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A pesca marinha e estuarina do Brasil

no início do século XXI: Recursos, tecnologias,

aspectos socioeconômicos e institucionais

Organizadores

Victoria Judith Isaac


Agnaldo Silva Martins

Manuel Haimovici

José Milton Andriguetto Filho

Belém
2006
ISBN: 85-247-0345-8

Comissão Editorial
Victoria Judith Isaac, UFPA
Agnaldo Silva Martins, UFES
Manuel Haimovici, FURG
José Milton Andriguetto Filho, UFPR

Revisão e normalização: Gianni Fontis Celia

Capa: Luciano G. Fischer

Diagramação e arte-final: Lia Ribeiro

Impresso no Brasil - Printed in Brazil 2006


Gráfica Pallotti, Santa Maria - RS

Patrocínio:
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)
Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A. (EPAGRI)
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

Catalogação na fonte: Prof. Enriqueta Graciela Cuartas CRB10/519

P473 A pesca marinha e estuarina do Brasil no início do


século XXI: recursos, tecnologias, aspectos
socioeconômicos e institucionais / organizadores
Victoria J. Isaac … [et al.] – Belém: Universidade
Federal do Pará – UFPA, 2006.
188 p. : il. ; 28cm

Projeto RECOS: Uso e Apropriação dos Recursos


Costeiros. Grupo Temático: Modelo Gerencial da Pesca.

Inclui bibliografia

ISBN 85 - 247 - 0345 - 8


1. Recursos pesqueiros – Brasil. 2. Recursos
marinhos -- Brasil. 3. Projeto RECOS. I. Isaac, Victoria J.

CDU 639.2 (81)


REALIZAÇÃO

Projeto RECOS - Uso e Apropriação de Recursos Costeiros (CNPq/MCT)


Coordenador: Dr. Jorge Pablo Castello
Vice-Coordenador: Dr. Paulo da Cunha Lana

Grupo Temático Modelo Gerencial da Pesca


Coordenadora: Dra. Victoria Judith Isaac
Vice-Coordenador: Dr. Agnaldo Silva Martins

AGRADECIMENTOS

A coordenação do Projeto RECOS, através do Grupo Temático Modelo Gerencial da Pesca, agradece ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsas de
estudo e ao Ministério de Ciência e Tecnologia pelo apoio financeiro ao Projeto RECOS do Programa
Institutos do Milênio. Pela sua contribuição no fornecimento e coleta de dados, o Projeto RECOS agradece
também às seguintes instituições:

Colônias e Associações de Pescadores nos estados participantes


Escritórios regionais e centros de pesquisa do IBAMA
Escritórios regionais da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca-PR
Escritórios regionais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
AUTORES

Rio Grande do Sul Paraná

DANIELA COSWIG KALIKOSKI CÉSAR SANTOS


Fundação Universidade Federal do Rio Grande Universidade Federal do Paraná
Departamento de Geociências Centro de Estudos do Mar
Caixa Postal 474 Av. Beira Mar, s/n°
96201-900 Rio Grande – RS 83255-000 Pontal do sul – PR
E-mail: danielak@furg.br E-mail: csantos@ufpr.br

DENIS HELLEBRANDT JOSÉ MILTON ANDRIGUETTO FILHO


University of East Anglia, School of Development Universidade Federal do Paraná
Studies Departamento de Zootecnia
Norwich, NR4 7TJ, UK Rua dos Funcionários, 1540
E-mails: d.hellebrandt@uea.ac.uk; 80050-035 Curitiba – PR
dhellebrandt@yahoo.com E-mail: jmandri@ufpr.br

JORGE PABLO CASTELLO PAULO DE TARSO CHAVES


Fundação Universidade Federal do Rio Grande Universidade Federal do Paraná
Departamento de Oceanografia Departamento de Zoologia, Centro Politécnico
Caixa Postal 474 Caixa Postal 19020
96201-900 Rio Grande – RS 81531-980 Curitiba – PR
E-mail: docjpc@super.furg.br E-mail: ptchaves@ufpr.br

MANUEL HAIMOVICI SIDNEY ANTONIO LIBERATI


Fundação Universidade Federal do Rio Grande Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Departamento de Oceanografia Delegacia Federal de Agricultura do Paraná
Caixa Postal 474 Rua José Veríssimo, 420, Tarumã
96201-900 Rio Grande – RS 82820-000 Curitiba – PR
E-mail: haimovici@furg.br E-mail: pesca-pr@agricultura.gov.br

MARCELO CUNHA VASCONCELLOS


FAO, Marine Resources Service Espírito Santo
Fisheries Resources Division
AGNALDO SILVA MARTINS
Viale delle Terme di Caracalla
Universidade Federal do Espírito Santo
00100 Roma, Italia. Departamento de Ecologia e Recursos Naturais
E-mail: marcelo.vasconcellos@fao.org Av. Fernando Ferrari, 514
29075-910 Vitória – ES
PATRÍZIA RAGGI ABDALLAH
E-mail: agnaldo.ufes@gmail.com
Fundação Universidade Federal do Rio Grande
Centro de Estudos em Economia e Meio Ambiente JAIME ROY DOXSEY
Departamento de Economia Universidade Federal do Espírito Santo
Caixa Postal 474 Departamento de Ciências Sociais
96201-900 Rio Grande – RS Av. Fernando Ferrari, 514
E-mail: patrizia@furg.br 29060-910 Vitória – ES
E-mail: jaime@npd.ufes.br
Santa Catarina
Pernambuco
PATRÍCIA SFAIR SUNYE
Centro de Informações de Recursos Ambientais e ANA CRISTINA DE SOUZA VIEIRA
de Hidrometeorologia de Santa Catarina Epagri/ Universidade Federal de Pernambuco
Ciram Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Rodovia Admar Gonzaga 1347, Itacorubi Rua Prof. Moraes Rego 1235
88034-901 Florianópolis – SC. 50670-901 Recife – PE
E-mail: sunye@epagri.rct-sc.br E-mail: anac.vieira@uol.com.br
ANALBERY MONTEIRO Departamento de Pesca
Universidade Federal Rural de Pernambuco Laboratório de Dinâmica de Populações
Departamento de Pesca e Aqüicultura Rua Dom Manoel de Medeiros - s/n, Dois Irmãos
Av. Dom Manuel Medeiros s/n, Dois Irmãos 52171-900 Recife – PE
52171-900 Recife – PE E-mail: rlessa@ufrpe.br
E-mail: analbery@nlink.com.br

