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CONSELHO EDITORIAL
Várias autoras.
ISBN 978-65-994693-0-5
21-63465 CDU-342.7
https://doi.org/10.47658/20210100
que ousaram – e ousam – romper com essa lógica excludente e quais são os
seus principais – recorrentes – desafios.
Por seu turno, o segundo capítulo, nomeado de “Vidas ininteligíveis: a per-
versidade nos assassinatos de travestis”, escrito por Andressa Regina Bisso-
lotti dos Santos e Mariana Garcia Tabuchi, expõe uma temática urgente, em-
bora invisibilizada, e elabora um debate amplo e fundamentado em torno de
14 suas notas contextuais, das consequências – fáticas e/ou simbólicas –, e das
responsabilizações para com os assassinatos brutais de travestis no Brasil.
APRESENTAÇÃO
Por sua vez, o sétimo capítulo, nomeado “Os conflitos armados como im-
pulsionadores do tráfico de mulheres para fins de exploração sexual”, subs-
crito por Mércia Cardoso de Souza e Priscila Nottingham, apresenta uma re-
flexão acurada acerca de um tema atual e relevante, pertinente às conexões
entre os conflitos armados e o tráfico de mulheres para fins de exploração
sexual, valendo-se de extensa gama de dados, debates e documentos – na-
cionais e estrangeiros, alinhados à urdidura de um delineamento arguto so-
15
bre as suas causas e consequências.
Tem-se, assim, por intento inequívoco que esse conjunto de trabalhos, ora
publicado, sob o feixe da presente obra Os Novos Desafios dos Feminismos
na Era Pós-Democrática, pretende estar além de uma concepção meramen-
te acadêmica, albergando também – e sobretudo – a finalidade genuína de
sumário
tência tenaz. Somos cônscias dos desafios que estão em jogo, das dificul-
dades que nos rodeiam e do horizonte pouco alentador, entretanto, como
sempre e uma vez mais, escolhemos persistir e seguir adiante, construindo e
OS NOVOS DESAFIOS DOS
As organizadoras
CAPÍTULO 2
VIDAS ININTELIGÍVEIS: A PERVERSIDADE NOS ASSASSINATOS DE TRAVESTIS�������� 43
Andressa Regina Bissolotti dos Santos, Mariana Garcia Tabuchi
CAPÍTULO 3
A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E A JUSTIÇA SOB A ÓTICA DOS DIREITOS SEXUAIS E RE-
PRODUTIVOS: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DA RE-
GIÃO CENTRO-OESTE ��������������������������������������������������������������������������������������������59
Cristiane Leal de Morais e Silva Ferraz
19
CAPÍTULO 4
DIREITO À AMAMENTAÇÃO EM PÚBLICO: PARADOXO ENTRE DIREITOS FUNDAMEN-
TAIS E A CULTURA DA EROTIZAÇÃO DA MULHER, NO BRASIL �������������������������������� 77
Fabiana de Paula Lima Isaac Mattaraia, neide Aparecida de Souza Lehfeld
CAPÍTULO 5
ETNOGRAFIA COM FEMINISTAS CRISTÃS NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL �������� 93
Flávia Valéria Cassimiro Braga Melo
CAPÍTULO 6
AS MULHERES E A IMPOSIÇÃO DE PADRÕES INATINGÍVEIS: BREVES CONJECTURAS
SOBRE COMO FORAM FORJADOS, QUAIS OS SEUS EFEITOS E COMO PODEM SER
ENFRENTADOS������������������������������������������������������������������������������������������������������� 111
Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab
CAPÍTULO 7
OS CONFLITOS ARMADOS COMO IMPULSIONADORES DO TRÁFICO DE MULHERES
PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL �������������������������������������������������������������������129
Mércia Cardoso de Souza, Priscila Nottingham
CAPÍTULO 8
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE DAS MULHERES NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA: UM
PANORAMA A PARTIR DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ANO DE 2019�159
Mylena Maria Silva Reginaldo Ferreira GomeS
CAPÍTULO 9
O JUSFEMINISMO COMO MEDIDA DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA JURÍDICA DE
GÊNERO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO PATRIARCALISMO NO DIREITO BRASILEIRO�175
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
CAPÍTULO 10
OS NOVOS DESAFIOS DOS
20
sumário
ANA PAULA ARAÚJO DE HOLANDA - Doutora em Direito - Universidad
Rovira i Virgil. Mestre em Direito - Universidade Federal do Ceará.
Especialista em Direito Público – Universidade Federal de Santa Catarina.
Graduação em Direito - Universidade de Fortaleza. Presidente da Comissão
de Práticas Colaborativas do IAB após Representante do Instituto dos
Advogados Brasileiros no Ceará . Presidente da Associação de Mulheres da
Carreira Jurídica - Ceará. 1ª Vice-Presidente do Instituto dos Advogados
do Ceará. Representante do Instituto dos Advogados Brasileiros no Ceará.
Presidente da Comissão de Práticas Colaborativas da OAB-CE. Membro
da Comissão Especial de Defesa da Autonomia Universitária da OAB
Nacional. Ex-presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-CE. Ex-
membra da Comissão de Educação Jurídica da OAB Nacional. Avaliadora
do SINAES do Ministério da Educação – INEP. Professora da Universidade
de Fortaleza. Advogada Colaborativa. E-mails: apaholanda@hotmail.
com; anapaula@unifor.br
1
CAPÍTULO 1
NARRATIVAS DA EDUCAÇÃO
JURÍDICA BRASILEIRA SOB O
OLHAR FEMININO
NARRATIVES OF BRAZILIAN LEGAL EDUCATION
UNDER THE FEMALE VIEW
https://doi.org/10.47658/20210101
sumário
Resumo
Abstract
Legal education in Brazil is marked by a history of male domination. Since the
colonial and later in Brazil Empire, the concept of education is geared towards men
as elements of reproduction of the patriarchal state model and active participants in
the state structures. The patriarchal bases that perpetuated until the present century
passed through Brazil Empire until the foundation of the Brazilian Republic. For the
development of this research, bibliography, historical documents and data analysis
were used. It appears that the historical scenario has remained in the present centu-
ry, as evidenced by data from the 2018 sense of INEP / MEC and surveys of IES sites
in the state of Ceará.
Introdução
Janeiro, que jamais chegou a ser efetivado. Havia uma parcela da elite brasileira que desejava
o curso na corte e outra parcela temia que a instalação na sede política poderia trazer
consequências negativas. Em Portugal, a opção foi levar o curso para o interior (Coimbra).
6 Em vários trechos do Estatuto de Visconde Cachoeira, ele se refere ao gênero
masculino, tais como: “Bachareis formado, dizendo-se homens jurisconsultos”, “haveria em
grande abundancia homens”, “ahindo da Universidade grandes mestres, dignos e sabios
magistrados, e habilissimos homens d’Estado” e assim segue toda a exposição do referido
Estatuto. O foco é criar o curso jurídico e, por conseguinte, uma estrutura estatal com
participação exclusivamente de homens.
