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ABSTRACT
Revista do Programa de Pós
This article discusses the participation of real income in urban education Graduação em Geografia UFES
Guaçuí municipality of Southwest State of Espírito Santo. The theoretical analy- Agosto-Dezembro, 2014
sis assumed seize the city (its built space), articulated the productive space, so in ISSN 2175 -3709 3
general, necessary for the reproduction of capital in the city urban conditions, by
which they showed in the set of investment strategies in urban activities the de-
velopment prospect of gains for the valuation of real property. And this value is
related to the capitalist use of land through the creation of urban conditions and
Revista do Programa de Pós construction of rental housing. The conclusion is that capital originated in the
Graduação em Geografia UFES field also encountered in the construction of the city the opportunity to repro-
Agosto-Dezembro, 2014 duce and thereby interfere with the spatial configuration of the city. Accordingly,
ISSN 2175 -3709 we sought to understand the metamorphosis of wealth from the countryside to
the city in Guaçuí, in which the value of urban real estate was the significance
of reserve and allowed the obtaining of income. Considering the importance of
the participation of the municipality Guaçuí the regional economy were signi-
ficant transfers of surplus from the countryside to the city during the first half
of the last century, enabling rentier show the interference of production (for the
purpose of earning income through the use of property urban) land in the ur-
ban training town. Access to information, including probate proceedings on the
initiatives of the business diversification of farmers and traders, helped identify
initiatives such as the creation of urban infrastructure and services, as well as the
construction of rental housing, allowing the valuation of real property and the
transformation of the city Guaçuí.
RESUMEN
En este artículo se analiza la participación de los ingresos reales en la educación
urbana Guaçuí municipio del suroeste de Estado de Espírito Santo. El análisis
teórico supone apoderarse de la ciudad (su espacio construido), articulado el
espacio productivo, por lo que, en general, necesaria para la reproducción del
capital en las condiciones urbanas de la ciudad, por la que se mostraron en el
conjunto de estrategias de inversión en las actividades urbanas la perspectiva de
desarrollo de las ganancias para la valoración de bienes inmuebles. Y este valor
está relacionado con el uso capitalista de la tierra a través de la creación de las
condiciones urbanas y la construcción de viviendas de alquiler. La conclusión es
que el capital se originó en el campo también se encontró en la construcción de
la ciudad la oportunidad de reproducir y de ese modo interferir con la configu-
ración espacial de la ciudad. En consecuencia, hemos tratado de comprender la
metamorfosis de la riqueza del campo a la ciudad en Guaçuí, en la que el valor
de los bienes inmuebles urbanos fue la importancia de la reserva y permitió la
obtención de ingresos. Considerando la importancia de la participación de la
municipalidad Guaçuí la economía regional eran importantes transferencias de
excedentes desde el campo a la ciudad durante la primera mitad del siglo pasado,
lo que permite rentista mostrar la interferencia de la producción (con el fin de
obtener ingresos a través del uso de la propiedad suelo urbano) en la localidad de
formación urbana. El acceso a la información, incluidos los procedimientos de
legalización de las iniciativas de la diversificación del negocio de los agricultores
y los comerciantes, ayudó a identificar iniciativas tales como la creación de la
infraestructura y los servicios urbanos, así como la construcción de viviendas de
alquiler, lo que permite la valoración de los bienes muebles e inmuebles la trans-
formación de la ciudad Guaçuí.
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
INTRODUÇÃO
E
ste artigo discute a participação da
produção da renda na formação da
cidade de Guaçuí, investigada no
conjunto das estratégias de investimentos
de fazendeiros e comerciantes que ex-
pressaram a transferência de excedentes,
gerados na produção agrícola, para a ur-
banização da cidade.
A pesquisa baseou-se em revisão bi-
bliográfica, informações de documentos
oficiais (principalmente processos de in-
ventário) e depoimentos obtidos de pes-
soas que eram conhecedoras da história
local e dos negócios de fazendeiros e co-
merciantes na cidade. Todo esse conjunto
de informações permitiu reconstituir his-
toricamente a formação urbana de Gua-
çuí e oferecer ao processo em tela uma
compreensão na perspectiva da formação
do espaço urbano pelo uso capitalista
conferido à propriedade da terra e à di-
versificação das formas de valorização do
capital por meio da construção da cidade.
Sendo assim, para compreender a
formação da cidade de Guaçuí, foram
Figura 1: Localização do município de Guaçuí no Estado
analisadas as transferências de excedente
do Espírito Santo.
do núcleo do processo produtivo, que era
agrícola, para urbanização da cidade. Ad-
mite-se que a urbanização da cidade reve-
la interesses da acumulação, na metamor- industrial de 112 milhões de cruzeiros, a
fose da riqueza do campo para a cidade. preços correntes de 1954, que representou
O estudo baseou-se na análise do espaço aproximadamente 7% do valor da pro-
produtivo em que a cidade está inserida dução da indústria estadual. Com 3.250
na função polarizadora da região, que na milhões de litros de leite produzidos em
primeira metade do século XX concentra- 1954, empregados como matéria-prima da
va a produção do café da maior parte dos indústria municipal de laticínios, no ano de
municípios da chamada região do Capa- 1955 o valor do rebanho era calculado em
raó, no alto Itabapoana (Figura 1). 60 milhões de cruzeiros, contando em tor-
Na permanente perspectiva de encon- no de 24.200 animais (IBGE, 1957).
