Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Organizadores
Manuel Haimovici
Belém
2006
ISBN: 85-247-0345-8
Comissão Editorial
Victoria Judith Isaac, UFPA
Agnaldo Silva Martins, UFES
Manuel Haimovici, FURG
José Milton Andriguetto Filho, UFPR
Patrocínio:
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)
Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A. (EPAGRI)
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)
Inclui bibliografia
AGRADECIMENTOS
A coordenação do Projeto RECOS, através do Grupo Temático Modelo Gerencial da Pesca, agradece ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsas de
estudo e ao Ministério de Ciência e Tecnologia pelo apoio financeiro ao Projeto RECOS do Programa
Institutos do Milênio. Pela sua contribuição no fornecimento e coleta de dados, o Projeto RECOS agradece
também às seguintes instituições:
Síntese do estado de conhecimento sobre a pesca marinha e estuarina do Brasil ................................. 181
Victoria Judith Isaac Nahum, Agnaldo Silva Martins, Manuel Haimovici, Jorge Pablo Castello
& José Milton Andriguetto
PREFÁCIO
A zona costeira brasileira, que se estende por mais de 8.500 km, concentra uma grande diversidade de recursos
renováveis e cerca de 70% da população do país. Zona costeira, aqui, é entendida como uma larga faixa, que
inclui o litoral emerso, águas estuarinas e o domínio das águas marinhas de largura variável, conforme a extensão
da plataforma continental. A progressiva ocupação dessa zona, particularmente acelerada ao longo das últimas
décadas, tem gerado conflitos entre a necessidade de preservação e de desenvolvimento, como também vem
acontecendo em diversas partes do mundo. O acesso e a extração dos recursos pesqueiros têm-se intensificado
aceleradamente, contribuindo para a sobreexplotação, depleção e até colapso da pesca de vários estoques.
Com quase 200 milhões de habitantes, o Brasil enfrenta hoje o desafio de atender a uma demanda crescente no
consumo de proteínas de origem marinha. A geração dessas proteínas encontra-se ameaçada pela degradação
dos habitats costeiros e, particularmente, pela crescente pressão pesqueira, evidenciada pelo aumento do número
de pescadores, maior quantidade de embarcações e avanços nos recursos tecnológicos, que se refletem tanto na
pesca de pequena como de grande escala.
Tradicionalmente, as pesquisas pesqueiras no Brasil estiveram focalizadas em recursos pesqueiros individuais,
abordando questões como sua biologia, ecologia, dinâmica populacional e dimensionamento de sua abundância,
com escassa ou nenhuma consideração pelas outras variáveis bióticas e abióticas do ecossistema, assim como pelos
componentes sociais, tecnológicos e econômicos. Também as medidas de manejo respondiam a uma visão de
desenvolvimento da pesca, com pouca atenção para a sustentabilidade da produção. Entretanto, a ratificação da
Convenção do Mar pelo Congresso Brasileiro, em 1988, e os compromissos nacionais e internacionais gerados por
esse instrumento jurídico levaram o governo brasileiro a adotar uma política mais incisiva em relação a esses recursos,
o que se refletiu nas determinações do IV Programa Setorial para Recursos do Mar, em 1994, mantidas nos planos
seguintes. Como conseqüência, numa parceria entre vários ministérios, foi lançado o Programa Avaliação do Potencial
Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (REVIZEE), que inicia um novo momento na pesquisa
pesqueira nacional, de abordagem mais integrada e voltada à sustentabilidade do desenvolvimento da pesca.
Concomitantemente, na década de 90, a visão desenvolvimentista foi evoluindo, dando lugar a uma concepção
mais preocupada com a conservação, a recuperação dos estoques e com os fundamentos do manejo da pesca.
Essa mudança de enfoque é destacada no documento produzido pela CNIO - Comissão Nacional Independente
dos Oceanos (1998) e, mais tarde e de maneira mais explícita, no documento do Ministério de Ciência e Tecnologia
“Política Nacional de C&T Marinha” (2001), que reconhece o imperativo de assegurar a sustentabilidade dos
sistemas marinhos costeiros brasileiros. Esses antecedentes fundamentaram a inclusão da temática sobre recursos
do mar na chamada do edital do Programa “Institutos do Milênio” (MCT/PADCT/CNPq). Em resposta, um grupo
de pesquisadores de diferentes regiões do país formulou o projeto intitulado: “Uso e Apropriação de Recursos
Costeiros” (RECOS), estruturado no formato de uma rede interinstitucional, que foi aprovado em 2001.
Fazendo uso das capacidades existentes, o trabalho em rede, premissa básica do projeto, promoveu a cooperação
e incrementou as interações entre pesquisadores de diversas regiões do Brasil, o que melhorou o fluxo de
conhecimento, alargando a caracterização e entendimento dos problemas e abrindo novas oportunidades para
formação e capacitação de recursos humanos.
O presente livro reúne artigos produzidos por uma equipe de mais de 50 pesquisadores e representa o primeiro
produto formatado no marco das atividades do Grupo Temático Modelo Gerencial da Pesca - MGP do RECOS. Está
estruturado em oito capítulos, um capítulo para cada um dos sete estados do litoral brasileiro incluídos no projeto e
um capítulo final, no qual são sintetizados dados sobre os estoques explorados, a produção total, a sazonalidade e o
padrão de distribuição geográfica das pescarias, as artes de pesca e as frotas utilizadas, a descrição e quantificação
do esforço e outros aspectos tecnológicos e econômicos da atividade. Foram incluídas também informações sobre a
organização dos pescadores, os sistemas de ordenamento vigente e as políticas públicas implementadas pelo governo,
bem como a descrição dos sistemas de manejo existentes e os conflitos entre os diversos atores envolvidos.
É com muita satisfação, como coordenador do Projeto RECOS, que apresento esta obra, que acredito ser de
utilidade não somente para a comunidade científica e acadêmica, como também para as instituições de gestão,
tomadores de decisão e organizações ambientalistas na busca de melhores soluções para assegurar a sustentabilidade
da pesca no país.
