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“CREIO”: A OBEDIÊNCIA DA FÉ; CRER NO PAI, NO FILHO E NO

ESPÍRITO SANTO
142-152

INTRODUÇÃO
Até agora estudamos juntos a Revelação divina que é uma iniciativa amorosa de Deus
finalizada a estabelecer com o ser humano uma comunhão de vida. Deus vem ao
encontro do homem como amor que se propõe, como liberdade que se oferece, como
graça que quer fazer de seu interlocutor um parceiro da Aliança. É a própria
autorrevelação divina que reclama a livre e responsável resposta do homem, resposta
essa que chamamos de fé.
Começamos agora a estudar o ato de fé com o qual a pessoa humana se entrega
confiantemente ao Deus que se revela. A fé é a resposta afirmativa, amorosa e
acolhedora, é o consciente e responsável abandono de si a Deus. Como ato de confiança
total, a fé sempre exige a coragem de correr o risco de apostar tudo por Deus.
A fé toca a nossa existência naquilo que está na base de todas as nossas relações: a
capacidade e a experiência de confiar em outros. Com Efeito, sem uma confiança de
base nas pessoas e nas instituições, a existência se torna quase insuportável. A fé em
Deus é o exercício de nossa capacidade de nos confiar totalmente no Outro em nome do
amor.

TEXTO 142-152
CAPÍTULO TERCEIRO

A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS

142. Pela sua revelação, «Deus invisível, na riqueza do seu amor, fala aos homens
como amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele» (DV
2). A resposta adequada a este convite é a fé.

143. Pela fé, o homem submete completamente a Deus a inteligência e a vontade; com
todo o seu ser, o homem dá assentimento a Deus revelador (cf. DV 5). A Sagrada
Escritura chama «obediência da fé» a esta resposta do homem a Deus revelador (cf. Rm
1,5; 16,26).

ARTIGO 1: EU CREIO

I. A «obediência da fé»

144. Obedecer (ob-audire) na fé é submeter-se livremente à palavra escutada, por a sua


verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade. Desta obediência, o modelo
que a Sagrada Escritura nos propõe é Abraão. A sua realização mais perfeita é a da
Virgem Maria.

ABRAÃO – «O PAI DE TODOS OS CRENTES»


145. A Epístola aos Hebreus, no grande elogio que faz da fé dos antepassados, insiste
particularmente na fé de Abraão: «Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento de Deus, e
partiu para uma terra que viria a receber como herança: partiu, sem saber para onde ia»
(Hb 11,8; cf. Gn 12,1-4). Pela fé, viveu como estrangeiro e peregrino na terra prometida
(cf. Gn 23,4). Pela fé, Sara recebeu a graça de conceber o filho da promessa. Pela fé,
finalmente, Abraão ofereceu em sacrifício o seu filho único (cf. Hb 11,17).

146. Abraão realiza assim a definição da fé dada pela Epístola aos Hebreus: «A fé
constitui a garantia dos bens que se esperam, e a prova de que existem as coisas que não
se veem» (Hb 11,1). «Abraão acreditou em Deus, e isto foi-lhe atribuído como justiça»
(Rm 4,3; cf. Gn 15,6). «Fortalecido» por esta fé (Rm 4,20), Abraão tornou-se «o pai de
todos os crentes» (Rm 4,11.18; cf. Gn 15,5).

147. O Antigo Testamento é rico em testemunhos desta fé. A Epístola aos Hebreus faz o
elogio da fé exemplar dos antigos, «que lhes valeu um bom testemunho» (Hb 11,2.39).
No entanto, para nós, «Deus previra destino melhor»: a graça de crer no seu Filho Jesus,
«guia da nossa fé, que Ele leva à perfeição» (Hb 11,40; 12,2).

MARIA – «FELIZ AQUELA QUE ACREDITOU»

148. A Virgem Maria realiza, do modo mais perfeito, a «obediência da fé». Na fé, Maria
acolheu o anúncio e a promessa trazidos pelo anjo Gabriel, acreditando que «a Deus
nada é impossível» (Lc 1,37; cf. Gn 18,14) e dando o seu assentimento: «Eis a serva do
Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38). Isabel saudou-a: «Feliz
aquela que acreditou no cumprimento de quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc
1,45). É em virtude desta fé que todas as gerações a hão de proclamar bem-aventurada
(cf. Lc 1,48).

149. Durante toda a sua vida e até à última provação (cf. Lc 2,35), quando Jesus, seu
filho, morreu na cruz, a sua fé jamais vacilou. Maria nunca deixou de crer «no
cumprimento» da Palavra de Deus. Por isso, a Igreja venera em Maria a mais pura
realização da fé.
II. «Eu sei em quem pus a minha fé» (2Tm 1,12)

CRER SÓ EM DEUS

150. Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e
inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus. Enquanto
adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade por Ele revelada, a fé cristã difere da fé
numa pessoa humana. É justo e bom confiar totalmente em Deus e crer absolutamente
no que Ele diz. Seria vão e falso ter semelhante fé numa criatura (cf. Jr 17,5-6; Sl 40,5;
146,3-4).

CRER EM JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS


151. Para o cristão, crer em Deus é crer inseparavelmente n'Aquele que Deus enviou –
«no seu Filho muito amado» em quem Ele pôs todas as suas complacências (cf. Mc
1,11): Deus mandou-nos que O escutássemos (cf. Mc 9,7). O próprio Senhor disse aos
seus discípulos: «Acreditais em Deus, acreditai também em Mim» (Jo 14,1). Podemos
crer em Jesus Cristo, porque Ele próprio é Deus, o Verbo feito carne: «A Deus, nunca
ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer» (Jo
1,18). Porque «viu o Pai» (Jo 6,46), Ele é o único que O conhece e O pode revelar (cf.
Mt 11,27).

CRER NO ESPÍRITO SANTO

152. Não é possível acreditar em Jesus Cristo sem ter parte no seu Espírito. É o Espírito
Santo que revela aos homens quem é Jesus. Porque «ninguém é capaz de dizer: "Jesus é
Senhor", a não ser pela ação do Espírito Santo» (1 Cor 12,3). «O Espírito penetra todas
as coisas, até o que há de mais profundo em Deus [...]. Ninguém conhece o que há em
Deus senão o Espírito de Deus» (1Cor 2,10-11). Só Deus conhece inteiramente Deus.
Nós cremos no Espírito Santo, porque Ele é Deus.

