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Metaverso e os viajantes reclusos: uma análise psicológica sobre a

síndrome Hikikomori1

Maiara Martins Doná2


Maikson Junior de Oliveira Paiffer3
Resumo: A tecnologia tem se tornado cada vez mais presente na vida das pessoas, alterando as formas de
trabalhar, estudar, comunicar e promovendo mudanças nas práticas socioculturais. Esta pesquisa está
situada na interface Comunicação e Psicologia. O objetivo é analisar como o uso excessivo e imersivo do
Metaverso e suas tecnologias, pode influenciar ou potencializar o desenvolvimento da síndrome de
Hikikomori. A partir de pesquisa bibliográfica, são explorados os efeitos psicológicos e sociais da
realidade virtual “metaversica”, bem como as características e causas da síndrome de Hikikomori. A
relevância deste estudo está na necessidade de desenvolver o pensamento crítico em relação aos efeitos da
tecnologia digital na sociedade. Além disso, a sensibilização para a virtualização excessiva pode
contribuir para a prevenção de problemas sociais. O uso demasiado, predispõe o indivíduo a reclusão
social. O Metaverso poderá endossar essa conduta, contribuindo com a permanência nesse estado
psicossocial, fazendo-as mais imersas no meio virtual e mais distantes do meio físico. Essa transformação
no comportamento dos indivíduos, poderá impactar psicologicamente a comunidade.

Palavras-chave: Comunicação. Psicologia. Metaverso. Hikikomori. Reclusão social.

1 Introdução

Os avanços tecnológicos são grandes precursores das transformações em


diversos âmbitos sociais, políticos, culturais e econômicos e a humanidade tem
acompanhado o seu crescente desenvolvimento (LEMOS, 2019).
A sociedade transformou-se, converteu as inovações tecnológicas como parte do
escopo do seu dia a dia, aprendeu a viver em simbiose com os meios físicos e virtuais.
A forma como a tecnologia interferiu no comportamento humano é conhecida, mas os
seus desdobramentos são imprevisíveis.
Um dos grandes marcos, em nossa história, foi na década de setenta do século
XVIII, com a 1ª Revolução Industrial (R.I). A princípio, emergiram as máquinas nas
grandes indústrias, alterando o contexto social, deslocando uma massa de pessoas que
viviam em ambientes rurais para os grandes centros, trocando parte da mão de obra por
maquinários (MARTINS, 1994).
1
Artigo apresentado ao Grupo de Trabalho,GT5 Mídias Contemporâneas e práticas socioculturais, no
XVIEncontro de Pesquisadores em Comunicação e Cultura, realizado pelo Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba, Universidade de Sorocaba – Uniso – Sorocaba,
SP, 25e 26 de setembro de 2023.
2
Mestranda em Educação (Uniso), formação em Psicologia, maiaradona@hotmail.com.
3
Mestrando em Comunicação e Cultura (Uniso), formação em Medicina Veterinária
falecompaiffer@gmail.com.

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Na segunda R.I. na década de oitenta do século XIX, os seres humanos
conheceram a produção em massa. A população, mais de uma vez, necessitou se
adequar ao desemprego causado pela produção em grande escala; à especialização dos
serviços, à introdução dos centros de comércios ainda às doenças causadas por
aglomerações e escassez de saneamento básico (LAKATOS; MARCONI, 1999).
Ao longo do século XX, as mudanças tecnológicas na sociedade culminaram
com a Internet - Rede de conexões global, interligando diversos pontos no mundo,
compartilhando informações simultaneamente a todo momento. Desenvolvida na época
da Guerra fria, nos anos sessenta. Inicialmente rudimentar, com recursos escassos, uma
grande estrutura e materiais para a sua funcionalidade, imensos hardwares, tecnologia
arcaica e limitada, completamente diferente das possibilidades existentes atualmente
(SANTAELLA,1992).
Nos anos noventa do século XX, iniciou o uso de computador e a automação nas
indústrias, engendrando a 3° Revolução Industrial. A criação do World Wide Web
(WWW) promoveu a acessibilidade das informações, integrando os recursos hipermídia
por um navegador, simultaneamente. Começou, também, a popularização dos
computadores domésticos, tomando proporções nos meios de comunicação, aprimorado
nos anos 2000, com a criação do Google (AMBONI, 2021).
Estudos reiteram que, atualmente, vivemos a 4º Revolução Industrial por conta
da tecnologia invadir praticamente todos âmbitos da vida corporativa, social e pessoal.
A sociedade e seus vários estamentos culturais e econômicos estão em transformação
moldando-se a essa nova era, a era da tecnologia, projetando efeitos benéficos e
indesejáveis sobre o globo (Lon, 2021).
Na contemporaneidade, a Internet e suas características estão inseridas em nosso
dia a dia, com os dispositivos eletrônicos digitais, redes sociais, aplicativos, inteligência
artificial, algoritmos, realidade virtual, blockchain, nuvens, entre demais recursos. As
TIC’s - Tecnologias da Informação e Comunicação, inicialmente, e, hoje, a Internet of
things são exemplos que levam a imersão, compartilhamento de informações e dados
simultaneamente, potencializando o engajamento dos indivíduos conectados.
Longo e Tavares (2022) afirmam que os meios virtuais ganharam maior
visibilidade durante a pandemia. A experiência reforçou que, por meio da Internet,
podemos trabalhar, estudar, socializar, comprar, até se aventurar a vastos mundos sem

