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Irmãos Grimm

Com o passar dos anos, a sociedade passou a se sentir mais protegida, e não faria sentido
lembrar de graves dramas como mortes, assassinatos, traições, por vezes envolvendo inclusive
crianças. Talvez por isso quando Walt Disney começou a adaptar os contos tradicionais dos
irmãos Grimm, fez uma enorme alteração no tom e nos finais. Apenas para dar um exemplo,
em João e Maria eles não se perdem na floresta: eles são deixados para morrer de fome pela
própria mãe. E não uma, mas duas vezes! Em Cinderela, as irmãs cortam partes de seus pés
para que o sapato do príncipe pudesse entrar nelas.

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Cinderela
Um conto de fadas dos Irmãos Grimm
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Era uma vez um homem muito rico, cuja mulher adoeceu. Esta, quando
sentiu o fim aproximar-se, chamou a sua única filha à cabeceira e disse-
lhe com muito amor:
-Amada filha, continua sempre boa e piedosa. O amor de Deus há de
acompanhar-te sempre. Lá do céu velarei sempre por ti.
E dito isto, fechou os olhos e morreu.
A menina ia todos os dias para junto do túmulo da mãe chorar e regar a
terra com suas lágrimas. E continuou boa e piedosa. Quando o inverno
chegou, a neve fria e gelada da Europa cobriu o túmulo com um manto
branco de neve. Quando o sol da primavera o derreteu, o seu pai casou-
se com uma mulher ambiciosa e cruel que já tinha duas filhas parecidas
com ela em tudo.

Mal se cruzou com elas a pobre órfã percebeu que nada de bom podia
esperar delas, pois logo que a viram disseram-lhe com desprezo:
- O que é que esta moleca faz aqui? Vai para a cozinha, que é lá o teu
lugar!!!
E a madrasta acrescentou:
- Têm razão, filhas. Ela será nossa empregada e terá que ganhar o pão
com o seu trabalho diário.
Tiraram-lhe os seus lindos vestidos, vestiram-lhe um vestido muito velho
e deram-lhe tamancos de madeira para calçar.
- E agora já para a cozinha! - disseram elas, rindo.

E, a partir desse dia, a menina passou a trabalhar arduamente, desde


que o sol nascia até altas horas da noite: ia buscar água ao poço,
acendia a lareira, cozinhava, lavava a roupa, costurava, esfregava o
chão...
À noite, extenuada de trabalho, não tinha uma cama para descansar.
Deitava-se perto da lareira, junto ao borralho (cinzas), razão pela qual
puseram-lhe o apelido de Gata Borralheira.
Os dias se passavam e a sorte da menina não se alterava. Pelo
contrário, as exigências da madrasta e das suas filhas eram cada vez
maiores.
Um dia, o pai ia para a cidade e perguntou às duas enteadas o que
queriam que ele lhes trouxesse.
- Lindos vestidos - disse uma.
- Jóias - disse a outra.
- E tu, filhinha, Gata Borralheira, o que queres? - perguntou-lhe o pai.
- Um ramo verde da primeira árvore que encontrares no caminho de
volta.
Terminada a compra, ele comprou os vestidos para as enteadas e as
jóias que tinham pedido e no caminho de regresso cortou para a filha um
ramo da primeira árvore que encontrou. De uma Oliveira.
Ao chegar em casa, deu às enteadas o que lhe tinham pedido e entregou
à filha um galho de oliveira, árvore que produz azitonas. Ela correu para
junto do túmulo da mãe, enterrou o ramo na terra e chorou tanto que as
lágrimas o regaram. Começou a crescer e tornou-se uma bela árvore.
A menina continuou a visitar o túmulo da mãe todos os dias e certa vez
ouviu uma bonita pomba branca dizer-lhe:
- Não chores mais, minha querida. Lembra-te que, a partir de agora,
cumprirei todos os teus desejos.
Pouco depois o rei anunciou a todo o reino que ia dar uma festa durante
três dias para a qual estavam convidadas todas as jovens que queriam
casar-se, a fim de que o príncipe herdeiro pudesse escolher a sua futura
esposa.
Imediatamente as duas filhas da madrasta chamaram a Gata Borralheira
e disseram-lhe:
- Penteia-nos e veste-nos, pois temos que ir ao baile do príncipe para
que ele possa escolher qual de nós duas será a sua esposa.
A Gata Borralheira obedeceu humildemente. Mas quando viu as duas
luxuosamente vestidas, desatou a chorar e suplicou à madrasta que
também a deixasse ir ao baile.
- Ao baile, tu??? - respondeu ela - Já te olhaste ao espelho?
A madrasta, face à insistência da Gata Borralheira, acrescentou, ao
mesmo tempo que atirava um pote de lentilhas para as cinzas:
- Está bem! Se separares as lentilhas em duas horas, irás conosco.
A menina saiu para o jardim a chorar e lembrando-se do que a pomba
lhe tinha dito, expressou o seu primeiro desejo:
- Dócil pombinha, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham
ajudar-me a separar as lentilhas.
- Os grãos bons no prato, e os maus no papo.