A Igreja não cessa de confessar a sua fé num só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.
REVISANDO TEMAS
1. A obediência da fé
O Catecismo define a fé como “obediência”. Para compreender bem o significado e
riqueza desse termo é preciso recordar o texto de Rm 10,14-17.
Como invocarão, se nele não creram? Como crerão, se não ouviram falar dele? Como
ouvirão, se ninguém lhes anuncia? Como anunciarão, se não os enviam? Como está
escrito “que belos os pés dos mensageiros de boas notícias!” Só que nem todos
responderam à boa notícia. Isaías diz: “Senhor, quem acreditou em nosso anúncio? A
fé entra pelo ouvido, ouvindo a mensagem do Messias.
A fé consiste no “escutar” a palavra da pregação que nos conduz à “obediência”. Vice-
versa a obediência leva à escuta da pregação.
Para chegar à fé não basta um processo reflexivo puramente racional, mas é necessária
uma conversão interior e radical. Por isso, pode-se dizer que a fé é ato da vontade, uma
atividade do homem que livremente se submete à vontade divina e que se entrega
pessoalmente a Deus. Essa entrega confiante compromete o homem todo.
A obediência da fé pode ser também descrita como opção fundamental, que é uma
decisão total que empenha irrevogavelmente a liberdade do homem. A opção
fundamental é uma opção absoluta, ou seja, ela torna o resto relativo; ela unifica toda a
existência; dá sentido aos atos e atitudes; tem momentos fortes, mas não se esgota neles;
é definitiva, não provisória, mas pode progredir ou regredir.
É uma atitude pessoal que imprime uma orientação nova e definitiva à vida do homem;
surge no mais profundo da sua liberdade uma vez que é internamente convidado pela
graça divina; abrange toda a pessoa humana, em sua inteligência, vontade e ação. Por
isso, ao aceitar as exigências de Deus, o homem não vê nelas mandamentos impostos,
mas o convite a uma coerência na vida.
2. A fé segundo o Antigo e o Novo Testamento
Na Bíblia encontramos dois exemplos de fé: Abraão e Maria.
A vida de Abraão (Gn 15,1-21; Rm 4,18-25) reflete o que a Bíblia entende por fé.
Abraão acreditou em Deus que lhe prometera uma descendência apesar da idade avança,
dele e a de Sara. Acreditando, Abraão se confia a Deus e se abandona à sua palavra e,
ao mesmo tempo, tem plena certeza de que a promessa feita será cumprida. Assim a fé
de Abraão compreende a confiança total nas promessas divinas, a obediência à palavra
que Deus lhe dirige, e o conhecimento dEle nos acontecimentos da vida.
Crer é um ato com o qual se conhece Deus no seu agir concreto e histórico; consiste em
reconhecer a verdade da palavra e da promessa de Deus na sua ação concreta e histórica.
A fé não é um ato isolado e teórico. Pelo contrário, constitui uma orientação
fundamental de confiança e de certeza que envolve toda a existência de quem crê. Em
outras palavras, crer significa estar “radicado” em Deus. Toda existência do fiel se
realiza de modo consciente nesse “enraizamento”. Assim o fiel “será como a árvore
plantada junto aos canais, que dá fruto em sua estação, e sua folhagem não murcha.
Tudo quanto faz prospera” (Sl 1,3).
A fé não exige o sacrifício da razão: “Se eu pensar, não poderei crer”. Para a Bíblia, o
conhecimento não é simplesmente teórico, mas está ligado à sua verificação no concreto
da vida e do cumprimento das promessas divinas na história do povo.
Mesmo que não se confunda com a razão nem seja um seu resultado, a fé é um ato
racional e está de tal forma impregnada de conhecimento que leva o fiel à certeza. Ao se
revelar ao homem, Deus não pede que o ser racional renuncie à sua inteligência, mas,
pelo contrário, que com uso pleno da sua razão, constate por si mesmo a Sua presença e
a Sua fidelidade. “Sei que Deus está ao meu lado” (Sl 56,10). “Reconheço, Senhor, que
teus mandamentos são justos” (Sl 119,75).
O NT aprofunda ainda mais o tema da fé orientando a atenção para o mistério da
encarnação da Palavra. Em poucas palavras, fé é ir até Cristo, segui-lo, aceitar seu
testemunho, fazer uma opção radical e total diante da pessoa e da missão de Cristo
como Filho de Deus; significa acolher a Sua palavra. Em termos concretos comporta o
ato de escutar a pregação do apóstolo que anuncia o cumprimento da promessa e se
aceita viver conforme essa mensagem (cf. At 2,14-36; 3,12-26; 4,8-12; 5,29-32; etc.).
Nos evangelhos sinóticos a fé é descrita como a confiança que o discípulo deposita no
mestre. A fé é assim o ato mediante o qual o fiel se confia totalmente a Deus e à sua
palavra mudando radicalmente seu estilo de vida.
No evangelho de João, Jesus ensina a necessidade de “nascer de novo do alto” e que é
preciso reconhecê-Lo como aquele “que vem do alto e está acima de todos” (Jo 3,31).
Crer é uma atitude na qual confluem o “conhecer”, o “reconhecer”, o “ver”, o “acolher”,
o “escutar”, o “tocar”... Trata-se, portanto, de ver o Filho e as obras que realiza para ver
a glória do Pai. A escuta da Sua palavra e o ter visto as Suas obras levam a conhecê-Lo
e a reconhecê-Lo como o revelador do Pai.
A fé nos abre a um conhecimento sempre maior e a uma sempre mais estreita comunhão
com Deus. Ela está ligada ao fato histórico e à historicidade de uma pessoa com a qual
estreitamos vínculos pessoais. Por essa pessoa histórica vale a pena deixar tudo para
segui-Lo (cf. Jo 1,35-51).
Nas Epistolas de Paulo o tema da fé está ligado ao tema da salvação que, por sua vez,
está centrado no mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. A fé define a
identidade do cristão. É uma realidade dinâmica que se inicia na aceitação do batismo e
se desenvolve ao longo da vida em um processo de conformação do fiel a Cristo. A fé
abre o cristão à missionariedade, tornando assim o discípulo em missionário. A fé
depende da pregação do apóstolo e esta, por sua vez, se realiza e se funda na palavra do
Senhor. Ela está centrada no evento pascal de Cristo, um evento que é conhecido porque
tem testemunhas diretas, é transmitido pela pregação da Igreja que o torna atual em sua
liturgia, vida e martírio.
Por tudo o que foi dito sobre a fé, podemos reconhecer que Maria é a expressão mais
sublime e coerente da fé bíblica. Em Maria, a Igreja reconhece como o ato de crer em
Jesus deve ser realizado. A Igreja vê em Maria a realização mais coerente da sua
resposta a Cristo. Ela assinala o ponto culminante da ação da graça de Deus em uma
pessoa. A fé de Maria explicita a concepção cristã da fé.
3. A fé trinitária
A fé é um ato unitário, mas nele podemos distinguir (sem separar) dois aspectos que
podem ser tratados pedagogicamente um depois do outro: a fé como ato com o qual se
crê e a fé como conteúdo no qual se crê. Como realidade unitária, a fé é
inseparavelmente o ato de crer e o conteúdo no qual se crê, mas é legítimo distinguir
esses dois momentos para uma análise mais profunda.
Os parágrafos 150-152 tratam da fé enquanto conteúdo. Crer não consiste em “crer em
qualquer coisa”; a fé tem conteúdos explícitos que precisam ser conhecidos e
professados. Antes de tudo, o conteúdo da fé cristã consiste na fé na Trindade. O
fundamento do nosso crer e o fim último para o qual nós tendemos é o mistério da
Trindade.
O que Jesus de Nazaré revela de si como expressão definitiva da Palavra de Deus é a
consciência de ser um “enviado” do Pai. Assim, Deus, revelado por Jesus, como Pai,
Filho e Espírito Santo é o centro e o mistério próprio da fé. Em torno desse mistério se
explicam e se articulam todos os outros mistérios cristãos: a encarnação do Filho e a sua
obediência ao Pai até a morte de cruz para ser ressuscitado, a origem da Igreja com a
vinda do Espírito em Pentecostes, os ministérios exercidos como dom do Espírito para
constituir a comunidade cristã.
O próprio ato de crer consiste exatamente em dar o assentimento refletindo. De fato,
quem crê pensa, e crendo pensa e pensando crê... A fé se não é pensada não é nada. Se
se tira o assentimento, se elimina a fé, porque sem o assentimento não se dá a fé (Santo
Agostino, PL 35,1631.178).

