Você está na página 1de 13

Itabuna, 22 de julho de 2023

O 4º Mandamento
Série: Dez Regras Para Viver
Texto: Êxodo 20:8

INTRODUÇÃO

Há um livro, que foi lançado a primeira vez em 2010 e que


se tornaria um dos best selers mais elogiados na última
década, chamado Sociedade do Cansaço escrito pelo
filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. Nesse, que é um
livro pequeno inclusive, apenas 136 páginas na edição
que ficou mais famosa aqui no Brasil, encontramos o que
podemos dizer que é uma das mais precisas radiografias
da sociedade nos nossos dias.

Resumidamente, num resumo bem pobre, Byung-Chul


Han nos faz perceber que vivemos em uma sociedade
marcada por uma cultura de desempenho, pelo excesso de
trabalho, alimentado por uma gama de tecnologias que
não nos deixam “desligar” e que por isso temos cada vez
menos tempo livre para nós mesmos. Essa condição acaba
por gerar uma epidemia de cansaço.

Em uma realidade como essa, um verdadeiro descanso,


que vá para além do descanso do corpo, mas que faça
repousar e renovar também nosso interior não é uma
opção, mas uma necessidade urgente.

ESTUDANDO O MANDAMENTO DO DESCANSO

Sendo assim, o mandamento do descanso, que


encontramos nos chamados dez mandamentos, pode
encontrar lugar e relevância agora mais do que em outros
tempos. Vivemos em uma sociedade que precisa do
descanso.

O Trabalho no Egito e o Cansaço Hoje

Antes de tudo, quando olhamos para o contexto em que os


mandamentos foram dados, notamos que para os hebreus
recém saídos do Egito, o descanso também era uma
necessidade urgente.

Segundo Ciro Cardoso, no livro O Egito Antigo,


embora a contagem dos dias no Egito contasse com
um ciclo de 30 dias, equivalente aos nossos meses, o
ciclo paralelo as nossas semanas tinha dez dias. Ou
seja, é como se a semana no Egito tivesse 10 dias. Se
trabalhava 10 dias até que se tivesse uma pausa.
Porém, o mais grave é que os hebreus como escravos
possivelmente ficavam de fora dessa pausa semanal,
ou renovação de ciclo.
Lembrando, como já disse antes nessa série, que um
escravo no Egito poderia trabalhar até 20 horas por dia.
Ou seja, os hebreus no Egito estavam acostumados a
trabalhar muito, com quase nenhum descanso, com
um objetivo apenas: manter a vida! Se parassem de
trabalhar, se se rebelassem seriam dizimados.

Diante desse contexto não é de estranhar que o quarto


mandamento comece diferente de todos os outros. É o
único mandamento que está exposto em linguagem
positiva e não negativa, e que começa com uma ordem,
está no imperativo.

IMPORTANTE - A primeira ordem do mandamento é


lembrar! Lembrem! Os hebreus precisavam resgatar
os benefícios do descanso! Precisavam recuperar o
significado que havia em uma pausa semanal.

NÃO PERDER - O que parece muito claro é que, do


mesmo modo, a sociedade contemporânea precisa
lembrar e recuperar o poder do descanso.

No livro O Schabat, Abraham Haschel (pg. 45) faz uma


pergunta:

Separar um dia na semana e destiná-lo a liberdade,


um dia que não usaríamos os instrumentos que têm
sido tão fortemente usados como arma de destruição,
um dia para estarmos conosco, [...] um dia que
deixamos de adorar os ídolos da civilização técnica.
[...] um dia de armistício na luta econômica com
nossos semelhantes e com as forças da natureza –
existe mais esperança para o progresso do homem do
que é o Shabat?

Ou seja, uma pausa semanal pode ser a chave para


vencermos essa cultura do desempenho, a civilização
técnica, como chama Haschel, que nos oprime e adoece.

O TRABALHO NO MANDAMENTO

Porém, o interessante do mandamento é que ele também


é sobre o trabalho. Talvez isso seja o mais intrigante!

O quarto mandamento é como se fosse dois mandamentos


em um. Há duas ordens no mandamento e não apenas
uma. DESCANSO E TRABALHO ESTÃO INTERLIGADOS.

No quarto mandamento aparece claramente a ordem do


trabalho. Um chamado ao trabalho!

IMPORTANTE - Costumamos dizer que a família e o


descanso são as grandes instituições divinas cridas
antes do pecado. E alguns usam esse argumento para
reforçar a importância das mesmas para toda a
humanidade, sem exceções. Mas, não podemos
esquecer que entre as intuições criadas por Deus
antes do pecado está o trabalho. Casamento,
Descanso e Trabalho.

