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Cristologia

Aula 1
Introdução

A Cristologia é uma parte da teologia que trata sobre Cristo. Estuda Jesus Cristo como o
Verbo encarnado e Filho de Deus, e Jesus como nosso salvador e redentor, tal como
no-lo propõe a fé da Igreja.

▪ O mistério de Cristo, que se refere à sua pessoa e à sua obra de salvação, junta e
resume todos os artigos da fé: os que se referem à Trindade, pois Ele é Deus, o
Filho do Pai, e revela-nos a Trindade; e os que se referem aos desígnios e obras
de Deus, pois Ele levou a cabo o plano da sua vontade salvífica.

▪ Mediante os métodos próprios da história podemos chegar a conhecer cada vez


melhor a realidade visível da vida de Jesus. Mas unicamente mediante a
Revelação divina e a fé podemos transcender a mera exterioridade e chegar a
conhecer quem é Ele verdadeiramente: “ninguém conhece o Filho senão o Pai” (Mt
11, 27); “ninguém pode vir a mim se não o atrai o Pai que me enviou” (Jo 6, 44).

▪ Jesus Cristo, mediador e plenitude de toda a Revelação, não é um mito: é Deus


feito homem que viveu num contexto histórico concreto, e os acontecimentos da
sua vida foram reais e comprováveis. Mas é preciso um conhecimento amoroso
de Cristo até nos tornarmos semelhantes a Ele (cfr. CIC 428-429).

▪ Desde finais do século XVIII (Ilustração), surge a tentativa de reconstruir a vida de


Jesus com uma metodologia histórica que prescinde do que não tem uma
explicação racional. Cristo foi um simples homem: excluir como mito tudo o que é
milagroso.

▪ No século XIX, o protestantismo liberal também tentou chegar ao “verdadeiro”


Jesus, só homem, contando unicamente com a razão e a ciência histórica
positiva. Poder-se-ia conhecer muito pouco do “Jesus histórico”.

▪ Século XX: para Rudolf Bultmann a fé em Jesus foi-se desenvolvendo por um


processo de mitificação. Haveria que estudar a história das formas literárias dos
Evangelhos e depois desmitificar o caminho que a fé teria percorrido. Autores
posteriores: novas contribuições da linguística. Chega-se a um Jesus “judeu”,
taumaturgo, mestre, revolucionário, ou profeta escatológico.

▪ Os preconceitos racionalistas, para começar, excluem como impossível que


Jesus Cristo seja Deus ou a realidade dos milagres. Esta atitude é incompatível
com a busca sincera da verdade. A distinção entre o “Jesus histórico” e o “Cristo
da fé” é uma distinção de graves consequências.

▪ O próprio nome de “Jesus Cristo”, com que o denominaram desde os começos,


confessa que “Jesus”, o Filho único de Deus que viveu em Nazaré, é o “Cristo” da

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fé. A atitude principal da primeira tradição cristã foi a de conservar fielmente a
recordação das palavras e obras de Jesus.

O ponto de partida da Cristologia (teologia) é a fé. O depósito da fé transmitiu-se de dois


modos: a Sagrada Escritura e a Tradição.
E “o ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus, escrita ou transmitida, foi
confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de
Jesus Cristo” (Dei Verbum 10).

▪ As ciências humanas (história, arqueologia, filologia, etc.) têm o seu valor


(conhecer melhor as condições históricas da cultura do ambiente de Jesus, os
géneros literários, a composição dos Evangelhos, etc.), sempre que se apliquem de
modo científico e com retidão e não estejam viciadas por determinadas ideias
filosóficas. Esse Jesus, que a história investiga, não é um simples homem, é o
Filho de Deus.

Aula 2
Natal

O fim da Encarnação é a salvação dos homens: o Filho de Deus veio “para que o
mundo se salve por Ele” (Jo 3, 17), “para ser salvador do mundo”(1Jo 4, 14).

▪ Credo: “por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus. E encarnou
pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem”.

A salvação do homem compreende dois aspectos unidos: a libertação do pecado e a


comunicação da vida divina.

▪ CIC 457: “O Verbo encarnou para nos salvar, reconciliando-nos com Deus”.

▪ CIC 459: “Encarnou para ser nosso modelo de santidade”.

▪ CIC 460: “Encarnou para nos fazer ‘participantes da natureza divina’ (2Pd 1, 4)”.

O homem, só com as suas forças, não pode alcançar a salvação. Depois do pecado
original, todos os homens tinham ficado privados da glória de Deus, da amizade com
Deus, e escravos do pecado. Ninguém pode ser justificado a não ser pela graça de Jesus
Cristo.

▪ A Encarnação é obra do amor e da misericórdia de Deus. A decisão de Deus de


nos salvar é absolutamente livre e gratuita.

▪ A vinda do Filho de Deus ao mundo não era necessária para a salvação do


homem.

O nome de Jesus quer dizer em Hebreu “Deus salva” ou “Salvador”.

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▪ Promessas do Redentor:

1) protoevangelho (Gn 3, 15);

2) promessa a Abraão (Gn 12) de lhe dar uma terra e de o tornar pai de um grande
povo e de que, pela sua descendência, seriam abençoadas todas as nações da
terra;

3) confirmação e renovação da promessa com diferentes eleitos, concretizando a


ascendência do Messias: descendente de Jacob, da tribo de Judá, da família de
David.

▪ Profecias sobre o Messias rei:

1) será filho de David e o seu reino não terá fim (Natan: 2Sm 7, 12-16);

2) especial filiação divina (Salmo 2);

3) nascerá de uma virgem e chamar-se-á Emanuel, que significa “Deus conosco”


(Is 7, 14).

▪ Profecias sobre o Messias rei e profeta:


Moisés, tipo e figura de todos os profetas.

Dt 18, 15-19: Deus enviará “outro profeta” como Moisés que ensinará e guiará o
seu povo.

Is 61, 1-2: o Messias será ungido por Deus com o espírito dos profetas para anunciar
a salvação aos homens.

▪ Profecias sobre o Messias rei e sacerdote: Salmo 109 (110): o Salvador será, ao
mesmo tempo, rei e sacerdote. Mas o seu sacerdócio não é o levítico.
Figura de Cristo: Melquisedec, rei-sacerdote (cfr. Hb 7, 3).

▪ Profecias sobre o sacrifício de Cristo: Is 42, 49, 50, 52: cantos sobre o “Servo de
Yahvéh”; Salmo 21 (22). “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.

“Filho do homem”: Dn 7: restaura o reino messiânico.

▪ O nome de Messias provém do Hebreu “mashiah”, que significa “ungido”. Foi


traduzido para o grego por “christós” e latinizado em “christus”. Original mente,
aplicava-se ao rei de Israel, ungido com azeite na sua investidura. Foi aplicado a
David e à sua dinastia. E também aos consagrados para uma missão recebida de
Deus (sacerdotes e, excepcionalmente, profetas).

▪ O Messias, “que Deus enviaria para instaurar definitivamente o seu Reino (...),
devia ser ungido pelo Espírito do Senhor, simultaneamente, como rei e sacerdote
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(cfr. Za 4, 14; 6, 13), mas também como profeta (cfr. Is 61, 1; Lc 4, 16-21). Jesus
cumpriu a esperança messiânica de Israel na sua tríplice função de sacerdote,
profeta e rei” (CIC 436).

▪ A Encarnação dá sentido à história. Cristo é o fundamento de toda a história


anterior, que tem valor salvífico só através d’Ele e para Ele se ordena. Assim como
também Cristo é o fundamento de toda a história posterior, que vive da graça
proveniente da sua obra redentora.

Gaudium et Spes 10: “A Igreja crê que a chave, o centro e o fim de toda a
história humana se encontram no seu Senhor e Mestre”.

Cristo é o centro da história humana, não em sentido cronológico, mas


transcendeste: é “o alfa e o ómega, o primeiro e o último, o princípio e o fim”
(Ap 22, 13).

Aula 3
Encarnação

No admirável plano de doação que Deus faz de si mesmo à criatura, a Encarnação é o


acontecimento central e culminante, e Maria foi a colaboradora com a sua fé e com o
seu amor à união de Jesus com a humanidade.

▪ A Encarnação é obra da Trindade. Realiza-se pelo Espírito Santo em comunhão


com o Filho.

▪ Maria é verdadeiramente Mãe de Deus. “Com efeito, aquele que ela concebeu
como homem, por obra do Espírito Santo, e que se fez verdadeiramente seu Filho
segundo a carne, não é senão o Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da
Santíssima Trindade” (CIC 495).

