoeira est le reflet du macrocosme qu'est la vie et plusieurs


éléments imprègnent nos relations avec le monde et dans le Jeu de la Capoeira ces éléments
apparaissent de manière intense. La capoeira s'est consolidée tout au long de l'histoire du
Brésil comme l'une des traditions culturelles d'origine africaine les plus importantes. Se
configurant actuellement comme une philosophie de vie, une manière résiliente de voir le
monde, qui est actualisée et insérée dans le jeu politique, dans la lutte pour sa
reconnaissance. Le centre de cette enquête est la Capoeira du Centro de Capoeira São
Salomão ( CCSS), qui se caractérise comme un espace d'éducation populaire. Ce memoire
de license examinera les expériences éducatives du Centre de Capoeira São Salomão, qui
seront observées dans une recherche qualitative, en utilisant l'observation participantes
comme technique de collecte de données. La relation individuelle et collective en capoeira
permet aux gens de se comprendre et de se respecter en tant que femme, homme, enfant,
adolescent, jeune ou aîné. L'activité de capoeira en tant qu'éducation populaire participe
alors à la mise en œuvre de la loi 11.645 du 10 mars 2008, qui établit les lignes directrices et
les bases de l'éducation nationale Brésillienne, qui donne une visibilité à des sujets tels que
l'éducation antiraciste, la pluralité culturelle et le multiculturalisme. En outre,
l'autonomisation des femmes capoeiristes permet de discuter des relations sociales de genre
dans le domaine de l'éducation populaire. Et ainsi, ce memoire de license met en évidence, la
capacité des femmes capoeiristes à influencer l'équilibre des pouvoirs dans l'espace public,
où il est devenu envisageable et possible de renforcer l'importance du thème du genre dans
l'éducation populaire comme expression de la citoyenneté. Par conséquent, je souligne
l'éducation populaire de la capoeira au Centro de Capoeira São Salomão en tant qu'éducation
citoyenne qui participe à la recréation de notre société. Une société qui entend être
transformée par la praxis de l'éducation populaire, c'est-à-dire par les manières d'être et
d'agir des différents sujets en relations.

Mots clés: Capoeira, Education populaire, Genre, Race, Résilience, Tradition,


Changement social.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................1

CAPÍTULO 1: CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE CAPOEIRA,


EDUCAÇÃO POPULAR, GÊNERO E RAÇA PARA UMA EDUCAÇÃO
EMANCIPATÓRIA.........................................................................................10
1.2 Afinal o que é a
Capoeira?............................................................................10
1.2 A Lei 10.639 e a educação popular para formação
cidadã.................................................................................................................10
1.3 Capoeira e gênero, uma relação mais que significativa na
atualidade...........................................................................................................25

CAPÍTULO 2: A CAPOEIRA DO CENTRO DE CAPOEIRA SÃO

SALOMÃO COMO TERRITÓRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA


POPULAR....................................................................................................... 30
2.1 O que é o CCSS?.........................................................................................30
2.2 Projetos Caxinguelês, Caxinguelês Jovem, Patrimônio Cultura e Cidadania,
É Cor de Rosa Choque e o Cine Mandinga.......................................................32
2.3 Metodologia, as aulas, as rodas e os ritos de passagem...............................43

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................53

REFERÊNCIAS............................................................................................60
INTRODUÇÃO

Lugares de fala e escrita, são partes integrantes do objeto antropológico e, de modo


mais geral, das Ciências Sociais. A problemática é de entender como as palavras do outro e a
experiência de situações investigativas, tomam formas na escrita. Nesse ponto, James Cliford
em sua obra A experiencia etnográfica: antropologia e literatura no século XX (2002), faz
uma série de perguntas com o fim de repensar a escrita etnográfica, interrogando os
fundamentos da disciplina. Ele vai se perguntar como a interpretação cultural e cientifica é
produzida e como o relato de uma experiência que não é submetida a regras, pode servir de
autoridade.
No entanto, a legitimidade da pesquisa de campo, como fonte de saber traz a
problemática do diálogo entre pesquisador e informante na interpretação cultural. A
observação participante, por exemplo, continua uma metodologia sensível, mas que pode ser
questionada de forma política e epistemológica em relação a escrita e sua representação da
alteridade. Isso porque, desde que entendemos que o Ocidente não tem mais o monopólio do
saber antropológico, graça aos movimentos pós coloniais, torna-se primordial enxergar o
mundo a partir de uma etnografia geral, na qual se encontram extensões das influências
interculturais em que cada um interpreta cada um, a partir da sua cultura.
Quando Michel Foucault (1988) publica A vontade de saber, primeiro volume da sua
História da sexualidade, ele vai contra as ideias da época. Ligado ao movimento que ficou
conhecido como Maio de 68, Foucault desenvolve uma reflexão nova sobre a história da
sexualidade, apresentando um exemplo de análise de discurso e a relação do discurso com o
poder. O interesse de Foucault está na compreensão do discurso como uma articulação de
textos e lugares sociais. Seu objeto não é a organização textual, nem a situação de
comunicação, mas o que os une por meio de um determinado dispositivo de enunciação.
Nesse entendimento a noção de “lugar social” para Foucault não deve ser tomada em
um sentido muito imediato: esse lugar pode ser uma posição em um campo simbólico. Como
resultado, a análise do discurso atribui um papel fundamental aos gêneros do discurso, que
não são vistos como tipos de textos, de uma perspectiva taxonômica, mas como dispositivos
de comunicação, tanto de natureza social quanto linguística. De fato, além da análise do
discurso é importante entender qual é seu lugar de fala. É refletindo sobre isso que me
apresento antes de trazer a temática desse estudo.
Nasci na França, de um pai brasileiro (recifense) e mãe francesa (de Marselha).
Descobri a Capoeira na França com dezesseis (16) anos, por intermédio de um projeto social
em uma Organização Não Governamental chamada Maison des Jeunes et de la Culture (Casa
dos Jovens e da Cultura), onde encontrei meu primeiro Mestre, Bernardinho Francisco, o

1
Mestre Zé Pequeno, que é originário de Fortaleza, no estado do Ceará. Como europeu, a
Capoeira foi para mim um viés cultural e simbólico, com o qual pude me conectar com a
ancestralidade afro-brasileira, da qual tinha pouquíssimo contato até então.
Portanto, antes de iniciar a investigação da pesquisa que resultou nesse Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC), considero importante declarar que tenho uma relação particular
com meu objeto de pesquisa, a Capoeira e seu universo, e que ela já fazia parte do meu
quotidiano, antes mesmo de iniciar a graduação em Ciências Sociais. Contudo, apesar dessa
relação íntima, particularmente não me considero um nativo nessa arte, pois continuo sendo
um capoeirista e cientista social, homem, branco e europeu. Foi a partir da ciência desse lugar
que selecionei, sistematizei e organizei a pesquisa e a escrita desse TCC.
A ideia do estudo, inicialmente organizado como projeto de pesquisa, surgiu do
estranhamento que tive quando comecei a frequentar o Centro de Capoeira São Salomão
(CCSS), em Recife, no bairro da Várzea. Na minha trajetória enquanto capoeirista, fiz parte
de um grupo de Capoeira dito contemporâneo , ou capoeira Mix 1. Ao conhecer o CCSS foi
possível descobrir outra visão da Capoeira. O Centro de Capoeira São Salomão é uma escola
de Capoeira atípica. Seus líderes, por questões várias, decidiram ressignificar suas práticas da
Capoeira Mix, na busca das significações do que se convencionou chamar de Capoeira
tradicional, expressa nas matrizes formadoras do jogo da capoeira, a Capoeira Angola 2 e a
Capoeira Regional3.
Nesse contexto, o Centro de Capoeira São Salomão criou uma metodologia, na qual os
rituais da Capoeira Angola e da Capoeira Regional são preservados, a partir de uma vivência
ressignificada e alternada dos saberes e fazeres dessas matrizes, ou seja, em uma semana se
trabalha a Capoeira Angola e na outra a Capoeira Regional. A desconstrução iniciada por essa
escola não se limita ao campo específico dos saberes da Capoeira, mas extrapola para às
relações dessa prática com questões sociais de gênero, classe e raça.
O foco dessa investigação é a Capoeira do Centro de Capoeira São Salomão (CCSS),
que se caracteriza como um espaço de educação popular. Uma educação que reconheço como
política, mas que não deve ser confundida com educação partidária ou ideológica. Mas uma
educação política voltada para compreensão do sistema social em que se vive, e as lutas para
se gozar de uma verdadeira cidadania participativa. Esse sistema educativo é organizado
principalmente por instituições não governamentais, caracterizando-se como uma educação
não formal. Geralmente essa educação não formal, quando proposta a crianças e jovens, é
1 Em visita ao C.C.S.S o Mestre Brasília se referiu a capoeira Contemporânea como Capoeira Mix, pois
representa melhor esse tipo de capoeira que é a mistura da Capoeira Regional e da Capoeira Angola.
2 Como veremos mais adiante a capoeira Angola se confunde popularmente com a capoeira dita primitiva ou a
capoeiragem. Odiernamente a capoeira Angola é fruto da idealização de diversas escolas. “A capoeira de
Angola, na realidade, não tem um criador específico” P.17,Mestre Brasília, Vivências e fundamentos de um
mestre de capoeira (sem data).
3 A capoeira Regional foi criada pelo Mestre Bimba, incluindo golpes da luta do Batuque praticado por seu
pai.Inicialmente chamada de luta regional bahiana para driblar a proibição então vigente nessa época.
2
vivida através de atividades alternativas, que possuem propostas voltadas as dimensões
artísticas, lúdicas e culturais e são oferecidas no contra turno escolar, ou seja, em horários
diferentes do estabelecido para a educação formal.
Essa ideia está confirmada nas palavras abaixo de Izabel Cordeiro - Mestra Bel e
Ricardo Pires - Mestre Mago, mestres do CCSS, em seu artigo São gestos que educam mais
que cartilhas Experiências em práticas educativas e salvaguarda do patrimônio no Centro de
Capoeira São Salomão
Para nós da Capoeira a educação presente nos exemplos, nunca esteve somente
ligada a instituição escola. Em nossa formação muito do que aprendemos sobre nós
mesmos, nossa comunidade e nosso país, nem sempre estiveram ligados às
experiências das salas de aula. Educar sempre teve um sentido familiar amplo e
coletivo, um processo contínuo de se socializar em nossa cultura, a partir do lugar
que ocupamos nela. (IZABEL CORDEIRO - MESTRA BEL E RICARDO PIRES -
MESTRE MAGO, 2020, p.1)

A educação popular, portanto, permite que cada categoria social, entenda os conflitos
de interesse nos quais estão envolvidos e envolvidas, articulando-se para poder iniciar um
confronto, ou seja, estabelecer diálogos, tomadas de decisões, e a transformação do status quo
desfavorável. Educar de forma popular é por isso dar sentido as ações e decisões coletivas.
O cenário em que vivemos na atualidade, coloca grandes parcelas da população fora
das posições de poder, e das tomadas das decisões. Faz isso, com as ferramentas de uma
educação bancária4 e dominadora, que mantém o status quo da realidade econômica e as
desigualdades sociais, que tem consequências sobre o mercado de trabalho e, portanto, sobre
a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Miguel Arroyo, aponta no Prefácio do livro Pedagogia do Movimento Sem Terra, de
Roseli Caldart (2000), que é essa reeducação da cultura política que vai pondo a educação e a
escola popular na fronteira do conjunto dos direitos humanos e se contrapõe ao discurso
oficial e por vezes pedagógico, que reduz a escolarização a mercadoria, a investimento, a
capital humano, a nova habilitação para concorrer no mercado cada vez mais seletivo. O
escopo do educar de forma popular é favorecer a expressão da cidadania, tomar conta do
outro, dialogar, permitir se implicar emocionalmente no reconhecimento da alteridade.
O Centro de Capoeira São Salomão, local de nossa investigação, foi fundado em 28 de
junho de 1997 e reconhecido pelo Ministério da Cultura em 2009, como Ponto de Cultura, no
Programa Cultura Viva desse Ministério. Segundo sua descrição, presente no seu site

É uma entidade cultural, sem fins lucrativos e foi criada com o intuito de ser um
espaço de salvaguarda da Capoeira tradicional, especificamente no que diz respeito
à manutenção e utilização de seus saberes e fazeres como possibilidade educativa e
4 Em Pedagogia do Oprimido,Paulo Freire(1987) denomina de bancária a educação onde as injustiças sociais
não são enfrentadas, quando o educando é colocado como um agente passivo, como um objeto na relação
pedagógica. Nessa perspectiva a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e
conhecimentos.
3
assistencial. O Centro de Capoeira São Salomão tinha sua sede no bairro do Pina, na
Galeria Joana D’arc, até 2013, o qual funcionou desde sua fundação. A direção
desta galeria, não quis mais renovar o contrato de locação, sob a alegação de que o
Centro de Capoeira não correspondia mais ao perfil do espaço. O Pina se
modernizou e estava sujeita a uma forte especulação imobiliária inviabilizando
assim a continuidade das atividades do grupo nesse bairro e na comunidade. O
Centro de Capoeira São Salomão encontrou para sua nova sede um espaço no bairro
da Várzea e desenvolve seus projetos com os moradores desse bairro. Como escola
de capoeira, funciona através da colaboração de seus associados e parceiros. Abriga
vários projetos socioculturais, dentre eles: Caxinguelês, Cine Mandinga, É Cor de
Rosa Choque e o Caxinguelês Jovem. Essas iniciativas estão articuladas com o
objetivo de reafirmar a Capoeira como patrimônio imaterial da cultura afro-
brasileira. Além disso, esses projetos articulam outras demandas de grupos sociais
específicos atuantes. (Centro de Capoeira São Salomão – Recife
(capoeirasaosalomao.com.br) )

Esse TCC investigará as experiências educativas do CCSS, que será observado numa
pesquisa qualitativa, classificada como um estudo de caso, descrito por Trivinos (1990) em
Introdução Pesquisa em Ciências Sociais como uma categoria de pesquisa cujo objeto se
analisa aprofundadamente, observando tanto a natureza e abrangência da unidade, como por
exemplo, os níveis socioeconômicos presentes. Como também, levando em conta os aspectos
históricos sociais do objeto de pesquisa.
Eu escolhi para isso a observação participante como técnica de coleta de dados, porque
considero que se adequava melhor a meu contexto de capoeirista/ cientista social, pois
segundo Alda Judith Alves-Mazzotti e Fernando Gewandsznajder (1998, p.166), nessa
técnica “o pesquisador se torna parte da situação observada, interagindo por longos períodos
com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano, para sentir o que significa estar naquela
situação.”
Portanto ao executar observações participantes como prática de investigação
exploratória do grupo, iniciei um diálogo com as Mestras e Mestres do Centro, assim como
também com os e as estudantes. Durante esse período, percebi o impacto que a Capoeira tem
na vida dessas pessoas e o potencial de transformação que o modelo de educação popular, no
caso do CCSS através dos seus projetos, dentre eles o Projeto Caxinguelês e o Projeto É Cor
de Rosa Choque, tem na prática cotidiana e na vida do grupo. Portanto, a produção desse
TCC se torna relevante, pois, apresenta ao saber acadêmico uma experiência de educação
popular, compartilhado pelo Centro de Capoeira São Salomão, que sinaliza uma prática
dinâmica e pedagógica, ultrapassando o campo da educação formal e enxerga indivíduos
como sujeitos históricos, políticos e emocionais que ensinam e aprendem pela necessidade e
o gosto de ser cidadãos e cidadãs.
Nesse TCC norteio minha investigação através dessas duas questões centrais: De que
maneira a Capoeira do CCSS é uma ferramenta de educação popular e emancipação, no
âmbito das problemáticas contemporâneas como o feminismo e a luta contra o racismo? E
dentro do paradigma da educação popular, quais as estratégias pedagógicas utilizadas pelo
4
Centro de Capoeira São Salomão que o levam a ser reconhecido como espaço dessa prática?
Essas questões permitem compreender, incialmente, a Capoeira como uma ferramenta
de resistência e luta social. O discurso emancipatório ligado à Capoeira pela sua história em
relação ao sistema escravocrata, permanece vivo através da sua prática. Essa prática
acompanha as mudanças sociais e se adaptou aos desafios contemporâneos. Os desafios que a
Capoeira enfrenta a partir do seu lugar na educação popular, estão relacionados aos debates
sobre identidades de gênero e de raça. Graças a capacidade de resiliência 5, tanto da própria
tradição da Capoeira, como também da resiliência que a prática desenvolve nos capoeiristas,
quando se observa uma transformação deles como agentes de seu processo de libertação, pelo
surgimento de uma identidade de capoeirista, uma imagem do ser Capoeira.6
A ideia do trabalho é apresentar o Centro de Capoeira São Salomão como um espaço
que possibilita a ação social comunitária e individual, através de seus diversos projetos e
posturas políticas. Portanto, esse Trabalho de Conclusão de Curso, tem por objetivo principal
apresentar as experiencias educativas do Centro de Capoeira São Salomão nas relações
sociais emancipatórias de seus membros. Para isso foi necessário identificar os elementos
constituintes das ações sociais reflexivas na história da Capoeira, como também na sua
prática atual, conhecendo as mudanças sociais que possibilitam a emancipação dos indivíduos
e das suas comunidades, a partir da prática e do ensino da Capoeira.
Na sua teoria da estruturação, Giddens (1979) considera os indivíduos como agentes
capazes de executar ações dentro da estrutura que seria a sociedade. Giddens percebe a ação
conformando e confirmando as estruturas. Para Giddens a estrutura só existe à medida que a
ação do agente se realiza, pois é na agência que a estrutura ganha vida. A estrutura para
Giddens representa as regras, os recursos que os agentes dispunham para fazer a sua ação. A
ação do agente não está restrita ao que o agente pode fazer no ambiente ou em si mesmo, mas
a capacidade de agência também reside no que o agente não tem controle e não consegue
perceber nas consequências da ação.
Desse modo Giddens (1979) propunha a racionalização da ação, ou melhor dizendo, a
reconstrução discursiva das intenções da ação. Portanto, para controlar as consequências das
nossas ações, deveríamos expressar discursivamente aquilo que motiva para onde queremos

5 Segundo Amandine Theis (2006), em Aproche psychodynamique de la résilience, resiliencia tem


origem latina, de RESILIO (RE + SALIO) o prefixe RE indica um movimento para trais e o verbo SALIR
significa pular, saltar, portanto induz uma ideia de movimento de trais para frente, de aceitação e superação. O
seja , a etimologia permite dizer que a resiliencia é uma capacidade de resistencia que implique o fim de algo
que obriga uma volta a se mesmo,de contração,e em seguindo um carater dinamico de repercussão, de expanção
que permite ultrapassar o choque inicial.
6 O ser capoeira pode ser definido como o resultado da construção da subjetividade do indivíduo em indivíduo
capoeirista. Esse fenômeno é explicado em Fundamentos cultural da personalidade de Ralph Linton (1845),
“a culture d'une société détermine sans doute les couches profondes de la personnalité de ses membres par le
canal des techniques spécifiques d'élevage auxquelles elle soumet les enfants, mais son influence ne s'arrête
pas là ; elle continue à informer le reste de la personnalité en fournissant à l'individu des exemples de
réponse spécifique. Ce processus se poursuit pendant toute la vie.”
5
chegar com aquela ação. Desse modo, admite-se que a tradição da Capoeira está sendo
ressignificada pela agência dos seus praticantes.
De fato, ao discutir-se gênero e raça, os agentes permitem a modificação da estrutura e
assim a valorização de novos padrões de comportamentos. Além disso, nota-se na prática que
a tradição da Capoeira é uma estrutura resiliente, pois se adapta às demandas dos seus agentes
para superar as problemáticas contemporâneas, sem perder seus princípios de emancipação e
libertação.
O conceito de resiliência será compreendido nesse trabalho como, o resultado da
relação do indivíduo com seu meio, mas também da relação do seu passado com as
conjunturas políticas, sociais e humanas atuais. Amandine Theis (2006), em Aproche
pscicodinamique de la résilience, sinaliza para existência de numerosas definições para o
termo resiliência, portanto, é difícil elaborar uma definição consensual. No entanto, começa a
se multiplicar definições em domínios variados como da ecologia, zoologia, economia e
psicologia entendendo assim, a resiliência como uma força moral, a qualidade de alguém que
não se desanima.
Esses significados trazem a ideia de resistência, porém introduzindo um caráter
dinâmico, implicando o indivíduo, a comunidade como também uma vítima de um trauma.
Pois eles, não somente retornam a seu estado anterior, mas também o supera, quando às
condições externas o permite. De fato, pois não se trata de matéria inerte, mas de uma
entidade viva, agente da sua volta ao equilíbrio. Para Amandine Theis (2006), a resiliência é
uma característica do indivíduo, no entanto, a resiliência se situa na interação do indivíduo
com seu meio ambiente. Desse modo, é possível entender a prática da Capoeira como uma
prática resiliente, onde a tradição perpetuada é ressignificada.
A chave para a ressignificação da tradição da Capoeira e construção de uma ação
reflexiva se encontra nas estratégias educacionais. A reprodução do discurso e de suas ações é
possível a longo prazo por meio das práticas pedagógicas adequadas. E desse modo a
pedagogia do Centro de Capoeira São Salomão se inscreve dentro da perspectiva da educação
popular.
Para entender o que é educação popular é necessário entender o que é educação e o que
é popular, o que é possível, a partir de um breve apanhado histórico da instituição escola, que
para Varela e Alvarez-Uria (1991), sempre serviu como fábrica de formação de trabalhadores
para o mercado de trabalho. Nela a padronização e normalização do ensino traz várias
vantagens para sociedade, como a criação de uma identidade comum a todo território.
Contudo, a educação moral não está sendo apresentada como uma construção coletiva e
individual dos estudantes, mas como uma herança que não pode ser questionada. Nesse caso
não existe uma formação crítica e não se desenvolve a capacidade de questionar os saberes e

6
os ditos detentores desses saberes, ou seja os mestres/mestras, doutores/doutoras e
professores/professoras.
Esses problemas sociais eram, sobretudo, a desculpa encontrada pelas elites
dominantes para reforçar o controle social através de obra de caridade e de educação moral,
possibilitando o adestramento da classe operária com o fim de apaziguar o proletário e evitar
qualquer pensamento revolucionário. A educação formal, presente na história da escola, é
uma educação pouco voltada para a instrução e muita para o condicionamento e a obediência,
que vai legitimar as autoridades. A prática educativa da educação popular ao contrário, será e
deve ser, sempre política, pois introduz valores, projetos e utopias que questionam e
transformam as relações de poder pré-estabelecidas na sociedade. O que está referendado no
documento construído coletivamente por educadores e educadoras, Marco de Referênçia da
Educação Popular Para as Políticas Públicas.
“... a questão política da Educação Popular é a defesa de uma classe social, que se
identifica com os mais empobrecidos numa sociedade marcada historicamente pela
exclusão social como a brasileira, pautada na construção democrática de um projeto
de nação e de mundo que supere essas desigualdades sociais. (BRASIL, 2014,
p.29).

