AMOR E SOMBRAS!

Chico Nascimento Magonleji

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AMOR E SOMBRAS!
Chico Nascimento Magonleji

SINOPSE

Vladimir e Kendra, um casal apaixonado, vive uma relação fervorosa de

amor, a vida a dois já dura seis anos, os dois constroem sonhos e
planejam o compartilhamento de vida infinita. Um dia, sem maiores
previsões, Kendra acessa uma carta de Vladimir, a partir daí, surgem
conflitos inesperados, tudo muda, a intensidade do amor, torna-se um
flagelo de sentimentos, por fim, uma tragédia sem precedentes.

PERSONAGENS

Vladimir – Arquiteto, 32 anos.

Kendra – Advogada, 30 anos.

1º Cenário – Sala de estar, confortável, luz tênue.

Objetos cênicos – Sofá escuro, mesinha de centro, jarro, piano ao fundo.

(Som de piano, Vladimir, em posição diagonal, ao fundo do palco, toca

Noturno, Chopin. Kendra entra com um buquê de flores, coloca em um
pequeno jarro, sobre a mesa de centro).
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I ATO – AMOR E LUZ

CENA I – FLORES AZUIS

Kendra – (Se deliciando coma música que Vladimir toca) Vlad, meu amor,
você é surpreendente, adorei as flores azuis!

Vladimir – (Levanta-se e se aproxima de Kendra) Flores azuis?

Kendra – Não finja que não sabe... ainda escolheu uma música maravilhosa,
adoro Chopin, “Noturno” é uma música linda!

Vladimir – Verdade, eu também adoro essa melodia! Esse polonês é de

extrema sensibilidade...

Kendra – Não era francês?

Vladimir – Não, Frederyk Chopin, nasceu em Zalazowa Wola, Polônia... apesar

de ter vivido na França.

Kendra – Não importa, ele é maravilhoso! O melhor de tudo foi a combinação

com essas flores azuis...

Vladimir – Não fui eu!

Kendra – Qua é o problema de me fazer surpresa com as fores preferidas da

minha vida?

Vladimir – Onde estavam essas flores?

Kendra – Estavam sobre a mesa da varanda, por quê?

Vladimir – Eu não fui lá fora hoje...

Kendra – Não tem dedicatória, mas você sabe que eu amo flores azuis...

Vladimir – Eu amo você, mas não lhe dei flores azuis.

Kendra – Que mistério é esse? A sua mãe está viajando... não recebemos
amigos no final de semana, não ouvi barulho de carro...

Vladimir – O importante é que você gostou das flores...

Kendra – Agora fiquei preocupada. Como essas flores vieram parar aqui?

Vladimir – Isso é o de menos, toquei a música certa, é o que importa.

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Kendra – Vlad, você não fica nervoso com essa situação?

Vladimir – Kendra, você já me beijou hoje?

Kendra – Desculpa, meu amor! (Beijam-se)

Vladimir – Para mim, o que importa é isso...

Kendra – Será que você não vai enjoar de mim?

Vladimir – São seis anos de relacionamento, a gente se ama!

Kendra – As vezes te acho meio distante...

Vladimir – Não se sente amada?

Kendra – Não é isso, as vezes eu penso que você não está aqui...

Vladimir – Que loucura é essa, meu amor?

Kendra – Não é loucura, você é um Arquiteto bem sucedido...

Vladimir – E você é uma Advogada muito conceituada, um nome muito

respeitado no mercado.

Kendra – E na sua vida?

Vladimir – Alguma dúvida?

Kendra – Não é dúvida, é tudo meio confuso...

Vladimir – O que é confuso?

Kendra – Essas flores azuis, isso está me intrigando, como vieram para aqui?

Vladimir – Eu não sei você, mas eu vou tomar um chá...

Kendra – Vai me deixar falando sozinha?

Vladimir – (Saindo) As flores azuis são mais importantes...

(Os dois saem de cena)

CENA II – Diálogo na varanda

CENÁRIO – Mesa de varanda, duas cadeiras, luz branca.

Kendra – Vlad, você ainda me ama como antes?

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Vladimir – Antes de quê, Kendra?

Kendra – Tenho percebido você meio triste, senta-se ao piano e desabafa...