BRUNO ANDRÉ BEZERRA TAMOS DE OLIVEIRA


Universidade Federal Rural de Pernambuco Maranhão
Departamento de Pesca e Aqüicultura
ALEXSANDRA CÂMARA PAZ
Av. Dom Manuel Medeiros s/n, Dois Irmãos
Universidade Estadual do Maranhão
52171-900 Recife – PE.
Campus Universitário Paulo VI – Tirirical CECEN
E-mail: brunoandreoliveira@bol.com.br
Departamento de Química e Biologia
ELTON JOSÉ DA CUNHA 65055-310 São Luís – MA
Universidade Federal Rural de Pernambuco E-mail: alexsandrapaz@yahoo.com.br
Departamento de Pesca e Aqüicultura
ANTÔNIO CARLOS LEAL DE CASTRO
Av. Dom Manuel Medeiros s/n, Dois Irmãos
Universidade Federal do Maranhão
52171-900 Recife – PE
Av. dos Portugueses, s/n, Campus do Bacanga
E-mail: ecunha@yahoo.com.br
65085-580 São Luís – MA
JAILSON SOUZA SANTOS E-mail: alec@ufma.br
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Departamento de Pesca e Aqüicultura DARCILEIA RIBEIRO
Av. Dom Manuel Medeiros s/n, Dois Irmãos Universidade Federal do Maranhão
52171-900 Recife – PE Av. dos Portugueses, s/n, Campus do Bacanga
E-mail: jailson_s_santos@hotmail.com 65085-580 São Luís – MA
E-mail: darcileiaribeiro@yahoo.com.br
JOSÉ CARLOS ALVES DE SOUZA JÚNIOR
NAYARA BARBOSA SANTOS
Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Estadual do Maranhão
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Química e Biologia
Rua Prof. Moraes Rego 1235
Campus Universitário Paulo VI – Tirirical CECEN
50670-901 Recife – PE
65055-310 São Luís – MA
E-mail: zecarlos_alves@hotmail.com
E-mail: nayarabs@yahoo.com.br
MERCIA MARIA DE LIMA
TIAGO RAMOS DIAS
Universidade Federal Rural de Pernambuco Universidade Federal do Maranhão
Departamento de Pesca e Aqüicultura Av. dos Portugueses, s/n, Campus do Bacanga
Av. Dom Manuel Medeiros s/n, Dois Irmãos 65085-580 São Luís – MA
52171-900 Recife – PE E-mail: tiagomaranhao@yahoo.com.br
E-mail: merciadimar@yahoo.com.br
ZAFIRA DA SILVA DE ALMEIDA
SAMUEL BEZERRA Universidade Estadual do Maranhão
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Departamento de Química e Biologia
Naturais Renováveis - SUPES/CE Campus Universitário Paulo VI – Tirirical CECEN
Av. Visconde do Rio Branco, 3900 65055-310 São Luís – MA
60055-172 Fortaleza – CE E-mail: zafiraalmeida@ig.com.br
E-mail: samuel.bezerra@supes_ce.ibama.gov.br

PAULO EURICO PIRES FERREIRA TRAVASSOS


Universidade Federal Rural de Pernambuco Pará
Departamento de Pesca e Aqüicultura
Av. Dom Manuel Medeiros s/n, Dois Irmãos ANA LAURA DOS SANTOS SENA
52171-900 Recife – PE Instituto de Estudos Superiores da Amazônia -
E-mail: paulotr@ufrpe.br IESAM
Av. Governador José Malcher 1148
ROSANGELA PAULA TEIXEIRA LESSA 66055-260 Belém – PA
Universidade Federal Rural de Pernambuco E-mail: analaura@prof.iesam-pa.edu.br
BIANCA BENTES DA SILVA ROBERTO VILHENA ESPIRITO SANTO
Universidade Federal do Pará Universidade Federal do Pará
Laboratório de Biologia Pesqueira e Manejo de Laboratório de Biologia Pesqueira e Manejo de
Recursos Aquáticos Recursos Aquáticos
Av. Perimetral, 2651, Bairro Terra Firme Av. Perimetral, 2651, Bairro Terra Firme
66077-530 Belém – PA 66077-530 Belém – PA
E-mail: bianca_bl@yahoo.com.br E-mail: r_vilhena@yahoo.com.br

EDNA MARIA RAMOS DE CASTRO VICTORIA JUDITH ISAAC NAHUM


Universidade Federal do Pará Universidade Federal do Pará
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos Laboratório de Biologia Pesqueira e Manejo de
Campus Universitário do Guamá Recursos Aquáticos
Av. Augusto Correa s/n Av. Perimetral, 2651, Bairro Terra Firme
66750-900 Belém – PA 66077-530 Belém – PA
E-mail: edna@amazon.com.br E-mail: biologiapesqueira@yahoo.com.br
BOLSISTAS E COLABORADORES

