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REVISTA DA

ACADEMIA GOIANA DE LETRAS


DIRETORIA DA AGL – BIÊNIO 2017/2019

PRESIDENTA
Lêda Selma de Alencar
VICE-PRESIDENTE
José Ubirajara Galli Vieira
SECRETÁRIA-GERAL
Maria do Rosário Cassimiro
PRIMEIRO-SECRETÁRIO
Edival Lourenço de Oliveira
SEGUNDO-SECRETÁRIO
Emílio Vieira das Neves
PRIMEIRO-TESOUREIRO
Eurico Barbosa dos Santos
SEGUNDO-TESOUREIRO
Waldomiro Bariani Ortencio
DIRETOR DE BIBLIOTECA
Francisco Itami Campos

CONSELHO FISCAL
TITULARES
Aidenor Aires Pereira
Alaor Barbosa dos Santos
Itaney Francisco Campos
SUPLENTES
Augusta Faro Fleury de Melo
Moema de Castro e Silva Olival
Miguel Jorge
DIRETOR DA REVISTA DA AGL
José Ubirajara Galli Vieira

DIRETOR DA CASA DA CULTURA ALTAMIRO DE MOURA PACHECO


Miguel Jorge

CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA


Eurico Barbosa dos Santos
José Ubirajara Galli Vieira
Lena Castello Branco Ferreira de Freitas
FUNCIONÁRIOS DA AGL
Ana Maria do Carmo
Edvaldo Rodrigues da Silva
Suely Moura Vilarinho
ASSESSORIA
Drª. Cinthia Regina de Alencar –  (voluntária)
FALE CONOSCO
Academia Goiana de Letras – Casa Colemar Natal e Silva – Rua 20 nº 175,
Setor Central, Goiânia-GO – CEP 74020-170 – Fone: (62) 3224-8096
site:  www.academiagoianadeletras.org.br / E-mail: academiagoletras@gmail.com
Academia Goiana de Letras
Fundada em 29-04-1939

REVISTA DA
ACADEMIA GOIANA DE LETRAS

Nº 33 – Dezembro / 2018
Copyright © 2018 by Revista da Academia Goiana de Letras – AGL

Editora Kelps
Rua 19 nº 100 – St. Marechal Rondon
CEP 74.560-460 – Goiânia-GO
Fone: (62) 3211-1616
Fax: (62) 3211-1075
E-mail: kelps@kelps.com.br
homepage: www.kelps.com.br

Revisão
Sandra Rosa

Diagramação
Victor Marques

Capa
Ubirajara Galli / Victor Marques

Ilustração da capa
Sede da Academia Goiana de Letras,
bico de pena (detalhe), de Di Magalhães

CIP – Brasil – Catalogação na Fonte


Tainá de Sousa Gomes CRB-1 (1º Região) 3134

rev Revista da Academia Goiana de Letras. n.33 /


Academia Goiana de Letras: AGL. – Goiânia: Kelps,
2018.
380p.
ISSN: 2595-5004
1. Literatura goiana. 2. Poesia. 3. Revista. I. Título
CDU: 821.134.3(817.3): (051)

A Academia Goiana de Letras não se responsabiliza por ideias expressas


pelos autores nos textos publicados na Revista.

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qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito da instituição. A violação
dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do
Código Penal.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2018
DE DESAFIOS E DE CONQUISTAS

Um ano desafiador, 2018. No início, muitas perspectivas e


expectativas alvissareiras, mas, no decorrer dos meses, as dificul-
dades agigantaram-se, e os problemas tomaram forma diferente
da pretendida. Porém, nada como um desafio após o outro, e o
gosto pela conquista. Para tanto, ‘ação’, nossa palavra de ordem.
Um ano marcado por perdas de acadêmicos, inesperadas,
que abalaram muito a confraria: o jornalista e cronista Eliezer
José Penna, Cadeira Nº 5, e os poetas, ex-presidentes da Academia
Goiana de Letras/AGL, José Fernandes, Cadeira 21, José Mendon-
ça Teles, Cadeira Nº 32, e Ursulino Tavares Leão, também roman-
cista e cronista, Cadeira Nº 20. Momentos tristes que enlutaram
não só a AGL, mas a cultura de Goiás. Um baque enorme! O jeito,
caminharmos sem eles. Amparados em seus exemplos. Nos desa-
fios que venceram. Nos sonhos partilhados e no plantio de muitos
outros que, com nosso cultivo, ainda florejarão.
Apesar de desolados, estava decidido: não permitiríamos
que o desânimo sobrepujasse nosso espírito de luta nem o dese-
jo de vitória em nossas empreitadas. Afinal, a luta é um exercí-
cio diário dos que praticam cultura. Ademais, com os ‘Amigos da
AGL’, sempre por perto, o difícil nunca se tornará impossível.
Um ano difícil, mas de alguns ganhos relevantes: as pu-
blicações da Coletânea de Crônicas, da Coletânea de Poemas, do
Calendário Poético 2019 e da Revista 33 da AGL, com recursos
oriundos do Termo de Fomento Nº 2017-0003, celebrado entre
a AGL e o Estado de Goiás, gestão Marconi Perillo, por meio
da Secretaria de Estado de Governo. Essa verba governamental,
também, ajudou no ajuste das despesas básicas da Entidade, por
curto tempo, e bancou o concurso literário Prêmio Colemar Na-
tal e Silva, gênero Poesia, e o Troféu Goyazes, concedido a escri-
tores que se destacaram na literatura, em cinco modalidades. Se
não conseguimos muito, o pouco fez-se expressivo.
O apoio do Dr. Syd de Oliveira Reis, presidente do Núcleo
Laboratório, durante os três anos desta gestão (ainda falta um
ano), tornou-se o suporte da AGL. A Master Digital Segurança,
dirigida por Caio de Freitas Gama, outra parceira permanente.
Marcante, e muito bem-vinda, a presença da Toctao Engenha-
ria, presidida pelo Engenheiro Alan Alvarenga, como o mais novo
mecenas da AGL. São exemplos de empresários compromissados
com a Cultura goiana. Nem a gratidão expressa o tamanho do
nosso reconhecimento.
Nunca é demais repetirmos: na conjunção de ideias e ideais,
estruturam-se caminhos e moldam-se perspectivas de êxitos, pois
a cooperação impulsiona as grandes ações.

Primavera, dezembro de 2018

Lêda Selma de Alencar


Presidenta
Sumário

CONTOS

A gaiola........................................................................................................ 13
Augusta Faro Fleury de Melo

Antes do pôr do Sol.................................................................................... 16


Lena Castello Branco Ferreira de Freitas

CRÔNICAS

Grandeza e pequenezas de Graciliano Ramos........................................ 45


Brasigóis Felício

A mulher, o nobel e as academias de letras............................................. 48


Eurico Barbosa dos Santos

O charme da monarquia............................................................................ 50
Lena Castello Branco Ferreira de Freitas

Liceu de Goiânia, 80 anos – sempre sob a Águia................................... 54


Luiz de Aquino Alves Neto

O leilão......................................................................................................... 59
Maria do Rosário Cassimiro

Visitas jubilosas da cultura, da arte e da saudade................................... 65


Martiniano José da Silva

ESTUDOS

Um imperador da língua portuguesa ...................................................... 71


Alaor Barbosa dos Santos

Cora Coralina – versão italiana ............................................................... 75


Emílio Vieira

Cora Coralina – ou a celebração do celebrado....................................... 79


Gilberto Mendonça Teles
Imaginário e existencialismo em O Pequeno Príncipe......................... 104
José Fernandes

Sob o Carvalho de Fartos Ramos, o silêncio imortal de Hugo........... 151


Lêda Selma de Alencar

A “Trama da luz” de Alcione Guimarães.............................................. 167


Licínio Leal Barbosa

A Duquesa de Goiás D. Izabel Maria Alcântara Brazileira................. 174


Luiz Augusto Paranhos Sampaio

Todas as fábulas: Sônia Maria Santos.................................................... 183


Miguel Jorge

Em busca da verdade histórica............................................................... 189


Moema de Castro e Silva Olival

Coronelismo em Goiás: Estudos de casos por acadêmicos da AGL.... 199


Nasr Nagib Fayad Chaul

POEMAS

Mare meum ............................................................................................... 227


Antônio César Caldas Pinheiro

No poema.................................................................................................. 228
Itaney Francisco Campos

Trator.......................................................................................................... 230
Iúri Rincon Godinho

Desembarque de uma alma..................................................................... 231


José Ubirajara Galli Vieira

Poema para as mães – 2018..................................................................... 236


Miguel Jorge

Sutilezas e metáforas................................................................................ 237


Lêda Selma de Alencar
ANO CULTURAL EURICO BARBOSA 2018
Homenagem ao confrade Eurico Barbosa dos Santos ........................ 241
Edival Lourenço de Oliveira
Homenagem ao Eurico Barbosa – presença na Academia Sul Mato-
grossense de Letras – Sessão da AGL, em 17.05.2018......................... 247
Hélio Moreira
Palavras ao confrade Eurico Barbosa dos Santos................................. 253
Itaney Francisco Campos

SESSÃO MAGNA DA SAUDADE


Sessão Magna da Saudade – Eliezer José Penna................................... 259
Eurico Barbosa dos Santos
Sessão Magna de Saudade – José Fernandes......................................... 268
Aidenor Aires Pereira
Sessão Magna de Saudade – José Mendonça Teles.............................. 277
José Ubirajara Galli Vieira
Sessão Magna de Saudade – Ursulino Tavares Leão............................ 292
Bariani Ortencio

Lavrador de sonhos, semeador de ideias............................................... 311


Getúlio Targino Lima

SESSÃO MAGNA DE POSSE


Da formação à confirmação ................................................................... 319
Gilberto Mendonça Teles
Discurso de Posse Cadeira Nº 5............................................................. 330
Maria de Fátima Gonçalves Lima

ACADÊMICOS – Cadeiras – Patronos – Titulares............................ 343


ATIVIDADES REALIZADAS EM 2018............................................. 369
AMIGOS DA AGL.................................................................................. 377
Revista da Academia Goiana de Letras
CONTOS
Revista da Academia Goiana de Letras

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Revista da Academia Goiana de Letras

A gaiola

Augusta Faro Fleury de Melo

Porque minhas tranças estavam macias e lustrosas, a pele de


meu rosto sabia a fruta veludosa, fresca e furta-cor, deitei-me na-
quele dia sob a telha de vidro da gaiola, na longa rede cheirosa de
sabão preto feito em casa mesmo. Foi esse o início de um destino
esquerdo, que me marcou a testa a fogo e me fez arrastar uma banda
do coração como um toco de carne empedrado pela vida afora. Daí
mais um pouco, fui embranquecendo os fios do cabelo da fronte, e
meus olhos acharam por bem esburacarem-se parecendo pôr fim a
dois lagos meio verdes, meio azuis, esfumaçados pela neblina que
saía da chaminé daquela casa onde, à beira do fogão, encostei meu
umbigo temperando as sopas dos meninos e pondo o leite pra ferver,
porque desde cedo me secaram as tetas, e o jeito era recorrer ao leite
das cabras do quintalão de pedras e, também, porque minha bisavó,
que ainda falava e orava com um fio de voz e se cobria num canto
do quarto escuro, como uma mancha no ermo, dizia e repetia que
crianças de dentes fortes e olhos vivos devem beber leite de cabras
já que as mães se secam muito cedo, por dentro e por fora, de tanto
arrancarem pedacinhos de carne e sustança do suco de ossos e san-
gue para sovar o dia do marido que vem chegando, levantando a voz
como se nascesse rei, e o bando de filhos, seus primeiros súditos.
E alisava o bigode e a traseira das ajudantes da mãe de olhos
afundados e sempre prenhe e murchada no silêncio, e mesmo que
se desse corda nos relógios, eles pouco diziam.
Naquele atropelo, nem sabia mais se seria eu aquela de tran-
ças macias, com enormes riscos de ouro ou se era aquela da pare-
de suspensa na fotografia oval de minha tia, já entrada em anos,

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Revista da Academia Goiana de Letras

tenho um xale preto nos ombros e um véu cheio de buraquinhos


e muito escuro lhe tampando o olhar e de fora os beiços que mais
se afinaram, porque pararam de rir antes da hora.
E o homem de botas chegava pronto para o almoço e queria
as travessas areadas na mesa de forro branco, e que não demorasse
o vinho e que não fizessem barulho para não o atrapalhar a ouvir
o próprio mastigar e que não interrompessem seus pensamentos
sérios, porque só ele quem pensava na casa e o resto era gente feita
de barro duro e mole, mas que de alguma forma servia-lhe para
ajeitar a cama, a mesa, o banho e as necessidades mais urgentes,
porque as derradeiras podia arrumar nalguma esquina, de prefe-
rência aquelas casas onde as moças, nem eram tristes, nem eram
alegres, mas deitavam tendo sempre um perfume adocicado nos
dedos cheios de anéis de pedras de cores meio foscas, pois muitas
vezes quando lavavam roupa dos filhos se esqueciam de tirá-los
e deixá-los sobre a mesinha de cabeceira junto ao chá de erva-ci-
dreira, que é minguador do nervoso de cada dia.
E foi entrando o tempo pra lá, pra cá, tecendo um rendado
feito as cortinas costuradas nas janelas da sala de visitas. E minha
voz, que já pouco falava, foi emudecendo de fora para dentro e no
que mais emudeci, perdi o jogo da cintura e o gosto da língua. Co-
mecei a repousar três vezes ao dia, sempre de lado, porque abriu
uma rosa muito macia e dolorida do lado esquerdo; todo cuidado
é pouco, porque, se ferisse a flor, a carne de meu próprio corpo
tremia tanto, que poderia cair no assoalho mais parecido a um es-
pelho de tanta cera. Pouco é a minha valia e serventia agora e, por
isso, passei a ficar no escuro, embora não chegasse nem à metade
da idade de minha bisavó, que ainda vivia e num fio de voz orava
e danava com as coisas das quais não apetecia.
Minha mãe, por ser morena como uma índia, nunca dormia
era feita de sereno não cansava de trabalhar nas tarefas de agulhas,

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Revista da Academia Goiana de Letras

fazendo uns panos compridos, outros coloridos e enfeitando a


casa da família inteira. Ela até se misturava com o sol, que nascia e
que entrava, não parando a sua labuta, a não ser por poucas horas,
quando o silêncio e os cachorros no escuro sentiam que a noite
era pesada demais.
Por causa dos quefazeres todos e do aloite com a vida, mi-
nhas veias murcharam nos braços, e as coisas me caíam das mãos
devido à fraqueza que rodeava meus pulsos.
De vez em quando, alguém entrava no quarto e bem eu ou-
via “precisa de alguma coisa?”, mas o que eu precisava ninguém
me dera nunca, desde que vagi primeiro. Também a minha voz
pouco queria sair e quem perguntava nem sabia se haveria respos-
ta ou estava com pressa, já fechava a porta atrás de si, e nem que
eu gritasse não ouviria mesmo. Mas eu não gritava nunca, aliás,
pouco gritei enquanto mais forte.
Foi por isso que no espelho do quarto me vi pela última vez,
com jeito de quem veio errado viajar no mundo.
O espelho ainda está lá pendurado, mas as janelas abriram,
e as moças, filhas das filhas que carreguei no ventre, se olham nele
mas não abaixam as pestanas, nem calam a boca. Pelo contrário,
falam muito umas com as outras e com os homens lá delas. Até
que não me preocupo mais, quase nem é preciso, porque essas
moças abriram as portas e janelas, arejaram a casa e nem todas
vão se deitando sob a telha de vidro enluarada nem ficam encan-
tadas feito bonecas de louça quando lhes alisam os cabelos e os
pelos. Elas abriram todas as janelas e vejo que o Sol entra com
vontade, deixando um rendado nas tábuas, de modo que os pia-
dos delas são fortes o bastante para que não as fechem na gaiola
nem a dependurem no caibro mais alto da varanda, igual foi acon-
tecido comigo e muitas mulheres de minha geração e de muitas
outras gerações antes de eu nascer.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Antes do pôr do Sol

Lena Castello Branco Ferreira de Freitas

O altar estava pronto. Nada além de meia-folha de compen-


sado sobre estacas fincadas no chão; não seria preciso pintá-lo,
pois as irmãzinhas cuidariam de disfarçar a improvisação.
Frei Angélico deu por findo o trabalho. Do bolso da calça,
tirou um lenço que passou na testa molhada de suor. Fazia muito
calor. As chuvas haviam cessado mais cedo; o capim exibia tons
de amarelo e ocre na campina ressequida. Um único jatobazeiro
fazia sombra na paisagem que reverberava ao Sol da tarde.
– Como essa gente irá viver? – pensou consigo o frade sua-
rento. Ele conhecia de perto a pobreza de seus fiéis, suas carências
e crendices que misturavam superstição e religião. E preocupa-
va-se porque a falta de chuvas frustraria as colheitas, as criações
iriam morrer, e tudo seria mais desolado no sertão.
No exercício da atividade missionária, frei Angélico evan-
gelizava a arraia miúda da vila próxima, bem como a população
agregada das fazendas em redor. Em uma Kombi capenga, saía
em desobriga, tendo a companhia do sacristão Tintim, de quem
ninguém lembrava o nome cristão de Valentim. Nas viagens, era
ele quem trazia na canastra o cálice, a patena, as hóstias, o vinho
e os santos óleos, para que o frade celebrasse missas e ministrasse
os sacramentos aonde chegasse.
Com palavras simples, o religioso pregava a verdade divina
e a paz do Senhor; clamava por virtudes e santidade, ouvia con-
fissões, batizava pagãos, casava e dava a extrema-unção quando

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Revista da Academia Goiana de Letras

solicitado. Bem-humorado, o gordo napolitano caíra no gosto do


povo e era bem recebido nas casas de palha onde moravam la-
vradores e vaqueiros, cujas mulheres serviam bolos fritos e café
adoçado com rapadura.
Dava-se bem, igualmente, com os senhores das terras, pro-
prietários de fazendas e seus prepostos, gente boa, mas o seu tan-
to desleixada para não dizer indolente. A frugalidade era a tônica
entre eles – na fala, nos gestos, na alimentação, nas vestimentas,
no despojamento geral das pessoas e das habitações. Poucos mó-
veis, pouco conforto doméstico e nenhum enfeite ou supérfluo;
quando muito, na parede, uma folhinha do Coração de Jesus ou a
foto emoldurada do casal.
Frei Angélico sentou-se à sombra do jatobazeiro, pegou o
rosário e pôs-se a rezar. Faltava algum tempo para as cinco ho-
ras, quando teria início a celebração marcada pelo senhor bispo
que não tardaria a chegar. Toscos bancos de madeira alinhavam-
-se em frente ao altar, ao relento; além, o esqueleto de uma casa
queimada recortava-se contra o céu, nada mais do que um pu-
nhado de esteios carbonizados junto a montículos de cinzas que
o vento soprava.
O pensamento do frade divagava: como se chegara a tal
ponto? Há semanas adensavam-se as nuvens da tragédia – pre-
conceito germinando em hostilidade, sectarismo explodindo em
ódio, ignorância mobilizando a força bruta. Frei Angélico suspi-
rou, contristado. Do fundo da memória, emergiram lembranças
das guerras que tinham devastado sua pátria distante. Agora, nes-
sa terra pacata, a intolerância ameaçava degenerar em violência.

* * *

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Revista da Academia Goiana de Letras

Tudo começara com a tentativa de ocupação da fazenda


das Cabeceiras por um grupo que se dizia sem-terra. Ainda
não clareara o dia, quando dezenas deles – homens e mulheres
– invadiram a propriedade. Vinham em caminhões sem placa,
trazendo lonas pretas, paus de barraca, teréns de cozinha e
crianças assustadas. Todos vestiam camisetas e usavam bonés do
movimento. Tinham as feições curtidas, as fisionomias fechadas,
a postura agressiva. Levavam enxadas, foices, facões, uma ou
outra espingarda de caça; alguns poucos traziam revólveres
e garruchas. O ar beligerante acentuava-se com os desafios
chulos e os palavrões que gritavam entre risadas, enquanto
descarregavam as viaturas.

* * *

O coronel Felismino estava com a família na vila. Foi avi-


sado da invasão por um positivo, mandado pelo vaqueiro Mané
Leite. Imediatamente, pôs-se a caminho com o filho, Tonico, diri-
gindo a camionete; em menos de uma hora, venceram a distância
até a sede. Nesse meio-tempo, os invasores cortaram o arame da
cerca em vários pontos, arrancaram moirões, adiantaram-se na
roçagem do pasto e fincaram os piquetes das barracas.
O dono da fazenda veio ruminando o assunto; em poucas
palavras, advertiu o filho que ficasse quieto e calado, pois iria re-
solver tudo sozinho. Estacionaram perto de um grupo que descan-
sava, fumando. Felismino desceu do veículo, abriu o paletó para
mostrar que não estava armado, deu bom dia e perguntou quem
era o chefe. Apresentou-se o Tapuio, ex-empregado que fora dis-
pensado há pouco tempo. Baixo, rosto vincado e modos esquivos,

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Revista da Academia Goiana de Letras

não apertou a mão que lhe estendeu o coronel; de chapéu estava,


de chapéu ficou, mas resmungou uma saudação.
Felismino fingiu não ver a desfeita. Com o filho sentado na
cabine do veículo, logo atrás, o coronel falou em voz compassada:
– Muito bem, Tapuio. Você e seus companheiros invadi-
ram as Cabeceiras porque querem ganhar lotes de minhas terras e
acham que o governo está do seu lado. Pode até ser verdade. Polí-
tica é um negócio complicado – e voltando-se para um grupo que
se aproximara: – Vocês estão escutando o que eu estou falando?
Ante o assentimento geral, prosseguiu:
– Uma coisa eu digo, Tapuio, pra você e pros seus compa-
nheiros: isso aqui não vai ser fácil pra mim. Nem pra vocês.
Ouviram-se resmungos ininteligíveis. O coronel continuou:
– Você trabalhou comigo, Tapuio, sabe que minha fazenda é
produtiva. Toda gente sabe. Todos sabem que a propriedade é da
minha família faz muito tempo, tenho os documentos em ordem,
pago os impostos, os salários, tudo em dia, tudo certinho. Estou
ou não estou falando a verdade?
Alguns balançaram a cabeça em concordância. Outros pa-
receram hesitar, mas nada responderam. Ao que Tapuio objetou:
– O sinhô sabe que o causo é outro, coroné. O finado seu
pai deixou muito mais terra do que o sinhô precisa. Um pedaço
da Cabeceira é produtivo, tem pasto, tem roça; outro pedaço não
tem. Essa terra dá pra plantá roça e sustentá nossas famias.
O grupo aumentara em redor. No silêncio que se seguiu,
pairava quase visível a ameaça de conflito. Tonico aproximou-se e
levou a mão à arma que trazia na cintura.
– Fica calmo, filho – rosnou o coronel em voz baixa. E pros-
seguiu, dirigindo-se aos demais: – Então, nós vamos discutir na
justiça. Se vocês teimarem em acampar aqui eu vou recorrer à

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Revista da Academia Goiana de Letras

justiça; o juiz vai mandar vocês desocuparem minha terra. Se vo-


cês não saírem, eu consigo um mandado de despejo que a polícia
vai cumprir. Pode demorar um tempo, mas vocês vão ter de ir em-
bora; ou em paz, ou à força. Vejam bem: eu não quero violência.
Acho que ninguém quer. Mas com o pessoal de cabeça quente,
quem garante que não vai ter? E se alguém der um tiro e matar um
vivente? Pode acontecer. Você está me entendendo, Tapuio? Vocês
estão me entendendo?
Não houve resposta. Tapuio percorreu com os olhos os
companheiros. Alguns homens coçavam a cabeça; ao longe, ou-
viu-se um choro de criança e uma voz de mulher mandando calar
a boca.
Do grupo, adiantou-se um rapaz magro, de ar atrevido e
óculos escuros; usava roupas da cidade e tinha postura belicosa.
Falou com voz surpreendentemente forte para o físico franzino:
– A gente sabe que a justiça esteve sempre do lado de vocês,
coronel. Neste país, tem sido sempre assim, mas as coisas estão
mudando. A terra foi criada por Deus para ser de todo mundo. A
gente não vai recuar; a gente vai defender os nossos direitos. Hoje
estamos começando a luta e nós vamos lutar até o fim.
Mentalmente, o coronel anotou que ali estaria uma lide-
rança emergente, alguém letrado que falava com clareza, desper-
tando a ambição e instilando revolta naqueles pobres coitados.
Quem seria o sujeitinho magrelo, de voz tonitruante e jeito de
professor enfezado? Não lhe era estranha a fisionomia – seria
alguém ligado à Pastoral da Diocese, atiçando os empregados
contra o dono das terras?
Felismino optou por ignorar as palavras desafiadoras, reu-
niu o que lhe restava de autocontrole e continuou:

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Revista da Academia Goiana de Letras

– Eu tenho uma proposta para vocês. Mas eu vou falar uma


vez só; é pegar ou largar.
Escolhendo as palavras, expôs o que tinha em mente: nada
de buracos no pasto, nem gado abatido, nem acampamento den-
tro das Cabeceiras; o coronel forneceria o material para que os
invasores refizessem a cerca. As plantações seriam respeitadas. Os
sem-terra levariam as barracas para o acostamento da rodovia,
enquanto ele – Felismino – se comprometia a conseguir autoriza-
ção do prefeito para que acampassem em uma área do município,
sem ser importunados.
Em um segundo momento – prometeu – iria apoiá-los para
que conseguissem a doação de lotes nessa área, com documen-
tação e tudo o mais. Enquanto isso, o grupo ganharia duas reses
para fazer churrasco, mais arroz, feijão, leite e todo o necessário
para duas semanas.
Da assistência vieram manifestações de apoio, mas algumas
vozes discordaram. No meio do burburinho, o magrelo retomou
a palavra:
– Da minha parte, eu não aceito a proposta do coronel, que
quer ganhar tempo e pôr a gente para fora daqui. Não vai dar em
nada.
Do ajuntamento próximo, ele puxou pela mão uma jovem
grávida, levantou-lhe o braço e gritou para os companheiros:
– Vamos lutar! Por nós, pelas nossas mulheres e pelos nos-
sos filhos. Pelos nossos direitos. Contra o latifúndio! Contra o ca-
pital! Por pão, terra e liberdade!
Num átimo, Felismino finalmente o reconheceu: era o filho
do vaqueiro Mané Leite, o Doca, que há anos estudava na capital.
Atônito, o coronel procurou com os olhos o pai do moço falante

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Revista da Academia Goiana de Letras

– cadê seu velho compadre? Saberia que o filho estava ali, incitan-
do a desordem? Perguntou a um empregado e soube que o funcio-
nário ficara na porteira, guardando a entrada da fazenda.
Uma velha gorda adiantou-se, sacudindo os seios no decote
do vestido florido; levantou alto uma foice e gritou:
– Nóis num vai desisti, pessoá! Nóis vai brigá por um peda-
ço de terra, nóis tem direito!
Houve aplausos e resmungos. Tapuio acenou para que se ca-
lassem e falou:
– Nóis vai reunir pra discutir a proposta. Depois damo a
resposta.
– Hoje mesmo? – quis saber o coronel, meio desacorçoado.
– Inté de tarde.

* * *

Com modos de caubói, Tonico – o primogênito do coronel


Felismino – era conhecido pelo temperamento explosivo e incli-
nação para a violência. Mimado pela mãe, crescera como senhor-
zinho absoluto e fazendo o que queria. Não gostava de estudar;
abandonara o curso de Agronomia e voltara da capital, dizendo-se
preparado para lidar com os negócios da família. A irmã e o irmão
mais novos continuavam na universidade. Mesmo contrariado,
pois sonhava em vê-lo formado, Felismino resolveu dar ao filho a
oportunidade que desejava, permitindo-lhe que atuasse no dia a
dia da fazenda, ainda que debaixo de estrita vigilância.
As discussões entre eles não tinham fim: um era a voz da
experiência e da tradição; o outro, a inquietação pela mudança,
pela gestão impessoal dos negócios, pelos resultados imediatos.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Ambos, igualmente desejosos do lucro, da multiplicação dos re-


banhos, da ampliação das colheitas; mas antagônicos no que di-
zia respeito à administração da propriedade e, sobretudo, ao trato
com os empregados.
Para Felismino, em suas terras haveria que seguir os costu-
mes e cumprir com as leis: recolher impostos, manter a ordem e o
respeito. Nas eleições, os trabalhadores – também eleitores – vo-
tariam obviamente nos candidatos do patrão. O relacionamento
entre senhores e empregados se manteria como sempre, algo dis-
tante, eventualmente assumindo feição mais amena, em razão dos
muitos afilhados que o coronel aceitara batizar. Nada, porém, de
proximidade, nem intimidade; e tudo regulado por um contrato
verbal que regia as obrigações e os direitos recíprocos, com base
nos princípios e modos herdados dos antepassados.
Tonico insistia com o pai na aplicação estrita das leis tra-
balhistas ao pessoal da fazenda. Era preciso – dizia – melhorar a
produção e a produtividade, imprimir novos rumos à administra-
ção, substituir a mão de obra antiga e mal-acostumada por pessoal
novo. Sobretudo, acabar com os agregados que moravam de favor,
podendo ter criações e plantar roças de arroz, milho e feijão para
alimentar a família e obter alguma renda. Da colheita, pagavam
aforo ao senhor, um percentual que era estipulado verbalmente,
sem qualquer documento ou registro.
– Essa gente é um perigo – argumentava o filho. Não custa e
eles vão requerer usucapião da terra onde moram.
– Isso não vai acontecer – respondia o pai. – Meus agre-
gados viveram aqui a vida inteira; eu não vou correr com meus
compadres, nem com meus afilhados.

* * *

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Revista da Academia Goiana de Letras

Mané Leite era vaqueiro nas Cabeceiras desde rapazinho;


estava perto de completar setenta anos. Começara ordenhando
as vacas no curral, de onde lhe viera o apelido. Caboclo de fei-
ções mestiças e estatura média, sua figura encorpada sugeria for-
ça e determinação. Vestia-se com o traje de campo: calças, gibão
e chapéu de couro, arrematados por perneiras que cobriam as
alpercatas rústicas. Tinha um jeito especial de lidar com os bi-
chos, olho no olho, como que conversando com eles. Diziam os
sertanejos ser um caso de empautamento, força misteriosa que
aproxima o homem dos animais; certo é que esses o obedeciam
e pareciam entendê-lo.
O posto de vaqueiro conferia-lhe certa distinção. Com a
mulher, Minervina, centravam suas expectativas e ambições no
filho único, Raimundo – o Doca, afilhado do coronel. Embora mi-
údo e entanguido, o menino era inteligente e estudava com afin-
co; rapidamente aprendeu tudo o que lhe poderia ser ensinado
na escola da fazenda. Mas não lhe parecia o bastante; quando fez
quinze anos, pediu ao pai que o mandasse para a cidade grande,
pois haveria de ser doutor, de canudo e anel no dedo. O vaqueiro
e a mulher riam dos sonhos do filho – e concordavam com ele em
que buscasse um futuro melhor.
Como os demais empregados, o casal morava em uma casa
de palha, com paredes e teto feitos de esteiras trançadas que eram
amarradas a paus roliços, formando uma espécie de gaiola fincada
no chão por esteios. O piso era de terra batida. Somente na cozi-
nha usavam-se adobes no fogão de lenha e nas paredes próximas,
com vistas a prevenir incêndios.
Localizada a um quarto de légua da sede da fazenda, numa
curva do riacho, a morada tinha por perto canteiros de hortaliças

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Revista da Academia Goiana de Letras

sobre jiraus; mais além, touceiras de bananeiras e meia dúzia de


laranjeiras, em pequenos cercados que as protegiam contra ani-
mais e predadores.

* * *

Com persistência e teimosia, Tonico providenciou carteiras


de trabalho e de seguridade social para os empregados; além de
contratos escritos, com o horário de trabalho e o salário mensal
anotado, bem como as contribuições para a previdência. As novi-
dades não agradaram a alguns, que foram dispensados. O vaquei-
ro Mané Leite insistia em continuar a ser remunerado segundo o
velho sistema de partilhas.
A tradição consagrava como uma festa a vaquejada, reunião
anual do gado no pátio da fazenda entre nuvens de poeira, ao som
de aboios e berrantes. Os animais eram derrubados violentamente
pelo rabo, laçados e amarrados. Depois de contados e separados
“por era” – pelo ano de nascimento – formavam lotes mais ou
menos homogêneos, feito o que se procedia ao sorteio, cabendo
ao vaqueiro um em cada quatro animais nascidos durante o ano.
Tonico levara um contrato de trabalho para que Manuel
Leite assinasse – mas inutilmente. O vaqueiro sentia-se prejudica-
do com o novo arranjo que lhe atribuía uma remuneração mensal;
a “quarta” lhe parecia melhor e mais justa. Até porque a contribui-
ção previdenciária obrigatória cheirava-lhe a armação de políticos
em quem não confiava, tendo-os a todos como ladrões. Por que
entregar parte do seu salário a esses patifes?
Tentou explicar seu ponto de vista ao jovem patrão, menino
a quem carregara no colo e levara na lua da sela para passear. Mas

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Revista da Academia Goiana de Letras

o rapaz estava irredutível, queria forçá-lo a submeter-se à exigên-


cia e acrescentou mais uma: a de que o empregado pagasse aluguel
mensal pela casa onde morava. Um valor insignificante, é verdade,
mas visto como humilhante pelo sertanejo.
“Aluguel por quê? – pensava Mané Leite. – Se fui eu que
construí minha casa, que cortei a palha, que fiz os esteios e as for-
quilhas, que fechei as paredes e assentei o telhado?!”.
Não, não via sentido nisso. Procurou o coronel Felismino,
falou da dificuldade de aceitar as inovações de Tonico. Comuni-
cou que não iria demorar a entregar o posto de vaqueiro; já come-
çara a procurar um sitiozinho com boa aguada para comprar com
as economias da vida inteira. Sem demora, deixaria as Cabeceiras;
dentro de dois anos, se tudo desse certo. E mais: por que teria de
pagar aluguel pela casinha em que vivia com a mulher? Não es-
tava certo!
Sentiu que o patrão o entendia. O compadre convidou-o a
sentar-se, mandou servir um café, perguntou pela comadre. Jogou
a culpa da situação no governo que, sob a pena de multa, obrigava
os empregadores a registrar os empregados e recolher as contri-
buições previdenciárias. Afinal – argumentou o coronel – estas
iriam beneficiá-lo, a ele, Mané Leite, que passaria a contar com
uma aposentadoria no futuro, além de assistência médica para si
e para a família.
O vaqueiro ouviu com atenção, mas cético. Com todo o res-
peito discordou:
– O senhor sabe que não é bem desse jeito não, senhor meu
compadre. Médico do INSS não tem por aqui; a gente conta é com
o postinho de saúde da Prefeitura. A aposentadoria rural é por
idade. Já posso me aposentar, patrão. E essa história de aluguel –
isso doeu no coração.

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Revista da Academia Goiana de Letras

O fazendeiro reconhecia para si mesmo que o empregado es-


tava com a razão. Nas reformas impostas por Tonico – como admi-
nistrador das Cabeceiras, ao que dizia – Felismino tentara deixar
de fora o vaqueiro, com os mesmos argumentos dos quais o compa-
dre agora se valia. Quanto à casa, o filho argumentara ser necessário
prevenir-se contra a ameaça que pairava no ar: os advogados e os
sem-terra estavam por toda parte, doidos para abocanhar parce-
las de propriedades, mesmo quando secularmente documentadas
como era o caso das Cabeceiras. O custo mensal do aluguel seria
simbólico; o importante era comprovar a relação entre o proprietá-
rio e o morador, como ocupante transitório do imóvel.

* * *

A contragosto, Mané Leite concordou em ser fichado e ter


registrado na carteira o desconto sobre um salário mínimo men-
sal. Depois, tudo se arranjaria, prometeu-lhe Felismino; fariam um
encontro de contas na época da vaquejada, o compadre não seria
prejudicado, receberia sua quarta na partilha do gado. Palavra de
homem. Quanto ao aluguel da casa, o assunto ficava para depois.
Com peculiar introspecção sertaneja, o velho vaqueiro tor-
nou-se mais calado e taciturno. A mulher, Minervina, queixava-se
de que o marido andava emburrado e quase não se ouvia a voz dele.
Gostaria de tomar conselho com o filho. Mas, estudando na capital,
há anos ele não aparecia nas Cabeceiras. Doca se empregara de cai-
xeiro em uma loja; e, trabalhando, estava perto de acabar um curso
cujo nome os pais não sabiam, sendo certo, porém, que seria doutor.

* * *

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Revista da Academia Goiana de Letras

Para surpresa de Mané Leite, junto com os invasores da fa-


zenda, veio o Doca – magrinho, baixinho, uma barbicha no queixo
e o olhar iluminado de quem viu passarinho novo. Conversaram
pouco, no meio da confusão. Ia avançado o dia quando o vaqueiro
pôde ir com o filho à casa para que Minervina o abençoasse. Mãe
e filho abraçaram-se, falaram da saúde, esticaram uma conversa
meio desenxabida de quem vive em mundos distantes. Depois de
comer apressado, o rapaz explicou que amigos o esperavam; vol-
taria mais tarde.
Debaixo de um telheiro, os sem-terra estavam reunidos – e
as discussões começaram. Aceitariam ou não a proposta do co-
ronel Felismino? Mudariam o acampamento para o acostamento
da rodovia, na expectativa de se arrancharem depois em terreno
da Prefeitura? Haveria alguma verdade na promessa de ganharem
lotes no futuro? A assembleia dividia-se: Tapuio era a favor; Doca
posicionava-se contra. Os debates e argumentos estenderam-se
por algumas horas até que, feita a votação, venceu a tendência
conciliadora. Uma comissão foi encarregada de levar a resposta
afirmativa ao coronel, e os companheiros começaram a juntar a
tralha, a fim de que o grupo se retirasse da fazenda e se instalasse
na margem da estrada.
Felismino recebeu com alívio a notícia. Serviu uma rodada
de cachaça e determinou que a janta seria por conta dele; mandou
chamar as cozinheiras para que fizessem caldeirões de ensopado e
o distribuíssem para todos.
Arredio, Doca mantinha-se taciturno. De um canto, era ob-
servado pelo filho do proprietário, inconformado com a postu-
ra do rebelde, que tivera o desplante de incentivar os invasores a
continuarem acampados na fazenda. Sujeitinho custoso, aquele!

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Revista da Academia Goiana de Letras

Haveria de ensiná-lo! Logo ele, afilhado do coronel, a apoiar os


sem-terra! Ruminando fatos e palavras, sequioso por vingança,
uma ideia surgiu na mente de Tonico: dando o troco a Doca, vol-
taria com o contrato de aluguel à casa de Mané Leite, para que o
assinasse imediatamente. Ou seria posto para fora, com a família.

* * *

A tarde caía quando, desencantado, Doca veio despedir-se


dos pais; encontrou Mané Leite picando fumo, sentado no batente
da porta. De longe, ele reconhecera a voz do filho e entreouvira
as discussões dos invasores, nada entendendo, porém, do que di-
ziam. Mas intuía que alguma coisa estava errada na proximidade
do rapaz com os invasores, na atenção que lhe davam. Tudo lhe
parecia confuso, mas – raciocinava – eles tinham concordado em
sair da fazenda, o que parecia bom. Os ânimos estavam mais cal-
mos, depois do dia agitado.
Minervina trouxe tamboretes para a frente da morada, onde
se acomodaram na fresca da tarde. A luminosidade abrandava,
uma faixa de lua minguante apareceu no céu límpido. Doca falou
sobre o curso que em breve concluiria e comunicou aos pais que
iria ser professor de Ciências Sociais. Mesmo sem entender o que
significava, a mãe exultou: era uma bênção de Deus!
Bandos de pássaros cortavam o céu em barulhenta revoa-
da; para os lados do brejal, ouvia-se o coaxar dos sapos. Eis que
o fragor de um tropel quebrou a quietude. Era Tonico, que freou
seu alazão no terreiro, com estrépito. Não apeou e mal deu boas
noites. Do bolso da camisa, tirou um papel, que estendeu para
o vaqueiro.

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Revista da Academia Goiana de Letras

– É pra assinar agora! – disse.


Mané Leite e Minervina tinham se posto de pé, surpresos.
Mas foi Doca quem se adiantou e pegou o papel – o contrato de
aluguel da casa do vaqueiro. O rapaz leu-o e releu-o com deli-
berada lentidão. Endireitando o corpo miúdo, falou com a voz
portentosa:
– Meu pai não vai assinar isso.
– Se não assinar, vai ter que sair da minha terra – revidou
Tonico.
– Eu não vou deixar ele assinar – insistiu Doca. – Não é
justo. Vou levar esse papel ao Sindicato, vou denunciar à Justiça, à
Prefeitura, à Igreja, toda a gente vai ficar sabendo – e prosseguiu,
escandindo as palavras: – Vocês vão pagar caro por isso!
Minervina começou a chorar baixinho; paralisado de susto,
Mané Leite não conseguia falar. Ao que Tonico cresceu na sela e
ameaçou:
– Tenho a lei do meu lado. As terras são da minha família.
Ninguém mora nelas sem o meu consentimento. Se não assinar o
contrato, vocês vão sair daqui e é pra já.
Deu meia-volta, esporeou o cavalo e saiu a galope. No lusco-
-fusco da tarde que caía, era palpável o medo do casal ameaçado.
Passado o primeiro susto, Mané Leite ponderou:
– O meu compadre não tá sabendo disso. Vou falar com
ele – e dirigiu-se à casa para pegar o chapéu e ir ao encontro do
patrão.
Minervina seguiu-o, lágrimas correndo no rosto aflito en-
quanto suplicava:
– Num vá não, pelo amor de Deus! Sinhozinho Tonico é
brigão, pode tá de tocaia. Vamo deixá alumiá o dia de amenhã, aí
nóis vai falá com o cumpade.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Doca pediu detalhes ao pai sobre o documento e concor-


dou com a mãe, que deveriam aguardar a manhã seguinte para
procurar o coronel. Ele – Doca – partiria imediatamente para a
vila: a pé, cortaria caminho pela mata; e cedinho iria consultar o
advogado do Sindicato Rural, mostrar o documento que retive-
ra consigo, pedir orientação e assistência. Procuraria também a
polícia e os conhecidos da Pastoral da Diocese. Não houve meio
de demovê-lo; pôs-se em marcha com a bênção dos pais e uma
capanga com paçoca.
Marido e mulher foram deitar-se nas redes de riscado. Mi-
nervina pôs-se a rezar; Manuel Leite ruminava a lembrança dos
fatos recentes e procurava antever o próximo passo: o que faria o
coronel Felismino? Mandaria embora seus compadres? Depois de
tantos anos, ele e a mulher seriam corridos das Cabeceiras?
A noite avançava. Ao longe, o barulho dos caminhões anun-
ciava que os últimos invasores retiravam-se da fazenda. Vozes
perdiam-se na distância. Um galo cantou. Vencida pelas emoções,
Minervina ressonava. O velho vaqueiro continuava insone, ouvin-
do o vento que açoitava as folhagens.
De repente, escutou o barulho de cascos em galope. Cor-
reu à porta. No terreiro, dois cavaleiros agitavam tochas acesas,
enquanto um terceiro equilibrava uma vasilha sobre as coxas.
Não dava para ver os rostos, mas Manuel Leite reconheceu o
Ruço, o cavalo de Tonico. Em questão de segundos, um dos ho-
mens derramou algo na parede da frente – e o cheiro forte de ga-
solina espalhou-se no ar. Outro jogou uma tocha, o fogo ardeu e
ganhou força em labaredas; o companheiro repetiu o gesto, nos
fundos da casa. Feito o que os cavaleiros deram a meia-volta e
sumiram na escuridão.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Apavorado, Mané Leite entrou na casa em chamas, arran-


cou Minervina da rede, arrastou-a para longe. Amparando-se um
no outro, marido e mulher assistiram impotentes à queima de
tudo quanto tinham de seu – até o dinheiro economizado cédula
a cédula, guardado debaixo do colchão.
Passou-se algum tempo para que, da sede da fazenda, al-
guém acudisse ao clarão do fogo. Tentando inutilmente apagá-lo,
acorreram agregados, peões e alguns sem-terra. O coronel Felis-
mino foi acordado e veio correndo. Mas era tarde – o fogaréu con-
sumiu a morada humilde; em poucos minutos, nada mais restava
senão cinzas e alguns esteios retorcidos.

* * *

Felismino quis saber a versão do compadre Mané Leite so-


bre o acontecido; convidou-o a abrigar-se com a comadre na casa
sede, até que as coisas acalmassem. O vaqueiro contou o que vira
e disse que reconhecera o cavalo de Tonico com um dos incendi-
ários. Agradeceu o oferecimento, mas preferiu ir com Minervina
para o rancho de um parente que morava perto. O coronel con-
denou o atentado, mostrou-se indignado, mas absteve-se de men-
cionar o nome do filho; na verdade, ignorava qual o destino dele
e dos capangas. Prometeu procurá-los, encontrá-los e entregá-los
à justiça para que fossem punidos; no mais recôndito do seu ser,
contudo, pensava em tomar suas próprias providências, do seu
jeito e no devido tempo. Quem sabe mandar Tonico para longe,
talvez para fora do país, até que tudo entrasse nos eixos?
De há muito, o senhor das Cabeceiras tinha consciência de
que as mudanças econômicas e sociais no campo configuravam-se

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Revista da Academia Goiana de Letras

como um processo irreversível. Tendo completado o curso mé-


dio, era mais informado e atualizado do que a maioria de seus
vizinhos – e se dizia um conservador progressista. Assim sendo,
fez instalar uma escolinha rural, onde estudava a criançada da
fazenda e dos arredores. Acreditava ser possível a convivência
pacífica entre senhores e empregados mediante um pacto con-
sensual, cabendo aos patrões tomar a rédea dos acontecimentos,
seu ritmo e sua efetividade.
Estava ciente, também, de que modernas técnicas de lavou-
ra e criação estavam a impor-se e buscou introduzi-las na fazen-
da. Contratou financiamentos para a abertura de novos pastos e
lavouras; comprou equipamentos e insumos; melhorou a remune-
ração dos empregados. Endividou-se, hipotecou parte das terras
– mas os lucros eram escassos; os juros consumiam quase tudo e,
de mês para mês, crescia o saldo negativo de suas contas. Procu-
rou assistência técnica junto a órgãos do governo; ouviu belas su-
gestões, recebeu muitas promessas e reduzido apoio efetivo. Sabia
que ainda havia muito a ser feito, para que a fazenda progredisse
e possibilitasse melhorar a vida de patrões e assalariados. Entre-
mentes, o escoamento da produção continuava problemático; a
cada estação das águas, as estradas vicinais pioravam, sem con-
servação nem reparos.
Agora, a crua realidade dos fatos: a violência se abatera so-
bre as Cabeceiras, seu proprietário e seus moradores. A tragédia
aparecia para o coronel com duas faces distintas: o incêndio da
morada do velho vaqueiro, seu compadre; e o envolvimento do
filho no ato criminoso.

* * *

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Revista da Academia Goiana de Letras

As notícias das Cabeceiras espalharam-se por meio-mundo.


Vieram as autoridades, o delegado e o escrivão; inquéritos foram
abertos, e depoimentos tomados. A mídia divulgava informações
detalhadas e sensacionalistas; repórteres, fotógrafos, câmeras de
televisão devassaram tudo, mostrando imagens da sede, dos cur-
rais, dos pastos e da casa incendiada. Predominava um viés fa-
vorável aos pobres e desvalidos – dos sem-terra, acampados na
rodovia, ao casal de idosos, vítimas dos incendiários.
Na vila, o assunto dominava as conversas; a indignação era
geral. Na praça, nas celebrações e reuniões da igreja, no armazém,
no mercado e na farmácia, pessoas discutiam o que fazer – e todos
concordavam em que a impunidade não poderia prevalecer. Espe-
culava-se que, sendo Tonico filho de um fazendeiro, a lentidão da
justiça acabaria por favorecê-lo e aos demais criminosos. Seria o
cúmulo se assim acontecesse!
Da cidade sede da Diocese, veio o senhor bispo para cele-
brar missa na igrejinha da vila. Durante a homilia, pregou contra
a arrogância e a prepotência, a partir da evocação dos fatos que
abalavam a opinião pública. Clamou pela justiça divina e humana,
e declarou apoio ao casal vitimado pela violência – violência que
precisava ter fim! Como expressão de solidariedade da igreja ao
povo de Deus, Sua Eminência prometeu que voltaria em breve,
para rezar a santa missa junto aos escombros da casa incendiada.

* * *

Chegara o dia e aproximava-se a hora marcada para a cele-


bração. Em frente ao que restava da morada, frei Angélico recebeu
o senhor bispo, as irmãzinhas e o pessoal da Pastoral, assim como

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Revista da Academia Goiana de Letras

o sacristão Tintim, que trazia os objetos do culto e os paramentos.


De utilitários empoeirados, apearam ministros da eucaristia e in-
tegrantes do coral, formado por jovens paroquianos.
Tudo minuciosamente planejado e preparado; sobre o altar
coberto com impecável toalha de linho branco, mangas de vidro
nos castiçais protegiam as velas contra o vento. Ao lado, bandeiras
da Igreja, do Brasil, do Estado e do Município estavam dispostas;
um crucifixo pendia de uma armação de madeira envolta em um
pano roxo. Flores artificiais acrescentavam um toque de cor.
De banho tomado e com roupas domingueiras, fiéis chega-
vam a pé, a cavalo, em lombo de burro, em carroças e charretes.
Frei Angélico dava as boas-vindas, abençoava as crianças, per-
guntava pelos ausentes, enquanto pequenos grupos se formavam,
conversando. Os mais devotos aproximaram-se de Sua Eminên-
cia, sentado em uma cadeira de espaldar alto sob um pálio; alguns
lhe beijaram o anel. O assunto era os acontecimentos das Cabecei-
ras, sendo unânime a indignação, bem como o clamor para que a
justiça fosse feita.
Mané Leite e Minervina vieram a pé, acompanhados de
Doca; pareciam mais velhos e mais humildes, como que perdi-
dos no meio de tanta gente. Frei Angélico abraçou-os, e uma das
freiras levou-os para cumprimentar o senhor bispo e assentar-se
em um banco na primeira fila, em frente ao altar. Holofotes de um
caminhão de televisão iluminavam feericamente a cena, destacan-
do os escombros da casa, cujos esteios se recortavam contra o céu
que adquiria tons esmaecidos de azul e ocre.
Ao microfone e com adocicado sotaque italiano, frei Angé-
lico lembrou que estavam reunidos para rezarem pela paz e pela
justiça; que o Senhor os abençoasse a todos e, em especial, aos

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Revista da Academia Goiana de Letras

paroquianos, Manuel Leite e Minervina, e ao seu filho Raimundo


– o Doca – ali presentes. O senhor bispo, príncipe da Igreja e pas-
tor de suas ovelhas, daria início ao ofício divino, e todos rezariam
pela reconciliação e pelo perdão.
Majestoso na casula bordada com fios dourados, Sua Emi-
nência começou a celebração; benzeu-se contrito e prosseguiu:
“O Senhor esteja convoco!”. Entoados pelo coral, ouviram-se
cânticos; depois, vieram o Introito e o Confiteor. Em seguida, a
Primeira Leitura, quando o celebrante voltou a sentar-se sob o
pálio solene.
Coube a Doca ler e fazer reboar pela campina o salmo 14 de
Davi: “Livra-me, ó Senhor, do homem mau; guarda-me do homem
violento; o qual pensa o mal no coração”. E, depois de denunciar
os ímpios e os pecadores: “O mal perseguirá o homem violento, até
que seja desterrado (...) O Senhor sustentará a causa do oprimido e
o direito do necessitado (...) Assim, os justos louvarão o teu nome; os
retos habitarão na tua presença”.

* * *

Voltando ao altar e dando prosseguimento à missa, o bispo


mantinha os olhos baixos em profunda concentração. Ao erguê-
-los, viu parar ao longe uma camionete e dela apear o dono das
Cabeceiras, o próprio coronel Felismino. Estupefato, Sua Eminên-
cia quedou sem ação por um momento. O fazendeiro estava sozi-
nho e caminhava devagar em direção à assembleia devota. Com
os cabelos grisalhos, o talhe alto e descarnado a destacar-se na
claridade dúbia da tarde que caía, usava um antiquado terno de
linho branco; nas mãos trazia um chapéu de abas largas.

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Revista da Academia Goiana de Letras

O chegante foi recebido com olhares furtivos e comentários


em voz baixa, que logo se multiplicaram e aumentaram de volume
sob a forma de protestos. Um frisson percorreu os presentes; as
câmeras de televisão focaram no inesperado fiel, enquanto repór-
teres excitados descreviam a cena, na medida em que procuravam
entendê-la.
Frei Angélico acorreu e postou-se ao lado de Felismino.
– Venho em paz – disse o fazendeiro ao frade, que ponderou:
– É melhor ir-se embora, coronel.
– Não tenha medo, frei Angélico; eu não estou com medo
– assegurou Felismino, que repetiu: – Venho em paz. Trago uma
proposta de indenização para o meu compadre Mané Leite – e
tirou do bolso um envelope.
Em questão de segundos, homens e mulheres ajuntaram-se
ameaçadores em volta deles. Deixando a primeira fila da assistên-
cia, Doca varou correndo a distância e veio encarar Felismino de
frente:
– Dê o fora, coronel. Ninguém quer o senhor aqui.
– Calma, Doca! – aconselhou o frade.
– Não aprovo o que meu filho fez – respondeu o fazendeiro,
de modo que todos ouvissem. No que depender de mim, quero
ser justo e decente. Como sempre fui – e acrescentou: – Vim con-
versar com os meus compadres. Peço ao senhor bispo que assista
à conversa. Cadê eles? – perguntou o coronel. Como não tivesse
resposta, prosseguiu: – Quero falar com meus compadres na fren-
te de vocês.
– Mandei embora meu pai e minha mãe – respondeu Doca,
que continuou com o vozeirão retumbante: – Não tem mais conver-
sa, nem meia-conversa, coronel. Chega de exploração e de mentira.

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Revista da Academia Goiana de Letras

A fazenda das Cabeceiras vai ser desapropriada, e a terra vai ser dis-
tribuída entre nós, campesinos, vítimas da exploração capitalista.
Palmas e vivas apoiaram o orador que prosseguiu:
– Seu filho Tonico tem de ser preso, coronel, e os capangas
dele também. Não tem mais jeitinho nem enganação! Vamos lutar
para que a justiça seja igual para todos.
Aplausos repercutiram as palavras de Doca; pessoas exal-
tadas formaram uma roda compacta. A tensão estava no ar. Não
foi surpresa quando, deixando para trás o altar, acorreu o senhor
bispo em vestes litúrgicas, seguido de perto pelo sacristão Tintim
que gritava com as mãos em concha, no meio do povo:
– Não vai mais ter missa, pessoal. Acabou a missa! Vamos
todos pra casa em paz, sem confusão. Pra casa, gente, pra casa!
Em contrapartida, ecoou um coro puxado por Doca: “Que-
remos nossa terra! Queremos nossa terra!”. Braços ergueram-se
com os punhos fechados, as vozes a cada vez mais altas, as mãos
empunhando pedras vindas não se sabe de onde. Tentando apa-
rentar serenidade, o senhor bispo abençoava a todos com gestos
largos, desenhando no ar uma cruz:
– A paz esteja convosco! Ide em paz e que o Senhor vos
acompanhe!
Sem esperar outra exortação, os moços do coral, os minis-
tros da eucaristia, os integrantes da Pastoral e as irmãzinhas en-
traram nas viaturas mais próximas e ganharam a estrada. Guiados
por frei Angélico, jovens, mulheres e crianças correram para os
animais de sela, carroças e charretes, desamarraram arreios e cor-
das e fugiram como Deus foi servido.

* * *

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Revista da Academia Goiana de Letras

Por um momento, parecia que os ânimos tinham acalmado.


Ainda havia luz no céu de cores mutantes. Doca e os homens que
o apoiavam deram uma pausa, avaliando a situação.
Foi quando despontou no horizonte um troço de cavaleiros
que se aproximavam a galope. À distância de poucas braças, fo-
ram reconhecidos Tonico e meia dúzia de homens armados. Em
segundos, instalou-se o pavor entre os remanescentes da assem-
bleia, em meio a gritos, correrias e imprecações.
– Vamos acabar com essa palhaçada, pessoal! – gritava o
filho do coronel disparando tiros para o ar. Essa terra é minha e
não quero ninguém aqui. Nem homem, nem mulher, nem padre,
nem homem vestido de mulher!
Avançando e revirando os bancos, pistoleiros miravam nas
velas acesas. Tintim correu para pegar o cálice e a patena com as
sagradas partículas; deteve-se quando uma bala zuniu-lhe perto
do rosto e estraçalhou o missal aberto à sua frente. Com voz enér-
gica, o bispo mandava que os facínoras parassem, respeitassem
as pessoas e a Igreja que ele representava. Ameaçou-os com a ex-
comunhão; de nada valeu. Tonico apontou-lhe uma pistola, mas
desistiu de atirar; deu meia-volta e acertou mais além, em um dos
esteios da casa incendiada.
As câmeras de televisão focaram Sua Eminência batendo
em retirada: arrebanhou a estola e a alva, deixou cair o báculo pas-
toral e correu para a van que o trouxera, de onde milagrosamente
acenavam o sacristão e um improvisado motorista. O veículo pe-
gou no tranco e arrancou, enquanto tiros pipocavam.
O coronel Felismino gesticulava e gritava para o filho
que não atirasse, que parasse, que fosse embora! Tudo em vão.
Frei Angélico ia de um lado para outro, tentando reunir os fiéis

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Revista da Academia Goiana de Letras

remanescentes, empurrando-os, instigando-os a que fugissem.


Ensandecidos, Tonico e os capangas passaram a mirar os pneus,
as cabines, as latarias dos carros, os animais, as viaturas restantes.
Alguns se divertiam acertando as bandeiras na panóplia perto do
altar e a armação da qual pendia o crucifixo.
Passados alguns momentos, Doca e seus apoiadores co-
meçaram a revidar ao ataque dos bandidos, embora fossem
poucas as armas de que dispunham e improvisada a resistên-
cia. No fogo cruzado, os bravos rapazes da mídia desistiram de
documentar o entrevero; correram para salvar os equipamentos
caríssimos e a própria vida, que já tinham exposto em demasia.
Por sorte, o caminhão funcionou; deram partida e se mandaram,
ingloriamente.
Não mais do que dez minutos depois de começada, findou
a batalha. Assim como vieram, Tonico e seus capangas se foram,
deixando um rastro de pavor. Alguns homens jaziam caídos no
chão; uma mulher chorava aos gritos, a cabeça do marido apoiada
no colo. Frei Angélico correu para acudi-lo e abençoar o ferido –
que logo entregou a alma a Deus, entre golfadas de sangue.
Doca ainda conseguiu reunir alguns cavaleiros; sem demo-
ra, saíram no encalço dos pistoleiros. As chances de alcançá-los
eram mínimas; as de puni-los, quase inexistentes. Mas era preciso
mostrar macheza e coragem. Sobretudo, deixar claro que a luta
continuaria até que a propriedade privada fosse abolida e se im-
plantasse a ditadura do proletariado, conforme os ensinamentos
hauridos nas aulas e assembleias universitárias.

* * *

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No lusco-fusco do anoitecer, Frei Angélico viu o coronel Fe-


lismino encurvado e atônito, sentado em um banco. Com delica-
deza, ajudou-o a levantar-se e levou-o até a camionete, no mesmo
local em que o fazendeiro a deixara, à beira da estrada. Inutil-
mente, o frade tentou fazê-la funcionar; o motor e os pneus esta-
vam em frangalhos, os vidros estilhaçados. Não havia nada nem
ninguém que pudesse ajudá-los. Estavam sozinhos, afora alguns
feridos espalhados pelo chão.
– Tenho que ir à vila pedir socorro – disse o frade ao coro-
nel. – O senhor vai comigo ou fica esperando?
Como que acordando de um pesadelo, Felismino respondeu:
– Pode ir, frei Angélico. Eu lhe espero. Vou ficar aqui.
O silêncio caiu sobre a campina. O tropel dos cavaleiros de
Doca perdera-se no vazio. As passadas ritmadas do frade afasta-
ram-se, até extinguir-se o estalar das alpercatas no cascalho.

* * *

Sentado na cabine da viatura devastada, o coronel Felismino


fitava o nada. O olhar perdido, ele se questionava: o que fazer? A
quem apelar? À Igreja, ao Estado, à Justiça – todos férteis em pro-
messas e palavras grandiosas, mas omissos e inoperantes?! Tantos
problemas a resolver, e nada era feito de realmente necessário, a
começar do fato de que não havia respeito à propriedade. E tudo
parecia errado: invasores depredavam as nascentes, que não eram
preservadas; não se conseguia assistência técnica efetiva para o
plantio e a criação; nem havia melhorias nas escolas rurais, nos
hospitais locais, nas estradas.

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Diante do falatório vazio, do populismo, da desonestidade e


da incompetência geral, de que lhe serviam princípios de honra-
dez, de integridade, de respeito ao próximo, se a violência impu-
nha-se como lei maior e irrecorrível? De que lhe valiam direitos,
documentos e argumentos diante da força bruta, do fanatismo
ideológico, do populismo político, da disseminação do ódio, da
truculência individual e coletiva?
Aturdido, perplexo, o velho coronel via à sua frente as terras
das Cabeceiras, que há gerações pertenciam à sua família, patri-
mônio material, mas também intangível, pelo que representavam
como herança ancestral. E tudo se acabava assim tragicamente,
pelas mãos do seu próprio filho primogênito!
Felismino retirou do bolso o documento em que formali-
zaria a indenização aos compadres Mané Leite e Minervina pelos
prejuízos sofridos. Seria um gesto inútil, até porque – a essa altu-
ra dos acontecimentos – o coronel já não sabia sequer o que lhe
restava como seu. Ou o que lhe seria ou fora tomado em nome da
igualdade de classes e da justiça social. Rasgou o papel em pedaci-
nhos. No mundo do sectarismo e da violência, nada fazia sentido.
Ao redor, as sombras adensavam-se, mas ainda era possível
divisar as suaves ondulações da campina. A despeito de tudo, a
terra e o solo seguiam imutáveis, na sequência das águas e da seca,
da semeadura e da colheita. E a vida continuava, com as paixões
em fúria ou – quem sabe? – com tolerância e respeito de uns para
com os outros.
Contra o horizonte que se apaziguara antes do pôr do Sol,
recortavam-se os esteios da casa incendiada. Calcinada como o
chão ressequido, que reviverá quando as chuvas chegarem.

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Revista da Academia Goiana de Letras

CRÔNICAS

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Grandeza e pequenezas de Graciliano Ramos


                                                                      
Brasigóis Felício
 

“Creio que a revolução sexual me levaria ao suicídio”. Assim


escreveu Graciliano Ramos. Tinha vivido o suficiente para conhe-
cer as durezas ferozes e implacáveis do “humanismo marxista”.
Tinha viajado à Rússia.
Já corriam, à boca medrosa e miúda, sussurros sobre os cri-
mes de Stalin.
Sabia das punições impostas aos que escorregavam em
“desvios pequeno-burgueses”. Ou eram acusados de traição a uma
subjetiva e distante “causa operária”. Também imputados no crime
de não ler com o devido rigor os mantras e dogmas da cartilha do
realismo socialista.
Logo ele que veio do sertão, onde jamais conheceu nenhu-
ma fábrica, a não ser a indústria das secas, que enriquecem coro-
néis... e renovam implacavelmente os ciclos de produção e expan-
são da miséria.
Na Rússia stalinista, milhares – pior que isto –, 40 milhões
de pessoas, muitas delas tão comunistas quanto o “guia genial dos
povos”, tinham sido mandadas para os campos de prisioneiros, na
Sibéria.
Mandadas para “reeducação” ideológica, feita à custa de du-
ros trabalhos forçados, executadas sob o rigor do inverno, e a sub-
nutrição cronificada pela alimentação precária e miserável.
Graciliano Ramos tirava os temas de seus contos e roman-
ces da “vida mesquinha” – da vida real, não da idealização das
pobres criaturas humanas dos sertões castigados pela seca.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Não tinha como tratá-las como criaturas dotadas de sen-


timento ou vontade heroica. A miséria em que vivem faz que só
tenham mais disto – não só no corpo físico, mas também na sua
mente e espírito. Nelas, Graciliano não via nada parecido com
revolta.
                      
* * *

Em carta enviada a seu amigo Oscar Mendes, o velho Graça


foi econômico em generosidade, quanto às obras de seus colegas
escritores do ciclo das secas – ou da árida vastidão nordestinada.
Quanto a José Lins do Rego, cuja obra tem mais densidade huma-
na do que a do autor de Vidas secas, diz: “O que é certo é que não
podemos, honestamente, cabras do eito, só homens da bagaceira,
discutindo reformas sociais”.
[...] Em primeiro lugar, essa gente não se preocupa com se-
melhante assunto,. Depois, nossos escritores, burgueses, não po-
deriam trabalhar a alma de nossos trabalhadores rurais. Lins do
Rego nasceu em um engenho, apresentou alguns aspectos, mas
ligeiramente.
O que lhe interessa é o sofrimento do pequeno-burguês, de-
cadente e cheio de fumaças, ignorante, vaidoso, inútil. Rachel de
Queiroz tem algumas características da roça, bem feitas, mas é
possível que haja ali muita imaginação.
Mais adiante, em sua carta ao amigo, acaba dando razão ou
relativizando, amenizando sua crítica quanto à falta de penetração
psicológica nas obras de seus colegas escritores nordestinos.
Reconhece que são criaturas rasas, sem profundidade. Não
possuem nem são dotadas da estupenda, sólida e complexa vida
das criaturas das grandes cidades, pretensamente dotadas de
“consciência social”.

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Que Jorge Amado, em seu alinhamento visceral e servil aos


ditames do realismo socialista, vê nos seus personagens, muitos
lúmpenes, personagens tirados da vida popular de Salvador – e de
grandes cidades do interior, que fizeram parte do universo viven-
cial do escritor.  
  Desde seu conhecido Capitães de Areia, traduzido e difun-
dido pelo Partido Comunista, em quase todos os países do mundo
– cujos personagens são pivetes de praia, retratados como “revo-
lucionários”, heróis de uma imaginária consciência social popular.
Remember personagens femininos de seus romances Ga-
briela Cravo e Canela e Tereza Batista Cansada de Guerra. O pri-
meiro, até com pitadas de lirismo poético e temperos de humor,
mas o segundo, de uma inverossimilhança total, não obstante não
estar filiado à estética surrealista.   

