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Princípio e Fundamento 3 –

Tanto / Quanto, Indiferença [23]


Meditação
Vamos nos concentrar agora na conclusão do
Princípio e Fundamento de que já tratamos, ou seja,
que Deus é Deus e o homem é criado para Deus e
todas as outras coisas são criadas para o serviço do
homem; Santo Ignácio termina com duas conclusões
práticas sobre as quais meditaremos nesta ocasião.
Coloque-se na presença de Deus
Oração preparatória: [46] “pedir a graça de Deus
Nosso Senhor para que todas as minhas intenções,
ações e operações sejam puramente ordenadas ao
serviço e louvor de sua divina majestade”.
Oração
Inspirai, ó Deus as nossas ações e ajudai-nos a
realizá-las, para que em vós comece e para vós
termine tudo aquilo que fizermos. Por Cristo nosso
Senhor. Amém. [1]
História: [23]

[1] Liturgia das Horas. Volume III. Tempo Comum. Saltério. I Semana. Se-
gunda-feira – Laudes. pág. 649.
Liturgia das Horas. Volume IV. Tempo da Quaresma. Quinta-feira depois
das Cinzas – Laudes. pág. 53.
Missal Cotidiano – Missal da Assembleia Cristã. 4.ª ed. Paulus, 1997.
pág. 170. Oração da Quinta-feira depois das Cinzas.

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a) Tanto / Quanto: “De onde se segue que o
homem deve usá-los [criaturas] tanto quanto eles o
ajudam para seu fim, e tanto quanto ele deve se
distanciar deles quanto eles o impedem de fazendo
isso.”
b) A indiferença: “Por isso é necessário nos
tornar indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo
o que é concedido à liberdade do nosso livre arbítrio e
não é proibido; de tal maneira que não queiramos de
nossa parte mais saúde do que doença, riqueza do que
pobreza, honra do que desonra, vida longa do que
curta, e o mesmo em tudo o mais; apenas desejar e
escolher o que é melhor nos leva ao fim para o qual
fomos criados”. [23]
O importante é amar a Deus sobre todas as coisas,
amar o próximo e buscar nos salvar.
Petição: Pedir a graça de compreender os ensina-
mentos de Jesus e corresponder com o coração e as
forças à luz e orientação que Ele mesmo nos dá.
Oração
Ó Deus, sois o amparo dos que em vós esperam e,
sem vosso auxílio, ninguém é forte, ninguém é santo;
redobrai de amor para conosco, para que, conduzidos
por vós, usemos de tal modo os bens que passam, que
possamos abraçar os que não passam. Por nosso Sen-
hor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito

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Santo. [2]
1. Jesus Cristo meu Mestre.
a) Ele é quem nos ensinou as qualidades essen-
ciais para identificar o seu Pai e não o confundir com
outro: é “...Pai que está nos céus” (Mt 5,16), “...Deus é
espírito ....” (Jo 4,21-24), é “...Criador...” (Mt 19,4), é
providente (Mt 6,25-32), “...conhece o secreto...” (Mt
6,6), é misericordioso (Lc 6,36, Lc 15), “...para Deus
tudo é possível...” (Mt 19,26)… etc . Também nos en-
sina que devemos amar este Deus verdadeiro e não
outro “… Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração ...”. (Mt 22,37-38)
b) Ele também nos disse claramente que dois sen-
hores não podem ser servidos ao mesmo
tempo: “Ninguém pode servir a dois senhores,
porque odiará um e amará o outro, ou se interessará
pelo primeiro e desprezará o segundo. Não podeis
servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Jesus menciona
dinheiro, mas em vez de “dinheiro” podemos colocar o
nome de qualquer um dos bens criados em que pode
residir o nosso fim, aqueles que podemos estar
amando mais do que a Deus.
c) Adverte-nos: “Que adianta ao homem ganhar

[2] Liturgia das Horas. Volume III. 17.ª Semana do Tempo Comum. Pág.
489.
Missal Dominical – Missal da Assembleia Cristã. 4.ª ed. Paulus, 1995.
pág. 758.
Missal Cotidiano – Missal da Assembleia Cristã. 4.ª ed. Paulus, 1997.
pág. 602.