ADRIANA FANCHIOTTI MEIRELES – ES LIANDRA CALDASSO – RS


E-mail: afmpsi@bol.com.br E-mail: liandra.caldasso@bol.com.br

ALLAN JAMESSON SILVA DE JESUS – PA LUÍS MAURÍCIO MARTINS BORGES – PR


E-mail: allanjamesson@yahoo.com.br E-mail: lmaumb@hotmail.com;
luismmborges@yahoo.com.br
ANDERSON PEREIRA GONÇALVES – MA
E-mail: andersonpgoncalves@yahoo.com.br MARCIA FUSCALD – RS
E-mail: marciafuscald@yahoo.com.br
CHARLES MICHEL OLIVEIRA – PA
E-mail: cmichel@ufpa.br MARIA CAROLINA ZAMBON – ES
E-mail: mczambon@hotmail.com
CLÁUDIO DYBAS DA NATIVIDADE – PR
E-mail: peru@ufpr.br MICHELLE CARVALHO GALVÃO DA SILVA – MA
E-mail: michelle_galvao@yahoo.com.br
CRISTIANE MONJARDIM – ES
E-mail: cmonjardim@yahoo.com.br MORGANA ALMEIDA – PA
E-mail: morgana_bio@yahoo.com.br
FERNANDA SILVA GONÇALVES – MA
E-mail: fernandasign@yahoo.com.br
PAOLA SILVA – RS
GABRIELLA TIRADENTES PIZETTA – ES E-mail: paola.braga@bol.com.br
E-mail: gabimile@terra.com.br
RICARDO KRUL – PR
GIBRAN TEIXEIRA – RS E-mail: rkrul@ufpr.br
E-mail:gsteixeira2000@yahoo.com.br
SAMARA FEITOSA – PR
E-mail: samarahistoria@yahoo.com.br
LEONARDO BIS DOS SANTOS – ES
E-mail: bisdossantos@yahoo.com.br
SUMÁRIO

Diagnóstico da pesca no litoral do estado do Pará ............................................................................... 11


Victoria J. Isaac, Roberto Vilhena do Espírito Santo, Bianca Bentes da Silva, Edna Castro
& Ana Laura Sena

Diagnóstico da pesca no litoral do estado do Maranhão ...................................................................... 41


Zafira da Silva de Almeida, Antônio Carlos Leal de Castro, Alexsandra Câmara Paz, Darciléia Ribeiro,
Nayara Barbosa & Tiago Ramos

Diagnóstico da pesca no litoral do estado de Pernambuco ................................................................... 67


Rosangela Paula Teixeira Lessa, Ana Cristina de Souza Vieira, Analbery Monteiro, Jailson Souza Santos,
Mercia Maria de Lima, Elton José da Cunha, José Carlos Alves de Souza Júnior, Samuel Bezerra,
Paulo Eurico Pires Ferreira Travassos & Bruno André Bezerra Ramos de Oliveira

Diagnóstico da pesca no litoral do estado do Espírito Santo ................................................................ 93


Agnaldo Silva Martins & Jaime Roy Doxsey

Diagnóstico da pesca no litoral do estado do Paraná .......................................................................... 117


José Milton Andriguetto Filho, Paulo de Tarso Chaves, César Santos & Sidney Antonio Liberati

Diagnóstico da pesca no litoral do estado de Santa Catarina ............................................................... 141


Patrícia Sfair Sunye & Telma de Castro Morisson

Diagnóstico da pesca no litoral do estado do Rio Grande do Sul ......................................................... 157


Manuel Haimovici, Marcelo Vasconcellos, Daniela C. Kalikoski, Patrizia Abdalah, Jorge P. Castello &
Denis Hellembrandt

Síntese do estado de conhecimento sobre a pesca marinha e estuarina do Brasil ................................. 181
Victoria Judith Isaac Nahum, Agnaldo Silva Martins, Manuel Haimovici, Jorge Pablo Castello
& José Milton Andriguetto
PREFÁCIO

