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Editorial

Recuperação de micro e pequena empresa


7 de Julho de 2005 - Um ponto positivo da nova lei é a previsão de parcelamento das
dívidas. De acordo com o seu Estatuto, microempresa é a pessoa jurídica ou firma individual
com receita bruta anual igual ou inferior a R$ 433.755; enquanto que empresa de pequeno
porte é a pessoa jurídica ou firma individual que aufira receita bruta anual superior a esse
valor, limitada a R$ 2.133.222. São essas empresas as que mais contribuem para a redução
do desemprego, além de desempenharem importante papel na produção de bens e de
serviços e na circulação de mercadorias, sendo relevante fonte de arrecadação de tributos.

Sob outro enfoque, tais empresas são as mais afetadas por crises setoriais e conjunturais,
dada a sua reduzida capacidade econômica. Por esse motivo o Estado tem procurado
garantir-lhes tratamento especial, sobretudo no âmbito tributário, a fim de assegurar o
exercício de suas atividades, social e economicamente essenciais.

Diante da importância e das peculiaridades de tais entes, a nova legislação falimentar


estabeleceu procedimento de recuperação judicial diferenciado, por meio dos arts. 70 a 72 da
nova lei. Já a falência das micro e pequenas não recebeu disciplina legal específica,
devendo, no caso, serem seguidas as regras gerais dos arts. 75 e seguintes.

Em nosso entender, esse procedimento diferenciado de recuperação judicial das micro e


pequenas apresenta muitos aspectos negativos, e alguns poucos positivos. Com isso, perde-
se a oportunidade de criar um regime legal de recuperação judicial claro, desburocratizado,
mais célere e menos oneroso, que realmente beneficie as micro e pequenas empresas.

O primeiro desses pontos negativos, que tem origem na revogada concordata preventiva, é a
inclusão apenas dos créditos quirografários, ou seja, aqueles representados por títulos
comerciais sem garantias. Tal como na recuperação judicial ordinária, os créditos
decorrentes de contratos de alienação fiduciária, leasing e adiantamento de contratos de
câmbio, bem como aqueles oriundos de repasse de recursos oficiais, são expressamente
excluídos.

Contudo, diferentemente da recuperação judicial ordinária, não podem as micro e pequenas


empresas dentro desse procedimento de recuperação diferenciado, beneficiar-se do
denominado "stay-period", ou seja, da suspensão, pelo prazo de cento e oitenta (180) dias,
do exercício do direito dos credores titulares de máquinas, equipamentos e veículos
vinculados a contratos com alienação fiduciária, leasing ou reserva de domínio, de exigir
suas garantias contratuais. Com isso, abre-se a possibilidade de execução imediata dessas
garantias, que pode, em muitos casos, inviabilizar a continuação das atividades das micro e
pequenas empresas em dificuldades.

Outro fator de risco para a continuidade das atividades das micro e pequenas empresas em
crise, além do fato de que o pedido de recuperação não suspende o curso da prescrição ou o
andamento de outras ações ou execuções contra elas, é a possibilidade de decretação
imediata da falência, caso a metade dos credores quirografários não concorde com a adoção
do plano de recuperação.
Por outro lado, um ponto positivo da nova lei é a previsão de parcelamento das dívidas das
micros e pequenas em até 36 parcelas mensais e sucessivas, acrescidas de juros limitados a
12% ao ano, vencendo-se a primeira 180 dias após o pedido de recuperação. Nota-se aí que
o prazo estipulado pelo legislador é mais longo do que os dois anos previstos para o
pagamento na extinta concordata preventiva. Outro aspecto importante do capítulo da
recuperação judicial das micro e pequenas empresas é a dispensa de convocação da
assembléia geral de credores, devendo o juiz deferir o pedido se atendidas as exigências
legais.

Saliente-se, a propósito, que a existência desse procedimento diferenciado de recuperação


judicial não impede que as micro e pequenas optem pela modalidade comum ou ordinária,
prevista na nova lei para as empresas em dificuldade, em geral.

Levando-se em consideração não apenas a relevância das micro e pequenas empresas, como
entes produtivos, geradores de empregos e pagadores de tributos, mas também sua
significativa inserção na sociedade brasileira, representando cerca de 99% das em atividade
no País, não é de se admitir o descuido do legislador na disciplina especial de sua
recuperação.

Como se verifica, as normas que disciplinam esse procedimento diferenciado de recuperação


judicial lembram, e muito, o vetusto processo de concordata preventiva, e pecam pela falta
de clareza, o que pode acarretar insegurança jurídica quando da sua aplicação.

Esse sistema legislativo deficiente não apenas prejudica as micro e pequenas em operação,
como também constitui-se em mais um fator inibidor da abertura de novas empresas dessas
duas categorias, em razão da dificuldade que terão novos empreendedores ao planejar as
suas atividades e avaliar os riscos envolvidos.

Daí entendermos ser indispensável a atuação do Poder Judiciário na interpretação dos


dispositivos que regulam o plano diferenciado de recuperação judicial das micro e pequenas
empresas, visando, de um lado, esclarecer seus aspectos obscuros, e, de outro, dar plena
eficácia aos princípios contidos no seu Estatuto, que justificam a permanente atuação
protetiva do Estado em torno delas.

N. da R. – Este é o oitavo de uma série de 10 artigos sobre a nova Lei de Recuperação e


Falências a ser publicada nesta página.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3)(Modesto Carvalhosa - Sócio de Carvalhosa e Eizirik


Advogados e autor, dentre outros livros, de "Comentários à Lei das Sociedades Anônimas"
(Editora Saraiva, 2003). O artigo contou com a colaboração do advogado Ronaldo
Vasconcelos, mestrando pela Faculdade de Direito da USP.)

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