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RAM DASS

CAMINHOS PARA DEUS


ENSINAMENTOS DO
BHAGAVAD GITA
Tradução de ANGELA
ANGELA MACHADO

Revisão técnica de ÁLVARO OPPERMAN

NOVA ERA

Aos meus gurus

Agradecimento
EXISTEM TRÊS MULHERES cujas
cujas contri
contribui
buiçõ
ções
es torna
tornaram
ram
este livro possível — as Três Graças: Jo Anne
Baughan, Gita (Lee) Brady e Parvati (Betty) O'Neill.
Sem a dedicação de cada uma delas, ele talvez
não existisse.
Atualmente em muitos tos grupos existe o que é
cuja tarefa é manter um espaço aberto e
aconchegante independentemente do que
acontece em torno dele. Jo Anne tem sido a
Mantenedora do Coração para este livro. De mil e
uma
uma mane
maneiira
rass não
não re reve
vela
lada
dass, elela
a lite
litera
ralm
lmenente
te
acalentou esta criação.
Gita criou tanto o glossário quanto o guia com as
font
fontees de cocons
nsuulta
ltas, par arti
tind
ndoo de umauma ca caiixa de
sapatos cheia de recortes e rabiscos desor-
denados. Além da sua profunda familiaridade com
a literatura espiritual, ela separou o joio do trigo e
criou uma matriz espiritual de todos os tipos de
fontes ricas e de bom gosto.
Parvati, que foi uma das alunas no workshop de
Naropa, me telefonou para oferecer sua ajuda em
um mome
momentntoo cruc
crucia
ial,
l, quan
quando
do a trantransc
scri
riçã
çãoo das
das
conferências estava desesperadamente
emperrada. Ela não somente transcreveu algumas
fitas como também organizou um tesouro de fatos
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es de Na Naroropa
pa,, incl
inclui
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ndoo al algu
gumamass foto
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pessoais do evento e uma cópia do roteiro original
que
que já tính
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rar,
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Parvrvat
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morreu de câncer em 2001. Sua dedicação está
viva neste livro.
Além
Além de Jo Anne
Anne,, Gita
Gita e Pa Parv
rvat
ati,
i, gost
gostararía
íamo
moss de
estender nossos agradecimentos aos membros da
equipe da Universidade de Naropa pelo seu
encorajamento e cooperação e de enviar um
agradecimento especial a Richard Chamberlain, do
Escritório de Desenvolvimento de Naropa, por ter
conseguido obter uma cópia do programa original
Gol
olds
dsteteiin e a Jacackk Ko
Korn
rnfi
fiel
eld
d por
por gen
gener
ero
osamen
amente te
nos permitirem utilizar as suas meditações sobre
os alimentos neste livro; suas práticas adicionaram
uma nova visão ao workshop e agora também a
este trabalho. E obrigado a Rameshwar Das por ser
os nos osso
soss "olhos
lhos"" no work
worksshophop e por partpartil
ilha
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algumas das fotografias tiradas no evento.
Quando, finalmente, descobrimos que
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muita as
cita
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incluí
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ênci
cias
as de Na Naro
ropapa,,
vários voluntários se apresentaram para ajudar na
tarefa. Nossos agradecimentos a todos que
participaram desta caça ao tesouro: James Beane,
Carolyn Behnke, Caroline Bloomfield, Denise
Coates, Stefani Cohen, Robin Collins, Aaron
Crawford, Nonda Gaylord, Deborah Hopping, Linda
Kleckner, Dale Martin, Bobbie Mirns, Raif Mrutzek,
Kathkeen Murphy, Linda Nicholas, Sharon e Larry
Roll, George T. Stergiou Jr. e Paul Wilson.
E, natu
natura ralm
lmen
ente
te,, em pri rime
meiriro
o luga
lugar,
r, obri
obriga
gado
do a
Neem Karoli Baba, por propiciar a todos nós
participações nesta dança. Ki jay!

Sumário
.............................................................................................1
Ram Dass.............................................................................2
Caminhos Para Deus............................................................2
Ensinamentos do Bhagavad Gita.........................................2
Origem e Prefácio ........................................................7
Ou.................................................................................7
De onde este este livro veioveio e como ele deve deve ser usado.usado. . . . .7
3.....................................................................................................................................97

Karma Yoga..................................................................................................................97

JnanaYoga...................................................................................................................125

6...................................................................................................................................175

Sacrifício e Mantra......................................................................................................175
Renúncia e Purificação................................................................................................203
8.......................................................................................252
A Devoção e o Guru.........................................................252

10.................................................................................................................................317

Morrer..........................................................................................................................317
Conclusão.................................................................351
F. SILÊNCIO...............................................................399