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o mundo inteiro se perder a sua alma? E o que um
homem pode dar em troca de sua alma? (Mt 16,26).
Quando o homem coloca outra coisa que não Deus
como fim de sua vida, servindo mais a ela do que a
Deus, ele perde sua alma. Sendo a alma a coisa mais
valiosa que o homem tem para dar, seus movimentos
devem ser voltados para alcançar sua salvação.
d) Por isso nos ensina a buscar primeiro o fim,
e depois aquilo que o faz terminar: “… buscai
primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as
outras coisas vos serão dadas por acréscimo”. (Mt
6,33)
2. Tanto / Quanto: aproximar ou separar.
Tenho que usar as criaturas que me conduzem a
Deus, meu fim; e também separar-me das criaturas
que me distanciam de Deus.
a) Recebi alguns talentos para gerir (Mt 25,14-30).
“Talento” não se refere a uma qualidade especial, mas
a qualquer benefício de Deus. Tudo é um dom, tudo é
um talento que Deus me oferece para me unir a Ele.
“Tudo o que você tem, seja conhecimento ou
beleza, você deve referir tudo a Deus e usá-lo para a
glória dele.”
“Deus fez tudo para o homem, para que o homem
governasse tudo na terra e se submetesse a Deus. Por
isso devemos dominar e ser senhores das coisas; e
obedecer e servir a Deus, para que assim possamos
um dia desfrutar de Deus”.

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b) Jesus, que via com clareza o valor de cada
coisa, ensina-nos também a cortar, a arrancar pela
raiz as coisas que me levam a pecar, que me levam a
distanciar-me de Deus. “… se o teu olho direito te faz
tropeçar, arranca-o e lança-o fora; melhor te é que se
perca um dos teus membros, que todo o teu corpo não
seja lançado na Geena. E se a tua mão direita te faz
tropeçar, corta-a e lança-a fora, melhor te é que se
perca um dos teus membros, do que todo o teu corpo
não vá para a Geena”. (Mt 5,29-30)
3. Um episódio triste…
Devemos levar em conta que também existem out-
ras coisas que, embora sejam boas, nos impedem de
amar nosso Senhor Deus de todo o coração porque
não terminamos de nos livrar delas, caso que Jesus
nos apresenta no evangelho é o jovem rico. (Mt 19,16-26)
a) O jovem rico se aproxima de Jesus. Ele tinha
boas intenções, tinha um comportamento exemplar
desde pequeno, interessava-se pelo que mais tinha
que fazer para alcançar a vida eterna. Mas, seu
coração não era livre, não estava disposto a abrir
mão de sua riqueza, faltava-lhe aquele domínio sobre
as coisas chamadas “indiferença”, um coração de-
sapegado das coisas.
b) A indiferença indica falta de afeto. Não se ref-
ere ao sentimento, à sensibilidade, mas aos afetos da
vontade (o querer da vontade). O amor ou a afeição
pelas coisas às vezes surge espontaneamente sem que

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percebamos.
A indiferença consiste em não ter um apego desor-
denado às coisas (vida longa ou curta, saúde ou
doença, pobreza ou riqueza, honra ou desonra, etc.),
exceto enquanto elas nos conduzem a Deus. Isto é de
vital importância: quem não for indiferente será lev-
ado pelo amor às criaturas, não será um servo de
Deus, mas um escravo da sua paixão pelas
coisas.
c) A indiferença parece dura, mas é apenas na
aparência. Se nos amarrarmos às coisas de forma des-
ordenada, ainda teremos cruzes, mas sem o amparo
de Deus para carregá-las; serão cruzes estéreis. Por
isso devemos escolher o meio mais eficaz, não aquele
que mais gostamos, mas aquele que verdadeiramente
nos une mais a Cristo, e este meio é a cruz. Na frase de
Santa Teresa, a indiferença é “um certo domínio sobre
as coisas e sobre si mesmo”. Somos chamados a ser
príncipes, senhores, não escravos. Chamados a:
“...liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8, 21), que têm o
“espírito de um príncipe” (ou princesa), ou seja,
aquela pessoa que é guiada pelo “Princípio” (do
príncipe) Princípio e Fundação.
d) Meu fim é Deus, para isso devo passar pelas
criaturas, e a disposição interior de ir se chama in-
diferença.
A imagem do Evangelho a este respeito é o tesouro
escondido: “O Reino dos céus é semelhante a um