Assim entendemos que a educação popular, não é neutra, ela é a favor da emancipação.
A educação popular permite que cada categoria social, entenda os conflitos de interesse nos
quais estão envolvidas e se articulam para poder iniciar o confronto, ou seja, diálogo, tomada
de decisões e a rejeição e transformação do status quo. Por isso é preciso ver a educação
popular em sua interação com a realidade. O educando deve sentir e percebe a realidade sobre
a qual ele aciona uma prática transformadora.

É exatamente em suas relações dialéticas com a realidade que iremos discutir a


educação como um processo de constante libertação do homem. Educação que, por
isto mesmo, não aceitará nem o homem isolado do mundo – criando este em sua
consciência, nem tampouco o mundo sem o homem – incapaz de transformá-lo.
(FREIRE, 1983, p.51).

Com essa compreensão é que apresentarei ao longo desse escrito as experiências


educativas do Centro de Capoeira São Salomão como forma de Educação Popular, porque
acredito que as favoreçam a expressão da cidadania, sendo assim tomar conta do outro,
dialogar, permitir se implicar emocionalmente, no reconhecimento da alteridade são
caminhos para se estabelecer um encontro educativo e

Dessa forma, o saber sistematizado é pertinente às necessidades da população, e não o


conteúdo vazio de sentido, portanto, parte-se da visão das classes populares para
promover, dialeticamente, novos conhecimentos. Para tanto, esta perspectiva
considera que todo trabalho pedagógico é conflituoso, pois desvela interesses e
intencionalidades, na medida em que colocam, numa relação dialógica, diferentes
saberes em confronto. (Op Cit, p.37 )

7
Nesse sentido para se fazer uma educação popular, deve-se alimentar a utopia, desde
que essa utopia seja inclusiva e permita o questionamento constante de seus fundamentos e
valores. Assim a educação popular é geradora de mudança e emancipação de forma
ecológica, ou seja, com inclusão da diversidade, na qual cada indivíduo inacabado se entende
parte do processo de ação-reflexão-ação que constitui a construção do conhecimento.
Nesse trabalho dividido em dois capítulos acrescidos de considerações finais
apresentarei experiências educativas, na perspectiva da educação popular, na superação do
racismo e a favor do feminismo, tomando como referência o que acontece no Centro de
Capoeira São Salomão em seus projetos Caxinguelês e É Cor de Rosa Choque.

8
Capítulo 1: CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE CAPOEIRA, EDUCAÇÃO
POPULAR, GÊNERO E RAÇA PARA UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA.

Nesse trabalho procuro compreender e narrar como a Capoeira do Centro de Capoeira


São Salomão se constitui como conteúdo e espaço para uma educação emancipatória, no
enfrentamento das lutas contra o machismo e o racismo. Portanto nesse primeiro capítulo,
procurarei apresentar como na relação da educação popular e da capoeira, pode se construir
uma prática de educação emancipatória e para cidadania, através do enfrentamento às
questões de raça e gênero. Para isso, vou apresentar inicialmente conceitos sobre capoeira,
educação popular, raça e gênero.

1.1 Afinal o que é a Capoeira?

Para consolidação do tema de pesquisa aqui apresentado, precisei recorrer a uma breve
abordagem histórica da Capoeira, para entender seu conceito. Em primeiro lugar, é
importante lembrar que a Capoeira hoje reconhecida como Patrimônio Imaterial do Brasil e
da Humanidade, destacou-se nas narrativas sobre a história do Brasil, por diferentes óticas.
Inicialmente se tratou de prática excluída e perseguida socialmente, criada de maneira
espontânea, que compunha códigos e rituais diversos em seu fazer. Sobre essa Capoeira dita
primitiva7 existem controvérsias sobre sua origem, nas quais duas fortes correntes se
confrontam. Uma afirma que “...a capoeira teria vindo para o Brasil trazida pelos escravos, e
a outra considera a capoeira como uma invenção dos escravos no Brasil” (CAMPOS,2009,
p.33)
Para a palavra capoeira também existem controvérsias e diversos sentidos e
significados expressos nos relatos e estudos, como por exemplo o que sintetiza Hellio
Campos, Mestre Xaréu (Op. Cit, p.34)

Sugere Alencar, para o vocábulo capoeira, o tupi Caa-Apuam-era, traduzido por


“ilha de mato já cortado”. Segundo Rego, Henrique Beaurepaire Rohan (1879)
propôs o tupi Co-puera, significando “roça velha” (1968, p. 17); já, para Macedo
Soares (1880), o vocábulo vem simplesmente do guarani Caápuêra, “mato que foi”,
atualmente mato miúdo que nasce no lugar do mato virgem que se derrubou; J.
Barbosa Rodrigues (1887), no século passado registrou em seu livro Paranduba
Amazonense, a forma Caapoêra; e para o Visconde de Porto Seguro, o termo certo
é Capoêra.

As histórias da Capoeira, portanto estão sempre envolvidas em muitas narrativas, a


analisada a partir da oralidade afro-brasileira, por exemplo, localiza a origem da Capoeira nos
Quilombos – locais de moradia construídos longe das fazendas e entrepostos comerciais,

7 Mestre Bimba em seu depoimento no CD “Curso de Capoeira Regional, chama a Capoeira antiga de primitiva
9
pelas pessoas que fugiam da condição de escravos no Brasil colonial. Apesar de ser
recorrente essa narrativa, não existe nenhum documento que permite concluir que os
habitantes dos diversos quilombos, nas épocas em que existiram, tenham praticado capoeira.
(VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998)
No entanto há também narrativas que indicam a Capoeira se originar em um contexto
urbano, nas praças, portos, feiras e esquinas de ruas, principalmente das cidades portuárias.
Por mais que está hipótese corobora a versão dos defensores de uma fonte única e
heterogênea, ela não se apoia na informação documental, que reitera a origem urbana do
fenômeno. (SOARES, 2004)
Apesar das várias narrativas em confronto, não há dúvida entre pesquisadores e
pesquisadoras que a Capoeira foi usada como arma de guerrilha, permitindo aos africanos e
africanas sobreviver e se rebelar contra a imposição da escravidão. Nesse sentido se
reconhece a Capoeira como tática, arma e espaço de guerra a partir dos elementos culturais
trazidos do continente africano e seu desenvolvimento em solo brasileiro. Para Julio Cesar
Tavares “...a Capoeira veio constituindo-se em um discurso de guerra, cuja função era
garantir as possibilidades de resistência dos corpos, forçosamente transladados para uma terra
estranha e desconhecida.” (TAVARES, 2013 p.115)
Existem relatos descritos nos estudos sobre a Capoeira, de sua presença no Brasil desde
o final do século XVIII, contudo sobre o instrumento musical, berimbau, ligado a sua prática,
tem-se relatos somente no início do século XIX. Quando a partir do final do século XVIII e
início do século XIX, aumenta a população urbana em grandes centros, como Salvador e Rio
de Janeiro, devido tanto ao processo de decadência da agromanufatura açucareira no
Nordeste, da ampliação permanente das fazendas de café no Sudeste e um aumento
significativo da demografia brasileira. (Op. Cit).
Acreditam os pesquisadores e as pesquisadoras que foi nesse novo contexto, que a
população negra escrava e alguns poucos alforriados ocupavam os espaços das cidades e
encontravam formas de subsistências, como carregadores, escravos do ganho, peixeiros,
alfaiates, entre outras ocupações. Também aparecem aqui nessas ocupações, para os
escravizados ou alforriados, com inconteste destreza corporal, aquelas de segurança dos
proprietários de terras. Alguns se reuniam e formavam pequenos grupos, conhecidos como
Maltas, para realizarem esses trabalhos.
Para Hellio Campos, os trabalhadores escravizados estavam por toda parte, nos setores
urbano e rural e participavam ativamente da sociedade. Esta, apesar dos preconceitos, formas
de discriminação e criminalização foi aos poucos absorvendo suas culturas como os
“...folguedos, danças, culinária e crenças. Perguntamos: o que seria do Brasil, hoje, sem o
legado do povo africano? (MESTRE XARÉU,2009, p.32)

10
É nesse contexto que se desenvolve o destino da população negra, escravizada, dentro
da sociedade branca colonial, ou seja, numa luta permanente pela sobrevivência. Essa luta do
oprimido contra o opressor, não podia ser um confronto direto, haja vista a repressão oficial,
mas uma resistência maliciosa e organizada. As revoltas escravas em Salvador, no século
XIX, são exemplos, verdadeiras demonstrações de continuada resistência. E assim
conhecemos na história do Brasil, povos africanos como “...Nagôs, Malês, Haussás, entre
1807 e 1835, realizaram as primeiras revoltas em centros urbanos, coisa até então inédita, já
que as revoltas escravas de que se tem notícia, ocorreram sempre em áreas rurais.”
(TAVARES, 2013 p.117)
Em 1831 abdica D.Pedro I, devido a numerosas revoltas e conflitos socio-economicos
entre Brasileiros e Portugueses. A vitoria dos Brasileiros confirma o poder dos proprietários
de terra, do exército a seu serviço, do latifúndio e escravismo, porque a suspensão do tráfico
negreiro ficou para adiante, somente em 1850, sendo o Brasil o último país a fazê-lo. As
diversas revoltas então confirmavam a insatisfação das e dos escravizados, que soava como
ameaça contra o poder colonial, que temia para o Brasil o que aconteceu no Haiti. Por isso os
responsáveis pela Justiça no Brasil, permitiu o estabelecimento de castigos corporais para os
quem fosse preso em virtude de praticar a Capoeira. “Os Capoeiras estavam sempre presentes
nos momentos de rebeldia na cidade, bem como nos momentos de fuga das senzalas e na
proteção dos quilombos, marcando sempre, com sua presença, à maneira das camadas
subalternas, o processo histórico no Brasil”. (Op Cit, p.118)
Desse modo chegamos ao período republicano, no qual os Capoeiras continuavam
perseguidos. A publicação do Código Penal de 1890, demonstra que a jovem República
pretendia, através do Decreto-Lei nº 487, eliminar definitivamente a presença dos sujeitos
conhecidos como capoeira. O que pode ser constatado nos artigos abaixo:
ARTIGO 402: Fazer nas ruas ou praças públicas exercícios de agilidade
corporal conhecidos pela denominação de Capoeiragem: pena de dois a seis
meses de reclusão.
PARÁGRAFO ÚNICO: É considerada circunstância agravante pertencer a
Capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes, ou cabeças, impõe-se pena
em dobro.
ARTIGO 403: No caso de reincidência, será aplicada ao capoeira, no grau
máximo, a pena do art. 400 reclusão por três anos, em Colônias Penais ou
Presídios Militares na Fronteira.

Daí em diante, as investidas dos capoeiras, que assustavam profundamente o Governo


Provisório, foram perseguidas, reprimidas e criminalizadas. Para nosso estudo é importante
destacar que estas práticas de agilidade corporal dos sujeitos capoeira, conhecida como
capoeiragem, é fundamentalmente diferente daquilo que hoje é reconhecido como jogo da
capoeira, ou simplesmente capoeira. Nesse contexto descrito acima, a luta era explícita, não
havia roda, nem ritual; não havia música e nem “jogo” entre praticantes. Esse período da

11
chamada capoeira primitiva é conhecido e reconhecido entre estudiosos e estudiosas como
tempo da capoeiragem. (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.18)
No entanto, a Capoeiragem marcava a identidade nacional pelos costumes cotidianos,
por exemplo, os meninos copiavam as atitudes dos Capoeiras, como o ato de usar um boné à
banda, caminhar gingando e o brinco na orelha, sinal de valentia. Desse modo membros da
própria classe média passaram a ser Capoeiras, demonstrando que a arte já transcendia o
aspecto meramente socioeconômico desde então. No entanto eu acredito importante ressaltar
que mesmo se a Capoeira ultrapassava os aspectos socioeconômicos, para os criadores dessa
arte não era permitido a mudança de status na condição social e econômica. Portanto desde
sempre o preconceito e as formas de discriminação, para com os capoeiras e posteriormente
para a Capoeira, não é um preconceito devido a sua prática, mas à sua origem étnica e social.
Portanto, o preconceito que envolve historicamente a capoeira é de cor e de raça.

O discurso da República Velha, expresso nas leis e nas determinações de uma nova
“ordem” social, dava continuidade as narrativas escravistas, que enxergava o corpo negro
como “coisa”, mercadoria. É dessa forma, que segundo Julio Cesar Tavares

A proibição da Capoeira e dos cultos africanos veio marcar mais um passo na


desfiguração da memória deste país, pois atacavam-se os núcleos de resistência, que
se haviam constituído como formas alternativas ao sequestro colonialista
historicamente realizado (TAVARES, 2013, p.112)

Nesse sentido as políticas de Estado que começaram a se consolidar na República


Velha, eram evidentemente anti-negras, com o tentativa visível do embranquecimento visível,
fortalecido pela imigração desejada e organizada de trabalhadores europeus. É por esse
motivo que as histórias da Capoeira, carregam a salvaguarda das histórias das populações
afrodescendente do Brasil, agindo como um fator de resistência e pertencimento, podendo
colaborar com a formação da personalidade dos negros e negras.
Em negociação constante a luta dos capoeiras, a capoeiragem e seus praticantes se
adaptaram a nova era. Vemos na Bahia nascer o jogo da Capoeira que se diferençia da
capoeiragem por valorizar a dimenção ludica e a musicalidade, principalmente a do
Berimbau.
Essa nova prática vai se firmando em Salvador e em algumas cidades do Recôncavo
Baiano, a partir das primeiras décadas do século XX, como uma prática lúdica, na
qual se podia jogar, cantar, tocar instrumentos e também exercitar a luta. Esse jogo
vai se construindo e se consolidando pela presença significativa de seus líderes, que
nos “pedaços” de suas cidades ficaram conhecidos como mestres dessa arte.
( CORDEIRO 2016 p.32)

Os anos de 1930 e 1940 marcados pelas ondas nacionalistas, permitiram a reforma do


Código Penal de 1890, no qual não aparece mais a proibição a prática da capoeiragem.

12
Essa política populista aparentemente a favor da diversidade cultural da população brasileira,
foi uma ferramenta ilusionista, pois se de um lado se dava direito a cultura religiosa e as
tradições afro-brasileira, de um outro o Estado Novo colocava na ilegalidade a Frente Negra
Brasileira, primeira forma legal de organização da população negra no período republicano,
da qual faziam parte milhares de negros e negras. (LAIANA LANNES DE OLIVEIRA 2002)
Para o Estado Novo era proveitoso que a prática da capoeira fosse institucionalizada,
para fomentar um campo de apoio à política de uniformização social, desse modo, o Estado
planejava e constituía os mecanismos de controle social. Essas medidas denunciam as
influências positivistas de controle da sociedade. Controle que ali se inicia pelo controle dos
corpos pela formação dos professores de Educação Física e assim colocar o modelo
institucional como hegemônico, em detrimento das organizações populares. O momento era
muito propício, pois uma sociedade que se pretende autorregulada, sob controle, deve
preocupar-se com a disciplina dos corpos que nela atuam. (FOUCAULT, 1999)
A organização capitalista do Estado pressuponha a doutrinação das mentes e dos corpos
da classe trabalhadora a partir de uma ideia de nacionalismo. Esse período histórico, foi
marcado por uma corrida a industrialização. “Estava em superação a mentalidade agro
escravista e, em seu lugar, emergiam formulações mais compatíveis com o tempo urbano
industrial.” (TAVARES,2013, p.125) Dentro da perspectiva do positivismo, para chegar ao
progresso é necessário a ordem, a classificação, o controle e, portanto, a dominação. A
Capoeira mesmo discriminalizada é seduzida a se institucionalizar, para ser fiscalizada.
Contudo, mesmo passando a adentrar espaços fechados para sua prática, como centros de
cultura física, a Capoeira não deixa totalmente as ruas e não se submete ao controle proposto
pela burocracia estatal. A negociação dos capoeiristas e das Escolas de Capoeira, que vão
surgir nesse período, vão traduzir a capacidade de se adaptar, resistir e se conformar desses
sujeitos.
É nesse cenário que aparecem as figuras do Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba
(1909-1974) de um lado e, de outro, Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha (1889-
1981), que enfrentam o desafio de negociar e como estratégia de sobrevivência, criaram as
primeiras escolas de Capoeira. Desde então, para tentar definir o que é o jogo da Capoeira, ou
à Capoeira é necessário conhecer e entender a Capoeira Angola e a Capoeira Regional, as
matrizes formadoras desse jogo.
Manuel dos Reis Machado, mais conhecido como Mestre Bimba, fundou em Salvador,
na Bahia, em 19188, a primeira escola de Capoeira, que ele chamou para burlar a proibição
ainda em vigor do Código Penal de 1890, de "Centro de Cultura Física Regional". Depois