trar novas alternativas de valorização do Esse quantitativo representava, aproxi-
excedente que, deslocando-se da produção, madamente, comparado ao do ano de 1950
localizada no campo, orientava-se para a – segundo dados apresentados por Sinésio
urbanização da sede do município, foram Ferreira (1987) –, 8,9% da produção lei-
criadas novas espacialidades, imprimindo teira estadual (36.286 milhões de litros de
outras feições à cidade. Nos anos 1950 a leite) e 5% do efetivo de bovinos no Esta-
economia do município de Guaçuí basea- do (464.463 cabeças). Os dados oferecem
va-se na cafeicultura e na pecuária leiteira. uma visão da participação da economia de
Ambas possibilitavam o desenvolvimento Guaçuí no cenário estadual durante a dé-
de outras atividades: a pecuária leiteira, a cada de 1950, dando a dimensão da impor-
indústria de laticínios na cidade, e a cafei- tância do município nesse período.
cultura, com o beneficiamento e o comércio Como centro de comércio da produ-
de café. ção cafeeira da região próxima, como a
Nesse sentido, a importância da econo- seguir discutiremos, e como polo de sig- Revista do Programa de Pós
mia do município pode ser observada com nificativa produção leiteira, Guaçuí viu Graduação em Geografia UFES
o auxílio de alguns números. O beneficia- sua influência comercial estender-se para Agosto-Dezembro, 2014
mento do café e a indústria de laticínios além dos limites municipais. Os efeitos ISSN 2175 -3709 5
corresponderam a um valor da produção econômicos se verificaram na urbanização
da cidade de tal forma que entre os anos históricas que permitiram situar Guaçuí
1930 e 1950 um fazendeiro e comerciante no processo de expansão da economia
de café chegou a possuir em torno de 200 cafeeira no Estado, considerando os efei-
Revista do Programa de Pós moradias de aluguel na cidade. Existiram tos da Abolição sobre a grande lavoura,
Graduação em Geografia UFES também outras iniciativas menores volta- especialmente nessa região. O objetivo é
Agosto-Dezembro, 2014 das à edificação de imóveis de aluguel, à identificar as condições que tiveram os
ISSN 2175 -3709 construção de infraestrutura e à explora- excedentes da produção agrícola para in-
ção de serviços urbanos, quase todas pro- versões na urbanização da cidade.
movidas por capitalistas locais.
Sendo Guaçuí, na época, um município 2.1. Aspectos históricos da formação re-
rural, como compreender os investimentos gional
realizados em moradias de aluguel, cons-
trução e exploração de serviços urbanos?
A maior parte das terras da Provín-
Dadas as condições de urbanização, que
cia do Espírito Santo no início do sécu-
se fizeram presentes com o crescimento
lo XIX ainda se encontrava coberta por
econômico, os investimentos imobiliários
matas, e sua população em 1818 era de
verificados, a princípio, sugerem que a ter-
apenas 23.399 habitantes. O processa-
ra urbana estava servindo como reserva de
mento da cana-de-açúcar, realizado por
valor, na expectativa de que, com o cresci-
80 engenhos, era a principal atividade na
mento urbano, os proprietários de imóveis
Província. A ocupação das terras limitava-
obteriam rendas imobiliárias crescentes.
-se às áreas mais próximas da costa, sem
A renda imobiliária1 consiste numa es- que, contudo, essa ocupação fosse contí-
1- No presente artigo não compete pécie de alíquota despendida pelo direito nua (Almada, 1984). Havia uma verda-
uma revisão exaustiva da forma- de uso da propriedade privada da terra, que deira fragmentação espacial da ocupação,
ção da renda imobiliária. Neste permite ao proprietário imobiliário apro-
texto apresentamos resumidamente que permitia identificar nessa época três
os aspectos mais essenciais para o priar-se individualmente de parte do valor regiões produtivas: a região da Capital,
entendimento da propriedade imo- produzido socialmente, fazendo a terra onde se concentravam a maior parte dos
biliária como uma alternativa de funcionar como um fundo de acumulação engenhos de açúcar e a maioria da popu-
preservação ou valorização do capi- ou reserva de valor. Assim, o valor da pro-
tal na urbanização da cidade. Sobre lação da Província; a região norte ou de
a formação da renda imobiliária o priedade imobiliária é determinado pelo São Mateus, que de todas as regiões era a
leitor pode conferir Pereira (1988). desenvolvimento das condições urbanas que possuía a ocupação mais rarefeita; e a
necessárias à produção, que se expressam região sul ou de Itapemirim, que também
no valor mercantil da propriedade, seja por mantinha uma ocupação próxima à faixa
meio de aluguéis, seja por meio do merca- litorânea e onde existiam 20 engenhos. O
do fundiário (Pereira, 1988). quadro demográfico-econômico da Pro-
Com a centralidade de Guaçuí exerci- víncia começaria a mudar apenas com a
da pelo comércio de café e pela produção expansão da economia cafeeira pelo ter-
de laticínios, favorecida pelo crescimen- ritório espírito-santense; já na década de
to econômico do município e entorno, 1850 o café assumiu a posição de principal
promovendo a urbanização, tornou-se produto da pauta de exportação da Provín-
atrativa a transferência de excedentes da cia (Almada, 1984; Campos Jr., 1996).
produção agrícola para investimentos ur- A ocupação das terras elevadas da re-
banos na construção de infraestrutura e gião sul do Espírito Santo se processou
de moradias. A construção da cidade, por com a migração de mineiros e fluminen-
consequência, assumiu um caráter rentista ses, que penetraram o vale do Itapemirim
como estratégia de diversificação do ca- e o do Itabapoana. Muitos deles, grandes
pital e como aproveitamento da oportu- fazendeiros em suas regiões de origem,
nidade de preservar e valorizar a riqueza trouxeram consigo escravos e formaram
para além dos limites da produção agríco- fazendas de tipo plantation, dedicadas ao
la e do comércio de café. cultivo de café (Almada, 1984). Na ex-
pansão cafeeira no Estado, Cachoeiro de
Itapemirim adquiriu importância como
2. Condições de acumulação na produ- centro de concentração da produção de
ção e transferência do excedente para todo o sul do Espírito Santo, estando em
urbanização comunicação ferroviária com o Rio de Ja-
neiro desde 1903 e com Vitória a partir de
1910 (Bittencourt, 1987).
