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Brasília
20/07/2023
E eu tô do mesmo lado que você
E eu tô no mesmo barco que você
Então, pensa, ouve e vive a música
Pitty, 2003
Introdução
Pitty em seu álbum “Admirável Chip Humano” (2003) que completa 20 anos em 2023, é
repleto de críticas à sociedade do controle e seus efeitos, enfatizando um verso de uma delas:
Associado ao episódio “Quedra livre” da série estadunidense Black Mirror (2016), o cenário é
estabelecido por cada ser possuir médias avaliativas, tudo o que faz tem uma nota, ao final do
episódio a personagem principal, Lacie, após uma consecutividade de avaliações ruins ela é
levada presa e tem suas “lentes de avaliação” e seu celular retirado, após isso, pode perceber
como a realidade é.
Esse ensaio busca relacionar as questões da sociedade do controle correlacionando com o
neoliberalismo de modo que perceba os efeitos na coletividade e as interferências nos
processos de construção de si mesmo e de sua subjetividade. É dividido em quatro parte
principais, a primeira destacando Foucault e Deleuze, algoritmos e funcionamentos
tecnológicos, a segunda explora a ideia de autenticidade e performance, a terceira uma maior
ênfase no neoliberalismo e enfim a quarta sobre a autoestima da mulher negra.
O agenciamento de vida através de um objeto, o celular, é tão real que ultimamente tem
havido criações como “cardápio qr code” que promovem a exclusão de quem não possui o
celular, destacando também o estranhamento quando vemos alguém que não o possui,
questionamentos do tipo “como essa pessoa vive?”. Situações como o aplicativo Waze e
Google Maps, que te indicam a melhor rota e os melhores lugares para serem visitados, ou
então as notificações constantes do Ifood te indicando comida pedir, o monitoramento
constante de quantas horas, minutos e segundos é passado utilizando o celular e as
“próprias” intervenções do sujeito para “reduzir e controlar” esse tempo e a maneira que ele
é passado (MORENO;MARTINS;TREMBLAY, 2021). Ou então um exemplo mais concreto,
a Alexa, é mais fácil descrever o que esse aparelho não pode fazer do que ele pode. Quando
Moreno, Martins e Tremblay afirmam que “…cada vez mais os algoritmos têm retirado o
protagonismo das mãos dos atores humanos.” (MORENO et al, 2021), como por exemplo
aplicativos de registrar ciclo menstrual onde o usuário preenche com todas suas informações
extra pessoais e ao longo dos registros e uso o próprio algoritmo vai prevendo e informando
sobre as fases do ciclo menstrual, ou então aplicativos de organização de finanças onde todos
os gastos e renda é registrado e o aplicativo vai modulando como o sujeito deve gastar e
economizar seu próprio salário. É visto em funções básicas que qualquer celular tem, como
calendário, bloco de notas, despertador e calculadora, que nesse caso não necessariamente
algoritmos mas sim aplicativos, celulares têm por muitas vezes substituído a autonomia
humana.
Perfis e modulação
A ideia de perfil no meio algorítmico corresponde a toda movimentação que mantemos na
internet, cada pesquisa, compartilhamentos e likes nas redes sociais vão construindo rastros
que caracterizam a construção de um perfil (MORENO;MARTINS;TREMBLAY, 2020).
Perfil esse inserido em um teste de personalidade chamado “Big Five”, que é aplicado por
psicólogos e com apenas cinco características já é capaz de determinar toda sua
personalidade (BBC NEWS, 2018). Chegando a ser assustador já que toda complexidade e até
contradição humana é reduzida apenas em cinco características, “O poder social do algoritmo
está, justamente, no modo como este produz seres humanos mensuráveis, tipificáveis.”
(MORENO et al, 2020).
Com apenas dez curtidas, ele é capaz de decifrar que tipo de pessoa você é com mais
chance de acerto do que seus colegas. Com 150 curtidas, é mais preciso que seus pais.
E com só 300 curtidas, é melhor em prever os resultados do seu teste de personalidade
do que seu parceiro.