8 “Em 2018 foi comemorado o centenário da Regional,portanto ela teria se iniciado já em 1918.Isso pois a
comunidade está se baseando no fato de que em 1968 foi comemorado os 50 anos de Regional.” (Jão Paulo de
Araujo Pereira. 2020 ,p.67.)
13
que a capoeira saiu do Código Penal, a prática passou de “Luta regional baiana” a ficar
conhecida como " Capoeira Regional "(PEREIRA, 2020, p.67)
O fato de Mestre Bimba criar uma escola e portanto uma metodologia de ensino, é
singular porque, até então a Capoeira se aprendia de “oitiva” na rua, nos terreiros e arredores
da cidade, onde as rodas acontecia. (ABIB,2004 p.128). A oitiva é um claro exemplo de como
de dava a transmissão através da oralidade na Capoeira, baseada na experiência e na
observação.
Até então não existia metodologia sistematizada para aprender e ensinar capoeira.
Mestre Bimba para facilitar o ensino da capoeira, aos poucos vai construindo, baseada em sua
experiência e conhecimento, um sistema que inclui as famosas sequências de ensino, para
iniciar o calouro no aprendizado da capoeira. Seu método até hoje é fonte primária para quem
pretende ensinar a capoeira. É interessante destacar que Mestre Bimba não esperou a retirada
da capoeira do Código Penal para criar sua escola, o que demonstra a genialidade e vontade
de fazer sua arte sobreviver, acompanhando, negociando e se antecipando as mudanças
sociais do seu tempo.
A Capoeira Regional é diferente da capoeira dita primitiva, mesmo Mestre Bimba
incorporando na sua criação elementos do "Batuque", uma luta africana praticada por seu pai.
Além da metodologia de ensino, o Mestre Bimba cria para o ritual da roda, a Charanga, que é
o instrumental da Capoeira Regional, composta de um berimbau e dois pandeiros. A
chararanga é composta de um Berimbau e dois pandeiros.
A capoeira Regional se caracteriza por sua metodologia, seus ritmos, sua cadência e
rituais. Como por exemplo as cinturas desprezadas durante o toque de “Iuna”, o Batizado
onde o calouro recebe seu apelido, nome de capoeirista, e pelo ritual da formatura. As
quadras e os corridos são as canções utilizadas para desenvolvimento do jogo. No entanto
para Mestre Nenel
A Capoeira Regional, para além de um apanhado de movimentos, diz respeito a uma
filosofia de vida e uma metodologia de ensino desta manifestação cultural. Dentro
dessa lógica multifatorial, temos pressupostos relacionados ao método de prática e
ensino, questões relacionadas aos rituais e tradições que alimentam a capoeira como
elemento da cultura afro-brasileira e os princípios que regem o comportamento dos
capoeiristas que seguem essa filosofia, seja na roda de Capoeira, mas também na
sua vida cotidiana. (MESTRE NENEL, 2018, p.45)

As diferenças entre a Capoeira Regional e a Capoeira Angola são de várias ordens,


contudo, elas também possuem semelhanças. Entre as diferença que podemos destacar, que a
Capoeira Angola não tem um criador específico. Apesar do Mestre Pastinha ser considerado
um importante guardião dessa forma de entender e praticar a Capoeira, principalmente por ter
criado a primeira escola de Capoeira Angola. No entanto, não se pode falar de uma única
Capoeira Angola, porque existem várias linhagens de Capoeiras Angolas. 9 “A Capoeira
9 Anotações da fala da Mestra Janja em visita ao Centro de Capoeira São Salomão
14
Angola, na realidade, não teve um criador específico”. (MESTRE BRASÍLIA, S/D, p.17).
Por isso, ninguém pode afirmar que ela tenha um número determinado de golpes. Isso
permitiu que seus praticantes criassem dentro dos princípios e com lógica.
A denominação Capoeira de Angola se fez deu por fazer alusão a crença de que a
Capoeira venho de Angola, sendo essa uma brincadeira dos Angolas. Alguns acreditam que o
nome nasce para caracterizar essa prática, em oposição ás transformações empreendidas por
Mestre Bimba, com a criação da Capoeira Regional. As Capoeiras Angolas são variadas na
interpretação das suas tradições, assim como também da diversidade de movimentos, mas se
consolidou uma estrutura a partir dos ensinamentos da escola de Mestre Pastinha, Centro
Esportivo de Capoeira Angola, fundado em 1941. Desse modo, a orquestra da Capoeira
Angola é composta por três berimbaus, um grave, um médio e um agudo. Todos três tem
funções diferente e dialogam entre sim, pela combinação de toques, como “Angola”, “São
Bento Pequeno” e “São Bento Grande”. A orquestra, também conhecida como bateria é
acompanhada de um, ou dois pandeiros, um atabaque, um reco-reco e um agogô. A presença
de um ou dois pandeiros e da presença ou não, do agogô e reco-reco, dependem de cada
escola de Capoeira Angola.
Existem diversos rituais específicos da Capoeira Angola, como a chamada para o passo
a dois, as saídas de jogo, e existem também os balões da Capoeira Angola. 10Existem
controversas no mundo da capoeira em que a Capoeira Angola seria a única Capoeira
tradicional, no entanto, os estudos sobre o tema indicam que tanto a Capoeira Angola como a
Capoeira Regional são formulações contemporâneas a partir de uma prática não codificada,
que até então é identificada como capoeiragem. Segundo Sodré

Atribuir à Capoeira Angola uma origem autêntica (essencial, sem invenção


histórica) é nada saber da dialética complexa do processo de constituição desse jogo
no território nacional. O que existia mesmo, nos começos, eram formas diversas de
uma capoeiragem primitiva, antiga, que a exemplo da região do Recôncavo,
encaminharam-se para uma síntese urbana em Salvador. Angola e Regional são
formas diferenciadas dessa síntese ( MUNIZ SODRÉ,2002 p.74) .

A prática da Capoeira Angola e Regional são todas duas tradicionais e cultivam em seus
seios todas as modalidades (esporte, luta, dança, cultura popular e música) que lhe outorga
uma excepcional riqueza artística, melódica e dinâmica; e finalmente, uma gama intensa de
aplicações filosóficas, esportivas, coreográficas, terapêuticas, pedagógicas que abrange desde
o simples jogo lúdico até a eficiência das artes marciais e da defesa pessoal. Desse modo,
entendendo que a roda de capoeira é um microcosmo que reflete o macrocosmo 11 da vida,
10 Anotações da fala dos Metres e Mestras do Centro de Capoeira São Salomão como também da fala do
Mestre Plínio em visita ao C.C.S.S
11 O conhecimento que ilustrado pela metáfora de que a roda de Capoeira é a pequena roda e a vida é a grande
roda, o seja, que um é reflexo do outro, como o microcosmo e o macrocosmo é um conhecimento
transmitido pela oralidade a partir de canções como também discursões entre capoeiristas.
15
portanto o mundo que nos cerca.
Vários elementos permeiam nossas relações com o mundo e no Jogo de Capoeira estes
elementos aparecem de maneira intensa. Respeito, malícia, maldade, responsabilidade,
provocação, disputa, liberdade, brincadeira, e poder, entre outros, estão presentes em maior
ou menor intensidade durante um jogo, e não há um jogo igual ao outro, mesmo com um
mesmo oponente.
Portanto o microcosmo da Capoeira é reflexo do macrocosmo que é a vida, e se torna
difícil elaborar uma definição finita sobre Capoeira. Desse modo para definir a Capoeira, eu
faço minhas as palavras do Mestre Nenel, em sua obra Bimba um século de Capoeira
Regional
A Capoeira felizmente não pode ter uma definição. Talvez seja bem por isso que ela
se mantenha viva. A tentativa de defini-la acaba fazendo com que ela se perca em
vários sentidos, já que era praticada de forma muito livre e sem requisitos. Muitos já
tentaram monopolizá-la de várias formas, mas, graças a Deus, até o momento
continua livre. O que podemos concluir sobre ela é que a capoeira se manifesta de
acordo com a necessidade de cada indivíduo, podendo servir como luta, jogo, lazer,
espetáculo, resistência, folclore, dança, fisioterapia, terapia, esporte, religião,
cultura (e o que mais emergir).A capoeira, acima de tudo, é uma filosofia de vida,
uma pratica que reúne muitas coisas num só ponto e que, assim entendido,
chamamos de capoeira. (MESTRE NENEL, 2018, p.39)

A Capoeira se consolidou ao longo da história do Brasil como uma das mais


importantes tradições culturais de matriz africana. Configurando-se, atualmente, como uma
filosofia de vida, uma forma resiliente de ver o mundo, que se atualiza e se insere no jogo
político, na luta por seu reconhecimento. Tem sido um espaço para manter viva formas de ser
e estar no mundo.
Augusto Januário Passos da Silva (2003), pesquisador e mestre de capoeira Angola,
aponta que o capoeirista deve se comportar diante das adversidades da vida, ora
encarando o problema de frente, ora se retirando para uma nova investida. Só assim
conseguirá vencer o problema: estratégia sempre foi a melhor arma. Para ele, a
capoeira é, sobretudo, um modo de viver, uma filosofia baseada na liberdade, na
alegria, no respeito, na cooperação, na camaradagem, no espírito comunitário,
integrando o capoeirista na sociedade. Ele destaca que, a tradição não desaparece
nunca, isto é, renasce em outros moldes, adaptando-se a diferentes contextos de
vida, sem perder sua originalidade.” (NOGUEIRA, 2013, p.111)

Nesse sentido os movimentos da capoeira, aprendidos de maneira coletiva, comunitária,


nos permitem obter e criar visões de mundo, dos mais diversos ângulos e posições,
colaborando na educação dos grupos que cultivam sua prática. É por isso que Mestre Pastinha
em sua célebre frase, veiculada no documentário, Pastinha uma vida pela capoeira, nos dizia
que, “A Capoeira é manha, é mandinga, é malicia, é tudo que a boca come.”12 Por isso
Aprender os movimentos da capoeira não se limita a aprender a jogar em uma roda
de capoeira. A Capoeira Angola é um jogo de desafios e inversões, mais que
certezas. A Capoeira Angola tem também estrutura, mas que, ao invés de limitar,
pode ter o sentido de libertar.” (MACHADO; COSTA,2015, p.99).

12 Mestre Pastinha em documentário - Pastinha uma vida pela capoeira


16
1.2 A Lei 10.639 e a educação popular para formação cidadã.

O Brasil é um Estado democrático de direito e tem a cidadania como um dos seus


princípios fundamentais, como diz o artigo 1º, inciso II, da Constituição Federal de 1988.

TÍTULO I. Dos Princípios Fundamentais . Art. 1º A República Federativa do


Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I
– a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,2019
p.15,)

O conceito de cidadania está claro na Lei, contudo muito vago e não muito concreto na
realidade. O texto da Lei se refere a direitos, liberdades, votação, manifestações,
nacionalidade, o que está cada vez mais presente não nas políticas públicas, mas dentro de
associações, movimentos sociais,comitês de bairro, entre outrso.
O conceito de cidadania é um conceito que esta em permanente construção, através dos
séculos, tem a preocupação de estabelecer diretrizes para a vida comum das populações.
Em alguns estudos a ideia de cidadania remonta à Grécia antiga. A cidade grega, ou Polis,
permitia a invenção da ideia de cidadão. Os gregos da época imaginavam uma sociedade
política abstrata, distinta da sociedade real e ainda composta de indivíduos concretos.
(MANZINE-COVRE, 1994)
Dentro dessa ideia os gregos inventaram o estado de direito, onde regras definidas
governam as ações de representantes políticos e cidadãos.O cidadão e as cidadãs são um
sujeitos de direitos e, portanto, tem direitos civis, sociais e políticos. Esses direitos se referem
às grandes liberdades: liberdade de expressão, de opinião, reunião, associação, adoração.
Cidadania política é mais vinculado à participação do cidadão e da cidadã na tomada de
decisões e na organização do vida coletiva, em sociedade. O cidadão e a cidadã tem, portanto,
nos direitos políticos: direito de voto, direito para ser elegível, para criar uma associação ou
um partido político. A cidadania também se refere aos direitos econômicos e sociais: o direito
a boas condições de trabalho, proteção social, aposentadoria, etc. Estes direitos foram
reconhecidos tarde, em nossas sociedades modernas e são o resultado de acordos que foram
firmados graças aos mecanismos da social-democracia, expressando-se hoje na consulta entre
os parceiros sociais. (Op Cit)
O conceito de cidadania pressupunha a ideia da coabitação e colaboração entre cidadãos
e cidadãs, que se identificam como parte de uma nação, com valores e histórias em comum.
Portanto para expressar sua cidadania é importante conhecer e entender o processo histórico
de criação da nação e respeitar as diferentes identidades individuais que contribuíram para a
sua formação. Portanto conhecer e criticar o processo histórico da formação da nação é a

17
expressão da cidadania e da democracia como o expressa Manzine e Covre

No âmbito do walfare state, há espaço para o desenvolvimento da democracia, uma


vez resguardado o traço básico da existência de cidadania – o fato de as pessoas
exteriorizarem, na ação social a crítica construtiva do comum.[...] Tal ação social
critica diz respeito ao exercício da cidadania como processo inventivo de cada um e
de todos, de forma que possamos ter as mesmas condições comuns regidas por
normas legais de que possamos fazer uso igualmente ou pluralisticamente.
(Manzine e Covre ,1994, p. 69)

Portanto, compreender melhor as nossas origens, como nossa ancestralidade africana é


fundamental para a compreensão do nosso país e nação, Brasil. Desse modo penso que uma
consciência afro-brasileira é importante para todos os cidadãos e cidadãs, independentemente
do grupo étnico-racial ao qual pertence, pois isto significa um fortalecimento da cidadania e
da democracia, para que a diversidade étnico-racial que formou e forma nosso país, seja cada
vez mais valorizada e possamos superar o racismo e as formas de discriminação que ainda
existem. Desse modo,

A categoria cidadania, como tento distinguir lá, depende da ação dos sujeitos e dos
grupos básicos em conflito, e também das condições globais da sociedade. Ela pode
permitir uma práxis coletiva que coaduna os polos da construção social: o do
indivíduo e o da coletividade quando se observa que o exercício contemporâneo da
cidadania tende a ter por suporte a pessoa (Suas necessidades e desejos), ao mesmo
tempo que se desenvolve via organismos sociais que tem por referenciais o coletivo.
( Op Cit, p.69/70)

No sentido apontado acima é que se fazem necessárias as exigências colocadas na Lei


10.639/2002, que dá visibilidade a temas como a educação antirracista, a pluralidade cultural
e o multiculturalismo, além de colocar em pauta a discussão do novo papel do Estado na
conformação da cidadania. A Lei 10.639/2002 acrescenta referências para a LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação no Brasil) aprovada em 1996.
Para Teixeira portanto

As políticas públicas são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder


público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade,
mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, neste caso, políticas
explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas
de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de
recursos públicos. Nem sempre porém, há compatibilidade entre as intervenções e
declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também
as “não ações”, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois
representam opções e orientações dos que ocupam cargos. ( TEIXEIRA,2002 p.2)

Essa visão é abrangente e se refere as demandas do interesse coletivo assim como de


grupos específicos. Portanto as políticas públicas estão em constantes mutações e devem
atender aos interesses de diversos campos da sociedade, que sejam minorias, ou categorias de
18
pessoas especificas.
Para Rua (2007)

As políticas públicas (policies), por sua vez, são outputs, resultantes das atividades
políticas (politics): compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à
alocação imperativa de valores. Nesse sentido é necessário distinguir entre política
pública e decisão política. Uma política pública geralmente envolve mais do que
uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para
implementar as decisões tomadas. Já uma decisão política corresponde a uma
escolha dentre um leque de alternativas, conforme a hierarquia das preferências dos
atores envolvidos, expressando - em maior ou menor grau - uma certa adequação
entre os fins pretendidos e os meios disponíveis. Assim, embora uma política
pública implique decisão política, nem toda decisão política chega a constituir uma
política pública. Um exemplo encontra-se na emenda constitucional para reeleição
presidencial. Trata-se de uma decisão, mas não de uma política pública. Já a
privatização de estatais ou a reforma agrária são políticas públicas. (RUA,2007,
p1/2)

Por todas essas questões, a sociedade civil tem um papel fundamental para a
manutenção das políticas públicas apresentadas à sociedade. A colaboração da sociedade civil
com o governo permite avaliar as situações em função da realidade vivida pela população.
Essa colaboração exige que os parâmetros adotados levem em conta realidades internas e
externas inerentes as categorias alvo das políticas públicas.

Desde os primórdios já se lutavam por reconhecimento de classes inferiores e


legislação ou condições específicas às mesmas. No Brasil, (REZENDE,
CAVALCANTI, 2009, p. 21) o marco de expansão das políticas sociais foi a
Constituição de 1988, que articulou a política de seguridade social e dotou-as de
fonte de financiamento. Com a Constituição Cidadã, as classes puderam se
organizar de modo legal e munir-se da legislação para a obtenção de um
reconhecimento por parte do Estado e posteriormente, tratar dos direitos individuais
e coletivos. (IVANI RODRIGUES PANFERRO TARCÍSIO JOSÉ FERREIRA
2013. P.50 )

Com esses estudos identificamos, que para ter justiça social no Brasil é precisa de um
olhar crítico e minucioso em relação à população e as diferentes categorias sociais que nela
habitam. A justiça social, então, depende da participação social, juntamente com o
reconhecimento e valorização da diversidade. Portanto é urgente no Brasil se regulamentar as
políticas públicas já existentes e se criar outras focadas nas necessidades de cidadãos e
cidadãs afrodescendentes e indígenas.
A gestão das desigualdades cobre vastas áreas da atividade social. O mercado de
trabalho, a representação política e as oportunidades educacionais são partes delas, porém,
independente do contexto social do qual as políticas afirmativas emergem, elas se constituem
em mecanismos de diminuição de desigualdades historicamente construídas e tem por escopo
prevenir que novas desigualdades se estabeleçam no tecido social. Portanto as diferentes
condições de gênero, raça, orientação sexual, participação política e religiosa não devem ser
19
motivo de desigualdade.
No entanto
A realidade é que em vez da sociedade progredir,venha a regredir com tais
pensamentos racistas e classicistas fazendo com que ricos e brancos sejam
hegemonizados enquanto as demais raças são sobrepostas e colocadas em segundo
plano nas questões de igualização sociais. (IVANI RODRIGUES PANFERRO
TARCÍSIO JOSÉ FERREIRA.2013 P.56 )

Tudo isso porque o racismo institucional está presente e por vezes legitimado pelas
políticas públicas que o alimentam e justificam. O papel do Estado nas questões afirmativas é
de regular as políticas de inserção e de combater a essas desigualdades. Portanto no Brasil as
políticas afirmativas passam principalmente, pelas questões educacionais, nas escolas de
ensino fundamental e médio com uma revisão dos conteúdos, revisando onde foi inserida a
formação sócio histórica do Brasil, trazendo as questões indígenas, de africanidades e
negritude para o discurso. Tal medida permite lutar contra o racismo institucional.

O racismo institucional é um dos modos de operacionalização do racismo patriarcal


heteronormativo - é o modo organizacional - para atingir coletividades a partir da
priorização ativa dos interesses dos mais claros, patrocinando também a negligência
e a deslegitimação das necessidades dos mais escuros. E mais, como vimos acima,
restringindo especialmente e de forma ativa as opções e oportunidades das mulheres
negras no exercício de seus direitos. (IVANI RODRIGUES PANFERRO
TARCÍSIO JOSÉ FERREIRA.2013 P.59)

No entanto, a colaboração do estado e da sociedade civil é primordial, pois, a política


de igualdade também é uma política de reconhecimento. Portanto, a educação popular é um
espaço onde se pode efetivar as políticas de maneira mais concreta.
Ancorada no conceito da educação popular e desenvolvimento das potencialidades
sócio-artísticas-culturais das crianças, a abordagem libertadora13 proposta pela Capoeira não
coloca o foco somente na atividade física, mas sim no objetivo de apresentar o caráter lúdico
e a historicidade da Capoeira. Ao trabalhar com crianças, por exemplo, a Capoeira abre a
janela desse mundo simbólico, no mundo da fantasia e para isso é possível utilizar-se de todo
tipo de recurso teatral, desde fantoches, bolas e contação de histórias.14
Nas aulas de Capoeira não são somente as crianças que aprendem, os adultos também
aprendem muito sobre o universo da infância e sobre como as crianças olham e se percebem
no mundo. Ao trabalhar uma simples bananeira (parada de mãos), estamos trabalhando muito
mais do que o desenvolvimento de uma capacidade motora. Para executar este movimento a
criança terá que enfrentar sentimentos como medo, insegurança e frustração, trabalhando a
tolerância ao erro, a resiliência e a capacidade de autossuperação. O trabalho com a capoeira,
13 A abordagem da capoeira aqui citada é demuma educação popular que recorre a criatividade e a imaginação
e portanto, uma “educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e
de libertação”.( PAULO FREIRE. 1967 p.36)
14 Anotações feitas durante a oficina de capoeira do Mestre Tony Vargas, em visita ao Centro de Capoeira São
Salomão
20
como campo da educação popular é importante para crianças de diferentes origens, pois abre
uma janela de conhecimento e valorização da cultura negra, e portanto um trabalho de
desconstrução e combate as práticas racistas presentes na sociedade.

