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3 UNIDADE Coerência textual, relações coesivas, produções textuais e tipos de

argumento 
Elisabete Ana da Silva
OBJETIVOS DA UNIDADE
 Conceituar coerência textual, demonstrando sua importância para a produção de
textos que permitam que o receptor descodifique as mensagens recebidas,
encontrando sentidos nos textos;
 Apresentar os diferentes tipos de coerência e sua relação com a coesão textual,
contribuindo para a amarração das ideias no texto;
 Evidenciar recursos que permitem as relações coesivas e coerentes nos textos;
 Apresentar as características das tipologias textuais, diferenciando-as dos gêneros
textuais, evidenciando os elementos que garantem a coerência nas diferentes
tipologias;
 Apresentar o conceito de argumento e os principais tipos de argumentos.

Coerência textual
Muitas vezes, em contextos dialogados ou diante de textos escritos, tentamos buscar um sentido
para a mensagem que recebemos e não conseguimos compreender aquilo que nosso interlocutor
quis expressar. 
Você já deve ter passado por esse tipo de situação e é certo que, em alguns momentos, estamos
frente à necessidade de acessar algo em nosso repertório, mas o item necessário não faz parte de
nossas experiências anteriores; entretanto, em outros momentos, o problema está na forma como
ocorreu a organização do texto e ele se apresenta incoerente para nós. 
A coerência de um texto está ligada à maneira como ocorre sua organização como um todo, à
harmonia entre as partes que o compõem e às ideias que apresenta. Claramente, podemos
perceber o início, o meio e o fim desse texto, além de ser possível observar a adequação da
linguagem ao tipo de texto. 
EXPLICANDO
Coerência: estado ou qualidade de coerente; ligação, harmonia, conexão ou nexo entre os fatos e
as ideias (MICHAELIS, 2008, p. 192).
Um texto incoerente não oferece condições para o interlocutor recriar em si o sentido que
pretende veicular e isso pode acontecer porque não traz concatenação ou argumentação, ou não
apresenta verossimilhança interna ou externa. 
A concatenação acontece com a relação ou a sequência lógica entre as ideias e a argumentação
deve oferecer fatos, razões e provas a favor ou contra algo, permitindo ao interlocutor
acompanhar essas informações sem estranhamento. 
A verossimilhança se prende à observação daquilo que corresponde à verdade, pode estar ligada
a elementos específicos do texto, trazendo a verossimilhança interna, ou à realidade circundante,
verossimilhança externa. 
Desse modo, se o interlocutor percebe que há desorganização quanto à expressão das ideias, e as
informações e os argumentos trazidos no texto não encontram respaldo dentro do próprio texto
ou dentro da realidade, não verá coerência nele. 
Vale ressaltar que outros elementos devem, ainda, entrar nessa questão, tais como a adequação
ao contexto em que estão os interlocutores, a adequação em relação ao interlocutor, a bagagem
de informações que ele adquiriu até então, a intencionalidade do emissor, o código utilizado e o
canal escolhido para veicular a mensagem. 
Os autores Ingedore Villaça Koch e Luiz Carlos Travaglia, no livro A coerência textual,
publicado em 2008, afirmam que “a coerência deve ser entendida como um princípio de
interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à
capacidade que o receptor tem para calcular o sentido desse texto”.
Como deve ter percebido, os autores evidenciam que é preciso que o texto ofereça ao
interlocutor as condições de revelar em si as informações recebidas. Quando isso acontece, uma
condição é observada: a coerência. Portanto, você deve deduzir que os cuidados para isso cabem
ao emissor do texto. 
Por outro lado, a coerência não caminha sozinha, tendo a coesão textual ao lado dela, cuidando
para que as ideias sejam devidamente amarradas. Ela forma vínculos com informações
fornecidas anteriormente, possibilitando a entrada de novos elementos no texto e garantindo a
sua progressão. 