Nesta seção buscamos apresentar as- A expansão da lavoura de café no
6 pectos da economia da região sul do Espí- Espírito Santo contribuiu para a interio-
rito Santo, destacando as particularidades
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
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Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
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Na região, as 40 mais importantes fa- unidade produtiva, mencionamos ainda 4-O Capitão Américo Bento
zendas de quatro municípios (Muqui, São a movimentação de dois outros gran- Machado (1853-1910) casou-se
José do Calçado, Mimoso e Alegre/Gua- des proprietários. Simplício Avelino de em segunda núpcias com Maria
çuí), embora representassem, em número, Mendonça estabeleceu sociedade com de Aguiar (1861-1919), filha
de Francisco Ourique de Aguiar
1,5% de todas as propriedades, produziram seu genro José Ferraz de Oliveira para (1842-1891), que ficou viúva de
34,5% do café dos mencionados municí- adquirir, em 1925, a fazenda do Barro seu primo de 2° grau João de Aguiar
pios no período de 1920-30. No ano de Branco, de Urcecino Ourique de Aguiar. Vallim, este filho de José de Aguiar
1929 a fazenda do Castelo, localizada no Depois, também em sociedade, esses Vallim, que, juntamente com o ir-
mão Antônio Ourique de Aguiar
município de Guaçuí, de propriedade dos dois compraram, em 1933, a fazenda do (pai de Francisco O. de Aguiar) e
herdeiros de Maria Aguiar e Américo Ma- Galho, de Francisco Lacerda de Aguiar, família, migrou de Bananal (SP)
chado,4 possuía 280 mil cafeeiros e produ- respectivamente com 900 hectares e 972 para o Espírito Santo, fundando as
ziu 651 toneladas de café na safra de 1928- hectares. No ano de 1945 os dois sócios fazendas do Castelo e da Cachoei-
ra, uma das primeiras fazendas na
29 (Id., Ibid.). Através dessas informações acumulavam 3.125 hectares de terra e no região, por volta de 1860. Essas
observa-se o crescimento da produção de ano de 1950 alcançavam 3.755 hectares. duas fazendas, como a fazenda de
café por meio da grande propriedade numa Simplício morreu em 1961, e em 1979 as São Tiago, reuniram grande con-
estrutura fundiária concentrada. propriedades de José Ferraz totalizavam tingente de escravos na região do
atual município. (Entrevista com
A disparidade, no que se refere ao 4.582 hectares. Desse total, 18 proprie- Paulo Vianna de Aguiar e Luiz
crescimento e à fragmentação da grande dades adquiridas mediam menos que 100 Ferraz Moulin, entre outubro de
propriedade, entre o vale do Itabapoa- hectares. Trata-se de outro indício da con- 2012 e julho de 2013. Cf. também
na e o vale do Itapemirim é evidenciada centração da propriedade da terra.5 Soma- Genealogia das famílias Aguiar
Toledo e Ribeiro Vallim – docu-
na análise das escrituras da fazenda São das, as terras dos sócios Simplício e Fer- mento familiar).
Domingos, localizada nos municípios de raz não só se equiparavam à propriedade
Guaçuí e Natividade, de propriedade de de Agenor Thomé, mas a superavam. São,
Agenor Luís Thomé. A fazenda foi adqui- portanto, três proprietários possuindo cada
rida por Agenor e seu irmão Altivo Luís um acima de 2 mil hectares de terra. 5-Os dados foram obtidos do in-
Thomé em 1924. Com 556 hectares de Na frente pioneira na região sul (vale ventário de José Ferraz de Oli-
terra, ela contava na época com 10 casas do Itabapoana), onde ainda existia dis- veira, que reúne a soma das pro-
de colonos e 20 mil cafeeiros. Em 40 anos ponibilidade de terras devolutas e maior priedades dele e de Simplício A. de
Mendonça. A relação entre Sim-
(entre 1932 e 1972) Agenor Thomé, que oferta de mão de obra, seja pela vinda de plício e Ferraz era de sogro e genro,
havia, em 1928, comprado a parte do ir- mineiros e fluminenses, seja pela manu- embora a descrição do inventário
mão e pago todos seus débitos referentes tenção, na região, de antigos escravos que muitas vezes oculte esses laços. Vale
à compra da terra, anexou à fazenda São após o fim da escravidão não se dispersa- dizer que, do total das 14 proprie-
dades relacionadas no inventário,
Domingos mais 22 propriedades (sendo ram, a lavoura cafeeira melhor absorveu o 12 localizavam-se no município de
20 com dimensões menores que 100 hec- choque representado pelo fim do trabalho Guaçuí, sendo as outras duas em São
tares e duas com tamanhos de 164 e 257 escravo. O desenvolvimento da pecuária José do Calçado e Dores do Rio Pre-
hectares), tornando-se um grande pro- leiteira a partir dos anos 1920/30 e o for- to. (Cartório de 1° Ofício, Guaçuí.