H. HATHA YOGA: ASANASl PRANAYAMAS.....................................................404


I. JAPA YOGA...........................................................................................................410
J. IR À IGREJA OU ÀO TEMPLO................
TEMPLO.......... ............
............
............
.......412
.412
O r i g e Pmr e ef á c i o
Ou...
D e o n d e e s te liv ro v e io e c o m o
ESTE LIVRO TEM UMA HISTÓRIA curiosa. Ele cresceu a partir
de um workshop chamado "Os yogas do Bhagavad
Gita", que Ram Dass fez no verão de 1974. Ele
apresentou o workshop como uma parte do
currículo para um curso de verão no recém-
estabelecido Instituto Naropa (agora Universidade
Naropa) em Boulder, no estado ameri riccano do
Colorado.
Naropa foi fundado por Chogyam Trungpa
Rinp
Rinpoc
oche
he,, um tulk
tulkuu tibe
tibeta
tano
no e memeststre
re vajr
vajray
ayan
ana.
a.
Trungpa fora treinado nas tradições filosóficas e
meditativas de dois ramos do budismo tibetano —
o Kargyu e o Nyingma —, e foi um dos primeiros
professores a introduzir as práticas tibetanas no
Ocidente.
O objetivo de Naropa era explorar os ensinamentos
das
das trad
tradiç
içõe
õess re
reli
ligi
gio
osa
sass or
orie
ient
ntai
aiss dent
dentro
ro de um
ambiente acadêmico ocidental rigoroso. O
programa anunciado para o curso de verão era: "O
propósito do Instituto Naropa é fornecer um
ambiente no qual, tradições intelectuais orientais e
ocid
oc iden
enta
tais
is poss
possam
am inteintera
ragi
gir,
r, e es esta
tass disc
discip
ipli
lina
nass
possam ser fixadas na prática e na experiência
pessoal da equipe e dos alunos. Todos os membros
da equipe estão envolvidos com a prática de
que poderá formar uma base sólida para integrar
os acessos intelectuais e sensório-intuitivos
complementares para a vivência no mundo."
Em outras palavras, Naropa surgiu para realizar a
efetivação do ambiente acadêmico ocidental em
seus próprios termos, para tornar-se uma
instituição com a graduação reconhecida no ensino
superior, oferecendo áreas como "Estudos
budistas, Exploração do ser e da sociedade e uma
combinação interdisciplinar e cultural dos dois". Os
curs
cursos
os incl
incluí
uíam
am "não
"não somen
omente te disc
discipipli
lina
nass mais
mais
intelectuais — as ciências humanas, sociais e
físi
física
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dita
taçã
ção,
o, cocons
nsci
ciên
ênci
cia
a
sensori ria
al, tai chi chuan, teateatro, arte e música ica".
Seria possível conseguir um crédito para o
bacharelado em artes assistindo ao workshop de
Ram Dass.
Ram Dass apoiou a oficialização de Naropa porque
esta
es tava
va inte
intere
ress
ssad
adoo no expe
experirime
ment
ntoo que
que aqueaquela
la
instituição representava. Porém, mais do que isso,
reconhecia os ensinamentos e tradições de
Trungpa Rinpoche e pretendia consolidá-los no
Ocidente. Então, entre junho e julho de 1974, deu
início ao curso de verão que inauguraria Naropa.
Aquele verão em Naropa reuniu um grupo seleto
de professore ress. Alé
Além de Ram Dass e Trungpa
Rinp
Ri npoc
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he,, a facu
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ade
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Allenn Gins
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Batesson,
on, José Argu
Arguel
elle
les,
s, Jack Kor ornf
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ield
ld,,
Ben Weaver e vários outros. O grupo de
assisten
tentes de Ram Dass inc incluía Krishna Das,
Joseph Goldstein, Rameshwar Das, Mirabai Bush,
ensinamentos que dariam forma à presença
crescente da espiritualidade oriental no Ocidente.
Houve
uve curs
curso
os de budisudismmo thera
herava
vadda e tib
tibetan
etano
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das línguas sânscrita e mongol, de literatura
tânt
tântri
rica
ca e arte
rte ja
jappones
nesa, e até
até de inte
nteligê
ligênc
ncia
ia
artificial (que era inegavelmente uma tecnologia
de ponta em 1974!). Um dos participantes chamou
aquele verão em Naro roppa de "Woodstock hindu-
budista".
No programa do curso de verão, sob o escopo de
Recursos para a Auto-exploração, estava listado o
curso de Ram Dass, Os Yogas do Bhagavad Gita. A
descrição do curso era: "O Bhag Bhagavavad
ad Gita
Gita (A
Canção do Senhor) é um dos livros mais sagrados
da Índia e também um dos fundamentos mais
profundos do yoga. No Ocidente, muitos de nós
acreditamos que o karma yoga é a prática mais
aconselhável,
aconselhável, e o Bhagavad Gita é um componente
inigualável desta prática, isto é, do yoga
consciente. Através da reflexão sobre o texto e de
vári
vários
os cocome
ment
ntár
ário
ioss (Kri
(Krish
shna
na Prem
Prem,, Gand
Gandhi
hi etc
etc.),
.),
poderemos desenvolver uma estrutura perceptiva
que nos permitirá transmutar a experiência da vida
diária em um veículo para a libertação."
O workshop de Ram Dass foi realizado em um
edifício na Pearl Street, no centro de Boulder. Fotos
e vídeos mostravam uma construção com paredes
de cimento, chão de terra batida e paredes
caiadas. Havia um gra rannde palco, lembra Ram
Dass, para acomodar os vários músicos que
tomariam parte no programa em algum momento
(incluindo K. K. Sah1, um extraordinário cantor de
kirtans — cânticos sagrados —, que veio da índia
para o workshop).
Naropa deu carta branca a Ram Dass na escolha
do assunto no workshop. Por que ele escolheu falar
sobre o Gita? Explicou Ram Dass: "Maharajji estava
sempre distribuindo cópias de dois livros: o
Ramayana e o Bhagavad Gita. Como parecia que
ele achava que eram os livros mais importantes,
senti-me obrigado a aprender tudo que
conseguisse sobre eles. Permanecendo próximo a
Maharajji e hospedando-me em seus templos, senti
que tinha absorvido pelo menos alguma
compreensão do Ramayana. Dar esse curso em
Naropa foi como uma oportunidade para investigar
mais a fundo o outro livro, o Gita"
Ram Dass tinha um segundo motivo para se fixar
no Gita, como sugeria a descrição do curso: o
reconhecimento do quanto esse livro se adequa às
nossas circunstâncias culturais. A filosofia do Gita
parece especialmente apropriada para nós no
Ocidente porque, em vez de nos encorajar a nos
afastarmos do mundo, ela transforma a nossa vida
no mundo em nosso trabalho espiritual. Não temos
muito espaço em nossa sociedade para virarmos
monges mendicantes, nem cavernas suficientes
onde os sadhus podem permanecer. Somos de
uma cultura de "fazedores" e, portanto, como
1K.K. Sah foi devoto durante toda a sua vida de Neem Karoli Baba, e estava presente quando Ram Dass encontrou o Maharajji
pela primeira vez. Foi para a casa de K.K. Sah, em Nainital, que Ram Dass foi levado após aquele primeiro encontro.
Finalmente, o ônibus escolar se desmantelou estacionado em Lama Foundation, uma comunidade espiritual nas montanhas dos
arredores de Taos, Novo México, onde abrigava o único telefone da comunidade e era utilizado como escritório para o grupo do
revelava a descrição do curso, "muitos de nós
acreditam que o karma yoga é a prática mais
aconselhável."
Ram Dass se preparou intensivamente para o
seminário. Tinha um velho ônibus escolar que
adaptara para acampamentos*, e nos dois meses
anteriores ao workshop viveu sozinho no deserto,
mergulhado no Gita. Passava o tempo lendo o
livro, meditando, estudando os comentários sobre
ele. Tinha consigo cerca de meia dúzia ou mais de
traduções diferentes do Gita, e lia e relia todas
elas. Datilografou o texto inteiro do livro, deixando
espaços maiores entre os slokas (versos), onde
escrevia comentários sobre eles. Além disso,
passou algum tempo no Organ Pipe Cactus Na-
tional Monument, no Arizona, e posteriormente no
Joshua Tree National Park, na Califórnia. Disse:
"Comentei a primeira versão das conferências
sobre o Gita com os coelhos que ficavam ao redor
do ônibus."
Em Naropa, as conferências noturnas de Ram Dass
se alternavam com as aulas chamadas de Caminho
Budista Tibetano, ministradas por Trungpa
Rinpoche. Embora Ram Das e Rinpoche
respeitassem profundamente um ao outro, seus
ensinamentos eram amplamente divergentes em
estilo e caminhos de acesso. Os ensinamentos de
Trungpa estavam fundamentados em sua
linhagem, e seguiam a linha intelectual budista
tradicional, com categorias exatas e definições
precisas. Os ensinamentos de Ram Dass eram
"Trungpa ensinava sobre a meditação e o vazio, e
eu ensinava sobre a devoção e o guru. Os alunos
se sentiam como participantes de uma partida de
tênis."
Houve mais de mil alunos matriculados no
workshop de Ram Dass. Embora fosse esperado
que os alunos se inscrevessem em um dos dois
cursos, muitos deles participaram de ambos; e,
ainda que a maioria dos alunos quisesse
simplesmente ouvir o que Ram Dass tinha a dizer,
alguns eram adeptos de Trungpa, e pretendiam
torturar Ram Dass. Este chegou a comentar em um
certo momento que tinha recebido "muitas cartas
de vocês, com vários julgamentos pertinentes
sobre mim".
Não havia animosidade entre os dois professores;
na verdade, no final do verão, Trungpa ofereceu a
Ram Dass o cargo de professor na faculdade de
Naropa, afirmando que aquele tipo de diversidade
era bom para os estudantes. Mas os alunos eram
mais parciais em seus sentimentos; os conflitos
começaram a ser conhecidos em Naropa como as
Guerras Santas.
De um modo interessante, aquelas circunstâncias
transformaram-se em um golpe de sorte para o
workshop de Ram Dass. Rameshwar Das escreveu:
"A confluência entre o budismo, o hinduísmo e a
América em Boulder, naquele verão, foi caótica,
porém profundamente unificadora. Trungpa e Ram
Dass, ao provocarem um ao outro no palco
criavam humor e leveza, e o contraste entre a
situação impôs um padrão mais rigoroso de
expressão no ensinamento de Ram Dass. Se a
preparação para o workshop aprofundou a
compreensão de Ram Dass sobre o Gita, o ensino
no workshop refinou a sua formulação daquele
entendimento.
No ensino sobre o Gita, Ram Dass explorou um dos
livros mais significativos e influentes da cultura
indiana. Mahatma Gandhi escreveu sobre o Gita:
"Quando as dúvidas me assaltam, quando os
desapontamentos me encaram e não vejo nenhum
raio de esperança no horizonte, volto-me para o
Bhagavad Gita e encontro um verso que me
conforta, imediatamente começo a sorrir em meio
a uma tristeza avassaladora. Aqueles que meditam
sobre o Gita, nele encontrarão uma alegria reno-
vada e novos significados a cada dia."
A influência do Gita não se limitou à índia,
atingindo também o Ocidente. Henry David
Thoreau disse que em comparação ao Gita, "nosso
mundo moderno e a sua literatura parecem
insignificantes e triviais". Ralph Waldo Emerson
chamou-o de "o primeiro entre os livros(...) a voz
de uma antiga inteligência".
Acredita-se que o Bhagavaâ Gita tenha sido escrito
em algum momento durante o primeiro milênio
a.C., e posteriormente inserido em um trabalho
bem mais vasto e provavelmente muito mais
antigo, o Mahabharata. O Mahabharata não é,
estritamente falando, uma escritura hindu, (como
são os Vedas e os Upanishads), mas um entre os
encarnações, ou manifestações vivas de Deus;
existe o Brahma Purana, o Garuda Purana, o Linga
Purana, entre outros. E entre esses existem os
chamados Mahapuranas, ou Grandes Puranas: são
eles o Mahabharata e o Ramayana. Os dois
Mahapuranas estão entrelaçados de modo tão
profundo na cultura, na vida e no pensamento da
Índia que um pundit (erudito) disse: "O
Mahabharata e o Ramayana são a índia."
No meio da grande história do Mahabharata
encontramos o Bhagavad Gita, que diz-se conter "a
essência do hinduísmo". Historicamente falando, o
Gita, na verdade, representa a resposta do
hinduísmo a certas idéias budistas que exerciam
uma influência crescente sobre o pensamento
indiano na época. O Gita dirigia-se especificamente
à ênfase budista sobre o afastamento do mundo
como o caminho primordial para Deus. No lugar
disso, o Gita oferecia uma prática de ação no
mundo como um método para chegar à unidade.
O Gita é ao mesmo tempo um manual de
instruções para viver uma vida espiritual, e uma
visão profunda e arrebatadora da natureza última
de Deus. Existem belas versões em inglês do Gita,
mas a escolhida para o workshop em Naropa foi a
tradução de Juan Mascaro. Ram Dass disse:
"Escolhi o texto de Mascaro porque ele é
deliciosamente fácil de trabalhar. E, em alguns
sentidos, insuficiente na sua profundidade de
interpretação, na sua sofisticação de um ponto de
vista sânscrito, mas não parece ter tantas arestas
estava disponível no templo onde vivi na índia em
1969, e, por isso, foi meu primeiro contato com o
Bhagavad Gita. Vocês sabem como ficamos
apegados ao nosso primeiro amor!"
Embora as conferências de Ram Dass em Naropa
(e por extensão, este livro) tenham sido baseadas
no Gita, seria um erro pensar que eram sobre o
Gita no sentido usual. O que Ram Dass ofereceu
em Naropa não foi uma exegese erudita sobre os
principais tópicos do Gita. Os temas do Gita foram
a plataforma de lançamento para o que se
transformou na quintessência do ensinamento de
Ram Dass aplicado ao hinduísmo. Sua premissa é
que o Gita delineia uma série de práticas que,
juntas, formam um yoga completo para vivermos
nossas vidas como um ato espiritual. O objetivo de
Ram Dass no workshop era moldar aquelas
práticas de forma que nós, ocidentais, pudéssemos
compreendê-las e adotá-las.
Este livro derivou-se das transcrições das
conferências que Ram Dass fez em Naropa. É tanto
um documento histórico como uma filosofia
perene. O workshop foi uma mistura única de
metafísica e métodos, e, por isso, este livro é
também uma rica trama de filosofia e prática. Ram
Dass apresenta uma perspectiva nova para o
nosso caminho e nos ensina como chegar lá.
As conferências de Ram Dass foram somente uma
parte da experiência dos participantes do
workshop. Cada aluno recebeu uma cópia de um
roteiro (ver páginas 247-281) que apresentava
o Gita para casa". A introdução do roteiro
afirmava: "Além das conferências, este curso inclui
vários exercícios destinados a fornecer
experiências que possam evoluir para um sadhana
(um programa de práticas espirituais) completo
baseado no Gita." Os participantes montaram
mesas para puja (ritual de adoração) em seus
quartos; fizeram os seus próprios malas (rosários)
e rezaram com eles. Caminhadas meditativas em
silêncio e os asanas do hatha yoga também foram
parte do curso. Houve meditações nas refeições e
exercícios para montar um diário, e cantos que
duraram uma noite inteira. Todas as tardes havia
círculos de discussões conduzidos pelo grupo de
professores-assistentes de Ram Dass. Em resumo,
o que o workshop forneceu foi uma oportunidade
para focalizar intensivamente o cultivo do lado
espiritual da vida; o curso proporcionou um espaço
para um mergulho profundo na prática espiritual.
Este livro originou-se a partir de um workshop
onde os participantes vivenciaram as suas
experiências. Portanto, oferece uma escolha. A
primeira possibilidade é encará-lo simplesmente
como um livro para ser lido. Ótimo, você
constatará que é um livro excelente. Trata-se do
ensinamento mais profundo de Ram Dass sobre a
natureza e a prática do hinduísmo, e seus insights
e observações aprofundarão a sua compreensão
do Gita e da sua mensagem.
Mas você verá que existe uma outra opção
disponível. Poderá considerar este livro de uma
caminho, uma maneira de iniciar uma nova relação
com a sua vida. Sob esta visão, você descobrirá
que o livro o presenteará com uma série prazerosa
de oportunidades, com descrições das práticas e
pequenas amostras das várias técnicas. Ao sentir-
se atraído por um dos métodos, encontrará uma
riqueza de recursos para ajudá-lo a começar. O
roteiro do workshop é um desses recursos. Existe
também um roteiro suplementar (páginas 283-
305) que compreende algumas instruções e
exemplos das práticas apresentadas durante o
curso. O guia de recursos (página 319) traz livros,
CDs, fitas, vídeos e websites. É uma oferta vasta.
AQUILO QUE COMEÇOU COMO uma série de conferências
para uma família de coelhos no deserto da
Califórnia transformou-se no livro que você tem em
mãos. É um livro que representa a sabedoria mais
intensa de Ram Dass sobre um dos textos
espirituais mais profundos da índia. Ele mostra
como aqueles que pertencem à cultura ocidental
contemporânea podem traduzir os yogas
ensinados pelo Bhagavad Gita em uma prática
espiritual viva.
Marlene Roeder, editora
Oferece em teu coração todos os teus trabalhos a
mim, e me vejas como a Meta Final do teu amor,
refugia-te no yoga da razão, e repousa sempre a
tua alma em mim.
Bhagavad Gita, capítulo 18, versículo 57
Introdução
ESTE LIVRO SE BASEIA EM UM CURSO sobre um antigo texto
hindu realizado em uma universidade budista por
um judeu que tem um grande amor por Cristo e
Maomé — apenas por isso vocês já podem
imaginar que mistura!
Quando digo que é "sobre um antigo texto hindu",
não quero confundi-los. Não é na verdade um livro
"sobre" o Bhagavad Gita. Não é uma análise do
Gita ou um comentário sobre o Gita, ou algo
semelhante. É uma série de reflexões sobre os
grandes temas do Gita — temas que falam sobre
os vários yogas ou caminhos para se entrar em
união com o Deus. É uma tentativa de observar
como esses yogas podem ser relevantes para as
nossas vidas, agora e nesta era.
A parte budista da equação, Naropa, é uma
instituição fundada por Trungpa Rinpoche, tulku de
uma linhagem budista tibetana. A Universidade de
Naropa é uma instituição voltada tanto para o
desenvolvimento de um intelecto quanto para a
sua linhagem budista, tanto para a cultura quanto
para a tradição. Isso se apresentou a mim como
uma série desafios interessantes, porque meu
curso sobre o Gita era principalmente voltado para
os assuntos do coração — com os aspectos
devocionais da vida e do karma yoga. O meu curso
não era para o "homem pensante".
Devo enfatizar que não sou anti-intelectual.
Acredito que o intelecto é um belo instrumento,
quando não se está ligado à idéia de que pensar é
tudo. Mas estamos descobrindo um tipo de doença
aqui no Ocidente, a doença de pensar demais, que
faz com que coloquemos o conhecimento
intelectual à frente da sabedoria dos nossos
corações e dos nossos corpos. Estamos começando
a aprender a nos acalmar um pouco mais e a ficar
mais próximos uns dos outros, o que significa que
as pessoas que tentam adotar o intelecto como o
yoga estão lidando com fogo. Eu as respeito, mas
não é o meu caminho principal.
ALÉM DE ME SENTIR INTELECTUALMENTE um pouco deslocado,
tinha outros receios quanto a meus planos para o
curso. Conversando com Swami Muktananda (um
belo homem santo da índia) pouco antes de ir para
Naropa ministrar aquele workshop, expressei a ele
o quanto me julgava presunçoso por tentar ensinar
sobre o Gita. O que eu poderia dizer sobre ele?
Provavelmente, a maioria das pessoas na índia
sabe mais sobre o assunto do que eu. Na Índia,
muitas pessoas do povo são na verdade grandes
estudiosos que fizeram pesquisas extensas sobre o
Gita. Com freqüência, quando estive lá, participei
de prolongadas discussões filosóficas sobre o Gita
com um inspetor de trem, ou um varredor de rua
— pessoas que, a cada dia após terminarem o
trabalho com o qual ganham a vida, seja ele de
que tipo for, iniciam seu trabalho mais importante,
que é estudar livros espirituais como o Gita ou o
Ramayana.
Por isso, eu estava dizendo a Swami Muktananda
imaginar que tinha algo a ensinar sobre o Gita, e
como resposta ele me contou a seguinte história:
Krishna, em um estágio da sua encarnação como
avatar, era um jovem belo (algo que você precisa
saber para compreender a sua história). Havia um
grande estudioso do Gita, um homem já de idade.
Estava tão
absorto no estudo que parara de executar todo o
seu trabalho; ele não fazia nada além de ler o livro
durante dias inteiros. Logo, ele e sua esposa
ficaram sem comida. A esposa foi muito dura com
ele, dizendo:
— Você tem a obrigação de sair e trazer comida
para dentro de casa, para a sua família.
Ela continuou a pressioná-lo, tornando sua vida
bem difícil, mas ele se retirava na floresta onde
estudava o Gita todos os dias.
Um dia, enquanto estava sentado na floresta
estudando, o homem chegou a uma frase no livro
na qual Krishna dizia: "Se você oferecer toda a sua
devoção para mim, não precisará se preocupar
com mais nada no mundo. Tudo estará
providenciado." E o homem pensou: "Bem, não é
uma frase muito apropriada. Quero dizer, aqui
estou eu, totalmente devotado ao Gita, a Krishna,
mas a minha esposa não tem comida e está
zangada comigo. Aqui diz que se eu for devotado
ao Gita, tudo estará providenciado. Por que tudo
não está sendo providenciado? Seria possível que
algo estivesse errado no Gita?" Naquele instante,
ele pegou um lápis e sublinhou aquela frase,
E, naquele momento, alguém bateu na porta dos
fundos da casa. A esposa foi abrir e deparou com
um jovem de boa aparência que segurava sacos de
arroz, lentilha e farinha, sacos grandes, um
suprimento que duraria meses.
A esposa perguntou:
— Quem é você? O que é isso?
O jovem respondeu:
— Isso é para a família de alguém que estuda o
Gita.
Quando o jovem começou a levar os sacos para
dentro da casa, ela notou que a camisa dele
estava aberta e que havia um ferimento do qual
brotava sangue. Ela perguntou:
— O que aconteceu? Quem fez isso?
Ele respondeu:
— Isto foi feito por um homem que está estudando
o Gita na floresta.
Não disse mais nada, descarregou os sacos de
alimentos e foi embora.
Quando o marido voltou para casa e viu todos
aqueles sacos, perguntou à esposa o que era
aquilo. Ela respondeu:
— Sabe, aconteceu algo muito estranho. — E falou
sobre a visita do jovem, acrescentando: — Quando
olhei para ele, vi que havia sangue saindo de um
ferimento em seu peito. Quando perguntei o que
acontecera, ele disse que fora feito por um homem
que estava estudando o Gita na floresta.
Nesse ponto, Swami Muktananda me disse que o
homem compreendeu o que acontecera e
caminhei alguns quarteirões até a casa de meus
pais, onde passaria a noite. Eram quatro horas da
manhã. Tinha havido uma grande tempestade de
neve e decidi retirar com uma pá a neve da
calçada de meus pais. Sentia-me bem e
contente, e havia tanta neve... Então resolvi lim-
par a calçada. Comecei a cavar, e de repente os
rostos dos meus pais surgiram na janela do andar
de cima. Eles abriram a janela e disseram:
— Entre, seu tolo! Ninguém limpa a neve no meio
da noite!
Bem, ali estava a voz da autoridade dizendo:
"Essa é a regra. Aja conforme ela dita." Eu
sempre atendi àquela voz. Até então, eu tinha
sido realmente um bom menino durante toda a
vida. Foi assim que consegui ser um professor
em Harvard — sempre atendendo ao que "eles"
diziam sobre coisas como quando retirar a neve.
Mas, dentro do meu coração, eu sentia: "Querem
saber? E certo tirar a neve em qualquer hora.
Sem brigas!" Encorajado pela droga, empurrado
para fora dos meus limites culturais, sociais,
adaptativos, com outro direcionamento e à moda
de Reissman, estava ligado a um ponto interior
que dizia: "É isso aí, garoto. Retire a neve!"
Então, olhei para os meus pais, sorri, acenei com
a mão e recomecei a tirar a neve. E isso foi o
começo do melodrama da minha vida pelos anos
seguintes, enquanto me observava me movendo
lentamente para longe dos ritos e rituais da
cultura.
crescendo dentro de um conjunto de tradições e
expectativas culturais: como cortar o cabelo,
onde estudar, que tipo de educação receber, o
que fazer com ela, com quem se casar, como
viver depois de ter se casado, quando ter filhos,
quando não tê-los, quanto poupar, quanto pagar
pelo seu carro, que tipo de aparelho de televisão
comprar... e assim por diante. Muitos de nós nos
vemos em conflito com alguns desses valores, e
sabemos como ele é doloroso, e quanta angústia
interior nos causa. Essa é a experiência com que
Arjuna se depara em Kurukshetra, e é importante
para nós descobrirmos experiências paralelas em
nós mesmos para que possamos criar uma
empatia com Arjuna. Ele está ouvindo a frase do
Cristo: "Aquele que ama sua mãe ou seu irmão
mais do que a mim não pode Me seguir."
Esse é o primeiro nível da difícil situação de
Arjuna.
Mas esse é somente o primeiro nível, é só o
começo. A essência do Gita não é somente um
conflito entre a lei moral e o dever social, ou o
desligamento de laços familiares, ou uma
confrontação com valores culturais. O jogo no
Gita é muito maior do que isso. Em um nível mais
profundo, ele trata realmente do conflito entre
tudo isso e a consciência superior. Em outras
palavras, é sobre o jogo de despertar, sobre o
jogo de tornar-se uno com o Espírito. Desligar-se
dos papéis sociais é somente o começo; as
mudanças com que Arjuna irá se deparar
Vejam que, de certa forma, todos os argumentos
de Arjuna contra lutar em Kurukshetra estavam
focalizados sobre o que podemos chamar
de"auto-interesse esclarecido". Ele é membro de
uma casta, por isso diz: "Não desejo criar
confusão entre as castas." E membro de uma
família, por isso diz: "Quero proteger a família."
Em outras palavras, os argumentos de Arjuna são
baseados em seus papéis sociais, o que significa
que são calcados nos modelos de si mesmo
vistos pelo lado de fora. Esse é o modelo
objetivo, que é o modelo da mente pensante. E o
que será exigido de Arjuna é que ele se
desapegue não somente de alguns modelos em
particular, mas de sua própria confiança na
mente pensante, da qual saíram os modelos.
O modo como uma cultura torna os seus filhos
sociáveis (e somos todos produtos do processo) é
lhes ensinando a confiar primeiramente nos
julgamentos que estão fora deles mesmos. Para
socializar uma criança, você precisa inspirar nela
somente três princípios básicos: aceitar a infor-
mação vinda de fora, buscar as recompensas
exteriores e ignorar a voz interior, caso ela
conflite com o que vem de uma autoridade
externa. Essa é a maneira de treinar uma criança
para que ela seja membro de uma sociedade. Por
isso, quando a mãe diz "faça isso", você faz,
mesmo que sinta em seu coração que não é o
certo. Se você se sair bem agindo dessa forma,
será bem-sucedido na sociedade; caso contrário,
Quando dizemos "confie na sua intuição", quando
passamos a encorajar isso, estamos revertendo o
processo. Quando despertamos, começamos a
agir de dentro para fora, e não de fora para
dentro — e essa é a transformação que
realmente buscamos. Ela conduz a um comporta-
mento baseado não no auto-interesse
esclarecido, mas nos mecanismos de um coração
desperto.
Despertar é como sair de um plano para o outro
no fluxo da consciência, e ocasionalmente pode
parecer que estamos forçados a ir contra a
corrente do plano antigo para chegar a alguma
harmonia mais profunda com o novo. Arjuna se
encontra nesse tipo de situação. Ele ainda está
ligado aos seus valores antigos, às suas antigas
definições de si mesmo. Elas estão em conflito
com a nova compreensão que começa a se
desenrolar para ele, mas também estão
profundamente entranhadas, e ele não é
suficientemente livre para abandoná-las pela sua
vontade.
Esse é o problema que todos nós enfrentamos
com os nossos egos. Quando os observamos de
perto, vemos que nossos egos são somente uma
forma, uma constelação de formas-pensamento
que definem o nosso universo — pensamentos
que nos dizem quem somos e quem todos os
outros são, e como tudo funciona. Mas aqueles
padrões de pensamento vão muito, muito fundo,
e não podemos simplesmente nos livrar deles.
desembaraçar de toda essa trama de formas-
pensamento. Temos que escapulir dela. O
problema é que a trama de pensamentos foi
projetada precisamente para nos manter nela;
ela não nos deixará escapar com facilidade. É
nesse ponto que entra o trabalho da jornada
espiritual. Buscamos práticas que nos dêem uma
base de apoio fora das nossas formas-
pensamento, ou que nos sacudam para fora das
nossas mentes pensantes, e que nos libertem.
A meditação, por exemplo, é uma boa prática
para nos livrarmos dos nossos pensamentos. Ela
nos permite ver claramente a maneira pela qual
nos mantemos recriando a própria trama dos
pensamentos-forma que nos aprisiona. Digamos,
por exemplo, que vocês estão sentados
meditando; estão com a atenção voltada para a
sua respiração e acalmando a mente... acal-
mando a mente... acalmando a mente. E de
repente algo "aconteceu" dentro de vocês:
sentem uma sensação de paz ou notam algum
movimento de energia. Pensam: "Ótimo, está
acontecendo comigo!" E ocorre um ímpeto. Isso é
o ego investindo. Ele está sendo empurrado para
fora pela prática da meditação, pelo "inspirar,
expirar, inspirar, expirar". Não há espaço para
um material psicológico ou conceitos próprios
quando vocês ficam "inspirando, expirando".
(Notem que não é nem mesmo necessário ser
"bom em inspirar, expirar"' — basta "inspirar,
expirar") Mas, acreditem em mim, o ego é muito
A minha prática espiritual principal é a Gurukripa
— a graça do guru —, e ela funciona ao seu modo
para romper as limitações dos pensamentos-
forma, para me libertar deles da mesma maneira
com que Arjuna se liberta das suas idéias sobre si
mesmo. Maharajji constantemente fazia coisas
que derrotavam a minha mente racional e des-
troçavam os modelos que eu tinha de mim
mesmo. Vou dar um exemplo do que estou
falando. Em um determinado momento, ele me
colocava no papel semelhante ao de Arjuna — ele
me fazia "comandante". Dizia para mim:
— Ram Dass! Você é o comandante. Leve todos
esses ocidentais de volta ao lugar onde moram e
não deixe que voltem aqui antes das seis horas.
Bem, as ordens recebidas não podiam ser mais
claras, certo? Era simples. Eu levava todos de
volta para o hotel e dizia: "Não voltem antes das
seis horas." E realizava a minha tarefa.
Mas algumas pessoas voltaram às quatro,
achando:
— Quem Ram Dass pensa que é para nos dizer o
que fazer?" Quando elas foram para o ashram,
Maharajji as alimentou, cuidou delas, conversou
com elas, riu com elas. Às seis, cheguei levando
o restante do grupo. Maharajji entrou em sua
sala, fechou a porta e não recebeu ninguém.
Na manhã seguinte, ele me chamou e disse:
"Ram Dass, você é o comandante, lembra-se?
Ontem você deixou que as pessoas voltassem às
quatro horas. Hoje, não deixe que ninguém
Levei todos de volta e disse: "Não voltem antes
das seis." Mas as mesmas pessoas que tinham
voltado às quatro no dia anterior decidiram
retornar novamente na mesma hora, e algumas
outras acharam que também poderiam voltar
antes... e quase metade do grupo voltou às
quatro. Maharajji as alimentou, cuidou delas,
conversou com elas. Cheguei às seis, levando o
restante do grupo. Maharajji se fechou em sua
sala e não quis ver ninguém. Ele continuou a
fazer isso comigo, me anulando e frustrando, até
que finalmente não consegui mais suportar.
Disse para o seu devoto indiano mais antigo:
— Maharajji não está sendo justo!
O devoto respondeu:
— Acho melhor você mesmo dizer isso a ele.
— Direi sim — respondi. Vocês podem imaginar a
situação pela qual eu passava e pela qual,
provavelmente, também já passaram. Cheguei
ao limite e não se consigo mais suportar.
Fui, então, ao quarto de Maharajji. Ele estava
sentado em sua cama, com o cobertor cobrindo
seu corpo. Olhou para mim e disse:
— Kya? — que corresponde a "o que é? Algum
problema?"
Disse a ele:
— Maharajji, o senhor conhece o meu coração.
Sabe qual é o problema.
Ele continuou a me pressionar dizendo:
— O que é? O que é? — fazendo-me explicar em
detalhes.
E fiz uma lista das minhas queixas.
Depois que terminei, como faço após um discurso
sensato para pessoas sensatas, recosto-me e
aguardo uma explicação. Maharajji olhou para
mim por um momento. Depois, inclinando-se à
frente, puxou a minha barba e disse: "Ram Dass
está zangado!" E explodiu em uma gargalhada,
seguida de outras. Então, depois de terminar de
rir, ele voltou a se sentar ereto e olhou para mim
como se dissesse: "Bem, é a sua vez. Você já
recebeu a minha explicação."
Agora eu estava numa situação difícil: eu abriria
mão dos meus modelos, das minhas idéias sobre
"justiça" ou abriria mão do meu guru. Ele me
colocou nessa situação: qual o caminho que você
escolheu, meu filho? Será que eu iria embora,
dizendo: "Se você não quer agir do meu modo,
vou procurar outro guru. Encontrarei um guru
que se adapte ao meu modelo de como Deus
deve ser." Como eu estava somente pedindo algo
razoável — veja bem, eu estava sendo razoável
—, ele é que não estava sendo. E nem se
incomodava com isso!
Pensei sobre isso por um momento. Vi quais
eram as conseqüências. E não fui embora.
Como Arjuna, o que encarei naquele momento foi
o esfacelamento de uma determinada imagem de
mim mesmo. Naquela situação com Maharajji,
tive de desistir do modelo que tinha de mim
mesmo como "alguém que está buscando um
curso razoável de ação". E quando fiz isso, parte
guerrear contra a família". Teria que desistir de
todo um sistema sobre o qual costumava se
apoiar para agir; teria que desistir dos seus
modelos sobre proteger a família e a casta; teria
que mudar toda a maneira através da qual
definia a si mesmo. E ao fazer isso, quebraria o
ego, o que o levaria ao próximo estágio.
QUANDO COMEÇAMOS A EXAMINAR as definições pessoais
que formam a estrutura dos nossos egos, vemos
que parecem existir intensidades diferentes
nelas, e que alguns modelos parecem mais
profundamente "nós" do que outros. Por isso,
quando temos que deixá-los, alguns são mais
difíceis do que outros. Talvez vocês achem fácil
renunciar a coisas como riqueza e fama, por
exemplo. Talvez achem até possível abrir mão da
aprovação familiar e social — pontos que Arjuna
confronta.
Mas, e se dermos mais um passo adiante? E
desistir do prazer? Vocês estão prontos para
isso? Prazer? Quero dizer, não é para isso que o
jogo existe? Para obter o máximo de prazer para
si como uma entidade separada? Então, vocês
descobrem que existem mudanças acontecendo
dentro de vocês, mudanças que os estão levando
a se identificar com algo que vê o prazer como...
somente mais uma experiência. Este pode ser
um momento assustador.
O processo de despertar os coloca em uma luta
contra todos os modos habituais que vocês têm
de encarar o universo, até os mais profundos,
faceta de quem vocês pensam que são. "Eu sou
alguém que está realmente caminhando para a
iluminação, não sou?", diz o ego. Até o último
alento, o ego está sempre espreitando, pronto
para jogar a próxima cartada. Vocês podem ter
certeza de que a batalha não terminará até que o
último vestígio do ser tenha se desfeito.
O que acontece com freqüência quando
encaramos este esfacelar dos nossos modelos é
que desistiremos disto e daquilo, em vez de nos
agarrarmos a isso e isto. E muito desconfortável
não ter nada a que se agarrar, e, então,
substituímos um grupo de apegos antigos por um
novo. Abrimos mão da família, dos padrões
sociais e começamos a nos agarrar a líderes
espirituais e padrões espirituais. E assim. Tudo
esclarecido, devemos prosseguir.
Isso não significa que temos de desistir de tudo
de uma vez só. Podemos abrir mão de coisas
quando não necessitarmos delas tanto quanto
antes. E não significa que não podemos utilizar
padrões espirituais; temos somente que lembrar
que, como recorremos a eles, mais cedo ou mais
tarde teremos também que deixá-los.
Saber disso nos deixa muito vulneráveis: não há
uma autoridade para a qual poderemos nos
voltar, ninguém que nos diga o que fazer.
Podemos somente ouvir o nosso coração,
considerar o que achamos que seja o próximo
passo a dar. Não temos onde nos agarrar.
Isso requer uma disciplina mental atuante sem
acostumado à segurança de sempre saber o que
é correto, de ter um grupo de regras sociais sob o
qual agir, regras que lhe dizem como se com-
portar e no que acreditar. Ele podia dizer sempre:
"Sei o que devo fazer porque tenho isso escrito
aqui." Agora, ele encara o tipo de disciplina que
Trungpa Rinpoche abordou em seu livro Além do
materialismo espiritual: a disciplina de não estar
ligado a nenhum padrão, a disciplina de não ha-
ver uma posição social. É uma disciplina
assustadora. É terrível permanecer no limite
desta maneira, de não ter definições com as
quais se agarrar: nenhum grupo de referência,
nenhuma identificação, nem auto-conceitos,
nenhum modelo. Vocês ousariam? Ousariam se
desligar de tudo?
É somente no momento em que o conflito se
torna real — onde existe uma confusão incrível e
vocês não sabem onde ficar para julgar o que
fazer em seguida —, será somente nesse ponto,
que ficarão abertos para a possibilidade de algo
novo acontecer. É somente nesse ponto que
estarão prontos para ouvir algo que nunca
ouviram antes.
É, por isso, que a mensagem do Gita precisa
começar com essa situação de crise. Arjuna
precisa ser sacudido até a raiz para poder ouvir o
que Krishna tem a lhe dizer. Lembrem-se que
Krishna e Arjuna se conheciam há algum tempo
— há anos eram amigos. Porém, Arjuna ainda
não estava pronto para ouvir aquilo que Krishna
aquele momento de crise despertasse Arjuna,
aprontando-o para ouvir algo novo. E esse algo
novo conduziria Arjuna em uma viagem,
desligando-o do seu apego a coisas como a
família e o castelo, fazendo-o se desligar até da
sua própria formação.
Por isso esse é o nível mais profundo do
ensinamento do Gita. O ponto final que Arjuna
encara é Shiva. Ele enfrenta Deus sob a forma do
caos, Deus sob a forma da destruição — a
destruição de todas as ilusões. Arjuna enfrenta a
dor de ter que perguntar: "Se existe um Deus, se
existe uma lei, se existe algum significado em
tudo isso, como podem me pedir para guerrear
contra a minha própria família? Como podem me
pedir que faça algo tão horrível?" Arjuna está
encarando um fato terrível: não podemos usar a
razão para compreender a lei de Deus.
No Ramayana, Ram repete várias e várias vezes:
"A menos que você reverencie Shiva, não poderá
me compreender." Isto é, até que você tenha
compreendido totalmente a existência do caos —
o caos! — não poderá atravessar a porta. Se
vocês querem ser mantenedores do amor e da
beleza, terão que ser capazes de observar a
destruição do amor e da beleza com olhos bem
abertos e dizer: "Bem, está certo." Na natureza
existe a criação, a preservação e a destruição. O
sofrimento e a dor, a catástrofe e a morte —
todos são parte do plano de Deus assim como o
prazer e a alegria, a renovação e o nascimento.
nas quais se encontram como uma maneira de
expressar o seu caminho dhármico. O seu karma
os situará em um local particular em
determinado momento para que vocês possam
desempenhar um papel particular. Por isso, você
nasceu um kshatria, diz Krishna para Arjuna —
para que ele possa fazer a sua parte, e com isso
realizar o seu dharma.
Na tradição hindu, as castas (entre as quais uma
delas é a dos kshatria) eram divisões na
sociedade baseadas no nascimento e no papel de
cada um; portanto, a sua casta definia a sua vida
segundo um grupo de coordenadas. Então, havia
os ashramas, ou palcos da vida. Eles eram
quatro. Havia o período compreendido entre o
nascimento e os vinte anos, quando você era
estudante, estava aprendendo. Depois havia o
período dos vinte até os quarenta anos, quando
cuidava da casa; você ganhava o dinheiro para
sustentar todo o sistema. O estágio seguinte era
dos quarenta aos sessenta, para a realização do
estudo religioso. E dos sessenta em diante você
se tornava um renunciante, um sunnyas —
afastava-se de todo o aspecto mundano e voltava
a sua atenção completamente para Deus.
Todo esse sistema hindu de definição pessoal de
acordo com essas duas coordenadas é chamado
de Chaturvarnashrama-dharma, o dharma da
casta e do ashrama. E, entre a casta por um lado
e o ashrama pelo outro, a sua vida era muito
claramente delineada, como um lote em um
definida para o que deveria fazer naquele dia.
Era chamado de seu swadharma, e era uma
estrutura absolutamente definida, delimitando a
ação apropriada. Krishna está rigidamente dentro
desse sistema quando diz para Arjuna: faça o seu
dever. Faça o que é apropriado.
Em nossa cultura temos mais um problema ao
tentar decidir o que é apropriado. Não temos
castas ou ashramas para nos dizer o que deve-
ríamos fazer em um determinado momento — na
verdade, estamos na extremidade oposta do
espectro. Existem muito poucas prescrições cul-
turais claras que estejam profundamente
enraizadas em nossa sociedade para nos dizer o
que fazer. Então, enfrentamos o fato de imaginar
o que seria o nosso dharma, sem aquele tipo de
matriz confortável para nos guiar. Temos que
confiar em nós mesmos; temos que prestar
atenção e ouvir como as nossas diferenças
individuais determinarão o nosso dever
apropriado momento a momento. Todas as
nossas circunstâncias conduzem a: se você tem
um determinado tipo de intelecto, ou se você
tem certas circunstâncias econômicas, isso
define determinados caminhos. Se você tem um
esposo ou esposa, isso define certas
possibilidades, e define também certas condições
delimitadoras.
Algumas pessoas poderiam dizer: "Só posso
realizar um trabalho que seja absolutamente
dhármico, e preferia passar fome até a morte a
minhas circunstâncias." Não há julgamento em
ambos os casos; cada um de nós deve ouvir o
que cada um de nós tem a fazer. Se você é um
sadhu, se é solteiro e renunciante, talvez possa
oferecer mais do que um purista; ninguém
depende de você. Por outro lado, se é um chefe
de família, então existem certas
responsabilidades, e você precisa fazer o melhor
que pode. Se for chefe de família, mas resolve
ser um purista e não consegue dinheiro suficiente
para alimentar o seu bebê, ao longo do caminho
você agiu com mais adharma do que com
dharma. Se estiver nesta situação e descobrir
que deve assumir um emprego que não seja
totalmente dhármico para você, faça o melhor
que puder para trazer o máximo de
conscientização para o cenário. Isso é tudo que
você pode fazer. Você trabalha com o que lhe é
dado.
Digamos que seja rico — então isso define em
parte o seu dharma. Você não pode agir como se
não fosse rico. Mesmo jogando dinheiro fora, isso
não o livra karmicamente — é também um ato
carregado de karma. Pelo contrário, você precisa
começar a ser responsável pelo seu dinheiro, e
determinar o seu dever em relação a ele; o
dinheiro torna-se o seu dharma nesse momento.
Você desta forma age em relação a cada aspecto
da sua vida. Qualquer que seja a sua parte,
realize-a, mas do modo mais consciente que
puder. Essa é a forma mais básica do conceito de
feita. O porquê de você estar realizando o seu
dharma virá depois. Neste ponto, Krishna está
simplesmente dizendo: é o seu dever, realize-o.
Mas Arjuna, como a maioria de nós, tem
problemas para se entregar. Ele ainda se agarra
a um grupo de preconceitos sobre como ele
pensa que as coisas "devem" ser, e
inevitavelmente isso atravessa o caminho da
realização do seu dharma. O mesmo acontece
conosco. Por exemplo, me abri para uma "viagem
espiritual" vindo de uma tradição intelectual, e
como sou um intelectual, liguei-me muito às
práticas meditativas porque elas parecem ser "a
essência". São tão diretas, organizadas, puras.
Minha mente ficou impressionada com um
sistema como o Abhidhamma, cheio de belas
categorias e tão intelectualmente refinadas. Eu
estava certo de que a meditação era o meu
caminho espiritual!
Mas, então, encontrei Maharajji — e o meu jogo
não foi mais o mesmo. Aconteceu que o meu
caminho não era o que eu pensava que seria.
Mas não desisti com facilidade. Por um longo
tempo, continuei a tentar fazê-lo funcionar da
maneira que imaginei que uma viagem espiritual
"verdadeira" funcionasse. Como disse a
Maharajji:
— Maharajji, como desperto a minha kundalini, a
minha energia espiritual?
Pensei que ele me diria algum segredo, um
ensinamento interior como "medite com este
— Alimente a todos.
— Alimentar a todos? — respondi.
— Alimente a todos, sirva a todos.
— Maharajji, para despertar a minha kundalini?!
Ele disse:
— A kundalini pode ser despertada pelo toque de
um guru. O guru pode somente pensar sobre isso
e a sua kundalini será desperta. Não se preocupe
com isso — simplesmente alimente as pessoas e
sirva a elas.
Ele estava dizendo para mim: "Cumpra o seu
dharma." E o meu dharma não era a meditação,
Com o tempo, ficou claro para mim que o meu
yoga é a devoção e o serviço, e que o meu
dharma é a devoção e o serviço, goste eu ou não.
Esse é o meu dharma. É o que me foi dado para
trabalhar. Mas levei um tempo para aceitá-lo, ou
para me entregar a ele.
Arjuna está na mesma situação difícil aqui. Ele
não gosta do dharma que está encarando no
campo de batalha. Tem as suas próprias idéias
sobre o que gostaria que fosse o seu caminho.
Porém, gradualmente, começamos a
compreender que seguir o nosso caminho não
nos levará para onde gostaríamos de ir;
reconhecemos que o nosso dharma é a nossa
rota, e começamos a nos entregar a ela. É isso
que Krishna está aconselhando Arjuna a fazer:
"Essa é a roda da lei colocada em movimento, e o
homem vive na verdade em vão se, em uma vida
pecadora de prazeres, não ajuda a sua evolução.
e que no espírito encontra a satisfação, esse
homem está além da lei da ação."
Esse é um ponto interessante: quando você age
totalmente por dharma, você fica "além da lei da
ação". Quando se entrega totalmente ao seu
dharma, você não está mais agindo para lutar,
mas a partir do espírito. Quando isso acontece,
você não está mais criando karma para si. Age
somente para realizar o seu dharma, e não a
partir de um motivo pessoal, por isso o karma
não acumula.
Mas não é só isso. Você não somente pára de
aumentar a conta do seu karma, como toda a
relação com a sua vida muda. Tudo passa a ser
uma aparência, um teatro. Plotino disse:
"Assassinos, a morte em todas as suas formas, a
captura e a pilhagem de cidades — tudo deve ser
considerado como um palco, tantas mudanças de
cenário, o horror e o clamor de uma peça. Pois,
aqui também, em todo este destino mutável da
vida não é o homem verdadeiro, a alma interior
que se angustia e lamenta, mas meramente um
fantasma do homem, o homem exterior
encenando a sua parte nos palcos do mundo."
Em Viagem ao Oriente, de Hermann Hess, Leo
diz: "Naturalmente podemos fazer todo tipo de
coisa com a vida — fazer dela uma obrigação, ou
um campo de batalha, ou uma prisão —, mas isso
não a deixa mais bonita. A vida como ela é,
quando bela e feliz, é um jogo."
Um jogo? Isso não muda a complexidade das
equanimidade em tudo que você faz. Meister
Eckchart escreveu: "Temos que assumir tudo que
Deus coloca sobre nós de modo imparcial, sem
comparar ou se perguntar o que é mais
importante ou mais elevado ou melhor. Devemos
simplesmente seguir para onde Deus conduz." 2
Quando começamos a apreciar cada vez mais a
singularidade de todo esse projeto, surge uma
sabedoria que reconhece que nenhuma parte é
melhor e nenhuma parte é pior do que a outra —
cada uma é somente diferente da outra. A peça
se desenrola tranqüila quando cada pessoa faz a
sua parte de modo perfeito. Sem cobiça,
querendo fazer o papel de outra pessoa,
simplesmente feliz por realizar o seu próprio
dharma.
Nas pequenas aldeias que visitei na índia, onde
viver o dharma ainda é uma força verdadeira,
não vemos tanto o tipo de ambição e inveja que
estamos acostumados aqui. Vemos o varredor
totalmente engajado em ser um varredor
perfeito. É a parte dele. E ele não fica dizendo:
"Vejam como sou um bom varredor!" Ele
simplesmente varre da melhor maneira que sabe.
E ele espera que o lojista seja um lojista perfeito,
e que o primeiro-ministro seja um primeiro
ministro perfeito. Não fica querendo ser o lojista
ou o primeiro ministro — sabe que isso não é o
seu dharma, e está vivendo o seu dharma e
esperando que cada um viva o seu.
Até certo ponto, isso é somente um ideal, e só
estive próximo de pessoas que desempenhavam
harmoniosamente a sua parte, com freqüência
senti nelas um tipo de contentamento que não
está accessível para nós aqui no Ocidente, um
tipo de quietude interior. Parte da luta
desesperada é liberada.
Podemos ver que existem maneiras de
desempenhar os nossos papéis sem realizá-los
tão integralmente. Na verdade, não é necessário
levar a vida de modo tão pessoal. "O homem que
conhece a relação entre as forças da natureza e
as ações", diz Krishna, "vê como algumas forças
da natureza agem sobre outras forças da
natureza e não se torna um escravo delas." O seu
corpo, a sua mente, a sua personalidade — tudo
isso é parte da natureza, é o que acontece de
acordo com uma lei. Por que você fica tão tenso
e inflexível em relação a isso? Deixe se
manifestar em harmonia, e não lute tanto contra
ela. Viva a sua vida de modo mais leve, mais
impessoal; não se deixe aprisionar, deter-se
tanto em seu melodrama.
Todos nós adoramos os nossos melodramas.
Cada um de nós tem um. Todos pensam que
existe alguém fazendo alguma coisa, ou alguém
pensando algo, ou alguém desejando uma coisa.
"Preciso fazer sexo hoje à noite, se não,
morrerei." "Estou tão sozinho!" "Não consigo
meditar." "Sou tão alto!" Ficamos todos tão
envolvidos em nossos melodramas, tão ocupados
pensando que somos atores, tão ocupados
somente a manifestação da lei acontecendo. É
engraçado!
Mas para ver isto, para começar a apreciar o
aspecto que segue essa lei se desenrolando,
precisamos desenvolver um pouco de
perspectiva. Uma bela meditação pode ser pegar
uma semente e enterrá-la em um pouco de terra.
Coloque-a na janela da cozinha e observe-a
crescer e se transformar em uma planta, depois
em uma flor. Simplesmente observe- a todos os
dias. Utilize isso como o seu exercício diário de
meditação; veja como todo o processo se
desenrola.
Depois desvie o foco de atenção. Estude a si
mesmo da mesma maneira como observou o
crescimento da semente. Observe a sua própria
vida, as suas ações com o mesmo sentido
exterior e de curiosidade até que possa ver as
leis da natureza trabalhando em você. Poderá
verificar o que desperta a raiva, o amor, o que
conduz ao desejo. Simplesmente observe tudo —
não argumente, não julgue, simplesmente
observe. E quando começar a desenvolver essa
perspectiva, verá que os seus atos ficarão gra-
dualmente menos movidos pelo apego e cada
vez mais ligados ao fluxo inexorável e simples
das coisas.
O ARGUMENTO DE KRISHNA para realizar o seu dharma e
fazer a sua parte é a estrutura para um dos
maiores temas do Gita: a prática do que é
chamado de karma yoga. Até agora Krishna tem
lutar na batalha. Agora começará a explicar a
maneira como deve fazer para agir — isto é, o
contexto a partir do qual ele deve entrar na
batalha. Na verdade, ele irá definir a técnica
através da qual nós transformamos as nossas
ações colocando-as em harmonia com o nosso
dharma.
Temos aqui alguns slokas para refrescar nossa
memória.
"Porém grande é o homem que, livre dos apegos
[grifo nosso], e com a mente regendo os seus
poderes em harmonia, trabalha no caminho do
karma yoga."
"Liberto dos elos do apego [grifo nosso], realize o
seu trabalho a ser feito, pois o homem cujo
trabalho é puro atinge, na verdade, o Supremo."
"Realize o seu trabalho, mas sem apegos." Isso
representa a primeira parte da fórmula. Ainda
não nos foi dito como interromper com os
apegos, mas nos é dito que esse é o objetivo —
trabalhar sem apegos, o que significa agir sem se
preocupar com os resultados. "Não se preocupe
com os frutos da ação" é uma das principais
instruções no karma yoga. "Coloque o seu
coração no trabalho, mas nunca na recompensa.
Não trabalhe pela recompensa, mas nunca pare
de realizar o seu trabalho."
Mahatma Gandhi nos mostrou como é isso na
prática. Ele disse: "Quanto a cada ação, é preciso
conhecer o resultado esperado, os meios para
atingi-lo e a capacidade para realizá-lo. Aquele
devida realização da tarefa colocada diante dele,
diz-se que esse homem renunciou aos frutos da
ação."
Quando tivermos feito isso realmente,
renunciado aos frutos da ação, estaremos
finalmente livres para agir em qualquer direção
que formos puxados pelo nosso dharma. Não
estaremos mais sendo puxados e empurrados
para outras direções pelos nossos apegos — não
tiraremos nada dele. Agiremos exclusivamente
para realizar o nosso dharma.
Porém, como poderemos saber quais os "frutos"
a esperar? Como sabemos o que se espera que
aconteça? Até atingirmos o lugar onde podemos
ver todo o alcance do padrão kármico, não temos
idéia de qual seria o melhor resultado para nós e
para os outros.
Preparo-me para dar uma palestra, e pode ser
que ela seja um desastre — todos se levantam e
saem. Isso é difícil para um conferencista, se
você estiver preocupado com os frutos da sua
ação! Vou embora me sentindo humilhado,
abatido, meu ego está esmagado. Essa
experiência queimará dentro de mim, e
lentamente aquela humilhação e perda con-
tinuarão a crepitar em meu interior até que, após
um tempo, começo a encará-la como um dos
maiores ensinamentos de Maharajji. Ótimo! As
pessoas naquela platéia estavam me mostrando
como eu estava ligado ao meu próprio modelo do
que seria um "bom" desempenho. Se eu for
esteja lhes atirando de volta para si mesmos para
que captem os ensinamentos. Como eu sei disso?
Devido às próprias necessidades do meu ego,
não consigo me afastar o suficiente para ver o
que criaria o melhor resultado dos meus próprios
atos.
Então, o que fazer? Dou o melhor de mim, mas
abro mão dos frutos da ação. Se não sei o que se
espera que aconteça, provavelmente será melhor
se eu não me ligar muito a um resultado em
particular. Presto atenção para ouvir qual deveria
ser o meu próximo passo. Realizo os meus atos
da melhor maneira que posso. E qual o
resultado... bem, será como tem de ser.
Interessante, nada mais. É uma questão de soltar
as expectativas.
Em meados da década de 1970, um grupo de
amigos e eu decidimos nos reunir uma tarde no
Winterland Ballroom, em São Francisco. O
Winterland era um empório enorme de rock.
Acomodava seis mil pessoas no circo montado
ali. Então, Bhagavan Das, Graça Surpreendente e
eu decidimos que faríamos o nosso "Winterland".
Teríamos música, um show leve que iria das duas
horas da tarde até as oito da manhã seguinte.
Seriam necessários 4.500 dólares (muito dinheiro
na época) para realizar toda a operação — alugar
o local, montar um sistema de som, propaganda.
Mas tínhamos grandes expectativas e grandes
planos para todos os lucros que conseguiríamos.
Chegou o dia e fizemos a nossa parte.
quando nos voltamos para dentro é o mesmo
para todos, porém a descrição do que
encontramos lá depende de quem está fazendo a
descrição, e por isso existem inúmeros modelos
diferentes de conscientização que se originaram
nas diferentes tradições.
Aqui temos, por exemplo, um modelo que utiliza
um dos nossos artefatos culturais — um projetor
de slides. Provavelmente, sabemos mais ou
menos como um projetor de slides funciona:
existe uma fonte de luz, você insere um slide e a
luz passa através dele, o que determina os pa-
drões e as cores de luz que passarão para o outro
lado e surgirão na tela.
Agora digamos por um momento que vocês
assistiram a uma exposição de slides por um
tempo e que decidiram que já viram o suficiente
dos slides — agora querem saber como é aquela
tela. O problema é: tudo o que vocês podem ver
da tela é aquilo que os slides permitem que ve-
jam. Se um slide for totalmente tomado pela
figura, vocês não verão nada da tela; por outro
lado, se um slide estiver vazio, se for absoluta-
mente transparente, vocês verão a tela
perfeitamente.
Vocês podem aplicar isso como um modelo.
Imaginem que dentro de vocês existe uma luz,
que chamaremos de atman — ou, como vocês
são um jiva, um indivíduo, a chamamos de
jivatman, porque é o seu atman; é o pequeno
ponto de luz que a partir de toda a luz do
está localizado; simplesmente permitam que
exista essa fonte de luz em vocês, e que está
enviando tudo: luz branca, todo o universo. Mas
aquilo que está atravessando e sendo refletido
na sua tela é determinado por um número de
véus translúcidos que a luz deve atravessar em
seu caminho. E esses véus são os véus da sua
mente, da sua mente pensante. Os véus são os
seus pensamentos, os véus são os seus desejos,
os véus são os seus sentimentos — são todos
partes diferentes da sua personalidade. Eles são
o que é chamado de ahamkara, a sua estrutura
de ego. Isto significa que aquilo que vocês
terminam vendo do lado de fora no mundo é
meramente a projeção do seu próprio show de
slides interior.
Naturalmente, isso não é nada de novo —
acredito que estamos basicamente familiarizados
com essa idéia; certamente é comum na psico-
logia moderna. Qualquer psicólogo pode citar
dúzias de experimentos que provam que a
motivação afeta a percepção. Se vocês estão
famintos e andam pela rua, percebem somente o
que lhes interessa — notam somente lanchonetes
e restaurantes. Por outro lado, se estão
sexualmente excitados e andam pela rua,
passando por uma loja de salgados e doces, nem
a notarão. Mais tarde alguém poderá perguntar:
"Existe uma boa loja de salgados e doces nessa
cidade?" E vocês responderão: "Eu realmente não
sei" — mas poderão fazer uma lista de quantos
Em outras palavras, o seu desejo determina o
que parece existir. Parece existir lá fora. Vocês
não sabem o que realmente existe lá -— sabem
somente o que acham que existe. Manas, a
mente inferior, está preocupada com os desejos
sensuais e com os pensamentos; ora percebe um
sentido sensual, ora um pensamento, ora alguma
emoção, e constrói todo um mosaico a partir
deles, que vivenciamos como os universos do
nosso ego. O que vocês acham que está lá fora e
o que eu penso que está lá fora é somente nós lá
fora. Não sabemos se existe alguma coisa lá fora.
Talvez se nenhum de nós estivesse lá, não
haveria nada... ou talvez houvesse.
Simplesmente não sabemos. Podemos nos sentar
dentro das nossas opacidades e pensar sobre
tudo isso, porém todos os nossos pensamentos
serão afetados pela nossa obtusidade — pelo
nosso desejo de que haja alguma coisa lá fora, ou
pelo nosso desejo de que não haja alguma coisa
lá fora, pouco importa. Finalmente, a única
maneira de obter um quadro mais realista de
tudo isso é ficar menos obtuso, opaco. E realizar
isso é o jogo do nosso sadhana.
Podemos visualizá-lo como uma série de círculos
concêntricos, com os objetos dos sentidos "lá
fora", em um círculo externo. (Enquanto vocês
pensarem sobre esses círculos — o ahamkara [ou
ego], manas [ou intelecto], buddhi ou até o
atman —, não ficarão aprisionados pensando
neles como se fossem coisas fixas, sólidas; eles
fluxo. Parecem ter uma intensidade que os torna
sólidos por um momento, mas não são estáticos.)
Então, primeiro vêm os objetos dos nossos
sentidos. Depois, vêm os próprios sentidos (os
inárias), e em seguida os pensamentos, que são
manas, ou a mente inferior. Depois vem o
ahamkara, ou estrutura do ego, que é o vetor ou
a localização de todos esses vários padrões de
pensamento e que representa o nosso modelo do
mundo ao redor.
O próximo círculo é o que chamamos de buddhi,
que é o intelecto superior; é a única parte do
nosso pacote natural que é capaz de apreender
os reinos superiores em nosso interior.
Ocasionalmente, acredita-se que esteja
relacionado à sabedoria do terceiro olho, mas na
verdade buddhi possui um tipo de qualidade de
"porta de vaivém" ligada a ele, que o possibilita
se voltar para ambos os lados — pode ser atraído
para a mente inferior e sair no mundo ou voltar-
se para dentro e virar-se para a luz, para o
atman, para a fonte de tudo. É como um
processo essencial. O amanhecer da sabedoria
vem com o reconhecimento da luz interior,
quando buddhi se volta pela primeira vez para
dentro, e não para fora. Nesse ponto, ele começa
a usar o intelecto para buscar mais profunda-
mente, no interior, a se mover para dentro.
Mesmo assim, buddhi faz parte do nosso
"pacote"; ele ainda reflete um "eu" separado. No
Ocidente, podemos chamá-lo de alma. Na litera-
Isso é buddhi. Ele ainda é parte de quem somos,
mas está ali na borda. Situa-se entre o espírito e
a matéria, e pode se voltar para qualquer uma
das direções.
Então, no círculo mais interno está o atman. O
Bhagavata diz: "O atman, ou ser divino, é
separado do corpo. Este atman é aquele sem
segundo, puro, auto-luminoso, sem atributos,
livre, todo permeante. E a Eterna Testemunha."
Pensem sobre isso: é o que está dentro de vocês
— neste momento. Não é algo externo a vocês;
não é algo que tenham que adquirir. Já está aí!
Existe um ensinamento zen que diz: "A pedra
preciosa brilhante está em sua mão." Não está
"lá fora" em algum lugar; vocês já a têm. Vocês
já são ela — podem somente pensar que não
são! Não é estranho?
No Novo Testamento, Lucas escreveu:
"Interrogado pelos fariseus sobre quando
chegaria o Reino de Deus, respondeu-lhes: A
vinda do Reino de Deus não é observável [nem
pode ser sentida]. Não se poderá dizer: Ei-lo aqui!
Ei-lo aqui!, pois eis que o Reino de Deus está no
meio de vós." Está no meio de vós. Mas vocês
estão vivendo neste reino? Entre este você
interior e aquele que vocês pensam que são
estão todos os véus do pensamento, todas as
opacidades de cor e forma que formam as pro-
jeções dos slides que criam o mundo que vocês
vivenciam.
T b d tud
slides e as suas ramificações, foi uma prática de
jnana yoga. Utilizamos os nossos intelectos para
construir um modelo, que nos conduziu para o
que está além do intelecto. Isso é exatamente o
processo do jnana yoga. Vocês iniciam com o
intelecto inferior, manas, e começam a estudar:
estudam as escrituras, estudam com os professo-
res, lêem livros, fazem retiros. Reúnem
conhecimento. Nada disso é sabedoria, vocês
compreendem — é meramente um veículo que
os auxiliará a chegar lá. Vocês utilizam o seu
intelecto para adquirir aquele conhecimento,
para se aprontar para o próximo passo. Mas,
então, surge a questão de que a parte central do
"próximo passo" é se livrar de todo esse
conhecimento. Vocês terão que soltá-lo. Não
podem ficar ligados ao conhecer; isso é somente
um outro apego. O conhecimento está disponível;
ele serviu ao seu propósito, agora soltem-no.
Mais tarde descobrirão que tudo ainda continua
ali, mas estará lá de uma maneira inteiramente
nova. E antes que vocês consigam alcançar toda
essa nova maneira de lidar com ele, terão que
realmente soltar todo aquele belo conhecimento
que tão arduamente conquistaram.
O conhecimento é como o casaco multicolorido
de José: é todo chanfrado e brilhante. Quero
dizer, quando eu era professor em Harvard, todos
nos sentávamos em círculo fazendo cintilar o
nosso conhecimento uns sobre os outros. Era
divertido! "Bem, eu conheço isto." "Mas pode
quando olhei para dentro de mim mesmo, en-
contrei uma discrepância considerável entre o
meu conhecimento e o meu ser. Você pode ter
conhecimento, mas precisa ser sábio. Vi que
podia ser horrivelmente, hipocritamente,
depressivamente vazio de sabedoria ao mesmo
tempo em que dominava por completo todos à
minha volta com o meu conhecimento. Conhecer
tudo por si só, sem uma sabedoria profunda,
termina se tornando um desespero.
Na realidade, em qualquer nível de
desenvolvimento, só nos é possível utilizar uma
certa quantidade de conhecimento; além disso,
simplesmente fazemos a xícara transbordar. Não
conseguimos absorver, porque o nosso ser ainda
não se desenvolveu o suficiente. Vocês
conseguem que uma criança com três anos de
idade recite fórmulas matemáticas complexas,
mas isso não significa que ela as compreenda. É
preciso haver um equilíbrio entre o
desenvolvimento do ser interior de uma pessoa e
o desenvolvimento do seu conhecimento para
que este conhecimento seja útil. Montaigne
escreveu que encher a mente com material em
excesso é como regar demais uma planta e que
"ao ficar atravancada por uma grande variedade
de coisas, a mente perde o poder de se libertar, e
o peso destas coisas pode fazê-la pender e ficar
dobrada sobre si mesma".
Gurdjieff disse: "O conhecimento que não está
em harmonia com o ser não pode ser grande o
conhecimento de uma coisa, junto com a
ignorância de outra, um conhecimento de um
detalhe sem a compreensão do todo; uma visão
da forma sem a captação da essência". Disse
também: "O conhecimento pode ser a função de
um centro, o centro do pensamento. Contudo, a
compreensão é a função de vários centros.
O mecanismo do pensamento pode conhecer
algo, mas a compreensão surge somente quando
o homem percebe ou sente o que está ligado a
quê. O que ele está dizendo é que, quando nos
direcionamos para a sabedoria, movemo-nos em
um caminho do intelecto para a intuição, do
conhecimento que temos sobre alguma coisa
para um sentido intuitivo da nossa interligação
com tudo. A sabedoria intuitiva é uma apreciação
não conceitual de algo mediante a união com ele.
Essa é uma maneira mais profunda de
compreender as coisas, e é a porta para se tornar
sábio.
NOSSO DESEJO DE CONHECER, que é o nosso desejo de
adquirir um sentido de certeza, torna-se um dos
impedimentos que surgem no caminho do
desenvolvimento da nossa intuição. Ramana
Maharshi teve uma bela frase sobre o
conhecimento como um obstáculo. Ele disse:
"Para os homens de pouca compreensão, esposa,
filhos e outros formam a família. Para os eruditos,
existe uma família formada de incontáveis livros
em suas mentes, que também são obstáculos ao
yoga."2 Ramakrishna disse: "Somente dois tipos
aquelas cujas mentes não são sobrecarregadas
com todo um aprendizado — isto significa dizer
que não são entulhadas com pensamentos to-
mados emprestados dos outros — e aquelas que,
após estudarem todas as escrituras e ciências,
conseguiram compreender que não conhecem
nada." A última parte é quando o caminho do
jnana yoga está realmente funcionando, porque o
"conhecer nada" é o próximo passo nesta via-
gem. Você aprende, aprende e aprende até
compreender que com tudo aquilo que aprendeu
não sabe nada — e este é o caminho. Você utiliza
os seus modelos intelectuais para se manter
seguindo em frente — eles realmente ajudam
nisso —, mas você não se apóia nos modelos;
mantém-se deixando-os soltos, liberando as
estruturas intelectuais. De outra maneira, eles
atravessarão o seu caminho.
Em Miracle of Love, mencionei um almoço que
tive um dia com Richard Feynman, ganhador do
Prêmio Nobel de física. Ele me perguntou sobre
Maharajji, e relatei algumas histórias. Ele ficou
fascinado e conseguiu captar a verdade do que
lhe estava contando, até que cheguei a uma
história sobre como Maharajji tinha aparecido em
dois lugares ao mesmo tempo. Então, o físico
disse: "Isso é impossível. A própria base da física
diz que uma coisa não pode estar em dois
lugares ao mesmo tempo." Eu disse a ele: "Isso
pode ser verdade. Mas Maharajji conseguiu."
Alguém me enviou este poema:
Quanto mais alto eu vou, mais consigo ver.
Quanto mais vejo, menos sei.
Quanto menos sei, mais estou livre.
Essa é realmente toda a seqüência. Você reúne
conhecimento e consegue somente o suficiente
que lhe permite ver até a montanha seguinte — e
quando isso acontece, você compreende que o
seu conhecimento não vale nada. Então, você o
descarta e fica mais livre do que era antes de
começar.
Quando nos voltamos para essas direções novas,
grande parte do material com o qual enchemos
as nossas mentes começa a sair do nosso
caminho. Quando vocês se sentarem para
meditar, irão se arrepender do quanto
alimentaram a sua mente quando tudo
recomeçar a brotar. Eu costumava sentar no
templo, tentando fazer a minha meditação respi-
rando: "subindo... descendo... subindo...
descendo..." e ficava me lembrando "amo, amas,
amat", ou área é igual a r2, ou algo parecido.