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ao menos sair de casa, usufruindo do recurso da virtualidade. A Internet promove
efeitos positivos sobre a sociedade, bem como: acessibilidade, informação, interação,
comunicação instantânea entre pessoas em diferentes localidades, facilidade nas
atividades rotineiras, proporciona realizar diversas ações em conjunto, dentre outras.
Em contrapartida, há efeitos negativos, por exemplo, menor interação física, exposição
a hackers, catfish, vulnerabilidade de dados, cyberbulyng, entre outros problemas.
Há estudos que associam as tecnologias a psicopatologias e síndromes, assim
como: ansiedade, depressão, disforia de imagem, dependentes tecnológicos, fear of
missing out – FOMO, no-mobile-phone phobia – NOMOFOBIA, privação de sono. Um
fenômeno, relatado em diversos países, a síndrome de Hikikomori, gera isolamento
social severo, mantendo pessoas reclusas que nunca ou raramente saem de casa e uma
de suas principais características é o uso excessivo das tecnologias (CASTRO;
TORRES, 2018).
Com base na relação entre uso de tecnologia e psicopatologia, o Metaverso,
prometendo a interação síncrona entre o mundo físico e o virtual, suscita inquietação e
reflexão. Com um cenário sem limites, atrativo, persistente e imersivo, com interação
simultânea entre pessoas de todos os cantos do mundo, estar “fisicamente” em qualquer
local do “mundo”, sem ao menos sair de casa, no qual a tecnologia permitirá o ser
humano experimentar um novo conceito de estar, com a proposta de ser quem você
quiser ser.
Diante disso, o objetivo deste artigo foi analisar como o uso excessivo e
imersivo do Metaverso e suas tecnologias, poderá influenciar ou potencializar o
desenvolvimento e permanência da síndrome de Hikikomori. A partir de uma pesquisa
bibliográfica, foram explorados os efeitos psicológicos e sociais por um olhar de uma
nova realidade virtual “metaversica”, bem como as características e causas da síndrome
de Hikikomori. Com base nas informações coletadas, foi posto em discussão o quanto
essa tendência poderá influenciar tanto no âmbito individual quanto coletivo. Ao final,
espera-se contribuir para o desenvolvimento de uma maior sensibilização sobre os
efeitos potenciais do Metaverso na saúde mental dos jovens e, assim, estimular uma
discussão mais ampla sobre a utilização responsável das tecnologias de realidade
virtual.

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A relevância deste estudo se dá pelo fato de que a tecnologia tem se tornado
cada vez mais presente na vida das pessoas, e é necessário desenvolver um pensamento
crítico acerca dos seus efeitos na sociedade. Além disso, a sensibilização para os efeitos
da virtualização excessiva pode contribuir para a prevenção de problemas sociais como
a síndrome de Hikikomori.