Arquivo/caixa s./i. Livro I, p. 65).
prietário de terras, com 1.527 hectares. talecimento do sistema de parceria no sul
Em 1985 a fazenda possuía 2.062 hectares, (que em 1950 correspondia, no vale do Ita-
indicando o movimento de concentração bapoana, a 50,4% do trabalho no campo,
da propriedade por parte desse fazendeiro, totalizando 34.377 parceiros e correspon-
que conseguiu capitalizar-se expandindo dendo a 40,8% do total das regiões cafeei-
suas terras mediante incorporação de pro- ras do Estado) contribuíram para preservar
priedades vizinhas. a maior concentração da terra nessa parte Revista do Programa de Pós
Com o propósito de melhor mostrar do território espírito-santense, pelo menos Graduação em Geografia UFES
esse movimento de permanência e con- até os anos 1950 (Almada, 1993). Agosto-Dezembro, 2014
centração da propriedade da terra na re- É somente com o esgotamento das ISSN 2175 -3709 9
gião, que passa a coexistir com a pequena condições de expansão de sua fronteira
agrícola após os anos 1940 que se verifi- palha de taboa, essa taboa que dá paina”
cou progressivamente a perda da força de (Moulin, 1987, p. 11).
atração populacional do vale do Itabapoa- No final dos anos 1920 a cidade ha-
Revista do Programa de Pós na. Importa observar que na região norte via crescido nas redondezas da igreja ma-
Graduação em Geografia UFES dá-se o movimento contrário; nos anos triz de São Miguel Arcanjo e do colégio
Agosto-Dezembro, 2014 1960 esta se consolida como principal São Geraldo, nos terrenos pertencentes a
ISSN 2175 -3709
região produtora, prosseguindo posterior- Francisco Ourique de Aguiar. Ao redor do
mente seu processo de expansão e conti- largo da Igreja Matriz, a primeira cons-
nuando a atrair forasteiros para o cultivo trução foi da sede da fazenda São Miguel,
do café. Para a região norte desloca-se, na fundada por volta de 1820 e adquirida por
época, o centro dinâmico da economia ca- Antônio O. de Aguiar em 1863, depois
feeira do Espírito Santo (Almada, 1993; (em 1924) transformada no colégio São
6-Durval Emery (1895-1986) Ferreira, 1987). Geraldo (Moulin, 1987; Bravo, 1998).
foi construtor. Sendo o filho mais Em virtude desse processo, o movi- Nessa época a cidade compreendia
velho de Emiliana Emery, enca-
beçava os negócios da família. Foi
mento de expansão e exaustão do solo das o seguinte espaço: seu local de fundação
personagem importante da vida lavouras de café na região sul reconfigurou na rua da Palha, de onde seguia pela rua
social de Guaçuí, sempre presente espacialmente a dinâmica produtiva da Romualdo Lobato, subindo até o largo da
nos encontros políticos (Entrevistas região, colocando em destaque o vale do igreja matriz de São Miguel, ainda com
com Carmem e Eunice L. Emery e
Luiz F. Moulin concedidas entre
Itabapoana na produção estadual na pri- esparsas casas por volta da área que daria
outubro de 2012 e julho de 2013). meira metade do século XX, tendo Gua- origem à praça da Matriz. Dali ramificava
çuí participado como município produtor seguindo pela rua do Carneiro (hoje rua
e centro de concentração da produção. Comendador Aguiar) e rua Francisco
A seguir discutiremos a constituição da Ourique de Aguiar (antiga rua dos Ope-
7-Há divergência quanto à data
centralidade comercial de Guaçuí e a for- rários), sendo esta última a de maior nú-
de construção da capela. Segundo
Bravo (1998), a capela teria sido mação do ambiente construído da cidade. mero de construções, ocupava a rua Mons.
inaugurada em 1859. Miguel de Sanctis e seguia pela Av. Espí-
rito Santo, já com construções em ambos
2.2. A cidade e a constituição da centra- os lados, ocupando as imediações da es-
lidade comercial tação ferroviária, área já razoavelmente
8-A antiga capela havia sido cons-
truída pelos senhores Luiz Fran- adensada, entre a estação e a Av. Espírito
cisco de Carvalho e José de Aguiar Santo, envolvendo a rua Virginia Macha-
Com o desenvolvimento da econo-
Vallim, levantada com paredes de do, conforme se constata na Figura 2.
taipa, possuindo duas janelas fron- mia do café Guaçuí ligou-se por ferrovia
No ano de 1929 foi concluída a igreja
tais e telhado de inflexão. Já a nova a Cachoeiro de Itapemirim. A Compa-
igreja possuía um projeto arrojado, matriz de São Miguel Arcanjo em subs-
nhia Estrada de Ferro Leopoldina, após
com pinturas no teto e molduras e tituição da pequena capela levantada em
capitéis dourados com ouro. Sua adquirir, em 1908, o trecho da antiga E.