Realidade do corpo de Cristo

O docetismo (já no século I) considera que a matéria é má e, por consequência, nega


que Cristo tivesse um verdadeiro corpo material. O corpo de Cristo seria só aparente: o
seu nascimento ou a sua paixão e morte não foram reais, mas só fictícios e irreais.

▪ NT: testemunha que Cristo foi homem verdadeiro, com um corpo real: descende de
David, foi concebido de Maria, nasceu, cansou-se, teve fome e sede, dormiu,
sofreu, derramou o seu sangue, morreu, foi sepultado. Corpo de carne e osso, real
e tangível.

Os Santos Padres dizem: negar a realidade do corpo de Cristo é negar a redenção.

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Algumas heresias

Realidade da alma de Cristo

▪ Apolinário de Laodiceia (século IV): a humanidade de Cristo estaria composta


somente de carne e alma sensitiva. O Verbo assumiria a função de alma
intelectiva e racional.

▪ Santos Padres: sem alma (sem inteligência, nem vontade humanas), Cristo não
teria redimido a linhagem humana, pois não foi sanado o que não foi assumido.

▪ Apolinarismo foi condenado pelo Papa S. Dâmaso e pelo I Concilio de


Constantinopla (381).

▪ Verdadeira natureza humana de Jesus: união da alma e do corpo. Chamada de


união hipostática. (100% Deus e 100% homem – Sto Tomaz)

Jesus Cristo é perfeito Deus

Adopcionismo: Cristo não era uma pessoa divina, mas um homem que, no Baptismo,
recebeu uma “dynamis” ou força divina, que o faz um homem superior. Não é Filho de
Deus por natureza, mas só por adopção (Heresia de Paulo de Samosata, bispo de
Antioquia, condenado e deposto do seu cargo no ano 268).

▪ Ário (256-336): Subordinacionismo extremo: Filho criado do nada, criatura


através da qual se fizeram as outras coisas. Condenado em Niceia I (325): Cristo é
“homousios”, consubstancial ao Pai.

▪ Séculos XIX e XX: negação da divindade do “Jesus da história”. Pio X condenou o


modernismo (Enc. Pascendi, 1907).

NT: prerrogativas divinas de Jesus:

▪ É superior à Lei: senhor do sábado (Mt 12, 1-8).

▪ É superior aos profetas e reis (Jonas e Salomão: Mt 12, 41-42).

▪ Perdoa os pecados, poder exclusivo de Deus.

▪ Equipara-se a Deus na autoridade (“...Mas Eu digo-vos...”).

▪ Pede fé (Jo 14, 1) e amor acima de tudo (Mt 10, 37), que só Deus pode exigir, e a
sua aceitação é requisito para a salvação (Mt 10, 32). Pede até que se entregue a
vida por Ele (Lc 17, 33).

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NT: a sua preexistência ao mundo:

▪ Jo 17, 5: “glória que tinha em Ti antes que houvesse mundo”;

▪ Col 1, 15-17: criador e conservador do mundo; muitos textos que afirmam que
veio enviado pelo Pai: vem “do céu” (Jo 3,13), “do alto” (Jo 8, 23); “saiu de Deus
Pai” (Jo 8, 42), etc..

NT: igualdade de Jesus com o Pai:

▪ Como o Pai atua sempre, assim Jesus dá a vida e a saúde, inclusive ao sábado (Jo
5, 17).

▪ Jo 8, 19: “Se me conhecêsseis a mim, certamente conheceríeis também meu Pai”;


Jo 10, 38: “O Pai está em mim, e eu no Pai”; Jo 14, 9: “Quem me viu a mim viu o
Pai”.

▪ Jo 10, 30: “O Pai e eu somos um só”.

NT: afirmações explícitas e diretas da sua condição divina:

▪ Prólogo do Evangelho de São João;

▪ Rom 9, 5 (“o qual está sobre todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos”);

▪ Fl 2, 5-8 (“sendo de condição divina, não reivindicou o direito de ser igual a


Deus...”);

▪ Tt 2, 13-14 (“esperamos a vinda gloriosa do nosso grande Deus (...), Jesus Cristo”).

“Filho de Deus” na Sagrada Escritura:

• AT: título dado aos anjos (Dt 32, 8), ao povo eleito (Ex 4, 22), e aos seus reis (2Sm
7, 14). Significava então uma relação particular entre Deus e a sua criatura.
Também quando chama “filho de Deus” ao Messias (Salmo 2, 7) os judeus
entendiam que era um homem singularmente abençoado por Deus, e não Filho
único de Deus por natureza.

▪ NT: O que vimos já mostra que Jesus se declarava Filho de Deus enquanto
verdadeiro Deus nascido do Pai. Os judeus entendiam-no assim e queriam matá-lo
por isso. Jesus distingue: “meu Pai...Vosso Pai”(Jo 20, 17). Ele é “filho próprio” (Rm
8, 3) e Unigénito (Jo 3, 16. 18) do Pai. Mt 11, 27: “Ninguém conhece o Filho senão
o Pai, nem ninguém conhece o Pai a não ser o Filho…”.

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Aula 4
Unidade pessoal de Jesus Cristo

Nestório (patriarca de Constantinopla, 428): Maria não seria Mãe de Deus, porque em
Jesus haveria duas pessoas: uma divina e outra humana, e Maria seria mãe da pessoa
humana de Cristo. A união entre a natureza divina e a humana seria só uma união moral
entre dois sujeitos. Identidade de vontade, mas não se poderia dizer que o Filho de Deus
nasceu de Maria, morreu, etc.

▪ Refutado por S. Cirilo de Alexandria e condenado por Éfeso (431). União das
duas naturezas de Cristo na Pessoa (hipóstase) divina do Verbo, única em Cristo.
Por isso Maria é verdadeiramente Mãe de Deus: d’Ela nasceu o Verbo segundo a
carne.

▪ Monofisismo: Eutiques, superior de um mosteiro de Constantinopla (s. V), afirma


que, depois da Encarnação, há uma só natureza em Cristo, composta da divina e
da humana, ainda que a humana teria sido absorvida na infinita pessoa do Filho de
Deus.

▪ Condenado por São Leão Magno (440-461) e Calcedónia (451): “Há que confessar
um só e mesmo Filho e Senhor nosso Jesus Cristo: perfeito na divindade, e
perfeito na humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeira- mente homem (...).
É preciso reconhecer um só e mesmo Cristo Senhor, Filho único do Pai, em duas
naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação. (...) Ficam a
salvo as propriedades de cada uma das naturezas”.

▪ Uma hipóstase ou indivíduo é uma substância individual completa, subsistente em


si mesma, independente no seu ser de outros indivíduos.
 Chamam-se “pessoas” às hipóstases mais dignas, os seres racionais que
são donos dos seus atos.

▪ Natureza é a essência enquanto princípio de operações (ex.: a natureza de


Pedro é a sua condição humana com as suas faculdades próprias pelas quais atua
como homem).

▪ A distinção entre uma natureza e a pessoa que a possui é uma distinção entre
uma parte e o todo. Ex.: Pedro é a pessoa, o todo, e a natureza é uma parte dele
que o especifica.

▪ A união das duas naturezas em Cristo é uma união hipostática (na pessoa). Não
tem semelhança com nenhuma outra união. Conhecemo-la pela fé.

▪ A natureza humana de Cristo é íntegra e perfeita, mas não é uma pessoa


humana, nem um sujeito distinto do Verbo.

▪ Constantinopla II (553) “confessou a propósito de Cristo: ‘Não há n’Ele senão uma


só hipóstase (ou pessoa), que é Nosso Senhor Jesus Cristo, um da santa
Trindade’. Tudo na humanidade de Cristo deve, portanto, ser atribuído à sua
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pessoa divina como seu sujeito próprio; não só os milagres, mas também os
sofrimentos e a própria morte” (CIC 468).

A Encarnação não supôs mudança alguma no Filho de Deus, que é imutável.


Só há mudança na natureza humana, que começa a existir, elevada inefavelmente à
união pessoal com o Verbo.

A Pessoa de Cristo não é causada pela união das duas naturezas, porque é eterna.
Cristo não “é” ou existe pela sua natureza humana, senão que por ela “é homem”.

▪ Cristo, enquanto homem, não é filho adoptivo pela graça que tem, pois a sua
humanidade não constitui nenhum sujeito pessoal que pudesse ser filho.

▪ O Filho de Deus (Pessoa) é Filho de Maria, pois nasceu verdadeiramente d’Ela


segundo a sua natureza humana. Nascem pessoas, não naturezas.