A utilização da capoeira com ferramenta de desenvolvimento social é muito


abrangente, levando o indivíduo a ter um espaço dentro de um grupo social, vendo a
importância do mesmo neste e, seu impacto na sociedade, apresentando políticas
públicas de inclusão, acompanhamento e desenvolvimento infanto-juvenil, adulto e
do idoso. ( IVANI RODRIGUES PANFERRO TARCÍSIO JOSÉ FERREIRA. 2013.
P.70)

Nesse sentido a valorização da cultura negra acontece em um processo de emancipação


mental, descolonização simbólica e desconstrução de valores racistas. Crianças brancas
precisam de referenciais positivos negros, para compreenderem como podem vir a ser agentes
de transformação dentro da sociedade que as privilegia. Crianças negras precisam destes
mesmos referenciais para fortalecerem sua autoestima, construírem uma história e terem
ferramentas para enfrentarem o racismo.
Enaltecer durante as aulas, heróis e heroínas da história da população africana, e
afrodescendente, por exemplo, é de suma importância no trabalho educativo, que a Capoeira
colabora, na desconstrução de valores racistas e estereótipos de gênero. Trabalhar em espaços
onde a maioria das crianças são brancas, trazendo referenciais das potências da cultura
afrodescendente, ajuda na conscientização dessas crianças brancas sobre a força desses
saberes, ao mesmo tempo que empodera as crianças negras. Porque a representatividade de
forma positiva é muito importante para um processo educativo que promova a equidade.
A atividade Capoeira como educação popular participa então ao cumprimento da Lei
11.645, de 10 março de 2008 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afrobrasileira e Indígena”.
Também responde ao Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288,de 20 de julho de 2010,
que no Art. 22 diz:
Artigo 22: A capoeira é reconhecida como desporto de criação nacional, nos termos
do art.217 da Constituição Federal.
§ 1o A atividade de capoeirista será reconhecida em todas as modalidades em que a
capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança ou música, sendo livre o
exercício em todo o território nacional.
§ 2o É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos
capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos.

No entanto, aula de capoeira não é remédio. Ter aulas de capoeira não é um caminho
definitivo para acabar com o racismo. Para isso os projetos políticos pedagógicos em todos os
âmbitos da sociedade, devem estar também comprometidos com o combate ao racismo.
Porque situações de racismo são vivenciadas diariamente dentro dos ambientes educacionais
21
e culturais. Nestes casos, cabe aos educadores e educadoras provocar a reflexão e ação
específica para conscientizar.
Nesse sentido entendendo o espaço da aula de capoeira como um momento de
expressão de uma linguagem artística, cultural e política, na qual pode se desenvolver um
potencial para um futuro melhor para todas as pessoas. Concordo com a fala da Mestra Bel e
do Mestre Mago quando no artigo “São gestos que educam mais que cartilhas” Experiências
em práticas educativas e salvaguarda do patrimônio no Centro de Capoeira São Salomão
dizem;
Observamos por exemplo, que em todos os lugares do mundo em que a capoeira se
faz presente, por mais que sejam múltiplas suas práticas, eles são sempre ambientes
em que se veiculam e se transformam conteúdos e formas de se cultivar a vida
comunitária, ancoradas nas heranças recebidas pelos mestres e mestras dessa arte. A
diversidade, elasticidade e resistência da capoeira, frente as tantas formas de
perseguição sofrida historicamente por ela e seus detentores, deu uma visibilidade
inegável a ela como modo de se fazer no mundo. (CORDEIRO E PIRES ,2020, p.3)

Por isso penso que uma criança criada em um ambiente de valorização de heróis e
heroínas negros e negras, cantando músicas que ressaltam positivamente mestres e mestras
afrodescendentes, durante sua formação terá referenciais positivos para se espelhar e
construir uma autoimagem positiva. Isso aumenta a chance desta criança vir a ser um adulto
situado em suas identidades, consciente delas e um possível agente de transformação social.

1.3 Capoeira e gênero, uma relação mais que significativa na atualidade.

Para abordar as relações de genero dentro da capoeira eu escolhi utilizar como fonte
teorica a autora Joan Scott por sua perspectiva subversiva da luta contra as estruturas sociais
patriarcais e sua participação na introdução do conceito de genero na analise dos processos
historicos de dominação.
Portanto, segundo Joan Scott (1989) as noções de gênero são considerações construídas a partir
das diferenças percebidas entre os sexos.
Um conjunto de símbolos culturalmente disponíveis que evocam
representações múltiplas, conceitos normativos que colocam em evidência
interpretações do sentido dos símbolos que tentam limitar e conter as suas
possibilidades metafóricas. Esses conceitos são expressos nas doutrinas religiosas,
educativas, científicas, políticas ou jurídicas e tipicamente tomam a forma de uma
oposição binária que afirma de forma categórica e sem equívoco o sentido do
masculino e do feminino. (JOAN SCOTT, 1989, p.21)

Foram as feministas como Joan Scott que ao iniciar os estudos de gênero, acabaram por
revolucionar os paradigmas das pesquisas científicas inscrevendo as mulheres na história, o
que implicou necessariamente numa redefinição e alargamento das noções tradicionais do que
era historicamente importante, para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva, quanto as

22
atividades públicas e políticas. Para Joan Scott, as historiadoras feministas utilizaram muitas
abordagens nas análises de gênero, mas estas podem ser resumidas em três posições teóricas.
A primeira um esforço inteiramente feminista, que tenta explicar as origens do
patriarcado. A segunda se situa no seio de uma tradição marxista e procura um
compromisso com as críticas feministas. A terceira, fundamentalmente dividida
entre o pós-estruturalismo francês e as teorias anglo-americanas das relações de
objeto, inspira-se nas várias escolas de psicanálise para explicar a produção e a
reprodução da identidade de gênero do sujeito. ( Op.Cit, p.9)

Dessa forma, para um trabalho de gênero na capoeira, não se trata de incluir a história
das mulheres na história da capoeira, mas revisitar essa história contada como um todo, sobre
outros olhares.
Do seu surgimento, até os anos de 1970, a capoeira foi um universo de visibilidade
quase exclusivamente masculino. Somente a partir dos anos de 1980 que o número de
mulheres aumentou de forma significativa nessa prática e ganha certa visibilidade.
(NOGUEIRA,2013) Existem poucos documentos relatando a presença de mulheres na
capoeira durante os séculos XIX e XX. Muito do que se sabe desse período, ficou preservado
nas histórias orais e cantigas de capoeira, e em alguns autos policiais do Rio de Janeiro e de
Salvador, conforme apresentam a autora e os autores: Barbosa (2005), Oliveira (2004) e Rego
(1968).
Segundos os estudos citados, essas mulheres eram pobres e trabalhavam na rua
disputando o espaço com os homens. Esse comportamento não era esperado pela sociedade
patriarcal e burguesa, que determinava que o lugar da mulher era dentro de casa, como faziam
as mulheres brancas da elite. A rua era concebida como espaço do homem. Contudo na rua, as
mulheres trabalhadoras, disputavam o espaço de venda de suas mercadorias e serviços,
inclusive enfrentando homens capoeiristas.
De acordo com Oliveira (2004, p.68), elas eram ágeis, versáteis, econômicas,
políticas e libertas, vencendo o desafio de estar na rua. Estas “mulheres da pá
virada” disputavam esse espaço social masculino “a golpes de navalhas, cacetadas e
pontapés contra quem lhes representasse uma ameaça”; o que lhes rendia uma
descrição masculinizada.”(SIMONE GIBRAN NOGUEIRA. 2006, p.120)

Desrespeitando, à moral pública, eram perseguidas pela polícia e descritas como brabas,
valentes, desordeiras, endiabradas, arruaceiras, incivilizadas, vagabundas e decaídas. Quando
a capoeira passa a ser autorizada em espaço fechados, a presença da mulher aumenta, no
entanto, com função de apoio logístico, organizacional, burocrático no grupo. A participação
efetiva nas rodas começou a partir dos anos de 1980, segundo Simone Gibran Nogueira
(2006).
Muitas dessas mulheres, segundo Barbosa, que ingressa na capoeira na década de 1980,
são oriundas da classe média, já tinham experiências com práticas corporais artísticas e ou
esportivas, como por exemplo a dança e a ioga.

23
Contudo, segundo Nogueira (2006), existem outros fatores que possibilitam a
participação das mulheres de diversas classes sociais na capoeira. Como

a divulgação da capoeira no Brasil e no mundo; a maior emancipação das


mulheres; o apoio de intelectuais dos grandes centros urbanos; a modernização da
família brasileira; a política do Estado que elevou a capoeira à categoria de esporte
e patrimônio cultural; a maior infiltração da cultura afrodescendente na mídia; a
penetração da capoeira nas escolas; a expansão dos grupos folclóricos e shows
culturais; a propagação e a divulgação da capoeira na internet e a sua globalização;
o estabelecimento de academias de capoeira no exterior; a atitude mais aberta e
menos machista dos mestres e instrutores; a organização de encontros e eventos; o
impacto positivo de capoeiristas que estão afiliadas a universidades no Brasil e no
exterior; o crescente número de publicações sobre capoeira; a inclusão da capoeira
nos programas educacionais e eventos públicos tanto no Brasil como no exterior.
( SIMONE GIBRAN NOGUEIRA. 2006p.121. )

Apesar de tudo isso, as mulheres continuam sofrendo do machismo e da resistência


patriarcal por parte de alguns homens capoeiristas. Esses usam da violência física ou
psicológica para impedir ou invisibilizar a presença das mulheres na roda, com atitudes
claramente discriminatórias e de rejeição, ou algumas sutis e veladas, como o cavalheirismo
exagerado dos camaradas.
Se referendo a obra de Barbosa, Nogueira retrata assédios dos mestres e capoeiristas
mais experientes que utilizam a sua posição de autoridade para se envolver romanticamente
com as alunas ou para exercer controle sobre elas. Inserida na sociedade contemporânea
patriarcal, a capoeira reproduz padrões e atitudes de superioridade que homens costumam
assumir, ficando reservado as mulheres o papel secundário.
Nogueira (2006) também apresenta que na contramão da reprodução social machista, a
maioria das mulheres entrevistadas em seu estudo, relatam relações respeitosas e afetivas, que
não sofreram em suas trajetórias discriminações e nem tiveram privilégios por serem
mulheres. E acrescenta com a fala de uma de suas entrevistadas “...parece existir mais um
clima de camaradagem e companheirismo nas rodas de capoeira do que em muitos outros
setores da sociedade.”
Joan Scott (1989) identifica também que a dominação masculina que aliena a mulher
dos domínios de poder, está presente na política institucional, na vida pública e mesmo dentro
da família. Nesse sentido o controle construído pela sociedade patriarcal no século XIX
tomou forma de uma política sobre o corpo das mulheres que continua presente até hoje nos
regimes democráticos do século XX.
No entanto, “Ao longo da história, alguns movimentos socialistas ou anarquistas recusaram
completamente as metáforas de dominação, apresentando de forma imaginativa as suas críticas aos
regimes e organizações sociais particulares em termos de transformação de identidade de gênero”.
(JOAN SCOTT, 1989, p.26)
Desse modo, as mulheres que chegaram hoje a mestras, contramestras e professoras na
24
capoeira se organizam e se unem com o fim de transformar como elas são vistas na
comunidade. Essas organizações têm consolidado a presença das mulheres na liderança desta
prática cultural, reativando a importância da sagacidade e da astúcia dentro da capoeira. As
capoeiristas têm demonstrado, por exemplo que a gravidez, a menstruação e uma carreira
profissional não impedem sua participação efetiva na capoeira, como já acontecia
historicamente com os homens.
A atuação de mulheres têm colaborado para os avanços da capoeira na sociedade como
um todo, principalmente no trabalho com diferentes públicos. Nogueira cita em seu estudo, o
trabalho da Mestra Janja (Rosângela Costa Araújo), que junto com Mestra Paulinha (Paula
Cristina da Silva Barreto) e Mestre Poloca (Paulo Barreto), fundaram o Grupo N’zinga. O
nome N’zinga tem a dupla função de se referir as resistências Bantos/Angola como também
de direcionar a atenção para os feitos guerreiros femininos de N’zinga, rainha angolana, do
século XVII, que lutou contra os portugueses, chegando a expulsá-los temporariamente da
costa de Angola e que, durante as lutas pela independência no século XX, passou a
representar um símbolo de resistência contra o colonialismo.
Veremos em detalhe, no segundo capítulo, o exemplo em Pernambuco da atuação do
projeto, “É Cor de Rosa Choque” organizado pelas Mestras Dani e Bel, do Centro de
Capoeira São Salomão como projeto de empoderamento da mulher capoeirista. Esse projeto,
como em outros movimentos feministas na capoeira, permite discutir as relações sociais de
gênero no campo da educação popular, com o fim de promover a cidadania nas esferas
privada e pública e a aplicação das políticas sociais e familiares. O reconhecimento das
mulheres como sujeitos, para além dos papéis historicamente atribuídos ou identidades
prescritas (como mães e esposas), é central na perspectiva da construção de uma cidadania
social e política.
Ao simbolizar o privado e o doméstico dentro da divisão do trabalho entre homens e
mulheres, estas últimas foram excluídas dos grandes símbolos da individuação, da troca
monetária, considerando que o dinheiro como meio de pagamento que permite ao indivíduo
se livrar de qualquer dívida econômica; da troca contratual considerando o direito
démocrático como prática da liberdade e da igualdade para defir o indivíduo como cidadão
livre da subjugação tutelar e da troca discursiva que, como sistema de comunicação permite
ao indivíduo existir no espaço público como sujeito da política.
Portanto, uma educação cidadã articulada em torno das lutas feministas com o escopo
de autonomia, da compreensão autêntica e crítica acerca dos direitos humanos se reverbera
nas ideias de liberdade e emancipação da capoeira. Assim, a capacidade das mulheres
capoeiristas de influenciar o equilíbrio de poder no espaço público, tornou-se concebível e
possível e reforça a importância da temática do gênero na educação popular como expressão

25
de cidadania.
Desse modo para reafirmar meu propósito nesse trabalho, eu encontro um eco na fala
do professor Agostinho da Silva Rosas (2008, p.117) em seu diálogo com a teoria de Paulo
Freire
Desta feita, a educação cidadã em que pese o respeito aos direitos humanos,
distanciando-se dos parâmetros da educação dominante, associa-se desde sua
origem aos fundamentos e princípios da práxis educativa de orientação popular.
Afirma-se pelos mesmos elementos constitutivos da educação popular, exaltando a
dimensão ética estabelecida pela busca coletiva e democrática de ‘ser mais’
coletivamente.

Portanto destaco a educação cidadã como prioridade para recriação de nossa sociedade.
Uma sociedade que se pretende transformar pela práxis da educação popular, ou seja, através
dos modos de ser e estar dos sujeitos diversos em relações.

26
CAPÍTULO II: A CAPOEIRA DO CCSS COMO TERRITÓRIO DE EDUCAÇÃO E
CULTURA POPULAR.

1.2 O que é o CCSS?

O Centro de Capoeira São Salomão (CCSS), é uma Organização Não Governamental


(ONG), de cunho cultural, sem fins lucrativos e de direito privado. Reconhecido pelo
Ministério da Cultura em 2009 como Ponto de Cultura foi fundado em 28 de junho de 1997,
no bairro do Pina, na cidade de Recife, estado de Pernambuco. Criado para ser um espaço
onde se vivençia e cultiva a capoeira tradicional, o Centro de Capoeira São Salomão atua com
os saberes e fazeres da capoeira, na perspectiva de uma educação popular e cidadã.
Como escola/ associação de Capoeira o CCSS funciona graças a colaboração de seus
associados e com o apoio escasso de financiamentos públicos, acessados através de editais. O
CCSS promove e organiza diversos projetos socioculturais. Nesse capítulo serão apresentados
os projetos educativos: Caxinguelês, Caxinguelês Jovem, É Cor de Rosa Choque, o Cine
Mandinga e o Projeto Patrimônio Cultura e Cidadania.
Além dos aspectos socioeducativos essas iniciativas contribuem para a salvaguarda da
Capoeira como Patrimônio Cultural de natureza imaterial e desse modo contempla a decisão
de Pernambuco de eleger a roda capoeira e o ofício dos mestres, também como Patrimônio
imaterial do Estado, conforme afirma Cordeiro e Pires abaixo.

Pernambuco possui muitos bens imateriais que estão em processo de


patrimonialização e outros que já foram patrimonializados, como: a Feira de
Caruaru, o Frevo, a Capoeira (Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres), Maracatus
Nação, Maracatus de Baque Solto, Cavalo Marino, Teatro de Mamulengos e
Caboclinho. Jacira França e Marcelo Souza organizaram o livro Patrimônio
Imaterial de Pernambuco (2018), que apresenta através dos escritos de
pesquisadores e pesquisadoras, esses patrimônios imateriais do estado já
patrimonializados, informando sobre a pesquisa com as comunidades produtoras e
mantenedoras de cada tradição, seu processo de patrimonialização e os desafios para
a salvaguarda desses patrimônios. (CORDEIRO e PIRES, 2020, p.2)

Para os autores do texto citado que hoje são mestre e mestra responsáveis pela gestão
do CCSS, a educação patrimonial se insere dentro de uma prática de educação popular. Já
apresentamos no capítulo anterior o quanto a capoeira permite a aprendizagem sobre nós
mesmos, sobre nossa comunidade e sobre a história do nosso país, principalmente não
deixando apagar as raízes afro-indígenas do Brasil. A educação popular da capoeira do CCSS
é um processo contínuo de socialização imerso dentro da cultura popular. A relação indivíduo
e coletivo na capoeira permite que as pessoas se entendam e se respeitem como mulher,
homem, criança, adolescente, jovem ou ancião. Na capoeira como um todo e particularmente
no CCSS, os saberes culturais são construídos e reconstruídos a partir das atitudes e
comportamentos de cada um e uma. Não se trata de uma educação verticalizada onde o/a

27
mestre/a sabe e os discípulos não sabem, mas a partir da condução do/as mais velhos de
capoeira, todos desenvolvem a capoeira de dentro para fora. O ensino é uma prática teorizada
no fazer. Se surgem dúvidas e questionamentos a/os mestra/es vão responder, mas a
preocupação não estar em dar uma resposta pronta, mas sempre em guiar o discípulo para
uma reflexão que pode levá-lo a um entendimento mais amplo da arte capoeira.
Desse modo eu entendo que a relação hierárquica entre os mais novos e os mais velhos,
não se compara com a chamada educação bancária que subjuga e

não estimula. Pelo contrário, sua tônica reside fundamentalmente em matar nos
educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade. Sua “disciplina” é a
disciplina para a ingenuidade em face do texto, não para a indispensável criticidade.
(FREIRE, 1981, p..8)

A capoeira é de fato uma prática, que seja pela ginga, a movimentação, as defesas, os
ataques, a dança, o canto e o manuseio dos instrumentos, tudo passa pelo corpo. O corpo
entendido não como uma máquina, mas como o próprio ser. Poucas palavras são necessárias
para ensinar e eu reitero essa afirmação citando a Mestra Bel e o Mestre Mago, em seu artigo
“São gestos que educam mais que cartilhas” Experiências em práticas educativas e
salvaguarda do patrimônio no Centro de Capoeira São Salomão: “Na Capoeira os mestres e
as mestras nos ensinam pelas palavras (oralidade), mas também pelo não dito, pelos gestos,
pelo comportamento sutil, pelo seu modo de ser e estar no mundo”. (CORDEIRO E PIRES,
2020, p.1)

A educação popular é uma proposta diversificada e que se contrapõe ao modelo de


educação formal, no entanto a educação popular e patrimonial como a da capoeira, não nega a
possibilidade de transitar para os espaços da educação formal como o confirma essa citação:

A educação patrimonial para nós passa pelo entendimento de que se educa em


vários espaços, com vários conteúdos, nos quais a ideia de sujeitos educativos
também se amplia, podendo ser inclusive, um movimento social ou uma expressão
cultural […] Educar portanto, pode acontecer em qualquer espaço, sobretudo,
naqueles em que se estabeleçam relações educativas de ensino e aprendizagem de
modos de ser e estar no mundo. (Op Cit, p.2) .