Leitura complementar
Leia a seguir o que o saudoso Papa João Paulo I falou sobre a fé, na audiência geral de
quarta-feira, do dia 13 de setembro de 1978. A íntegra do discurso pode ser encontrada
em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_i/audiences/documents/hf_jp-
i_aud_13091978_po.html

Viver a fé seguindo o Concílio

Houve um poeta, Trilussa, que procurou (...) falar da fé. Numa poesia disse:
Aquela velhinha cega, que encontrei
na tarde em que me perdi no meio do bosque,
disse-me: – se o caminho não o sabes
vou acompanhar-te eu, que o conheço.
Se tens a força de vir atrás de mim
de vez em quando te chamarei,
até lá ao fundo, onde há um cipreste,
até lá acima, onde há uma cruz.
Eu respondi: Assim será... mas acho esquisito
que me possa guiar quem não vê...
A cega, então, pegou-me na mão
e suspirou: – Caminha. – Era a fé.
Como poesia, é graciosa. Como teologia, defeituosa. Defeituosa porque, ao tratar-se de
fé, o grande condutor é Deus. Não disse Jesus?: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que
me enviou, não o atrair”. São Paulo não tinha a fé, perseguia mesmo os fiéis. Deus
espera-o na estrada de Damasco: “Paulo – diz-lhe – não penses sequer em empinar-te,
em dar patadas como cavalo desenfreado. Eu sou aquele Jesus que tu persegues. Tenho
desígnios sobre ti. É necessário que tu mudes!”. Rendeu-se Paulo; mudou
transformando completamente a própria vida. Passados alguns anos, escreverá aos
Filipenses: “Daquela vez, na estrada de Damasco, Deus apanhou-me; desde então não
faço senão correr atrás d'Ele para ver se dalgum modo O poderei alcançar, imitando-O e
amando-O cada vez mais”. Eis o que é a fé: entregarmo-nos a Deus, mas transformando
a própria vida. Isto nem sempre é fácil. Agostinho contou a viagem da sua fé;
especialmente nas últimas semanas, foi terrível; lendo-o, vemos que a sua alma sentia
calafrios e se retorcia em conflitos interiores. Dum lado, Deus que o chama e insiste; do
outro, os antigos hábitos, “„velhos amigos‟ – escreve ele –; puxavam-me amavelmente
pelo meu vestido de carne e diziam-me: „Agostinho, que fazes? deixas-nos sozinhos?
Olha que tu não poderás tornar a fazer isto, não poderás tornar a fazer aquilo, assim para
sempre!‟”. Difícil! Encontrava-me diz – no estado duma pessoa que está na cama, de
manhã, Dizem-lhe: „Fora, Agostinho, levanta-te!‟. Eu replicava: „Sim, mais tarde, mais
um bocadinho na cama!‟. Finalmente o Senhor deu-me um puxão e levantei-me. É
preciso não dizermos Sim, mas...; sim, mas mais tarde. E preciso dizer: Senhor, sim!
Imediatamente. Tal é a fé: responder com generosidade ao Senhor. Mas quem é que diz
este sim? Quem é humilde e confia em Deus completamente!”.
Minha mãe dizia-me: Em pequeno foste muito doente; tive de te levar de médico em
médico, e velar-te noites inteiras; acreditas? Como poderia eu dizer: – Mãezinha, não te
acredito? Sim, acredito-te, acredito no que me dizes, mas acredito especialmente em ti.
Assim é na fé. Não se trata unicamente de crer nas coisas que Deus revelou mas n'Ele,
que merece a nossa fé, que tanto nos amou e tanto fez por amor de nós.
Difícil é também aceitar algumas verdades, porque as verdades da fé são de duas
espécies: algumas agradáveis, outras desagradáveis ao nosso espírito. Por exemplo, é
agradável ouvir dizer que Deus tem por nós tanta ternura, maior ainda que a duma mãe
pelos seus filhos, como afirma Isaías. Como é agradável e nos parece natural!
Diante doutras verdades, pelo contrário, há dificuldades. Deus tem de castigar,
precisamente se eu Lhe resisto. Ele corre atrás de mim, suplica-me que me converta e eu
digo: Não. Quase sou eu que o obrigo a castigar-me. Isto não é agradável, mas é
verdade de fé.
E há uma última dificuldade: a Igreja. São Paulo perguntou: – Quem és, Senhor? – Sou
aquele Jesus que tu persegues. Uma luz, um relâmpago, atravessou a sua mente. Eu não
persigo Jesus, nem sequer o conheço: quem persigo são os cristãos. Vê-se que Jesus e os
cristãos, Jesus e a Igreja, são a mesma coisa: coisa incindível, inseparável.
Lede São Paulo: “O corpo de Cristo que é a Igreja”. Cristo e a Igreja são uma só coisa.
Cristo é a Cabeça, nós, Igreja, somos os seus membros. Não é possível ter fé e dizer: eu
creio em Jesus, aceito Jesus mas não aceito a Igreja. É preciso aceitar a Igreja, como ela
é. E como é esta Igreja? O Papa João chamou-lhe “Mãe e Mestra”. Também Mestra.
São Paulo disse: “Considerem-nos todos como ministros de Cristo e administradores
dos mistérios de Deus”.
Quando o pobre Papa, quando os Bispos e os Sacerdotes propõem a doutrina, não fazem
senão ajudar Cristo. Não é doutrina nossa, é a de Cristo; devemos só conservá-la e
propô-la. Eu estava presente quando o Papa João abriu o Concilio a 11 de Outubro de
1962. A certa altura disse: Esperamos que, devido ao Concílio, a Igreja dê um salto para
diante. Todos o esperámos; mas salto para a frente, para qual estrada? Explicou-o logo a
seguir: sobre as verdades certas e imutáveis. Não pensou sequer que fossem as verdades
a caminhar, a andar para a frente, e depois pouco a pouco a ir mudando. As verdades
são aquelas determinadas; nós devemos andar pela estrada dessas verdades –
compreendendo-as embora cada vez mais, atualizando-nos, propondo-as de forma que
se adapte aos novos tempos. (...)
A Igreja é também mãe. Se é continuadora de Cristo e Cristo é bom, também a Igreja
tem de ser boa; boa para todos. Mas se, por acaso, alguma vez houvesse na Igreja maus?
Contemos ainda com ela, com a mãe. Se a mãezinha está doente, se a minha mãe por
acaso viesse a ficar coxa, eu ainda a amaria bem mais. O mesmo, na Igreja: se há, e é
verdade que há, defeitos e faltas, não há de desaparecer nunca o nosso afeto para com a
Igreja.
AS CARACTERÍSTICAS DA FÉ
153-165
INTRODUÇÃO