BBC News, 2018
2. Padrões Performáticos
O indivíduo no contemporâneo se torna “dividual”, (DELEUZE apud FERRAZ, 2018) sua
subjetividade padronizada e controlada (OLIVEIRA, 2021), voltada a ter uma fragmentação
da identidade para se tornar algo flexível e mutável (SIBILIA, 2015), por que? Veja bem,
quando associamos a “era da performance” de Sibilia (2015) e o “neo-sujeito”
(DARDOT;LAVAL apud OLIVEIRA, 2021) vemos a seguinte semelhança, que para viver no
contemporâneo o sujeito jamais pode ser ter sua própria personalidade com suas
verdadeiras subjetividades, o sujeito é sim um ser voltado à contradições pela própria
complexidade humana, porém, quando se é colocado uma pressão empresarial de
constantemente se reinventar para buscar atenção e aprovação dos olhares externos, se torna
uma outra coisa. São subjetividades com inclinações a apenas esses motivos, por isso são
epidérmicas (OLIVEIRA, 2021; SIBILIA, 2015). O contemporâneo também está incluso em
uma lógica de pensamento que o performático é ser “autêntico” e receber suas validações por
isso, esse o motivo da adoração pelas redes sociais, em especial o Instagram, possui uma
lógica inteiramente empresarial onde o indivíduo é o produto e por lá ele faz sua propaganda,
seja de beleza, de ideias de vida, por ser culto, sempre é uma propagando para os olhares,
como se o próprio feed fosse uma vitrine a qual os seus melhores atributos estão enfileirados
para o público (SIBILIA, 2015). Assim como o trecho de Racionais MC 'S (2002) “...quem
não é visto, não é lembrado.”, demonstra a mesma lógica na atualidade, quando alguém não
possui rede social o pensamento é que essa pessoa não existe, assim como não ter celular:
Esse ajuste na definição é muito eloquente, nem que seja porque converte o performer
em um personagem: aquele que sempre tem testemunhas, alguém que precisa ser
observado porque sua existência está condicionada por esse olhar dos outros. Os
personagens só existem enquanto são observados: somente são alguém se outros vêm
sua performance.
Essa é, precisamente, uma das definições possíveis para essa outra entidade
escorregadia, o personagem: não se trata aqui de remarcar a ambígua - e cada vez
menos relevante - diferenciação entre realidade e ficção, mas de encarnar uma
subjetividade que somente existe se estiver sob observação
Sibilia, 2008, 2015
Entrando na questão do público x privado, ainda existe privacidade digital? Pois na lógica
comercial tudo pode ser um “conteúdo” incluindo a própria privacidade, seguindo o mesmo
funcionamento do Twitter, um diário digital e público, mas como um diário que tem como
objetivo escrever, refletir e debater sobre seu secreto individual continua sendo um diário em
uma rede social onde os algoritmos dominam? Fica o questionamento.
Para Han (2018), a sociedade digital se caracteriza pela falta de respeito. Nela a
intimidade e exposta e o que é de interesse privado se torna público. Há uma contusão
quanto ao que é de interesse público e o que deve ser visto como privado. Ainda para
Han, não há respeito, pois esse está diretamente relacionado ao nome e na sociedade
digital isso é o que menos importa, pois enfatiza-se a dimensão de exterioridade que
resulta no apagamento da interioridade e da singularidade.
Oliveira, 2021
Vários exemplos podem ser citados como perfis de bebês que os pais criam até mesmo antes
de nascer, parto gravado, onlyfans e muitos outros.
Exclusão do Autêntico
Levando assim, a exclusão do autêntico, pois ele não se encaixa nessa lógica:
Trata-se de sujeitos que devem ser transparentes e parecer autênticos, não porque
sejam fiéis à sua essência - daí sua condição ilusória -, mas por que aparentam muito
bem ser aqueles que aparentemente eles estão ou gostariam de estar sendo.