7 O deputado mineiro Lúcio Soares Teixeira de Gouveia, juntamente com o deputado
Januário da Cunha Barbosa, travou com veemência a necessidade de curso de direito no
Brasil. Cunha Barbosa apresentou projeto de criação e estruturação de cursos jurídicos em
cinco anos.
sumário
vez mais pela ampliação do ensino superior; Minas Gerais, com a sua força
econômica, fez nascer, em 1892, a Faculdade Livre de Direito do Estado de
Minas Gerais em Ouro Preto, posteriormente transferida para Belo Horizonte,
e, em 1900, a Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre. Já sob a influência
da Escola do Recife, surgem as Faculdades Livres de Direito da Bahia (1891) e
do Ceará (1903). Em consulta aos sites destas IES, não foi encontrado registro
de acesso de mulheres nestes anos de criação. Portanto, estes novos cursos
não representaram o acesso proporcional de mulheres na educação superior.
13 Segundo o IBGE, em 1940, apenas 34% de mulheres sabiam ler e escrever em face
ao percentual de 42% dos homens. Elemento que dificultava o acesso das mulheres ao ensino
superior.
14 Em 1998, aposentou-se e em novembro de 2006, ela recebeu o título de Professora
Emérita.
sumário
Foi por meio da Escola do Recife que o Brasil ingressou no estudo dos
doutrinadores alemães, mas, mesmo tendo sido uma academia historica-
mente crítica e libertária, atrasa-se nas questões de gênero. Destes bancos
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
CATEGORIA ADMINISTRATIVA
ATRIBUTOS DO VÍNCULO DOCENTE
PÚBLICA PRIVADA
Idade 38 38
Fonte: Elaboração Própia com base em dados do Censo da Educação Superior 2018.
Nota: Para Construção do perfil docente foi considerada a Moda de cada atributo selecionado
15 O ingresso de uma mulher na ABL só ocorrerá em 1977, por uma cearense destemida
– Rachel de Queiroz, que passou a ocupar a cadeira de número 5.
16 Academia Brasileira de Letras – Discurso de posse de Rachel de Queiroz: Disponível
em: https://www.academia.org.br/academicos/rachel-de-queiroz/discurso-de-posse. Acesso
em: 20 jul. 2020.
sumário
Idade (ingressante) 19 21
Idade (matrícula) 21 24
Idade (Concluinte) 23 30 35
Nota: Para Construção dos perfil dos discentes foi considerada a Moda de cada atributo selecionado
17 Os dados contidos neste artigo acerca de duas IES consolidadas no Ceará foram
compilados a partir de pesquisas realizadas nos sites das próprias IES.
sumário
tituições federais, com 36,5%, mas a distância entre as IES quanto à visibi-
lidade das mulheres ministrando aulas nos cursos presenciais varia pouco.
Se existe uma certa igualdade de ingresso na carreira, isso não ocorre na
ascensão, uma vez que as hierarquias profissionais se cingem nos bastiões
masculinos.
Considerações finais
Destaca-se que por todo Brasil Império não se tem registro de mulheres
em alguma carreira jurídica, pois as primeiras, ao se formarem em Recife, em
1888, não atuaram profissionalmente. Tem-se, portanto, a partir de registros
históricos de Myrthes Gomes de Campo, graduada apenas na República bra-
sileira, que a saga das mulheres foi longa e desigual. Mulheres ingressam na
advocacia de modo isolado e sob fortes preconceitos, como o fato da postu-
lação de Myrthes para os quadros do IOAB. A trajetória na docência inicia-se
com Heloisa Assumpção do Nascimento, no final da década de 1930, porém
colhe desta realidade participações esporádicas das mulheres na docência.
Este contexto tem repercussão até hoje, pois o número de mulheres na do-
cência, quer em instituições de ensino superior públicas ou privadas, é menor
que o número de homens.
sumário
Referências
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FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
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OS NOVOS DESAFIOS DOS
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em: https://www.tjce.jus.br/noticias/representatividade-feminina-e-destaque-no-
-primeiro-tjce-em-podcast-especial-do-mes-da-mulher/. Acesso em: 20 jul. 2020.
sumário
41
VIDAS ININTELIGÍVEIS: A
PERVERSIDADE NOS ASSASSINATOS DE
TRAVESTIS
UNINTELLIGIBLE LIVES: THE PERVERSITY
IN TRAVESTIS MURDERS
https://doi.org/10.47658/20210102
sumário
Resumo
ta-se que esses corpos caminham fora dos limites da inteligibilidade e, por
vezes, esbarram na fronteira do que é entendido como humano, pelo que se
tornam vidas descartáveis. Assim, a sua expropriação através de elementos
cruéis e a sua matabilidade ganham centralidade como estratégia bélica em
um sistema definido por relações de gênero.
Abstract
The purpose of the present study is to comprehend the expression of perversity
as the common element in acts of violence towards travestis and unintelligible fe-
male bodies. To reflect upon such questions becomes especially fundamental in the
context of current-day Brazil, where hate speeches against women and LGBTI+ in-
dividuals seem to indicate an increase of data related to this type of violence. In this
sense, by making use of the framework developed by Judith Butler when considering
the construction of abject bodies, and the observations brought by Rita Segato, it
seeks to understand how contemporary forms of war turn such bodies into their own
territory, their most legitimate locus for demonstrating sovereignty. The adopted
methodology was qualitative research, with basis on a documental analysis of the
data published in the Dossier on Murders and Violence Against Travestis and Trans
People in Brazil - 2018, as well as bibliographic revision. As for the results obtained,
it indicates that these bodies walk outside the edges of intelligibility and sometimes
touch the boundary of what is understood as human, becoming expendable lives.
sumário
Consequently, the expropriation of these bodies through cruel elements and their
killability acquire central significance as a warlike strategy in a system defined by
gender relations.
Introdução
Apenas no ano de 2018, pelo menos 163 pessoas trans foram assassina-
das no país. E os elementos que se repetem são: “a agressão física, tortura,
linchamento, afogamento, espancamento e facadas. Em 83% dos casos, os
assassinatos foram acompanhados de requintes de crueldade como uso ex-
cessivo de violência, esquartejamentos, afogamentos e outras formas brutais
de violência” (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2019, p. 23).
2 GLOBO. Travesti Dandara foi apedrejada e morta a tiros no Ceará, diz secretário,
2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2017/03/apos-agressao-dandara-
foi-morta-com-tiro-diz-secretario-andre-costa.html>. Acesso em: 28 fev. 2020.
3 Segundo dados da organização não-governamental (ONG) Transgender Europe
(TGEU), divulgados em novembro de 2018, foram reportados 369 casos de assassinatos
de travestis e transexuais no mundo entre outubro de 2017 e setembro de 2018, sendo que
destes, 167 ocorreram somente em território brasileiro. Relatório da Transgender Europe, 2018.
Disponível em: <https://transrespect.org/en/tmm-update-trans-day-of-remembrance-2018/>.
Acesso em: 06 set. 2019.
sumário
corpos.
jeito, nos é dada por Judith Butler. A autora desloca a oposição sexo/gênero
como tradicionalmente formulada nas teorias feministas, questionando-se
acerca das formas através das quais o próprio corpo, constantemente pen-
sado como lócus de pré-discursividade e natureza, materializa-se nos termos
dessas normas constitutivas da inteligibilidade gendrada (BUTLER, 2002). O
sexo, assim, se reúne com o gênero, revelando-se como tendo sido sempre
gênero, jamais materialidade pré-discursiva.