JOSÉ MILTON ANDRIGUETTO FILHO, PAULO DE TARSO CHAVES, CÉSAR SANTOS, SIDNEY ANTONIO LIBERATI
RESUMO: O litoral do Paraná é constituído por sete municípios, com superfície pouco superior a 6.000 km² e população
de 236.000 habitantes. Os pescadores distribuem-se em cerca de 60 vilas, rurais ou urbanas. A pesca sediada no estado
é de pequena escala. Apenas os barcos camaroneiros, baseados no município de Guaratuba, constituem uma pescaria
especializada e empresarial. A plataforma interna é dominada pela pesca de arrasto dos camarões sete-barbas e branco,
este também capturado pela pesca de caceio (deriva) e pela pesca de gerival. O emalhe destaca-se entre as pescarias de
peixe. Os tamanhos de malha variam comumente de 4,5 a 22 cm entre nós opostos, chegando a 60 cm para a captura
de cações. Há uma grande diversidade de outras práticas, algumas de distribuição muito localizada: espinhel, cambau,
lanços de rede, arrastão de praia, irico, cerco fixo e coleta de moluscos e crustáceos. A produção total anual tem
oscilado entre 500 e 2.500 t. Paranaguá e Guaratuba respondem respectivamente por 26% e 64% dos desembarques,
compostos de 27 tipos de recursos pesqueiros, correspondendo a 72 espécies. Nos últimos anos, moluscos, peixes e
crustáceos representaram respectivamente 1%, 26% e 73% do desembarque total. O grupo dos crustáceos é amplamente
dominado pelos camarões, cuja participação dificilmente ficou abaixo de 50%. Entre os peixes, destacam-se os Clupeidae
e Sciaenidae. Os camarões respondem por cerca de 40% da receita total anual, que, em reais (R$) de 2002, oscilava
entre 3,7 e 6,9 milhões no início dos anos 90. Os locais de desembarque são muito pulverizados. As empresas de
pescado e os mercados municipais de Paranaguá e Guaratuba são os principais e concentram a primeira comercialização.
Há mercados comunitários e desembarque de praia em várias localidades. O produto é revendido, sob várias
apresentações, para Curitiba, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Os comerciantes locais
nas vilas rurais constituem outra forma expressiva de escoamento da produção. Os principais tipos de embarcação são
as canoas monóxilas, bateiras, botes e barcos, a maior parte de madeira. O número oficial mais recente é de 930
embarcações, relativamente estabilizado desde 1992, depois de uma queda marcada desde 1987. Um levantamento
em 1995 indicou 749 embarcações motorizadas. O número total de pescadores registrados aumentou mais de 39%
entre 1989 e 1996, chegando a 6.548. Atualmente, o número oficial, reconhecidamente subestimado, é da ordem de
4.200 pescadores. Naquele mesmo período, o número de pescadores filiados às colônias também aumentou, mas o
declínio dos que se mantinham em dia foi mais intenso, recuperando-se em anos recentes para atingir pouco mais de
4.000 em 2002. Parece considerável o número de pescadores sem o registro profissional e filiação às colônias. Várias
vilas e bairros têm associações de moradores com participação expressiva de pescadores. Quanto às relações de trabalho,
predominam amplamente a informalidade e o clientelismo. As normas de manejo pesqueiro com repercussão no Paraná
são o defeso do camarão, o licenciamento para o sete-barbas e a faixa reservada às embarcações de pequeno porte.
Além da legislação pesqueira, várias normas de proteção ambiental se aplicam ao litoral do Paraná, limitando o uso de
recursos florestais pelo pescador. Em relação ao apoio governamental, funcionaram recentemente os programas estaduais
“Paraná 12 Meses”, de fomento ao setor primário, e “Baía Limpa”, eminentemente paternalista. O atual programa de
subsídio ao óleo diesel para embarcações de pesca ainda não está funcionando no Paraná. Verificam-se duas grandes
categorias de conflitos: aqueles internos ao setor, decorrentes do acesso livre e da competição entre escalas e modalidades
de pesca; e os conflitos e contradições externos, como conflitos fundiários e desalojamento de pescadores, conflitos com
órgãos de governo e ONGs em torno de restrições legais e problemas institucionais, além de conflitos de mercado.
três canais, com a entrada principal ao redor da Ilha do até 50 m de largura, em frente aos manguezais. Cerca
Mel. A plataforma costeira adjacente, na área de de 100 espécies de macroalgas bênticas ocorrem na
abrangência do zoneamento marinho, é bastante região, principalmente em costões rochosos expostos e
homogênea quanto a seu ambiente físico, com nos manguezais. Condições ótimas de luminosidade e
profundidade inferior a 30 m e fundos arenosos. nutrientes para o crescimento do fitoplâncton são
O clima da região (Cfa) depende do deslocamento encontradas nas áreas mesohalinas da baía.
norte-sul do giro anticiclônico semipermanente do O complexo estuarino da Baía de Paranaguá foi
Atlântico Sul e da passagem de massas polares frias, classificado por Knopers et al. (1987) como um estuário
principalmente no inverno. Frentes frias de sudoeste parcialmente misturado (tipo B), com heterogeneidade
para nordeste constituem a principal perturbação lateral – os gradientes laterais de salinidade, originados
atmosférica. Os ventos mais freqüentes são os de NE, do aporte de água doce dos rios e canais de maré,
com velocidade média de 4 m/s, mas tempestades de formam microestuários nas porções de maior salinidade
sudeste podem chegar a 25 m/s. A estação chuvosa da baía. A profundidade média é de 5,4 m, e o tempo
típica vai do final da primavera até o final do verão, de residência de 3,5 dias. A salinidade e a temperatura
com três vezes mais chuva do que a estação seca, do médias variam respectivamente de 12 a 29 e 23 a 30oC
fim do outono ao fim do inverno. no verão e 20 a 34 e 18 a 25oC no inverno. As marés são
O interior das baías é margeado principalmente por semidiurnas, com desigualdades diurnas (em quadratura,
marismas e manguezais, enquanto extensas praias pode haver até seis marés altas e baixas por dia). Em sizígia,
arenosas e algumas praias rochosas compõem a linha a amplitude de maré vai de 1,7 m na embocadura a 2,7 m
de costa exposta ao oceano. Na Baía de Paranaguá, os nas porções superiores. A amplitude média de maré é de
manguezais ocupam a maior parte das zonas entremarés 2,2 m. O estado trófico varia de quase oligotrófico, na
(186 km2). Marismas de Spartina alterniflora colonizam zona da desembocadura, durante o inverno, a eutrófico
os baixios como faixas estreitas e descontínuas, com durante o verão, nas porções médias e superiores.