2 Metaverso: “uma possível nova realidade”

Há algum tempo, as pessoas estão sendo preparadas para o Metaverso. A


popularização dos smartphones, horas navegando na internet, conexão full time,
consumo de produtos, conteúdos e interações digitais, compras online, fez a
comunicação por meios de redes sociais e aplicativos, se tornarem parte da rotina.
É necessário ressaltar que o Metaverso não é uma nova tecnologia, mas sim a
transformação da interação com ela. Seus avanços caminham com a evolução das
tecnologias, englobando dispositivos eletrônicos, Web 3.0, Internet 5G, realidade virtual
e aumentada, blockchain, criptomoedas, NFTs, inteligências artificiais (I.A.s),
sensações digitais, entre outros segmentos que contribuem para a imersão de seus
usuários.
Em 1962, foi dado o primeiro passo para o Metaverso, o qual já utilizava
tecnologia multissensorial imersiva, com a máquina Sensorama, desenvolvida por
Morton Heilig, que proporcionava algumas sensações. Após esse primeiro marco, em
1979 foi apresentado o primeiro jogo multiplayer em tempo real, Dungeon (MUD), jogo
RPG com a temática e aventura, criado por Roy Trubshaw; em 1992, foi cunhado pela
primeira vez o termo Metaverso, citado no livro de Neal Stephenson, Snow Crash
(LONGO; TAVARES, 2022).
No livro Snow Crash de Neal Stephenson (1992), apresenta as origens do
Metaverso. Nele conta-se a história de um entregador de pizza, chamado Hiro, que no
mundo físico, possui uma vida sem propósitos, trabalhando para o seu sustento e
sobrevivendo dia após dia. Porém, no ambiente virtual sua vida tem outro sentido
completamente distinta de sua realidade, se aventurando como um príncipe samurai, em
busca de salvar os mundos, físico e virtual de um vírus apocalíptico. Nos anos 2000, foi
criado Animal Crossing, um jogo da marca Nintendo, trazendo o conceito de interação

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entre os usuários; e posteriormente em 2003, surgiu o precursor do Metaverso, o
famigerado Second life, citado por inúmeros autores (STEPHENSON, 1993).
O Second life, em sua origem não apresentava algumas características
exponenciais do Metaverso, nem produzia a sensação de identidade e pertencimento,
pois, apresentava avatares de baixo desempenho visual. Sem fala para interagir com
outras pessoas, usava-se apenas o recurso de digitação, proporcionando um
distanciamento entre ambos os mundos, essa separação não proporcionava imersão.
Os Metaversos já existem, alguns deles são Decentraland, The Sandbox, Roblox,
Upland, universos que permitem interações entre pessoas, proporcionam
entretenimento, grande variabilidade de itens de compra e uma realidade social virtual
alternativa, replicando o mundo físico. As principais tendências que potencializam o
metaverso, são “...experiência em redes sociais, efeito pandemia, expansão das
criptomoedas, pressão social por inclusão, redução da pegada de carbono” (LONGO;
TAVARES, 2022, p. 80).
No Metaverso, é prevista a passagem para o próximo nível, transformando
conceito físico - seja tudo o que você pode ser, para um novo conceito virtual - seja tudo
o que você quer ser. Virtualmente, mudar a genética, personalidade, classe social,
profissão, região geográfica e transitar livremente entre povos de um local do mundo
para outro. É a partir dessa premissa, que se adentraria a esse mundo. Esses são dois
panoramas completamente distintos, pois, no mundo físico, existem diversas restrições e
limitações, lidamos com a economia, cultura social, DNA, física, fronteiras etc..
O Metaverso no sentido biológico, atualmente, já apresenta parte dos cinco
sentidos, audição, visão, tato, olfato. Por hora, ainda não possui o sentido do paladar
(LONGO; TAVARES, 2022). Se bem-sucedida, a aplicação dos sentidos, a partir de
uma simulação, o ser humano poderá entender o ambiente virtual como vida. A ideia é
que, estímulos e impulsos, gerados mediante a ativação de receptores, irão comandar o
cérebro, consequentemente, produzindo sensações em seu corpo biológico, que será
representado no seu eu-digital.
Outro fator que irá trazer a sensação de pertencimento será a representação dos
avatares. Um dos grandes feitos desenvolvidos pela empresa Epic Games, os
MetaHumans, possuem tecnologia avançada, nos seus mínimos detalhes, imperfeições
de pele e cabelo, texturas, pigmentações, marcas de expressões, expressões faciais e