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A mulher, o nobel e as academias de letras

Eurico Barbosa dos Santos

A afirmação da inteligência e da capacidade de realização


da mulher tem crescentes e contínuas formas de imortal
reconhecimento.
A polonesa Marie Sklodowska Curie, já em 2003 e 2011
conquista dois Prêmios Nobel de Ciências por suas contribuições
nos campos da Física e da Radioquímica.
Em 1935, Irene Joliot Curie foi a premiada por suas des-
cobertas em Radioquímica. Em 1947, o prêmio (Bioquímica) foi
para a tcheca Radnitz Cori, falecida em 1957.
A norte-americana Barbara McClintock, de Saint Louis,
viu-se galardoada com o maior prêmio de Ciências em 1983, na
categoria geneticista.
Nascida na Alta Silésia, então pertencente à Alemanha, atu-
almente integrante da Polônia, Maria Goeppert-Mayer tornou-se
detentora do Nobel de Física Matemática de 1963.
Natural de Turim, de uma família de judeus, Rita Levi-
-Montalcini, neuroembriologista, é o Prêmio Nobel em Medicina
e Fisiologia de 1986.
Dorothy Crowfoot Hodgkin, inglesa, viu-se premiada em
1964 com o Nobel de Química.
Gertrude B. Eliin, natural de Nova Iorque, filha de lituanos,
viu suas pesquisas e descobertas sobre medicamentos coroada
com o maior prêmio científico de Bioquímica em 1988.
O prêmio de Física Médica de 1977 foi dado a Rosalyn Sus-
sman Yalow, nova-iorquina, nascida a 19 de julho de 1921 e fale-
cida em 30 de maio de 2011.

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Ganhadoras do Nobel de Literatura: Selma Lagerlof, sueca,


1909; Grazia Deledda, italiana, 1926; Sigrid Undsetr, noruegue-
sa, 1928; Pearl Buck, americana, 1938; Gabriela Mistral, chilena,
1945; Shmuel Yosef Agnon (Áustria-Hungría) e Nelly Sachs (Ale-
manha), 1966; Nadine Gordimer (África do Sul), 1991; Toni Mor-
rison, americana, 1993; Wislawa Szymborska, polonesa, 1996; El-
friede Jelinek, austríaca, 2004; Doris Lessing, inglesa, 2007; Herta
Müller, alemã, 2009; Alice Munro, canadense, 2013; Svetlana Ale-
xievich (Bielorrússia), 2015.
Em todas as áreas que a homenagem de Alfred Nobel de-
cidiu eternamente homenagear com a sua instituição, referente-
mente à mulher, o número de homenageadas já atingiu 43.
A ascensão feminina em todos os espaços – científicos,
profissionais, artísticos, intelectuais e até mesmo empresariais –
constituem um dos fatos mais notáveis das últimas décadas. No
jornalismo televisivo, radiofônico e impresso são impressionantes
os valores femininos que se têm revelado grandes profissionais. A
literatura está cada vez mais enriquecida por escritoras de gran-
de talento. No judiciário, afirmam-se excelentes magistradas. No
Ministério Púbico, brilhantes titulares de Promotorias e Procura-
dorias. Nas Delegacias de Polícia, competentes, responsáveis pela
direção dos seus trabalhos. E, assim, em todas as áreas: mulheres
inteligentes, eficientes e respeitáveis.
Assinala-se que as Academias de Letras têm crescentemente
se abrilhantado com a presença da mulher. Antes de 1977 era ve-
dado o ingresso feminino na Academia Brasileira de Letras. Mas,
a partir daquele ano, com a eleição de Rachel de Queiroz para a
Cadeira n° 5, vitoriosa a cearense sobre o grande jurista Pontes
de Miranda, as portas dos sodalícios literários se fizeram abertas
para as escritoras. Hoje, elas são presenças numerosas em todos
eles. Inclusive na nossa AGL temos a presidência exercida pela
poetisa e cronista Lêda Selma. E, se me impõe dizer: excelente
timoneira.

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O charme da monarquia

Lena Castello Branco Ferreira de Freitas

Consta que, nos Estados Unidos, ao venderem “pacotes”


para o nosso país, agências de viagem incluem sempre o Rio de
Janeiro e a cidade serrana de Petrópolis, explicando que foi funda-
da por D. Pedro II, imperador do Brasil. Comprovando que houve
majestades por aqui, é exibida uma fotografia do monarca vestido
a caráter, trazendo cetro, coroa e manto real incrementado com
papos de tucano.
O expediente funciona. Na prosaica democracia norte-ame-
ricana, há certa nostalgia da realeza. Porque nunca a tiveram, os
ianques são fascinados pelas pompas da monarquia. Não é raro,
no Museu Imperial de Petrópolis, álacres senhoras de bermudas
e chapéus floridos perguntarem aos guias: “Quando é que vamos
vê-lo?”. Confundindo o ontem com o hoje, esperam que o impe-
rador as receba.
A independência dos países do Novo Mundo deu-se na pri-
meira metade do século XIX, quando a instituição monárquica
fora abalada pela Revolução Francesa e seus desdobramentos. A
partir do exemplo dos Estados Unidos, os latino-americanos ado-
taram a República como forma de governo. A única exceção foi o
nosso país, onde a travessia do “status” colonial para a liberdade
foi conduzida por integrantes da família real portuguesa.
Tudo começou com o Príncipe Regente – futuro D. João VI
– que aqui viveu durante 13 anos. Nesse período, fomos governa-
dos por um monarca de quem nos ficou a imagem caricata de um

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Revista da Academia Goiana de Letras

homem obeso, pouco afeito a hábitos de higiene, glutão, medroso


e traído pela mulher. Na verdade, o monarca era um homem feio,
mas arguto e cauteloso, que se viu numa tremenda saia justa: ou
enfrentar Napoleão, ou desagradar à poderosa Inglaterra.
Pisando em ovos, negaceando, postergando decisões, o então
Príncipe Regente acabou vindo para o Brasil, em fuga memorável,
juntamente com a família, a Corte e todo o aparato do Estado por-
tuguês. Inventou o “governo no exílio” e deixou as tropas invasoras
francesas literalmente a ver navios – os navios da armada real que
partiam da embocadura do Tejo rumo ao Atlântico Sul.
A essa mesma fórmula recorreria o general Charles de Gau-
le quando, na Segunda Grande Guerra, instituiu em Londres a
França Livre, desafiando os nazistas que se tinham aboletado em
Paris. Em tempo: sobre D. João VI, Napoleão reconheceu: “Foi o
único que me enganou!”.
D. João amava o Brasil e era amado pelo povo; nas ruas, no
teatro, nas cerimônias e festas, em toda parte era calorosamen-
te aplaudido. Note-se que, naquele tempo, não havia marketing
político... Seu filho e seu neto – os imperadores Pedro I e Pedro
II – deram muito de si ao nosso país e foram igualmente queridos,
ainda que, por força de crises políticas, tenham sido forçados a
exilar-se.
A princesa Isabel – herdeira do trono –era venerada pelas
multidões, sendo cognominada “A Redentora” por ter assinado a
Lei Áurea. Acadêmicos revisionistas vêm procurando minimizar
o papel que ela desempenhou na libertação dos escravos. Mas a
humanidade precisa de mitos e a imagem da Redentora sobrevive,
como se verá.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Assim é que D. Eudes, da família imperial brasileira reside


em Parati (RJ). Conhecido pela simplicidade, para tornar-se ofi-
cial da Marinha de Guerra, renunciou às pretensões dinásticas;
aposentado, passou a dirigir uma pousada no charmoso centro
daquela cidade histórica.
Saindo em viagem resolvida às pressas e dirigindo o próprio
carro, ele parou no posto de pedágio. Devia pagar algo em torno
de sete reais – mas não tinha dinheiro nenhum. Recorreu à espo-
sa, que revistou inutilmente a bolsa e o porta-luvas e nada encon-
trou. Com impecável educação, D. Eudes indagou ao funcionário
do guichê se poderia pagar com cheque.
– Depende do chefe – foi a resposta.
Levado à presença deste, o ex-príncipe viu-se frente a um
homem alto e corpulento, cuja pele negra contrastava com o
branco imaculado da camisa. O atribulado viajante relatou o que
estava acontecendo, apresentou desculpas e reiterou a pergunta:
“Posso pagar com cheque?”. Com ar de quem está cansado de lidar
com motoristas avoados, o funcionário grunhiu a permissão. D.
Eudes preencheu e assinou a folha onde estava impresso seu nobre
e quilométrico nome: Eudes Rafael Gabriel Gastão etc., etc., de
Orleans e Bragança. Entregou-a e ficou esperando.
Depois de ler atentamente o que fora escrito, a sisuda auto-
ridade perguntou:
– O senhor é Orleans e Bragança?
– Sou.
– É da família imperial?
– Sou.
– Qual o seu parentesco com a princesa Isabel?

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Revista da Academia Goiana de Letras

– Sou bisneto dela.


Mudou a fisionomia do interlocutor, a carranca substituída
por um sorriso embevecido.
– Sua bisavó? O senhor é bisneto da princesa Isabel, a Re-
dentora, a maior figura da História do Brasil? Muito prazer em
conhecê-lo, senhor príncipe!
O homenzarrão levantou-se e veio abraçá-lo. Depois, olhan-
do para a assinatura do perplexo contribuinte, concluiu:
– Deixe que eu pago o pedágio com meu dinheiro. O seu
cheque, eu vou mandar colocar em um quadro e pendurar na sala
da minha casa.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Liceu de Goiânia, 80 anos – sempre sob a Águia

Luiz de Aquino Alves Neto


 

Em novembro de 2017, o Liceu comemorou 80 anos de sua


chegada a Goiânia, O colégio, fundado em 1847 pelo presidente da
província de Goiás, Barão de Ramalho, mas a população da antiga
capital exigiu do governo que se restabelecesse a escola, o que se
fez. Dividido geograficamente, o Liceu continuou sua História – lá
e aqui.
Propus à Academia Goiana de Letras uma visita ao Colé-
gio para festejar a efeméride, mas o adiamento foi inevitável. Na
quarta-feira da semana que se encerra, 25 de abril, estivemos lá e
coube-me saudar os estudantes, professores e a História, o que fiz
aproximadamente no teor seguinte:

Esta visita ao braço goianiense do centenário Liceu de Goiás


é dos nossos planos desde o último novembro, quando este tem-
plo de ensino e formação de cidadãos festejou 80 anos. Ficam as
minhas desculpas, justificadas pela agenda um tanto comprometi-
da. Felizmente que o nosso jovem diretor compreendeu e ajustou
esta data, em conveniência dupla.
O Liceu chegou a Goiânia como Ginásio Oficial de Goiás,
dirigido pelo professor Iron Rocha Lima. E para cá trouxe não só
o acervo escolar desde os meados do século XIX, mas o ímpeto
idealista da liberdade, ainda que fosse aquele o ano da instalação
do Estado Novo – eufemismo para a consolidação do período ar-
bitrário de Getúlio Vargas.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Há dez anos, aqui viemos, pela primeira vez, festejar os 70


anos. Naquela ocasião, fui incumbido pelo presidente Modesto
Gomes para saudar o Liceu de Goiânia e sua história, o que fiz
de modo a demonstrar que a nossa história vem da respeitável
Vila Boa de Goiás e somos, sim, o ramal efluente do digno Liceu
de Goiás, idealizado e criado pelo Barão de Ramalho por lei de
20 de junho de 1846. Hoje, neste 25 de abril em que voltamos ao
tradicional Liceu, temos na presidência a acadêmica Lêda Selma
que, por nímia gentileza, repetiu o convite que me faz, outra vez,
o porta-voz da Academia Goiana de Letras nesta comemoração.
Em 1963, matriculei-me no segundo semestre do primei-
ro ano do curso Clássico, a versão humanística do Colegial, onde
fui colega do querido confrade professor Emílio Vieira, poeta e
ensaísta admirável, dentre outros que marcam fortemente nossas
lembranças.
Em 1969 e 1970, lecionei aqui Geografia e também Educa-
ção Moral e Cívica para os cursos Clássico e Científico – o que
hoje é o Ensino Médio. Para mim, o Liceu era, legitimamente, a
continuidade do Colégio Pedro II, criado no Império ao tempo
do príncipe herdeiro, na mesma data de seu décimo primeiro ani-
versário, ou seja, nove anos antes da criação do Liceu – o décimo
segundo estabelecimento criado no Brasil após aquele pioneiro
Imperial Colégio de Dom Pedro II. Todos os demais tiveram suas
atividades interrompidas, alguns retomaram suas atividades anos
ou décadas após – somente o Pedro II e o Liceu Goiano mantive-
ram-se em funcionamento sem solução de continuidade.
A História inteira do colégio goiano, desde os tempos de
seu surgimento, registra a passagem por suas salas de inumerá-
veis vultos de nossas letras, das ciências e da vida pública goiana

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Revista da Academia Goiana de Letras

e nacional. Leopoldo de Bulhões, aluno brilhante, teve ilustre car-


reira pública, chegando a ministro da Fazenda nos primeiros anos
da República, após governar Goiás. Seu irmão Félix de Bulhões
foi poeta notável, professor no Liceu e é patrono da Cadeira 4 da
nossa Academia Goiana de Letras, hoje ocupada pela professora
Moema de Castro e Silva Olival.
Na antiga capital, foram notáveis alguns mestres, como Vi-
cenzo Moretti Foggia – ao seu tempo, o único professor capaz de
substituir qualquer outro, de qualquer disciplina – e os diretores
Joaquim Ferreira dos Santos Azevedo e Alcide Ramos Jubé; o ide-
alizador de Goiânia, Pedro Ludovico, e seu filho Mauro Borges,
ambos ex-governadores; e escritores como José J. Veiga e Bernar-
do Élis (dois dentre os mais notáveis contistas brasileiros) e o ar-
tista plástico Octo Marques foram alunos na velha capital.
O professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo –
agrimensor, professor de Matemática – destacou-se, além do
ofício de professor, por ser o autor de um Dicionário Analógico
da Língua Portuguesa, obra essa publicada após o seu falecimento.
Orgulha-me partilhar da amizade de dois de seus netos – Antônio
Celso e Geraldo F. Júnior.
Aconselho a vocês, que me ouvem, visitarem o Liceu em
Goiás, a antiga capital. Verão aquela arquitetura histórica que nos
toca e desperta a curiosidade natural ante a história. E a emoção
virá quando lerem no alto dos portais, os nomes das salas, evo-
cando sentimentos e valores, em lugar de frios números. Visitem
a biblioteca, de livros valiosos e raros, bem como o espaço muse-
ológico Viva e Reviva, agora em fase de montagem.
Em Goiânia, também, grandes vultos da nossa história,
nas mais variadas atividades – da ciência à política, das letras

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Revista da Academia Goiana de Letras

aos negócios – aqui passaram, como o artista plástico e professor


Amaury Menezes; o governador, deputado e senador, Irapuan
Costa Júnior (o aluno liceano, em toda a história, recordista
em notas); e dois ex-presidentes do Banco Central do Brasil –
Gustavo Loyola e Henrique Meirelles (mais tarde, ministro da
Fazenda). E, também, o recentemente falecido professor Nion
Albernaz, ex-aluno e ex-professor desta Casa, ex-prefeito de
Goiânia em três mandatos.
Entre nós, membros da Academia Goiana de Letras, so-
mos muitos os ex-alunos e ex-professores, para nosso orgulho.
E orgulhamo-nos, todos, por destaques como, por exemplo, os
médicos Zacarias Kalil, Luiz Fernando Martins e Ciro Ricardo,
entre tantos outros!
Na parede frontal do nosso prédio histórico, junto ao pór-
tico, há uma placa em vidro com nomes de ex-alunos. Não sei
por que razão, o meu nome é o primeiro nessa lista – juro que
não participei disso, foi coisa dos organizadores da Casa Cor, que
ocorreu aqui em 2009. Somos centenas de milhares de ex-alunos
desta casa dupla, este Liceu de 80 anos, desmembrado do eixo vi-
laboense – hoje às vésperas de seus 172 anos. Há dez anos, eu aqui
cheguei com um paletó cinza e uma gravata que removi ao térmi-
no da minha fala e mostrei-me com o uniforme dos meus tempos
aquele da calça bege e da camisa branca, a águia bordada no bolso
sobre o coração.
Hoje, troco o uniforme emblemático por um texto – um po-
ema que escrevi em 2011, para atender ao pedido de um querido
ex-aluno, o médico Pedro Dimas. É este:

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Revista da Academia Goiana de Letras

Esses meninos sob a Águia

Era um tempo de homens rudes,


mulheres doces – seres severos…
Tempo de nós muito jovens.

Sonhamos crescer, lutar... quem sabe?


Alcançar liberdade – palavra perigosa,
vigiada e guardada a chave.

Meninos grandes de uniforme bege e branco;


jovens mestres de jaleco, pastas, livros
e giz ante o quadro escuro...

Quadro negro, quase sempre verde...


Lousa, massa e cimento
berço de textos e contas – lições.

Calça cáqui, sapatos pretos, saias medianas;


Meninas de meias brancas, muito alvas
– um rigor religioso, aquele!

No peito, a águia! Vigia solene,


asas abertas ao voo
viagem no tempo a vir!
E o sentimento de fé e sonhos. Marcamos:
– sine die, seja sábado e noite,
mas em quarenta anos (ao menos).

* * *
Luiz de Aquino, moço professor de 1970, feliz outra vez entre vocês!

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O leilão

Maria do Rosário Cassimiro

Oh! Que saudades que eu tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida...
(Casimiro de Abreu: Meus oito anos”)

Quanta saudade dos tempos de criança! Saudade das brin-


cadeiras de roda ou de casinha nas calçadas das velhas casas inte-
rioranas; dos balanços feitos com tiradeiras – cordas de couro cru,
torcidas, usadas para travar carros de boi –, amarradas no mais
alto dos galhos da enorme mangueira do quintal, e do pique de
esconde-esconde nas ruas da cidade. Meninas ricas e meninas po-
bres, todas juntas em correrias sem limites. Ah! Quanta saudade!
Às tardes e aos domingos pela manhã, toda a família ia à
igreja, quando por lá passavam os missionários redentoristas, fa-
zendo celebrações de festas, confessando o povo e pregando-lhe
sermões.
A festa de Coroação de Nossa Senhora no mês de maio, ah,
que beleza!
O ponto culminante da festa consistia em colocar, na cabeça
da imagem da Virgem, uma coroa e, em suas mãos, uma palma,
simbolizando a sua pureza. No alto do altar, ladeando a santa ima-
gem, duas meninas, da sociedade local, entoando lindos cânticos
alusivos à comemoração, exercitavam os atos da coroação e da co-
locação da palma.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Uma vez, eu tinha lá meus oito anos, fui encarregada da co-


locação da palma. Disseram que eu não poderia fazer a coroação,
porque eu era muito encapetada e ia acabar derrubando a imagem
lá do alto do altar. Mas que nada, tudo correu direitinho! Eu, lá no
alto, ao lado de Nossa Senhora. O povo lá embaixo, envolvido e
fascinado com a beleza da cena. Feita a coroação pela outra me-
nina. Chegou a minha vez. Devagarzinho, coloquei a palma nas
mãos da Virgem, enquanto cantava:

Em tuas mãos floresça


Esta palma da vitória.
Sob o altar resplandeça, oh! Minha Mãe, a tua glória.

Lindo, lindo, lindo!


E as folia de Reis?
Em Catalão, meu tio José Rosa era o festeiro único e insubs-
tituível. Realizou a folia enquanto viveu. Depois de sua morte, ne-
nhum dos seus doze filhos homens deu continuidade ao evento,
morrendo, dessa forma, aquela bela tradição.
Em outras cidades, como em Goiás, celebram a Folia do
Divino, lá realizada pela minha grande amiga e premiada artista
plástica, Maria Veiga – registrada Maria do Rosário da Veiga Jar-
dim Jordão –, bisneta do papa dos santeiros goianos, Veiga Vale.
Há outras localidades onde celebram a Folia de Nossa Senhora da
Guia. Todas elas, no entanto, logo após o Natal, culminando no
dia seis de janeiro, dedicado aos Santos Reis Magos.
As congadas, meu Deus, que beleza! O terno dos Congos, o
terno dos Moçambiques e tantos outros, cantando e dançando em
honra de Nossa Senhora do Rosário, minha madrinha.

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Revista da Academia Goiana de Letras

E o que dizer dos leilões no coreto do Largo da Igreja, logo


após as novenas?

Quanto me dão?
Quanto me dão?

As prendas a serem arrematadas pelo povo eram as mais


variadas: bandas de leitoa (cruas ou assadas), bolos e roscas fei-
tas em casa, cachos de banana, balaiozinhos de doces caseiros,
vasilhames de cozinha, frangos assados ou vivos, cestas com
ovos etc., etc.
Ah, como combinavam a fé com a alegria!
Nas solenidades mais sérias, como as comemorações da
Semana Santa, as procissões se arrastavam por filas interminá-
veis. Homens de um lado e mulheres do outro. Casais de namo-
rados separados, um de lá e outro de cá, correndo o rabo do olho
um no outro.
Na frente, o andor do Senhor dos Passos, indo ao encontro
de Nossa Senhora das Dores: a procissão do encontro.
Os padres, os coroinhas, o mais velho deles balançando o
turíbulo fumegante e espalhando o cheiro do incenso queimado
por toda parte. Uns gostavam, outros torciam o nariz.
A turma dos anjinhos, todos muito enfeitadinhos, com suas
asas de penas de galinha balançando em suas costas, vinham logo
atrás dos coroinhas. E, lá no fundo, na ponta do cortejo, a banda
de música tocando e o povo cantando:

Pecadores redimidos
Com o sangue do Senhor
Atendei, vede se há
Dor igual à minha dor.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Lindo, lindo, lindo!


Era o povão seguindo os passos de Jesus e de Maria, pois,
para alimentar o bom cristão, não basta o pão. Faz-se necessário
aquilo que sai da boca de Deus. Afinal, o Reino não é deste mundo.
Dirão que tudo isso transcorria em clima de grande igno-
rância. Talvez assim o digam os eruditos. Mas o povão estava lá.
E o que é o povão, senão o ajuntamento dos pequeninos, aqueles
que são os prediletos de Deus?
E, assim, as novenas, as procissões, os leilões, as folias e as
cantorias eram chamarizes para que o povo não se distanciasse da
fé, aquela que remove montanhas.
Hoje, os sinos não dobram mais: “perturbam a vizinhança”,
dizem. As procissões atrapalham o trânsito, e as festas religiosas vi-
raram páginas do folclore. Lá se foram os chamarizes! O pão pre-
valeceu à fé, e a fé que restou distanciou-se da alegria. Tudo ficou
frio, e a graça tornou-se brasa sob a cinza... mas continua brasa. É
preciso que apareçam outros chamarizes nesses tempos modernos.
Seria a mídia?
É preciso soprar a cinza que se depositou sobre a brasa e
fazer a fé se juntar com a alegria outra vez e, assim, arregimentar
novamente o povão, santo e pecador. Quanto aos eruditos, bem-
-vindos sejam, desde que se tornem como um desses pequeninos!
Retornando aos leilões de antigamente, vou-lhes contar um
caso.
Terminada a novena, começou o leilão, como sempre, no
coreto do Largo da Igreja.
Isso aconteceu em Goiandira, onde, na época, morávamos.
Eu tinha, como já disse, oito anos. O meu irmão Deny, os seus
onze, mais ou menos. Ele era coroinha, por isso estava presente
em todos os dias da novena e no seu encerramento.
O leilão já ia pela metade, e o Deny estava lá com os olhos
pregados no José Anastácio, o leiloeiro, deliciando-se com a festa.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Em dado momento, colocaram em leilão um caldeirão de


alumínio, desses de carregar leite, que comportava dez litros.
– Quanto me dão? É um belo caldeirão de alumínio. Quanto
me dão?
Os lances já haviam chegado aos três mil réis.
O pregão continuava, no vozeirão do José Anastácio.
– Quanto me dão? Só três mil réis? É pouco. Quem dá mais?
Quem dá quatro mil réis por este lindo caldeirão?
O meu irmão Deny, fascinado com o pregão do leiloeiro,
sem saber por quê e nem pra quê, ergueu a mão.
– Quatro mil réis?
E daí, rimava os seus tradicionais versinhos:
O que eu faço
Se mais não acho.
Se mais achara
Mais tomara.
– É o filho do Josias que leva.
O pobre do meu irmão, tornando-se mais branco do que
o próprio alumínio do caldeirão, tremeu dos pés à cabeça. Po-
rém, a bambeza das pernas não o impediu de desabalar em
frenética correria em direção à nossa casa, que ficava longe da
igreja. Aliás, a igreja de Goiandira (na época só havia uma)
ficava, como hoje ainda fica, longe do centro da cidade. Ficava
mesmo quase fora dos seus limites, lá no alto, na saída da es-
trada de Catalão.
Da igreja, para o restante da cidade, há um declive do terre-
no, de tal forma que, de lá, todas as ruas eram ruas abaixo.
Pois bem. Meu irmão Deny descia rua abaixo em tal ligei-
reza que nem sentia as suas pernas bambas. Já estava dobrando
a esquina do Ildefonso Teles e ainda ouvia o pregão do leiloeiro:

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Revista da Academia Goiana de Letras

– Quatro mil réis, é o filho do Josias que leva! Dou-lhe uma...


Quando chegou, finalmente, a casa, todos se admiraram
com o estado do menino. Estava um trapo. Botando a alma pela
boca, não conseguia falar coisa com coisa. Só sabia dizer que viera
da igreja correndo.
– De lá até aqui? – perguntou-lhe meu pai. – É muito longe.
Pra que que você fez isso?
A admiração se tornara maior, porque o Deny não era des-
sas coisas. Era um menino muito bem comportado. Suas notas em
aplicação, no Grupo Escolar, eram sempre as mais altas, e me eram
mostradas pelas professoras para que me servissem de exemplo...
Contar o que havia sucedido? Quem dera ao Deny ter tanta
coragem! Era surra, na certa. Por mais que pensasse, não via ne-
nhuma hipótese de escapar da surra. Dar um lance em leilão sem
ordem do meu pai era motivo de surra. Dar o lance e depois fugir
no grito também era motivo de surra. Minha mãe, severa como
era, não deixaria a coisa passar em branco. De jeito nenhum.
Pensando e repensando, o Deny achou melhor não contar
nada.
Não se sabe como terminou o episódio. De fato, o leiloeiro
não foi reclamar nada com meu pai. Por outro lado o Deny, muito
conhecido na cidade por ser coroinha, não foi motivo de pilhérias
no dia seguinte. Por certo, alguém deu um lance maior do que os
quatros mil réis e arrematou o tal caldeirão de alumínio com ca-
pacidade para dez litros de leite.
Só muito mais tarde é que o Deny contou o caso. Já se ha-
viam passado muitos dias, e os ânimos estavam completamente
serenados. Assim, ele não levou mais do que uns puxões de orelha
e uns coques que a minha mãe gostava de dar na gente!

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Revista da Academia Goiana de Letras

Visitas jubilosas da cultura, da arte e da saudade



Martiniano José da Silva

Recebi no dia 20 de março do ano em curso, exatamente à


uma hora da tarde neste chão telúrico de Mineiros, duas jubilosas
visitas, a da cultura jurídica e a da arte musical, já me causando,
a mim, à Chica e a todos que tiveram o prazer de presenciá-las e
degustá-las, grandes e imorredouras saudades.
A “cultura jurídica” estava representada pela notável figura
humana do Desembargador, em Brasília, Distrito Federal, Edson
Alfredo Martins Smaniotto, origem em Bauru, São Paulo. A da
arte musical, patenteada e revelada pelo talento musical do violi-
nista Luiz Carlos Campos Marques, também de Brasília, originá-
rio do Rio de Janeiro que, a pedido de Smaniotto veio, decretado,
alegrar a alma e os corações mineirenses, sabem como? Através da
arte musical em um precioso violino, relíquia de 1596, exibida de
casa em casa dos amigos do admirável magistrado, que não perde
as características da pessoa humana que consegue ser. Por que o
Dr. Edson veio parar em Mineiros? Desta vez, porque foi convida-
do pelo Rotary Club, do qual foi um dos fundadores e presidente,
único vivo por sinal, para proferir palestra, de todo modo jus-
tificando ser lembrado. A primeira, porque havia sido aprovado
num concurso público, obviamente em primeiro lugar, querendo
ser representante do honroso Ministério Público de Goiás, esco-
lhendo para fazê-lo justamente a querida cidade cá do extremo
Sudoeste de Goiás, onde me encontrou casado com Chica, mi-
nha cúmplice, fiadora ou vidente, cujo amor me arrancou, sem

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Revista da Academia Goiana de Letras

desenraizar, de Poço da Pedra, no alto sertão de Casa Nova, Bahia,


onde nasci e de onde guardo os mais profundos sentimentos de
pertencimento, de que tenho orgulho, decerto só comparáveis aos
que já tenho pela aprazível terra de Mineiros, também minha al-
deia, altiva, vaidosa, a ponto de já ter sido acolhida e defendida
por escritores e filósofos do porte de Leon Tolstoi, Nietzsche e ou-
tros monstros da cultural universal.
Curioso, por que Dr. Smaniotto não me “achou” em Mi-
neiros, mas “encontrou?”. Certamente porque a filosofia proíbe
“achar” o que já existe, quem sabe, ensinando que ninguém deve
ou pode ser dono de nada; nem da amizade e da saudade, ainda
mais de amigos tão caros. Ah! Ia me esquecendo. Dr. Smaniotto
deixou uma enorme e fecunda amizade em Mineiros, disputada
inclusive por cá o escriba, retirante do Nordeste, amigo do desem-
bargador Smaniotto, cuja amizade considero verdadeira, fecunda,
leal, portanto, sem os ademanes da hipocrisia, frescuras dissonan-
tes e a cretinice dos dissimulados; parecendo até que acabou aque-
le medo danado que eu tinha de virar um besta arrogante; notan-
do-se que são mais de 30 anos, sem ruptura alguma, de coração,
braços e a alma abertos, imunes, pois, de quaisquer maldades,
mantidos por esse fortíssimo sentimento de afeto e respeito, que
não tem como não serem divididos em dois: o do bravo caipira de
Bauru, interior de São Paulo, brilhante jurista e arguto acusador,
não duvidem! O que mais trabalho me deu nas minhas mais vezes
temerárias e complexas defesas no Tribunal do Júri de Mineiros,
devendo de se imaginar o quanto aprendi, inclusive em uma iné-
dita e sábia aula sua, sentado num tamborete, falando baixinho
aos jurados; do outro, num canto do auditório do Fórum antigo,
cá o escrevinhador, autóctone das canículas dos sertões de Poço

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Revista da Academia Goiana de Letras

da Pedra, onde, aos 10 anos, não sei como, imaginei ser advogado,
sem esquecer os dignificantes ofícios de jornalista, escritor, dos
quais continuo sendo somente aprendiz.
Além de Smaniotto e Luiz Marques, na exibição musical, na
salinha de visitas, aromatizando a Biblioteca de 6.480 volumes, re-
cordando nomes de meus pais, lavradores Mariano e Maria Isabel,
compareceram a esta visita incomum, Vasco, Rui Carlos Rezende
Silva, meus filhos, advogado e motorista, escultor; Marta Bran-
dão, poeta, jornalista literária, vereadora, presidente da Academia
Mineirense de Letras e Artes; Ana Laura, assessora, responsável
pelas anotações; a amada Chica e Fernanda, servindo um cafezi-
nho, quitandas, distribuídos a jurista, violinista, gregos e baianos,
todos embriagados pelo som comovente de pelo menos cinco mú-
sicas extraordinariamente apresentadas por Luiz Carlos Campos,
aplaudidas por vibrantes, emocionantes palmas, justificando o
porquê dessa visita que, por ser digna da História, agradando à
deusa Clio, tem seus nomes transcritos: “Adios Nonino”, de Astor
Piazella; “Hino ao Amor”, de Paff; “Brasileirinho”, composição de
Waldir Azevedo; “Ave Maria”, de Schubert, carinhosamente dedi-
cada à Chica.
Não tenho como não realçar – só em parte –, a bonita tra-
jetória e o rico Curriculum Vitae, a mim enviado, do grandalhão
Luiz Campos Marques, que começou seus estudos de violino aos
cinco anos de idade, com a professora Hilda Saraiva de Amorim,
a seguir com Oscar Borgeth. Aos treze anos, já integrava a Or-
questra Sinfônica Juvenil do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
onde foi solista em diversos concertos. Aos dezesseis anos, me-
diante concurso, passou a integrar a Orquestra Sinfônica Brasi-
leira, onde permaneceu até 1990, como solista dos 2os violinos,

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Revista da Academia Goiana de Letras

tendo participado das tournés à Europa (1974/1982/2001) e aos


Estados Unidos e Canadá (1977/1984/1986). Encontram-se ain-
da maestros da importância de Karl Richter, Pedro Calderón,
Simon Blech, Isaak Karabthevsky, Vitor Tevar, Eduardo Mata,
entre outros, dos quais recebeu uma bolsa de estudos para a
Fundação Calouste Gulbenkian em Portugal.
A participação em concertos com Martha Argerich, Nelson
Freire, Luciano Pavarotti, Ruggiero Ricci, José Carreras, Plácido
Domingo, Andrea Bocelli, Magdalena Tagliaferro, Salvatore Ac-
cardo, Jean-Pierre Rampal. O tempo para produtor musical e mú-
sico de Orquestra da TV Globo, divulgar música clássica, atuar
com Roberto Carlos, Chico Buarque, Simone, Milton Nascimento
e outros consagrados, sobrando-lhe ocasião para vir a Mineiros,
pensem! Ser advogado pela Universidade Cândido Mendes. Exer-
cê-lo em Brasília, onde não esqueceu os ultrajados. Enfim, eis um
pouco do que senti e prossigo sentindo daquelas visitas jubilosas,
da Cultura, da Arte e da saudade.

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Revista da Academia Goiana de Letras

ESTUDOS

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Revista da Academia Goiana de Letras

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Revista da Academia Goiana de Letras

Um imperador da língua portuguesa


 
 Alaor Barbosa dos Santos

Padre Antônio Vieira tem recebido a antonomásia de Impe-


rador da Língua. Se não me engano, já vi esse cognome aplicado
também a Frei Luís de Souza. No caso de Vieira, é bem mais justo:
ele elevou a língua portuguesa a um nível muito alto de expressivi-
dade. Lê-lo é incursionar em surpreendentes segredos e riquezas
do nosso idioma. Idioma que muitos têm subestimado.
Ele mesmo, Vieira, em uma passagem de um dos seus ser-
mões, afirma a superioridade do latim sobre o português. Ouso
discordar dessa ideia. Considero o português dotado de mais re-
cursos expressionais do que o latim.
Monteiro Lobato também, em dois ou três lugares dos seus
livros, dá o inglês como superior ao português. Também afirmo
que Lobato errou: o português tem mais capacidade de expressão
do que o inglês; basta mencionar a pobreza do inglês em tempos
de verbos – o idioma de Shakespeare não dispõe dos pretéritos
imperfeito e mais-que-perfeito e do imperfeito do subjuntivo, que
expressam importantes nuances da ação e dos fatos.
João Guimarães Rosa, em cartas aos seus tradutores italiano
e alemão, afirma que as línguas alemã e italiana se prestam melhor
do que o português para expressar algumas das dificultosas coisas
que ele quis significar nas suas ficções literárias – o romance, as
novelas, os contos. Errou também Rosa – venia data, como se diz
em linguagem forense. Nada há que não se possa exprimir, e bem,
na nossa querida língua do ão (como diria Mário de Andrade).
Viva a língua portuguesa! – que não é a pátria somente
de Fernando Pessoa, mas minha também. (Mas minha opinião

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Revista da Academia Goiana de Letras

sobre ela não é devida ao sentimento patriótico e sim ao sen-


timento e prática da sua força e capacidade de dizer tudo).
Um dia, conversando com Bernardo Élis, ele me observou uma
verdade em que eu já tinha pensado: a extraordinária prosa em
língua portuguesa, no século XVII, deveu-se quase somente a pa-
dres e monges, consistindo em sermões em vez de romances, po-
emas e peças de teatro.
A Espanha (não saindo eu da Península Ibérica) teve me-
lhor sorte. Enquanto na Espanha a literatura se expandia em Don
Quijote de la Mancha e nos outros livros de Cervantes e nas cen-
tenas de peças teatrais de Lope de Vega (e pode-se citar outros
muitos autores), em Portugal, a prosa virou atividade literária de
clérigos e ferramenta de sermões religiosos. Matéria de tal natu-
reza é o que dificulta, sobremodo, a gente ler Padre Vieira – e ao
menos dois outros extraordinários e modelares prosadores que
foram Padre Manuel Bernardes e Frei Luís de Souza.
A maior parte dos escritos de Vieira se constitui de sermões.
Admiráveis, opulentos sermões, em que muito se aprende de Fi-
losofia, Política, Psicologia, Moral, História e mesmo Sociologia
– e principalmente de língua portuguesa. No entanto, a matéria
predominante neles é a Teologia: inteligentíssimas e habilíssimas
interpretações da Bíblia – das Escrituras que, para o cristão e ca-
tólico Vieira, são sagradas. Quem não é religioso nem deísta sente
dificultosa a tarefa de percorrer, com a devida atenção, as minu-
ciosas explicações que da Bíblia apresenta Padre Vieira no afã de
fundamentar as suas interpretações teológicas.
Em 2008, aconteceu o quarto centenário do nascimento do
Padre Antônio Vieira. Gosto muito de sabê-lo criado, a partir dos
oito anos de idade, no Brasil – na Bahia; e de que a sua forma-
ção cultural básica se deu também na Bahia, no colégio dos jesu-
ítas que lá existia. Desde que me deparei com a força da prosa de
Vieira que o releio com boa frequência. Quando saiu meu livro

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Revista da Academia Goiana de Letras

de contos Picumãs, quarenta e cinco anos atrás, algumas pesso-


as desavisadas ou escassamente informadas atribuíram a Guima-
rães Rosa a influência que me permitiu, naqueles contos, algumas
invenções e criações de linguagem. Ingênuo engano! Quem re-
almente acabou de me liberar para inventar e criar, em matéria
de linguagem literária, naquela ocasião, foi Antônio Vieira, cujos
sermões, eu havia descoberto, um tanto casualmente, no ano de
1965, lá em Morrinhos, minha terra natal. Eu disse “acabou de
me liberar” porque antes de aprender com Vieira muito aprendi
com Monteiro Lobato (um inventador de palavras), com Mário de
Andrade, com Adelino Magalhães, com James Joyce, com William
Faulkner, e também com João Guimarães Rosa. 
Lendo os sermões de Padre Vieira, tenho sublinhado, ao
longo destes quarenta e seis anos de silenciosa convivência muito
enriquecedora, os seus pensamentos – os filosóficos e psicológi-
cos, principalmente. Gostaria – e lamento não ter podido fazê-
-lo – de os haver publicado em volume, ordenados e agrupados
por temas devidamente nomeados, com o título Pensamentos de
Padre Vieira, a fim de participar nas comemorações que o quarto
centenário do seu nascimento ocasionou em 2008. Já falei sobre
isso com o ilustre vierista que é o Padre Aleixo, também jesuíta e
que tanto tem contribuído para que Brasília possua um ambiente
intelectual sério, exigente, profundo. 
Gostaria agora de apresentar uns poucos exemplos do es-
tilo e umas amostras do pensamento de Vieira. Ei-los, extraídos
do “Sermão de Nossa Senhora de Penha de França”, proferido em
1652, em Lisboa, “na Igreja e Convento da Sagrada Religião de
Santo Agostinho”:

E muito maior louvor e encarecimento é das coisas grandes


confessar que se não podem escrever, que escrevê-las. O que
se escreve, ainda que seja muito, cabe na pena; o que se
não pode escrever, é maior que tudo o que cabe nela. O que

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Revista da Academia Goiana de Letras

se escreve, tem número e fim; o que se não pode escrever,


confessa-se por inumerável e infinito.
Nas matérias grandes, o atrever-se a escrever, é engrandecer
a pena; não se atrever a escrever, é engrandecer a matéria.

[...] sendo mais eloquente o silêncio do que a escritura em
muitos livros.

O fim para que os homens inventaram os livros foi para
conservar a memória das coisas passadas contra a tirania
do tempo e contra o esquecimento dos homens, que ainda é
maior tirania.

[...] os livros foram inventados para conservadores das coisas
passadas.

[...] as coisas que não passam nem acabam, as coisas que
permanecem sempre, não há mister livros.

[...] as coisas que passam, essas são as que se escrevem; as
que permanecem não hão mister que se escrevam.

Os rios sempre estão a passar, e nunca passam.

Onde o tempo acaba as coisas, é bem que as perpetue a
memória dos livros.

[...] milagres sobre que não tem jurisdição o tempo, não
hão mister remédios contra o tempo: eles são a sua própria
escritura, eles os anais, eles os diários de si mesmos.

E se os livros são remédio contra o tempo, quem não é sujeito
às leis do tempo não há mister livros.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Cora Coralina – versão italiana

Emílio Vieira

Revisitando as
pessoas queridas cujas
imagens me chegam
pelas janelas da alma,
revejo um meu artigo
sob o título acima, pu-
blicado originalmente
em suplemento cultural
de O Popular (Goiânia,
01-05-77), tentando re-
dimir-me de uma dívida contraída para com a gentil amiga Cora
Coralina, poeta-símbolo da cidade de Goiás, de cujas mãos recebi,
autografada, sua preciosa publicação Meu livro de cordel, com a
seguinte incumbência: “Emílio, passe este livro para a maravilho-
sa língua italiana”. E, sem falsa modéstia: “O livro pede e merece.
Será assim valorizado”. Assinado: Cora Coralina, Casa Velha da
Ponte, Cidade de Goiás, 16 de abril de 1977.
À parte o fascínio que a língua de Dante e Petrarca (para
citar apenas dois clássicos) sempre exerceu sobre os literatos, fi-
quei curioso por descobrir o fundo dessa sensibilidade especial de
Cora Coralina pela língua italiana. Na acolhedora sala de visita da
Casa Velha da Ponte, ela nos recebeu – excursionistas do Centro
de Estudos Italianos – com alegria exuberante. E logo abriu seu
livro de cordel, na página 64, fazendo questão de ler ela mesma, o

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Revista da Academia Goiana de Letras

seguinte, como homenagem também a dois italianos que compu-


nham o nosso grupo:
– “Meu marido, de boa raça italiana, exaltava a família nume-
rosa. Era um trabalhador arrojado, uma intuição admirável para
negócios e uma obstinação total no ofício de padeiro e comércio
de panificadoras. No mais, um homem cordato, de uma enorme
capacidade de servir, só comparável à sua força de trabalho à sua
fé inquebrantável na fabricação do pão. Tinha uma compreensão
generosa e benevolente das criaturas, e encontrava sempre nelas
a parte boa que nunca faltou a ninguém”. – A citação equivale à
leitura que Cora achou necessária para ilustrar aos visitantes sua
afeição pelo caráter italiano, passando, em seguida, à apologia, em
especial, da mãe italiana – seu amor, sua generosidade.
Os italianos, além de encantados, acharam fácil entender a
língua clássica de Cora Coralina, lúcida, lógica, atraente. Ao mes-
mo tempo, deixando transparecer uma clara decepção, por não
conseguirem entender essa língua portuguesa tão estropiada pelo
nosso povo. Fica, portanto, tributado mais um elogio a Cora. Pelo
sentido universal de sua poesia – embora de fonte autobiográfi-
ca – Cora bem merece ser traduzida, não só em italiano, mas em
todos os idiomas que integram a mesma família linguística e mes-
mo espírito das culturas neolatinas. Seguem-se, para ilustrar, dois
poemas por mim traduzidos, “Das pedras” e “Meu pai”, que bem
espelham a verve poética de Cora.

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Revista da Academia Goiana de Letras

DAS PEDRAS DI SASSI

Ajuntei todas as pedras Ho raccolto quei sassi


que vieram sobre mim. che mi pesavano addosso.
Levantei uma escada muito alta Innalzai una scala alta alta
e no alto subi. e in alto salìi.
Teci um tapete floreado Ho tessuto un tappeto floreale
e no sonho me perdi. e mi sono smarrita nel sogno.

Uma estrada, La strada,


um leito, il letto,
uma casa, la casa,
um companheiro. il compagno.
Tudo de pedra. Solo pietre.

Entre pedras Queste pietre tra cui è cresciuta


cresceu minha poesia. la mia poesia,
Minha vida... la mia vita.
Quebrando pedras Tra le pietre
e plantando flores. facendo spazio ai fiori.

Entre pedras que me esmagavam Tra le pietre che mi oprimevano


levantei a pedra rude elevai quella grezza
dos meus versos. dei miei versi.

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Revista da Academia Goiana de Letras

MEU PAI MIO PADRE


(in memoriam) (in memoriam)

Meu pai se foi Mio padre se ne è andato


com sua toga de juiz. con la sua toga da giudice.
Eu era tão pequena, Ed ero tanto piccola,
Mal nascida. appena nata.
Ninguém me predizia a vida. Nessuno mi avrebbe mai predetto vita.

Nada lhe dei nas mãos. Nulla gli ho dato nelle mani:
Nem um beijo, nè un baccio,
uma oração, nè una preghiera,
um triste ai. nè un triste ai!

Eu era tão pequena!... Poichè ero tanto piccola!


E fiquei sempre pequenina Sono rimasta sempre piccolina
na grande falta que me fez nel grande vuoto che lasciò
meu pai. mio padre.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Cora Coralina – ou a celebração do celebrado

Gilberto Mendonça Teles

O sim e o não, o visível e o invisível, a realidade e o mito,


melhor dizendo, o mito e a realidade literária nos textos (na obra)
de Cora Coralina, belo pseudônimo de Anna Lins dos Guima-
rães Peixoto Bretas (1889-1985). Este pseudônimo foi, desde
cedo (1907), um dos seus mais belos achados literários, responsá-
vel direta e indiretamente pela popularização do nome da escri-
tora, hoje, só em Goiânia, denominação de bairro, de avenida, de
rua, de qualquer empreendimento público ou privado, cultural ou
não, tudo se faz em nome do nome da escritora, muito pouco em
nome de sua obra. Mais louvada que verdadeiramente estudada.
Quem a estudou já começou predeterminado a celebrá-la,
assim todos os seus textos de prosa e verso (que ela chama de
“poemas”) são escolhidos e “analisados” com a preocupação de
só servir para comprovar o que existe no ar, como um mito, um
tecido aéreo que se deve vestir e celebrar. Não se vê o não visto que
se deve ver na obra literária: tudo está “programado” para a cele-
bração do celebrado. De um modo geral, percebe-se, na maioria
dos estudos, a falta do distanciamento crítico, o que impede que
os seus textos – a sua obra – não sejam vistos na totalidade, mas
em fragmentos de certos poemas. Bem sei que essa “todalidade”
é coisa da época positivista, mas tem o seu lugar na avaliação de
exemplos de toda natureza – do bom, do ruim e do péssimo. Eles
existem, mas estão “impedidos” de serem ditos. Desta forma, vol-
ta-se para o fascínio do nome. Cita-se o nome pelo nome que, por

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Revista da Academia Goiana de Letras

si só, já é meio caminho andado no rumo do Mito e da Poesia. Há


dois versos de Carlos Drummond de Andrade que sintetiza tudo
sobre a filosofia e a poesia do nome:

O nome é bem mais do que nome: o além-da-coisa,


coisa livre de coisa, circulando.

Aliás, Drummond é um dos responsáveis pela sua mitifica-


ção. Veja-se a nota, de rodapé1.
Nos seus dezesseis anos, quando criou com Leodegária
de Jesus e outras senhoritas da cidade de Goiás o jornal A Rosa
(1907), Anna Lins (a Aninha) teve a inspiração do pseudônimo
“Cora Coralina”, o qual, no início, quase se perdeu na concorrên-
cia com outras sugestões, como, por exemplo, “Dora Doralina”,
expressão que será usada muito anos depois por Rachel de Quei-
roz, aliás casada com um goiano. É interessante saber que Cora
Coralina se gabava de uma raiz nordestina, com a qual explica
o seu interesse pelas aventuras de Lampião e Maria Bonita e até
pela palavra “cordel” com que denomina um dos seus livros de
memória. Neste sentido, é possível imaginar que a história nar-
rada por Rachel de Queiroz no romance de 1975 sobre a vida
de Dôra (Dora), Doralina tenha alguma tradição evemerista, ou
seja, uma estória da cultura popular do Ceará, cujos ecos teriam
chegado aos ouvidos da Anna Lins de 1908.
1
Cora Coralina chegou a Drummond por intermédio de José Olympio. A pedido de seu edi-
tor (para quem Cora trabalhou vendendo livros em São Paulo), Drummond leu e escreveu
uma crônica. Um leitor arguto percebe que Drummond evita falar da estrutura dos poemas
e concentra seu elogio na capacidade de Cora, já idosa, falar das coisas simples e humanas
do interior. A Cidade de Goiás não tem a “vida” das grandes cidades e a “fala” da poetisa
expressava exatamente a simplicidade que o Poeta conhecia de Itabira e não encontrava
mais no Rio de Janeiro. Por isso, ele se encantou com a mulher de 70 anos e com a sua dis-
ponibilidade para escrever.

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Revista da Academia Goiana de Letras

A escritora saiu da Cidade de Goiás (o “Goiás Velho”), anti-


ga capital do Estado, em 1910, com idade de 21 anos, na garupa do
cavalo de um homem casado e vindo de fora: Cantídio Tolentino
Bretas Figueiredo, com quem viveu de 1910 a 1934, ano de sua
morte: sua mãe foi contra o namoro, porque ele era desquitado,
tinha filhos, inclusive com uma índia. [Nos seus escritos no final
da vida, Cora vai dizer que saiu casada]. Foram viver no interior
de São Paulo (em Andradina e Jabuticabal) e só quarenta e cinco
anos depois, em 1956, retornou a Goiás, já nos seus quase setenta
anos e sem livro publicado. [Participei em Goiânia das homena-
gens dos escritores à volta de Cora Coralina]. A partir daí é que
apareceram livros como: Poemas dos becos de Goiás e estórias mais
(José Olympio, 1965; Meu livro de cordel (Cultura Goiana,1976);
Vintém de cobre (UFG,1983); e Estórias da casa velha da ponte,
(Global,1985), tornando-se, então, não só a mulher mais impor-
tante do Brasil Central e – por que não? – de toda a literatura
feminina do Brasil.
Como explicar o fenômeno, quando se sabe que nos anos
de ausência de Goiás escreveu muito pouco ou, se escreveu, não
publicou, a não ser pequenos contos e crônicas e alguns poemas
em prosa e só depois de sua volta (Cf. o poema “Voltei”, p. 112
de Vintém de cobre), assumiu a condição de escritora? A crer nas
suas memórias (e a maioria de seus textos são autobiográficos),
ela voltou sem a aprendizagem maior da prática da escrita. Ha-
via um fosso, um lapso muito grande de tempo entre o que ela
lia, pensava e escrevia na adolescência e o que procurava fazer
agora, numa continuidade impossível. Teve assim que partir de
um “novo” princípio de criação, que ela pensava ser novo. Foi
então que começou a produzir longos poemas em prosa que ela

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Revista da Academia Goiana de Letras

mesma vacilou em chamar de poema, preferindo uma série força-


da de sinônimos, como se verá adiante. E foi o que fez. E deu cer-
to, atingiu o gosto do público, passando assim (apressadamente) a
ser tida como “inovadora”, transformando a carência estética em
criação popular.

1 Mito e Realidade Literária

Isso explica, de certa forma, o fato de ter sido sempre mais


louvada que estudada, o que ajudou a consolidar o mito, cujos in-
gredientes misturaram fuga da cidade de Goiás, literatura (popu-
lar), escritora reaparecida aos setenta anos e feminismo, além do
próprio contexto cultural e mágico da Cidade de Goiás, de onde
ela soube retirar a matéria – direi provinciana – dos seus traba-
lhos mais autênticos, que envolvem memória em prosa e poesia.
Por aí, a sua produção escrita passou a ser vista como um todo
já completo, perfeito, que já nasceu pronto, vertical, totalitário e
impositivo, como coisa de gênio, que não precisa ser analisada,
mas enaltecida, valorizada e propagada como genial, sob a força e
a magia do mito em contraposição à realidade literária.
Aliás, o mito já estava inerente a seu nome, quer dizer, à
beleza do pseudônimo (Cora Coralina) que ela começou a usar
(repetimos) aos dezesseis anos, em 1907, em torno do jornal A
Rosa, de que foi uma das fundadoras. Note-se que no pseudônimo
a palavra-chave é simplesmente Cora, que pode ser mesmo do
grego Κόρη (feminino de Κόρος), com o sentido de “filha” (de filha
jovem), termo que se relaciona com o latim Cŏr, cŏrdĭs = coração
novo, ser talentoso, como está em Plínio, o naturalista; em grego

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Revista da Academia Goiana de Letras

a Κόρη tinha também o sentido de “menina dos olhos” (córnea) e


do nome de uma cidade consagrada à futura Prosérpina no latim.
Grande leitora e possivelmente com algum conhecimento do gre-
go e da mitologia greco-latina, Anna Lins percebeu a íntima rela-
ção entre o nome e o pseudônimo da famosa deusa dos Infernos e,
por intermédio deles, compôs o seu pseudônimo: proveniente de
“Cora”, a corada e corajosa + o sufixo “-ina”, de Prosérpina. Estava
assim formado o modelo do belo sobrenome de Cora Coralina.
Se isto parece ir longe demais, pense o leitor no mais sim-
ples: a repetição do nome Cora fazendo surgir a palavra “coral”,
transformando a repetição numa frase melódica, de ritmo biná-
rio (cora, cora), conotando-se, em português, além de “coração”
a gama de significações a partir de quarar (corar), embranquecer
a roupa e dar cor à face (corada) – significações que se juntam às
de corais e, claro, à metonímia de “cobra coral”, bela serpente ve-
nenosa (e não) que se esconde entre os corais e consegue mimeti-
zá-los, fazendo com que o transeunte se distraia com a sua beleza,
assim como o leitor se distrai com as peripécias de sua vida – o
que ela narra, o que ela esconde, o que revela com a facilidade da
descrição emotiva e exata das coisas e dos acontecimentos de uma
época desaparecida nas grandes cidades, mas que ainda sobrevive
e perpassa pelos murmúrios dos becos da velha capital do Estado
de Goiás. Atentem também para o sufixo –ina que complementa
com uma relação de semelhança (“semelhante ao coral”), além de
introduzir o jogo das vogais “a” / “i”, mas um “i” nasal que au-
menta o sentido da musicalidade da palavra-frase Cora Coralina.
No fundo, a mim me parece que o seu famoso pseudônimo pode
ter-se originado mesmo foi do “rosto corado” da moça de dezes-
seis anos em oposição ao “da menina feia, amarela”, como as suas

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Revista da Academia Goiana de Letras

irmãs gostavam de repetir. Foi portanto uma espécie de compen-


sação psíquica, muitíssimo adequada ao sentido poético.
Assim, sob a fascinação do mito, que já vem do pseudôni-
mo, louva-se a obra de quem traz esse belo nome já na capa dos
livros. É como se tudo fosse ali de primeira grandeza. Como a
linguagem mítica se estendeu à Autora, que se viu mitificada, o
fascínio do mito atinge também o leitor que se vê “enleado” pelo
rumor dos acontecimentos. Assim, os estudos que têm apareci-
do visam principalmente à confirmação do mito, citando quase
sempre os mesmos poemas, sem aprofundar as análises, não se
comprovando pelo estudo a possível excelência literária de seus
“poemas”, de seus textos. Colocamos entre aspas o termo “poe-
mas” seguindo a própria Autora que, nos livros de 1980 e 1983,
valeu-se de uma série de denominações para nivelar os seus es-
critos, como se vacilasse sobre o valor literário de cada um de-
les – poemas, estórias, cânticos, ode, oração, confissões, imaginário,
oferta, exaltação, mensagem, reflexões, conclusões, considerações,
recados, lembranças, apelos e até poesia. Não é que usasse cada
um desses termos como foram usados pela tradição literária. To-
mou-os simplesmente como sinônimos de “poema” e “poesia”. É
a razão porque preferimos chamar-lhes textos, generalizando-os
e evitando a necessidade de forçar um estudo à luz da mais antiga
classificação de gêneros, provenientes de Aristóteles.
Às vezes, esses estudos chegam ao risível de lhe impingir
gato por lebre, atribuindo à obra de Cora Coralina façanhas de
geração e de vanguarda que nada têm a ver com o que deixou nos
livros publicados. Esquecem do tempo que ela viveu fora; nivelam
tudo, como se a poetisa (e a obra que ela não escreveu) tivessem
passado por alguma transformação... Isso não é culpa dela, da

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Revista da Academia Goiana de Letras

Autora, mas dos “estudiosos” mais interessados em “participar”


da sua glória literária do que realmente mostrar a contribuição de
Cora Coralina para a literatura goiana. Eu mesmo já examinei al-
gumas dissertações de mestrado, na Universidade Federal de Goi-
ás, em que o estudo é só de elogio, de admiração, de rasga-seda,
sem se preocupar com o porquê dessa celebração. Falta de sentido
crítico, tanto do orientando como do orientador. Na maioria das
dissertações sobre a sua obra o que se vê é a paráfrase dos seus
textos, os quais, em vez de serem analisados, são primariamente
comentados, dando-se a falsa ideia de análise, de estudo.
Os teóricos sabem que os mitos surgem da bela ignorân-
cia imaginativa do homem comum e também da astuciosa ima-
ginação da força lírica da mentira, ou seja, da não revelação da
verdade: cala-se a verdade (por não conhecê-la) e, em seu lugar,
apresenta-se uma realidade cor-de-rosa, em que, por intermédio
da humildade (da modéstia, da menção à vida difícil), capta a be-
nevolência do leitor, que passa à admiração de tudo o que a pessoa
escreveu. É aí que entra a preguiça intelectual dos estudiosos que,
em vez de aprofundar a pesquisa e a leitura da obra examinada,
preferem o mais fácil: sentir (sem comprovar) que tudo é belo e
bom, dentro da velha fórmula do καλός ảγαθός de Heródoto. Há
tempos, venho observando que a Pesquisa literária e histórica em
Goiás, terra de muitos rios e muitos peixes, tem muita semelhança
com a pescaria: o pescador precisa de encontrar a minhoca e por
isso apenas cava superficialmente a terra, e se dá por satisfeito;
infelizmente, isso parece acontecer com alguns pesquisadores em
Goiás: contentam-se com a superfície do solo, ou têm preguiça de
continuar a cavar ou não sabem cavar mais e se dão por satisfeitos,
semeando a geleia geral.

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Revista da Academia Goiana de Letras

A linguagem do mito é poderosa, vertical, absoluta, impo-


sitiva, sobre os acontecimentos, e não sobre a linguagem deles.
Comanda a política, a escola, a literatura popular, a alma do indi-
víduo. A sua vida. Mas essa linguagem é transitória, com o tempo,
cede o lugar a outra que a contesta, modifica ou a esquece à luz
da tradição ou da nova realidade que vai surgindo. A sinceridade
nem sempre é literatura. Assim como os temas (a temática) só se
integram na literatura quando se coadunam com a linguagem da
obra realizada.

2 Cora e Coragem

A escritora Cora Coralina (poetisa, contista) não é culpada
do nascimento do mito em torno de seu nome e obra. Pode ter
calado nos seus livros algo da verdade original de sua mocidade,
mas é certo que muito dessa verdade está em fragmentos nos seus
textos, em alguns trechos “visíveis” da sua obra, toda ela autobio-
gráfica; no entanto, deve também haver algumas imagens, alusões
ou mesmo referências nalguns trechos ainda invisíveis, à espera
do exegeta para desentranhá-los dos “poemas” e “estórias”. Lem-
bro de Jean Starobinski, para quem “O manifesto é o latente que
não foi compreendido”. É possível garimpar algumas pepitas da
verdade que não tinha desejo de revelar-se na maturidade sensata
dos setenta anos. À crítica é que cabe o dever dessas garimpagens
para usar um dos temas comuns nos textos dos livros que vamos
mencionar a seguir.
Como corpus para este pequeno estudo da obra de Cora Co-
ralina, valho-me apenas dos seguintes livros: Meu livro de cordel
(1965), que não tem nada a ver com o conhecido livreto de cordel

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Revista da Academia Goiana de Letras

nordestino; Poemas dos becos de Goiás e Estórias mais (1980);


Vintém de cobre: Meias confissões de Aninha (1983); e Estórias da
casa velha da ponte (1985). Dos textos destes livros, alguns escri-
tos (ou modificados) depois dos setenta anos, já sem a força total
da emoção poética, com a imaginação criadora se resolvendo na
exploração das reminiscências, é que extraímos a matéria crítica,
desenvolvendo-se a teoria (documentada) de que Cora Coralina,
na sua infância e adolescência:

a – Sentia-se desprezada pela mãe e pelas irmãs que a


tinham como feia e sem inteligência e que, por isso,
não conseguiria casamento.
b – Arquitetou o inesperado: a sua fuga da cidade de
Goiás, que ainda era a capital do Estado. Era o desejo
de sair do comum, de buscar a liberdade com que
sonhava na adolescência.
c – Teve quando nova um orgulho velado da sua
inteligência literária; mas, na velhice, procurou
disfarçar esse orgulho escrevendo que seus textos não
valiam nada, numa espécie de disfemismo comum
nos grandes escritores: diz-se que são ruins para que
sejam percebidos como bons. No caso de Cora, o povo
e a “crítica” gostaram e pensaram que havia mesmo
modéstia sobre o valor de seus escritos.

Aí está, me parece, um possível método de contradição en-


tre dois temas para explicar uma nova situação decorrente dessa
contradição. Compreendo que esta lógica dialética hegeliana não
se verifica exatamente na criação literária, mas serve de base críti-
ca para a compreensão de alguma coisa que diz respeito a ela: uma
afirmação (tese), uma negação (antítese) e, afinal, a tentativa de
estabelecer uma visão (síntese) da vida literária de Cora Coralina.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Sentindo-se desprezada pela mãe e pelas irmãs que a tinham


como feia e sem inteligência, alguns de seus textos documentam a
luta íntima na convivência com a família, sobretudo com as irmãs
mais velhas, as “manas”, como aparece com certo desprezo. Em
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (3ª edição da UFG), a
primeira grande publicação de seus textos, confirma-se na apre-
sentação da Autora o jogo dialético do seguinte modelo teórico de
Modéstia X Orgulho: de um lado, a Modéstia (“Vai, meu peque-
no livro”.); e de outro o Orgulho (“Que possa sobreviver à autora
e ter a glória de ser lido por gerações que hão de vir de gerações que
vão nascer”), vendo-se, de início a figura do disfemismo, isto é,
da desvalorização por modéstia e, no final, o orgulho intelectual
de imaginar seu livro na eternidade, coisa parecida com a “Ode
VII”, do Livro I, de Horácio. Este modelo se documenta em todos
os seus escritos.
No poema “Minha cidade” (p.37), apresenta-se, dizendo:
“Eu sou aquela amorosa / de tuas ruas estreitas / e curtas”, con-
cluindo-se anaforicamente: “Eu sou aquela menina feia da ponte
da Lapa. / Eu sou Aninha”. O poema todo não passa de uma
autoapresentação da “mulher que ficou velha” e que está “Can-
tando” agora o passado da cidade e, orgulhosamente, “Cantando
teu futuro”. Ela trata a cidade como um ser vivo e humano, em
segunda pessoa, como se estivesse conversando com ela. Na ver-
dade, é como se a Aninha dos quinze anos estivesse dizendo a
Cora Coralina dos setenta o que deveria ter dito antes, pensando
no “futuro”. Mas qual deles? O da cidade ou o da própria escritora?
Note-se o intervalo temporal entre a primeira estrofe, quando ela
está falando de sua infância, e o tempo da segunda, quando fala
da mulher adulta (“Eu sou aquela mulher / que ficou velha”). Esta

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Revista da Academia Goiana de Letras

oposição entre o novo e o velho está na psicologia dramática do


tempo que se perdeu entre a saída de Goiás e a volta, quase cin-
quenta anos depois. É aí que se dá no texto a presentificação da
adulta até o fim, quando então se volta ao refrão da estrofe inicial.
A estrutura deste poema é assim toda ela anafórica para a recupe-
ração do tempo perdido... Dá-se aí a identificação metonímica
com as coisas da cidade de Goiás: “Eu sou aquele teu velho muro”,
“Eu sou estas casas, “Eu sou o caule”, “Eu sou a dureza desses mu-
ros”, concluindo-se com a repetição do verso inicial:

Eu sou a menina feia


da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.

Também o texto “Antiguidades” oferece “documentação”


para a relação conflituosa com as irmãs, como se vê já no início.
O poema fala de um bolo que enchia os olhos da menina, mas “A
gente mandona lá de casa / cortava aquele bolo / com importância./
[...] Eu presente. / Com vontade de comer o bolo todo./ Era só olhos
e boca e desejo / daquele bolo inteiro”. Diz a seguir que sua irmã
mais velha “governava. Regrava. Me dava uma fatia, / tão fina, tão
delgada” e [...] guardava bem guardado, / com cuidado, / num ar-
mário, alto, fechado, / impossível”. O mesmo se pode dizer do texto
“Vintém de cobre”, como na p. 47: “Eu vestia um antigo mandrião
/ de uma saia velha de minha bisavó. / Eu vestia um timão feio
[camisola comprida] / de pedaço, de restos de baeta”. Mas havia
o sonho do “pé-de-meia”, de “Melhorar de vida, prosperar, / num
esforço inútil e tardio”.
Em “Velho sobrado”, p. 99, aparece a expressão: “Nós, gente
menor”. Mas é em “Minha infância”, com o sintomático subtítulo

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Revista da Academia Goiana de Letras

de “Freudiana”, que praticamente serve de fecho ao livro, o lugar


em que se pode “documentar” o sentido maior de desprezo a
que era submetida a personagem narradora, o que pode até pôr
em dúvida se se trata mesmo de mito ou de realidade imagina-
da, talvez as duas coisas sendo uma só. Na verdade, são dois
belos poemas que estão juntos no livro – “Minha infância” e “As
tranças da Maria” – possuindo ambos excelente “documentação”
sobre o tema que vimos expondo: o desprezo de Aninha, onde
modéstia e orgulho se contrapõem. Vale a pena uma transcri-
ção maior deste texto:

Minha infância
Éramos quatro as filhas de minha mãe / Entre elas ocupei
sempre o pior lugar./ Duas me precederam – eram lindas
mimadas. / Devia ser a última, no entanto,/ Veio outra
que ficou sendo a caçula. // Quando nasci, meu velho Pai
agonizava, / Logo após morria. / Cresci filha sem pai, / se-
cundária na turma das irmãs. // Era triste, nervosa e feia.
/ Amarela, de rosto empalamado,/ De pernas moles, caindo
à toa. / Os que assim me viam – diziam:/ “– Essa menina é o
retrato vivo/ do velho pai doente” [...] Caía à toa. / Caía nos
degraus./ Caía no lajedo do terreiro. / Chorava, importuna-
va./ De dentro a casa comandava: “— Levanta, moleirona”.
/ [...] “— Levanta, pandorga”,/
[...]
“– Levanta, perna-mole...” // E a moleirona, pandorga, per-
na-mole / se levantava // Com seu próprio esforço.// [...] E
a casa me cortava: “menina inzoneira!”/ Companhia inde-
sejável – sempre pronta / a sair com minhas irmãs, / era
de ver as arrelias /e as tramas que faziam / para saírem
juntas / e me deixarem sozinha. / sempre em casa.