Figura 1. Litoral do estado do Paraná: municípios, principais acessos e feições geográficas. Fonte: IPARDES, 1989.
119 DIAGNÓSTICO DA PESCA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ
Nessas áreas, encontram-se os valores mais altos de de pescadores, rurais ou urbanas, no interior das baías
clorofila-α e nutrientes inorgânicos dissolvidos, durante e na frente oceânica. Essas vilas podem se apresentar
a estação chuvosa. De um modo geral, ao longo dos de várias formas, desde pequenos povoados
eixos leste-oeste e norte-sul da Baía de Paranaguá, há exclusivamente pesqueiros, acessíveis somente por
gradientes bem definidos de energia do ambiente água, até bairros urbanos. A presença de imigrantes
deposicional, salinidade (9 a 34 ‰), pH, nitrogênio, catarinenses é forte, principalmente nas comunidades
fósforo, silício, transparência da água, seston, oxigênio do município de Guaratuba. A Figura 2 apresenta a
dissolvido, clorofila, outros pigmentos, produtividade localização e o tamanho estimado das vilas, segundo
primária e profundidade (2 a 33 m), verificando-se as levantamento feito pelos autores. Foram identificadas
diferenças mais acentuadas entre a Baía de Antonina e originalmente 103 vilas, embora haja diversos outros
o restante do sistema. A distribuição no espaço e no agrupamentos menores de pescadores em meio ao
tempo da maioria das propriedades físico-químicas da tecido urbano da orla sul, nos municípios de Pontal
água se correlaciona bem com os gradientes de energia do Paraná, Matinhos e Guaratuba. Nas áreas urbanas,
e salinidade, além de ser fortemente influenciada pelo pôde-se verificar certo grau de dispersão, mas os
regime de chuvas, principalmente nas seções superiores pescadores, de um modo geral, apresentaram-se
e intermediárias da baía. concentrados no mesmo bairro ou vizinhança, onde
As baías de Antonina e de Paranaguá propriamente dita, nem toda a população é de pescadores. Constatou-
se que 43 das 103 vilas desapareceram ou sofreram
a oeste, são francamente estuarinas, podendo ser
forte redução da população nas últimas décadas, o que
classificadas como estuário homogêneo no inverno e
estratificado no verão. O sedimento de fundo é sugere estarem em vias de desaparecer. O fenômeno
acontece em todos os municípios do litoral.
predominantemente síltico-argiloso com manchas de
Inversamente, há uma dinâmica de concentração
areia, muito mal classificado, e com alto teor de matéria
orgânica. Já a zona nerítica da Baía de Paranaguá, da populacional em algumas vilas, especialmente em
bairros urbanos e nas entradas das baías.
Ilha da Cotinga até a barra, caracteriza-se como uma
área de grande dinâmica e de mistura das águas dos O litoral do Paraná apresenta uma grande diversidade
estuários da Baía de Paranaguá e da Baía das de modalidades de pesca, descritas em parte por Loyola
Laranjeiras na maré vazante. O fundo é de areia fina e Silva et al. (1977), SPVS (1992a e b) e, mais
bem selecionada. É nessa área que se verifica a maior recentemente, por Andriguetto Filho (1999, 2002),
riqueza de espécies de peixes no complexo estuarino. Chaves (2002) e Chaves et al. (2002). De um modo
geral, a pesca sediada no estado é de pequena escala
As demais células do complexo da Baía de Paranaguá
ou “artesanal”, com uma produção ainda não
(Baía das Laranjeiras, Baía de Guaraqueçaba e Baía
corretamente avaliada, mas provavelmente de
dos Pinheiros) são ambientes estuarinos menos
importância mais regional e de menor expressão no
conhecidos cientificamente. A última se comunica com
cenário nacional. Segundo Paiva (1997), entre 1980 e
o estuário de Cananéia pelo Canal do Varadouro.
1994, essa modalidade foi responsável por 92,2% da
Também pouco se conhece sobre as características
produção desembarcada na região. Embarcações
oceanográficas da Baía de Guaratuba e da plataforma
industriais procedentes de outros estados também
continental, cujos fundos, até os 20 m, são constituídos
operam na costa paranaense, mas tais pescarias não
de areia média a grossa bem classificada. A salinidade
serão abordadas aqui.
da Baía de Guaratuba, à entrada, é alta e pouco
variável, em torno de 30 a 32 ‰, e muito variável no A Figura 3 procura mostrar a distribuição das principais
fundo da baía, onde pode atingir valores de 1 a 31‰. práticas de produção. Também estão localizados, como
elementos estruturais da atividade pesqueira, os
PANORAMA GERAL DA PESCA principais pontos de desembarque de pescado e as
sedes das colônias e da extinta cooperativa de pesca.
O litoral do Paraná é constituído por sete municípios: Além das constatações de pesquisa de campo, este
Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, mapa sintetiza as informações encontradas em Loyola
Morretes, Pontal do Paraná e Paranaguá. A região e Silva e Nakamura (1975), Loyola e Silva et al. (1977),
abrange uma superfície pouco superior a 6.000 km² Corrêa et al. (1987), IPARDES, (1989), Rougeulle,
entre o Oceano Atlântico e a Serra do Mar, abrigando (1989, 1993), Martin (1992) e SPVS (1992a e b). Os
uma população humana de 235.840 habitantes segundo ambientes de manguezal, estuário e nerítico
o censo de 2000 (Figura 1). Existem hoje em todos os correspondem, como se poderia esperar, a diferentes
municípios, com exceção de Morretes, cerca de 60 vilas associações ou bases de recursos.
J.M.ANDRIGUETTO FILHO, P.T.CHAVES, C.SANTOS & S.A.LIBERATI 120
Figura 2. Litoral do estado do Paraná: zonas marítimas e vilas pesqueiras. Fontes: SUCAM – Superintendência de Campanhas
contra a Malária, da FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, dados de 1994; Andriguetto Filho, 1999, 2002; Chaves et al., 2002.
Figura 3. Litoral do estado do Paraná: sinopse da pesca. As zonas indicadas para os recursos de ocorrência geral correspondem a
grandes espaços pesqueiros com associações semelhantes de recursos e práticas de pesca. Como indicado, outras práticas podem
apresentar distribuição bastante localizada. Os pontos indicados para a frota de barcos correspondem aos portos de abrigo ou
fundeio permanente. A cooperativa de pesca não mais existe. Fontes: SPVS, 1992; Andriguetto Filho, 1999.