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corporais, entre inúmeros biotipos moldáveis, que podem até ser usados para
desbloquear telas de celulares, por reconhecimento facial.
O mercado dos games já incorporou o uso de avatares hiper-realistas, em seus
jogos e está a frente de todos os seus concorrentes na corrida do Metaverso. Eles
possuem um grande público, promovem sensações em seus usuários, formando um
ecossistema imersivo. Neste, é possível experimentar diversas vertentes de gêneros,
aventura, comicidade, suspense, terror etc..
Às vezes, o Metaverso é confundido com games, mas nem todo o game é um
Metaverso, isto porque: muitos deles não permitem a liberdade de escolhas, não são
permanentes, por utilizarem o recurso de pausa e salvamentos, e ainda alguns não
permitem a sensação de identidade e pertencimento. Um dos exemplos de games que
tem o conceito de Metaverso é o GTA – RP, por ser imersivo e persistente. Nele, é
possível transitar pelas ruas e notar que já existem fragmentos de “vida”. Uma vida
normal, pessoas fazendo escolhas, trabalhando, conversando, cumprindo metas uma
amostra do que ainda está por vir.

3 A syndrome de Hikikomori: “Um universo em alguns metros


quadrados”

Para este artigo, foi realizada uma busca nas plataformas digitais pelas seguintes
nomenclaturas: Hikikomori, cosmopolitas domésticos, NEET - not in employment,
education nor training. Foram encontrados 27 trabalhos de diversas áreas, e usados para
este estudo, três artigos e quatro dissertações. As informações coletadas foram sobre a
etiologia da doença, prevalência e características que importam para a área de
Comunicação e Psicologia, descartados, diagnóstico e tratamento.
A Síndrome de Hikikomori,ainda não possui um CID ou DSM. Atualmente, o
termo Perturbação de Jogo (Gambling Disorder) é a única dependência comportamental
aceita no DSM-5. Até o momento, não há evidências suficientes que permitam a
definição de critérios de diagnóstico, necessários para identificar os comportamentos
problemáticos relacionados com a Internet como perturbações mentais (SICAD, 2017).
Descoberta no Japão e hoje descrita internacionalmente por países europeus,
asiáticos e americanos, pode ser chamada por outras nomenclaturas dependendo de sua
localização. Na Espanha, a denominação é “Síndrome da Porta Fechada”; na Inglaterra

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e nos Estados Unidos, “Social withdrawal”, ”Afastamento Social” “Recolhimento
Social”; na França, “Síndrome do Retraimento Social Agudo” (FERREIRA, 2015); no
Reino Unido é descrita como “NEET” – not inemployment, education or training – não
em emprego, educação ou treinamento (ALMEIDA; NAKAO, 2020).
A psicopatologia foi descrita, em 1980, por Reis (2017), caracterizada por uma
reclusão social voluntária grave que acomete grupos de indivíduos, jovens e adultos,
que residem sozinhos ou com seus pais. Entendido por encarceramento voluntário de no
mínimo seis meses, pode se estender por anos e até décadas. Eles costumam expressar
um comportamento apático socialmente, experimentando um estilo de vida solitário:
ficam confinados dentro de casa ou de seus quartos sem ou com pouca comunicação aos
seus familiares, trocam o dia pela noite, consequentemente sem frequentar escola,
trabalho, sem motivações, planos, metas ou ambições de vida; apenas sobrevivendo,
cada qual com a sua peculiaridade.
A síndrome tem maior incidência em homens, porém acomete ambos os sexos,
pessoas dentre 15 a 39 anos de idade. Filhos primogênitos em sua terceira década de
vida, com recursos, condições socioeconômicas confortáveis, de classe média a alta são
os que apresentam maior predisposição. Por ser um fenômeno psicossocial recente, ou
por desconhecerem sua condição, está síndrome é subestimada (REIS, 2017).
Pais de Hikikomoris demoram a perceber o que está ocorrendo dentro de sua
própria casa, quando percebem, a princípio taxam seus filhos tratando com descaso ou
algo irrisório. A síndrome de Hikikomori é grave, pois o isolamento combinado com
falta de expectativa de vida e sem apoio, engloba depressão, automutilação e tentativa
de suicídio (FERREIRA, 2015).
Tamaki (2000), responsável pela popularização do termo Hikikomori, fenômeno
que atinge cerca de 1 a 3 milhões de pessoas no Japão, situa que essa condição clínica
exclui indivíduos com alguns transtornos psicológicos e psiquiátricos, esquizofrenia,
deficiência intelectual, IGD – Internet Gaming Disorder, dependência de Internet,
conforme ilustra na tabela 01. Considerando outros fatores excludentes para a síndrome,
pessoas que se mantêm inseridas nos ambientes sociais, com os seguintes exemplos:
relacionamentos amorosos, ciclos de amizades, rotinas externas de suas casas, exercem
atividades de entretenimento presencial (eventos, festas, formalidades), viajam, estudam
ou trabalham de forma presencial, também não se encaixa no contexto, desinteressados