▪ Para certos autores recentes, a personalidade consistiria na abertura da


consciência humana ao ser em geral, ao infinito, ou seja, a Deus. Mas então, como
em Cristo há um centro de consciência humano referido a outro centro de
consciência divino, haveria duas subjetividades n’Ele: uma divina (Deus) outra
humana (Cristo). Jesus será um homem em que tem lugar a revelação suprema de
Deus.

▪ Tais teorias reduzem a realidade de um ser a um dos seus atos: a pessoa seria a
simples consciência de si mesma. Isto é um erro, pois toda a operação vital - como
é a consciência - requer um sujeito operante, que é a pessoa. A pessoa não se
identifica com a sua consciência, nem se constitui por ela: a pessoa é que tem
essa consciência de si mesma.

▪ O Filho de Deus tornou participante a humanidade assumida da dignidade da sua


pessoa: ao expressar que, no mistério da Encarnação, se dá uma espécie de
comunicação de propriedades entre o humano e o divino, que se chama
“communicatio idiomatum”.

▪ À única pessoa de Cristo há que atribuir tanto todas as propriedades e ações da


sua natureza divina, como as da sua natureza humana (ex.: pode dizer-se que
“Deus nasceu de Maria” ou “morreu por nós”).

▪ Não se pode atribuir a uma natureza de Cristo as propriedades e ações da outra


(ex.: não se pode dizer que a divindade nasceu no tempo). Sim, pode dizer-se
reduplicar: “Jesus, enquanto Deus...”; “o Filho de Deus, enquanto homem...”.

Aula 5
Cheio de graça e de verdade

A humanidade de Cristo é o instrumento adequado, indissoluvelmente unido ao Verbo,


para a obra salvífica. É um instrumento vivo e racional, não inerte ou passivo.

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▪ Quanto mais unido se está a Deus, mais se participa da sua bondade e mais
abundantes bens se recebem. Não há união mais íntima com Deus que a união
numa pessoa divina. Daí que Cristo, na sua humanidade, esteja cheio dos dons
divinos: a sua natureza humana pertence propriamente à pessoa divina do Filho
de Deus, que a assumiu (cfr. CIC 470).

▪ O Filho de Deus não assumiu os defeitos ou limitações que dificultariam a obra


salvífica (pecado, ignorância...). Assumiu, sim, as limitações da nossa natureza
que servem o fim da Encarnação e que não são defeito moral (dor...).

▪ Santidade no AT: alguém ou algo é santo, em sentido ontológico, na medida em


que está unido a Deus, pertence-lhe, e está destinado ou consagrado ao seu
serviço exclusivo (o Templo, o sábado, o povo de Deus...). No NT, esta noção
enriquece-se com a de uma participação na vida divina, por ação do Espírito
Santo, que transforma o homem interiormente, diviniza-o, purifica-o do pecado.

▪ Em sentido operativo e moral, diz-se que é santo quem vive estavelmente a


união sobrenatural com Deus, pela fé e pelo amor.

▪ Cristo é santo, não só enquanto Deus, mas também enquanto homem.

▪ Pela união hipostática, a humanidade de Cristo tem a santidade infinita do Verbo.


Assim, enquanto homem, Cristo é santo, porque a sua humanidade está unida ao
Verbo e pertence-lhe. Esse dom da natureza humana de Cristo chama-se “graça
de união”.

▪ Cristo, enquanto homem, também é santo pela graça habitual, que é conveniente,
porque a sua humanidade não é santa por si mesma, nem se transformou em divina
(distinção das duas naturezas). Chega a ser divina e santa por participação.
Cristo tem plenitude de graça santificante, porque a união da sua humanidade a
Deus é a mais estreita que se possa imaginar. Jesus possuía a graça com toda a
perfeição possível: com todos os efeitos, virtudes, dons e operações que esta
possa ter e alcançar. Todas as graças que os homens têm provêm d’Ele. Essa
plenitude chama-se “graça capital”.

▪ A graça diviniza a alma na sua essência. Esta divinização estende-se às


potências da alma pelas virtudes sobrenaturais.

▪ Cristo, enquanto homem, está plenamente divinizado pela graça habitual: por isso
não podiam faltar-lhe as virtudes infusas em grau máximo e perfeito. Mas não
teve aquelas virtudes que supõem, em si mesmas, alguma carência ou
imperfeição (fé: já possuía a visão de Deus; esperança: já tinha a união com
Deus; penitência: não teve pecado).

▪ Por causa da sua plenitude de graça, Cristo possuía os dons do Espírito Santo em
grau excelentíssimo e eminente, e todos os carismas que tiveram os homens
para qualquer missão de edificação dos outros (apóstolos, profetas, pregadores,
doutores, pastores, etc.).
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▪ Jesus é santo também em sentido operativo e moral: completa identificação da
sua vontade humana com a sua vontade divina, no que é grande e no que é
pequeno.

▪ O Magistério ensinou, em várias ocasiões, que Cristo não teve pecado, é


“semelhante em tudo a nós, exceto no pecado” (ex.: Calcedónia, 451); e esteve
livre também do pecado original e do “fomes peccati”, pelo que n’Ele a
sensibilidade estava sempre perfeitamente subordinada à razão (ex.:
Constantinopla II, 553).

▪ Cristo não só não teve pecado de fato, sim que era impecável, porque as ações
são da pessoa. Se Cristo pudesse pecar, seria Deus quem pecaria. Além disso,
Cristo gozava da visão de Deus, que supõe a impossibilidade de rechaçar o Bem
infinito.

Como Cristo tem duas naturezas perfeitas, tem dois modos de conhecer, um infinito e
divino e outro humano.

Conhecimento humano de Cristo

▪ Gaudium et Spes 22: O Filho de Deus “trabalhou com mãos humanas, pensou
com inteligência humana, agiu com uma vontade de homem, amou com um
coração humano”.

▪ Teve ciência adquirida (parte dos sentidos e da experiência), ciência de visão


(visão beatífica, própria dos bem-aventurados: Jo 8, 38: “Eu digo o que vi em meu
Pai”) e ciência infusa ou profética (provém diretamente de Deus pela comunicação
de algumas ideias à mente humana).

A crítica histórica, o protestantismo liberal e o modernismo, sustentaram que Jesus


padecia de erro, quanto à data do fim do mundo e quanto à natureza do seu
messianismo. Teorias condenadas por São Pío X (Enc. Pascendi, 1907).

▪ A existência de um erro em Cristo implicaria que não é Deus, que não é a


Verdade. Não teve nem erro, nem ignorância.

▪ Padres: Cristo não ignorava a data do fim do mundo, sim que não queria, nem
devia revelá-la.
=> CIC 474: “O que neste domínio Ele reconhece ignorar (cfr. Mc 13, 32),
declara, noutro ponto, não ter a missão de o revelar (cfr. At 1, 7)”.

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▪ A partir do século XX, especial interesse pela consciência que Jesus tinha de si
mesmo: sim, sabia-se Filho de Deus e Messias. Alguns autores negam que tivesse
consciência da sua divindade. Outros sustentam que, desde uma inicial
ignorância, iria, pouco a pouco, tomando consciência de ser Filho de Deus e
Salvador do mundo.

▪ Jesus, na sua consciência humana, tinha claro e verdadeiro conhecimento de si:


Filho de Deus, vindo ao mundo para nos salvar. No NT vê-se já, quando tinha 12
anos: “Não sabíeis que devo ocupar-Me das coisas de meu Pai?” (Lc 2, 49). Além
disso, nunca aparece um eu humano de Jesus e outro eu do Filho de Deus. E Jesus
utiliza, amiudadamente, a expressão revelada a Moisés, “Eu sou”, manifestando
que é Deus.

Aula 6
Outras características
▪ Monoenergetismo: para convencer os monofisitas, Sérgio de Constantinopla
(início s. VII) ensinou que Cristo tinha uma única operação.

▪ Monotelismo: buscando a unidade religiosa, o Imperador Heráclio deixou de falar


no monoenergetismo e passou a sustentar que havia uma só vontade em Cristo.
Impô-lo a toda a Igreja (638).

▪ Máximo, o Confessor, conseguiu que o Papa Martinho I convocasse um concílio


em Latrão (649) que condenou ambos os erros. No ano 681, o III concílio
ecuménico de Constantinopla condenou-os solenemente: “N’Ele (Cristo), dão-se
duas vontades e duas operações naturais, sem divisão, sem mudança, sem
separação, sem confusão”.

