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Adaptação e Validação Interna de Duas Escalas de Empatia para Uso no Brasil 43

Estudos de Psicologia
2001, Vol 18, no 3, 43-53

A d a p t a ç ã o e Va l i d a ç ã o I n t e r n a
de Duas Escalas de Empatia para Uso no Brasil

Sílvia Helena Koller1


CleoniceCamino2
J'aims Ribeiro3

O objetivo deste estudo foi adaptar e validar duas escalas de empatia para uso no Brasil. A
Escala Multidimensional de Reatividade Interpessoal de Davis (EMRI) é uma medida de em-
patia (reatividade interpessoal) composta por três subescalas com sete itens cada, que avaliam
componentes afetivo (CE), cognitivo (CG) e comportamental (CC). A Escala de Empatia para
Crianças e Adolescentes de Bryant (EECA) é uma medida com 22 itens. Foram testados 320
adolescentes de 14 a 16 anos, de nível sócio-econômico alto e baixo, estudantes da segunda
etapa do Ensino Fundamental (sétima série) e do Ensino Médio (primeira e segunda séries), de
ambos os sexos, em escolas públicas e privadas de João Pessoa/PB e Porto Alegre/RS. Os esco-
res de consistência interna de ambas as escalas (EMRI, alpha= 0,75; EECA, alpha= 0,74) e das
três subescalas da EMRI (CA, alpha= 0,67; CG, alpha= 0,63; CP, alpha= 0,54) foram conside-
rados satisfatórios e permitem recomendar a utilização das versões traduzidas para o Português
por pesquisadores no Brasil. Foi calculada a validade convergente entre as escalas, obtendo
correlação da EECA com os componentes afetivo, cognitivo e comportamental da EMRI.
Palavras-chave: escala de empatia, afeto, cognição, comportamento.

Abstract
Adaptation and Infernal Validation of Two Empathy Scales for Use in Brazil
The aim of tuis study was to adapt and validate two scales of empathy to be used in Brazil. The
Interpersonal Reactivity Index of Davis (EMRI, in Portuguese) has three subscales: emotional
(CE), cognitive (CG), and behavioral (CC) components of empathy. Bryant's Empathy Scale
for Children and Adolescents (EECA, in Portuguese) has 22 items. Thirty-two hundred adoles-
cents, high and low SES, 14 to 16 years old, both sexes, of public and private schools of João
Pessoa/PB and Porto Alegre/RS were evaluated. The reliability analysis of the subscales sho-
wed EMRI alpha= 0,75, CE alpha= 0,67, CG alpha= 0,63, CC alpha= 0,54, and EECA alpha=
0,74, which are considered adequate, and recommend the research use of Portuguese version in
Brazil. Convergent validity was found among the EECA scale, CG, CA, and CC subscales of
EMRI.
Key words: empathy, affect, cognition, behavior.

1. Psicóloga, Doutora em Educação, Pesquisadora do CNPq e Professora do Curso de Pós-Graduação em Psico-


logia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Centro de Estudos
Psicológicos sobre meninos e meninas de rua.
2. Psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidade de Louvain (Bélgica) e Professora do Curso de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Paraíba.
3. Psicólogo, Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba e Professor do Curso de Gradua-
ção em Psicologia da Universidade Federal de Pemambuco.
Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia, Rua Ramiro Barcelos, 2600/104, CEP 90035.003, Porto
Alegre, RS. Fone: (51) 3309507, Fax: (51) 3304797. e-mail: kollersh@ufrgs.br