Duas pombinhas brancas, seguidas de duas rolinhas e de uma nuvem de


passarinhos entraram pela janela da cozinha, e começaram a bicar as
lentilhas. E muito antes de terminarem as duas horas concedidas,
separaram as lentilhas. Entusiasmada, a menina foi mostrar à madrasta
o prato com as lentilhas escolhidas. - Muito bem. – disse a madrasta,
com ironia - Mas que vestido vais usar? E além disso, tu não sabes,
dançar. Será melhor ficares em casa.
Desconsolada, a Gata Borralheira começou a chorar, ajoelhou-se aos
pés da madrasta e voltou a suplicar-lhe que a deixasse ir ao baile.
- Está bem. - disse ela com cinismo - Dou-te outra oportunidade.
E voltou a espalhar dois potes de lentilhas sobre as cinzas.
- Se conseguires escolher as lentilhas numa hora, irás ao baile.
A doce menina saiu a correr para o jardim e gritou:
- Dóceis pombinhos, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham
ajudar-me a separar as lentilhas.
- Os grãos bons no prato, e os ruins no papo.
De novo, duas pombas brancas entraram pela janela da cozinha, depois
as pequenas rolas e um bando de passarinhos, e pic-pic-pic escolheram-
nas e voaram para sair por onde entraram.
A menina logo correu e mostrou à madrasta as lentilhas escolhidas, mas
de nada lhe serviu.
- Deixa-me em paz com as tuas lentilhas! Vaias ficar em casa e pronto!
Ponto final! E cest fini. pronuncia-se: Cé finí).
Virou-lhe as costas e chamou as filhas.

Quando já não havia ninguém em casa, a Gata Borralheira foi junto ao


túmulo da mãe, debaixo da oliveira, e gritou:
- Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para eu me
vestir.
A pomba que lhe tinha oferecido ajuda, apareceu sobre um ramo e,
estendendo as asas, transformou os seus farrapos num lindíssimo
vestido de baile e os seus tamancos em luxuosos sapatos bordados a
ouro e prata.
Quando entrou no salão de baile, todos os presentes se admiraram
perante tamanha beleza. Mas as mais surpreendidas foram as duas
filhas da madrasta que estavam convencidas que seriam as mais belas
da festa. Porém, nem elas, nem a madrasta ou o pai reconheceram a
Gata Borralheira.
O príncipe ficou fascinado ao vê-la. Tomou-a pela mão e os dois
começaram o baile. Durante toda a noite esteve ao seu lado e não
permitiu que mais ninguém dançasse com ela.

Chegado o momento de se despedirem, o príncipe ofereceu-se para


acompanhá-la, pois ardia de desejo por saber quem era aquela jovem e
onde morava. Mas ela deu uma desculpa para se retirar por momentos e
aproveitou para abandonar o palácio a correr e deixar em baixo de uma
árvore o seu formoso vestido e os sapatos.
A pomba, que estava à sua espera, pegou neles com as suas patinhas e
desapareceu na escuridão da noite. Ela vestiu o vestido cinzento, o
avental e os tamancos e, como de costume, deitou-se junto à chaminé e
adormeceu. No dia seguinte, quando se aproximou a hora do início do
segundo baile, esperou até ouvir partir a carruagem e correu para junto
da árvore:
- Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me
vestir.

E de novo apareceu a pomba e a vestiu com um vestido ainda mais lindo


que o da noite anterior e calçou-lhe uns sapatos que pareciam de ouro
puro.A sua aparição no palácio causou sensação maior ainda do que da
primeira vez. O próprio príncipe, que a esperava impaciente, sentiu-se
ainda mais deslumbrado. Pegou-lhe na mão e, de novo, dançou com ela
toda a noite.

Ao chegar a hora da despedida, o príncipe voltou a oferecer-se para


acompanhá-la, mas ela insistiu que preferia voltar sozinha para casa.
Mas desta vez o príncipe seguiu-a. De repente, parecia que tinha sido
engolida pelo chão. Em vez de entrar em casa, a jovem Gata Borralheira,
de vergonha, escondeu-se atrás de uma frondosa oliveira que havia no
jardim. O príncipe continuou a procurá-la pelas redondezas, até que
decepcionado regressou ao palácio.
A Gata Borralheira abandonou então o seu esconderijo, e quando a
madrasta e as filhas chegaram ela já tinha tirado as vestes faustosas
(bonitas) e posto os seus trapos velhos.
No terceiro dia, quando o pai fustigou o cavalo e a carruagem se afastou
com a sua a esposa e filhas, a menina aproximou-se de novo da árvore e
disse:
- Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me
vestir.
E a pomba, uma vez mais, trouxe-lhe um vestido de sonho, de seda com
aplicações de suntuoso chale e uns sapatos bordados a ouro para os
seus pequeninos e delicados pés. E depois, colocou-lhe sobre os ombros
uma capa de veludo dourado.
Quando entrou no salão de baile, a belíssima Gata Borralheira foi
recebida com uma exclamação de assombro por parte de todos os
presentes.
O príncipe apressou-se a beijar-lhe a mão e a abrir o baile, não se
separando dela toda a noite.
Pouco antes da meia-noite, a jovem despediu-se do príncipe e pôs-se a
correr. O príncipe não conseguiu alcançá-la mas encontrou na escadaria
uns sapatinhos dourados que ela tinha perdido durante a sua precipitada
fuga. Apanhou-o e apertou-o contra o coração.