▪ O Verbo assumiu uma natureza humana perfeita, e a vontade livre pertence, de


modo essencial, à integridade e perfeição da natureza humana. Assim tem um
querer divino comum com o Pai e o Espírito Santo, próprio da natureza divina, e
um querer humano próprio da sua natureza humana assumida, que não
compartilha com o Pai e o Espírito Santo.

▪ Liberdade humana de Cristo: “Dou a minha vida para outra vez a assumir.
Ninguém ma tira, mas eu a dou por mim mesmo” (Jo 10, 17).

▪ Que Cristo seja livre não significa que pudesse pecar. Elege sempre o bem com
domínio sobre os seus atos, porque a sua liberdade é perfeita. Querer o mal,
não é o próprio da liberdade, ainda que seja um sinal de liberdade, como o erro
não é conhecimento.

A vontade humana de Cristo sempre “segue a sua vontade divina sem lhe fazer
resistência, nem oposição; antes, pelo contrário, está sempre subordinada a esta
vontade omnipotente” (Constantinopla III, 681).

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▪ Em Getsêmani, quando Jesus diz: “Não se faça como Eu quero, mas sim como Tu
queres” (Mt 26, 39), não há oposição de vontades, sim que a sua inclinação
sensível ou a sua sensibilidade podiam apetecer algum bem diferente do querer
divino, mas estavam inteiramente submetidas a ele pelo ato livre da sua vontade
racional humana.

Constantinopla III, 681 confessou “duas operações naturais sem divisão, sem
mudança, sem separação, sem confusão, no mesmo Senhor nosso Jesus Cristo, nosso
verdadeiro Deus, isto é, uma operação divina e outra operação humana”.

▪ S. Tomás de Aquino (Compendium theologiae, c. 212, n. 419): “A natureza é o


princípio da operação. Por isso, em Cristo não há uma só operação por ser um
único sujeito, mas duas operações, porque são duas as naturezas”.

▪ Como todo o homem, pode realizar todas as ações humanas naturais e, como
todo o homem em estado de graça, pode realizar obras sobrenaturais. Todas
estas ações são próprias da segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
.
▪ Como as ações humanas de Cristo eram livres e nasciam do imenso amor ao Pai,
que o Espírito Santo tinha infundido na sua alma, todas elas eram meritórias, quer
dizer, eram dignas de alcançar o fim a que as tinha ordenado o desígnio divino.

▪ Antes da sua Ressurreição, Cristo mereceu para si mesmo aqueles bens que
ainda não possuía (glorificação e exaltação da sua humanidade). Também
mereceu para nós a salvação. Mereceu a graça para todos os homens, pois a
este fim estava ordenada a Encarnação do Verbo.

As ações humanas de Cristo enquanto são instrumentos da divindade

▪ Na ordem física: serve-se de gestos e palavras humanas para fazer milagres.


Estas ações humanas, enquanto são instrumentos da Divindade para realizar obras
próprias da omnipotência divina, chamam-se em teologia “teândricas”.

▪ Na ordem espiritual, a divindade serviu-se do seu querer humano e das suas


palavras para perdoar os pecados, e das suas ações humanas, para comunicar a
graça.

▪ Em todas estas ações a causa eficiente principal é a natureza e o poder do


Verbo, que tem em comum com o Pai e o Espírito Santo; e a humanidade de
Cristo é a causa instrumental.

▪ Cristo teve os sentimentos e paixões próprios da natureza humana, compatíveis


com a plenitude de graça e que serviam à nossa redenção:

▪ alegria das obras de seu Pai (Lc 10, 21) e de se saber amado pelo Pai (Jo 15, 10);

12
▪ desejos ardentes da nossa redenção (Lc 12, 50) e de ficar na Eucaristia (Lc 22,
15);

▪ tristeza ao contemplar os sofrimentos da sua Paixão e o pecado dos seus (Mt 26,
38);

▪ dor da alma até chorar pela morte de Lázaro (Jo 11, 33-35);

▪ ira ante a hipocrisia de alguns (Mc 3, 5) e dos mercadores no Templo (Mt 21, 12),
etc..

▪ Em Cristo a razão controlava perfeitamente sentimentos paixões, toda a sua


afetividade.

▪ Em Jesus não faltou a virtude natural, da qual derivam todas as outras, que é o
amor, e que é sobre naturalizado pela caridade. Este foi o motor da sua vida e a
chave da harmonia e unidade de todo o seu ser: seu amor e entrega ao Pai e a
nós.

▪ CIC 478: “Amou-nos a todos com um coração humano. Por esse motivo, o Sagrado
Coração de Jesus, trespassado pelos nossos pecados e para nossa salvação, ‘é
considerado sinal e símbolo por excelência (...) daquele amor com que o divino
Redentor ama sem cessar o eterno Pai e todos os homens’ (Pío XII,
Enc.Haurietis aquas, 1956)”.

▪ Os Evangelhos não nos transmitiram nenhuma descrição direta sobre o rosto e o


aspecto físico de Maria e de Cristo. De modo indireto sugerem-nos alguns
dados sobre a fisionomia de Jesus: deve ter tido uma presença agradável, amável,
para que muitos recorressem a Ele e lhe levassem meninos, para que lhes
impusesse as mãos; uns modos dignos que inspiravam o afeto de pessoas de
toda a condição; um olhar que removeu os Apóstolos, para que o seguissem,
deixando todas as coisas...

▪ Deus talvez tenha permitido que não tivéssemos uma descrição de Jesus, para
que não fôssemos atraídos a Ele por motivos meramente humanos.

Aula 7
O Mistério da Redenção

A cristologia estuda mistério de Cristo: da sua pessoa e da sua obra redentora numa
unidade indissolúvel. Jesus é o Filho de Deus feito homem e, ao mesmo tempo, o
Salvador esperado.

▪ Não se podem separar estes dois aspectos:


1) A finalidade da sua vinda ao mundo é precisamente a salvação dos homens;

13
2) Unicamente o Filho de Deus pode realizar uma autêntica redenção do pecado do
mundo.

▪ Vamos ver na segunda parte de Cristologia a ação redentora, tendo presente o já


visto acerca da sua pessoa.

Todos os homens albergam uma esperança profunda de alcançar a verdade e o bem e


um anseio de conseguir a felicidade.

▪ CIC 843: “A Igreja reconhece nas outras religiões a busca, ‘ainda nas sombras e
sob imagens’, do Deus desconhecido mas próximo, pois é Ele quem a todos dá
vida, respiração e todas as coisas e quer que todos os homens se salvem. Assim, a
Igreja considera tudo quanto nas outras religiões pode encontrar-se de bom e
verdadeiro ‘como uma preparação evangélica e um dom d’Aquele que ilumina todo
o homem, para que, finalmente, tenha a vida’”. CIC 844: “Mas, no seu
comportamento religioso, os homens revelam também limites e erros que
desfiguram neles a imagem de Deus”.

▪ Cristo revela que Deus nos ama e nos destinou antes da criação do mundo a una
aliança que nos faz participar da sua vida infinitamente feliz.

▪ A Bíblia ensina-nos que a origem do mal e do sofrimento está no “mistério de


iniquidade” que é o pecado: o de alguns anjos e os dos homens, principalmente o
original, mas também os pessoais de cada homem e de cada mulher.

▪ A imagem de Deus na pessoa humana foi obscurecida e desfigurada pelo pecado,


mas não destruída totalmente.

▪ O homem só com as suas forças não pode libertar-se do pecado e das suas
consequências. A verdadeira e completa libertação do homem procede
unicamente de Deus: “Mas Deus manifesta o seu amor para conosco, porque,
quando ainda éramos pecadores, então Cristo morreu por nós” (Rom 5, 8).

▪ Ao defender a capacidade da razão humana para conhecer Deus, a Igreja


expressa a sua confiança na possibilidade de falar de Deus. Posto que o nosso
conhecimento de Deus é limitado, a nossa linguagem sobre Deus é-o também. As
perfeições das criaturas refletem a perfeição infinita de Deus. Podemos nomear
Deus a partir das perfeições das suas criaturas. (cfr. CIC 39-41)

▪ Deus transcende qualquer criatura. É preciso, pois, purificar sem cessar a nossa
linguagem de tudo o que tem de limitado, de imperfeito. As nossas palavras
humanas ficam sempre muito aquém do Mistério de Deus. Ao falar assim de Deus,
a nossa linguagem exprime-se certamente de modo humano, mas capta
realmente o próprio Deus, sem poder, contudo, expressá-lo na sua infinita
simplicidade. (cfr. CIC 42-43)

“Entregando o seu Filho pelos nossos pecados, Deus manifesta que o seu desígnio sobre
nós é um desígnio de amor benevolente, independentemente de qualquer mérito da
nossa parte: ‘Nisto consiste o amor: não fomos nós que amámos a Deus, foi Deus que
14
nos amou a nós e enviou o seu Filho como vítima de propiciação pelos nossos pecados’
(1Jo 4, 10). ‘Deus prova, assim, o seu amor para conosco: Cristo morreu por nós, quando
ainda éramos pecadores (Rm 5, 8)” (CIC 604).