A zona costeira brasileira, que se estende por mais de 8.500 km, concentra uma grande diversidade de recursos
renováveis e cerca de 70% da população do país. Zona costeira, aqui, é entendida como uma larga faixa, que
inclui o litoral emerso, águas estuarinas e o domínio das águas marinhas de largura variável, conforme a extensão
da plataforma continental. A progressiva ocupação dessa zona, particularmente acelerada ao longo das últimas
décadas, tem gerado conflitos entre a necessidade de preservação e de desenvolvimento, como também vem
acontecendo em diversas partes do mundo. O acesso e a extração dos recursos pesqueiros têm-se intensificado
aceleradamente, contribuindo para a sobreexplotação, depleção e até colapso da pesca de vários estoques.
Com quase 200 milhões de habitantes, o Brasil enfrenta hoje o desafio de atender a uma demanda crescente no
consumo de proteínas de origem marinha. A geração dessas proteínas encontra-se ameaçada pela degradação
dos habitats costeiros e, particularmente, pela crescente pressão pesqueira, evidenciada pelo aumento do número
de pescadores, maior quantidade de embarcações e avanços nos recursos tecnológicos, que se refletem tanto na
pesca de pequena como de grande escala.
Tradicionalmente, as pesquisas pesqueiras no Brasil estiveram focalizadas em recursos pesqueiros individuais,
abordando questões como sua biologia, ecologia, dinâmica populacional e dimensionamento de sua abundância,
com escassa ou nenhuma consideração pelas outras variáveis bióticas e abióticas do ecossistema, assim como pelos
componentes sociais, tecnológicos e econômicos. Também as medidas de manejo respondiam a uma visão de
desenvolvimento da pesca, com pouca atenção para a sustentabilidade da produção. Entretanto, a ratificação da
Convenção do Mar pelo Congresso Brasileiro, em 1988, e os compromissos nacionais e internacionais gerados por
esse instrumento jurídico levaram o governo brasileiro a adotar uma política mais incisiva em relação a esses recursos,
o que se refletiu nas determinações do IV Programa Setorial para Recursos do Mar, em 1994, mantidas nos planos
seguintes. Como conseqüência, numa parceria entre vários ministérios, foi lançado o Programa Avaliação do Potencial
Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (REVIZEE), que inicia um novo momento na pesquisa
pesqueira nacional, de abordagem mais integrada e voltada à sustentabilidade do desenvolvimento da pesca.
Concomitantemente, na década de 90, a visão desenvolvimentista foi evoluindo, dando lugar a uma concepção
mais preocupada com a conservação, a recuperação dos estoques e com os fundamentos do manejo da pesca.
Essa mudança de enfoque é destacada no documento produzido pela CNIO - Comissão Nacional Independente
dos Oceanos (1998) e, mais tarde e de maneira mais explícita, no documento do Ministério de Ciência e Tecnologia
“Política Nacional de C&T Marinha” (2001), que reconhece o imperativo de assegurar a sustentabilidade dos
sistemas marinhos costeiros brasileiros. Esses antecedentes fundamentaram a inclusão da temática sobre recursos
do mar na chamada do edital do Programa “Institutos do Milênio” (MCT/PADCT/CNPq). Em resposta, um grupo
de pesquisadores de diferentes regiões do país formulou o projeto intitulado: “Uso e Apropriação de Recursos
Costeiros” (RECOS), estruturado no formato de uma rede interinstitucional, que foi aprovado em 2001.
Fazendo uso das capacidades existentes, o trabalho em rede, premissa básica do projeto, promoveu a cooperação
e incrementou as interações entre pesquisadores de diversas regiões do Brasil, o que melhorou o fluxo de
conhecimento, alargando a caracterização e entendimento dos problemas e abrindo novas oportunidades para
formação e capacitação de recursos humanos.
O presente livro reúne artigos produzidos por uma equipe de mais de 50 pesquisadores e representa o primeiro
produto formatado no marco das atividades do Grupo Temático Modelo Gerencial da Pesca - MGP do RECOS. Está
estruturado em oito capítulos, um capítulo para cada um dos sete estados do litoral brasileiro incluídos no projeto e
um capítulo final, no qual são sintetizados dados sobre os estoques explorados, a produção total, a sazonalidade e o
padrão de distribuição geográfica das pescarias, as artes de pesca e as frotas utilizadas, a descrição e quantificação
do esforço e outros aspectos tecnológicos e econômicos da atividade. Foram incluídas também informações sobre a
organização dos pescadores, os sistemas de ordenamento vigente e as políticas públicas implementadas pelo governo,
bem como a descrição dos sistemas de manejo existentes e os conflitos entre os diversos atores envolvidos.
É com muita satisfação, como coordenador do Projeto RECOS, que apresento esta obra, que acredito ser de
utilidade não somente para a comunidade científica e acadêmica, como também para as instituições de gestão,
tomadores de decisão e organizações ambientalistas na busca de melhores soluções para assegurar a sustentabilidade
da pesca no país.

JORGE PABLO CASTELLO


Coordenador Geral do RECOS
Institutos do Milênio (MCT/PADCT/CNPq)
SÍNTESE DO ESTADO DE CONHECIMENTO

SOBRE A PESCA MARINHA E ESTUARINA DO BRASIL

VICTORIA JUDITH ISAAC, AGNALDO SILVA MARTINS,


MANUEL HAIMOVICI, JORGE PABLO CASTELLO, JOSÉ MILTON ANDRIGUETTO FILHO

RESUMO: Neste capítulo é feita uma revisão sobre a situação mundial e nacional da pesca marinha e estuarina, destacando-
se seus principais condicionantes humanos e ambientais, bem como seus entraves e problemas históricos. Mesmo
diante de uma diversidade de habitats e condições socioeconômicas impostas à pesca ao longo do extenso litoral
brasileiro, algumas conclusões podem ser obtidas: 1) A interação negativa entre pesca de pequena e grande escala, bem
como a ênfase histórica dada pelo estado ao incentivo e gestão das pescarias de grande escala, é um processo gerador
de conflitos. 2) A pesca gera grande impacto negativo sobre os ecossistemas costeiros, dificultando ainda mais uma
possível recuperação dos estoques. 3) A extrema diversidade social, econômica, ambiental e tecnológica das pescarias
representa um grande desafio para a gestão da pesca, requerendo a implementação de soluções criativas e focalizadas.
4) As medidas de ordenamento não têm evitado a sobreexplotação e os conflitos e nem sempre existem soluções
coordenadas das diversas instituições públicas com competência para gerenciar o setor. Dessa forma, os resultados
deste estudo levantam importantes questões sobre o manejo pesqueiro que devem nortear as políticas públicas de
gestão nas próximas décadas, as quais deverão incluir: acordos sociais entre os diferentes setores de interesse; a busca
de alternativas para a agregação de valor dos produtos, visando obtenção de melhores rendimentos e evitando o
aumento do esforço; e medidas participativas de proteção dos estoques sobreexplotados, que permitam sua efetiva
recuperação e o apoio dos pescadores no controle da sua aplicação.