Portanto o Centro de Capoeira São Salomão também defende o ensino da capoeira


dentro das escolas. Dessa maneira se propõe um ensino feito pelos capoeiristas dentro das
escolas e não somente ter a capoeira como módulo ou disciplina escolar orientada por um
professor da escola. A educação patrimonial e popular passa pela vivência a longo prazo
dentro do ambiente cultural, como se costuma dizer na capoeira : “a capoeira é tempo!”
A capoeira é tempo e é tempo de vivência pois não se pode compreender as dinâmicas,
os rituais, os conteúdos das cantorias, os gestos dos corpos somente por uma análise teórica e
28
uma racionalização intelectual. A capoeira segundo o Mestre Plínio 15 tem três aspectos: o
fisico, o mental e o espiritual, portanto também se trata de sentimento e precisa se entregar
por inteiro e participar da sua comunidade de aprendizagem para vislumbrá-la.
O processo de socialização na e pela capoeira pode se dá de diferentes formas. Seus
conteúdos diversos e multifacetados permitem construir múltiplas possibilidades de
se educar nesse meio. As histórias, os gestos, a musicalidade e a ritualidade da
capoeira são ao mesmo tempo conteúdos e maneiras de educar. São referências para
se estabelecer experiências educativas ligadas a uma herança cultural.
(CORDEIRO, 2016, p.143)

A herança cultural da capoeira como vimos antes, pode permitir uma educação
libertadora na qual se procura superar a dicotomia entre indivíduo e sociedade. Desse modo a
capoeira se insere na modernidade como uma prática contra hegemônica que permite a
afirmação de uma identidade descolonizada tanto para a população afrodescendente como
para toda população. A Capoeira dentro do contexto de uma prática tradicional apresenta os
elementos para a recuperação das lutas antiescravagistas e portanto, antirracistas e feministas
nas comunidades.
Os mestres e as mestras de capoeira nesse sentido cumprem
...papel fundamental, e de como essas experiências baseadas na tradição, na
ancestralidade, no ritual, na memória coletiva, na solidariedade e num profundo
respeito à sabedoria do mais velho, como principal responsável pela transmissão
desses saberes às novas gerações, podem auxiliar num processo de construção de
formas alternativas de se pensar a educação, sobretudo aquela voltada às camadas
menos favorecidas da nossa sociedade. (ABIB, 2006, p.87)

2.2 Projetos Caxinguelês, Caxinguelês Jovem, Patrimônio Cultura e Cidadania,


É Cor de Rosa Choque e o Cine Mandinga

O CCSS atuou e atua desenvolvendo diversas ações socioeducativas com crianças,


adolescentes e jovens, em diferentes comunidades, como por exemplo a do Bode, no bairro
do Pina, no Coque, em Brasília Teimosa e na Várzea, em Recife e em Nova Divineia, em
Jaboatão dos Guararapes.
Como toda ONG, o CCSS é permanentemente confrontado com a questão de
sustentabilidade para garantir suas atividades. Marina Félix de Melo em sua obra
Sustentabilidades das ONG (2016), exemplifica a importância do trabalho das ONGs na
cooperação para o desenvolvimento social e ajuda humanitária, implementando seus próprios
programas e realizando - como agentes - programas governamentais e de cooperação
internacional. A autora destaca que as ONG's ocupam um lugar importante na informação do
público sobre os problemas de desenvolvimento e na análise crítica da política interna,
notadamente ao constatar a falta de coerência entre uma política solidária e determinados
interesses econômicos de curto prazo na esfera governamental. No caso do Brasil, Marina
15 Documentário Capoeira Angola mito e magia, disponível em Capoeira Angola: Mito e Magia on Vimeo
29
Félix de Melo também apresenta como o discurso das políticas internas, visando a extinção
da pobreza, influencia na chegada de ajuda internacional.
Considerando-se como uma “terceira via”, o chamado terceiro setor, se apresenta como
alternativa entre a dicotomia setor público e setor privado com fins lucrativos, reunindo uma
multiplicidade de sujeitos, como associações, fundações, entre outras. Essas organizações
intervêm na esfera pública, que tem em sua maioria, como características comuns o
voluntariado e as ações desenvolvidas sem fins lucrativos. Em países como a alemanha, o
estado optou por delegar um certo número de suas prerrogativas, particularmente sociais, em
benefício dessas organizações voluntárias, oferecendo em troca, o financiamento de todas ou
parte de suas atividades. Segundo ,Vincent de Féligonde (2009), na alemanha as ONG são
financiada a 90% pelo estado.
Segundo Marina Félix de Melo , em Sustentabilidades das ONG (2016) , no Brasil

“dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) colhidos em 2005


apontam que o País possuía 338 mil fundações privadas e associações sem fins
lucrativos, empregando, na época, 1,7 de pessoas, o que representa 5,3% dos
empregos brasileiros. (IBGE, 2008, p. 58).” (MELO, 2016, p.143)

O terceiro setor é muito presente na vida dos brasileiros, principalmente dos mais
pobres. Uma multiplicidade de associações, fundações e diversas organizações de
voluntariado, gerem hospitais, creches, escolas, penitenciárias, centros de formação
profissional e até centros de procura de emprego. Todos competem por fundos públicos
essenciais à sua sobrevivência. Em muitas destas áreas, o Estado optou por aplicar o princípio
da subsidiariedade desenvolvido pela doutrina social, segundo o qual é desejável confiar a
execução de uma tarefa pública à menor entidade capaz de a cumprir. O Estado portanto,
passa a desempenhar um papel de orientação e controle de determinadas políticas sociais, e
não mais de as executar, o que lhe permitirá ganhar em eficiência e realizar poupanças
substanciais, nomeadamente graças ao carácter voluntário das atividades do terceiro setor.
As ONGs procuram também garantir sua sustentabilidade financeira por recursos
próprios (produto de campanhas de arrecadação de fundos, taxas de filiação, mensalidades,
doações e receitas advinda das vendas de vários produtos), por pagamentos de outras ONGs
nacionais maiores, por contribuições públicas, por contribuições privadas estrangeiras, por
contribuições públicas estrangeiras (agência de cooperação de outro país) ou por
organizações internacionais.
No entanto, segundo Marina Félix de Melo, os financiamentos internacionais
diminuíram muito, devido ao fato que, no Brasil
As políticas sociais dos governos Lula e Dilma partiram do pressuposto de
erradicação da miséria, principal foco de atuação dessas agências. Logo, como dito,
ainda que as políticas desses governos não tenham superado em todos os sentidos a
30
miséria e a pobreza, muito dessa imagem se “vendeu” e as agências passaram então
a se dedicar a países que não tinham tal apoio político ou planos sociais estatais
desenhados como os brasileiros. (MELO, 2016, p.144)

Portanto as ONG's precisaram criar novas estratégias financeiras para suas


subsistências dentro do seu lugar de terceiro setor. A partir disso se cria um malabarismo, no
qual é necessário ter um “jogo de cintura” entre o primeiro e segundo setor, o que muitas
vezes leva as organizações a se inserir ou dialogar mais de perto com a lógica de mercado
vigente. Os sujeitos do terceiro setor então se especializam e se profissionalizam em diversas
áreas do conhecimento. Essas profissionalizações influenciam e identificam os trabalhos
internos das ONG's, “nas percepções éticas de seus agentes atuantes, na construção de como
esses agentes entendem o trabalho das ONG mediante um contexto maior que inclui o
Estado, o Mercado e as agências de cooperação”. ( Op Cit, p.144)
A autora ainda indica que a escassez dos recursos em relação a necessidade de
sustentação das ONG's cria questionamentos de ordem ética na escolha dos financiadores,
como de quem vem o dinheiro e para que será usado?
O Centro de Capoeira São Salomão em sua história sempre procurou financiamento em
editais públicos locais e nacionais, mas também desenvolveu formas de buscar sua
sustentabilidade em doações, cobranças de mensalidades, vendas de produtos e serviços
culturais e campanhas de arrecadação. As verbas arrecadadas das inúmeras ações permitem
por meio de diversos projetos, o acesso da Capoeira, como bem cultural para jovens,
adolescentes e crianças.
No entanto fica claro que,

A falta de financiamento perene forma a grande marca do Terceiro Setor atualmente


nas percepções éticas de seus agentes atuantes, na construção de como esses agentes
entendem o trabalho das ONG’s mediante um contexto maior que inclui o Estado, o
Mercado e as agências de cooperação. ( Op Cit, p.144).

ONG's como o CCSS se preocupam em respeitar valores éticos e desenvolver a sua


atividade educativa a longo prazo, sem comprometer ou se submeter aos ditames de
financiadores privados e/ou públicos. Ricardo Dias de Sousa Pires, Mestre Mago, presidente
atual do CCSS, verbalizou o que eu pude observar no dia a dia durante um seminário sobre
educação patrimonial da FUNDARPE16 quando foi questionado sobre o fato de não dar aula
em academia de ginástica, ele disse que :

Não dou mais aula em academia, mas meus primeiros 10 anos como professor, eu
atuei em academias. Eu tinha meu horário de capoeira e as pessoas vinham para
treinar comigo. Hoje as academias tem um sistema que você paga como se fosse um
clube e tem direito a um pouco de tudo, aí o cara entra e faz 10 minutos de capoeira
e sai para fazer bike e depois vai para piscina para fazer hidroginástica. Daí não cria
16 Fundarpe-Fundação do Patrimônio Historico e Artistico de Pernambuco
31
vínculo, não tem continuidade e eu não me sujeito a esse tipo de funcionamento. Os
mestres de capoeira querem passar a capoeira, querem formar capoeiristas, então há
um conflito de interesse. Alguns professores ainda se sujeitam a isso por razões
financeiras, mas a maioria não. (Fala gravada do Mestre Mago durante a
participação do CCSS em um Seminário sobre educação patrimonial da
FUNDARPE, em 2019)

O CCSS em sua história, vem construindo diferentes caminhos para garantir que em
suas ações a Capoeira seja utilizada como espaço e ferramenta de uma educação popular.
Essas ações constituem diversos projetos como o Projeto Caxinguelês, Caxinguelês Jovem,
Patrimônio Cultura e Cidadania, É Cor de Rosa Choque e o Cine Mandinga.
O Projeto Caxinguelês levou a instituição a ser reconhecida pelo Ministério da Cultura
em 2008, como Ponto de Cultura e receber em 2008 e em 2010, o Prêmio de Pontinho de
Cultura por fazer cumprir em suas atividades o previsto no Estatuto da Criança e do
adolescente (ECA). O Projeto Caxinguelês é um projeto que se utiliza da Capoeira como
possibilidade de educação. Caxinguelês é o nome que, originalmente, ficaram conhecidas às
crianças que no século XIX, iam à frente das bandas de frevo como abre-alas delas. Para os
educadores do CCSS, ter dado esse nome ao Projeto, traz uma conexão entre as crianças e a
história dos capoeiras, que ajudaram em Recife a criar o passo do frevo. Essa escolha foi feita
com a preocupação de fortalecer nas crianças suas identidades culturais, pois como
colocamos no capítulo anterior, essa é uma condição essencial para o autorreconhecimento
como cidadãos.
O Mestre Mago expressou essa ideia na fala abaixo, quando se refere a sua própria
vivência educativa no mundo capoeirístico.

Quando fizemos o Projeto Caxinguelês e decidimos retornar essa cultura para a


comunidade da qual a própria capoeira se originou é por uma experiência própria.
Eu sei o que a capoeira fez por mim, então eu não posso deixar de retornar isso para
uma criançada que eu tô vendo que precisa (Fala do Mestre Mago durante a
participação do CCSS em um Seminário sobre Educação Patrimonial da
FUNDARPE)

Contribuindo com o processo educacional das crianças e adolescentes, esse Projeto


também permite socializar as tradições e saberes da Capoeira e de seus mestre e mestras, que
encontram na juventude a possibilidade de perpetuar essa arte. Para esse fim foram oferecidas
oficinas pedagógicas, além da de Capoeira, de leitura e escrita, de música, de confecção de
instrumentos e artesanato e de cultura popular.
A partir das experiências construídas nas oficinas foi produzido um livreto em 2004,
escrito coletivamente, com os alunos e alunas, sob a coordenação da Mestra Bel, assessora
pedagógica do Projeto. Nesse período também foi gravado um vídeo institucional sobre o
Projeto e as crianças e adolescentes participaram da gravação de uma faixa, no terceiro CD

32
do CCSS. Durante todo o desenrolar do Projeto no bairro do Pina, as crianças e adolescentes
participaram de vários campeonatos e festivais de capoeira, música, dança e teatro.
Produziram junto com os professores e professoras do Projeto três espetáculos teatrais, de
culminância dos trabalhos das oficinas nos anos de 2008, 2009, 2010. O Projeto ao longo de
sua existência formou de cinco capoeiristas como professores e professoras, dos quais três
conseguiram a partir das experiências do Projeto, ingressar também na universidade.
O Projeto Caxinguelês Jovem em 2012, foi um desdobramento do primeiro, que inicia
para atender as crianças e adolescentes que cresceram e precisavam também vislumbrar na
Capoeira a possibilidade, inclusive de um ofício. O Projeto recebeu, inicialmente, o
financiamento do Funcultura (Fundo de Financiamento da Cultura), implementado pela
FUNDARPE. Desenvolvido pelo Centro de Capoeira São Salomão durante um ano, o Projeto
Caxinguelês Jovem teve como escopo ações socioeducativas a partir da transmissão dos
saberes e fazeres tradicionais da Capoeira para oitenta jovens da comunidade do Bode, no
Pina, na faixa etária entre 14 e 25 anos.
As vivências se organizaram nas aulas duas vezes na semana, nas rodas de capoeira
(semanais) e nos encontros de Capoeira Angola, Regional, Feminino de Capoeira e na Festa
de Batizado e Troca de Graduações. Essas ações cotidianas e especiais foram concluídas com
uma exposição de fotos e escritos, elaborados pelos e pelas participantes do Projeto, sobre as
histórias de vida de oito Mestres de Pernambuco. Para produzir essa exposição, que teve o
trabalho de uma fotógrafa renomada, Roberta Guimarães, foram estabelecidos encontros
mensais de cada grupo de alunos e alunas, com os mestres estudados, em seus locais próprios
de prática da Capoeira. Nesses encontros pode se estabelecer trocas, na convivência e
transmissão dos saberes e fazeres da Capoeira.
Uma das questões que se destacaram dessa experiência, foi o reconhecimento da
importância de existir locais próprios para a prática da Capoeira. Em Pernambuco existe uma
carência de espaços próprios para a prática da Capoeira. Essa realidade limita sua visibilidade
e acesso, como bem cultural e educativo de inclusão social, assim como dificulta a
continuidade e a sobrevivência dos seus mestres e mestras, em seus saberes e fazeres.

Para Mestra Bel e Mestre Mago,


O cotidiano vivenciado no Projeto Caxinguelês Jovem permitiu uma aproximação
entre mestres e aprendizes da capoeira, estabelecendo relações com seus saberes e
fazeres, que oportunizaram não só sua vivência como prática de lazer, mas também
como espaço de desenvolvimento de habilidades e competências para o
enfrentamento das adversidades; colaborando com o processo de se fazer no mundo
a partir de seu lugar. Os partícipes do Projeto se tornaram além de aprendizes,
prováveis multiplicadores dessas tradições e dos saberes dos mestres envolvidos.
(CORDEIRO E PIRES, 2020, p.6)

Para dar conta dos objetivos do Projeto Caxinguelês Jovem foram criadas turmas, com
33
número de alunos e alunas, com uma carga horária de cinco horas semanais, divididas em três
encontros. A divisão semanal da carga horária era repetida em oficinas/aulas de uma hora e
meia cada, e uma roda semanal, com de duas horas de duração. Durante oito meses, uma vez
por mês, os jovens tiveram uma domingueira de vivência com um dos mestres da Capoeira de
Pernambuco, selecionado para participar do Projeto.
Essas vivências se apresentaram como uma oportunidade para os jovens encontrar e
identificar diversos mestres em seus saberes e fazeres de Capoeira, em suas comunidades de
ação. Os e as jovens tiveram a responsabilidade de nesses encontros, chamados de
Domingueira, registrar as histórias de vida dos mestres convidados para as vivências, o que
permitiu a elaboração do material escrito para a exposição de fotos e das histórias de vida dos
mestres. Desse modo foi possível construir um registro evidenciando que “A história e a
tradição oral, assim como os relatos orais sobre as tradições vividas e sobre o passado de um
grupo, são formas de socializar a memória. (DE LIMA MACÊDO, MARLUCE , 2009,
p.188)
Os e as jovens do Caxinguelês Jovem participaram também de três encontros, sendo
um de Capoeira Angola, outro de Capoeira Regional e um Feminino de Capoeira, onde eles
puderam encontrar mestres e mestras da Capoeira de outros estados da federação e desse
modo ampliar suas referências, ligadas aos conhecimentos dessa prática. Esses encontros são
normalmente pagos, mas os e as jovem do Projeto tiveram participação livre.
A Festa do Batizado e Troca de Graduações foi o ponte culminante do Projeto, que
marcou também seu encerramento, no espaço do Centro de Capoeira São Salomão na Várzea.
Na festa foram apresentados e apresentadas, oficialmente para a comunidade da capoeira,
seus novos membros, com a presença de mestres e mestras, que participaram das ações do
Projeto, assim como os familiares e colaboradores das ações. Na ocasião os e as participantes
inauguraram a exposição com as imagens captadas no dia a dia, com as histórias de vida dos
oito mestres envolvidos no Projeto.
Segundo o Mestre Mago e a Mestra Bel foi possível observar na expressão verbal e
corporal dos jovens participantes do Projeto,
...a recriação de sentimentos de pertença àqueles lugares da prática da capoeira e a
responsabilidade com tudo que foi apreendido, através da convivência com os
mestres. Pelo Projeto os jovens puderam reestabelecer elos com a ancestralidade
desse patrimônio, ressignificando memórias e histórias de vida. (CORDEIRO E
PIRES, 2020, p.7)

Em 2015 o Projeto Caxinguelês Jovem foi premiado pelo IPHAN 17, no edital de Boas
Práticas de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, com a colocação em 8º lugar
nacional e o 1º lugar entre as iniciativas na linguagem capoeira.
O Projeto Patrimônio Cultura e Cidadania foi aprovado, no edital do Funcultura de
17 IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)
34
2017. Sua execução aconteceu entre agosto de 2018 e novembro de 2019, na nova sede do
Centro de Capoeira São Salomão, no bairro da Várzea. Esse Projeto foi destinado para trinta
jovens em situação de vulnerabilidade social, que queria aprender Capoeira. Portanto o
Projeto tinha como objetivo central disponibilizar o acesso aos saberes e fazeres da Capoeira
para as comunidades vulneráveis do bairro da Várzea, através de ações socioeducativas numa
perspectiva cidadã, expressas nas aulas/oficinas, rodas de capoeira, encontros e celebrações.
As aulas iniciaram em setembro de 2018, depois da divulgação em agosto nas
comunidades, a turma de jovem foi dividida nos diversos horários, dias e turnos de aulas
oferecidas no Centro de Capoeira São Salomão. Desse modo os e as jovens puderam praticar
a Capoeira com as e os mais antigos da casa. Essa estratégia colaborou para exaltar a
ancestralidade como princípio e também fortalecer a oralidade como metodologia de
transmissão.
Essa metodologia tem
a ancestralidade como princípio, o mais velho acolhe e ensina o mais novo,
preservando elos importantes da Capoeira, vividos como uma herança passada de
geração a geração. Além disso integrou todos recém-chegados à comunidade,
fortalecendo o sentimento de pertença. Nas aulas/oficinas os alunos e alunas
tiveram a presença permanente do Mestre mais antigo da casa e da monitora
selecionada para o trabalho, com a colaboração dos outros professores e professoras
do Centro, e colegas de turma. (Op Cit, p.8.)