TIPOS DE COERÊNCIA
Não imagine que está diante de uma batalha que não pode ser vencida; é certo que a elaboração
de textos é tarefa difícil, mas os conhecimentos sobre os usos da língua, a leitura como um
hábito e o treinamento constante da escrita, aos poucos, levam ao sucesso de uma expressão
escrita ou oral coerente e coesa.
Assim, com base nos estudos de Koch e Travaglia (2008), evidenciamos alguns tipos de
coerência, para que fiquemos atentos em relação a alguns cuidados que precisamos tomar
durante a elaboração de nossos textos. 
Os autores relacionam: 
Outras formas de coerência devem se apresentar nos textos, entre elas, podemos mencionar:

Desse modo, percebe-se que é possível evitar a falta de coerência textual em várias situações,
principalmente na escrita, com a leitura e a revisão constantes daquilo que é enunciado. Releia o
que escreve sempre com a máxima atenção.

RELAÇÃO ENTRE COERÊNCIA E COESÃO

Entendemos coesão como ligação com a coerência textual. A busca de um texto coeso nos
obriga a voltar constantemente ao que já foi enunciado, buscando estabelecer relações entre os
termos, para que possamos avançar. Cada enunciado deve estabelecer relações específicas com
os outros, para que a estrutura do texto se torne sólida o bastante para garantir a coerência.
A coesão também deve ser observada entre as frases, ou seja, fazendo a ligação entre as orações
do texto, entre os parágrafos que o compõem e entre suas ideias, isto é, é preciso pensar que o
sentido do texto decorre de um mecanismo de articulação, compreendendo uma estrutura na
qual há diversos segmentos, todos relacionados uns com os outros. Essas relações se
estabelecem em dois planos: o do conteúdo (ideias) e o da amarração (relações linguísticas).
Costumamos considerar basicamente dois processos de coesão que englobam os vários
procedimentos: a coesão referencial e a coesão sequencial (KOCH; TRAVAGLIA, 2008, p. 40-
41). 
Relações coesivas e coerentes em diferentes situações

Em situações discursivas dialógicas, ou seja, quando conversamos com alguém, a todo


momento estamos realizando a coesão e não nos damos conta disso, pois procuramos manter
nosso pensamento bem organizado para que nosso interlocutor nos compreenda.
Quando nos deparamos com enunciados em que as frases estão soltas, sem ligação entre elas,
dizemos que o texto não tem sentido, que não apresenta coerência nem coesão. 
Você deve perceber que o trabalho de conectar os elementos dentro de um texto é mais evidente
que o processo de coerência entre as ideias, porque é mais perceptível. Uma frase enunciada
sem que se estabeleça a coesão referencial, por exemplo, logo leva o outro participante do
processo de comunicativo à admiração. É fácil perceber que algo está errado se estamos falando
de “chuva” e retomamos o termo, num processo de coesão referencial anafórico, com o
pronome “aquele”, logicamente, o texto perderá o sentido. 
Isso quer dizer que, elaborando um texto por escrito, precisamos fazer escolhas linha a linha,
buscando a progressão textual, com a apresentação de novas ideias, mas sempre verificando se
formamos elos de coesão entre as informações anteriores e as novas. 
Antônio Carlos Viana, em seu Guia de redação: escreva melhor, publicado em 2011, dá a
seguinte orientação: 
Há formas de saber se fomos ou não coerentes naquilo que
enunciamos. Uma delas é ver se a palavra mais importante do
texto, a palavra-chave, não desapareceu hora alguma. Outra é
buscar um equilíbrio entre a informação dada e a informação
nova, porque o texto precisa avançar e não ficar girando em
torno de si mesmo, sem apontar para uma direção segura. Para
alcançar esse fim, temos de fazer escolhas constantes, desde o
uso das palavras até aquilo que deve ser dito ou permanecer
subentendido.