1860.7 A igreja foi construída com a par-
construção iniciou-se em 1923, F. Caravelas (Alegre–Cachoeiro de Ita-
ticipação de Durval Emery e Francisco
sendo concluída em 1929 (Rodri- pemirim), construiu o trecho Alegre–Es-
gues, 2007). Talom.8 O erguimento da obra se mos-
pera Feliz (MG) passando por Guaçuí,
trou complicado; na falta de material,
inaugurado em 24 de novembro de 1913
principalmente ferro, para levantamen-
(Bittencourt, 1987; Quintão, 2008). Com
to da torre, foram utilizados como vigas
9-Emiliana Vianna Emery o prolongamento da estrada de ferro, logo
quatro trilhos da estrada de ferro. A maior
(1874-1957), originada das ime- se notou a mudança na dinâmica da ci-
diações do distrito de São Tiago, foi parte do material veio de fora, transporta-
dade. Aumentou, por exemplo, o fluxo de
casada com Gustavo Emery, filho do através da estrada de ferro por inter-
informação: o jornal, que chegava à loca-
de um engenheiro inglês que par- mediação de Emiliana Vianna Emery9 .
ticipou da construção da E. F. Le- lidade uma vez por semana (toda quarta-
No dizer de Durval Emery, “o padre veio
opoldina. Desempenhou o papel de -feira) em garupa de cavalo, passou a ser
grande cacique na política do mu- da Itália, os lustres da Bélgica, o sino da
recebido três vezes por semana (segunda,
nicípio. A família possuiu hotéis e Alemanha, o alvaiade da Bélgica, o óleo
quarta e sexta), transportado por trem de
atuava no ramo de extração de ma- de linhaça da Inglaterra. Mas os bancos
deira na região, e ainda atuou no ferro (Moulin, 1987).
foram feitos na oficina de Geraldo Vian-
comércio de café até a crise de 1929. A cidade teve seu início onde hoje
Sua família teve larga tradição na na, irmão de Emery, no Rio” (apud Mou-
está situada a rua Tenente Arnaldo Túlio,
política capixaba. Era irmã de Ge- lin, 1987, p. 11).
originalmente denominada rua da Palha.
raldo Vianna, que, sendo político de O emprego de novos materiais na
longa carreira no Estado, foi sena- As primeiras casas foram edificadas pelos
construção esboçava o início da transfor-
dor e deputado pelo Espírito San- operários que trabalhavam na constru-
to. Ele foi sogro de ex-governador mação na forma de construir a cidade. A
ção da Estrada de Ferro Leopoldina. No
Francisco Lacerda de Aguiar, que se economia cafeeira, que, como vimos, no
início do século XX “era um bairro sem
casou com Zélia Vianna de Aguiar. início do século XX seguia em expansão
(Depoimento de Paulo Vianna de dono”, conta o Sr. Durval Emery6. “Tra-
na região, começava a oferecer as condi-
Aguiar. Entrevistas com Carmem balhadores anônimos faziam as casinhas,
e Eunice Lengruber Emery e Luiz ções necessárias para o desenvolvimento
tiravam os pauzinhos da capoeira, do
10 Ferraz Moulin realizadas entre de atividades de comércio na cidade e
mato, varas e eram cobertas com aquela
outubro de 2012 e julho de 2013). propiciava a acumulação necessária para
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
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Nomes Proprietários
1930-1960
1960-1980
Fonte: Neuza de Araújo Emery, notícia de jornal “De pequenos Guaçuís é feito nosso grande Bra-
sil”, sem nome, Vitória, março de 1997. Entrevistas realizadas pelos autores entre outubro de 2012
e julho de 2013.
Notas: *Começou tendo como sócios Osório Marques e Ataliba Filgueiras. Em pouco tempo cresceu
e se desligou de sua matriz em Carangola, comandada por Antônio Marques. Em 1938 o sócio
Ataliba saiu da firma, sendo substituído por dois novos colaboradores: Wilson Marques (filho de
Marques) e Jugurta de Abreu Lima (cunhado de Marques).
Revista do Programa de Pós
**Teve como sócio Anselmo M. Alvarez (genro de Meirelles). A firma Meirelles Café atuou do Graduação em Geografia UFES
início dos anos 1960 até meados de 1970. Agosto-Dezembro, 2014
*** José Ferreira de Oliveira foi sócio da Ferreira e Paixão até quando fechou, no início dos anos ISSN 2175 -3709 11
1970, e depois sócio da Paula Café, que funcionou entre 1971 e 1990.
O desenvolvimento comercial do Diante do crescimento que a cidade
município fica evidenciado nos números apresentava, verificou-se a presença, entre
que seguem. Em 1952 o café correspon- os imigrantes, em especial espanhóis, dos
Revista do Programa de Pós dia a 85% do valor da produção dos gê- construtores responsáveis pelas modernas
Graduação em Geografia UFES neros agrícolas e comandava a dinâmica edificações da cidade.
Agosto-Dezembro, 2014 econômica da cidade. Conforme o censo Nessa época surgem na cidade
ISSN 2175 -3709 comercial de 1950, o município possuía as primeiras construções modernas, como
15 estabelecimentos atacadistas e 139 foram exemplares a “Vila Dione”, resi-
varejistas, sendo o quinto maior centro dência de Alcenor Vargas (proprietário
de comércio atacadista do Estado, atrás do Armazém Capixaba), e especialmente
apenas de Vitória, Colatina, Cachoeiro a residência de Osório Marques (Figura
de Itapemirim e Alegre. Em 1952 o café 4), essa erguida no ano de 1928, ambas
beneficiado alcançou o valor de 56 mi- as residências localizadas na Av. Espírito
lhões de cruzeiros, e a indústria de quei- Santo. Essas construções foram impor-
jo e requeijões faturou 2.271 milhões tantes, pois marcaram um novo modo de
de cruzeiros, com 100 toneladas pro- construir e de morar na cidade de Guaçuí,
duzidas. Assim, em 1954 a indústria de diferente da forma como foram edificadas
transformação, reunindo basicamente a e utilizadas as construções anteriores, que
produção de laticínios e o beneficiamen- eram casas geminadas e com fachadas pa-
to de café, colocava Guaçuí, em termos ralelas ao alinhamento da rua. As novas
de valor produzido, na sétima posição construções assumiram como forma típi-
entre os municípios do Espírito Santo ca a de imitação de um pequeno palacete,
(IBGE, 1957). em que se nota a valorização do próprio
Os valores acima apresentados, se processo de construção, como indicam os
confrontados com os apresentados por traços da fachada e ornamentação, coisa
Sinésio Ferreira (1987) para o ano de muito comum na São Paulo do início do
1949, indicam que Guaçuí concentrava século XX, mas que apareceu em Guaçuí
10-O Laticínio Candó Ltda.