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Introdução ricos e a generalização dos resultados obtidos


em variados estudos tomam-se mais difíceis
Adaptação e validação interna de duas ainda diante deste fato. Certamente, as diver-
escalas de empatia para uso no Brasil gências teóricas influenciam nas questões
metodológicas e vice-versa. A escolha de um
A empatia e os processos relacionados a
instrumento para avaliar empatia deve levar em
esta dimensão da expressão psicológica há
conta a definição teórica e operacional que a
muito têm sido alvo do interesse de diversos
variável adota naquele estudo em particular.
pesquisadores e teóricos do campo da psico-
logia do desenvolvimento e da personalidade. Para Davis (1983), empatia consiste em
Alguns estudos enfatizam os aspectos afetivos reações às experiências observadas do outro,
da empatia, especialmente aqueles relacionados composta por quatro dimensões: tomada de
ao altruísmo(Aronfreed, 1964, 1968;Hoffman, perspectiva, consideração empática, personal
1976, 1977, 1982, 1990; Selman, 1971, 1976). distress (angústia pessoal) e fantasia. Com esta
Outros estudos enfatizam os aspectos cogni- concepção, Davis integra o domínio cognitivo,
tivos da empatia, definindo-a comouma capaci- evidenciado pela habilidade de reconhecer os
dade detomada de perspectiva do outro (Hogan, sentimentos do outro (tomada de perspectiva do
1969, 1973, 1975). Alguns estudos têm apoiado outro) e o domínio afetivo (consideração empá-
a idéia de que empatia é um aspecto afetivo e tica). A estes, Davis acrescenta o sentimento de
cognitivo do desenvolvimento humano relacio- personal distress, que define como um compor-
nado com a moralidade (Eisenberg & Strayer, tamento aversivo, expresso em associação com
1987;Kohlberg, 1969, 1976). Outras pesquisas ansiedade ou angústia, provocado por uma rea-
têm integrado estes componentes a um compo- ção ou preocupação egoística e auto-orientada,
nente comportamental, especialmente aqueles que alguns indivíduos experimentam ao perce-
relacionados a desenvolvimento moral pró- ber outros em situações aflitivas. Davis acres-
social (CarIo, Koller, Eisenberg, Da Silva & centa, ainda, à empatia a dimensão da fantasia,
Frohlich, 1996; Eisenberg & Strayer, 1987; que indica, também, comportamentos do indi-
Eisenberg, Zhou &Koller, no prelo). A empatia víduo relacionados com a sua imaginação.
é definida como uma ação ou reação adotada Baseado na compreensão da empatia como uma
diante de um evento, que pode causar mobili- variável multidimensional, Davis (1983) elabo-
zação afetiva, compreensão e interpretação rou o Interpersonal Reactivity Index, que é uma
cognitiva, e que direciona a pessoa para uma medida objetiva, composta por quatro subesca-
tomada de atitude, seja esta passiva ou ativa Ias independentes, uma para cada dimensão. A
(Eisenberg & Strayer, 1987). Escala de Consideração Empática (CE) contém
componentes afetivos da empatia, apresentando
A diversidade de orientações teóricas e
itens que informam sobre a emoção e os senti-
de definições de empatia revela, no entanto,
mentos alter-orientados. Esta subescala está
algumas controvérsias entre os diversos estu-
relacionada com medidas que refletem preocu-
diosos da área. Conforme Camino e colabora-
dores (1996), os estudos que abordam a variável pação com outras pessoas. A Escala de Tomada
empatia se encarregam de adotar a definição e a de Perspectiva do Outro (CG) contém compo-
orientação que mais convêm a cada caso em nentes cognitivos da empatia, baseados na ten-
particular (Camino, Camino & Leyens, 1996). dência para adotar, espontaneamente, o ponto
A comparação dos resultados de estudos empí- de vista psicológico do outro, antecipando seus