BUSCANDO A COESÃO E A COERÊNCIA


Dependendo do tipo de texto que você está escrevendo, precisará verificar se o mecanismo
selecionado realmente se presta àquela situação discursiva, pois nem sempre o que serve para
um texto de característica argumentativa serve para um texto poético, por exemplo. 
Os recursos de coesão mais utilizados se baseiam em: uso de pronomes; apagamento de termos
(elipse); utilização, no caso de nomes próprios, de sobrenomes no lugar dos nomes; exploração
de perífrases, que são expressões equivalentes; uso de termos genéricos, ou seja, uma palavra
que tem sentido mais amplo do que a que ela substitui; associações que podem ser feitas até
mesmo por oposição de ideias; uso de termos que englobam termos anteriores; uso de
sinônimos ou quase sinônimos; uso de paráfrase, isto é, a retomada do que foi dito dando uma
explicação mais detalhada; uso de numerais e de advérbios; uso de pronomes demonstrativos;
uso de pronomes possessivos; uso e diversificação de pronomes relativos. 
Ainda, é preciso verificar a coesão sequencial apresentada pela sucessão de palavras, de frases e
de parágrafos, que ocorrem:

A. Pela ordenação de ações que se desenvolvem no tempo, por exemplo:


“Desci do ônibus, atravessei a rua, entrei na lanchonete e pedi um café.”
B. Pela descrição da ordem como determinada ação deve ser feita, por exemplo:
 
“Ao usar esse produto, primeiro passe um pano limpo e seco sobre o móvel, em seguida,
coloque o produto em um pano macio e passe delicadamente sobre a superfície.”
C. Pelo estabelecimento de relações entre as frases, por exemplo: 
 
“Se desejamos ter bons resultados, precisamos de muita dedicação.”
D.Pela criação de proximidade entre os parágrafos, como no exemplo:
 
“Muitos estudantes perguntam se é errado repetir palavras em suas redações. A resposta é
simples: se houver finalidade enfática na repetição, você não será penalizado.”

Entretanto, a escolha dos recursos coesivos mais adequados deve ser feita, levando-se em conta
a articulação geral do texto. De, eventualmente, os efeitos estilísticos que se deseja alcançar. 

PARALELISMO SINTÁTICO
Na frase, o paralelismo sintático corresponde à ordenação de elementos de natureza sintática
gramatical semelhante. Em geral, somente aqueles que conhecem detalhadamente as regras da
gramática normativa conseguem reconhecer o problema da coesão por falta de paralelismo
sintático. Observe: 
“Operários cogitam uma nova manifestação e isolar o presidente.”
A ocorrência de falta de paralelismo sintático acontece porque o verbo “cogitar” apresenta dois
complementos, sendo que o núcleo do primeiro está representado pelo substantivo
“manifestação”, enquanto o segundo aparece na forma da oração reduzida de infinitivo “isolar o
presidente”, ou seja, os dois complementos deveriam aparecer ou na forma de substantivo ou na
forma de oração. Assim, a frase deveria ser reformulada: 
“Operários cogitam uma nova manifestação e o isolamento do presidente.”
Ou
“Operários cogitam fazer uma nova manifestação e isolar o presidente.”

PARALELISMO SEMÂNTICO
Já o paralelismo semântico se refere ao encadeamento de ideias comparáveis, pertencentes
ao mesmo plano de significado. Veja: 
“No próximo domingo, o Santos vai jogar contra a Espanha.”
Nesse caso, ocorre falta de paralelismo semântico, pois “Santos” é um time de futebol, enquanto
“Espanha” corresponde a uma seleção. Assim, deveríamos ter, por exemplo: 
“No próximo domingo, o Santos vai jogar contra o Barcelona.”
ARMADILHAS DO TEXTO: AMBIGUIDADE E REDUNDÂNCIA
O uso inadequado de elementos linguísticos também pode provocar problemas na coerência dos
textos. Um deles é a ambiguidade, ou seja, a falta de clareza entre os enunciados permite que
consigamos entender mais de uma informação, causando uma dupla interpretação. Veja a frase: 

“A aluna preparou o trabalho e o colega fez sua apresentação.”

Nesse caso, não temos certeza se o pronome “sua” retoma o termo “aluna” ou a palavra
“colega”. 