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Revista da Academia Goiana de Letras

A partir daí o poema vai fazendo um contraste entre a rua e


a casa: na primeira o “mundo sugestivo de maravilhosas descober-
tas”, / “o rio, a ponte, gente que passava”; na segunda “Na quietude
sepulcral da casa, / era proibida, incomodava, a fala alta, / a risada
franca, o grito espontâneo, / a turbulência ativa das crianças”. “E a
gesta dentro de mim” (grifo nosso), exclamava entre esperanço-
sa e enojada. O poema termina com a Cora Coralina adulta re-
petindo a lembrança de que era “Triste e feia. / Amarela de rosto
empapuçado. / De pernas moles, caindo à toa. / Retrato vivo de um
velho doente. / Indesejável entre as irmãs. / / Sem carinho de Mãe. /
Sem proteção de Pai... / – melhor fora não ter nascido”. No entanto,
ela conclui que “E nunca realizei nada na vida”, embora, no
fundo, devia estar consciente de que, aos vinte e um anos, teve
a inteligência de “inscrever” nos caminhos de Goiás a “gesta”
heróica – a proeza de mudar o seu destino e sair da acanhada
Cidade de Goiás.
Contraponha-se agora a essas tristes reminiscências da in-
fância à arquitetura do inesperado que se vinha preparando a al-
gum tempo – a sua fuga da cidade de Goiás. O desejo de sair do
comum, de buscar a liberdade com que sonhava, levou a jovem
Cora Coralina ao extremo de fugir na garupa de um cavalo, em-
bora fosse o meio comum de se viajar e de se roubar uma moça
naquela época no Estado de Goiás, como bem documenta o conto
“Mágoa de vaqueiro”, de Hugo de Carvalho Ramos. Querendo ou
não, os seus escritos acabaram revelando, embora em fragmen-
tos, a gesta, a epopeia dessa aventura que a tirou da cidade de
Goiás e do próprio Estado de Goiás, levando-a a viver em cida-
des interioranas de São Paulo, lugares culturalmente inferiores
ao que deixara.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Eis agora, alguns versos e fragmentos de versos encontra-


dos em Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, principal-
mente no belo poema “As tranças de Maria”, quando a Autora
se identifica com a personagem, presentificando-se no texto:
“E Maria... Aonde foi Maria? / Na garupa de um vaqueiro /
desconhecido dali [...] Moça não tem pensar... [...] A moça no
seu sumiço. [...] Não mais chorassem por ela. [...] E Maria nunca
mais voltou. / Ninguém viu nada. / Ninguém ouviu nada. / O
mato guardou seus segredos escuros. // Maria se foi na garupa /
de um vaqueiro, desconhecido dali. [...] Consolasse com o des-
tino de sua filha. / Sinais?... Teriam a seu tempo” (grifo nos-
so). É certo que o poema-conto belíssimo termina enfatizando
as forças regionais, mas deixando nas entrelinhas do intertex-
to, os sinais suficientes para mostrar que, pensando em Maria,
Cora Coralina pensava também na sua gesta heróica de sair de
Goiás. Creio que foi uma bela maneira de ocultar / revelar a
sua própria história: uma contadora de “estória” (uma narra-
dora) que fala de uma personagem que tem alguma coisa a ver
com ela mesma. Um poema-narrativo que lembra alguma coisa
do “Noturno de Belo Horizonte”, de Mário de Andrade, onde se
fala da Serra do Rola Moça, com “o noivo com sua noiva / cada
qual no seu cavalo”.
Eis também alguns exemplos extraídos de Vintém de co-
bre, onde se lê a força de vontade, o desejo vital de sair do
ramerrão de sua vida familiar sem afeto, em busca da aventura
que lhe acenava com o sentido da liberdade. Em Vintém de co-
bre, com o subtítulo de “Meias confissões de Aninha”, encon-
tra-se, logo no início, o “Cântico primeiro de Aninha”, onde há
versos que parecem reduplicar os acontecimentos da vida real,

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Revista da Academia Goiana de Letras

e que brotam do discurso poético como um iceberg na solidão


do viajante: “Cavalgando o negro corcel da febre. / Desmonta-
do para sempre”, “Escondida no meu mundo, / Longe... Lon-
ge... / Indefinido longe, nem sei onde. / O tardio encontro”. A
seguir, no poema “Moinho do tempo”, aparece um verso que
resume com indignação toda a vida difícil que levava: “Tanta
pobreza a contornar”. Tanto sonho irrealizado, tanto abandono”.
[...] “E a gente a querer abrir uma brecha naquela muralha
parda de pobreza e limitação” (grifos nossos).
Veja-se agora a beleza de um verdadeiro poema de versos
livres, um poema de verdade, não estória ou tipo de narrativa co-
mum em vários outros textos de Cora Coralina. O poema “Aquela
gente antiga – II”, além da contenção de linguagem, tem a força
poética da dicção perfeita:

Aquela gente antiga explorava a minha bobice.


Diziam assim, virando a cara como se eu estivesse distante:
“Senhora Jacinta tem quatro fulores mal falando.
Três acham logo casamento: uma, não sei não, moça feia num
casa fácil”.
[...]
Cresci com os meus medos e com o chá de raiz de fedegoso,
presente pelo saber de minha bisavó.
Certo que perdi a aparência bisonha. Fiquei corada
E achei quem me quisesse.
Sim, que esse não estava contaminado dos princípios goianos,
de que moça que lia romance e declamava Almeida Garrett
não dava boa dona de casa (grifos nossos).

É uma das raras vezes em que fala, embora obliquamen-


te, do seu companheiro de fuga. Mas em “Semente e fruto” diz

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Revista da Academia Goiana de Letras

claramente: “Um dia, houve. / Eu era jovem, cheia de sonhos. / Rica


de imensa pobreza / que me limitava / entre oito mulheres que me
governavam./ E eu parti em busca do meu destino. / Ninguém me
estendeu a mão. / Ninguém me ajudou e todos me jogaram pedra.

A ideia de saída é constante na suas “memórias”, em verso


ou prosa. Em “Menina mal amada” confessa que “Tinha medo de
ficar moça velha sem casar”. Em “Premonições de Aninha” lê-se
o seguinte: “Por que não partiu para longe, distante”. Poderia ter
acrescentado: “para longes terras”, como no texto de Menina e
moça, que ela devia conhecer no Gabinete Literário Goiano.
Aí está, mais que comprovado, o sentido maior da antítese:
A (irmãs ruins), logo B (saída de perto delas). Mas vejamos em
seguida uma possível síntese dessa vida dramática, valendo-nos
da sua metalinguagem, melhor dizendo, do seu apego à figura
do disfemismo, forma de expressão literária (repetimos) de me-
nosprezar o que escreveu para mais valorizar do que por verda-
deira modéstia e humildade. O orgulho velado da inteligência
literária de Cora Coralina, descoberta precocemente já era um
modo de contrapor-se às suas irmãs. E agora, na velhice, procu-
ra disfarçar, esse orgulho (na verdade, dando-lhe mais ênfase)
quando escreve que seus textos não valem nada, numa espécie
retórica do disfemismo tão comum nos grandes escritores, como
no Tutameia, de Guimarães Rosa, por exemplo. Na abertura de
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, além do texto “Este
livro”, cujos versos finais nos deram motivo para mencionar o
jogo dialético entre Modéstia e Orgulho, traz uma “Ressalva”
(p. 31) que, por si só, com seus vários significados de “atestado”,
de “nota para corrigir erro naquilo que se escreveu ou publicou”,

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Revista da Academia Goiana de Letras

funciona também como documento, exceção, reserva, etc. Mas


a “ressalva” de Cora Coralina tem um sentido claro de metalin-
guagem quando diz na primeira estrofe que “Este livro foi escrito
/ por uma mulher / que na tarde da Vida / recria e poetisa sua
própria / Vida”. Note-se que “Poetisa” está aí como verbo, numa
bela ambigüidade a sugerir que a sua obra transmite magia à
própria vida da escritora. A segunda estrofe repete um pouco,
mas sem a força poética da primeira. É a parte final que confir-
ma o que ela pensa dos seus versos e poemas, melhor, o que ela
não pensa; por astúcia ou veracidade, ela passa a sua dúvida e a
sua batata quente ao leitor: este é quem tem de saber se é poema,
se tem poesia, se é verso ou se tudo não passa de umas simples
e velhas estórias:

Este livro:
Versos... Não.
Poesia... Não.
um modo diferente de contar velhas histórias.

Esse “modo diferente” levou a própria escritora, com certo


orgulho, a pensar que era verdade, que era diferente, que esta-
ria renovando... Mas não estava: era o mesmo, o mesmo tipo de
escrita já usada por muitas outras escritoras brasileiras. Apenas
com uma ressalva importante: Cora Coralina fazia realmente o
mesmo, mas com o talento literário dela, só dela, de mais nin-
guém. Reunido todos esses exemplos (catados apenas nos livros
acima mencionados), tem-se a teoria de que o conflito com a
própria família foi resolvido com a saída de Goiás, surpreen-
dendo a todos. E é por essa fuga que ela encontra noutro lugar o
sentido da liberdade, interrompendo com isso toda a iniciação

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Revista da Academia Goiana de Letras

literária e cultural que vinha adquirindo em Goiás. Daí porque,


entre família e fuga, ela soube voltar ao ponto de partida e cons-
truir, na velhice, com a força telúrica da sua vivência na região,
um belo depoimento pessoal – MEMORIAL – de grande im-
portância para o conhecimento da mulher e da cultura do Pla-
nalto Central nos anos que se seguiram à República e à Abolição
da escravatura no Brasil.

* * *

Vai em anexo, uma espécie de fortuna crítica da minha rela-


ção com a obra de Cora Coralina:

A – Em 1956, quando Cora Coralina voltou a Goiás, depois


de uma ausência de 45 anos, os escritores goianienses –
de Goiânia – (por intermédio da ABDE – Associação
Brasileira de Escritores de Goiás), fizeram-lhe uma
homenagem no Jóquei Clube de Goiás e no restaurante
Bamboo. Na ocasião, foram homenageados também outros
escritores que haviam publicado o seu primeiro livro, entre
os quais, este que escreve.
B – Em 1964, em A poesia em Goiás, escrevi sobre a
contribuição feminina às letras goianas, e sobre Cora
Coralina anotei na p. 509:
CORA CORALINA, Goiás, é o pseudônimo de Anna Lins
dos Guimarães Peixoto, conforme já registra o Prof. Francisco
Ferreira dos Santos Azevedo, em 1910: “é um dos maiores
talentos que possui Goiás (Cidade); é um temperamento
de verdadeiro artista. Não cultiva o verso, mas conta na
prosa animada, tudo o que o mundo tem de bom, numa

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Revista da Academia Goiana de Letras

linguagem fácil e harmoniosa, ao mesmo tempo elegante.


É a maior escritora do nosso Estado, apesar de não contar
ainda vinte anos de idade” [cf. p. 209]. Anotei o seguinte:
“Parece um tanto exagerada a opinião do famoso professor
goiano, mas Cora Coralina, desde aquele época, parece
que nunca deixou de fazer a sua literatura, passando do
conto ao verso, ou melhor, ao poema em prosa, porquanto,
apesar da forma do verso livre, a sua linguagem não possui
muita densidade poética, a não ser num ou noutro poema,
como nos que escolhemos para a Antologia (segunda parte
do livro). Mas é na verdade exímia contista, conforme
salientamos no primeiro número dos Cadernos de Estudos
Brasileiros, de 1963. Na revista Oeste, nº 4, p. 30, José Lobo
(J. Lúpus) nos dá notícia de que Cora Coralina escreveu um
livro com o nome de Canção das águas. Houve engano, tal
livro nunca existiu. Trata-se apenas de um poema, bastante
longo. Aliás, na sua Bibliografia, J. Lupus comete também
outros enganos, segundo já dissemos, quando tratamos de
Bráulio Prego. (Na verdade a crítica em Goiás foi sempre
superficial, contentando-se em elogiar parentes e amigos
sem a preocupação maior do sentido universal). O único
trabalho publicado de Cora Coralina é o seu O Cântico de
volta (1956)2.
Depois de muitos anos fora de nosso Estado, a escritora
voltou, e os intelectuais goianienses receberam-na com um
coquetel onde se distribuiu esse livro, melhor, uma plaqueta
em que a autora se mostra deslumbrada com a cidade de
Goiás, que há muito tempo havia deixado na garupa de um
cavalo... Não se trata, todavia, de poemas, e sim de crônicas,
na acepção moderna que a palavra veio a tomar, e na qual
se revela talentosa. Daí, trechos, como sobre as lavadeiras:
“Quando, de tarde, atravessam as ruas grandes trouxa

O Cântico de volta, de Cora Coralina, não traz indicação de editora nem de data, mas foi publi-
2

cado na Cidade de Goiás, em 1956. Trata-se de duas folhas apenas, em formato 13 x 24.

97
Revista da Academia Goiana de Letras

alvacentas, equilibradas nas trunfas, têm um cheiro infante e


gostoso de gente limpa, água e sabão”. E termina oferecendo
sua crônica-poema com bastante força poética: “Para ti,
cidade Mater, este cântico perdido de quem volta às origens da
Vida”. O curioso é que nenhum desses poemas se encontra
nos livros acima mencionados (Nota de 2017).

C – Em 1969, em O Conto Brasileiro em Goiás, escrevi:


Parece que o único conto representativo dessa fase nebulosa
e genética da ficção em Goiás é “Tragédia na roça”, de
ANNA LINS DOS GUIMARÃES PEIXOTO (1890-1985),
mais conhecida pelo pseudônimo de Cora Coralina.
Vem publicado na página literária do Anuário Histórico,
Geográfico e Descritivo do Estado de Goiás, de 1910 [...] De
fato, percebem-se no conto de Cora Coralina os primeiros
sintomas do regionalismo goiano, evidentemente mais no
aproveitamento do tema rural do que pelos caracteres da
linguagem criadora, de teor poético mas estilisticamente
romântica. No entanto, apesar de uma e outra imagem
já inoperante e frágil para a época, apesar da estrutura
numa mesma pauta e ritmo, não se pode negar-lhe a
movimentação dramática, a concisão expressiva, a fina
sensibilidade da pincelada rápida e sugestiva.

D – O poema “Coral” em 1985 – Um dia a escritora Heloísa


Helena de Campos Borges, ex-presidente da Academia
Feminina de Letras e Artes, disse-me que Cora Coralina se
lamentava de eu não ter escrito nada sobre ela. Estranhei,
pois quando a visitei em Goiás, ela tinha os meus dois
livros (A poesia em Goiás e O conto brasileiro em Goiás)
na estante. Foi então que, a pedido da Heloísa, escrevi o
poema “Coral”, publicado em Saciologia goiana e musicado
por Antônio Verve no Rio de Janeiro e por Marcelo Barra
em Goiânia. Saiu na 3ª edição de Saciologia goiana (1986).
Eis a carta que Heloísa me enviou sobre esse caso:

98
Revista da Academia Goiana de Letras

Querido Gilberto,
Vou contar a história e você aproveita o que quiser.
D. Cora reclamou para mim que você nunca tinha escrito a
respeito dela. Como sabia que eu iria encontrá-lo na aula do
Mestrado, pediu-me para lhe falar do seu sentimento. Você
me disse que não estava com tempo naquele momento,
mas que já tinha escrito sobre ela sim. Pedi-lhe então que
fizesse pelo menos um poema.
Você me mandou o poema e pediu-me para entregar. Fui
até a casa dela, mas a filha não me deixou entrar. Na calçada
mesmo explicou-me que ela não estava bem naquele dia e
não poderia receber ninguém. Disse para ela que D. Cora
havia feito esse pedido e que eu tinha certeza de que ela
ficaria feliz. A filha foi irredutível e me disse para entregar-
lhe o envelope.
Respondi que só entregaria nas mãos da Cora. Aí, ela
me despediu. Voltei para Goiânia e, poucos dias depois,
soube que D. Cora estava na UTI, em Goiânia, vindo a
falecer. Guardei o poema por alguns anos, até que soube
que estava criado o museu Casa de Cora. Conversei com
a Diretora Marlene Velasco, e ela disse que o queria.
Entreguei, pedindo mil cuidados. Como eu estava na
cidade de Goiás, fui pessoalmente até o museu para ver se
o prometido havia sido cumprido. O poema foi colocado
em uma mesinha com tampo de vidro, ao lado da carta do
Carlos Drummond de Andrade. Como o museu passou por
recentes reformas, não sei se o poema continua no mesmo
lugar. Eis os fatos. Acho que vale a pena você conhecê-los.
Abraços, Heloisa.
E eis o poema, de pura homenagem a ela:

99
Revista da Academia Goiana de Letras

CORAL

Cora Cora Coralina Cora Cora Coralina


cora o verde da campina cora o peixe da piscina
cora o vento dos gerais cora a festa dos pardais
cora o peito da camisa cora tudo que me inspira
cora o elo desta brisa cora as cordas desta lira
na divisa de Goiás. cora o tempo de Goiás.

Cora Cora Coralina Cora Cora Coralina


cora o ouro dessa mina cora a lâmina mais fina
cora a terra e seus cristais cora a ponta dos punhais
cora tudo que não tenho cora a força deste tema
cora a moenda do engenho cora a letra do poema
moendo o som de Goiás. na escritura de Goiás.

Cora Cora Coralina


cora a face da menina
cora a cor dos arrozais
cora o nome que desliza,
cora a coisa mais precisa
na divisa de Goiás.

[Saciologia goiana, 2ª ed.,1986.]

E – Em Entrevista a Deonísio da Silva, divulgada pelo


site “Plataforma para a Poesia”, em 24 de julho de 2004,
perguntado sobre o que eu pensava da obra de Cora
Coralina, respondi o que continuo a responder:
Os seus poemas constituem um belo mito literário de Goiás
e – por que não? – de todo o Brasil. E, como todo mito, foi
criando a sua própria estrutura, uma superestrutura, uma
linguagem estratosférica e fechada que impede que a obra
seja realmente examinada e julgada. E como se iniciou tudo

100
Revista da Academia Goiana de Letras

isto? Através de um duplo movimento: Primeiro, com a sua


saída de Goiás: Cora Coralina (cujo nome literário por si só
já possui um encantamento mítico-poético) saiu da Cidade
de Goiás (que também por si só é um berço de mitos) ainda
muito nova, em 1911, numa aventura que deixou seus
habitantes boquiabertos, criando-se um sentido evemerista
para a base do mito. Nesse período, não publicou quase
nada. Segundo, com sua volta a Goiás, 45 anos depois, em
1956, o tecido mítico já estava quase pronto: só faltava um
ingrediente de ordem superior que o ativasse. E isso se deu
com o início da publicação de seus “poemas” e uma série
de pequenos acontecimentos oportunos, como a crônica
do Drummond, em que se fala mais da mulher de 70 anos
e dos temas do que da sua linguagem poética e quando
toca no verso parece desconversar, dizendo apenas: “O
verso é simples, mas abrange a realidade vária”. A partir daí
fala de sua “consciência humanitária [...] que o seu verso
consegue exprimir tão vivamente em forma antes artesanal
do que acadêmica” (grifo nosso). O poeta não fala do
verso, mas do tema. É o único momento em que fala dos
versos da escritora goiana. Assim, o mito drummondiano
se estendeu sobre o nome de Cora Coralina, ampliando-o
no sentido da “forma antes artesanal do que acadêmica”.

Aliás, Cora Coralina chegou a Drummond por intermédio


do editor José Olympio, o seu grande editor. A pedido do velho
J. Olympio (para quem Cora trabalhou vendendo livros em São
Paulo), Drummond leu e escreveu uma crônica. Foi o estopim
acendido. Um leitor consciencioso percebe que Drummond evita
falar da estrutura dos poemas e concentra o seu elogio na capa-
cidade de Cora já idosa tratar das coisas simples e humanas. Ele
se encantou com a mulher de setenta e tantos anos e com a sua
disponibilidade para escrever. As feministas, reunidas no Rio de

101
Revista da Academia Goiana de Letras

Janeiro, precisavam de uma referência como a de Cora Coralina


e a tomaram como símbolo do movimento das mulheres. Cora,
inteligentemente, aceitou as homenagens do movimento, escre-
vendo muitos de seus últimos poemas sobre esse e outros temas
sociais. Aí todo mundo foi atrás – gente, professores, políticos,
todo mundo passou a repetir o sentido hiperbólico desse mito que
ficou assim consolidado.
Dessa maneira, aquele que escreve hoje sobre Cora Corali-
na está inconscientemente “dirigido” pela linguagem mítica, que é
simbólica e, como tal, opressora, vertical e impositiva, de cima para
baixo. A especulação crítica perde a sua liberdade, e o estudioso não
se dá conta de que está escrevendo o “esperado”. Escreve-se sobre a
mulher e não sobre sua obra, que vai ficando “invisível” como forma
literária. Só se veem os “temas”, como se isso por si só constituísse
a literatura. As dissertações de mestrado e os trabalhos que apare-
cem são “sobre” Cora Coralina e não sobre sua obra. Com isso, os
elementos estruturais, estéticos e estilísticos de seus poemas e os
problemas primários de verificação de manuscritos e textos pu-
blicados depois da morte da autora vão sendo marginalizados. E o
público, que não sabe nada disso, vai achando que é assim mesmo.
Mas está errado. A crítica não tem a função emotiva de confirmar
o que já se disse, e sim a de examinar a obra, reexaminá-la e trazer
novas contribuições que justifiquem o seu valor na literatura.
As editoras do Brasil não estão interessadas nesses proble-
mas: querem é faturar, vender os livros da autora, independente
de estarem ou não fiéis aos manuscritos. E o problema vai rolan-
do até que um dia apareça alguém que faça um estudo digno do
nome e do mito de Cora Coralina, sem o malabarismo de citar
Deus e todo o mundo para justificar o inexplicável. Desviam-se

102
Revista da Academia Goiana de Letras

da obra para o contexto, onde metem à força a escritora, false-


ando a ideia de geração e a visão teórica dos gêneros. Para isso,
é preciso partir apenas da sua obra: não ter medo de desagradar
à filha e levantar o que Cora publicou em revistas e jornais, antes
de voltar para Goiás – na primeira fase do mito. Na verdade, não
publicou quase nada, conforme se vê na Informação Goiana, do
Rio de Janeiro, onde só encontramos três crônicas e nenhum po-
ema. Em seguida, ver os seus livros e os poemas inéditos, num
trabalho preliminar de preparar os textos de Cora para o futuro
leitor. E só depois analisar seus poemas, a partir da linguagem
deles, mostrando os textos como eles são, revelando o seu valor
pelo modo com que foram produzidos e estruturados. Daí, tenho
certeza, sairá não um antimito, mas uma Cora Coralina digna de
ser realmente reverenciada como signo, como ícone, como âncora
(não como símbolo) da cultura goiana.

Rio de Janeiro, 23 de março de 2017

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Revista da Academia Goiana de Letras

Imaginário e existencialismo em O Pequeno Príncipe

José Fernandes3

Escrever um livro para crianças implica que o autor pro-


cure aproximar-se, o mais possível, do imaginário infantil, a fim
de causar-lhe o prazer de ouvir e de ler o texto que lhe é destina-
do. A narrativa ou o poema deve, desse modo, possuir alto grau
de encantamento, a fim de que a criança sinta o prazer de ler ou
de ouvir a história. Todavia, há narrativas raras que, em decor-
rência do imaginário utilizado pelo ficcionista, permitem várias
leituras, inclusive pelos adultos. Isso ocorre quando o texto, an-
tes de destinar-se apenas ao prazer de ler, encerra, também, forte
dimensão metafísica, porquanto visa à formação, à instrução do
homem, qualquer que seja a sua faixa etária, em sua totalidade,
notadamente aquela que diz respeito à sua constituição ontoló-
gica. Entendemos como constituição ontológica a capacidade
de pensar-se no mundo e, sobretudo, de pensar-se enquanto ser
capaz de instituir a própria verdade e de entender e discernir a
verdade do outro. O pequeno Príncipe, de Antoine Exupéry, sem
dúvida, é uma dessas obras raras, em que o imaginário é traba-
lhado de tal maneira que possibilita interpretações inúmeras por
parte do leitor jovem e, também, por parte do adulto, mormente
se ele se dedica à árdua função de educar, naquele sentido grego
de formar, instruir, transformar através do conhecimento. Nosso
objetivo, com essa análise, é exatamente proceder a uma leitura do
imaginário, perscrutando-lhe uma faceta, até agora, quase nada

3 Faleceu em 22/2/2018.

104
Revista da Academia Goiana de Letras

visitada pela crítica literária: a dimensão fenomenológica dessa


narrativa, em que se entende por fenomenologia a interação entre
a verdadeira pedagogia e a filosofia, mormente, em decorrência
do momento histórico em que o romance foi produzido, pauta-
do pelo existencialismo. É somente mediante a conjunção dessas
duas formas de pensar e de praticar o ato de instruir que se pode
atingir o homem-criança ou a criança-homem por inteiro. Para
isso, a conjunção do real com o imaginário é imprescindível.
Do mesmo modo que o homem foi definido pelos gregos
como o animal que fala, podemos defini-lo como o animal que
sonha, que imagina, que fantasia. Não sem motivo, na língua gre-
ga a palavra imaginação é fantasia, e fantasia quer dizer ilusão,
imaginação. O ato de sonhar e o ato de fantasiar se confundem,
à medida que, tanto um quanto outro, consiste em criar imagens
que revelem ou escondam segredos, entendendo como algo ocul-
to, mágico e, por vezes, encantatório. Nesse sentido, inclusive os
deuses eram imagens fantasmagóricas, intangíveis e invisíveis,
criadas, em sua maioria, com o intuito de representar realidades
inexplicáveis, mas tangíveis e visíveis, como o raio, o mar, o ven-
to, a tempestade. Essa necessidade de criar é inerente ao homem,
que a deixa expandir-se, mormente, através da ficção, ou sufoca-a
como se fosse uma doença, uma espécie de demência. As crian-
ças possuem-na na própria essência, à medida que a vivem, em
determinada fase, sem estabelecer limites entre o real e o imagi-
nário. Entanto, por fatores sociais e até educacionais, em vez de
o imaginário ampliar-se com o tempo, uma vez que a ele deveria
conjugar-se a imaginação e a fantasia, tende a desaparecer-se, se
não for estimulado e cultivado pela leitura e por outros processos
imagéticos, em que a criatividade é fundamental.

105
Revista da Academia Goiana de Letras

Ocorre, porém, que a imagem, a despeito de se conju-


gar com o real, o contraria, porquanto, na maioria das vezes,
apresenta uma realidade falseada, velada, que se opõe à ver-
dade, ou a camufla, conformando um processo a que Gilberto
Mendonça Teles chama claro-escuro da transparência. Assim
entendida, essa imagem criada pelo imaginário esconde para
revelar e revela para esconder. Vejamos como isso ocorre em
O Pequeno Príncipe.

A Léon Werth

O jogo entre real e imaginário e imaginário e real, através


da jogada magistral criança-adulto/adulto-criança, começa com a
dedicatória de O Pequeno Príncipe. O lúdico inicia com a descul-
pa às crianças por dedicar o livro a um adulto; mas adulto que é
amigo, que é capaz de entender as crianças e os livros para crian-
ças e, sobretudo, que tem fome e frio. São justificativas mais que
suficientes para inserir o discurso no movediço limite entre ima-
ginário e realidade e criança e adulto. Por isso, dedica-o a Léon
Werth criança, proporcionando, desde o início, a que as crianças
insiram-se no clima lúdico que perpassará todo a narrativa.
Por outro lado, já nas justificativas à dedicatória, lançam-
-se problemas que dispõem criança e adulto à reflexão filosófica
em torno da amizade, uma vez que se dedica um livro somente a
quem realmente é amigo. Depois, insere o leitor em outra séria e
grave dimensão atinente ao homem, ao colocá-lo em luta contra a
fome e o frio, também motivo de reflexão, uma vez que da supera-
ção desses duas barreiras depende o existir, o subsistir, ou o mor-
rer. A maestria com que o narrador aborda, de chofre, problemas

106
Revista da Academia Goiana de Letras

tão profundos para uma criança, sem que ela o perceba, por causa
da dinâmica própria do lúdico, constitui, sem dúvida, o primeiro
impacto causado pela narrativa, mormente na visão do adulto e,
sobretudo, do exegeta do discurso estético.
Já na dedicatória do livro, a imposição, através do ima-
ginário, de que se homenageie o amigo na condição e menino,
instaura-se, também, uma pedagogia dupla em que, em vez de o
adulto impor o seu ponto de vista, a criança é que o impõe. Em
decorrência, o processo pedagógico se inverte, e o educando é que
se converte em educador, à medida que obriga a adulto a rever-se
na condição de criança e, sobretudo, a rever os antigos conceitos
de educação. Em decorrência, como se verá durante a análise, o
conceito de pedagogia realmente se exercita e se pratica, à medida
que é ele entendido no verdadeiro sentido de Paideia, que signifi-
ca busca de conhecimentos que visem a transformar o homem no
mundo e a transformar-se o mundo pelo homem.

Passado esse momento de contato da criança com a cruel-


dade de existir, advinda de limitações próprias de humanidade,
o narrador inicia a inter-relação do adulto com a criança, ago-
ra realmente em consonância com o imaginário infantil. Assim,
verificamos, de início, o conflito entre a imagem proveniente do
imaginário e a realidade, típico da fantasia infantil, à medida que
a representação cruel feita pelo adulto da jiboia engolindo o ele-
fante, nada artística, não interage com a imagem do mesmo fe-
nômeno visualizada pela criança. Imagem muito mais sugestiva,

107
Revista da Academia Goiana de Letras

e artística, porque esconde e revela, revela e esconde, ao ponto de


vista do adulto, acostumado a enxergar apenas o real, porque já
perdeu o sentido da imagem e, sobretudo, a capacidade de ima-
ginar, por não perceber a engenhosidade do desenho feito pelo
narrador quando criança.
O imaginário, em interação direta com a imagem, cria,
através da linguagem, um sistema de luz e de sombra, propício
ao estabelecimento da alegoria, porquanto relata um aconteci-
mento para, na verdade, dizer outra coisa. Assim, no caso de O
Pequeno Príncipe, no primeiro diálogo que se estabelece entre
o narrador e o Príncipe, decorrente da solicitação para que se
desenhe um carneiro, verificamos, primeiramente, uma crítica
aos adultos que, em vez de alimentarem o imaginário infantil,
destroem-no; depois, a comprovação de que a imaginação, na
criança, se sobrepõe à realidade, pois o Príncipe só se contentou
com o desenho, quando ele pôde ver o carneiro dentro da cai-
xa, ou seja, quando ele pôde imaginá-lo, quando o animal real e
imaginado passou a ser imagem.
Se imaginário e imagem são inseparáveis, à medida que
ela se cria a partir da fantasia, o simbólico também se lhe adere,
à proporção que ele constitui a matéria sobre que o imaginário
se desenvolve. Assim, a caixa, ao ligar-se ao segredo, ao misté-
rio, conjuga-se com aquilo que o Príncipe deseja e imaginava
que fosse um carneiro capaz de caber e de viver em seu planeta.
Não lhe interessava, portanto, um carneiro de verdade, mas um
carneiro de imaginação, de representação, existente no nível da
imagem, do símbolo. Do mesmo modo, o desenho se situa na di-
mensão do imaginário, porque, em vez de ser um carneiro real, é
um carneiro de tinta e de papel; mas mais fantasioso se colocado

108
Revista da Academia Goiana de Letras

dentro da caixa e existindo sem existir, porque no visível invisí-


vel da imaginação.
Não podemos nos esquecer, no entanto, de que à caixa an-
tecedem símbolos lapidares no imaginário infantil. A jiboia, à se-
melhança do homem, mas contrariamente a ele, consoante Jean
Chevalier e Alain Gheerbrant (1988, 814), distingue-se de todos
os animais. Se o homem está situado no fila de um longo esforço
genético, também será preciso situar essa criatura fria, sem patas,
sem pelos, sem plumas, no início deste mesmo esforço. Desse modo,
ela constitui a imagem do processo de formação por que a criança
tem de passar para enfrentar as vicissitudes do existir e, com mais
esforço ainda, deixar a condição de ente e conquistar o estado de
ser4∗. Depois, o elefante seria a imagem daquilo que o homem
tem de abandonar: a índole de animal bruto, para transformar-se
em sujeito de sua história, sujeito de sua existência, uma vez que
ele também é o símbolo do poder. Por outro lado, o chapéu, talvez
por isso visualizado apenas pelos adultos, constitui, segundo Jules
Boucher (1953, 278), o sinal das prerrogativas e da superioridade
que o homem pode alcançar, se realmente se instruir, se preparar
para a viagem existencial.

II

Essa preparação, consoante a visão paideica do narrador,


implica o respeito ao imaginário da criança, representada, agora,
pelo Príncipe que lhe aparece no deserto e lhe pede para desenhar
Nossa interpretação, portanto, se contrapõe, inteiramente, à visão psicanalítica de Marie-Louise
4

Von Franz (1970, 17) que afirma ser uma imagem da mãe devoradora acrescida por Olivier
Odeart como aspecto devorador do inconsciente do narrador-aviador que deseja implodir as lem-
branças da infância.

109
Revista da Academia Goiana de Letras

um carneiro. Ora, primeiramente, o deserto simboliza o homem


indiferenciado, porque ainda em estado de ente e, ao mesmo tem-
po, a imagem indefinida da realidade em relação ao imaginário,
uma vez que a criança em formação está ainda em estado de so-
nho e, portanto, de uma perspectiva invisível.
Assim entendida, a imagem, no nível do discurso, funciona
como uma máscara, à medida que esconde a verdadeira inten-
ção do narrador. No caso, a caixa, desenho com que o Príncipe se
contenta, é a máscara, uma vez que sua percepção do (in)visível
interage com a imagem fantasiosa, e permite ao narrador criti-
car o adulto que apenas enxerga a face visível do texto, centrada
na realidade. Essa máscara é a alegoria, a arte de dizer uma coisa
e mostrar outra, igual e diferente do que foi dito, porque dupla
e múltipla, como se houvesse se refletido em um espelho. Mas,
ao contrário do que se imagina, em vez de a máscara empanar
a identidade de quem a cria e de quem se esconde por trás dela,
contribui para que ela se evidencie, porque o humor e a ironia
constituem formas de o ser se elevar sobre o que considera insig-
nificante e, às vezes, constituem maneiras de o narrador vingar-se
de quem, dominado pela insensibilidade, o diminuísse, mesmo
que involuntariamente.
Além disso, a escolha do carneiro, no nível do simbó-
lico, não se dá por acaso, por ser ele um animal amável; mas
pelo fato de ele encerrar a imagem da fecundidade, tal deve ser
a imaginação de quem escreve e, sobretudo, de quem descobre
o mundo através do conhecimento. Também pelo fato de ele se
correlacionar com o fogo sacrificial, uma vez que o escritor tem
de sacrificar, no sentido de exterminar, o real, a fim de que a
imaginação surja e instigue à criação do mundo ficcional que,

110
Revista da Academia Goiana de Letras

se não é igual ao real, é a sua imagem, a sua máscara. Ademais,


sendo o carneiro o símbolo do principio supremo, representa a
capacidade de transformação que, como veremos adiante, cons-
titui a essência do ato de educar, que pressupõe obstinação, tanto
por parte de quem educa, quanto, sobretudo, por parte de quem
é educado. Ora, o fogo, inerente ao carneiro, portanto, configura
justamente a capacidade de transformação, tal como ocorre ao
narrador após conhecer o Príncipe.

III

O ato de educar-se, tanto no imaginário quanto na realida-
de, pressupõe o domínio da linguagem, porque ela revela o mun-
do para o homem, e o homem, para o mundo. Não ha como se
manifestar, senão pela linguagem, mesmo que seja em sua vasta
dimensão semiótica, mediante a utilização de signos e de sinais
não verbais. Na dinâmica da descoberta e da revelação, o diálo-
go, entendido, em sua essência, como móbil de revelação do ser,
é primordial. Justamente por isso que o Príncipe faz perguntas,
incita ao diálogo que, inicialmente, perturba o narrador, voltado
para o motor real de seu avião. O seu mundo, o asteroide B 612, é
a imagem reduzida do seu conhecimento; mas, ao mesmo tempo,
o número 612, ao reduzir-se a nove, entretanto, simboliza a sua
busca incessante pelo conhecimento5. Nessa atmosfera de desco-
berta do mundo, nada mais importante que sua curiosidade em
5
Veja a esse respeito o seguinte trecho do Dicionário de símbolos, de Chevalier e Gheerbrant
(1988, 642), ao referirem-se ao número nove: Nos escritos homéricos este número tem um valor
ritual. Deméter percorre o mundo durante nove dias à procura de sua filha Perséfone;Latona sofre
durante nove dias e nove noites as dores do parto; as nove Musas nascem de Zeus, por ocasião de
nove noites de amor. Nove parece ser a medida das gestações, das buscas proveitosas e simboliza o
coroamento dos esforços, o término de uma criação.

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Revista da Academia Goiana de Letras

torno do avião, pois representa, em matéria visível, o sonho, o ato


de voar, de ultrapassar-se, de transformar-se. Assim, se o fato de
o motor encontrar-se avariado e ter de ser reparado pelo narra-
dor representa, para ele, o fim de um ciclo em que via apenas o
visível, esquecido de seu lado criança; para o Príncipe, simboliza
justamente o começo das descobertas, uma vez que voar, ele sabe,
porque viera de um planeta que é sonho e realidade.
Mas nesse processo de conhecimento do mundo e de si
mesmo, as palavras do Príncipe ao final desse capítulo são lapida-
res – Quando a gente anda sempre para frente, não pode ir longe...,
porque a caminhada do conhecimento não se faz para frente; mas
para dentro, naquele sentido hebraico de mergulho na própria
essência, pois a descoberta do mundo exige que, antes de tudo,
descubra-se a si mesmo. É nesse sentido que o verbo amarrar o
chocou inicialmente; mas foi imediatamente compreendido em
seu simbolismo, quando percebeu que é preciso, mesmo no es-
paço minúsculo do ente, amarrar-se para se expandir e viajar na
direção do ser.

IV

A interação entre o imaginário do narrador com o imagi-


nário do Príncipe se estreita, quando ele percebe a possibilidade
de existirem planetas minúsculos, menores que uma casa, ou seja,
homens que, em decorrência de seus parcos conhecimentos, de
sua parca instrução, encerram-se em um mundo quase invisível.
Se já sabemos as razões de sua enumeração, 612, resta-nos saber o
porquê da letra B. Simplesmente pelo fato de ela significar casa, a

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Revista da Academia Goiana de Letras

morada do ser, e, sobretudo, por simbolizar receptividade, estado


de ser em que se encontrava o Príncipe. Depois, ela se relaciona
com o emissor e com o receptor. Na dinâmica do instruir-se, tal
como se vê na narrativa, o ato de perguntar e o ato de responder
são fundamentais. Sem dúvida, é por isso que o Príncipe faz mais
perguntas do que responde, porque lhe interessa precipuamente
expandir o seu planeta, que é ele mesmo.
O imaginário, portanto, além de contribuir para a tessitu-
ra do enredo ou da história, como o vemos, no capítulo IV, em
relação ao asteroide, destina-se, no caso dessa narrativa, tam-
bém a materializar o conflito que existe entre a sensibilidade e
os preconceitos criados pelos adultos – embrião de um sistema
maior chamado sociedade –, resultando em decisões, às vezes,
injustas, como o desprezo à descoberta do cientista, decorren-
te exclusivamente da visão estreita em relação à sua aparência.
Entra, nesse caso, uma outra função do imaginário, que seria
a pedagógica, percebida naquele sentido primeiro criado pelos
gregos, de instrução e direção de crianças, ou seja de preparação
para enfrentar a vida, pois o verdadeiro homem é aquele que
sonha e materializa o sonho em atos e ações reais inteiramen-
te produtivas. Assim, o episódio da descoberta do asteroide, só
aceito depois que se mudaram as roupas do cientista, colocado
na visão do narrador e, não, nas palavras do Príncipe, elucida
bem o que seja educação e, sobretudo, o que seja cultura, como
se lê nesse trecho:

Felizmente para a reputação do asteróide B 612, um di-


tador turco obrigou o povo, sob pena de morte, a vestir-se
à moda européia. O astrônomo repetiu sua demonstração

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em 1920, numa elegante casaca. Então, dessa vez, todo


mundo se convenceu.

Esse sentido próprio da paideia, correção, castigo, exerci-


ta-se no discurso, à medida que, através da máscara, da imagem,
o narrador como que castiga os adultos por captarem apenas o
que se vê e, não, o que se pode enxergar por intermédio do ima-
ginário. Do mesmo modo, e sobretudo, pratica a acepção de for-
mação, porquanto a imagem e a máscara provindas da figura do
Príncipe, à medida que ela funciona como um duplo, do narrador,
criado exatamente para recriminar os adultos que lhe represaram,
ao ponto de extinguir-lhe o imaginário que lhe era inerente. A
vingança, proporcionada pela noção de castigo, serve para for-
mar, para educar, para transmitir conhecimento ao leitor, seja ele
jovem ou adulto.
O contraste entre o real e o imaginário na concepção de
Exupéry atinge, inclusive, a maneira antiga de iniciar as narrativas
infantis, porquanto, ao dizer que se começasse com o comum Era
uma vez..., o relato pareceria mais verdadeiro aos adultos. O as-
pecto metalinguístico, assim colocado, pelo narrador, encerra um
dado pouco verificado quando se faz meta-narrativa, à medida
que se utiliza da técnica, que seria até científica, para inserir o tom
satírico, pouco frequente em narrativas infanto-juvenis6.
A imagem do Príncipe, capaz de ver o visível no invisí-
vel, o real no imaginário, realmente se revela uma máscara, para
o narrador tornar o discurso leve e pesado, aparentemente vazio
e, realmente pleno, até mesmo de filosofia. Ao referir-se à neces-
sidade de amigos e contrapô-la à imperiosidade dos números,
Ver a esse respeito o poema A casa, de Vinícius de Moraes, e a análise, encontrável na Internet,
6

com o título de A fantástica casa de Vinícius.

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Exupéry coloca-se muito além de seu tempo, porquanto, o ho-


mem nunca esteve tão apegado aos números como hoje. A pers-
pectiva existencial, própria da filosofia da época em que o livro foi
escrito, se deixa deslizar por toda a narrativa, uma vez que mostra
o homem distante do homem e, sobretudo, do humano, à medida
que as conquistas se atêm apenas à matéria, abandonando-se in-
teiramente a dimensão metafísica da existência.
Outro aspecto singular dessa narrativa, sem dúvida, é a
amostragem de que aquilo que se perdeu na infância, jamais pode
ser recuperado. Essa crítica fica clara no final do capítulo, quando
o narrador afirma:

É duro pôr-se a desenhar na minha idade, quando nunca


se fez outra tentativa além das jibóias fechadas e abertas
dos longínquos seis anos! Experimentarei, é claro, fazer os
retratos mais parecidos que puder. Mas não tenho muita
esperança de conseguir. Um desenho parece passável; outro,
já é inteiramente diverso. Engano-me também no tamanho.
Ora o principezinho está muito grande, ora pequeno demais.
Hesito também quanto à cor do seu traje. Vou arriscando
então, aqui e ali. Enganar-me-ei provavelmente em detalhes
dos mais importantes. Mas é preciso desculpar. Meu amigo
nunca dava explicações. Julgava-me talvez semelhante a ele.
Mas, infelizmente, não sei ver carneiro através de caixa. Sou
um pouco como as pessoas grandes. Acho que envelheci.

Mais claro se vê o tom pedagógico do narrador, quando ele
fala do Príncipe e da maneira de aceitá-lo no nível do imaginário;
mas, sobretudo, quando ele diz que não gosta que leiam seu li-
vro levianamente. Certamente, porque um livro tão singular, que

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inverte o processo pedagógico para mostrar o quanto ele é im-


portante na dinâmica da aprendizagem do mundo e, mormente,
do homem, quando, pelo conhecimento, ascende à dimensão do
sublime, entendido como o superlativo do humano, daquele que
viajou ao fundo de si mesmo.

A preocupação do Príncipe com os baobás se reveste no


campo do imaginário e, mormente no relativo à instrução, de
importância singular, pois para ele podem crescer demais e re-
presentarem um perigo. Dessa forma, ligam-se aos dois lados
do homem, enquanto ente de humanidade: o bem e o mal. Se
eles forem podados, ou comidos pelo carneiro, símbolo da obs-
tinação, o planeta, metonímia do homem, pode desabar. Ainda
no nível do imaginário, a utilização do baobá, pela sua ligação
com o ciclo vital e, sobretudo, com a longevidade, uma vez que
essa árvore vive mais de dois mil anos, constitui também uma
forma de, filosoficamente, ironizar a humanidade, porquanto os
males que a afligem, remontam a seus primórdios. É exatamen-
te por isso que, nesse instante do texto, o narrador assume um
tom pedagógico, naquele sentido já exposto, inerente à Paideia,
pois chama diretamente, em nível real, a atenção de seus ami-
gos – crianças, jovens e adultos – para tomarem cuidado com os
baobás, ou seja, com os perigos de se pertencer a humanidade
em sua viagem à conquista do humano. O baobá simboliza exa-
tamente esse ciclo da vida terrestre, como bem o expõe Alain
Gheerbrant, ao dizer que:

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A árvore e a sua vida sempre inspiraram o simbolismo do


ciclo da vida terrena. A semente que dá nascimento, cresci-
mento, explosão floral, a planta de secagem antes de fase de
repouso são visíveis na imagem das diversas fases da vida
humana, e os seres humanos foram capazes de usar a árvore
ou algum dos seus constituintes para simbolizar um senti-
mento ou uma qualidade humana7.

Em decorrência, ele funciona, no nível do discurso, como


uma máscara, como alegoria, e, como consequência, encerra
uma dimensão semântica maior.
Essa alegoria se torna ainda mais evidente, ao verificar-se
que ao falar em sementes boas e más, visíveis e invisíveis, está,
simbolicamente, falando da própria humanidade, nascida de uma
boa, que se tornou má e que, por isso, precisa ser joeirada, no
verdadeiro sentido paideico de transformar-se através do conhe-
cimento, iniciado já na infância. A toalete do planeta, nesse sen-
tido, compreende uma ação continuada, desenvolvida dentro de
rigorosa disciplina, como se lê no texto:

É uma questão de disciplina, me disse mais tarde o princi-


pezinho. Quando a gente acaba a toalete da manhã, come-
ça a fazer com cuidado a toalete do planeta. É preciso que
a gente se conforme em arrancar regularmente os baobás
logo que se distingam das roseiras, com as quais muito se
parecem quando pequenos. É um trabalho sem graça, mas
de fácil execução.

L’arbre et son cycle ont de tout temps inspirés la symbolique du cycle de la vie terrestre. La graine qui
5

donne naissance, la croissance, l’explosion florale, le dessèchement avant la phase de repos végétal
apparent sont à l’image des différentes phases de la vie humaine et les êtres humains ont su utiliser
l’arbre ou certains de ses constituants pour symboliser un sentiment ou une qualité humaine.

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Se esse contínuo arrancarem-se os baobás não for obedeci-


do rigorosamente, no sempre do existir, não se chega à plenitu-
de do ser, entendido como homem humano; não na acepção de
Guimarães Rosa; mas segundo o pensamento de que só é verda-
deiramente humano quem procedeu à sua conquista.

VI

Se o simbolismo do baobá aponta para os ciclos da vida,


entendidos como etapas da viagem do ente em direção ao ser, o
pôr do sol, consoante o imaginário impresso à narrativa, liga-se à
relatividade das coisas. Para o narrador, ao início, seria necessário
aguardar o entardecer, para ver o sol se pôr; no entanto, o Príncipe
o vira quarenta e três vezes, em um mesmo dia, posto que seu pla-
neta o permitisse. Nesse momento, as dimensões do planeta, ao
funcionar como máscara de um discurso que é, ao mesmo tempo,
destinado a crianças e jovens, a jovens e adultos, preparam o ho-
mem, como pertencente à humanidade, naquele sentido paideico
de formação para compreender as diversidades do existir, mate-
rializadas pelos matizes por que o sol e as cores que a luz produz,
e as trevas dissipam, como lemos nesse trecho:

Não vemos nas cores branca e preta senão a brancura e não


percebemos a luz enquanto tal. Mas quando o sol se põe e
a escuridão cai, percebemos a diferença entre dois estados.
Então sabemos que os corpos foram iluminados por uma luz
e tinha uma característica que desapareceu ao pôr-do-sol.
Aprendemos da luz por sua ausência.8
Nous ne voyons dans la couleur noir et dans le blanc que la blancheur et nous ne percevons pas la
8

lumière en tant que telle. Mais lorsque le soleil se couche et que tombe l’obscurité, nous rendons
compte de la différence entre deux états. Nous savons alors que les corps étaient éclairés par
une lumière et qu’ils avaient une caractéristique qui a disparu au coucher du soleil. Nous avons
appris l’existence de la lumière par son absence.

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A lição do Príncipe é exatamente essa. Por isso, nao respon-


de à pergunta do narrador, a fim de que ele perceba, por si mesmo,
o caráter relativo das coisas.
Talvez pelo alto simbolismo do sol e da luz, nesse momento
o narrador muda o tom do discurso e passa, em tom narrativo, a
conversar com o Príncipe, como se, agora, dada a compreensão
que passara a ter de sua existência, tivesse operado a descober-
ta do outro, e ele começasse a ser parte de seu ser. Exatamente,
nesse capítulo, o sexto, número do poder, o menino, simbolizado
pelo principezinho, e o adulto, na pessoa do narrador, procede-se
à fusão dos dois seres. Por isso, em vez de o Príncipe, na voz do
narrador, ser ele, passa a ser tu, um pronome que, sobretudo, em
francês, é matéria de intimidade. Eles são um, e um é eles, nesse
momento singular de ser conhecimento um do outro, por serem
inteiramente luz:

Assim eu comecei a compreender, pouco a pouco, meu pe-


queno principezinho, a tua vidinha melancólica. Muito tem-
po não tiveste outra distração que a doçura do pôr de sol.
Aprendi esse novo detalhe quando me disseste, na manhã do
quarto dia:
– Gosto muito de pôr de sol. Vamos ver um...9

Não sem motivo, ainda, esse conhecimento ocorre no


quarto dia, pois, sendo quatro o número da ambiguidade, é exata-
mente, em termos de imaginário, o claro-escuro da transparência
que possibilita esse sentimento singular do narrador e sua íntima
Ah ! petit prince, j’ai compris, peu à peu, ainsi, ta petite vie mélancolique. Tu n’avais eu long-
9

temps pour distraction que la douceur des couchers de soleil. J’ai appris ce détail nouveau, Le
quatrième jour au matin, quand tu m’as dit :
– J’aime bien les couchers de soleil. Allons voir un coucher de soleil…

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relação com o sentir e o pensar criança. Exatamente dentro do


âmbito da ambiguidade, colocam-se os sentimentos do Príncipe
com relação ao pôr do sol: a alegria e a tristeza, os dois lados do
ser homem, marcados pela luz e pela sombra, pelo exapansivo e
pelo melancólico. Os dois fazem parte da aprendizagem existen-
cial, do caminho a percorrer, a fim de fazer-se humano.

VII

Não sem razão, no sétimo capítulo conhecem-se as razões


de o narrador imprimir importância tanta ao avião. Não se prende
ela apenas à profissão de Exupéry, mas à sua duplicidade simbó-
lica, posto que se liga ao real, por isso preso ao chão, tendo de ser
desmontado, e à fantasia, à imaginação, a fim de interagir com o
Príncipe e o planeta imaginário de onde viera. É justamente por
isso que, nesse capítulo, opõem-se objetos tão conflitantes, quanto
à flor, símbolo de delicadeza e fragilidade, e o parafuso, metoní-
mia do avião, que transporta o indivíduo do real para o real; mas
sobretudo, do real para o sonho e do sonho para o real.
Nessa mesma concepção de imaginário e de máscara, em
nível de discurso, opõem-se flor e espinho, tão diferentes e tão
unidos, a fim de encerrar o real e o imaginado; mas também tão
assemelhadas, porque alimentos do carneiro e, portanto, inter-re-
lacionados como o são o real e o imaginário, embora um tenha
de se sobrepor ao outro. Sobrepor-se não significa destruir, tal
como flor e espinho que, em vez de se excluírem, complementam-
-se. Ora, na concepção paideica da narrativa, essa lição assume
importância ímpar, à proporção que ensina, através das imagens

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representadas pela flor, pelo espinho e pelo carneiro, que os con-


trários são imprescindíveis à formação do indivíduo para o existir
e, sobretudo, para o ser.
No discurso do distanciamento, em que o Príncipe volta a ser
ele, a realidade em que o narrador se encontra imerso tem de ser
dobrada pelo imaginário e, sobretudo, pelo que ele representa em
termos de aprendizagem. Por isso, o narrador se prende ao para-
fuso e não responde com a devida atenção à pergunta do Príncipe.
Observa-se, nesse ponto, que a distonia entre a resposta e a per-
gunta ou entre a pergunta e a resposta, implica distonia entre o ser
aprendiz da criança e o ser aprendiz do adulto. Assim, o diálogo,
que estabeleceria a empatia entre os dois, no momento em que dei-
xa de pautar pela atenção, pela resposta devida à interrogação, irrita
o Príncipe, mormente quando, para se justificar, o narrador diz que
só se ocupa com coisas sérias. Não sem razão, o Príncipe chamou-o
nos tentos e deu-lhe a grande lição da simplicidade, da singeleza, ao
dizer-lhe que um homem que não sente as flores e não olha as estre-
las, é um cogumelo. Sobretudo, o Príncipe ensina ao narrador que a
importância do existir e, mormente, do ser, encontra-se nas peque-
nas coisas e, não, naquilo que se considera demasiado importante:

– Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em


milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz
quando a contempla. Ele pensa: “Minha flor está lá, nalgum
lugar...” Mas se o carneiro come a flor, é para ele, bruscamen-
te, como se todas as estrelas se apagassem! E isto não tem
importância!

A inversão da pedagogia nesse trecho é tão violenta que a li-


ção se torna mais convincente, e o conhecimento, tocante, ao pon-
to de o narrador sentir-se desorientado, sem saber dizer ao certo

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o que realmente pudesse consolá-lo. As duas lições desse capítulo,


portanto, são distintas: uma se passa no interior do discurso, a
fim de mostrar a importância do diálogo, e a outra, decorrente da
primeira, no interior do ser, à medida que ele se dá conta de que É
tão misterioso,o país das lágrimas!

VIII

O texto literário, compõe-se de imagens e máscaras, compõe-


-se também de transparência e de invisibilidade. Assim, no nível
do imaginário, a flor alegoriza as contradições típicas da condição
humana. A rosa, também flor, além de mostrar o lado da vaidade,
inerente ao homem, materializa, em imagem, agora na dimensão da
paideia, as fases por que se tem que passar até se conformar naquela
nossa concepção de que o humano não é inerente ao homem, mas
uma conquista que implica diversos ritos e rituais, como os que a
rosa enfrenta para ser realmente rosa e, não, cravo.
Além disso, na esfera da metalinguagem, a rosa representa
as fases a que se submete o discurso literário até ele atingir a di-
mensão do belo, mesmo que ele, em decorrência de seu caráter
claro-escuro, também disponha de espinhos. Os espinhos do tex-
to, na invisibilidade da transparência, camuflam-se nas imagens
e nas máscaras, a fim de que o ser narrador possa se vingar dos
erros típicos da humanidade. No caso específico dessa narrativa, a
vingança contra os adultos pelo fato de eles, em consequência da
insensibilidade, sufocarem o imaginário inerente à criança, que
sabe, quase que instintivamente, fingir o real. O espinho da rosa,
nessas circunstâncias, constitui-se a imagem perfeita desse fingi-
mento, capaz de enfrentar até os tigres.

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IX

Se o planeta, na dimensão do simbólico, é a imagem do ho-


mem em sua evolução do ente ao ser, ou da permanência do ente
em estado de objeto, no momento em que o Príncipe abandona o
seu minúsculo planeta e parte em busca de instrução, ele enseja o
possível encontro com o humano. Mais que isso, a sua atitude com
relação aos vulcões, três, sendo um extinto, coloca-o em uma si-
tuação inusitada, porquanto, a imagem dos vulcões bem-cuidados
representa a busca do centro, da verticalização, só obtida median-
te o conhecimento de si mesmo.
O cuidado com a flor, antes de despedir-se, mostra a neces-
sidade de abandonar a passividade que lhe é inerente, e tornar-se
um ser ativo, disposto a instruir-se e, sobretudo, um ser em dis-
ponibilidade para a conquista do humano. Exatamente por isso
que a flor o recomenda: Trata de ser feliz, porque, para se instruir
é necessário enfrentar as adversidades. Por isso, a flor se lhe apre-
senta corajosa, porquanto ela é a imagem do invisível, da dimen-
são metafísica de que, às vezes, tem-se de orgulhar.

A intenção de instruir, naquele sentido grego de paideia, da


verdadeira pedagogia – uma vez que só ensina quem realmente sabe
– revela-se claramente no Capitulo X10, justamente para mostrar que
o ato de instruir-se é primordial na existência, porquanto, segun-
do a simbologia dos números, o dez, primeiro número da unidade
Il se trouvait dans la région des astéroïdes 325, 326, 327, 328, 329 et 330. Il commença donc par
10

les visiter pour y chercher une occupation et pour s’instruire.

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complexa, reduz-se a um. Além disso, o narrador coloca proposi-


talmente no número dez, que é um, a relação do Príncipe com a
autoridade, por vezes, esdrúxula do rei; mas sempre razoável, uma
vez que reconhece que não pode dar ordens impossíveis de serem
cumpridas. Mas, mesmo assim, não deixa o narrador de registrar
algumas incoerências típicas da autoridade, porquanto nomeia
o Príncipe ministro da justiça, sem, no entanto, ter a quem julgar,
transformando a possível condenação do rato em jogo, apenas para
demonstrar-se autoridade. Em decorrência, a narrativa também se
converte em jogo de imaginário, de imagens e de máscaras invisíveis
e transparentes, uma vez que a existência da justiça não implica, ne-
cessariamente, que se tenha de julgar e nem que existam culpados.

XI

Na acepção do narrador, instruir-se implica conhecer os


adultos, caracterizados por comportamentos estranhos, como o
do rei que sentia prazer em dar ordens e, agora, o do vaidoso.
O vaidoso, segundo o narrador, revela aquela concepção filosó-
fica existencialista do ser-para-o-outro, à medida que o vaidoso,
em vez de enxergar-se no outro, como deveria ser, se os homens
fossem realmente voltados para o humano, enxerga a si mesmo,
como o expõe nessa frase lapidar:

O segundo planeta, um vaidoso o habitava.


– Ah! Ah! Um admirador vem visitar-me! Exclamou de lon-
ge o vaidoso, mal vira o Príncipe.
Porque, para os vaidosos, os outros homens são sempre
admiradores.

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A contraposição entre o mundo do adulto, na dimensão


do imaginário, a despeito do caráter vingativo e da bizarrice, e o
mundo da criança, de que o Príncipe é a imagem perfeita, opera-
-se mediante o confronto entre o real, que deve ser desprezado,
quando se quer ascender à esfera do humano, e o da máscara, do
jogo de espelhos, em que a criança se instrui e o discurso se erige
em linguagem.
Pensando na linguagem e, consequentemente, em sua di-
mensão simbólica, o chapéu do vaidoso resume semântica sin-
gular, à medida que ele constitui, no caso, uma prerrogativa não
apenas do vaidoso, mas, sobretudo, do homem que se coloca aci-
ma dos demais homens. Essa prerrogativa pode ser positiva ou
negativa. Se o chapéu constitui símbolo de poder, no momento
em que o vaidoso não tem a quem agradecer, ele se reveste de
forte ironia, uma vez que o poder imaginado é inteiramente falso
e, em vez de posicioná-lo em uma escala superior do indivíduo,
rebaixo-o ao ridículo.
A ironia se adensa, quando verificamos que o chapéu se
liga também ao simbolismo de luminescência, como se quem
o usa, fosse iluminado. Ora, no momento em que o vaidoso se
julga superior, sem o ser, em vez de ser luz, é trevas. Do mesmo
modo, no instante mesmo em que o chapéu materializa o pensa-
mento, a sabedoria, e o vaidoso o usa apenas para um agradeci-
mento falso, porque expressão e matéria da vaidade, mais que a
ironia, instala-se, na narrativa, a sátira. Assim entendida, a lição
se torna evidente, à medida que revela à criança em formação,
princípios por que se deve pautar e princípios que devem ser
excluídos da existência.

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Revista da Academia Goiana de Letras

XII

O mais interessante, na paideia exuperyana, é que o Prín-


cipe, imagem da criança, aprende os erros dos adultos, para, in-
diretamente, aprender o correto. É um jogo singular de apren-
dizagem, de instrução, centrado em uma pedagogia às avessas.
Assim, o planeta habitado pelo bêbedo, em vez mostrar o verda-
deiro sentido do beber, o festivo, o inter-relacionamento entre as
pessoas, a amizade, materializa um lado cruel da humanidade:
a solidão. Com ela, outra faceta, também cruel, que é a incomu-
nicabilidade e a contradição inerente ao homem, verificada ao
executar uma ação simplesmente por executar, gerando o sem-
-sentido do existir.
O sem-sentido, na filosofia existencialista de Camus, deve,
na concepção paideica de Exupéry, fazer parte da aprendizagem,
pois, quando tudo perde o sentido, nada tem importância. Na pe-
dagogia do avesso, a criança necessita exatamente de um sentido
existencial, pois ele é que move o aprendiz a instruir-se e, sobretu-
do, a empreender viagem ao mundo desconhecido existente den-
tro dele mesmo. A imagem do bêbedo, sob esse aspecto, é lapidar,
porque torna visível o invisível, a fim de que ele se torne transpa-
rente aos olhos da criança.

XIII

O encontro do Príncipe com o homem de negócios nos


leva a outra faceta do imaginário: a diferença entre o tangível e o
intangível. No imaginário do homem de negócios, a despeito de

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as estrelas serem intangíveis, elas são enumeráveis, e, como lhe


interessam apenas os números, elas constituem a sua atividade
primordial e servem, como imagem, para mostrar o quanto os ho-
mens sérios se preocupam com bagatelas, ao ponto de ignorarem
a existência dos outros. O intangível, no entanto, não se atém ape-
nas às estrelas, mas também ao homem, à medida que ele, voltado
exclusivamente para si mesmo, vê no outro um incômodo, e o ne-
gócio, uma obsessão capaz de convertê-lo em alguém que apenas
enxerga números, sem mesmo se dar conta de sua necessidade.
O engraçado é que, nesse caso, opera-se um fenômeno singu-
lar, no nível do ficcional, à medida que temos duas imagens, duas
representações, para alegorizar o real, uma vez que também o Prín-
cipe é máscara, adrede criada para tornar tangível todo o processo
paideico da aprendizagem. Só que ele é um real que é irreal, ou um
elemento tangível que é intangível; mas, contraditoriamente con-
creto em seu processo de instrução, de conhecimento, porquanto,
mais uma vez, conclui que As pessoas grandes são mesmo extraordi-
nárias. Só que se trata de um extraordinário que é ordinário, porque
instaurador do sem-sentido da humanidade, se o homem não se
voltar realmente para o humano, para o sublime, entendido como
superlativo de essência, em seu mais profundo sentido metafísico,
ou seja, na mais completa superação do estado de coisa, próprio de
quem enxerga apenas a matéria, representada pelos números.

XIV

Por sua vez, o acendedor de lampião, a despeito de ape-


gado ao regulamento, difere realmente dos habitantes dos outros
planetas pelo fato de não se fechar sobre si mesmo, mas sobre algo

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externo ao próprio ser. Mesmo assim, revela a incapacidade de


questionar o regulamento e a falta de criatividade, para fugir à
mesmice de acender e apagar o lampião. Por outro lado, seu po-
sicionamento, sobretudo no que tange à extensão de seu planeta,
leva-nos a verificar os porquês de eles serem tão minúsculos, se
comparados à imensidão da terra e, sobretudo, à singularidade do
asteroide 612. Os planetas representam, no nível do imaginário,
o tamanho de cada homem, metonímia, na verdade, daquilo que
não se deve aprender. Por isso, o narrador, ao frisar a palavra ins-
truir, instruire, o faz sob a égide da ironia, porquanto o Príncipe
se instrui às avessas: aprende o errado para viver o correto.

XV

A ironia chega a ser cruel à visita ao sexto planeta, uma


vez que o geógrafo, a despeito de acreditar-se tão importante, ape-
nas se atém a informações de exploradores e a provas nada con-
vincentes do que narram. O uso de uma pedra para comprovar a
existência de uma montanha é simplesmente hilariante, propulsor
daquele riso inerente à desolação perante o insólito do absurdo.
Além disso, mostra que o verdadeiro conhecimento não pode ser
superficial – leitura às avessas.

XVI

Por que será que a imagem da terra se prende apenas à figu-


ra do acendedor de lampião, a um regulamento natural e, não, ao
rígido e, sob certo sentido, risível regulamento do planeta em que

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havia um pôr de sol a cada minuto? Sem dúvida, para mostrar que
o único regulamento realmente obedecido pelos homens, seria
aquele imposto pela ordem natural, que não permite intervenção
do homem.


XVII

Essa ironia se torna evidente, quando se passa para o ca-


pítulo seguinte e se verifica que os terráqueos, à semelhança do
homem de negócios, só veem números e, portanto, preocupam-se
com coisas efêmeras. Não como a flor, crida efêmera pelo geógra-
fo, mas porque se voltam apenas para a matéria, sem se preocupar
com a dimensão metafísica da existência. A lição da serpente de
que o Príncipe se encontraria tão só em meio aos homens, quanto
no deserto, é a prova maior de que eles pensam apenas em coisas
sem importância. O princípio existencialista da serpente, em sua
duplicidade, bem e mal ao mesmo tempo, bem o demonstra, so-
bretudo porque ela se julga e, sob certo sentido, é mais poderosa
que os homens.