Vladimir – Só voltei a praticar por conta do seu incentivo...

Kendra – Eu sei, mas agora o piano está mais presente em sua vida do que
eu...
Vladimir – Kendra, isso é ciúme?

Kendra – Pode ser...

Vladimir – Não vejo motivo.

Kendra – Vlad, se você se interessar por outra pessoa, você me falaria?

Vladimir – Não existe essa possibilidade...

Kendra – Sei lá, estou achando tudo tão estranho... aquelas flores...

Vladimir – (Irritado) Por favor, para de falar nas flores azuis!

Kendra – Vlad, você ficou muito nervoso. Por favor, eu quero saber o que está
acontecendo?

Vladimir – Kendra, você quer me enlouquecer?

Kendra – Você nunca gritou comigo antes? Em paz!

Vladimir – Você está me irritando...

Kendra – Meu amor, você não está bem!

Vladimir – Eu só quero tomar o meu chá em paz!

Kendra – A minha companhia te incomoda?

Vladimir – Você está criando uma situação inaceitável...

Kendra – Tudo bem, vamos falar sobre os nossos planos de vida?

Vladimir – Sobre o que fazer, ou quem mandou as flores azuis?

Kendra – Cadê aquele Vladmir dócil? Carinhoso e atencioso?

Vladimir – Você está destruindo os nossos sonhos...

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Kendra – A nossa viagem a Paris, o passeio nas Cordilheiras dos Andes, a

casa em Veneza? Tudo está perdendo o sentido pra você?

Vladimir – (Grita) Kendra! Por favor, coloca os pés no chão, nós estamos
construindo uma vida a dois, isso é para sempre, essas coisas que você fala,
não são mais importantes do que nós dois...

Kendra – Você está desistindo de tudo... (Grita) Vlad, você quer me

enlouquecer? (Sai de cena)

CENA III – Solidão

CENÁRIO – Fundo preto, luz azul, pufe colorido.

Vladimir – (Sentado, mãos na cabeça) Eu não estou sonhando, tenho certeza

que essa é a realidade vivencial do meu tempo... vou começar a questionar...
quem sou eu? O que estou fazendo aqui? Com quem estou dividindo os meus
sonhos? Será que esse projeto de vida é meu? (Fica de pé) Eu falei pra minha
mãe, o seu tempo de viajem vai dizer se eu estou no caminho certo. Ela não
acreditou. Seis meses é muito tempo, passaram-se quatro, eu acredito que é
isso. Quatro meses foram suficientes para eu descobrir que um sonho de seis
anos não era meu... Como assim Vlad, você não ama Kendra? Não é isso! Eu
acredito que amo, mas é a primeira vez que passamos tanto tempo juntos, só
nós dois... muitas coisas que eu não sabia, estão passando por mim em alta
velocidade. Essa história de flores azuis, meu Deus, eu juro que nunca tinha
ouvido falar nessa experiência, eu só queria tocar uma música de Chopin, mais
nada! A minha mãe tem culpa nessa história... ela gostou de Kendra e já
convidou para viver conosco, eram só três meses de namoro, o tempo passou,
agora são seis anos... perdi a minha vida social, o meu tempo agora é só
trabalho e Kendra... é isso que eu quero? Foi isso que eu escolhi para mim? O
meu trabalho como Arquiteto preenche parte significativa da minha vida, mas
eu parei o futebol, parei o surf e até as festas noturnas com os amigos... meu
Deus! Quem é esse Vladimir Medeiros de Alcântara? Nunca mais me olhei no
espelho, nunca mais consegui me ver sem a sombra desse amor... (Volta a
música de Chopin. Vladimir se ajoelha e coloca a cabeça sobre o pufe, as
luzes vibram como raios)