A ambiguidade pode ser decorrente de: 


 Uso indevido de pronomes possessivos, como no exemplo anterior;
 Uso inadequado de pronomes relativos, como no exemplo a seguir:

“Visitamos o apartamento e o salão cuja decoração era impressionante.”

Não está claro se é o apartamento ou o salão que possui decoração impressionante.

Emprego indevido de coordenação



“João e Maria querem casar-se.”
 
Não está claro se João quer casar com Maria ou se cada um deseja casar-se com outra pessoa.

Colocação inadequada de palavras



“A moça irritada recusou o convite.”
 
Não sabemos se a moça era irritada ou se ficou irritada naquele momento.

Sentido indistinto entre agente e paciente



“A aprovação do rapaz causou alegria a todos.”
 
Não entendemos se o rapaz aprovou algo ou se foi aprovado por alguém.

Uso indistinto entre o pronome relativo e a conjunção integrante



 “O taxista disse ao rapaz que era mineiro.”
 
Não distinguimos se o taxista era mineiro ou se o rapaz era mineiro.

Uso incorreto de formas nominais



“A mãe viu a garota chegando ao apartamento.”
 
É possível interpretar que a mãe chegou ao apartamento ou que a garota chegou.
Outro problema é a redundância, ou seja, a repetição explícita de uma informação, que só deve
ocorrer se tiver função enfática no texto, de outro modo, é usada inadequadamente e deixa a
linguagem repetitiva e deselegante. Observe: 
“Na volta das férias, tiveram uma surpresa inesperada.”
Produção de gêneros textuais e específicos contextualizados

A produção de textos corresponde à forma organizada de expressão de ideias, resultante dos


processos de comunicação dos quais participamos e das informações a que tivemos acesso, até o
momento do ato comunicativo, por meio das experiências e das trocas de conhecimentos com os
demais interlocutores.
Atendendo às diferentes intenções comunicativas dos usuários da língua, que podem ter como
objetivo informar, argumentar, descrever, relatar ou orientar, temos as tipologias textuais que
melhor atendem a esses objetivos, escolhendo entre elas. As tipologias textuais são as diversas
maneiras de apresentação de um texto. 
Desse modo, cada tipo textual tem um determinado propósito e marcas linguísticas diferentes.

TIPOLOGIAS TEXTUAIS
Conforme as características que apresentam, como a estrutura, ou seja, sua organização como
um todo, a maneira de organização das frases, os termos usados, a linguagem escolhida, os
tempos verbais explorados e o modo de interação com o leitor, temos os diferentes tipos
textuais. 
Alguns deles apresentam características predominantes de organização, porém aceitam a
presença de outras tipologias em sua constituição, como em um conto, que é
predominantemente narrativo, mas pode apresentar trechos descritivos. 
Para maior clareza, tomamos como base a organização apresentada no Quadro 2.
Quadro 2. Tipologia textual: nomenclatura simplificada e adaptada. Fonte: SANTOS; RICHE;
TEIXEIRA, 2010, p. 36-7 (Adaptado).
Você já deve ter notado que, geralmente, conseguimos perceber as principais características das
tipologias, isso porque estamos acostumados com os principais elementos que caracterizam suas
respectivas sequências.

Assim, de acordo com as marcas linguísticas observadas, conseguimos distinguir se a intenção


predominante do emissor do texto é descrever, narrar, expor, argumentar, ou influenciar e
alterar o comportamento de seu interlocutor.