Na manhã seguinte, mandou os seus mensageiros difundirem por todo o


reino que se casaria com aquela que conseguisse calçar o precioso
sapato.
Depois de todas as princesas, duquesas e condessas o terem inutilmente
experimentado, ordenou aos seus emissários que o sapato fosse
provado por todas as jovens, qualquer que fosse a sua condição social e
financeira.
Quando chegaram à casa onde vivia a Gata Borralheira, a irmã mais
velha insistiu que devia ser ela a primeira a experimentar e,
acompanhada pela mãe que já a imaginava rainha, subiu ao quarto,
convencida que lhe servia. Mas o seu pé era demasiado grande. Então a
mãe, furiosa, obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe:
- Embora te aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás
rainha e não terás que andar a pé nunca mais.
A jovem disfarçou a dor que sentia e subiu para a carruagem,
apresentando-se diante do filho do rei.
Embora ele tenha notado de imediato que aquela não era a bela
desconhecida que conhecera no baile, teve que considerá-la como sua
prometida. Montou-a no seu cavalo e foram juntos dar um passeio. Mas,
ao passar diante de uma frondosa árvore, viu sobre os seus ramos duas
pombas brancas que o advertiram:
- Olha para o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela...
O príncipe desmontou e tirou-lhe o sapato. E ao ver como o pé estava
roxo e inchado, percebeu que tinha sido enganado. Voltou à casa e
ordenou que a outra irmã experimentasse o sapato.
A irmã mais nova subiu ao quarto, acompanhada da mãe, e tentou calçá-
lo. Mas o seu pé também era demasiado grande.
E a mãe obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe:
- Embora te aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás
rainha e não terás que andar a pé nunca mais.
A filha obedeceu, enfiou o pé no sapato e, dissimulando a dor,
apresentou-se ao príncipe que, apesar de ver que ela não era a bela
desconhecida do baile, teve que considerá-la como sua prometida.
Montou-a no seu cavalo e levou-a a passear pelo mesmo sítio onde
levara a sua irmã. Ao passar diante da árvore onde estavam as duas
pombas, ouviu-as de novo adverti-lo:
- Olha para o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela...
O príncipe tirou-lhe o sapato e ao ver que tinha o pé ainda mais inchado
que a irmã, percebeu que também ela o tinha enganado.
- Aqui vos trago esta impostora. E dai graças a Deus por não ordenar
que sejam castigadas. Mas se ainda tendes outra filha, estou disposto a
dar-vos nova oportunidade e eu mesmo lhe calçarei o sapato.
- Não. Não temos mais filhas - disse a madrasta.
Mas o pai acrescentou:
- Bem, a verdade é que tenho uma filha do meu primeiro casamento, aa
qual vive conosco. É ela que faz a limpeza da casa e por isso anda
sempre suja. É a Gata Borralheira.
- As minhas ordens dizem que todas as jovens sem exceção devem
experimentar o sapato. Tragam-na à minha presença. Eu mesmo lho
calçarei.
A Gata Borralheira tirou um dos pesados tamancos e calçou o sapato
sem o menor esforço. Coube-lhe perfeitamente.
O príncipe, maravilhado, olhou bem para ela e reconheceu a formosa
donzela com quem tinha dançado.
- A minha amada desconhecida! - exclamou ele - Só tu serás minha dona
e senhora.
O príncipe, radiante de felicidade, sentou-a ao seu lado no cavalo e
tomou o mesmo caminho por onde tinha ido com as duas impostoras.
Pouco depois, ao aproximar-se da árvore onde estavam as pombas,
ouviu-as dizer:
- Continua, Príncipe , a tua cavalgada, pois a dona do sapato já foi
encontrada.
As pombas pousaram sobre os ombros da jovem e os seus farrapos
transformaram-se no deslumbrante vestido que ela tinha levado ao último
baile.
Chegaram ao palácio e de imediato foi celebrado o casamento. Quando
os habitantes do reino souberam da forma como o maado e desnaturado
pai, a madrasta e as duas filhas tinham tratado aquela que agora era a
sua adorada princesa, começaram a desprezá-los de tal modo que eles
tiveram que abandonar o país.
A princesa, fiel à promessa feita à mãe, continuou a ser piedosa e
bondosa como sempre e continuou a visitar o seu túmulo e a orar
debaixo da árvore, testemunha de tantas dores e alegrias.

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