121 DIAGNÓSTICO DA PESCA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ
A plataforma interna, ao longo de toda a costa, é boa parte dos desembarques de praia. Há também um
dominada pela pesca de arrasto de camarão, a mais cais aproveitado para desembarque de traineiras e
importante em volume e valor, voltada para o sete- arrasteiros, inclusive de fora do estado, na área de Ponta
barbas (Xiphopenaeus kroyeri) e o branco (Litopenaeus do Poço, já no interior da Baía de Paranaguá. Esse ponto
schimitti). Dentre as pescarias de peixe, o fundeio para de desembarque parece importante, mas não foi objeto
cienídeos e cações é o mais difundido e importante. de pesquisa e jamais foi considerado nas estatísticas
Além dessas, há uma grande diversidade de práticas, oficiais. No município de Paranaguá, o desembarque
algumas de distribuição mais localizada, com destaque acontece no mercado municipal e em mais duas ou três
para a pesca do irico1 nas áreas mais setentrionais do grandes empresas ou peixarias, com destaque para a
complexo da Baía de Paranaguá (baías de Laranjeiras Hoshima e São Francisco. Boa parte da pesca
e Pinheiros), e a pesca de cerco fixo de taquaras na desembarcada nas dezenas de vilas ribeirinhas à baía
Baía dos Pinheiros e suas ligações com Baía das acaba sendo escoada por uma daquelas vias na sede
Laranjeiras. Arrastos de praia para tainha e robalo do município. Em Antonina, o pouco desembarque
ocorrem ao longo da costa, embora não sejam se concentra na Ponta da Pita e no mercado.
praticados por todos os grupos de pescadores. As Finalmente, em Guaraqueçaba, há também muita
atividades de coleta de moluscos (ostra e sururu) e pulverização, mas uma boa parte do pescado acaba
crustáceos (siri e caranguejo) são também significativas. escoada pelas vias relatadas para Paranaguá. Uma
O único segmento que se pode classificar de empresarial notável exceção é o camarão-sete-barbas,
e aquele que melhor se caracteriza como uma pescaria desembarcado na vila de Superagüi, cozido e salgado
especializada é o dos barcos arrasteiros de camarão, localmente e escoado por São Paulo.
fortemente inserido no mercado, cujos proprietários,
denominados de armadores, raramente executam a PRODUÇÃO E ESTATÍSTICAS
pescaria eles mesmos. A frota está baseada
principalmente em Guaratuba, com portos também em As informações apresentadas nesta seção foram obtidas
Paranaguá e Pontal do Paraná. da série histórica de estatísticas de desembarque
registrada de 1975 a 1990 pela SUDEPE
(Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca)
DESEMBARQUES e de 1991 a 2000 pelo IBAMA. O diagnóstico deve ser
tomado com bastante reserva, uma vez que as estatísticas
PONTOS DE DESEMBARQUE
são pouco confiáveis. Não havendo espaço para uma
análise deste problema, cabe apenas comentar que,
Os locais de desembarque são pulverizados em todos segundo os próprios técnicos do IBAMA, a cobertura dos
os municípios como se poderia esperar, mas há desembarques foi sempre insuficiente, além de oscilar
exceções. No município de Guaratuba, seis ou sete de ano a ano, em parte porque a metodologia também
“salgas”, empresas de pescado do bairro de Piçarras, não foi consistente. Por exemplo, o desembarque nas
mais o mercado municipal, concentram os salgas em Guaratuba, o mais importante do estado, não
desembarques, aquelas principalmente de camarão, este foi computado em todos os anos. Pontos importantes
principalmente de peixe. Há mercados comunitários em como a Ponta do Poço e Superagüi, já citados, nunca
Brejatuba e Coroados, e também desembarque na praia foram amostrados. O mesmo vale para as grandes
nos bairros de Caieiras e Brejatuba, usualmente já peixarias e comerciantes.
comprometido com uns poucos comerciantes locais. Em A produção total de pescado registrada no Paraná tem
Matinhos, o mercado da associação de pescadores oscilado entre 500 e 2.500 t por ano (Figura 4). O
recebe a maior parte do desembarque. Em Pontal do período de baixos desembarques entre 1982 e 1993 é
Paraná, a pulverização é grande ao longo da praia. mais provavelmente um artefato de amostragem do que
Todavia, há concentração de desembarques, um reflexo da realidade. Corresponde, grosso modo,
principalmente de camarão, no antigo porto de travessia ao período de declínio da SUDEPE e à transferência
para a Ilha do Mel, enquanto um comerciante canaliza de suas funções para o IBAMA, entre 1989 e 1991.
1
O irico é o conjunto de larvas e juvenis iniciais de peixes e camarões, com grande dominância de larvas de manjuba, pescado na forma de
lanço ou cerco com rede de filó para ser salgado e seco. É destinado ao mercado nacional e mesmo internacional através de intermediários
paulistas, e apreciado como aperitivo e base para culinária em geral.
J.M.ANDRIGUETTO FILHO, P.T.CHAVES, C.SANTOS & S.A.LIBERATI 122
Nada indica que tenha havido flutuações Como mostrado na Figura 6, nos últimos quatro anos de
correspondentes de esforço e, como as variações se estatísticas, moluscos, peixes e crustáceos representaram
aplicam a quase todas as espécies de peixes e respectivamente 1%, 26% e 73% do desembarque total.
crustáceos, uma explicação biológica exigiria Entre os peixes, Serranidae e Sciaenidae foram as famílias
considerar um fenômeno ecossistêmico de grande mais comuns, cada uma representada por 12 espécies.
escala, afetando tanto os ambientes de baía quanto Em termos de peso, as famílias Clupeidae e Sciaenidae
os de mar aberto. responderam respectivamente por ½ e ¼ do
Nos últimos três anos, para os quais os desembarques desembarque total de peixes. Cefalópodes representaram
foram discriminados por local, Paranaguá e Piçarras 57% dos moluscos desembarcados, enquanto bivalves
(município de Guaratuba) eram os portos principais, representaram 43%. A partição entre os principais grupos
respondendo por 26% e 64% dos desembarques, de recursos observada na Figura 6 provavelmente
respectivamente. Todavia, Guaraqueçaba contribuiu superestima a importância dos crustáceos, cuja produção
marcadamente para os desembarques de Xiphopenaeus é amplamente dominada pelos camarões branco e sete-
kroyeri, sendo o principal ponto de desembarque para a barbas. De qualquer forma, sua participação em volume
espécie entre 1983 e 1993 (Figura 5). Os desembarques dificilmente deve cair abaixo de 50% do total de
nesse município devem estar bastante subestimados desembarques controlados, representando uma
pelas estatísticas. proporção ainda maior em valor.