GÊNEROS TEXTUAIS

Gêneros textuais são grupos de textos que apresentam características em comum. Em nossos
atos comunicativos do cotidiano ou em situações dialógicas, produzimos, transmitimos e
interpretamos informações sem a preocupação quanto ao gênero textual que empregamos.
Entretanto, escrevendo, conforme a intenção comunicativa e a situação de interlocução
escolhemos o emprego de algum gênero textual. 
Os gêneros textuais orais costumam ter a espontaneidade como uma das características, mas
também apresentam formas de organização, pois, em conversas e entrevistas, por exemplo,
ocorrem trocas de turnos, quando cada interlocutor toma a palavra, e sobreposição de turnos,
quando os interlocutores falam ao mesmo tempo; aparecem marcadores conversacionais, como
expressões fáticas ou para a finalização do turno; ocorrem hesitações e repetições de expressões
ou informações; e há digressões, que acontecem quando há uma fuga do tema principal do
texto. 
Segundo as autoras Maria Luiza Marques Abaurre e Maria Bernadete Marques Abaurre, no
livro Produção de texto – interlocução e gêneros, publicado em 2009: 
Os gêneros discursivos correspondem a certos padrões de composição de texto determinados
pelo contexto em que são produzidos, pelo público a que eles se destinam, por sua finalidade,
por seu contexto de circulação etc. São exemplos de gêneros discursivos o conto, a história em
quadrinhos, a carta, o bilhete, a receita, o anúncio, o ensaio, o editorial, entre outros (p. 33). 
E como os gêneros textuais estão relacionados ao uso que os falantes fazem da linguagem em
diferentes situações, ocorre a evolução que traz não só modificações em função de necessidades
específicas, como o passar do tempo e o uso da tecnologia, mas também o aparecimento de
novos gêneros. Um exemplo do nosso cotidiano é o uso frequente que fazemos de mensagens
eletrônicas, enquanto, no passado, sem acesso à internet, as cartas e seu envio pelo correio eram
uma forma mais comum de comunicação entre as pessoas. 

CURIOSIDADE
No Brasil, as cartas chegaram com os primeiros portugueses. Assim que a esquadra de Pedro
Álvares Cabral aportou, o escrivão Pero Vaz de Caminha enviou uma carta ao rei D. Manuel I,
comunicando o descobrimento das novas terras.

Os diversos gêneros textuais são definidos de acordo, basicamente, com três elementos. São
eles: o conteúdo, o estilo e a estrutura de sua composição. Porém, inicialmente, precisamos
decidir se temos necessidade de narrar algum acontecimento, expor ideias, argumentar,
descrever algo ou instruir alguém, porque cada uma das necessidades gera um tipo textual e um
gênero específico.
Assim, com base nos tipos textuais, temos os textos narrativos, que apresentam um relato que se
organiza em torno de acontecimentos que podem ser reais ou ficcionais, e os elementos
narrativos, como o espaço, tempo, personagem, enredo e narrador. 
// Quadro 3. Exemplos de textos narrativos

Conto
Texto ficcional breve e escrito em prosa.

Fábula
Narrativa figurada na qual as personagens são animais com características
humanas.

Notícia
Texto informativo sobre um tema atual ou algum acontecimento.

Relato
Narração sobre um fato ou um acontecimento marcante na vida de uma
pessoa.
Romance
Forma literária que apresenta uma história composta por enredo,
temporalidade, ambientação e personagens definidos.

Observe como exemplo o trecho do romance O cortiço, de Aluísio de Azevedo.