▪ O desígnio divino de salvação através da morte de Cristo havia sido anunciado


antes na Escritura como mistério de redenção universal. A morte redentora de
Jesus cumpre, em particular, a profecia do Servo sofredor (cfr. Is 53, 7-8, At 8, 32-
35).

Tradição patrística sobre a redenção

▪ Padres orientais: sublinham que Cristo veio para nos comunicar a semelhança
com Deus perdida com o pecado. “Admirável intercâmbio”: o Verbo tornou-se
participante da humanidade para nos fazer participantes da divindade. Fixam-se no
aspecto descendente e gratuito da salvação.

▪ Os Padres ocidentais: fixam-se no aspecto ascendente da salvação: a obra


realizada pela nossa Cabeça, Cristo, em nome de toda a humanidade para nos
ganhar a salvação. Sublinham a Sua oferta ao Pai do sacrifício perfeito da Sua vida
para reparar o nosso pecado e reconciliar-nos com Deus.

Santo Anselmo (+ 1109) via Deus como Senhor soberano, cuja honra é ofendida pelo
pecado. Perante esta ofensa, a ordem da justiça divina exige com todo o rigor uma
reparação voluntária adequada ou um castigo. Mas a dívida é infinita por ser Deus o
ofendido: não devendo pagá-la senão o homem, e não podendo pagá-la senão Deus,
tinha que ser homem e Deus quem satisfizesse a honra divina ferida.

▪ É uma interpretação válida em diversos aspectos e que influiu na teologia posterior.


Mas é demasiado jurídica, com uma concepção muito humana de Deus, do
pecado como ofensa infligida a Deus, da sua reparação como compensação que
deve receber do homem, e de uma justiça divina que obriga Deus a exigir os seus
direitos.

Algumas interpretações históricas erróneas sobre a redenção, 1

“Os direitos do demónio” (alguns escritos cristãos dos primeiros séculos): ao cometer o
pecado original, o homem ter-se-ia a feito, voluntariamente, escravo do demónio. O
sangue de Jesus seria o resgate, o preço pago ao demónio para livrar o homem da sua
escravidão.

▪ Esta teoria foi combatida por São Gregório de Nazianzo: é errónea, pois interpreta
a redenção segundo os usos humanos (alguém que paga e alguém a quem se
paga) e é alheia à unidade de toda a Escritura, por exemplo quanto ao poder do
demónio, que parece ter direitos absolutos sobre nós.

15
Algumas interpretações históricas erróneas sobre a redenção, 2

▪ Para Lutero, a satisfação (cfr. Santo Anselmo) tem lugar mediante um castigo.
Cristo cai sob a ira de Deus, porque tomou sobre si não só as consequências do
pecado, mas o próprio pecado. Cristo redime-nos por meio de uma “substituição
penal”: toma o nosso lugar e é castigado por Deus em nosso lugar.

▪ Calvino acrescenta que Jesus não só morreu como pecador, mas também que
baixou ao inferno e sofreu as penas dos condenados.

▪ Estas teorias apresentam Deus não como Pai que nos ama, mas como um
soberano vingativo e, além disso, injusto (condena o inocente em lugar do
culpado).

Algumas interpretações históricas erróneas sobre a redenção, 3

Em teorias do séc. XX, Cristo é o mestre, o guia ético e o exemplo de vida. O seu
influxo no homem é só moral: a salvação não nos vem d’Ele, mas é o homem que se
redime a si mesmo autonomamente, seguindo a Cristo. A Sua morte é simplesmente o
símbolo supremo do esforço da humanidade em se livrar do mal.

▪ Nessa corrente há quem pensasse que Cristo seria o modelo de luta contra as
estruturas sociais injustas (teologias da libertação, algumas inspiradas no
marxismo).

A salvação do homem nasce do amor misericordioso de Deus. A redenção é, antes de


tudo, uma intervenção descendente e misericordiosa de Deus na história dos homens.

▪ A salvação também segue a ordem da justiça divina: nenhum homem poderia


satisfazer por toda a linhagem humana. Mesmo que fosse muito santo, não
repararia o pecado senão em si mesmo, e não em todos e cada um dos seres
humanos. (cfr. CIC 616)

▪ A redenção concilia admiravelmente a misericórdia e a justiça divinas. Se o homem


não pusesse algo da sua parte, Deus teria atuado à margem da sua justiça (não
injustamente), movido só pela sua misericórdia. Liberta-nos gratuitamente
(misericórdia) e do modo mais conveniente e digno para nós (justiça).

▪ Aspecto descendente da obra de Cristo: enviado pelo Pai, comunica aos homens
os dons divinos da salvação: revela-nos Deus e comunica-nos a vida
sobrenatural. Veio ao mundo para comunicar aos homens a graça que tira o
pecado e fá-los participantes da vida divina.

▪ Existe uma ordem na distribuição da economia salvadora: primeiro Cristo devia


satisfazer o pecado da humanidade e merecer a sua glorificação juntamente com a
nossa salvação (aspecto ascendente).

16
▪ Uma vez exaltado como Senhor sobre todas as coisas à direita do Pai, dispensa-
nos os bens que nos tinha ganho com o seu sangue e concede-nos o dom do
Espírito Santo (aspecto descendente).

Estes dois aspectos estão estreitamente unidos no desígnio divino: o dom da graça é
fruto do sacrifício de Cristo.

O plano de Deus Pai é que os homens entrem em comunhão Com Ele por meio do
Verbo encarnado. A obra de Cristo deve alcançar cada um dos homens.

▪ É o Espírito Santo, Senhor e dador de vida, quem, com o seu poder infinito,
alcança todos os homens de todos os tempos, e faz com que as ações e méritos
de Cristo se possam aplicar e ter eficácia salvífica em cada um. Torna possível
que cada um possa entrar em comunhão com o Filho de Deus, se incorpore a Ele e
participe da redenção.

▪ O Espírito Santo serve-se da Igreja, “sacramento universal de salvação”(Lumen


gentium 48), para que os homens encontrem Cristo e participem da salvação.

Aula 8
Mediador e cabeça

Mediador é nome de ofício. Aplica-se a quem faz de intermediário entre os que estão
separados para os reconciliar, ou para os unir de alguma forma.

▪ Na economia divina, os mediadores não são primariamente representantes do


povo ante o Senhor, mas representantes de Deus. A aliança e a salvação vêm do
alto; não são obra humana.

▪ “Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, na unidade da sua Pessoa


divina; por essa razão, Ele é o único Mediador entre Deus e os homens” (CIC
480).

Cristo, mediador da Nova e eterna Aliança: as anteriores eram parciais e imperfeitas,


pois não tornavam os homens participantes da intimidade divina. Jesus revela-nos
plenamente o Pai, tira o pecado do mundo e estabelece a verdadeira comunhão de vida
entre Deus e os homens.

▪ Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens: só Ele une os homens a Deus
(Jo 14, 6: “Ninguém vai ao Pai senão por mim”).

▪ Há outros mediadores, mas subordinados a Cristo e participantes da sua


mediação. Existem graus de mediadores subordinados (só Cristo repara o pecado
e comunica a graça por si mesmo):
17
▪ a Virgem Maria Mediadora de todas as graças,
▪ os anjos,
▪ os santos,
▪ os sacerdotes,
▪ todos os cristãos.

▪ 1Tm 2, 5-6: “Há um só Mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo
homem, que se entregou a si mesmo para a redenção de todos”.

▪ Cristo, enquanto Deus, não tem condição de meio (não difere do Pai nem do
Espírito Santo). Tampouco a tem simplesmente pelo fato de ser homem. Tem-na
enquanto o homem cheio de graça e, com a sua entrega (vivificada por tal
plenitude de graça), reconcilia os homens com Deus.

▪ A união hipostática é o fundamento da sua mediação: se Cristo não fosse Deus


feito homem, não teria a plenitude de graça e, portanto, não seria Mediador.