Você descobre que tem de limpar muito a casa.


Atualmente, tento não me deixar seduzir pela
idéia de encher muito a minha mente, para não
ter muita coisa para limpar depois.
Algumas tradições orientais desenvolveram
técnicas para se livrar dessa desordem mental.
Existe por exemplo o Abhidhamma, um sistema
budista de psicologia; ele utiliza uma técnica
bem analítica para estudar a experiência da
istê ia de is la mã de
muito bonito. Basicamente, o Abhidhama é um
sistema de categorias fantástico. É como ter uma
daquelas escrivaninhas antigas cheias de
compartimentos, com todas aquelas pequenas
divisões para colocar clipes, elásticos e papéis
para mensagens. Se você tem uma natureza
obsessiva-compulsiva como esse tipo de
escrivaninha, ficará totalmente deliciado com o
Abhidhama — porque não existe uma única coisa
em que você possa pensar para a qual o
Abhidhama não tenha um compartimento.
Existem pequenos locais por baixo e por trás, e
portas secretas... é um móvel incrível.
O interessante sobre o sistema é que ele lhe
fornece uma maneira para se livrar de tudo —
então, a sua escrivaninha, que é a sua mente,
fica sempre perfeitamente limpa. Quando você
se aperfeiçoa com este sistema de categorias,
você sabe onde está cada compartimento; algo
aparece em sua escrivaninha e automaticamente
a sua mão se estica para apanhá-lo e o coloca no
lugar certo, e a tampa da sua escrivaninha fica
novamente limpa. Você tem um pensamento ou
uma sensação e se lembra: "Oh, essa é a
categoria quatro-seis-três-sub-dois." Zip! —
dentro do compartimento. Feito. Antes de
descartá-los, essa visão dos seus pensamentos e
sentimentos tende também a despersonalizar as
coisas muito rapidamente, a anular o lado
romântico e a se livrar da sensação de "eu
realmente sou alguém fazendo alguma coisa".
O Abhidhama é SOMENTE UMA entre as práticas
desenvolvidas no Oriente para trabalhar com a
mente. Existem várias, muitas técnicas primoro-
sas que utilizam o intelecto para ir além dos
véus. Uma delas foi o método de
Vicharasangraham, ensinado por Ramana
Maharshi, um santo extraordinário que viveu no
sul da índia durante a primeira metade do século
XX. Ele teve uma história interessante: Ramana
Maharshi foi uma pessoa que, aos 17 anos de
idade, era um jovem comum. Nunca tinha
realizado um sadhana, não tinha estudado
nenhuma tradição espiritual em particular, e se
ocupava somente com os estudos do ensino
médio. Um dia, quando estava sentado no chão
do gabinete de seu tio, de repente sentiu
fortemente que iria morrer. Em vez de lutar
contra a morte, como a maioria de nós faria, ele
se entregou a ela — e vivenciou a própria morte.
Observou o seu corpo sendo carregado para ser
queimado no crematório. Seu corpo se fora, sua
personalidade acabara... e, então, ele vivenciou
um sentido intenso da Presença, do "Eu" que não
é parte do nascimento ou da morte. Essa
experiência o transformou.
Alguns de nós, seja por que meio for, podemos
ter vivido experiências como esta. A diferença
entre Ramana Maharshi e o restante de nós é
que ele não voltou. Bem, isso não é inteiramente
verdadeiro; ele permaneceu por mais cinqüenta
anos, mas quem voltou foi totalmente diferente
escuro / mais claro, melhor / pior, direita /
esquerda, tudo. Então, disse: "E como,
naturalmente, antes que a primeira distinção
fosse feita não havia um sistema de valores
sobre o qual fazer a primeira distinção, na
verdade a primeira distinção nunca foi feita. Por-
tanto, este livro foi escrito para descrever um
universo que existiria se a primeira distinção
tivesse sido feita." Bem, se você conseguir lidar
com esta nota de rodapé, você já atravessou a
porta para chegar a Brahman. Se falhou... bem,
você continua apegado.
E, finalmente, voltando para o Gita, aqui está
esta descrição de Brahman no capítulo 13:
"Agora eu lhes direi sobre o final da sabedoria.
Quando um homem conhece isto, ele irá além da
morte. E Brahman: sem começo, supremo. Além
do que é e além do que não é... Dele vem a
destruição e dele vem a criação. Ele é luz de
todas as luzes, que brilha além de toda a
escuridão."