INTRODUÇÃO Para que se obtenha um manejo adequado, é necessária


a compreensão dos fatores que controlam a produção,
O litoral brasileiro apresenta uma variada gama de sejam estes de caráter ambiental, tecnológico,
sistemas costeiros, que desempenham diversas funções econômico, social ou institucional. Tais informações são
e serviços ecológicos e sociais, tais como a prevenção geralmente escassas em países em vias de
de inundações e da erosão costeira, a proteção contra desenvolvimento como o Brasil (UNEP, 2003).
tempestades, a reciclagem de nutrientes e de substâncias No mundo todo, a intensa exploração tem conduzido,
poluidoras e a provisão direta ou indireta de habitats e nas últimas décadas, a uma situação de crise da
recursos para uma variedade de espécies explotadas. A atividade pesqueira. Apesar do decréscimo de várias
biodiversidade exerce um papel fundamental na maior pescarias de grande importância econômica, o esforço
parte desses mecanismos reguladores, contribuindo para de pesca continua aumentando (FAO, 2004). Isto tem
a caracterização do conjunto da zona costeira como um demonstrado afetar não somente os estoques-alvo das
“recurso finito”, resultante de um sistema complexo e frotas, mas também a estrutura das comunidades
sensível (PROBIO, 1999). biológicas e o ecossistema como um todo, com um alto
custo social como conseqüência. Pauly et al. (1998;
Contudo, o denominador comum a todas essas regiões
2005) demonstraram que a diminuição dos níveis
é a forma desordenada com que vêm ocorrendo a sua
tróficos médios da comunidade de organismos
ocupação e o uso e apropriação de seus recursos
capturados pela pesca comercial pode ser associada à
renováveis, muitas vezes antes que se tenha uma
intensa exploração dos oceanos nos últimos 50 anos,
compreensão da capacidade de supor te dos
indicando, com isso, que os ecossistemas vêm sofrendo
ecossistemas envolvidos.
alterações significativas pelo impacto das atividades
O desenvolvimento adequado dessa extensa região, humanas.
baseado em premissas de conservação e de integração A sobreexplotação de mais de 2/3 dos estoques
socioeconômica, constitui um desafio ainda não
pesqueiros de interesse comercial (FAO, 2004) é
alcançado. Por outro lado, a sustentabilidade das
conseqüência de um modelo de livre acesso, excessivos
atividades humanas nas zonas costeiras depende de um investimentos em tecnologia, sobrecapitalização das
meio marinho saudável e vice-versa.
empresas e subsídios governamentais. Em nome dos
A pesca é uma das atividades mais tradicionais para os benefícios sociais, as políticas de subsídios, globalmente
povos que habitam as regiões costeiras e constitui, em disseminadas, acabaram por induzir, intensificar e
muitos casos, a sua principal fonte protéica de finalmente dissimular o desequilíbrio econômico da
alimentação. Assim, a proteção dos recursos pesqueiros atividade. Estima-se que as frotas do mundo custavam
é importante para o desenvolvimento destas regiões. aos seus países, na década de 90, mais de 50 bilhões
V.J.ISAAC et al. 182

de dólares americanos em subsídios diretos e indiretos. consolidados e, de um modo geral, uma menor
Considera-se que esses subsídios são responsáveis pela produtividade primária, onde se desenvolvem pescarias
manutenção do excesso de capacidade de pesca e, de pargos, lagostas e grandes peixes pelágicos. Em toda a
portanto, do esgotamento dos estoques e degradação região Norte, predomina a pesca de pequena escala (a
ambiental (FAO, 1995). maior do Brasil), que envolve uma fração considerável da
população litorânea (Isaac & Barthem, 1995). Essa região
tem a maior participação relativa de elasmobrânquios nas
PRODUÇÃO PESQUEIRA NO BRASIL
capturas em relação ao resto do Brasil, um recurso
altamente vulnerável e susceptível ao colapso (Tabela1).
No Brasil, a produção pesqueira marinha e estuarina,
que atingiu mais de 700 mil t anuais na década de 1980, O litoral nordeste-central apresenta uma plataforma de
caiu para cerca de 500 mil t na última década (Figura1). largura variável, com um mínimo de 10 km em Salvador-
Sabe-se, contudo, que esse valor subestima a produção BA e um máximo de 200 km na região de Abrolhos, ao
real por falhas na coleta de dados, principalmente nas sul da Bahia. Os fundos dessa plataforma são rochosos,
regiões onde predomina a pesca artesanal. coralinos ou de algas calcárias. A região é banhada por
águas de origem tropical, que possuem altas temperaturas
Ao longo do seu extenso litoral, o Brasil apresenta uma
e salinidades, baixas concentrações de nutrientes e baixa
grande diversidade de ambientes, o que está relacionado
produtividade primária, com a exceção dos poucos
com as características das atividades pesqueiras. No
ambientes estuarinos. O potencial pesqueiro é
extremo norte, a plataforma continental varia de 180 a
relativamente baixo, mas constituído por recursos de alto
320 km de largura e está sob a influência, na sua parte
valor econômico, como camarões, lagostas, pargos,
externa, das águas quentes e pobres em nutrientes da
garoupas, badejos e grandes peixes pelágicos (Costa et
Corrente Norte do Brasil. Ao norte do Rio Pará,
al., 2005). Em toda a região, predomina a pesca de
predominam os fundos lamosos, em função do material
pequena escala, desenvolvida por um elevado número
em suspensão de origem terrestre, proveniente da
de pescadores distribuídos em pequenas comunidades e
descarga dos grandes rios amazônicos, o que determina
vilarejos. Nessa região ocorre a maior participação
uma produtividade relativamente elevada e favorece o
relativa de crustáceos das capturas brasileiras (Tabela1).
desenvolvimento de associações de peixes demersais.
Na pesca costeira, ocorrem pescarias artesanais de No litoral Sudeste-Sul, entre os cabos de São Tomé e
peixes marinhos e estuarinos de fundo e, nas mais Santa Marta Grande, a plataforma é larga, atingindo 210
afastadas da costa as pescarias industriais de camarões km, com fundos moles de areia e lama. A produtividade
e pargos. Ao sul do Rio Pará, observa-se um litoral muito primária do verão é relativamente elevada, como
recortado, coberto por amplas áreas de manguezais. conseqüência da penetração subsuperficial e de algumas
Os fundos são lodosos na faixa costeira, enquanto no ressurgências pontuais de águas frias, que favorecem o
restante da plataforma predominam fundos mais desenvolvimento de uma elevada biomassa de pequenos