Cristo, Sacerdote da nova Aliança

▪ O sacerdote é mediador entre Deus e os homens. Mas o termo “mediador” tem


mais amplidão que o de “sacerdote”. Nem toda a mediação é sacerdócio (profetas,
reis, etc.). A sua mediação é a principal: consiste em unir e reconciliar os homens
com Deus, tirando o pecado. Oferece sacrifícios para nos reconciliar com Deus.

▪ Cristo é o único e sumo Sacerdote que, com o seu sacrifício, nos reconcilia com
Deus. Qualquer outro sacerdócio (ministerial ou comum) é participação do seu
sacerdócio e subordinado a ele.

▪ O seu sacerdócio é diferente e superior ao levítico, e é eterno.

Cristo, Profeta: mediador e plenitude da revelação

Cristo é muito mais profeta que os profetas do AT e distingue-se de todos eles: “Deus,
tendo falado outrora muitas vezes e de muitos modos aos nossos pais pelos profetas,
nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio de seu Filho” (Hb 1, 1-2).

▪ O Filho de Deus, ao vir a este mundo, como homem, é o mediador perfeito da


revelação, pois manifesta-nos Deus a quem vê e ouve. Ele é a mesma verdade.

▪ Ele é a plenitude da revelação: é a Palavra única e perfeita do Pai. Deus no seu


Verbo disse tudo: não haverá outra palavra além desta. Liberta-nos da ignorância
e do erro.

18
Jesus Cristo, Rei

▪ Cristo apresenta-se como Bom Pastor e Rei: “o povo de Deus participa (...) na
função real de Cristo. Cristo exerce a sua realeza atraindo a si a todos os homens
pela sua morte e ressurreição. Cristo, Rei e Senhor do universo, fez-se o servo de
todos, pois “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida como resgate
pela multidão’ (Mt 20, 28). Para o cristão, ‘reinar é servi-Lo’ (Lumen gentium 36)”
(CIC 786).

▪ A Igreja também apresentou Cristo como Legislador (dá-nos a nova Lei da graça e
da caridade), ou como Juiz (dispensa a graça e o perdão dos pecados, e premeia
com a glória).

▪ Deus quis que a humanidade tivesse o seu princípio em Adão. Este pecou não só
como pessoa individual, mas também como cabeça do género humano, e a sua
ação implicava toda a sua descendência (cfr. Rm 5, 12-19). Cristo é o “novo” ou
“segundo” Adão.

▪ Deus quis que Jesus Cristo fosse o princípio e a causa da vida sobrenatural de
todos, o início de uma humanidade redimida.

▪ Adão e Cristo são princípios de todo o género humano: o primeiro, quanto à


natureza e ao pecado; Cristo, quanto à salvação.

▪ Cristo é o homem novo e perfeito, superior a Adão e a todos os homens, o


exemplar de todos os outros.

Cristo, enquanto homem, é Cabeça do género humano. Tem a mesma natureza dos
homens e é solidário com todos eles.

▪ É Cabeça dos homens, porque tem uma preeminência sobre eles pela sua
plenitude de graça, em virtude da qual é o mais perfeito e o exemplar de cada
um dos homens.

▪ É Cabeça do género humano, porque é o princípio da graça de todos os homens,


o salvador de todos eles.

▪ O fundamento ou raiz da plenitude de graça de Cristo homem é a união


hipostática: se Cristo não fosse Deus feito homem, não seria Cabeça do género
humano.

▪ Solidariedade de Cristo com o género humano:

▪ física, de sangue (compartilha a nossa natureza, é filho de Adão);

▪ moral e intencional pelo amor (nasce da livre vontade de Jesus, do seu amor,
virtude que une e identifica o amante com o amado e que faz com que
19
as coisas do amado sejam sentidas como próprias; “amou–me e entregou-se a
si mesmo por mim” (Gl 2, 20).

▪ Cristo representa os homens diante de Deus e oferece-se por todos, mas não nos
substitui, propriamente: não decide por nós, dado que devemos arrepender-nos dos
pecados e incorporar-nos voluntariamente a Ele como seus membros; e tão- pouco
nos poupa nesta vida as penas do pecado, morte incluída.

Aula 9
Mistérios da vida terrena de Cristo

“Toda a vida de Cristo é mistério de redenção. A redenção vem-nos, antes de mais, pelo
sangue da cruz. Mas este mistério está atuante em toda a vida de Cristo” (CIC 517).

▪ CIC 517 acrescenta “Já na sua Encarnação, pela qual, fazendo-se pobre, nos
enriquece com a sua pobreza; na vida oculta que, pela sua obediência, repara a
nossa insubmissão; na palavra que purifica os seus ouvintes; nas curas e
expulsões de demónios, pelas quais «toma sobre Si as nossas enfermidades e
carrega com as nossas doenças» (Mt 8,17); na ressurreição, pela qual nos
justifica”.

▪ Jesus, em todas as suas obras “manifesta plenamente o homem ao próprio


homem” (Gaudium et spes 22). E todos os seus atos são exemplo e ensinamento
de vida para nós.

▪ Mistério do Nascimento: começou a redenção, o “admirável intercâmbio” pelo


qual o Criador do género humano, fazendo-se homem e nascendo de uma virgem,
nos faz participantes da sua divindade.

▪ Epifania: manifestação de Jesus como Salvador do mundo.

▪ Apresentação de Jesus no templo: Jesus é reconhecido como “sinal de


contradição”; a espada de dor predita à Virgem anuncia a cruz.

▪ Fuga para o Egipto e matança dos inocentes: toda a vida de Cristo estará sob o
sinal da perseguição.

▪ A vida corrente de Jesus: o Verbo eterno redimiu e santificou assim todas as


realidades nobres com que está entretecida a vida comum dos homens.
Obediência de Jesus no quotidiano.

▪ Vida de família: Jesus santifica-a; vida de trabalho: Jesus dedicou a maior parte da
sua vida ao seu trabalho, com perfeição e espírito de serviço.

▪ O seu trabalho converte-se em tarefa divina, em “realidade redimida e redentora:


é não só âmbito em que o homem vive, mas também meio e caminho de
20
santidade, realidade santificável e santificadora” (São Josemaría, Cristo que
Passa 47).

Achado no Templo: cumpre a vontade divina, mesmo com sacrifício e


incompreensão.

Misterios da vida pública, 1

▪ No seu baptismo Jesus é manifestado como Filho de Deus e Messias, e a partir de


então começa o seu ministério público. É modelo do baptismo cristão (faz-nos
filhos de Deus, o Espírito Santo desce sobre nós e abre-nos o acesso ao Céu).

▪ As tentações de Cristo fazem parte da sua vitória sobre o Maligno. Cristo dá-nos
exemplo de como lutar contra o Maligno e vencê-lo. “Foi provado em tudo à nossa
semelhança, exceto no pecado” (Hb 4, 15).

Mistérios da vida pública, 2

A atividade de Jesus durante a sua vida pública centra-se na pregação do Reino de


Deus. A sua pregação é acessível, simples e clara, ao mesmo tempo que é exigente.

▪ Jesus acompanha a sua doutrina com milagres. São sinais do Messias anunciado,
sinais da sua missão e da sua divindade.

▪ São começo e sinal da libertação definitiva: antecipam a grande vitória de Jesus


sobre o “príncipe deste mundo”, que será definitivamente estabelecida com a cruz.

Aula 10
Paixão e morte

▪ Na Morte de Jesus, sobrepondo-se às causas históricas imediatas - o Sinédrio,


Pilatos, os soldados - há uma causa de nível mais elevado que só pode ser
conhecida pela revelação: o plano e a disposição de Deus que permitiram os atos
nascidos da cegueira dos homens para realizar o desígnio da nossa salvação.

▪ Deus quer que o homem se arrependa do pecado e expresse o seu


arrependimento interior com obras externas de penitência, obras de entrega à
vontade divina.

▪ As penas derivadas do pecado ordenam-se à reparação do mesmo. Deus permite-


as, porque são medicinais e se ordenam a um bem maior: a vida sobrenatural.

▪ No plano divino, a dor purifica a alma, tira o obstáculo da própria vontade que nos
afastou de Deus, serve, com a ajuda da graça, para reparar a desordem do pecado
no homem. Com a obra salvadora de Cristo, o sofrimento, sequela do pecado
original, passa a ter um sentido novo.

21
▪ A reparação plena dos pecados dos homens dá-se pela Paixão e Morte de Cristo.