No HINDUÍSMO, A EXPRESSÃO utilizada para entrar nesse


estado de Brahman é chitta vriti naroda — a
cessação dos processos mentais. A imagem é a
de um oceano no qual existem ondas de todos os
tipos e tamanhos. As ondas são formas-
pensamento: sentimentos, traços de per-
sonalidade, registros dos sentidos, idéias — onda
após onda. E, então, gradualmente as ondas se
transformam em ondulações, e lentamente as
as ondulações surgem e retornam. Esse oceano
tranqüilo e infinito é a imagem de Brahman.
Você pode dimensionar o problema ao tentar
conceituar um estado de ser como este.
Ramakrishna, o santo indiano, costumava ficar
em estados de samadhi muito profundos durante
o tempo inteiro. Existem fotos dele com uma luz
emanando do seu corpo. Ele queria repartir com
os seus discípulos o que vivenciava, e tentava
dizer a eles como era esse estado. Dizia: "Bem,
quando shakti, a kundalini, sobe e atinge o
terceiro chakra, vocês vivenciam isto." E
descrevia a experiência. "Quando chega ao
quarto chakra, o anahata", dizia, "vivenciam isto.
E no quinto chakra vivenciam isto. E quando
chega ao sexto..." e entrava em samadhi. Seu
corpo ficava ali, luminoso, mas ele estava em
algum outro lugar. Um dos seus discípulos
escreveu: "Ele era diferente de um homem morto
somente porque retinha o seu calor da vida física
e seus sentidos continuavam disponíveis para ele
— porém a sua consciência estava em algum
outro lugar." Então, após um tempo,
Ramakrishna voltava e recomeçava tudo.
"Chegou ao terceiro... ao quarto... ao quinto..." e
saía outra vez. Após três ou quatro tentativas, as
lágrimas começavam a correr pela sua face. Ele
dizia: "Realmente gostaria de relatar a vocês,
mas a Mãe Divina não me deixa." Ele não podia
porque aquilo que é não pode ser expresso.
Ramakrishna disse que as nossas tentativas de
— uma boneca feita de sal — ao fundo do oceano
para determinar a sua profundidade. No
caminho, a boneca se dissolverá totalmente, e
não haverá ninguém para registrar. Essa era a
situação de Ramakrishna.
Porém, embora não conseguisse descrevê-la, ele
podia ser ele, podia se soltar nele. Não podia
registrar, mas vivenciava como era. Um dos de-
votos tentou descrever o samadhi de
Ramakrishna. Escreveu: "Naquele êxtase
elevado, os sentidos e a mente interrompem
suas funções. O corpo fica sem movimentos
como um cadáver. O universo desliza da sua
visão, até o próprio espaço se desfaz.(...) O que
permanece é somente a existência. A alma se
perde no Ser, e todas as idéias de dualidade, de
sujeito e objeto, se dissipam. As limitações se
vão, e o espaço finito se torna uno com o espaço
infinito. Além da fala, além da experiência, além
do pensamento, Sri Ramakrishna tornou-se
Brahman."
O que os hindus chamam tornar-se Brahman os
budistas chamam de nirvana ou nibbana — que
significa "o apagar da chama". Nesse estado,
tudo que vocês e eu conhecemos sobre nós se
dissolve em nossas mentes completamente. O
que permanece é um sentido profundo e total de
realização — que Franklin Merrill Wolfe chamou
de "estado de satisfação absoluta". Esta não é a
idéia de satisfação de Mick Jagger — o tipo que
ele não atinge. Isto é semelhante à essência de
tudo em sua vida que já lhe deu satisfação. É
completude, ou paz. Não é a casquinha de
sorvete no céu, que nunca satisfaz para sempre;
é a essência da grande casquinha de sorvete no
céu, que é totalmente realizadora.
Brahman não é uma experiência. Para
experimentar alguma coisa, vocês precisam
estar separados dela. Usamos técnicas como
karma yoga e jnana yoga para chegar ao estado
de Brahman, para estarmos imersos nele. Uma
prática de meditação é uma das primeiras coisas
que tentamos com mais freqüência para acalmar
as nossas mentes pensantes. À medida que a
nossa meditação se aprofunda, descobrimos que
temos muitos tipos de experiências, e algumas
delas serão como uma experiência do vazio.
Pode ser muito interessante, mas não é
Brahman. Não pode ser Brahman porque ele não
é nenhuma experiência, e a "experiência do
vazio" é uma outra experiência. Brahman está
fora do reino das "experiências".
Eu pessoalmente cheguei ao tipo de estados
sobre os quais falamos por meio do yoga com o
uso dos psicodélicos, e embora reconheça que os
psicodélicos podem ser um análogo astral da
realidade, pelo menos eles me deram um
vislumbre do como tudo deve ser. Eles me deram
alguma vantagem sobre os outros estados de
ser. Posso lembrar vividamente algumas das
sessões que tivemos em uma sala de meditação
em nossa casa em Newton, Massachusetts, onde
Tim e eu vivíamos e tomávamos LSD. Algumas
quando retornávamos depois), não havia
universo, não havia experiência de não haver
universo, embora não houvesse vazio. É
paradoxal, mas tudo é um paradoxo, porque
Brahman contém tudo, tudo.
Vou contar uma história engraçada de uma
daquelas sessões. A sala de meditação que
mencionei era bem incomum. Tínhamos colocado
uma parede falsa na sala de estar e montamos a
sala de meditação atrás dela para fazer parecer
que a sala não existia. Não havia porta; tínhamos
que entrar pelo porão, descendo pela escada da
cozinha e depois subindo por uma escada de
mão e entrando na sala por um alçapão no chão.
Após uma das nossas sessões, quando
finalmente retornei ao meu corpo, desci pela
escada, entrei no porão e subi a escada para a
cozinha. Havia uma mulher lá, que tinha chegado
na casa no dia anterior. Tinha vindo do sul de
ônibus em busca de um emprego no norte; viera
para a nossa casa e pensava em trabalhar ali.
Estava sentada na cozinha, tomando uma xícara
de café quando surgi do porão. Ela me olhou, e o
que viu deve ter perturbado sua mente porque a
xícara saiu voando, ela correu e caiu aos meus
pés. Aquilo me atordoou completamente —
quero dizer, ali estava uma mulher, na faixa dos
cinqüenta anos, bem forte, correta, de aparência
conservadora, ajoelhada a meus pés; isso me fez
sair correndo da cozinha. Mais tarde ela me disse
que quando surgi na escada vindo do porão tudo
Agora, a maneira como compreendo o fenômeno
que ocorreu: qualquer que tenha sido o estado
bramânico que eu entrara durante a viagem, ele
me fizera perturbar a mente daquela mulher e,
desta forma, instigá-la para o próximo passo em
sua viagem, qualquer que fosse ele. Essa é a
maneira como interpretei o que acontecera. Não
o considerei a nível pessoal.
Mas o importante é que, mesmo depois de uma
viagem como aquela, eu voltei. Enquanto houver
em nós material que nos puxe de volta para este
mundo (sejam desejos, anseios, apegos — até o
apego mais sutil de saber alguma coisa), esse
estado de Brahman é ilusório. Podemos ser
capazes de trabalhar com energias de um tipo ou
de outro e atropelar o sistema para que
possamos vivenciar por um momento uma
pequena prova de como ele deve ser, o que é
útil. E, então, os nossos padrões habituais de
pensamento voltam a se firmar, e nós voltamos.
Ainda havia muitas coisas que me prendiam para
que eu fosse capaz de permanecer naquele
estado por muito tempo.
VAMOS TENTAR ALGUMAS outras descrições de Brahman
para que elas nos auxiliem a conjeturar sobre a
experiência reunindo essas imagens. Cada
passagem é como uma tentativa mística para
descrever uma experiência de Brahman, o
indescritível.
Talvez neste momento estas descrições pareçam
muito abstratas para nós, irrelevantes para as
como elas se tornarão nossas, a maneira como
os ossos se recobrirão de carne, será quando nós
os cobrirmos com as nossas próprias experiên-
cias. Simplesmente ouvir o que as outras
pessoas escreveram sobre Brahman nunca será
satisfatório. Temos que sentir nós mesmos.
Mas ouvir tem um propósito. Pode ecoar em um
lugar dentro de nós, onde sentiremos a sua
validade, onde tocaremos a qualidade do real da
nossa identidade com algo mais do que achamos
que somos. Esse sentido de validade, por sua
vez, nos trará a fé; é bem naquele ponto onde
tocamos esse sentido de certeza em nós que a fé
é gerada. E essa fé é o que nos faz levantar e
consentir em lutar em nossa própria batalha de
Kurukshetra.
Os Upanishads dizem: "Um oceano único o
vidente se torna, sem dualidade. Este é o
caminho mais elevado, o mais alto prêmio, o
mais elevado mundo, a maior bem-aventurança.
E esta bem-aventurança é somente uma fração
do que os outros seres vivem."
Um texto budista descrevendo a mente de Buda
diz: "Liberta da forma, sentidos, percepção,
sentimento, tendências habituais e consciência,
sua mente é profunda, incomensurável,
insondável como o grande oceano."
E aqui está a maneira como o Terceiro Patriarca
chinês escreveu sobre a experiência: "Neste
mundo de similaridade, não existe ser e nem
outro senão o ser. Para entrar diretamente em
são dois' nada é separado. Nada é excluído,
quando ou onde. (...) Palavras. A maneira está
além da linguagem, pois nela não há ontem,
amanhã nem hoje."
Sou ocidental, com raízes na tradição científica,
por isso sou atraído pelos reflexos de Brahman
que encontro nos modelos da física. Eles evocam
o jnana yogue em mim. Esses modelos nos
dizem que quando descemos cada vez mais para
as unidades menores da matéria, o que se
parece como os nossos corpos, ou que se parece
com este livro, ou que se parece com o ar, ou
que se parece com Marte — todos esses itens se
tornam unidades diminutas de energia (que,
vocês se lembram da citação de Oppenheimer,
não podemos dizer que é isto ou aquilo, mas
somente algum tipo de modelo de energia),
então tudo no universo é formado do mesmo
material e tudo é absolutamente intercambiável
a cada momento. Os elétrons de vocês são
indistinguíveis dos meus elétrons e dos elétrons
em uma estrela. Estão totalmente os mesmos e
totalmente inter-relacionados.
O divertido é que, quando vocês não estão mais
apegados a ser uma entidade separada dele,
vocês passam a ser parte de tudo. E nesse ponto
o "tudo" é conhecido por vocês subjetivamente,
e vocês estão em todos os lugares ao mesmo
tempo porque não estão mais presos a um local
no espaço-tempo pela sua separatividade. A
metafísica me diz isso e a física me diz isso. Tudo
contínuo do Maharajji: "Sub ek!" (tudo é um só).
"Não consegue ver, Ram Dass? Tudo é um só.
Sub ek."
Quando vocês habitam nesse local da Unicidade,
a qualidade associada a ela é um sentido de
bem-aventurança, o "estado de satisfação abso-
luta", como a chamou Franklin Merrill Wolfe.
Wolfe era um tipo de cientista americano
interessante que viveu com sua esposa em uma
pequena choupana em Lonestar, Califórnia. Estas
experiências aconteceram em 1937, quando ele
estava no início dos seus quarenta anos; tinha
realizado muita prática de meditação em sua
choupana. Escreveu: "O evento chegou após o
retiro. Fiquei consciente de um efeito profundo
na consciência que tão logo adquirido manifesta
uma qualidade emocional dominante. Era um
estado de satisfação absoluta. Quando em todo
sentido concebido ou sentido tudo é atingido, o
desejo simplesmente desaparece... Quando
imerso neste estado, todos os outros estados
que poderiam anteriormente ter sido objetos de
desejo parecem flácidos em comparação... O
universo secular desapareceu e no seu lugar
permaneceu nada além da presença viva e toda-
abrangente da própria divindade."
Similitude... Unicidade... bem-aventurança... as
descrições fazem o melhor para pintar um
quadro da experiência para nós, para nos dar
uma pequena prova dela. Mas "bolos pintados
não matam a fome", e finalmente teremos de
NO CAPÍTULO 8 DO Gita, Arjuna pergunta: "Quem
é Brahman”? e Krishna segue em frente para lhe
dizer e descrever como chegar lá. Se o Gita
acabasse neste ponto, eu acharia que o seu
aspecto budista seria o dominante: sair da parte
de trás e se mesclar com o Único. Mas o Gita
prossegue para nos apontar o rumo para um
novo nível total de sabedoria.
Aqui está a situação complicada: falamos sobre
os dois aspectos diferentes de Brahman — o sem
forma e o criador da forma. A questão é, eles são
mutuamente exclusivos, como purusha e
prakriti? O sem forma rege a criação?
Estamos na verdade com um pouco de medo de
Brahman. Imaginamos que se voltássemos para
o Único, se mergulhássemos totalmente nele,
não haveria nada mais acontecendo depois
disso. É uma boa pergunta. Haveria? Haveria
uma outra manifestação? Ou não aconteceria
nada mais nunca?
Krishna faz a pergunta para Arjuna empurrando-o
para uma prática mais profunda. Ele diz que até
que Arjuna tenha se acalmado, até que a sua
mente se esfrie completamente, até que todos
os seus exercícios de purificação tenham sido
realizados — em outras palavras —, até que
esteja residindo em Brahman — ele nem
começará a reconhecer Krishna. Você precisa
estar em Brahman antes de começar a
reconhecer que existe alguma coisa por trás.
quanto de prakriti, além de Brahman e da shakti,
existe ainda outro... o quê? Alguma coisa. Mas o
que será? Parece que ainda existe o dharma,
ainda existe a lei, ainda existe algum tipo de
direcionalidade nas coisas.
O quer que seja Brahman, sabemos que é o
paradoxo final, a presença simultânea de todos
os paradoxos. Em Brahman, não existe espaço:
tudo está ali. Em Brahman, o tempo parou:
passado, presente, futuro, todos são o agora.
Então, existe a liberdade do espaço e do tempo.
Agora poderemos começar a falar sobre a
verdadeira liberdade, a verdadeira liberdade que
é possível nesta jornada. É a libertação da visão
limitada, a libertação da sensação limitada, a
libertação de permanecer em algum lugar, a
libertação de ficar agarrado a qualquer modelo.
Seres como Maharajji estão operando a partir
desta perspectiva durante todo o tempo. Eles
estão no mundo, mas não são subordinados ao
mundo. Transcenderam os gunas, as forças da
natureza, as tiras da corda que criou o mundo.
"Passei pelo mercado. Não sou um comprador."
Se absolutamente nada mais nos seduz, somos
equânimes, imperturbáveis. Podemos deixar o
ser separado e simplesmente estar com tudo.
Existem aqueles de nós que se foram e tocaram
esse lugar, mas que voltaram porque nós ainda
temos mais karma para desvendar. Nossos
apegos nos trazem de volta — embora tenhamos
tocado a possibilidade e isso nos modificou.
Então, temos os outros. Na Índia, existem seres
que vão para esse chamado nirvakalp samadhi
— samadhi sem forma — e simplesmente ficam
lá. Após um período de tempo (Maharajji disse 43
dias, embora eu já tenha ouvido 21), o ser
mergulha totalmente nesse estado de nirvakalp
samadhi e o corpo se desintegra. Simplesmente
se desfaz porque não existe mais ninguém para
mantê-lo unido. E uma maneira interessante de
deixar uma encarnação.
E ainda existem outros que vão para aquele
estado e residem nele, embora a sua
manifestação continue — mas agora ela é
diferente. Agora é a manifestação de Brahman
vindo através de uma forma humana. Não é
como alguém que volta, embora exista alguém
ali. Para este ser não existem mais as regras do
jogo porque a compaixão abarcou tudo. Qualquer
dos nossos modelos de "você deve fazer isto
porque é bom" ou "você não deve fazer isto
porque é mau" procede da nossa perspectiva
limitada. A compaixão deles, por outro lado, vem
da sua total consciência do todo relativo a tudo.
Trungpa Rinpoche falou sobre isso — é o que ele
chamou de "sabedoria louca". Sabedoria louca,
disse ele, é uma "sabedoria abusiva, desprovida
de ser e do 'bom senso' do pensamento literal. A
sabedoria louca é selvagem — na verdade é a
primeira tentativa de expressar a dinâmica do
estágio espiritual final de um boddhisattva, para
sair com a nudez da mente, incondicionada, além
tornar isso sua prática. Existem várias estraté-
gias para lidar com o alimento e mudar o
sign
signif
ific
ica
ado da expe
experi
riên
ênci
cia
a de cocome
mer.r. Exis
Existe
tem
m
práticas budistas, por exemplo; uma delas, parte
do caminho de punya, ou sa sabe
bedo
doria
ria,, envo
envolvlve
e
uma outra percepção daquilo que estamos
comendo; outra é uma meditação sobre o
proc
proces
essoso de próp
própri
rio
o co
come
mer.r. Exis
Existe
temm exem
exempl plos
os
destas meditações em "O Roteiro Suplementar",
de modo que vocês podem experimentá-las. As
leis dietéticas judaicas e o jejum cristão na
Quaresma são ambas práticas familiares, e se
destinam a reorientar a nossa relação com o
alimento, para espiritualizá-la.
Em retiros que dirigi, algumas vezes havia uma
enorme refeição preparada geralmente no último
dia da nossa estada juntos. Todos planejávamos
que
que se seri
ria
a uma
uma fest
festa
a fina
finall que
que part
partil
ilha
harí
ríam
amos
os;;
todos ficavam animados montando o jantar. A
mesesa
a era posposta. Nós nos sentá ntávam
vamosos.. To
Todo
doss
esperavam pelo alimento. Eles tinham cultivado
a fome, o desejo.
Então, eu começava com uma bênção longa do
alimento. Podia-se ver os cozinheiros pensando
"mas a comida está esfriando". Eu pedia a todos
que continuassem com a bênção até que todos
realmente
realmente estivesse
estivessemm faze
fazend
ndoo a bênç
bênçãoão.. Para
fazer uma bênção desta forma, os cozinheiros
teriam que desistir de se preocupar com a
comida esfriando e os convivas parar de pensar
sobre os alimentos que iriam comer.
meditação budista sobre a repulsa do alimento."
Então, lia as passagens sobre a mistura do
alimento com a saliva na parte posterior da
língua e finalmente tornando-se uma pasta.
Nesse ponto, os cozinheiros não se preocupavam
mais se a comida esfriara ou não, e os convivas
percebiam que não estavam mais tão famintos.
Finalmente, eu prosseguia para descrever a
maneira como iríamos comer — bem lentamente,
meditando bastante, com intenção concentrada.
E, então, o banquete já estava arruinado.
Então, eu pedia que as pessoas parassem e
nota
notass
ssem
em as suas
suas re
reaç
açõe
õess àque
àquela
la expe
experiê
riênc
ncia
ia..
Dizia a elas: "Após todos esses anos em que têm
comido
ido pelo prazer, quanto custará a vocês
entregar um pouco deste prazer para ficar
conscientes do processo de comer?"
A maioria de nós, na maior parte do tempo, é
tota
totalm
lmen
ente
te inco
incons
nsci
cien
ente
te sobre
obre o alalim
imen
ento
to.. Se
prestamos atenção a ele, em geral ficamos
neuroticamente obcecados sobre o assunto. Os
que têm problemas de peso notarão que se
focalizarem a atenção em emagrecer, sofrerão,
sofrerão muito o tempo inteiro. Mas se ficarem
conscientes ao comer, emagrecerão. E aqueles
que gostam de cozinhar e das sutilezas
extraordinárias dos alimentos — não há nada de
errado com isso; podem agir também como se
fosse um yoga. Mas ultrapassamos tanto na
gratificação dos sentidos que a nossa habilidade
de até imaginar o uso sagrado dos alimentos,
por completo. E parte do nosso sadhana envolve
o expe
xperi
rim
mento
nto co
comm ca
cada
da aspect
pecto o das
das nos ossa
sass
vidas pelo seu potencial como parte integrante
do nosso despertar.
Esse processo continua, até atingir a etapa que
nos leva além de somente prepara rarr o nosso
alimento e ingerir o sacrifício. O caminho mais
profundo do sacrifício que Krishna descreve é o
sacrifício do próprio ser — querendo dizer que
começamos a realizar cada ato à luz da nossa
conscient
conscientizaçã
ização
o de Brahman. À medida que a
nossa prática se aprofunda, essa conscientização
de Brahman assume a carne e o sangue. Começa
a have
haverr um se sent
ntid
ido
o prof
profun
unda
dame
ment nte
e válálid
ido
o de
ligação a algo muito maior do que os jogos que
tínhamos feito. Estávamos sempre perguntando:
"Tenho o suficiente?" Agora começamos a
perguntar: "Como consigo me livrar dos meus
pertences para que eu possa me tornar parte do
todo?" Isto traz um novo significado para cada
ato.
No exemplo de comer que usamos, você
consegue alimentar o seu corpo, consegue
manter o templo, aprofundar a sua sabedoria,
ampliar o seu samadhi, penetra rarr no seu ego e
cheg
chega ar a Brahman. Muito bem! E isso inclui
aquela pizza — quero dizer toda ela. Tudo que
você come se torna a sua oferenda. A oferenda,
o sacrifício — é isso que o ato de comer passa a
significar para você.
Mas usar o alimento dessa maneira é somente o
como você ter falado mal de alguém. Você está
em um grupo fazendo fofoca e de repente pensa:
"Esta é a minha oferenda a Deus neste mo-
mento! O que ofereci hoje?" Fofocas? Ganância?
Luxú
Luxúriria?
a? Ótim
Ótimo.
o. Quer
Queroo dize
dizer,
r, não
não se preo
preocu
cupe
pe,,
não julgue — Brahman consegue assimilar tudo,
sem problemas. Simplesmente, note a sua ação,
note o que está oferecendo a Deus.
E quanto ao sofrimento? Você está oferecendo o
seu sofrimento a Deus? Ouspensky, em seu livro
sobre Gurdjieff, disse: "Outra coisa que as
pess
pessoaoass deve
devem
m sasacr
crif
ific
icar
ar é o se seuu so
sofr
frim
imen
ento
to..
Nada pode ser atingido sem o sofrimento, mas
ao mesmo tempo é preciso começar sacrificando
o sofrimento." Quando isso acontece, ocorre uma
alte
altera
raçã
çãoo dent
dentro
ro de você
vocês.s. Você
Vocêss co
come
meçaçam
m a
encarar o seu sofrimento como um presente. Não
precisam chegar ao extremo dos monges,
ficando de pé dentro do lago e implorando:
"Deus, Deus, me dê mais dor." Não precisam
fazer uma turnê masoquista. Mas vocês
atingiram o ponto em que, quando estão
sofrendo, esse sofrimento é o seu fogo da
purificação. Vocês dizem: "Sim, está certo. Isso
não é o inferno? Estou sempre sofrendo!" Com-
preendem? O sofrimento é a sua oferenda ao
fogo.
Existe uma leveza que penetrou no sofrimento
nesse ponto que é importante. Vocês não podem
se sentar encharcados de auto-piedade e
realiz
rea lizare
aremm muito
muito sadhana. "Oh, isto é muito
dade de "oferenda" nisso. Pelo contrário, vocês
devem se tornar como o Swami Ram Dass. Ele foi
atirado para fora de um templo e teve de passar
a noite na margem do rio, onde os mosquitos
não o deixaram em paz. Ele continuou a dizer
para Rama: "Obrigado, Rama, por enviar os mos-
quitos para me manterem acordado para que eu
pudesse pensar em ti."
E, finalmente, vocês têm uma outra coisa a
oferecer: o que acham de oferecer a sua
fasc
fascin
inaç
ação
ão por
por tudo
tudo isisso
so?? Enqu
Enquananto
to es
estiv
tiver
eremem
agin
agindo
do somen
omentete pela
pela expe
expeririên
ênci
ciaa, o sa
sacr
crif
ifíc
ício
io
ainda não se realizou. Vocês estarão dizendo:
"Bem, vou jogar um pouco de ghee ao fogo —
isso será interessante para mim." Esse é aquele
que
que expe
experi
rime
ment
nta
a se dive
divert
rtin
indo
do.. Esse
Esse tamb
também ém
deve desaparecer. Não significa que vocês não
possam apreciar, mas não devem ficar apegados
em ser aquele que se diverte. Devem sacrificar
isto também. Farão, então, naturalmente, uma
desc
descob
obeerta
rta biza
bizarr
rra:
a: quan
quantoto maio
maiorr o sa
sacr
crif
ifíc
ício
io,,
mais vocês penetram no espírito, e quanto mais
penetram no espírito, mais vocês conseguem —
mais obtêm de tudo, a cada momento. Mas isso
não acontece antes que tenham se descartado
de tudo realmente.
ENTÃO, AQUELA BOCA ENORME do sacrifício é uma
entra
ntrada
da para Brahman. É uma entrada através
da qual vocês colocam a sua vida em Brahman,
simplesmente mantendo esta entrega de toda a
sua existência em Brahman. Vocês esquecem e
ficarei iluminado!" Mas
Mas, entã
então,o, fica
ficam
m tamb
também ém
lembra
ranndo que são parte rtes do todo, parterte do
círculo interminável do sacrifício.
Existe um mantra com o qual costumo trabalhar
para despertar a energia do sacrifício. Volto a
minha atenção para o ajna, o sexto chakra e
digo: "Sou um ponto do fogo sacrificial, mantido
dentro da vontade arde rdente de Deu Deus. Sou um
ponto do fogo sacrificial mantido dentro da
vontade ardente de Deus." Se fizerem isso por
um tempo suficiente, o seu ajna, o seu terceiro
olho, fica como se fosse um fogo ardente do
sacrifício. É um mantra de poder; é um mantra
que faz de você uma parte do fogo sacrificial.
E, então, quando despertam esta energia, vocês
reúnem tudo que fizeram e jogam nesse fogo.
Cada experiência, cada pensamento, cada sen-
timento — vocês alimentam o fogo com todos
eles. Convertem todos os seus desejos, todas as
suas percepções em uma oferenda. É uma
conversão total do mundano em espiritual — o
mantra lhes proporciona um veículo para fazer
isso. Vocês sacrificam se identificando como o
doad
doador
or,, aque
aquele
le que
que desf
desfru
ruta
ta,, o co
conh
nhec
eced
edor
or,, o
apreciador, o coletor, o que vivência — vocês
sacrificam todos estes na realização do grande
Apreciador, na imersão que chega através do
sacrifício. Esse ser que aproveita a oportunidade
é o atman em vocês; essa é a verdadeira bem-
aventurança, e vocês sacrificam o divertimento
para serem o Apreciador.
oferendas. E isso nos leva ao segundo assunto
deste capítulo, que é o mantra. A palavra
"mantra
ntra"" signi
ignifi
fica
ca "pro
rote
teçã
ção
o da me
ment
nte"
e".. Um
mantra é um recurso que protege a mente dela
mesma,
mes ma, propor
proporci
ciona
onando
ndo-lh
-lhe
e um outro
outro ali
alimen
mentoto
que não seja o processo do pensamento. Existem
vários tipos de mantra. Podemos encontrá-los na
maioria das tradições espirituais. Existem
mantras de poder como esse com o qual
acabamos de trabalhar. Existem mantras-
semente como o "Om", que expressam alguma
qualidade vibratória essencial do universo. Exis-
tem
tem mant
mantrarass para
para ativ
tivar ca
cada
da chakr
hakra
a do seu
corpo.
Quando eu estava estudando com Hari Dass, na
índia, aprendi mantras para cada atividade que
realizava todos os dias. Mantras para acordar e
para ir dormir. Havia um mantra para tomar uma
chuveirada e mantras para ir ao banheiro — um
par
para cacadda tipo de uso do banheiro. Aprendi
mantras para tudo. E o propósito dos mantras
era fazer com que eu me lembrasse
constantemente de transmutar tudo em
sacrifício, em oferenda.
Swami Muktananda costumava contar uma
his
histór
ória
ia sobre
bre um sa sant
nto
o que
que uma
uma vez estav
stava
a
fazendo um discurso sobre mantras. Um homem
na platéia levantou-se e disse: "Que bobagem é
essa de mantra? Quem pode perder tempo
repetindo a mesma palavra várias e várias
vezes? O senhor acha que se repetir 'pão, pão,
O santo pulou da sua almofada. Apontou o dedo
para o homem e gritou: "Cale-se e sente-se, seu
estúp
stúpid
ido!o!"" O home
memm fico
ficou
u furioso. Seu
Seu ro
rost
sto
o
avermelhou e todo o seu corpo começou a
tremer de raiva. Explodiu dizendo: "O senhor se
diz um homem santo e usa um termo desses
para se dirigir a mim?" O santo respondeu com
humildade: "Mas, senhor, não compreendo. Você
ouviu ser chamado de estúpido somente uma
vez, e veja como isso o afetou, mas acha que a
nossa repetição do nome do Senhor por várias e
várias horas não nos beneficiará."
A história de Muktananda está relacionada a um
dos níveis nos quais o mantra nos afeta — um
nível no qual o efeito está ligado ao significado
do nome ou frases sagradas. Em outras palavras,
está ligado à nossa associação com as palavras.
Mas,
Mas, al alémém de qual
qualqu
quer
er imagem queque nos se
seja
ja
lembrada, o som do mantra exerce o seu próprio
efeito sobre nós. É como se existissem planos de
realidade que possuíssem os seus próprios sons,
suas próprias vibrações e nós repetimos o
mantratra para nos harmonizarmo rmos com esses
planos conciliando as nossas próprias vibrações
com as deles através da repetição do som do
mantra. Esse som, ou shabah, é basicamente um
som espiritual e não físico — da mesma forma
que os chakras não são órgãos físicos, mas locais
espirituais de várias formas de energia do corpo.
A práráti
ticca do shabd
habdhh yoga
oga é um camin
aminh
ho para
para
trabalhar com o som interior.
hinduísmo, diz-se que o Om é o som-raiz do uni-
verso, a semente ou sílaba bija que se manifesta
como criação. E encontramos na Bíblia: "No início
havia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o
Verbo era Deus, e o Verbo se fez carne."
Podemos imaginar o ato da criação ocorrendo
dess
dessa a forma:
rma: o se sem
m-fo
-forma
rma se tra transfo
sforma
rma porpor
meio do plano causal em idéia, que já é um som
sutil, um som tanto de palavras como de
imagens; e depois ele parte dali para sons cada
vez mais densos, incluindo, finalmente, nossos
corpos, que são na verdade uma forma de
vibração densa. (Eles possuem um som, embora
não possamos ouvi-lo.)
A medida que purificamos a nossa consciência
nos
nos dese
desemb
mbararaç
aça
ando
ndo dos
dos plan
planos
os vibra
ibraci
cion
onai
aiss
mais densos, caminhamos de volta para o sem-
forma. A prática do mantra é uma técnica para
nos
nos harm
harmononiz
iza
ar co
com
m eseste
tess níve
níveis
is vibr
vibrac
acio
iona
nais
is
mais sutis. Quando nos movemos cada vez mais
profundamente no mantra, o som se torna o
veículo que nos permite vivenciar ambas as
metades do ato de criação e retorno, de modo
que voltamos dos vários para o Uno, e depois do
Uno para os vários, tudo dentro da extensão do
mantra.
A vibração mecânica sozinha naturalmente não
rea
realiza
liza isto
sto. O mant
mantra
ra e o rereci
cita
taddor do mant
mantrara
não estão separados um do outro, e o poder e o
efeit
feito
o do mantrantraa depe
depend
ndem
em da pro prontid
ntidão
ão,, da
abertura e da fé daquele que está realizando a
trabalham com eles. Os mantras não são
encantamentos mágicos; mantras de poder são
somente sons, a menos que você seja o tipo de
pessoa que tenha uma mente uni-direcionada e
características particulares de personalidade que
fazem com que esses mantras de poder
funcionem. Isto é, o que um mantra faz é
concentrar o material que já existe em você. Ele
somente o coloca em foco. É como uma lente de
aumento sob o sol: a lente de aumento não tem
calor e nem gera o calor, mas capta a luz solar e
a concentra e a torna uni-direcionada. O mantra
é como uma lente de aumento para a sua cons-
ciência.
Os mantras podem ser utilizados como um meio
de acalmar pensamentos e também para
concentrá-los. Se vocês imaginarem a mente
como sendo um oceano, com ondas de
pensamento surgindo ao longo dele, as ondas
indo a todas as direções devido às correntes das
marés e dos ventos — nesse oceano um mantra
estabelece um único padrão de ondas que
gradualmente suplantam todas as outras até que
o mantra seja o único pensamento-forma
existente. Então, existe somente uma onda
contínua atravessando a sua mente — indo e
vindo, indo e vindo.
Digamos que estou dirigindo sozinho e que estou
repetindo "Rama, Rama, Rama, Rama, Rama".
Existe um quadro indo e vindo no qual escreve
"Rama, Rama, Rama, Rama". Olho para o
Filho de Deus, tenha piedade de mim que sou
um pecador", enquanto trabalha sob o frio
rigoroso do inverno da Rússia e diz: "Não sinto
que estou caminhando. Tenho consciência
somente do fato de que estou repetindo a
oração. Quando o frio penetra em mim, começo
a repetir a oração com mais vigor e rapidamente
me aqueço. Quando a fome começa a tomar
conta de mim, lembro da oração com maior
freqüência e esqueço o meu desejo por comida.
Tornei-me um tipo de pessoa meio-consciente.
Não tenho preocupações e nem interesses." Essa
é exatamente a prática — oferecer cada
experiência ao mantra e observá-las sendo
transformadas.
Ao trabalhar desta maneira, vocês descobrirão
que o mantra é esotérico; como qualquer
sabe
abedori
doria
a prorofu
fund
ndaa, ele não
não se desv
desven
enda
da ao
primeiro olhar. O mantra não é uma coisa
superficial; ele atinge as profundezas da mente,
e, à medid
edidaa que contin
ntinua
uam
mos co
com
m a prát
prátic
ica
a,
novos estág
tágios são desvendados. A pri rin
ncípio
você recitará o mantra com a sua boca. Ele está
na língua, isto é, no seu corpo denso: "Estou aqui
recitando este mantra."
Após um tempo, o mantra começará a se mover
para a sua garganta. Quando? Depende da sua
prontidão, de quanto vocês estão abertos para o
mantra. Agora, vocês estarão realizando o
mantra no corpo sutil, ou no corpo dos sonhos,
como é algumas vezes chamado. Quando o
acontecendo em sua vida provenientes do
mantra. Poderão notar que o seu sono fica mais
calmo. Sentirão uma leveza no corpo e
começarão a sentir uma felicidade enorme em
seu
se u cocora
raçã
ção.
o. Prov
Provav
avel
elme
ment
nte,
e, co
come
meçaçarã
rãoo a ter
ter
visões de deuses e deusas e de santos e siddhas
(videntes sagrados). Todas elas são qualidades
ligadas a esse estágio da prática do mantra.
Então, após ter permanecido um tempo na sua
garganta, vocês começarão a sentir o mantra em
seu coração. Agora, ele estará se movendo no
que é chamado de corpo causal. Vocês
com
co meçeçaarã
rão
o a se sent
ntir
ir um novo entustusia
iasm
smoo, um
novo tipo de amor por tudo à sua volta, isso se
refl
re flet
etir
irá
á na form
formaa físi
física
ca de voc
ocês
ês;; haver
averáá um
brilho em seu corpo. Quando o mantra começar a
afetar tudo em vocês, se descobrirão um pouco
mais desligados embora mais competentes em
tudo que fazem.
Em determinado ponto, a repetição do mantra
(ou japa, como é chamado) torna-se a japa-japa,
significando que ele continua, embora vocês não
estejam mais conscientes dele. O processo entra
no pilot
ilotoo auto
utomátic
áticoo. Ne
Nesste ponto
onto,, co
como
mo diz
diz
Kabir, "Rama pratica o meu japa, enquanto eu
me sent ento rerela
lax
xado."
do." NeNesste ponto
onto,, voc
ocê
ês não
estarão mais realizando o mantra — o mantra
estará realizando vocês. É um momento especial
quando vocês notam isso começando a
acontecer; neste ponto não existe cansaço, nem
esforço, nem individualidade. Esse é o ponto em
Eu os convido a selecionar um mantra e a
começar a trabalhar com ele, investindo nele por
vocês. Escolham aquele que lhes parecer
correto, ou criem um e comecem a praticar. Para
começar, escolham um momento em que se
sentam para realizar o puja, ou em algum outro
local calmo e recitem o mantra em voz alta por
uma hora. Essa é uma boa extensão de tempo
para
para o trab
trabal
alho
ho dos
dos inic
inicia
iant
ntes
es.. Ne
Nest
ste
e perí
períod
odo,o,
vocês farão várias observações sobre o mantra.
Deix
Deixe em-n
m-nas vir e ir em embo bora
ra.. Ofere
fereça
çamm-nas
-nas,, e
permaneçam ligados ao mantra. Pensem nele,
repitam-no, sintam-no, notem as suas reações,
percebam-no, experimentem-no em seu coração,
reflitam sobre o seu significado — depois
esqu
squeç
eça
am tudo
tudo e si sim
mple
plesm
smenente
te cocont
ntin
inue
uemm a
repetir o mantra. Deixem simplesmente que ele
passe de um nível ao outro. E, se conseguirem
esvaziar a si mesmos o suficiente, quando
para
pararerem
m de re repe
peti
tirr (se
(se cocons
nseg
egui
uire
rem)
m),, voc
ocês
ês o
ouvirão sendo repetido no universo à sua volta.
O mantra é como uma chave que abre a porta
para um ponto no universo. E, como cada som
que já foi pronunciado existirá para sempre, as
vozes de todos que já repetiram esse mantra de
modo puro ainda estão presentes nesse local.
Vivenciei este local uma vez com um mantra.
Repeti o mantra por alguns dias e, quando parei,
ele de repente ecoou como se eu estivesse
rod
ro dea
eado
do pelelo
o Co
Coro
ro do Ta Tabe
berrnácu
náculolo Mórmo
rmon —
milhares de vozes vindas de todas as direções,
me acionando, que eles tinham um rádio ligado
na sala ao lado, ou algo semelhante. Não conse-
gui acreditar que tinha sintonizado com aquele
outro espaço onde o mantra é sempre entoado.
ENTÃO, SUGIRO QUE será muito bom se vocês
experimentarem a prática do mantra. E sugiro
que poderá ser útil a vocês experimentar com a
prática do sacrifício. Ambos, o mantra e o
sacrifício, representam maneiras de transformar
as nossas vidas em oferendas. Existe um anseio
profundo dentro de nós para completar a roda do
sac
acri
rifí
fíci
cio
o, para
para fec
echa
harr o círc
círcululoo, e atra
través
vés do
nosso sacrifício mergulhar em Brahman,
mer
ergu
gulhlha
ar no vác ácu
uo. Sac
Sacririffício
ício e mant
mantrara sãsão
o
modos de sacralizarmos as nossas vidas,
maneiras de tornar manifesto o nosso anseio de
ficarmos livres, e com isso nos tornarmos co-
conspiradores com a nossa própria dissolução.
À medida que testemunhei a minha própria vida
cada vez mais como uma oferenda, outras coisas
nela
nela pas
passasara
ram
m a terter menos
enos imp imporortâ
tânc
ncia
ia para
para
mim. Fazer para mim não era tão interessante
quan
quantoto entre
ntrega
garr para
para fora
fora..
.... para
para cima
cima...... par
ara
a
dentro. Maharajji me deu o nome de "Ram Dass",
e Ram Dass significa "servo de Deus", isto é, que
a minha vida é ofere reccida ao servi rviço do Uno.
Alguém disse para mim: "Para que você precisa
de um nome tão estranho como este? Você
precisa ter um nome indiano? Não pode ser
somente o Dick Alpert?" Certamente. Posso. Mas
ter um nome como Ram Dass é muito funcional
tempo todo... "Ram Dass — Servo de Deus".
Alguém diz "Ram Dass" e eu ouço "Servo de
Deus", e isso imediatamente me lembra o motivo
da minha viagem — sobre este processo de
servir, do sacrifício e da transformação.
transformação.
Algumas vezes, quando eu estava com Maharajji,
ele dizia alguma coisa para o Ram Dass e eu
estava ocupado sendo o Dick Alp Alpert, e sentiatia
como se ele estivesse se dirigindo a alguém por
cima do meu ombro. Talvez ele estivesse falando
com alguém que eu seria quando cessasse de
ser quem eu achava que era. E, quando eu me
tornasse isso, então todos os meus atos estariam
destinados a transformar o meu próprio ser — e
também a todos os outros.
A oferenda final que fazemos é o sacrifício das
nossas próprias viagens pessoais, de todas as
coisas que pensamos que somos: nossos corpos,
nossas personalidades, nossos sentidos, nossos
sentimentos. E, então, com a crescente liberdade
que isso traz, chegamos a um reconhecimento
mais profundo de Brahman, daquilo que está por
trás, daquilo que é o não-ser, daquilo que é a
fonte da qual tudo se mantém alimentado.
E, com o total reconhecimento dessa raiz
espiritual do universo, o sacrifício assume ainda
um outro aspecto: ele se torna o sacrifício da
própria forma, o sacrifício de toda vibra raçção
mundana, o sacrifício de toda vida e de toda a
exis
existê
tênc
ncia
ia co
como
mo a co conh
nhec
ecem
emosos,, no Espí
Espíri
rito
to.. É
como se estivéssemos vertendo tudo na boca de
esforços, cada ato das nossas vidas, se torna
essa única oferenda. Estamos, na verda rdade,
voltando nós mesmos para dentro, até
finalmente sermos o atma
atman,
n, se
serm
rmos
os a luz
interior, sermos a consciência, sermos a
amplidão, sermos a presença, sermos
a...ahhhhhhh!