XVIII

Um diálogo minúsculo ocorre no Capítulo XVIII; mas den-


so de simbolismo. Primeiro, o fato de a flor viver em um espaço
indefinido, à medida que o narrador diz que o Príncipe atravessou
o deserto; mas encontrou apenas uma flor que vira, uma única vez,
passar uma caravana e, em decorrência, poderia nada entender de

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homens. Entretanto, ao dizer que Eles não tem raízes. Eles não gos-
tam das raízes, coloca, no nível do imaginário, uma questão de ex-
trema profundidade, uma vez que não ter raízes é o mesmo que não
dispor de sustentação, de preocupação com o sentido profundo da
existência, é o mesmo que não ter formação, não ter conhecimento
de si mesmo. A técnica narrativa usada por Exupéry, nesse caso,
surpreende, pois utiliza um elemento tangível, colocado em situa-
ção intangível, porque inexistente, para materializar uma situação
altamente concreta, em nível metafísico. Se a raiz não existe, não
existe também a procura da razão, dos fundamentos por que se tem
de viver. Esse fundamento, além de ser adquirido pela formação e
pelas transformações por que se passa através da aquisição de co-
nhecimentos, adquire-se também através da determinação e, sobre-
tudo, da valorização da dimensão imaterial do ser.
Se verificarmos o texto original, Ils manquent de racines, ça
les gêne beaucoup, verificamos que a imagem de que se desprende o
imaginário é ainda mais forte, porquanto ça lês gêne beaucoup tra-
duz-se por é muito difícil, é um desconforto. Ora, isso mostra que a
dificuldade em ter-se raízes, assemelha-se com aquele viver é muito
perigoso, de Guimarães Rosa, em que o homem está sempre pro-
curando explicações fora de si mesmo para as suas dificuldades,
quando elas estão dentro dele mesmo. Fazer-se humano, deixar-
-se enraizar, deixar de ser apenas homem, é muito difícil, porque
o que André Malraux chama de ato, ou seja, consciência, adquirida
mediante o conhecimento de si mesmo. Mas, para conhecer-se a si
mesmo, é imprescindível conhecer o mundo e tudo que ele contém.
A tradução literal do vocábulo gêne, desconforto, desa-
lento, revela aquela mensagem subliminar existente nessa narra-
tiva, desde o início, porque o desconforto aponta, não para um

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incômodo, mas para o desapontamento da flor, expresso também


em desalento, uma vez que não possui raízes, ser levado pelo ven-
to, não constitui apenas uma diferença fundamental em relação
à flor; mas o sem-sentido de existir. Ora, o sem-sentido é uma
das preocupações fundamentais do existencialismo de nítida in-
fluência de Albert Camus, só que transposta para o imaginário
paideico mediante a fala explícita e singela de uma flor de apenas
três pétalas, uma florzinha à toa, une fleur de rien du tout, uma
flor inteiramente nada.
Nessa altura de nossa análise, somos obrigados a verificar
a profunda relação existente entre o imaginário e a linguagem por
que ele se materializa no discurso artístico. Desde o início, veri-
fica-se que o Príncipe não deixa nenhuma pergunta sem respos-
ta. Esse processo afirma e reafirma a necessidade do diálogo. Por
quê? Simplesmente porque, além de ele ser necessário ao estabele-
cimento da interação entre homem e homem, é, conforme já dis-
sera Heidegger, a manifestação do próprio ser. O que verificamos
nesse pequeno diálogo, senão que os homens não dialogam e, por
isso, não sabem valorizar as pequenas coisas do existir, como não
souberam ver aquela flor, aparentemente insignificante ao passa-
rem. O Príncipe viu-a, cumprimentou-a e recebeu a grande lição
de que é difícil um homem que tenha raiz, um homem que seja
realmente humano, porque suas raízes estão dentro de si mesmo,
na própria essência. Se não a tiver, não terá raízes.
O diálogo não é apenas a lição de aprendizagem do si
mesmo, mas também a lição de aprendizagem do mundo. Em
decorrência, ele tem de ser incentivado na escola, mormente nas
redações, porque ensina o ser em formação a revelar-se e a inter-
rogar-se no mundo e, também, na aquisição de conhecimentos.

131
Revista da Academia Goiana de Letras

XIX

Outro aspecto singular dessa narrativa reside no fato de ins-


truir através da amostragem do negativo, daquilo de que os ho-
mens são desprovidos, constituindo uma espécie de udepedago-
gia. Importa, portanto partir do nada, da negação, para chegar à
plesmonepedagogia, a pedagogia da plenitude. Assim entendida,
a ausência de imaginação sabiamente colocada no Capítulo XIX é
lapidar, uma vez que ela se materializa através do eco, da repetição,
um som que se perde, como ocorre, não apenas na pedagogia, mas
na maioria dos trabalhos acadêmicos, atualmente. Só se ouvem
ecos, disse fulano; falou beltrano; afirmou ciclano, e o articulista
mesmo não disse nada. Seria a antequeopedagogia, a pedagogia
do eco. Ademais, mostra os homens como pedras pontudas. Ora,
o estado de pedra é demasiado significativo, à medida que ele, no
imaginário simbólico, revela aquela impossível cura da humani-
dade de que fala Heidegger no Ser e o tempo11. É exatamente por
isso que o humano é muito difícil, porque sofre de uma doença
crônica: a fantasiopatia, imaginação atrofiada. Até o tamanho do
capítulo configura esse atrofiamento, uma vez que não há diálogo
algum entre o Príncipe e esse homem imaginário petriforme.

XX

Sintomaticamente, como o narrador colocou a clara inten-


ção de instruir no décimo capítulo, do mesmo modo, a descoberta
da falsidade se faz no vigésimo, de forma ainda mais proposital,
Considerando que O mito de Sísifo, de Albert Camus, é de 1942; O ser e o tempo, de Heidegger
11

é de 1922, e O Pequeno Príncipe de 1943, a influência do pensamento filosófico existencialista


se torna clara e evidente nessa narrativa de Exupéry. Isso, sem falarmos da presença do absurdo
de Kafka e de possíveis correlações com o absurdo de Samuel Beckett.

132
Revista da Academia Goiana de Letras

uma vez que, no nível da ironia, o mistério que o Príncipe julga-


va só seu, pertence a milhares de outras rosas. Se os simbolismos
inerentes ao X, enigma, segredo, escondido, impressos à sua con-
formação hieroglífica, ao ser revelado, causa ao ser da persona-
gem tamanha decepção que a leva ao desejo do morrer. Por sua
vez, tamanha falsidade conduz a outra aprendizagem, a de que
tudo é relativo, uma vez que, na imensidade da terra, encontrar
um jardim só de rosas, seria normal e aceitável; mas na mínima
dimensão de seu planeta, ela era realmente única. A mentira, en-
tretanto, coloca-se na afirmação peremptória de que ela era única
em todo o universo. Outra lição ainda pode ser depreendida, se
considerarmos que, na verdade, a rosa do asteroide B 612 não es-
tava mentindo, uma vez que ela não conhecia outras rosas e, em
decorrência, não tinha referencial para se julgar. A humilhação
do Príncipe, típica das crianças, reside na inexistência de critérios
para se estabelecer a verdade. A humilhação, sob certo sentido,
também não é humilhação, à medida que somente ele conhece a
falsa verdade de sua rosa.

XXI

Mas, o mais sintomático é que o Príncipe só irá compreen-


der que a rosa era realmente única, quando a raposa, vista na di-
mensão do imaginário, na dimensão simbólica de heroísmo, por-
tanto sincera, explica ao Príncipe o que significa cativar. Se uma
vez cativado transforma-se em único, a rosa, ao cativá-lo se torna
realmente única, diferente das milhares de outras rosas do jardim.
O mais intrigante é que, para materializar o lado astuto da raposa,

133
Revista da Academia Goiana de Letras

semelhante aos homens que ainda não conquistaram o lado hu-


mano da humanidade, ela só pensa em galinhas e conclui, ante
a afirmação do Príncipe de que em seu planeta não há galinhas,
que nada é perfeito. Momento ímpar da narrativa, à medida que o
leitor infante ou juvenil começa a perceber os limites das coisas e,
mormente, os limites da condição advinda do fato de se pertencer
à humanidade, pois, pelo simples fato de se ser homem, é-se im-
ponderavelmente limitado, e, para conhecer-se, tem-se de andar
dentro de si mesmo, dentro de seu pequeno planeta imaginário e,
sobretudo, metafísico, pois o encontrar-se é de repente!
Considerando que essa narrativa, ao contrário do que se
coloca em uma crítica psicanalítica, infelizmente adotada pela
maioria dos críticos de literatura infanto-juvenil, visa a instruir o
ser infante enquanto ser, em uma dimensão metafísica. Ora, nes-
se momento do discurso estético-filosófico, pautado pelos prin-
cípios existencialistas, o imaginário se conjuga realmente com o
metafísico, pois se dá a perfeita compreensão do que seja visível
e do que seja invisível na formação do indivíduo. A raposa deixa
claro que os homens preocupam-se apenas com as coisas visíveis,
materiais e, sobretudo, lucrativas. Todavia, o essencial, aquilo que
realmente importa na formação integral do ser, na sua viagem em
direção ao humano, não é o visível; mas, sim, o invisível, por que
O essencial é invisível para os olhos.
Mais. Na perspectiva do invisível, a raposa diz ao Príncipe
que só se vê bem com o coração. Esse é o segredo. Ora, o segre-
do é justamente aquilo que o homem traz de mais profundo, de
mais essencial, tanto que, na ótica do imaginário, o coração é o
órgão que sente as coisas invisíveis, mesmo que através de coi-
sas visíveis. Assim, o ato de cativar, a criação de laços situa-se na

134
Revista da Academia Goiana de Letras

dimensão do invisível e na esfera do segredo, que pode, ou não,


ser revelado. Evidentemente que ele se centra sobre um ser visível,
material, que se transforma em amizade, naquele sentido grego de
filos, filia, φιλία, de amor virtuoso desapaixonado, ou no sentido
de eros, ἔρως, amor romântico, platônico, não necessariamente
sexual. Na concepção da raposa, a criação de laços pode se referir,
também, ao amor entendido como ágape, ἀγάπη, que se define
por uma afeição mais ampla do que a atração sugerida pelo eros,
porquanto designa nos textos antigos sentimentos como afeição, a
de uma criança, por exemplo, e os sentimentos não carnais entre
os os cônjuges. Na percepção da raposa, pode ser interpretado,
também, como satisfação, proveniente de elevada estima.
A solicitação da raposa para que o Príncipe a cative coinci-
de com o pensamento existencialista da época, mormente o sar-
treano, à medida que o amante tem de respeitar a liberdade do
amado, mesmo que o veja como objeto de amor, uma vez que o
amor é uma conquista continuada, mas que exige reciprocidade.
Na concepção da raposa, porém, o respeito à liberdade do outro
permite que os dois amantes se posicionem como sujeitos e, não,
como objeto. É esse tipo de amor que eleva o homem ao huma-
no, ao sublime. Por isso, ele se insere na esfera do essencial, do
invisível, porquanto se coloca acima da matéria. Trata-se de um
amor transparente. É justamente esse tipo de amizade que implica
o criar laços, que a raposa afirma ser uma coisa muito esquecida,
porquanto criar laços obriga a que se abandone o egoísmo. É pela
existência do egoísmo que os homens não têm amigos.
Além disso, como a visão existencialista de Exupéry é es-
sencialmente Heideggereana, verificamos que criar laços consiste
exatamente na noção do ser-um-com-o-outro, no estar-junto-a,

135
Revista da Academia Goiana de Letras

porquanto o amor não constitui, na concepção existencialista,


um sentimento de posse; mas de complementariedade. Assim, no
momento em que a raposa diz que os homens não se cativam,
está dizendo que eles não estão junto-ao-outro, porém, voltada-
dos para si mesmos. É nesse sentido que o outro é milhares, como
desconfiara o Príncipe ao pensar que a rosa lhe houvesse mentido.
Se não se criarem laços, todos as pessoas se parecem e, sob certo
sentido, todos se caçam. A atualidade de O pequeno Príncipe,
sob essa ótica, hoje, é intrigante, posto que as pessoas veem as
coutras apenas como objetos de desejo e, não, com sujeitos que
podem complementar o seu ser na interdependência das subjeti-
vidades. Por isso, não tem tempo de ter amigos:

– A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a ra-


posa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa al-
guma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não
existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se
tu queres um amigo, cativa-me!

O sentido de os homens não tem mais amigos é intrigante,


porquanto o vocábulo mais transmite-nos a semântica de que hou-
vera um tempo em que os homens tiveram amigos e que a impossi-
bilidade de os ter iniciou-se a partir do momento em que deixaram
de ter tempo de conhecer bem as coisas que cativou. Verificando as
acepções gregas do vocábulo “amar”, constatamos que a frase Os ho-
mens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma implica não ter
tempo para o amar, em sua concepção metafísica, ou seja, o amar
simplesmente por ver no outro um seu semelhante e, notadamente,
aquele que complementa o que lhe falta em sua viagem de ente para
ser, de nada para tudo, de homem para humano.

136
Revista da Academia Goiana de Letras

A dificuldade de os homens terem amigos reside na inca-


pacidade de verem o invisível e, em decorrência, de terem res-
ponsabilidade: a responsabilidade de ser eternamente responsável
pelo que cativar. O ato de educar, de instruir, portanto, torna-se
imprescindível, a fim de instaurar a responsabilidade. Não se pode
ter amigo nem se pode amar sem responsabilidade. É a lição!

XXII

O imaginário, agora que o Príncipe encontra os homens,


joga com um simbolismo muito forte, em termos de iniciação da
criança, na imagem representada pelo Príncipe: a descoberta de
que os homens são espécie de robôs, à medida que não pensam,
que executam tarefas de forma autômata, maquinal, segundo a
visão do guarda-chaves. Sintomaticamente, a personagem é um
guarda-chaves, pois, primeiramente, ele funciona como alguém
que controla as vidas das pessoas; depois, dispõe de poder sobre o
trem, veículo que, no campo do imaginário, é imagem da viagem
essencial empreendida pelo homem. Todavia, no nível da essên-
cia, da conquista do humano, é necessário que essa viagem seja
feita de forma consciente, a fim de que ela implique uma transfor-
mação, uma transubstanciação. Não se pode dormir, uma vez que
o sono, nesse caso, não leva ao sonho, mas à inércia.
Significativamente, a chave simboliza justamente a capaci-
dade de abrir-se e de fechar-se, e todos estão fechados; mas sem
a capacidade de se abrirem, porque o controle dessa viagem, que
implica mergulho dentro de si mesmo, tem de ser feita pela própria
pessoa que empreende a travessia. Se não houver essa consciência

137
Revista da Academia Goiana de Letras

do estar-se-fazendo, do estar-se-caminhando, como ocorre com


os passageiros dos trens controlados pelo guarda-chaves, apenas
se caminha de um lado para outro, de forma externa, e, não, aque-
le caminho dentro do ser. Sob essa ótica, apenas as crianças ainda
se encontram nesse estado de vir-a-ser, que pode sufocar-se pela
chamada má educação, pela educação que não visa à transfor-
mação e à oferta de conhecimentos necessários à abertura e ao
consequente encontro consigo mesmo. A viagem ao humano, a
despeito de consciente, requer, de certa forma, que o caminhante
seja criança, porque elas sabem o que procuram. Essa é a chave!

XXIII

Nesse momento da narrativa, o narrador se utiliza do ima-


ginário para ironizar, ou talvez mais que isso, criticar o princí-
pio que passou a gerir a economia, após a criação do aforismo
Time is Money por Benjamin Franklin. No imaginário do ven-
dedor, compra-se a pílula que mata a sede para se ganhar tempo;
mas sem se saber o que fazer com ele, na realidade proposta por
Franklin, opera-se uma contradição, à medida que o tempo, em
termos filosóficos, diz respeito ao ato de existir e, em decorrên-
cia, de ser, porquanto o ato implica consciência e determinação
de se fazer, colocando-se na dimensão do invisível, da imagem,
ao passo que o dinheiro é apenas algo material que se coloca na
esfera do visível, da realização enquanto ente, no nível do ter e,
não, enquanto ser.
O Príncipe, sendo a imagem do invisível, da dimensão me-
tafísica do ser, está à procura de uma esfera ascensional. Por isso,

138
Revista da Academia Goiana de Letras

gastaria os cinquenta e três minutos para caminhar em direção


a uma fonte. Ora, no nível do imaginário, sem dúvida, essa fon-
te se reveste de importância ímpar e, em decorrência, de uma
simbologia que nos obriga a ver essa palavra e a linguagem em
que ela está inserida como a perfeita imagem do invisível, por-
quanto seria ela a fonte de conhecimento. Na esfera da criança,
representada pelo Príncipe, esse conhecimento seria, segundo
um dos propósitos do narrador, inerente ao discurso, a instru-
ção, a formação e, em determinado estágio, a transformação. Na
esfera do infante e do adulto, à medida que, em termos existen-
cialistas, eles se colocam na busca que se deve empreender para
conquistar o humano, a essência, a fonte seria o conhecimen-
to de si mesmo, a fonte da vida, entendida como ultrapassagem
do meramente objeto para o estágio de sujeito, de ser realmente
sendo, porque em direção à perfeição.

XXIV

O imaginário, à medida que a narrativa se desenrola, vai se


adensando. Assim, no capítulo XXIV, completa-se oito dias que o
narrador está no deserto e, em sua companhia, o pequeno Prín-
cipe. Ora, incrivelmente, o número do capítulo, formado por dois
X, imagem do mistério, e IV, número da ambiguidade, ocorre a
revelação do mistério e o Príncipe encerra: o segredo. Parece uma
contradição o mistério revelar através do segredo; mas conside-
rando o fato de que se ser criança é um mistério, a interação que
se estabelece entre o narrador e o Príncipe, quer por carregá-lo ao
colo, como se um fosse a extensão do outro; quer por acreditar na

139
Revista da Academia Goiana de Letras

rosa e na raposa, tudo se passa na órbita do invisível e, portanto,


da revelação de um segredo que é segredo, de um mistério que é
mistério: a existência.
Nesse capítulo, a oposição entre água e deserto se acirra, à
medida que o narrador ingere as últimas gotas de sua provisão.
Enquanto imaginário, o deserto é a imagem da esterilidade, da
aproximação entre sonho e realidade, à medida que, em decor-
rência da imensidão das areias, os limites se indeterminam. Além
disso, revela-se a imagem do que é seco, do que não possui inte-
rior, do que é desconhecido, enquanto a água, pela correlação com
o úmido e, sobretudo, com o barro, é a imagem do transparente,
do visível e do invisível, tal como a vida de que se sabem e não se
sabem os caminhos.
Como consequência do isolamento e do afastamento de
tudo inerente ao deserto, o narrador, durante esses oito dias, pas-
sa por uma espécie de provação que implicará a descoberta de
si mesmo, voltando, influenciado pela companhia do Príncipe, à
infância e, em decorrência, à descoberta de que o invisível, tam-
bém possível na imensidão das águas, é que importa. Se o deser-
to representa o lado exterior do homem, tanto que o narrador,
em decorrência da ausência de água, disse ao Príncipe que gos-
taria, naquele momento, de caminhar em direção a uma fonte, à
água, imagem do interior. Ocorre, no entanto, que a fonte de que
o Príncipe lhe falara não é a de que o narrador lhe fala, porquanto
uma é exterior, é real, e a outra é interior, invisível, transparente.
É exatamente por isso que o Príncipe não dá importância à pre-
ocupação do narrador em relação à morte, porque enquanto um
vê a matéria água de que necessita para matar a sede, o outro a vê
como rito de passagem de um processo a outro de descoberta do

140
Revista da Academia Goiana de Letras

humano. Por isso, o Príncipe o surpreende com a afirmação de


que  É bom ter tido um amigo, mesmo se a gente vai morrer. Eu
estou muito contente de ter tido a raposa por amiga..., porquanto
enxergam o mesmo problema com olhos diferentes: um com os
olhos do espírito, metafísicos, o outro, com os do corpo. Por isso,
o Príncipe recomenda-lhe: Procuremos um poço. Só que os dois
não estão falando a mesma língua e não padecem a necessidade
da mesma água, não partilham a mesma sede, pois, para o narra-
dor, o poço é apenas para matar a sede física e, para o Príncipe, é
a fonte da essência e, por isso, fonte de segredo de conhecimento
da própria verdade.
O advento da noite, simbolicamente o escuro, o sombrio, e
das estrelas, fonte de luz, marcará a verdadeira interação entre os
dois, porque, em decorrência da febre, o narrador se inserirá na
dimensão do sonho e, como consequência, dispor-se-á à melhor
decifração das imagens propostas pelo Príncipe. Não sem razão,
o Príncipe não lhe responderá se tem sede, mas dirá que A água
pode ser boa para o coração..., mostrando a dimensão simbólica
da sede, ainda não compreendida pelo narrador em sentido me-
tafísico, porque situada na esfera do invisível, daquilo que se pro-
cura sem se ver; mas que está dentro do espírito, da essência, do
humano. É por isso que As estrelas são belas por causa de uma flor
que não se vê...
A concordância entre os dois de que o deserto é belo, marca
o início da compreensão de que é no silêncio que se dialoga consi-
go mesmo e, sobretudo, que é no invisível que se encontra o visí-
vel, numa espécie de inversão da lógica. É por isso que ele esconde
um poço em algum lugar... Como a procura da essência é constan-
te, está-se sempre à busca desse poço invisível localizado no fundo

141
Revista da Academia Goiana de Letras

segredo de cada um: o coração, como órgão que enxerga o além e


que o faz ver no Príncipe a rosa e a lâmpada, o mistério e seu desve-
lar-se, porque ele se revela, escondendo. Por isso, é preciso cuidado
com a lâmpada, pois ela pode se apagar e ficar-se no escuro, per-
manecer-se no nível do ente, do estado de objeto. A descoberta do
poço, ao final da viagem, se dá nos dois níveis, nas duas dimensões:
a visível e a invisível, a real imaginária e a imaginária real.


XXV

A mesma imagem do trem como veículo da existência,


seguindo aquele princípio da repetição comum no processo de
aprendizagem, é novamente usada pelo Príncipe para mostrar
quão dispersos e quão indiferentes são os homens, ao ponto de
estarem em viagem sem saberem os porquês. A posição existen-
cialista está clara na afirmação de que isso não adianta, porquanto
a travessia, no sentido de mergulhar-se em si mesmo, tem de ser
ato e, portanto, ser consciente. Não sem razão, o imaginário do
poço não se assemelha à realidade dos poços naturais do deserto,
uma vez que se trata de uma fonte pessoal. A noção de consciên-
cia, do que Sartre coloca no romance intitulado Sursis, como dis-
ponibilidade, evidencia-se nos apetrechos encontrados no poço,
realmente pronto para ser utilizado, causando estranhamento ao
narrador, manifesto ao Príncipe: tudo está preparado: a roldana,
o balde e a corda. Incrivelmente, a roldana ainda simboliza algo
imperfeito, só revelado quando o personagem-narrador percebe
que tem de ser ele a movimentar a roldana e, não, o Príncipe, já
iniciado na arte do invisível.

142
Revista da Academia Goiana de Letras

Do mesmo modo, o balde, veículo que lhe trará a água à


tona, a fim de que ele se abebere e se adentre ao poço, tem de
ser suspendido da água por ele. A corda, como é simbólica nesse
contexto! Representa a ascensão, ou seja, a revelação da própria
essência. Por isso, a afirmação do Príncipe de que a roldana ge-
mia, porque é a imagem do despertar para uma nova dimensão da
existência: Estamos acordando o poço. É o momento da parusia,
naquele sentido de revelação da essência. Exatamente por isso, a
ação de erguer o balde é feita pelo narrador que vê, nesse mo-
mento, o sol brilhar no fundo do poço, no fundo de si mesmo.
Não sem motivo, a corda, na dimensão do imaginário-simbólico
se conjuga ao segredo, à magia, descoberta, agora, pelo narrador,
quando o Príncipe disse que queria beber daquela água:

E eu compreendi o que ele havia buscado!:


Levantei-lhe o balde até a boca. Ele bebeu, de olhos fechados.
Era doce como uma festa. Essa água era muito mais que um
alimento. Nascera da caminhada sob as estrelas, do canto da
roldana, do esforço do meu braço. Era boa para o coração,
como um presente. Quando eu era pequeno, todo o esplendor
do presente de Natal estava também na luz da árvore, na
música da missa de meia noite, na doçura dos risos...

O simbolismo de fechar os olhos, no momento em que sor-


via a água, mostra aquele olhar para dentro, a fim de enxergar o
invisível. Exatamente por isso, a imagem estabelece a correlação
da personagem-narrador com o Natal, uma vez que ela se insere
na dimensão do renascimento, pois, a partir daquele momento, o
Príncipe, que já vivia no imaginário, encontra a água visível-invi-
sível que procurava, e o narrador, a água invisível dentro da água

143
Revista da Academia Goiana de Letras

visível. Mas, o Príncipe, ainda descontente com os homens vazios,


que não veem o invisível, reitera o simbolismo da flor e da água,
como a dizer que muitos poucos são capazes de enxergar no cla-
ro-escuro da transparência o segredo da verdade de ser. As crian-
ças entendem-na e enxergam-na sem necessidade de palavras. Por
isso, apenas ficam vermelhas quando escondem um segredo que
se revela sem revelação.

XXVI

Por que retorna a serpente à narrativa e ao imaginário do
Príncipe? Por que será ela o móbil de transformação do Príncipe
em estrela? Se o homem se situa, na evolução das espécies, no final
do processo genético, a serpente, animal frio e sem patas, situa-se
no início. Por isso, na dimensão do imaginário representa o in-
ferior, aquilo que é obscuro, o misterioso. A relação dela com o
Príncipe nessa altura da narrativa, enquanto componente simbó-
lico, constitui imagem de um ciclo, o fim de uma linha que é real
e abstrata, visível e invisível. Assim, o Príncipe, tendo cumprido o
seu ciclo de aprendizagem, de instrução, atravessa-se, transmuda-
-se e se converte em estrela.
Na lógica e ilógica do imaginário, se o Príncipe caiu de uma
estrela na terra, ele tem de voltar para ela, uma vez encontradas as
explicações de que necessitava e uma vez transformado em ser vi-
sível-invísivel, que tem de passar para outro estágio de existência,
como o são as serpentes, imagens do que aparece e desaparece,
do que morre e renasce. Não sem razão, o Príncipe pergunta à
serpente se ela não se lembra do lugar em que se encontraram;

144
Revista da Academia Goiana de Letras

mas ela responde que o dia era aquele, mas não o lugar, porque,
como o Príncipe mudou, o espaço também mudou. Por isso, basta
ver o sinal dos passos na areia; eles são a prova de que o Príncipe
veio e permanecerá na dimensão do invisível, sobretudo porque
a areia é o símbolo da mobilidade e, portanto, das transforma-
ções. A serpente não reconhece mais o lugar, porque os passos
desapareceram do mesmo modo como os próximos também de-
saparecerão. Essa imagem, em termos existenciais, mostra que o
ser se transforma, mas não desaparece, pois está sempre deixando
rastros, mesmo que no nível do enigma.
Mas, por que o veneno? Simplesmente porque ele é a terapia
do ser e, portanto, a imagem da doença, que é o homem permane-
cer em estado de ente, de objeto, e de cura, que é a superação desse
estado de coisa que culmina com o homem na verdadeira dimen-
são do humano. Assim entendido, sem o veneno a existência de
homem permaneceria no estado de existir. Ele é a terapêutica para
o homem passar do existir para o ser, do vazio do ente, para a ple-
nitude do humano.
As diferenças entre o Príncipe e o narrador sob certo senti-
do se desfizeram, pois, enquanto o primeiro retorna para sua es-
trela, simbolicamente, mediante uma espécie de simbiose, pois foi
cativado pela flor; o outro retorna para sua casa, através do sonho,
impresso à imagem do avião. Agora, um se lembrará sempre do
outro, graças a amizade que os une. Não sem motivo, o narrador
sente o coração do Príncipe bater junto ao seu, como um pássaro
atingido por uma carabina. Essa união ocorre exatamente através
do coração, que vê o invisível, e do pássaro, que empreende voos
que ligam céu e terra e, nomeadamente, os dois seres que, ago-
ra, vivem, na plenitude do imaginário, a plenitude do humano. É

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Revista da Academia Goiana de Letras

exatamente pela sintonia que se estabeleceu entre eles que o Prín-


cipe enxerga, de longe, o conserto do avião. Na verdade, o avião
é o elemento simbólico de união entre o aviador personagem e
o viator Príncipe que, agora, o impele a voar sem asas. Mesmo
assim, o aviador permanece ainda no nível da existência e da es-
sência, e o Príncipe passa para o nível do ser sendo em totalidade.
Por isso, o narrador vê esse momento como extraordinário, como
prodigioso: o segredo de que o Príncipe era detentor: a capacida-
de de ver e sentir o invisível. O narrador viveu a experiência do
prodígio, ao sentir que o Príncipe se lhe ia deslizando como coisa
além dos olhos.
O prodígio do imaginário transforma a morte em uma es-
pécie de brincadeira, à medida que o Príncipe diz que apenas
parecerá morto, levando o narrador a entrar no jogo e empre-
gar imagens demasiado significativas para manter a dor no nível
do riso, quando diz que o corpo do amigo será uma velha casca
abandonada, e Uma casca de árvore não é triste... O emprego
da árvore, considerada sobretudo em uma visão simbólica, re-
presenta sempre renovação, como ocorre no processo existen-
cial e no processo educativo. Nessa dimensão do imaginário, o
consolo que o Príncipe tenta proporcionar ao narrador reflete
bem a fantasia infantil, ao dizer que não pode carregar aquele
corpo até as estrelas. Em compensação, a personagem-narradora
o verá em milhões de estrelas depois de assistir a sua passagem
para a esfera da imaginação:

Houve apenas um clarão amarelo perto de sua perna. Per-


maneceu, por um instante, imóvel. Não gritou. Tombou de-
vagarzinho como uma árvore tomba. Nem fez sequer baru-
lho, por causa da areia.

146
Revista da Academia Goiana de Letras

A imagem da serpente como morte, colocada de forma sutil


pelo narrador, transforma o veneno em vida, sobretudo porque
ele tombou sobre a areia, imagem do eterno retorno e, sobretudo,
imagem das transformações que se operam no ser durante a exis-
tência, decorrente da consciência de viagem, de transitoriedade.
Com relação à criança, simboliza as transformações por que se
passa ao longo do processo de instrução, de aquisição de conheci-
mentos. Não sem razão, ocorreu-lhe um clarão amarelo perto da
perna. Ora, se a perna pode ser considerada a imagem do corpo
inteiro, o clarão atinge, simbolicamente, toda a parte visível do
Príncipe; mas, sobretudo, o invisível. Por isso, ocorreu-lhe o pro-
cesso de transfiguração, de conversão em estrela, como o narrador
o mostrará no último capítulo.

XVII

O narrador, sutilmente, deixa a morte do Príncipe, no ní-


vel do imaginário, como se ele tivesse sido picado pela serpente,
animal extremamente simbólico, que nos possibilita, inclusive,
perceber o veneno, não com a imagem do mal, causa da verdadei-
ra morte, mas como luminescência, como transfiguração e como
consequente passagem para um outro estágio que ocorre rara-
mente com personagens reais, constantes da cultura judaico-cris-
tã, como Elias e Jesus, e, na ficção, como o pai, do conto A terceira
margem do rio, de Guimarães Rosa, ou como Govinda, no ro-
mance Sidarta, de Hermann Hesse. O jogo entre real e imaginário
perpetrado pelo narrador, a fim de revelar a verdade cruel da mor-
te que possibilita ao Príncipe retornar ao seu planeta e, sobretudo,

147
Revista da Academia Goiana de Letras

converter-se em estrela, é magistral, porquanto a transfiguração e


a ressurreição, além de frequentes nas narrativas infantis e, até em
adultas, como no caso do Macunaíma, possibilita-lhe mostrar os
efeitos do conhecimento sobre o homem. Efeitos tão profundos
que lhe permitem transformar-se em ser, simbolizado pela trans-
figuração, ou permanecer como ente, como se viu nas figuras do
rei, do homem de negócios, do acendedor de lampião etc.
O jogo continua na preocupação do narrador em relação
ao desejo, de forma proposital, pois, se o Príncipe obteve o co-
nhecimento de que necessitava para ultrapassar os seus limites,
não necessitaria mais de proteger o carneiro, pois ele jamais co-
meria a flor, uma vez que eles também deixaram de ser dese-
nho e se cristalizaram no imaginário do Príncipe, mediante a
invisibilidade daquilo que realmente importa ao ser enquanto
ser. Jogada de mestre do narrador, portanto, a fim de reforçar
a necessidade da luz na formação do indivíduo, porquanto ela
é a razão e o fundamento da transfiguração e, em decorrência,
da possibilidade de o narrador ver o Príncipe em milhões de
estrelas. Isso, para ele, é a felicidade, ou seja, a capacidade de ver
o invisível no visível, o escuro no transparente e, notadamente,
de passar da condição de ente para o estado de ser, de quem re-
almente conquistou o humano.
Aquele princípio paideico de que a aprendizagem é coi-
sa de vida inteira, em consonância com princípio existencialista
de que a conquista do humano é sempre, se conjugam também
nesse epílogo, pois o aviador, aquele que viaja entre os pontos di-
versos do ser, deixa claro que qualquer distração implica o des-
moronamento do que se levou muito tempo para conquistar. O
resultado são as lágrimas, que podem ser o retorno definitivo do

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Revista da Academia Goiana de Letras

ser à condição de ente, ou apenas o rito de passagem para uma


nova conquista.
Outra mensagem paideica desprendida do imaginário uti-
lizado pelo narrador, a última da narrativa, prende-se ao despren-
dimento, à percepção de que a instrução e as transformações que
dela advém podem provir de coisas simples, desde que nascidas
de dentro do ser. Portanto, desde que tenham sido verdadeira-
mente humanizadas, pois assim as pessoas grandes, talvez, pos-
sam compreender porque isso tem tanta importância!
Por isso, interajam com o narrador, atendam ao seu desejo:

Esta é, para mim, a mais bela paisagem do mundo, e tam-
bém a mais triste. É a mesma da página precedente. Mas
desenhei-a de novo para mostrá-la bem. Foi aqui que o Prín-
cipezinho apareceu na terra, e desapareceu depois.
Olhem atentamente esta paisagem para que estejam certos
de reconhecê-la, se viajarem um dia na África, através do
deserto. E se acontecer passarem por ali, eu lhes suplico que
não tenham pressa e que esperem um pouco bem debaixo da
estrela! Se então um menino vem ao encontro de vocês, se ele
ri, se tem cabelos de ouro, se não responde quando interro-
gam, adivinharão quem é. Então, por favor, não me deixem
tão triste: Escrevam-me depressa que ele voltou...

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Revista da Academia Goiana de Letras

BIBLIOGRAFIA

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Revista da Academia Goiana de Letras

Sob o Carvalho de Fartos Ramos,


O silêncio imortal de Hugo

Lêda Selma de Alencar

Velha Goiás,
do abraço velado
das casas siamesas,
espremida na solidão
dos becos e dos silêncios,
a confinar saudades e solidões.

Velha Goiás,
debruçada sobre a poeira
de lembranças e sonhos,
a romper o tempo,
no ir e vir do vento,
no escalar da História.

Ainda ressoam murmúrios


das dores de Plangências;
ainda fincados na memória,
rastos das Tropas e boiadas.
Sob o Carvalho de fartos Ramos,
o silêncio imortal de Hugo.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Hugo de Carvalho Ramos


Travessia para a eternidade

Parte I – vida

Outono de 1895, 21 de maio, a lua crescente, como crescen-


tes, a emoção e a expectativa de ilustre família de Goyaz, a capital
do Estado, anuncia um instante de celebração: a vida em desabro-
lho. Sob a vigília austera e, ao mesmo tempo, romântica, do Largo
do Chafariz, a antiga Vila Boa de Goyaz emprenha-se de euforia.
Vindo à luz, cheio de luz, um menino franzino, característica que
o acompanha durante seu crescimento.
Passados seis dias, o jornal Goyaz aclama, com entusiasmo
e orgulho, a chegada do novo rebento do poeta Manuel Lopes de
Carvalho Ramos e de dona Mariana Loiola Ramos. Uma curiosi-
dade: o nome noticiado, Juvenal. Juvenal...?! Pois é, Juvenal! E en-
tão? Hugo ou Juvenal? Uma das versões para Hugo, a mais difun-
dida, propala que, devido à grande admiração do pai do menino
por Victor Hugo, e no intuito de homenagear o escritor francês,
já que seu filho mais velho recebeu o nome de Víctor, resolve re-
nomear o recém-nascido: Hugo. Acompanhado pelo Juvenal. E
por um dos seus sobrenomes, Ramos. Pronto: Hugo Juvenal Ra-
mos. Lavrado no Registro nº 279, página 120 do Livro de Regis-
tro de Nascimentos 1-A, do Cartório da Paz de Registro Civil e
Tabelionato de Notas da então capital do Estado. Pois é, e cadê o
Carvalho?! Aleatoriamente, Hugo adotou o outro sobrenome do
pai, Carvalho. Dispensou o Juvenal. E notabilizou-se como Hugo
de Carvalho Ramos. Outro ponto interessante: Hugo chega ao
mundo no período em que seu pai aguarda a impressão, realizada
no Porto (Portugal), de suas obras poéticas, Os Gênios e Goianya

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Revista da Academia Goiana de Letras

(essa, de natureza épica e, possivelmente, inspiradora do nome da


futura capital de Goiás).
Aos seis anos, o menino Hugo dá a largada rumo às pri-
meiras letras, numa escola particular. Peralta, desentende-se com
a professora, ‘Mestra Silvina’, e, já dando mostras de possuir um
gênio difícil, o que não lhe permite vencer a zanga, não mais volta
às aulas da mestra, amparado pela aquiescência do sempre com-
placente pai; recebe, então, ensinamentos de outro professor. Aos
dez anos, aluno do respeitado Aires Feliciano de Mendonça, espe-
cialista na preparação de alunos para o ingresso ao Lyceu, Hugo
comparece regularmente às aulas, porém, logo de início, indis-
põe-se com a matemática, por considerá-la “ciência árida e detes-
tável”. Melhor, a literatura. Preparado para os exames de admissão,
no Lyceu de Goyaz, alcança a média 8,90, e inicia o secundário.
Tempos depois, frequenta o Gabinete Literário Goiano, com mais
afinco e assiduidade que às aulas, e lê autores do porte de Euclides
da Cunha, Olavo Bilac, Coelho Neto, Afonso Arinos, renomados
escritores franceses, dramas e poemas da Idade Média, romances
aventurescos e de cavalaria.
Nesse período, Hugo ainda não manifesta os sintomas da
neurastenia, e porta-se como um menino de sua idade: agitado,
brigão, e mais, estrategista na arte de “dar o troco” aos adversários,
de promover contendas, culminadas em chutes, socos, pontapés.
Registra tudo no caderninho de notas, com riqueza de detalhes, e
em seguida, de um jeito bem debochado, lê as anotações à família,
e todos se divertem a valer. Lá fora, todavia, ninguém acha gra-
ça das confusões que o encrenqueiro Hugo protagoniza e dirige.
Tanto, que uma determinação é firmada na escola: só depois que
os alunos se acomodarem na sala de aula, Hugo chegará; e sairá

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Revista da Academia Goiana de Letras

antes deles; assim, não se encontrará com seus aliados nem com
os rivais, evitando-se, desse modo, os confrontos e pancadarias.
Às aulas no Lyceu, Hugo continua com assiduidade baixa;
sua prioridade, a literatura, consome quase todo o seu tempo,
vontade e ânimo, revesados entre ler, escrever e meditar. Prefere
recostar-se no tronco de uma árvore, nas proximidades do Lyceu,
e, debaixo de sua acolhedora sombra, ler Flaubert e outros tantos
de sua predileção.
Os primeiros indícios da oscilação comportamental de
Hugo tornam-no arredio e acabrunhado. No entanto, as notas,
auferidas por ocasião dos exames no Lyceu, não indicam desca-
so ou atormentações. Até ganha do professor de português um
exemplar de D. Quixote, do espanhol Miguel de Cervantes Saa-
vedra, como reconhecimento às suas bonitas e criativas redações.
Encanta-se com o livro.
Nos períodos de folga, entre as aulas do Lyceu e as leitu-
ras, vagueia pela cidade enladeirada para admirar as aves em
alvoroço, as águas onduladas do rio Vermelho, e, bem do alto,
no outeiro da Ermida de Santa Bárbara, espia a beleza da vas-
tidão que se azula e se perde no longe. A natureza e suas paisa-
gens fascinam o jovem que, com elas, interage e as tranforma
em manancial de inspiração.
Hugo não suporta a rotina do Lyceu. Demonstra, em defi-
nitivo, desinteresse pelas aulas, e escolhe abandoná-las. Não passa
do 4º ano, embora seus vastos conhecimentos o distingam de seus
contemporâneos. As pessoas veem-no como um moço estranho,
de manias extravagantes, um tresloucado, porém, detentor de far-
ta cultura.
No fulgor da adolescência, escreve vários poemas, duas
novelas, o Diário de um estudante e Os novos mosqueteiros

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Revista da Academia Goiana de Letras

(comédia com recheios medievais), notadamente, inspirada em


D’Artagnan, personagem inquieto, e dado a peripécias, de Os
três mosqueteiros do francês, Alexandre Dumas, e a história, por
ironia, desenrola-se no Lyceu de Goyaz. Lamentavelmente, esses
seus primeiros escritos, como tantos outros, ele os destruiu.
Aos quinze anos, faz sua estreia no jornalismo, sob pseudô-
nimo de H. R., com o ensaio Lágrimas e Riso, e, como João Bi-
cudo, à mesma época, 1910, assina a seção Silhuetas, na Imprensa
de Goyaz, bastante motivado. E intensifica suas leituras e escritos.
A depressão já ronda Hugo. No afã de combatê-la, sempre
que se sente muito amargurado, carente de entretenimento, dese-
joso de respirar o frescor do ar puro, monta no cavalo e refugia-se,
por vários dias, na pequena propriedade rural, o Sítio Chapada,
de um tio, e deleita-se com pescarias e paisagens do campo. Seus
companheiros, apenas os filhos dos agregados, com os quais trava
boa conversa. Como vestígio dessa passagem, no tronco de um pé
de jenipapo, seu nome talhado a canivete.
Em concurso para a Secretaria de Finanças de Goyaz, em
1911, é o primeiro classificado, e admitido, por nomeação, como
praticante. Mas a doença do Dr. Manoel, que se encontra no Rio
de Janeiro para tratamento, tolda-lhe o entusiasmo. Em setem-
bro, pouco antes da primavera, chora a perda do pai, seu amigo
maior, sua referência, a quem acompanhou, várias vezes, em suas
viagens às comarcas próximas, no desempenho do ofício de juiz
da 1ª Vara da Capital. Dele, Hugo recebeu sempre especial afeto
e inesquecíveis afagos. Dr. Manoel preocupava-se demais com o
filho; mesmo em viagem, a trabalho, escrevia sempre à mulher
para saber notícias dele. Daí, a dificuldade de Hugo em elaborar
tão traumática partida.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Seis meses à frente, e ainda bastante desolado pela ausência


paterna, decide mudar-se para o Rio de Janeiro, a Capital Federal
e, também, capital da cultura em efervescência (já havia estado lá,
aos 4 anos, na companhia dos pais). Seu desejo, conhecer Coelho
Neto e os intelectuais que o rodeiam. Segue para o Rio na carona
da insegurança e do temor de ver-se distante de seu mundo pro-
vinciano e da rotina à qual está atrelado. Intimida-o a melancolia
que tal ruptura possa acarretar-lhe. Nostálgico, percebe que parte
de sua vida se consumirá nas lonjuras dos sonhos deixados em
sua cidade.
Em um de seus momentos de desembaraço, recém-chegado
ao Rio de Janeiro, dedica o conto À beira do pouso (publicado em
A Semana, de Goyaz, e A Noite, do Rio de Janeiro) a Mário de
Alencar, por quem nutre admiração e vontade de conhecer, o que
não acontece. Deveras estimulado, envia a João do Rio, da Gazeta
de Notícias/RJ, com dedicatória, o conto A bruxa dos Marinhos,
na expectativa de vê-lo publicado. Bem depois, em um domingo
de sol exuberante e calor intenso, a surpresa: com ilustrações, na
primeira página do jornal, o conto. Hugo exulta-se. No entanto,
convidado pelo renomado cronista, que se maravilha com seu tex-
to, a visitar o jornal e, assim, conhecerem-se, Hugo enfurna-se em
sua timidez, e não atende ao convite.
Hugo continua, por vontade própria, fechado em seu isola-
mento natural. Quase não sai de casa. A exceção, visitas à Quinta
da Boa Vista, na maioria das vezes, acompanhado pelo amigo Go-
mes Leite. Lá, sente-se à vontade, desprendido de seus tormentos,
capaz de desintoxicar a alma e libertá-la para voos livres. O con-
tato com aquela natureza estonteante, em suas diversas formas,
inebria-o a tal ponto que experimenta a sensação gostosa de estar

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Revista da Academia Goiana de Letras

em sua terra natal, cercado do carinho familiar (a terra e a família


vivem cravados em sua lembrança, tanto nos momentos de des-
contração, quanto nos de tormentas). Então, tocado pelo vento
brincalhão e pela paisagem de rara delicadeza, uma saudade su-
ave, diferente da que sempre o acompanha e machuca, enche-lhe
o coração e deixa-o menos encasulado. Em uma daquelas visitas,
extasiado com a beleza da Ilha dos Amores, é fotografado ao lado
de algumas jovens, e enfeita o verso da foto com seu soneto País
de amor. Instante bizarro na vida do moço goiano, constantemen-
te acuado pela introversão, e confinado nos porões da amargura.
Em seus escritos, a Vida protagoniza um carrasco implacá-
vel, e a Morte, uma redentora, a benfeitora que aniquila angústias
e perplexidades. E, como se já decidisse seu destino, escreve: “O
suicídio é uma alegria”. E, como a lhe dar um conselho, comple-
ta: “Fujamos dessa miragem”.
A madrugada, não raro, assusta-se com os sentimentos, em
polvorosa, de Hugo que, sem tino, num ir e vir ao quarto, mos-
tra-se transtornado. Com o cigarro aceso a empurrar-lhe fumaça
garganta adentro, o que tem se tornado um exagero diário, parece
sempre iniciar um período sombrio. Nesses momentos conturba-
dos, escreve textos de profunda tristeza, de sentido desconectado
do real e confuso para qualquer entendimento.
Em certo dia, manhã de sol acabrunhado, Hugo, atônito,
junta alguns de seus textos, leva-os ao quintal da casa e dá-lhes
trágico fim: o fogo. Os gemidos fantasmagóricos de seus persona-
gens parecem evadir-se do negro que desenha a fumaça que sobe
aos céus feito súplica ou protesto. O fato exige providências: Hugo
é submetido a cuidados psiquiátricos e afasta-se do dia a dia que o
esmaga como se a um sonho frágil e quase murcho.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Ligeiro, caminha 1915. De volta à rotina, após quatro me-


ses de tratamento, com alguns quilos a mais e uma alegria des-
conhecida a iluminar-lhe o semblante, Hugo ameaça deixar de
lado a literatura, e projeta-se, num ideário inconsistente: dedi-
car-se às coisas mais objetivas e mais práticas. Fundamentado
nesse pensamento, retoma os estudos ao matricular-se no Curso
de Ciências Jurídicas e Sociais. Porém, não se livra do desejo
visceral de escrever.
Com a saúde recuperada e o emocional estável, chega à
faculdade com uma bagagem cultural notável, cujo carro-chefe,
a literatura, em suas diversas nacionalidades, quer antiga, quer
moderna; entretanto, mantém viva sua descrença: “Já tenho lido
tanto que não encontro mais uma obra capaz de emocionar-
-me”. E, no mesmo tom, acrescenta às anotações no caderno
de cabeceira: “Literatura! tudo charlatanismo. Lê-de Homero,
queimar os mais” (sic). Nesse estado de desânimo literário, lê
e escreve pouco. Seus companheiros inseparáveis, o cigarro, a
amargura e a solidão.
O jeito arredio e introspectivo de Hugo, o temperamento
regido por angústias, inquietações e conflitos, a intolerância à
balbúrdia acadêmica e social, impedem-no de estabelecer mui-
tos vínculos com a intelectualidade, e impingem-lhe uma imagem
distorcida aos olhos dos colegas e conhecidos, que o veem como
um rapaz orgulhoso, cheio de si, que se posta acima de todos.
Mantém-se quase recluso, à margem dos eventos culturais e so-
ciais. Poucos, os amigos. O mais especial, Gomes Leite, contes-
ta, lamenta e empenha-se em desfazer essa distorção, pois, para
ele, Hugo não passa de um rapaz simples, “despido de vaidades”,
que causa “a ilusão” de ser tímido, “no convívio superficial com

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Revista da Academia Goiana de Letras

aqueles que não o conhecem de perto”. É possível que, para os


poucos amigos, a timidez lhes soasse comedimento.
Como a vida de Hugo é pautada pelas alternâncias compor-
tamentais, a decisão de abandonar a literatura, não demora nada,
escancara sua inconsistência, até porque ele tem a literatura entra-
nhada no espírito, no coração, na criatividade, portanto, não lhe
vira as costas, não desiste de tê-la por perto (coisas de DNA: seu
avô paterno, Antônio Lopes de Carvalho Sobrinho, também era
poeta e publicou o livreto Horas vagas). Continua tecendo seus
poemas e sua prosa.
1916 parece vaticinar bons momentos para Hugo, que já
está no 2º ano do curso jurídico, e continua de bem com a litera-
tura. No entanto, aos poucos, o desinteresse pelo curso já se faz
notar nas continuadas faltas às aulas. Sua prioridade, mais do que
nunca, recai sobre a literatura.
Com o entusiasmo que suas crises existenciais e psicológicas
lhe permitem, principia, com muito acuro, a seleção dos contos
que comporão Tropas e Boiadas. No fim de dezembro de 1916,
entrega ao editor os originais, com a dedicatória, cujo carinho fi-
lial recende afeto: À memória de meu Pai/ À minha Terra Natal.
Fevereiro de 1917 chega, suado de mar, e estampa nas pá-
ginas do Jornal do Commercio e de A Notícia a boa nova: breve,
a literatura será enriquecida pela obra de um escritor jovem, do
interior do Brasil, mais precisamente, de Goiás: Hugo de Carvalho
Ramos. E, quando fevereiro prepara-se para debandar, imantado
pelo calor dourado do Rio de Janeiro, surge a mencionada obra
literária com cheiro, cor e gosto de chão goiano, têmpera cabocla
e sangue sertanejo: Tropas e boiadas. Os principais críticos do
Brasil saúdam o talentoso estilo do jovem goiano.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Hugo está feliz. E não perde tempo: distribui os exempla-


res às livrarias e acerta a divulgação do livro na imprensa. Porém,
logo, opta por continuar em seu mundo fechado, dominado pela
timidez, e, sequer, concorda em aparecer para os que anseiam
cumprimentá-lo.
1918 descamba para o fim. Já é dezembro, início de verão,
período de férias. Hugo permite-se respirar outros ares nas mon-
tanhas mineiras de Itanhandu, ótimo tonificante para o corpo e
para a alma. Por aquelas bandas, ele e a manhã acordam juntos,
refestelam-se com o esplendor renovado que promete dourar o dia,
e Hugo sai em busca da beleza e frescor das flores. À tardinha, re-
verencia o espetáculo do sol alaranjando-se no infinito a caminho
do ocaso. Seu descanso, na região serrana de Minas, consiste em
misturá-lo à paisagem: cavalgar, fazer caminhadas tranquilas e, no
percurso, bater papo com os campeiros. Nesse exercício de inte-
ração com a natureza, recorda-se do Sítio Chapada e de seu nicho
natal, com saudade. No caderno inseparável, um diário inicia-se, a
lápis, e Hugo relata seus instantes de paz, de sossego, de encontro
com as beldades naturais. E assim o encerra, em 10 de dezembro:
“Há sete anos, desde minha viagem de Goiás, em que atravessara
o Anicuns transbordando, passando na ‘pelota’ carga e depois os
animais a nado, que não cortava as águas duma linfa clara. Pus
aqui em prática os princípios natatórios à moda do índio de mi-
nha terra – um banho matinal no caudaloso Rio Verde, de águas
mui frígidas [...]. Se não enterrar desta vez a neurastenia de cida-
de num nôvo de caneleira que avisto daqui sôbre o verde daquele
outeiro, então, é perder de vez a esperança...”.
A volta forçada ao Rio de Janeiro, em 13 de abril de 1919,
para o exame de 2ª época em Prática do Processo Civil e Comercial,

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Revista da Academia Goiana de Letras

interrompe suas férias, o que o desaponta e entristece. Com o hu-


mor alterado e por demais constrangido e desencantado, nega-se
a fazer o exame, e é reprovado. Em consequência, não cola grau
com a turma. Deprime-se.
Abatido, solitário, Hugo entrega-se, totalmente, à escrita, e
quase não lê. Idealiza a reedição de Tropas e boiadas e escolhe,
com o capricho habitual, os contos. Faz também alguns aponta-
mentos destinados, como diz, a uma “edição definitiva”.
Hugo fomenta o desejo de aprimorar sua literatura, man-
tendo-se fiel ao seu estilo marcante. E deixa expresso seu novo
ideal: escrever um livro que permaneça, que ultrapasse gerações,
que se perpetue no tempo. Inicia-se, pois, um período de excita-
ção literária, de busca, de perquirição de caminhos com o fim de
realizar seu desejo.
Convidado pelo irmão Víctor, Hugo deixa a rotina da re-
clusão, vai a Uberaba e, de lá, a Araxá, onde atua como agente
censitário, e percorre longos trajetos montado em animal. Ressen-
te-se da falta de livros e de notícias do Rio e de Goiás. O trabalho
cansativo, o frio, o fluxo de pessoas no hotel, que julga excessivo,
causam-lhe aversão e desconforto; tudo isso, possivelmente, abala
a saúde emocional de Hugo que volta a Uberaba. Víctor assusta-
-se com a magreza, palidez e abatimento do irmão, cuja insônia
debilita-o mais e mais. O melhor, julga Víctor, é o irmão retornar
ao Rio, para o aconchego familiar, pois ambos sabem que tais cui-
dados poderão minorar, pelo menos temporariamente, seus pro-
blemas de ordem nervosa; e é o que acontece. Antes, Hugo recusa
proposta de Monteiro Lobato para a reedição de seu livro.
Mesmo com a saúde abalada e a depressão a subjugá-lo, dá um
giro em São Paulo; logo, retorna ao Rio e, em seguida, segue para

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Revista da Academia Goiana de Letras

Rezende, onde sua irmã aproveita as delícias do verão. De lá, escreve


à mãe (7 de março de 1921): “Tenho passado insone estas últimas
noites e desde que Nenê se foi, ficando só e sem companheiro para
passeios, vou perdendo tôda a animação do comêço. Tenho tomado
estes últimos dias os remédios que trouxe comigo”. Também, ao ir-
mão, Víctor, escreve o último cartão, datado de 20 de março de 1921:
“Tenho por aqui feito várias caçadas e pescarias em canoa pelo Pa-
raíba. A terra de Gomes Leite é em tudo encantadora. À noite fito o
cume do Itatiaia, ao luar... Vou-me fortificando. Espero que me dês
notícias tuas.”. Hugo encerra o ciclo de correspondências com um
bilhete a Leônidas de Loiola, no qual há uma promessa de enviar-lhe
versos para a publicação em jornais de Curitiba e um comunicado
sobre o adiamento da reedição de Tropas e boiadas.
Por falar em correspondência, nas cartas à irmã Ermelinda,
por quem nutre especial afeto e confiança, pois sente-se um pouco
compreendido e amparado por ela, sempre preocupada com a in-
constância emocional do irmão, faz-se inteiro, revela-se sem esca-
ramuças ou rodeios, anistia a alma na busca de esvaziá-la e, assim,
aliviar um pouco seus tormentos; a um ou outro amigo, também
se expressa com menos reserva, às vezes, e até deixa à mostra suas
angústias e machucaduras interiores.
A solidão insiste em apavorar Hugo, talvez, por saber-se um
suicida em potencial, haja vista sua lucidez, não raro, comprome-
tida pelas constantes crises. O tempo de descontração finda-se. A
viagem é interrompida: sua instabilidade emocional e o estado de-
pressivo agravado levam-no à profunda melancolia e, então, volta
ao Rio e à vida atormentada.
Os delírios atordoam-no e preocupam sua família, sem-
pre dedicada, carinhosa, em permanente alerta, a velar-lhe,

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Revista da Academia Goiana de Letras

inclusive, o sono. Mas a crise intensifica-se. Hugo permite ao


ceticismo curvar-se à fé, apega-se, com obstinação, à leitura da
Bíblia, e o faz com muita contrição (no último encontro com o
fiel amigo Gomes Leite, que viajaria para o exterior, confiden-
cia-lhe: Passei a manhã a ler o Eclesiastes: aquilo vale para
mim tanto como a Ilíada e o Hamlet); desnorteado, repete, de
forma confusa, após muito refletir, os trechos lidos. Apieda-se
dos desafortunados e solidariza-se com os que sofrem. Atribui
inutilidade à sua vida. Acusa-se de não praticar o bem, embora
o devesse. Teme o ‘Juízo Final’ e prevê sua condenação. Ante-
vendo a repetição daqueles momentos terríveis de descontrole,
a família procura, novamente, ajuda médica para Hugo. A con-
tragosto, ele se submete aos calmantes. Uma certa serenidade
alivia-lhe o semblante tenso. Essa sensação de melhora anima
Hugo, que idealiza um passeio ao Araguaia, para terminar um
livro. A família festeja seu bom momento. Ninguém imagina
sua efemeridade...
Tornam-se ainda mais fortes as crises. A alma do escritor
parece esgarçar-se, envolta pela solidão. Uma tristeza assustado-
ra assenhoreia-se de Hugo, e funde-se à insônia, à inapetência, à
fumaça espessa do cigarro, aos pigarros incessantes. Desarvorado,
zanza, noites a fio, pelos cantos da casa. A aflição domina todos,
e o zelo por Hugo transforma-se em algo sagrado para a família,
pois é perceptível o poder de devastação de sua doença.
A inquietude, a obsessão mística, a afetividade conturbada,
os sentimentos em atrito, enfim, a neurastenia que fragiliza, a cada
instante, a saúde emocional de Hugo, persegue-o como fantasma,
apresa-o em pesadelos e atormenta-o diuturnamente. Seus delí-
rios aglutinam realidade e imaginário, enquanto o humor oscila

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Revista da Academia Goiana de Letras

em altos e baixos, e a emoção fica estilhaçada. Viver parece-lhe


demais pesado, e carregar a vida, insuportável.
Pelos becos escuros de sua vida, a caminhada de Hugo,
cada dia mais trôpega e sem tramontana, vaticina um desfi-
ladeiro ameaçador e a iminência de fatal queda. Seu estado
mental e sua condição física pioram. As alucinações tornam-se
renitentes e agigantam miasmas e perigos. Desnorteado, sub-
merge no marasmo, entrega-se, em definitivo, ao desespero, e
perde-se nas bifurcações desastrosas das incertezas que o sufo-
cam e devastam-lhe a lucidez.
Madrugada em vigília. Hugo, dominado pela insônia, ata-
rantado, abre a janela da sala de jantar, acende o cigarro e deixa o
olhar perder-se nas profundezas da escuridão. Como se movido a
pânico, retorna ao quarto. Porém, a angústia tira-o da cama outra
vez. Mais um cigarro. Mais um olhar vazio para o nada escancara-
do na janela. Outro cigarro. E o caos de sua existência, tumultua-
da pela constante angústia e desenfreado desassossego, prepara-se
para abocanhá-lo. Antes, escreve: “Ai! os vivos, Senhor, os vivos!”.
Eram suas derradeiras palavras.
Cúmplice da dor invisível que atordoa os últimos momen-
tos de Hugo, a madrugada se vai. E, mal a manhã de 12 de maio de
1921 encharca de claridade o dia, a tragédia escreve a última pá-
gina da vida de Hugo: na rua Ibituruna, na Tijuca, Rio de Janeiro
(há versões nas quais figura a rua General Canabarro), em pleno
outono, como naquele maio festivo de 1895, Hugo de Carvalho
Ramos, no vigor da juventude, após agravamento de sua depres-
são, rende-se ao cansaço, à angústia do existir, à carga de sua de-
bilidade humana carcomida pela neurastenia. Impulsionado pela
incurável tristeza, faz a travessia para a eternidade: enforca seus

164
Revista da Academia Goiana de Letras

vinte e seis anos com uma corda da rede que sempre lhe acolheu o
sono, sonhos, pesadelos e insônias, incontáveis vezes. Pendurado
na escápula, o corpo de Hugo, vazio de vida e com humores de
morte, sinaliza o fim da trajetória de um homem que fez da litera-
tura seu lenitivo, e da vida, seu calvário.
Mas a tragédia alastra-se por outro momento funesto, em
cujos escombros soterra-se a alma de uma mãe. A de Hugo. Foi
dela a visão macabra de seu filho enforcado e à mercê da inércia.
Momento impiedoso que lhe amputa a esperança e transforma seu
coração em eterna noite. A dor, em forma de assombro, devasta-a.
Aquela dolorosa cena estreita o limite entre dor e desespero. Dor
que, de tão escomunal, torna-se inumana e grunhe feito bicho.
Em meio a tamanha desolação, quando tudo assume medo-
nhos e penosos contornos, a voz tênue e cansada de Hugo, mis-
teriosamente, parece balbuciar versos de seu soneto Saudade Po-
ética, testemunho inconteste de sua ânsia indomável de livrar-se
da vida:

Há de um dia ter fim o meu tormento,


há de um dia acabar o meu martírio,
quando for do meu peito o último alento,
quando tiver na mão aceso um círio.

De desespero em desespero, de vazio em vazio, mesmo sa-


bendo-se abençoado por um talento que lhe abriu promissoras
perspectivas de um futuro de glória literária, Hugo não conseguiu
fugir de seu universo de sombras. Não se viu com forças para re-
agir aos impactos das sucessivas crises. E, no cimo do desvario,
impotente para acreditar na cura de seu sofrimento, ou de banir

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Revista da Academia Goiana de Letras

para longe seu ímpeto de autodestruição, indultou a alma ator-


mentada, e deixou, pelas tortas trilhas por onde suas angústias e
dúvidas vagaram, as pegadas de seus personagens.
Um jovem cultor de severos princípios, de certa religiosida-
de explícita, escritor respeitado, mas vencido pela tristeza exacer-
bada, pela alma em carne viva, pelo abisso que parecia absorvê-lo
dia a dia. As asperezas de seus conflitantes momentos desfizeram
os caminhos do futuro, e tudo se perdeu no negrume do assom-
bro, imobilizando-o na desistência. Nem percebeu que a obra que
tanto queria escrever para ficar impressa para sempre no acervo
da posteridade, já havia escrito: Tropas e boiadas.
Talvez, por isso, naquela tarde em que o sol carrancou-se es-
maecido, os jornais noticiaram, friamente, sem alarde, “o suicídio
do bacharel”, “do Dr. Carvalho Ramos” e não, do escritor-poeta
Hugo de Carvalho Ramos. Sabiam que o gênio do regionalismo
não havia morrido. Nem morreria, pois, ainda em vida, sua obra
imortalizou-o. E, para todo o sempre, os cascos, o choro, a poeira
e os rangidos de sua Tropas e boiadas ressonarão mundo afora.

Nota: Este texto é parte de um estudo sobre a vida e obra de Hugo de Carvalho
Ramos, que integra o livro Memórias de nossa gente, organizado pelo acadêmi-
co Hélio Moreira, em comemoração aos 20 anos do Sicoob Unicred. Impres-
são: Gráfica Talento, 2012. As fontes da pesquisa estão contidas nele.

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Revista da Academia Goiana de Letras

A “Trama da luz” de Alcione Guimarães

Licínio Leal Barbosa

Encontrei, num dia desses, entre as estantes dos meus qua-


renta mil livros de Direito, Sociologia, Antropologia e Literatura,
a obra Trama da Luz, de Alcione Guimarães, prêmio ‘Bolsa de
Publicações Hugo de Carvalho Ramos’, Editora Kelps, 151 p. Com
gentil dedicatória para mim e minha esposa Abadia.
A obra traz, no antefácio, elogiosas manifestações de Darcy
França Denófrio, grande crítica literária que, assim, se manifesta
sobre a escritora e sua obra:

Desde que o lírico migrou de suas telas para os poemas,


Alcione Guimarães não deixa de surpreender seus leitores.
Artista plástica de rara sensibilidade e competência
no ofício, vem revelando, em sua poesia, igual talento.
Temas tais como a metalinguagem, a questão existencial,
aliados, entre outros, a questionamentos de alta densidade
metafísica, são recorrentes em seus dois livros de poemas:
Zuarte e Trama da Luz. Neles, sua trama poética, urdida
na criteriosa seleção vocabular, ou na escolha de campos
semânticos que desencadeiam eficientes imagens, associa-
se (não raro e num consórcio feliz), a expressões próprias
da arte plástica. E o resultado é um texto de notável leveza
e esplendor lírico que conduz a uma dicção singular dentro
de nossa literatura.

Por sua vez, o grande Fernando Sabino, assim depõe:

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Revista da Academia Goiana de Letras

Alcione Guimarães, íntima da grande pintura e da poesia,


merece todo o sucesso, pois Zuarte é um livro admirável,
do maior interesse e encantamento.

O notável publicista Fernando Py assim se manifesta sobre


a artista e sua obra lírico-plástica:

Em Zuarte: Poemas e quadros, poemas exibem um


domínio técnico e verbal inesperado. A poesia de Alcione
Guimarães cria um espaço misto de verbo e visão, onde
a poeta se movimenta com desenvoltura, e se faz mais
próxima da pintura, e vice-versa. E seu livro ‘Fuso de Prata’
mostra uma ficcionista de raro valor, cuja obra certamente
está entre as melhores da contística brasileira.

Já Josué Montello, o grande nome contemporâneo da ABL


– Academia Brasileira de Letras, dá este depoimento insuspeito:

Alcione Guimarães é uma poetisa admirável. Zuarte é um


grande e belo livro, digno regozijo dos aplausos que ele
merece.

Para Brasigóis Felício, gênio precoce, como certa feita es-


crevi, Alcione Guimarães, que já se destacara com a publicação de
seu livro de poemas Zuarte, vem revelar uma sensibilidade e um
talento marcantes, na arte de narrar, em Fuso de Prata “Domínio
de linguagem e confecção de atmosfera enigmática e poética”.
Bariani Ortencio traz o seguinte depoimento:

Em seu livro Fuso de Prata, a autora é impecável nas


narrativas, do começo ao fim. Construções de frases
enxutas, adjetivação que sublima, tornando a obra
altamente poética.