Agostinho havia ido, segundo o costume, brincar à pedreira com outros dois rapazitos da
estalagem; tinham, cabritando pelas arestas do precipício, subido a uma altura superior a
duzentos metros do chão e, de repente, faltara-lhe o equilíbrio e o infeliz rolou de lá abaixo,
partindo os ossos e atassalhando as carnes. 
Todo ele, coitadinho, era uma só massa vermelha; as canelas, quebradas no joelho, dobravam
moles para debaixo das coxas; a cabeça, desarticulada, abrira no casco e despejava o pirão
dos miolos; numa das mãos faltavam-lhe todos os dedos e no quadril esquerdo via-se-lhe sair
uma ponta de osso ralado pela pedra. 
Foi um alarma no pátio quando ele chegou. 
[...] 
As mães dos outros dois rapazitos esperavam imóveis e lívidas pela volta dos filhos, e, mal estes
chegaram à estalagem, cada uma se apoderou logo do seu e caiu-lhe em cima, a sová-los
ambos que metia medo. 
— Mira-te naquele espelho, tentação do diabo! exclamava uma delas, com o pequeno seguro
entre as pernas a encher-lhe a bunda de chineladas. Não era aquele que devia ir, eras tu, peste!
aquele, coitado! ao menos ajudava a mãe, ganhava dois mil-réis por mês regando as plantas do
Comendador, e tu, coisa-ruim, só serves para me dar consumições! Toma! Toma! Toma!
Quando estamos diante da tipologia descrição, verificamos que é a realização verbal da
representação de um objeto, de uma pessoa ou de um lugar, indicando aspectos característicos.
Não se trata apenas de enumerar elementos e qualidades em uma ordem ou em determinada
sequência, mas tentar, por meio das palavras, causar uma impressão próxima daquilo que é
descrito. Veja o exemplo abaixo, retirado de O cortiço, de Aluísio Azevedo e observe como a
descrição enriquece a tipologia narrativa: 
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando
aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas de fazenda; era o
aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras, era a
palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o
açúcar gostoso, era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas
com o seu azeite de fogo; e/a era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, e muriçoca
doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos,
acordando-lhe as fibras, embambecidas pela saudade de terra, picando-lhe as artérias, para
lhe cuspir dentro da sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música
feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbam em torno da
Rita Baiana o espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
Grande parte dos textos que pertencem à tipologia narrativa apresentam enredo, como é o caso
de romances e contos, por exemplo. Nesse caso, 
E que tal tentar elaborar um texto com essas características? É um interessante desafio! 
Os textos que pertencem à tipologia narração ou à tipologia descrição apresentam
predominância de substantivos concretos, por isso são caracterizados como textos figurativos. 
Já a ocorrência da tipologia exposição traz um texto temático, isso é, tem predominância de
substantivos abstratos, tendo o objetivo de explicar e transmitir um saber. Seus enunciados se
baseiam em relações lógicas, envolvendo comparações, relações de causa e efeito, e
implicações. Observe o exemplo a seguir: 
A lógica aristotélica foi largamente divulgada a partir do século VI, com a tradução do romano
Boécio. Mais tarde, a escolástica, principal corrente filosófica da Idade Média, introduziu
vários recursos para tornar o estudo da lógica mais acessível [...] (ARANHA; MARTINS,
2005, p.161).
A tipologia argumentação também tem predominância de uso de substantivos abstratos, porém,
além do caráter informativo, esse texto busca convencer o leitor, lançando mão de argumentos,
a fim de fazê-lo acreditar que um determinado ponto de vista é aceitável. Veja o exemplo,
retirado da obra Os sertões, de Euclides da Cunha:

Insistamos sobre esta verdade: a guerra de Canudos foi um refluxo em nossa história. Tivemos,
inopinadamente, ressurreta e em armas em nossa frente, uma sociedade velha, uma sociedade
morta, galvanizada por um doido.
A tipologia injunção denota clara intenção do emissor da mensagem, durante o processo
interativo, provocar uma reação no receptor da mensagem, trabalhando com a função apelativa,
na qual predominam ordens, convites ou orientações, dependendo dos respectivos contextos em
que é usada. Veja o exemplo a seguir, retirado da obra A escrava Isaura, de Bernardo
Guimarães:
- Mas o que é?... fala, Malvina.
- Não te lembras de uma promessa, que sempre me fazes, promessa sagrada, que há muito
tempo devia ter sido cumprida? ... hoje quero absolutamente, exijo, o seu cumprimento.
- Deveras?... mas que promessa?... não me lembro.
- Ah! como te fazes de esquecido!... não te lembras, que me prometeste dar liberdade  a...
- Ah! já sei, já sei - atalhou Leôncio com impaciência. - Mas tratar disso aqui agora?  em
presença dela? ... que necessidade há de que nos ouça?
- E que mal faz isso? mas seja como quiseres, - replicou a moça tomando a mão de Leôncio e
levando-o para o interior da casa; - vamos cá para dentro. 
- Henrique, espera aí um momento, enquanto eu vou mandar preparar-nos o café.
Ainda, temos que acrescentar que podemos fazer uso das diferentes tipologias textuais, tanto
com caráter literário, quando temos a intenção de impressionar nossos interlocutores,
carregando o texto de subjetividade e recursos de estilo, quanto com caráter não literário,
quando optamos pela objetividade, colocando em foco a informatividade do texto.