7
R e n ú n c ia e P u r ific a ç ã o
EM TODO O Gita ENCONTRAMOS REFERÊNCIAS AO PAPEL NA VIDA
ESPIRITUAL de práticas que poderiam ser chamadas
de renúncias. Elas estão relacionadas de certa
forma ao sacrifício; são atos de purificação
destinados a encurtar os elos que nos ligam aos
reinos mundanos. O Gita não entra nestas
prát
práticicas
as em tant
tantos
os deta
detalh
lhes
es co
como
mo pode
poderíríam
amos
os
esperar devido à suposição subjacente de que
todos já as conheçam. O Gita não foi escrito com
a nossa mentalidade atual da Kali Yuga (Era de
Kali) — a mentalidade da era das trevas na qual
vivemos, um período em que ficamos totalmente
perdidos nas coisas do mundo. O Gita assume
que Arjuna já conhecia e praticava todos os atos
de purificação que a maioria de nós está
somente começando a considerar.
As prát
prátic
icas
as de puri
purifi
fica
caçã
çãoo sã
sãoo es
esse
senc
ncia
ialm
lmenente
te
técnicas para nos colocar em uma posição onde
sere
se remo
moss prep
prepararad
ados
os para
para vive
vivenc
ncia
iarr o coconhnhec
eci-
i-
mento direto e em primeira mão de Brahman.
Elas fazem isto criando uma estrutura através da
qual podemos nos afastar das coisas que nos
mant
mantêm êm apri
aprisi
sion
onad
ados
os,, co
coisisas
as que
que co cont
ntin
inua
uam m a
criar karma para nós o tempo inteiro. Isto é,
todo
todoss os riritua
tuais
is de purif
purific
icaç
ação
ão no hind
hinduíuísm
smo o (e
existem rituais no budismo, cristianismo,
judaísmo, islamismo e também na maioria das
outr
outras
as re
reli
ligi
giõe
ões,
s, e as prát
práticicas
as se so sobr
brep
epõeõem)
m),,
todas as renúncias são realizadas a fim de nos
pres
presererva
varr para
para que
que não
não gere
geremomoss um karmkarma a tão
tão
pesa
pesadodo para
para nós ós.. Até
Até isisso
so ac acon
onte
tece
cer,
r, fica
ficamo
moss
cons
co nsta
tant
ntem
emen ente
te prereoc
ocup
upad
adosos co
comm o mate materi rial
al
que estamos criando a cada dia. No momento
em que a preocupação diminuir um pouco,
teremos um espaço onde poderemos iniciar um
novo enfoque e aprofundar a nossa meditação.
E, então, junto com esse aprofundamento, virá a
sabedoria superior. Esse é o princípio por trás da
prática.
De certa forma, a purificação é um tipo de
publicidade. Você considera o seu corpo, como
ele é agora, a sua mente, como ela é agora e os
seus sentimentos, como eles são agora — e bem
aqui, neste lugar, está Brahman, o estado
iluminado. Bem aqui! Neste momento! Não está
lá ou ali. Não está na índia ou no Tibete, não está
gua
guardad
rdadoo em se segr
gred
edoo por "el ele
e" ou "ela la"", não
Bem, então, qual o objetivo da purificação? Qual,
na verdade, é o alvo de qualquer uma dessas
práticas se já somos Brahman?
Brahman? Elas visam nos
livrar de qualquer coisa que nos impeça de
realmente saber quem somos neste momento.
De um ponto de vista prático, estamos em frente
a um par parado
adoxo inte
intere
resssa
sant
nte
e. Em um nívnível da
nossa compreensão intelectual, sabemos que já
temos todas as riquezas — sabemos que somos
o atman, queque so
somo
moss o Buda
Buda,, que
que so
somo
moss livr
livres
es..
Sabemos tudo isso. Mas, se olharmos para
dent
dentro
ro,, nota
notare
remo
moss que
que emembo
bora
ra sa
saib
ibam
amos
os tudo
tudo
isso, de certa forma não acreditamos. É isso que
os métodos da purificação visam: nos tirar de
onde achamos que ainda estamos para onde não
achamos que estaremos jamais. Por isso, temos
todas essas práticas como o karma yoga e jnana
yoga, como o sacrifício e o mantra, como a
renúncia e a purificação. Todas elas, por alguma
via, são projetadas para superar o bloqueio entre
o nosso conhecimento e a nossa crença.
Somente para dar uma forma à nossa discussão,
temos alguns slokas do Gita:
"Pois o homem que renuncia a todos os desejos e
abandona todo o orgulho da posse e do ser
atinge o objetivo da paz suprema."
"Saiba que um homem de renúncia verdadeira é
aquele que não anseia, nem odeia; pois aquele
que está acima dos dois contrários logo encontra
a sua liberdade."
"Quando na lembrança ele recolhe todos os seus
assim como uma tartaruga encolhe todos os seus
membros, então a sua sabedoria é serena."
A atração dos nossos sentidos é o que nos
mantém presos, e o processo de purificação que
o Gita parece estar recomendando aqui é a re-
núncia aos sentidos -— separar os sentidos dos
seus objetos usuais, pois os sentidos
pera
peramb
mbululam
am aqui
aqui e ac
acol
olá.
á. Le
Lemb
mbre rem-
m-se
se de que
que
buddhi, que é a alma, pode ser puxada para
baixo pela mente inferior, manas, que por sua
vez pode ser capturada por indrias, os sentidos,
que estão fixados nos objetos dos sentidos. São
estes os níveis: existe um objeto do sentido, um
sentido, uma mente que conhece o sentido e
existe uma mente superior, que pode ficar presa
na infl
influê
uênc
ncia
ia mund
munda ana exte
exteri
rior
or,, que
que pode
pode se
serr
tragada pela mente pensante e pelos sentidos.
Se ela resiste à influência dos sentidos, ao se
recolher e se voltar para dentro, ela se torna,
pelo contrário, um reconhecedor do atman. Esse
processo é promovido pelos noss sso
os atos de
purificação.
Estar
Estaremo
emoss gradua
gradualme
lmente
nte livran
livrando
do o buddhi de
cair na armadilha dos sentidos, e utilizaremos
meios diferentes para chegar lá. Já falamos sobre
alguns deles antes — podemos afastar a mente
dos sentidos dizendo "Eu não sou os meus
olhos... Eu não sou os meus ouvidos..." ou
trabalhar direreta
tam
mente sobre a mente, te, como
faze
fazemo
moss co
comm a memedidita
taçã
ção,
o, ac
acal
alma
mand
ndo-
o-a
a para
para
que não mais responda à influência dos sentidos.
porque essa sabedoria, por sua vez, afrouxa a
influência dos sentidos.
Quando adotamos qualquer uma destas técnicas
— quando sentamos para meditar, por exemplo,
e para recolher os nossos sentidos —
descobrimos repentinamente como as nossas
mentes são realmente agitadas, como estão
repletas disso e daquilo. Mente de macaco, como
a chamam na Índia. O mesmo acontece quando
iniciamos qualquer prática — mantra, japa,
oração, qualquer uma. Verificamos como somos
distraídos por todos os tipos de desejos
mundanos que continuam a encantar a nossa
consciência. Começamos a procurar maneiras
para aquietar aquela agitação, quando, então, as
práticas da purificação e da renúncia começam a
nos atrair e a se tornar parte de nossas vidas.
Talvez comecemos a prestar mais atenção às
nossas dietas alimentares, à maneira como
cuidamos dos nossos corpos. Começamos a
prestar atenção a com quem nos ligamos, com o
que preenchemos as nossas mentes, sobre o que
pensamos quando não estamos meditando —
porque constatamos que todo esse material está
alimentando a agitação que nos impede de
meditar.
A quantidade de toxinas que se acumula é
surpreendente. Digamos que vocês estão
dirigindo em uma rua e alguém atravessa na sua
frente. Vocês pensam: "Seu isso, seu aquilo" — e
isso, simplesmente isso —, a vibração, a energia
fazendo todas as paixões girarem. Este não é o
tipo de cenário mental apropriado para a
meditação. Talvez, então, comecemos a
renunciar àquela urgência da fúria; pelo
contrário, pegamos uma situação como esta e a
transformamos em um momento de prática de
purificação. Existe um tipo de fogo, um fogo
interior, que surge ao deixarmos extravazar
nossa raiva em um momento como este, e este é
o fogo no qual fazemos a nossa oferenda.
Oferecemos a nossa raiva ao nosso despertar.
Swaha!
Descobrimos que deveremos viver o nosso
cotidiano até aprendermos como transmutar as
nossas energias — todas elas. Começamos
observando as coisas que cativam a nossa
consciência para que possamos nos libertar
delas. Por exemplo, quando observamos o que
fascina a nossa mente, provavelmente
descobriremos nessa coleção os nossos apegos a
várias posses muito queridas. Elas atraem as
nossas mentes porque "onde estão os seus
tesouros, ali estará também o seu coração".
Assim disse Jesus. Se os seus "tesouros" são as
suas posses, é ali que estará o seu coração.
Digamos, por exemplo, que vocês possuem algo
muito bonito, sem preço. Vocês se sentam para
meditar, mas antes que a meditação consiga
levá-lo para além de si mesmo, chegam aqueles
pensamentos poderosos sobre a necessidade de
proteger aquela coisa ou objeto. "Estará
Estamos aprisionados pelas correntes das nossas
posses.
Posses não precisam ser coisas físicas,
naturalmente; posses podem ser posses
emocionais ou intelectuais. Vocês começam a
meditar e têm aquela grande idéia. Então,
pensam: "Bem, não posso esquecer esta idéia,
porque aposto que posso conseguir muito com
ela." Ou então: "Tenho que lembrar desta idéia
porque ela ajudará toda a humanidade." E uma
boa idéia, não é?! Então, vocês tentam meditar.
A cada vez que a sua mente começa a se
acalmar, a ir para além dos pensamentos, vocês
agarram aquela idéia novamente com medo de a
esquecerem. A sua fé ainda não é
suficientemente forte para confiarem que, se for
uma boa idéia, ela voltará. Para confiar, é preciso
ter uma fé inabalável.
Com o tempo, começamos a verificar como os
elos dos nossos apegos, sejam eles físicos,
intelectuais ou emocionais, não nos permitem
algo que desejamos muito mais do que o
material ao qual estamos ligados. E quando
começamos a sentir o apelo de reduzir tanto as
nossas posses físicas como as psicológicas, de
ter um tipo de simplicidade limpa em nossas
vidas. Eu costumava encher cada canto do lugar
onde vivia com coisas. Primeiro precisava de
uma boa vitrola e de um bom som. Depois havia
os meus livros — prateleiras e prateleiras deles.
Havia belas tapeçarias, coisas macias,
comidas — eu enchia a minha caverna com
luxos.
Mas, então, quando as minhas práticas se
aprofundaram, notei que tudo passou a ficar
cada vez mais simples. Eu não precisava de tudo
aquilo à minha volta. E agora, quando alguém
me cede uma sala vazia com paredes brancas e
eu coloco o meu tapete sobre o chão e me sento,
fico tão contente quanto estava com toda aquela
parafernália. Minha vida ficou mais simples e
mais leve porque descobri que a investida da
experiência não é tão interessante quanto o que
acontece quando a minha mente está calma.
E, somente para completar o ciclo sobre o nosso
relacionamento com as posses: existe um tempo
para aproveitar o romantismo da vida e para se
revelar em todas as posses que reunimos em
torno de nós. Existe um tempo quando tudo isso
é renunciado e se desfaz. E, então, existe um
tempo em que ficamos totalmente livres de tudo
aquilo de modo que podemos ter tudo
novamente — mas sem os apegos. Eu costumava
visitar Swami Muktananda no seu ashram em
Ganeshpuri. Eu ia até a sua suíte, e lá estava ele
sentado em uma cadeira de prata de lei, diante
de uma mesa em prata de lei comendo em prato
de ouro de 18 quilates. Era preciso dois homens
fortes para levantar a cadeira. Eu pensava: "Que
tipo de yogue é este?" Então, li a história do seu
sadhana e compreendi onde a sua consciência
tinha atingido e percebi como nada daquela
Mahatma Gandhi foi um dos principais expoentes
da não-violência, embora trabalhasse com o Gita
e vivesse segundo o livro por toda a sua vida.
Alguém pode, então, levantar uma questão sobre
a natureza paradoxal disso. Gandhi disse:
"Quando o Gita foi escrito, embora as pessoas
acreditassem em ahimsa, as guerras não eram
tabus, assim como ninguém observava a
contradição entre a guerra e ahimsa! Acho que
vocês terão que se esforçar bastante para
imaginar como isso poderia ser possível — como
as pessoas não viam a guerra e ahimsa como
incompatíveis — mas essa era a explicação de
Gandhi. E ele prosseguia para explicar: "Mas
após quarenta anos de esforço incessante
somente para cumprir os ensinamentos do Gita
em minha própria vida, tive a total humildade de
sentir que a renúncia perfeita é impossível sem a
perfeita observância de ahimsa em cada figura e
forma." Em outras palavras, Gandhi está fazendo
uma exceção aqui ao Gita: ele é um dos
participantes de um debate sobre se você pode
realizar um ato violento sem romper o seu voto
de ahimsa, e ele diz que você não pode, com ou
sem o Gita.
A minha compreensão da situação é que existe
uma tensão entre o humanitário e a perspectiva
mística sobre o assunto. A compaixão do hu-
manitário é aquela do homem mortal. A
compaixão do místico está na maneira como o
universo foi criado, sobrevive e é destruído. A
compaixão que a mente humana pode
apreender.
Existem níveis de sabedoria, e não é totalmente
inconcebível para mim que assim como um
cirurgião pode realizar uma operação e criar dor
para finalmente aliviar o sofrimento, a destruição
pode ter o seu propósito. Krishna, para destruir a
ilusão do ser separado, pode muito bem ter
criado um cenário o qual nós, seres humanos,
ainda identificados com os nossos seres
separados, acharíamos terrível — um cenário
como a guerra.
E complicado. Ao trabalhar com ahimsa, temos
ainda que compreender de alguma forma as
forças de Shiva no mundo, o aspecto de Deus
que é a destruição e o caos no universo. Nós
como humanos temos que nos esforçar para
praticar ahimsa, enquanto que ao mesmo tempo
temos que desejar honrar um dharma que pode
algumas vezes exigir a violência. Tudo que
podemos fazer é prestar atenção o mais
cuidadosamente que conseguirmos para saber
qual poderá ser o nosso próximo passo.
Toda a nossa tentativa para honrar ahimsa é
abastecida com complicações e contradições. Por
exemplo, fui, por um longo tempo, vegetariano, o
que parece ser uma atitude delicada, do tipo
ahimsa. Mas eu tomava leite. Enquanto seguia
aquela dieta, num fim de semana fui visitar Ken
Kesey em sua fazendo no Oregon. Ken sabia que
eu era vegetariano, e ele, naturalmente, não era.
estábulo e me mostrou as vacas leiteiras, e todo
aquele cenário. Eu repetia: "Que beleza!" E ele
me levou para visitar os jardins: "Oh, eles não
são maravilhosos?" Então, me levou para os
campos e me mostrou dois bois enormes.
Perguntei: "O que você está fazendo com eles?"
Ele respondeu: "Estamos alimentando-os bem
para que engordem e possamos comê-los."
Tentei permanecer controlado, e respondi: "Ah,
sim, está bem." Mas ele sentiu que tinha me
atingido. Começou a acariciar um dos bois na
cabeça dizendo: "Este aqui já está bom... dará
uns bons bifes", apontando para o local do corte.
Fiquei olhando nos olhos dos animais, tentando
enviar mensagens de amor para eles.
Então, Ken olhou diretamente para mim: "Sabe,
você bebe leite. Se gosta de leite, precisa ter
bois." E de repente senti a realidade da minha
situação. Eu não fora criado em uma fazenda,
por isso nada disso tinha sido óbvio para mim
antes: para manter uma vaca produzindo leite,
ela precisa ter bezerros de tempos em tempos, e
a cada vez que fica prenhe, metade dos bezerros
que nasce são machos. O que você pode fazer
com eles? Pode alimentá-los até que morram de
morte natural, mas este não é o caminho
provável. Ali estava eu: um vegetariano, mas
ainda cúmplice com o destino daqueles dois bois.
Por muito tempo usei sandálias que vinham do
ashram de Gandhi; elas tinham um selo pequeno
que dizia: "Produzidas no ashram de Gandhi", o
Não era como se tivessem matado uma vaca
para tirar o couro para as sandálias; a vaca tinha
morrido de uma morte natural, de modo que os
yogues podiam usá-las em boa consciência.
Mesmo assim, parece um pouco... vocês sabem...
E agora temos essas novas informações de como
as plantas ficam quando você coloca uma faca
perto delas — a nossa dieta está ficando mais
reduzida.
Tudo que posso partilhar, ao lidar com o assunto
de ahimsa, é sugerir que tudo que fizerem,
façam do modo mais consciencioso que pude-
rem. Quando os nativos americanos matavam
um animal para comer, eles o ofereciam aos
seus deuses, e agradeciam ao animal por doar
sua vida a eles. Eles matavam para sobreviver e
para poder realizar o seu trabalho, e isto está em
harmonia com a sua compreensão da maneira
como a natureza opera. Isso traz consciência
para o ato.
Porém, ainda não acho que existam regras
simples para uma dieta "espiritual", pois, à
medida que passamos por estágios diferentes de
nosso yoga, as práticas remodelam nossos
corpos e as nossas necessidades físicas, e
geralmente descobrimos que a nossa dieta
muda. Quando ainda estamos muito aprisionados
no pensamento mundano e no peso mundano,
precisamos somente aquilo que a Organização
Mundial de Saúde diz que é necessário: uma
certa quantidade de proteínas e uma certa
chei
cheioo de fant
fantas
asia
iass re
requ
quin
inta
tad
das e sásádi
diccas que
psicologicamente destruo todos à minha volta e
crio um sofrimento incrível somente porque não
comi aquele último frango. Não estou oferecendo
isso como uma desculpa ou como uma sugestão
prática. Estou somente partilhando com vocês o
dile
dilema
ma psic
psicol
ológ
ógic
icoo que enca
encara
ramo
moss ao deci
decidi
dirr
quando renunciamos e quando não renunciamos.
Agora estamos chegando aos detalhes básicos
de todas essas práticas sobre as quais falamos.
VAMOS ABORDAR UM POUCO mais rapidamente os outros
yamas, mas acredito que tenha sido válido
dedicar um tempo suficiente para explorar mais
profundamente uma prática como a de ahimsa
para obtermos uma visão total dela. Poderemos
facilitar a maneira como aceitamos estas
práticas a princípio sem entrar em conflito com
os assuntos que realmente combatemos quando
tentamos implementá-las em nossas vidas.
O segundo yama é satya:
satya: a verdade, não mentir.
Disse Gandhi: "A Verdade é Deus, e Deus é a
Verdade." E a vida dele foi uma confirmação de
alguém que estava tentando viver o mais
pró
próxim
ximo poss
possív
íve
el da ver erda
dade
de.. Uma vez,vez, uma
uma
mulhe
ulherr foi pro
roccura
rarr Gandhi
dhi le leva
van
ndo seseuu filh
filho
o
pequen
pequeno. o. Pediu:
Pediu: "Maha
"Mahatma
tma-ji
-ji,, por
por favor,
favor, diga
diga ao
meu menino para parar de comer açúcar."
Gandhi respondeu à mãe: "Volte daqui a três
dias." Tr
Trê
ês dias depois a mulher e o menino
voltaram, e o Mahatma Gandhi disse para o
menino: "Pare de comer açúcar!" A mulher ficou
retornássemos somente depois de três dias para
que dissesse isso ao meu filho?" Gandhi
respondeu: "Há três dias eu não tinha parado de
comer açúcar." Isso coloca obstáculos bem
elevados; é um alto nível de veracidade a ser
exigido de nós mesmos, e a prática de satya está
ligada a moldar nossas vidas nesse nível de
verdade interno.
Mas, no ponto em que a maioria de nós se
encontra, não temos uma conexão profunda o
suficiente com a Verdade para sermos corretos
em cada nívenível,
l, mas
mas pode
podemomoss cocome
meça
çarr se
send
ndo
o
corretos naqueles que conseguirmos.
Aprenderemos a ouvir a verdade e a viver pela
verd
verdaade,
de, memesm
smo o que is isso
so impl
impliq
ique
ue em al algu
gum
m
custo para nós. Mahatma Gandhi estava uma vez
conduzindo uma marcha; várias pessoas tinham
deixado seus empregos e vindo de longas
distâncias para participar dela, mas após o
primeiro dia Gandhi chamou seus representantes
e disse: "Isto está errado. Esta marcha não é
uma b oa idéia. Vou dissolvê-la." Os
representantes ficaram transtornados e
responderam: "Mas Gandhi-ji, não faça isso. As
pess
pessoa
oass vie
iera
ram
m de vári vários
os luga
lugare
ress para
para toma
tomarr
parte na march rcha. Não pode odemos interr
terroomper
agora!" Gandhi respondeu: "Eu não conheço a
verd
verdad
ade
e abso
absolu
luta
ta..
.... somen
omente te Deus
Deus a co conh
nhecece.
e.
Sou humano; conheço somente a verdade
relativa, e isso muda de dia para dia. O meu
compromisso deve ser com a verdade e não com
signif
sign ifiq
ique
ue re reve
vert
rter
er o memeu u cocomp
mpor
orta
tame
mentnto
o em
relação a ela.
Com freqüência descobrimos que, à medida que
pros
prosse
segu
guim imos
os al
aleg
egrereme
ment
ntee em noss nosso
o ca
cami
minh
nho
o
espiritual, temos de reverter nossas atitudes se
quis
quiseermos
rmos perm permananececer
er fiéi
fiéiss à noss
nossaa verd
verdad
ade.
e.
Descobrir o nosso dharma lembra um pouco a
descoberta de um campo flutuante; ele nunca é
o mesmo, está sempre mudando a sua
localização. Vocês acham que sabem qual é a
sua rota. Acabaram de adquirir seu equipamento,
camas e distintivos — tudo de acordo com o seu
nível —, e de repente o cenário muda e tudo
acaba. O que fazer? "O meu compromisso deve
ser com a verdade e não com a consistência."
Doem todo o seu equipamento para a loja mais
pró
próxim
xima do Exér érci
citto da Salalvvaç
açã
ão e sisig
gam em
frente. Após um tempo vocês passarão a alugar
os unif
unifororme mes,
s, não os co comp
mpra rarã
rão
o mais
mais porq
porque
ue
perceberão que mudarão de uma viagem para
outra muito rapidamente. Vocês somente
permanecerão o mais próximo possível da sua
verdade.
Maha
ahararajj
jjii esta
stava sesem mpre
pre me le lem
mbra
brando
ndo para
para
dizer a verdade. Era um dos seus diálogos
regulares comigo:
— Ram Dass, fale a verdade.
— Sim, Maharajji.
Ele alternava esse diálogo com um outro. Ele me
chamava e dizia:
-— Ram Dass, abandone a raiva.
— Ram Dass, fale a verdade. — Ram Dass,
abandone a raiva.
Mas no templo havia todos aqueles ocidentais
que tinham vindo para a índia comigo. Era uma
falha minha eles terem vindo — Maharajji me
aconselhara a não falar dele para ninguém. Mas
eu fala
falara
ra,, e agor oraa el
ele
es estav
stavaam ali,
li, todos
odos se
apoiando em mim, e eu estava realmente sendo
interceptado por eles, quando na verdade queria
estar com os indianos. Por isso, estava
começando a detestar todos eles.
Entã
Então,
o, co
comemececeii a co
cons
nsidider
erar
ar as inst
instru
ruçõ
ções
es do
Maharajji, e pensei: "O senhor sabe, a verdade é
que
que eu re real
alme
ment nte
e não
não gosgosto des
destas
tas pess
pessoa
oass."
Queria fazer o que o Maharajji dissera, e não
abrigar
abrigar a raiva
raiva em mim. Por outro lado, tudo que
sempre fizera no passado foi ser um bom menino
e pretender não ficar com raiva; tinha abdicado
da verdade para não parecer raivoso, mas por
dent
dentro
ro eu er era
a um ca cald
ldei
eirã
rão
o perm
perman
anen
enteteme
ment
ntee
ferv
ferven
ente
te.. Entã
Então,
o, deci
decidi
di:: "Por
"Por que
que não
não faço
faço tudo
tudo
diferente desta vez? Para mudar, direi a verdade,
e a verdade é que não consigo suportar ne-
nhuma dessas pessoas."
Então, comecei a ser realmente honesto. Alguém
entrava no meu quarto, eu olhava para ele e
dizia: "Saia já daqui. Você não me faz bem." A
pessoa respondia: "O que foi que eu fiz?" E eu
dizia: "Não sei. Você é legal." Bem, após duas
semanas de "dizer a verdade", eu não estava
falando com nenhum deles, e todos eles estavam
Nós ocidentais ficamos em um hotel na cidade e
todos os dias íamos de ônibus para o templo.
Aconteceu de naquela época eu estar realizando
uma tapasya, que era de não tocar em dinheiro.
É uma austeri rid
dade interessante de realizar,
porque você começa a compreender como o fato
de ter um trocado no bolso é um jogo poderoso.
Sem ele, tudo fica fora do alcance. Você não
pode suspirar por um sorvete se não tiver
dinheiro. Além disso, fica dependente; precisa de
alguém com uma bolsa para levar o seu dinheiro
se quiser almoçar ou pegar um ônibus. Mas
nesse ponto dos meus relacionamentos eu
estava tão zangado com todos que nem deixaria
que alguém pagasse o ônibus para mim, o que
significava que tinha de caminhar até o templo,
isto é, 12 quilômetros.
Então, eu andava até o templo. Era realmente
uma bela caminhada atravessando colinas
verdes e bosques, mas eu estava tão zangado
com todos que não percebia a paisagem. Estava
ocup
cupado me sentientind
ndo
o furi
rios
oso
o dura
durant
nte
e todo
todo o
percurso porque eles já estavam no templo
aproveitando a presença de Maharajji enquanto
eu gastava horas caminhando — e tudo porque
eu era tão bom que não estava tocando em
dinheiro. Mas certamente não deixaria nenhum
daqueles safados pagar a minha passagem...
Quando chegava no templo, eu estava fervendo.
Eu chegava logo depois de terem almoçado. Um
dos companheiros — com quem eu estava
quis receber o alimento das mãos dele, por isso
peguei o prato de folha e joguei no seu rosto.
Do outro lado, Maharajji assistiu a tudo.
— Ram Dass!
Atravessei o salão e me sentei diante dele. Ele
perguntou:
— Há alguma coisa que o está perturbando?
Em disse que sim.
— Não consigo enfrentar o adharma. Não consigo
suportar isso em todos nós que nos leva a uma
ilusão mais profunda. Não consigo suporta isso
neles — eles são tão impuros! Não consigo
suportar isso em mim. Na verdade, odeio a todos
no mundo — exceto o senhor.
E, então, comecei a chorar — não somente a
cho
chora
rarr, mas re
real
alm
mente
nte a sol
oluç
uçar
ar e la lam
menta
entar.
r.
Maharajji tentou me consolar; acariciou a minha
cabe
ca beça
ça,, le
lev
vanto
antou-
u-sse para
para apan
apanhaharr le
leit
ite
e e me
alimentou. Ele estava chorando e eu me
lamentava de dor. Quando terminei com o meu
lamento, ele me disse:
— Pensei ter-lhe dito que não abrigasse a raiva.
Eu disse:
— Sim, mas também me disse que falasse a
verdade, e a verdade é que estou com raiva.
Ele então se inclinou para mim, até que seu nariz
encostou-se ao meu e nos encaramos olhos nos
olhos:
— Abandone a raiva e fale a verdade.
Comecei a retrucar: "Mas..." — porém naquele
momento compreendi minha situação. Ia dizer a
caixão estava uma imagem de quem eu pensava
ser. E o que Maharajji estava dizendo para mim
era: "Estou lhe mostrando quem você será após
ter acabado com quem pensa que é."
Então, olhei para todas aquelas pessoas, todas a
quem detestava e vi que um pouco além da
superfície, com uma pequena mudança no olhar,
eu as amava incrivelmente. De repente, vi que a
única razão de estar zangado com elas era
porque eu tinha um modelo de como eu pensava
que deveria ser, que era diferente do que
acontecia. Como você pode se zanga ngar com
alguém por ser o que ela é? Estará tentando
brincar de Deus. Eles estão somente sendo
aquilo que Deus as fez — por que você se zan-
gou?
gou? Algu
Alguéém está
stá menti
entind
ndo
o para
para voc
ocêê? Ela
lass
estã
stão somen
omentete eng
engaj
aja
adas
das em sua na viaviagem
gem
kármica. Por que você está transtornado? "Bem,
não achei que estavam mentindo para mim!" Oh,
as expectativas — esse é o seu problema. Na
próxima vez em que ficar zangado, observe mais
de perto aquilo que o está deixando zangado.
Compreenderá que sente raiva porque Deus não
fez o mundo da maneira que você acha que
deveria ter feito. Mas Deus fez o mundo da
maneira que teria de ser.
A prática de satya requer que em todos os
nossos atos — no trato com as outras pessoas,
na direção do nosso curso espiritual, qualquer
que seja ela — permaneçamos o mais próximo
da verdade que pudermos. Maharajji me disse:
Explicou: "As pessoas o odiarão por dizer a
verdade." E algumas vezes elas odeiam
realmente. "As pessoas rirão de você e o
insultarão, e até poderão matá-lo", disse, "mas é
preciso que você fale a verdade".
O problema é que só podemos falar a verdade
quando cessamos de nos identificar com a parte
de nós que achamos ter de proteger. Se tivermos
tiver mos
medo de que riam de nós ou de sermos
ins
insulta
ultaddos ou mororttos
os,, não pod
poder
erem
emos
os fala
falarr a
verdade; não poderemos dizer a verdade se
estivermos ocupados protegendo alguma
posição. Somente quando compreendermos que
não somos tão vulneráveis quanto tememos ser
é que poderemos nos permitir falar a verdade.
Digamos que eu lhe fale a verdade e vocês não
gostem dela, se levantem e saiam. Isso é
problema de vocês e não meu. Mas se eu
precisar do amor de vocês, do seu amor
interpessoal, não poderei me arriscar se
quiserem ir embora, por isso não poderei falar a
verdade. Nunca poderei ser direto com vocês se
precisar de alguma coisa de vocês. Por isso, para
lhes falar a verdade, terei que desistir de
qualquer necessidade que houver em mim. Por
isso, satya é uma prática de renúncia; o que
pre
precisa
cisamo
moss re
rennunci
unciaar sã
são
o os apeg
pegos que nos
impedem de falar a verdade.
Este é um aspecto bem profundo sobre a
Verdade: quando estamos firmados na Verdade,
realmente enraizados na Verdade, a sua palavra
modo
modo que
que quan
quando
do você
vocêss fala
falam
m al
algu
guma
ma co
cois
isa,
a,
isso basta. Quando vocês concedem uma
bênção, a bênção é dada; ela simplesmente
acontece. Quando vocês dizem "está curado", a
pessoa fica curada. Esse é o poder da palavra, se
a palavra vier de um ponto de total Verdade —
porque, então, ela vem do local em vocês onde
estão tão conectados ao núcleo mais profundo
da própria Verdade que tudo que vem de vocês é
correto em todos os níveis. As purificações das
práticas de satya nos preparam para esse tipo de
Verdade.