5 O GLOBO. ‘Menino veste azul e menina veste rosa’, diz Damares Alves em vídeo.
sumário
Se, por um lado, Butler nos informa acerca do campo de abjeção em que
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
Assim, tais corpos se tornam o território dos conflitos, o lócus mais legíti-
mo de demonstração de soberania, posto que a violência executada é o meio
pelo qual se afirma a destruição moral do inimigo.
Mas, não se trata apenas de tirar a vida desses corpos. Os 83% de casos
apurados pelo ANTRA e pelo IBTE em que se constataram requintes de cruel-
dade comunicam, enunciam: a humilhação perversa, a supressão e extermínio
de travestis, negras, pobres, prostitutas são estratégias centrais da política,
da guerra e da política de guerra. São seus corpos o campo de batalha em
que se disputam os signos da inteligibilidade e das normas totalitárias de
gênero.
Conclusão
dessas violências passa, acima de tudo, pela disputa dos termos através dos
quais essas vidas são representadas no espaço público.
54
CAPÍTULO 2
VIDAS ININTELIGÍVEIS: A PERVERSIDADE NOS ASSASSINATOS DE TRAVESTIS
sumário
Referências
BENEVIDES, Bruna; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. Dossiê dos assassi-
natos e da violência contra travestis e transexuais no Brasil em 2018. Associação
Nacional de Travestis e Transexuais Do Brasil (ANTRA) e Instituto Brasileiro Trans
de Educação (IBTE): Brasil, 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275,
Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Ple-
no, julgado em 01 de março de 2018, DJE nº 045 publicado em 07 de março de 2019.
Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2691371>.
Acesso em: 23 ago.2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 4733, Relator(a): ED-
SON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13 de junho de 2019, DJE nº 142, divulgado
em 28 de junho de 2019. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.
asp?incidente=4239576>. Acesso em: 23 ago. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 55
por Omissão 26, Relator Celso de Mello, julgado em 13 de junho de 2019, DJE nº
56
CAPÍTULO 2
VIDAS ININTELIGÍVEIS: A PERVERSIDADE NOS ASSASSINATOS DE TRAVESTIS
CRISTIANE LEAL DE MORAIS E SILVA FERRAZ - Docente e pesquisadora
da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Mestre em Ciências
Ambientais e Saúde pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB Goiás (CMA/OAB
GO). Coordenadora do Núcleo de Pesquisa de Gênero da CMA/OAB GO.
Advogada. E-mail: ferraz.cris@gmail.com
3
CAPÍTULO 3
https://doi.org/10.47658/20210103
sumário
Resumo
O presente estudo teve por objetivo a análise dos acórdãos nos Tribu-
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
Abstract
The present study aimed to analyze the judgments in the Courts of Justice in the
central-west region of Brazil that involved situations of obstetric violence, in order
to understand how this theme has been treated by our justice system. The research
was based on the gender perspective and Brazil’s commitment through international
treaties for the implementation and protection of women’s sexual and reproductive
rights. To this end, a documentary analysis was carried out associated with a quan-
titative analysis of objective criteria raised through the examination of these deci-
sions. In the end, it was concluded that obstetric violence is a violation of women’s
sexual and reproductive rights and, as such, needs to be faced, both through the
legal system of our country, and through the discourse of law that emanates from
the jurisprudential decisions in our Courts. In addition, it reinforced the magistrates’
legal duty to promote, based on their decisions, the effective protection of women
against all forms of violence and discrimination, thus becoming effective instru-
ments of justice and social change.
Introdução
Tabela 1. Resultado da busca textual nas bases de dados dos Tribunais de Jus-
tiça da região centro-oeste, utilizando-se os descritores elencados para o es-
tudo, Brasil, 2020.
TRIBUNAL VO DR E MK A PM V TOTAL
Distrito Federal 4 0 0 4 8 0 0 16
Goiás 0 0 1 0 0 0 0 1
Mato Grosso 1 1 10 7 2 0 0 21
Total 69
VARIÁVEL N %
Tipo de Ação
66
Cível 29 93,55
CAPÍTULO 3
A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E A JUSTIÇA SOB A ÓTICA DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
Penal 2 6,45
Forma de atendimento*
Público 18 72
Privado 7 28
Tratamento Jurisprudencial
Pedido***
Acompanhante no parto 9 31
VARIÁVEL N %
Enfoque
Criança 7 22,59
Mãe 14 45,16
Pai 2 6,45
dãos analisados:
Neste sentido, Facio (2002, p. 85-102) esclarece que o Direito deve ser
usado como instrumento de mudança social, deve criar estratégias para
construir justiça e alcançar igualdade. No caso da violência obstétrica, tendo
como fundamentação jurídica a Constituição Federal de 1988 e os tratados
internacionais, resta clara a importância fundamental de magistrados pro-
moverem em suas decisões a proteção efetiva da mulher contra todas as
formas de violência e discriminação.
Considerações finais
das mulheres e, como tal, precisa ser enfrentada, tanto por meio do orde-
namento jurídico de nosso país, como por meio do discurso do Direito que
emana das decisões jurisprudenciais em nossos Tribunais. Para tanto, tem-se
OS NOVOS DESAFIOS DOS
72
CAPÍTULO 3
A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E A JUSTIÇA SOB A ÓTICA DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
sumário
Referências
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ramericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, concluída
em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de
agosto de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/
D1973.htm. Acesso em: 27 fev. 2020.
BRASIL. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção
sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, de 1979, e
revoga o Decreto nº 89.460, de 20 de março de 1984. Diário Oficial da União, Brasí-
lia, 13 de setembro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-
creto/2002/D4377.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%204.377%2C%20DE%20
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BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de
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Brasília, 2018. 426 p. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sau- 73
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74
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tema de justiça. Revista de Estudos Jurídicos. Franca. v. 15, n. 22, pp. 325-338, 2011.
WHO. Care in normal birth – a practical guide. Geneve: WHO, 1996.
CAPÍTULO 3
A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E A JUSTIÇA SOB A ÓTICA DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
1| Parte do manuscrito foi submetido no IV Congresso Internacional de
Direitos Humanos de Coimbra - uma visão transdisciplinar, em Portugal.
Somente seu resumo se encontra publicado nos Anais de aludido evento.
Na presente análise houve aprofundamento do tema com o contexto
histórico das lutas feministas pela autonomia do corpo da mulher.
DIREITO À AMAMENTAÇÃO EM
PÚBLICO:
PARADOXO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
E A CULTURA DA EROTIZAÇÃO DA MULHER, NO
BRASIL¹
https://doi.org/10.47658/20210104
sumário
Resumo
acerca do aleitamento materno, responsável por salvar vidas, além das orien-
tações vigentes do Ministério da Saúde de nosso país, ainda paira polêmica a
respeito de estabelecimentos que restringem a mãe de amamentar o recém-
OS NOVOS DESAFIOS DOS
Abstract
Despite the awareness campaigns of the world society about breastfeeding,
responsible for saving lives, in addition to the guidelines in force in the Ministry of
Health of our country, there is still controversy regarding establishments that restrict
the mother to breastfeed the newborn -birth, under pain of castrating looks that
cause great embarrassment, suffering and undermine fundamental rights of both
mother and baby. This is because one still lives under the aegis of a macho culture,
in spite of the fact that women in Brazil do not literally represent, in numerical terms,
the minority. Women are still considered sexual objects and Brazil is still considered
the country in which nudity and Carnival are major market vehicles. The present
study seeks to demonstrate that, despite the importance of breastfeeding, there is
such a paradox, especially regarding restrictions on public places and collective ac-
cess to women. The method to be used is the deductive one, through which we will
try to establish, throughout the study, some premises, which should guide the final
conclusions.