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comportamentos e reações. A Escala de Perso- Estudos sobre empatia são recentes no


nal Distress (CC) representa o comportamento Brasil, aparecendo ultimamente, como mencio-
expresso do indivíduo que, em situações emo- nam Carlo e Koller (1998), associados ao inte-
cionais tensas, experimenta sentimentos de resse pelo desenvolvimento moral pró-social. A
ansiedade com relação ao infortúnio dos outros. área de estudos sobre desenvolvimento moral,
A Escala de Fantasia baseia-se na tendência do uma das mais fortes no país (Biaggio, 1988a,
indivíduo em partilhar, imaginativamente, sen- 1988b),definia a empatia, observada através de
timentos percebidos em personagens fictícios verbalizações dos indivíduos, como justifica-
de livros, filmes, peças de teatro ou similares. tivas para não transgressão. Não eram utili-
zadas medidas de avaliação da empatia, como
Bryant (1982) define empatia como
variável central dos estudos em qualquer destas
"uma resposta emocional vicária às experiên-
áreas, sendo tais medidas inexistentes no Brasil.
cias emocionais dos outros, percebidas pelo
sujeito" (p. 414). A partir desta definição, O presente estudo foi desenvolvido com
construiu a Escala de Empatia para Crianças e o objetivo de adaptar e validar duas escalas de
Adolescentes, com base na Escala de Empatia medida de empatia para uso no Brasil, em
Emocional de Mehrabian e Epstein (1972), que pesquisas nas quais a empatia seja considerada
avalia, principalmente, "a responsividade emo- como principal variável de investigação, ou
cional" dos indivíduos (p. 414). Se comparada apareça como variável interveniente nos
ao lnterpersonal Reactivity lndex de Davis processos psicológicos diversos investigados.
(1983), a Escala de Empatia de Bryaht deve es-
tar positivamente relacionada às escalas de con- Método
sideração empática, que, para Davis (1983), Participantes
avaliam os componentes afetivos da empatia.
Deve, também, estar relacionada, embora com A amostra foi composta por 320 adoles-
centes (de 14 a 16 anos de idade) de ambos os
menor ênfase, à tomada de perspectiva do outro,
sexos (128 meninos e 192meninas), alunos de
pois, mesmo exigindo o reconhecimento cogni-
tivo da perspectiva do outro, empatia, para escolas privadas (nível sócio-econômico
Bryant, está mais ligada aos aspectos emocio- alto) e de escolas públicas de periferia (nível
nais. A Escala de Bryant deve estar negativa- sócio-econômico baixo) das cidades de Porto
mente correlacionada à Escala de Personal Alegre/RS e João Pessoa/PB. A Tabela 1
Distress de Davis,uma vez que Bryant considera apresenta a distribuição da amostra em
empatia como sinônimo de desenvolvimento função do nível de escolaridade, do sexo, do
social adaptado, enquanto personal distress nível sócio-econômico e da procedência dos
expressa dificuldades neste desenvolvimento. respondentes.

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Material e procedimentos (1980) revelam consistência interna satisfató-