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Revista da Academia Goiana de Letras

João de Escotimburgo, da Academia Brasileira de Letras, faz


a sua crítica à maneira de uma louvação:

Seu livro me dá a medida de seu estro e de sua sensibilidade,


de seu lirismo e da escolha de seus temas. Um belo e louvável
livro que enriquece a bibliografia poética do Brasil.

Alcione é natural de Goiânia, formou-se em Direito pela


Universidade Católica de Goiás, hoje Pontifícia Universidade Ca-
tólica de Goiás. Tem obra premiada no ‘Centenário de Henrique-
ta Lisboa’, pela Academia Mineira de Letras, e titular do Troféu
Goyazes, da Academia Goiana de Letras. Seus poemas constam de
várias antologias nacionais.

Eis alguns poemas extraídos desse precioso livro:

“Olho. As turbinas engolem o céu / onde os arcanjos desar-


mam presságios.”

“Sobre asas de prata / a palavra aprisionada / na vertigem


do desequilíbrio / se procura imprecisa / na rota exata do círculo.”

“Alucinam-me – esses ruídos / que se misturam nos aero-


portos / vozes, avisos/
Setas e cifras / motores que assobiam e indicam / o retorno
à marcha, a última partida,
Seguindo rastros ou rotas diversas / onde a dúvida orbita.”

Junto à parede / depois de um café / ajeito-me à bagagem /


na fila de embarque / Pentax a tiracolo / e fones de iPod.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Ouço jazz./
No ar, sob um céu opala – / vista da luz filtrada / através do
vidro duplo /
O luzidio da folha de papel/ à procura de algum lugar no
mapa / oscila na inquietação do vento / encantada com as próprias
volutas.

O poema voa, deriva-se / em frêmito, enquanto cai/ como se


tivesse asas / vai e vem /
Se agita sobre o abismo / na vertigem, incerto/ leve se arre-
messa / aos quatro ventos /
Ao ponto de encontro / e talvez não volte mais.

Transportado num suspiro / errante, quem sabe


entrasse por uma porta / se não houvesse cadeado / ou por
uma janela aberta / arremessado das alturas.

Ao seu destino.

Ocultam-se em mim / versos indevassáveis /


Sons mais fundos / antigos / que não são meus.
Guardam um passado / intemporal / em que me disperso /
num hiato /
Onde busco uma lembrança rara.

Esse enigma é o fio que desenrolo / que, no desalinho / resvala /

Corta a palavra nas entranhas / e o silêncio acerta o alvo, em


cheio / fere /

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Revista da Academia Goiana de Letras

E o sangue esfacela / o poema / no mistério da espera.

Abismos de iluminações / desfiguradas pelo tempo / versos


vagos / entrelinhas / um lavrar de fogo sob cinzas / repousam na
gaveta / redoma / que o ar rarefeito protege.
E a crisálida se rompe.
O que mal se advinha / se assoma / pronto para o embate/
entrega os pontos à palavra
Que cheia de trama / num sortilégio / o desenlaça / e no
coração se entrega / desarmado.
Porque demoras, mais te anseio / E nem sei / que rosto é esse
além do meu.
Se me esquivo, mais te aproximas / Uma sombra em toda a
vida / outra sombra no espelho.

Sob a brisa persistente / curva-se a árvore outonal.


Os galhos se tocam / como dois seres imantados.
No entanto, rompe-se a lanugem / no invólucro /
E da casca dura / um delicado incontido /
Oscila e se desfaz em flocos/laivos de paina e plumas
(que apenas esboçam)

Sou essa.

E a outra, soberba e grave.

Na contramargem do rio / resvala, fatigante / a grosa de


uma túrgida cigarra
Que, insana, a pele encrespa / despedaça das asas a organza /

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Revista da Academia Goiana de Letras

O corpo estoura / estaca o canto / sob esse azul lavado / no


instante /
Em que a luz de agosto desaba / sobre a montanha /
E o silêncio se adensa / num traspasso /
Sem reparo.

Azul – vaga o losango / tom sobre tom no céu suspenso.


(Para Pedro Paulo, Bruno e Gustavo, meus netos)

É esse o momento.
Escuta.

O mar se rasga / em camadas brancas. / É o murmúrio das


palavras / o soluço de metáforas inauditas / de um mar torturado
/ de poesia.

Cruza o céu a aeronave / plenas vagas palavras / diagramas


e metáforas.
(Para Diva Goulart)

Uma nuvem baça / um sol de cristal / e o mais azul.

Se ergo os olhos, diviso a estrada branca, pó de prata, ser-


pente que no morro desliza escamas sob a sombra de vinho e ouro
fugaz.

De luzes e sombras, eleva-se o ginete. / A crina e sede im-


palpável
Vaga leve, bandeira ao vento / através da noite espessa.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Furtiva Lua sorrateira / Meia-lua espia transparente/ como


uma lágrima prestes.

Que lembrança é essa / que se esconde atrás dos prédios


Que a circundam?

Dois horizontes / sob um céu desconexo. / Dia de Lua / Noi-


te de Sol.
Na festa, – as sedas farfalham falsos fantasmas.
Repousa a esfera âmbar sobre nuvens noturnas.
Brilho tênue – angústia / que a paisagem disfarça na calma.
No piso cinza de granito, os olhos fitam e não veem / apenas
pressentem/
O ruído de portas / que se abrem e se fecham – pálpebras
pesadas – / imersas num ermo / onde se fala com pedras no âma-
go da escuridão.
Há nesse resto de tarde / um redemoinho de incertezas /um
abandono de pedras / e elegias assombradas / além desses muros
tristes nas ruas da cidade.
Alta noite – em claro / no jardim / o jasmim floresce
Esse éter que a vida deposita/ numa trajetória incerta.
Ele caminha na superfície
Do silêncio.
Há uma luz que envolve as sete pedras
E uma roda que me consome.

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Revista da Academia Goiana de Letras

A Duquesa de Goiás
D. Izabel Maria Alcântara Brazileira

Luiz Augusto Paranhos Sampaio

Dom Pedro I foi casado, em primeiras núpcias, com a ar-


quiduquesa da Áustria, Dona Carolina Josefa Leopoldina de Ha-
bsburgo Lorena, filha do Imperador da Áustria, Francisco I (1768
– 1835) e da Imperatriz Maria Teresa de Bourbon Sicília (1722
– 1807). A princesa Dona Leopoldina nasceu em Viena em 23 de
janeiro de 1797. Foi irmã de Maria Luísa, Imperatriz da França,
esposa de Napoleão I.
Casou-se com D. Pedro, quando esse ainda era príncipe
real, tendo chegado ao Rio de Janeiro aos 5 de novembro de
1817. O casamento realizou-se no Rio. O casal teve sete filhos, e
Dona Leopoldina faleceu no Rio de Janeiro em 11 de dezembro
de 1826.
D. Pedro I, de 1824 a 1829, manteve um romance extracon-
jugal com dona Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de
Santos. Esta senhora nasceu em São Paulo em 27 de dezembro de
1857, batizada em 7 de março de 1758. Foi casada em primeiras
núpcias com o mineiro Felício Pinto Coelho de Mendonça em 13
de janeiro de 1813. Recebeu o título de Viscondessa de Santos em
12 de outubro de 1825 e o de Marquesa, um ano após, 12 de outu-
bro de 1826. Separou-se do primeiro marido por sentença de 21
de maio de 1824, assinada pelo Cônego José Caetano Ferreira de
Aguiar, Vigário-Geral da Freguesia de Santa Rita, Provisor e Juiz
dos Casamentos do Rio de Janeiro.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Uniu-se a D. Pedro I, por meio de concubinato, em 30 de


agosto de 1822, mas permaneceu em São Paulo até meados de no-
vembro do sobredito ano. Em 1825, foi chamada para ser 1ª Dama
Camarista da Imperatriz, o que a colocou significativamente aci-
ma de todas as damas da Corte, logo abaixo da Camareira-mor, a
quem substituía em casos excepcionais.
Dona Domitila, amante de D. Pedro I, não era uma qual-
quer. Filha de João de Castro do Canto Melo que era gentil-ho-
mem da Casa Imperial e Comentador de Avis. Coronel da Cava-
laria e Adido do Estado Maior do Exército. Um cidadão português
e de origem fidalga. Foi agraciado com o título de Visconde de
Castro em 1826. Casado com dona Escolástica Bonifácia de Tole-
do Ribas, esta, tataraneta de Simão de Toledo Piza, pertencente a
uma família de estirpe paulista.
Assim, dona Domitila fazia jus ao título, porquanto perten-
cia à ilustre progênie paulista, pois era aparentada com grandes
famílias que compuseram a elite e faziam parte da historiografia
bandeirística de São Paulo como os Toledos Piza, Horta, Lana, Ta-
ques, Castanho, Oliveira Leite e outros. Segundo os historiadores,
as relações sexuais de D. Pedro com dona Domitila deram-se em
1824, precisamente em agosto, e a gravidez da dama ocorreu em
setembro do referido ano. Narram, também, que antes do nasci-
mento de dona Izabel Maria, resultante dessa união, havia nascido
um menino, que falecera no parto.
Dona Izabel Maria, filha de D. Pedro I com dona Domi-
tila, nasceu no Rio de Janeiro em 23 de maio de 1824, segundo
o registro de batismo, tendo esse sido realizado na igreja do
Engenho Velho com o nome de Izabel e filha de pais desco-
nhecidos, em 31 de maio de 1824. Mas, foi reconhecida filha

175
Revista da Academia Goiana de Letras

do Imperador em 20 de maio de 1826, com o nome de Izabel


Maria de Alcântara Brazileira.
Dizem que, à época, grande foi a resistência que se opôs a
esse registro o Vigário do Engenho Velho, Padre Manuel Joaquim
Rodrigues Dantas, pois que relutava em proceder a alteração no
registro original, no qual constava a nascitura como filha espúria.
Conta-se que o Imperador D. Pedro, ante à resistência do ci-
tado Vigário, mandou a ele um quadro representando Jesus Cristo
perdoando Maria Madalena. Mas, o padre continuava recalcitran-
te e não queria de jeito nenhum, alterar o registro.
Foi aí, então, que D. Pedro I, por meio de Decreto de 24 de
maio de 1826, fez a declaração de reconhecimento de dona Isabel,
como sendo sua filha.
Antes, porém, provocou o testemunho de três nobres
da Corte, que, por meio de documento (atestado) disseram o
seguinte:

O Visconde de Inhambupe do Conselho de Estado, Minis-


tro e Secretário dos Negócios Estrangeiros, o Barão de Lajes
do Conselho de Estado, Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios da Guerra, e José Feliciano Fernandes Pinheiro do
Conselho de Sua Majestade Imperial, Ministro e Secretário
de Estado dos Negócios do Império; Atestamos que a Senho-
ra Dona Izabel Maria de Alcântara Brazileira é filha de sua
Majestade, o Senhor Dom Pedro, Primeiro Imperador do
Brazil e seu defensor perpétuo, como o mesmo Augusto Se-
nhor nos comunicou assegurando-nos que a mandara criar
em Casa de João de Castro Canto e Melo e gentil-homem
de sua Imperial Câmara, onde atualmente se acha, tendo-a
mandado batizar na Freguesia de São Francisco Xavier do

176
Revista da Academia Goiana de Letras

Engenho, trazendo-lhe assento de pais incógnitos, por não


convir naquele momento esta declaração: o que atestamos
debaixo do juramento dos Santos Evangelhos; e para cons-
tar aonde competir possam a presente por um de nós feita
e por todos assinada. Rio de Janeiro, 20 de Maio de 1826,
Visconde de Inhambupe – Barão de Lajes – José Feliciano
Fernandes Pinheiro.

Segue-se o decreto de reconhecimento que D. Pedro assinou


em 24 de maio de 1826.
Esclareça-se, antes, que os nobres que assinaram o sobredito
atestado foram: o Visconde de Inhambupe e depois Marquês, An-
tônio Luiz Pereira da Cunha (Bahia: 6/04/1760 e Rio: 8/05/1837).
O Barão de Lajes, João Vieira de Carvalho (Portugal:
16/11/1781 e, Rio: 1/04/1847); e o Visconde de São Leopoldo, José
Feliciano Fernandes Pinheiro (São Paulo: 9/05/1774 e Porto Ale-
gre: 16/02/1847), todos três, amigos íntimos e de confiança de D.
Pedro I.

DECRETO – DE 24 DE MAIO DE 1826.


Concede o título de Duqueza de Goyaz a D. Izabel Maria de
Alcântara Brazileira. Havendo eu reconhecido por minha fi-
lha a Dona Izabel Maria de Alcantara Brazileira, e querendo
fazer-lhe honra, e mercê: Hei por bem conceder-lhe a graça do
título de Duqueza de Goyaz com o tratamento de Alteza.
José Feliciano Pinheiro, do Meu Conselho, Ministro e Se-
cretário de Estado dos Negócios do Império, o tenha assim
entendido, e o faça executar com os despachos necessários.
Palácio do Rio de Janeiro, 24 de Maio de 1826, 5º da Inde-
pendência do Império.

177
Revista da Academia Goiana de Letras

Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador.


José Feliciano Fernandes Pinheiro
Declaração de reconhecimento a que se refere o decreto
acima.
Declaro que houve uma filha de mulher nobre e limpa de
sangue, o qual ordenei que se chamasse D. Izabel Maria de
Alcântara Brazileira, e a mandei criar em casa de gentil ho-
mem da minha Imperial Câmara João de Castro Canto e
Mello. E para isto a todo o tempo conste, faço esta expressa
declaração, que será registrada nos livros da Secretaria de
Estado dos Negócios do Império, ficando o original em mão
do mesmo gentil homem da Imperial Câmara, para ser devi-
damente entregue a dita minha filha, como seu título.
Palácio do Rio de Janeiro, 24 de Maio de 1826, 5º da Inde-
pendência e do Imperio (Assignado) O Imperador.

A educação da Duquesa de Goiás foi esmerada. Aluna in-


terna do Colégio Sacré Coeur, em Paris, D. Pedro I, em 5 de maio
de 1830, ainda antes de sua abdicação, escreveu a ela o seguinte:

[...] trabalha por merecer alguma opinião, e não te fias na


tua hierarquia, pois a civilização tem feito ver aos monarcas,
e aos grandes, que não basta o nascimento, que é necessário
uma boa educação e saber [...].

A Duquesa, que jamais pôs os pés em Goiás, casou-se no


Palácio de Leuchtenberg, em Munique (Alemanha), no dia 17
de abril de 1843. Ela teve dois casais de filhos. As meninas, nas-
cidas em 1844 e 1846, receberam os nomes de Maria Amélia e
Augusta. Por ter sido subtraída muito cedo à sua mãe, Isabel Ma-
ria não se recordava mais dela. A Duquesa encontrou na família

178
Revista da Academia Goiana de Letras

Leuchtenberg, por intermédio de dona Amélia, segunda esposa


de D. Pedro I, o carinho materno de que necessitava. A família
Bragança também não a deixou de lado. A Duquesa mantinha
correspondência com D. Pedro II, dona Francisca e dona Januária.
D. Pedro e Isabel Maria chegaram a se reencontrar durante uma
viagem do Imperador à Europa, quando ele passou por Munique.
No que se refere ao inventário após a morte de D. Pedro, neces-
sário que se diga que ele deixou a terça parte de seus bens para a
Duquesa de Goiás, revalidando às vésperas de sua morte, em 17
de setembro de 1834, as disposições testamentárias realizadas em
Paris no ano de 1832:

Deixo a metade da dita terça à minha querida filha a se-


nhora Dona Isabel Maria de Alcântara Brasileira, Duque-
sa de Goiás: deixo a outra metade dividida em três par-
tes iguais sendo destas uma para Rodrigo Delfim Pereira,
outra para Pedro Alcântara Brasileiro [...]. Recomendo a
sua majestade imperial a senhora Dona Amélia Augusta
Eugênia de Leuchtenberg, Duquesa de Bragança, minha
querida e adorada esposa, que chame para ao pé de si mi-
nha querida filha Dona Isabel Maria de Alcântara Brasi-
leira, Duquesa de Goiás logo que ela tiver completado a sua
educação, e que durante ela lhe assista com a sua imperial
proteção e amparo, bem como a Rodrigo Delfim e a Pedro
de Alcântara Brasileiro e àquela menina que lhe falei e que
nasceu na cidade de São Paulo no Império do Brasil no dia
vinte e oito de fevereiro de mil oitocentos e trinta, e desejo
que esta menina seja chamada a Europa para receber igual
educação que se está dando à minha sobredita filha a Du-
quesa de Goiás [...].

179
Revista da Academia Goiana de Letras

Como se vê, a predileção pela primeira filha que teve com a


Marquesa dos Santos é bem nítida, pois a Duquesa de Goiás foi,
de todos os herdeiros, uma das mais favorecidas, mesmo porque
ficou com a metade da terça parte dos bens dos quais D. Pedro
poderia dispor como bem quisesse.
Em alusão à terça parte deixada por D. Pedro I para a Du-
quesa, vê-se, conforme dados levantados por seus biógrafos, que
tocaram a ela 35:231 $ 402 (na época, trinta e cinco contos, du-
zentos e trinta e um mil e quatrocentos e dois réis), enquanto aos
outros filhos legítimos, cada um herdou 28 contos e aqueles bas-
tardos, Rodrigo e Pedro (havidos fora dos casamentos) e o restan-
te para a “Senhora Dona Amélia” (segunda esposa), que deveria
“lhe dar aquela aplicação que verbalmente lhe fiz constar”. Desse
modo, é de se notar que D. Pedro I, apesar de sua curta existência,
conseguiu deixar altas somas de dinheiro para prover a todos os
filhos, legítimos e legitimados.
Como já frisei antes, a Duquesa de Goiás, recebeu uma
educação própria de pessoas da nobreza, uma vez que, após o
ensino primário, em janeiro de 1841, dona Amélia (segunda es-
posa de D. Pedro I) escreveu ao seu enteado D. Pedro II uma
carta dando a ele notícias da Duquesa – “todos estão muito
contentes com Isabel Maria no Instituto (referia-se ao Instituto
Real de Moças da cidade), em Munique, e, minha mãe escreveu
que ela cresce e se embeleza todos os dias”. Acrescente-se, final-
mente, que a Duquesa de Goiás, teve seu casamento (feito por
contrato à época) com Ernesto José João Fischler von Treuberg,
conde von Treuberg e barão von Holsen, em Munique, um rico
proprietário de terras e aparentado com a família real da Prús-
sia. Ele era 13 anos mais velhos que a noiva. As núpcias foram

180
Revista da Academia Goiana de Letras

realizadas no Palácio Leuchtenberg, em Munique, no dia 17 de


abril de 1843.
A Duquesa ficou viúva em maio de 1867, seis meses anterio-
res à perda de sua mãe (Dona Domitila). Isabel Maria faleceu em
Murnau, na Baviera, em 1898, justamente 31 anos após a morte de
sua genitora, a Marquesa de Santos.
Convém lembrar, por oportuno, e a título de complementa-
ção, que, ao todo, foram, obsequiados por D. Pedro I e D. Pedro II,
1.209 títulos de nobreza, entretanto, quando do golpe militar que
proclamou a República (1889) havia somente 387 titulares vivos.
Por incrível que possa parecer, Goiás, durante os 1º e 2º
Impérios, só teve um Barão e, depois, Conde de São João das
Duas Barras, o Marechal Joaquim Xavier Curado. Outras gran-
des personalidades goianas, que exerceram relevantes cargos du-
rante o Império, não foram agraciadas. Não se sabe o porquê.
Tem-se que fazer pesquisas nesse sentido. Não mereceram as
graças dos dois Imperadores ou não conseguiram comprar seus
títulos de nobreza.

181
Revista da Academia Goiana de Letras

Izabel Maria, Duquesa de Goiás D. Pedro I

Domitila de Castro Canto e Melo – Marechal Curado – Conde de São João das
Marquesa de Santos Duas Barras

182
Revista da Academia Goiana de Letras

Todas as fábulas: Sônia Maria Santos

Miguel Jorge

Faço tapete no deserto, (rezo)


entre areia e vento,
como quem se salva
na fração
do dia.

Quero a poesia:
a flor, a essência, (a inevitável)
a que cobre, vez ou outra,
a multidão dos meus pecados.

Este critério usado por Sônia Maria Santos é um critério de


oração, que nos chega de mansinho, sutil, eivado de uma essência
quase inocente, pura, mas é também um critério de economia de
palavras, de condensação de linguagem, de espiritualização poé-
tica moderna, fruto de quem vive seu trabalho e deixa o seu le-
gado nas lembranças mais simples “como se eu não tivesse outro
papel no mundo nessa manhã nessa cidade na rua qualquer quero
as palavras, mais sentidas do que pensadas”. E se quiseram outra
assertiva, digo que é uma poeta diante de si mesma em oração, a
eliminar as pontezinhas que a separam de suas referências, dos
elementos que entram na esfera poética de seus sentimentos. Tudo
são versos, e simples, de uma simplicidade encantadora, atingida
somente por aqueles que possuem o sentido mágico da criação e

183
Revista da Academia Goiana de Letras

permanecem em estado de permanente permuta com a natureza.


“Onda erguida de um mar só seu,” cujas imagens correm nas águas
da infância. Tudo é medula e sangue. As palavras testemunham
justamente o amálgama que é a força motora que conduz os atos
do poeta. Sônia Maria Santos parece testemunhar a existência do
mundo e do ser humano desde o seu princípio, até agora, um ne-
cessário conhecimento de si mesma, pois que o viver está muito
próximo do escrever.

Tudo é medula, sangue:


humana veste,
(e tudo é alma)
desde Adão e Eva e a serpente.

A poeta aceita e trabalha em única direção, mas aponta


os vários e variados caminhos, contidos neste livro, que cen-
tralizam a vida do ser humano: o instrumento sutil de uma
realidade aparente; um salto de ansiedade sobre coisas de pro-
funda reflexão; a audácia de percorrer veios de transposição
da angústia do homem; a condição de questionar situações de
humor, de misticismo, de ironia, que se apresentam como ex-
tensão referencial de toda a sua poesia. Os sentimentos sendo
objetos dos sentimentos. Os fundamentos do conhecer filosó-
fico de uma realidade cotidiana, por vezes hostil, de uma hosti-
lidade apreendida entre os dedos. Uma ligeira consciência per-
manente e contínua entre as linhas de fuga do coração. Assim,
a poeta assume o que vê e encontra no seu lidar do dia a dia, e
os aborda como substância ideal, sustentáculos para a articu-
lação de seus versos.

184
Revista da Academia Goiana de Letras

Mais do que meus olhos,


durarão os dias;
os livros,
as pétalas
entre páginas;
essa sala,
esse casulo

do qual me solto
aos poucos
no ar do mundo.

Apenas um fluxo, o tempo,


e o brilho de uma estrela.

O tempo, as estrelas, as coisas que anunciam a solidão, as ima-


gens que nutrem os fragmentos da realidade; a proximidade que se
verifica entre a mulher, dona de casa, cuidadora de tudo, e o ser
poético que cria, inventa, sofre as dores do mundo, numa dialética
mágica, como num acordo entre duas vidas, ou entre dois planos.
É a decifração do poeta, da visão de seus olhos, do encantamento
de ser-se homem e Deus, numa espécie de constante ludismo. Ou,
no dizer de Julio Cortázar, “A essência do escuro vento”. Ou, ainda,
para citar Jonh Keats: “Se um pardal vem à minha janela, participo
da existência dele e bico os grãozinhos de areia...”. Penso, então, que a
nossa poeta participa de tudo que a envolve emocionalmente, claro,
põe seus olhos em lugares comuns que as outras pessoas não conse-
guem enxergar, no procedimento, no domínio e magia do poema.
José Gorostiza afirmou certa feita que: “Em minha própria
casa como na alheia, acreditei sentir que a poesia, ao penetrar na

185
Revista da Academia Goiana de Letras

palavra, a decompõe, abre-a como um capuz a todos os matizes de


significação”. Além disso, Sônia Maria Santos acrescenta algumas
abordagens específicas para o fazer poético, de maneira ampla, sem
nenhum conflito, como se vivesse várias vidas. Assim são pontos
marcantes de sua trajetória literária, movendo-se na linha do tempo:
livros, sim, claro, de absoluto pressentir; o vaso chinês; a palpitação
dos pássaros; o rumor do silêncio; o remanso dos rios, a agitação do
mar que absorveu inúmeros segredos; e mais: todas as fábulas a ela
pertencem, assim como os rumores, os pássaros, o silêncio, as rezas,
as raízes, as iguarias, a toalha branca sobre a mesa, as adivinhações
da alma, o espelho embaçado da infância, os sonhos vindos do sol
ou da lua, o quarto, as portas, as janelas, a angústia de ser-se cente-
lha e cristal, a sensibilidade que busca a palavra exata no momento
exato para se conseguir uma boa poesia.

A ideia
que faço do mundo,
levo comigo
com o vestido que uso
assuntos que ouço
dias que rimo.

Ilusões, incertezas,
sobre a mesa pousam.
Nunca o mundo sonhado,
que canto como posso,
como um padre nosso.

Estou convencido de que quando a poesia a visita, e penso que


é a todo momento, Sônia Maria Santos constrói o seu barco e embar-
ca sozinha para esse encontro fortuito, dando de passagem os pontos

186
Revista da Academia Goiana de Letras

de intersecção dos mistérios que se somam às forças dos primeiros


versos desfraldados. Dizem que estes primeiros versos são sopros de
Deus e que os demais serão conseguidos com o suor do poeta.

Tudo se resume
e se dissolve
a todo momento:
o próprio corpo, e dentro
a dor que trago.
Indago, insisto;
deslizo no poema,
no seu sistema,
como se fosse um oráculo.

Sônia nos dá um mínimo de linguagem e muito de imagem,


que estas, como o amor, se fiam com seu “próprio fuso”. Talvez agora
se compreenda melhor a trilogia de livros publicados por Sônia Ma-
ria Santos, num crescendo, em nível do amor, dos corpos, da alma e
com a soma de todos os sentidos: o primeiro deles, A Teia dos Dias,
foi editado no ano de 1985, Goiânia, Universidade Católica de Goi-
ás, com prefácio de Maria Helena Chein que, acertadamente, afirma:
“Sônia Maria Santos tem a poesia nas mãos, nos dedos e olhos. Sua
cabeça é poesia, dessa que dinamiza o cérebro e nervos e rasga o pro-
fundo para sempre”. O segundo livro, Casa do Tempo, editado no ano
de 1995, Goiânia, Editora Kelps, saudado por José Asmar que, a certa
altura do prefácio, diz o seguinte: “Sônia Maria Santos confirma a vir-
tude dos versos espontâneos. Inclusive, sob qualquer impulso técnico
ou de estilo, seu poema dispensa guardas e salvaguardas normativas”.
O terceiro, Mar Invisível, foi publicado no ano de 2000, Editora Kelps.
Stella Carr fez uma sucinta e perfeita descrição do livro: “Encontro
um lirismo de textura mansa, pequenas peças de tristeza, sem lanhos

187
Revista da Academia Goiana de Letras

de amargura, apenas roçando leves nostalgias. Mais o amanhecer e o


despertar, que o exprimido suco do desencanto”.
Sigo, então, neste quarto e belo livro, as margens e diferenças
que nos dão os poemas de Todas as Fábulas, trilhamos neles jun-
tos, com somas e acréscimos de propriedades: Quase Reza. Oráculo,
Sintonia, que formam no todo um livro do nosso tempo. Presença
inequívoca de uma poesia que se faz necessária para a modernidade.
Instrumento lírico verbal que nos concede pouco a pouco o sentido
do viver e vivenciar a vida, que nos atinge e nos envolve com todas
as suas nuances. Seus poemas nos chegam de mansinho, assim como
sua autora, pequena e frágil, mas com pureza e força que arrastam
correntezas, e nos deixam cientes que poesia “é o eco da melodia do
universo no coração dos homens (Rabindranah Tagore).

Todas as Fábulas

Sobre a mesa,
a toalha é clara,
os dedos:

Os nós do tempo.
Comemos, bebemos,
e todas as fábulas
já são ouvidas
além do reino.
Alegria pura
é possível ainda.

Os poemas de Sônia Maria se sustentam na lúcida vigília de


seus sentimentos, como no dizer de Christian Science: “o nada da
matéria e o todo do espírito”.

188
Revista da Academia Goiana de Letras

Em busca da verdade histórica

Moema de Castro e Silva Olival

Sob o hilário destaque: “Quando os fardões viram saias”


um artigo, de Sérias pretensões históricas, publicado neste Jor-
nal Opção – de 1 a 7 de setembro de 1996 – e de autoria do Es-
critor e Acadêmico José Afrânio Moreira Dante, despertou-me
o interesse, graças, sobretudo, à chamada inicial:

A Academia Goiana de Letras uma das pioneiras no


ingresso das mulheres, mas a primazia coube a uma
Academia Carioca

Assaltou-me duplo desapontamento!


Ao primeiro, reagi como goiano que, tendo em mãos tão
poucos trunfos na sua História Cultural, vê-se, repentinamen-
te, despojado de um deles, assim no correr de uma penada. O
trunfo refere-se ao fato de nos considerarmos pioneiros, isso,
desde 1904, em área nacional, da iniciativa de uma Academia
de Letras mista, com a participação – em nosso caso – de ape-
nas uma mulher, ao contrário do modelo francês que só admi-
tia homens.
E a autora dessa façanha teria sido Eurydice Natal e Silva,
jovem de dezenove anos – de quem me orgulho de ser a neta
mais velha, aliás, para ser honesta, fato responsável por mais
uma pitada na sensação do desapontamento perante a notícia

189
Revista da Academia Goiana de Letras

– e que, além de liderar na organização da Academia que se


constituiu de representantes da elite intelectual da cidade
Goiás (sendo por isso considerada a fundadora), ainda foi
escolhida sua Presidente.
Em estudo que realizei para, atendendo a convite das
soroptimistas, nas comemorações dos setenta e cinco anos
de suas atividades, fazer uma conferência sobre a atuação de
Eurydice Natal e Silva como “figura luminar da Cultura em Goi-
ás”, vali-me de boa e séria bibliografia sobre o assunto. Todas
apontavam para a perspectiva do seu pioneirismo.
Quanto ao segundo motivo do desapontamento, de
certa maneira decorrente do primeiro, foi o de ver que um
dado histórico, de grande interesse para nós, brasileiros, sem
dúvida, no geral, mas goianos no particular, estava sendo des-
montado, nesse último aspecto, por pesquisador mineiro (Ah!
triste provincianismo, reconheço. Como se a Cultura tivesse
fronteiras, além dos fardões e das saias!.. E, ainda por cima,
como se goianos e mineiros não fizessem parte irredutível da
mesma argamassa dos Gerais). A sensação era como se tivésse-
mos dormido no ponto. Eu mesma, como pesquisadora, senti-
-me como que culpada. Culpada, mas não conformada. É que,
no seu supracitado artigo, José Afrânio Moreira Duarte afirma:

Em todo o país, numerosas academias reivindicam


para si o titulo de primeira entidade do gênero a receber
mulheres em seus quadros, porém, é possível – mas não
provável – que alguma outra tenha sido admitida antes
Ângela de Amaral Rangel que, em 1752, ingressou na
Academia dos Seletos, no Rio de Janeiro, segundo conta
Domingos Carvalho da Silva, no seu precioso livro “Vozes
da Poesia Feminina”.

190
Revista da Academia Goiana de Letras

Ângela de Amaral Rangel era carioca e cega. Poetisa e


romancista, escrevia em português e espanhol. A julgar
pelo exposto, Ângela de Amaral Rangel foi a primeira
acadêmica brasileira, ainda no século XVIII.

Agora, para conforto de nossa consciência histórica, vol-


tamos à matéria dando a volta por cima, trazidos por novas
pesquisas de Gilberto Mendonça Teles, pesquisador de lar-
gos recursos e goiano inveterado. As primeiras, em tomo da
fundação da Academia, foram publicadas no seu livro A Poe-
sia em Goiás, editado pela UFG, 1944. Recentemente, trouxe-
-nos mais esclarecimentos:

A Academia de Letras, fundada em 1904, na cidade de


Goiás, não deixou de ser uma decorrência da criação
Academia Brasileira, em 1897, mas se revestiu de mui-
ta importância para Goiás, mesmo que, por si mesma,
nada tenha feito que valesse a pena registrar. Mas o
gesto inicial de fundação revela que havia uma peque-
na sociedade literária que esta procurava mudar, que
começava a haver trocas de ideias literárias, leituras,
desejos de publicação e até o sonho de uma agremiação
literária E revela mais: a presença de uma liderança fe-
minina, no momento mesmo em que a luta em prol da
emancipação da mulher tinha o seu espaço garanti-
do nos principais jornais do país. Mas Eurydice não
só ajudou a fundar a Academia, como tornou-se sua
presidente. Esse fato coloca a mulher de Goiás em vanta-
gem com relação às mulheres – escritoras que existiam
em várias partes do Brasil, como, dentre outras, Rita
Josft de Sousa, Ângela do Amaral Rangel, Bárbara He-
liodora, Beatriz Brandão, Delfina Benigna da Cunha,

191
Revista da Academia Goiana de Letras

Nísia Floresta, Maria Firmina dos Reis, Carmen Do-


lores, Corina Coaracy e a goiana Honorata Minelvina
Carneiro de Mendonça. Todas desconhecidas das co-
nhecidas histórias literárias. No entanto, lutaram por
um espaço. Dizer, como o fez o meu amigo José Afrânio
Moreira Duarte, que Ângela do Amaral Rangel pertenceu
Academia dos Seletos, no século XVIII e que portanto
a primazia goiana de Eurydice Natal não tinha sentido,
é e não é verdadeiro: é verdade por exemplo, que Ânge-
la do Amaral Rangel, cega de nascença, foi levada a re-
citar dois sonetos na sessão que a Academia dos Seletos
dedicou a Gomes Freire da Andrade, em 1754. Os so-
netos foram publicados no livro Júbilos da América, re-
produzido num dos volumes do Movimento academicista
brasileiro, editado por José Aderaldo Castello. Não é ver-
dade, entretanto, que essa Academia tivesse existência de
instituição: foi organizada para uma única reunião, essa de
homenagem ao Governador das Capitanias Gerais do Rio
de Janeiro e São Paulo. Se a Academia de D. Eurydice não
durou muito, ela serviu entretanto para revelar a dupla face
do ambiente social e cultural de Goiás, da cidade de Goi-
ás, no início do século: havia o desejo de algo novo, mas a
prática era ainda a de um gosto antiquado, como se pode
ver nas descrições do Almanaque Garnier de 1906, divul-
gadas por Brito Broca em 1960 e em 1964, no meu livro
“A Poesia em Goiás”.

Portanto, senhor Acadêmico José Afrânio, tenho a sa-


tisfação de poder trazer dados esclarecedores à sua pesquisa,
sempre necessária, uma vez que, atualizando-a, coloca em
discussão temas ainda não consolidados, pela dificuldade das
fontes de informação.

192
Revista da Academia Goiana de Letras

Permitindo rediscuti-los e consagrá-los, como definiti-


vos, no laborioso caminho da estruturação de nossa História
Cultural.
Sabemos todos, que, hoje, o verdadeiro sentido de mo-
dernidade faz da convivência de homens e mulheres nas Aca-
demias de Letras, apenas um fator de estímulo o que parece na-
tural, ficando como única exigência, a qualidade da produção
intelectual (que não é mais dote exclusivo dos fardões, benza
DEUS), ressoando o conselho de Virgínia Woolf, em relação
ao potencial da mente:

Em cada um de nós presidiriam dois sexos, um mascu-


lino e um feminino. E a mente andrógina, como foi a de
Shakespeare, é a única naturalmente criativa, incandes-
cente e indivisa

E, finalmente, pelo exposto, nós, goianos, podemos con-


tinuar com o trunfo da primazia (fator importante pelo lance
hist6rico da conquista) da presença da mulher nas atividades
acadêmicas do país.
Para mim hoje, ainda suscitada para falar sobre esses
assuntos, uma vez que, por incrível, permanecem matéria de
dúvidas, diria que, em primeiro lugar, uma não é continuação
da outra, como fazem crer os que afirmam que a Academia de
Goiânia representa a de Goiás, em virtude do parentesco dos
presidentes: Eurydice (mãe) e Colemar (filho). O que elas têm
de comum é que resultam dos novos tempos, Da necessidade
da primazia dos que valorizam a Cultura, da arregimentação de
grupos de intelectuais como ocorreu na cidade de Goiás cujo
grande mérito foi eleger, pela primeira vez, uma mulher, (como

193
Revista da Academia Goiana de Letras

já vimos, anteriormente, quebrando a tradição francesa) e, ainda,


por cima, elevando-a à posição de presidente, uma vez que ela se
distinguia por temperamento avançado e combativo, de cultura
solidamente adquirida, como de outros escritores da época.. Infe-
lizmente, durou pouco tempo (só quatro anos) não tendo tempo
de arregimentar-se e produzir maiores publicações.
Já a de Goiânia, hoje, adquiriu staf de maior centro cultu-
ral do Estado, abrigando escritores que, na maioria, produzem
importantes textos, merecedores de prêmios até no estrangeiro,
uma crítica moderna e substanciosa, peças de teatro que se nota-
bilizam. Ainda, importantes jornais e revistas que as divulgam.
Portanto, se arregimentam de maneira a ocupar represen-
tatividade regimental e produtiva, no campo cultural.

II

Apesar de já haver endossado, com minha assinatura, os do-


cumentos emitidos pelos Institutos Culturais: AGL, UBE e Con-
selho Estadual de Cultura, aos quais tenho a honra de pertencer, e
que tratam do protesto dos escritores goianos no affair relativo ao
critério de escolha da lista de livros dos vestibulares para os quatro
próximos anos, faço questão de deixar, de público, mais essa nota
de repúdio ao ato discriminatório em face dos últimos aconteci-
mentos, e valendo-me da condição de uma das pioneiras na luta
pela valorização da Literatura Goiana.
Assim, deixo o meu depoimento conclusivo sobre os seguin-
tes pontos: primeiro, de que, finalmente, temos a nossa Regina
do Prodasen – (para os que não acompanharam as notícias mais

194
Revista da Academia Goiana de Letras

recentes sobre a tragicomédia do Senado, trata-se daquela ilustre


senhora, funcionária da Casa, que, no intuito de se defender das
acusações sobre a violação do painel de votação, acabou expondo
os “podres” lá reinantes).
E como vejo as oportunas e corajosas declarações do pro-
fessor Mario Luiz Frungillo – membro da Comissão composta de
professores representantes de várias Universidades, a saber – Da
UFG: o próprio professor Mario, e o professor Edvaldo Bergamo;
da UCG: Éris Antônio de Oliveira; da Associação Educativa Evan-
gélica: Edna Elói de Araújo; do Centro de Ensino e pesquisa Apli-
cada a Educação (Cepae): Luzia Rodrigues; das Faculdades Obje-
tivo: Cedes Camilo Ribeiro – Comissão incumbida da seleção dos
livros de leituras obrigatórias para os próximos vestibulares.
Isso, porque entendo que declaração do professor Mario
– transcrita em O Popular do dia 29 de abril último – nos traz
de volta o infausto acontecimento de Brasília quando, perdendo
para a maioria da comissão, sentiu necessidade de se defender,
(tal como lá fez a digna senhora,) e, ao fazê-lo, expôs – com to-
das as letras – a fragilidade incompetência, revelada, na pauta em
foco, por uma Comissão, de que fazia parte e que se apresentou,
provavelmente pelo pouco conhecimento da matéria, incapaz de
estabelecer critérios de seleção. Talvez, pior: pela dificuldade en-
contrada, preferiu alijar de vez todos os escritores “goianos”, sem
medir as consequências para as pretensões culturais em jogo.
Segundo: ao expor as entranhas do processo seletivo, dando
nome aos bois e descerrando o mistério, desacreditou a autoritá-
ria e agressiva declaração da pró-Reitoria, que não reconheceu ne-
nhuma falha no ato do julgamento, preferindo lançar, sobre os es-
critores, a suspeição de interesses escusos. Isso fica claro, quando

195
Revista da Academia Goiana de Letras

– através de sua manifestação – afirma que “além de lobbies de


editoras e livrarias” (fato mencionado pelos escritores) o assunto
envolve também “outros interesses”. E completa:

O vestibular não e uma grande festa de consumismo


e os vestibulandos não devem ser considerados como
“consumidores”, como um grande mercado, a mercê da ação
desses lobbies.

Para clarear este item, e entendendo que um dos grandes


objetivos das Universidades é a retratação dos valores culturais
de uma região, porque dominando o regional o homem se torna
apto para arguir o universal, e assim tornar-se um cidadão e um
professional pleno, elegemos a sábia resposta dada pelo professor
Nasr Chaul, no jornal O Popular de hoje (I de maio), quando diz:

Acho, ainda, que os vestibulandos devem sim ser considera-


dos consumidores, mas de cultura brasileira/goiana, onde a
literatura é um dos melhores caminhos; são e devem conti-
nuar sendo um grande potencial de mercado para consumir
o que de melhor produzimos em termos culturais. O vestibu-
lar e um dos veículos, talvez o melhor, que as universidades
têm para este fim.

Considerando, ainda, que a polemica em torno da ques-


tão: Literatura Brasileira feita em Goiás ou Literatura Goiana e
uma excrescência descabida, uma vez que a primeira não exclui
a segunda que tem, apenas, caráter de especificação, achamos
por bem aproveitar o momento e abraçar a bandeira da goiani-
dade intelectual, uma vez que da afetiva sempre fomos senhores,
como nos provam textos clássicos no gênero de alguns de nossos

196
Revista da Academia Goiana de Letras

melhores cronistas e poetas. Fazemos Literatura Goiana, sim. E


uma literatura com as mesmas possibilidades de êxito que as pra-
ticadas nos outros Estados. E, também, de insucessos: aqui, como
lá. Isto quer dizer que repudiamos as conotações pejorativas que
casuisticamente, desde sempre, cercaram o adjetivo “goiano” – to-
dos sabemos dessa triste realidade, ainda que, oficialmente, a ne-
guemos – causa primeira da timidez e inibição demonstrada pela
maioria dos escritores e artistas, ao se situarem num “status” cheio
de restrições como matuto, caipira, etc. e, concentrando nossas
reivindicações em torno da seleção criteriosa de obras indicadas –
tanto para edições, quanto para prêmios e referências – tomemos
irrefutáveis os potenciais de nossos criadores, quantos deles já re-
conhecidos nacional e internacionalmente.
Imprescindível: que a comissão de escritores para o vesti-
bular seja formada por professores especializados, com vivência e
pesquisas na matéria em foco, ou seja, na literatura goiana. Se tal
tivesse ocorrido, se conhecessem os estudos publicados, inclusive
por pessoal da própria universidade, em que nos incluímos, se
lembrassem do papel da transcrição estilística a da oralidade na
configuração literária da cultura de uma região (desde as técni-
cas, hoje, meio ultrapassadas, da deformação vocabular à transpo-
sição do ritmo e da semântica da frase regional, lembrando, “que,
nenhuma maneira melhor de se aproximar de um povo, senão
através do “ritmo profundo de sua vida que é a sua fala”, então
Carmo Bernardes não teria sido excluído por “matuto”.
Enfim, gostaria de cumprimentar, de público, o jornal O Po-
pular pela excelente cobertura da matéria que, sem dúvida, for-
necerá subsídios importantes para as páginas da história das nos-
sas reivindicações literárias – desde o depoimento dos escritores,

197
Revista da Academia Goiana de Letras

quanto os brilhantes depoimentos de protesto dos dirigentes de


nossas Instituições Culturais, mais escritores, jornalistas, profes-
sores e chargistas engajados na causa, que, com serenidade, com-
petência e coragem trouxeram luz à questão. A esses subsídios
importantes para as páginas, me associo, pois, como uma das pio-
neiras na luta pela valorização da Literatura Goiana, dentro e fora
da Universidade Federal.
Concluindo, quero, também, endossar a sugestão já mani-
festa de imediata revisão do processo de seleção da lista indicada
pelos “representantes” das Instituições Superiores de Ensino.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Coronelismo em Goiás:
Estudos de casos por acadêmicos da AGL

Nasr Nagib Fayad Chaul

1. O Coronelismo em Goiás: Caminhos da Historiografia


É uma coincidência reveladora de épocas que esta apresen-
tação da historiografia acerca do coronelismo em Goiás esteja,
inicialmente, retratando quatro estudos sobre o tema, feitos por
membros da Academia Goiana de Letras que se debruçaram, di-
reta ou indiretamente, em diferentes contextos à análise do Co-
ronelismo. Os estudos foram, também, um espelho produtivo da
História e historiografia goianas feitas por nossos(as) pesquisa-
dores(as) e estudiosos(as). Um bom final de século, sem dúvida,
capaz de refletir o desempenho intelectual de nossos confrades e
confreiras desde os anos 70 do século passado.
Maria Augusta Sant’Anna de Moraes foi quem, acadêmica e
cientificamente, primeiro produziu uma análise madura e crítica
sobre o Coronelismo em Goiás, sendo mais um estudo envolven-
do oligarquias do que propriamente o coronelismo em si. Publica-
do nos fins dos anos 70, Os Bulhões: História de uma Oligarquia é
um precioso estudo da família Bulhões, beirando a tênue fronteira
entre a paixão do historiador sobre seu objeto e a crítica necessá-
ria ao desenvolvimento de seu intento.
Maria Augusta, como convém aos bons estudos de História,
reporta-se, inicialmente, ao contexto anterior ao tema do traba-
lho para nos proporcionar uma ligação e entendimentos do que
se propôs refletir. Abre então seu trabalho com análises amplas

199
Revista da Academia Goiana de Letras

da política, economia, sociedade e cultura de Goiás na época do


Império e seus discutíveis contextos de vida provincial. A meta é
básica: busca da origem do poder político dos Bulhões, chamada
pela autora de “afirmação de uma oligarquia”. Na primeira par-
te, corrobora as influências do legado dos viajantes europeus, na
visão criticável que os mesmos tiveram sobre Goiás Provincial,
reforçando as ideias de decadência e isolamento da região e o
atraso vivido por Goiás da Colônia à Província. Enxerga, porém,
indícios de algumas mudanças nos cenários político e cultural de
Goiás, como forma de inserir a família Bulhões no centro de sua
análise. Coerente com a proposta temática, Maria Augusta de-
monstra como os Bulhões foram-se sedimentando politicamente,
desde os fins do Império, por meio da estruturação dos partidos
políticos, o que lhes proporcionou continuidade com o advento
da República.
Natural para o prosseguimento da pretendida análise, a au-
tora passa então a analisar os Partidos Políticos Monárquicos –
Conservador e Liberal –, demonstrando sua tardia formação em
Goiás, chegando até a consolidação de um “oficialismo político”,
sobre o qual os Bulhões desfecharam suas lutas e oposições, até se
firmarem no contexto político goiano, seguindo daí sua projeção,
diante de um cenário econômico agropastoril.
Os Bulhões ligam-se também ao contexto de lutas pela Abo-
lição dos Escravos, o que lhes proporciona uma maior dimensão
política, em níveis federal e regional, uma vez que eram profis-
sionais liberais, sem ligações diretas com a agropecuária. Ligados
aos desígnios da política nacional, afinados com seus propósitos,
os Bulhões logo também abraçam as ideias e ideais republicanos.
Unidos a Guimarães Natal, republicano histórico, os Bulhões

200
Revista da Academia Goiana de Letras

projetam-se ainda mais com o advento da República, adeptos que


eram do federalismo. Todo um capítulo é dedicado por Sant’An-
na a essa transição dos Bulhões da monarquia para a república,
terminando com um balanço positivo dos dois primeiros anos da
República em Goiás.
A paixão pelo tema, o afeto dosado, por vezes extrapolado,
fazem desse estudo de Maria Augusta Sant’Anna sobre os Bulhões,
uma apresentação com rigor de análise, farta documentação e
uma linguagem prazerosa que nos reporta ao domínio da família
e ao contexto oligárquico do Estado, retratando o vaivém de os-
cilações da política nacional, que concede aos Bulhões a primazia
do poder, por meio de suas ligações com Floriano Peixoto, nos
conturbados anos da república da espada.
O posicionamento dos Bulhões acerca dos trilhos da estrada
de ferro, em território goiano, será também discutido pela autora.
Tema de discussões e trabalhos futuros, essa análise dá-nos o po-
sicionamento dos Bulhões alusivo à ideia de progresso e desenvol-
vimento de Goiás. Retrata-se nesse momento o ápice político dos
Bulhões, abrindo um campo de entendimento e estudos possíveis
à ascensão dos Caiados e a posterior queda da família bulhônica
das rédeas da política goiana, em meio a uma saraivada de lutas
políticas, de cisões e eleições, de alterações e crises políticas.
Maria Augusta finda sua análise demonstrando as causas de
seu declínio e as conjecturas de como as dissidências partidárias
fizeram ruir as bases de sustentação do grupo. Ao mesmo tempo,
abre novas perspectivas de análise relativas ao tema que, como po-
deremos ver, foram utilizadas e realizadas. Destaca-se ainda a análi-
se da autora do arranjo realizado no governo de Xavier de Almeida
(1901-1904), pivô e estopim de todo um processo de forte crise nos

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Revista da Academia Goiana de Letras

primórdios do século XX em Goiás. As sucessões políticas, os casa-


mentos arranjados, os não realizados como se previa, as correlações
de força, a atração política de Xavier de Almeida por Hermenegildo
Lopes de Moraes, e a estranha e heterogênea corrente que se for-
mou em 1909 para derrubar Xavier de Almeida do poder.
O todo, porém, leva-nos a compreender o declínio dos
Bulhões e abre-nos possibilidades de entendimento da ascensão
dos Caiados ao poder. Atesta, a autora, que uma das causas des-
se declínio foi o fato de a República ter transformado o agitador
Bulhões em um político conservador. Para a autora, os Bulhões
podem ser considerados pacíficos e progressistas, distantes dos
típicos coronéis das análises mais comuns. Destaca também que
Goiás não lhes permitiu maiores possibilidades de realizações.
Considera, ainda, que os Bulhões foram avançados politicamen-
te, pois abraçaram o abolicionismo e o federalismo, e que foi o
valor intelectual de Leopoldo de Bulhões que o levou a ocupar
cargos importantes nos governos da Primeira República. Ressalta,
porém, que, à medida que os Bulhões foram se projetando nacio-
nalmente, um movimento inverso ocorria no cenário regional.
Maria Augusta conclui que os Bulhões projetaram-se pelos
valores intrínsecos de sua família, bem como pelo apoio dos co-
ronéis locais, mas, sobretudo, pelo suporte político que lhes deu o
poder central. Quando esse lhes falta, ficam carentes de sustenta-
ção política, dando lugar a novos pares de uma outra suposta opo-
sição. Temos aqui um dos estudos referenciais para todos aqueles
que quiserem estudar e/ou compreender o Goiás da Primeira Re-
pública, leitura obrigatória, bibliografia básica e fundamental.
Em seguida, já com o trabalho de Itami Campos em voga,
O Coronelismo em Goiás, tivemos o livro de Lena Castello Branco,

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Revista da Academia Goiana de Letras

intitulado Arraial e Coronel: dois estudos de história social, publi-


cado no final dos anos 70. Não é propriamente um trabalho envol-
vendo o coronelismo em Goiás, e sim um estudo, em sua segunda
parte, de um coronel do meio-norte através da figura de Domin-
gos Pacífico, no Piauí. Sendo composto, em sua primeira parte,
de um belo estudo de Meia Ponte, do Arraial à Cidade, Lena nos
descreve o Arraial de Nossa Senhora das Minas de Meia Ponte, a
atual Pirenópolis, fruto de seu passado aurífero, com referências à
paisagem, à história, às tradições e à figura fantástica do comen-
dador Joaquim Alves de Oliveira e sua ascensão econômica na re-
gião. O Engenho de São Joaquim e sua dimensão social e econô-
mica são aqui tratados, destacando a reprodução de escravos, que
podem ter dado ao comendador a fonte de sua imensa riqueza,
levando-nos até sua transformação na Fazenda Babilônia. Digna
de um filme é a descrição da morte da mulher do comendador, as-
sassinada pelo amante de sua filha, entre coisas e causos de Goiás.
É na segunda parte do livro, porém, que temos a análise do
caso, enfocando o coronel Domingos Pacífico e sua diferenciação
dos típicos coronéis da região. Da mesma forma que Dalísia Doles
tratou Abílio Wolney, em outro belo estudo, procurando suas di-
ferenças em relação à tipologia coronelística vigente, Lena enfoca
Domingos Pacífico. Como não se trata de uma análise sobre o
Coronelismo em Goiás, fugindo das intenções de registros histo-
riográficos aqui pretendidos, deixamos apenas a recomendação
da obra da autora para aqueles que pretendem uma possível histó-
ria comparativa do tema, observando que se encontra no presente
trabalho o uso daquilo que mais tarde viria a se consolidar como
história das mentalidades. Recorrendo a uma descrição da paisa-
gem, a autora traça-nos o contexto de vida do coronel Domingos

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Pacífico desde sua formação na Alemanha até suas reflexões es-


critas sobre a vida no sertão nordestino. Não foge, no entanto,
das diretrizes básicas e norteadoras acerca do tema, presentes na
bibliografia da época.
Lena vai nos brindar, anos depois, com o excelente Poder e
Paixão: os Caiado de Goiás, onde os ventos da História estiveram,
novamente, sacudindo a poeira das tradições. A História de Goiás
já fazia por merecer uma obra desse porte, tanto por seu desenvol-
vimento, na última década, bem como por seu nível de pesquisa
documental, através dos Mestrados e Doutorado das Universida-
des Católica e Federal. O estudo desenvolvido pela historiadora
Lena Castello Branco Ferreira de Freitas levou mais de uma dé-
cada de pesquisa e toca em pontos fundamentais da vida familiar,
cultural e política de Goiás, através de Poder e Paixão: os Caiado
de Goiás.
O estudo é amplo e cobre desde os primórdios da Família até
a Construção de Brasília, embora centrado na Primeira República
e na demonização de um dos principais líderes políticos de todo o
nosso processo histórico: Antônio Ramos Caiado, o Totó Caiado,
representante de toda uma saga familiar que nossa autora revela
com talento, documentação e ampla pesquisa. Parte obrigatória de
qualquer entendimento que se pretenda sobre a Primeira República
em Goiás, os anos 30 e a vida política do Estado pós-30. O livro
ilumina novos caminhos, recupera histórias sob novo olhar, rein-
terpreta os fatos e documentos e questiona verdades duradouras.
A visão dos grupos em ascensão, nos anos 30, induziu um
entendimento multifacetado do período, produziu um pretenso
novo, desprezou o processo histórico da chamada República Ve-
lha, não permitiu o olhar do outro. Lena põe o trem de ferro da

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História em trilhos outros, possibilitando novas paisagens, no-


vas reflexões, novos olhares acerca da Família Caiado e sua traje-
tória cultural, educacional, política e econômica. Resgata desde
as origens familiares de Manuel Cayado de Souza, na região do
Beira, em Portugal, seu pleito por Sesmarias, concedido em 18
de junho de 1770, e a ligação da família com o mundo rural em
seus primórdios.
A visão pecuarista, de longo alcance, de Antônio José Caia-
do, sua inserção na vida política goiana e a constituição de sua
fortuna através do trabalho árduo de décadas é o começo de toda
a História de Paixão e Poder: os Caiado de Goiás. O centro de todo
o processo analisado não poderia deixar de ser Antônio Ramos
Caiado, o Totó Caiado, mesmo que a parte sobre seu pai, Tor-
quato, esteja recheada de Histórias e Memórias. Com Totó, mitos
caem por terra, dados novos são tratados, documentos familiares
e de arquivos são utilizados, possibilitando-nos uma nova visão
das décadas de 20 a 60. Contando com farto acervo, inclusive
inéditos, fornecidos pela Família Caiado, Lena analisa um Totó
Caiado dimensional. Sua vida, seus amores, suas ligações com a
família e com a terra, suas lutas, sua formação, e visão de mundo,
a defesa de Goiás nas passagens da Coluna Prestes, as articulações
políticas, as interligações familiares, as prisões, denúncias, censu-
ra e perseguições nas mudanças dos rumos da política são anali-
sadas e repensadas sob outra ótica. A famosa questão da posse de
terras das Fazendas de Thesouras e Aricá ganha nova interpreta-
ção e ficamos sabendo como foram legitimadas e como passaram
para o imaginário popular. É um relato cinematográfico, auspicio-
so, informativo, desmistificador. A herança familiar de homens e
mulheres, suas ligações com a vida rural e urbana, com a política

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Revista da Academia Goiana de Letras

e com as profissões liberais são, por certo, um retrato de um Goiás


cuja memória, identidade e história ficam cada vez mais compre-
ensíveis através da leitura desse trabalho.
Por fim, o trabalho de Lena Castello Branco assegura-nos,
além da recuperação de importante processo histórico na Saga da
Família Caiado, o mais fundamental: permitir a abertura para a
memória do outro.
O terceiro trabalho de nossos colegas de AGL é o precio-
so livro de Itami Campos, Coronelismo em Goiás. O trabalho re-
veste-se de vital importância, pois deu as bases teóricas para se
interpretar o coronelismo em Goiás, tornando-se um verdadeiro
marco para as análises que se seguiram, influenciando, até os dias
de hoje, os estudos sobre o tema. É referência obrigatória para os
estudos sobre o tema em Goiás. Itami é um dos mais produtivos
pesquisadores sobre a política goiana e foi o pioneiro a tratar o
tema, criando uma possível interpretação para se entender o con-
texto da Primeira República em Goiás, derivando de seu estudo a
maior e mais profícua produção feita sobre o período.
O Coronelismo em Goiás questiona a tese dos coronelismos,
quando estipulam tipos para regiões atrasadas e desenvolvidas,
observando que a literatura sobre o assunto carece de análise de
Estados não desenvolvidos. Através de jornais, analisa intensa-
mente a Primeira República em Goiás, e destaca, inicialmente,
que, com o sistema federativo, os estados puderam apropriar-se
da receita de exportação, contrair empréstimos, organizar tropas
policiais e contar com relativa autonomia política.
Com a política dos governadores, estabelece-se uma estreita
ligação entre o coronel e o voto, através do arranjo coronelístico
que envolvia o Governo Federal, a Chefia Política Municipal e o

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Situacionismo Estadual. Ao se quebrar a centralização do Impé-


rio, ganhava-se a autonomia para os grupos políticos estaduais,
desde que não houvesse interferência ou conflito com os grupos
hegemônicos do centro. Assim, o maior domínio do Executivo
caracterizava o poder da oligarquia.
O autor trabalha com duas hipóteses básicas: a primeira
é que a situação periférica de Goiás é que o levará a uma maior
autonomia; a segunda é que a dominância de um setor econômi-
co sobre os demais leva a uma maior probabilidade de controle
interno e a uma maior estabilidade política. Em suma, o autor
procura demonstrar que é a manutenção do atraso pelos grupos
dominantes da política goiana que lhes permitirá uma autono-
mia de poder. Poder, esse, centrado, economicamente, nos inte-
resses dos pecuaristas.
Economicamente, o Estado de Goiás tinha suas bases fin-
cadas na lavoura e pecuária, com um comércio pouco expressivo,
uma indústria inexistente e cidades pouco habitadas. Na Primeira
República, dominou a pecuária até a primeira metade, superada
pela agricultura posteriormente. A criação e a lavoura exigiam
grandes extensões de terras e pouca mão de obra, embora mais
constante. O principal produto de comercialização era o boi, que,
por se autolocomover, fazia com que os meios de comunicação
não fossem requisitados constantemente. Havia, por assim dizer,
um total descaso com a comunicação na economia goiana nos
primórdios da República. A lavoura era de subsistência. Goiás
detinha 8,8% do rebanho nacional e, mesmo assim, a economia
goiana não se destacava em âmbito nacional, pois, além de não ter
indústrias, não dispunha de um produto de significação, como o
café ou o charque.

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Isolado do contexto nacional, na visão de Campos, dentro


de um país preocupado com o litoral e com a economia de expor-
tação, Goiás, cada vez mais, ficava à margem do desenvolvimen-
to nacional. “Vale aqui ressaltar que os mais expressivos chefes
políticos goianos foram responsabilizados pelo atraso do Estado
e mesmo de obstar o prolongamento ferroviário, especialmente
até Goiás (a cidade), daí poder ser considerada essa diretriz como
uma estratégia política”. Uma afirmação objetiva do autor que en-
contrará, nos anos 90, discordância.
Politicamente, assim como os demais itens citados acima,
Goiás tinha uma bancada federal pequena. Era, na opinião do au-
tor, um Estado politicamente periférico, o que levava o governo a
não se preocupar com ele. Das 13 intervenções federais ocorridas
em vários Estados da federação, na Primeira República, o autor
observa que Goiás não foi atendido com nenhum dos três pedidos
que fez oficialmente em 1905,1909 e 1926. “Nos três casos, espe-
cialmente em 1905, estão presentes as condições julgadas necessá-
rias à Intervenção, principalmente a divisão interna, por que não
houve intervenção em Goiás?”. Um outro elemento interfere aí, ou
seja, para Campos, “a não decisão de intervir em Goiás deveu-se
ao seu periferismo, deveu-se à não preocupação com Goiás, ao
pouco interesse com a política goiana”. Esse é outro ponto que será
refutado mais tarde quando Palacín, estudando o norte goiano,
demonstrará as intervenções federais ocorridas.
Com relação à política coronelística, Itami Campos afirma-
-nos que “em Goiás, o coronel não se ajusta ao tipo de coronel
da sociedade pré-política de Pang, nem ao de regiões econômicas
e politicamente mais frágeis de Carone. Pois Goiás era um Esta-
do pobre e atrasado, mas com um partido político solidamente

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estruturado”. Para o autor, ocorreu em Goiás uma engrenagem


política que consistia em um conjunto formado pela Comissão
Executiva do Partido (Democrata), o Poder Executivo e a Repre-
sentação Federal e Estadual, devidamente coordenados, contro-
lando todos os passos da política goiana durante toda a Primeira
República. Juntamente com tal engrenagem, havia um tripé de re-
giões políticas de dominação, formadas por Goiás, cidade sede do
poder político, Morrinhos, principal centro comercial da época; e
Porto Nacional, sede do controle político no norte do Estado.
Tal controle da política não permitia que se formassem qua-
dros estranhos ou não afinados com os coronéis que dominavam
a política do Estado, colocando à margem os representantes das
regiões sul e sudoeste do Estado, que vinham se desenvolvendo,
desde 1913, com a implantação dos trilhos da Estrada de Ferro,
mas que não encontravam respaldo político para suas idealizações
econômicas. Tal situação só mudaria com a Revolução de Trinta.
Assim, em todo o trabalho o autor procura demonstrar

[...] como em uma situação de pobreza, de atraso e de


isolamento em que se encontrava, o Estado de Goiás
foi politicamente inexpressivo na configuração do
poder nacional. E essa inexpressão vai proporcionar,
em última análise, condição de autogestão da política e
da administração pública por parte dos chefes políticos
estaduais, sem intervenção federal.

O trabalho de Campos será de grande valia para uma possí-


vel rediscussão do coronelismo em Goiás, bem como a compreen-
são do processo autoritário desenvolvido na Primeira República
em Goiás e suas consequências dos anos 30 em diante.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Em 1997, publicamos Caminhos de Goiás: da Construção da


Decadência aos Limites da Modernidade, que aqui será abordado
apenas no que se refere ao contraponto às ideias de Campos ana-
lisadas anteriormente.
Após a difusão do conceito de decadência, toda a trajetória
da Província de Goiás, que desaguou nas margens plácidas do Im-
pério e permaneceu ao longo da Primeira República, tem como
um dos principais marcos de referência a ideia de atraso, difun-
dida por intermédio de estudos realizados acerca do coronelismo
em Goiás, pelo sociólogo Francisco Itami Campos.
A questão do atraso, como parte interpretativa da Primeira
República em Goiás, assim como o tema da decadência, para se
entender a Província, após a crise da mineração, serviu de base
para inúmeros estudiosos que se aventuraram pelos sertões da
história goiana, sem maiores questionamentos.
Traçaremos, em primeiro lugar, um painel geral dos princi-
pais pontos que envolvem a construção da tese do atraso goiano,
contidos na obra Coronelismo em Goiás, de Itami Campos, para,
posteriormente, confrontá-los com o desenvolvimento político-
-econômico do período, discutido por nós nas primeiras partes
deste capítulo, mesmo que, para isso, tenhamos que repetir alguns
pontos básicos da análise de Itami Campos, como forma de me-
lhor nos reportarmos ao que pretendemos.
É preciso chamar a atenção para o fato de que a questão do
atraso deve ser vista como um projeto de dominação política, arqui-
tetado pelos integrantes dos grupos dominantes da política goiana
na Primeira República, chamados pelos sociólogos de coronéis.
Inicialmente, como já observamos antes, Campos aten-
ta para o fato de a literatura que envolve o tema separar os tipos

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Revista da Academia Goiana de Letras

de política coronelista para as regiões desenvolvidas e atrasadas.