sumário
Introdução
Com o objetivo de contar a história do feminismo para que seja mais co-
nhecida e também mais considerada entre os formadores de opinião, Cons-
tância Lima Duarte (2019, p. 25) entende que houve um desgaste semântico
OS NOVOS DESAFIOS DOS
Esta autora conta a história da luta feminista nas suas principais épocas:
no primeiro momento, que denomina de “Letras Iniciais”, conta que no come-
ço do século XIX, as mulheres brasileiras, na maioria, viviam enclausuradas
80
em antigos preconceitos e imersas numa rígida indigência cultural. As pri-
meiras solicitações feministas eram consideradas elementares, pois, mesmo
CAPÍTULO 4
DIREITO À AMAMENTAÇÃO EM PÚBLICO
da mulher é desqualificada. 1
1 Grifo nosso.
sumário
dade.
pois nos mostra que estamos vivendo em tempos em que o óbvio, o bom-sen-
so, o direito à vida somente conseguirão ser exercidos através de medidas
coercitivas do Estado.
Considerações finais
Para tanto, espera-se que as movimentações que são feitas hoje tenham
seus efeitos culturais operados na posteridade, para as próximas gerações,
na esperança de haver um menor grau de normativização do Estado para
sumário
88
CAPÍTULO 4
DIREITO À AMAMENTAÇÃO EM PÚBLICO
sumário
Referências
BLAY, Eva Alterman. Minorias, Política e Violência. Revista de Cultura e Exten-
são Universitária - Revistas USP, São Paulo, n. 15, pp. 51-57, maio 2015. Disponível
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OS NOVOS DESAFIOS DOS
90
CAPÍTULO 4
DIREITO À AMAMENTAÇÃO EM PÚBLICO
FLÁVIA VALÉRIA CASSIMIRO BRAGA MELO - Doutoranda em Antropologia
Social pela UFG. Mestra em Ciências da Religião e graduada em Ciências
Sociais. Professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG). E-mail:
flavia_valeria@yahoo.com.br
5
CAPÍTULO 5
ETNOGRAFIA COM
FEMINISTAS CRISTÃS NO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
ETHNOGRAPHY WITH CHRISTIAN FEMINISTS IN THE BRAZI-
LIAN SUPREME COURT
https://doi.org/10.47658/20210105
sumário
Resumo
tes, como é o caso dessas mulheres, que estão utilizando seus corpos como
bandeiras de luta e suas teologias como discursos contra-hegemônicos.
Abstract
In view of the events that preceded the 2018 presidential elections and the Bra-
zilian political situation, the feeling of being at the peak of the unification of the fun-
damentalist religious fronts, with the right-wing reactionary political forces through
the intensification of the discourse of morality, the fight against “Gender ideology”,
abortion and feminism. However, I intend to report in this study, on the activism of
Christian feminist women who are building their dissent and trenches, using theolo-
gy as a form of resistance. As this is an ethnographic study, notes of observation of
fieldwork will be presented during the Vigil in Public Act in favor of the decriminal-
ization of abortion (Public Hearing at the STF in Brasília, in 2018). Anyway, based
on this study it was possible to verify that although Brazil is in a moment of strong
evangelical fundamentalist ascension, there are, on the other hand, dissident voices,
as is the case of these women, who are using their bodies as flags of struggle and
their theologies as counter-hegemonic discourses.
Introdução
1 Este trabalho integra parte do texto que comporá minha tese de doutorado no PPGAS
/ UFG. Esta experiência etnográfica foi apresentada na RAM 2019 (Reunião de Antropologia
do Mercosul 2019) e está publicada nos anais do Congresso.
2 A ADPF 442 (Ação de Descumprimento de Preceito Legal n.442) foi impetrada pelo
PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Esta Audiência Pública foi convocada visando discutir
os aspectos interpretativos dos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro.
sumário
como:
arruda5 irradiavam o ambiente, o som das suas canções parecia disputar com
os feixes de luz que vinham das viaturas policiais e o calor da roda, que aos
poucos aumentava o seu número. Nessa atmosfera, entre tantas mulheres,
fui ressignificando-me diferentemente como mulher, como de modo nenhum
havia percebido antes.
Flor de Manacá6 foi a segunda a falar ao megafone. Ela proferiu que es-
taria ali para disputar o discurso religioso predominante, afirmando que a
condenação das mulheres era grande hipocrisia:
Por volta das 8 horas da manhã, a entrada foi liberada e passamos por
uma checagem dos objetos que portávamos, havendo proibições sobre uso
de quaisquer símbolos que fizessem apologias favoráveis ou contrárias ao
aborto. Lembro-me de um detalhe importante, do rosto de satisfação das
militantes feministas que estavam comigo na fila e que conseguiram entrar
“sorrateiramente” pela vistoria dos seguranças com seus adornos de arruda
em seus cabelos, sem que eles pudessem ser decifrados como tática. Elas pu-
deram se gabar, durante toda a audiência pública, de um dos símbolos mais
usados naquele movimento pró-aborto, na porta do STF: a arruda.
O terceiro momento das arguições foi feito pelo pastor Douglas Roberto
de Almeida Baptista, da Convenção Geral das Assembleias de Deus. Assim
como o Padre José Eduardo de Oliveira, ele também espezinhou aquela au-
diência e acusou que o próprio deferimento da ADPF 442 ocorreu pela busca
A sétima pessoa a falar foi Ângela Vidal Gandra M. Silva, da União dos
Juristas Católicos de São Paulo. Ela também se posicionou contra a descri-
minalização do aborto. Criticou a existência daquela audiência, explicando
que ela teria sido criada de maneira oportunista para atender aos interesses
do partido proponente, e lembrou que no Congresso já havia projetos de lei
tramitando para tratar desse assunto, cabendo ao Supremo devolver essa
questão. Explicou que, se legalizássemos o aborto no Brasil, começaríamos
com fetos de até três meses, mas que depois avançaríamos para seis meses,
para fazer cosméticos, e, posteriormente, para sete meses, a fim de fazer co-
mércio de órgãos, que, segundo ela, já estava acontecendo em outros países.
Relatou, sem apresentar referências, que naquela semana ela tinha ouvido
de uma enfermeira, que ao fazer o procedimento de aborto de uma “crian-
ça” de sete meses, ela não morria, então, a criança agonizou sozinha até a
morte. Justificou ser contra a legalização do aborto porque desejava o psiquê
da mulher estável e, quase na finalização de sua arguição, Ângela Vidal co-
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
mentou: “[...] que a mulher brasileira possa não ser destinada a ter relações e
abortar, mas seja destinada, [...] a construir um Brasil, a cooperar com todo
esse desenvolvimento econômico.”
OS NOVOS DESAFIOS DOS
Lembro-me dos olhares de surpresa por parte das feministas e dos burbu-
rinhos de desagrado por parte da plateia antiaborto que o assistia. Como
advogado, explicou que não pretendia que o Brasil seguisse a lei judaica ou
de nenhuma outra religião. Ao dizer que o princípio bíblico na compreensão
hebraica seja a opção pela vida, ele lança a seguinte questão: “Qual vida?