A TERCEIRA PRÁTICA DE yama que gostaria de falar é a


chamada a apa
pari
rig
gra ha.. Ela signif
raha significa
ica litera
literalme
lmente
nte
"não acacum
umu ula
lar"
r",, mas é tam também
bém inte
interprpre
reta
tada
da
como significando não cobiçar, não possuir ou
não dar e não receber. "Não dar e não receber"
não
não signi
ignifi
fica
ca que nada ada seseja
ja tra
rans
nsffer
eriido;
do; esestá

ligado ao espírito no qual o dar e o receber são
realizados. Ela reconhece que doador e
recebedor são o mesmo, por isso existe uma
liberação de qualquer cobiça na transação. Esse
é o núcleo da prática de aparigraha.
Eu costumava tergiversar um pouco com meu pai
sempre em torno do assunto de dinheiro. Meu
pai
pai er
era
a uma
uma pesspessoaoa ca
cari
rinh
nhososa,
a, mara
marav vilho
ilhosa
sa e
rica, e eu era um rapaz carinhoso, maravilhoso e
pobre. Ele me perg pergu unta
ntava:
va: "Rich
ich (Ric
(Ricoo) [que
que é
um nom
nome eng engraraççado
ado para
para ser consonsider
ideraado —
diminutivo de Richard], está precisando de
que eu diria: "Obrigado". Mas ele perguntava:
"Está precisando de alguma coisa?" Tudo o que
eu tinha que responder era: "Sim, preciso de mil
dólares", e eu os teria. Mas se eu pedisse,
aqueles mil dólares viriam envoltos em vários
fios, como uma fina teia de aranha — fios como
"esse menino ainda precisa de mim", ou "esse
menino ainda não conseguiu ganhar dinheiro
para ter uma vida decente", ou "tudo o que eles
querem de mim é o meu dinheiro".
Com toda essa paranóia ligada ao dinheiro, a
maioria de nós não consegue se permitir entrar
no negócio de dar e receber. A maior parte do
nosso doar, em grande parte do tempo, acontece
porque queremos algo em troca. Isso não é
generosidade, é cobiça. Mesmo que não espere-
mos algo material, no mínimo esperamos que
alguém aprecie o nosso gesto; queremos que nos
agradeçam por isso. Ou talvez queiramos o re-
torno de ter uma boa imagem de nós mesmos,
como um doador. Mesmo que doemos
anonimamente, é somente uma publicidade mais
sutil: "Vejam como sou bom — eu doei
anonimamente." Compreenderam? Outro
alimento para o ego.
Ao lidar com dinheiro, é aconselhável tentar
adotar a noção de que vocês são meramente o
contabilista da firma. Não é um dinheiro seu;
vocês estão ali para administrá-lo de maneira
responsável. Não era realmente o dinheiro do
meu pai, ele era meramente o zelador daquela
lidar com o seu dinheiro ou com qualquer outra
face no mercado da energia que lhe tenha sido
destinado, mas a energia não lhe pertence.
Todos nós estamos somente movimentando a
energia de Deus, passando-a de mão em mão.
As pessoas com freqüência me trazem pequenos
presentes. Ocasionalmente alguém deseja me
dar alguma coisa, e acho que posso receber
porque sinto que elas desejam alguma coisa ao
darem o presente. Outras simplesmente
possuem uma coisa bonita que desejam partilhar
comigo; então recebo o presente e o uso por um
tempo e depois o passo adiante para alguém. É
somente um partilhar de energia; não é sua e
nem minha — então, de quem ela é?
Quando os Estados Unidos doam comida como
um auxílio no exterior, como uma partida de
trigo para Biafra, nela vai estampada "Doação
dos Estados Unidos da América". É como se
estivéssemos exigindo gratidão — e no final
todos acabam nos odiando e não conseguimos
compreender por que. Em primeiro lugar, não é
um presente nosso — o trigo é de Deus! Por que
estamos fazendo um grande alarde sobre isso?
Porque ele cresce em nossa terra — nossa terra?
Tem certeza? Minha mãe costumava passear
pela "nossa" propriedade dizendo: "Essa é a
minha árvore, essa é minha, essa é minha."
Conceito errado esse de "minha árvore". Elas são
árvores de Deus. Ninguém possui nada — isto é
um absurdo! Estamos somente trabalhando a
Se temos energia, somos responsáveis por ela.
Podemos utilizá-la para criar mais céu ou mais
inferno; podemos aliviar o sofrimento de seres
conscientes, ou afundá-los mais na ilusão. A
maneira como a utilizaremos dependerá se
pensamos que a energia nos pertence e se
pensamos que os outros seres são nós. Não
podemos simultaneamente proteger nossa pe-
quena casa, acumular, e ao mesmo tempo abrir
nossos corações para outras pessoas. Praticar
aparigraha é renunciar ao escopo do primeiro
chakra como possessividade e ganância para que
possamos agir de modo mais consciencioso com
todas as energias que nos foram dadas.
Asteya — NÃO ROUBAR — É ÓBVIO: se todos somos
"nós", a quem vocês irão roubar? Vão "depenar"
a si mesmos? Irão roubar a lata de biscoitos da
sua casa? Estarão somente tirando de vocês
mesmos. Quando não existe "eles" no seu
universo, vocês não conseguem roubar — é
simples.
Então, para roubar vocês precisam ver a sua
vítima como "o outro". Isso significa que roubar
nos afunda mais na ilusão do eu/você, que é a
ilusão da identidade, que é a ilusão do
separatismo. Esse, do ponto de vista espiritual, é
o motivo do não roubar ser parte da prática do
ashtanga yoga; não é devido às nossas idéias
usuais sobre moralidade; é porque para roubar
temos de ver a outra pessoa como "ela", o que
l i i ã d êl ó
muito sexy. Quando se trata de sobrevivência, a
luxúria parece desaparecer — é como se saísse
pela janela. Naquele momento, to, vocês estão
totalmente direcionados para permanecer vivos.
Agora imaginem que estão tão preocupados em
chegar a Deus que poderá acontecer a mesma
coisa — que a sua luxúria simplesmente de-
saparecerá. Não que vocês façam isso acontecer,
da mesma maneira que vocês perderam o desejo
sexu
se xual
al qua
quando
ndo o ca carrrro
o esesta
tava
va desc
descon
ontr
trol
olad
ado.
o.
Sim
Simple
plesm
smenente
te aco
cont
nteece
ce.. Ess
ssee é o verdardadei
deiro
brahmacharya — qua quando
ndo a luxú
luxúriria
a desa
desapa
parerece
ce,,
não quando vocês a estão controlando, porque
se a estiverem controlando, vocês a empurrarão
aqui para ela surgir ali.
Quando vocês trabalham com sistemas de
impulso poderosos, como o sexo, o jejum ou a
respiração, estão trabalhando com um aspecto
profundamente enraizado em nós. É o material
primordial das nossas encarnações, e não
podemos lidar com eles levianamente. Cada um
de nós deve lidar com níveis diferentes de
ener
energigia
a dent
dentro
ro dess
desses
es sisist
stem
emasas,, e co
com
m níve
níveis
is
diferentes de apegos, por isso algo que é certo
para uma pessoa é totalmente errado para outra.
Dev
Devememoos acaceess
ssar
ar uma
uma prátprátic
ica
a de puri
purifi
fica
caçã
çãoo
como o brahmacharya com tudo isso em mente.
Por isso, para alguns de nós, a necessidade ab-
solu
so luta
ta nest
nestaa enca
encarn
rnaç
açãão é queque nos
nos ca
case
semo
moss e
tenhamos filhos. E para outros, isso estaria fora
de cogitação, e devemos lutar nesse sentido. Se
forma ou daquela outra, ficaremos agarrados aos
nossos modelos e não conseguire remmos ver a
verdade sobre o que de fato precisamos fazer.
Tudo isso exposto, ainda existem boas razões
para a ênfase do brahmacharya no as asht
htan
anga
ga
yoga. Uma razão está na maneira como a luxúria
enve
envene
nenana os noss
nossos
os rerela
laci
cion
onam
amen
ento
toss co
com
m as
outras pessoas. Vamos deixar claro que estamos
falando aqui de luxúria e não da sexualidade que
está ligada ao amor. A luxúria transforma a outra
pessoa em um objeto; o amor faz exatamente o
opos
oposto
to.. Qua
Quando
ndo você
vocêss se
sent
ntem
em luxú
luxúri
ria
a por
por uma
uma
pessoa, vocês a vêem como um corpo, algo para
satisfazer as exigências do seu segundo chakra.
Sempre que vocês virem uma outra pessoa como
um objeto para ser manipulado pelos seus
próprios propósitos, se esqueceram de que estão
lidando com uma outra manifestação de Deus.
Uma segunda razão para considerar o
brahmacharya repousa no fato de que a energia
sexual é somente isso — uma energia. É
meramente mais uma forma de energia, e
existem estágios em nosso sadhana em que a
quantidade de energia que temos disponível em
nós é muito importan tante. Nesse ponto, vocês
desejarão conservar a energia sexual para tê-la
dis
disponíve
nívell par
ara
a outr
outros
os usos
usos.. E, entã
então,
o, você
vocêss
adotam a prática do brahmacharya. E o
hinduísmo não é a única tradição que a ensina.
Vári
Vários
os cacami
minh
nhos
os es
espi
piri
ritu
tuai
aiss suge
sugere
rem
m que,
que, em
determinados estág tágios de desenvolvimento
sexual porque ela gasta muita energia que
poderia ser utilizada de maneira diferente.
E é verdade; posso afirmar. Quando eu estava
realizando práticas de hatha yoga e pranayama
muito intensas, nas quais a respiração é inter-
rompida por períodos de tempo prolongados e a
energ
nergia
ia pode subir
ubir pel
ela
a coluna
luna verteb
rtebra
rall, eu
estava usando toda a energia de que dispunha.
Mas as paixões estavam sempre à espreita.
Embo
Embora ra es
esti
tive
vess
sse
e inge
ingeri
rind
ndoo alalim
imen
ento
toss satvig,
leves e puros, e estivesse vivendo num ambiente
bem assexuado em um templo na índia, mesmo
assim ocasionalmente os fluidos sexuais fluíam e
acontecia um sonho molhado ou uma
masturbação. Por um tempo depois disso
acontecer, toda a minha prática de pranayama
mudava; simplesmente não funcionava bem. As
energias não estavam disponíveis para ela. Pude
ver por mim mesmo a razão para a prática do
brahmacharya; tinhtinha
a vive
vivenc
ncia
iado
do evid
evidên
ênci
cias
as da
maneira como o processo funcionava.
Mas existe naturalmente um acesso alternativo
para o uso espiritual da energia sexual, que à
primeira vista é bem diferente da prática
brahmacharya de conservar a energia. É a
prática que chamamos de Tantra yoga.
Independente da imagem conspurcada que esse
nome possa despertar em vocês, o Tantra é na
verdade uma forma altamente técnica da
ativid
atividade
ade sexual
sexual espiri
espiritua
tualiz
lizada
ada.. Para
Para começa
começar, r,
não está muito ligada ao orgasmo. É mais
essa ener
essa energigia
a para
para pree
preenc
ncheherr pont
pontosos cacada
da vez
vez
mais claros e mais vazios. As técnicas tântricas
são métodotodoss par
para faze
fazerr gera
gerarr ess ssa
a ener ergi
gia
a e
depois permanecer com ela por períodos
prol
prolon
onga
gado
doss de temp
tempo o se
sem m fica
ficarr ansi
ansiososo
o para
para
atingir o orgargasmo. O Ta Tanntra sexual não é uma
escalada pessoal gratificante. Não que vocês não
a apreciem — e esse é o paradoxo existente
nela. Mas, se vocês forem pegos gostando da
sensação, terão perdido tudo. O Tantra sexual é
baseado na suposição de que vocês estão
usando a dança sexual como um upaya, um
método para chegar a Deus. Somente isso. E
quando é realmente utilizada desta maneira, é
uma ferramenta poderosa para o despertar.
Mas o Ta Tanntra traz também muita auto-ilusão.
Muit
Muitaas pess
pessoa
oass não
não dese
desejajam
m desi
desist
stiir do se
sexxo,
mas querem pare reccer santificadas e, por isso,
dizem: "Estou seguindo o Tantra." Certamente é
verdade que toda a energia no universo,
inclui
luindo a energia sexual, é sua de alguma
maneira. E é verdade que quando vocês
fina
finalm
lmenente
te perc
perceb eber
erem
em quem
quem re real
alme
mentntee sã
são
o,
poderão realizar isto a cada dia e permanecer
com Deus sempre. Mas até chegarem a es este
te
pont
ponto,o, as prát
práticicas
as se
sexu
xuai
aiss tânt
tântri
rica
cass sã
são
o co
como
mo
brincar com fogo. Vocês precisarão estar bem
conscientes para usar o Tantra como uma prática
e não como uma diversão. O fato de haver
mestres tântricos que conseguem, não significa
que
que seseja
ja fáci
fácil.
l. Co
Como
mo KaKalu
lu Ri
Rinp
npoc
ochehe gost
gostav
avaa de
pássaro, e o pássaro voa, não pense que você
também pode voar."
Existe mais uma razão para incluir o
brahmacharya na lista dos yamas. Além de
objet
bjetivivar
ar a outra
utra pes
pesso
soa
a e esgo
sgotar as noss
ssas
as
reservas de energia, a luxúria é atraente; ela nos
ajuda a ficar aprisionados em nossos desejos. A
cada vez que realizamos um ato em resposta a
um desejo, terminamos reforçando a
probabilidade de ter novamente aquele desejo
no futuro. Isto não é metafísica — é somente
uma teoria direta de aprendizagem da
psicologia. Você satisfaz o seu desejo, você
reffor
re orçça a motiv
otivaç
açãão. Ou,
Ou, co
com
mo dis
disse Bud
Buda: "A
corrupção
corrupção é como os gatos:
gatos: se você os alimenta,
eles continuam aparecendo."
A cada
ada vez que nos perd perde
emos pens
pensaando
ndo que
somos aquele que deseja, alimentamos o desejo.
Se eu como uma pizza e me ocupo sendo aquele
que come a pizza e me delicio com ela, aumento
a probabilidade de desejar uma pizza no futuro.
Mas existe uma outra maneira de comer a pizza.
Se, enquanto estiver comendo a pizza eu
permanecer ali comendo, mas não pensar que
sou aquele que come a pizza... e se, embora o
prazer de comer a pizza esteja ali, não estou
pensando que sou aquele que degusta a pizza...
então, o meu espaço em torno do ato de comer
aquela pizza não está me atraindo. Pelo
contrário, ele estará me afastando cada vez mais
do meu apego em ser o comedor da pizza, e,
desp
desprerend
ndid
ido
o por
por ca
cada
da ca
casa
sa de pizz
pizza
a enqu
enquan
anto
to
desço pela rua. O mesmo ato. Mas totalmente
diferente.
O mesmo acontece com a sexualidade. Quando
vocês praticam o brahmacharya, quando
renunciam à sua sexualidade, isso não significa
necessariamente que interromperão o jogo, ou
que anularão o sexo. Brahmacharya é me meno
noss
mudar o que vocês fazem em relação à sexuali-
dade do que desenvolver uma postura
perceptual diferente em relação às suas ações,
de modo que essas ações os alimentem para o
seu desperta rtar em vez de levá-los de volta a
dormir. O verdadeiro brahmacharya e o
verdadeiro Tantra são ambos atos de renúncia, e
ao que vocês estão renunciando em ambos os
casos são os seus sistemas de desejo. "Saibam
que um homem de verdadeira renúncia é aquele
que não anseia por nada", diz o Gita. Não anseia
— esse é o significado mais profundo de
brahmacharya. É o mesmo princípio que
mencionei na minha experiência do jejum. Em
um níve ível mais
mais supe
superf
rfic
icia
ial,
l, renú
enúnci
ncia si
sign
gnif
ific
ica
a
renunciar ao próprio objeto, mas no sentido mais
profundo é renunciar ao nosso apego ao objeto,
à nossa ansiedade por ele. Então, se nos
comprometermos ou não com o ato é totalmente
irrelevante, porque não existe apego, e um ato
realizado sem apego não cria mais karma. É
simples. O Gita diz: "Satisfeito com o que chega
que não foi solicitado... até o agir, ele não tem
BEM, ESTA É UMA VISÃO GERAL deste sistema único, o
ashtanga yoga, e da maneira como ele utiliza as
práticas da renúncia e da purificação. Ao
observarmos nossas próprias vidas em relação a
esse sistema, começamos a apreciar a sutileza
das práticas e a intensidade da nossa dança com
todos estes sistemas de desejo que possuímos.
Escolhemos um desejo e dizemos: "Bem, estou
pronto para renunciar a este." E, então, paramos
de realizá-lo por um tempo. E talvez ocorra o que
acontec
teceu comigo e o meu vegetarianismo.
Descobri que o assumi um pouco cedo demais.
Tinha tropeçado nele, ele não tinha brotado do
meu interior. Eu não estava pronto para abdicar
de cocome
mer,
r, somen
omente te queria es
esta
tarr pron
pronto
to.. Mas
Mas
ainda havia muita coisa dentro de mim... e voltei
a comer carne.
Mas quando somos atraídos para elas,
começamos a praticar as purificações que,
sentimos, nos libertarão do material óbvio que
sabemos que nos mantém apegados. Iniciamos a
purificação porque nos parece correto realizá-la.
E quanto mais leves as nossas vidas ficam, mais
o nosso trabalho interior pode prosseguir.
Iniciamos a puri rifficação porque, se as águas
estiverem muito revoltas do lado de fora,
pode
podereremo
moss pro
rossse
seguguir
ir com o noss
nossoo tra
trabal
alh
ho
interior. Se estivermos dilacerando pessoas, se
estivermos odiando esta pessoa e sentin tindo
luxú
luxúri
ria
a por
por uma
uma outr
outra,a, se form
formos
os toma
tomado
doss pela
pela
ganância, pela paixão e pela ira, realmente será
acalmar a mente e abrir o coração. E, então,
damos início ao trabalho da purificação.
Se quiserem jogar um pouco mais com a prática
da renúncia, escolham um desejo com o qual se
deparam todos os dias. Podem decidir qual deles:
desejo de comer alguma coisa, desejo de fumar
um cigarro, qualquer um que vocês escolham.
Escolham algo com o qual vocês se deparam
todos os dias — digamos, por exemplo, uma
xícara de café de manhã — e por um dia
suprimam-no. No dia seguinte, tomem mais do
que geralmente fariam — tomem duas xícaras de
café. Comecem a estudar as suas reações.
Note
No tem
m a dife
difere
renç
nça
a nos seus
eus sesent
ntim
imeentos
ntos em
relação ao desejo no primeiro dia e no segundo.
Talvez em outro momento vocês escolham dois
desejos com os quais trabalharão; um dia
suprimam um e satisfaçam duplamente o outro,
e depois invertam as escolhas. Tentem ficar bem
atentos ao que se passa em suas mentes sobre
isso. Se mantiverem um diário, façam anotações.
Comecem a se relacionar com os seus desejos
como algo que podem investigar e não como
coisas que lhe sugam totalmente durante todo o
temp
tempo o, cois
isas
as que os cocons
nso
ome
mem m. Inic
Inicie
iem
m um
relacionamento amigável com os seus desejos.
Joguem com eles no lugar de serem sempre
dirigidos por eles. Os desejos podem ser
divertidos se os observarmos em vez de reagir
mecanicamente a eles.
O jogo da renúncia e da purificação é um
permanecer atados aos nossos sistemas de
desejo. Notem que não é uma questão de se
livrar dos desejos — não compreendam errado.
Confiem em mim, os desejos não vão embora!
Esta
Estare
remo
moss so
some
ment
ntee afro
afroux
uxan
ando
do a sua
sua pres
pressã
são
o
sobre nós, compreendendo mais sobre eles para
que possamos vê-los em algum tipo de contexto.
A renúncia é semelhante ao restante das nossas
práticas. Estamos comprometidos com um tipo
de sisiste
tema
ma de degudegusstaç
tação. Experi
perim
menta
entamo
moss
várias práticas e nos perguntamos: "Estou pronto
para esta?" Ficamos em silêncio e ouvimos.
Então, tomamos a decisão de renunciar — ou de
prosseguir por um tempo com as coisas como
elas estão. Trazemos o máximo de consciência
que conseguimos reunir para cada sistema, sem
ficarmos tensos com isso. Simplesmente
cont
co ntin
inua
uamo
moss a viver
iver co
cono
nosc
sco,
o, tão
tão hones
onesto
toss e
conscientemente quanto pudermos.