II ATO – CONFISSÕES

CENA I – Dores de Kendra e Vladimir

Kendra – (Entra com um balde de gelo, duas taças e uma garrafa de
champanhe, luz âmbar) Vlad, meu amor, onde está você? A minha forma de
enxergar o mundo não mudou... temos de aproveitar cada momento e brindar!
Nesse momento, eu quero brindar a vida, viajar ao exterior com você... (Serve-
se do champanhe, circula na sala como se estivesse procurando alguma
coisa) Enfim, são muitos sonhos, todos meus, mas eu ensinei Vlad a sonhar, a
desejar ser mais, mais e mais... (Senta-se no sofá) As vezes eu penso que o
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sonho é só meu, Dona Dinorah, disse-me uma vez, que devemos agarrar os
nossos sonhos com unhas e dentes, morder a vida com a fome da realização,
senão, ela te morde e te abandona sem você ter realizado nada. Tenho
percebido algumas mudanças em Vladimir, ele está meio estranho, parece que
o nosso amor tem sombras estranhas. No próximo ano vamos nos casar, dona
Dinorah nos disse que um casal não deve passar dos sete anos juntos, sem
casamento, eu sei que isso é uma superstição dos mais velhos, mas eu quero
muito... Tenho que aproveitar a juventude, Vlad já está com trinta e dois anos e
eu, tenho trinta. Daqui a pouco, a gente envelhece e o desejo de casar
desaparece... Vlad é o amor da minha vida! Quer dizer, eu tive uma pessoa na
época da faculdade de Direito que mexia muito com as minhas estruturas,
penso que não era nada, passou, sim bem que de vez em quando ela
aparecesse nos meus sonhos, mas não é nada tão importante, foi um flerte...
Ai! Às vezes, vejo-me borboleta, doida para voar, mas ainda sou apaixonada
pela proteção do casulo... nós, seres humanos, somos um espectro de luzes,
um multicolorido inspirador, um movimento frenético para as aventuras, mas o
medo é o freio que resgata a nossa segurança, pelo que entendi da minha
sogra, Vlad precisava de mim, para uma estabilidade emocional, essa
brincadeira já dura seis anos... tudo começou na porta do Fórum Federal da
minha cidade, era um dia chuvoso, Vladimir trabalhava num projeto de reforma,
viu-me querendo sair para enfrentar a chuva e, como um gentil cavalheiro,
ofereceu-me carona, eu não recusei, é claro, a partir daquele dia, saímos
diversas vezes, até que em um belo dia, ele me apresentou a dona Dinorah...
tudo aconteceu num passe de mágica, de vez em quando a gente tomava um
champanhe... minha sogra adora! (Coloca a taça sobre a banquinha e vê a
ponta de um papel, agacha-se e puxa) Uma carta?
Essa é uma carta recente... quem é Gerson? Vladimir nunca me falou desse
amigo, mas certamente, vai falar... (Sai)

CENA II – Revelações

Vladimir – (Roupão de banho, celular na mão) Kendra, você me chamou?

Kendra – (Tentando surpreender o namorado) Meu amor, quem é Gerson?

Vladimir – (O celular cai da mão) Que Sergio?

Kendra – Eu falei Gerson! Ficou nervoso?

Vladimir – Por que, deveria ficar?

Kendra – Até o celular caiu das suas mãos...

Vladimir – Pura distração!

Kendra – Você me parece nervoso...

Vladimir – Estou vendo que você tirou o seu dia para estragar o meu...
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Kendra – Eu encontrei a carta!

Vladimir – O quê?

Kendra – A carta de Gerson para você.

Vladimir – O que está insinuando?

Kendra – Que você tem um amigo muito especial, desses que ainda preferem
cartas ao invés de mensagens digitais...

Vladimir – (Inseguro) O que tinha na carta?

Kendra – Você é quem vai me dizer...

Vladimir – Não tenho nada para dizer!

Kendra – Vai preferir tocar piano?

Vladimir – Já sei, você quer que eu fale sobre Isadora...

Kendra – Quem te falou? Nós duas não tivemos nada, foi só um flerte de
faculdade...

Vladimir – Do que você está falando?

Kendra – Não vou negar, eu namorei uma colega de faculdade, mas não foi
nada sério... quem foi que te contou?

Vladimir – Ninguém!

Kendra – Como ninguém? Como você soube?

Vladimir – Ela me procurou...

Kendra – Bandida, ela não podia fazer isso comigo!

Vladimir – Isso o quê?

Kendra – Que nós tivemos um caso, foi tudo muito rápido...

Vladimir – Ela não me contou nada disso...

Kendra – Então, o que ela queria?

Vladimir – Queria saber apenas se você estava bem e por que nunca mais
falou com ela, só isso!
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Kendra – Meu Deus! Ela preservou a nossa história...