Figura 4. Evolução anual da produção de pescados desembarcados no litoral do estado do Paraná entre 1975 e 2000, em toneladas.
Fonte: RGP/SUDEPE, depois IBAMA/Paranaguá.
Figura 5. Desembarque anual médio de pescado em toneladas no litoral do Paraná entre 1992 e 1994, segundo o local. Fonte:
RGP/IBAMA/Paranaguá.
123 DIAGNÓSTICO DA PESCA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ
Figura 6. Desembarque anual médio de pescado em toneladas no litoral do Paraná entre 1997 e 2000, segundo a natureza – peixes,
moluscos ou crustáceos. Fonte: RGP/IBAMA/Paranaguá.
Figura 7. Em cima, à esquerda: canoas monóxilas (“de um pau só”) a motor na praia de Brejatuba, município de Guaratuba.
Algumas estão equipadas para arrasto de prancha de camarão-branco, outras para pesca de emalhe (fundeio). Acima: operação de
descarga de camarão-sete-barbas e detalhes do convés de um barco arrasteiro típico (107 HP, 8 t de porão, 11 m de comprimento).
Piçarras, município de Guaratuba. À esquerda: gerival, arrastãozinho ou tarrafinha na posição em que opera. Este é o principal
apetrecho para captura de camarões dentro das baías. Piassagüera, município de Paranaguá.
125 DIAGNÓSTICO DA PESCA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ
A pesca de caceio ou caceia é mais importante na orla tamanho do camarão. Há dois tamanhos mais comuns
oceânica sul, entre Matinhos e Pontal do Sul, mas de malha, 1,5 e 2,5 cm, o menor deles proibido. O uso
também se pratica dentro da Baía de Paranaguá. O do equipamento é extremamente difundido nas baías
“arrastãozinho” é restrito ao interior das baías. As duas paranaenses. É comum se encontrarem 40 a 50 canoas
modalidades são voltadas à captura do camarão-branco. pescando de gerival num mesmo baixio, muito próximas
O caceio consiste em deixar à deriva uma rede de entre si. Esse equipamento é notável pela extrema
emalhar, que pode ultrapassar os 2 km de extensão, facilidade de confecção e uso e pela grande
com malha de 4,5 a 5 cm, presa à embarcação. O acessibilidade ao recurso. Apesar de ser tecnicamente
arrastãozinho, tarrafinha, cambau ou gerival é uma uma rede de arrasto de travessão, o equipamento pode
modificação da tarrafa comum de arremesso para servir ser usado facilmente a partir de uma canoa a remo,
como rede de arrasto de travessão, com cerca de 2 a 3 impulsionada pela maré, igualmente por homens,
braças de boca (Figura 7). A captura fica retida em um mulheres e crianças. Além disso, pode ser usado em
capuz, facilmente substituível, cuja malha seleciona o qualquer profundidade e a qualquer hora.
Figura 8. Em cima, à esquerda: início de lanço de tainha em Pontal do Sul, Pontal do Paraná. A canoa vai estendendo a rede na água
à medida que avança para cercar o cardume. Há décadas atrás, a canoa seria maior, com seis tripulantes, sendo quatro remadores. A
rede teria centenas de braças de comprimento e necessitaria de 40 a 60 pessoas para puxá-la da praia. Acima: cerco fixo de taquaras na
Baía dos Pinheiros, município de Guaraqueçaba. À esquerda: o maior barco arrasteiro de camarão com porto no Paraná, no bairro de
Piçarras, em Guaratuba. A embarcação entrou em operação ao final de 1997 (comprimento de 15 m, motor de 140 HP, porão de 16 t).
J.M.ANDRIGUETTO FILHO, P.T.CHAVES, C.SANTOS & S.A.LIBERATI 126
Tabela 1. Tamanhos de malha e espécies-alvo das redes de emalhe, cambau e cerco no litoral do Paraná, como declarados pelos
pescadores. O tamanho é dado em centímetros, medido entre nós opostos com a malha esticada.
Tabela 2. Principais componentes das capturas profissionais, segundo a arte utilizada, conforme declarado pelas comunidades no
litoral sul do estado do Paraná. Em algumas categorias (ex.: pescada, camarões), várias espécies estão incluídas.
(*) Por mistura entende-se um aglomerado de espécies de pequeno porte e baixo valor comercial, freqüentemente
servindo de alimento para o próprio pescador: gerreídeos, carangídeos, alguns linguados, alguns cianídeos, etc.
Tabela 3. Composição específica dos desembarques entre 1997 e 2000 no litoral do Paraná.
Fonte: RGP/IBAMA/Paranaguá.
J.M.ANDRIGUETTO FILHO, P.T.CHAVES, C.SANTOS & S.A.LIBERATI 128
ainda maiores que os de Matinhos. As médias para pescas costeiras de melhor rendimento, que se
os demais municípios podem ser coerentes, apenas diluem na baixa produtividade geral da pesca de
lembrando que em Paranaguá e Guaraqueçaba há interior de baía.
Construção Casco de seção Casco com fundo em Casco com quilha, de Casco com quilha, de
transversal em U e V (com quilha) ou tábuas encaixadas de tábuas coplanares
proa quilhada em V, chato, de tábuas forma coplanar (lisa); popa (lisas), ou imbricadas
monóxilo, ou seja, coplanares (lisas) ou chata, sem porão (“boca (escamadas); popa
feito a partir de um imbricadas aberta”); quando dotado chata. Sempre dotada
único tronco de árvore (escamadas); proa e de casario, este se de porão, convés e
escavado. Pode ser popa agudos encontra à proa. Os casario à ré (instalações
dotado de borda ou (bicudos), sem porão, menores podem ter fundo para a tripulação no
saia. convés ou casario. chato. convés - cabine,
cozinha, beliches).