Algumas vezes os cristãos e os católicos são pintados como religiosos fanáticos,


devotos cegos e intolerantes. Na raiz dessa caricatura está a crença (mais exatamente: o
preconceito) de que a fé exerça sobre as pessoas uma ação que as cega e as conduza ao
fanatismo. Será verdade que a fé cristã é em si mesma facciosa?
Outro problema que os cristãos devem enfrentar no seu ato de crer é a dificuldade de
justificar e explicar a fé como uma decisão definitiva. A cultura atual está convicta de
que é impossível que as pessoas façam escolhas definitivas e fundamentais. Não há ou
não se deve jamais tomar uma decisão definitiva: os relacionamentos são provisórios; o
amor não empenha; mesmo os compromissos consigo mesmo e com a própria
consciência podem ser mudados conforme a conveniência. Esse “dogma”, aceito
tacitamente ou defendido explicitamente, torna muito difícil o entendimento da fé e a
sua realização.
Os parágrafos 153-165 descrevem a estrutura do ato de fé e os seus diversos
componentes. Trata-se de um tema muito importante para os cristãos e muito urgente
para a pastoral.
Cada vez mais os cristãos terão que se explicar: por que você crê? Essa cobrança não é
necessariamente negativa, uma vez que o cristão deve responder a si mesmo: por que
creio?

TEXTO 153-165
CAPÍTULO TERCEIRO

A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS

ARTIGO 1: EU CREIO

III. As características da fé

A FÉ É UMA GRAÇA

153. Quando Pedro confessa que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo, Jesus declara-
lhe que esta revelação não lhe veio «da carne nem do sangue, mas do seu Pai que está
nos Céus» (Mt 16,17; cf. Gl 1,15-16; Mt 11,25). A fé é um dom de Deus, uma virtude
sobrenatural infundida por Ele. «Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia
e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual
move e converte o coração para Deus, abre os olhos do entendimento, e dá a todos a
suavidade em aceitar e crer a verdade» (cf. Gl 1,15-16; Mt 11,25).

A FÉ É UM ATO HUMANO

154. O ato de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo.
Mas não é menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário
nem à liberdade nem à inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por
Ele reveladas. Mesmo nas relações humanas, não é contrário à nossa própria dignidade
acreditar no que outras pessoas nos dizem acerca de si próprias e das suas intenções, e
confiar nas suas promessas (como, por exemplo, quando um homem e uma mulher se
casam), para assim entrarem em mútua comunhão. Por isso, é ainda menos contrário à
nossa dignidade «prestar, pela fé, submissão plena da nossa inteligência e da nossa
vontade a Deus revelador» (DS 3008) e entrar assim em comunhão intima com Ele.

155. Na fé, a inteligência e a vontade humanas cooperam com a graça divina: «Credere
est actas intellectus assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis, a Deo motae per
gratiam» — «Crer é o ato da inteligência que presta o seu assentimento à verdade
divina, por determinação da vontade, movida pela graça de Deus» (Sto. Tomás de
Aquino, S.Th. II-II,2,9; DS 3010).
A FÉ E A INTELIGÊNCIA

156. O motivo de crer não é o fato de as verdades reveladas aparecerem como


verdadeiras e inteligíveis à luz da nossa razão natural. Nós cremos «por causa da
autoridade do próprio Deus revelador, que não pode enganar-se nem enganar-nos» (DS
3008). «Contudo, para que a homenagem da nossa fé fosse conforme à razão, Deus quis
que os auxílios interiores do Espírito Santo fossem acompanhados de provas exteriores
da sua Revelação» (DS 3009). Assim, os milagres de Cristo e dos santos (cf. Mc 16,20;
Hb 2,4), as profecias, a propagação e a santidade da Igreja, a sua fecundidade e
estabilidade «são sinais certos da Revelação, adaptados à inteligência de todos» (DS
3009), «motivos de credibilidade», mostrando que o assentimento da fé não é, «de
modo algum, um movimento cego do espírito» (DS 3010).

157. A fé é certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na
própria Palavra de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades reveladas
podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas; mas «a certeza dada pela luz
divina é maior do que a dada pela luz da razão natural» (Sto. Tomás de Aquino, S.Th.
II-II,171,5ad.3). «Dez mil dificuldades não fazem uma só dúvida» (Newman, Apologia
pro vita sua).
158. «A fé procura compreender» (Sto. Anselmo, Proslogion, proem: PL 153,225A): é
inerente à fé o desejo do crente de conhecer melhor Aquele em quem acreditou, e de
compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais profundo exigirá, por
sua vez, uma fé maior e cada vez mais abrasada em amor. A graça da fé abre «os olhos
do coração» (Ef 1,18) para uma inteligência viva dos conteúdos da Revelação, isto é, do
conjunto do desígnio de Deus e dos mistérios da fé, da íntima conexão que os liga entre
si e com Cristo, centro do mistério revelado. Ora, para «que a compreensão da
Revelação seja cada vez mais profunda, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a
fé, mediante os seus dons» (DV 5). Assim, conforme o dito de Santo Agostinho, «eu
creio para compreender e compreendo para crer melhor» (Serm. 43,7,9: PL 38,258).

159. Fé e ciência. «Muito embora a fé esteja acima da razão, nunca pode haver
verdadeiro desacordo entre ambas: o mesmo Deus, que revela os mistérios e comunica a
fé, também acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode negar-Se a Si
próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade» (DS 3017). «É por isso que
a busca metódica, em todos os domínios do saber, se for conduzida de modo
verdadeiramente científico e segundo as normas da moral, jamais estará em oposição à
fé: as realidades profanas e as da fé encontram a sua origem num só e mesmo Deus.
Mais ainda: aquele que se esforça, com perseverança e humildade, por penetrar no
segredo das coisas, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todos os
seres e faz que eles sejam o que são, mesmo que não tenha consciência disso» (GS
36,2).

A LIBERDADE DA FÉ

160. Para ser humana, «a resposta da fé, dada pelo homem a Deus, deve ser voluntária.
Por conseguinte, ninguém deve ser constrangido a abraçar a fé contra vontade.
Efetivamente, o ato de fé é voluntário por sua própria natureza» (DH 10; cf. CIC 748,2).
«E certo que Deus chama o homem a servi-Lo em espírito e verdade; mas, se é verdade
que este apelo obriga o homem em consciência, isso não quer dizer que o constranja
[...]. Isto foi evidente, no mais alto grau, em Jesus Cristo» (DH 11). De fato, Cristo
convidou à fé e à conversão, mas de modo nenhum constrangeu alguém. «Deu
testemunho da verdade, mas não a impôs pela força aos seus contraditores. O seu Reino
[...] dilata-se graças ao amor, pelo qual, levantado na cruz, Cristo atrai a Si todos os
homens (DH 11)».
A NECESSIDADE DA FÉ

161. Para obter a salvação é necessário acreditar em Jesus Cristo e n'Aquele que O
enviou para nos salvar (cf. Mc 16,16; Jo 3,36; 6,40). «Porque "sem a fé não é possível
agradar a Deus" (Hb 11,6) e chegar a partilhar a condição de filhos seus; ninguém
jamais pode justificar-se sem ela e ninguém que não "persevere nela até ao fim" (Mt
10,22; 24,13) poderá alcançar a vida eterna» (DS 3012; cf. DS 1532).