▪ Deus Pai não é causa direta da Morte de seu Filho. Permitiu-a, porque daí viria um
bem maior. Entregou Cristo à Paixão e Morte, porque as dispôs, segundo a sua
eterna vontade, para reparar os pecados do género humano. Valor imenso da
salvação das almas para Deus.

▪ Autores da Paixão de Cristo (sua causa eficiente): os que tinham a intenção de O


matar, O condenaram e Lhe fizeram sofrer os tormentos que causaram a sua
morte. Por detrás deles, atua Satanás, homicida desde o princípio (cfr. Jo 8, 44).
Mas também os pecadores são autores da Paixão: “a Igreja não hesita em imputar
aos cristãos a mais grave responsabilidade no suplício de Jesus” (CIC 598).

▪ Nostra aetate 4: “Ainda que as autoridades dos judeus com os seus seguidores
reclamassem a morte de Cristo, o que se perpetrou na sua paixão não pode ser
imputado indistintamente a todos os judeus que viviam então nem aos judeus de
hoje (...). Não se podem apontar os judeus como reprovados por Deus e malditos,
como se tal coisa se deduzisse da Sagrada Escritura”.

▪ Cristo aceitou livremente a sua Paixão e a sua Morte, por amor a seu Pai e aos
homens, que o Pai quer salvar. Entregou-se, livre e voluntariamente, à Paixão, por
nosso amor. Mas essa entrega não significa, de modo algum, que se matou a si
mesmo, mas apenas que não impediu, podendo fazê-lo, a ação dos que O
condenaram à morte.

▪ Fl 2, 8: “Humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de


cruz”.

▪ Trata-se de uma obediência vivida por amor. O verdadeiro amor a Deus mostra-se,
cumprindo livremente a sua vontade.

▪ Jesus padeceu por parte dos judeus, dos gentios e dos que o seguiam (Judas,
Pedro, abandono...).

▪ Padeceu na sua alma: todos os pecados dos homens, tristeza e temor perante a
morte certa, queda de Judas, escândalo dos seus discípulos, humilhações,
injustiças, burlas e insultos.

▪ Padeceu no seu corpo: flagelação, coroação de espinhos, crucifixão, agonia na


cruz até à morte.

▪ “Mérito” é o direito a um prémio ou retribuição por uma obra realizada. Em


relação a Deus, o homem propriamente não tem qualquer direito perante Deus. Se
se pode merecer algo diante de Deus, é porque Ele, prévia e livremente,
estabeleceu retribuir algumas ações nossas nascidas do amor. Na Escritura, não
aparece a palavra, mas sim o seu conteúdo.

22
▪ Todas as ações de Cristo são meritórias (nascem do seu amor e liberdade) e obtêm
do Padre a nossa salvação. Mas, na sua Paixão, mereceu de modo particular.

▪ Cristo mereceu a vida sobrenatural para todos os homens e, para todos também,
a graça que tira o pecado: ofereceu-se por nós como nossa Cabeça.

▪ Satisfação = reparação de uma falta ou ofensa, mediante a entrega de alguma


compensação. Com Deus, analogia: significa a ação que Deus requer do homem
para cancelar o seu pecado (arrependimento, obras de penitência).

▪ CIC 615: “Pela sua obediência até à morte, Jesus realizou a ação substitutiva do
Servo sofredor, que oferece a sua vida como sacrifício de expiação, ao carregar
com o pecado das multidões, que justifica carregando Ele próprio com as suas
faltas (cfr. Is 53, 10-12). Jesus reparou as nossas faltas e satisfez ao Pai pelos
nossos pecados”.

A Paixão de Cristo satisfaz pelos pecados do mundo. É uma satisfação vigária: “Ele
justo, pelos injustos” (1 P 3, 18).

▪ O Filho de Deus, Santo e Justo, mas feito solidário por amor conosco, pecadores,
representando-nos a todos e levando as penalidades do nosso pecado, como
vítima do pecado, intercede por todos para cancelar a nossa falta. Assim se devem
interpretar alguns textos da Escritura como 2 Cor 5, 21 (“Àquele que não tinha
conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós”) ou Gl 3, 13 (“nos resgatou da
maldição da Lei, feito maldição por nós”).

▪ Sacrifício é o oferecimento feito a Deus de algo próprio, sinal da entrega interior


a Deus e da renúncia a si mesmo, para nos reconciliar com Ele.

▪ O valor do sacrifício exterior está em ser sinal do sacrifício interior ou espiritual


(entrega da alma a Deus por amor), elemento principal do sacrifício.

▪ A Paixão é um sacrifício, porque nela Cristo se oferece voluntariamente a seu Pai


para reconciliar os homens com Deus. Por parte dos que o crucificaram, a Paixão
não foi nenhum sacrifício, mas iniquidade; mas por parte de Cristo, que padecia
livremente e por amor, foi um ato supremo de entrega, um verdadeiro sacrifício.

▪ Cristo não só mereceu que Deus Pai nos outorgue a graça, sim também que o
próprio Cristo é quem no-la comunica. Como a vida das varas procede da vide, a
salvação de cada um procede da nossa Cabeça.

▪ A causa eficiente principal da graça da salvação só pode ser Deus; mas Deus
produz esta graça em nós, mediante a humanidade de Jesus Cristo, que é o
instrumento da divindade para comunicar – e não só para merecer – todas as
graças aos homens.

23
▪ As ações realizadas por Cristo no passado têm um poder divino e alcançam, com a
sua eficiência, toda a história.

▪ A contemplação da Paixão de Cristo move-nos a amá-lo, dado que Ele nos deu
provas da verdade e da grandeza do seu amor. Move-nos à contrição, à
conversão, a evitar o pecado (apreciamos mais claramente a sua malícia), a seguir
Cristo e a imitá-lo e à generosidade para abraçar a vontade de Deus (mesmo que,
por vezes, suponha carregar a cruz).

▪ A Paixão de Cristo ensina-nos o sentido da dor: Jesus não eliminou os nossos


sofrimentos, nem nos evita a morte, mas transformou-os. Agora essas
penalidades não são uma simples pena do pecado, antes servem de purificação e
de mérito, são participação da sua cruz e da sua obra redentora, são caminho da
salvação e da verdadeira vida.

Aula 11
Glorificação

Para o racionalismo só são “históricos” os acontecimentos cujas causas e efeitos são


intramundanos e comprováveis pela experiência. Por isso, segundo a crítica histórica,
na mente dos discípulos, foi-se formando, pouco a pouco, a crença da ressurreição, que
realmente nunca aconteceu: foi a fé em Jesus que criou a ideia da ressurreição.

▪ Outros autores, ainda que aceitando a verdade da Ressurreição, classificam-na


como acontecimento “a-histórico” ou “meta-histórico” e não “histórico”. Risco de
negá-la, porque, na linguagem usual, o que não é histórico não se pode dizer
que tenha acontecido verdadeiramente.

▪ A Escritura insiste de muitas formas na realidade da Ressurreição (ex. Lc 24, 34:


“Na verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!”). A Tradição repete que
Jesus ressuscitou verdadeiramente. É um acontecimento real ocorrido num
momento preciso de lugar e de tempo, com manifestações historicamente
comprovadas por testemunhos fiáveis que no-lo transmitiram.

▪ Sinais suficientes para poder afirmar que verdadeiramente sucedeu: o sepulcro


vazio e a comprovação pelas aparições de Jesus ressuscitado.

▪ Goza pelo menos da mesma historicidade que qualquer outro sucesso real
acontecido no passado.

▪ CIC 643: «Perante estes testemunhos, é impossível interpretar a Ressurreição de


Cristo fora da ordem física e não a reconhecer como um fato histórico. Resulta
dos fatos que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e morte
de cruz do seu Mestre (...). Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de
exaltação mística, os evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos (de ‘rosto
sombrio”: Lc 24, 17) e apavorados».

24
▪ Por isso não creram nas santas mulheres que regressavam do sepulcro e as suas
‘palavras pareciam-lhes como que um delírio’ (Lc 24, 11). Quando Jesus se
manifesta aos onze na tarde de Páscoa, ‘censurou-lhes a sua incredulidade e
dureza de coração, por não terem dado crédito aos que O tinham visto ressuscitado’
(Mc 16, 14)”.

CIC 644: “Pelo contrário, a sua fé na Ressurreição nasceu – sob a ação da graça
divina – da experiência direta da realidade de Jesus ressuscitado”.