Comprimento 6 a 8 m (máx. 10 m). Até 12 m de De 7 até 12 ou mesmo 14 Acima de 12 m;
comprimento m podendo ultrapassar os
14 m.
Propulsão Remo, vela ou motor Motor até 30 HP Motor até 36 HP Motor, usualmente
de centro, de 11 a 24 acima dos 100 HP
HP (alguns superiores a
150 HP).
Conservação Usualmente nenhuma Nenhuma ou uma Nenhuma ou caixa de gelo Porão com gelo em
de pescado caixa de gelo barra ou escama
Capacidade Na casa das centenas Até 2000 kg 8000 kg (até 16000)
de quilos
Autonomia Pequena; volta ao Pequena; volta ao Pequena a média; volta ao Grande; viagens de até
porto diariamente. porto diariamente. porto diariamente ou duas semanas.
viagens de poucos dias.
Tripulação 1 ou 2 1 ou 2 1 ou 2 3 ou 4 (até 6)
Equipamentos Nenhum Pode ter guincho. Os maiores podem ter Tangones e guincho.
Nenhum eletrônico. tangones e guincho. Rádio, navegação e
Eventualmente eletrônicos; sonda; às vezes
principalmente rádio. sofisticados.
Área de atuação A remo, no interior das Em todo o litoral, Plataforma sul, de Barra Na plataforma, ao
baías. A motor, em principalmente em mar do Saí até a Ilha do Mel. longo de toda a costa.
todo o litoral, no mar e aberto. Aportam no interior das
nas baías. baías.
1
Os tipos correspondem aos termos usados pelos pescadores locais. Cada tipo admite variantes, principalmente em função
do tamanho, em virtude de os termos não serem aplicados consistentemente pelos próprios pescadores, principalmente se
de vilas diferentes. O termo baleeira, por exemplo, é aplicado às bateiras na Barra do Superagüi. No sul, barco e baleeira
são usados simultaneamente, a as bateiras nem sempre têm “duas proas”.
SOCIOLOGIA E ECONOMIA DA PESCA contribuição relativa dos recursos principais para a receita
total, para os mesmos anos. Correspondentemente ao
ASPECTOS ECONÔMICOS grande volume capturado, o camarão-sete-barbas
contribuiu com quase um quarto da receita total. O
As estatísticas de preço e receita foram descontinuadas camarão-branco sempre foi o recurso de maior valor por
pelo IBAMA no início dos anos 90, e a informação peso, de sorte que a pesca de camarão como um todo
disponível é muito fragmentada, de sorte que pouco se respondeu por cerca de 40% da receita bruta. Embora, à
pode dizer sobre a economia da pesca no Paraná. As época, a corvina correspondesse a 6% dos desembarques
receitas totais em reais (R$) de 2002 para os últimos anos totais contra os 2% atuais, sua grande participação na
em que o dado foi coletado são as seguintes: 1988 – R$ receita total parece duvidosa, pois normalmente é um
6.898.993,00; 1991 – R$ 4.447.712,00 e 1992 – R$ recurso de baixo valor por peso. Finalmente, cabe destacar
3.700.004,00. A Figura 11 procura dar idéia da a importância econômica do caranguejo de mangue.
Figura 9. Número total de embarcações a motor registradas no POCOF – IBAMA de Paranaguá entre 1985 e 1995. Fonte:
IBAMA – POCOF Paranaguá.
Figura 10. Produção de pescados por município do litoral paranaense, em toneladas por ano, relativamente ao número de pescadores
e ao número de embarcações. Fonte: EMATER/PR (1995).
131 DIAGNÓSTICO DA PESCA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ
As vias de primeira comercialização estão descritas com Sul e Rio de Janeiro. O camarão, por exemplo, pode sair
certo detalhe em Andriguetto Filho (1999), para o conjunto inteiro, descabeçado (cauda) ou descascado. Quase todas
do litoral, e, em Chaves (2002), para o município de as empresas de Guaratuba dispõem de máquinas
Guaratuba. Como já comentado em relação aos pontos descascadoras. A capacidade instalada declarada é
de desembarque, há alguns atacadistas locais (salgas e considerável, sendo mais um indício de que os
peixarias) em alguns municípios. A Tabela 7 apresenta os desembarques são grandemente subestimados pelas
maiores. Há diversas outras peixarias de médio e pequeno estatísticas oficiais. Note-se que todas as empresas, com
porte, além de negócios informais. Todos, comumente, uma exceção, têm capacidade individual superior ao total
revendem o produto congelado, sob várias apresentações, anual estimado de desembarques. Pelo menos uma das
para Curitiba, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do salgas de Guaratuba exporta camarões diretamente.
Figura 11. Receita bruta média por recurso para os anos de 1988, 1991 e 1992, em reais (R$) de 2002. “Outros” são recursos que
contribuíram com menos de 1,2% da receita total. Fonte: RGP/IBAMA/Paranaguá.
Tabela 7. Principais empresas de processamento de pescado no litoral paranaense e respectivas capacidades de estocagem.