A PERSEVERANÇA NA FÉ

162. A fé é um dom gratuito de Deus ao homem. Mas nós podemos perder este dom
inestimável. Paulo adverte Timóteo a respeito dessa possibilidade: «Combate o bom
combate, guardando a fé e a boa consciência; por se afastarem desse princípio é que
muitos naufragaram na fé» (1Tm 1,18-19). Para viver, crescer e perseverar até ao fim na
fé, temos de a alimentar com a Palavra de Deus; temos de pedir ao Senhor que no-la
aumente (cf. Mc 9,24; Lc 17,5; 22,32); ela deve «agir pela caridade» (Gl 5, 6; cf. Tg
2,14-26), ser sustentada pela esperança (cf. Rm 15,13) e permanecer enraizada na fé da
Igreja.
A FÉ – VIDA ETERNA INICIADA

163. A fé faz que saboreemos, como que de antemão, a alegria e a luz da visão beatifica,
termo da nossa caminhada nesta Terra. Então veremos Deus «face a face» (1Cor 13,12),
«tal como Ele é» (1Jo 3,2). A fé, portanto, é já o princípio da vida eterna:

Enquanto, desde já, contemplamos os benefícios da fé, como reflexo num espelho, é
como se possuíssemos já as maravilhas que a nossa fé nos garante havermos de gozar
um dia (S. Basílio, Liber de Spiritu Sancto, 15,36: PG 32,132).