Figura 1. Produção pesqueira extrativa marinha e continental do Brasil no período 1955 – 2003. Fonte: IBAMA.
183 SÍNTESE DO ESTADO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA MARINHA E ESTUARINA DO BRASIL

peixes pelágicos, notadamente sardinha e anchoíta, podemos citar os de Yesaki, (1973), Matsuura (1995),
embora existam pescarias demersais de importância, Dias Neto e Mesquita (1988), Castello e Haimovici
como as de camarões. A pesca em plataforma é (1991), Dias Neto e Dornelles (1996), Paiva (1997) e
predominantemente industrial, mas coexiste com uma Dias Neto e Marrul-Filho (2003). Em nível regional,
pesca costeira de pequena escala. No Cabo Santa Marta foram elaborados alguns trabalhos mais exaustivos,
Grande, a plataforma se estreita a 90 km e se alarga ao como os de Isaac e Barthem (1995) para a região
sul, até atingir 180 km na altura da cidade de Rio Grande Norte; Isaac et al. (1998) para o Amapá; SUDENE
(RS). Nessa região predominam os fundos de areia, lama (1976), SUDEPE (1976) e Stride (1992) no Maranhão;
e biodetritos. A região costeira do extremo sul apresenta Hazin et al. (1998) e Lessa et al. (2004 a, b) para o
uma produtividade elevada no inverno e primavera, Nordeste; Costa et al. (2005) para a região central;
devido ao aporte de nutrientes de origem terrígena, Magro et al. (2000) para a região Sudeste-Sul;
vindos através do Rio da Prata e da Lagoa dos Patos. Ao Haimovici (1997), Haimovici et al. (1997) e Cergole
longo do talude e na plataforma ao norte de Rio Grande, et al. (2003, 2005) para a região Sul; e Andriguetto
ocorrem ressurgências subsuperficiais descontínuas de Filho (2002, 2003) para o Paraná.
águas frias, principalmente no verão, que incrementam
Contudo, os conhecimentos que temos sobre a
a produtividade. A região oceânica é fortemente
situação atual dos ecossistemas costeiros e seus
influenciada pela borda oeste da confluência Sub-
sistemas de produção pesqueira podem ser
Tropical. A pesca estuarina e costeira é principalmente
considerados ainda fragmentados, deficientes e
demersal, sobre peixes cienídeos, cações e camarões, e
desatualizados pela própria dinâmica evolutiva
a da plataforma externa e região oceânica adjacente
desses sistemas. A concentração desigual de recursos
captura médios e grandes pelágicos. À exceção dos
humanos e materiais, a evasão de capacidades e a
estuários, a pesca é predominantemente industrial com
descontinuidade dos programas de pesquisa e
capturas sustentadas principalmente por teleósteos
levantamentos estatísticos podem ser consideradas
(Haimovici, 1997).
como os principais fatores que restringem o avanço
do conhecimento sobre a realidade da pesca no
O CONHECIMENTO ACUMULADO Brasil. A eles, vem-se somar a falta de mecanismos
E AS NOVAS PROPOSTAS eficazes de interação da comunidade científica com
os tomadores de decisão, o que gera distorções e,
Existem alguns estudos abrangentes sobre os recursos paradoxalmente, desperdício de recursos humanos
pesqueiros e a pesca no Brasil. Em nível nacional, e financeiros.

Tabela 1. Produção pesqueira anual média (t) de origem marinha para o período 2000-2003 por grupo de espécies e grandes
regiões de Brasil.

MÉDIAS ANUAIS NORTE NORDESTE-CENTRAL SUDESTE-SUL BRASIL


Crustáceos 16.412 11,7% 21.274 18,0% 15.402 6,5% 53.087 10,7%
Camarões 7.584 5,4% 11.779 10,0% 13.222 5,6% 32.585 6,6%
Caranguejos 7.490 5,3% 3.217 2,7% 1.714 0,7% 12.420 2,5%
Lagostas 1.296 0,9% 5.327 4,5% 61 0,0% 6.684 1,4%
Lagostins 0 0,0% 0 0,0% 146 0,1% 146 0,0%
Siris 39 0,0% 952 0,8% 215 0,1% 1.205 0,2%
Elasmobrânquios 8.443 6,0% 4.635 3,9% 8.049 3,4% 21.127 4,3%
Teleósteos 114.408 81,2% 89.721 76,1% 208.687 88,5% 412.816 83,4%
Grandes teleósteos pelágicos 11.041 7,8% 24.480 20,8% 31.038 13,2% 66.558 13,5%
Pequenos teleósteos pelágicos 8.058 5,7% 27.593 23,4% 65.640 27,8% 101.291 20,5%
Teleósteos demersais 85.738 60,9% 26.008 22,0% 92.236 39,1% 203.982 41,2%
Moluscos 1.559 1,1% 2.321 2,0% 3.785 1,6% 7.666 1,5%
Lulas 0 0,0% 0 0,0% 2.149 0,9% 2.149 0,4%
Polvos 5 0,0% 218 0,2% 819 0,3% 1.042 0,2%
Bivalves 1.554 1,1% 1.269 1,1% 758 0,3% 3.581 0,7%
Gastrópodes 0 0,0% 0 0,0% 13 0,0% 13 0,0%
Desembarques totais 140.821 117.951 235.924 494.696
Total pesca Artesanal 126.027 89% 100.606 85% 34.596 15% 261.229 53%
Total pesca Industrial 14.857 11% 17.300 15% 201.211 85% 233.368 47%
V.J.ISAAC et al. 184

