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14/08/2023, 22:11 As relações entre direitos humanos e tecnologia

DOE

Entendendo as relações entre direitos humanos e


tecnologia
Direitos Humanos

Privacidade - Termos

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Em uma civilização de dados, algoritmos e ciborgues, ainda estamos descobrindo como traçar uma
conversa entre direitos humanos e tecnologia na atualidade. Há espaço para estes direitos no século
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XXI?

Viver na civilização dos dados nos aponta para caminhos pouco explorados pela humanidade e, por
isso, cheio de questionamentos e lacunas. Para iniciarmos essa conversa entre direitos humanos e
tecnologia, esse artigo vai te apresentar algumas informações em torno de três perguntas:

1. Quanto valem os seus dados?


2. O que ou quem está por trás dos algoritmos?
3. Ciborgues já existem?

Publicado em 20/08/2020.

Quanto valem os seus dados?

Nessa civilização, os dados são a grande moeda de troca e vale nos perguntarmos pelo o que esses
dados estão sendo trocados. Quando compartilhamos nosso hábitos na internet em troca de
relacionamentos – e, às vezes, por likes – ou autorizamos a geolocalização em nossos smartphones em
troca da comodidade de saber que comércios estão abertos na região, a nossa privacidade está em
jogo. Isso ficou ainda mais evidente a partir de escândalos envolvendo o Google e propósitos
militares e vazamento de dados do Facebook que podem ter alterado os resultados das eleições nos
EUA em 2016.

Além da privacidade, talvez a nossa própria liberdade também esteja em jogo.

Toda a publicidade que nos impacta na internet parece tão assertiva não por acaso, mas porque os
nossos dados compartilhados voluntariamente por nós foram transformados em informações valiosas
para nos segmentar e nos tornar mais atrativos para a indústria do marketing digital. No momento em

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que deixamos de nos perguntar e buscar o que queremos, e passamos a uma postura mais reativa ao
que nos é tão facilmente apresentado em um anúncio online, nossa liberdade corre perigo. 

Não há como falar da nossa prostração diante dos dados sem falar do historiador Yuval Harari, que
define que os dados podem ser o elemento criador de uma nova religião em nossa sociedade: o
dataism ou dataísmo. Assim como aqueles que são cristãos, budistas, muçulmanos, de religiões
africanas e tantas outras possuem e seguem um sistema de crenças que guia seus comportamentos,
com o dataísmo não é diferente. Ele sugere que nossos valores e comportamentos já estão sendo
influenciados e pautados pela dinâmica em torno da coleta, compartilhamento, comercialização e uso
dos dados.

O que ou quem está por trás dos algoritmos?


A cultura da informação em que estamos inseridos pode servir para a erradicação das desigualdades
sociais, no entanto, da mesma forma ela também tem potencial para continuar perpetuando
preconceitos e violações de direitos. O que, então, define o caminho a ser construído?

Para a pesquisadora Safyia Nobles, professora associada na Universidade da Califórnia, em Los


Angeles, no Departamento de Estudos da Informação, nós – sociedade civil – precisamos estar cientes
dos impactos da internet em nossas vidas, assim como das nossas atividades no ambiente online.
Safyia é conhecida pelo seu trabalho interdisciplinar e sociológico, acerca das consequências da mídia
digital e suas intersecções com raça, gênero, cultura e tecnologia. Ela é também autora do livro
Algorithms of Oppression: How Search Engines Reinforce Racism (Algoritmos da Opressão: Como
sistemas de busca reforçam o racismo), no qual nos apresenta a sua vasta pesquisa sobre como os
algoritmos, ou seja, uma combinação de dados, pode reproduzir padrões preconceituosos na internet
e em inovações tecnológicas, impedindo-nos de romper com uma cultura desigual naturalizada em
nossa sociedade. 

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Dinah PoKempner, conselheira geral da Human Rights Watch (HRW), lembra-nos que a civilização dos
dados, que impulsiona o diálogo entre direitos humanos e tecnologia, se estabelece em um mundo
de preconceitos, pobreza e injustiças.

Logo, dados incompletos ou que emitem preconceitos reforçam a discriminação, tanto no âmbito interpessoal quanto em
esferas de tomadas de decisões com interferência na vida de cidadãos e cidadãs.

A pesquisadora nos chama atenção para duas causas desse problema: a primeira é a falta de
representatividade na área de tecnologia; e a segunda é a falta de regulamentação ética em especial
em torno do machine learning – que é quando novos algoritmos se formam a partir de outros
algoritmos pré-determinados, algo como a máquina aprendendo com a própria máquina, sem
interferência humana no decorrer do processo. 