A COERÊNCIA E OS TIPOS TEXTUAIS

Considerando as características de cada tipologia textual, podemos observar quando não ocorre
a coerência de acordo com o objetivo do emissor.

Nas narrações, as incoerências podem ser resultado da caracterização de determinada


personagem em relação às ações que lhe são atribuídas, por exemplo, se no início da narração é
dito que tal personagem é vegetariana e atua em defesa da vida de qualquer animal, não é
possível dizer, em seguida, que ela está participando de um evento em uma churrascaria e
apreciando o que é servido. 
As sequências das ações também podem fazer o texto narrativo perder a verossimilhança, por
exemplo, se é dito que a personagem não possui um automóvel, mas, logo à frente, é
mencionado que não se lembra de onde estacionou seu veículo. 
É preciso lembrar que há textos ficcionais cujos fatos e características aceitamos porque ocorre
uma verossimilhança interna, como no caso das obras de Monteiro Lobato. Nelas, encontramos
uma boneca que fala e toma todas as decisões, a Emília, mas aceitamos isso, pois, dentro da
contextualização dessa obra, há uma concatenação de informações, mesmo sabendo que não há
verossimilhança externa, ou seja, isso não ocorre na realidade. 

CONTEXTUALIZANDO
Monteiro Lobato (1882 – 1948) participou ativamente da vida cultural brasileira. Deixou uma
extensa obra, composta de contos, crônicas, ensaios, artigos e uma série de livros para crianças
que o transformaram no verdadeiro iniciador de nossa literatura infantil. Foi promotor,
fazendeiro e jornalista. Foi também um ousado editor, contribuindo muito para o
desenvolvimento de nosso mercado editorial e para a ampliação do público leitor (TUFANO,
2012, p. 481).
Como na tipologia descrição apresentamos uma espécie de retrato verbal de pessoas, animais,
ambientes ou paisagens e objetos, ressaltando elementos que os caracterizam, de acordo com as
situações escolhidas, precisamos fazer uso de imagens coerentes com as cenas em que as
descrições estão inseridas. Por exemplo, se caracterizamos o cenário como de uma região na
qual a neve faz parte no inverno, fica incoerente dizer que a personagem acaba de sair usando
roupas de verão. 
No caso da tipologia argumentação ou da tipologia exposição, a coerência é decorrente não
apenas da adequação da conclusão quanto ao que foi apresentado anteriormente no texto, mas
também da própria organização das ideias trazidas na argumentação. 
Logicamente, com a ocorrência da tipologia da argumentação, pode haver opiniões divergentes
quanto à tese e aos argumentos apresentados, mas eles devem ser baseados na realidade, estando
em conformidade com o ponto de vista em evidência, e a conclusão deve ser uma consequência
natural dessa argumentação. 

Tipos de argumentos

Durante a interação social, é comum que expressemos nossa forma de pensar sobre um
determinado assunto. Nesses momentos, argumentamos, ou seja, expressamos um
posicionamento em relação a determinado tema e temos como objetivo principal influenciar
nossos interlocutores, para que cada um altere seu ponto de vista, adotando o nosso. 
Para que alcancemos nossas intenções, tentando convencer o outro, não basta apresentar as
ideias, elas precisam ser organizadas de modo encadeado, e é necessário apresentar um
raciocínio lógico que faça sentido para o interlocutor. 
Cada receptor está mais ou menos propenso a aceitar um ou outro argumento, por isso cabe ao
emissor da mensagem se preparar com vários recursos linguísticos, pois o que convence um
interlocutor pode não convencer outro. 
E, partindo do princípio de que todo enunciado é carregado de intencionalidade, nesse caso,
persuadir é evidente e, para isso, precisamos explorar diferentes recursos persuasivos durante o
ato discursivo. 
Desse modo, é importante conhecer alguns tipos de argumentos usados para tentar persuadir
diferentes interlocutores.