8
A D e v o çGãuor ue o
CHEGAMOS AGORA, EM NOSSA VIAGEM ATRAVÉS DE TODAS AS VÁRIAS
E dif
difer
ereente
ntes ro
rota
tass em dire
direçã
çãoo a Brahman, ao
cam
caminho
inho do bhak
bhaktti yoga
oga, ou devdevoçãçãoo — o que
significa que iremos falar, entre outras coisas,
sobre os pontos a favor e contra os gurus.
Fal
Falar
arem
emos
os sobre
obre o mé métotodo
do do guru
guru:: como ele
funciona, o que fazer e o que o guru faz ou não
faz. E falaremos muito sobre o meu guru,
acreditar, ele é o homem por trás do cenário
aqui. E esta é realmente a viagem dele; eu sou
somente o robô-resultado.
Bhakti, por sua natureza, não é uma prática na
qual podemos nos sentar e imaginar
intelectualmente. A devoção está ligada ao
coração, e existe um pouco de absurdo em
pensar sobre viagens do coração. A devoção é
algo vivenciado em um reino que não é
necessariamente conceitual e não se abre com
facilidade para palavras. Hafez, o poeta, disse:
"Ó, aqueles que estão tentando aprender a
maravilha do amor através do livro-texto da
razão, receio muito que nunca vislumbrem o
ponto." Ele está nos dizendo que, enquanto
tentarmos pensar sobre o nosso caminho no
campo da devoção, não iremos muito longe
porque a devoção não é algo para ser pensado,
mas para ser sentido. E para sentir temos que
vivenciá-la diretamente: através do japa, de
cantar os kirtans, do ritual, do mantra e da
oração, através da lembrança — através de
todas as práticas de imersão no amor deixando
que o amor aconteça a cada um de nós. Esse é o
único caminho que nos levará a conhecer as
práticas sobre bhakti.
Então, se vocês quiserem saber a respeito de
bhakti yoga e ainda não estão realizando
práticas devocionais, talvez essa seja uma
oportunidade para começar a explorá-las. Sigam
alguma delas e vejam como se sentem. Existem
exemplo; vocês podem começar com essas, ou
descobrir alguma prática sua que seja certa para
vocês. Comecem a nutrir a qualidade da devoção
em vocês. A devoção pode ser dirigida para
alguma forma de Deus que lhes atrai (o que na
índia é chamada de Ishta Deva). Pode ser
direcionada a um guru. Pode ser dirigida a Gaia,
ou ao Vazio, ou ao seu gatinho. Pode ser
direcionada a qualquer forma de Deus que abra
o seu coração. Dedique algum tempo todos os
dias e passe alguns minutos realizando alguma
prática devocional ligada a esse Ser. Cante. Ore.
Ofereça a chama de uma vela ou algum
alimento. Comece a abrir o seu coração
cultivando sentimentos de amor e apreço.
O Gita está estruturado sobre a devoção. Embora
esteja mais voltado para o serviço a Deus e com
a Sabedoria superior, tudo isso se encontra
dentro de uma estrutura de devoção. Em certo
momento, Krishna diz para Arjuna: é devido ao
seu amor que eu estou permitindo que você ouça
e veja tudo isto. A visão que Krishna proporciona
a Arjuna, a visão da forma cósmica do universo,
é a visão que surge quando o terceiro olho se
abre e "vemos sem olhar". É uma dádiva incrível
receber esse tipo de visão, e a natureza
impressionante e espantosa dessa visão foi
concedida a Arjuna, diz Krishna a ele, somente
devido a seu amor, devido à sua devoção e
pureza do seu relacionamento com Krishna.
Seguindo a seqüência exposta no Gita,
tipo de fé: a fé da mente inferior na possibilidade
de que possa existir algo que a mente superior
saiba, embora a inferior não conheça. Para a
mente inferior, isto é um salto de fé! A fé nos
leva a realizar as práticas, através das quais
começamos a nos abrir um pouco, o que nos
permite ter algumas visões ou alguma
experiência imediata direta, o que nos conduz
por sua vez a práticas mais profundas, que
finalmente nos proporcionam uma sabedoria
superior, a sabedoria de Brahman. Mas toda essa
seqüência, que envolve jnana yoga e karma yoga
e purificação e todos os outros, ocorre dentro de
um contexto de devoção, que é um pré-requisito
para o restante dela. Todas as práticas dão
frutos devido ao amor de Arjuna por Krishna.
Na literatura sobre as práticas que nos conduzem
a Brahman — que poderíamos chamar de
literatura mística —, existem descrições do que
parecem ser duas categorias bem diferentes de
experiência mística. Em uma delas, a
característica dominante é escapar do mundo
fenomênico e de tudo que o condiciona —- que
no budismo é conhecido como "atingir o
nibbana". No outro tipo, igualmente freqüente,
de experiência mística, o amor é o fenômeno
central. É caracterizado pela qualidade de ser
absorvido em um amor todo abrangente. Elas
representam as duas experiências alternativas
de Brahman.
Muitas vezes pode parecer que existe uma luta
da cabeça e seguidores do coração, entre as
pessoas que dizem "não embarque nessas
viagens emocionais" e aquelas que dizem "está
ótimo, mergulhe no oceano do amor". Em
contraste, a devoção pode parecer muito piegas
e sentimental, enquanto que o intelecto parece
claro e direto. Mas um dos sábios da índia,
quando lhe foi pedido que comparasse jnana e
bhakti yoga disse: "Jnana yoga é como uma
lâmpada: bhakti yoga é como uma pedra
preciosa. A pedra somente brilha com a luz
refletida, enquanto que a lâmpada é a própria
iluminação. Mas a lâmpada requer uma atenção
constante: mais óleo, um novo pavio — enquanto
que a pedra continua a brilhar sem qualquer
esforço da sua parte."
A principal objeção que os jnanis geralmente
levantam sobre o bhakti é que este é dualista:
existe a pedra preciosa e existe a fonte de luz.
Esse é o ponto crucial da sua oposição à
devoção: que a devoção é, pela sua própria
natureza, uma prática dualista. Para ser um
bhakti, você terá de ser devotado à alguma
coisa, dizem os jnanis, e como no final você terá
que acabar com as distinções entre sujeito e
objeto, não seria melhor não ficar agarrado mais
profundamente a eles no princípio? Esse é um
resumo geral do desenvolvimento da
argumentação.
Essa crítica ao bhakti se fixa no pensamento de
que o veículo para chegar ao topo da montanha
questão de um modo diferente. Eu perguntaria:
"Posso permitir o uso do dualismo para chegar ao
não-dualismo?" É certamente verdade que o
dualismo pode ser uma armadilha e que nós
podemos ficar presos ao objeto da nossa
devoção. Jnana também pode ser uma
armadilha, como já vimos; podemos nos agarrar
à nossa necessidade de saber. Todos os métodos
são armadilhas. Temos somente que escolher
sabiamente as nossas armadilhas e esperar que
elas se autodestruam após terem servido ao seu
propósito. Um método dualista, se utilizado com
sabedoria, pode ser um veículo de primeira linha
para o não-dualismo. À medida que o método
trabalhar, vocês irão além dele e o restante se
desfará.
Então, podemos reconhecer o problema e mesmo
assim utilizar as práticas do bhakti yoga. Krishna
diz no Gita: "E muito difícil seguir em uma rota
de mera identificação com o não-manifesto." Isso
é conhecido como "o caminho superior que não
possui trilhos". Não é fácil dar o salto da nossa
individualidade diretamente para o não-
dualismo. Para chegar até a sabedoria da
experiência direta de Brahman precisamos ser
intensamente uni-direcionados sobre para onde
estamos indo. A lubrificação que pode engraxar
este processo, e tornar toda a experiência bem
mais fácil, é um sentimento intenso de amor por
aquilo para o qual vocês estão se movendo. Não
importa se o chamam de um amor pela Verdade,
que importa é aquilo que acontece no seu
coração através desse tipo de intenso
compromisso emocional a alguma coisa.
Gravitamos na direção da experiência deste tipo
de amor, e ela faz a abertura do coração
acontecer com facilidade, muito naturalmente. E
esse coração se abrindo nos permite, então,
romper com nossa identificação com manas, a
mente inferior, porque ficamos muito ocupados
focalizando os pensamentos do nosso ser amado.
Os seus pensamentos se voltam naturalmente
para aquele a quem vocês amam, não é assim?!
Se amam alguém, dificilmente conseguem parar
de pensar nesta pessoa. Se amam a Deus, e seus
pensamentos estão constantemente voltados
para Ele, eles não ficarão mais aprisionados no
ego. Nos Salmos, Davi recita: "Como meu
coração estava incendiado, minhas rédeas tam-
bém foram trocadas." Ele estava usando a
imagem da carruagem, assim como o Gita, no
qual as rédeas são aquilo que controla a mente.
Então, Davi está dizendo que quando o seu
coração foi aberto, isso facilitou que a sua mente
se voltasse para Deus. Essa é a maneira pela
qual a devoção reforça as práticas jnani — fica
mais fácil voltar a mente para uma determinada
direção utilizando as rédeas do coração.
Minha relação com Maharajji é um
relacionamento de coração, um relacionamento
de amor. O meu amor por ele teve início de uma
forma bem dualista; eu queria tocar os seus pés,
diminuísse, mas ele cresceu de um modo
diferente. Ele continuou a crescer até que eu
realmente não me importava mais se estava com
a forma dele ou não. E, então, quando o amor se
aprofundou mais ainda, eu não fiquei mais me
ligando "àquele homem na índia". Eu estava
ligado à essência da "figura do guru", e comecei
a vivenciá-la dentro de mim em relação a ele.
Toda a qualidade da relação continuava a mudar,
à medida que eu crescia em sabedoria, que me
coração se abria, que minha entrega ficava mais
abrangente. Eu tinha zombado disto dizendo que
adorara a sua forma até que, finalmente,
compreendi que somente batia à porta para o
fato real. Eu estava adorando o ato, e, então,
vira que somente batia à porta, e que além
dele... ahhhhhh!
É desta maneira que funciona a prática
devocional. Fazemos uso do guru e do amor que
ele desperta em nós para nos levar até a
entrada. Então olhamos através dela — e o que
vemos lá nos puxa mais e mais. A devoção, como
método, nos leva de volta para a parte mais
interna de nós mesmos, de volta ao não-formado
— mas atenua as escoras para nós. Práticas
como o sacrifício ou a renúncia, que podem
parecer realmente difíceis se vocês chegam a
elas sob o modo rajásico do "eu posso fazer
isso", tornam-se incrivelmente fáceis na
presença do amor. Certamente vocês as
seguirão. Novamente, é como algo que vemos
consigo mesmos. O seu alimento favorito é
trazido à mesa e a sua principal preocupação é
que a outra pessoa receba o suficiente dele,
mesmo que isso signifique que não sobrará para
você; vocês se sentem preenchidos com o fato
da outra pessoa se alimentar. E o que vivenciam
quando se tornam pais; alguém diz: "Você está
fazendo demais pela criança... está se
sacrificando por ela!" Mas para vocês não soa
como um sacrifício, mas como uma alegria.
E o mesmo que acontece com as práticas. As
austeridades, feitas com um coração seco, são
pesadas, mas quando realizadas com amor,
vocês dizem: "Oh, sim, farei isso pelo meu
amado. Desistirei daquilo porque isso me deixará
mais perto dele." Quando estão ansiosos para
ficar mais próximos do ser amado, não
conseguem desistir das coisas com a rapidez
suficiente: "Isso está no caminho... não quero
mais nada com isso."
É desta maneira que funciona o bhakti yoga. É o
yoga do coração, o yoga da abertura amorosa
para Deus, e utiliza todas as nossas emoções
para nos manter trabalhando sobre a matéria
que finalmente nos levará até Brahman.
Deve ter ficado claro, assim espero, que o amor
do qual estamos falando aqui não é o amor
romântico. Não se trata do nível "amo fulano
porque ele tem uma grande personalidade". É
uma espécie diferente de amor. É o local do
amor onde vocês encontram os outros no âmago
de seus corações. É o que é chamado de amor
de amor que, como o sol, brilha sobre tudo, seja
"amável" ou não. Não se detém para julgar se
ele pode amar este ou aquele ser —
simplesmente ama a tudo, sem julgar. C. S.
Lewis, em Perelandra, transmite o espírito desse
amor; ele diz: "Amem-me, meus irmãos, pois sou
infinitamente supérfluo. E o seu amor será como
Dele [referindo-se a Deus], não nascido nem da
sua necessidade e nem do meu merecimento,
mas somente da generosidade, da generosidade
altruísta."
Quando um ser se torna amor, tudo que essa
pessoa toca se torna amor; tudo repousa dentro
da aura do amor. Meher Baba descreveu uma
das qualidades desse tipo de amor quando disse:
"O amor deve brotar espontaneamente do
interior. Não é de forma alguma receptivo a qual-
quer força interior ou exterior; amor e coerção
nunca caminham juntos. Mas, embora o amor
não possa ser forçado sobre ninguém, ele pode
ser despertado através do próprio amor. O amor
é essencialmente auto-comunicativo. Aqueles
que não o têm, o captam daqueles que o
possuem. O amor verdadeiro é inconquistável e
irresistível, e permanece amealhando poder e
espalhando-o até que finalmente transforma a
todos que ele toca."
O comentário de Meher Baba de que o amor não
é receptivo a qualquer tipo de coerção é
verdadeiro até para os níveis mais sutis, as
pequenas coerções psicológicas. Mesmo quando
com alguém e sinta que o coração daquela
pessoa está fechado. O que gostaria de dizer é:
"Abra o seu coração — você precisa amar mais",
mas sei que não serei ouvido. Então, me volto
para a manipulação; digo: "Conte-me sobre este
fato na sua vida. Como você se sentiu com isso?"
Induzindo-a pela emoção, estou sutilmente
tentando coagir aquela pessoa a abrir seu
coração. E, naturalmente, não funciona. Então,
após algum tempo, desisto. Paro de ficar
tentando e me desligo da pessoa. Continuo
simplesmente ali com ela vertendo amor. Ela
poderá dizer: "Bem, continuo sem sentir nada",
mas, então, se levanta para ir embora e
pergunta: "Posso lhe dar um abraço?" "Por que
você quer me abraçar se não sente nada?" "Não
sei. Quero somente um abraço."
Quando as pessoas me dizem "Não sinto nenhum
amor. Não sinto nada disto que você está
dizendo", lembro da citação de Thomas Merton
em Seeds of Contemplation. "A oração e o amor
são aprendidos na hora em que orar se torna
impossível e o coração virou uma pedra." É
somente quando o nosso desespero atinge o
fundo do poço que ocorre a oportunidade para o
coração se abrir. Então, se alguém me diz: "Eu
não sinto nada; estou morto por dentro" — esse
para mim é o momento crítico. E um momento
em que existe a possibilidade de ocorrer a
abertura do coração.
Mas isso só funciona quando o desespero é muito
Então, geralmente aconselho: "Vá e sofra mais
um pouco, e volte daqui a um ano. Você ainda
não sofreu o suficiente."
Com freqüência as pessoas não acham que seja
um conselho compassivo, mas é porque é muito
difícil para nós ouvirmos a verdade sobre este
assunto: que o sofrimento é uma dádiva. O
sofrimento nasce do sentimento de que os
nossos corações estão fechados e isso
finalmente os abrirá. A razão nunca nos permitirá
compreender isso!
Quando saímos dos nossos problemas, das
nossas tristezas, das nossas dificuldades (que
todos nós temos), é difícil ouvirmos que tudo isso
é uma dádiva que nos foi concedida. Parece
excesso de otimismo, ou algo semelhante. É
somente no espaço destinado ao amor integral e
à fé e confiança que ele começa a fazer algum
sentido para nós. Maharajji disse: "Eu amo o
sofrimento. Ele me traz para perto de Deus. Você
consegue jnana — sabedoria — através do
sofrimento. Você fica sozinho com Deus quando
está doente, você chama por Deus quando
sofre."
A devoção nos leva para o lugar onde podemos
abraçar o sofrimento desta maneira, porque o
nosso amor é muito forte. "Deverás amar o Se-
nhor teu Deus com todo o teu coração, e com
toda a tua alma, e com toda a tua força", diz a
Bíblia. Considerem: essa idéia pode realmente
ter algum significado? Seria possível falar sobre
desordenado de jovens médicos residentes
entrou no meio da meditação. Abriram a porta do
quarto e entraram, preparados com o seu
discurso de perfeitas condições de saúde: "Como
está você esta noite? Vamos ver a sua papeleta.
Tem sido uma boa paciente? Comeu todo o seu
jantar?" Mas eles entraram em um templo. Só
foram até o "Como está você..." e pararam.
Na terceira noite, em vez de barganharem, eles
abriram a porta com cuidado, entraram e ficaram
ali em silêncio por alguns minutos consultando as
papeletas e depois saíram. Estavam fazendo o
trabalho deles, mas não dominavam o cenário.
Eram como médicos de um time de futebol; os
médicos não aparecem — eles somente estão ali
para ajudar se você quebrar uma perna. São
empregados do sistema e não os donos dele.
A experiência de Debbie me mostrou a
possibilidade de criar um espaço para a morte
consciente bem dentro do sistema. Mas, natural-
mente, seria bom ter um espaço onde aquele
tipo de ambiente para morrer não seria somente
adaptado, mas apoiado e encorajado. Isso me
levou a pensar em um programa que gostaria de
chamar de "Chamada para a Morte". Se você
está morrendo e desejar morrer
conscientemente, telefone para nós. Enviaremos
uma pessoa que deseja trabalhar sobre si mesma
através do processo de estar com alguém — isto
é, você — que esteja tentando morrer
conscientemente.
que acham um poderoso sadhana trabalhar com
alguém que está morrendo. E existem outros de
nós que estão morrendo e que gostariam de ter
próximo alguém que realizou um trabalho interior
suficiente para estar realmente presente com
eles naquele espaço. Então, "Chamada para a
Morte" seria como um yenta, ou corretor de
casamentos — alguém que estabeleceria uma
relação entre o que poderíamos chamar de
"aquele que está morrendo" e os orientadores.
Finalmente, eu poderia imaginar que teremos
uma Benares no Ocidente. Teremos locais aonde
as pessoas irão e dirão: "É aqui que desejo
morrer. Gostaria de morrer entre pessoas que
não estão ocupadas em negar a morte, ou
tentando se agarrar à vida." Pessoas que
chegassem a estes centros seriam capazes de
decidir qual o tipo de médico que desejam e
quanta medicação precisam e em que tipo de
metáfora religiosa gostariam de morrer.
Poderiam morrer em uma metáfora cristã, ou em
uma metáfora muçulmana, ou em uma metáfora
budista, ou em uma metáfora hindu, ou em
qualquer outra. Haveria pessoas disponíveis em
cada tradição, e faríamos tudo que pudéssemos
para ter cada uma delas representada: wica,
zoroastriano, rastafari. Isto é, faríamos o melhor
para montar o cenário que a pessoa que está
morrendo achasse que facilitaria a sua
oportunidade de estar voltada para Deus no
momento da sua morte. Mas, embora a "Benares
Debbie foi uma boa mestra para mim sobre a
maneira como isso poderia ser realizado.
Em qualquer caso, morrer em um ambiente ideal
presume que teremos certo tempo para a
preparação, e para alguns de nós este não será o
caso. Para alguns de nós, a morte chegará de
modo muito repentino e inesperado. Pode
acontecer a qualquer um, a qualquer momento.
No período de uma semana em Naropa, por
exemplo, lidei com uma mulher que soubera ser
portadora de um câncer maligno, com um
menino que caiu de uma montanha e morreu, e
com uma mulher que sofreu um acidente de
carro no qual a sua companheira morreu. Tudo
inesperado, tudo estilhaçado.
A morte repentina é, em vários aspectos, mais
difícil de lidar espiritualmente. Não existe um
tempo para arrumar um ambiente externo que
nos coloque na direção certa. Não existe um
tempo para nos prepararmos — aqui está ela!
Torna-se, então, uma questão do nosso ambiente
interno naquele momento, e quando
compreendermos que a morte pode acontecer a
qualquer instante, começamos a prestar mais
atenção ao conteúdo momento-após-momento
das nossas mentes. Começamos nos
perguntando: "Se eu morresse neste momento,
meus pensamentos estariam voltados para
Deus?"
É neste ponto que a prática do mantra pode ser
muito útil. Vocês carregam um mala no seu bolso
ou "Cristo, Cristo, Cristo", ou "Rama, Rama,
Rama", ou "Alá, Alá, Alá". Se vocês preencheram
a sua mente com os nomes de Deus durante toda
a sua vida, terão uma chance melhor dele estar
ali no momento da sua morte. Mahatma Gandhi
estava passeando em seu jardim, em um dia
comum, quando foi atingido por três tiros
desferidos pelo seu assassino. Ele não disse:
"Aargh!" ou "Fui ferido!" ou "Salve a índia!".
Disse somente "Rama" e morreu. Estava pronto,
de modo que, mesmo no momento totalmente
inesperado, foi direto para Deus. Simplesmente:
Cheguei. Ahhhh! Vejam, estou livre!
O que mais precisamos no momento da morte é
de uma incrível clareza de consciência. Como
morrer é um dos eventos mais profundos de
nossas vidas, não devemos à morte o respeito de
nos preparar para ela para que quando o
momento chegar possamos lidar com ela
conscientemente? Confúcio disse: "Aquele que vê
o caminho de manhã pode alegremente morrer à
tarde." O sadhana é a preparação para que, a
qualquer momento, mesmo que seja totalmente
inesperado, estejamos preparados para soltar o
pensamento sobre a nossa própria existência.
HOUVE MAIS UMA LIÇÃO que aprendi ao estar com
pessoas que estavam morrendo: eu poderia ser
sugado por todo o melodrama que circunda a
morte tão facilmente quanto qualquer outra
pessoa. Aprendi em primeira mão sobre a
profundidade da minha própria negação do
Wavy Gravy uma vez me apresentou a um jovem
que estava morrendo de doença de Hodgkin.
Wavy sabia que eu me interessava em estar com
pessoas à beira da morte, e este rapaz quis falar
comigo, então Wavy programou o encontro. Nós
nos encontramos na casa de Tom Wolfe. Sentei-
me perto dele e disse: "Ouvi dizer que logo irá
morrer." Ele disse: "Sim." Perguntei: "Quer falar a
respeito?"
Ele prosseguiu relatando como tinha planejado
morrer. Estava no que era classificado de estágio
4B da doença, que é o estágio terminal. Tinha
seguido todos os tratamentos médicos e decidira
prosseguir por conta própria para evitar a dor dos
estágios finais da doença. Planejava tomar LSD e
depois uma overdose de heroína. Eu disse: "Me
parece razoável. Contudo, será preciso planejar
tudo muito cuidadosamente e se preparar para
que não tenha uma alucinação devido às drogas.
Deve trabalhar primeiro com elas para que possa
saber como permanecer consciente com elas
quando chegar a hora." Ele disse: "Quando ficar
muito fraco para conseguir me mexer, acho que
é o momento." Eu disse: "Independentememte
do que desejar — será a sua morte."
Ele acendeu um cigarro e notei que suas mãos
tremiam muito. Pensei: "O que estou fazendo? Eu
o assustei falando de modo tão casual sobre a
morte. Eu o assustei muito." Então, disse a ele:
"Ei, cara, eu o estou assustando, não é?! Mas não
quero que faça isso." Ele disse: "Oh, não, você
que não fica totalmente perturbado pela vibração
quando tocamos no assunto. Você está me dando
a força de que preciso. Estou absolutamente
dominado por ela."
Ele e eu começamos a nos apoiar um no outro
depois dessa conversa. Fizemos um filme juntos
no qual falamos sobre a morte dele. Seu cabelo
caíra por causa dos remédios, mas ele sempre
usava uma longa peruca hippie. No meio do filme
eu o fiz tirar a peruca; e o efeito sobre a platéia
foi enorme.
Foi uma experiência com aquele rapaz que me
mostrou como era fácil para mim ser sugado pelo
melodrama e pela negação em torno do morrer.
Uma tarde, ele e eu estávamos dirigindo pela
Highway 1 na Califórnia; se você já dirigiu
naquela auto-estrada sabe que ela é bem estrei-
ta, cheia de curvas e longos precipícios dando
para o oceano. Eu dirigia e ele estava recostado
no banco do carona. Ele e eu admirávamos as
ondas, o céu e a beleza daquele dia. Em um
momento, paramos para colocar combustível, e
quando íamos voltando para o carro o rapaz me
disse: "Ei, posso dirigir? Provavelmente será a
minha última oportunidade para isto." Uma barra
pesada. Um rapaz com vinte e três anos, um
grande investimento em dirigir... Eu disse:
"Certo." Ele se sentou ao volante e partimos.
Quando nos aproximamos da primeira curva,
compreendi de repente que ele estava fraco
demais para girar o volante, e nos dirigíamos
nos coloquei de novo na estrada. Então, nos
inclinamos para a direção oposta e muito
casualmente, girei novamente o volante.
Eu estava sentado ali, dirigindo sub-
repticiamente, quando de repente percebi que
estava envolvido em uma vasta conspiração para
negar o momento presente. A ansiedade dele era
tão profunda, sua tendência para quem ele ainda
pensava que era, era tão desesperada que ele
não conseguia se entregar a quem ele realmente
era naquele momento — alguém muito fraco
para dirigir. Eu tinha sido sugado novamente.
Tinha me envolvido naquela charada. Então,
disse a ele: "Sabe de uma coisa? Nós nos
envolvemos em um tipo de conspiração aqui,
fingindo que você ainda pode dirigir. Deveria
estar recostado e eu servindo de chofer para
você. Você deveria relaxar em vez de tentar se
agarrar ao passado."
Contei para ele a história do Zen Flesh, Zen
Bonés sobre o homem e o morango. Lembram-se
dela? Um homem estava sendo desafiado por um
tigre, e para escapar começou a escalar a borda
de um precipício. Mas, quando começou, ele
olhou para baixo e viu um outro tigre espreitando
lá embaixo. Ali estava ele, empoleirado
precariamente em uma pequena proeminência
de rocha, um tigre acima e um tigre abaixo. E,
enquanto estava pendurado, notou que
crescendo bem ali na sua frente estava uma
moita de morangos com um único morango
doce!" Eu disse para o jovem: "Aproveite o
morango deste momento!"
Toda essa experiência de deslizar para o
melodrama e negar a verdade do momento me
mostrou como a conspiração é sedutora, e como
é fácil ser pego no processo da negação quando
estamos perto de alguém que está morrendo. A
negação é o primeiro dos cinco estágios de
morrer de Elisabeth Kübler-Ross, e podemos ver
por que seria a reação imediata. A morte é tão
inconsistente com aquilo que pensamos que
somos que simplesmente negamos a
possibilidade; você diz a alguém que ela irá
morrer, e a primeira coisa que ela diz é: "Não, eu
não. O diagnóstico deve estar errado." Após a
negação vem a raiva: "Quem fez isso comigo?" E
depois o terceiro estágio — a barganha para
mudar a situação: "Se eu me comportar bem e
tomar os remédios, vou melhorar, não é?!"
Quando fica claro que a barganha não irá
funcionar, estabelece-se a depressão. E,
finalmente, após a depressão, vem a aceitação.
Contudo, acho que Elisabeth não foi até o fundo.
A aceitação não é o ponto final das
possibilidades. Estes cinco estágios são todos
estágios psicológicos que atravessamos quando
encaramos a morte, o que ainda é acanhado do
ponto de vista espiritual. A aceitação poderá ser
somente: "Está bem, estou morrendo". E nisso
ainda residem os sutis apegos ligados ao
pensamento de "estou morrendo". Uma
espiritual, a morte é uma saída, uma
oportunidade, e todas as nossas práticas são
realizadas para nos preparar para esse momento.
Se tivermos adotado um modelo
reencarnacionista, consideraremos o fato de que
o pensamento que teremos no momento da
morte será um pensamento crítico, porque
aquele pensamento influenciará o que acon-
tecerá em seguida. Isto é, quaisquer que sejam
os nossos desejos no momento da morte, iremos
para reinos onde aqueles desejos possam ser
realizados ou preenchidos. Isto está resumido na
passagem do Gita que citei anteriormente, em
que Krishna diz: "Aqueles que oram aos deuses,
vão para os deuses." Mas os lokas angelicais e os
lokas infernais, todos os diferentes reinos
acabam sendo somente mais encarnações, mais
formas. Podem parecer mais interessantes do
que o plano em que estivemos encarnados desta
vez, mas são somente mais véus entre nós e o
Bem- amado.
Se desejamos evitar assumir outras formas, o
melhor pensamento que podemos ter no
momento da morte é nenhum pensamento. No
momento da morte, todos entramos na clara luz
— todos nós. Cada um vivência Brahman, o
nirvana, o Vazio. Mas é preciso uma mente
disciplinada, uma mente espiritualmente
preparada, para resistir ao intenso empurrão das
forças kármicas — os poderosos impulsos de
pensamentos e sentimentos e percepções que
afastamos da luz para segui-lo, e começamos a
descer pelos círculos de manifestação, um por
um, empurrados pelo nosso karma, até
chegarmos a um plano onde aquele desejo pode
se manifestar ou ser realizado. Mas alguém que
não tem desejos na hora da morte — alguém que
pode dizer: "Esta é a vida. Isto é morrer. Isto é a
morte, Sim!" — essa pessoa não se prende a
nada, e não é empurrada para nada. Então,
através da morte, essa pessoa se torna livre da
Roda do Nascimento e da Morte. Ao morrer, essa
pessoa nasce em Deus.
Conclusão
SENDO ESTA A CONCLUSÃO, O NORMAL SERIA RELEMBRARMOS DA
VIAGEMque fizemos juntos e tentar e imaginar
aonde chegamos com tudo isso. Para tanto, nos
parece apropriado fazer duas coisas: primeiro,
reunir as várias correntes de pensamento que
seguimos para ligar os fios soltos para que
tenhamos a sensação de fechamento sobre tudo.
Segundo, refletir em que tudo isso tem a ver com
o Bhagavad Gita.
Vamos começar pelo último: acho que descobri
que a relação entre este livro e o Gita é um
pouco mais sutil do que poderíamos ter anteci-
pado primeiramente. Embora tenhamos suposto
de que seria um livro sobre o Gita, e ele tenha
surgido de vários e vários anos da leitura e
estudo do Gita, grande parte dele não esteve
diretamente ligado ao Gita em um sentido
interpretação dos seus slokas. Acho que seria
mais exato dizer que este livro é um comentário
sobre os conceitos básicos sobre os quais o Gita
é construído, e uma reflexão sobre algumas
maneiras através das quais podemos trazer as
práticas do Gita para as nossas próprias vidas
espirituais. Esses são os aspectos do Gita que
estivemos explorando.
Para criar um fechamento e unir tudo, suspeito
que teremos realmente de esperar até que
aconteça, a seu próprio tempo, em cada um dos
nossos corações, quando realizarmos os
ensinamentos à luz das nossas próprias
experiências. Porém, embora provavelmente não
possamos tecer tudo em uma mesma trama, o
que podemos fazer em seu lugar é seguir os fios
principais que percorreram o livro.
Olhando para trás, acho que podemos ver que o
tema subjacente permanente em tudo isso está
ligado à maneira como o Bhagavad Gita nos
fornece um mapa para o nosso próprio sadhana.
O Gita estabelece um sistema de práticas, yogas,
para nos colocar em união com Brahman, com o
Uno. E quando essas práticas funcionam, como
no caso de Arjuna, surge a Visão Mística.
No capítulo 11 do Gita, temos uma amostra de
como seria essa visão. Arjuna diz para Krishna:
"Ouvi suas palavras de verdade, porém minha
alma anseia em ver a sua forma como Deus de
tudo isso." Então, devido à preparação que
Arjuna teve, Krishna dá a ele a "visão divina"
partes deste diálogo interno e também outros en-
sinamentos do silêncio, tais como a
conscientização de como as outras pessoas perto
de vocês utilizam as conversas.
Quando surgir o impulso para falar, esta energia
deverá ser canalizada para uma afirmação
espiritual ou mantra, para a Oração do Coração,
o Triplo Refugio, ou qualquer método que seja
adequado a vocês.
Em algum momento durante o dia, reservem pelo
menos uma hora para o silêncio do corpo, da fala
e da mente. Encontrem uma posição confortável
para o corpo, mantendo a coluna ereta, e
determinem-se a ficar sentados por uma hora
sem se mexer. Ao mesmo tempo, pratiquem o
silêncio da mente através da meditação ou da
oração. ("O silêncio interno é a auto-entrega —
viver sem o sentimento do ego." — Ramana
Maharshi) Vocês já estarão praticando o silêncio
da fala. Estes três silêncios — do corpo, da fala e
da mente — são conhecidos como o Nobre
Silêncio.
Algumas mensagens inspiradoras sobre as
palavras não pronunciadas:
Compreendi neste lugar que as pessoas temem o
silêncio mais do que qualquer outra coisa, que a
nossa tendência para falar surge da autodefesa e
baseia-se sempre sobre uma relutância em ver
alguma coisa, uma relutância em confessar algo
para alguém. Categoricamente, uma pessoa é
silenciosa por si mesma, isto é, ao começar a
começa a distinguir as mentiras das outras
pessoas.
- Ouspensky

A quietude é o mestre das ações.


— Tao Te Ching

Minha vida é ouvir —


A dele é falar.
A minha salvação é ouvir e responder.
Para ele, a minha vida deve ser o silêncio.
Por isso o meu silêncio é a minha salvação.
- Thomas Merton

O silêncio proporciona uma economia da energia


psíquica e aumenta o poder da concentração.
- Meher Baba (que permaneceu em silêncio nos
últimos 40 anos de sua vida)

O silêncio é a linguagem de Deus —


É também a linguagem do coração.
— Swami Sivananda
Permaneça em silêncio e saiba que Eu sou Deus.
- Salmo 46

O silêncio é a mãe da verdade.


- Thomas Merton

Somente aquilo que pode ser expresso em


palavras está sendo dito.
F. Tapasya
Quando recolhido ele afasta todos os seus
sentidos das atrações dos prazeres dos sentidos,
assim como uma tartaruga recolhe os seus
membros, então a sua sabedoria é serena.
— Bhagavad Gita, 4-58

Tapasya, ou austeridade religiosa, é a maneira


mais direta de lidar com o apego. Jejum, silêncio,
e continência sexual são tapasyas amplamente
utilizadas.
O jejum como prática espiritual não somente
limpa o seu corpo, como altera a sua consciência
o suficiente para lhes permitir ouvir as vozes in-
teriores de uma maneira um pouco mais clara
que o usual. O jejum também proporciona a
essas vozes mais força para lutar. Se vocês
conseguem se colocar no lugar da testemunha,
serão capazes de ouvir os argumentos desde o
mais grosseiro até o mais sutil.
Tentem pular para o fogo. Parem completamente
de comer por um período determinado de tempo.
Isto lhes proporcionará o espaço para
testemunhar o desejo (provavelmente por várias
vezes) — um espaço no qual poderão observar
que vocês não são o desejo; um espaço no qual
poderão verificar como o desejo surge e depois
se esvai. E, desta luta interna, surgirá o fogo que,
finalmente, consumirá as suas impurezas.
Assumam com firmeza a resolução de jejuar por
um dia inteiro (24 horas). Poderão tomar essa
resolução pouco antes de dormir ou logo após a
sua meditação matinal, quando a ouvirão em
seus planos mais profundos. Então, no meio da
manhã, quando uma das várias vozes do ego
anunciar: "Amanhã seria bem melhor — tenho
tantas coisas para fazer hoje", ou "beliscar um
pouco não fará mal", vocês poderão identificar
essa voz como a da sua resolução e prosseguir
com o jejum.
Decidam antes de começar se tomarão sucos, ou
comerão frutas, ou somente água naquele dia.
Alguns dirão que o jejum mais puro é realizado
somente com água. Maharajji dizia: "Sempre
ingiram alguma coisa." Independentemente do
que decidirem fazer, é importante ingerir muito
líquido (água, chás de ervas sem açúcar etc.)
para prevenir a desidratação. Se tiverem que
decidir durante o dia o que irão ingerir, talvez
fiquem confusos se conseguirão enfrentar o
jejum. As práticas mais simples são as melhores
— decidam sobre as regras para aquele dia e
depois lembrem-se a cada vez que forem
tentados. "Os prazeres dos sentidos, mas não os
desejos, desaparecem na alma austera." Gita, 4-
59.
Será melhor realizar este jejum em um dia
relativamente calmo — se estiverem
concentrados nos negócios durante todo o dia,
poderão até nem se dar conta de que estão
tente. Devem tentar ficar bem sossegados para
ouvir o ego trabalhando.
As austeridades são um ato da vontade e
poderão ser utilizadas para reforçar o ego como
também para subjugá-lo. Estejam atentos a
qualquer orgulho espiritual, auto-piedade ou
sentimentos de competição que possam surgir.
Mas, se realizarem este exercício como uma
oferenda ao Ser Divino, haverá pouco espaço
para que essas manifestações do ego apareçam.
Façam suas anotações em seu diário durante o
jejum ou logo que o terminarem. Estes insights
são ardilosos.
Retornem à alimentação aos poucos, de maneira
respeitosa. "Do alimento formam-se as
criaturas." Tomem sucos ou comam frutas como
sua primeira refeição e tenham cuidado para não
comer em demasia no dia seguinte — o seu
sistema digestivo poderá se ressentir. Continuem
a testemunhar a sua relação com o alimento.
Observem como o ato de não comer fez com que
os hábitos de comer ficassem um pouco mais
conscientes.

Ofereçam a Mim aquilo que lhes é muito


agradável —
aquilo que mais cobiçam.
Infinitos serão os resultados dessa oferenda.
- Srimad Bhagavatam

H .H A T H A AY SO AG NAPA:RS Al N A Y A M A S
Durante o curso, será aconselhável que fiquem
sintonizados com o seu corpo como o templo no
qual vocês habitam, como o ambiente mais
imediato no qual vocês residem. Um corpo
doente ou tenso pode ser um grande
impedimento para o esforço pessoal para abrir o
coração e concentrar a mente. Embora seja
verdadeiro que a mudança das tendências
mentais e emocionais esfriarão e harmonizarão
por si só o seu corpo, inversamente a purificação
do físico ajudará na harmonização da mente e do
coração.
O método tradicional hindu para sintonizar,
acalmar e vitalizar o corpo é o Hatha Yoga, que
envolve a aceitação consciente de um grupo de
posturas meditativas, ou asanas, e o controle da
respiração (pranayama). Além disso,
determinados asanas estão primeiramente
ligados à liberação ou transmutação da energia
de uma forma para outra ou de uma parte do
corpo para outra, e com a purificação do sangue
e dos nadis (nervos espirituais).
O Hatha yoga intensivo praticado por cinco
semanas alteraria dramaticamente:
- a sua capacidade de se sentar em silêncio em
meditação sem ficar preocupado com o corpo;
- os seus desejos com relação a certos alimentos,
tabaco, drogas, ao sensibilizá-los para as reações
do seu corpo sutil;
- o tônus geral do seu corpo e o sentido de bem-
estar.
Vários de vocês já conhecem grupos de
exercícios de asanas e pranayama. Para aqueles
que não conhecem e desejam receber um
manual com instruções e uma orientação, por
favor, procurem um dos professores.
Oferecemos aqui um exercício composto
conhecido como Surya Namaskaram — a
Adoração ao Sol. Ele deve ser realizado entre
quatro e seis vezes em um espaço plano e
silencioso. As roupas deverão ser leves e
flexíveis. Não deverá ser realizado antes de duas
horas após a refeição.

EXERCÍCIO
S u r y a N a m a As kd ao r a mç ã: o A a o S o l

Tradicionalmente ele é realizado no início da


manhã, voltado para o sol, em atitude de
adoração. É uma boa maneira para iniciar uma
sessão de asarias.
Expire 1) Fique ereto, palmas da mão se tocando
no meio do peito, dedos esticados para cima.
Inspire 2) Levante os braços sobre a cabeça,
entrelaçando os poleares. Curve-se para trás,
olhe para cima, pés firmemente plantados no
chão.
Expire 3) Incline-se para a frente, mãos
separadas, mantendo os joelhos retos, mas sem
os tocar; mantenha a cabeça entre os braços,
colocando, se possível, as palmas das mãos
abertas sobre o chão.
permanece entre as mãos. Olhe para cima e para
trás. Estique e curve a coluna.
Expire 5) A perna direita é levada para trás para
encontrar o pé esquerdo. 0 corpo forma um arco.
Inspire 6) Toque o chão com os joelhos, depois o
peito e o queixo, em um movimento contínuo. As
palmas das mãos devem ficar na direção dos
ombros.

Prenda a
respiração 7) Abaixe a pelve e estique a cabeça,
pescoço e peito, olhando para cima e para trás.
Expire 8) Coloque a cabeça entre os braços,
levantando o corpo mais uma vez para formar
um arco.
Inspire 9) Empurre a perna esquerda para a
frente entre as mãos, com o joelho esquerdo
tocando o queixo. Olhe para cima.
Expire 10) Traga a perna direita para a frente,
esticando os joelhos. Volte para a posição 3.
Inspire 11) Estique-se para cima e para trás na
posição 2.
Expire 12) Abaixe os braços, uma as palmas das
mãos, como na posição 1.

Nota: Para acalmar uma mente inquieta, faça


lentamente. Para colocar em prontidão uma
mente entorpecida, faça rapidamente.
Saudação ao Sol

I .J A PY AO G A

A "Palavra" é uma das ferramentas mais


poderosas para transformar as suas percepções
das experiências da vida diária. Repetir uma
palavra ou frase associada à sua conscientização
espiritual que se aprofunda permanentemente
pode se tornar uma maneira constante de
"lembrar". A repetição de um nome, como RAMA
ou KRISHNA, que representam vários aspectos de
Deus, funciona desta forma. Ou de um mantra
como o tibetano OM MANI PADME HUM, que nos
lembra da jóia no lótus manifestado em nosso
coração.
Para ajudar a manter a continuidade da sua
palavra ou frase mântrica, muitas vezes é útil
trabalhar com um lembrete sinestésico como as
contas (chamado de mala, ou rosário).
Forneceremos a vocês um pequeno mala que
poderão utilizar para este propósito.
No início do trabalho com um mantra,
aconselhamos que dediquem um período de
tempo extenso para realizar somente o mantra:
três ou quatro horas pelo menos, preferivelmente
Anotem a experiência em seu diário. Para que a
sua mente permaneça livre para vagar sem as
garras da ansiedade social, combinem para não
partilhar o que viram um no outro. Está correto
partilhar o que vivenciam em si mesmos, se
preferirem.

EXERCÍCIO
Outra possibilidade seria ficar com uma outra
pessoa por várias horas em turnos assumindo o
papel de testemunha-repórter que tenta estudar
sem preconceitos a natureza sob a forma dos
processos do "outro". Como testemunha,
permaneçam em silêncio interior e simplesmente
notem como o outro ser funciona. Como o que é
observado, vivenciem a sua vida como ela se
mostra para um observador imparcial. Evitem
julgamentos.
Anotem a experiência em seu diário.