A vida de quem? Qual aspecto da vida? Saúde mental também é vida”. Ex-
plicou que até os quarenta dias esse feto é considerado ser composto so-
mente por água (seria equivalente à oitava semana); depois desse estágio, o
feto seria considerado como a “coxa de sua mãe” (uma parte do organismo
materno) e se essa parte oferece perigo à mãe, ela é recomendada a retirá-
la. Enfim, ele mostrou circunstâncias em que o aborto seria permitido e que
a vida da mãe seria sempre prioridade. Lembrou a todos que nos momentos
em que pessoas lhe procuraram pedindo aconselhamento sobre o aborto,
elas estavam em situações críticas, em desespero. Para ele, os motivos que 105
poderiam justificar o aborto, sob o ponto de vista do entendimento judaico,
judeu e outro mulçumano) arguiram numa postura mais transigente, pois re-
conheceram que, de acordo com as tradições originais de suas religiões, o
aborto seria permitido. Destes últimos, considerei-os às vezes “em cima do
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
106 O fato de não ter havido expositores de outras religiões (budistas, matri-
zes africanas e outras) naquela audiência, o debate inter-religioso ficou di-
recionado e impreciso acerca do assunto. Sentaram-se à mesa para debater
CAPÍTULO 5
ETNOGRAFIA COM FEMINISTAS CRISTÃS NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Conclusão
Referências
ARANTES, Antônio A. A guerra dos lugares: sobre fronteiras simbólicas e liminari-
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
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ISABELLE MARIA CAMPOS VASCONCELOS CHEHAB - Pós-doutoramento
pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade
Federal de Goiás (PPGDA/UFG). Doutora e Mestra em Direito Constitucional
pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza.
(PPGD/UNIFOR). Professora da ESUP/FGV (Goiânia - GO). Membro e
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero da Comissão da Mulher
Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Goiás (CMA/
OAB-GO). Advogada. E-mail: ivchehab@gmail.com
6
CAPÍTULO 6
AS MULHERES E A IMPOSIÇÃO
DE PADRÕES INATINGÍVEIS:
BREVES CONJECTURAS SOBRE
COMO FORAM FORJADOS, QUAIS OS
SEUS EFEITOS E COMO PODEM SER
ENFRENTADOS
WOMEN AND THE IMPOSITION OF UNACCEPTABLE STAN-
DARDS: BRIEF CONJECTIONS ON HOW THEY WERE FORGED,
WHAT THEIR EFFECTS AND HOW THEY CAN BE FACED
https://doi.org/10.47658/20210106
sumário
Resumo
mente, mulheres sempre foram medidas por réguas desiguais – e mais rígidas
– em relação aos homens, pesando sobre os nossos ombros cobranças histó-
ricas e padrões inatingíveis – concernentes ao afetivo, social, cultural e polí-
OS NOVOS DESAFIOS DOS
Abstract
The order for the unreachable is intended for the feminine. Directly or indirectly,
women have always been measured by unequal - and more rigid - rules in relation
to men, weighing on our shoulders historical demands and unattainable standards
- concerning the affective, social, cultural and political. Although in force since the
beginning, these rules have become particularly more severe since the Middle Ages,
causing, with the passage of time and their progressiveness, devastating effects for
the self-acceptance, health and belief in the ability / competence of women to oc-
cupy spaces different from the traditional domestic confinement. The main purpose
of this paper is to discuss how these standards were - and are - constructed, what
their impacts are for women and how they can be addressed. For that, it was used
interdisciplinary and documentary bibliographic research. In the end, it was con-
sumário
cluded about the sophistication and massification of these patterns in the most di-
verse fields of society, that is why it is so complex to face. It is up to us as the north,
however, the combination of plural efforts to advance this journey, being clear that
this will only be possible when - and if - we are willing to understand the (true) history
of women, the modus operandi used to (try) shape it and make us invisible and the
strength that a common, inclusive, welcoming project for / with / for women can
have.
Introdução
gráficos, sempre com o jugo do inatingível na sua senda, sem perguntar qual
a opinião ou intento de suas destinatárias, gerando, pois, no mais das vezes,
adoecimentos, angústias e dores para as mulheres.
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
A partir do final do século XV, mas sobretudo do século XVI, dada a ex-
pansão marítima capitaneada, principalmente, por Portugal, Espanha e, na
sequência, por Inglaterra, França e Holanda, ocorreram diversas transfor-
mações no que se compreendia e vivenciava sobre o mundo. Por anos e –
até – décadas seguidas, homens largavam suas cidadelas e famílias para as
cruzadas do além-mar, com o intuito de encontrar novas terras, acumular
sumário
que essa foi a triste matriz que nos constituiu e sob vários aspectos aqui per-
siste. No Brasil, por meio dessa gênese, como afirmou Jessé Souza, “a família
patriarcal reunia em si toda a sociedade”, a qual forjou e espraiou as conse-
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
sentido, basta lembrar acerca dos estereótipos forjados, entre o final do sé-
culo XX e começo do século XXI, pelas populares revistas femininas, novelas
e propagandas de grande monta no Brasil. Por meio desse combo dominial
masculino, o padrão veiculado era/é, mais uma vez, do inatingível: para o
corpo, magreza; para o rosto, a juventude eterna; para o trabalho produtivo e
reprodutivo, a perfeição em 24 horas sem intervalos comerciais; para o afeto,
apenas o socialmente acatado; e para o cansaço, tranquilizantes – muitos e
diversos.
Outras não tiveram a mesma sorte. Já a partir dos séculos XV e XVI, mas
principalmente com a chegada do século XVII, as mulheres entendidas como
diferentes, eram interpretadas como loucas e, portanto, deveriam ser inter-
nadas em hospícios ou, pior: extirpadas da sociedade. Sofriam toda sorte de
preconceitos, violências e desamparos (FOUCAULT, 1978). Ainda, não pode
ser olvidado que, para algumas, a tarjeta de “diferentes” ou “incompatíveis”
nada tinha de mérito próprio, elas não eram revolucionárias, curiosas ou coi-
sa que o valha, apenas eram alvos fáceis dos seus próprios pais, irmãos ou
parentes que não queriam dividir as suas heranças com mulheres e providen-
ciavam uma forma “honrosa” de se livrar da indesejável, consoante os dita-
mes da lei e com o (simbólico) aval da sociedade (PRIORE, 2004, p. 407-408).
concebidas em face das mulheres não são aleatórias, mas foram cuidadosa-
mente arquitetadas, sejam para colocar-nos como rivais e dissonantes, seja
para silenciarem a todas. A dominação masculina tem clareza que a união
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
Conclusão
De lá para cá, continuamos sendo alvo. Nos séculos XX e XXI, novas es-
tratégias foram concebidas pelo patriarcado, na tentativa de silenciar-nos
e obliterar as nossas conquistas. A indústria farmacêutica, a cosmética, a
estética e a grande mídia empreenderam um papel fundamental nessa sen-
da. Esqueceram, entretanto, que nós mulheres, a despeito de tudo, também,
sempre nos refazemos.
125
Referências
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FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
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para a reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Autobiografia, 2017. pp. 101-
109.