Em gêneses 2:15 lemos:

Assim foram concluídos os céus e a terra, e tudo o


que neles há. No sétimo dia Deus já havia concluído a
obra que realizara, e nesse dia descansou. Abençoou
Deus o sétimo dia e o santificou, porque nele
descansou de toda a obra que realizara na criação. O
Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden
para cuidar dele e cultivá-lo.
Gênesis 2:1-3,15 - NVI

Tim Keller, Em Como Integrar Fé e Trabalho (pg. 48)


diz: A Bíblia começa a falar em trabalho assim que
começa a falar sobre tudo que foi criado — isso
mostra como ele é importante e fundamental [...] No
princípio, então, Deus trabalhou. O trabalho não é um
mal necessário que adentrou o cenário mais tarde ou
algo que fora criado para os seres humanos fazerem,
mas que estava abaixo da dignidade do poderoso
Deus. Não. Deus trabalhou por puro prazer e alegria.
O trabalho não poderia ter tido um início mais
glorioso.

Ou seja, o trabalho é mandamento, e como todo


mandamento é sobre algo que modela nossa vida a
vontade de Deus. O TRABALHO FOI NOS DADO DESDE
A CRIAÇÃO, OU SEJA, NO MUNDO PERFEITO QUE DEUS
CRIAOU O TRABALHO ESTAVA LÁ. ELE FAZ PERTE DO
PLANO DE DEUS PARA O HOMEM.

É certo que depois do pecado vieram as agruras do


trabalho, como tudo no mundo criado, após a queda, o
trabalho foi deteriorado, porém, como todas as coisas
deterioradas, mesmo com todas as perversões que
envolvem o trabalho, ele ainda funciona para nos edificar,
para nos moldar a vontade de Deus.

Em Eclesiastes 3:22 lemos,

Assim, percebi que não há nada melhor para o


homem do que desfrutar do seu trabalho, porque
essa é a sua recompensa [...]

TALVEZ – Possíveis “benefícios” da ocupação...

O DESCANSO COMO MANDAMENTO

Logo depois vem o convite ao descanso.

Veja, aos hebreus que estavam acostumados a uma


relação doentia com o trabalho, Deus diz: há uma benção
no trabalho, mas há uma benção também no descanso. Na
Pausa!

A Verdadeira Base Para O Trabalho E Descanso


Agora veja os motivos que Deus dá para validar o
mandamento. De onde vem essa ideia de trabalhar e
descansar, de dosar o trabalho com o descanso?

Veja:

Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar


e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia
descansou. Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia
e o santificou.
Êxodo 20:11 - NVI

NÃO PERDER - Note. Deus usa o seu trabalho e o seu


descanso como fundamentação para o nosso trabalho
e nosso descanso. Costumamos dizer que Deus
descanso para nos deixar um exemplo, afinal, ele não
se cansa. Então, o único motivo lógico para o seu
descanso seria servir de exemplo para o homem.
Porém, é mais do que isso gente! E aqui podemos
entender isso.

IDEIA CENTRAL - ESCUTE COM ATENÇÃO...

DEUS ESTÁ MOSTRANDO AOS HOMENS QUE QUANDO


TRABALHAMOS, TRABALHAMOS EM CIMA DO
TRABALHO DE DEUS. TRABALHOS PORQUE DEUS
TRABALHOU ANTES, E DESCANSAMOS, POIS, ELE NÃO
APENAS TRABALHA, MAS CONTINUA TRABALHANDO.
Veja, todo nosso trabalho é em cima do trabalho de Deus.
Pense numa ocupação, qualquer que seja ela, e você vai
ver que quem a executa está trabalhando em cima do
trabalho de Deus.

Exemplos:

1. Quem gere recursos financeiros está gerindo o que


Deus criou e a ele pertence. “minha é a prata e o ouro...”.

2. Quem trabalha com a saúde está despertando no corpo,


quer seja através de fármacos, terapias, etc., mecanismos
de recuperação que são obra do trabalho de Deus, foram
colocados no corpo humano por Ele.

3. Quem executa algum trabalho com recursos naturais,


madeira, ferro, papel, etc., está trabalhando com recursos
que ele criou.

4. Quem trabalha com tecnologia, trabalha com


ferramentas que são resultado da criatividade de mentes
humanas, mentes essas que fazem fruir mecanismos
químicos que dão origem as suas invenções e esses
mecanismos e mentes são obras de Deus.

E por aí vai... poderíamos dar mil exemplos aqui!

IMPORTANTE - É por isso que ao falar do trabalho


humano no quarto mandamento, Deus faz menção ao
seu trabalho na criação. Ele está recomendando:
Trabalhe lembrando do trabalho de Deus!

Essa ideia era um lembrete constante aos hebreus de que


o que eles experimentaram em relação ao trabalho no
Egito foi um grande equívoco, uma contrafação da
verdadeira ideia do trabalho. LEMBRE QUE NO EGITO,
COMO ESCRAVOS, OS HEBREUS DEPENDIAM DO
TRABAHO PARA MANTER A VIDA. A manutenção da
vida de um escravo, e com os hebreus não foi diferente,
depende diretamente do seu trabalho.