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tesouro escondido num campo que, quando um
homem o encontra, volta a escondê-lo e, pela alegria
que lhe dá, vai e vende. tudo o que tem e compra
aquele campo”. (Mt 13,44)
“Reino dos céus” significa: Deus, sua graça, Jesus
Cristo, é o Tesouro. “Tesouro”: acúmulo de riqueza co-
letada. “Oculto”: não é visível nem palpável. Qual é o
meu tesouro? Jesus procurava apenas agradar ao Pai:
“Aquele que me enviou está comigo; não me deixou
só, porque faço sempre o que lhe agrada” (Jo 8, 29).
Muitas vezes buscamos outro tesouro: nosso próprio
eu, nosso próprio gosto, nossa própria vontade, nosso
próprio julgamento, nossa própria honra... aí está o
nosso coração. Podemos nos perguntar: Deus é real-
mente meu tesouro? Existem outras criaturas ou
coisas que eu amo mais ou valorizo mais?
e) Santo Inácio nos lembra que devemos nos
tornar indiferentes, é algo que deve ser pedido e pelo
qual devemos trabalhar muito. Jesus ensina-nos que a
indiferença é a atitude de quem encontrou a “pérola
preciosa” que procurava: “… o Reino dos céus é
como um comerciante que procura pérolas finas e,
quando encontra uma pérola de grande coragem, vai,
vende tudo quanto tem e compra” (Mt 13, 45-46). O com-
erciante vende tudo, é um grande negócio! O exemplo
é válido: uma pessoa interessada no lucro, na ganân-
cia, que o desejo domina sua vida, sua forma de agir,
seu falar... Somos mercadores do Reino dos céus em
busca da pérola preciosa.

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Mas trata-se de nos fazermos todos os dias… Não
basta se ontem, com a graça de Deus, pude
colocar Deus em primeiro lugar e as outras
pessoas, atividades, coisas… no lugar que
corresponde, também é preciso esforço e ordenação de
nossos afetos para nos tornar realmente indiferentes.
Deus deve ser o “primeiro a ser servido”. [3]
Colóquio: Diálogo com Deus, como um amigo com
seu melhor Amigo, como um filho com seu Pai. Pedir a
graça de reconhecer o valor das coisas, que todas são
criadas para o meu serviço, são os talentos que ele me
dá para gerir.
Pedir a graça de reconhecer a que coisas não sou
indiferente, pedir domínio sobre as coisas. Se tem algo
que está me afastando de Deus, peça forças para cor-
tar, arrancar. Peça a graça de “vender tudo”, para
adquirir a “pérola preciosa”.
Oração de São Nicolau de Flüe
Meu Senhor e meu Deus, tirai-me tudo o que me afasta
de vós.
Meu Senhor e meu Deus, dai-me tudo o que me aprox-
ima de vós.
Meu Senhor e meu Deus, desprendei-me de mim mesmo
para doar-me por inteiro a vós. [4]
Pedimos isso com a ajuda de Nossa Mãe, que sempre es-

[3] Cat.I.C. 223. Santa Joana d’Arc, Dictum.


[4] Cat.I.C. 226.

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colheu a vontade de Deus, preferindo-a a todas as coisas: “…
faça-se em mim segundo a sua palavra! …” (Lc 1,38).
Que ela nos ajude a não ter medo de ver claramente o que
nos distancia de Deus e de alcançar a liberdade dos filhos de
Deus.
Terminamos invocando a Nossa Mãe: Ave-Maria… Amém.

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