CAPÍTULO 6
AS MULHERES E A IMPOSIÇÃO DE PADRÕES INATINGÍVEIS
127
https://doi.org/10.47658/20210107
sumário
Resumo
Abstract
Trafficking in women for the purpose of sexual exploitation is a reality in the
world that affects thousands of people every year. Some factors have appeared in
this context as catalysts for this type of crime, one of which was pointed out by the
United Nations (UN) as armed conflicts, as they force migratory flows and aggra-
vate the social vulnerability of the population living in this situation. Given this re-
ality, the general objective of this article is to reflect on the incidence of trafficking
in women in situations of armed conflict. Aspects related to gender inequality and
violence were addressed, since they are directly related to trafficking in women. The
adopted methodology comprises a qualitative approach, since the information is
mostly subjective in nature. Bibliographic and documentary research was privileged
sumário
to discuss the proposed categories and deepen the theme. It was identified that gen-
der inequality promotes practices of violence against women that promote serious
violations of human rights, one of the expressions of this reality is the trafficking of
women for the purpose of sexual exploitation. The armed conflicts that have broken
out much more in the last thirty years, accentuate several situations of economic
pressure, lack of work and educational opportunities, which propel several violations
of human rights, such as sexual violence, trafficking in women and girls for the pur-
pose of sexual exploitation.
Introdução
O tráfico de pessoas é uma atividade criminosa que tem sido objeto de 131
preocupação dos Estados. Tal delito afeta todos os países do mundo, sendo
1 UNODC. Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas. Nova York: Publicação das
Nações Unidas, 2018. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_
TIP/Publicacoes/TiP_PT.pdf>. Acesso em: 24 maio 2020.
2 United Nations Office on Drugs and Crime.
3 Os conflitos armados podem ser de dois tipos: i) Conflito armado internacional:
situação em que se recorre ao uso da força armada entre dois ou mais Estados, quaisquer
que sejam os motivos ou intensidade do confronto. ii) Conflito armado não internacional:
confronto armado prolongado que ocorre entre as forças armadas governamentais e as
forças de um ou mais grupos armados, ou entre esses grupos, e que surge no território de
um Estado. O confronto armado deve atingir um nível mínimo de intensidade e as partes no
sumário
blicou em 2017 o relatório The Global Estimates of Modern Slavery, que revelou
estimativas sobre práticas violatórias de direitos humanos. Assim, conforme
o documento, computou-se que 24,9 milhões de pessoas se encontravam em
trabalho forçado e exploração sexual em 2016. Da aferição total de 24,9 mi-
lhões: i) 16 milhões de pessoas (64%) sofreram exploração do trabalho força-
do no setor privado, no trabalho doméstico, construção ou agricultura (em
comparação com 14,2 milhões no cômputo da OIT de 2012); ii) 4,1 milhões de
132
pessoas (17%) vivenciaram situação de trabalho forçado imposto por auto-
ridades estaduais (em comparação com 2,2 milhões no pressuposto da OIT
OS CONFLITOS ARMADOS COMO IMPULSIONADORES DO TRÁFICO DE MULHERES
CAPÍTULO 7
de 2012); iii) 4,8 milhões de pessoas (19%) foram apontados como sujeitos a
exploração sexual (ILO; WALK FREE FOUNDATION, 2017).
Dessa maneira, este trabalho científico tem como objetivo central ana-
lisar o tráfico de mulheres para exploração sexual em situação de conflitos
armados. Para alcançar tal finalidade, utilizou-se a pesquisa qualitativa, vez
que a especificidade de nossa temática exige uma análise que está situada
para além de processos quantificáveis e leis gerais que possam explicar a
incidência do fenômeno. Haguette (1997) afirma que a pesquisa qualitativa:
“fornece uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados
nos pressupostos de maior relevância do aspecto subjetivo da ação social
face à configuração das estruturas societais, seja a incapacidade da estatística
133
de dar conta dos fenômenos complexos e dos fenômenos únicos”5 (HAGUETTE, 1997,
p. 63).
5 Grifou-se.
sumário
Tom Obokata salienta que “one key aspect of the Trafficking Protocol is
that it adopted a definition of trafficking for the first time under international law”
(OBOKATA, 2006, p. 3). O Protocolo de Palermo (2000) é o primeiro instru-
mento de Direito Internacional Público a tratar de modo amplo o tráfico de
pessoas, estabelecendo uma definição clara e mundialmente reconhecida,
abordando, ainda, os vários aspectos dessa prática (ALONSO, 2008, p. 173).
136
Além do mais, o instrumento trouxe a definição mais atual e adequada de
tráfico de pessoas, já que incluiu todos os seres humanos na categoria de
OS CONFLITOS ARMADOS COMO IMPULSIONADORES DO TRÁFICO DE MULHERES
CAPÍTULO 7
a maioria das vítimas é detectada: Américas, Europa, Ásia Oriental e Pacífico. (UNODC, 2018,
p. 10).
sumário
Considerado por Joan Scott (1990) como uma categoria histórica e analítica
e por Rubin (2017) como uma divisão dos sexos socialmente imposta, o conceito
de gênero passa a ser amplamente discutido pelo movimento feminista, em
sua segunda onda, a partir da década de 1970. A emergência desse deba-
te percebe que o significado de gênero não está ligado ao fator biológico
de ser do sexo feminino ou masculino, mas a uma complexidade de fatores
socioculturais, ideológicos, religiosos, dentre outros, que contribuem para a
formação do indivíduo a depender do sexo que possui, a partir do momento
que nasce. Na verdade, em razão dos avanços da ciência, é possível ter essa
informação ainda durante a gestação, quando muitas famílias, por exem-
plo, escolhem todo um enxoval já repleto de significados que repercutem na
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
Humanos, 1993, parágrafo 18). Ainda sobre o tema, o Comitê da Cedaw se posicionou em 2017
na Recomendação Geral n. 35, que atualizou a Recomendação Geral n. 19. “[...] se utiliza como
un término más preciso que pone de manifiesto las causas y los efectos relacionados con el
género de la violencia. La expresión refuerza aún más la noción de la violencia como problema
social más que individual, que exige respuestas integrales, más allá de aquellas relativas a
sucesos concretos, autores y víctimas y supervivientes”. (NACIONES UNIDAS, Comité para
la Eliminación de la Discriminación contra la Mujer Recomendación general núm. 35 sobre
la violencia por razón de género contra la mujer, por la que se actualiza la recomendación
general núm. 19, CEDAW/C/GC/35).
sumário
de mercado com o objetivo de gerar lucros concentrados nas mãos dos ex-
ploradores.
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
cia de gênero, permanecerá uma atividade altamente lucrativa, uma vez que
a demanda preferencial por mulheres e meninas refrata a histórica e cultural-
mente disseminada perspectiva de que o feminino seria inferior e subalterno
ao masculino. No tópico seguinte, abordar-se-á sobre os conflitos armados e
a incidência do tráfico de mulheres naquela conjuntura.
3. Os conflitos armados como conjuntura potencializadora do
tráfico de mulheres para fins de exploração sexual
151
É preciso desagregar dados das vítimas e autores do delito por idade, gê-
nero, etnia e outras características. Isso ajudaria a ter um panorama para que
se pudesse entender o problema e, a partir desses dados, apontar soluções.