No Encontro de Capoeira Angola, no Festival Infantil de Capoeira, no Encontro de Capoeira


Regional, no Encontro Feminino e na Festa do Batizado e Troca de Graduações, os alunos e
alunas tiveram contato com mestres, mestras e capoeiristas de outros grupos, de outros
estados do Brasil, ampliando seus conhecimentos e a rede de convivência na comunidade da
Capoeira. Numa perspectiva crítica, os saberes e fazeres da Capoeira foram socializados
também com os familiares e amigos dos participantes, pois esses momentos eram abertos ao
público das comunidades participantes.
Em cada encontros, os gestos, a musicalidade e os rituais da Capoeira, vividos e
debatidos nas rodas de diálogo, levaram os e as jovens a refletirem sobre a cultura como
espaço de acolhimento e de sociabilidades diversas. Foi também possível discutir e
aprofundar questões contemporâneas que afetam a vida social e tem desdobramentos na
capoeira, como as ligadas a gênero e raça.
Os temas raça e gênero abordados dentro do contexto da Capoeira, a partir das
experiências de vida das e dos participantes, e educadores e educadoras, permitiram atualizar
o diálogo e a tomada de posição, corroborando com a perspectiva de Freire que afirma que
na “ ...perspectiva crítica, se faça tão importante desenvolver, nos educandos como no
educador, um pensar certo sobre a realidade.” (FREIRE,1981, p.13)
As referências que apoiaram as argumentações trazidas para a experiência do Projeto,

35
tinham na ancestralidade o princípio e na oralidade a forma, aspectos do fazer da Capoeira. A
tradição libertadora presente na Capoeira é repleta de referências para os debates atuais,
mesmo que de forma simbólica, os saberes são ressignificados, a partir das vivências com as
novas gerações.
O contato mais efetivo com os mestres e mestras da capoeira de Pernambuco e do
Brasil possibilitou aos jovens e as jovens das comunidades da Várzea reconhecer as
potências da capoeira como educação, trabalho, fonte de saúde e lazer crítico e
criativo. Foi apresentado para os jovens e as jovens outras formas de sociabilidades.
Pelas ações implementadas eles e elas puderam conhecer a história do Brasil, a
partir da capoeira e se reconhecerem como partícipes dessa história, de uma história
viva. (Op Cit, p.8)

Para a preparação da apresentação de culminância do Projeto, os e as jovens tiveram


acesso aos festivais de cultura, oficinas de teatro, dança e música que foram oferecidos no
CCSS. Na apresentação foi possível entender e perceber através da atitude corporal e verbal
dos jovens, novas formas de se colocar no mundo. O ano de vivência e de convivência ajudou
no empoderamento desses jovens na afirmação de suas identidades de gênero e raça, e
tiveram na Capoeira uma forma de se expressar, se comunicar, ser vistos e ouvidos.
A Capoeira, como vimos no capítulo anterior sofreu e sofre de preconceitos de raça. Na
atualidade, um desses preconceitos se expressa a partir do racismo religioso contra as
espiritualidades de matrizes africanas e indígenas.

Existe uma ligação histórica com a capoeira e as religiões de matriz africana, que é
óbvia. As duas fazem parte desse mesmo berço cultural. É sabido dentro da
capoeira que eram os capoeiristas que davam proteção aos terreiros de candomblé,
quando esses terreiros eram perseguidos e quebrados pela polícia. Quem fazia a
proteção no corpo a corpo eram os capoeiras. Mas não há uma ligação direta no
sentido que se você é capoeirista, você é do candomblé. (Fala do Mestre Mago
durante a participação do CCSS em um Seminário sobre Educação Patrimonial da
FUNDARPE)

No entanto, nas experiências cultivadas no CCSS, através do Projeto, houve


possibilidade para a superação de preconceitos religiosos dos alunos e alunas e suas famílias,
para com a Capoeira e outras expressões populares que convivem no espaço. Como já foi
repetidamente colocado, a fonte de saber da Capoeira se encontra na sua ancestralidade e para
esse caso de racismo religioso, a Capoeira ensina graças ao exemplo dos mais velhos que é
um espaço de liberdade, no qual as diferenças de crenças não são uma barreira para a vida
harmoniosa na coletividade. Conforme afirma Mestre Mago

Os capoeiristas tem suas religiões definidas ou não. Por exemplo, dois capoeiristas
antigos, um já faleceu e ou outro tá com 85 anos de idade, que são Mestre Joao
Pequeno e Mestre João Grande. Eles foram alunos de Mestre Pastinha e
conviveram mais de 50 anos na capoeira como grandes parceiros e amigos. O
Mestre João Pequeno se tornou evangélico e o Mestre João Grande é do candomblé,
e isso nunca interferiu de uma maneira significativa na capoeira. Um dos pastores
do Mestre João Pequeno quis o proibir de continuar na capoeira e ele já era um
36
capoeirista consagrado, ai ele trocou de pastor. Não abandonou a religião dele, mas
trocou de pastor, e ele dizia de uma maneira muito bonita, que ele dividiu a sua vida
em duas parte: a física, a material, era a capoeira, e a parte espiritual a Jesus Cristo.
(Fala do Mestre Mago durante a participação do CCSS em um Seminário sobre
Educação Patrimonial da FUNDARPE)

Durante a festa de encerramento do Projeto, na qual como falei antes, os e as jovens


capoeiristas apresentaram um espetáculo emocionante, com os conteúdos da capoeira, da
cultura popular pernambucana e do teatro, foi possível observar as mudanças psicossociais
que o projeto proporcionou, confirmando a fala da Mestra Bel que “A capoeira vai atender
aquilo que você precisa, porque não tem um padrão, ela pode atender no que as pessoas
precisam. Dar coragem aos tímidos e acalmar os agitados.” (Fala da Mestra Bel durante a
participação do CCSS em um Seminário sobre Educação Patrimonial da FUNDARPE)

Através dos movimentos corporais e das falas presentes no espetáculo, que foi
apresentado aos familiares e as comunidades da Várzea, foi possível perceber o
empoderamento e a autoafirmação das individualidades dos e das jovens. Seguem a seguir
algumas registradas no artigo de Cordeiro e Pires (2020, p. 8), já citados nesse trabalho.

Eu sou Cunhatã, filha dessa terra, descendente dos povos originários. Eu não sabia
de toda força que tenho aqui dentro, da força dos meus ancestrais no sangue que
corre em minhas veias. Mas eu encontrei a capoeira. E com ela a coragem pra ser
quem eu sou; porque aqui eu sou o ser melhor que eu posso ser.
Eu sou Flor, Flor do Oriente. Sempre tive medo. Medo de errar, medo de cair, medo
de me machucar. Aqui eu encontrei um chão e nele posso me apoiar.
Me chamo Biriba, por onde eu andava a timidez sempre teve a meu lado. Mas tudo
isso mudou, quando eu encontrei a capoeira.
Oi, sou Tigresa, comecei a capoeira há pouco tempo, mas descobri com ela que
posso fazer coisas maravilhosas com meu corpo. Até fiquei surpresa com a beleza
em mim.
Olá, meu nome é Sapeca. Eu ando pelas ruas e vejo portas fechadas, eu ando pelas
ruas e vejo portas fechadas. Mas na capoeira há sempre uma porta aberta.

Outro projeto que também tomamos como objeto de investigação foi o Projeto É Cor
de Rosa Choque, que nasceu em 2009 e tem como principal objetivo ser um espaço de
empoderamento das mulheres capoeiristas. Como vimos no capítulo anterior, o percurso das
mulheres na Capoeira é singular; e elas encontram nessa prática as mesmas problemáticas em
relação ao sexismo presente na sociedade em geral.
Para frisar essa questão a Mestra Bel afirma que a capoeira tem uma singularidade. Ela
diz que “Tem um afastamento histórico das mulheres das práticas de lutas, pois é imposto
outras atividades para elas. As meninas tem que fazer dança e os meninos vão fazer judô. E
eu acho que a capoeira é um misto, é dança, é jogo, tem uma dúvida sobre a capoeira que nos
protege.” (Fala da Mestra Bel durante a participação do CCSS em um Seminário sobre
Educação Patrimonial da FUNDARPE)

37
O Projeto criado pelas Mestras Dani e Bel, permite acolher as mulheres capoeiristas do
CCSS para discutir e enfrentar juntas as batalhas contra a opressão machista, dentro e fora da
Capoeira. Os encontros entre as mulheres acontecem uma vez por mês, os quais tem treinos,
cantorias, aulas de instrumentos e rodas de diálogo, que fortalecem os saberes e fazeres da
Capoeira entre elas. Como desdobramento do Projeto já foram produzidos um livro de
depoimentos das capoeiristas mais antigas de Pernambuco e um documentário em DVD.
Além de doze encontros anuais, que se iniciaram em 2010.
Uma vez ao ano o Encontro Feminino de Capoeira: A Mulher Entrou Na Roda convida
mestras, contramestras e professoras de Capoeira de outros grupos para apresentarem suas
experiências na Capoeira. Em 2021 aconteceu o décimo segundo encontro. O encontro é
aberto a participação de também homens, mas todo o protagonismo das aulas e rodas é feito
pelas mulheres. Para as mestras Bel e Dani é importante a participação dos homens, pois elas
defendem uma dinâmica inclusiva e não exclusiva, que consideram parte do fazer da
Capoeira. Elas consideram que é importante os homens aprenderem a ter aulas com as
mulheres, vê-las nesse lugar de autoridade, ocupando espaços de poder, como na direção de
uma roda ou na condução de uma aula. Essa reflexão vem do fato de que muitas vezes,
segundo as Mestras, os homens se negaram em participar das aulas ministradas por mulheres.
Por isso há um incentivo a participação dos homens no Encontro Feminino de
Capoeira: A Mulher Entrou Na Roda, porque assim eles tem a possibilidade de escutar as
mulheres e rever seus comportamentos machistas. O Encontro cria um espaço no qual se
exercita a alteridade, tanto entre as mulheres, como também entre homens e mulheres.
Para o Mestre Mago o capoeirista precisa estar atento a sua contemporaneidade,
refletindo como a Capoeira responde as suas questões, como vanguarda dos processos.
... a capoeira absorve muito rápido o que tá acontecendo na sociedade, como todo.
Então esse avanço, as questões sobre a mulher, a capoeira absorve com muita
facilidade. Como a capoeira teve ao longo da sua história a necessidade de estar
sempre costurando por dentro do que havia como organização social, a capoeira
sempre esteve atenta por onde esta sociedade caminha. E às vezes fica mais fácil
absorver certas situações, como por exemplo que esse avanço da participação da
mulher em todas as atividades, não vai freiar, só vai avançar. Alguns setores são
mais avançados, vão mais rápidos, mas eu não creio que essa mulherada, vai
retroceder. (Fala do Mestre Mago durante a participação do CCSS em um
Seminário sobre Educação Patrimonial da FUNDARPE)

Outra iniciativa do Centro de Capoeira São Salomão é o Cine Mandinga que consiste
em organizar mensalmente exibições de filmes e documentários, principalmente da cena
pernambucana, que tenham como temática central a Capoeira ou conteúdos afins, em especial
ligadas as questões referentes as discussões de raça e gênero e suas relações.
A participação no Cine Mandinga é gratuita e aberta a todos e todas. O cine clube existe
para estimular o debate no seio das comunidades participantes do CCSS, sobre seus

38
cotidianos frente os saberes e fazeres construídos no campo da cultura popular e da arte. O
Cine Mandinga, que tem nome herdado da cultura da Capoeira, com significado de se refazer
constantemente a partir das situações colocadas, permite também a construção de uma
plateia crítica e conhecedora de sua cultura. Muitas vezes, quando é possível, o/a cineasta ou
produtor/a responsável pelo filme exibido é convidado/a para participar de uma roda de
diálogo com a plateia. Essas rodas de diálogo proporcionam a expressão dos pontos de vistas
de cada um e uma, em relação ao tema. Desse modo o cine se constitui também como lugar
para reatualizar o quotidiano da comunidade, construindo outros olhares para suas
problemáticas, de forma solidária e empática.
No período dessa pesquisa, na minha participação como propositor das discussões nas
rodas de diálogo, foram exibidos os seguintes filmes: Documentário Mestre Bimba A
Capoeira Iluminada; Câmara de Espelhos, Documentário Mestre Touro e Mestre Dentinho e a
Capoeira da periferia do Rio de Janeiro, Orfeu Negro, Madame Satã, Documentário Mulheres
da Pá Virada, Documentário Amarelo.

3.2 Metodologia, as aulas e as rodas e os ritos de passagem.

O Centro de Capoeira São Salomão traçou em sua história na busca do que se


convencionou chamar de Capoeira tradicional, uma metodologia singular, na qual os rituais
da Capoeira Angola e da Capoeira Regional são preservados e ressignificados, de forma
alternada, pois uma semana se trabalha a Capoeira Angola e na outra a Capoeira Regional.
Em sua sede o Centro de Capoeira São Salomão oferece disponibilidade em diferentes
dias e horários. As aulas acontecem nas segundas e quartas feiras das 10:30 às 12:00 e das
18:00 às 19:30, nas terças e quintas feiras das 18:30 às 19:00, nas sextas das 18:00 às 19:00 e
nos sábados das 10:30 às 12:00. Nas sextas feiras a partir das 19:00 acontecem as Rodas de
Capoeira, quando acontece a culminância da semana, com o encontro das várias turmas e
muitas vezes com a participação de capoeiristas de outras escolas.
As aulas são ministradas pelos diversos professores do Centro de Capoeira São
Salomão, como o Mestre Mago, a Mestra Dani, a Mestra Bel e o Contramestre Cabrito. No
entanto conforme a tradição, na ausência do professor e com sua autorização, os alunos mais
antigos podem “puxar o treino”. Muitas vezes são os alunos que são formados ou que estão
prestes a se formar, sendo assim uma oportunidade para eles de aprender na prática, como se
dar aula.
Podemos observar que os processos educativos não formais presente na Capoeira são
de grande influência para a cultura afro-brasileira e a educação popular, como vimos na
experiência do Mestre Pastinha e Mestre Bimba, que tiveram de se adaptar a

39
institucionalização da Capoeira, abrindo recintos fechados para sua prática, fazendo
sobreviver a arte, seus detentores e detentoras. Ambos criaram metodologias baseadas nas
suas vivências e entendimento da Capoeira de seu tempo. Com suas experiências afirmamos
que de fato aprender, ensinar e, portanto, “...estudar não é um ato de consumir ideias, mas de
criá-las e recriá-las” (FREIRE, 1981, p.10)
O modelo de ensinar e aprender baseado na cultura popular, especialmente na Capoeira
está baseado na transmissão oral da memória coletiva de um grupo social. As Mestras e
Mestres são como os e as mais velhas, responsáveis por disponibilizar os saberes e as
tradições, para nós, os mais novos. Reconhecidos como guardiões e guardiãs dos saberes,
ritos e tradições, eles e elas são respeitados pela comunidade como Mestres e Mestras da arte.
A Capoeira como espaço de educação popular funciona, portanto, a partir da ritualização da
sua vida social. Porque como diz Roberto Da Mata
Entre rotinas e cerimônias, repetições e inaugurações, homens e mulheres, velhos e
moços, nascimentos e mortes, etc, como um ritual, posto que o mundo social se
funda em atos formais cuja lógica tem raízes na própria decisão coletiva e nunca em
fatos biológicos, marcas raciais ou atos individuais. Assim, o rito seria, senão a
chave, pelo menos um dos elementos críticos da vida social humana. (DA MATA,
2013, p.10)

Durante uma aula de Capoeira, os professores e as professoras, não somente ensinam gestos
mostrando e pedindo que os alunos e alunas o repitam, eles e elas colocam como os gestos
tomam sentido na realidade concreta dessa arte, estimulando o interesse dos e das praticantes.
Essa forma de ensinar é herança da forma mais antiga, que não separa ensino de
aprendizagem e onde esses aspectos educativos se fazem na prática. Nesse sentido Pedro
Abib afirma que
Naquele tempo, a capoeira se aprendia “de oitiva”, ou seja, sem método ou
pedagogia. A oitiva constitui-se como um claro exemplo de como se dá a
transmissão através da oralidade na capoeira, baseada na experiência e na
observação. A oitiva era um processo diversificado e culturalmente muito rico.
(ABIB, 2006, p.88)
.
Dentro da Capoeira, as tradições e vivências do passado são as inspirações e marcos de
referências para as iniciativas de hoje. No passado o ensino fora da roda de Capoeira também
existia em paralelo da dita “oitiva” e hoje com a institucionalização e portanto o aumento da
quantidade de pessoas querendo aprender/ensinar, desenvolveram-se outras metodologias
complementares.
Uma dessas metodologias é a Sequência de Ensino, método de ensino da Capoeira
Regional, criada pelo Mestre Bimba, que continuava pegando nas mãos dos calouros para
ensinar a ginga, e orientava eles para os primeiros movimentos. Uma sequência de
movimentos executado em dupla, os mais velhos ensinando aos mais novos, cuja ordem dos
gestos é determinada, para facilitar o aprendizado inicial, uma espécie de cartilha. Segundo
um dos discípulos do Mestre Bimba
40
A sequência fundamental de ensino procura transmitir os movimentos
indispensáveis, básicos, que serão integrados à personalidade global de cada
capoeirista que se manifestará no seu comportamento sob o toque do berimbau. A
sequência fundamental de ensino foi a maneira genial que nosso Mestre, Bimba,
criou para transmitir dos mais velhos aos mais novos os movimentos que serão
usados na prática da capoeira e simultaneamente incutir a autoconfiança, a esquiva
do perigo, a não resistência, noção de parceria, de companheirismo, a prevenção de
acidentes, a atenção permanente nos movimentos do companheiro, a presteza de
reação adequada aos movimentos do parceiro e o encadeamento de esquiva e contra
ataque. (DECANIO, 1996, p.22)

No entanto, mesmo com a criação desse método, Mestre Bimba continuou preservando
a “oitiva”, pois mesmo com a ordem dos movimentos da sequência definida, a forma de
executá-los, o tempo e a lateralidade (esquerda/direita), assim como a posição inicial de
execução (com a perna da frente ou da tras) são livres de execução, preservando a
necessidade de atenção e observação como também a espontaneidade dos movimentos. Essa
sequência executada em diversos andamentos de ritmos, mais lento e mais rápido, vai
requisitar mais ou menos destreza e habilidade e assim preparar o ou a aprendiz para o jogo
improvisado dentro da roda.
Desse modo a aprendizagem do jogo da Capoeira se faz na tentativa de provocar os
instintos adormecidos, impulsionando posturas, visões e estados que são diferentes dos
apreendidos em outros contextos sociais. Mas para isso a dimensão afetiva do ensino/
aprendizagem da Capoeira é primordial, pois requer uma proximidade entre mestre e
aprendiz baseada na confiança e na tradição oral afro-brasileira, o que exemplifica

...um importante elemento de diálogo no desafio de enfrentar uma escola


excludente e discriminante, na afirmação de que outros povos e não unicamente o
povo branco euroamericano construiu, ao longo da sua trajetória, um modo de ser,
de ver e de estar no mundo, a partir de referenciais históricos e culturais e da
memória ancestral preservada ao longo dos anos. ( NEVES DA SILVA , 2009, p
187)