Vamos pensar nos sites de busca. Esse espaço são como espelhos do sistema de crenças dos usuários.
Safyia relata em seu livro as vezes em que buscou pelo termo “black girls” (meninas negras) no Google,
o maior site de buscas do mundo. Os resultados foram assustadores, associados quase sempre à
pornografia e à objetificação da menina e da mulher negra. 

Nesse caso é necessário pensar quem lê meninas negras dessa forma. Seriam as próprias meninas
negras? Difícil! Mais provável que seja um grupo hegemônico e poderoso financeiramente que possui
uma leitura preconceituosa sobre tais meninas e que tem vantagens em construir e sustentar esse
estereótipo. 

Ainda sobre esse exemplo, quando a máquina aprende com a própria máquina sobre “meninas
negras” é majoritariamente um conteúdo preconceituoso que define esse termo e essas vidas.
Posteriormente, tais dados podem ser utilizados de forma indevida, classificando meninas negras
como inadequadas para compor determinada comunidade online ou mesmo adentrar determinados
espaços offline, uma vez que suas histórias, em dados, se resumem a corpos objetificados, destinados
ao prazer sexual de outros.

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Com o tempo, o machine learning pode nos fazer perder a fé em nossa habilidade de discernir a
verdade, como afirma a conselheira da HRW Dinah. Ela ainda sugere que sem ninguém para  assumir
a responsabilidade por decisões erradas e posturas violadoras, será quase impossível reivindicar pela
garantia de direitos humanos. 

O que Safyia afirma é que, a menos que o Google – site em questão – determine mecanismos para
ordenar os resultados de sites e imagens com uma outra lógica – uma lógica ética – preconceitos serão
perpetuados e teremos consequências graves quanto a isso. 

Ciborgues já existem?
Você já se pegou perguntando “onde começa o humano e termina a máquina?”. Esta é uma questão
que nos confronta na leitura do livro Antropologia do ciborgue, no artigo do pesquisador Tomaz
Tadeu, professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Para ele, essa talvez seja uma das questões mais importantes do nosso tempo. 

Diferente de discutir sobre os meios de comunicação como extensão de nossos corpos, como
apontava Mac Luchan nos anos 1970, agora a discussão subiu para outro patamar. Por exemplo,
quando a câmera fotográfica surgiu, uma inovação tecnológica do século XIX, falávamos do quanto
esse aparelho representava a extensão dos nossos olhos humanos, inclusive porque ela foi criada
inspirada neles. Agora, no ponto em que estamos, devemos discutir sobre câmeras de captura de
imagens que podem ser implantadas no lugar de um olho humano e as consequências dessa nova
condição humana. Como é o caso de Rob Spence, conhecido como Eyeborg. Esse novo humano que é
parte orgânico e parte artificial pode ser chamado de ciborgue. 

Se por um lado, o humano passa por um processo de eletrificação, por outro, a máquina parece estar
sendo humanizada, como afirma Tadeu. Para ele, o ciborgue representa muito bem esse nosso
momento atual, em que vivemos a pós-modernidade, a pós-verdade.

O ciborgue é a representação do pós-humano. 

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No entanto, um ciborgue não é apenas um humano com elementos elétricos, feitos de silício –
matéria-prima básica de circuitos eletrônicos e chips -, em seu corpo. Hari Kunzru, um jornalista e
escritor nascido em Londres, de pai indiano e mãe britânica, é um brilhante questionador do nosso
tempo e é ele quem nos provoca a pensar sobre os melhoramentos que vêm sendo feitos em corpos
humanos até antes mesmo da crescente tecnológica do século XXI. Como exemplo, ele cita os
alimentos energéticos para bodybuilding e os equipamentos esportivos, como calçados e roupas para
atletas de elite, nos apontando para a concepção do corpo humano como uma máquina de alta
performance. 

É nesse contexto de humanos melhorados – seja com elementos elétricos implantados ao corpo ou
com produtos que podem ser adquiridos, consumidos, alterando a estrutura corporal – que, em uma
conversa entre Kunzru e Donna Haraway entendemos que a tecnologia não é neutra. Donna Haraway
é bióloga, professora de História da Consciência na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, e
feminista. Seu trabalho mais famoso é o Manifesto ciborgue, texto também presente no livro
Antropologia do ciborgue. 

Haraway contesta a neutralidade da tecnologia lembrando que, ao mesmo tempo que fazemos parte
daquilo que temos criado, o que temos criado também tem feito parte de nós. No entanto, essa
conexão não é inclusiva, deixando algumas pessoas à margem dessa rede. É aí que ela nos provoca a
pensar sobre quem vive e quem morre na tecnocultura. 