Sibilia, 2015
Sorrisos plásticos
Cumprindo seu papel
Enfeitando um rosto de pedra
Se a regra é ser tão simpático
Mesmo que seja só
Pra convencer toda a plateia
…
Flashes capturam a melhor fachada
Mas quem vê foto, não vê coração
Não quero mais fantoches ao redor
Agindo sempre assim
Só quando for conveniente
Pra ganhar bônus e somar pontos
À sua carteirinha de hipócrita oficial
PItty, 2003
Lacie no final do episódio causa uma grande confusão na festa de casamento de uma amiga e
recebe inúmeras notas negativas, a levando a uma espécie de prisão com celas individuais
onde seu celular e as lentes avaliadoras que possuíam em seus olhos são retirados de si, sendo
assim, a solidão e exclusão de quem se nega a seguir a onda do mercado e tem a coragem de
ser si mesmo. Pois como Deleuze (1996) afirma, cada regime possui suas liberdades mas
também suas sujeições.
Lógica da Exclusão
E as singularidades que não se encaixam nos padrões de beleza? Como pessoas gordas,
deficientes, negras e etc… Em “´Privacidade Hackeada” mostra uma notícia sobre a
Dismorfia do Snapchat (ORLOWSKI, 2020, 4:40) que se trata da busca por cirurgias práticas
que se assemelham aos filtros do Snapchat, agora mais atualizado, o Instagram.
O buraco é bem mais embaixo quando se trata de mulheres negras, pois o padrão de beleza
visto nas redes continua europeu, e há uma inclusão seletiva nesse assunto, pois a cor pode
estar inclusa em filmes, desenhos e etc mas traços como cabelo crespo e a cultura raramente
(BARBOSA, 2018) pois a inserção do negro está ligado a sua cultura, ele pode até ser
incluso desde que tenha sua cultura “embraquecida” (CUNHA; MELO; CRUZ, 2021). O que
acontece com as mulheres negras, mantém uma performance de mulheres brancas nas
redes a fim de buscar seu espaço (BARBOSA, 2018). Fortalecendo uma solidão imposta da
mulher negra, Barbosa (2018) questiona, como essas negras irão se fortalecer e criar
sororidade?
Subjetividade
Nem um perfil, muito menos um feed será capaz de mensurar ou definir a subjetividade
humana, destacando um verso de “Só de passagem”:
Conclusão
É visto como os algoritmos e o neoliberalismo exercem um grande poder em nossas vidas e
pondo isso, não é possível continuar parado, é necessário a mudança que talvez comece
apenas dentro de nós mas possa ir espalhando para o coletivo como fosse uma revolução. O
sistema faz de tudo para chamar nossa atenção, evitando que principalmente os adolescentes,
não se armem contra eles, e como é esse armamento? Se negando a entrar no jogo de
performance e impondo sua própria singularidade e autenticidade
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OLIVEIRA, Luiz Cláudio Batista. O homo digitalis nos labirintos da sociedade neoliberal.
Comunicologia. v. 14v, n. 1 - Jan. /Jun. 2021.
BARBOSA, Karina Gomes e SOUZA, Francielle Neves de. A solidão das meninas negras: apagamento do
racismo e negação de experiências nas representações de animações infantis In revista Eco-Pós (online) , v.
21, p. 75-96, 2018.
Trilha de Letras recebe Paula Sibilia Programa Completo. 2017, 1 video (27:22 minutos). Publicado pelo
canal TV BRASIL
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bOCGw4EYYQM&embeds_referring_euri=https%3A%2F
%2Fwww.paulasibilia.com%2F&source_ve_path=MjM4NTE&feature=emb_title>. Acesso em: 12 jul. 2023.
Como a Cambridge Analytica analisou a personalidade de milhões de usuários no Facebook, 2017. 1 video
(4:14). Publicado pelo canal BBC News Brasil
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=x1SnHHby0wA>. Acesso em: 12 jul. 2023.
Pitty, 2003. Admirável Chip Novo. Disponível em: <https://youtu.be/lGz-idtX_rk> Acesso em: 12 jul 2023.
Pitty, 2003. Do mesmo lado. Disponível em <https://youtu.be/w00n3V9JZFg> Acesso em 12, jul 2023
Racionais Mc’s. 2002. Eu sou 157. Disponível em <https://youtu.be/CsglWlcZTio> Acesso em 12 jul 2023