Na contemporaneidade essa relação construída de modo mais artesanal, foi dificultada


pela massificação do ensino. No entanto, o Centro de Capoeira São Salomão ao oferecer uma
ampla gama de dias e horários, consegue limitar o número de participantes (em torno de dez
em cada aula), proporcionando uma proximidade corporal, uma presença, em que o afeto, a
atenção e a disponibilidade dos professores e professoras se mostram integralmente.
Existe uma polêmica dentro do universo da Capoeira em relação a ocidentalização do
ensino e aprendizagem, onde as aulas de Capoeira se orientam para reprodução estrita do
movimento como durante um treino de ginástica, numa modalidade de fitness. Esse tipo de
método de ensino, adequado para massificação, cria uma robotização, na qual os e as
capoeiristas não expressam mais sua personalidade através de seus jogos e expressão
corporal, mas reproduzem e imitam o que fazem seus professores e professoras.
Segundo o Mestre Mago, a imitação do professor ou da professora deveria ser somente
41
uma primeira fase da aprendizagem da Capoeira. Ele disse que é a fase, na qual a Capoeira
entra no corpo, para depois de integrada ao ser, ela pode fazer o processo de saída do corpo e
assim expressar a individualidade do capoeirista. Essa concepção da aprendizagem da
Capoeira demostra mais uma vez o caráter popular da educação e pedagogia do Centro de
Capoeira são Salomão, pois “Educação vem do termo em latim “educare” que significa tirar,
de dentro para fora. Refere-se ao processo de tirar de dentro de uma pessoa alguma coisa que
já está dentro, presente na pessoa. Esse conceito vai estar na essência da Educação Popular.”
(BATISTA ATT ALL, 2015, p.819)
A capoeira para o Mestre Mago cumpre exatamente esse papel de dar as ferramentas
para que as pessoas possam expressar sua individualidade, não ser meras cópias dos outros ou
sujeitos padronizados da sociedade. Para ele a disputa do jogo da Capoeira é o exercício
metafórico da defesa e conquista de espaço do “eu” na sociedade.
Desse modo na Capoeira, o indivíduo modifica seu modo de ser e estar no mundo, suas
relações passam a ser a expressão desse vínculo social, em que aprendem a confiar,
compartilhar e pertencer a um coletivo. O jogo da Capoeira permite também trocas
simbólicas que mexem nas relações afetivas e fortalecem a autoestima dentro da coletividade,
pois cada capoeirista se constrói não somente a partir da ideia que os outros tenham dele
mesmo, mas também da ideia que ele tem de si olhando, para os outros.
Nas palavras do Mestre Mago, entendemos que o “...capoeirista, ele entra na academia
tão assim, tão cabisbaixo e a capoeira vai dizer para ele, você pode, você pode, você pode.
Portanto, é dificil encontrar lugar que disse que a capoeira não pode.” (Fala do Mestre Mago
durante a participação do CCSS em um Seminário sobre Educação Patrimonial da
FUNDARPE)
Ao falar de oralidade no ensino da Capoeira é importante entender que não se trata de
aulas discursivas, mas de um saber que é permeável pela vivência. O saber oral da Capoeira
não está somente nas palavras ditas separadamente. Está nos gestos e nas maneiras como são
ensinados. A palavra nesse sentido utiliza o cotidiano e a natureza como instrumentos, de um
saber personalizado, emotivo e não racionalizado pela mente. Os mestres e mestras de
Capoeira são verdadeiros acervos do saber oral e corporal da Capoeira, em que a condução
motora dos seus corpos participam na definição das suas formas de seres humanos no mundo.
Na Capoeira, o fato de sentir seu corpo de outras formas (colocar as mãos no chão, a
cabeça para baixo, agachado, descontraído pela música), permite reaprender quem somos,
encontrando de volta as sensações que tínhamos em nossa infância, quando o corpo era mais
presente. Aprender novamente a gozar da mobilidade do nosso corpo e ter confiança nele
parece-me primordial nas sociedades capitalistas, onde o corpo é cooptado e virou objeto de
consumo e ferramenta de trabalho, que não deve sentir dor e não deve descansar. Portanto, a

42
consciência corporal, a imagem do corpo e de suas funcionalidades,

...é o reconhecimento consciente do conjunto de estruturas representativas,


simbólicas e semióticas que servem de base à ação motora. Ela se estrutura através
da noção de imagem do corpo e dos meios de ação que estabelecem com a
percepção, a memória, a formação do esquema corporal - intérprete ativo e passivo
da imagem do corpo (Barros, 1998, p.4). Sob esse enfoque a consciência corporal
tem fortes implicações com elementos neuropsicofisiológicos, sócio-afetivos e
histórico-culturais.” ( DIONÍSIA NANNI ,2004, p.4)

Inúmeras vezes eu escutei os mestres e mestras da Capoeira dizendo que não era para
“entender” (no sentido de racionalizar) o movimento, mas de sentir ao fazer e guardar a
memória da sensação. Os velhos mestres e mestras e os atuais, ainda ensinam pegando as
mãos e demonstram que sabem, porque conseguem fazer. Por vezes, dos e das mais antigas,
cujo a idade não permite mais o corpo demonstrar fazendo, a experiência e criatividade
adquiridas permitem-lhes colocar os alunos e alunas em situações de descobrir como se faz,
com poucas palavras. Os mestres e mestras do CCSS relatam o exemplo do Mestre João
Grande que já com uma idade avançada e desconhecendo o idioma inglês, consegue dar aula
de Capoeira nos Estados Unidos há quase trinta anos e tem formado grandes mestres e
mestras.
Dessa forma é possível entender que os corpos dos mestres e mestras carregam acervo
de gestos, situações e histórias que são reincorporadas e ressignificadas dentro dos corpos dos
mais novos. As mestras e mestres perpetuam pela corporeidade, o fluxo e a conexão entre a
contemporaneidade, a “...ancestralidade e a história de seu povo e assume, por essa razão, a
função do poeta que, através do seu canto, é capaz de restituir esse passado como força
instauradora, que irrompe para dignificar o presente e conduzir a ação construtiva do futuro”.
(ABIB, 2006, p.92)
A roda de Capoeira funciona como um palco interativo onde o público é parte
integrante da peça encenada. Por isso não se faz diferença na Capoeira entre o momento onde
se joga, toca um instrumento ou se canta, tudo faz parte e é importante. Não existe regras
rígida na roda, mais existe um ritual que tem que ser respeitado, reatualizado. O respeito a
esse ritual também é parte integrante do jogo e do desafio com o outro. Um jogador vai poder
testar o conhecimento do ritual do outro, colocando-lhe em situação de desafio. Assim quem
“ganha” é aquele que sabe responder a tal situação dentro do ritual e demonstra sua sabedoria
na arte.
A roda de Capoeira para o calouro se configura como um rito de passagem. A roda é o
momento de aplicar as aprendizagens das aulas e treinos. No entanto, como no passado, a
roda é um grande momento de aprendizagem, onde jogando de fato o e a capoeirista vai
precisar mobilizar todas as suas inventividades. Na roda todos jogam com todos, crianças

43
com adultos, jovem com mais velhos, homens com mulheres e dessa forma também todos
aprendem com todos e todas. Os jogos são feitos na presença da comunidade e mesmo se
depois do jogo não há um vencedor designado, os jogadores se expõem mostrando suas
habilidades e personalidades.
Os mestres e mestras como também os capoeiristas veteranos, apreciam os jogos com
atenção vigiando a bom desenvolver da roda e podem com sutileza intervir, quando um
jogador ou uma dupla passa dos limites subjetivos estabelecidos pela comunidade. A roda é o
momento propício para aprendizagem silenciosa da expressão não verbal, ou até mesmo
expressa verbalmente através uma cantiga. Desse modo, o aluno atento “pega no ar” as dicas
dos mestras e mestras e dos companheiros mais antigos, e vai descobrindo as sutilezas do
ritual, os truques e manhas do jogo. “A partir de então, ele começava a moldar o seu jeito de
jogar. E começava a aprender algo mais sobre a vida.” (ABIB, 2006, p.89)
Com essa forma de regulação dos comportamentos, o grupo de Capoeira, vai agir tanto
como contrapeso, como reforço dos modelos que o indivíduo já aprendeu durante sua
socialização. A Capoeira como forma de educação popular se insere dentro dos outros
processos de socialização e participam junto as,

“ relações familiares, nas formas de convivência social como grupos de amigos e


vizinhança, associações comunitárias e religiosas, bem como nos sistemas escolares
ocorrem as relações sociais que se combinam de diferentes maneiras para a
preparação dos membros da sociedade em que estão inseridas, contribuindo assim
para a existência dessa sociedade ao longo do tempo.” (PRAXEDES 2015, p. 14)

É a repetição e imitação dos comportamentos incorporados que vai criando modelos e


padrões, revelando a identidade do indivíduo, e também do grupo no qual ele está inserido.
Bourdieu (1994) denomina tal preparação dos membros da sociedade como processo de
construção do habitus, que envolve todas as influências que cada ser humano assimila dos
meios sociais e culturais. Esses habitus vão se fixando na mente e no corpo, como um
depósito de experiências, que o indivíduo pode requisitar para inovar e resolver os novos
problemas que surgem na convivência social.
Enquanto durante os treinos de Capoeira se aprende movimentando e desenvolvendo
habilidades físicas, nas roda de Capoeira, o espaço é do lúdico, na aprendizagem e expressão
da personalidade, onde o indivíduo vai poder se desafiar e desenvolver sua criatividade,
quebrando o habitus para se livrar de situações problemáticas. A partir de Bourdieu, Azevedo
(2003) interpreta o habitus como o conceito que diz respeito à interiorização das estruturas
objetivas das classes ou dos grupos sociais que acabam por gerar proposições, objetivas ou
subjetivas, para a resolução de problemas quanto à reprodução social.
Como vemos, a transmissão dos saberes e fazeres da Capoeira de forma tradicional,
necessita de implicações emotivas na relação mestre/as e discípulo/as. A Capoeira por sua
44
trajetória histórica de perseguição desenvolveu aspectos iniciáticos, onde o entendimento dos
rituais se faz de forma empírica, pela convivência a longo prazo. Inúmeras vezes, eu pude
ouvir os mestres e mestras dizer que a capoeira é tempo e que a fruta madura só dá no tempo.
Desse modo, existem diversos ritos iniciáticos que o capoeirista vai encontrar, à medida
que ele adentra mais nos saberes e fazeres da capoeira. Os mestres e mestras nesse
entendimento são aqueles que vão testar, observar o capoeirista e determinar se ele adquiriu a
maturidade e o conhecimento para iniciar uma nova fase dessa jornada, caso contrário, os
mestres e mestras também são aqueles que sabem,

...ocultar determinados conhecimentos considerados “essenciais” dentro da tradição


por ele representada. São saberes ou conhecimentos que não podem ser
disponibilizados a qualquer pessoa ou em qualquer momento, mas necessitam, para
serem transmitidos, de uma certa preparação por parte da pessoa interessada, que
inclui muitas vezes uma “iniciação” que faz parte da ritualidade característica
daquele grupo. (ABIB, 2006, p.94)

O batizado e a formatura, por exemplo, são ritos de passagem que marcam a jornada do
capoeirista e que são cultivados no Centro de Capoeira São Salomão. O batizado hoje é uma
grande cerimônia festiva, foi criado inicialmente pelo Mestre Bimba, para marcar quando o
aluno entrava pela primeira vez para jogar na roda. Hoje na festa de Batizado se celebra
simbolicamente a primeira entrada de um calouro na roda, marcando a separação entre o
indivíduo antes e depois da sua iniciação. O batizado, portanto, pode ser reconhecido como
aceitação em uma comunidade, funcionando como, “ ...esquema dos ritos de passagem,
principalmente visível nos ritos da primeira entrada. Em seguida o estrangeiro (no caso o
calouro capoeirista), tem liberdade de sair e entrar de novo.” (GENNEP, 2013 p.149)
É durante o batizado que o calouro vai ser apresentado a comunidade capoeirística.
Mestres, Mestras, professores e professoras de outras escolas são convidados, especialmente
para esse evento. Durante a cerimônia simbólica, o novato vai jogar como um capoeirista
mais antigo e mostrar que consegue dialogar naquela linguagem. A partir do batizado, o
calouro se torna um capoeirista reconhecido pela comunidade e deverá se comportar a altura,
ter humildade e respeitar os mais velhos, mais velhas e seus camaradas de treino, sem os
quais a aprendizagem não seria possível.
Durante o batizado o capoeirista receberá um apelido pelo qual ele será conhecido na
comunidade. O apelido destaca uma particularidade do indivíduo, ou pode surgir de um
acontecimento do dia a dia que marcou a vida da comunidade e do calouro.
Normalmente
...o mestre já escolheu esses nomes com base no dia a dia do capoeirista nos treinos,
mas também pode pedir ajuda aos formados presentes no dia. Esse é um costume
que ultrapassa a capoeira, sendo um hábito regional. Luiz se torna Luizinho,
Berenice vira Bena, a Marinalva se chama Nalvinha, e por aí vai. (NENEL, 2018,,
p.55/56)
45
A formatura hoje é um rito de passagem onde o capoeirista se torna de fato confirmado
na arte e poderá, no caso do Centro de Capoeira São Salomão, se ele fizer essa escolha,
começar a ensinar Capoeira. Inicialmente criado pelo Mestre Bimba, hoje a cerimônia e o
processo de formatura são preservados de diferentes formas nas escolas de Capoeira. O
processo de formatura do CCSS consiste em ter uma fase de preparação dos alunos e alunas
já graduados escolhidos para se formar. Durante esse período, acontecem encontros especiais
entre os formandos, onde se aprimora conhecimentos e se extrapola o universo da Capoeira
trazendo para o seio da formação a realidade e os cuidados necessários para a prática da
educação popular.
Os encontros especiais também servem para aprofundar o conhecimento sobre a história
da capoeira em geral, da capoeira de Pernambuco e do Centro de Capoeira São Salomão.
Também acontecem cursos de primeiros socorros e de defesa pessoal.
Durante a festa de formatura, os formandos deve demostrar conhecimentos ligados aos
saberes da Capoeira Regional, entre eles os presentes na sequência de ensino e na cintura
desprezada. Após um jogo na roda com seus respectivos padrinho ou madrinha (Mestres e
Mestras escolhidas pelo formando), ele ou ela recebe o título de formado/a em frente a toda
comunidade. No CCSS na sexta-feira seguinte, durante a roda de Capoeira Regional, eles vão
poder pela primeira vez jogar ao toque de Iúna, toque ritualístico reservado aos formados/as,
onde são obrigatórios os movimentos de projeção.
A formatura se configura também como rito de passagem, como o batizado, no qual
segredos são revelados pela própria prática e participação.
Os ritos de iniciação,
conforme o termo indica, são também os mais importantes porque asseguram a
presença ou a participação definitiva nas cerimônias das fraternidades e dos
misterios. Ver pela primeira vez um objeto sagrado (Nesse caso jogar pela
primeira vez ao toque da Iúna) é um ato grave, de ocorrência universal. Rompe-
se assim pela primeira vez o círculo mágico que para o mesmo indivíduo, não
poderá fechar-se hermeticamente. (GENNEP, 2013, p.150)

O Centro de Capoeira São Salomão, portanto, com sua metodologia, rituais de


passagem e projetos socioeducativos apresentam estruturas que atuam nos processos de
socialização de seus partícipes, de forma que eles e elas se tornam capazes de perceber,
refletir e atuar criticamente na sociedade. Mesmo compreendendo o processo longo para as
mudanças estruturais na sociedade, é possível perceber que a realidade social é transformável,
pois são os seres humanos que podem mudar e, portanto, mudar a sociedade.
Desse modo podemos concluir que as ações de justiça social implementados nos
projetos do Centro de Capoeira São Salomão se apresentam como atitudes culturais
preocupadas com a expressão das identidades individuais e coletivas. Nesse sentido
46
consideramos as produções culturais em geral e aquelas construídas especialmente na
capoeira, como parte das estratégias de luta dos sujeitos sociais na condição de oprimidos. A
Capoeira, as e os capoeiristas incomodados com a realidade das injustiças e da opressão,
criaram ao longo de suas histórias estratégias para resistir e existir, tornando-se exemplos de
esperança e de concretas ações em favor da mudança radical necessária a sociedade plural
almejada.

47
Considerações finais

Retomando o trajeto percorrido na pesquisa que produziu este estudo, pude entender
que a Capoeira é uma tradição cultural de matrizes africanas desenvolvida no Brasil, que se
configura como uma filosofia de vida e que se atualiza e se insere no jogo político e social
desse país. A prática da Capoeira possibilita aos seus adeptos e adeptas, que se obtenha e se
crie visões de mundo, construídas sob os mais diversos ângulos e posições.

O jogo da Capoeira, desenvolvido nas rodas, expressa as atitudes dos jogadores e


jogadoras, e dessa maneira reflete as formas com que se relacionam com as outras e os outros
e consigo mesmo. O que a Capoeira ensina está ligado diretamente ao processo de formação
humana dos sujeitos. O jogo da Capoeira como metáfora da vida provoca auto reflexão e
autoavaliação sobre nossas relações, como por exemplo, a relação com nossos familiares e de
forma geral e a relação com as comunidades a que pertencemos, ou seja, nossa vida social e
psíquica. Está marcada na prática da Capoeira o sentido de autopreservação, defesa, por isso
cuidar do seu corpo e do corpo do outro e da outra são princípios.

Segundo Rosangela Araújo, Mestra Janja e Sara Machado, Mestre Pastinha colocava
esta premissa como compromisso ético do capoeirista. Os corpos em relação e movimentos
permitem a formação cultural, política e social do corpo societal.

É no movimento do corpo que vislumbro a possibilidade de uma leitura do mundo a


partir da matriz africana, o que implica em decodificar uma filosofia que se
movimenta no corpo e um corpo que se movimenta como cultura. O corpo ancestral
é a reunião desta filosofia, desta cultura, bem como o resultado desse movimento de
contatos e conflitos que se deram e se dá na esfera social, política, religiosa e
corporal.(MACHADO; COSTA, 2015,p100)

Portanto, eu entendo a educação popular na perspectiva cosmogônica da Capoeira como


uma “pedagogia das encruzilhadas”, proposta por Luiz Rufino quando a define como sendo

Verso encarnado, o mesmo corpo que pratica a esquiva é também o corpo que
defere golpes, a mesma boca que cospe a palavra que bendiz é também a que
amaldiçoa, amarra e desata, encanta e desconjura. Contudo, ainda que a dinâmica
seja ambivalente, tanto a esquiva quanto o golpe, a defesa ou o ataque, na lógica das
encruzilhadas, só é possível na ginga. Os saberes em encruzilhadas são saberes de
ginga, de fresta, de síncope, são mandingas baixadas e imantadas no corpo,
manifestações do ser/saber inapreensíveis pela lógica totalitária. (RUFINO, 2019,
p.73)

Seguindo esse raciocínio, acredito que a pedagogia da Capoeira é a pedagogia que se


condensa na própria atitude da ginga, que mais do que gesto, é uma modo de se colocar no

48
mundo, que pode ser interpretada como a transmissão das heranças (do Axé 18), consolidadas
no contato físico, na presença, no toque do berimbau e no cumprimento do ritual iniciático.

Aprender e ensinar na Capoeira, portanto, é um processo complexo de socialização do


indivíduo no ciclo das trocas simbólicas. A cosmovisão afro-brasileira que fundamenta a
Capoeira, reflete a diversidade, integração e a ancestralidade, que são reconstruídas,
reinventadas pelos herdeiros e herdeiras dessa tradição negra e de resistência em nossa
sociedade.

Consideramos que para entender a pedagogia da Capoeira é importante entender os


paradigmas formadores da sua filosofia, que são profundamente enraizados na cosmogonia
afro-diaspórica, para isso é preciso

Ressaltar que os vínculos entre o axé e Exu é fundamental para a credibilização da


encruzilhada como disponibilidade conceitual que aponta outras possibilidades de
problematização da vida, da arte e dos conhecimentos. Assim, a educação como
fenômeno atado entre essas três dimensões, emerge como uma problemática não
somente humana, mas também como uma questão inscrita nos termos do axé. Isso
se dá uma vez que — enquanto experiência — a mesma só é possível a partir da
mobilização das energias vitais encarnadas nos seres e nas suas práticas. (RUFINO,
2019, p. 66 e 67)

A sobrevivência dos métodos educativos e conhecimentos afro-brasileiros como os da


Capoeira foram possíveis pela cultura oral, em saberes e fazeres puderam ser compartilhados
não a partir de uma ideia de cultura morta ou da escrita, mas pelo trabalho de memória oral e
corporal que, podemos considerar aqui, produção de “...sociedades da memória. Nelas, os
mais velhos são muito valorizados, pois representam os guardiões das tradições. Daí o
provérbio iorubano que diz: “Quando morre um velho é como se uma biblioteca inteira fosse
incendiada” (MACHADO APUD HAMPATÊ BÁ, 2006, p. 95).”