originou-se da compra das instala- em torno de 12% do valor produzido para talvez pela primeira vez na residência de
ções da Ind. Reunidas de Lat. Braco o segmento de beneficiamento, torrefação Osório Marques, construída em 1928.
S.A, que mantinha uma pequena e moagem de produtos alimentares no Essa residência, em especial, tinha em to-
unidade produtiva. Depois de am-
Estado e em torno de 15% do segmento dos os seus cômodos pinturas florais nas
pliada, a empresa, que teve como
sócio Bento Gomes de Aguiar (gen- estadual de laticínios. Comparativo que paredes próximas do teto11.
ro de Cândido), foi avaliada, em oferece um indicativo da importância do A população do município no recen-
moeda corrente da época, em Cr$: município na atividade agrícola e no be- seamento de 1950 era contabilizada em
3.120.000,00. Ela foi a precurso-
neficiamento dessa produção e no setor 24.952 habitantes, dos quais 3.470 vi-
ra da Cooperativa de Laticínios de
Guaçuí. Após a morte de Cândido comercial estadual. viam na área urbana, 1.710 na suburbana
A. Mendonça em 1961, a empresa No início da década de 1950 o fa- e 19.772 na área rural. No ano de 1954
passou a compor a Cooperativa de
Laticínios de Guaçuí – Colagua –,
zendeiro Cândido Avelino Mendonça havia na cidade 1.099 prédios (IBGE,
esta criada em 1958 e inaugurada inaugurou um novo laticínio na cidade 1957). Uma classe de comerciantes havia
em 1963 (Cartório do 1º Ofício, (Laticínio Candó Ltda.) como forma de se constituído na cidade. São indicadores
Guaçuí. Arquivo/caixa 102. Livro diversificação de seu capital. Situava-se dessa classe o Armazém Capixaba, Fil-
I, p. 39).
próximo da ponte da rua da Palha, e parte gueiras e Oliveria (venda de cereais), Casa
de sua produção destinava-se aos municí- Hugo, Casa Simões, Casa Acacinho (ven-
pios de Guarapari (Espírito Santo), Cabo da de tecidos) e Bazar Norte (artigos de
Frio, Campos dos Goytacazes e Niterói presente). As primeiras agências bancá-
11-Depoimento de Sérgio Augusto
Marques, colhido em 26-10-2012. (Rio de Janeiro)10. rias foram: Crédito Real de Minas Gerais,
Ver a respeito das transformações Na segunda metade da década de Banco Comércio e Indústria de Minas
arquitetônicas das residências: Le- 1950, a cidade já havia crescido ao longo Gerais e Banco Hipotecário e Agrícola
mos (1989). do Estado de Minas Gerais.
da linha férrea, pelas avenidas Marechal
Floriano e José Alexandre, e ainda pela Uma obra de vulto e que indica a for-
rua Rio Grande do Norte, nos terrenos ça econômica do município foi a cons-
dos herdeiros do Cel. Joaquim Machado trução do Cristo Redentor, com mais de
de Faria. A área nobre foi edificada na vi- 20 metros de altura, iniciada em 1955 no
zinhança da praça Matriz, seguindo pela governo de José Henrique Cortat e reali-
rua Mons. Miguel de Sanctis e Av. Espí- zada pelo construtor Antônio F. Moreira.
rito Santo, e já se encontrava em proje- Na ocasião chegou a ser a segunda maior
to sua expansão através da Av. Francisco estátua de Cristo do Brasil. O momento
Lacerda de Aguiar. Nessa área residiam econômico da cidade tornou-a conhecida
os principais comerciantes, fazendeiros e como “A pérola do Caparaó”.
12
políticos da cidade (Figura 3). As firmas de comércio de café se lo-
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Legenda:
14
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
3.2. Construção de moradias e hospeda- Uma coisa que ele falava: “Um prédio se te 15-A iluminação de São Tiago
rias: alternativas de apropriação de ren- der uma renda de 0,5 ao mês (sob o valor da era realizada por uma turbina e
obra) está ótimo”. Pois funcionava como se gerador tocado a água, e funcionou
da com a perspectiva de valorização da fosse um juro. Ele calculava assim, colocava durante os anos 1950. O respon-
propriedade imobiliária o dinheiro para circular. O último que ele fez sável pela manutenção era Dimas
deu quase 0,6 e ele achou aquilo uma coisa Nolasco. (Depoimento de José L.
formidável (Sérgio Augusto Marques).21 Mendonça, neto do fazendeiro
Com a previsão de continuidade do Cândido A. Mendonça, em 28-
crescimento da cidade, alguns fazendeiros 10-12. Cf. também Cartório do
e comerciantes, e também construtores, to- No referido prédio, construído por 1º Ofício, Guaçuí. Arquivo/caixa
102. Livro I, p. 39).
maram a iniciativa de construir moradias volta de 1956, funciona hoje a Casas Pau-
para aluguel.17 Destacaram-se nesse parti- lo, localizada na praça João Acacinho.
cular os fazendeiros e comerciantes Osório 16-Documento em posse de José
Através da atuação de Francis- L. Mendonça, neto de Cândido A.