▪ “Acontecimento histórico comprovado pelo sinal do sepulcro vazio e pela realidade


dos encontros dos Apóstolos com Cristo ressuscitado, nem por isso a
Ressurreição deixa de estar, naquilo que transcende e ultrapassa a história, no
próprio centro do Mistério da fé” (CIC 647).

▪ A Ressurreição é objeto de fé enquanto:

1) intervenção transcendente do próprio Deus na história: é obra da Santíssima


Trindade;
2) glorificação de Cristo (perfeita participação da sua humanidade na vida divina);
3) ao sentido e valor salvífico que tem para nós (Cristo ressuscitado é nosso
Salvador que nos livra do pecado e nos comunica a vida de Deus).

▪ Segundo as Escrituras, o Pai ressuscita Jesus (ex. At 2, 24), o Filho ressuscita por
própria virtude e poder (ex. Jo 10, 17-18), o Espírito Santo ressuscita Jesus (ex.
Rm 8, 11). É uma obra da omnipotência divina comum às três Pessoas divinas
da Santíssima Trindade (ex. 2Cor 13, 4).

▪ A Ressurreição de Cristo não é um regresso à vida terrena, mas uma passagem à


outra vida para lá do tempo e do espaço. O Seu corpo é glorioso: é, ao mesmo
tempo, autêntico (material) e espiritual. Pode aparecer onde, quando e como quer
(propriedades de agilidade e subtileza); é glorioso e incorruptível e imortal
(propriedades de glória e impassibilidade).

▪ “A Ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo,


acreditada e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã,
transmitida como fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do
Novo Testamento, pregada como parte essencial do Mistério Pascal, ao mesmo
tempo que a Cruz” (CIC 638).

▪ A Ressurreição de Cristo revela a sua divindade (mas é precisa a fé para a captar


e confessar, pois nas suas aparições a divindade não é visível). Revela também
que Cristo é o Salvador do mundo: ainda que, desde a sua Encarnação, Jesus era
o Filho de Deus e o Messias, foi na sua Ressurreição que se manifestou a sua
condição de Salvador poderoso de todos os que creem n’Ele.

25
▪ A Ressurreição de Cristo confirma a veracidade da sua doutrina. É o “sinal de
Jonas” (Mt 12, 38), o Templo reconstruído em três dias [“falava do santuário do seu
corpo” (Jo 2, 20-21)].

▪ Os judeus entenderam o significado das suas palavras: puseram guardas no


sepulcro e selaram-no (cfr. Mt 27, 62-66).

▪ A Ressurreição de Cristo é princípio e causa da nossa ressurreição futura. É


também princípio da nossa ressurreição espiritual, a fonte da nova vida da alma.

A graça que nos liberta do pecado e nos faz justos provem do Ressuscitado: é
participação da vida divina, faz-nos filhos de Deus.

A Ascensão do Senhor é um acontecimento ao mesmo tempo histórico e


transcendente.

▪ Com a Ascensão, completa-se a manifestação da glória de Cristo começada com


a sua Ressurreição.

▪ Jesus Cristo, Cabeça da Igreja, precede-nos: com a sua Ascensão, abriu-nos o


acesso à vida e à felicidade de Deus no céu.

▪ Jesus Cristo, Sacerdote da nova e eterna Aliança, no céu intercede sem cessar
por nós. Constituído Senhor com poder à direita do Pai, comunica-nos os dons
divinos pela ação do Espírito Santo.

A versão grega do AT (LXX) traduziu o nome de Yahvé com que Deus se revelou a
Moisés (Ex 3, 14) por “Kyrios” (Senhor). Desde então, foi o nome mais habitual para
designar Deus.

▪ O NT utiliza o título “Senhor” para Jesus: expressa assim a divindade de Cristo.

▪ A ação de se sentar à direita do Pai significa a entronização de Jesus como Rei e


a inauguração do seu reinado. É Rei desde a sua Encarnação (cfr. Lc 1, 33; Jo 18,
33-37), mas também por nos ter resgatado com o preço de seu sangue, e
manifesta-se como “Rei dos reis e Senhor dos senhores” a partir da sua
glorificação.

O seu reino é sobrenatural, eterno e não terá fim. O seu reinado é universal.

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Aula 12
Frutos da Redenção

▪ A vontade salvífica universal de Deus centra-se em Cristo. Quer que todos os


homens se salvem participando da redenção do seu Filho feito homem: “Cristo
morreu por todos” (2 Cor 5, 15).

▪ Chama-se “redenção objetiva” à obra do Redentor, tanto na sua vida terrena,


como desde o céu na sua vida gloriosa, com a cooperação do Espírito Santo.
Esta obra é causa da salvação.

▪ Chama-se “redenção subjetiva” à participação dos frutos da obra de Cristo em


cada um dos homens. Pela ação dele do Espírito Santo, Cristo oferece a cada
homem a salvação, mas o homem pode rechaçar a graça que lhe é oferecida.

▪ A omnipotência divina alcança todos os homens e faz que as ações e méritos de


Cristo se possam aplicar e possam ter eficácia salvífica em cada um. Ainda que
esse poder seja comum às três Pessoas divinas, é costume atribui-lo ao Espírito
Santo.

▪ A Igreja, cuja Cabeça é Cristo, tem uma relação indispensável com a salvação de
cada homem. É “sacramento universal de salvação” (Lumen gentium 48). Toda
e qualquer a graça provém de Cristo, é comunicada pelo Espírito Santo, e está
misteriosamente relacionada com a Igreja. “Esta Igreja, peregrina na terra, é
necessária para a salvação. Só Cristo é mediador e caminho de salvação: ora, Ele
torna-se-nos presente no Seu Corpo, que é a Igreja” (Idem 14).

▪ O homem tem que se incorporar livremente a Cristo e assim pode receber os


frutos da sua obra redentora. O homem une-se a Cristo pela fé viva e pelos
sacramentos da Igreja.

▪ Fé viva: ninguém pode salvar-se sem a fé, que é o fundamento e a origem de


qualquer justificação. A fé viva atua pela caridade, está acompanhada pelo
arrependimento e por obras.

▪ Sacramentos: fazem-nos participar dos frutos da Redenção. Entre eles destacam-


se o Baptismo (sem ele não há união com o nosso Salvador, nem vida
sobrenatural, e é necessário para a salvação) e a Eucaristia (faz os fiéis que o
recebem uma coisa com Ele, e comunica-lhes a vida eterna).

Certamente Deus concede a todos os homens a graça que salva (dada por meio de
Cristo no Espírito, e que tem relação com a Igreja). Mas desconhecemos o modo como a
graça chega aos não cristãos. É claro que cada um deles terá que acolher livremente
esse dom divino para se salvar.

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▪ Efeitos da obra redentora de Cristo nos homens:

1) liberta-nos do pecado, quer quanto à culpa, quer quanto à pena, no que se refere
tanto à alma, como ao corpo: da ignorância e da tristeza, da desordem das
paixões, da dor e da morte (purificação e caminho para a glória);

2) faz-nos participantes da vida divina e conseguiu-nos a vida eterna.

Outros efeitos da obra de Cristo:

1) reconciliação, comunhão e amizade com Deus;


2) renovação interior do homem novo pela participação da vida divina;
3) libertação da morte e ressurreição dos corpos.

▪ Na reparação da vida da alma, dois aspectos: libertação do pecado pela Paixão,


nova vida da alma pela Ressurreição de Cristo.

▪ Na reparação da vida corporal também: destruição da morte pela Morte de Cristo,


nova vida do nosso corpo ou ressurreição pela Ressurreição de Cristo.

▪ A salvação é uma realidade principalmente escatológica: será completa quando


Cristo reaparecer com glória no fim do mundo e todos os seus inimigos ficarem
debaixo dos seus pés.

▪ Agora já alcançamos a salvação (o mundo já está salvo), conquanto ainda não


seja completa. Agora já possuímos realmente a semente da vida eterna e, por
isso, temos a certeza de receber os seus frutos em plenitude.

▪ Maria não só recebeu a mais perfeita participação dos frutos da salvação (sem
pecado, cheia de graça, em corpo e alma no Céu), como também foi associada, de
modo singular e eminente, à pessoa de Cristo e à sua obra redentora. É nossa
Mãe na ordem da graça.

▪ É Mediadora na obra salvífica de Cristo, unida a seu Filho. E “a Igreja não hesita
em atribuir a Maria uma função assim subordinada; sente-a até continuamente, e
recomenda-a ao amor dos fiéis, para que, apoiados nesta proteção maternal, se
unam mais intimamente ao Mediador e Salvador” (Lumen gentium 62). Vai-se e
volta-se a Jesus por Maria.

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