164. Por enquanto porém, «caminhamos pela fé e não vemos claramente» (2Cor 5,7), e
conhecemos Deus «como num espelho, de maneira confusa, [...] imperfeita» (1Cor
13,12). Luminosa por parte d'Aquele em quem ela crê, a fé é muitas vezes vivida na
obscuridade, e pode ser posta à prova. O mundo em que vivemos parece muitas vezes
bem afastado daquilo que a fé nos diz: as experiências do mal e do sofrimento, das
injustiças e da morte parecem contradizer a Boa-Nova, podem abalar a fé e tornarem-se,
em relação a ela, uma tentação.
165. É então que nos devemos voltar para as testemunhas da fé: Abraão, que acreditou,
«esperando contra toda a esperança» (Rm 4,18); a Virgem Maria que, na «peregrinação
da fé» (LG 58), foi até à «noite da fé» (João Paulo II, R. Mater, 17), comungando no
sofrimento do seu Filho e na noite do seu sepulcro (João Paulo II, R. Mater, 18); e
tantas outras testemunhas da fé: «envoltos em tamanha nuvem de testemunhas, devemos
desembaraçar-nos de todo o fardo e do pecado que nos cerca, e correr com constância o
risco que nos é proposto, fixando os olhos no guia da nossa fé, o qual a leva à
perfeição» (Hb 12,1-2).
REVISANDO TEMAS
1. O motivo da fé: Jesus Cristo
Quais são os motivos que nos levam a crer? Essa pergunta é legítima tanto para o fiel
quanto para quem não acredita. A decisão de crer é uma opção sensata própria do ser
racional, pois a própria revelação divina é crível e não exige dele o sacrifício da razão.
Mesmo que a fé não seja produto da razão humana, o mistério da encarnação revela que
Deus vem ao encontro do homem e lhe fala como a um amigo (cf. DV 2) e não como
um tirano que coage.
Se a revelação não é uma gnose nem uma invenção mítica que adormece os anseios e as
angústias do homem, mas a irrupção pessoal e amorosa de Deus na história para dar
sentido a nossas esperanças e nossas lutas, é então coerente que a revelação possa ser
apresentada aos homens de nosso tempo como crível, que haja motivo para crer e que a
fé seja significativa para o homem.
O cristão, portanto, sempre se pergunta se o conteúdo de sua fé é aceitável e inteligível,
e, ao mesmo tempo, se pode encontrar na história indícios que o ajudem a aceitar essa
irrupção de Deus que deu origem a um novo ser. Ele se pergunta também se é possível
encontrar na revelação bases certas e suficientes para poder correr o risco da fé.
Refletir sobre o motivo de crer significa, portanto, arrancar a fé do mundo do arbitrário,
do absurdo e do subjetivismo desvairado. Crer tem uma coerência com a estrutura
humana, racional e livre, e, por isso, tal ato pode passar pelo crivo da racionalidade
concreta, histórica e prática.
Como você pode notar o Catecismo não fala de motivos (no plural), mas de motivo (no
singular) de crer. No fim das contas, o motivo é um só: “Deus que não pode nem
enganar-se nem enganar-nos”. O parágrafo 156 estabelece, portanto, a prioridade
dAquele que se revela, a quem se deve a obediência da fé, porque é Ele em si mesmo
crível e fiel.
Tratar sobre o “motivo de crer” consiste em falar do significado da revelação; a
proposta da fé concerne àquilo que é percebido pela pessoa como autenticamente
significativo para a existência, ou seja, seriamente pensável, digno de ser levado em
consideração e verificado, válido para uma vida plenamente humana. Em suma, aquilo
que me é proposto solicita ao menos minha atenção e o meu tempo e – por que não? –
meu compromisso definitivo de vida.
É próprio de toda pessoa buscar o sentido para a sua vida. Sem encontrar o sentido, a
própria personalidade não se realiza e toda a existência se degrada em gestos e
momentos fragmentados. É o sentido que unifica toda a existência, mobiliza as forças
vitais e as decisões da liberdade para um fim, fortalece vigorosamente na hora da dor e
do sofrimento, justifica os esforços, os sacrifícios e as renúncias.
O sentido é buscado e encontrado, mas precisa ser também acolhido. Desse modo, a
pessoa humana sempre está radicalmente colocada diante da necessidade de escolher de
maneira definitiva o sentido que deseja dar à própria vida. Essa escolha, porém, não é
feita em base à evidência, mas em base a uma fé que a leva a crer que sua decisão a
levará a encontrar o que busca.
O motivo para crer em Cristo está estreita e internamente vinculado à busca e à escolha
do sentido que a existência humana reclama de todos nós. Para o cristão, o motivo da fé
é sobretudo o encontro com uma pessoa, Jesus Cristo, que “revela plenamente o homem
ao próprio homem e lhe faz conhecer a sua vocação sublime” (GS 22).
No catecismo a fé é apresentada principalmente como a resposta com a qual o homem
acolhe a revelação, de tal maneira que a revelação em si mesma acarreta a acolhida que
o homem oferece dentro desse processo interpessoal da revelação: Deus se revela,
chama o homem, dialoga com ele, manifesta-lhe seu amor; o homem acolhe a Palavra,
transforma-a em vida e entra, ajudado pela graça, em comunhão com Deus.
Todas as provas exteriores (milagres, profecias, propagação e santidade da Igreja, sua
fecundidade e estabilidade) não estão fora de Cristo e de sua Revelação, pelo contrário
brotam dEle. As provas exteriores têm o objetivo de levar os homens a identificar a
Prova Pessoal por excelência da manifestação de Deus: Jesus Cristo.
O motivo para crer não se limita à credibilidade de uma mensagem, de uma doutrina,
mas se refere primeiramente à credibilidade de uma realidade histórica e pessoal que
muda o sentido da história e do homem, ou seja, a revelação e a manifestação de Deus
em Jesus.
A sublimidade de sua doutrina, a sabedoria e santidade de sua vida, o poder
manifestado em seus milagres e em sua ressurreição, o excesso de caridade
demonstrado em sua morte, todo o resplendor do ser e do agir de Cristo constituem um
testemunho propriamente divino (Jo 5,36-37; 10,37-38) que confirma a revelação e
manifesta sua credibilidade. Pois esse resplendor atesta que Cristo realmente vive entre
nós como o Emanuel, Deus-conosco, que age e conversa com os homens para nos
libertar do pecado e da morte e nos ressuscitar para a vida eterna (LATOURELLE,
Teología de la revelación, 368).
2. A ação da graça, a certeza e a liberdade
“Crer só é possível pela graça e pelos auxílios do Espírito Santo” (154). Deus está na
origem de tudo, também da fé. A fé é um dom e uma graça sem deixar, porém, de ser
uma ação humana. Com efeito, a ação da graça não substitui nem suprime a liberdade e
a responsabilidade da pessoa humana; o dom de Deus reclama, pressupõe e suscita a
responsabilidade humana, pois ao dom oferecido por Deus corresponde a acolhida livre
e responsável do homem.
O ser humano não é um ser fechado em si mesmo, mas uma realidade aberta à
transcendência. Essa abertura se verifica no fato de o homem experimentar a si mesmo
como um ser imerso no mundo finito, mas sempre desejoso de infinito. Ele tem
consciência de sua finitude, mas ao mesmo tempo tem consciência aguda da sua
abertura à transcendência. Ele constata continuamente sua própria finitude e, ao mesmo
tempo, é perseguido pelo desejo do infinito.
A revelação torna essa abertura indeterminada à transcendência em resposta de fé, pela
qual o homem entra em comunicação com Deus, comunicação esta tornada possível
pela revelação. A fé – deve-se repetir – é um dom divino sem deixar de ser um ato
humano.
A revelação não aliena o homem de si mesmo e do mundo. Pelo contrário, dá resposta
às interrogações mais sérias da sua existência. Ela revela não somente quem é Deus,
mas também quem é o homem. O que a fé reconhece e colhe, portanto, não é uma
verdade abstrata ou uma formulação de conceitos, mas uma Pessoa que vive, fala e age
com seu poder infinito e com grande amor: é o próprio Deus que vem ao nosso encontro
na pessoa de Jesus Cristo. Ora, sem a iniciativa de Deus (graça) a acolhida humana não
seria possível.
Outra característica da fé é a certeza. Sem ela o próprio ato da fé se torna impossível.
Com efeito, sem certeza ninguém poderia realizar um ato definitivo como é o da fé.
Ninguém aceita correr o risco da fé baseando-se em ideias provisórias e em premissas
incertas. A existência se desenvolveria sob o signo da precariedade, da angústia e da
dúvida. A certeza da fé, pelo contrário, se funda no conhecimento da verdade
encontrada exatamente no ato da fé com que se crê.
A fé é um ato livre e pessoal. “Os homens são obrigados em consciência, mas não são
forçados” (160). Como entender essa afirmação?
A fé cristã vive do paradoxo supremo de que Deus respeita a tal ponto a criatura que
permite que ela possa, até mesmo, escolher contra Ele. Nesse caso, trata-se de uma
liberdade de escolha que não alcança nem realiza a liberdade pessoal porque a escolha
contra Deus impede o homem de superar os seus próprios limites, de se autotranscender.
De fato, a liberdade plena não se limita à liberdade de escolha, mas é um movimento
pelo qual o ser humano acolhe em si a superação de seus limites, realizando-se como
pessoa e cumprindo gestos que transcendem a sua finitude. A fé é exatamente o
exercício dessa liberdade que descobre a presença do infinito e se abandona a ele e
dessa forma se autotranscende. Na fé em Cristo, o homem supera-se a si mesmo
acolhendo o dom de Deus.
3. Fé e amor
A fé se abre ao amor e o busca porque, no final das contas, o descobre como a sua
origem a qual tudo deve e como a sua própria razão de ser. Crer e amar são duas
exigências próprias do ser cristão. O fiel reconhece que sua fé brota do amor e a ele o
conduz. Ao mesmo tempo, o cristão percebe que não teria verdadeiro amor se este não
tivesse seu início na fé que reconhece aquele “que amou até o fim”.
A fé não é simples confissão de verdades, mas principalmente uma relação pessoal com
Jesus Cristo, relação pessoal esta que leva a aceitar e reconhecer a verdade revelada e a
acolher a salvação por Ele realizada.
Fé consiste em aceitar Cristo e viver a vida dEle; implica um compromisso vital e
dinâmico, uma decisão livre que compromete o agir do homem, sua liberdade, para
adequar sua existência ao amor de Jesus. Assim a natureza da fé é a de ser uma fé viva
que opera na caridade (Gl 5,6).
Conhecer a verdade da fé exige que ela seja reconhecida e acolhida na obediência a
Cristo, o que deve se traduzir em autêntico viver cristão, que outra coisa não é do que o
mandamento do amor (cf. Tg 2,16-26; 1Jo 4,8-16; 3,16-18.23).
O conhecimento e a proclamação da verdade impulsionam e exigem a ação do cristão, o
que, por sua vez, dá autenticidade à sua proclamação.
Para o cristão não há senso falar que primeiro se deve crer em Cristo para depois viver
como cristão. Acreditar é em si mesmo um crer e um viver segundo o estilo próprio do
amor. O ato de crer é fundamentalmente uma decisão que engloba toda a vida: crer
implica uma prática e um viver que se torna testemunho da vida de Cristo.
4. A fé e razão
A citação do adágio de Santo Agostinho é muito apropriada: “creio para compreender, e
compreendo para melhor crer”. A fé se volta para si mesma para buscar a inteligência
do próprio conteúdo. Nesse sentido, a fé não paralisa a razão, antes a impulsiona a
penetrar mais profundamente no mistério revelado para que a fé adira ainda mais
fortemente. A busca da inteligência daquilo que se crê não é motivada por fatores
alheios à própria fé; é pela sua própria natureza que a fé busca compreender, aprofundar
e transmitir o conteúdo da fé.
A fé exige, portanto, a responsabilidade de um estudo constante dos conteúdos da fé, de
um crescimento permanente e de um cultivo cuidadoso na vida de fé. O testemunho
cristão, em nosso tempo, precisa mais do que nunca motivar-se, bebendo das fontes da
reflexão. Precisa, sobretudo, recuperar o porquê de valer a pena acreditar. Em outras
palavras: é preciso pensar a fé. O não pensar a fé pode levar facilmente as pessoas a
estranhar-se da fé, a não acolher a fé em sua dupla valência de dom e de livre aceitação,
de dom e responsabilidade.
NÓS CREMOS
166-184
INTRODUÇÃO

Os símbolos da fé (o apostólico e o niceno-constantinopolitano) que rezamos na missa


dominical começam sempre com “eu creio”. Essas palavras iniciais não estão aí por
acaso. Elas exprimem de maneira profunda que o ato da fé é pessoal e, exatamente por
isso, é um ato eclesial. Nos tempos atuais, marcados por individualismo e subjetivismo,
uma boa compreensão do que está implicado nesse “eu creio” do Credo é cada vez mais
importante e urgente para a formação do cristão e para a sua vida de fé. Os parágrafos
que vamos estudar juntos nos ajudarão a compreender mais profundamente a relação
que há entre o “eu” e o “nós” tanto da profissão quanto da vida de fé.