Na Capoeira o ensino e a aprendizagem não acontecem somente durante as aulas e


treinos, mas estão na inserção, convivência e no envolvimento das e dos aprendizes na
cultura, no universo da capoeiragem. Os grupos de Capoeira cultivam, defendem, exigem de
seus partícipes uma linhagem, um pertencimento, uma genealogia que coloca os mestres e as
mestras das gerações passadas, perpetuando seus ensinamentos, filosofias e formas de
trabalho, servindo de referência para as novas gerações. Portanto na Capoeira o exercício da
ancestralidade aliado a resistência, da livre expressão, da libertação como prática comunitária
cultivada, estabelece a relação com o aprendizado para a formação dos sujeitos. Assim a
aprendizagem desenvolvida dentro da roda da Capoeira é transferida para a grande roda da

18O Axé compreende-se como a energia viva,porém não estática.É a potência que fundamento o acontecer,o
devir.Essas dinâmicas de condução do axé se dão por meio de diferentes práticas rituais, e o axé é imantado
tanto na materialidade quanto no simbóco,expressando-se como um ato de encante.(RUFINO,2009,p67)
49
vida. Os ritos e rituais da roda de Capoeira, a convivência com as mestras e mestres, assim
como os processos iniciáticos se configuram como valores para o processo de socialização da
cultura.

Além disso a autonomia construída na prática da Capoeira colabora com o processo


libertador de se fazer no mundo. Segundo Freire

A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não
ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de
estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale
dizer, em experiências respeitosas da liberdade (FREIRE, 1996, p.107)

Ao cumprir as obrigações cultivadas pela tradição, o indivíduo afirma um


comprometimento com a comunidade, que pode parecer contraditório com a ideia de
autonomia ou liberdade de escolha, mas, que vai se constituindo e tomando sentido no
processo de formação das lideranças que tomam para si a continuação da arte, o que reflete
uma formação cidadã.

Entre os angoleiros todas as etapas do aprendizado (e suas promoções) são


exercícios de lideranças que se iniciam no princípio do comprometimento,
independentemente da obtenção de uma “autorização” para fazê-lo. Ao contrário,
esta dedicação é compreendida como resultante do envolvimento e compromisso, e
é tida como um fundamento de avaliação permanente sobre o próprio pertencimento
de cada um à comunidade (ARAÚJO, 2004, p. 133).

A Capoeira, seu presente e sua história demonstram a capacidade que suas comunidades
e organizações têm, expondo a necessidade de sobrevivências à crises estruturais, como as
provocadas pela modernidade, que podem desenvolver uma grande capacidade de resiliência.
A Capoeira, ou melhor, as e os capoeiristas são resilientes. Demonstram capacidades de
antecipação para o enfrentamento das adversidades, sem comprometer seu potencial de
desenvolvimento a longo prazo. O termo capacidade aqui é uma das chaves para entender o
conceito de resiliência dos e das capoeiristas e das suas instituições. Segundo a “Fédération
internationale des Sociétés de la Croix-Rouge et du Croissant-Rouge” (2012) a capacidade de
résiliencia, é uma junção, um conjunto de recursos humanos, psicológicos, sociais,
financeiros, materiais, naturais ou políticos. Qualquer indivíduo ou comunidade tem um certo
capital de recursos. O objetivo de construir resiliência é desenvolver esse capital de forma a
maximizar a capacidade de superar adversidades.

A resiliência construída na Capoeira não é apenas uma capacidade de responder


urgentemente a circunstâncias adversas, mas sim um processo de ajuste positivo, antes,
durante e depois da crise. Fundamentalmente, construir resiliência é um esforço para
preservar o progresso a longo prazo e limitar o declínio dramático no desenvolvimento, que
os desastres e as crises muitas vezes acarretam. Construir resiliência pode ser associado a
50
janelas de oportunidades para mudança e evolução, como acontece frequentemente após um
desafio.

Muniz Sodré apresenta em sua argumentação, o elemento que eu entendo essencial da


resiliência na Capoeira, apresentando a ideia de malícia como palavra-chave para esse jogo.

É a malícia que indica com precisão a capacidade do capoeirista de superar a


história do seu ego (a consciência dos hábitos adquiridos e consolidados) e adotar,
em questão de segundos, uma atitude nova. Na capoeira, tudo se passa sem
esquemas nem planos preconcebidos. É o corpo soberano, solto em seu movimento,
entregue ao seu próprio ritmo, que encontra instintivamente o seu caminho. Senhor
do seu corpo, o capoeirista improvisa sempre e, como o artista, cria.” (SODRÉ,
2002, p. 36)

Como descrevi ao longo deste trabalho de conclusão de curso, o Centro de Capoeira


São Salomão, tem como preocupação entender a luta pela igualdade de gênero e igualdade
racial, como sendo parte essencial da educação cidadã dos e das capoeiristas. Os diversos
projetos sociais que acontecem nesse território de Capoeira, tendo financiamentos ou não,
procuram manter esses princípios éticos e buscam alternativas para garantir essa formação
crítica e significativa para seu coletivo. Os eventos, atividades especiais, permitem a
culminância do trabalho cotidiano, ampliando a formação para além dos e das praticantes de
Capoeira.

De fato foi através das experiências das mestras e mestres do São Salomão que se
construíram modelos para uma formação na Capoeira, que em minha investigação pude
constatar como modos para uma educação popular mais geral. O modo de ser e de se
relacionar dos educadores e educadoras do CCSS, com seus e suas aprendizes, compõem e
definem as linhas para essa educação comunitária. Elementos que muitas vezes não são
ensinados, pois, cada momento é um momento, cada interação é singular e precisa ser
resolvida em função de uma percepção física, sensorial, emocional e moral própria à cada
indivíduo.

É a vivência dentro do grupo que vai orientar o ou a iniciante para adquirir os


comportamentos esperados para a convivência social. Portanto, aprender a ser capoeirista no
CCSS não se trata apenas de aprender golpes de ataque, defesa ou habilidades puramente
físicas e técnicas, mas sim de incorporar modos de ser, de sentir e de interagir com o mundo.
As experiências vivenciadas nos treinos e rodas representam atitudes éticas e morais
presentes nas interações entre os corpos.

O CCSS, portanto, como a própria Capoeira, atento ao mundo no qual ele está inserido
e se relaciona, vai construindo e reconstruindo formas de aprender e ensinar. As iniciativas
para materializar os ideais de igualdade, justiça social e solidariedade do CCSS são sempre
51
promovidas dentro da sua comunidade, tanto do próprio grupo, como também com toda a
comunidade capoeirística, dentro da perspectiva que eu entendo como sendo uma ação
reflexiva.

Anthony Giddens, em As consequências da Modernidade', determina que a


reflexividade do conhecimento rompe com a tradição, a modernidade se opõe à tradição. O
ser humano controla permanentemente sua ação, ele permanece em contato com suas
intenções pelo controle reflexivo da ação. Como em um jogo de capoeira, ação e reflexão se
vinculam, a ação é julgada pelo critério de novos conhecimentos produzidos pelo
conhecimento que os sujeitos possuem de suas ações.

O CCSS é de fato uma escola de Capoeira inserida no que Giddens chama de


modernidade reflexiva, pois questiona a reprodução dos comportamentos adquiridos da
estrutura machista e racista da sociedade e valoriza novos comportamentos e ideais. No
entanto, não são as novas ideias que caracterizam a vida moderna, mas uma presunção de
reflexividade sistemática aplicada a todos os campos. Esse movimento busca a substituição
da tradição pela razão, que funda o sentimento de certeza. No entanto, o conhecimento
reflexivo, por natureza, pode sempre ser questionado, conhecimento e certeza não podem ser
confundidos.

Pode parecer contraditório, prezar para a salvaguarda e preservação dos saberes


ancestrais e ao mesmo tempo defender ideias a luz de novos conhecimentos e novas formas
de ser dentro da sociedade, mas os capoeiristas são especialistas em lidar com os paradoxos,
pois como repete o Mestre Mago, o capoeirista sobe descendo, desce subindo, avança
recuando, recua avançando, ataca defendendo e defende atacando.

Para entender esse ponto de vista, é preciso entender a mitologia iorubá que propõe,
que é Exu que faz o erro virar acerto e o acerto virar erro 19, por isso Rufino pode mais uma
vez nos ajudar descrevendo que

As encruzilhadas nos apontam múltiplos caminhos, outras possibilidades. Assim a


compreensão acerca da política emerge também como um saber na fronteira,
angariando os espaços vazios, praticando as dobras da linguagem e escapando dos
limites propostos por razões totalitárias. (RUFINO, 2019, p.82)

Todavia também é possível, utilizar o pensamento de Boaventura de Souza Santos 20, a


"ecologia dos saberes” que nos ensina que é preciso entender que o conhecimento sobre o

19Trecho de um oriki de Exu p.81 Luiz Rufino,Pedagogia das encruzilhadas.2019

20SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora
Cortez. 2010.
52
mundo vai muito além do conhecimento ocidental cartesiano e do conhecimento acadêmico.
Isso significa que a transformação progressiva do mundo pode seguir caminhos que não
foram previstos pelo pensamento crítico ocidental, incluindo o marxismo.

A diversidade do mundo é infinita e, portanto, inclui modos muito diferentes de ser, de


pensar, de sentir, de conceber o tempo, de apreender as relações dos seres humanos entre si e
entre os humanos e os não humanos. As diversas cosmogonias da humanidade devem olhar
para o passado e o futuro, organizar a vida coletiva, a produção de bens e serviços de forma
alternativa. Essa diversidade de alternativas permanece em grande parte desperdiçada porque
as teorias e conceitos desenvolvidos no chamado Norte e adotados em todos os locais de
transmissão de conhecimento, não reconhecem essas alternativas.

Compactuo também com Boaventura de Souza Santos (2010) quando ele fala de
utilizar a “tradução intercultural”, como procedimento para criar inteligibilidade mútua entre
as diferentes experiências do mundo, sejam elas disponíveis ou possíveis. Desta forma,
nenhum grupo, nenhuma forma de pensar se torna hegemônica e nenhuma visão é total
exclusivamente. Toda totalidade possível é entendida alternadamente como total e parcial.
Portanto, não precisamos de novas alternativas porque elas estão ao nosso alcance há muito
tempo, mas precisamos de uma forma alternativa de pensar as alternativas para incluí-las na
construção de um mundo melhor.

As lutas pela igualdade de gênero e pela igualdade racial podem parecer relativamente
novas frentes de batalha dentro do mundo capoeirístico, no entanto os ideais de liberdade e de
justiça social que marcam a Capoeira em toda sua história, ecoam nos ouvidos e nos corpos
dos e das capoeiristas do presente. É desse modo que enxergo o CCSS como locus
privilegiado em que acontece uma Educação Popular, libertadora e por isso cidadã.
Ressignificando suas tradições, trocando os “pés pelas mãos”, olhando o mundo de cabeça
para baixo, subvertendo os paradigmas, o CCSS estabelece outras formas de sociabilidades
no mundo. Para isso encontra nas suas heranças, em suas raízes, os fundamentos para vida,
reconhecendo no Axé de outrora o alimento para o enfrentamento das batalhas do agora.

53
REFERÊNCIAS

ABIB, P. R.J. Os velhos capoeiras ensinam pegando na mão. Caderno CEDES,


Campinas, vol. 2, número 68, p.86-98, janeiro/abril, 2006.
ABIB, Pedro Rodolpho Jungers .Capoeira Angola: Cultura Popular e o Jogo dos
Saberes na Roda. Salvador: EDUFBA, 2004.
ALVES, A. J.M E GEWANDSZNAJDER,F, O método nas ciências naturais e sociais
pesquisa quantitativa e qualitativa. Editora Pioneira Thompson Learning ,1998.
ARAÚJO, R. C . Iê, Viva me Mestre: a Capoeira Angola da ´Escola Pastiniana´ como
práxis educativa. Tese (Doutorado). São Paulo: Faculdade de Educação/USP, 2004
ARROYO, Miguel. Prefácio. In: CALDART, Roseli. Pedagogia do Movimento Sem
Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
AZEVEDO, Mario Luiz Neves de. Espaço social, Campo social, Habitus e o Conceito
de classe social em Pierre Bourdieu. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, Universidade
Estadual de Maringá, ano III, nº 24, mai 2003.
BOURDIEU, Pierre Raisons pratiques : sur la théorie de l'action, Editora Seuil,1994
BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Constituição da República Federativa do
Brasil atualizada até a EC n. 105/2019
BRASIL,Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288,de 20 de julho de ,2010
CAMPOS, Helio. Capoeira Regional: a escola de Mestre Bimba ,Salvador,Editora da
Universidade Federal da Bahia ,2009.
CLIFORD J, A experiencia etnográfica: antropologia e literatura no século xx ,Rio de
Janeiro. Editora UFRJ,2002.
CORDEIRO e PIRES, I,C A; R, “São gestos que educam mais que cartilhas”:
experiências em práticas educativas e salvaguarda do patrimônio no Centro de Capoeira São
Salomão. Recife: Revista Aurora 463 ano V, 2020.
CORDEIRO I. C. A; Roda de capoeira é campo de mandinga...”: experiências dos
capoeiristas do Recife para afirmação do jogo da capoeira na cidade, nos anos de 1980. Tese
de Doutorado em História do Programa de Pósgraduação em História da UFPE, Recife,2016
DA MATTA, R. Apresentação in: Os ritos de passagem. Arnold Van Gennep.
Petrópolis.Editora Vozes, 2013.
DA SILVA ROSAS; A criatividade em educação popular um diálogo com Paulo
Freire,UFPB, João Pessoa,2008
DE ARAÚJO, N. N, L;BATISTA,L; DO MONTE,R,S ;DE SOUZA LIMA,S,C; DE
LIMA MARINHO,A,R ;SOBRAL MOITA,D,K,L ; DE OLIVEIRA MARTINS LIMA,L.
Trabalhando a educação popular em saúde com a dança. Revista Eletrônica Gestão & Saúde.
54
vol. 6 (supl. 1) ,2015.
DE FÉLIGONDE, Vincent ,L'Allemagne, le pays où règne le troisième secteur. La
Croix.com, 2009. Disponível em: L'Allemagne, le pays où règne le « troisième secteur » (la-
croix.com)
DE LIMA MACÊDO, M. Tradição oral afro-brasileira e escola: Diálogos possíveis para
a implementação da Lei 10.639/2003, em, mec/secad, educação e diversidade: estudos e
pesquisas volume 2,ufpe ,Recife, 2009.
DE MELO, M,F . Sustentabilidades das ONG. Sociedade. e Cultura, Goiânia, v. 19, n.
1, p. 141-154, jan./jun. 2016
DE OLIVEIRA L. L, RIO DE JANEIRO, A Frente Negra Brasileira: Política e Questão
Racial nos anos 1930,Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2002
DÉCANIO, Falando em Capoeira. Disponível em capoeiradabahia.portalcapoeira.com.
Documentário Capoeira Angola mito e magia, Vimeo,Disponivel, em: Capoeira Angola:
Mito e Magia on Vimeo ,2011
FÉDÉRATION INTERNATIONALE DES SOCIÉTÉS DE LA CROIX-ROUGE ET
DU CROISSANT-ROUGE, La clé de la résilience . Document de réflexion de la Fédération
internationale sur la résilience, 2012
FERREIRA, Tarcísio José. A capoeira na escola: a lei 10.639/2003 como política
pública afirmativa. 2014. 51 f. Monografia (Especialização em Gestão de Políticas Públicas
em Gênero e Raça)—Universidade de Brasília, Brasília, 2014.
FOUCAULT, M , vigiar e punir. Editora Vozes.Petropolis,1999
FOUCAULT,M, a vontade de saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988
FREIRE ,P , Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra,1987.
FREIRE ,P .Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa. São Paulo.
Editora Paz e Terra,1996.
FREIRE ,P F934 ,a Ação cultural para a liberdade. 5ª ed Rio de Janeiro, Paz e
Terra,1981
FREIRE ,P, Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro, Paz e Terra ,1983
FREIRE,P .Educação Como Prática da Liberdade.Rio de Janeiro. Editora Paz e
Terra,1967.
GIDDENS , Central problems in social theory. London: Macmillan, 1979.
GIDDENS,As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil,1996
LINTON R ,Le fondement culturel de la personnalité Collection “Sciences de
l’éducation”, no 11. Traduction de l’ouvrage anglais “The Cultural Background of
Personality.” 138 pages, 1845. Paris : Bordas, 1977

55
MACHADO, V. Tradição Oral e Vida Africana e Afro-brasileira. In: Souza, Fiorentina,
Lima, Maria Nazaré.Literatura afro-brasileira. salvador: centro de estudos afro-orientais,
2006
MACHADO; COSTA,Capoeira Angola, corpo e ancestralidade: por uma educação
libertadora. Editora Horizontes, v. 33, n. 2, p. 99-112, jul./dez. 2015
MANZINE-COVRE, O que é cidadania.Coleção Primeiros Passos,1994
Marco de Referênçia da Educação Popular para as políticas públicas, 2014
MESTRE BRASÍLIA, vivências e fundamentos de um mestre de capoeira.Editora
Matrix (sem data)
MESTRE NENEL, Bimba um século da capoeira regional.Editora Edufba 2018
MESTRE PASTINHA, Documentário Mestre Pastinha uma vida pela capoeira,1998.
Disponel em: Pastinha: uma vida pela capoeira - YouTube
NANNI, Dionísia (1999). O Ensino da Dança na Estruturação/Expansão da Consciência
Corporal e da AutoEstima do Educando. Fitness & Performance Journal, v. 4, n. 1, p. 45 - 57,
2005
NOGUEIRA,S,G. Psicologia crítica africana e descolonização da vida na prática da
capoeira Angola,. PUC, São Paulo ,2013.
OLIVEIRA, E,D. Filosofia da ancestralidade: corpo e mito na filosofia da educação
brasileira. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007
PEREIRA, J, P, A, Mestre Bimba, o sonho de salomão, Editora: Arribaçã ,2020
PRAXEDES, W. A educação reflexiva na teoria social de Pierre Bourdieu. São Paulo:
Edições Loyola, 2015
RODRIGUES e FERREIRA .A capoeira na escola: a lei 10.639/2003 como política
pública afirmativa.Universidade Estadual de Goiás, Águas Lindas, 2013
RUA, Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos ,Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz ,2007
RUFINO,L, Pedagogia das encruzilhadas, Editora Mórula ,2019
SANTOS, B,d,S; MENESES, M,P. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora
Cortez.2010
SCOTT, J, gênero: uma categoria útil para análise histórica ,1989, SCOTT, Joan.
Gender on the Politics 01 History. New York: Columbia University Press, 1988 (p.28-50).
SOARES, C, E, L A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro
(1808-1850). 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004
SODRÉ M,Mestre Bimba: Corpo de Mandinga, Editora manati.2002
TAVARES ,Julio ,Cesar de Tavares, Dança de guerra arquivo e arma,elementos para
uma teoria da Capoeiragem e da Comunicação Corporal Afro-Brasileira. Editora Nandyala,

56
MG: 2013
TEIXEIRA; E, C ,O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na
Transformação da Realidade.AATR-BA ,2002
THEIS Amandine , Aproche psychodynamique de la résilience, Thése de doctorat em
psychologie. Université de Nancy 2, 2006
TRIVINOS, introducao pesquisa em ciencias-sociais. São Paulo .editora atlas s.a ,1990.
TWIG J, Caractéristiques d'une comunauté résilente face aux catastrophes,2009
VARELA E ALVAREZ-URIA , a maquinaria escolar .Teoria & Educação, 6, 1991
VIEIRA, L. R. & ASSUNÇÃO, M. R. Mitos, controvérsias e fatos: construindo a
história da capoeira. Estudos Afro-Asiáticos (34):81-121, dez. de 1998

57

Você também pode gostar