Marques e José Ferraz de Oliveira. Assim co Lacerda de Aguiar, Osório Marques e Mendonça.
se expressou um contemporâneo deles: Emiliana Emery promoveram a expansão
da área nobre da cidade, antes concen- 17-O construtor espanhol Angel
Entre o Sr. Osório e o Sr. Ferraz existia uma trada na Av. Espírito Santo. A nova área Martinez Gonsalez, vindo do Rio
coisa muito interessante: um construía um foi aberta nos terrenos das duas famílias, para Guaçuí, também se voltou
prédio, o outro construía outro. Eles tinham para a iniciativa de construção de
uma política entre os dois de construção,
onde foram construídas a Av. Francisco casas para aluguel, na rua Emi-
uma política de desenvolvimento da cidade, Lacerda de Aguiar e a rua Osório Mar- liana Emery, em meados dos anos
e que outros elementos foram aparecendo e ques, na segunda metade dos anos 1950. 1950. (Depoimento dado por An-
seguindo (Paulo Vianna de Aguiar). 18 Trata-se de mais um indicador de que a selmo Martinez Alvarez, filho do
construtor, em 19-11-2012).
propriedade imobiliária estava funcio-
No processo de crescimento da cidade, nando como uma alternativa de valoriza-
ção do capital. 18-Depoimento de Paulo Vianna
o Estado, no governo do presidente Nes- de Aguiar. O Sr. Paulo Aguiar nas-
tor Gomes (1920-1924), aparentemente O comerciante José Ferraz de Olivei- ceu em 1929 e é filho de Francisco
atuou contribuindo com o desenvolvi- ra22 – proprietário da Casa Ferraz – pos- Lacerda de Aguiar. Entrevista re-
mento da cidade. Segundo Durval Emery, suiu na cidade diversos imóveis, contando alizada em 27-10-2012.
o presidente Nestor Gomes (1920-1924), entre eles muitas casas e prédios de mo-
em visita à cidade, realizou a compra de radia de aluguel, que somavam aproxima- 19-Presidente Nestor Gomes. Men-
11 casas, das quais incluía o casarão da an- damente 200 moradias. Voltou-se princi- sagens... 1921, 1922, 1923 1924.
Nas mensagens não há indicação de
tiga fazenda São Miguel, por 30:000$000 palmente para a construção de moradias
compra das outras 10 habitações.
(trinta contos de réis), adquiridas de um populares, ocupando vários lotes contíguos
comerciante chamado José Felipe. Tran- que davam para uma mesma rua, facilitan-
20-Osório Marques (1886-1970)
sação da qual Durval participou como do a edificação de casas geminadas (Figura era natural de Carangola (MG).
procurador do Estado, recebendo as escri- 7), caso mais típico de construções locali- Segundo a relação dos bens de seu
turas de compra das propriedades. Dentre zadas em becos ou de pequenos edifícios. inventário, possuiu no ano de sua
as edificações dessas propriedades, o casa- morte 1.011 hectares de terra. Mar-
José Ferraz possuiu moradias na Av. ques, pelas informações de que dis-
rão da fazenda São Miguel foi transfor- Espírito Santo (que nos anos 1940 já ha- pomos, também atuava oferecendo
mado no colégio São Geraldo, inaugura- via se constituído como a área mais apra- empréstimos a fazendeiros locais,
do em 1924 (Moulin, 1987). zível da cidade), na rua Osório Marques, o que explica sua participação na
inauguração da agência do Banco
A aquisição e a reforma do casarão na rua Sebastião Simões, na alameda F. de Crédito Real de Minas Gerais,
para funcionamento do internato da Es- Pinto (popularmente denominada rua “do do qual ele chegou a possuir ações. A
cola Normal são relatadas nas mensagens Correio”), no extinto beco da rua Demer- relação do inventariado também re-
laciona, no conjunto de imóveis, 21
do Governo estadual; contudo, para as de- val Amaral, na rua Rio Grande do Norte,
moradias, todas localizadas na cida-
mais casas não encontramos referência de na rua Tenente Arnaldo Túlio, na Av. José de de Guaçuí; dentre essas, cinco ca-
compra, conforme verificamos nas men- Alexandre, na praça João Acacinho e na sas no “beco” da rua Osório Marques
sagens governamentais.19 A existência de praça da Bandeira, e ainda moradias no e sete moradias na Av. Marechal
Floriano. Na fazenda da Barra,
muitas casas na cidade como investimen- chamado Cabeça de Porco (era um cor-
Osório possuiu uma fábrica de ti-
to de poucos proprietários, como veremos tiço que ficava localizado na Av. Mare- jolos, que possivelmente abastecia as
a seguir, talvez seja o primeiro indicativo chal Floriano, próximo à antiga delegacia, diversas construções na cidade (Car-
da atuação na construção da cidade com atual sede do Sindicato Rural). Chegou a tório de 1º Ofício, Guaçuí. Arquivo/
caixa 109. Livro I, p. 45).