TEXTO 166-184

CAPÍTULO TERCEIRO

A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS

ARTIGO 2: NÓS CREMOS


166. A fé é um ato pessoal, uma resposta livre do homem à proposta de Deus que Se
revela. Mas não é um ato isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como ninguém
pode viver só. Ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a
vida. O crente recebeu a fé de outros; deve transmiti-la a outros. O nosso amor a Jesus e
aos homens impele-nos a falar aos outros da nossa fé. Cada crente é, assim, um elo na
grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela
minha fé contribuo também para amparar os outros na fé.
167. «Eu creio» (Símbolo dos Apóstolos): é a fé da Igreja, professada pessoalmente por
todo crente, principalmente por ocasião do Batismo. «Nós cremos» (Símbolo niceno-
constantinopolitano, no original grego: pisteúomen): é a fé da Igreja, confessada pelos
bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos
crentes. «Eu creio»: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e
nos ensina a dizer: «Eu creio», «Nós cremos».

I. «Olhai, Senhor, para a fé da vossa Igreja»


168. É, antes de mais, a Igreja que crê, e que assim suporta, nutre e sustenta a minha fé.
É primeiro a Igreja que, por toda a parte, confessa o Senhor («Te per orbem terrarum
sancta confitetur Ecclesia» – «A Santa Igreja anuncia por toda a terra a glória do vosso
nome» – como cantamos no «Te Deum»). Com ela e nela, também nós somos atraídos e
levados a confessar: «Eu creio», «Nós cremos». É da Igreja que recebemos a fé e a vida
nova em Cristo, pelo Batismo. No Ritual Romano, o ministro do Batismo pergunta ao
catecúmeno: «Que vens pedir à Igreja de Deus?» E ele responde: – «A fé». – «Para que
te serve a fé?» – «Para alcançar a vida eterna» (Ordo initiationis christianae adultorum,
75).
169. A salvação vem só de Deus. Mas porque é através da Igreja que recebemos a vida
da fé, a Igreja é nossa Mãe. «Cremos que a Igreja é como que a mãe do nosso novo
nascimento, mas não cremos na Igreja como se ela fosse a autora da nossa salvação»
(Fausto de Riez, De Spiritu Sancto, 1,2: CSEL 21,104). É porque é nossa Mãe, é
também a educadora da nossa fé.

II. A linguagem da fé
170. Não acreditamos em fórmulas, mas sim nas realidades que as fórmulas exprimem e
que a fé nos permite «tocar». «O ato [de fé] do crente não se detém no enunciado, mas
na realidade [enunciada]» (Sto. Tomás de Aquino, S.Th. II-II,1,2,ad 2). No entanto, é
através das fórmulas da fé que nos aproximamos dessas realidades. As fórmulas
permitem-nos exprimir e transmitir a fé, celebrá-la em comunidade, assimilá-la e dela
viver cada vez mais.
171. A Igreja, que é «coluna e apoio da verdade» (1Tm 3,15), guarda fielmente a fé
transmitida aos santos de uma vez por todas (cf. Jd 1,3). É ela que guarda a memória das
palavras de Cristo. É ela que transmite, de geração em geração, a confissão de fé dos
Apóstolos. Tal como uma mãe ensina os seus filhos a falar e, dessa forma, a
compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe, ensina-nos a linguagem da fé, para nos
introduzir na inteligência e na vida da fé.