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ou indiferentes a ambientes acadêmicos e laborais, e pessoas com limitações motoras e
cognitivas.
Quadro 1: Síndromes ligadas à cultura japonesa e seus correlatos no ocidente.

Fonte: Ferreira (2015)

De acordo com Almeida e Nakao (2020), a síndrome de Hikikomori não é


congênita, pessoas se tornam Hikikomoris, por causas multifatoriais. Estudos afirmam
que é uma condição adquirida, ainda não se chegou a um consenso do que desencadeia
essa psicopatologia, mas a literatura enfatiza alguns dos principais fatores. Os pilares
são social, tecnológico e familiar. Sabe-se que cerca de 80% dos acometidos, tem
consciência que estão em situação de sofrimento e já se sentiram incomodados ou
irritados com o seu estado, infelizes pelo seu modo de vida, porém desconhecem o
porquê permanecem ou o que contribui com a manutenção deste estado.
O primeiro pilar em que se apoia a síndrome, é o fator familiar. Seres
desenvolvendo em meio a famílias disfuncionais no ambiente de sua própria casa,
interagindo com aspectos negativos durante sua criação. No cenário doméstico,
apresentam-se dois pólos o excesso de atenção e o descaso. Destaca que 91% dos casos
ocorre por negligência familiar, ou seja, filhos de pais ausentes, workaholics, ou que
não dão apoio e atenção aos seus filhos. Quando a atenção é voltada para eles possui
rigor, julgamentos e cobrança, definindo metas e exigências, notas escolares elevadas,
melhor desempenho cognitivo, educação exemplar e padrões acima da média
(CASTRO; TORRES, 2018).
Já o outro pólo, Nakao e Almeida (2020) trazem o conceito AMAE, palavra de
origem japonesa, sem uma tradução específica, pode ser aproximada ao verbo mimar e a
dependência. Takatsuka (2005) apresenta uma situação para exemplificar o contexto:
uma pessoa saudável sem restrições cognitivas e motoras e dentro de competências,
solicita aos seus pais, cônjuge, amigo (alguém de seu ciclo social que tenha algum

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vínculo e apreço), que seja colocada comida em seu prato posteriormente pede que seja
cortado o seu bife (amaeru), se esse pedido lhe for atendido (amayakasu), desde que
seja natural do ser, cedido por amor, carinho, atenção (bons sentimentos) ou até mesmo
por uma dependência emocional, os envolvidos experienciam o AMAE.
Assim, tanto o AMAE quanto a distância ou até mesmo a falta de conhecimento
contribuem para a condição de Hikikomori. A ideia de conceder espaço, visando o
respeito, indiferença ou acreditar ser um fator passageiro para seus filhos, apenas
potencializa ao indivíduo a se aprofundar ainda mais a solidão, fomenta a gravidade da
situação (CASTRO; TORRES, 2018).
Partindo da premissa que os pais são os responsáveis por assistir, criar e educar
seus filhos, quando percebem que os negligenciaram, por vergonha, culpa e não ser
julgados os escondem, levando e acarretando em um agravante no quadro da síndrome
(REIS, 2017).
O fator social é o segundo pilar, pois, independente da classe social, cultura,
credo, localização geográfica, a excentricidade do ser humano é buscar por aprovação
da alteridade (REIS, 2017), no ambiente social o cidadão tem o objetivo de possuir o
seu espaço. A sociedade em que almeja estar inserido é a mesma que lhe impõe padrões
de como se portar, vestir, aparência física, influência, recursos materiais, financeiros e
dogmas de como viver, estudar, trabalhar, compor uma família e obter estabilidade
financeira. Objetivando obter investimento em capitais humanos, acadêmicos e sociais.
Tais imposições quando não atingidas, trazem o sentimento “de não
pertencimento e desaprovação da sociedade a qual habita”. Ferreira (2015) aborda que
quando não é atingida qualquer expectativa, considerando uma cultura mais rígida e
socialmente conservadora de seus costumes a tendência sintomática é a do isolamento,
consequentemente levando a quadros de depressão, fobia social, ansiedade generalizada,
entre outras.