Outra forma provavelmente bastante expressiva de a essas dinâmicas aparentemente contraditórias ainda
escoamento da produção é aquela feita pelos são mal compreendidos no Paraná. A inadimplência
comerciantes locais nas vilas rurais e peixarias menores do início dos anos 90 pode ser associada a um
nos bairros urbanos, que intermedeiam a venda da movimento de desprestígio e abandono das colônias,
produção para distribuidores e grandes consumidores, já que a conjuntura institucional trabalhista e de
como restaurantes em Paranaguá, Curitiba, São Paulo proteção aos recursos pesqueiros naquele período
e cidades do litoral catarinense. Muitas peixarias e esvaziou sensivelmente seu papel. Por diversas razões,
atacadistas de Curitiba e estados vizinhos se abastecem as colônias paranaenses, até hoje, não têm assumido
diretamente com alguns desses comerciantes, neste caso nenhum papel na gestão pesqueira, nem diretamente,
usualmente levando o produto em gelo. Apenas em nem enquanto representação de categoria. A partir de
Superagüi, como já apontado, existe uma atividade 1996, quando se inicia o pagamento do seguro-
importante de salga de camarão, destinado a São Paulo, desemprego no Paraná, as colônias recuperam a
o que pode ter mudado nos últimos dois ou três anos função de intermediárias entre o pescador e seus
com o advento da energia elétrica na vila. O último direitos, e, como conseqüência, a inadimplência cai
destino é a venda direta ao mercado local e ao turista, fortemente (Figura 13). No Paraná, todos os processos
principalmente no verão, pelos mercados comunitários de aposentadoria e benefícios (seguro-desemprego,
e um sem-número de peixarias e “bancas” espalhadas auxílio-doença, salário-maternidade) hoje passam
em todos os municípios. pelas colônias, que aproveitam para exigir a filiação
Em todos os casos, salvo os de menor escala, há e o pagamento das mensalidades em troca da
também a comercialização de pescados provenientes tramitação (Figura 14). Desta forma, o número de
de outras localidades, principalmente de Santa filiados em dia volta a se aproximar do número total,
Catarina e mesmo do exterior, como é o caso do e o número de colônias continua aumentando no
salmão de cultivo chileno. estado. No litoral, assim que o município de Pontal
do Paraná desmembrou-se do de Paranaguá, há
ASPECTOS SOCIAIS alguns anos, iniciou-se o movimento para a
transfor mação em colônia da associação de
A evolução do número de pescadores filiados às pescadores já existente. Embora o processo não tenha
colônias entre 1989 e 1996 é apresentada na Figura sido concluído, a associação já está funcionando como
12. Assim como o número de pescadores então colônia, tendo satisfeito as exigências do Ministério do
registrados junto ao IBAMA-PR, esse número também Trabalho. Por outro lado, nossas observações até o
aumenta consideravelmente. Por outro lado, no momento sugerem que é considerável o número de
mesmo período, o declínio dos que se mantêm em pescadores, principalmente mais jovens, sem nem
dia é ainda mais intenso, recuperando-se em anos mesmo o registro profissional obrigatório e muito
recentes (Figura 13). Os processos sociais subjacentes menos filiação às colônias.
Figura 12. Número de pescadores filiados às colônias de pesca em cada município do litoral do Paraná até março de 1996. A escala
da direita refere-se ao número total. Fonte: IBAMA – POCOF Paranaguá.
133 DIAGNÓSTICO DA PESCA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ
Além das colônias, cabe citar a existência de uma Quanto às relações de trabalho, predominam
pequena associação de pescadores em Paranaguá. Por amplamente a informalidade e o clientelismo. As regras
outro lado, várias vilas e bairros têm associações de de distribuição do quinhão variam com o sistema de
moradores com participação expressiva, às vezes pesca (Andriguetto Filho, 2002), mas, diante das
dominante, de pescadores, principalmente nos mudanças sociais das últimas décadas, sempre levaram
municípios de Paranaguá e Guaraqueçaba. A a uma intensificação das relações clientelistas e à
organização social tem sido estimulada pela EMATER e concentração da renda nas vilas de pescadores
por ONGs e prefeituras no litoral, além de ser exigida (IPARDES, 1989; SPVS, 1992a; Andriguetto Filho, 1999;
por lei para que alguns benefícios sejam concedidos, Borges et al., 2004). Atualmente, mesmo nos casos em
como é o caso do Programa Paraná 12 Meses (ver que as frações da partilha são iguais, o proprietário dos
adiante). Assim, embora não haja estudos formais equipamentos freqüentemente não trabalha. Na maior
avaliando o grau de organização comunitária, é seguro parte dos casos, nas vilas não urbanas, os principais
afirmar que este não é negligenciável. proprietários dos equipamentos são também os
Figura 13. Número de pescadores em dia com as colônias de pesca em cada município do litoral entre 1989 e março de 1996, e em
fevereiro de 2002. A escala da direita refere-se ao número total. Fonte: IBAMA – POCOF Paranaguá e colônias.
Figura 14. Número de pescadores que requereram o seguro-desemprego em 2001 e 2002 na época do defeso. Fontes: Folha de
Guaratuba (28/3/02) e colônias.
J.M.ANDRIGUETTO FILHO, P.T.CHAVES, C.SANTOS & S.A.LIBERATI 134
comerciantes locais, que intermedeiam a venda da Uma normatização que tem sido bastante discutida desde
produção pesqueira para os distribuidores nos centros o início dos anos 90 refere-se à delimitação de faixas
urbanos maiores. Em uma grande vila do litoral norte, costeiras para o arrasto demersal conforme o tamanho
por exemplo, todo o camarão-sete-barbas e boa parte das embarcações. Em princípio, a portaria em vigor
do branco são inter mediados por apenas 3 estabelece que os barcos pesqueiros, as embarcações de
comerciantes, ex-pescadores, dois dos quais parentes maior porte e alcance, arrastem apenas além das três
próximos. É interessante notar que dois daqueles milhas. As demais embarcações não têm limitações. Em
comerciantes ocupam ou já ocuparam cargos públicos anos recentes, todavia, tem havido pressão para que o
no município. Ainda nas vilas não urbanas, os mesmos limite seja recuado para uma milha, e para que a pesca
inter mediários são freqüentemente os únicos de canoas seja limitada a uma milha (provavelmente para
distribuidores locais de produtos industrializados. É que as redes de caceio não interfiram com o arrasto). O
comum a venda pelo sistema “de caderneta”, que trecho a seguir, tomado da edição de 28/9/01 da Folha
representa um endividamento permanente para os de Guaratuba, revela os atores e conflitos:
membros da vila, mas também a garantia da “Barcos pesqueiros só após 3ª milha. A proposta
subsistência na entressafra. Finalmente, as para que embarcações de arrasto de camarão com
embarcações motorizadas dos comerciantes também capacidade superior a 10 toneladas pudessem arrastar
são meios importantes de transporte, quando não entre a 1ª e a 3ª milhas está paralisada. Representantes
únicos, principalmente em casos de emergência. Nos da Associação de Pescadores de Pontal do Paraná e
bairros urbanos, a situação parece apresentar-se Colônia de Matinhos não aceitaram o limite de restrição
abrandada, mas de qualquer forma os atacadistas de de uma milha para as canoas. Como não houve
pescado ou “salgueiros” são proprietários dos maiores consenso, a portaria não será modificada, valendo o
e melhores barcos, freqüentemente possuindo mais de limite da terceira milha. Pescadores de Guaratuba
um. Por outro lado, nem todos eram pescadores ou chegaram a paralisar a travessia de ferry-boat para
tinham tradição familiar pesqueira. No caso particular reivindicar a redução da 3ª para a 1ª milha.”