III. Uma só fé
172. Desde há séculos, através de tantas línguas, culturas, povos e nações, a Igreja não
cessa de confessar a sua fé única, recebida de um só Senhor, transmitida por um só
Batismo, enraizada na convicção de que todos os homens têm apenas um só Deus e Pai
(cf. Ef 4,4-6). Santo Ireneu de Lião, testemunha desta fé, declara:
173. «A Igreja, embora dispersa por todo o mundo até aos confins da Terra, tendo
recebido dos Apóstolos e dos seus discípulos a fé, [...] guarda [esta pregação e esta fé]
com tanto cuidado como se habitasse numa só casa; nela crê de modo idêntico, como
tendo um só coração e uma só alma; prega-a e ensina-a e transmite-a com voz unânime,
como se tivesse uma só boca» (Sto. Irineu, Adv. Haer. 1,10,1-2: SC 264,154-158).
174. «Através do mundo, as línguas diferem: mas o conteúdo da Tradição é um só e o
mesmo. Nem as Igrejas estabelecidas na Germânia têm outra fé ou outra tradição, nem
as que se estabeleceram entre os Iberos ou entre os Celtas, as do Oriente, do Egito ou da
Líbia, nem as que se fundaram no centro do mundo» (Sto. Irineu, Adv. Haer. 1,10,2: SC
264,158-160). «A mensagem da Igreja é verídica e sólida, porque nela aparece um só e
o mesmo caminho de salvação, em todo o mundo» (Sto. Irineu, Adv. Haer. 5,20,1: SC
153,254-256).
175. Esta fé, «que recebemos da Igreja, guardamo-la nós cuidadosamente, porque sem
cessar, sob a ação do Espírito de Deus, tal como um depósito de grande valor encerrado
num vaso excelente, ela rejuvenesce e faz rejuvenescer o próprio vaso que a contém»
(Sto. Irineu, Adv. Haer. 3,24,1: SC 211,472).
Resumindo:
176. A fé é uma adesão pessoal, do homem todo, a Deus que Se revela. Comporta uma
adesão da inteligência e da vontade à Revelação que Deus fez de Si mesmo, pelas suas
ações e palavras.
177. «Crer» tem, pois, uma dupla referência: à pessoa e à verdade; à verdade, pela
confiança na pessoa que a atesta.
178. Não devermos crer em mais ninguém senão em Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.
179. A fé é um dom sobrenatural de Deus. Para crer, o homem tem necessidade dos
auxílios interiores do Espírito Santo.
180. «Crer» é um ato humano, consciente e livre, que está de acordo com a dignidade
da pessoa humana.
181. «Crer» é um ato eclesial. A fé da Igreja precede, gera, suporta e nutre a nossa fé.
A Igreja é a Mãe de todos os crentes. «Ninguém pode ter a Deus por Pai, se não tiver a
Igreja por Mãe» (S. Cipriano, De unitate: PL 4,503A).
182. «Nós cremos em tudo quanto está contido na Palavra de Deus, escrita ou
transmitida, e que a Igreja propõe à nossa fé como divinamente revelado» (SPF 20).
183. A fé é necessária para a salvação. O próprio Senhor o afirma: «Quem acreditar e
for batizado salvar-se-á, mas quem não acreditar será condenado» (Mc 16, 16).
184. «A fé é um antegozo do conhecimento que nos tornará felizes na vida futura» (Sto.
Tomás de Aquino, Comp. Theol. 1,2).
REVISANDO TEMAS
1. Ato pessoal e eclesial
Na profissão de fé, recitado na missa dominical, a Igreja aparece como sujeito da fé. É
claro que são sempre os fiéis que individualmente dizem: “eu creio” e “nós cremos”,
mas eles só fazem essa confissão como ato pessoal (“eu creio”) porque se unem ao “nós
cremos” da Igreja, que é o verdadeiro sujeito que confessa “eu creio”.
Não há oposição alguma entre o “eu creio” do fiel e o “nós cremos” da Igreja. Crer
introduz na vida pessoal uma dinâmica que leva o indivíduo a se tornar Igreja, a se
identificar cada vez mais com ela. Ao mesmo tempo crer faz com que o cristão
individual torne a Igreja cada vez mais visível no mundo.
O “eu creio” do cristão não é dissolvido nem se perde anonimamente no “nós cremos”
da Igreja, uma vez que com a sua fé, o indivíduo cristão contribui para fortalecer a fé
dos outros e para tornar o testemunho da Igreja mais luminoso e transparente diante do
mundo. Por outro lado, o “eu creio” só alcança a sua plenitude de sentido e de
realização no “nós cremos”.
Assim concebida a fé não despersonaliza o indivíduo. Pelo contrário o torna consciente
de uma dimensão que vai além da esfera individual e que permite a recepção da
eclesialidade como dimensão constitutiva e essencial da própria fé.
Com efeito, a Igreja é sujeito do ato de crer porque a fé da Igreja é anterior à fé dos
indivíduos e seu fundamento. Toda fé pessoal é, nesse sentido, participação na fé da
Igreja e fé no seio da Igreja. Ninguém inventa a fé por conta própria. Ela só é possível
como fé compartilhada com os outros. Em outras palavras, a fé dos indivíduos está
alicerçada na comunidade de todos os que professam, vivem e celebram a mesma fé. A
sua fé é fé da Igreja feita sua.
Esse enraizamento da fé dos indivíduos na fé da Igreja não se refere apenas aos
contemporâneos, mas também aos antepassados. Fé significa comunhão com todos os
que, ao longo dos séculos, tiveram a coragem, suscitada pela graça, de crer, de esperar,
de amar e de servir dentro da comunidade de fé. A fé é comunhão com toda a Tradição
viva da fé, que remonta, por sua vez, através das gerações dos fiéis, até a fé apostólica
das origens e à pessoa histórica de Jesus.
A Igreja é sujeito do ato de crer porque a fé da Igreja é maior do que a fé dos
indivíduos. Como indivíduos, estamos sempre sujeitos às coordenadas do espaço e do
tempo, ao contexto histórico em que vivemos e às vicissitudes da própria vida, breve
como a flor que de manhã viceja e à tarde fenece e murcha. Assim a fé individual nunca
poderá atualizar plenamente toda a fé da Igreja. Para que isso seja possível, é necessário
que cada fiel, cada Igreja local, cada geração, se mantenha sempre aberto à amplidão da
“comunhão dos santos”.
A fé, no cristão individual, pode permanecer “informe”: a ele falta algo. Mas na
comunhão eclesial a fé tem sempre sua plenitude: ela une o povo com o Deus da
Aliança mediante o vínculo eficaz e total da caridade. Dito de maneira mais pessoal: na
assembleia dominical, quando digo “eu creio”, experimento que não creio somente com
minha fé – sempre limitada e sujeita a hesitação e fraqueza –, mas recebo o consolo de
crer com a fé de S. Paulo e S. Pedro, de Santo Agostinho e de Santo Tomás, do Beato
João Paulo II, de D. Helder Câmara e de Madre Tereza de Calcutá. A genuína fé cristã
sempre possui a inteireza sem unilateralismo da fé de todo Povo de Deus, a heroicidade
sem compromisso dos mártires, a verdade sem desvios dos doutores, a confiança e a
entrega dos prediletos de Deus e a amplidão da fé da Igreja toda, desde Abel até o
último justo.
2. A Igreja como objeto de fé
A fé cristã é uma fé eclesial porque o sujeito que o realiza é primariamente a Igreja e
também porque ela mesma é conteúdo de fé (“creio na Igreja”). Segundo a profissão de
fé, a Igreja é um objeto de fé e só pode ser assim compreendida. Dizer que a Igreja é
objeto de fé, porém, não deve colocá-la no mesmo plano de Deus Uno e Trino, que é o
objeto e o fundamento verdadeiro e próprio da fé. O fiel não crê na Igreja da mesma
maneira que crê em Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
A tradição latina, a partir do séc. V, chegou até mesmo a expressar essa distinção na
própria a profissão de fé e na sua explicação. Para constatar essa distinção é preciso
recorrer ao texto latino da profissão de fé. Nela, o “creio em Deus Pai..., em Jesus
Cristo..., no Espírito Santo” (credo in Deum Patrem..., in Jesum Christum..., in
Spirutum Sanctum) se distingue clara e explicitamente do “eu creio a Igreja” (credo
Ecclesiam). Essa diferença de palavras (a ausência da preposição in = em) parece
pequena, mas é muito significativa para afirmar que a fé é essencialmente uma
conversão ao Deus vivo, e que ela, enquanto resposta à interpelação divina, é a
aceitação do convite de Deus de estreitar uma relação pessoal com Ele, uma autoentrega
confiante a Ele e um reconhecer nEle o próprio fundamento.
Dizendo que “crê a Igreja”, o fiel declara que adere a ela unicamente na medida em que
a reconhece como um dos efeitos da ação salvadora de Deus no mundo e, por isso,
instrumento que Deus usa para convidar a humanidade a entrar na sua comunhão.
Rigorosamente falando, o cristão crê a Igreja, mas não faz dela objeto de fé, uma vez
que somente Deus pode ser digno de nossa confiança absoluta e incondicional. Quem
recita a profissão de fé, portanto, crê que a Igreja faz parte dos dons salvíficos do Deus
vivo e da esperança escatológica do cristão, mas funda a própria existência somente
sobre a rocha da fidelidade do Deus Trino.
Levando a sério o terceiro artigo do Símbolo, o cristão evita, de um lado, qualquer
idolatria da Igreja e, de outro, confessa que a grandeza e a beleza da Igreja consistem
exatamente no fato de ser criatura e obra do Espírito Santo, comunhão com Jesus Cristo,
uma vez que este Espírito é o Espírito de Jesus, o Povo de Deus reunido de todos os
povos.
O que tem a minha fé a ver com a Igreja?
A fé é aquilo que uma pessoa tem de mais pessoal, mas não é um assunto privado.
Quem deseja crer tem de poder dizer tanto “eu” como “nós”, pois uma fé que não
possa ser partilhada e comunicada seria irracional. Cada crente dá o seu
consentimento ao Credo da Igreja. Dela recebeu a fé. Foi ela que, ao longo dos
séculos, lhe transmitiu a fé, a guardou de adulterações e a clarificou constantemente.
Crer é, portanto, tomar parte numa convicção comum. A fé dos outros transporta-me,
como também o fogo da minha fé incendeia os outros e os fortalece (Youcath, p. 24).

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