ARGUMENTO POR CITAÇÃO


O argumento por citação ocorre quando tomamos o enunciado de outro para embasar nossas
ideias. Deve ser alguém renomado e que traga veracidade nas palavras, dando confiabilidade às
nossas declarações. Exemplo:

[...] Segundo Walter Benjamin, com as novas possibilidades de reprodução técnica, a obra de
arte perde a sua “aura” religiosa de produto “autêntico” e “único”, responsável pelo
verdadeiro ritual que constitui a apreciação artística [...] (PIGNATARI, 1993, p. 71).

ARGUMENTO POR COMPROVAÇÃO

A argumentação por comprovação se efetiva quando os argumentos são verossímeis e estão


apoiados em fatos, ou seja, em dados comprováveis. Veja o fragmento do texto de Victor
Caputo, publicado no site Exame:
Um levantamento do Ibope Inteligência traçou um perfil do público brasileiro de internet. De
acordo com a pesquisa, o público feminino é maioria. Entre os usuários de internet, 53% são
do sexo feminino e 47% do sexo masculino.
De acordo com a pesquisa, a maior parcela de usuários de internet no Brasil é da classe C (o
Ibope usa a definição do Critério de Classificação Econômica Brasil para divisão de classes).
Os números mostram que 52% dos usuários são da classe C, 34% são da classe B, 10% das
classes D/E e 4% da classe A.
Os argumentos apresentados no texto foram obtidos por intermédio de um órgão conhecido e
respeitado como fonte de informações confiáveis. Além disso, o uso de numerais dá ao leitor a
sensação de confiabilidade. 

ARGUMENTO POR RACIOCÍNIO LÓGICO


A argumentação por raciocínio lógico apresenta argumentos que estão amparados por relações
de causa e efeito, ou causas e consequências, e tendem a persuadir com a relação entre as suas
ideias. Observe o exemplo a seguir:

O fumo é o mais grave problema de saúde pública no Brasil. Assim como não admitimos que os
comerciantes de maconha, crack ou heroína façam propaganda para os nossos filhos na TV,
todas as formas de publicidade do cigarro deveriam ser proibidas terminantemente. Para os
desobedientes, cadeia (VARELLA, 2000).

Diagrama 3. Demonstração de que argumentos têm pesos diferentes para cada interlocutor.
Dessa forma, procure treinar no seu cotidiano o uso desses recursos de persuasão, mas, para
isso, procure enriquecer seu repertório, pois seu interlocutor pode apresentar argumentos que
sejam mais consistentes que os seus.

Agora é a hora de sintetizar tudo o que aprendemos nessa unidade. Vamos lá?!
SINTETIZANDO
Nesta unidade, observamos a importância do cuidado com a elaboração dos textos, sejam eles
realizados oralmente ou na escrita, considerando os tipos de coerência e a coesão textual, para
que ambas caminhem lado a lado. Vale lembrar que a coerência se refere ao sentido do texto, e
a coesão aos processos linguísticos que garantem a amarração entre as palavras, as orações, as
frases, os parágrafos e as ideias do texto como um todo. 
Abordamos, também, as tipologias textuais (descrição, narração, exposição, argumentação e
injunção), a partir das quais temos os inúmeros gêneros textuais, que são renovados com o
passar do tempo e de acordo com as necessidades dos falantes. 
Por fim, estudamos alguns tipos de argumentos usados para a persuasão do interlocutor, a fim
de que partilhe de nossas ideias de acordo com nossos objetivos. 
Dessa forma, conhecendo melhor os recursos que nos permitem apresentar textos com coesão,
coerência e concatenação de informações durante nossas interações sociais, fazemos melhor uso
da língua dentro da comunidade linguística que integramos e maiores são nossas possibilidades
de influenciar o mundo em que vivemos. 

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