ria, variando de 0,71; a 0,77 para as quatro esca-
A Escala Multidimensional de Reati-
las. A fidedignidade do teste-reteste varia de
vidade Interpessoal (EMRI) e a Escala de
0,62 a 0,71; também foi considerada como
Empatia para Crianças e Adolescentes (EECA)
foram traduzi das do original em inglês para o adequada para o período de tempo entre as
português utilizado no Brasil, por um pesqui- aplicações. Davis (1980) comenta, ainda, que
sador bilíngüe da área de Psicologia. Foram encontrou diferença de sexos em todas as
traduzidas de volta para o inglês (back trans- escalas, sendo que as mulheres apresentaram
lation), por outro pesquisador bilíngüe. escores mais latos do que os homens em todas
Ambas as versões foram comparadas e uma elas (ver itens no Anexo A).
versão final de cada Escala foi elaborada, A Escala de Empatia para Crianças e
para utilização com crianças e adolescentes
Adolescentes (EECA), desenvolvida por
brasileiros.
Bryant (1982), apresenta 22 itens que devem ser
Foram aplicadas, neste estudo, apenas respondidos com "sim" ou "não". Os itens 2, 3,
três subescalas da Escala EMRI: Consideração 9, 10, 15, 16, 17, 18,20,21 e 22 possuem dire-
Empática (CE), Tomada de Perspectiva do ção inversa e devem ser invertidos quando for
Outro (CG) e Personal Distress (CC). A Escala calculado o escore global da escala. Os índices
de Fantasia não foi utilizada neste estudo, por de consistência interna (alpha de Cronbach)
recomendação de Eisenberg (comunicação oral variaram de 0,54 para crianças de primeira série
em 22/11/1992), por ser uma escala elaborada do Ensino Fundamental a 0,68 para as de quarta
com base em aspectos culturais, não sendo série e 0,79 para as de sétima série. Os coefi-
adequada, mesmo em algumas regiões cientes de fidedignidade para teste-reteste
norte-americanas, e por ter sido abandonada, foram r (53) = 0,74; r (108) = 0,81; e, r (80) =
devido a estes problemas, em estudos nos 0,83 (para alunos de primeira, quarta e sétima
Estados Unidos. Cada uma das subescalas é série). Os coeficientes indicam um grau ade-
constituída de sete proposições, que suscitam quado de estabilidade dos escores em um breve
uma escolha objetiva a ser assinalada numa período de tempo (ver itens no Anexo B).
escala do tipo Likert que varia de 1 ("Não me
Ambas as Escalas são instrumentos do
descreve bem") a 5 ("Descreve-me muito
tipo "lápis e papel", para administração
bem"). A soma dos resultados das três subes-
coletiva. Foram aplicadas em sala de aula por
calas (CA, CG e CP) permite calcular o escore
pesquisadores, previamente capacitados para
global da EMRI. Maiores escores indicam mais
a tarefa. Foi facultado aos respondentes o
altos níveis de empatia em todas as três subes-
calas e na escala global. Os itens 2, 3, 9, 10, 11 e direito de executar ou não a tarefa e não houve
13 devem ter sua pontuação invertida para o limitação de tempo para conclusão. As Esca-
cálculo dos escores das escalas e da escala las foram apresentadas de forma randômica
global, já que foram elaborados na direção para evitar efeitos de ordem (metade de cada
oposta à dos outros itens. As propriedades grupo de participantes iniciou com uma
psicométricas da Escala apresentadas por Davis Escala e a outra metade com a outra Escala).

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Resultados efetivo para lidar com emergências") apresentou


um alpha igual a 0,0537. Com a retirada destes
Consistência interna
itens, o alpha da Escala CC eleva-se de 0,50 para
Foram calculados Alphas de Cronbach 0,54. O alpha obtido para o EMRI ( = 0,72) foi
para as Escalas de Consideração Empática (CE), considerado satisfatório, embora não muito
Escala de Tomada de Perspectiva do Outro (CG) elevado, uma vez que a Escala consiste em
e Escala de Personal Distress (CC), para a um número total reduzido de itens (n= 21). A
Escala Multidimensional Global (EMRI) e para a retirada de itens com baixos valores de alpha da
Escala de Empatia para Crianças e Adolescen- Escala Global eleva o valor de alpha para 0,75.
tes (EECA). A Tabela 2 apresenta os resultados
da análise de confiabilidade das Escalas, infor- A Escala de Empatia para Crianças e
mando os alphas iniciais e os ajustados. Adolescentes (EECA) apresentou um alpha de