da pesca de barcos, a legislação que exige a
formalização do embarque e desembarque do Cabe ainda citar que, já a partir do fim da década de 70,
tripulante é freqüentemente desconsiderada para evitar o arrasto de fundo e o cerco de sardinhas foram proibidos
o recolhimento de obrigações sociais. pela SUDEPE no interior das baías, por demanda do
próprio setor pesqueiro, devido à suposta queda de
rendimentos que provocam em outras formas de pesca.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Em relação às linhas de apoio, têm funcionado os
programas estaduais “Paraná 12 Meses”, de fomento
As normas de manejo pesqueiro que têm tido ao setor primário em geral, e “Baía Limpa”,
repercussão no Paraná são aquelas referentes ao defeso eminentemente paternalista. Adicionalmente, algumas
do camarão, ao licenciamento para o sete-barbas e à prefeituras investiram na construção de mercados para
faixa reservada às embarcações de pequeno porte. comercialização de pescados. O “Paraná 12 Meses”
As espécies controladas são a sardinha e o camarão- financia freezers, pequenos motores, apetrechos e
sete-barbas. Segundo o IBAMA, o número de licenças benfeitorias domésticas, como instalações sanitárias.
permanece inalterado desde 1998, mas não foi possível Cada comunidade deve definir suas demandas junto
determinar quantas estão em vigor. Os pescadores com a Emater. Todavia, o programa parece pouco
demandam novas licenças, e muitos estão trabalhando divulgado e difundido no setor pesqueiro. O “Baía
sem elas, reclamando das multas. Limpa” remunera o pescador para exercer trabalho de
coleta de lixo em meio expediente durante três dias por
Quando de suas primeiras edições, o defeso sofreu forte
semana, período em que não deverá pescar. O
oposição no Paraná. À medida que os resultados se
programa esteve em andamento apenas nos municípios
fizeram sentir, principalmente sobre o camarão-branco
de Guaraqueçaba, Guaratuba e Paranaguá. A
e particularmente a partir de 1998, quando os períodos
remuneração varia entre meio e um salário mínimo por
foram diferenciados entre mar aberto e interior da baía
mês, acrescido ou alternado com uma cesta básica.
e determinados com a participação dos pescadores, o
instrumento passou a contar com o apoio da classe. O O programa de subvenção federal e isenção do ICMS
defeso no interior das baías dura dois meses, de 15 de do óleo diesel para embarcações de pesca ainda não
dezembro a 15 de fevereiro. Em mar aberto, são três está funcionando no Paraná porque o governo do estado
meses, a partir de primeiro de março. não estabeleceu as regras para a isenção junto à
135 DIAGNÓSTICO DA PESCA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ
KNOPPERS, B.A.; BRANDINI, F.P.; THAMM, C.A., 1987. INTERNATIONAL COASTAL SYMPOSIUM, 8th, 2004, Itajaí.
Ecological studies in the bay of Paranaguá. II. Some physical Journal of Coastal Research, v. special, n. 39, 2004.
and chemical characteristics. Neritica, v. 2, n. 1, p.1-36.
PAIVA, M.P., 1997. Recursos pesqueiros estuarinos e
LANA, P.C.; MARONE, E.; LOPES, R.M.; MACHADO, E., marinhos do Brasil. Fortaleza: EUFC. 286 p.
2001. The subtropical estuarine complex of Paranaguá Bay,
ROUGEULLE, M.D., 1989. Pescas ar tesanais de
Brazil. In: SEELIGER, U.; KJERFRE, B. (Eds.). Coastal marine
Guaraqueçaba. In: DIEGUES, A.C. (Org.). Pesca artesanal:
ecosystems of Latin America. Berlin: Springer. p. 131-145.
tradição e modernidade. III Encontro de Ciências Sociais e o
LOYOLA E SILVA, J.; NAKAMURA, I.T., 1975. Produção de Mar, Programa de Pesquisa e Conservação de Áreas Úmidas
pescado no litoral paranaense. Acta Biológica Paranaense, v. no Brasil, São Paulo. p. 281-288.
4, n. 3-4, p. 75-119.
ROUGEULLE, M.D., 1993. La crise de la pèche artisanale:
LOYOLA E SILVA, J.; TAKAI, M.E.; VICENTE DE CASTRO, transformation de l’espace et destructuration de l’activité - le
R.M., 1977. A pesca artesanal no litoral paranaense. Acta cas de Guaraqueçaba (Paraná, Brésil). 410 p. Thèse (Doctorat
Biológica Paranaense, v. 6, n. 1-4, p. 95-121. em Géographie), Univ. de Nantes, Nantes, 1993.
MARTIN, F., 1992. Étude de l’ecosystème mangrove de la baie SPVS, 1992a. Diagnóstico da Situação Físico-Biológica e
de Paranaguá (Paraná, Brésil): analyse des impacts et Sócio-Econômica da Região de Guaraqueçaba, Paraná, Brasil.
propositions de gestion rationnelle. 289 p. Tese de Doutorado In: RELATÓRIO Técnico. Curitiba: SPVS - Sociedade de
- Univ. Paris VII, Paris. Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental.. 281 p.
NOERNBERG, M.A.; LAUTERT, L.F.C.; ARAÚJO, A.D.; SPVS, 1992b. Plano Integrado de Conservação para a Região
MARONE, E.; ANGELOTTI, R.; NETTO JR., J.P.B.; KRUG, de Guaraqueçaba, Paraná, Brasil. Curitiba: SPVS - Sociedade
L.A., 2004 Remote sensing and GIS Integration for modeling de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental/TNC/
the Paranaguá Estuarine Complex – Brazil. In: IBAMA. 129 p.
J.M.ANDRIGUETTO FILHO, P.T.CHAVES, C.SANTOS & S.A.LIBERATI 138
ANEXO 1
IDENTIFICAÇÃO DOS “TIPOS COMUNS ” DESEMBARCADOS NO LITORAL DO PARANÁ.
ANEXO 2
CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES DESEMBARCADAS NO LITORAL DO PARANÁ POR SEUS ATRIBUTOS AMBIENTAIS – PRIMEIRA PARTE.
... continuação