NÃO PERDER - Porém, quando eu sei que na realidade


eu desenvolvo todo o meu trabalho em cima do
trabalho de Deus, isso é “uma ferida mortal” na ideia
de que em última instância é o meu trabalho, a minha
força, minhas capacidades que sustentam a minha
vida. Na verdade, a partir dessa ideia eu vejo que
quem mantém o cosmos e tudo que nele existe é o
Criador.

E quanto ao descanso?

IDEIA CENTRAL - Agora perceba, você trabalha seis


dias lembrando do trabalho de Deus, lembrando da
sua dependência de Deus, revisitanta de novo e de
novo a ideia de que seu trabalho não te torna
independente, nem mantém a sua vida, então, depois
descansa um dia, pra ficar bem claro, na prática, que
você não depende do seu trabalho - das obras de suas
mãos e intelecto - em última instância para
sobreviver. Na verdade, você depende do trabalho
dele! PORQUE ENQUANTO VOCÊ PARA NO DESCANSO,
ELE CONTINUA TRABALHANDO, MANTENDO O
COSMOS!

Em O Schabat (pg. 25), Haschel diz: aquele que quer


penetrar [...] no dia deve [...] dizer adeus [a toda
agitação] e aprender a compreender que o mundo já
foi criado e há de sobreviver sem a ajuda do homem.
O mundo tem nossas mãos, mas ele pertence a
alguém.

Ou seja, O quarto mandamento é um ataque ao self


moderno - a autossuficiência humana.

VEJA UMA SEQUENCIA LÓGICA:

MEU trabalho gera recurso, recurso mentem a vida, a


manutenção da vida está no centro da ideia de
autossuficiência. Quando quebro essa corrente com a
ideia de que antes do MEU TRABALHO está o TRABALHO
DE DEUS, logo, não há mais espaço para autossuficiência,
pois já não é sobre algo MEU.

Tudo está interligado, a cultura do desempenho de que


falamos antes – exposta em Sociedade do Cansaço - nada
mais é que uma cultura da autossuficiência. EU PRECISO
DESEMPENHAR SEMPRE MELHOR PARA NÃO
FRACASSAR, PARA CRESCER, PARA PREVALECER SOBRE
OUTROS, PARA SER MAIS RICO, MAIS INFLUENTE, ETC.

Até o paradigma terapêutico moderno, que seja uma


psicologia afirmativa, os recursos do coaching, ou as
chamadas políticas de afirmação, estão sustentadas por
uma cultura de desempenho que busca, em essência,
independência, autossuficiência, maioridade interior.

O DESCANSO É UMA ALTENARTIVA A TODA ESSA


CULTURA QUE ESTÁ NOS CONSUMINDO,
ADOENCENDO COM TODA SORTE DE ENFERMIDADES
NO CORPO E NA PSIQUÊ.

O DESCANSO PARA ALÉM DO “CÚLTICO”

É Aqui que entra algo muito importante, que vemos


reafirmado no modo como Jesus viveu o descanso.

Se isso é verdade, o descanso tem que ir além do cúltico,


do litúrgico, da celebração na comunidade. Ele precisa
extrapolar para uma realidade que afronte ainda mais a
minha self.

JESUS A “VICÊNCIA DA VIDA” E OS ATOS ALTRUISTAS


TAMBÉM NO DESCANSO.
Não foi sem motivo que Jesus fez do dia de descanso um
dia para viver a vida de forma intensa e altruísta. São sete
as curas de Jesus no sábado, porém eu quero olhar
para um desses eventos hoje.

Em Lucas 14, Jesus está num banquete na casa de um


religioso num sábado. Uma espécie de almoço de
celebração e lá ele cura:

Certo sábado, entrando Jesus para comer na casa de


um fariseu importante, observavam-no atentamente.
À frente dele estava um homem doente, com o corpo
inchado. Jesus perguntou aos fariseus e peritos na
lei: "É permitido ou não curar no sábado? "Mas eles
ficaram em silêncio. Assim, tomando o homem pela
mão, Jesus o curou e o mandou embora.
Lucas 14:1-4 - NVI

1. Jesus vivia as relações sociais no sábado, continuava


indo a banquetes – falar rapidamente sobre esses almoços
e/ou jantares de celebração.

2. Ele olhava para o outro no descanso.

Haschel em o Schabat (pg. 11) diz:

Ganhar o controle no mundo do espaço é certamente


uma de nossas tarefas. O perigo começa quando, para
ganhar poder no reino do espaço, pagamos com a
perda de todas as aspirações no reino do tempo. Há
um reino do tempo em que a meta é ser e não ter, não
possuir, mas dar, não controlar, mas partilhar, não
submeter, mas estar de acordo. A vida vai mal quando
o controle do espaço, a aquisição de coisas do espaço,
torna-se nossa única preocupação.

ÚLTIMAS IMPLICAÇÕES

Trabalhe e descanse lembrando do trabalho e do


descanso de Deus.

Sábado como afronta a self.

Você também pode gostar