Na formulação do projeto “Modelo Gerencial da Pesca”, predominam extensas regiões estuarinas, formando
verificou-se a necessidade de obtenção de uma visão baías (Paranaguá, Paraná), sacos (Lagoa dos Patos, Rio
integrada da situação atual e retrospectiva das Grande do Sul), canais ou reentrâncias (Pará,
modalidades de pesca da costa brasileira. A realização Maranhão) com presença de manguezais e marismas,
desse levantamento teve então como objetivo existem concentrações de comunidades humanas que
estabelecer uma base de conhecimentos que praticam a pesca de pequena escala de camarões, ostras,
incorporasse várias disciplinas, para no futuro caranguejos e peixes.
desenvolver estudos transdisciplinares que permitam Na costa pernambucana, a presença de áreas produtivas
uma abordagem integrada da complexidade da pesca
associadas a recifes costeiros e pradarias de fanerógamas
no litoral brasileiro.
próximas da costa, aliada a uma região de mar aberto
Para este trabalho, os levantamentos sobre as oligotrófica, levou ao desenvolvimento de pescarias
características da atividade pesqueira foram eminentemente de pequena escala e de atuação
desenvolvidos de forma padronizada para sete estados costeira, com baixa produção relativa.
da costa brasileira: Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
No Espírito Santo, extensas áreas recifais de alto mar
Paraná, Espírito Santo, Pernambuco, Maranhão e Pará,
que ocorrem na região do banco de Abrolhos, onde a
durante o primeiro ano do projeto. Nesses estados havia
produção primária é baseada no crescimento de algas
pesquisadores que integravam a rede do Projeto MGP/
calcárias sobre o fundo, levaram ao desenvolvimento
RECOS. Adicionalmente, o conjunto desses estados
de uma importante pescaria de média escala por frotas
apresentava suficiente abrangência geográfica para ser
sediadas nesse estado.
considerado representativo das três regiões do litoral
brasileiro, S-SE, C-NE e N. Assim, o primeiro passo do As pescarias oceânicas de atuns e afins concentram-se
trabalho resultou do esforço de sintetizar as informações principalmente em locais próximos às áreas de
disponíveis sobre as modalidades de pesca regionais. alimentação e migração desses recursos, associadas ao
fenômeno da convergência subtropical (Rio Grande do
Sul e Santa Catarina) ou em áreas de agregação,
PADRÕES AMBIENTAIS provocada por atratores artificiais (plataformas de
E SOCIOECONÔMICOS DAS PESCARIAS petróleo), para o caso das frotas de média escala do
Espírito Santo.
Os capítulos anteriores deste volume apresentaram os
Ao longo da costa de todos os estados considerados
resultados desses levantamentos sobre a atividade
neste estudo, são comuns pescarias de pequena ou
pesqueira, que se transformaram em diagnósticos para os
média escala de camarões e peixes costeiros. Nesses
estados do litoral incluídos no projeto. Apesar de os
ambientes, a proximidade do fundo, a influência de
resultados mostrarem a existência de uma grande
descarga fluvial e a força do vento e marés promovem
diversidade de ambientes, espécies capturadas, tecnologias
constante enriquecimento e produtividade relativamente
empregadas e estruturas socioeconômicas, é possível
alta. Outra característica comum resulta de que
identificar alguns padrões e realizar algumas comparações.
praticamente todas as pescarias consideradas industriais
Os estados representados neste estudo estão inseridos ou de grande escala apresentam sinais de
nos principais sistemas de produção biológica marinha sobreexplotação sobre as suas espécies-alvo.
e estuarina da costa brasileira. Nos extremos norte (Pará) Adicionalmente, segundo os mais recentes estudos do
e sul (Santa Catarina e Rio Grande do Sul), encontramos potencial pesqueiro marinho do Brasil, conduzidos pelos
grandes frotas, voltadas à exploração de peixes pesquisadores do Programa REVIZEE, não existem na
demersais e camarões sobre a plataforma continental, zona econômica exclusiva estoques emergentes, capazes
os quais são abundantes devido ao enriquecimento das de sustentar novos ou importantes investimentos no setor,
águas por grandes descargas fluviais que provém do sendo que mesmo aqueles vistos como promissores
Rio Amazonas, ao norte, e Rio da Prata e Lagoa dos (peixe-sapo e caranguejos de profundidade) mostram-
Patos ao sul, assim como pelo aporte de nutrientes das se extremamente sensíveis a qualquer aumento
águas frias de origem subantártica. exagerado do esforço (Jablonski, 2005).
Os estuários são ecossistemas muito produtivos devido Alguns padrões e tendências podem também ser
à presença de áreas abrigadas e rasas e à influência da estabelecidos em relação aos aspectos econômicos e sociais
mistura de águas pelas marés ou ventos, promovendo das pescarias estudadas. O impacto social da atividade é
o enriquecimento mineral e crescimento de plantas semi- grande em todos os estados, decrescendo no sentido N-S,
aquáticas de elevada biomassa. Em áreas onde ressaltando-se, porém, o estado do Maranhão, que possui
185 SÍNTESE DO ESTADO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA MARINHA E ESTUARINA DO BRASIL

