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Universidade Federal do Pará – UFPA

Faculdade de Letras – Belém


SEMESTRE: I (2023.4)
Docente: Prof. Dr. Michel Silva Guimarães

DEFOE, Daniel. Robson Crusoé. Tradução de Sergio Flaksman. São Paulo: Peguin Classics
Companhia das Letras, 2011.
HAND OUT – ROBSON CRUSOÉ
[...] Saltei para fora da cabine e imediatamente vi não só o navio, mas de onde vinha; a saber,
que era uma nau portuguesa e, ao que achei, seguia para a costa da Guiné em busca de Negros. (p. 81)
Quanto ao meu barco, era muito bom, o que ele percebeu, dizendo que gostaria de compra-lo
para usar em seu navio. E me perguntou quanto eu queria por ele. Respondi que ele foi tão generoso
comigo em tudo mais que eu não podia determinar um preço para o barco, deixando o valor
inteiramente por sua conta; ao que ele disse que me daria uma nota de próprio punho para que me
pagassem oitenta pesos duros de prata pelo barco no Brasil e que, quando lá chegássemos, se alguém
oferecesse mais ele cobriria a oferta. Ofereceu-me ainda mais sessenta duros por meu rapaz Xuri, que
relutei em aceitar: não que não concordasse que o Capitão ficasse com ele, mas porque hesitei muito
em vender a liberdade do pobre rapaz, que me ajudou com tanta lealdade a conquistar a minha própria.
Contudo, quando transmiti meus motivos ao Capitão, ele concedeu que eram justos e me ofereceu um
meio-termo: que ele assumiria diante do rapaz a obrigação de dar-lhe a alforria dentro de dez anos, se
ele se tornasse Cristão. Diante disso, como Xuri concordava em ir para ele, deixei que passasse a ser
do Capitão (p. 83).
[...] apurei mais de quatro vezes o valor da minha carga inicial, e fiquei infinitamente melhor
que meu pobre vizinho, digo, no progresso de minha propriedade, pois a primeira coisa que fiz foi
comprar um escravo negro, além de um criado europeu, sem contar aquele que o Capitão me trouxe
de Lisboa (p. 87).
[...] Não só aprendi a língua como também travei conhecimento e amizades com vários outros
proprietários, além de mercadores de São Salvador, que era nosso porto; e, nas conversas com eles, eu
me referia com frequência às minhas duas viagens à costa da Guiné, à maneira como se comerciava
com os Negros de lá, e como era fácil negociar naquela costa, trocando ninharias como miçangas,
brinquedos, facas, tesouras, machadinhas, pedaços de vidro e coisas parecidas não só por pó de ouro,
pimenta malagueta, presas de elefante etc., mas também por Negros em grande número para a servidão
nos Brasis.
Ouviam sempre atentamente essas minhas histórias, e especialmente a parte que falava da
compra de Negros; que na época era um tráfico muito praticado, e sempre por asientos, ou concessões
dos reis de Espanha e Portugal, registradas em documentos públicos; de maneira que poucos Negros
eram trazidos, e os que chegavam eram excessivamente caros.
Ocorreu que, tendo eu estado na companhia de alguns comerciantes e donos de terras que
conhecia, conversando com grande animação sobre essas coisas, três deles vieram ter comigo na
manhã seguinte, dizendo que tinham refletido muito sobre o que eu lhes contara na noite anterior e
queriam me fazer uma proposta secreta. E depois de me pedirem que jurasse segredo, contaram seu
intento de aparelhar um navio para ir à Guiné; que todos tinham terras como eu, e o que mais lhes
faltava eram escravos; que como era um tráfico que não se podia praticar, pois não seria possível
vender publicamente os Negros que viessem, desejavam fazer uma única viagem, trazendo Negros
para suas terras particulares [...]. E me propuseram que eu ficasse com uma parte igual de Negros, sem
precisar contribuir com dinheiro algum para a empresa (p. 88 – 90).
[ENCONTRO COM OS NATIVOS...] De outro modo, seria possível justificar a conduta
dos Espanhóis em todas as barbaridades que praticaram na América, onde exterminaram milhões
desses habitantes que, embora idolatras e bárbaros, praticando rituais sangrentos em seus costumes,
tais como o sacrifício de corpos humanos a seus ídolos, ainda assim, em relação aos Espanhóis, eram
de todo inocentes. E o extermínio deles em sua terra é tratado com o maior horror e aversão até pelos