Destaca a carência de análises dos Estados não desenvolvidos, o
que dificulta, por demais, estudos comparativos. Observa que a
República, no seu entendimento, não foi uma ruptura, e que o
sistema político da época imperial vai ao colapso pela impossibili-
dade de resolver os conflitos advindos das transformações econô-
micas. Considera ainda que, no global, o marco diferencial entre
o Império e a República está no papel do Estado, que passa a ser a
unidade básica da política brasileira.
Dessa forma, ao sistema federativo, ficou facultada a apro-
priação da receita de exportação pelo Estado, bem como a obten-
ção de empréstimos, a organização de milícias estaduais e uma,
diríamos, autonomia política.
Por intermédio da “política dos governadores” de Campos
Sales, foi feito o arranjo centralizador que significou, segundo
Campos, uma fórmula política capaz de permitir o máximo de
liberdade política em nível estadual, e de delegar aos governado-
res a chefia do partido e oligarquias estaduais, bem como, capaz
de manter os compromissos do arranjo político nacional. Nesse
sentido, as eleições do Presidente da República e do Congresso
Nacional eram fundamentais, daquele porquanto continuaria res-
peitando a autonomia das situações dominantes nos estados, e
deste porque, com base nas situações estaduais, servia de suporte
à política federal.
O compromisso estabelecido atava os grupos políticos
municipais ao Executivo estadual, em troca de uma “carta
branca” para a realização de seus interesses. Desse modo, a es-
trutura oligárquica montada dependia fundamentalmente do
coronelismo.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Dentro de sua proposta, Campos busca analisar Goiás na


perspectiva que resultou em inúmeros e importantes estudos, nas
décadas de 60 e 70, do “centro-periferia”. Considera, como uma
das hipóteses básicas, que a situação periférica de Goiás vai levá-
-lo a uma maior autonomia, pois em decorrência de uma situação
de pobreza, de atraso e de isolamento, em que se encontrava, o
Estado de Goiás foi politicamente inexpressivo na configuração
do poder nacional.
A base de sustentação maior para o autor desenvolver a
ideia de descaso dos políticos para com Goiás fundamenta-se no
não-atendimento, por parte do governo federal, dos pedidos de
intervenção, em épocas de conturbações políticas mais graves,
quais sejam: em 1905, quando os Bulhões pediram o auxílio da
União para combater Xavier de Almeida, que havia ganhado as
eleições; em 1909, no contexto da chamada Revolução de 1909
e em 1926, quando o Poder Judiciário considerou-se inapto para
realizar suas atividades devido à interferência do Executivo, fato
que ficou conhecido como a “questão do Judiciário”.
Como nenhum dos três pedidos de intervenção foi atendi-
do, o autor conclui que esse não-atendimento devia-se à falta de
preocupação do governo federal para com Goiás, Estado perifé-
rico, econômica e politicamente pobre, sem capacidade de inter-
ferir nos caminhos da política federal. Por isso, desprezível. O re-
flexo direto, em nível estadual, traduzia-se, assim, em uma ampla
autonomia da política interna.
O Estado de Goiás, visto por Campos, na época, não possuía
um nível de arrecadação capaz de colocá-lo em pé de igualdade
com os Estados mais desenvolvidos, pois o que era exportado em
maior quantidade, o gado, o era para dentro do país e, não, para

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Revista da Academia Goiana de Letras

o exterior, rendendo poucas divisas; por outro lado, observa que


Goiás tinha um inexpressivo contingente policial , que só chegou
a contar 700 homens em 1930. Acrescenta ainda que a autonomia
estadual era também decorrente de fatores internos, econômicos,
demográficos, geográficos e de comunicação, seguidos pela engre-
nagem política montada para tal fim.
Economicamente, Goiás era inexpressivo. Estruturando-
-se em uma economia de base agropecuária, com um comércio
pouco expressivo, indústrias inexistentes e cidades pouco habita-
das, Goiás não possuía um produto que o habilitasse no mercado
nacional, a exemplo do café em São Paulo. Enquanto a pecuária
arrecadava 32% dos tributos estaduais, a agricultura, de antes dos
trilhos, só amealhava parcos 6%.
Campos destaca, ainda, que “o descaso é expressão políti-
ca dos pecuaristas que controlavam a economia e administração
política estadual no período”. Para o autor, havia uma luta interna
no Estado, envolvendo, de um lado, os que controlavam o poder e
que tinham base econômica na pecuária e, de outro, os donos de
lavouras, alijados do poder, que buscavam formas de desenvolvi-
mento para o Estado.
Com a terra pouco valorizada comercialmente, Campos
destaca que 81,8% da população dedicavam-se à agropecuária.
A precariedade das comunicações é outro ponto de destaque que
cooperava para dar maior autonomia a Goiás. Esses dados são
importantes para concluir-se que, por meio dessa população con-
centrada na zona rural, o domínio dos coronéis era absoluto, pois
eles controlavam e subordinavam a sociedade da época.
Politicamente, a bancada de Goiás no Congresso era pe-
quena, avalia Campos. Tal fato levava o governo federal a não ter

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Revista da Academia Goiana de Letras

maiores preocupações com o Estado. O sociólogo afirma, ainda,


que “vale aqui ressaltar que os mais expressivos chefes políticos
goianos foram responsabilizados pelo atraso do Estado e mesmo
de obstar o prolongamento ferroviário, especialmente até Goiás,
daí poder ser considerada essa diretriz uma estratégia política”.
Um dos pontos mais interessantes descritos por Campos
está na engrenagem política, que foi entendida como um conjunto
formado pela Comissão Executiva do Partido (Democrata), pelo
Poder Executivo, a representação estadual e a federal. Coordena-
dos, formavam a engrenagem política que exercia o controle so-
bre a política goiana. Por intermédio da referida engrenagem, era
possível detectar o grupo político que dominava o Estado.
A Comissão Executiva do Partido exercia um poder paralelo,
não previsto em lei, nem na Constituição Estadual. Era escolhida
por uma convenção constituída por delegados das seções munici-
pais do partido. A essa comissão competia a indicação dos nomes
dos candidatos para todos os cargos eletivos (Executivo e Legislati-
vo federal e estadual). Seus membros eram os principais coordena-
dores da política estadual. Essa comissão foi controlada e dominada
por três líderes ao longo da Primeira República: José Leopoldo de
Bulhões, Xavier de Almeida e Antônio Ramos Caiado.
Após a reestruturação do Partido Democrata (1913), tal co-
missão adquire maior relevância. A ela eram reputados o desen-
volvimento e a tranquilidade, além da prosperidade econômica
pela qual passava o Estado. “Para tanto se dizia da justeza de suas
decisões e dos princípios por ela traçados, bem como do acerto na
escolha dos dirigentes estaduais.”
Ao Poder Executivo competia a sanção e promulgação das
leis e decretos do Congresso. O autor chama a atenção para o fato

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Revista da Academia Goiana de Letras

de que o Congresso só funcionava dois meses em cada ano e, nos


dez meses restantes, o Executivo legislava por decreto.
Controlando política e economicamente o Estado, os políticos
exerciam, segundo Campos, a manutenção do atraso. Nos últimos
vinte anos da Primeira República, havia um único partido em Goiás,
o Partido Democrata. Os mandatos federais eram quase só exercidos
por bacharéis, sendo que apenas um coronel, Miguel Rocha Lima,
exerceu um mandato federal de 1914 a 1930. Formou-se um tripé de
dominação por regiões, que envolvia e abrangia as cidades de Goiás,
sede do poder e capital do Estado, Morrinhos e Porto Nacional, cen-
tros econômicos e comerciais do sul e norte goianos.
Nos anos de 1917 a 1921, João Alves de Castro, integran-
te da família Caiado, ascende ao poder devido a um acordo com
o governo federal, evidenciando esforços para unir as oposições.
Formou-se então um grupo político sob a égide do Partido De-
mocrata. Eugênio Jardim era o sucessor de Alves de Castro na
presidência do Estado. Com problemas de saúde afasta-se da pre-
sidência, voltando a ocupar o cargo de senador. Seu mandato de
presidente foi completado pelo coronel Rocha Lima.
Na sucessão de Eugênio Jardim/Rocha Lima, foi eleito o
médico Brasil Ramos Caiado (1924-1929), em cuja administra-
ção começam a surgir as primeiras manifestações de desconten-
tamento político desde 1910. A Coluna Prestes, combatida pelos
Caiados, dissidências em Rio Verde, de onde vai ascender Pedro
Ludovico Teixeira, bem como questões envolvendo o Poder Judi-
ciário, deram a tônica do período.
Os democratas contavam com o suporte da agropecuária e
tiveram como supremo chefe da política estadual Antônio Ramos
Caiado, o Totó Caiado, que exercia mandato federal desde 1909,

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Revista da Academia Goiana de Letras

comandando, com pulso firme e energia política, a vida adminis-


trativa de Goiás, de 1912 a 1930.
Toda essa engrenagem, segundo Campos, estaria a serviço
da manutenção do atraso do Estado, como forma de perpetuar o
domínio político. Assim, para o autor, o atraso é uma das formas
de controle, larga e conscientemente utilizada pelos coronéis, no
exercício do domínio político. Por fim, concluindo a partir do ex-
posto, o autor sintetiza sua ideia básica sobre o poder na Primeira
República em Goiás, nos seguintes termos:

A partir das críticas que foram feitas aos principais líderes da


política estadual que conscientemente procuraram manter o
atraso e o subdesenvolvimento do Estado, com a finalidade
de não perder o domínio total de Goiás, é que afirmo que o
atraso era uma forma de controle político.

Tal tese vem sendo reproduzida por sociólogos e historiado-


res sem um questionamento dos seus significados.
Como já destacamos, essas ideias de Francisco Itami Cam-
pos foram largamente utilizadas na interpretação do processo
histórico de Goiás na Primeira República. Procuraremos tecer al-
gumas considerações que busquem discordar de alguns pontos,
chamando a atenção para o fato de que, embora com significados
distintos, os termos “decadência” e “atraso” continuaram a dar a
tônica na explicação político-econômica que vem caracterizando
a análise da história regional.
Em primeiro lugar, entendemos que a presumida descentra-
lização republicana, na gestão Campos Sales, por meio do sistema
federativo de governo, não passa de retórica. O que ocorre é uma
centralização, em que todas as decisões estaduais ficam atreladas

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Revista da Academia Goiana de Letras

ao governo federal. Dessa forma, as decisões, no âmbito dos Es-


tados, passavam, como bem demonstrou o período Bulhões em
Goiás, pela chancela do governo federal, a exemplo dos pedidos
de impugnação de candidaturas e de cargos e verbas. Qualquer
autonomia em âmbito local é relativa e fica à deriva das decisões e
das correlações de forças político-econômicas ocorridas no plano
federal, uma vez que o todo está integrado num projeto político
no qual as partes tinham poucas diferenças ideológicas.
Quanto à questão que unia os coronéis ao governo federal,
traduzida pela cooptação dos eleitores que se expressam em vo-
tos, podemos observar que esses grupos, para se consolidarem no
poder (vide o exemplo dos Bulhões, largamente discutido neste
trabalho), tinham que fazer parte do projeto político federal, que
não estava, no nosso entendimento, afinado com possibilidades
que pudessem conduzir ao atraso, os Estados. Pelo contrário, es-
ses grupos ligavam-se ao projeto de construir o “progresso den-
tro da ordem”, que vinha sendo viabilizado em âmbito nacional.
Destaca-se ainda que Bulhões era um político afinadíssimo com
os parâmetros da política nacional e com tudo que nela ocorria.
Se observarmos a economia goiana do período pós-minera-
tório, não encontraremos um crescimento imediato. Não é difícil
perceber, no entanto, que, se comparada aos índices econômicos
apresentados no final do período da mineração, paulatinamente, a
pecuária apresenta um crescimento de tal ordem que, no mínimo,
possibilita a Goiás sair do isolamento econômico em que se encon-
trava e estabelecer as bases estruturais para o crescimento e poste-
rior ascensão da agricultura, através dos trilhos da estrada de ferro.
Assim, poderíamos ser levados a indagar o que havia de atra-
so em Goiás ao longo da Primeira República. Economicamente,

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Revista da Academia Goiana de Letras

se comparada aos tempos idos, a pecuária goiana cresceu a pon-


to de representar 32% da arrecadação do Estado, em fins dos
anos 1920, não dependendo do investimento de grandes capi-
tais. Mesmo assim, os investimentos dobravam e/ou triplicavam,
a cada quinquênio, em prol de seus investidores e em benefício
da arrecadação estatal.
Politicamente, a representação goiana, no contexto na-
cional, não era desprezível, considerando que um político lo-
cal, Bulhões, ocupou, por duas vezes, o Ministério da Fazenda,
além da grande projeção nacional de seu nome e, consequen-
temente, do Estado.
Socialmente, havia um crescimento populacional e urbano,
e a lenta formação de profissionais liberais, que passaram a nutrir
o Estado de ideias e ideais reformadores e a desenvolver a necessi-
dade de transformações na política e na economia regionais, mui-
tas vezes dentro dos próprios grupos dominantes, por intermédio
de casamentos ou do endosso de elementos políticos que se sen-
tiam representados por esses profissionais liberais.
Ainda do ponto de vista econômico, Goiás foi se inserin-
do, cada vez mais, no mercado nacional, buscando se organizar
no contexto das leis de mercado, exportando gado para grande
parte do país, colhendo divisas ínfimas em relação ao Brasil, po-
rém, significativas para o pobre Estado de Goiás. Em 1870, das
105.548 cabeças de gado, o Estado exportou quase 33.000, diante
de uma receita que cresceu de 36:732$730, no ano de 1854, para
103:00$000, em 1860. Já no início do século, o gado represen-
tava um quantitativo de 317:644$522, em 1901, passando para
406:870$574 em 1906, constituindo mais de 40% da arrecadação
do Estado.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Em comparação ao período pós-mineratório, Goiás con-


tava com um desenvolvimento tímido, acanhado, embora sig-
nificativo economicamente. Já com o advento dos trilhos da
estrada de ferro, a agricultura dá saltos produtivos, desenvol-
vendo regiões (sul e posteriormente o sudoeste), interligando
Goiás ao país e inserindo o Estado, cada vez mais, no mercado
nacional, em dimensões nunca experimentadas antes. Dificul-
dades existiram, e não foram poucas, mas não se pode negar
a busca constante de desenvolvimento apresentada por Goiás,
principalmente, após a instalação da estrada de ferro. A políti-
ca, por seu lado, não ficava à parte dos acontecimentos nacio-
nais e das necessidades locais.
A ideia de que se formaram em Goiás dois grupos de in-
teresses distintos, os pecuaristas e os agricultores, ficou bastante
reforçada por argumentos, como os de Itami Campos. Apesar de
Antônio Ramos Caiado, oligarca goiano, ter dito no Senado Fede-
ral que “Goiás dispensa estrada de ferro”, não é possível generali-
zar entre os pecuaristas goianos tal intento. Além disso, o fato de
o gado se autotransportar não indica que, para a indústria ligada
à pecuária, como a charqueada, por exemplo, os benefícios dos
transportes pelos trilhos seriam desprezíveis. A questão era outra,
como veremos mais adiante.
A necessária unidade política reza da mesma cartilha, per-
seguida pelos políticos que dominaram o cenário da época, en-
controu uma correspondência econômica na coordenada relação
entre a expansão cafeeira do Centro-Sul do país e o florescimento
da agropecuária goiana, o que demonstra a sintonia entre os ru-
mos do país e os caminhos de Goiás. Pode significar também a
estreita relação entre as políticas econômicas dos governos federal

219
Revista da Academia Goiana de Letras

e estadual. A autonomia política dos chefes goianos era, portanto,


relativa, muito relativa.
Quanto aos grupos políticos, não acreditamos que pudes-
sem ter objeções ao desenvolvimento de Goiás, pois iriam contra
seus próprios interesses econômicos. Se levarmos em considera-
ção que o domínio político foi exercido por um grupo de pecu-
aristas, como quer Campos, seríamos levados a acreditar que os
trilhos da estrada de ferro só interessariam aos donos de lavoura,
causando espécie aos exportadores de charque e donos de frigorí-
ficos que alcançavam altos lucros e cujas rendas e impostos pagos
ao Estado não eram em nada desprezíveis, além de se multiplica-
rem ano a ano, após a implantação dos trilhos.
Esse setor, com vínculos estreitos com a agropecuária, foi
privilegiado pela chegada dos trilhos, provocando a criação de
charqueadas nas cidades servidas pela estrada de ferro.
Os próprios coronéis tinham interesses políticos na estra-
da de ferro, pois era um dos meios de diferenciá-los por aposta-
rem no desenvolvimento, uma bandeira política erguida à medi-
da que os resultados econômicos surgiam. Muitos lutaram para
ter os trilhos servindo suas regiões, suas cidades e sua produção
agropecuária.
Se assim não fosse, como situaríamos os Bulhões, que não
eram diretamente nem fazendeiros ligados à pecuária e, menos
ainda, à agricultura? Caberia dizer que o grupo bulhônico não
tinha interesse no prolongamento dos trilhos, uma vez que estava
totalmente sintonizado com a política nacional, sendo a estrada
de ferro um dos projetos dos capitais internacional e nacional?
Seriam os Bulhões títeres da manutenção do atraso? É difícil ima-
ginar que alguém, em cujas mãos foi depositado, por duas vezes,

220
Revista da Academia Goiana de Letras

nada mais, nada menos, que o Ministério da Fazenda, tivesse


interesses contrários ao desenvolvimento de sua terra natal, do
Estado onde tinha todas as suas bases políticas e, que esperava
dele surtos de desenvolvimento. Se não fosse um adepto do de-
senvolvimento, qual seria então a bandeira a ser empunhada por
Bulhões, já que não era proprietário de terras e sim, um bacha-
rel profundamente ligado aos projetos políticos nacionais? Como
bem destacou Barsanufo Borges, ao próprio Leopoldo de Bulhões,
oligarca goiano que despontara no cenário político nacional, de-
pois de ter sido convencido da viabilidade econômica, cada vez
mais, no mercado nacional, em dimensões nunca experimenta-
das antes. Dificuldades existiram, e não foram poucas, mas não
se pode negar a busca constante de desenvolvimento apresentada
por Goiás, principalmente após a instalação da estrada de ferro.
A política, por seu lado, não ficava à parte dos acontecimentos
nacionais e das necessidades locais.
Vejamos outro ponto interessante para ser pensado: qual o
obstáculo que o desenvolvimento dos trilhos trouxe à ascensão
política dos Caiado em Goiás? Teriam aqui os políticos se cur-
vado às transformações econômicas? Claro que não, pois não é
possível entender que grupos políticos estaduais tivessem poderes
suficientes para bloquear projetos do vulto de uma estrada de fer-
ro, oriundos dos centros de decisões nacionais. É difícil visualizar
os coronéis goianos obstruindo um empreendimento das propor-
ções da malha ferroviária. Por outro lado, Caiado mandou em
Goiás desde 1912/13, coincidindo sua dominação política com a
implantação e a consolidação dos trilhos da estrada de ferro. Seu
declínio político não foi causado pelo desenvolvimento de Goi-
ás e, sim, por transformações sociais, políticas e econômicas que

221
Revista da Academia Goiana de Letras

encontram expressão no movimento de 1930, sendo que Caiado


representava a oposição na época. Talvez Antônio Ramos Caiado
só não tenha apreciado um trem de ferro quando foi deportado de
Goiás pelas forças comandadas por Pedro Ludovico nos anos 30.
Havia um outro projeto, historicamente clamado pelos re-
presentantes goianos, que caminhava paralelamente aos trilhos
da estrada de ferro: o projeto de construção das hidrovias. O que
muitos autores não observaram é que, por ser muito mais anti-
go do que a estrada de ferro, o projeto fluvial era uma bandeira
abraçada pelos grupos políticos dominantes em Goiás desde o sé-
culo XIX. A questão, embora também carente de comprovação, é
um campo aberto a estudos posteriores. Fica claro, porém, que o
ponto-chave não consiste no fato de as oligarquias serem contra a
estrada de ferro e sim o seu envolvimento já atávico com o desen-
volvimento dos transportes fluviais, que viria viabilizar a navega-
ção pelos rios Araguaia e Tocantins. Em A Informação Goyana de
1917, o engenheiro Carlos Hass, em relatório, afirmava que “essa
possibilidade é de summa importância economica, é a chave para
o desenvolvimento e progresso seguro das mais ricas regiões que
até agora, devido a absoluta falta de meios de transporte, ficaram
estacionadas”. Inúmeros outros relatos e uma imensidão de arti-
gos, referindo-se às possibilidades da navegação fluvial dos rios
goianos eram abundantes na imprensa da época.
Inviabilizada pelo alto custo e pelo desinteresse do governo
federal, a navegação fluvial ficou estancada, como um projeto que
sempre voltava à ordem do dia, sendo reclamada incessantemente
por todos os periódicos goianos, opositores ou não, aos grupos no
poder. Assim, fica menos difícil compreender por que a estrada
de ferro e o ideal de modernização uniam os mandantes locais

222
Revista da Academia Goiana de Letras

bem mais do que os separavam. As transformações econômicas


não comprometeriam o universo político, como prova a própria
estruturação do progresso econômico-financeiro que Goiás expe-
rimentou desde a implantação dos trilhos.
Deve-se ressaltar que muitos dos homens que dirigiram a
política local, como bem já destacou Campos, eram bacharéis,
médicos, engenheiros, farmacêuticos e outros profissionais libe-
rais, sintonizados com o progresso e o desenvolvimento do país,
pontos fundamentais a qualquer projeto de governo, ansiados por
qualquer grupo, dentro ou fora do poder. Eram componentes de
uma camada média urbana que, ligados ou não aos grupos oli-
gárquicos, tinham interesse no desenvolvimento econômico e na
necessidade de projeção política por intermédio da bandeira do
progresso de Goiás, a única plataforma política possível no mo-
mento. A própria vida cultural das oligarquias goianas, como os
Bulhões e os Caiados, por exemplo, estava inserida num contexto
que vai do francês à ópera, da fazenda ao diploma de curso supe-
rior, do berrante ao apito do trem.
No que tange à questão das intervenções em Goiás, clamadas
por Campos pelo não-atendimento das que foram pedidas, e por
isso considerou que era a inexpressão de Goiás a causa do não-in-
tervencionismo, somos de opinião que, pelo menos duas das vezes
citadas, elas ocorreram. Concordamos com Luis Palacín, ao con-
siderar que os primeiros vinte anos da República representam um
período agitado, tenso, com grandes reviravoltas, em que os líderes
surgem pela aglutinação das forças políticas e são derrubados pela
extrema mobilidade dos partidos e das personalidades.
O vazio demográfico, por sua vez, não significava falta de
produção local. Era a região sudoeste de Goiás de pouca população

223
Revista da Academia Goiana de Letras

e, nem por isso, a de menor produção agrícola. Não foram poucas


também as localidades surgidas por meio da ocupação agrícola.
Inúmeras cidades surgiram e cresceram em população e desen-
volvimento comercial, concentradas no sul e sudoeste do Esta-
do, para onde o progresso e o desenvolvimento apontavam. Claro
que, em relação ao tamanho do Estado, tínhamos imensos vazios
demográficos, mas em relação a épocas anteriores, um sem-fim de
vilas, arraiais e cidades passaram a fazer parte do cenário agrour-
bano de Goiás, significando muitas coisas, não, atraso.
Por fim, entendemos que a questão do atraso é uma deri-
vação, ou uma correlação, da ideia de decadência, tratada em ou-
tra parte de nosso trabalho. Para uns, Goiás seria decadente; para
outros, atrasado. Essas formas de explicar o processo histórico
constituem representações, cujo significado nos cabe desvendar.
Foram construídas a partir de modelos externos (Europa) que,
por sua vez, eram o parâmetro de referência por meio do qual os
viajantes reproduziram toda uma visão que parecia se perpetuar
sobre Goiás, norteando a maior parte dos estudos feitos sobre a
região. Tudo isso faz da História uma bela possibilidade de re-
discutir ideias e aprender com cada estudo feito pelos pioneiros
da pesquisa. Se hoje o Coronelismo pode ser melhor estudado e
compreendido, muito se deve aos estudos aqui relacionados.

224
Revista da Academia Goiana de Letras

POEMAS

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Revista da Academia Goiana de Letras

226
Revista da Academia Goiana de Letras

Mare meum

Antônio César Caldas Pinheiro

No porto do meu desejo


o que vejo?
Navios que se foram
naufragaram
e jamais emergiram
no ancoradouro das emoções.
Na praia ou em alto-mar
o santelmo traiçoeiro
me fez prisioneiro
de fantasmas e corsários.
No imaginário de meu barco
sem lastro
sem leme,
nem um sinal ou rastro
do náufrago que sempre fui.
Na procela violenta
que a vida me legou,
somente um farol, lá ao longe,
indica quem sou.

227
Revista da Academia Goiana de Letras

No poema

Itaney Francisco Campos

No poema, eu deposito
a alma inteira:
Lúcida, 
impura, 
verdadeira. 

No poema, eu injeto
o ser exangue, 
suas perdas, 
seus desvios,
os dejetos do meu mangue. 

Nos versos, me frutifico


sem mágoas.
Feito em sol,
em sal
e em sonho. 
Dissoluto em água. 

Na estrofe, eu me despeço
e amanheço,
desnudo,
devasso,
pássaro migrante, 
alma sem endereço. 

228
Revista da Academia Goiana de Letras

No poema, eu me abismo
e me entrego
ao tempo do meu começo. 
Ali se faz a semente
e a cinza, em brasa. 
Está o meu próprio avesso. 
 
No poema eu me condenso
em sons,
em ritmo, em rebotalhos. 
Nele repouso em silêncio
e em dramas. 
Me desfaço em chamas 
crepitantes,
o coração em frangalhos.

E, dia após dia, me move


o sopro inconstante
da poesia,
moinho de vento incessante
da vida,
mirante em proa vazia. 

229
Revista da Academia Goiana de Letras

Trator

Iúri Rincon Godinho

Se o amor passa
passa pra onde?
Pra debaixo do carpete?
Entre os fios do topete?
Disfarçado numa blusinha
de florzinha?
Se o amor foi tão grande
daqueles de fuder
não deve ter muito lugar
onde consiga se esconder.
Talvez tenha caído num buraco
ou se abane numa sombra
Talvez esteja fugindo de dona onça
ou durma num abrigo antibombas
achando a vida uma geringonça
por se saber incapaz
de esperar a mão pesada
da amada
ordenar
paz

Devia ser proibido passar o trator


no amor.
É, devia sim.

230
Revista da Academia Goiana de Letras

Desembarque de uma alma


(Para Reinaldo Barbalho)

José Ubirajara Galli Vieira

Ele veio da cidade de Ipameri


(Entre-Rios).
Suas mãos
que traziam no leito das digitais
aquarelas que davam vida
a peixes, galos, S. Franciscos
e alguns neguinhos
que antes da tela
pescavam prazer
na sua pele eslava.
Seriam os neguinhos?

Seu avô,
um português baixinho,
caçava codornas
com seu amigo poeta.
Eles e elas?
Encravados na foto
cheirando o fim
do Estado Novo.

231
Revista da Academia Goiana de Letras

Quando criança,
seu vizinho Filostos Bastos,
senhor de setenta anos,
recebia as visitas da prostituta Clara.
Suas pernas cheias de varizes,
lembravam pitangas nos pés.
Pelas frestas da porta,
ele via seu Filostos passar a língua
sobre as pitangas,
em direção
às folhagens dos pelos
do corpo em V.
Depois era a vez dela.

Clara anotava as visitas


na caderneta.
Pagamento no final do mês.
(Tempos do amor a prestação).

Em Goiânia,
fez parte de um grupo
de escritores novos.
Estudou piano e Belas Artes,
aprendeu francês na Aliança,
inglês por conta própria,
polonês e culinária
com Madame Sofia.

232
Revista da Academia Goiana de Letras

No começo dos anos 70,


embarcou nas águas dos rios Negro e
Solimões.
Conheceu Margareth Mee
e a delicadeza dos seus traços
que alcançaram a alma
dos habitantes do Amazonas.

Idas e vindas
aos Estados Unidos,
aconteceram.
Fez-se amigo de um agrônomo americano,
com ele viajou terras e carnes.
Seria o agrônomo?

Deixou o Amazonas,
por outras águas:
Rio de Janeiro.
Muitas festas com o corpo.
Lá, talvez, tenha acontecido
o início do desembarque de sua alma.
Voltou ao Planalto Central.

Em março de 1991,
começamos a trabalhar juntos
a alguns metros dos olhos.
Setembro:
o primeiro aviso.
Não era pneumonia.

233
Revista da Academia Goiana de Letras

Voltou a trabalhar.
Seu corpo e seus olhos eram os mesmos.
Ela é dissimulada.
1991, passou.
1992, passou.
Seu corpo não sentia dor.
Mas a alma pressentia.

1993, chegou e começou a doer.


Dia a dia,
ele a minha frente
era uma planta
à qual faltava água.
Quem terá passado meses,
frente a um vaso
observando uma planta morrer?

“Perdi os prazeres da cama


e da mesa”.
Confessava.

1994 chegou.
Ele, com o que
restava dele
para ficar em pé.
“Vou tombar
Mas tombarei como as palmeiras”.
Idas ao hospital.
Até que um dia, ele ficou.
Torcia para o fim do ato.

234
Revista da Academia Goiana de Letras

Com ele, aprendi


que a dor no corpo
não conhece limite.
A dor jamais saberá
a dor que causa.
Fim de março.
Voltou para sua casa.
Ritual dos elefantes.

Escolheu o local
para ser velado,
as pessoas que deveriam
ser avisadas,
o pastor, o hino
e um poeta para saudá-lo.
Organizado até para morrer.

Rumo à sepultura,
as águas do Amazonas
estavam encarnadas na forte chuva.
Na sepultura aberta,
as cordas que sustentavam
a descida do leve caixão
eram acompanhadas de dois
largos abraços de enxurrada.

Ele veio de Entre-Rios.


Com quem foi, não importa.

235
Revista da Academia Goiana de Letras

Poema para as mães – 2018

Miguel Jorge

Mais amor, porque mãe.


Carinho, verso inscrito em todos os lares,
porque mãe.
Ave sempre ao voo para salvar os filhos,
porque mãe.
Se rompe em explosão de carinho. O poema que escrevo,
reescrevo em impossíveis palavras, porque mãe.

Porque o sono lhe venha pelas madrugadas,


como se a invocar proteção aos filhos;
as mil maneiras de guardá-los na memória,
porque mãe. Algum choro, alguma fome, alguma dor,
alguma imagem retida na lembrança, desejo maior de vida,
porque mãe.

Assim são as mães: flores a dar cores, a perfumarem


a arte de se dar vida. Expressão maior do que se pode
sonhar, rimar amarelos e azuis, pensamento em elevação
para os sonhos que os filhos desejam sonhar.

Goiânia, 13 de maio de 2018

236
Revista da Academia Goiana de Letras

Sutilezas e metáforas
Às mulheres violentadas

Lêda Selma de Alencar


Atrás do sorriso,
o riso de escárnio,
o guizo, a serpente,
a ameaça do bote.
Soberano, o poder
decide, insulta,
violenta, esmaga,
tira o monstro das sombras,
e a mão ergue o gesto
que arma o instante.

Atrás do olhar
da fera que ruge,
o olho afiado,
a lança em riste,
as garras, os nós,
as teias de Sísifo,
e o poder dominante,
no eco do gume,
desfere o golpe
e o rito se cumpre.

237
Revista da Academia Goiana de Letras

Se Eva ou Pandora,
Messalina ou Maria,
se Ártemis e seu asco
ao domínio aviltante
do senhor das astúcias,
não importa, é mulher,
de cor ou de vidro,
dos sonhos, das sedes,
das noites talhadas
na silhueta das sinas.

A dor pesa tanto


no silêncio faminto
da presa impotente,
e se perde na boca
de gritos e preces.
Atrás do sorriso
do senhor das astúcias,
a mulher espancada,
e a voz falseada
nas sutilezas que ferem,
nas metáforas que matam.

238
Revista da Academia Goiana de Letras

ANO CULTURAL
EURICO BARBOSA
2018

239
Revista da Academia Goiana de Letras

240
Revista da Academia Goiana de Letras

Homenagem ao confrade
Eurico Barbosa dos Santos
01.03.2018

Edival Lourenço de Oliveira

Prezados confrades e confreiras,

Dr. Eurico Barbosa dos Santos nasceu em 03.03.1933, na


então bucólica e acolhedora cidade de Morrinhos. Seus pais eram
egressos do campo. O Sr. Aristides Ferreira Barbosa havia estu-
dado um semestre numa escola multisserial de roça, assinava o
nome, lia bilhetes e fazia as quatro operações. A mãe, Sra. Elisa
Maria de Oliveira, estudou menos ainda. Mesmo com escasso es-
tudo, tentaram e conseguiram estabelecer um comércio de secos
e molhados: Casa Barbosa. Dona Elisa teve onze partos, mas, em
razão das dificuldades da época, apenas quatro filhos chegaram à
vida adulta. Eurico foi o quinto filho e o segundo sobrevivente. O
ambiente não era lá muito amigável para quem gostava de livros
e leitura. Mas, graças à inclinação natural do garoto Eurico, e ao
apoio de alguns abnegados professores, o jovem ganhou gosto pe-
las redações, começou a escrever no jornal da cidade, O Liberal,
e, muito cedo, passou a ter seus dotes de invulgar orador, reco-
nhecidos. Sua carreira começava ali e certamente estabeleceu as
condições para que o irmão mais novo, Alaor Barbosa, pegasse o
micróbio da literatura e viesse a ser um destacado ficcionista.
No dia de seu nascimento, 03 de março de 1933, as poucas
pessoas que possuíam rádio – rádio de válvula e antena por so-
bre a casa, funcionando em ondas curtas, que mais chiava do que

241
Revista da Academia Goiana de Letras

transmitia sons –, ouviram que no Japão ocorrera um terremoto


avassalador, 8.3 na escala Richter, matando milhares de pessoas.
Talvez, os prenúncios de que a Segunda Grande Guerra estava fer-
mentando nas entranhas do poder e exatamente o Japão iria ser
bombardeado por artefatos atômicos, doze anos mais tarde.
Por falar em Segunda Guerra, foi também no ano de 1933
que Adolf Hitler fez aprovar no Congresso alemão a Lei da Au-
torização, que transformou o Führer num ditador, e a Alemanha
numa ditadura, criando as pré-condições para que ele se tornasse
o grande artífice desse evento histórico de conotações diabólicas.
A imprensa e os partidos oposicionistas foram dissolvidos, e seus
integrantes enviados para os campos de concentração. O primei-
ro campo foi o de Oranienburg, inaugurado em 12 de março de
1933. Enfim, foram suprimidas todas as liberdades civis. O fato
foi recebido com entusiasmo pela colônia alemã, no Rio Grande
do Sul. No mesmo mês, uma ditadura parecida com a de Hitler foi
implantada em Portugal, por Salazar.
Os sinais dos “tempos sombrios” chegaram oficialmente ao
Brasil ainda no início de 1933. No Rio de Janeiro, por força de um
decreto, o governo provisório de Vargas criou a Delegacia Espe-
cial de Segurança Pública, passando a acompanhar e vigiar todas
as atividades consideradas “subversivas”. Como relata a História:

A indicação das lideranças, os assuntos tratados, os locais de


reuniões, a realização de comícios, a publicação de jornais,
manifestos e materiais de propaganda, etc., tinham como
fonte principal a ‘verificação de jornais’, isto é, a leitura diária
da grande imprensa, ponto de partida para os investigadores.
A partir daí, passava-se para a elaboração de fichas e
dossiês dos suspeitos ou acusados. Depois, incorporavam-
se os relatórios de investigadores locais e aqueles enviados

242
Revista da Academia Goiana de Letras

pelas chefias de polícias estaduais. Aqui estava o embrião


do futuro DOPS do Estado Novo (1937-1945), lançando
ao mundo político o perseguidor Filinto Müller, que, por
uma década, comandaria a polícia ideológica brasileira e a
terrível repressão política no Brasil.

No ano de nascimento de Dr. Eurico, deu-se, no Rio de Janei-


ro, a instalação da Assembleia Nacional Constituinte para escrever
uma nova Constituição brasileira. Aqui em Goiás, a mudança da Ca-
pital, de Vila Boa para Goiânia, mesmo contra a vontade das velhas
oligarquias, estava em pleno andamento. A efervescência naqueles
dias era tamanha que um dos nossos constituintes, possivelmente
Mário de Alencastro Caiado, no dia da promulgação da Constitui-
ção da Segunda República, já protestou por revisão constitucional
imediata, para readequar a divisão de renda entre os Estados.
Todos esses prolegômenos históricos em torno do dia 3 de
março e do ano de 1933 foram só para demonstrar que Dr. Eurico
nasceu em dia e ano especiais. Num momento em que o mundo
estava efervescente e tenso, tensão essa que veio culminar com a
Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Seu caráter foi forjado
nesse contexto.
A Segunda Guerra levou consequências ao mundo inteiro,
abalando as estruturas, ensejando oportunidades para que pesso-
as de fibra pudessem, como coluna vertebral de corpos abalados,
demonstrar determinação, firmeza e coragem para a implementa-
ção da justiça e a prevalência dos valores humanos.
Houve pessoas que, pelo posicionamento logístico, ocupa-
ram o cenário mundial. Mas isso não prescinde, não desmerece
nem diminui a dimensão das pessoas que atuaram localmente e,
em seu campo de luta, espalharam a democracia e o bem com
suas ações.

243
Revista da Academia Goiana de Letras

Foi um tempo de nomes proeminentes, talhados para ficar


na História: Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos da América;
Charles de Gaulle, na França; Winston Churchill, na Inglaterra;
Josef Stalin, na União Soviética; Mao Tsé-Tung, na China; Juan
Domingo Perón, na Argentina; Getúlio Vargas, no Brasil; Pedro
Ludovico, em Goiás, e assim por diante.
Eurico Barbosa é um nome do pós-guerra de quem pode-
mos nos orgulhar, pelo seu destemor, pelo seu descortino mental,
pelos seus escritos (Confissões de Generais é um Clássico de nossa
historiografia), pela sua oratória, pelas suas posições corajosas em
favor dos valores humanos, das instituições democráticas e do que
julga ser justo.
Fez o primário no Grupo Escolar Cel. Pedro Nunes, o Gina-
sial no Ginásio Senador Hermenegildo de Moraes (Morrinhos),
o cientifico no Colégio Brasil (Niterói) e no Ateneu Dom Bosco
(Goiânia). Formado em direito, em 1957, pela Universidade Fe-
deral de Goiás, foi orador da turma. Durante os tempos de uni-
versidade, presidiu a União Estadual dos Estudantes. Jornalista
profissional de 1953 a 1958, fundou e presidiu a Associação dos
Cronistas Esportivos de Goiás (1956).
Como político, nunca foi um radical. Quer de direita, quer
de esquerda. Um liberal progressista, sim, mas com certa tendên-
cia a colocar-se na oposição, até porque sempre viu que a ocupa-
ção prolongada do poder acaba por corromper os poderosos.
Ainda muito jovem, candidatou-se e foi eleito vereador em
sua Morrinhos natal, pelo partido da UDN – União Democráti-
ca Nacional. Lembrando que o poder em Goiás era exercido pelo
PSD – Partido Social Democrata. Ao final do mandato de verea-
dor, elegeu-se deputado estadual, mandato que cumpriu integral-
mente, na ala da oposição. Foi eleito ao segundo mandato. Houve

244
Revista da Academia Goiana de Letras

então um ponto de inflexão na vida de nosso homenageado: o


partido dele, a UDN, que era de oposição, aderiu entusiastica-
mente ao Golpe Militar de 64, também chamada de Revolução de
64, pelos simpatizantes. Como Dr. Eurico não concordava com os
ideais preconizados pelo Golpe Militar, posicionou-se contraria-
mente, filiando-se ao PSD. Nessas alturas, a UDN passou a cha-
mar-se ARENA (Aliança Renovadora Nacional), e o PSD passou
a chamar-se MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Sua ati-
tude contrariou os militares de plantão. Teve o mandato cassado
e os direitos políticos suspensos, por força dos assombrosos atos
institucionais vigentes à época.
Quando passou o regime de exceção, tendo recobrado seus
direitos políticos, elegeu-se mais duas vezes para deputado esta-
dual, presidiu a Assembleia Legislativa de Goiás, foi Secretário
de Justiça e Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de
Goiás. No Tribunal de Contas do Estado, chegou à presidência
em 1999 e, de suas inúmeras contribuições, destaca-se a criação
do Instituto Leopoldo de Bulhões, de estudos voltados para a
eficiência do Órgão.
Como esta homenagem vem no contexto do Ano Cultural
Acadêmico Eurico Barbosa, da Academia Goiana de Letras, ho-
menagem das mais justas e oportunas, permito-me comparar, nas
devidas proporções, a trajetória de Dr. Eurico Barbosa com a do
estadista inglês, Winston Churchill, um político correto e essen-
cial nos momentos cruciais e, ao mesmo tempo, um escritor acla-
mado. Vale lembrar que Churchill foi o único político que ganhou
o Prêmio Nobel, não da Paz, mas de Literatura (1953). O júri da
Academia Sueca assim se justificou: “Pela sua mestria na descri-
ção histórica e biográfica, bem como pela brilhante oratória em
defesa dos valores humanos”. Tal qual o expoente inglês, nosso

245
Revista da Academia Goiana de Letras

homenageado participou ativamente da história e escreveu obras


imprescindíveis para a compreensão de Goiás e do Brasil, nesses
tempos tumultuados do pós-guerra.
Como escritor, tem publicadas as seguintes obras:

• Confissões de Generais – A verdade sobre o golpe de 64 (1988),


como já dissemos, hoje um clássico de nossa historiografia;

• Pedro Ludovico – A Mudança Revolucionária, primeiro prêmio


de concurso da Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira
(1992);

• Histórias e Lembranças (1997);

• A Noite de 15 Anos (1999);

• Rui Barbosa e o Ideal do Tribunal de Contas (2000);

• Na Tribuna da Academia e outros escritos (2015), uma coletânea


de ensaios sobre grandes nomes, como Machado de Assis, Mon-
teiro Lobato, Euclides da Cunha, Rachel de Queiroz, Gilberto
Mendonça Teles, Alaor Barbosa, dentre outros.

Ainda como ativista das letras, Dr. Eurico é membro da As-


sociação Goiana de Imprensa (AGI), da União Brasileira de Escri-
tores (UBE-GO) e, é claro, da Academia Goiana de Letras, da qual
já foi presidente, duas vezes, com desenvoltas gestões.
Parabéns, Dr. Eurico, pelo ano cultural da AGL, que leva o
seu nome. Nós, goianos, orgulhamo-nos de sua história. A União
Brasileira de Escritores – Seção de Goiás – sente-se extremamente
honrada em tê-lo em sua confraria.
Muito obrigado!

246
Revista da Academia Goiana de Letras

Homenagem ao Eurico Barbosa – presença na


Academia Sul Matogrossense de Letras – Sessão da
AGL, em 17.05.2018

Hélio Moreira

Gostaria de agradecer a Diretoria da Academia Goiana de


Letras, na pessoa da sua Presidente e do acadêmico Miguel Jorge,
pela oportunidade que me deram para falar algumas palavras a
respeito do meu confrade e, sobretudo, amigo, Eurico Barbosa.
Conheço e admiro o Dr. Eurico há muitos anos, muito tem-
po antes de ele saber da minha existência, pois o acompanhava
nas lides políticas e, sobretudo, culturais, antes do nosso primeiro
encontro. Naquela oportunidade a empatia foi instantânea, passa-
mos a nos gostar, mutuamente, de maneira definitiva.
Antes de falar da obra literária do Eurico, provavelmen-
te seja isto o que o amigo Miguel Jorge deseja ouvir, gostaria
de discorrer, rapidamente, do Eurico Barbosa plural (jornalis-
ta, político, polêmico e administrador) inserido na sociedade
goianiense, claro que não conseguirei percorrer toda a jornada
dele nessas lides, porém, preciso lembrar que ele continua sen-
do tudo isso.
Foi deputado estadual por vários mandatos, chegando, in-
clusive à Presidência da Assembleia Legislativa e nessa vertente
teve grande participação, pois foi o representante goiano na famo-
sa “Bossa Nova” do antigo partido político, a UDN (União Demo-
crática Nacional) e, como sabemos, essa sigla tinha uma tendência
direitista e esse grupo não comungava com essa linha reacionária.

247
Revista da Academia Goiana de Letras

Na sua atuação administrativa, ele foi presidente do Tribu-


nal de Contas do Estado, onde adotou o lema: “Moralidade de que
é pilar um tribunal guardião do Erário, diagnóstico de acertos,
desvios, abusos, desperdícios e exorbitâncias, fiscal com a vigilân-
cia concentrada no respeito e na observância da Lei”.
Foi Presidente da Academia Goiana de Letras, onde exerceu
essa função com a dignidade que o cargo exige.
Atuou na televisão, com entrevistas exclusivas, inclusive
com o candidato a presidência da República, Magalhães Pinto, e
no jornalismo em si, tem publicado um infindável e ótimos arti-
gos no Diário da Manhã.
Infelizmente não tenho todas as obras literárias publicadas
pelo Eurico, mas confesso que possuo uma grande parte delas e
a sua cadência não muda, sempre incisivo, quer na prosa como
contando excertos da nossa história.
Não vou cair no lugar-comum de repetir aqui para esta
plateia, composta por amigos do Eurico, a relação dos seus li-
vros publicados, pois são do conhecimento de todos os presen-
tes, porém, preciso realçar alguns deles que, vez por outra, servem
de referências para algumas das minhas incursões na literatura,
principalmente nas minhas pesquisas sobre a História do Brasil e
particularmente de Goiás. Destaco dentre eles, Pedro Ludovico: A
mudança revolucionária e Confissões de Generais – A intervenção
militar na política brasileira.
Gostaria, também, de lembrar que Eurico é um ótimo “con-
tador de estórias” e no livro Histórias e Lembranças – Crônicas
Morrinhenses, ele se revela de maneira inacreditável (conta suas
peripécias de menino na companhia de outros meninos, seus con-
terrâneos), fala de alguns personagens típicos de qualquer cidade,

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Revista da Academia Goiana de Letras

sua paixão pelo Flamengo (costume que começou na idade de


criança) e, sobretudo, fala da sua grande admiração pelo seu ir-
mão e nosso confrade, Dr. Alaor Barbosa.
No ano passado, iniciamos, Aidenor Aires, Eurico e eu, um
projeto que nos deu, enquanto durou, enorme satisfação: convidá-
vamos, a cada 15 dias, uma personalidade da cultura goiana para
almoçar conosco, e nós três iniciávamos, na companhia do convi-
dado, um debate a respeito da literatura goiana e nacional. Quase
todas as semanas publicávamos no jornal Diário da Manhã um
resumo desses encontros
Toda a discussão era gravada e, pretendíamos, a partir do
acúmulo de material, editar um livro a respeito dessas reuniões;
infelizmente, o projeto não teve continuidade.
Estou tentando no Instituto Cultural Sicoob restabelecer
aquela programação, só que agora no seu recinto e com o patro-
cínio daquela entidade, provavelmente faremos com auxílio do
audiovisual (filmagens).
Para encerrar este monólogo, gostaria de narrar uma aven-
tura que tivemos (Eurico e eu), quando esse que lhes fala, estava
na Presidência da nossa Academia, peço a paciência de todos para
ouvirem este relato.
A convite da Academia Sul-Mato-grossense de Letras esti-
vemos, no final do mês de março de 2010, o acadêmico Eurico
Barbosa e eu, na cidade de Campo Grande, para proferirmos pa-
lestras sobre a literatura goiana.
Antes de tudo, preciso destacar o impacto positivo que a
bela cidade de Campo Grande nos causou; tanto o Dr. Eurico,
como eu, já a conhecíamos de outras oportunidades, porém, des-
sa vez, foi diferente; suas avenidas largas e floridas, seu trânsito

249
Revista da Academia Goiana de Letras

organizado, seu centro administrativo localizado em meio a uma


floresta, ideia e realização do ex-governador Pedro Pedrossian
(parece que é sina dos Pedros, o nosso e o deles, organizarem ci-
dades!); além de tudo isso, a presença de um povo hospitaleiro faz
dessa cidade um local para se invejar.
Fomos recepcionados com um carinho inacreditável, falta-
va adivinharem o que queríamos, principalmente pela figura ex-
traordinária do presidente do sodalício, Reginaldo Alves de Araú-
jo, sempre acompanhado pelos acadêmicos Rubenio Marcelo e
Guimarães Rocha.
Desde o início, percebi que o luzeiro da viagem seria o Eu-
rico Barbosa, uma vez que uma das figuras mais representativas
da política e, também, membro da Academia de Letras do Mato
Grosso do Sul, Dr. Wilson Barbosa Martins, havia solicitado ao
seu presidente Reginaldo, que incluísse Eurico no convite que foi
dirigido ao nosso sodalício.
Nossas palestras estavam programadas para o período da
noite; depois do almoço, após termos feito um tour pela cidade na
companhia do presidente Reginaldo, nos dirigimos à casa de Wil-
son Martins, localizada no centro da cidade, atendendo ao convite
que nos foi endereçado pelo mesmo.
Casa até certo ponto modesta, tendo em vista a notoriedade
do seu proprietário (ex-governador do Estado por duas vezes, se-
nador e deputado federal, dentre outros cargos políticos), porém,
acolhedora pela distribuição dos seus ambientes; uma secretária,
postada em uma sala localizada logo na entrada, avisou-nos que o
anfitrião já nos esperava, guiando-nos de imediato para o salão da
biblioteca; logo em seguida, chegou Dr. Wilson.

250
Revista da Academia Goiana de Letras

Figura majestosa, impondo-se no ambiente pela sua pre-


sença fidalga e desvaidosa; homem de estatura longilínea, canície
própria da ancianidade, magro, porém, com musculatura bem-
-distribuída, caminhar firme, sem titubeios nos gestos; senta-se ao
nosso lado ao redor de uma longa mesa feita de madeira maciça;
após as apresentações formais, manda servir-nos um café.
Não há como não se encantar com a lucidez e brandura no
trato com que nos distingue esse homem de quase 94 anos de ida-
de, sintonizado com os acontecimentos do tempo atual; de vez em
quando, retira os óculos e olha-nos, aguardando respostas para
alguma indagação que fizera; se demoramos com a resposta, não
insiste e deixa-nos com a sensação de que ele sabia a resposta.
Por conhecê-lo há bastante tempo, sei que o Eurico estava
emocionado com o reencontro, possivelmente, ele e Dr. Wilson
voltaram no tempo e relembraram das suas lutas políticas desen-
volvidas há quase cinquenta anos, época do grupo popularizado
pela imprensa da época com o nome de “bossa nova”, pertencente
à extinta UDN, sigla partidária com forte tendência direitista; es-
ses políticos, não só em âmbito federal como em vários Estados
da Federação, embora pertencentes àquela agremiação partidária,
não comungavam com a sua linha reacionária.
O tempo passa celeremente, e temos que partir; na despedi-
da, fomos obsequiados com exemplares do livro Memória – Janela
da História, sua autobiografia em cuja introdução lê-se o seu lema
de vida: “Nunca pude viver em regime de aperturas, sem direitos
individuais, sem liberdades, sem tranca aberta”.
No caminho de volta ao hotel, dissemos, Eurico e eu, um
para o outro: – Só esta visita valeu nossa viagem!

251
Revista da Academia Goiana de Letras

A noite ainda nos reservava mais emoções; com o auditó-


rio do SESC completamente lotado, proferimos nossas palestras,
conforme havia sido estipulado pela Academia de Letras do Mato
Grosso do Sul; falei sobre a presença de Couto de Magalhães na
Presidência da então Província de Mato Grosso (época do Impé-
rio) e sua participação na guerra contra o Paraguai.
Fiquei orgulhoso, como goiano e, principalmente, como
seu amigo, com a conferência proferida pelo Eurico Barbosa;
consultando, eventualmente, um roteiro adrede escrito, durante
quase cinquenta minutos, fez um arrazoado sobre a literatura
e os escritores goianos, desde os seus primórdios até os dias de
hoje; as palavras lhe saíam concatenadas e com cadência extra-
ordinária; o auditório mantinha-se em silêncio respeitoso; sua
experiência de orador, com mudanças súbitas da tonalidade da
voz, dominava o ambiente
Antes de terminar a sua alocução, ele declamou, como um
profissional sabe fazer, um dos mais singelos e belos poemas das
letras goianas: “A pinta roxa”, de autoria de Ygino Rodrigues, pa-
trono da Cadeira nº 24 da Academia Goiana de Letras.
Isso dito tornemos à minha admiração e constatação: Di-
ficilmente Campo Grande irá esquecer-se do Dr. Eurico Barbo-
sa. Ele fez da oratória um esgrima intelectual a serviço da cultura
goiana e principalmente da nossa Academia Goiana de Letras.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Palavras ao confrade Eurico Barbosa dos Santos

Itaney Francisco Campos

Senhora Presidenta, ilustres confreiras e confrades,


Senhoras e senhores,

Minhas palavras iniciais são de agradecimento à escritora


Lêda Selma, presidenta desta entidade de cultura, pela oportuni-
dade de compor esta Mesa de debate, ao lado do professor Getú-
lio Targino, uma das mentes privilegiadas deste Sodalício, por sua
ampla cultura e criatividade, mestre inolvidável, com quem muito
aprendi no convívio universitário, e do acadêmico Hélio Moreira,
intelectual de estirpe, cronista, ensaísta e referência cultural deste
Estado. Para mim, noviço nesta Academia, é um privilégio que se
reforça pelo objetivo proposto, qual seja, a reflexão sobre a produ-
ção intelectual do acadêmico Eurico Barbosa dos Santos, primus
inter pares, advogado, jornalista, ex-parlamentar, ex-conselheiro,
ex-presidente desta Casa, que empresta o seu nome ao ano cultu-
ral de 2018. A esse notável acadêmico, reconhecido tribuno, devo
a nímia gentileza de me haver recebido neste Sodalício, há um
ano e meio, falando em nome dos seus eminentes pares, num dos
momentos mais significativos da minha trajetória existencial. Por
isso, a minha indelével gratidão.
O meu primeiro contato pessoal com o Dr. Eurico Bar-
bosa deu-se no ano de 1979. Eram anos de dureza, de vacas
magras. Para mim, magérrimas. Eram tempos de escuridão.
O País achava-se imerso no fosso escuro do autoritarismo,

253
Revista da Academia Goiana de Letras

embora já debatendo-se pelas luzes da restauração democrá-


tica. Eurico, parlamentar brilhante e independente, crítico
do regime de força imposto ao País em 1964, tivera cassados
os seus direitos políticos e o mandato parlamentar no ano de
1969. Nessa contingência, dedicava-se ao exercício da advoca-
cia e frequentemente deslocava-se, a bordo de um fusquinha,
para a cidade de Morrinhos, sua terra natal, onde mantinha
um escritório profissional. Generosamente, permitiu-me via-
jar algumas vezes em sua companhia. É que, recém-formado,
eu ingressara, mediante concurso, no serviço público federal,
vinculado ao Ministério do Trabalho, lotado, então, no torrão
natal do poeta Guilherme Xavier de Almeida. Minha família
continuava a residir em Goiânia, onde minha mulher exercia o
cargo de professora do curso secundário.
A essa altura, eu já me enfronhara na literatura goiana e ti-
nha referências dos irmãos Alaor e Eurico Barbosa, destacados
intelectuais originários da bucólica Morrinhos. Leitor, então, dos
jornais Movimento, Opinião e O Pasquim, órgãos da imprensa al-
ternativa, de crítica mordaz ao regime, eu tinha consciência das
atrocidades que vinham ocorrendo no País, desde a tortura de
presos políticos à perseguição aos artistas e intelectuais, por isso,
alimentava grande admiração pelos advogados da resistência, fi-
guras inquebrantáveis, como Eurico Barbosa.
A pressão popular e o fracasso do chamado “milagre brasi-
leiro” possibilitaram a anistia política e o retorno dos exilados. Em
março de 1983, Eurico dá a volta por cima, reassume o mandato
popular e elege-se Presidente da Assembleia Legislativa do Esta-
do de Goiás. O PMDB, partido de oposição ao governo, elegera a
maioria absoluta dos deputados da Casa.

254
Revista da Academia Goiana de Letras

A par da atuação parlamentar, em que se destacou como tri-


buno de invulgar talento, Eurico tornou-se um abalizado analista
da conturbada conjuntura política nacional, produzindo, com sua
verve jornalística, artigos de apurado rigor formal e denso conte-
údo analítico, apoiando-se sempre em dados factíveis e precisos
a respeito da evolução política nacional. Um aspecto da conduta
desse proeminente intelectual goiano deve ser ressaltado: a sua in-
discutível fidelidade aos princípios de sua formação democrática
e a sua coerência entre o discurso e a forma de conduzir-se.
Já se disse que não é fácil pensar de forma coerente, e que
menos fácil ainda é manter a coerência entre o que se pensa e o
que se diz, mas a maior dificuldade reside mesmo em pensar, di-
zer e agir coerentemente. Há quem pretenda até que a sabedoria
resida na coerência entre o falar e o agir. Nesse particular, nossa
personalidade do ano cultural há de ser tido como um sábio.
Dotado de sólida formação democrática, manteve ele, ao
longo da vida, sua coerência ideológica, sem transigir com os es-
quemas golpistas e de escárnio às bases do Estado democrático
de Direito. Tanto que pode proclamar, posteriormente, depois da
tormentosa travessia: “Eu me orgulho de ter sido o único políti-
co com mandato em nosso Estado que manteve posição contra o
golpe (de 1964) antes, no dia e depois dele” (in artigo “A grandeza
histórica de Mauro Borges”. )
Por isso, Eurico deve figurar na lista dos grandes jornalistas
brasileiros ( Luís Gama, Patrocínio, Callado, Cony, Mino Carta,
Millor) que fizeram de sua pena um instrumento de defesa da Li-
berdade, de resistência ao autoritarismo, ainda que com o sacrifí-
cio pessoal e, no caso dele, de violência ao mandato que lhe fora
outorgado pelo povo.

255
Revista da Academia Goiana de Letras

Seu livro Confissões de Generais, minucioso relato dos


acordos cavilosos para a quartelada de 1964, foi prefaciado por
ninguém menos que o militar nacionalista, historiador e literato
Nelson Werneck Sodré. Isso, por si só, já representa uma glória.
Porém, é no primoroso trabalho intitulado Na Tribuna da
Academia e outros escritos, que Eurico revela a sua verve lite-
rária e sua ampla cultura humanística, traçando, com rica base
bibliográfica, os perfis de ícones da literatura brasileira, como
Machado de Assis, Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, Gil-
berto Mendonça Teles e Alaor Barbosa, entre outros, logrando
revelar aspectos inusitados do brilho e grandeza de espírito dos
intelectuais biografados.
Seu destemor à crítica e sua coragem intelectual pode ser
comprovada, uma vez mais, ao longo do ano de 2016, quando,
rejeitando o discurso hegemônico de intervenção no mandato
da Presidência da República, proclamava a ilegalidade do impe-
dimento casuístico, sustentando o dever indeclinável de respeito
aos primados constitucionais, pilares da democracia brasileira. O
vigor de sua voz e de outros tribunos não foi suficiente para conter
o avalanche da insatisfação social e da oposição política, de sorte
que, destituída a Presidenta eleita, viu-se o país, uma vez mais,
submetido a um governo de discutível legitimidade, sem identifi-
cação com as aspirações populares. Mas Eurico combateu sempre
o bom combate. Exerceu e exerce com dignidade o ofício de escri-
tor. Sua visão sempre esteve no futuro. Seus escritos contempla-
ram a beleza e a justiça. Daí, a garantia de sua permanência.
Obrigado a todos pela prestimosa atenção.

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Revista da Academia Goiana de Letras

SESSÃO MAGNA
DA SAUDADE

257
Revista da Academia Goiana de Letras

258
Revista da Academia Goiana de Letras

Sessão Magna da Saudade


Eliezer José Penna

Eurico Barbosa dos Santos

Prezadíssima confreira e presidente Lêda Selma.


Demais integrantes da mesa;
Colegas acadêmicos;
Senhoras e senhores;

A parte introdutória da última produção literária de Eliezer


Penna – Política & Políticos/Divergências e Convergências – con-
siste de 4 textos de jornalistas que foram colegas de trabalho do
escritor cuja evocação se faz nesta sessão magna da saudade: O
pitoresco na política na pena de Eliezer, de autoria deste que vos
fala; O pai da moderna imprensa goiana, de Jávier Godinho; Mes-
tre do jornalismo, de Armando Acioli; Ajuste de contas, de Batista
Custódio.
Em meu escrito afirmo:
“Em 1947, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a agre-
miação comandada pela figura lendária de Luiz Carlos Prestes, foi
declarado ilegal, graças a uma ação do governo presidido pelo ge-
neral Eurico Gaspar Dutra – que havia sido Ministro da Guerra da
ditadura do Estado Novo – ação essa que contou com a cobertura
do Poder Judiciário. Prestes, único senador da legenda, com rela-
tivo destaque na Assembleia Nacional Constituinte de 1946, mais
os deputados federais eleitos sob ela, entre eles o escritor Jorge

259
Revista da Academia Goiana de Letras

Amado; e todos os representantes estaduais e municipais comu-


nistas, perderam o mandato outorgado pelo povo.
Os órgãos de imprensa oficial ou notoriamente vinculados
ao partido foram fechados, e os jornalistas que neles atuavam fi-
caram, naturalmente, desempregados. Entre os repórteres e reda-
tores do jornal paulistano Hoje, de linha prestista, figurava um
jovem de 22 anos – Eliezer José Penna.
Fechado aquele periódico, Eliezer veio para Goiânia, aqui
ingressou na Folha de Goiaz, diário pertencente aos Órgãos As-
sociados, cadeia nacional de veículos jornalísticos e radiofônicos
de propriedade de Francisco Bandeira de Assis Chateaubriand, o
famoso Chatô, notavelmente biografado por Fernando Moraes e
por esse alcunhado, no subtítulo do livro biográfico O Rei do Bra-
sil, tal a influência que por longo tempo exerceu sobre os governos
e consequentemente na vida política do País.
Na Folha de Goiaz, jornal de maior tiragem e maior ven-
da avulsa na Goiânia daquele tempo – a cidade tinha menos de
cinquenta mil habitantes – Eliezer Penna (seu nome jornalístico)
entrou direto como redator-chefe. Evidenciada ali sua enorme
competência, ao empreenderem os irmãos Joaquim Câmara Filho
e Jaime Câmara a iniciativa de modernizar e dinamizar O Popu-
lar, então bissemanário, no começo da década de 50, cuidaram de
obter o concurso do profissional paulista que tão bem projetava o
brilho do seu trabalho no jornal concorrente. E Eliezer logo mos-
trou excelentes serviços como Diretor-Secretário. O Popular pas-
sou a ter excelentes editoriais, bem feito e diversificado noticiário,
adotou a reportagem e modernizou a paginação.
Em janeiro de 1953, procurei o jornal dos irmãos Câmara
a fim de nele tentar a sorte como repórter e redator. Acabara de

260
Revista da Academia Goiana de Letras

deixar o IBGE, onde trabalhei apenas sete meses e onde tive como
colegas Gilberto Mendonça Teles, A. G. (Antônio Geraldo) Ra-
mos Jubé e Jesus Barros Boquady, três dos maiores nomes da poe-
sia goiana; e o jornalista Irorê Gomes de Oliveira (filho do escritor
Pedro Gomes, um dos pioneiros do conto em Goiás).
Sentia em mim a vocação do jornalismo. Desde os 12 anos,
em Morrinhos, devorava reportagens, artigos, crônicas e notici-
ários do Correio da Manhã, de O Jornal e até as matérias panfle-
tárias e facciosas de O Social, do PSD, e Jornal do Povo, da UDN,
semanários goianos. Meu pai os assinava para servir de embru-
lho das mercadorias que vendia no seu armazém, a Casa Barbo-
sa. Quando Celestino Filho e José Antônio da Costa fundaram o
semanário morrinhense O Liberal, tornei-me seu comentarista e
noticiarista esportivo. Tinha a idade de 15 anos.
Ao mesmo tempo em q evidenciava sua vocação e sua capa-
cidade de jornalista, Eliezer já patenteava seu talento de escritor.
Naquele tempo, havia uma revista, Alterosa, editada em Belo Hori-
zonte, que promovia mensalmente concurso, de caráter nacional,
de contos, a que concorriam valores inéditos. Ao lado de Eliezer
ali na redação de O Popular pude testemunhar sua felicidade ao
ser premiado com o primeiro lugar por diversas vezes. Os contos
vitoriosos eram publicados pela revista mineira e inegavelmente
testemunhavam o talento literário do redator chefe de O Popular.
Formado em Direito a 12 de dezembro de 1957, voltei para
Morrinhos, a fim de exercer a advocacia, que acabei conjugando
com atividades no magistério. Após cumprir mandato de vereador,
retornei a Goiânia em 1963 como deputado estadual. Na Assem-
bleia Legislativa, ocorre o reencontro com Eliezer, pois também
no pleito de 1962 se elegera deputado estadual. Profundamente

261
Revista da Academia Goiana de Letras

ético e respeitoso, sua atuação tinha a reverência de todos os pa-


res. E nossa amizade balizou excelente convivência, mesmo quan-
do atuantes sob siglas adversárias.
Eliezer exerceu apenas um mandato de deputado estadual.
Quanto a mim, reeleito em 1966 pelo partido que ajudei a fundar
o MDB, vi-me atingido pela cassação do mandato e pela suspen-
são dos direitos políticos por dez anos, no dia 13 de março de
1969. O amigo Eliezer, que nunca deixou o jornalismo, estando eu
em Morrinhos a advogar na década de 1970, supreendeu-me com
uma visita cujo propósito era uma entrevista para o Cinco de Mar-
ço. Generosamente, dedicou duas páginas inteiras aos meus rela-
tos e opiniões. Em 1985, estando na presidência da Assembleia
Legislativa, tive a oportunidade da concessão a Eliezer do título
de Cidadão Goiano, do qual ninguém era mais merecedor do que
ele. Na mesma época, obtive a aprovação dessa mesma concessão
ao escritor Carmo Bernardes.
Na década de 1990, precisamente em 31 de outubro de 1996,
o paralelismo de nossas trajetórias – a de Eliezer e a minha se rea-
firma com o meu ingresso nesta Academia, porque aqui o grande
amigo já se achava titular da Cadeira n° 5 desde 08 de maio de 1977.
Publicara ele excelente livros de contos – Sem cravos na lapela, uma
coletânea muito louvada pela crítica literária. E seu estro também
vem a se evidenciar com uma obra consistente exclusivamente de
sonetos. Sua vivência na política e na administração pública – foi
secretário do governo de José Feliciano Ferreira (1959-1961) – lhe
proporciona o excelente conteúdo de Política & Políticos/Divergên-
cias e Convergências, um dos excelentes trabalhos que formam a
coleção Prosa e Verso editada em 2007 pela Editora UCG e empre-
endida pela Secretaria de Cultura e Prefeitura de Goiânia.

262
Revista da Academia Goiana de Letras

Registre-se que Eliezer Penna teria no acervo de sua pro-


dução literária outra grande obra se houvesse reunido em livro
seus magistrais artigos de fundo ou editoriais, sobretudo os escri-
tos e publicados em sua longa passagem pelo jornal dos irmãos
Câmara, o tradicionalíssimo O Popular. Tais sueltos são lapidares
na forma e substanciosos no conteúdo, reveladores de erudição e
cultura, objetividade e singular senso de observação. Se os selecio-
nasse e os desse a lume, Eliezer fixaria mais ainda a sua capacidade
de escrever e a força das suas ideias.
Esta Academia, pela qual Eliezer Penna sempre demons-
trou enormíssimo apreço, considerando-a mesmo a mais hon-
rosa expressão dos seus triunfos intelectuais, teve a feliz oportu-
nidade de testemunhar o quanto a presença do grande jornalista
e escritor lhe significava, ao batizar 2013 com o nome do titular
da Cadeira n° 5”.