Vladimir – Eu só estou sabendo por você...

Kendra – E Gerson, vai me contar?

Vladimir – Deixe-me ver a tal carta, não conheço o conteúdo...

Kendra – Mentira, Vlad! Você está me escondendo a sua história...

Vladimir – Eu não sei nada sobre a carta...

Kendra – Vivemos seis anos de mentiras...

Vladimir – Fale-me da carta, é muito importante para mim...

Kendra – Você quer me convencer de que não conhece o conteúdo?

Vladimir – Por favor, acredite em mim, eu não sei nada sobre a carta...

Kendra – Só pode ter uma explicação...

Vladimir – Qual é a explicação?

Kendra – Dona Dinorah, deve ter recebido, tirou a carta e deixou o envelope ali
embaixo...

Vladimir – Não consigo entender...

Kendra – Por favor, Vlad, fale, quem é Gerson?

Vladimir – Eu não consigo...

Kendra – Não adianta, a sua mãe sabe...

Vladimir – (Chorando) Gerson é o amor da minha vida! (Se abraçam, em

seguida, Kendra corre para a cozinha, Vladimir fica ajoelhado no centro
do palco)

III ATO – DOR

CENA I – Súplica

Kendra – Vlad, eu quero apenas uma explicação...

Vladimir – Explicação? Eu não quero falar sobre isso?

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Kendra – E os nossos sonhos?

Vladimir – Você não entende? Eu não tenho sonhos com você...

Kendra – E as viagens? Os planos de vida a dois?

Vladimir – Os sonhos são seus e da minha mãe, dona Dinorah é uma mulher
sábia, ela acredita que pode construir a felicidade do jeito dela, essa viagem
deve ter sido uma estratégia...

Kendra – E agora? Você vai terminar a nossa relação?

Vladimir – Que relação, Kendra? Você quer viver uma farsa? Uma ilusão
amorosa?

Kendra – Os seus beijos sempre foram verdadeiros, autênticos, ardentes...

Vladimir – Isso não diz nada sobre nós...

Kendra – Todas as vezes que você tem folga, a gente dá um jeito pra dormir
juntos...

Vladimir – E as outras tantas vezes, eu durmo com quem? A nossa vida é uma
mentira escabrosa, a minha mãe tem culpa, mas o maior culpado sou eu!

Kendra – Isadora não significou nada na minha vida!

Vladimir – Mentira! Você criou um sonho mentiroso e agora não sabe mais o
que fazer para sustentar essa mentira de amor e sombras...

Kendra – Você precisa dar uma chance para nós dois, não é possível que seis
anos não tenha um peso de referência pra você...

Vladimir – Era para ser uma única noite...

Kendra – Mas foi você que me trouxe pra cá.

Vladimir – Eu não te prometi nada, você está louca, querendo que eu

transforme os seus sonhos em realidade, nós dois somos contraditórios...

Kendra – Não existe fim para o nosso amor!

Vladimir – Nunca existiu amor!

Kendra – Ouça-me, Vlad... O nosso amor é uma canção sem refrão, todos os
versos são contínuos e verdadeiros, as notas musicais do nosso romance são
todas harmônicas, eu saberei viver sem você, sem essa casa, sem a sua
companhia....
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Vladimir – Louca! Você está tomada por uma verdade que é só sua. O amor é
muito maior do que essa insanidade, o amor não tem a dor do silêncio, o amor
não traz mordaças de sofrimentos, o amor não mente... nós dois mentimos!
Kendra – O que você vai fazer com as nossas vidas?

Vladimir – Com a minha vida, eu sei, vou embora dessa casa, eu quero
construir uma choupana para viver em paz! Kendra, eu acredito que a liberdade
é o caminho mais curto para a felicidade, se ame, vá ser feliz com quem você
quiser...

Kendra – Eu não vou sair dessa casa!

Vladimir – Eu vou sair agora mesmo, se você quiser, fique aqui e espere dona
Dinorah, viva aqui ou onde você quiser, mas seja feliz!

Kendra – Desgraçado! (Dá uma facada no peito de Vladimir)

Vladimir – (Corpo dobrado) Era isso, Kendra? (Cai, Kendra grita e começa a
rasgar e quebrar tudo, sai correndo)

Black total!