próprios Espanhóis em nossos dias, e por todas as demais nações Cristãs da Europa, como uma
simples carnificina, uma crueldade sangrenta e insólita, injustificável tanto perante Deus quanto aos
olhos dos homens, a tal ponto que a simples palavra "Espanhol" desperta medo e terror em todos na
humanidade, ou nas criaturas dotadas de compaixão Cristã. Como se o reino de Espanha se
distinguisse especialmente por ter produzido uma raça de homens desprovida de princípios ou ternura,
ou das tripas comuns da piedade pelos infelizes, sinal da inclinação generosa do espírito (p. 245).
[...] Tivesse a Providência, que afortunadamente me instalou nos Brasis como donos de terras,
também querido me conceder a benção de desejos mais limitados, contentando-me eu em progredir
gradualmente, poderia a essa altura, falo da altura em que estava na ilha, ser um dos mais importantes
produtores de açúcar dos Brasis e, na verdade, estou convencido de que, diante de todos os progressos
que conquistei no pouco tempo que lá vivi e, se tivesse permanecido, com os aumentos que
provavelmente teria alcançado, poderia agora contar com uma fortuna de cem mil "moidores", ou
portugueses de ouro.43 E por que motivo eu resolvi deixar essa fortuna bem encaminhada, uma
propriedade bem conduzida, que só fazia crescer e melhorar, para virar comissário de carga a caminho
da Guiné, em busca de Negros, quando a paciência e o tempo bastariam para aumentar tanto nossa
fortuna em casa que poderíamos tê-los comprado mesmo à nossa porta, junto aos homens cujo negócio
era ir buscá-los? E, em- bora pudessem custar um pouco mais, essa diferença de preço de modo algum
valia a pena de tamanho risco.
Mas, assim como esse é o destino comum das cabeças jovens, a reflexão sobre sua insensatez
geralmente é exercida em anos posteriores, ou como resultado da experiência adquirida com o tempo e
a alto custo. Era o que agora ocorria comigo; no entanto, tão fundas eram as raízes que aquele grande
erro criou em minha mente que eu ainda não me conformava com minha situação [...] (p. 270 – 271)
[Descrição de Sexta-Feira] Era um sujeito de ótima aparência, muito bem feito de corpo, com
braços e pernas retos é compridos, não muito corpulento; era alto e bem formado, e, pelo que calculo
contaria uns vinte e seis anos de idade. Tinha um semblante bondoso, não um aspecto arrogante e
feroz, mas parecia ter algo de muito másculo no rosto, ao mesmo tempo que transmitia a doçura e a
suavidade de um Europeu também na expressão, especialmente ao sorrir. Tinha os cabelos longos e
negros, não encaracolados como lã; a testa era muito alta e larga, e seus olhos eram de uma perspicácia
vivaz e cintilante. A cor de sua pele não era exatamente preta, mas muito crestada; não de um moreno
feio e amarelado como são os Brasileiros e os Virginianos, e outros nativos da América; mas de um
tipo mais claro de cor parda ou olivácea de impressão muito agradável, embora não muito fácil de
descrever. O rosto era redondo e cheio; o nariz pequeno, não chato como o dos Negros, uma bela boca,
lábios finos e os bons dentes bem distribuídos, e brancos como o marfim. Depois que ele descansou,
mais que propriamente dormiu, por mais ou menos meia hora, acordou e saiu da caverna à minha
procura, pois eu estava ordenhando as cabras reunidas no cercado próximo. Quando me avistou, veio
correndo em minha direção, tornando a se estender no solo com todos os sinais possíveis da gratidão
mais humilde, fazendo muitos gestos exagerados de demonstração. Finalmente, encostou o rosto no
chão, perto do meu pé, e pôs meu outro pé sobre sua cabeça, como tinha feito antes; e depois disso,
ainda deu todos os sinais de sujeição, servidão e submissão que se pode imaginar, para me dizer que
seria meu criado pelo resto da vida. Percebi muitas coisas que me dizia, e dei a entender que ficava
satisfeito; dali a pouco comecei a falar com ele, e a ensinar-lhe a falar comigo. Primeiro, dei-lhe a
saber que seu nome seria Sexta-Feira, o dia em que eu tinha salvado a sua vida; dei-lhe este nome em
memória da data. Ensinei-lhe também a chamar-me de “amo”, dando a entender que era este o meu
nome (p. 284 – 285).

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