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
Consideração finais
OS NOVOS DESAFIOS DOS
153
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CAPÍTULO 7
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157
POLÍTICAS PÚBLICAS DE
SAÚDE DAS MULHERES NO
MUNICÍPIO DE FORTALEZA:
UM PANORAMA A PARTIR DA ATUAÇÃO
DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ANO DE
2019
PUBLIC HEALTH POLICIES FOR WOMEN IN FORTALEZA
CITY: A PANORAMA FROM THE PERFORMANCE OF THE PUBLIC
DEFENDER IN 2019
https://doi.org/10.47658/20210108
sumário
Resumo
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
Abstract
The aim of this article is to outline an overview of women’s public health in For-
taleza city during 2019. Public health was erected to the category of fundamental
right of universal access from the advent of the Federal Constitution in 1988. In order
to effect it, the Unified Health System was established with emphasis on the par-
ticipation of women, main users. Public health policies, in such context, should fo-
cus on the specificities of this group as a way to correct power inequalities between
women and men. This article, from the collection of statistical data provided by the
Public Defender’s Office of the State of Ceará, tries to demonstrate that this system,
with regard to women’s health, has several deficiencies. In fact, since 2013, in For-
taleza, the Public Defender’s Office has a core of action, both judicial and extraju-
dicial, on these demands. From the data collected, it is possible to observe that the
sumário
search for healthcare was almost seventy-nine percent of the total number of care
services made by the core. It is evident, however, that such public policies aimed
at women are unsatisfactory. In addition to empirical research, jurisprudential and
bibliographic research were carried out.
Introdução
de dona de casa e reprodutora, que eram medidas verticalizadas no Governo Federal, sem a
ampla participação social.
5 A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM do Ministério
da Saúde encampou como uma das áreas de atuação prioritária da saúde da mulher. Tem
como compromisso a implementação de ações de saúde prioritárias que reduzam as causas
de mortalidade femininas mediante ações tanto preventivas quanto curativas (BRASIL, 2004).
As mais variadas ações da saúde da mulher encontram no PNAISM um vetor de efetivação,
que engloba ações não apenas na saúde de concepção, mas, de igual modo, no tratamento
de mulheres que convivem com HIV/AIDS, de mulheres vítimas de estupro, de tratamentos
de câncer, portadoras de doenças crônicas, ou seja, uma variedade de linhas de atuação e
proteção.
sumário
aumento de 130% (cento e trinta por cento) nas demandas que tramitaram perante os juízos
singulares. O último relatório do Conselho Nacional de Justiça, publicado em maio de 2019,
retrata um levantamento com base na Lei de Acesso à Informação, nº 12.527, publicada em
18 de novembro de 2011. Disponível em: <https://static.poder360.com.br/2019/03/relatorio-
judicializacao-saude-Insper-CNJ.pdf>. Acesso em: 30 maio 2019.
sumário
9 Não é enfoque deste trabalho analisar as várias teorias acerca dos direitos
fundamentais, mas o fato é que a divisão dos direitos fundamentais em positivos e negativos
depende da atuação estatal para sua conformação e concretização.
10 Adota-se aqui um conceito de políticas públicas eminentemente público, embora
não se desconsidere a existência de participação das instituições privadas para a realização
das políticas públicas.
sumário
fera judicial, pois muitas das demandas de saúde atendidas pela Defensoria
Pública do Estado do Ceará são resolvidas extrajudicialmente. As demandas
judicializadas apenas são decorrentes de casos em que o pedido feito dire-
tamente pela defensoria pública recebe resposta negativa das secretarias
de saúde, quer municipal ou estadual. Isto em se tratando da Comarca de
Fortaleza. Portanto, os dados apresentados neste trabalho levam em consi-
deração, unicamente, as demandas de saúde pública desta comarca.
170
Levando em consideração os atendimentos feitos pela defensoria pública
estadual durante o ano de 2019, verifica-se que foram feitas aproximada-
CAPÍTULO 8
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE DAS MULHERES NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA
mente 11 mil solicitações de saúde pública. Deste total, cerca de quase 79%
(setenta e nove por cento) são de solicitações feitas por assistidas do sexo
feminino.
171
Fonte: Defensoria Pública Estadual do Estado do Ceará. Demanda de saúde pública. Ano 2019.
Referências
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
<http://www6.ensp.fiocruz.br/repositorio/sites/default/files/arquivos/Configura%-
C3%A7%C3%A3oInstitucional.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.
BODSTEIN, Regina. Atenção básica na agenda da saúde. Ciência & Saúde Coleti-
va. s.v, n. 07, pp. 401-412, 2002.
BRASIL. A judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e pro-
postas de solução. Brasília: CNJ, 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
172 Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constitui-
cao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 05 fev. 2020.
CAPÍTULO 8
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE DAS MULHERES NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA
173
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sumário
Resumo
Abstract
Gender violence appears in Brazilian history, social relations also in our legal
system, as an agent of violation of women’s rights by action, omission, or denial.
In this article, I examine the historical insertion of patriarchalism in Brazilian law,
considering gender and racial issues, to show the urgency in deconstructing such
elements through a feminist theory. It is proposed to insert the Jusfeminism’s per-
spective in the legal sciences Field, as a technical-scientific instrument, to resignify
the social roles of gender. This paper proposes a critical analysis of legislation and
concepts about the discussion about guaranteeing women’s rights and masculinity
as a condition of violence instrumented by law. This article intends to demonstrate
that the deconstruction of machismo, racism and sexism resulting from the patriar-
chal structuring of the legal system is a measure that goes beyond the gender issue
and aims to promote material equality and social justice.
Introdução
181
Ao apurarmos o fenômeno da negação da igualdade material às mulhe-
res em relação aos homens, de modo geral, é imprescindível que se realize um
A vigência do Código Civil de 1916 até os anos 2002, quase quinze anos
após do advento da Constituição Federal de 1988, constitui prova inconteste
da indisposição normativa do Estado Brasileiro em garantir a plenitude dos
direitos das mulheres. A Lei n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916, ainda que de
forma obsoleta, previa expressamente, em pleno século XXI, os institutos do
sumário
Por seu turno, o Código Penal Brasileiro, até os anos 2000, apresentava
em seu artigo 215 o termo mulher “honesta” para caracterizar crime contra a
liberdade sexual. Embora em vigor desde a década de 1940, somente com o
advento da Lei 11.106, de 28 de março de 2005, o termo foi suprimido (BRASIL,
2005).
Conclusão
Referências
BEARD, Mary. Mulheres e poder: um manifesto. São Paulo: Planeta do Brasil,
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
2018.
BICALHO, Eduardo Barbuto. A moralidade do patriarcado rural enraizada no Bra-
sil: uma leitura de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda. Revista Augustus, v.
25, n. 50, pp. 173-191, 2020.
OS NOVOS DESAFIOS DOS
TIBURI, Marcia. Feminismo em comum: para todas, todes e todos. São Paulo:
Record, 2018.
187
https://doi.org/10.47658/20210110
sumário
Resumo
O cabelo crespo, como parte de um corpo negro, tem sido alvo de de-
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
manos. Interseccionalidade.
Abstract
Curly hair, as part of a black body, has been the target of racism. Perceived as
inferior and lacking in beauty, he constantly suffers from th e intersectionality of the
oppression of gender, race, and social class. The effects of these oppressions, which
are repeatedly reinforced by the media, subject black women to notions of inferior-
ity that impact their identities. Being constantly associated with lack of femininity,
lack of beauty and poverty impacts self-esteem and compromises an identity con-
struction based on positive assumptions. As these associations are internalized, they
oppress and paralyze the black woman in a place of inferiority. Understanding how
these oppressions occur and how they are reinforced daily by common sense and
the media can be an important step to resist.