4 Discussão

A proposta é refletir sobre como o uso da virtualização afeta o comportamento


individual e social das pessoas. Destaca-se que, para Lemos (2019), a popularização da
Internet, foi uma rápida evolução da tecnologia, que, atualmente, é utilizada diariamente
pela maioria dos indivíduos por todo o mundo. A globalização provocada pelo

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desenvolvimento da tecnologia e da Internet trouxe vantagens e desvantagens,
associadas ao seu uso excessivo ou problemático.
O estudo da Internet é um fenômeno relativamente recente na Psicologia. Seu
uso intenso e extenso, na sociedade moderna, em alguns casos, abusivo, por uma parte
da população, está sendo associado a novos problemas. O termo Internet Addiction tem
se tornado um tema de investigação, a qual vem crescendo rapidamente ao longo da
última década. Já existe uma grande variedade de conceitos e caracterização do
comportamento associado ao uso da Internet, porém, ainda sem diagnóstico clínico
(PONTES, KUSS & GRIFFITHS, 2015).
Reis (2017) considerando, principalmente o Japão onde há altos índices de
bullyng, relações autoritárias, opressões, defende que a adicção à Internet é mais
evidenciada. Exclusões em decorrência de uma aparência física ou característica que
destoe dos demais ali inseridos, pode levar ao agravamento; não pertencer a uma tribo
ou ser membro de algum grupo; status social diferente daqueles que fazem parte do
cenário, pode levar o sujeito a ser um alvo dos demais. Tais fatores desencadeiam a
rejeição perante a sociedade, ou seja, faz com que o sujeito acabe buscando os recursos
que o fazem se sentir bem, criando um apego ambivalente, neste caso, uma dependência
incomum dos pais e o ambiente que reside, sentindo-se seguro, entretanto gerando
desconfiança a estranhos e terceiros.
Relações como essas concernem para que efeitos traumáticos levem ainda mais
pessoas a se isolarem, recebendo apelidos, nomes pejorativos, xenofobia, por meio de
colegas de escola, trabalho, esses jovens e adultos sofrem traumas psicológicos e
repressões, transformando o ambiente em que passa grande parte do dia a dia em um
espaço caótico e insalubre para seu aporte psicológico, abrindo precedentes para
rejeição, fazendo o enxergar que ali não é o seu local. Eventos que possivelmente
desencadeiem comportamentos e crenças limitantes para que a pessoa cada dia mais não
se desvincule de suas famílias, fazendo o permanecer em suas casas, em um ambiente
onde se sente aceito e sem represálias; o seu quarto.
Com base em Ferreira (2015), nessa “obrigatoriedade” de se encaixar ou
promover aquilo que lhe é cobrado pela sociedade, acarretam em diversas
sintomatologias e estigmas aos Hikikomoris, baixa autoestima, inferioridade e retração
social; desenvolvem ansiedade por comparação a terceiros, na maioria das vezes se

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sentem cobrados e agredidos; sendo assim, isolam-se em seu quarto, literalmente se
fechando, não se comunicam com ninguém, salvo as raras vezes com a família e não
procuram por ajuda.
Reis (2017, p.22) chama atenção para como a exclusão digital tende a promover
a desigualdade entre os jovens, observando que

a Internet é, cada vez mais, uma ferramenta essencial de trabalho, na


escola, no apoio ao estudo, à realização e apresentação de trabalhos
escolares e quem não a tem pode sentir-se excluído ou ser excluído
pelos outros, seja pelo seu grupo de pares ou até mesmo pela própria
escola.

