Você está na página 1de 2

1

O MODELO ACTANCIAL

(aplicado à análise de estruturas dramáticas)

Prof. Dr. Michel Silva Guimarães

O Modelo Actancial foi elaborado por Greimas 1 a partir dos estudos de Propp e
Souriau. A análise de um texto segundo esse modelo difere do estudo dramatúrgico
tradicional por trazer as personagens segundo sua função no sistema de ação, e não pela
investigação dos traços psicológicos do seu caráter. O modelo actancial parte da ideia de
actante, categoria que ultrapassa a noção de personagem (seres antropomórficos) e pode
incluir representações abstratas como Deus, Pátria, Poder, Paixão, A Cidade, A
Sociedade, etc. Actante é tudo aquilo ou aquele que interfere num processo ativo.

Em todo processo de ação existem 3 pares de actantes:

O par sujeito/objeto, S e O – O Sujeito realiza uma ação em direção ao Objeto,


movimenta-se para ele, positiva ou negativamente, para salvá-lo, conquistá-lo ou
destruí-lo; isso é indicado pela flecha do desejo: S O.
O par destinador/destinatário, D1 e D2. Destinador: de quem ou de que depende a
obtenção de O? Motivado/impulsionado por quem ou por que o Sujeito age? O
Destinador é tudo aquilo que leva o sujeito a agir. Destinatário: em favor de quem ou de
que S deseja O? Estes actantes são os mais difíceis de identificar, pois eles remetem
para implicações ideológicas, para o quadro de valores, para a dimensão social, política,
filosófica ou metafísica da obra.
O par adjuvante/oponente, A e Op. Eles favorecem ou contraram o desejo de S sobre
O. Observe-se que esse par de actantes está diretamente relacionado ao conflito da peça.
Como nos demais actantes, o funcionamento desse par é móvel, dinâmico. Personagens
adjuvantes podem se tornar em determinado momento opositores, e vice-versa.
Personagens podem ser ao mesmo tempo adjuvantes e opositores, em textos de estrutura
mais ambígua ou complexa.

Obs.: Todos os actantes, salvo o Sujeito, podem ser abstratos. Uma mesma função
actancial pode ser preenchida por vários personagens. Uma mesma personagem pode ter
mais de uma função actancial. Uma personagem pode passar de um caso actancial a
outro, no decorrer da ação. O sujeito não precisa necessariamente se confundir com o
herói, embora isso seja bem comum. O sujeito pode ser representado na peça por um
grupo de indivíduos, por exemplo.
Um actante pode estar cenicamente ausente, e sua presença no texto estar apenas
inscrita na fala de outras personagens. Observe-se a importância da Família em
Dorotéia, de Nelson Rodrigues, que aparece apenas e obsessivamente nas réplicas das
Tias e da própria Dorotéia.
O lugar de um actante pode também estar vazio, indicando a ausência daquela força no
quadro da ação. Se isso acontece no D1, por exemplo, reforça o Sujeito como origem da
ação, o aspecto individual do drama. Se está vazio o lugar do Adjuvante, isso reforça a
solidão do Sujeito em busca do Objeto.

1
GREIMAS, A. J. Semântica Estrutural – Pesquisa de Método. São Paulo: Cultrix, 1973.
2

O modelo actancial combina um jogo de forças, simbolizando, como vimos,


como um sistema de flechas, para aplicar as estruturas profundas da obra. Os
actantes preenchem as funções elementares da frase – um sintagma simples. O verbo é
excluído; todos os actantes são nominais. Assim, após a identificação dos lugares
actanciais das personagens numa obra, pode-se armar uma frase do tipo: D1 leva S a
agir sobre O em favor de D2, ajudado por A e contrariado ou impedido por Op.
Assim, como sugeriu Anne Uberfeld2, numa intriga clássica que trata da busca
amorosa temos: D1 (O Amor) leva S (O Amante) a buscar O (O objeto amado) para D2
(o próprio Sujeito) com a ajuda de A (amigos ou criados) e contrariado por Op (a
Família, a Sociedade). Outro exemplo: A cidade (D1) faz com que Édipo (S) procure o
culpado (O) em favor de si mesmo e da própria Cidade (D2), com a ajuda da cidade e de
Creonte (A) e a oposição da Cidade, de Tirésias e de Jocasta (Op). Desse modo, o
esquema geral mostra como a Cidade passa sucessivamente de um actante a outro,
primeiro identificada com o sujeito, o Rei, ao final oposta a ele, pela interdição do
incesto e do patriarcado.
Lembrete: a análise actancial trata a personagem como parte de um todo, de um
conjunto de relações, tendo sua função no sistema de ação da peça. Mas sabemos que,
ao mesmo tempo, a personagem é uma figura metafórica, construída a partir de
referências à realidade externa, ao texto maior na sociedade em que a peça se inscreve.

Observação:

1. Nenhum método de interpretação (histórico social, estruturalista, semiológico,


psicanalítico, etc) pode ser considerado “universal”, servindo para qualquer
texto, nem “total”, podendo dar conta de toda a trama de significações de uma
dada obra dramática;
2. A leitura/interpretação é sempre um confronto/tensão entre os valores do espaço-
tempo em que a obra foi escrita e os do quadro cultural em que o leitor está
inscrito. O novo sentido nasce como resultado dessa releitura, desse combate
criativo;
3. Ao se aproximar de determinado texto dramático, embora o leitor tenha em
mente os traços gerais do gênero ou as características de um determinado estilo
dramatúrgico, deve lembrar-se que está diante de uma obra particular, concreta,
única. Uma interpretação produtiva é a que leva em conta a individualidade da
obra, que se detém nas particularidades de sua construção, ao invés de reduzi-la
a meia dúzia de observações gerais, a classificações abstratas.

2
UBERSFELD, Anne. Para Ler o Teatro. Tradução de José Simões. São Paulo: Perspectiva, 2005.

Você também pode gostar