A Escala de Consideração Empática (CA; = Cronbach de 0,67. Três itens obtiveram corre-
0,67) apresentou maior índice de consistência lações baixas e dois, correlação negativa. O
interna do que as demais. A retirada de qualquer item 7 ("Mesmo quando eu não sei porque
um dos itens desta escala resultaria em redução alguém está rindo eu também começo a rir") e o
no valor de alpha. A Escala de Tomada de Pers- item 10 ("É difícil para mim ver o porquê outra
pectiva do Outro (CG; = 0,53) apresentou dois pessoa fica aborrecida) apresentaram alphas
itens com correlação baixa em relação ao total. O iguais a 0,13. Para o item 22 ("Eu não me sinto
item 2 ("Às vezes eu tenho dificuldade de ver as aborrecido(a) quando um(a) colega está sendo
coisas do ponto de vista dos outros") apresentou punido(a) pelo (a) professor(a) por não obede-
um alpha igual a 0,0277 e o item 11("Se eu tenho cer as regras da escola) obteve um alpha igual
certeza de que eu estou correto sobre alguma a 0,11. Os itens 15 e 17 apresentaram valores
coisa, eu não desperdiço muito tempo ouvindo os negativos para o alpha. No item 15 ("Adultos às
argumentos dos outros") apresentou um alpha vezes choram, mesmo quando eles não têm
igual a 0,0903. Sem estes itens, o alpha da Escala motivos para estarem tristes") apresentou um
CG eleva-se de 0,53 para 0,63. A Escala de alpha igual a -0,13. Para o item 17 ("Eu fico
Personal Dístress (CC) apresentou dois itens bravo(a) quando vejo um(a) colega de aula
com coeficientes de correlação baixos. O item 9 fingindo que precisa de ajuda do(a) profes-
("Quando eu vejo alguém se ferir eu tendo a sor( a) todo o tempo") foi encontrado um alpha
permanecer calmo") apresentou um alpha igual igual a -0,09. A retirada destes itens elevou o
a 0,1305 e o item 14 ("Geralmente eu sou muito alpha da Escala Total para 0,74.

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Validade convergente participantes. A Tabela 4 apresenta as médias e


Para examinar a convergência entre as os desvios-padrão obtidos para cada sexo e os
Escalas de Empatia (Davis e Bryant) foram cal- valores de 1. Houve diferença entre meninos e
culados os coeficientes de correlação (Pearson) meninas na Escala de Empatia de Bryant
entre as Escalas. Todos os coeficientes encon- (EECA) e na subescala CE de Davis, que avalia o
trados foram significativos (12<0,05), conforme componente afetivo da empatia. Meninos apre-
apresenta a Tabela 3. Coeficientes de corre- sentaram escores mais baixos na Escala de
lação moderados e fracos eram esperados, em Empatia de Bryant (EECA) e meninas, na subes-
função do pequeno número de itens das escalas
cala CE de Davis. Houve diferença entre os
(CA, n = 7 itens; CG e CP, n = 5 itens).
sexos na Escala Global EMRI, sendo que as
Foram realizados Testes t de Student para meninas apresentaram escores mais altos do que
verificar diferenças entre os sexos e os graus de os meninos.
escolaridade (Ensino Médio e Fundamental) dos

Tabela 4. Médias e desvios-padrão dos escores de empatia em função do sexo.

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A Tabela 5 apresenta os resultados dos 0,5270; p<0,001), uma vez que ambas avaliam
participantes de Ensino Fundamental e do Ensino aspectos relacionados à sensitividade e à
Médio (médias e desvios-padrão). Foi realizado responsividade emocional do indivíduo em
um Teste t de Student para verificar diferenças relação ao outro. Ambas são consideradas
entre os grupos. Os estudantes de Ensino Fun- medidas afetivas da empatia.
damental apresentaram maiores escores do que
Os coeficientes de correlação encontrados
os estudantes de Ensino Médio na Escala de
entre CG e CE (r= 0,4583; 12<0,001) e CG e
Empatia (EECA) de Bryant.
EECA (r= 0,3835; 12<0,001) são congruentes
com o previsto por Davis (1983). A subescala