perspectiva de preservação do patrimônio manter um escritório para recebimento
através da aquisição da propriedade urba- dos aluguéis e, à semelhança de Osório
na na expectativa de valorização e produ- Marques, também uma fábrica de tijolos
ção de aluguéis. numa de suas fazendas para fornecer ma-
Osório Marques,20 fazendeiro vindo terial para suas obras.23
de Carangola (MG) nos anos 1920, além Esse padrão de moradia destinava-se Revista do Programa de Pós
de importante comprador de café na cida- à classe trabalhadora com menor ren- Graduação em Geografia UFES
de, construiu moradias das quais algumas da da cidade, formada principalmente Agosto-Dezembro, 2014
ISSN 2175 -3709 17
se destinavam ao aluguel. por empregados do comércio (na época,
chamados de “caixeiros”), carroceiros e cidade funcionava como fundo de acumu-
catadoras de café (que, além de atuarem lação e, dada a perspectiva de continui-
na lavoura, trabalhavam nos fundos dos dade de crescimento da cidade, aparecia
Revista do Programa de Pós armazéns separando o café, numa época como forma de preservar o patrimônio e
Graduação em Geografia UFES em que ainda não existia maquinário na como investimento com alta possibilidade
Agosto-Dezembro, 2014 cidade para essa tarefa). de aumento da riqueza pessoal.
ISSN 2175 -3709
A maior parte dos imóveis urbanos foi Outra iniciativa que refletiu a extra-
adquirida ou construída entre o final dos ção de renda a partir do direito de uso
anos 1930 e início de 1950, momento em da propriedade da terra foi a construção
que a cidade de Guaçuí mais se destacava de hospedarias na cidade. Por volta dos
no cenário estadual. Prosperava em de- anos 1950 José Ferraz investiu também
21-Depoimento de Sérgio Augusto
Marques, colhido em 26-10-2012.
corrência da produção de café e do cres- nesse segmento, edificando-a ao lado de
Sérgio Marques nasceu em 1944 e cimento da pecuária leiteira. A aparente seu armazém de café, em frente à estação
é neto de Osório Marques. Chegou ausência de preocupação em receber os da Leopoldina. No entanto, foi Emiliana
a trabalhar ajudando na contabi- aluguéis24 – segundo informações de fa- Emery quem obteve destaque no ramo.
lidade da obra desse último prédio,
obra executada pelo construtor João
miliares, o Sr. Ferraz quase nunca reajusta- Emiliana Emery, sabendo que
Avengelista Del-Fiume. va os valores dos aluguéis e ainda chegava seria construída a estrada de ferro, edificou
a perdoar atrasos sem cerimônia – eviden- na rua Monsenhor Miguel de Sanctis o
cia que o mercado de aluguéis na cidade primeiro hotel da cidade, o Hotel Emery,
22-José Ferraz de Oliveira não proporcionava altos rendimentos. No no ano de 1909, para hospedar os enge-
(1895-1979) era sobrinho do entanto, esse tipo de investimento já pos-
Capitão Américo Machado e veio nheiros que trabalhavam na construção
jovem de Tombos (MG) para Gua- sibilitava uma retribuição pelo direito de da ferrovia. Em 1929 construiu o segundo
çuí, estabelecendo residência na uso da propriedade da terra na cidade. O Hotel Emery (Figura 8), na Av. Espírito
fazenda do Castelo para trabalhar interesse, admite-se, era o rendimento fu- Santo. O hotel foi a primeira edificação
como guarda-livros. Muito cedo turo decorrente da valorização imobiliária.
investiu na atividade de comércio comercial a dar para a Av. Espírito Santo.
na cidade. Tornou-se grande pro- Iniciativas como essas refletem a pers- O Grande Hotel Minas Gerais, inau-
prietário em virtude do matrimô- pectiva dos proprietários de usufruir futu- gurado em 1930, de propriedade de Osó-
nio com Sebastiana A. de Mendon-
ramente da valorização da propriedade rio Marques, foi o maior empreendimen-
ça, filha do fazendeiro Simplício A.
de Mendonça. Quando Guaçuí se imobiliária decorrente do desenvolvimen- to hoteleiro da cidade. Segundo familiares
desmembrou de Alegre, José Fer- to da cidade, possibilitando-lhes, assim, de Emery, ele havia sido construído para
raz elegeu-se vereador na primeira obter rendas crescentes. Em termos de ser entregue a Emiliana em regime de
legislatura municipal. Tornou-se
reserva de valor, a propriedade de terra na concessão; contudo, um desentendimento
provavelmente o maior empresário
e proprietário de terras do municí-
pio nos anos 1950 e 1960.
23-Depoimento de D. Maria
Ferraz Marques colhido em 16-11- Figura 7: Moradias de aluguel que pertenceram a José Ferraz de Olivera: localizadas na
2012. Maria Ferraz é filha do Sr.
chamada rua dos Correios.
José Ferraz de Oliveira e nasceu em
1930. Como considerável número
dos imóveis do proprietário não
possuía registro de propriedade, isso
nos impediu de apresentar um nú-
mero exato de propriedades urbanas.
Contudo, a informação contida no
depoimento de D. Maria foi con-
firmada pelos demais entrevistados.
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
Paginas de 3 a 22 Carlos Teixeira de Campos Júnior
Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
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quanto ao nome do hotel, que faz referên- Figura 8: Hotel Emery, na Av. Espírito Santo, inaugurado em 1929.
cia ao Estado de seu primeiro proprietá-
rio, impediu a concretização do acordo. 25
O comentário de Durval Emery sobre
a ocupação da Av. Espírito Santo26 deixa
entrever o pensamento de preparar a ci-
dade para o crescimento econômico que
começava a ser notado:
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Referências bibliográficas
Fontes primárias:
Entrevistas:
Bibliografia
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Construção da Cidade: A Participação da Produção da Renda na Formação Urbana de Guaçuí-ES Marcos Cândido Mendonça
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