M. Mesa do Puja
Para desenvolver um Centro interior, uma
postura meditativa, ou conectando-se com o
núcleo do seu coração, será muito útil criar um
espaço silencioso externo onde vocês poderão se
refugiar para se recarregarem.
Para montar a mesa do puja, escolham um local
silencioso, que poderá ser um refugio. Vocês
chegam em casa se sentindo esbaforidos, zan-
poderão se sentar defronte da mesa do puja e se
Lembrar.
Tipicamente, representações de seres sagrados,
estátuas, flores, frutas, pedras ou conchas
especiais ou itens que associam ao local mais
elevado em vocês encontram-se sobre a mesa do
puja. Aqui vocês podem adorar Deus da maneira
como isso lhes abre o coração. Podem cantar,
meditar, oferecer alimentos, realizar uma
adoração ritualística com sinos, velas e mantras,
incenso, ou podem simplesmente descansar no
espaço que vocês e a mesa do puja criam juntos.
Podem preferir que haja somente uma
representação sobre a mesa. Buda, digamos, é a
sua conexão, o seu refugio, e uma estátua ou
quadro de Buda é tudo que desejam ou precisam
sobre o altar. Ou pode haver várias
manifestações de Uno que os atrai para aquele
lugar.
Uma mesa de puja é um bom lugar para realizar
um trabalho consciente sobre si mesmo e
também um local de adoração. Por exemplo,
vocês sentem um grande amor pelo Cristo e a
representação Dele está ali, bem no centro. Mas
Shiva é uma energia a qual vocês preferem não
se ligar — muito impetuosa. Coloquem uma
pintura Dele ou um lingam de Shiva simbólico (ou
um retrato de alguém com quem vocês sentem
uma dificuldade real de identificar) próximo da
representação do Cristo. Na atmosfera silenciosa
e de apoio em que entram enquanto se encon-
estabelecida e a relação entre a identidade do
Cristo e de Shiva será realizada. Possivelmente
vocês estão preocupados com o sexo. Trabalhem
então com uma representação de Maria, a Mãe
do Cristo ou de Anandamayi Ma, e talvez uma
foto pornográfica também (se pertencerem ao
sexo masculino desta vez) e mais tarde, durante
aquele dia, tentem sentir a essência divina em
todas as mulheres que encontrarem. Talvez
colocar uma foto de seus pais entre Cristo e Buda
seja um trabalho significativo para vocês neste
momento.
A estátua de Buda não é somente um símbolo de
Buda, ela é o Buda. Uma pintura do Senhor Rama
não é somente um pedaço de papel, mas uma
manifestação do verdadeiro espírito de Rama.
Compreendam isso, e depois, onde estiverem, se
transformem na sua mesa de puja, um lugar para
abrir o seu coração e sentir a presença do Ser
Supremo.
Não pelos Vedas, ou por uma vida austera, ou por
doações aos pobres ou por oferendas em rituais
posso ser visto como me vêem. Somente pelo
amor os homens podem me ver, e me
conhecerem, e virem a mim.
— Bhagavad Gita XI, 53,54

N. KARMA YOGA
Façam O que desejarem, porém consagrem o
- Krishna no Gita

Aquele que vê a inação que existe na ação,


e a ação que está na inação, é realmente sábio.
Mesmo quando está engajado na ação
ele permanece equilibrado na tranqüilidade do
Atman.
— Gita

As ações realizadas como um sacrifício ou


oferenda ou de forma desinteressada são o
componente central do Bhagavad Gita.
Consideramos esse yoga em sua totalidade
durante as conferências.
Para vivenciar o processo deste yoga, terão que
procurar em torno de vocês oportunidades de
servir como uma oferenda a Deus. Naturalmente,
no final vivenciarão cada ato (incluindo a
freqüência a este curso) como um exercício de
karma yoga. Entretanto, até que se tornem fami-
liarizados com a postura de um yogue cármico,
será melhor realizarem alguns exercícios
específicos. Tentem fazer pelo menos um
exercício específico de karma yoga por uma
semana durante o curso. Ao fazer anotações em
seus diários, vocês serão capazes de notar as
mudanças em seu modo de abordagem e na sua
apreciação da sutileza deste método ainda no
exíguo tempo em que estamos juntos.

EXERCÍCIO
1. limpem a grade de proteção da estrada
principal em torno de Boulder;
2. sejam um voluntário em hospitais
locais e/ou em asilos de idosos (em Boulder
ou Denver) oferecendo ajuda e lidando com
os pacientes. Leiam para pessoas cegas ou
mais idosas;
3. envolvam-se em alguma organização
voluntária local por um dia (centro de
reciclagem, cuidar de crianças).

Tentem escolher um projeto onde não caiam


imediatamente em seu antigo papel como
doador, isto é, façam algo que geralmente não
faz parte das suas atividades diárias. Se você é
uma pessoa primordialmente intelectualizada e
escolher um projeto que envolva uma atividade
manual, provavelmente será mais fácil lembrar
de ficar atento em oferecer as suas ações.
Realizem também algumas atividades que vocês
fazem regularmente todos os dias, mas com o
espírito do karma yoga. Escolham uma atividade
que geralmente "apreciam" e outra que
normalmente lhes "desagrada". Notem a relação
da postura do karma yoga com estes
acompanhantes colaterais emocionais da ação.

O Roteiro Suplementar
A. Meditação Vipassana
B. Meditação Consciente Sobre o
Alimento, por Joseph Goldstein
C. Meditações Budistas Durante as Refeições, por
Jack Kornfield
D. Meditação do Satsang
E. Como Usar o Mala
F. Os Chakras
G. O Yoga dos Psicodélicos

A. Meditação Vipassana 3

Estar com o universo, da maneira como ele é.


Sons, sensações no corpo, simplesmente
permitindo que cada sensação exista, sendo da
maneira como ela é. Algumas vezes a
consciência é atraída pelo som de um pássaro,
outras pelo resfriamento do corpo, outras pela
dor, e em outros momentos pelo pensamento.
Simplesmente notem a sua consciência pulando
de sensação para sensação, de pensamento para
pensamento. Se experimentarem algum
desconforto, movimentem ligeiramente o corpo,
notando a intenção de se mover, e depois
movendo.
Percebam que a consciência é como um raio de
luz, e que este raio focaliza agora um local,
depois um outro. Algumas vezes ele fica focali-
zado sobre a superfície do corpo, e em outros
momentos sobre uma memória fugaz ou um
plano. Em outras vezes a consciência é atraída
por um som, quando o raio de luz focaliza o som.
Cada pensamento e sensação surge e atrai a sua
consciência para ele, e logo ela passa para
alguma outra coisa.
Deixem a consciência se mover — de uma coisa
para outra. Observem que a sensação de um
momento atrás agora já se foi. O pensamento
que vocês podem ter tido dois minutos atrás —
onde está ele agora? A consciência já se moveu
para outra coisa.
Um dos processos na meditação é a
concentração, que significa, muito simplesmente,
trazer o raio de luz da consciência para um ponto
e deixar que ela repouse sobre esse ponto; e a
cada vez que ela se afastar, trazê-la muito
gentilmente de volta. Somos capazes de utilizar
quase qualquer ponto para a concentração;
algumas vezes a chama de uma vela, ou um
ponto no centro da testa. Aqui neste caso,
estaremos utilizando um dos pontos tradicionais
de focalização: a respiração. Mas a respiração
completa será muito complexa para ser seguida,
por isso destaquem um componente bem
diminuto, uma pequena sensação que acontece a
cada respiração. Existem dois locais em que
poderão fazer isto. O primeiro é focalizar a ponta
do nariz, dentro da narina. Vocês notarão que a
cada inspiração haverá a sensação do ar contra a
parede interna da ponta da narina, e que a cada
saída do ar haverá novamente a sensação do ar
passando por dentro da narina. Vocês poderão
como "inspirando", e a cada expiração notem
como "expirando".
O ponto alternativo para a focalização é o
abdômen; dentro do abdômen existe um músculo
que vocês podem sentir elevando-se a cada
inspiração e baixando a cada expiração. Quando
ele subir, notem como "subindo", e quando
descer, notem como "descendo". Após ter experi-
mentado por alguns minutos estas duas opções,
escolha uma delas e pelo restante da meditação
permaneçam com esta escolha em particular —
seja ela "inspirando/expirando" na ponta do nariz
ou "subindo/descendo" no abdômen.
Este ponto é agora chamado de seu objeto
primário. Ele se torna como o centro de uma flor:
permitam que a sua consciência repouse neste
centro, na ponta do nariz ou no abdômen; e a
cada vez que a sua mente, a sua consciência, for
afastada deste objeto primário — para um pensa-
mento ou sensação — percebam que ela se
afastou e muito gentilmente retornem a sua
consciência para o objeto primário.
A meditação é uma arte muito gentil. Vocês
descobrirão que o objeto primário se torna como
um lar, uma caverna, e após algum tempo vocês
se contentam em permanecer somente com a
respiração, fornecendo à consciência um repouso
de todas as suas andanças e saltos aqui e ali.
É um bom auxílio nos primeiros estágios notar
silenciosamente a "inspiração" e a "expiração" ou
o "subindo" e "descendo". A cada vez que a
volta para o subindo/descendo ou para o
inspirando/expirando.
Se vocês estão iniciando na meditação,
perceberão como a mente resiste em
permanecer focalizada em um ponto. São anos
de liberdade indo e vindo. É necessário um
processo muito lento e paciente para treinar a
consciência a permanecer no objeto primário.
Vocês devem ser gentis consigo mesmos.
Se a sua consciência for atraída por uma dor,
sintam a "dor" e depois retornem para o objeto
primário. Se a dor persistir, talvez prefiram fazer
dela o seu objeto primário e simplesmente
observá-la da maneira mais precisa que
conseguirem. Para evitar que a mente vagueie,
mantenham- na na dor. Quando a dor se
dissolver, retornem novamente para a res-
piração.
Se sentirem sonolência, façam algumas
inspirações profundas notando-as com bastante
atenção como "subindo/descendo" ou como
"inspirando/expirando" e depois retornem
novamente para o ritmo natural da respiração.
Pensamentos que surgem sobre a meditação ou
sobre a capacidade de realizar a meditação são
somente julgamentos, somente pensamentos
que estão afastando a sua consciência; observem
o aparecimento deles e depois retornem
novamente para o "inspirando/expirando" ou
para o "subindo/descendo".
Examinem a respiração em relação ao seu ponto
e fim dele. Observem o espaço após a inspiração
antes da expiração começar. Depois no
"expirando" ou "descendo" percebam toda a
exalação — o começo, meio e fim dela. Notem o
espaço entre a exalação e a próxima inalação.
Durante essec poucos minutos de meditação,
vocês não terão outra preocupação além de
permanecer atentos à respiração. Vocês estarão
liberados de planejar, lembrar ou reunir
sensações. Simplesmente fiquem relaxados junto
com a respiração. Sons, sensações, pensamentos
— são cada um como uma pétala de flor que
afasta a consciência do seu centro. Percebam
todos, e retornem novamente para o centro.

No FINAL DE CADA meditação será bom


aproveitar qualquer que seja o nível de
tranqüilidade que vocês atingiram e permitir que
esta abertura os transforme em um canal para
trazer mensagens de paz e luz para o universo.
Talvez desejem oferecer esta "Meditação Metta",
ou bênção, para isso:

Que todos os seres estejam livres do perigo


Que todos os seres estejam livres do sofrimento
mental
Que todos os seres estejam livres do sofrimento
físico
Que todos os seres conheçam a paz.
Om
B. MEDITAÇÃO CONSCIENTE
SOBRE O ALIMENTO
Por Joseph Goldstein
Uma maneira para permanecer centrado no nível
vivencial mais do que no nível de pensamento ou
conceitual é desenvolver uma atenção muito
concentrada de todo o processo que envolve o
ato de nos alimentarmos. Recebemos muitas
revelações sobre as nossas próprias mentes e
corpos quando aprendemos a comer com
consciência, a comer conscientemente. Primeiro,
começamos a distinguir aquele ponto em que o
desejo aparece. Tornamo-nos, então, conscientes
do desejo e das nossas ações subseqüentes.
Quando observamos os processos envolvidos,
poderá haver um insight profundo e penetrante
do fato de que tudo são fenômenos impessoais
acontecendo. Não existe um ser, ou eu, ou meu
no alimento, não existe um ser ou eu no ato de
comer, ou na conscientização do comer. Tudo é
um processo vazio, impessoal, acontecendo.
Comer de modo meditativo é uma prática
profunda, pois é possível atingir estados
elevados de samadhi e até de iluminação no
próprio processo de comer. Tem havido inúmeros
casos em centros de meditação, ou em locais
onde pessoas a estão praticando em um grau
muito elevado, em que no próprio processo de
levantar a mão alguém pode entrar em samadhi
e sua mão permanecer levantada no meio do
no seu mestre — as coisas que o fazem parecer
não-iluminado." Eu disse: "Ah, é assim?" E ele
respondeu: "Porque, se não fosse por essas
imperfeições, você ficaria iludido ao pensar que o
Buda estaria fora de você mesmo."
O equilíbrio da mente é a chave. Quando existe
um desequilíbrio muito forte, vocês precisam de
um medicamento forte para equilibrá-la. Alguns
de nós realmente empreendemos viagens
gastronômicas, jantares de Ação de Graças,
visitas noturnas à geladeira, e picles, azeitonas,
tortas e todas essas coisas maravilhosas. E, para
equilibrar, uma outra meditação que pode ser
usada é contemplar sobre a repulsa verdadeira
ao alimento. Considerem: os benefícios da
meditação sobre a repulsa ao alimento são que
vocês realmente começam a conhecer a
natureza do alimento e do processo. A sua
conscientização cresce. Vocês compreendem a
luxúria em vocês, e são capazes de soltá-la. A
meditação sobre a repulsa do alimento começa
com a contemplação sobre a obtenção. Então
pensem: se vocês ainda comem carne, sobre os
animais e suas carcaças, e sobre a carne e o
sangue e a gordura, e os sucos desagradáveis
que escorrem quando os corpos dos animais são
abertos. Ou, se vocês não comem carne, pensem
no alimento que surge da terra, e até na sujeira
da própria terra, no excremento das vacas e dos
cavalos, na sujeira de todos os tipos.
E nesta sociedade eles tentam manter o seu
rançoso e mofado, ou podre e fétido, e limoso e
fermentado.
E a meditação para os monges como descrita nas
escrituras é: ele come o seu alimento, mergulha
sua mão na tigela e amassa o alimento com os
dedos, "e o suco doce que desce dos seus cinco
dedos umedece qualquer alimento tostado que
possa haver e o ensopa, e quando a sua
aparência fica desfeita por ter sido amassado, ele
vira uma bola que é colocada em sua boca, os
dentes inferiores como um almofariz e os
superiores como um pilão e a língua como uma
mão, ele é triturado ali com o pilão dos dentes,
como a comida de um cão em uma gamela de
um cão, enquanto a revira com a língua. E,
então, a saliva grossa na ponta da língua o
desmancha, e os resíduos dos dentes nas partes
onde a escova não alcança se misturam com ele.
Então, assim desfeito e lambuzado, este
composto peculiar, agora destituído da sua cor e
odor originais, fica reduzido a uma condição
profundamente nauseante como o vômito de um
cão em uma gamela de um cão. Mas apesar de
não ser assim, ele ainda pode ser engolido
porque não pode mais ser visto pelos olhos. E,
para onde ele vai? Ele é engolido por alguém que
tem 25 anos de idade, ou trinta anos; ele desce
para um local parecido com uma fossa, não
lavada por 25 ou trinta anos". E um remédio bem
forte, mas que equilibra de modo muito eficaz as
paixões e desejos que vêm junto com o gosto
Portanto, o alimento não é aquilo que parece ser.
A prática mais elevada, o local onde este
equilíbrio inicial se desenvolve, é a prática da
conscientização vipassana. É a observação plena
de todos os processos da mente e do corpo que
estão envolvidos no ato de comer, como eles
mudam de momento em momento: os
pensamentos, as percepções, sentimentos e
sensações da forma, Para citar o Buda: "O mérito
de servir mil refeições para toda a ordem dos
monges com o Buda à sua frente não se compara
com aquele que desenvolve a visão clara do
surgir e cessar dos fenômenos em somente um
momento."

D. MEDITAÇÃO DO SATSANG
Satsang significa reunir-se na Verdade. A beleza
de estar em um satsang é que vocês estarão
partilhando de um contrato com uma outra
pessoa que ajudará ambos a irem para Deus. Isso
significa que vocês estarão ambos trabalhando
conscientemente para ver um ao outro como
almas.
A melhor maneira de ver uma outra pessoa como
uma alma é simplesmente parar para ver. É algo
para ser vivenciado, não para ser comentado. É o
lugar onde as nossas diferenças individuais
parecem como um cenário e não mais como um
personagem. Se vocês têm amigos espirituais em
quem confiam, aqui está uma pequena
colaboração de um satsang que poderão tentar
juntos. É como um exercício de meditação a dois.
Sentem-se diante um do outro. Procurem ficar
confortáveis; façam algumas inspirações lentas.
Não falem um com o outro — este não é um
encontro social. Não "falem" também com as
suas expressões — esqueçam quanto a sorrir,
fazer gestos com a cabeça ou expressões faciais.
Simplesmente sentem-se e olhem para a outra
pessoa.
Focalizem um ponto entre os olhos um do outro
de modo que possam ver os dois olhos ao mesmo
tempo. Agora permaneçam sentados desta
maneira, com os olhos focalizados, digamos, por
uma meditação de trinta minutos. Relaxem,
permaneçam sentados e deixem tudo acontecer.
Permitam-se ver todas as coisas que surgirem na
outra pessoa, experimentem todos os
sentimentos que tiverem ao serem olhados com
tanta intensidade por uma outra pessoa.
Continuem a olhar.
Logo vocês começarão a ver o rosto da outra
pessoa mudar. Ocasionalmente, ele ficará muito
belo, e outras vezes, horrível. Em ambas as
vezes não permitam que surja alguma reação em
vocês. Não deixem que isso os atraia —
simplesmente firmem os olhos e digam: "Isso
também.
Isso também." Observem as suas dez mil visões
horríveis e as suas dez mil visões maravilhosas, e
soltem todas. Simplesmente continuem a olhar, e
Após um tempo, descobrirão que todo esse
"material" começará a mudar. Começará a ser
mais um fundamento do que uma figura. O bom,
o mau, o belo, o feio, tudo desfilará e vocês
verão cada vez mais fundo até que estarão
olhando simplesmente para um outro ser que
está olhando de volta para vocês. Vocês serão
uma alma reconhecendo uma alma.
Este é um tipo de brincadeira que poderão fazer
quando estiverem em um SATSANG com seus
colegas.

E. COMO USAR O MALA


Um mala é um fio de contas usado para cantar os
nomes de Deus. É igual às contas de oração ou a
um rosário. Um mala hindu tem tipicamente 108
contas (108 é considerado um número sagrado
no hinduísmo) ou 27 contas (que é um quarto de
108). Além das 108 ou 27 "contas de girar", um
mala possui geralmente uma conta adicional
chamada "conta do guru" que pende
perpendicular ao círculo das contas de girar.
Um mala hindu é geralmente trabalhado com a
mão direita. Ele é mantido repousando sobre o
terceiro dedo da mão direita, e as contas são
passadas na sua direção, uma a uma, utilizando-
se o polegar. Cada conta recebe uma repetição
do mantra. Quando se atinge a conta do guru, ela
não recebe o mantra e você não passa por ela;
você pára ali, inclina-se mentalmente para o
ponta. A cada vez que você atinge a conta do
guru, você desperta um pouco mais e volta por
onde veio.
Para os que são canhotos (como eu): na Índia
você seria inclinado a usar a mão direita de
qualquer maneira devido a certas tradições cultu-
rais. Os tibetanos, por outro lado, não seguem
essas regras; eles utilizam seus malas com
ambas as mãos e com qualquer dedo. Na
tradição hindu você pode usar qualquer dedo da
mão direita para segurar as contas, exceto pelo
primeiro dedo, que é o dedo que aponta ou
"acusa"; não se utiliza este dedo. A razão pela
qual a maioria das pessoas utiliza o terceiro dedo
é que por ali passa um nervo pela parte interior
daquele dedo que está ligado à medula e por isso
você consegue um benefício extra com a prática.
É semelhante a um ponto da acupressura, e
adiciona uma pequena carga extra de energia ao
processo.
Para entoar um mantra não é necessário usar o
mala; o mala está ali somente para adicionar
uma outra dimensão à prática. Além de repetir o
mantra, e ouvir o mantra enquanto o repete, o
processo se torna também tátil. Se você deseja
uma análise psicológica do uso de um mala,
podemos dizer que é uma "ferramenta de
sugestão sinestésica". Sem ele, você poderá
repetir o mantra e se perder fazendo uma
repetição mecânica. Mas se sentir
repentinamente a conta entre os seus dedos, isso
como os degraus de uma escada que você sobe
em direção a Brahman.

F. OS CHAKRAS
O sistema dos chakras funciona dentro da
estrutura de energia dos nossos corpos; embora
os próprios chakras operem a nível astral, eles se
expressam através dos padrões de energia dos
nossos corpos. Diz-se tradicionalmente que
existem sete chakras, começando com o
muladhara na base da coluna e terminando com
o sahasrara no alto da cabeça. Os chakras não
são formas físicas; se parecem mais com focos
de energia e estão localizados ao longo do
sushumna, que é um tipo de medula espinhal a
nível astral. Diz-se que o sushumna percorre o
centro da medula espinhal, mas não pode ser
visto em um raio X. Da mesma forma, "ida" e
"pingala" são os "nervos" do sistema, correndo
ao lado do sushumna, mas não são nervos que
possam ser dissecados em uma aula de
anatomia. São todos entidades astrais.
A energia que se move através do sushumna é
conhecida como "kundalini", que significa
literalmente "a que está enrolada". A energia
kundalini é visualizada como uma serpente
enrolada, que reside na base da coluna, até que
alguma coisa — algo em nossas práticas ou no
curso da evolução — a faz começar a desenrolar
e subir pelo sushumna. Com isso, ela passa por
O primeiro chakra, o muladhara (que fica na
base da coluna entre o esfincter anal e os
genitais) é primordialmente ligado às funções de
sobrevivência. O segundo chakra, svadishtana,
é o chakra sexual. O terceiro chakra, que é
chamado de manipura, está localizado na área
próxima ao umbigo, no plexo solar; acredita-se
que esteja ligado às expressões do poder do ego.
O quarto chakra é chamado de anáhata, ou
chakra cardíaco, e está ligado à compaixão. O
quinto chakra, o visuddha, localizado na
garganta, está ligado com a introspecção voltada
para Deus, e portanto com o desenvolvimento da
"voz verdadeira", o som divino que fala através
de nós. O sexto chakra, que é chamado de ajna,
está localizado no centro da testa; é geralmente
chamado de chakra do terceiro olho, e está
ligado ao guru interno e à sabe- dória superior. E,
finalmente, o sétimo chakra, o sahasrara, no alto
da cabeça, é o lótus de mil pétalas, da
iluminação, da imersão em Brahman.
Quando a energia kundalini se desenrola e sobe
pela coluna, ela passa por cada um desses
chakras, através do foco de cada forma de
energia. A kundalini irradia do sushumna a cada
nível do chakra e energiza, ou ativa, cada um
desses campos de energia física/psicológica. Mas
se, quando a kundalini começar a subir, chegar a
um centro que esteja bloqueado, a energia
penetrará como alguma forma de
comportamento. É como água escoando por um
segundo chakra; a tradução do nome do segundo
chakra, que é o chakra sexual, é "sua estação fa-
vorita" — referindo-se à kundalini. É um tipo de
Riviera francesa do mundo dos chakras; a
kundalini chega ali e decide permanecer de férias
por um tempo. Ou talvez contorne os baixios e
chegue ao terceiro chakra, fica presa nas
necessidades do poder do ego e não consegue
prosseguir.
No mundo real, o processo não é tão tranqüilo e
ordeiro como parece. Não é passar pelo primeiro
chakra e depois ir para o segundo... e ao termi-
nar com o segundo prosseguir para o terceiro e
assim por diante. Todos recebem um pouco de
tudo o tempo todo, mais bloqueado neste chakra,
menos naquele. Quando vocês ficam mais
esclarecidos quanto ao sistema dos chakras,
começam a acessar os seus próprios atributos
em termos do movimento da kundalini: "Ainda há
muita energia parada no meu segundo chakra,
mas o meu quarto chakra está começando a
abrir."
Trabalhei com algumas energias do sistema dos
chakras e, ocasionalmente, quando estava
sentado conversando com alguém, de repente eu
via um mapa vivo dos chakras bem ali na minha
frente. Via os vários chakras, todos enviando
energia: "bzzt, bzzt, bzzt" — algo como "luxúria,
luxúria, luxúria", ou "poder, poder, poder", ou
"compaixão, compaixão, compaixão". Ou via que
nada saía do chakra do coração, mas o terceiro
A kundalini é despertada de várias maneiras.
Swami Muktananda tinha a capacidade de dar
um shaktipat, um golpe direto de energia que
despertava a kundalini. Isso exercia os efeitos
mais estranhos sobre as pessoas. De repente,
alguém levantava e começava a dançar —
alguém que você nunca esperava que se
comportasse desta maneira; um senhor gorducho
vestido com um terno de sarja azul em estilo
conservador, por exemplo, levantou e começou a
realizar uma incrível dança indiana. E o homem
ao lado dele, que parecia ser um professor, com
sua jaqueta de tweed e o cachimbo pendurado
na boca, de repente começou a fazer mudras —
mudras complexos, belos, perfeitos — e as suas
feições revelavam total perplexidade. Alguém
iniciou uma respiração automática e golpeou o
chão como uma bola de praia. O local começou a
lembrar o pátio dos fundos de um hospital de
doenças mentais.
Enquanto isso, Swami Muktananda ficava
sentado, com os olhos fechados, tocando sua
ektara. Mas a sua presença era como um raio de
energia, ativando a kundalini, os centros de
energia em todas as pessoas à sua volta. O
shaktipat — sua doação de shakti — fazia a
kundalini começar a se desenrolar, e
dependendo de onde os chakras estavam
bloqueados, a energia surgia sob diferentes
manifestações de comportamento. Um pequeno
bloqueio aqui e outro ali, essa combinação o faria
compreenderem o sistema, poderão fazer uma
lista de quem tinha qual chakra bloqueado.
Se vocês se sentirem atraídos para trabalhar com
os sistemas de energia, poderão decidir explorar
o trabalho com estas energias dos chakras.
Existem maneiras diferentes de fazê-lo. Poderão
tentar através da meditação, por exemplo —
poderão visualizar as energias chegando em
cada chakra até o alto da sua cabeça. Ou talvez
prefiram trabalhar com um outro tipo de exer-
cício de visualização, como um mandala das
tradições tibetanas. Em algumas outras
tradições, vocês receberão um mantra específico,
um "bija" ou som-semente, para abrir um
determinado chakra. Poderão usar o
pranayama, um método que trabalha com o
controle da respiração para mover a energia de
chakra em chakra. Cada uma delas é uma
técnica que trabalha de modo específico para
despertar a energia da kundalini. Poderão
tentar e trabalhar com elas e verificar como
afetam as energias dos chakras e de que
maneira isso interage com as suas outras
práticas espirituais.

G. O YOGA DOS PSICODÉLICOS


Em primeiro lugar, gostaria de dizer que nunca
recomendei a alguém que usasse os psicodélicos
como um meio para alterar a consciência. Mas se
alguém me procurar e disser "Vou tomar uma
deveria estudar para saber sobre o método que
irá usar para que possa entrar nele com a
intenção dele ser um yoga para você, um
caminho para a união."
A situação que encaramos no momento é que a
maioria das substâncias psicodélicas atualmente
é ilegal. Quando as pessoas me perguntam o que
penso sobre a política do governo em relação aos
psicodélicos, sempre respondo que o mais
razoável a fazer quanto a essas substâncias que
alteram a consciência humana é educar as
pessoas e não policiá-las. Trata-se realmente de
bom senso preparar as pessoas para uma
experiência psicodélica, talvez até para licenciá-
las, da mesma maneira como agimos antes de
permitir que alguém dirija um veículo. Mas não
devemos proibir ninguém de usar qualquer
substância que escolher. É preciso respeitar o
direito dos outros seres de alterar e explorar a
sua própria consciência à maneira deles. Esta
deveria ser a liberdade humana básica.
Entretanto, no momento não é assim. E, se
utilizarmos os psicodélicos, será em uma
atmosfera na qual não poderíamos realmente
preencher os critérios de Maharajji de "sentir
muita paz". Em nossas mentes, haveria a
paranóia inevitável que surge de trabalhar com
algo que é ilegal; isso significa que deve existir
sempre uma certa parte diminuta da nossa
consciência que precisa ficar ilesa para "observar
a distorção", para colocá-la em palavras. Esse é o
cuidar do cenário no plano físico para que
possamos relaxar e concentrar para realizarmos
o nosso trabalho interior.
Considerando os psicodélicos, a primeira etapa a
compreender é que existe toda uma gama de
substâncias que partilham este nome, e que pos-
suem potências muito diferentes. Algumas são
brandas; a maconha é o principal exemplo dessa
categoria. Os psicodélicos brandos abrem as
possibilidades, mas não invadem a
personalidade. Por outro lado, os psicodélicos
mais pesados — como a mescalina, ou a
psilocibina, ou o LSD — provavelmente anularão
nossos padrões de pensamento de modo bem
poderoso. Se não estivermos preparados para
isto, as coisas podem se complicar. Se não
tivermos entrado fundo na prática do jnana, com
alguma compreensão do que está acontecendo
conosco, ficaremos em pedaços quando toda
estrutura da nossa existência começar a ruir. Por
isso é importante ler, estudar e avaliar antes
para podermos manter os pés no chão durante
as experiências quando elas começarem a acon-
tecer em nós.
Aqueles de nós que já embarcaram em viagens
psicodélicas sabem que existem dois pontos nas
sessões onde os problemas podem surgir. O
primeiro é na subida, quando descobrimos o
mundo e nós, que estamos nele, nos dissolvendo
por inteiro. Essa foi a viagem no motel do Kansas
que descrevi (ver página 191): "Socorro, estou
O outro ponto que pode ser devastador é a
reentrada, quando começamos a voltar e vemos
a cena chocante para qual estamos retornando.
Isso pode nos conduzir para um parafuso quando
tentarmos fugir de nossas vidas e nos
pendurarmos nas alturas. Contudo, em geral
quando voltamos, essas são exatamente as
experiências que nos motivam a limpar nossos
atos. É somente uma parte do processo ver o
espetáculo de horror que criamos para nós
mesmos, sem contar com a nossa ignorância, e
ele se torna um incentivo para realizarmos as
práticas de purificação e todas as outras
também. Então, poderemos ficar um pouco mais
abertos para a próxima sessão.
É extremamente útil, especialmente em uma
primeira sessão, ter alguém próximo que tenha
experiência, alguém silencioso e tranqüilo,
alguém com quem vocês se sentem bem e
seguros. Se isso não for possível, tentem ter
alguma coisa, como uma música que gostam e a
qual se entregam, algo que seja familiar e
confortável. E sempre tomem o psicodélico em
um lugar onde exista o mínimo de paranóia e
onde vocês possam ter certeza de que não serão
incomodados.
Estejam abertos em seu coração para cada
momento, e façam somente o que acharam que
está inteiramente certo. Digamos que vocês e
alguns amigos têm uma sessão planejada para o
sábado à noite; todos estão prontos, mas têm
sensação. Aguardem. Esperem até que o
momento seja totalmente "certo". Ouçam
cuidadosamente o seu próprio coração; se
acharem que o uso dos psicodélicos deve ser
uma parte da sua prática, então façam uso deles,
porém de modo bem consciente.

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