Fiz referência a Jávier Godinho, Armando Aciolli e Batista


Custódio, como autores de textos da parte introdutória da última
produção literária de Eliezer. Destaco alguns tópicos desses escri-
tos. Depõe Jávier Godinho:
“Se não contarmos agora, no presente e no futuro não sabe-
rão que Eliezer José Penna é o pai da moderna imprensa goiana.
Quando, em meados da década de 50, vindo de São Paulo,
ele chegou a Goiás. O Popular e Folha de Goiaz, os dois diários da
Capital, não tinham sequer manchete de primeira página, como
as conhecemos hoje. As matérias de capa, todas com títulos pe-
quenos e sem nenhum vibração, prosseguiam com a maior par-
te do seu texto, em páginas internas. Era um irritante “continua
na página tal”. Não havia fotos, a não ser um ou outro surrado

263
Revista da Academia Goiana de Letras

boneco de personalidades, sobretudo políticos, além de notícias


de aniversários e batizados, com o aniversariante, se fosse adulto,
qualificado de “conceituado”, se fosse menino, chamado de “inte-
ligente garoto”.
Em negociação para trabalhar na Folha de Goiaz, Eliezer
acabou acertando com O Popular, onde promoveu uma revolu-
ção, que lhe custou dias de inquietação e noites de insônia, devido
ao conservadorismo da sociedade.
Imaginem quando ele ousou lançar manchete policial no
jornal e, mais ainda, o escândalo ao colocar na capa a foto da Miss
Goiás, dentro de comportado maiô preto que não escondia suas
pernas grossas, eleita na noite anterior no Jóquei Clube. Assim, foi
derrubando barreiras do atraso, sempre com a cabeça sob o cute-
lo, até que, para desfrutar de maiores doses de paz, decidiu trocar
o jornalismo pela política e se transformou em digno homem pú-
blico e competente secretariado de Estado e deputado. Só então,
teve tempo de fazer poesia e escrever por diletantismo, coisas que
realiza com indiscutível talento.
Ser convidado para fazer a orelha de um livro seu é para nós
motivo de orgulho e alegria. Quem nos deu a primeira oportuni-
dade no jornalismo foi Tasso Câmara, que era gerente de O Popu-
lar e nos confiou às mãos sábias e protetoras de Eliezer. Tendo um
mestre como aquele, aproveitamos apaixonadamente o aprendi-
zado e, em pouco tempo, deslanchamos numa profissão que é a
melhor do mundo.
Seu cabedal de conhecimentos não tem limites. Continuar
aprendendo com ele é um privilégio e uma honra.”

Depoimento de Armando Acioli:

264
Revista da Academia Goiana de Letras

“Tive a honra de trabalhar com Eliezer Penna em O Popu-


lar, juntamente com outros colegas iniciantes no jornalismo, entre
os quais Jávier Godinho, Eurico Barbosa dos Santos, Alírio Afon-
so de Oliveira, Américo Fernandes, Goya Mavalle, Lourival Ba-
tista Pereira, Wolney Milhomen e o repórter-fotográfico Hélio de
Oliveira. O então diretor de publicidade do jornal era o jornalista
Isorico Barbosa de Godoy.
Na convivência leal, sensata e atável com os irmãos Câma-
ra, com os colegas de Redação e das oficinas, Eliezer Penna ainda
escreve na mídia impressa de outros órgãos para satisfação da so-
ciedade goiana.
Embora não contando, naquele distante período, com os re-
cursos da tecnologia, ele modernizou O Popular na sua apresenta-
ção gráfica e no seu formato jornalístico. Era a época do linotipo
(composição dos tipos de chumbo derretido), da paginação e im-
pressora manuais. Veio depois a rotoplana. Tudo, porém, circula-
va a seu tempo (o jornal tinha oito páginas e passou a diário sob
a sua gestão), com noticiário dos fatos locais, regionais, do país e
internacionais. Eliezer é o introdutor do jornalismo profissional
em Goiânia e no Estado.
Quando presidente da Associação Goiana de Imprensa pro-
movia encontros de confraternização entre a categoria.
No dia 02/10/2006, o correto homem da imprensa e mestre
do jornalismo comemorou o cinquentenário da primeira visita do
presidente Juscelino Kubitscheck à area escolhida para construção
de Brasília, quando então o entrevistou, sendo o primeiro jorna-
lista goiano a fazê-lo. O memorável acontecimento foi registrado
pelo repórter-fotográfico Hélio de Oliveira. Posteriormente, Elie-
zer Penna veio a ingressar na vida pública.

265
Revista da Academia Goiana de Letras

Vocacionado para as letras, além de jornalista da melhor es-


tirpe, é bacharel em Direito e escritor. Ao publicar nova obra lite-
rária, Eliezer Penna me faz lembrar a sentença do filólogo romano
Terenciano Mauro: ‘Os livros têm o seu destino’”.

Por sua vez, Batista Custódio assinala:


“O que mais impressiona em Eliezer Penna é a sua capaci-
dade de conviver com dois adversários, leal a ambos, sem trair
ou prejudicar a nenhum; ao contrário, inviolável na guarda dos
segredos e ponderado até para respirar, ele apazigua sempre as
facções litigantes, jamais as lançando na discórdia. Eu, que já o
censurei por pertencer a vários governos, hoje posso visualizar a
verdade integral: os sucessivos e antagônicos governos a que ser-
viu é que se beneficiaram de seu tirocínio político e clareza his-
tórica, sua calma segurança diante dos fatos a serem vencidos ou
contornados. As deficiências arguidas contra Eliezer pelos seus
oponentes, que gostariam de estar em seu lugar, existem; só que
não estão nele, mas na inveja daqueles que julgam os outros como
se estivessem olhando para si mesmos.
Eis que, agora, ele nos chega através de poesia, e destampa
os lados reais de sua personalidade que a vida pública isola do
conhecimento popular. O que vemos é um sonhador de asas moí-
das pelos encargos do arrimo familiar, trazendo, acima da mágoa
deixada pela ingratidão de líderes que fascinaram o eleitorado à
custa de seu trabalho anônimo, a alegria de poder ajudar o próxi-
mo. Eliezer Penna, poeta, humorista, diplomata e sobretudo jor-
nalista hábil, continuaria como Assessor de Imprensa de mais um
governo: se existissem em mim condições e pretensões de vir a ser
governador de Goiás”.

266
Revista da Academia Goiana de Letras

Eliezer José Penna é uma das mais admiráveis figuras hu-


manas que a vida já longa me proporcionou conhecer de perto.
Estamos a realizar a sessão magna da saudade em sua memória.
O termo “saudade” me traz à lembrança a exclamação do grande
poeta italiano Horácio, contida numa de suas Odes e dirigida ao
não menos grande Virgílio: “Que pudor ou limite poderia ter nos-
sa saudade de um amigo tão caro?”. Referia-se a perda do amigo
Quintílio Varo. Tal como a saudade do clássico vate é o sentimen-
to de todos nós, confrades de Eliezer: ilimitado. Tal sentimento
fazemos questão de patentear, de modo especial a todos os fami-
liares do saudoso confrade – a viúva D. Aracy Taveira e aos filhos
Eliezer José Penna Júnior, Divina, Valéria e Eliara.
A todos os presentes, meu muito muito obrigado pela atenção.

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Revista da Academia Goiana de Letras

Sessão Magna de Saudade


José Fernandes

Aidenor Aires Pereira

Compareço aqui, ao porto que acena à eternidade, para


cumprir a dolorida, mas honrosa missão, a mim deferida pela pre-
sidente desta Academia, de proferir a oração da Sessão Magna de
Saudade – nome que damos à despedida acadêmica – em home-
nagem ao ilustre confrade José Fernandes, alçado à transcendên-
cia no último dia 22 do mês menor.
Aqui não venho para louvar ou invectivar a morte. Nada
entendo da “indesejada das gentes”. Apenas tenho provado de
sua taça partida, no exício de amigos, parentes e pessoas ama-
das. Sei, e pouco, também, das coisas da vida. Nunca procurei os
viajantes do mistério na fria hospedaria da terra, nem nas lápi-
des, nem em seus inumados refúgios corpóreos. Por isso, amigos
confrades, não venho agora falar de perda ou subtração. Toda
vida humana é somatória, toda vida é plenitude no rasgo tempo-
ral de sua encarnação.
Sobre nossos mortos, portanto, cantaremos seu desabrochar
e epifania, sua juventude solar, sua ingente luta para revelar-se na
romagem breve dos dias. Por isso, estendo minha palavra e meus
braços alongados num “Até logo!” ao mestre, intelectual, orgulho
da facção humana, acadêmico José Fernandes.
Para José Fernandes, será difícil, árduo, senão impossível
morrer. Seu corpo/espírito ou espírito/corpo, no mistério da en-
carnação – como entende Gabriel Marcel – percorreu na jornada

268
Revista da Academia Goiana de Letras

terrestre vários territórios. Todos aqueles que sua inteligência,


descortino e sensibilidade palmilharam.
Na trajetória da transcendência não se percorre uma via-
gem. Viagem tem destino. Desloca-se no espaço ou tempo ven-
cendo distâncias e visitando lugares. Enriquece o bornal objetivo
do viver. A jornada, por sua vez, é o caminho da transcendên-
cia, desloca-se no íntimo do mistério existencial, e acrescenta ao
mundo subjetivo a necessidade de outros territórios, outros ca-
minhos, infinitos desafios às peregrinações do ser. Assim sendo,
é permanência, é presença que não se extingue nunca, não tem
estação de chegada, mas o perquirir, o ingente chamado dialético
da dúvida. O desejar o sempre adiante.
Compelido por esta missão e tangido por meus sentimen-
tos, procurarei falar do homem José Fernandes, de pequenos tra-
ços de sua grande vida, tão fortes e agudos esses traços, que não
desaparecem no delíquio do mistério e do encantamento.
O menino José Fernandes deixou a fazenda de seus pais, em
Alto Rio Doce, Minas Gerais, para estudar, aos 13 anos de idade.
Graduou-se em Letras na PUC do Paraná, Graduou-se em Filo-
sofia pela Studiam Theologicum do Paraná, ascendeu ao grau de
Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina, Doutor pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor de Letras da
Universidade Federal de Goiás, entre outras atividades acadêmi-
cas e ministeriais. Escreveu dezenas de livros de crítica, ensaio
e poesia. Residia em Goiânia há 37 anos, onde, com sua esposa
Sonia Salette Fernandes, criou seus filhos Ana Carina Fernandes
e Thiago José Fernandes, contemplou os netos e agasalhava mo-
mentos de poesia, convívio e reflexão em seu “Refúgio do Poeta”
no vizinho município de Santo Antônio.

269
Revista da Academia Goiana de Letras

Em sua larga bibliografia destacamos: A Polifonia do Verso,


1978; O Poeta da Linguagem, 1983; O Poeta do Pantanal, 1984; O
Existencialismo na Ficção Brasileira, 1966; A Loucura da Palavra,
1987; Dimensões da Literatura Goiana, 1992; Poema Visual, 1996;
Técnicas de Estudos e Pesquisas, 1999; Cicatrizes para Afagos, 2001;
O Selo do Poeta, 2005; Água Mole, 2005, entre outros.
Pelos êxitos acumulados em sua jornada, José Fernandes
nos surpreende ao antecipar-nos nas águas do rio do mistério.
Sua saída, no entanto, apenas reafirma o alto sentido de sua jor-
nada “[...] sua situação fundamental do homem como existência
encarnada, isto é, como ser vinculado carnalmente à realidade
concreta [...]” (G. Marcel), onde se vislumbra a prevalência do
ser sobre o ter. Afirma o filósofo parisiense que o corpo é uma
categoria ontológica original: “manifesta-se como uma experi-
ência de mistério. Eu não tenho um corpo, mas sou meu corpo,
aberto à possibilidade de alteridade e da transcendência”. Para
ele, a encarnação é o dado central da metafísica. “O ser encarna-
do é a condição de acesso ao real e referência central da reflexão
metafísica,” ao coração da transcendência. Em José Fernandes,
em sua jornada, saúdo o fenômeno de sua presença (Heidgger),
cumprindo no âmbito fenomenológico da existência, as pletoras
de sua encarnação.
Diviso o homem/espírito José Fernandes num périplo on-
tológico no caminho do verbo, da linguagem e da fala. Expendeu
sua corporalidade/noológica na busca da expressão de seus esta-
dos emocionais, racionais e oníricos, desvelando os sentimentos,
as pletoras sociais e a dimensão profunda do imaginário. Verba-
lizou sua experiência pela falação, pois a fala, na lição de Heidg-
ger é o fundamento ontológico-existencial da linguagem. E essa a

270
Revista da Academia Goiana de Letras

exteriorização fenomenológica do ser e sua identidade; existen-


cialmente, é também, “a disposição ao compreender”.
José Fernandes viveu da palavra, do verbo que instaura a
tragédia consentida ao ser humano em sua romagem espírito-cor-
poral. Assim, pode experimentar a morte dos outros e “apreender
toda presença,” mergulhado e participante da inteira experiência
humana. Sendo que a “essência da morte se determina a partir da
essência ontológica da vida”. A morte, para Heidgger, depende de
algo fundamental na presença. “Chamamos finar o findar do ser
vivo. A presença “possui” uma morte fisiológica, própria da vida.” A
presença não alcança finar-se. A presença nunca tem fim. Assim,
concluímos que a vida do corpo/espírito é toda possibilidade do
ser encarnado, todo seu vir-a-ser, toda sua abertura para o subje-
tivo, para o outro e para o mundo.
Surpreendemos, portanto a presença na existência de José Fer-
nandes vocalizada, primeiro em suas próprias palavras em artigo
publicado na Revista da Academia Goiana de Letras em seu núme-
ro 32 de 2017: “Os rituais relacionados à morte se constituem de
festas e de lágrimas. Festas, quando o morto teve uma vida longa
e feliz; lágrimas, quando se morre novo ou de forma trágica.”, e
ainda: “[...] toda viagem (jornada) seja nos relatos míticos, seja no
texto ficcional, implica uma transformação que se opera, tanto no
nível físico, quanto, sobretudo, em nível simbólico, metafísico. No
nível metafísico, sempre ocorre uma travessia, uma passagem para
um novo estado de ser.” A dicção de José Fernandes denota conhe-
cimento e identidade com a larga compreensão do personalismo de
Mounier e de outros pensadores do existencialismo cristão.
Em muitas coisas coincidente com o pensamento de Gabriel
Marcel, o também existencialista cristão, Emmanuel Mounier,

271
Revista da Academia Goiana de Letras

ciente da abertura do ser para o outro e para o mundo, como con-


dição de plenitude e atualização, enuncia: “Quase poderia dizer
que só existo na medida em que existo para o outro, no limite: ser é
amar.” Em seu personalismo existencialista ensina que a pessoa é
o ser direcionado para o outro em atitude dialogal na comunhão
pessoa-comunidade, dentro de uma originalidade humanizante,
onde Deus é pessoal e transcendente consagrando a centralidade
da pessoa.
Ao cessar a existência incorporada, “a fortuna é o que lhe
fica quando despojou de tudo o que tinha – o que lhe fica é a hora
da morte.” (Mounier). Dessa forma, para o pensador personalista
“A vida é uma aventura aberta, exposta. Não protejam as crianças.
Fortifiquem-nas interiormente para que brinquem com qualquer
espécie de brinquedo.”, isto é: tenham qualquer ou todas as experi-
ências e aventuras.
Nos passos do pensamento existencialista cristão, compreen-
de-se que no findar-se a vida terrena segue a romagem apenas o
homem. Vai o professor, o poeta, o crítico literário. Penso que sua
substância, sua humanidade demorada no espírito/matéria seja, na
transcendência, recebida pelas mentes que demoram na memória
dos homens. Ah, possa ele encontrar Virgílio, Sócrates, Epicuro,
Horácio, Dante, Petrarca, Camões, Drummond, Pessoa, Guimarães
Rosa, M. Bandeira, Yêda Schmaltz, José Décio, Carmo Bernardes,
Bernardo Élis e muita gente mais, que o distraia das misérias deste
mundo de homens sem rostos e sem vísceras. Sei que o país para
onde vai é puro mistério. Sei que, como homem de fé e cristão,
sonhava com essas paragens celestiais e de operosa contemplação
perene, como o continuar de sua jornada no “enquanto” da terra,
carregada de esforços, virtudes, estudos e valores.

272
Revista da Academia Goiana de Letras

No findar seu dia terreno, entrou despojado de teres, a não


ser aqueles imprescindíveis a sua existência e a dos próximos. To-
dos dão notícia de seu desapego, a generosidade com que repartia
seus haveres, todos de invisível materialidade. Seu conhecimen-
to, generosidade, compreensão e piedade que contagiaram seus
amigos, colegas e discípulos. Não foram poucas as expressões de
carinho, admiração e respeito circulando nas rodas de conversas
letradas em seguida à sua morte. De outro lado, brilharam nas
redes sociais as referências de admiração por seu conhecimento
e sabedoria. Recordavam sua presença aí também nesses meios
eletrônicos onde, frequentemente, postava seus poemas de com-
petente lavra, profundidade, conhecimento da língua portuguesa
e das técnicas da linguagem poética. A todos, fossem poetas ini-
ciantes ou consagrados, dirigia palavras de admiração e estímulo.
Talvez transite agora no lugar onde vigem o amor e as altas
estrelas, ou no seleto cenáculo dos que são convidados à ágape dos
deuses, descansando das atribulações deste mundo, tão pequeno
para tão grandes sofrimentos.
Em razão de, com o tempo ir perdendo a fé, ou nunca tenha
desfrutado a graça de tê-la, com o pouco que me resta, e com pa-
lavras de altas mentes alheias, tremo diante da futura vida de eter-
nidades. Nesses mundos de tantas promessas e vária utopia deve
haver vidas que nossas vidas, por precárias, não compreendem.
Para mim, o além é território de cegante luz e insondável abismo,
que alumbra e confunde a mente, no absurdo de Deus.
Fico apenas no umbral imaginando felicidades. Me anima
um leve e possível sonho de compreensão. Fico pequeno ante o
portento dos deuses que, não existindo, manejam as vidas e os
destinos dos homens. Como não sei a linguagem dos anjos nem

273
Revista da Academia Goiana de Letras

o célico dialeto, paro frente ao seu livro heráldico e indecifrável.


Atemorizado. Não ouso sondar essas instâncias de interrogação e
sonho. Nesse mapa etéreo, do Professor José Fernandes, não son-
do as romagens da morte, nem seus caminhos, nem seu possível
canto, nem seu humano afeto, nem sua santa pedagogia. Falo ape-
nas nesta palavra de homenagem – tão pobre e sem lustro – do ser
humano, do mestre e escritor que conheci.
Falo, amigos meus, de sua vida de dias e anos por aqui. Falo
do ser humano, do amigo, do intelectual, do homem de família
de sonho e fé que conheci. Compartilhamos pão, poesia e algu-
mas taças de vinho. De sua vida, sei que arrostou duros trabalhos
para construir-se. Que se transformou num mestre paciente e cul-
to, generoso em repartir os conhecimentos através dos dias, nem
sempre donairosos e gentis para com ele. Sei de sua cordialidade,
sempre disposto a atender alunos, consulentes e amigos.
Tinha sempre uma palavra de estímulo na leitura de tex-
tos, na redação de artigos críticos, prefácios e ensaios, reservando
sempre disponibilidade para a construção de poemas profundos
em sofisticado e criativo manejo da língua portuguesa. Conhece-
dor do latim e do grego, ainda há pouco me socorreu numa con-
sulta sobre a língua de Cícero. Isso faz notícia de sua vasta obra
de escritor, pesquisador e crítico, parte dela guardada nos vários
livros que publicou. Boas lembranças me confortam de nosso co-
nhecimento. O convívio dos filhos, o encanto dos netos, o carinho
dedicado à esposa, tão em sacrifício de saúde nos últimos dias.
Olhando daqui, do momento em que se fecham as corti-
nas de sua lúcida existência, olho como olharia Emanuel Mou-
nier, ou Gabriel Marcel. A morte é que dá sentido à vida. É nossa
maior oportunidade. Somente eu posso morrer de minha morte.

274
Revista da Academia Goiana de Letras

Fecham-se as cortinas desta jornada, encerra-se o espetáculo ter-


reno com seus atores, dramas e enredos. A plateia se calará ou se
levantará em gritos, assobios, vivas e “bravos!”. À gloriosa encena-
ção de José Fernandes, em todos os atos de seu épico drama, nós
nos levantamos, louvamos e aplaudimos, pedindo que retorne à
cena ainda vezes sem conta.
Enfim, proclamamos nosso júbilo com estridentes e agrade-
cidos gritos, com vibrantes e sonoros “vivas”. As cortinas se fecham
brevemente para reabrirem-se em palco coroado de louros e de flo-
res. Este foi o amigo que conheci. É dele que falo. E, mesmo que-
rendo, não morrerá. Viverá gentil e sábio em sua obra, na memória
de sua família e de seus amigos. De agora em diante, lúcido, pleno
e no convívio do bem, do belo e do vero, goza o eterno desfrute
da transcendência, no contínuo do movimento, homo viator, flecha
partindo atrás da flecha eterna, no dizer de Teillard du Chardin.
Como homenagem à sua existência tão plena, de tanto ver-
bo e tantas palavras, presto a homenagem em nome desta Aca-
demia em augúrios que fariam seus amigos, seus familiares, seus
devotos e pios antepassados em amoroso responsório:

Fala o seu Deus e Deus de seus pais, de boca inumerável: A mim,


mesmo que finda a vida, seguirá José Fernandes vivendo em
transcendência;
anjos alados, músicos metafísicos, vinde ao abraço do homem
justo e bom, José Fernandes. Acolhei-o à presença da sempiterna
Verdade;
o Filho o chamou de suas alturas. Que seus acólitos, os anjos, o
conduzam ao regaço do Patriarca;
acolhei, celestes criaturas, seu corpo/espírito, levando-o à fonte
inesgotável do sumo bem;

275
Revista da Academia Goiana de Letras

dai-lhe, ó Fazedor de almas, homens e mundos o repouso no con-


certo iluminado das altas esferas;
acolhei seu corpo-essência, levando-o ao Sumo Transcendente;
para ele brilhem os campos de Alto Rio Doce, cantem seus pássa-
ros, brinquem em cirandas quérulas suas crianças;
para ele frutifique o verbo, a miríade de boas palavras, os encanta-
mentos do materno lar e o abraço dos seus avós;
para ele, brilhem os pirilampos da terra e as altas estrelas;
acobertem-no com o manto de palavras, de cantos de ninar, de
murmúrios de fontes, os solfejos do amor e o chilrear dos berços;
encontrem-no os passos e a marcha dos justos, longe das almas
negras e corruptíveis;
acalentem seu sono as belezas do mundo, o coro dos irmãos e
as palavras de mel com que são recebidos os pródigos e os filhos
chegantes. Palavras de Pais, palavras de irmãos, palavras de filhos
e cantigas de mãe.
deem-lhe o descanso das asperezas do dia, despertem-no para a
luz e o esplendor das alvoradas.
Nós, que ainda restamos, lhe dizemos, amigos, com estas aéreas
palavras: Confrade, Professor José Fernandes,

Ate breve!

Aos confrades acadêmicos,


aos amigos presentes
e, de modo especial, aos familiares do Professor José Fernandes,
meu muito obrigado.

Goiânia, 12 de abril de 2018

276
Revista da Academia Goiana de Letras

Sessão Magna de Saudade


José Mendonça Teles

José Ubirajara Galli Vieira

Helena Kossa

José Mendonça Teles e José Ubirajara Galli Vieira.


Pirenópolis 31/3/2018

Generosidade com todos, generosidade é a palavra, é o sen-


timento que talvez possa resumir timidamente a passagem do Zé,
do “Zezé”, de José Mendonça Teles, por nosso eito terreno, meu
mentor dos trieiros da historiografia goiana. Na verdade, a nossa
convivência era de um pai biológico que eu já não tinha mais; e
dele em relação a mim, um filho que ele não teve.

277
Revista da Academia Goiana de Letras

Foram 38 anos de convivência “sentimentilhada” de inúme-


ros apreços. Como agradeço a Deus por tê-lo colocado tão pre-
sente em minha trajetória existencial. Principalmente, a partir de
2005, quando da abertura do Instituto que leva seu nome, o Insti-
tuto Cultural José Mendonça Teles.
Terceiro filho do casal, João Alves, conhecido como “Nêgo”
e de Celuta Mendonça Teles, sendo o primogênito, nosso decano
confrade, Gilberto Mendonça Teles. Zé deu trabalho para de-
sembarcar em Santo Antônio das Grimpas, atual Hidrolândia,
no dia 25 de março de 1936, insistia em permanecer no ventre
de sua mãe.
Sob os olhares assustados da parteira inexperiente e pro-
messa para rebento receber nome de santo, Celuta registrou em
seu livro: Minha Vida de Casada, a chegada do filho:

A parteira, eu sabia mais que ela, disse que o menino estava


virado e não tinha como sair, eu já estava quase desmaian-
do. Então, lembrei-me que era mês de São José e pedi a ele
que fizesse a criança nascer e que não perdesse a vida, que
ele viesse em meu auxílio, pelo amor de Jesus que ele tanto
amava. Quando acabei de pedir, veio uma dor, e foi tão
forte que a criança nasceu. Eu prometi a São José que esse
menino era dele, e lhe dei o nome de José, pois foi por mi-
lagre do santo que ele nasceu. Quando escutaram o choro,
vieram ver, a parteira, coitada, estava mais assustada que
eu, e o Nêgo chegou no quarto para ver o Zezé.

Depois de uma curta residência em Aparecida de Goiâ-


nia, em 1938, João Alves Teles, “Nêgo”, resolveu se mudar e abrir
comércio em São João Batista do Meia-Ponte (Brazabrantes),
onde José Mendonça Teles deu início ao curso primário, sendo

278
Revista da Academia Goiana de Letras

alfabetizado, sequenciando-o, posteriormente, no Grupo Esco-


lar Laudelino Gomes, em Hidrolândia, depois de residir cerca
de sete meses em Inhumas, voltar para Brazabrantes e retornar
à terra natal.
No retorno familiar a Hidrolândia, José Mendonça Teles re-
velou-se sonâmbulo e gago. Havia o cuidado dos pais para não
deixar, à noite, a chave na porta da casa, deixar as janelas bem-
-trancadas, para que ele não saísse rua afora perambulando, dor-
mindo. Mesmo assim, oportunizando descuidos com essas pro-
vidências, empreendia andanças dormindo, vagando pela cidade,
ora resgatado por seu pai, ora por sua mãe.
José Mendonça Teles era muito gago. Morria de vergonha
quando solicitado pelo pai para dar algum recado. Sofria cons-
trangido com as pessoas rindo dele nessa missão. Por intercedên-
cia da sua mãe, o pai deixou de enviá-lo a essas missões.
Um dia, conversando com a sua mãe e gaguejando muito,
Celuta, ainda que com dor no coração, resolveu dar vida a um
aconselhamento popular para acabar com a gagueira. Pegou um
copo de água e jogou na cara do “Zezé”. Superstição ou não, a
coisa deu certo. Em curto tempo, a gagueira foi desabitando a sua
vida fônica.
Três anos depois do retorno a Hidrolândia, em abril de 1947,
a família se mudou para Goiânia, onde Gilberto Mendonça Teles
residia para estudar, passando a morar no bairro de Campinas.
Finalmente, depois de tanta andança, José Mendonça Teles
concluiu o Curso Primário, no Grupo Escolar Henrique Silva, no
bairro campineiro. Embora houvesse passado alguns anos, a cena
de dificuldade familiar, em quase nada havia mudado. O Nêgo
continuava o mesmo: bebendo, jogando e ainda mais envolvido
com outras mulheres.

279
Revista da Academia Goiana de Letras

Celuta defendia a carestia do lar com a sua notável habili-


dade de costureira. Por sua vez, José Mendonça Teles, com a sua
caixa de engraxar sapatos, defendia-se lustrando sapatos campi-
neiros. Um dos seus “fregueses” era Bariani Ortencio, conhecido
no bairro por “Paulistinha”. A caixa, também, de ilustrar sonhos,
nunca se ausentou de José Mendonça Teles. Foi adiante, estudou
na Escola Técnica do Comércio de Campinas, do histórico edu-
cador Rubens Carneiro dos Santos. O curso secundário foi con-
cluído no Lyceu de Goiânia e no MABE – Moderna Associação de
Ensino, no Rio de Janeiro.
Na cidade que se despedia da sua condição de Capital Fe-
deral, em razão do advento de Brasília, “Zezé” foi morar num
apartamento transformado em república estudantil, na rua Pais-
sandu, no Flamengo, habitada pelos goianos João Bosco Arantes,
Daniel de Almeida, Aldo Arantes, um cearense e um baiano. Aldo
Arantes, líder estudantil (futuro deputado federal constituinte de
1988), então presidente do DCE, da PUC-RJ, para resolver a pe-
núria alimentar do conterrâneo “Zezé”, arrumou-lhe uma cartei-
rinha de estudante para tomar refeição no Restaurante Calabouço,
subsidiado pelo governo do Estado, para atender estudantes.
Ao término do curso no MABE, José Mendonça Teles retor-
nou a Goiânia e, pouco tempo depois, ingressou no Fisco Estadu-
al, onde haveria de se aposentar.
A vida estudantil seguiu adiante. Depois da frustrada ten-
tativa de ingresso na histórica Faculdade de Direito da Rua 20,
Centro, Goiânia, barrado na prova oral de Francês, por alguns dé-
cimos, justamente ele, que, por ironia do destino, viria a se tornar
presidente da Aliança Francesa de Goiânia.
Sua biografia universitária foi escrita ao passar no vestibular
da Faculdade de Direito da então Universidade de Goiás, depois

280
Revista da Academia Goiana de Letras

Universidade Católica de Goiás, atual PUC-Goiás, graduando-se


em 1966, tendo como paraninfo o professor Paulo Torminn Bor-
ges, e patrono, o professor Jerônimo Geraldo de Queiroz, seu pa-
drinho de casamento.
Da turma de sessenta e três formandos, oito eram escritores.
Deles, cinco foram eleitos para ocupar uma Cadeira na Academia
Goiana de Letras: Miguel Jorge, José Mendonça Teles, Martiniano
José da Silva, Alaor Barbosa e Geraldo Coelho Vaz. Ainda, inte-
gravam o grupo, os escritores: Luiz Fernando Valladares Borges,
Yêda Schmaltz e Edir Guerra Malagoni.
Além dos muros de instituições universitárias, durante dé-
cadas como professor, lecionou no Colégio 5 de Julho de Goiânia
(então de propriedade do confrade Luiz Augusto Paranhos Sam-
paio), Centro de Formação de Oficiais da Polícia Militar, Faculda-
de de Ciências Econômicas de Anápolis (GO), hoje UEG, Univer-
sidade Federal de Goiás, Faculdade de Filosofia Cora Coralina, da
Cidade de Goiás, atual UEG, e na Universidade Católica de Goiás,
hoje PUC-Goiás, onde foi professor titular até 2003, dela recebeu
o título honorífico de Doutor Honoris Causa, outorgado a pou-
quíssimas personalidades na história da instituição.

Constituição familiar

Três anos antes da conclusão do curso de Direito, no dia 28


de dezembro de 1963, José Mendonça Teles contraiu matrimô-
nio com Ana Maria Alves e Mendonça Teles, enlaçados na igreja
Ateneu Dom Bosco, sob as bênçãos do monsenhor Primo Vieira,
futuro confrade de José Mendonça Teles, na Academia Goiana de
Letras. Ela, com 19 anos; ele, com 27.

281
Revista da Academia Goiana de Letras

Ana Maria, graduada em História pela UFG, e em Direito,


pela Universidade Católica de Goiás, atual PUC-Goiás, era leitora
crítica de primeira hora dos textos de José Mendonça Teles, dando
palpites gramaticais e literários e, nos últimos tempos, pelo des-
medido avanço do Parkinson que insistia em não desabraçá-lo,
passou, também, a auxiliá-lo nas digitações.
O matrimônio trouxe ao casal o alongamento existencial
das filhas: Giovanna Alves Mendonça Teles, graduada em Letras
pela Universidade Católica de Goiás, atual PUC-Goiás, e Mestre
em Linguística Aplicada pela UnB, e Alessandra Alves Mendonça
Teles, graduada em Artes Visuais pela Universidade Federal de
Goiás, reconhecida artista plástica. As maternidades das filhas de-
ram aos pais, cinco netas, um neto e um bisneto.
Em 24 de junho de 2015, Ana Maria partiu, para depois de 2
anos, 10 meses e 5 dias, reencontrar-se com o seu “Zezé”.

O escritor

Coletivamente, foi a estreia literária de José Mendonça Te-


les, ao lado dos seus colegas-escritores da turma de Direito (1966),
da Universidade Católica de Goiás, atual PUC-Goiás, quando pu-
blicaram a antologia: Poesia & Contos Bacharéis I, pela histórica
Editora Oriente, de Goiânia, em 1966.
No ano de 1969, Zé Mendonça, após revisar vários contos que
havia escrito, datilografá-los, fazer uma pré-seleção dos seus textos,
enviou-os ao irmão-escritor, Gilberto Mendonça Teles (atualmente
a maior referência nacional e internacional, de um autor goiano)
que, exilado, residia em Montevidéu para apreciar seus contos. Não
demorou para chegar a resposta do irmão que disse “sim” a sua pro-
dução, inclusive, sugerindo o título, de A Cidade do Ó’cio.

282
Revista da Academia Goiana de Letras

Depois de obter o apoio do Departamento Estadual de Cul-


tura, dirigido pelo jornalista Domiciano de Faria, o livro foi im-
presso nos prelos da Editora Rio Bonito, a mesma que dava vida
ao memorável jornal Cinco de Março, pai biológico do Diário da
Manhã, com a edição de mil exemplares. A capa do livro foi con-
feccionada pelo artista plástico e futuro professor da Universidade
Federal de Goiás, Walmir Borges, então aluno do Zé Mendonça,
no Colégio 5 de Julho, depois da elaboração de nada menos que
18 estudos de capas.
Às 20h30, do dia 27 de agosto de 1970, depois da apresen-
tação da obra pelo seu prefaciador, o nosso confrade, Jerônimo
Geraldo de Queiroz, José Mendonça Teles tomou assento à mesa
para autografar nada menos do que quase 250 livros, quebrando
literalmente/literariamente, o recorde de vendas da casa em dias
de autógrafos.
Ainda, no mesmo gênero, publicou:

• Contítulos, 1972;
• Via Sacra, 1979. Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de
Carvalho Ramos.

O Pesquisador – Obras Historiográficas


Sua obra de estreia nesse gênero deu-se com General Cura-
do, editado em 1973, que recebeu Menção Honrosa do Concurso
do Sesquicentenário da Independência.

Sequenciando o gênero, vieram outras 14 obras, sendo a


derradeira:

• Ygino Rodrigues – o poeta goiano na história, 2013.

283
Revista da Academia Goiana de Letras

O cronista

Sua obra de estreia nesse gênero deu-se com Setembro nos


reúne (1981), depois vieram outros 9 livros, sendo o derradeiro:

• Crônicas de Mim, 2009.

Cronista de O Popular por mais de 20 anos, no mais tra-


dicional jornal goiano, em circulação desde 1938, José Men-
donça Teles publicou mais de 1.000 crônicas. Entre elas, sem
dúvida, a mais conhecida, a mais lida, em toda a historiografia
do gênero é:

SER GOIANO

Ser goiano é carregar uma tristeza telúrica num coração


aberto de sorrisos. É ser dócil e falante, impetuoso e tímido.
É dar uma galinha para não entrar na briga e um nelore
para sair dela. É amar o passado, a história, as tradições,
sem desprezar o moderno. É ter latifúndio e viver simplório,
comer pequi, guariroba, galinhada e feijoada, e não estar
nem aí para os pratos de fora.
Ser goiano é saber perder um pedaço de terras para Minas,
mas não perder o direito de dizer também: uai, este negócio,
este trem, quando as palavras se atropelam no caminho da
imaginação.
O goiano da gema vive na cidade com um carro de boi
cantando na memória. Acredita na panela cheia, mesmo
quando a refeição se resume em abobrinha e quiabo. Lê
poemas de Cora Coralina e sente-se na eterna juventude.

284
Revista da Academia Goiana de Letras

Ser goiano é saber cantar música caipira e conversar com


Beethoven, Chopin, Tchaikovsky e Carlos Gomes. É acredi-
tar no sertão como um ser tão próximo, tão dentro da alma.
É carregar um eterno monjolo no coração e ouvir um ber-
rante tocando longe, bem perto do sentimento.
Ser goiano é possuir um roçado e sentir-se um plantador de
soja, tal o amor à terra que lhe acaricia os pés. É dar tapinha
nas costas do amigo, mesmo quando esse amigo já lhe passou
uma rasteira.
O goiano de pé-rachado não despreza uma pamonhada e tei-
ma em dizer ei, trem bão, ao ver a felicidade passar na janela,
e exclama viche, quando se assusta com a presença dela.
Ser goiano é botar nos pés uma botina ringideira e dirigir
tratores pelas ruas da cidade. É beber caipirinha no tira-gos-
to da tarde, com a cerveja na eterna saideira. É fabricar ra-
padura, ter um passopreto nos olhos e um santo por devoção.
O goiano histórico sabe que o Araguaia não passa de um
“corgo”, tal a familiaridade com os rios. Vive em palacetes
e se exila nos botecos da esquina. Chupa jabuticaba, come
bolo de arroz e toma licor de jenipapo. É machista, mas dei-
xa que a mulher tome conta da casa.
O bom goiano aceita a divisão do Estado, por entender que a
alma goiana permanece eterna na saga do Tocantins.
Ser goiano é saber fundar cidades. É pisar no Universo sem tirar
os pés deste chão parado. É cultivar a goianidade como herança
maior. É ser justo, honesto, religioso e amante da liberdade.
Brasília em terras goianas é gesto de doação, é patriotismo. Sim-
boliza poder. Mas o goiano não sai por aí contando vantagem.
Ser goiano é olhar para a lua e sonhar, pensar que é queijo e
continuar sonhando, pois entre o queijo e o beijo, a solução
goiana é uma rima.

285
Revista da Academia Goiana de Letras

O poeta

Sua obra de estreia nesse gênero deu-se com Encantamento,


em 1985, depois vieram outros 7 livros, sendo o último:

• Poemas do Entardecer, 2011

Edificador e Defensor do Patrimônio Histórico-Cultural de Goiás

Ao viver com intensidade os cargos públicos de assessor


cultural da Fundação Cultural de Goiás, assessor cultural da vi-
ce-governadoria de Goiás, secretário de Cultura do Município de
Goiânia, presidente do Conselho Estadual de Cultura, membro do
Conselho de Cultura do Município de Goiânia, membro do Con-
selho do Patrimônio Histórico de Goiânia e diretor do Instituto
de Pesquisa e Estudos Históricos do Brasil Central (IPEHBC), da
Sociedade Goiana de Cultura, promoveu e executou os projetos
de reedição do periódico A Matutina Meiapontense, dos livros:
Chorographia Histórica da Província de Goyaz, Anais da Provín-
cia de Goyaz, Goyania, Dicionário da Língua Brasileira, da Revista
Oeste e da série Memórias Goianas do volume I ao XVII. É o autor
do projeto que resultou no tombamento de 15 bens históricos de
Goiânia. Ainda, do fantástico Projeto de Resgate da Documen-
tação Histórica da Capitania de Goiás e do Piauí, existente em
Portugal, trazendo para esses Estados, todos os documentos mi-
crofilmados, referentes ao período de 1731 a 1822, cujo trabalho
de pesquisa foi desenvolvido em Portugal pelo nosso confrade,
Antônio César Caldas Pinheiro, atual diretor do IPEHBC.

286
Revista da Academia Goiana de Letras

A impressionante saga diretiva cultural de José Mendonça


Teles por 10 anos presidindo a Academia Goiana de Letras, com
marcantes realizações, conquistou a sede da Entidade. Materiali-
zação de um sonho acolhido pela sensibilidade cultural que nunca
faltou a Colemar Natal e Silva, carinho pela área cultural do en-
tão governador Henrique Santillo e do seu secretário de Cultura,
Kleber Adorno, resultou na aquisição, pelo Governo de Goiás, a
valores abaixo do mercado imobiliário, do histórico sobrado de
Colemar, na Rua 20, Centro, transformado em sede da AGL.
Valeram as sutilezas de José Mendonça Teles dirigidas ao mé-
dico, altruísta e escritor, Altamiro de Moura Pacheco. Depois de
um bom tempo, de proseamento, conversas que demandaram anos,
“pedindo” nas entrelinhas, uma sede própria para a AGL, certo dia
(depois da já sonhada e conquistada sede), José Mendonça Teles foi
convidado por Altamiro para vê-lo. Nessa conversa, Altamiro, ocu-
pante da Cadeira nº 26, da AGL, doou à entidade em condição de
post mortem sua casa, um sobrado na avenida Araguaia com a Rua
15, Centro, incluindo todos os bens lá existentes.
Após a partida de Altamiro de Moura, ocorrida ao comple-
tar uma secular existência (1896/1996), a Academia tomou posse
do imóvel que passou a se chamar Casa de Cultura Altamiro de
Moura Pacheco.
Presidindo o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (de-
pois presidente Ad Vitam da entidade), por 12 anos, sem dúvi-
da, a sua maior conquista física foi a construção da nova sede do
IHGG, que só foi possível com o apoio da educadora Teresinha
Vieira do Santos, do então deputado e amigo Vilmar Rocha e do
ex-governador Marconi Perillo.
Depois de afastar-se da paralela gestão da Academia Goia-
na de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, José

287
Revista da Academia Goiana de Letras

Mendonça Teles empreendeu uma nova obra de edificação cultu-


ral. Contando com plena anuência familiar para o intento, restau-
rou e transformou – um dos seus poucos bens – a sua casa na Rua
24, Centro, em Instituto Cultural José Mendonça Teles, contra-
riando, falando sonoros “nãos” às fartas tentativas de especulação
imobiliária.
Fundado o Instituto Cultural José Mendonça Teles, no dia
8 de mar­ço de 2005, é detentor de um preciosíssimo acervo da
trajetória do Zé Mendonça e da historiografia literária de Goiás.
Entre os vários bens patrimoniais que José Mendonça Te-
les dedicou a preservá-los, um deles tem muito a ver com a sua
história campineira e de ex-jogador do Atlético Clube Goianien-
se. Falo do Estádio Antônio Acioly, do Clube Atlético Goianien-
se – primeiro time de futebol fundado em Goiânia – então ne-
gociado pela diretoria da época, do ano 2000, para no local ser
construído um shopping. Junto a outros atleticanos, José Men-
donça Teles assinou uma petição, dando entrada na justiça para
impedir que “os derrubadores da história, os falsos profetas que,
além de venderem a área, já estavam investindo maciçamente
nos imóveis próximos ao clube, na expectativa de enriquecimen-
to fácil”. Além do ingresso da petição na justiça, José Mendonça
Teles entrou com o processo de tombamento do Estádio Antô-
nio Acioly, nos Conselhos de Cultura de Goiânia e do Estado.
Impedida a ação demolidora do Estádio, que já se encon-
trava em avançado estado, a diretoria sucessora “aos vendilhões”
restaurou a histórica edificação, devolvendo-a, em 2005, à história
patrimonial e esportiva do Estado.
Membro da AGL, desde 1979, ocupante da Cadeira nº 32,
patroneada por Francisco Ayres da Silva, José Mendonça Teles,
detentor das mais importantes honrarias de Goiás e muitas outras

288
Revista da Academia Goiana de Letras

nacionais, membro de quase todas instituições culturais do Es-


tado, e de outras Casas além-paranaíba, era o único goiano a in-
tegrar o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como sócio
correspondente. Foi o primeiro a ser homenageado pela nossa
Instituição, em 2011, na gestão do confrade Hélio Moreira, com o
Ano Cultural José Mendonça Teles; o ano em curso homenageia
Eurico Barbosa dos Santos.

O letrista

Autor da letra do Hino Oficial de Goiás, musicado pelo


maestro Joaquim Jayme, José Mendonça Teles substituiu o Hino
anterior, cuja letra era do professor Antônio Euzébio de Abreu e
música do maestro Custódio Fernandes Góes.
A parceria entre José Mendonça e o maestro Joaquim Jayme
havia ocorrido anteriormente, quando criaram, em 1983, outra
peça cívica: o Hino do Cinquentenário de Goiânia.
No entanto, o universo de criação de José Mendonça Teles
como letrista-poeta vai muito além das criações cívicas. É autor de
um dos hinos do Atlético Clube Goianiense, seu time do coração.
Parceiro de Marcelo Barra, em sua cantoria raizadamente goiana e
de Fausto Noleto, num CD que alcança, inclusive, a vertente musi-
cal do rap, mostra a sua eclética parceria.

O guerreiro e a sua partida

Foi em 1999 que José Mendonça Teles começou a sentir um


mal-estar, sem que a causa desse desconforto pudesse ser identi-
ficada pelos médicos. O incômodo não passava. Somente depois
de inúmeros exames realizados chegou-se à causa: era Parkinson.

289
Revista da Academia Goiana de Letras

Guerreiro existencial, desde que desembarcou nesse mun-


do, não deu folga à doença. Encarou-a sem nenhum afrouxamen-
to. Em momento algum, deixou de bater de frente com a doença.
Mesmo assim, ela foi envolvendo-o tal qual abraçante sucuri.
Primeiro, vieram as perdas de movimentos de um braço e
de uma perna, que o obrigaram a parar de dirigir e contratar um
motorista. Depois, o arrefecimento da outra mão e perna, gerando
dificuldade para digitar seus textos.
Enquanto pôde, continuou digitando com apenas um dedo
das mãos. Vencido nesse front de resistência, Ana Maria, sua es-
posa, a vida inteira presente em todas as suas cenas existenciais,
passou a digitar sua produção literária – resultante da sua elabo-
ração mental – para os teclados do computador.
Em 2013, depois de muito refletir, pesquisar, travar intensos
diálogos médicos e familiares, tomou a decisão de entrar em cam-
po, contra o Parkinson, esse determinado marcador da sua exis-
tência, nos gramados do centro cirúrgico. Decidiu submeter-se a
um procedimento médico para a correção da doença.
Não deu certo a cirurgia. Mais uma vez, o adversário não
poupou esforços para tentar vencê-lo. Embora sentindo corpo
afora, essa implacável marcação, não deixou de dar continuidade
a sua obra, de fazer seus gols literários. Lembrando seu tempo de
centroavante goleador.
Em 2014, homenageado pelo governo de Goiás, no 16º
FICA – Festival Internacional de Cinema Ambiental, fui convida-
do pela família Teles para escrever seu estudo biográfico, publica-
do e lançando no Fica com seguinte título: José Mendonça Teles,
um filme que Fica, cenas memoriais. Essa foi a nossa derradeira
parceria cultural de incontáveis outras, iniciadas, principalmente,
com a fundação do seu Instituto em março de 2005.

290
Revista da Academia Goiana de Letras

Nunca, nunca nos afastamos e tampouco afastou-se o Zé


dos atos culturais, embora com dificuldade de fala e de locomo-
ção, de toda somatória de doloridas imposições da doença que lhe
tomava o corpo, sem jamais alcançar sua alma.
Despedimo-nos na melhor forma possível. Um mês antes
de sua partida, assistimos a uma “pelada de futebol”, às margens
do rio das Almas, na nossa amada Pirenópolis.
José Mendonça Teles poderia ter sido o mais conhecido es-
critor goiano na literatura nacional e internacional. Entretanto, a
sua generosidade de viver atos coletivos e quase nada o umbilical
para trabalhar a sua poesia e prosa. Era feliz vivendo a alegria dos
seus parceiros de letras e cuidando, como ninguém havia se pro-
posto com tal intensidade, de registrar a historiografia goiana em
toda a sua demanda existencial.
Quando José Mendonça Teles partiu, ao meu ouvido ele disse:

– Bira, estou melhor!

Então me senti mais forte para viver sua distância física pa-
vimentada para sempre de muita saudade e gratidão, por tudo o
que você fez por mim, sobretudo, pela história cultural de nosso
Estado. Um beijo, Zé, um beijão bem no meio da testa, tal qual eu
sempre fazia quando me encontrava com você.

Até mais.

291
Revista da Academia Goiana de Letras

Sessão Magna de Saudade


Ursulino Tavares Leão

Bariani Ortencio

Ursulino Tavares Leão nasceu em Crixás, a 10 de setembro


de 1924, mas registrado em1923, pois quando veio de Crixás para
Anápolis, ele tinha 6 anos e para entrar para o Grupo Escolar, ne-
cessitaria de ter 7 anos, o que ocasionou seu pai registrá-lo para
1923. Faleceu em 19 de outubro neste ano de 2018. Seus pais fo-
ram Thomaz Leão da Silva e Luíza Tavares Leão. Seus dois únicos
filhos, Thomaz e Paulo Ernesto. Estudou em Anápolis, em Bon-
fim e Belo Horizonte, tendo se formado em 1950 na Faculdade
de Direito Universidade Federal de Minas Gerais, onde presidiu o
Centro Acadêmico Pedro Lessa e foi vice-presidente da UNE dos
estudantes. Exerceu advocacia geral em Goiás. Foi também pro-
curador de Justiça do Estado de Goiás, deputado Estadual de 1963
a 1971 e Vice-governador no governo Leonino Caiado, de1971 a
1975. Para as suas campanhas para deputado estadual por duas
vezes e vice-governador do Estado, jamais prometeu algo nas
campanhas, mas dona Lena, sim, prometeu e... como prometeu!

Sua entrada para a Academia Goiana de Letras – Entrou para


esta Academia em 1967, Cadeira 20, tendo como patrono, o Padre
Luiz Antônio da Silva e Souza e seu antecessor Jovelino de Cam-
pos, assumindo e tomando posse em Anápolis, em 30 de julho,
sendo a primeira vez que a AGL saiu de Goiânia para dar posse
a um novo acadêmico, sendo recebido com discurso do colega

292
Revista da Academia Goiana de Letras

Basileu Toledo França. Discursou também o prefeito Raul Balduí-


no de Souza. O evento se deu no Ginásio Auxilium.

Seu incentivador – Fui eu quem insistiu para que ele se candida-


tasse, mas foi dona Lena quem decidiu, pois Ursulino parecia não
demonstrar interesse em ser acadêmico. Disse que não merecia.
Tornou-se Presidente desta Academia por 16 anos, de 1969 a1985.
Durante o seu mandato, criou várias leis que muito colaboraram
para a cultura goiana, como: “Mês de agosto é todo do folclore em
Goiás”. “O candidato à Academia Goiana de Letras sem ser goiano
terá que ter 5 anos de residência em Goiás”. “Obrigatoriedade dos
livros goianos serem adotados nas escolas e seus autores comparece-
rem para palestras.”

Depois das reuniões da Academia – Após as reuniões, quase


sempre vínhamos para minha casa na Rua 82, Ursulino, Dr. Xa-
vier de Almeida, Eli Brasiliense, Carmo Bernardes, Bernardo Élis,
José Lopes Rodrigues, também Regina Lacerda e alguns outros. O
Dr. Xavier Jr. só bebia vinho se surgissem estrelas no cálice. E era
só ele quem conseguia ver estrelas...

Vários cargos – Ursulino exerceu vários cargos, como Comen-


dador pela Sociedade Geográfica de São Paulo; Presidente do
Rotary Clube de Goiânia; Membro do Instituto Histórico e Geo-
gráfico de Goiás e seu orador oficial; Membro da Academia Bra-
siliense de Letras e Associação Nacional de Escritores de Brasília.
2010 foi o Ano Cultural Ursulino Tavares Leão, homenagem da
Academia Goiana de Letras. Em 2014 foi instalada a Academia
Crixaense de Letras na casa onde nasceu Ursulino. Também a
recém-criada Escola de Crixás tem o seu nome. Emprestou, ain-
da, o nome para duas bibliotecas: Barbearia New Star, na Praça

293
Revista da Academia Goiana de Letras

Tamandaré, em Goiânia, e outra em Aparecida de Goiânia. Foi


líder do Governo Marechal Emílio Ribas Júnior e até padrinho
de casamento do velho Marechal.
Cronistas semanais – Em 1991, os cronistas do jornal O Popular
eram Modesto Gomes e Jean Pierre. Reunidos no escritório do
Seu Jaime Câmara, Domiciano de Faria, Ursulino Leão, José Men-
donça, Carmo Bernardes e eu, seu Jaime ordenou ao Domiciano,
que enquanto ele fosse da Organização, nós quatro seríamos os
novos cronistas, o que, de fato, se deu, por mais de 20 anos.
A esposa – Dona Lena, Gislene Petrillo, disse ter sido uma das
primeiras hippies em Belo Horizonte. Ela usava ligar o telefone
para repúblicas de estudantes e, certa vez, coincidiu de o Ursulino
atender: “Quem fala, aí?”. Ele respondeu: “Quem fala aqui é o UR-
BANO. E assim ela sempre o chamou de Urbano desde o tempo
de namoro, noivado e casamento, que se deu em Ouro Preto em
1950. Mas Urbano somente para ele, que para nós, sempre Doutor
Ursulino. Quando ele substituiu por 10 dias o governador Leoni-
no Caiado, Dona Lena nos ofereceu um almoço na Chácara do
Governador, nos convidando assim: – Almoço em homenagem
ao nosso Governador, Doutor Ursulino Leão! Também ele nunca
esqueceu de citar nas suas crônicas em O Popular, a Lena (como
ele a chamava) e a fazenda São João. Quase todos os problemas de
Ursulino, ele dizia: – Fala com a Lena.
Como escrevia – Talvez Ursulino nunca tenha dedilhado uma má-
quina de escrever e muito menos um computador. Escrevia a mão
que era um amontoado de garranchos, mas só dona Lena decifra-
va e registrava. Tenho todos os seus livros autografados sem quase
decifrar a sua letra. Ele só me chamava de Ortencio e entendi al-
gumas palavras, sendo: Coronel da literatura... No livro Confissão

294
Revista da Academia Goiana de Letras

do Abandono, com a dedicatória: “Ao Coronel Ortencio... chefe da


atividade literária de Goiás, homenagem do praça Ursulinio Leão.
Confessou os seus garranchos - Em um dos seus livros, consta:
“[...] o restante em notas e notículas que somente um prodígio
converterá em estilo legível [...]”

As publicações dos seus livros – Todos os seus livros publicados


foram editados graças à dona Lena, e muitos conseguiram a faça-
nha de atravessar o rio Paranaíba, com editoras de São Paulo. No
seu livro Fonte Expressa, de contos, dedicou a mim o conto Febre
Amarela, talvez por eu ter indicado à Dona Lena, a Editora MM –
Mundo Musical, na qual foram publicados dois livros meus, Dou-
tor Libério – O Homem Duplo e Morte Sob Encomenda.

Prefaciou dois livros meus – O Coronel e o Diabo, Shoppings de


Cristo – Os vendilhões de Jesus. Com o primeiro, O Coronel e o
Diabo, foi muito bem, mas, quanto ao segundo, ele que foi católico
fervoroso e escreveu sobre vários santos, quase que se recusou à
leitura, mas dando uma folheadinha, viu que o Shoppings de Cristo
era um estudo, uma quase completa enciclopédia sobre religiões,
por isso, escreveu o prefácio.

O seu primeiro livro – Maya, editado em 1949 (em brâmanes


significa ILUSÃO, como afirmou o autor), deu início aos pri-
meiros passos do escritor Ursulino Leão para a literatura, pois,
como reza o provérbio chinês: “Uma grande caminhada começa
pelos primeiros passos”. De fato, MAYA foi o livro dos primei-
ros passos literários de Ursulino Leão e o levou a uma longa e
consagrada caminhada pelo universo da Literatura. Começou
com pé direito, pois o seu primogênito saiu com a chancela de
uma grande editora, à época, a dos Irmãos Pongetti, editores

295
Revista da Academia Goiana de Letras

do Rio de Janeiro, e isso em 1949, quando os livros goianos


nem sonhavam em atravessar o rio Paranaíba. Tal “proeza” se
deu quando o autor estudava Direito em Belo Horizonte. O
livro se inicia com entrevista de Hermano, que seria Urbano, o
próprio Ursulino, que pensou em descartar-se da moça minei-
ra que lhe telefonara, de primeiro, aleatoriamente, correndo o
dedo pela lista telefônica, procurando endereço de algum estu-
dante morador em república, para bater papo “despretensioso”.
Seria? Sim ou não, aconteceu e deu certo, porque a moça do te-
lefonema passou a desconhecer o Ursulino desde os primeiros
contatos e o chamou de Urbano até morrer, a sua inesquecível
e sempre reverendada nas suas crônicas, em parceria com a
Fazenda São João, a esposa Lena.

Dona Lena, a inspiração – Talvez, e penso que foi dela, por esses
telefonemas, que surgiu a ideia para escrever o romance MAYA,
devendo também a ela o seguimento da sua iniciativa em publicar
mais um, mais outro e sempre outros ótimos livros, abrangendo
quase todos os temas, sendo ele um dos precursores romanceiros-
-históricos daqui, do Brasil Central. Ursulino sempre escreveu à
mão, e dona Lena se encarregou de passar a “garrancheira” para
letras de forma, primeiro na máquina-de-escrever, depois, no
computador, aparelho que ele, talvez, desconheceu. Tudo com ele
era assim: “Fala com a Lena!...” 

Como termina o livro Maya – “Meus olhos bateram de cheio nas


três letras que o vagão estampava: RMV – Perguntei se sabia o
significado de RMV. – Sim, respondeu: Rede Mineira de Viação.
E a crítica sobre a Rede Mineira de Viação, sabe? Não. Anote lá:
RMV – Ruim mas vai e Restos de materiais velhos.

296
Revista da Academia Goiana de Letras

Vice-Governador – Quando Ursulino foi tomar posse como Vi-


ce-Governador, como meio que encontrei para homenageá-lo, foi
mandar confeccionar dois esmouques, um pra ele e o outro pra mim.

Compadresco – Fomos compadres de ida e vinda, eu sendo pa-


drinho do seu filho Paulo Ernesto, e ele, padrinho de casamento
da minha filha Suely.

Uísque Cutty Sark – Ao viajar para o Japão a convite, Ursulino


passou pelos Estados Unidos e foi recebido por uma família bra-
sileira que lhe ofereceu uma garrafa do uísque Cutty Sark, e a mu-
lher lhe disse: – Este uísque Cutty Sark será a marca de Ursulino
Leão. Portanto eu sempre mantive em casa o seu uísque e com
água francesa, que é o que apreciava, acompanhado dos seus pre-
feridos tira-gostos, castanhas e queijos raros. A nossa presidente,
Lêda Selma, nos convidara para tomarmos o restante de uma gar-
rafa do Cutty Sark da última visita do Ursulino em sua casa.

Um grande susto – O escritor e padre francês, C. Virgil Gheorghiu,


autor do livro que se transformou em filme, a Vigésima Quinta
Hora, esteve em visita ao amigo bispo de Anápolis e, por extensão,
uma visita ao Ursulino, aqui em Goiânia. Foi um ótimo aconte-
cimento cultural, e dona Lena cuidou para que tudo saísse bem,
sendo intérprete o nosso colega, Dr. Licínio Barbosa. Para mim,
houve um momento de espanto, quando o Dr. Licínio o informou
que eu produzi sozinho um dicionário com 13.000 verbetes – Di-
cionário do Brasil Central. Virgil me deu um abraço apertado e um
tremendo beijo na boca, que levei o maior susto!

A segunda saída da Academia Goiana de Letras – Fomos a Cata-


lão para homenagear Gastão de Deus Victor Rodrigues, poeta, autor

297
Revista da Academia Goiana de Letras

do livro Páginas Goyanas. Nesse episódio da homenagem, ocorreu


um fato mais do que inesperado: chegamos ao Colégio Madre de
Deus, e ninguém da família para nos receber a não serem as freiras.
Volto atrás: àquela época, a transmissão da televisão para o Triân-
gulo Mineiro e Sul de Goiás era feita por uma antena em Uberlân-
dia, e a imagem não era boa. Depois, foi colocada uma antena no
Morro São João, em Catalão, quando a imagem se tornou perfeita.
Pois bem, o presidente da Academia deu início à homenagem com
a presença apenas das freiras, e nenhum representante da família de
Gastão de Deus Victor Rodrigues. Quando já vínhamos embora, a
sala foi invadida pelos parentes do homenageado alegando que não
poderiam perder o capítulo da novela da Globo!

Seus bons amigos – Ursulino manteve sempre bons amigos, tais


como José Asmar, quando dirigia o Gabinete do Estado de Goiás
no Rio de Janeiro, acompanhando-o e facilitando os seus encon-
tros. Em Anápolis, o Sr. João Luiz de Oliveira, vizinho e amigo de
todas as horas. Cito apenas dois, mas todos, principalmente nós,
aqui da Academia fomos seus bons amigos.

Dona Lena e o bom-senso – Ao convite para o aniversário do Dr.


Ursulino, muitos levavam garrafas de uísque importado. E em um
desses eventos, ao final da festa, ficaram duas garrafas de uísque
sobre o móvel do barzinho, e um dos ilustres convidados falou
para dona Lena que ele iria para uma outra comemoração e acha-
va que não teria uísque, e se ele poderia levar as duas garrafas.
Dona Lena respondeu que esperava ainda várias pessoas e que ele
levasse apenas uma garrafa, o que se deu com o “cara de pau”.

Meu título de Cidadão Goiano – Por propositura do deputa-


do Ursulino Tavares Leão, fui homenageado com o título de

298
Revista da Academia Goiana de Letras

Cidadão Goiano, sendo Governador Otávio Lage de Siquei-


ra e publicado no Diário Oficial em 23/05/1968 – Lei 6.899
de 04/04/68. Eu só fui receber este título 17 anos depois, com
medo de falar na Assembleia Legislativa, quando o seu novo
presidente, Eurico Barbosa, me disse que não poderia prorro-
gar mais e que ele próprio iria me receber, o que se deu com um
veemente discurso citando as minhas qualidades, muitas delas
sem o meu conhecimento.

Encontro das academias brasileiras de letras – Em 1972, acon-


teceu em Goiânia o grande encontro das academias brasileiras de
letras, sob a Presidência de Ursulino Tavares Leão. Da Academia
Brasileira estiveram aqui, Alceu Moroso Lima, pseudônimo de
Tristão de Athayde; Aurélio Buarque de Holanda, Oswaldo Ori-
co... e outros. Infelizmente, houve, no convite, por falta de revisão,
34 erros grassos, que muito lamentou o Presidente da AGL. De-
vido a esse evento, Ursulino foi convidado e homenageado pela
Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro. Fui com ele.

Convite em São Paulo – Fui convidado pela Editora José Olym-


pio, de São Paulo, sendo editor Antônio Olavo Pereira, autor do li-
vro Marcoré, que Ursulino afirmou-lhe que seria um dos 10 livros
mais importantes da literatura brasileira. O convite foi para um
almoço no Joquey Club, à Rua Boa Vista, devido à edição do meu
livro Vão dos Angicos, pela Editora. O convite se estendeu a Ursu-
lino por saberem que ele era grande conhecedor de vinhos, sendo
Leonardo Arroyo, paulistano de 400 anos, da diretoria da Edito-
ra, renomado enólogo em vinhos. Na preliminar houve discussão
para o vinho que seria servido, ninguém chegando a um consenso,
quando Ursulino se mostrou um perfeito enólogo, sugerindo um

299
Revista da Academia Goiana de Letras

vinho português de apenas 30 cruzeiros. Acontece que o garçom


já estava preparado com a garrafa do tal vinho envolto em guarda-
napo, pois sabia que no final seria o vinho servido. Nunca soube
se Ursulino conhecia aquele costume dos enólogos paulistas.

Aniversário na Fazenda São João e o Rio Araguaia – Em um dos


seus aniversários comemorados na Fazenda São João, surpreendi-
-o levando a minha máquina de fazer gelo que usava nas pescarias
do Araguaia. E por falar em Araguaia, sempre que Ursulino foi
com a nossa turma, ele jamais jogou um anzol n’água. Gostava
de passear de canoa, de ler tomando o sol da manhã na praia e
sempre com o seu copo de uísque de lado. Durante o banho cole-
tivo antes do almoço, em frente ao acampamento, eu levava para a
turma, empurrando uma prancha de isopor, contendo copos com
caipirinha, peixes fritos, além do uísque do Ursulino.

Exímio nadador – Tendo ido para a outra margem do rio, resol-


veu voltar nadando. Vi uma porção de gente olhando para lá e o
Ursulino dando braçadas. Peguei a canoa, tentei lhe dar o remo,
mas ele não aceitou e veio nadando de-braçadas, de crau, de ca-
chorrinho e até em-pé, sistema que eu desconhecia, nunca havia
visto ninguém nadar em-pé. Quando chegou na praia, foi aquela
ovação, palmas e gritos que o surpreenderam, pois ele sempre foi
discreto. Só abanou a mão e abriu o sorriso que lhe era peculiar.

De outra feita, quando ele saiu com a turma, já quase escurecen-


do, em uma canoa que ia pongar, iluminar as margens com um
celebrim, para abater caças, ainda joguei uma câmara de ar para
eles. Mataram uma anta e ao colocarem-na dentro da canoa, essa
virou, jogando toda a turma n’água, quando o piloto gritou que
não sabia nadar, Ursulino, de óculos, de espingarda na mão e a

300
Revista da Academia Goiana de Letras

câmara de ar, arrastou o piloteiro, chegou à margem e foram secar


as roupas em um rancho de uma conhecida de um deles. Quan-
do a dona “da casa” soube que Ursulino era deputado, exclamou
em linguagem quinhentista: – E o doutor deputado não perdeu os
“pincenês”?
Pai Thomaz e as bananas – Contava que, ao acompanhar o pai
em uma viagem de trem a São Paulo, a fim de fazer compras para
o seu estabelecimento em Anápolis, o trem da Mogyana, sempre
que parava em São Joaquim da Barra, no estado de São Paulo,
os vendedores colocavam pencas de bananas nas janelas dos car-
ros de passageiros e disse que seu pai gostava muito de bananas.
Quando ele pegou uma penca e deu os 200 réis para o vendeiro,
esse retrucou que agora eram 400 réis. Seu Thomaz devolveu-lhe
as bananas e guardou o dinheiro, quando o menino Ursulino cen-
surou o pai dizendo que ele gostava tanto de bananas e que estava
com a guaiaca cheia de dinheiro, o pai respondeu que não admitia
ser explorado.
Primeira causa em Itapaci – Assim que se formou em Advocacia,
em 1950, seu primeiro cliente foi um preso em Itapaci. Seu pai
Thomaz Leão era muito respeitado por toda aquela região. Du-
rante o júri o delegado, um morenão forte, sargento da Polícia,
estava com o réu sentado ao lado em uma cadeira. Aí o advogado
Ursulino Tavares Leão começou a defesa citando as regras das leis
e o delegado ali firme, com a mão no ombro do preso. E a cada
citação do advogado, ele retrucava: – O PRESO FICA! E o advo-
gado reforçava com frases eloquentes sobre o Código Penal e o
delegado: – O PRESO FICA! Até que enfim, depois de muitas ten-
tativas e sempre o delegado, sem outras palavras: O PRESO FICA!
alguém foi lá e cochichou no seu ouvido que se levantou e bradou
irado: – Por que o senhor não falou que é o Leãozinho filho do

301
Revista da Academia Goiana de Letras

meu amigo Thomaz Leão?! Vem aí com essa prosa besta de leis, de
Código Penal?! Pode levar o seu preso!... E o mandou para frente
com um empurrão.  Aconteceu que, apesar da vitória, o advogado
se sentiu humilhado...