Discussão CG, que avalia a tomada da perspectiva do outro,


pressupõe habilidade cognitiva, implicando a
Os alphas obtidos para a Escala Multidi-
compreensão e a interpretação da emoção e do
mensional de Reatividade Interpessoal (EMRI)
sentimento do outro. Este aspecto abrange, tam-
variam de 0,63 a 0,74, com exceção do alpha rela- bém, habilidade de reconhecimento afetivo,
tivo à subescala CC, que é igual a 0,54. Conside- avaliado tanto por CE quanto por EECA.
rando a natureza multidimensional do construto
empatia e o pequeno número de itens das subes- As correlações positivas entre a subes-
calas, consideram-se satisfatórios os resultados cala CC e as demais escalas diferem do previsto
obtidos. Os resultados controversos com relação teoricamente. Esta subescala avalia as reações
às diferenças de sexo associam-se a outros resul- orientadas para alívio pessoal da ansiedade ou
tados da literatura, que não permitem afirmar que egoístas, pelo descaso ao sofrimento do outro,
enquanto as demais subescalas envolvem uma
ocorram diferenças de empatia entre os sexos. Os
reação voltada para o outro, ou seja, uma orien-
resultados obtidos entre os graus de escolaridade
tação inversa à da subescala CP. Davis (1983)
revelam que a empatia pode ser enfatizada em sua
afirma que, embora não se saiba se correlações
faceta mais afetiva durante a pré-adolescência
negativas entre a CC e a CE - ou medidas simi-
(Ensino Fundamental), mas que não mantém este
lares - devam ser esperadas, não se deveria
padrão na adolescência (Ensino Médio). esperar correlações positivas entre medidas
Os dados sobre a convergência confir- desta natureza. A definição de Personal Dis-
mam a expectativa de correlação entre a EECA tress, conforme proposta por Davis (1983),
e a Escala de Consideração Empática (r= "sentimento auto-orientado de ansiedade

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pessoal e descaso em situações interpessoais gruente com a situação do outro. Certamente,


tensas" (p.1l4), não se contrapõe à noção de características individuais, momento de vida,
empatia como resposta afetiva, tampouco à no- humor e análise de condições pessoais podem
ção de tomada de perspectiva do outro, reconhe- conduzir indivíduos a expressar ou não com-
cida como um construto de natureza cognitiva. portamentos de ajuda. Se a tensão for consi-
Quando considerada a ansiedade, mesmo que derada demasiada para ele, gerará personal
egoística, gerada por situações interpessoais distress e o conseqüente abandono da situação
tensas, supõe-se que tal ansiedade seja possível ansiogênica. O indivíduo, então, fugirá de uma
porque o indivíduo, de alguma forma, reagiu ao situação emocionalmente tensa, não por indi-
outro e a sua situação. Possivelmente, por ter ferença ao sofrimento do outro, mas por se
compreendido o sofrimento ou o sentimento do
considerar impotente ou incompetente para
outro, também sofria naquele momento. A
agir eficazmente. Pode, ainda, reconhecer os
discussão mais apropriada neste caso não seria a
próprios limites e avaliar que não seria capaz de
presença ou ausência de componentes afetivos,
suportar tais níveis de tensão e ansiedade.
mas a natureza de tais afetos.
Em suma, os resultados obtidos na análi-
Outra possibilidade de análise consiste
se de consistência interna e validade conver-
em questionar a compreensão de Davis (1983)
gente das escalas adaptadas para uso no Brasil
sobre Personal Distress. Segundo ele, esta
revelam que ambas podem auxiliar em futuras
reação baseia-se em um sentimento voltado
investigações sobre a variável empatia, tanto
para o próprio indivíduo, ou seja, auto-orientado.
do ponto de vista cognitivo, quanto afetivo, e
Esta compreensão pode estar equivocada, se a
ainda com ambos integrados. O sentimento de
tomada de consciência de um sofrimento, que
personal distress acrescenta aos dois aspectos
seja do próprio sujeito ou por ele diretamente
anteriormente mencionados outra forma de
experimentado, indica, em sua origem, capaci-
abordagem que, considerando sua especificida-
dade de se colocar no lugar do outro. Embora a
de, aumentaria as chances do pesquisador de
reação seja auto-orientada, mesmo que o indiví-
entender as reações dos indivíduos, no que diz
duo comporte-se de acordo com a definição de
respeito ao sofrimento de outrem.
personal distress, não apresentando condições
de demonstrar adequadamente sua empatia ou
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Adaptação e Validação Interna de Duas Escalas de Empatia para Uso no Brasil 53

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