A reflexão em torno dos ciborgues ou dos pós-humanos ou ainda dos transhumanos, necessariamente
passa pelo entendimento do corpo humano como parte formadora de nossa identidade, de nossa
humanidade – tanto quanto as nossas experiências e a nossa ancestralidade. 

No livro Homo Deus: uma breve história do amanhã, Yuval Harari, afirma que a maneira como o corpo
humano tem sido lido desde o começo do século XXI aponta para uma medicina mais preocupada em
melhorar os saudáveis do que em curar os doentes, visto que o desejo desse tempo está muito mais
associado com a busca pela imortalidade do que pela sobrevivência. O que não muda em nada os
problemas sociais em torno de pessoas que literalmente sobrevivem um dia após o outro. 

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Portanto, em uma sociedade em que podem existir humanos melhorados, enquanto outros
permanecem tentando sobreviver, é fundamental perguntar quem pode ou poderia ser beneficiado
por essas inovações? Elas diminuiriam ou aumentariam as desigualdades já existentes entre os seres
humanos?

Três ações que cabem a você nesta conversa entre direitos


humanos e tecnologia

O cenário apresentado aqui neste artigo pode parecer fatalista ou distante, mas a verdade é que ele já
é uma realidade no século XXI e o que viveremos daqui para frente serão desdobramentos e avanços
dessas perspectivas abordadas aqui. 

De forma alguma queremos dizer que esses novos caminhos são ou serão ruins e nem encabeçaremos
um movimento para parar o crescimento tecnológico, mas  pautamos esse debate com o intuito de
estimular o senso crítico e o diálogo. 

Ao passo que as grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, movem-se rapidamente,
nós – sociedade – precisamos estar cientes do jogo que está sendo jogado e que papel nós estamos –
ou não – desenvolvendo nele. 

Com base nos pensamentos das pesquisadoras e pesquisadores apresentados aqui nesse artigo,
apontamos três ações que devem nos orientar quando o assunto é direitos humanos e tecnologia no
século XXI. 

1. Exigir transparência 

A transparência na gestão dos dados pode ser uma forma de mitigar a reprodução de preconceitos,
com testes ou auditoria do processo de machine learning, sendo possível sugerir correções no

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percurso. A exigência de um processo transparente também diz respeito à cobrança por políticas
públicas regulatórias da internet e das inovações tecnológicas, que definam padrões éticos.

2. Encorajar o aperfeiçoamento humano

A solução para posturas humanas inadequadas não está na substituição de humanos por máquinas ou
ainda na redução do trabalho humano. No entanto, devemos enxergar o aperfeiçoamento humano
como um caminho. Por aperfeiçoamento podemos entender o desenvolvimento do senso crítico, de
habilidades relacionadas à inteligência emocional, e uma maior compreensão de corresponsabilidade
em um mundo em que coexistimos. 

3. Entender que tecnologia também é uma questão de direitos humanos

Direitos humanos, enquanto direitos que garantem vida digna a todas as pessoas, está diretamente
conectado com a pauta das inovações tecnológicas do século XXI. Enquanto existir humanos, existirá
direitos humanos. Devemos nos preocupar com a ética – ou a falta dela – na gestão de dados, no
desenvolvimento de algoritmos e na convivência com ciborgues. Todos esses elementos nos levam,
em alguma medida, para as perguntas: quem vive? Quem merece viver? Em que condições? E,
portanto, todas são pautas de direitos humanos. 

Na tentativa de continuarmos construindo um mundo mais justo socialmente, dialogar sobre as novas
tecnologias no século XXI e a sua relação com humanos e, portanto, com direitos humanos, é urgente
e fundamental. 

A redução das desigualdades sociais pode acontecer de forma impressionante neste século se
humanos e máquinas trabalharem juntos, com o melhor potencial de cada um e, o principal, de forma
ética. Ainda há muito espaço para direitos humanos no século XXI. 

Algumas referências que utilizamos para escrever sobre direitos


humanos e tecnologia (e que vale a pena ler!)

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Antropologia do ciborgue : as vertigens do pós-humano / organização e tradução Tomaz Tadeu – 2. ed.


– Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2009.

NOBLE, S. U. Algorithms of Oppression: how search engines reinforce racism. NYU Press, 2018.

POKEMPNER, Dinah. Can algorithms save us from human error. Disponível em:
<https://www.hrw.org/world-report/2019/essay/can-algorithms-save-us-from-human-error>. Acesso em:
10 maio. 2020. 

Para mais conversas sobre direitos humanos e tecnologia, continue acompanhando o blog! 

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