Introdução
1. Cabelo de Princesa
Uma breve pesquisa no Google também pode elucidar o que o senso co-
mum entende como “cabelo feminino” no Brasil. Ao buscar imagens associa-
das a essas palavras no mecanismo de busca, fica evidente de que tipo de
cabelo estamos falando.
193
194
A BELEZA AO SEU ALCANCE¹
CAPÍTULO 10
Isso faz com que as mulheres vivam em situação de opressão sobre seus
corpos. As mensagens sociais, constantemente reforçadas pelos meios de co-
municação, que relacionam beleza, sucesso e atratividade a um dever femini-
no para estar no mundo, aprisiona mulheres.
Essa nova realidade faz com que as mulheres sejam impelidas a consumir
bens e serviços para sentirem-se mais adequadas, bonitas, a fim de se apro-
ximarem do ideal de beleza dominante.
196
A BELEZA AO SEU ALCANCE¹
CAPÍTULO 10
1 bell hooks é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, artista, ativista social, feminista
e escritora norte-americana. O apelido utilizado para assinar suas obras, grafado sempre
em letras minúsculas, é uma homenagem aos sobrenomes da mãe e da avó. A justificativa
da grafia em letra minúscula é servir a dois propósitos: distinguir-se das pessoas que
buscou homenagear com o pseudônimo e estabelecer que o conteúdo de suas obras possui
importância maior do que sua biografia.
sumário
nino e de beleza.
2. Cabelo Bom
OS NOVOS DESAFIOS DOS
Neste contexto, o cabelo crespo não pode ser dissociado do corpo 199
negro, da identidade negra. “Pegar no cabelo é tocar no corpo. Cabelo cres-
leza: xampu para cabelos normais x xampu para cabelos crespos, em alguns
rótulos há a descrição ‘cabelos étnicos’: quem é racializado aqui?” (BARBOSA,
2014, p. 66).
201
OS NOVOS DESAFIOS DOS
A imagem acima foi enviada aos pais de alunos de uma escola na cidade
de São Paulo em 2015. O texto pedia que as meninas viessem para a esco-
la com um determinado “penteado” a fim de estarem “bonitas”, contudo a
imagem não mostra penteado algum, mas apenas um cabelo liso e solto. A
questão ganhou repercussão na mídia, sendo a escola acusada de racismo,
sumário
por não considerar as características físicas das crianças negras que também
são alunas da escola. É possível perceber também a ideia que é alocada
nas meninas negras, de que seu cabelo é desarrumado, sendo necessário
sempre “controlá-lo”. “Falamos sobre o quanto as mulheres negras percebem
seu cabelo como um inimigo, como um problema que devemos resolver, um
território que deve ser conquistado. Sobretudo, é uma parte de nosso corpo
de mulher negra que deve ser controlado.” (HOOKS, 2005, p. 4).
O fato revela que não apenas o cabelo crespo é preterido como expli-
citamente é visto como um cabelo desprovido de beleza. Além disso, uma
mensagem com teor tão discriminatório, emitida por uma escola, evidencia
o quanto o racismo no Brasil é institucional. Meninas negras, ao receberem
desde tão novas mensagens depreciativas como essas, são reiteradamente
atingidas em sua subjetividade e crescem acreditando na inferioridade de
203
seus traços físicos. O que as faz, por exemplo, odiar seus cabelos, perceben-
do-os como cabelos feios, ou como se costuma dizer no Brasil, cabelos “ruins”.
Dessa forma, é possível analisar que no Brasil a pobreza tem cor, e ela é
preta. Entender isso é importante para refletir o motivo do cabelo crespo ser
sempre associado à pobreza, e o cabelo liso à ascensão social.
Enquanto era rica, a personagem tinha os cabelos lisos e loiros, mas, para
se disfarçar de pobre, ela passou a usar os cabelos crespos. A imagem é
bem literal e não necessita de grandes explicações, sendo claro o preconceito
acerca da estética do cabelo crespo, visto como cabelo de pobre e possuin-
do, portanto, uma conotação de inferioridade. Essa ideia de que a ascensão
social e profissional está relacionada ao abandono da estética negra e à
aproximação da estética branca não é um privilégio brasileiro. Na série nor-
te-americana produzida pela Netflix, Orange is the new black, podemos perce-
ber algo semelhante na narrativa de vida de uma das personagens.
sumário
205
Fonte: Google
sumário
Fonte: Google
Conclusão
social e beleza que não as inclui. Perceber que as noções do senso comum
acerca do que é belo, feminino e indicativo de sucesso profissional não in-
cluem as características negras é fundamental para nos conscientizarmos
FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
208
A BELEZA AO SEU ALCANCE¹
CAPÍTULO 10
sumário
Referências
BARBOSA, L. C. Identidade, Estigmas e Branquitude: reflexões sobre a mídia brasi-
leira. Revista Interação, n. 1, pp. 59-73, 2014.
BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo: Pólen, 2019.
BITTENCOURT, Liliane. Padrões de Beleza e Transtornos do Comportamento
Alimentar em Mulheres Negras de Salvador/Bahia. Tese (Doutorado em Saúde Co-
letiva) - Programa de Pós Graduação do Instituto de Saúde Coletiva (ISC), Universi-
dade Federal da Bahia, Salvador, 2013, 199 p.
CARNEIRO, Sueli. Mulheres em Movimento. 2003. Artigo disponível no link:
<http://ref.scielo.org/dh7z>. Acesso em: 22 set. 2019.
CRENSHAW, Kimbele. A interseccionalidade na discriminação de raça e gêne-
ro. Revistas de Estudos Feministas, pp. 7–16, 2002.
EGO. Ana Hickmann conta quais são seus Produtos de beleza favoritos. 2015.
Reportagem disponível em: <http://ego.globo.com/beleza/noticia/2015/03/ana-hickman- 209
n-conta-quais-sao-seus-produtos-de-beleza-preferidos.html >. Acesso em: 20 set. 2019.
QUINTÃO, Adriana Maria Penna. O que ela tem na cabeça?: um estudo so-
bre o cabelo como performance identitária. Dissertação de Mestrado (Programa
de Pós Graduação em Antropologia). Universidade Federal Fluminense. Niterói.
OS NOVOS DESAFIOS DOS
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FEMINISMOS NA ERA PÓS-DEMOCRÁTICA
sumário
AUTORAS
SOBRE AS
1. Ana Paula Araújo de Holanda
Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (1989), mestrado
em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará
(2002) e doutorado em Doutorado em Direito - Universidad Rovira i Virgili
(2017), Presidente da Associação de Mulheres da Carreira Jurídica - Ceará.
Conselheira da Associação Brasileira de Direito à Educação, Vice-Presidente
do Instituto dos Advogados do Ceará, Representante do Instituto dos Advo-
gados Brasileiros no Ceará, Ex-conselheira da Prefeitura Municipal de Forta-
leza, Coordenadora região Nordeste da Associação Brasileira de Ensino do
Direito, Membro da Comissão Especial de Defesa da Autonomia Universitária
da OAB Nacional, Ex-presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-CE,
213
avaliadora do SINAES do Ministério da Educação – INEP, Professora assis-
tente N6 da Universidade de Fortaleza e Professora da Confederação das
Associações Comerciais e Empresariais do Brasil. Advogada. E-mail: apaho-
landa@hotmail.com
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