até 75% da população costeira dedicando-se a essa Dessa forma, os resultados deste estudo levantam
atividade. Em Santa Catarina e Pará, a pesca tem um importantes questões sobre o manejo pesqueiro que
impacto econômico aparentemente maior do que nos devem nortear as políticas públicas de gestão nas
outros estados devido à existência de grandes frotas próximas décadas. Apesar do que sugere o título de
industriais, as quais possuem cadeias produtivas registradas nosso grupo temático (Modelo Gerencial da Pesca),
e contabilizadas mais facilmente pelos órgãos oficiais. mais que estabelecer um modelo único, é necessário
entender cada vez mais profundamente a enorme
Algumas características sociais comuns podem ser
identificadas: 1) baixa organização social dos atores da diversidade dos sistemas de produção pesqueira em
todos os seus aspectos tecnológicos, biológicos,
pesca (trabalhadores, empresários, armadores,
ecológicos, sociais e econômicos. Assumindo a
comerciantes); 2) conflitos entre a atuação de frotas,
principalmente de pequena e grande escala; 3) poucas complexidade dos sistemas de pesca e reduzindo-a, a
partir de uma abordagem interdisciplinar de pesquisa,
iniciativas de autogestão independentes do estado, sendo
é possível contribuir para a construção de novos
muitas vezes de caráter assistencialista e sem apresentar,
até o momento, resultados significativos; 4) os processos caminhos para a sustentabilidade de pesca marinha e
estuarina no Brasil. Tais caminhos deverão
de manejo e políticas públicas de fomento promovidas
necessariamente procurar soluções que incluam:
pelo estado têm sido invariavelmente geradores de conflitos
devido à ineficiência na implementação, além de terem acordos sociais entre os diferentes setores de interesse;
a busca de alternativas para a agregação de valor dos
promovido a sobrecapitalização e o aumento desordenado
produtos, visando obtenção de melhores rendimentos
do número de embarcações e não terem levado em conta
a capacidade de suporte dos estoques naturais. e evitando o aumento do esforço; e, por último,
medidas participativas de proteção dos estoques
sobreexplotados, que per mitam sua efetiva
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES recuperação e o apoio dos pescadores no controle da
sua aplicação. Assim como foi demonstrado para outras
Considerando todos os aspectos mencionados, regiões do mundo (Pomeroy, 1995), a co-gestão e o
podemos pontuar as seguintes conclusões: compartilhamento de responsabilidade no manejo dos
recursos pesqueiros permitem melhor planejamento de
• A interação negativa entre pesca de pequena e grande
ações direcionadas e, ao mesmo tempo, a proteção
escala, bem como a ênfase histórica dada pelo estado
do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável
ao incentivo e gestão das pescarias de grande escala,
do setor.
em detrimento das de pequena escala, é um processo
gerador de conflitos de difícil solução.
• A pesca gera grande impacto negativo sobre os REFERÊNCIAS
ecossistemas costeiros, alguns dos quais extremamente
sensíveis, como recifes de coral ou manguezais, ANDRIGUETTO FILHO, J.M., 2003. A mudança técnica e o
dificultando ainda mais uma possível recuperação dos processo de diferenciação dos sistemas de produção pesqueira
estoques. Como agravante, o baixo potencial para a do litoral do Paraná, Brasil. Desenvolvimento e Meio
expansão da exploração de recursos de alto-mar Ambiente, Curitiba, v. 8, p. 43-58.
diminui as alternativas de redução de esforço sobre ANDRIGUETTO FILHO, J.M., 2002. Sistemas técnicos de
áreas altamente impactadas. pesca no litoral do Paraná: caracterização e tipificação. In:
• A extrema diversidade social, econômica, ambiental e Raynaut, C.; Zanoni, M.; Lana, P.C.; Floriani, D.; Ferreira,
tecnológica das pescarias representa um grande desafio A.D.D.; Andriguetto Filho, J.M. (Eds.). Desenvolvimento e
meio ambiente – em busca da interdisciplinaridade. Curitiba:
para a gestão da pesca, requerendo, além de uma
Editora da UFPR. p. 213-233.
mudança de paradigma sobre o processo de gestão, a
implementação de soluções criativas e focalizadas. CASTELLO, J.P.; HAIMOVICI, M., 1991. Simpósio da FURG
sobre Pesquisa Pesqueira: comentários e recomendações. Anais
• As medidas de manejo e ordenamento da pesca não
do Simpósio sobre Pesquisa Pesqueira da Fundação Universidade
têm evitado nem a sobreexplotação nem os conflitos
do Rio Grande. Atlântica, Rio Grande, v. 13, n. 1, p. 5-10.
entre grupos de pescadores. Além disso, as diversas
instituições públicas com competência para gerenciar CERGOLE, M.C.; ÁVILA-DA-SILVA, A.O.; ROSSI-
WONGTSCHOWSKI, C.L.D.B. (Eds.), 2005. Análise das
os recursos e desenvolver o setor nem sempre
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apresentam soluções coordenadas e condizentes com dinâmica populacional das espécies em explotação. São Paulo:
o estado dos estoques e as necessidades de todos os Instituto Oceanográfico – USP. 175 p. (Série Documentos
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V.J.ISAAC et al. 186

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