No terceiro pilar está a tecnologia, inserida insidiosamente nos lares.


Atualmente, o virtual e os meios digitais estão entranhados na rotina, porém,
principalmente é por tal via que transitam os Hikikomoris (REIS, 2017). Há uma
correlação entre os jovens australianos isolados com os Hikikomoris, pois ambos
possuem interesses em jogos on-line, transtornos de humor e ansiedade, além de
famílias disfuncionais (FERREIRA, 2015).
Coimbra (2010) defende que a condição de Hikikomori está atrelada
exponencialmente ao uso das tecnologias, seu consumo realiza a manutenção de sua
condição. Para esse grupo, a exploração dos Universos Virtuais é mais atrativa do que a
comunicação presencial os deixando mais confiáveis e imersos em um ciberespaço em
que podem ser quem quiserem, preferindo os meios digitais para expressar seus
comportamentos, sentindo-se seguros dentro de seus lares.
Contudo, o sociólogo Oldenburge (1989) discorre que o ser humano traz a
necessidade psicológica de três lugares, o First, Second e Third place. O primeiro lugar
é a residência, com rotinas, funções e responsabilidades; o segundo é o ambiente de
trabalho, com mais atribuições e atividades, no qual ocorre avaliação dia pós dia, o que
implica em uma carga. O Third place (terceiro lugar) é onde as pessoas podem ser elas
mesmas, sem se prenderem a rótulos e problemas - local de conforto e equilíbrio, em
que se busca um ambiente de equidade. Essa territorialização da existência sugere que é
insalubre se manter recluso em apenas um ambiente, mas sim harmonizar os espaços,
estabelecendo um ecossistema de bem-estar e saudável para a psique do indivíduo.
A síndrome de Hikikomori, pode gerar também sintomatologias secundárias
como; sedentarismo, desregulação hormonal, deficiência de Vitamina D - pela escassez

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de exposição ao sol - e, também um caso de elefantíase (Elephantiasis nostras
verrucosa) foi reportado decorrente de uma estase linfática e a indevida higiene básica
(FURUKAWA et al.; MORIUCHI et al. 2014).
Foi identificada uma proximidade entre os critérios diagnósticos do DSM V para
depressão e os sintomas que estão presentes, durante o período de duas semanas, dos
critérios da síndrome de Hikikomori. Sendo eles: humor deprimido, acentuada
diminuição do interesse em atividades diárias, insônia, sentimento de inutilidade ou
culpa com sofrimento ou prejuízo no funcionamento social, profissional e/ou em outras
áreas da vida com retraimento.
Cumpre observar que, por se tratar de uma condição recente, faltam evidências
sobre questões emocionais, sociais e psicológica, sendo necessário mais estudos que
possam contribuir para maior entendimento da síndrome.

5 Considerações finais

Esta pesquisa teve como objetivo refletir sobre os efeitos da virtualização na


vida moderna. Para tanto, trouxe a origem e as características do Metaverso e as
informações sobre a Síndrome de Hikikomori. Por um lado, vários autores pesquisados
cogitam a possibilidade da virtualização trazer consequências negativas em questões
biológicas, psicológicas e sociais do indivíduo.
A síndrome predispõe o indivíduo à reclusão social, que é facilitada pelos
avanços da tecnologia que diminuiem a necessidade de sair para realizar atividades
externas. O Metaverso pode ratificar essa conduta, contribuindo para a permanência
dessas pessoas nesse estado psicossocial distantes do meio físico. A constância em um
ambiente metaversico, portanto, virtual, poderá fazer com que as pessoas tenham
dificuldade de discernir as diferentes realidades: física e virtual/digital.
Por outro lado, alguns autores defendem que, futuramente, uma mescla entre
essas realidades poderá ser integrada ao nosso dia a dia. Do mesmo modo que haverá
grandes impactos na psique e nas necessidades e carências humanas.
Outro aspecto que precisa ser investigado é a dimensão socioeconômica. Alguns
autores pesquisados defendem que as pessoas as predispostas a desenvolver a síndrome
pertencem a classe econômica mais abastadas.

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