Pioneiro romancista-historiador de Goiás – Ursulino, escritor


seguro, clássico, erudito, cuidadoso, ponderado, vernaculista,
linguagem escorreita, sem resvalos, fluente, de fôlego longo e
curto, dependendo do tema, com respostas secas nos diálogos,
mas sempre as palavras nos devidos lugares, dando-nomes-aos-
-bois. Com os livros Baldeação para Nínive, Existência de Mari-
na, Livro de Ana, A maldição da cruz e A procissão do silêncio,
Ursulino Leão se tornou o pioneiro romancista-historiador de
Goiás. Sua produção literária foram romances, contos, crônicas,
ensaios e discursos.

Bagagem literária – A bagagem literária do Dr. Ursulino Leão é


fecunda e proveitosa, vinda do livro Maya até os outros lançados
por último: Idílio na Serra da Figura e Gyn. O primeiro é compos-
to de contos, alguns longos, contos-novelas, como “Pouso Antigo”
e “Rapto na BR-153”. O segundo são de crônicas, a maioria sobre
a cidade de Goiânia, publicadas em O Popular, cronista que foi
desde 1991. Ambos proporcionam leituras prazerosas, dada a ha-
bilidade do escritor em prender o leitor das primeiras às últimas
linhas. Seguiram-se as suas outras ótimas produções, muitas de-
las pulando o rio Paranaíba: Confissão do Abandono (Discurso de
Posse na AGL); Fonte Expressa;  Estiagem; Praça da Vereda Maior;
Rodovia Preferencial; Salmos da Terra (Ilustrações de Siron); - Dis-
curso de Posse na Academia Brasiliense de Letras; Livro de Ana;
Judi-h; Roteiro dos sentimentos da Cidade de Goiás; O velho avesso

302
Revista da Academia Goiana de Letras

do novo; Sentimentos e poesia: São Francisco, Santa Clara, Tereza


de Ávila e João da Cruz. Não sei se ainda estão inéditos os livros
Discurso à Vida e à História (antologia cultura e política) e Lírios
do Campo para Jesus de Nazaré.

Troféu Jaburu – Quando o Conselho Estadual de Cultura foi criar


o troféu que representaria Goiás, pelo laborioso conselheiro Mi-
guel Jorge, o nome escolhido JABURU se deu graças ao relembrar
que nós, o Ursulino e eu, estávamos numa canoa passeando pelo
rio Araguaia, quando notamos que chegavam de um lado e de
outro, em uma pequena ilha, jaburus e mais jaburus. Acionei o
motor de popa rumo à ilha e desliguei, a canoa se aproximando
devagarinho, e Ursulino com o copo de uísque na mão. Os bandos
tinham chefes, e a decisão para o domínio do território foi uma
tremenda luta entre dois jaburus erados, e os bandos saltando, na
maior algazarra, torcendo, tal uma briga de galos. Com um bom
espaço de tempo, um dos lutadores arriou, foi largando o territó-
rio da luta e alçou voo, sendo seguido pelo seu bando. E os que
ficaram foi aquela explosão de alegria pulando e batendo as asas,
aplaudindo. Concluímos que o mundo deveria ser assim, nada de
guerras destruindo cidades e matando inocentes. Por isso, foi su-
gerido pela maioria dos conselheiros que o troféu do Conselho
deveria ser o JABURU. Regina Lacerda teria indicado o PAPIRUS,
(pau-papel) existente na Serra Dourada.

Seu livro Romaria de Trindade – A Romaria do Divino Pai


Eterno, descrita pelo escritor católico, Ursulino Tavares Leão,
com o título de ROMARIA (Depois e Ainda), é o seu sexto li-
vro no gênero literário. Quem leu os anteriores sabe que está
com um tesouro literário nas mãos. E reserva tempo especial

303
Revista da Academia Goiana de Letras

para o apreciar, digerindo textos bem-contados, esmerados, tra-


balhados, com uma linguagem adequada a cada ambiente, por
onde o livro se desenvolve. São textos burilados em laborató-
rio vernáculo, períodos construídos, trabalhados em oficina de
mestre. Quem termina a leitura de um romance-histórico como
este, Romaria, fica por dentro da história que o autor se propôs
a contar com uma leitura prazerosa, o que não aconteceria com
textos absolutamente históricos, que o leitor somente leria por
obrigação de estudo, de conhecer, do interesse de saber. Por isso
o romance-histórico floreado com ficção é lido, apreciado e en-
tendido por qualquer leitor e não por apenas estudantes ou in-
teressados em História. E é por isso que o inglês separa História
de Estória. História é oficial, cronometrada, geográfica, e Estória
é apenas ficção, relatos inventados pela capacidade criativa do
autor. São acontecimentos que provavelmente não seriam pos-
síveis na realidade. O romance-histórico tem, também, função
paradidática, porque ensina, com narrações diversificadas. O es-
critor, para ser romancista que aspira ser, tem de passar por to-
dos os segmentos dos gêneros literários. O escritor se aporta ao
romance, como o político de carreira chega ao Senado. Rachel
de Queiroz disse, em entrevista ao O Popular, ao Mário Moraes,
que “os grandes oradores dificilmente são bons escritores”, mas,
como toda regra há exceção, Ursulino Leão foi ótimo orador e
tão bom escritor. Há verdades de fato e verdades oficiais. E foi
por isso que o escritor Ursulino Leão fez o leitor se inteirar da
fundação da cidade santa, cidade da fé, Trindade, origem da sua
famosa romaria, uma das principais do País e, ainda, as chegadas
das várias famílias que se instalaram na Campininha das Flo-
res, colaborando, futuramente, na implantação da nova capital

304
Revista da Academia Goiana de Letras

do Estado, como os Tavares e os Moraes. Também os primeiros


padres alemães redentoristas que aí se instalaram em 1894. En-
sina, também, Ursulino, que o sertão necessita do entrosamento
das famílias instaladas, umas perto, outras distantes. É o modo
necessário para o relacionamento, para a convivência, para os
negócios, casamentos e a Cultura. Essa aproximação se dá, qua-
se sem exceção de regra, pela religião, em reuniões com rezas,
terços, recolhimentos de Folias, realizações de casamentos... A
força narrativa, num crescendo aprimorado, onde o leitor vive
o ambiente juntamente com os personagens, participando dos
acontecimentos em linguagem vigorosa, cada personagem ma-
nietado pelos dígitos do autor, indo do amor familiar às mais
sórdidas passagens de alguns dos personagens.

A temática do livro é o surgimento de uma das principais ro-


marias do País, tornando-a em uma próspera cidade construída
à base da fé dos romeiros. Fé cimentada, alicerçada nos divi-
nos prodígios misteriosos, encantando e arrancando da terra
generosa um símbolo religioso, o MEDALHÃO DA DIVINA
TRINDADE, que é adorado, é seguido, e onde o amor relata e
desenvolve dando vida e ensina. Seu espírito vacila e investiga: o
encontro do Medalhão teria sido um milagre? Foi um recado de
Deus? Talvez sejam simples figuras de barro inventadas por di-
vertimentos e jogadas fora depois? Ou uma relíquia perdida na
época dos bandeirantes? Na Romaria do Divino Pai Eterno des-
filam personagens da região sertaneja, tropeiros, os comprado-
res de gado e vendedores de muares, os peões, cada personagem
com a sua labuta. Intrigas de família, notícias dos acontecimen-
tos, usos e costumes, pedidos de casamentos, compra e vendas,
rezas em família, o mundo desconhecido lá de fora existindo

305
Revista da Academia Goiana de Letras

por vagas informações com os que chegam, mascates “turcos” e


negociadores de gado. Também, refúgio de assassinos, encosto
de malogrados, invejas e concorrências no comércio e até na re-
ligião. Trindade, Santíssima Trindade, é o nome do arraial que
se segue a Barro Preto, após o Medalhão.  Constantino Xavier e
Ana Rosa comandam, desde o achado do Medalhão, os efeitos
religiosos sob as bênçãos do Divino Pai Eterno, surgindo aí a
primeira romaria a pé e que se evoluiu em comboios de carros
de bois, como residências ambulantes.

A capela que abrigava o Medalhão, tal um filme épico na pena


firme e honesta do escritor, transforma-se em igreja, e a igreja em
santuário, com fotos originais, valorizando sempre mais o livro.
Esse romance é a grande saga sertaneja, onde o autor experiente
descreve tudo com grande conhecimento, experiência sertaneja e
interiorana.

Fica aqui o “retrato humano e cultural” do ilustre escritor de Cri-


xás, Anápolis e Goiânia, Ursulino Tavares Leão.

Obrigado pela atenção!

306
Revista da Academia Goiana de Letras

Sessão Magna de Saudade


Ursulino Tavares Leão
Discurso de agradecimento

Luísa Pilar

Boa noite, gostaria, em primeiro, de cumprimentar Lêda


Selma, como presidenta da AGL e, desde já, expressar todo o ca-
rinho da nossa família à presença de todos os amigos que aqui
estão, homenageando Ursulino Tavares Leão, meu avô.  
Quero também agradecer à Academia Goiana de Letras,
por todo o trabalho realizado de incentivo à Cultura, por ter pro-
movido o Ano Cultural Ursulino Leão, que deixou meu avô muito
feliz, em cada uma das homenagens que foram concedidas naque-
la ocasião, e por aquela doce viagem à Fazenda São João. 
No entanto, o que o que mais me alegra é o fato de a AGL
proporcionar a Imortalidade do meu avô. Lembro que ele sempre
me dizia, sorrindo, que era imortal.  
Tive a sorte de crescer em uma fazenda, local que foi inú-
meras vezes narrado pelo meu avô, em suas crônicas no jornal O
Popular e em seus livros.  Cresci com a poesia da Natureza sob a
minha janela.  
Lembro-me de que, certa vez, cheguei à fazenda, e meu pai,
emocionado, contou que uma árvore – um tamboril – grande,
cheio de histórias, que ficava no centro do pátio, tinha cedido ao
tempo e, com uma forte chuva, caído.  
Compreendi, desde cedo, sobre o ciclo da vida, e que ele
vale para plantas, animais e também pessoas.  

307
Revista da Academia Goiana de Letras

Ursulino Leão disse que se aposentaria depois desse livro, e


assim o fez.  Trabalhou duro nessa obra, corrigiu uma e outra vez.
E, quando terminou, partiu, antes da Festa. 
Lembro de minha tia Nazareth, irmã do meu avô – Maria
Nazareth Leão Cunha – comentar, com um sorriso leve, que meu
avô gostava de criar expectativas nas pessoas e que ele adorava
que o bajulassem. Que isso era coisa de dona Luizinha (minha
bisavó). Assim, o lançamento de seu último livro me faz pensar
que, de alguma maneira, ele está sorrindo feliz, tomando uísque e
contente, pois todos estamos falando dele.  
Minha avó se despediu fechando seus olhos azuis.   
Já meu avô se despediu de mim, bravo, porque eu não sabia
bem o nome das enfermeiras que cuidaram dele, com tanto cari-
nho, no hospital Anis Rassi, e que ele queria presentear com livros
dele. Íamos saindo, e um enfermeiro perguntou: “Posso escrever
um verso seu para conquistar minha namorada?”. Ele sorriu, e dis-
se: “Eu escrevi um livro para conquistar minha Lena”.  
Desde pequena, quando eu questionava meu avô  sobre a
morte, ele me sorria e respondia que era Imortal. Demorei a com-
preender o sentindo de Imortal, talvez, no começo, eu pensasse
nele como um herói, ou um ser que não iria fazer a passagem.  
Meus avós escreveram um livro e, assim, de alguma manei-
ra, eternizaram meu tio Tomaz.  
No começo da minha adolescência, me lembro um dia, ou-
vindo rádio no carro com meu irmão, e músicas de pessoas que já
não estão presentes, e elas continuavam ali, conversando comigo
através da música. Foi assim que compreendi sobre o Imortal.  
E, por isso, faço referência a uma  adaptação de uma can-
ção que me marcou muito, para honrar meu avô, Imortal: é o últi-
mo poema do último livro de Ursulino Leão.
 

308
Revista da Academia Goiana de Letras

Quando eu estiver escrevendo  


  
Tem gente que recebe Deus quando escreve 
Tem gente que escreve procurando Deus 
Eu sou assim com a minha letra pequena 
Peço a Deus que perdoe meus rascunhos  
 
Eu sou assim 
Escrevo pra me mostrar 
Como crixaense  
Quando eu estiver escrevendo  
Não se aproxime 
Quando eu estiver escrevendo 
Fique em silêncio 
Quando eu estiver escrevendo  
Não escreva comigo 

Porque eu só escrevo só 


E os meus rascunhos são a minha solidão 
E a minha salvação 

Porque minhas palavras redimem o meu lado mau 


Porque minhas palavras são pra quem me ama 
Me ama, me ama 
 
Quando eu estiver escrevendo  
Não se aproxime 
Quando eu estiver escrevendo 
Fique em silêncio 
Quando eu estiver escrevendo 
Não fale comigo 

309
Revista da Academia Goiana de Letras

Quando eu estiver escrevendo 


Fique em silêncio 
  
Porque minhas palavras são a minha solidão 
E a minha salvação 
Porque escrever é o que me mantém vivo 
É o que me mantém vivo 

* * *

Amor sem fim 


Meu avô, 
Você é a poesia na minha vida  
A única coisa que é certa 

 Minha grande referência, 


onde me inspiro, 
de alguma maneira, você guia meus passos,  

E eu, 
Eu quero dividir 
as minhas palavras com você  
no silêncio dos entardeceres  

E suas mãos, 
Suas mãos, escrevendo silenciosas na minha memória 
Elas me dizem o quanto você  
Oh, sim, você sempre será: 
a minha grande inspiração!

310
Revista da Academia Goiana de Letras

Lavrador de sonhos, semeador de ideias...


(Oração congratulatória a URSULINO LEÃO)1

Getúlio Targino Lima 2

Senhores,
Senhoras.

A importância e o significado maior deste acontecimento


impedem, segundo entendo, o discurso livre, apenas falado, sem
um texto previamente escrito, ainda mais quando o orador é o
porta-voz da mais importante instituição cultural, no âmbito lite-
rário do Estado de Goiás, a Academia Goiana de Letras.
Poderá alguém, desavisadamente, alvitrar que se trata ape-
nas da concessão de mais um título de cidadania honorária goia-
niense a mais um cidadão, aqui residente mas não nascido nos
lindes territoriais da capital goiana.
O engano, todavia, é fatal e desmesurado.
Primeiramente, não se trata de “mais um título de cidadania
honorária”, como se tal e emblemática condecoração fosse algo sin-
gelo e de brilho embaçado, e, em segundo lugar, porque não se trata
apenas de “mais um cidadão que aqui vive, mas não nasceu nes-
ta capital”, até porque o título exige o preenchimento de requisitos
pessoais e de trabalho em prol da cidade, e o cidadão condecorado
é, nada mais, nada menos do que URSULINO TAVARES LEÃO, o
Advogado, o Procurador Geral de Justiça, o Procurador do Estado,
1
Discurso proferido na Câmara Municipal de Goiânia, em 28 de novembro de 2011, por ocasião
da entrega ao Acadêmico Ursulino Leão do Título de Cidadão Goianiense.
2
Presidente da Academia Goiana de Letras

311
Revista da Academia Goiana de Letras

o Deputado Estadual, o Vice-Governador do Estado, o Escritor (ro-


mancista, poeta, contista, cronista) o grande condutor da Academia
Goiana de Letras, que a dirigiu por 16 (dezesseis) anos.
Um título de cidadania honorária é algo que galardoa e exige.
Um título de cidadania honorária é alguma coisa sublime,
que, tocando no imo do homenageado, condu-lo às alturas inson-
dáveis de seus sentimentos mais íntimos e de retorno o coloca na
primeira fila do combate em favor dos interesses gerais da coleti-
vidade que o acolheu.
Não vos digo isto por haver lido ou ouvido falar.
Algum tempo atrás, neste mesmo e respeitável Plenário, re-
cebi desta mesma Casa idêntica homenagem e sei o que senti.
A cidadania, como um glorioso troféu, laureia a fronte do
homenageado, reconhecendo-lhe os méritos, louvando-lhe o es-
forço e o trabalho, agradecendo-lhe o notável contributo ofertado
à cidade, à vida e à própria cidadania.
Ao mesmo tempo, todavia, entrega-lhe nas mãos a bateia
para que, como cidadão, garimpe mais pepitas de ouro para o bem
geral.
Isso, todavia, por certo, não se constituirá em dificuldade ou
empeço ao nosso ilustre confrade.
Ursulino Leão sempre utilizou duas poderosas armas para
se defender das armadilhas da existência no planeta e para con-
tribuir com as maravilhas da vida: oração e trabalho, fé e obras,
amor e realidade.
No entanto, constitui-se numa insubstituível ciência do bom
viver o sabermos aliar as duas coisas: oração, nunca transferindo
para Deus a responsabilidade exclusiva dos nossos empreendi-
mentos nem pretendendo realizá-los apenas por nosso esforço,

312
Revista da Academia Goiana de Letras

excluindo a proteção divina e trabalho: a nossa efetiva e específica


participação no projeto idealizado.
A respeito e ilustrativamente, conta-se que um preto idoso
tinha uma muito-bem cuidada chácara que era objeto de frequen-
tes e encomiásticos comentários de seus vizinhos. Um deles, mais
curioso que os demais, fez-lhe a seguinte indagação:

– Irmão Samuel, ouvi dizer que a vicejante produção de


sua horta é devida às fervorosas orações que o amigo di-
rige, diariamente, ao Senhor. É verdade?
– Sim – respondeu humildemente o alquebrado lavrador,
que dispensava muito e especial carinho às sua plantações.
– Mas – prosseguiu – nunca rogo Senhor chuvas copio-
sas e uma excelente colheita, sem empunhar, antes, a mi-
nha enxada.

Eis o feitio de Ursulino Leão.


Lavrador dos sonhos, semeador de ideias, plantador de ob-
jetivos sublimes, sempre ora a Deus, buscando proteção para sua
lavoura humana maravilhosa, mas nunca ora sem antes empu-
nhar sua enxada, sem sempre estar pronto a carpir o seu terreno,
achegar a terra da confiança ao pé da planta do ideal e o adubo da
fé em torno da cova onde plantou a semente do bem, do desinte-
ressado ardor pela cultura.
Notavelmente, o cidadão que ora homenageais, Senhores
Vereadores, é um lavrador improvável, diverso e notável.
É que, por exemplo, a despeito da seleção rigorosa das se-
mentes que já lançou e ainda lançará no solo bendito desta mag-
nânima cidade, e semeará no ventre fértil desta bela senhora, a

313
Revista da Academia Goiana de Letras

sempre núbil Goiânia, Ursulino não inicia semeadura, sem antes


preparar seu próprio coração, que deixa isento de ódio, paixões ou
sentimentos indignos, para poder espalhar, com amor, os ideais
de progresso intelectual, cultural, social e humano desta capital.
Trabalha, e trabalha muito, confiando em resultados que
sirvam para todos.
Sonha sonhos realizados e sonhos realizáveis, não importa
em que futuro, se próximo ou distante.
Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, talvez o maior so-
netista brasileiro, clássico, parnasiano puro, cujo próprio nome é
um verso dodecassílabo, alexandrino perfeito, era, além de gran-
díssimo poeta, um enorme orador.
Assim, no discurso, a mescla poética pode aparecer.
Por isso, Ursulino Leão, poeta, posso lhe dizer como está no
meu Solilóquio, esta

METAMORFOSE II

Um dia,
Quando as evidências
Puderem ser contestadas,
A contestação cederá lugar
Às evidências.

Um dia
Quando o bem
Puder ser amaldiçoado
A maldição cederá vez
À bênção.

314
Revista da Academia Goiana de Letras

Um dia,
Quando a luz
Puder ser obumbrada,
As trevas darão espaço
À claridade.

Um dia,
Quando as verdades
Puderem ser impugnadas,
A mentira desocupará
O lugar do verdadeiro.

Aí, então,
A evidência
Nascerá do bem
Iluminado pela verdade.
E a morte
Cederá sua vez,
Eternamente,
À vida eterna.

Porque você crê nisto, confrade Ursulino Leão, nesta meta-


morfose linda, é que você fez o que fez e ainda fará.
Por isso, esta homenagem.
Por tudo isso, o aplauso e a reverência de seus confrades da
Academia Goiana de Letras que ora represento.
Deus o conserve assim: cidadão honorário de Goiânia,
cidadão honorário de nossos corações.

315
Revista da Academia Goiana de Letras

SESSÃO MAGNA
DE POSSE

317
Revista da Academia Goiana de Letras

318
Revista da Academia Goiana de Letras

Da formação à confirmação 1

Gilberto Mendonça Teles2

Exma. Escritora Lêda Selma de Alencar,


DD. Presidente da Academia Goiana de Letras.
Ilustres Autoridades
Ilustres Acadêmicos
Ilustre Assistência.

Antes de passar à aplicação da Crítica Literária ao exame da


criação de uma personalidade intelectual, pareceu-me oportuno,
nesta solenidade, relacionar o pensamento de três grandes nomes
da crítica literária do século XX, que têm profundos reflexos na
produção cultural da atualidade.
A começar com o nome de M. H. Abrams, autor de O espe-
lho e a lâmpada / The Mirror and the Lamp (1952), que chamou a
atenção da crítica para a imanência da obra literária; em seguida,
numa cronologia de dez anos depois, o nome de Roland Barthes e
seu O Prazer do texto / Le Plaisir du Texte (de 1973) que, partindo
do desconstrutivismo de Jacques Derrida, pôs ênfase no que cha-
mou de as “esfoladuras” por dentro da “fenda” literária. (É que para
Roland Barthes, a leitura de uma obra é sempre um ato amoro-
so, uma penetração: há textos, certos romances [como os de Jorge
1
Saudaução à posse da Profa. Dra. Maria de Fátima Gonçalves Lima na Academia Goiana de
Letras, em 20 de setembro de 2018.
2
Escritor goiano (Bela Vista de Goiás), há 45 anos residente no Rio de Janeiro. Professor Titular
Emérito da UFG; Doutor Honoris Causa da PUC de Goiás; Titular Emérito da PUC do Rio
de Janeiro; e Doutor Honoris Causa da UF do Ceará. Autor de obras de Poesia e de Crítica,
com edições em várias línguas. Lecionou no Uruguai e nas universidades de Portugal (Lisboa),
França (Rennes e Nantes), Estados Unidos (Chicago) e Espanha (Salamanca). Membro de várias
instituições culturais e colecionador de prêmios importantes.

319
Revista da Academia Goiana de Letras

Amado], em que o leitor costuma pular muitas páginas para ver o


final da história: é um problema tanto do leitor como da própria
obra, quase sempre de cunho tradicional, em que o prazer é orgás-
tico, está no fim do livro; mas há livros, digamos, os de vanguarda
[Guimarães Rosa, por exemplo], em que o prazer da leitura está no
durante, pois todos os detalhes – imagens, palavras, construções
– estão ali para dar prazer). Pois bem, sobre esses dois ângulos,
da imanência e da desconstrução, ergue-se o vértice do pragmatis-
mo de Richard Rorty, num indiscutível triângulo hermenêutico da
crítica literária na atualidade. As metáforas do espelho que reflete
e da lâmpada que ilumina e estabelecem os dois extremos dessa
nova visão crítica, que vai da imanência retórica de Abrams ao es-
truturalismo de Barthes e daí ao pragmatismo filosófico de Rorty.
Se até o romantismo toda criação literária era explicada pela imita-
ção / pela mimese, a partir da metade do século XIX, a obra se faz
imanente, independente do exterior: emite a sua própria luz – o
espelho se torna lâmpada – como no famoso verso de W. B. Yeates.
O professor Richard Rorty, filósofo e crítico pragmatista da
literatura norte-americana, falecido há dez anos, cuja obra tive o
prazer de conhecer na Universidade de Chicago, sugeria um mé-
todo para qualquer estudioso que aspirasse à originalidade na
descrição e na prática da crítica literária. Não posso deixar de citar
essa tipologia metodológica por achá-la analogicamente aplicável
a esta solenidade, na qual uma ilustre professora e estudiosa da
literatura vai ser recebida, com muito honra, na mais antiga e tra-
dicional Academia de Letras em Goiás.
Para o autor de Filosofia e o Espelho da Natureza / Philo-
sophy and the Mirror of Nature (1979), existem três classes de
críticos literários:

320
Revista da Academia Goiana de Letras

a) Os da terceira fila (ou do primeiro grau) – os mais distantes da


verdade crítica – os que concentram os seus ataques em erros
e acusações de “frivolidade intelectual ou de corrupção do es-
critor”; não contribuem em nada nem para a evolução do autor
nem para o progresso da cultura – catam carrapatos no texto e
se mostram mais importantes que a obra que fingem examinar.
b) Os críticos da segunda fila (ou do segundo grau), os que fazem
convergir para o centro da obra examinada a preocupação com
a “ambiguidade no uso das palavras, dos nomes e dos termos”,
pondo afinal grande ênfase na “vaguidão das conclusões”; to-
mam o autor e sua obra isoladamente, como se fosse obrigado
a defender a “sabedoria convencional” da crítica filosófica.
c) E, finalmente, os críticos da primeira fila, os que, superando a
literalidade e as restrições dos críticos anteriores, “abrem pro-
fundamente o seu caminho em direção às esperanças e aos
medos das ideias e do sujeito crítico sobre quem vai falar”. En-
cantam-se com a originalidade da vida, da obra e da persona-
lidade em questão; se percebe a perfeição e o valor da obra, o
crítico da primeira fila não deve ignorar deliberadamente as
“falhas nos argumentos” e os aspectos menores dessa obra, se
eles existirem. Assim, a contribuição do crítico do segundo
grau não deixa de ser valiosa. Do contrário, a filosofia de vida
do sujeito que examina se fará ineficaz na solução das questões
fundamentais que o Autor propôs ao longo de sua vida e que o
crítico considera necessárias. No entanto, se a vida, a obra ou a
personalidade do Autor, ou seja, se a Pessoa que se torna objeto
de estudo se faz também digna de louvor e de elogio, por que o
crítico deverá calar a sua expressão de admiração e de alegria?

* * *

321
Revista da Academia Goiana de Letras

A Academia Goiana de Letras engalana-se hoje para a re-


cepção da Profa. Doutora Maria de Fátima Gonçalves Lima,
eleita em 7 de junho deste ano. Natural de Araguaína (hoje Estado
do Tocantins), Maria de Fátima vive há trinta e quatro anos em
Goiânia, com frequentes saídas para congressos e conferências em
universidades de vários Estados e do Exterior – Portugal, Espa-
nha, França, Itália e Rússia. Pode-se dividir a vida intelectual da
Profa. Dra. Mária de Fátima em três fases bem-definidas: a da For-
mação em Araguaína; a da Transformação em Goiânia; e a da Con-
firmação na PUC de Goiás – espaço goianiense e lugar universitá-
rio de produção científica e humanista de repercussão no País. Na
verdade, as três fases podem mesmo ser vistas como duas, como
aliás está no título deste discurso que se denomina DA FORMA-
ÇÃO À CONFIRMAÇÃO, ocultando o termo “Transformação”,
implícito no próprio sintagma, uma vez que o que se vai mostrar
adiante é pura “transformação”, é a essência de tudo aquilo que
existe de “confirmação” na vida cultural da Profa. Maria de Fátima
Gonçalves Lima.
O termo Formação entra aqui com ênfase no sentido com-
plementar dado pelo sufixo –ção, isto é, ato de ou maneira como
se organiza uma realidade, física ou psíquica. Ou, no caso concre-
to, período em que se criou a personalidade do sujeito: seus anos
iniciais de aprendizagem, a sua escolaridade cumprida na cidade
natal, ao lado dos pais e avós maternos e paternos, proprietários
rurais e pioneiros da cidade de Araguaína. É a fase em que se ini-
ciou os seus estudos. Fez seu primário na Escola Evangélica da
Cidade; o ginásio e o ensino médio no Colégio Santa Cruz. In-
fluenciada pela mãe, professora Manoelina Gonçalves Leitão (pre-
sente nesta solenidade), muito cedo teve contato com a poesia. A

322
Revista da Academia Goiana de Letras

novel acadêmica conta, com bom humor, que, aos quatro anos,
foi preparada para recitar um poema. No momento da apresen-
tação, movida pelo medo ou pela timidez, inventou que estava
com dor no pé, começou a chorar e com isto se livrou da primeira
perfórmance em sua vida. Para acabar com o acanhamento nas
apresentações da escola, a mãe a incentivou na leitura de poesia
e na participação de um grupo de teatro, como o que encenou a
Dança Esquálida de Hugo Zorzetti, ocasião em que, aos dezes-
seis anos, recebeu o prêmio de melhor atriz no ginásio do Colégio
Santa Cruz. Não há dúvida de que esse aprendizado conduziu a
adolescente no sentido do amor à arte da palavra e à formação
cultural do bom gosto pelas aulas e conferências performáticas,
como pude assistir há dois anos na Sorbonne. No fundo, tem algo
de analogia com o belo romance de Goethe sobre a aprendizagem
do jovem Wilhelm Meister no seu desenvolvimento espiritual,
psicológico e social. 
A fase de Transformação (que não se quer ficar oculta) se dá
quando alguém, por si mesmo ou por influência cultural, muda
de uma posição A para uma situação B, na qual permanece em
perspectiva de outras mudanças para melhor. Aos dezenove anos,
Maria de Fátima decide vir morar na capital do Estado, inician-
do, assim, a fase de grande atividade e de grande transformação
em sua vida intelectual. Em Goiânia, com o objetivo maior de
completar os estudos e ampliar os conhecimentos, imediatamen-
te ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Católica
de Goiás. Acontece que a paixão pela literatura a levou também
simultaneamente ao curso de Letras Vernáculas na mesma Uni-
versidade. Naquela época, vista de hoje, tudo parecia mais fácil,
e Maria de Fátima soube aproveitar bem o seu tempo. Já havia o

323
Revista da Academia Goiana de Letras

celular, mas não havia ainda o WhatsApp, que eu faço questão


de nunca usar. Para aproveitar mais ainda o seu tempo, casou-
-se, em 1984, com o engenheiro Everaldo Correia de Lima, com
quem vive rodeada de livros, de alunos, de plantas ornamentais
e dos três filhos que, afinal, chegaram. Everaldo Jr., Engenheiro;
Cecília Lima, bailarina e Engenheira; e Diana Gonçalves Lima no
segundo ano de Medicina. Concluídas as duas graduações (de Di-
reito e de Letras), Maria de Fátima imediatamente prestou exa-
me na Ordem dos Advogados e começou a exibir a sua carteira
profissional e a trabalhar como advogada. Não sei se chegou a
trabalhar muito, pois intelectualmente irrequieta, foi logo atraída
para o curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal de
Goiás. Sob orientação do insigne Prof. Dr. José Fernandes, meu
compadre e meu ex-orientando no Doutorado da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. José Fernandes foi o responsável pelo
aprimoramento teórico de Maria de Fátima, levando-a à leitura
dos principais estudos da Poética e ao conhecimento de destaca-
dos poetas do Brasil e do exterior. Dois anos depois, no início de
1989, defendeu sua dissertação de Mestrado: O signo de Eros na
Poesia de Gilberto Mendonça Teles, obra que ganharia o concur-
so dos Novos Valores da Literatura Goiana (Prêmio da Fundação
Jaime Câmara), editada em Goiânia, com prefácio da eminente
acadêmica Augusta Faro Fleury de Melo. A capacidade comuni-
cativa e o dom de recitar poemas de Maria de Fátima prendiam
as plateias e fizeram com que logo a advocacia fosse substituída
pelos famosos e ricos cursinhos preparatórios para os vestibulares
de Goiânia. A professora brilhava, crescia na popularidade entre
os alunos e, seguindo o seu talento de escritora, passou a integrar
a equipe que em 1990 escrevia o Vestilivros, depois, o Vestiletras

324
Revista da Academia Goiana de Letras

(do Suplemento Literário de O Popular), com o objetivo de anali-


sar obras literárias para os vestibulares. Nesse período também já
publicava artigos nas grandes revistas universitárias do País.
Em 1998, encontramo-la, na qualidade de professora con-
vidada, no Departamento de Letras da Universidade Católica de
Goiás. O ano 2000 será, talvez por seus números redondos, um
ano cheio de expectativas e de esperanças, abrindo uma fase – di-
rei mais elevada – da vida de nossa ilustre recipiendária. Come-
ça por ser aprovada no concurso para docentes efetivos na agora
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Já cursa-
va o doutorado sobre Teoria e Crítica Literária na Universidade
Estadual Paulista (UNESP), de São José do Rio Preto, concluindo-
-o em 2004 com a tese sobre O discurso do Rio em João Cabral de
Melo Neto, reeditado na Espanha, na Universidade de Salamanca.
Entre 2008 e 2009, realizou seu Pós-Doutoramento na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) com o estudo
“As três margens da arte Roseana: Seis autores contemporâneos
no curso da terceira margem da palavra”. Coube-me o privilégio
de supervisionar esse estudo, sobre o qual dei, ao final, a nota dez
e o seguinte parecer:

A Autora valeu-se da famosa imagem roseana da “terceira


margem” para estudar cinco poetas e um contista do
Estado de Goiás [...] e se destaca por uma trajetória séria
nos estudos literários em Goiás, [...] com doutorado sobre
o discurso do rio em João Cabral e, agora, com o seu pós-
doutoramento num volumoso estudo sobre escritores de
Goiás” [...] “A imagem de Guimarães Rosa serve de bordão
para acompanhar a leitura de sua pesquisa e desliza como
uma sombra ao longo dos escritores de sua terra”.

325
Revista da Academia Goiana de Letras

Ademais desse pós-doutorado soube em 2014 que Maria


de Fátima fez outro (“Poética e Performatividade”) na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, penso que batendo o recorde
de “pós-doutoramento” no âmbito das letras em Goiás. Finda-se
aí o período agitado da fase de Transformação na vida cultural de
Maria de Fátima.
Finda-se, mas concomitantemente se inicia a sua fase – direi
culminante – de Confirmação. Toda a sua produção intelectual pas-
sará daqui por diante a ser, não só a confirmação em nível superior
do trabalho de literatura e de magistério, mas também a atuação em
uma nova proposição social no sentido maior da Universidade em
que trabalha, e engrandece. É claro que usamos o termo confirmação
no sentido latino da confirmatio, ou seja, consolidação, afirmação que
se confirma, como na crisma ou como na retórica a parte da argu-
mentação que demonstra a justeza de nosso próprio ponto de vista.
Ao sair do radical forma- (presente em Formação e Transformação)
estamos também sugerindo em Confirmação uma nova maneira de
pensar e praticar a vida cultural e espiritual, num grau sublime, bem
acima do que praticava no ensino dos cursinhos de vestibular.
Docente superestimada na Graduação e Pós-Graduação do
Curso de Letras da PUC Goiás, atua especialmente em temas refe-
rentes a estudos sobre a linguagem do texto poético, como Poéti-
cas do Imaginário, Ecocriticismo, Escritas contemporâneas, Arte
e Perfórmance. Além disso, exerce há dez anos o cargo de Coor-
denadora da Pós-Graduação do Mestrado em Letras, com espe-
cialidade em Literatura e Crítica Literária, o que não quer dizer
que não estimule também os estudos sobre ficção: sobre crônica,
conto, romance, sobre o teatro e sua performatividade e – quem
sabe? – sobre pesquisas histórico-literárias, à venir.

* * *

326
Revista da Academia Goiana de Letras

Um professor de literatura na universidade (onde, começan-


do em Goiás, estou há mais de sessenta anos) se torna por dever de
ofício um crítico: começa citando os textos, lê-os com os alunos,
analisa-os, compara-os com outros textos da mesma época e com
textos de época diferente e (se possível) com textos de outras lín-
guas, acabando afinal julgando o valor da obra e do autor. Não há
como fugir a essa escalada metodológica no estudo da literatura.
É, portanto, inevitável que de tanto ensinar acabasse desenvolven-
do seu gosto pelos estudos críticos, como aconteceu com a Profa.
Dra. Mária de Fátima, autora de vários livros e de numerosos arti-
gos publicados em jornais e revistas como se pode ver no seu inve-
jável Curriculum Vitae. Entre eles, seleciono apenas as Três líricas
perfomativas (2007), a série de quatro livros sobre Leitura e Poesia
(2012), O Signo de Eros na Poesia de Gilberto e entre os comparti-
lhados, Imaginário e Performatividade (de 2016).
Mas a o sentido social da produção intelectual de nossa co-
lega de Academia é também de natureza oral (sem ser folclórica):
está nas dissertações orientadas no Mestrado, nas conferências e
nos congressos de literatura que ela realiza na PUC Goiás e nos de
que ela participa, no Brasil e no Exterior. Mas há também algo di-
ferente na sua produção literária: além da crítica universitária, há
também, a partir de 2004, a produção de obras de ficção infantil,
com vasta exibição de textos denominados: O castelo de Branca
de Neve; Histórias que vovó Maria contava; Renato e as bananas
Ourinhos; O papagaio e a rocodela; Sopa de pedras; O bezerro
e a rainha; A pedra furada; Os cabelos de Rebeca; O Canto de
Iguaçu; Pelo Amor de uma Tapuia; O Papagaio Pintor e o Caste-
lo de Baobá; A Odisseia de Nívea e os sete anões e, afinal, Contos
e Recontos Infantis. Confesso que ainda não li todos esses textos

327
Revista da Academia Goiana de Letras

infantis, mas louvo-me no excelente crítico que acabamos de per-


der – José Fernandes –, que escreveu o seguinte:

Escrever para crianças de forma artística requer conhe-


cimento das manhas do discurso literário e, sobretudo,
imaginação para pescar no imaginário coletivo aqueles
elementos que perfarão a trama e encantarão o leitor mi-
rim. Maria de Fátima Gonçalves Lima tem demonstrado
senhora dessa técnica em toda a sua exploração do ima-
ginário presente em suas obras infanto-juvenis. Todavia,
em O castelo de Branca de Neve, exorbita-se no ato de
criar. Primeiro, imprime continuidade a uma história já
cristalizada no ideário artístico de crianças, como se ela
tivesse ficado incompleta face ao casamento da protago-
nista, sem se constatar o que realmente aconteceu em sua
existência posterior.

Para concluir, informo que a nossa homenageada recebeu


vários prêmios, entre os quais: Novos valores da literatura – da
Fundação Jaime Câmara (2002); o da Câmara Municipal de Goiâ-
nia que lhe concedeu o Título Honorífico de Cidadã Goianiense
(2012); e o Troféu Goiazes – gênero crítica literária da Academia
Goiana de Letras (2013). E. corroborando o que vínhamos dizen-
do, eis um trecho do seu depoimento encontrado no citado Cur-
rículo Vitae.

Talvez tenha sido picada pela abelha dos ensinamentos de


Clarice  Lispector,  que dizia ter  nascido para três coisas
e para as quais daria sua vida: Criar seus filhos,  Amar os
outros e Escrever. Essas três coisas também são minhas --
diz Maria de Fátima -- e nelas  insiro minha Fé. [...] A fé me
possibilita também a segunda coisa para a qual nasci: amar

328
Revista da Academia Goiana de Letras

a humanidade. Esse amor eu o desenvolvo na educação.


[...] No Mestrado em Letras da PUC Goiás,    encontrei
um campo para propagar esse amor e ajudar as pessoas a
ampliar seu conhecimento do mundo, da arte da palavra e
da própria vida,  por meio da crítica literária [...]. A terceira
coisa que a fé me conduziu e para qual nasci foi escrever.
Escrevo porque no ato da escrita posso falar de mundos e
criar outros. O mundo que mais me encanta é o da poesia.
Gosto de jogar com o ludismo enigmático do poético e
com sua construção solitária e solidária.

Assim, admirável Profa. Dra. Maria de Fátima Gonçal-


ves Lima, por tudo que acabei de dizer e por muito mais que eu
poderia ter dito, a Academia Goiana de Letras a recebe de braços
abertos. Obrigado.

Goiânia, 20 de setembro de 2018.

329
Revista da Academia Goiana de Letras

Discurso de Posse Cadeira Nº 5

Maria de Fátima Gonçalves Lima

“O homem é um ser que se criou a si próprio ao


criar uma linguagem. Pela palavra, o homem é
uma metáfora de si próprio”.
(O Arco e a lira de Octávio Paz)

“Escrever é sacudir o sentido do mundo.”


(Roland Barthes)

Exma. Acadêmica Lêda Selma de Alencar,


DD. Presidente da Academia Goiana de Letras.
Ilustres componentes da mesa.
Distintos acadêmicos, prezados escritores.
Queridos familiares, amigos, autoridades.

Começo o discurso desse meu rio exultante, a partir de duas


reflexões. A primeira, abrigada no lirismo de “Voa” – poema que
estimo, dada a qualidade sua poética revelada nos vários planos –
expressão, ideológico, semântico e retórico – de autoria da poetisa
e Presidenta deste Sodalício Literário, Lêda Selma de Alencar, que
exprime:

Se teu sonho for maior que ti,


alonga tuas asas,
esgarça teus medos,
amplia teu mundo,

330
Revista da Academia Goiana de Letras

dimensiona o infinito
e parte em busca da estrela...
Voa alto!
Voa longe!
Voa livre!
Voa!

O outro pensamento, do escritor Rubem Alves, avalia: “Há


pessoas que nos fazem voar. A gente se encontra com elas e leva
um bruto susto […] elas nos surpreendem e nos descobrimos
mais selvagens, mais bonitos, mais leves, com uma vontade incrí-
vel de subir até as alturas, saltando de penhascos”.
Esses textos traduzem o meu próspero encontro com os
ilustres escritores da Academia Goiana de Letras, que hoje me
recebem neste momento alvissareiro de sonho e realização. Foi
a confluência de duas águas da minha vida – a água do sonho,
morada da literatura e do imaginário que me movia; e a água da
realização, dos estudos literários que era minha matéria de traba-
lho e realidade.
É uma emoção indescritível, uma preciosa honra e prazer
ter sido eleita para compor um quadro tão seleto de artistas da
palavra, que pensam e realizam Literatura no Estado de Goiás;
que materializam a cultura de um povo e têm o poder de, por
meio dos textos literários, fazer a humanidade pensar sobre o ser
e as coisas do mundo, e a buscar perguntas intrigantes e respostas
inteligentes, a filosofar sobre o poder das palavras. Em seu livro
O que é literatura? (1985), Jean Paul Sartre postula: “A função do
escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e nin-
guém possa se dizer inocente”.

331
Revista da Academia Goiana de Letras

PATRONO
GASTÃO DE DEUS VICTOR RODRIGUES
No oitavo dia do mês de março, de 1883, nasceu em Catalão,
Gastão de Deus Victor Rodrigues, o patrono da Cadeira número
5, que terei o orgulho de agora, ocupar. Filho do Coronel Fran-
cisco Victor Rodrigues e de Felicidade Silveira Rodrigues, iniciou
seus estudos na cidade natal e depois transferiu-se para Paracatu,
em Minas Gerais. Após concluir o Grupo Escolar e a Escola Nor-
mal, em 1898, voltou para Catalão.
De espírito altivo, não ficou parado na cidadezinha da sua
infância, transferiu-se para Uberaba, e iniciou um período de
muitas atividades: exerceu o magistério e o jornalismo, escreveu
no “Lavoura e Comércio”, e foi nomeado para a Secretaria de Fi-
nanças de Goiás.
Logo, seu estilo irrequieto levou-o para a Escola de Direito
de Goiás. Foi removido para a Secretaria do Interior, Justiça e Se-
gurança Pública, e, em seguida, lecionou Metodologia e Pedago-
gia, na Escola Normal, e Literatura e Lógica, no Lyceu.
Em 1905, lançou seu livro de poemas em tom romântico,
Agapantos, obra publicada em Uberaba, composta por poemas
datados de 1902 a 1904 e que traz uma carta-prefácio do colega do
curso de Direito, Augusto Rios, que expõe: “És dentre a moderna
geração de poetas, um dos que trabalham e burilam o verso com
mais elegância e carinho mais cuidadoso”, como pode ser conferi-
do no quarteto de “Goyazes”, datado de 1903:

“Coração do Brasil!” soberba terra,


Terra augusta dos brincos da natura!
Quanto néctar o seio teu encerra,
Ninho rico de vida e formosura.

332
Revista da Academia Goiana de Letras

Em 1906, bacharelou-se em Direito, juntamente com Rai-


mundo Pinto de Castro, João Avelino Trindade, Augusto Rios,
Luís Ramos de Oliveira Couto (orador). Em 1907, casou-se em
Paracatu, com Leonor Pimentel Ulhoa.
Nos anos posteriores, lançou, em 1909, O Paracatuense, se-
manário político, noticioso, literário e agrícola. Em 1910, iniciou
a publicação, em folhetim, da novela catalana O Cazeca. Foi es-
colhido para ser delegado de polícia, na cidade de Catalão, em
1913 e, logo, nomeado o primeiro juiz de direito da comarca de
Anápolis.
Editou, pela Tipografia Pauliceia, São Paulo, Páginas Goia-
nas, em 1917, obra dedicada a Eugênio Jardim e a José Xavier de
Almeida e que, na primeira parte, fez estudos e biografias dos
principais vultos literários e, na segunda parte, sob o título, “Tra-
ços Multicores”, apresentou alguns de seus contos.
Sobre Páginas Goianas, Gilberto Mendonça Teles em A Poe-
sia em Goiás – Estudos Goianos I (1983) traçou sua visão de pes-
quisador sobre essa obra e exibe como Gastão de Deus delineou
seu olhar crítico sobre a literatura produzida em Goiás, naquela
época, e registrou que “o autor discorreu, criticamente, sobre os
principais representantes de nossas letras, na poesia. Trata-se de
um belo trabalho, a começar com o prefácio, através do qual nos
chegaram valiosas informações sobre os poetas da época”.
O poeta Gastão de Deus Victor Rodrigues faleceu em pleno
outono, no dia 17 de abril de 1917, na cidade de Anápolis, deixando
um legado de uma vida dedicada às Letras e à Cultura de Goiás.

333
Revista da Academia Goiana de Letras

ELIEZER JOSÉ PENNA


ELEIÇÃO 23 DE NOVEMBRO DE 1973
POSSE 8 DE MAIO DE 1977

O acadêmico Eliezer José Penna foi jornalista e escritor.


Nasceu em São Paulo, na cidade de Taquarituba, no dia 8 de agos-
to de 1925, filho de José Penna e Virgília Penna. Foi casado com
Aracy Taveira Penna, amor de primeira vista, e tiveram quatro
filhos. Faleceu no dia 3 de fevereiro de 2018.
Eliezer Penna fez os estudos iniciais em sua terra natal, se-
cundário na Escola Normal Oficial de Itapera, o ginásio em Averé,
cidades paulistase bacharelou-se em Direito pela Universidade de
Goiás.
Assinalado pelo sobrenome que já indicava sua missão no
mundo, transferiu-se para a capital paulista. Trabalhou no Hoje,
no O Dia e na Folha da Manhã, atual Folha de São Paulo. Voltou
para Goiás em 1949 e começou a exercer suas funções de jornalis-
mo na Folha de Goiaz, dirigiu O Popular e a Rádio Anhanguera.
Em 1957, presidiu a Associação Goiana de Imprensa. Incen-
tivador da cultura goiana, em fevereiro de 1957, ajudou na funda-
ção do Jornal Oió, que teve duração de 21 números, e foi extinto
em novembro de 1958. Sobre sua participação nesse jornal, Gil-
berto Mendonça Teles, assinalou em A Poesia em Goiás – Estudos
Goianos I (1983) que Eliezer Penna, como secretário, traçou as
diretrizes do jornal no seu editorial “Rumos do Jornal Oió” e es-
creveu que o jornal abrigaria “em suas páginas as produções dos
homens de letras do Estado, evitando, porém, a formação das cha-
madas e odiosas “igrejinhas literárias”. Essa atuação já demons-
trava o seu espírito idealista de concretizar ações, fazer e seguir a
história do seu povo.

334
Revista da Academia Goiana de Letras

Sua vida de jornalista estava escrita no brilho de grandes


reportagens, uma delas, o fato de ter sido o primeiro a entrevis-
tar Juscelino Kubitschek no local onde seria construída a nova
capital do Brasil. Em 1961, chefiou a campanha política do ex-
-Presidente Juscelino Kubitschek, quando candidato ao Senado
Federal por Goiás.
Foi Secretário de Interior e Justiça, no governo José Felicia-
no (1951-1961), e chefe de Gabinete civil, no governo Mauro Bor-
ges. Deputado estadual já na 5ª Legislatura, afastou-se, em 1965,
para assumir a Secretaria de Indústria e Comércio, no governo
Ribas Júnior. Suplente de deputado estadual, na 6ª legislatura, as-
sumiu, temporariamente (1968), a Assembleia Legislativa e, logo
em seguida, a Secretaria Geral do Governo. Foi secretário de Im-
prensa do governo Otávio Lage e Assessor Parlamentar do gover-
no Leonino Caiado.
Eliezer Penna nunca se intimidou com os que se diziam de-
tentores do poder. Era um homem intrépido, audacioso, destemi-
do, sem medo de conquistar mundos, de pregar e acionar ideias
vanguardistas. Tinha os olhos voltados para o passado, para o pre-
sente e, principalmente, para o futuro. Possuía visão marcada pela
dianteira das ideias, pelo original, pela inovação que poderia pro-
porcionar no universo das letras e da cultura de Goiás. No entan-
to, fazia tudo com o silêncio e a sabedoria dos sábio, sem alarde.
Sobre Eliezer Penna, o acadêmico Eurico Barbosa escreveu
um Prefácio denominado “O Pitoresco da política na Pena de Elie-
zer”, para o livro Política & Políticos: divergências e convergências
e trouxe um perfil do brioso jornalista quando ele ainda tinha 22
anos e estava entre os repórteres e redatores do jornal paulistano
Hoje; depois, traçou sua história como redator-chefe da Folha de

335
Revista da Academia Goiana de Letras

Goiás, o jornal de maior tiragem e venda avulsa da capital goiana.


Em seguida, exibiu a trajetória do altivo Eliezer, em O Popular,
como Diretor-secretário e responsável pelos “excelentes editoriais,
bem feitos e diversificado noticiário”, bem como a adoção da re-
portagem e a modernidade impingida na paginação do jornal.
Em sua prática nas artes do jornalismo, Eurico Barbosa con-
viveu de perto com o profissional Eliezer Penna – que, reitero,
fazia jus ao sobrenome, homem da escrita e dono de um discurso
fluente, direto e necessário. Nosso confrade escreveu que cons-
tatou de perto “o talento, a bondade e caráter de Eliezer Pena. O
profissional competente, ético, respeitoso, verdadeiro e afável.
Além das qualidades literárias, do sucesso de seus contos na revis-
ta Alterosa, editada em Belo Horizonte e de circulação nacional”.
Falou, ainda, das conquistas literárias do jornalista “a primeira
premiação em concursos nacionais daquela publicação mineira”.
Eurico Barbosa apontou também a vitória do seu Projeto
de Lei na Assembleia Legislativa, que concedeu, ao jornalista, o
título de Cidadão Goiano em 1985. Finalmente, define Eliezer
Penna como “Homem de reportagem e do editorialismo político
em nosso Estado, desde o final da década de 1940; [...] profissio-
nal e politicamente relacionado com todos os principais protago-
nistas dos fatos históricos, grandes e pequenos, significantes ou
insignificantes, ele mesmo personagem de muitos”. Assim, retrata
a trajetória jornalística do acadêmico Eliezer Penna, sua condição
de repórter excepcionalmente arguto, sua capacidade de ser um
“redator de estilo e assinaladamente objetivo, o repórter perfeito,
o escritor ideal”.
Javier Godinho, ao escrever para a orelha do mesmo li-
vro Política & Políticos: divergências e convergências, considerou

336
Revista da Academia Goiana de Letras

Eliezer Penna como o “Pai da moderna imprensa goiana”, dis-


correu ele, conseguia derrubar os empecilhos causados pelo
conservadorismo “sempre com a cabeça sob o cutelo, até para
desfrutar de maiores doses de paz, decidiu trocar o jornalismo
pela política e se transformou em digno homem público e com-
petente secretariado de Estado e deputado. Só então teve tempo
de fazer poesia e escrever por diletantismo, coisas que realiza
com indiscutível talento”.
Na literatura, Eliezer Penna publicou, em 1969, o livro de
contos Sem cravo na lapela. Em 1973, o de poemas, Imagens do
meu tempo. E, em 2007, Política & Políticos: divergências e conver-
gências, livro que traz crônicas e reflexões marcadas por um sutil
humor.
Sua lírica exprime a morada de suas memórias e experiên-
cias. Seus textos poéticos acionam a vida em construção, exempli-
ficado em alguns fragmentos do poema “Brasília”, que demonstra
suas experiências na política e amor por seu país:

I
Brasília – sonho arrojado!
De brasileiros viris
Marco de fé já plantado
No coração do país.
Vais surgindo no planalto
Mãos erguidas para o alto
Suave prece de luz!
Simbolizas um tesouro:
Um porvir de paz e de ouro
A Terra de Santa Cruz!
[...]

337
Revista da Academia Goiana de Letras

VIII
Saudemos, pois, o futuro
O Brasil está de pé
Aplaudindo o fruto puro
Da força, do amor, da fé.
Cantemos todos um hino
A fibra de Juscelino
Nosso chefe sempre avante
Oh! Moderno bandeirante
Da grandeza do Brasil!
[...]
IX
Brasília, Brasília amada!
Grande e radiosa hás de ser.
Criança meiga e mimada
Que eu vi um dia nascer.
Goiânia, a irmã carinhosa
Que te embala cuidadosa
Te quer muito, muito mais!
Todo o Brasil te deseja,
Mas Goiânia é quem te beija
Porque nasceste em Goiás!

APRENDIZAGEM, AMOR E FÉ

A arte nomeia a existência das coisas por meio de metáforas


que pluralizam a significação do silêncio, porque dizem o indi-
zível e possuem uma sintaxe invisível. Essa sintaxe manifesta-se
na singularidade da palavra literária, numa realização silenciosa
da metáfora. É o silêncio do sentido. Não se trata de um silêncio

338
Revista da Academia Goiana de Letras

negativo que se esvai e contenta em negar a si mesmo em seu si-


lêncio. É um silêncio que diz muito, retórico, que é criativo, surgi-
do no instante dos grandes começos: a terra, o mundo, a história,
os homens. É um silêncio dizente, que medita enquanto exprime
um pensamento.
O artista da palavra desvela a existência das coisas por
meio da linguagem literária, quebrando assim o silêncio das pa-
lavras e fazendo tudo emergir aos olhos do leitor: a nuvem, a
asa, o vento, a árvore, a pedra, o morto, o curto prazo da vida, o
curto prazo da morte.
Por meio da Literatura, o homem põe a linguagem em mar-
cha e manifesta o próprio ser composto de palavras em movimen-
to, que aciona o combustível das ideias, da criação de um outro
mundo, além da realidade, mais intenso, mais pleno.
A literatura e a crítica literária são minha profissão e minha
fé. Desde sempre, percebi que a literatura, era um modo de vida,
um ofício que se completava com o prazer de Amar os outros e,
mais tarde, na criação dos filhos.
Nasci no interior de Goiás, hoje Tocantins, filha de Manoeli-
na Gonçalves Leitão e de Francisco das Chagas Leitão. Minha mãe
era professora. Cresci dentro de escolas, vivenciando a sala de aula
e os livros, livros a mãos cheias, como poetizou Castro Alves. E a Li-
teratura esteve comigo nos caminhos de encantamentos e imaginá-
rio. Fiz da palavra minha fé. Os estudos literários foram ampliados
no mestrado em Literatura Brasileira, da Universidade Federal de
Goiás, onde tive como meu grande mestre e incentivador o saudoso
e memorável acadêmico José Fernandes. Foi ele quem ensinou-me
os caminhos da poesia, com seus enigmas e mistérios, apresentou-
-me “ (i)ma(r)gens da Crítica e do poético, orientou-me que “o poe-
ta não nasce poeta, ele se constrói diuturnamente”, direcionou-me

339
Revista da Academia Goiana de Letras

em lições sobre as Dimensões da Literatura Goiana, O poema Visual,


orientou-me sobre O poeta da Linguagem, O selo do poeta (2005),
mostrou-me as veredas existenciais de Guimarães Rosa, da litera-
tura brasileira e de todos os grandes nomes da literatura universal
em O existencialismo na literatura brasileira (1986), e outras lições.
Fui instruída por ele, nas palavras de Riobaldo que “Mestre não é
quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. Com sua vas-
ta e densa obra, mostrou-me que o verdadeiro mestre é aquele que,
de repente, descobre que aprende e continua estudando. Hoje, ele é
uma estrela que reluz em nossa história e memória. Faço aqui uma
homenagem ao meu mestre, meu orientador e amigo José Fernan-
des, neste dia especial e de agradecimentos.
Agradeço, em especial, a Deus, minha força maior, por este
momento. Pura bênção e amor.
À minha mãe, a quem expresso toda a gratidão por ter feito
de mim, por meio dos seus ensinamentos e exemplos preciosos,
uma educadora e escritora. Procurei seguir o seu modelo de mu-
lher, de força, de determinação, de justiça, de liderança, de hones-
tidade, de lealdade, de fé em Deus e de solidariedade. Obrigada,
mãe! Muito obrigada!
Agradeço aos que confiaram e acreditaram na minha com-
petência literária e a todos que me acolhem, com afeto, na Casa
Colemar Natal e Silva, o sobrado emblemático da Rua 20 – Centro
das Letras de Goiás, honra e glória. Agradeço, citando o poeta
francês Nicolas Chamfort: “A estima vale mais do que a celebri-
dade, a consideração vale mais do que a fama, e a honra vale mais
do que a glória”.
De maneira exclusiva, minha gratidão pelo carinho e ami-
zade, pelos laços eternos de poesia, de sonhos e de realizações aos

340
Revista da Academia Goiana de Letras

confrades Lêda Selma de Alencar e Gilberto Mendonça Teles. A


este confrade, poeta-crítico e professor, meus votos de agradeci-
mentos pela recepção primorosa, construída num peça literária
de sabedoria e conhecimento.
Ao meu irmão, que é um pouco filho, Wilson Robson, e aos
familiares e amigos, meu carinho particular.
Aos meus colegas educadores da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás e alunos e orientandos do Mestrado em Letras,
que sempre confiaram no meu trabalho e caminham comigo nas
pesquisas e nas realizações de projetos. A essa Instituição de ensi-
no, nossa PUC Goiás, que é minha segunda casa, lugar de Ciência,
Realização e Vida.
Faço um agradecimento particular a Everaldo Correia de
Lima, meu marido há 34 anos, o porto seguro do meu rio de idea-
lismo que, com paciência silenciosa, engenho e arte, deixa-me
voar no mundo do imaginário. Não consigo me imaginar sem
você ao meu lado, apoiando-me nos projetos, trabalhos e amor.
Ao meu filho, Everaldo Júnior, primogênito, tão esperado.
Onze anos de espera e fé de tornar concreto o meu sonho maior,
ser mãe. Alegria e materialização. Meu Júnior, engenheiro que me
dá segurança nos ideais e nas construções de castelos com ilustra-
ções para encantar as crianças, cúmplices nas viagens com meus
contos de fada, nas fantasias de arte e de cultura.
À minha filha, Cecília, boneca dos sonhos, cor de encantos,
salmão e rosas nos ares que dançam alegria. Engenheira bailarina
que me realiza com seus cálculos, sua matemática e o engenho da
sua realidade.
À Diana, minha filha caçula, deusa da minha natureza, ami-
ga, companheirinha, psicóloga, médica. Sua beleza é eterna, sua
alma é admirável, livre, guerreira.

341
Revista da Academia Goiana de Letras

Obrigada, filhos por me fazerem venturosa, com seu cari-


nho e amor diuturnos, imprescindíveis e vitais.
As expressões que resenham esses agradecimentos não tra-
duzem minha gratidão por inteiro. Na luta com as palavras em
busca da síntese, recorro aos versos de Drummond: “Lutar com
palavras é a luta mais vã. [...] São muitas, eu pouco”.
Sou grata a todos que fazem parte da minha história, do
meu rio existencial. Gratidão e Amor, nossa única salvação indi-
vidual e nossa felicidade, o que imortaliza.
A seguir foi passada a palavra à presidente Lêda Selma de
Alencar que agradeceu a presença de todos e passou à nominata
dos acadêmicos presentes: Nasr Nagib Fayad Chaul, Moema de
Castro e Silva Olival, Getúlio Targino Lima, Hélio Rocha, Waldo-
miro Barini Ortencio, Luiz de Aquino Alves Neto, Gilberto Men-
donça Teles, Martiniano José da Silva, Eurico Barbosa dos Santos,
Lêda Selma de Alencar, Antônio César Caldas Pinheiro, Luiz Au-
gusto Paranhos Sampaio, Miguel Jorge, José Ubirajara Galli Vieira,
Ursulino Tavares Leão, Edival Lourenço de Oliveira, Iúri Rincon
Godinho, Hélio Moreira, Emílio Vieira das Neves, Ney Teles de
Paula, Maria Augusta de Sant’Anna Moraes, Geraldo Coelho Vaz,
Itaney Francisco Campos, Maria do Rosário Cassimiro, Francisco
Itami Campos e Gabriel José Nascente e deu por encerrada a ses-
são. Eu, Edival Lourenço de Oliveira, primeiro secretário, lavrei a
presente ata que, se aprovada na próxima sessão, será assinada por
todos os presentes.

342
Revista da Academia Goiana de Letras

ACADÊMICOS
CADEIRAS – PATRONOS
TITULARES

343
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº1
Patrono: José Vieira Couto de Magalhaes
Data de nascimento: 01-11-1837
Data de falecimento: 14-9-1 898
1º ocupante: Pedro Ludovico Teixeira
Data de nascimento: 23-10-1891
Data de posse: 29-04-1939
Data de falecimento: 16-8-1979
2º ocupante: Venerando de Freitas Borges
Data de nascimento: 22-6-1907
Data de posse: 27-2-1981
Data de falecimento: 16-1-1994
Atual ocupante: KLEBER BRANQUINHO ADORNO
Data de nascimento: 17-12-1953
Data de posse: 14-10-1994
Tel.: (62) 3285-7238 / 9 8129-7631
Rua A 19 Qd. 12A Lt. 4 – Jardim Atenas
74.885-500 – Goiânia – GO
kleberadorno@gmail.com

Cadeira nº2
Patrono: Constâncio Gomes de Oliveira
Data de nascimento: 23-7-1886
Data de falecimento: 20-11-1933
1º Ocupante: Vasco dos Reis Gonçalves
Data de nascimento: 5-4-1901
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 21-1-1952
2º Ocupante: Eli Brasiliense Ribeiro
Data de nascimento: 18-4-1915
Data de posse: 26-9-1957

345
Revista da Academia Goiana de Letras

Data de falecimento: 5-12-1998.


Atual ocupante: AIDENOR AIRES PEREIRA
Data de nascimento: 30-5-1946
Data de posse: 17-2-2000
Tel.: (62) 3246-0196/ 98156-6511
Rua Monjola Q. B3 L.9 – Residencial Ipês –
Alphaville – 74.584-585 - Goiânia – GO
literjur@terra.com.br

Cadeira nº3
Patrono: Pe. Luiz Gonzaga de Camargo Fleury
Data de nascimento: 21-6-1793
Data de falecimento: 29-12-1846
1º ocupante: Vitor Coelho de Almeida
Data de nascimento: 8-9-1879
Data de posse: 29-4-1939.
Data de falecimento: 7-11-1944
2 º ocupante: Alfredo de Faria Castro
Data de nascimento: 6-3-1898
Data de posse: 30-11-1947
Data de falecimento: 31-10-1971
3º ocupante: Humberto Crispim Borges
Data de nascimento: 16-7-1918
Data de Posse: 18-8-1972.
Data de falecimento:9-12-2015
Atual ocupante: NASR NAGIB FAYAD CHAUL
Data de nascimento: 30.5.1957
Data de Posse: 8-9-2016
Tel.: (62) 3246-2305 / 99120-9591
Rua GV 1 Qd 15 Lt 26 – Res. Granville
74.366-024 – Goiânia – GO
nfchaul57@gmail.com

346
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº4
Patrono: Antônio Félix de Bulhões Jardim
Data de nascimento: 28-8-1845
Data de falecimento: 20-3-1887
1º ocupante: Colemar Natal e Silva
Data de nascimento: 20-8-1907
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 23-2-1996
Atual ocupante: MOEMA DE CASTRO
E SILVA OLIVAL
Data de nascimento: 12-5-1932
Data de posse: 19-12-1996
Tel.:(62) 3241-3735 / 99972-7505
Rua T-38, 722 Ed. Luchon Ap. 1001 – S. Bueno
74.223-040 – Goiânia – GO
moemacsolival@hotmail.com

Cadeira nº5
Patrono: Gastão de Deus Victor Rodrigues
Data de nascimento: 8-3-1883
Data de Falecimento: 2-4-1917
1º ocupante: Guilherme Xavier de Almeida
Data de nascimento: 7-2-1910
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 7-6-1973
2º ocupante: Eliezer José Penna
Data de nascimento: 8-8-1925
Data de posse: 8-5-1977
Data de falecimento: 3.2.2018
Atual ocupante: MARIA DE FÁTIMA
GONÇALVES LIMA
Data de nascimento: 12/2/1960
Data de posse: 20-09-2018
Tel.:(62) 99972-6356 / 3246-0380
Rua Rio Novo, Qd. A D 6, Residencial Araguaia
Alphaville Flamboyant – 74883-070 – Goiânia – GO
fatimma@terra.com.br

347
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº6
Patrono: Raimundo José da Cunha Matos
Data de nascimento: 2-11-1776
Data de falecimento: 23-2-1839
1º ocupante: Dario Délio Cardoso
Data de nascimento: 10-8-1899
Data de posse: 29-4-1 939.
Data de falecimento: 6-12-1987
Atual ocupante: GETÚLIO TARGINO DE LIMA
Data de nascimento: 5-8-1941
Data de posse: 10-11-1988

Cadeira nº7
Patrono: José Martins Pereira de Alencastre
Data de nascimento: 1831
Data de falecimento: 12-3-1871
1º ocupante: João Teixeira Álvares
Data de nascimento: 10-6-1858
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 25-8-1940
2º ocupante: Inácio Xavier da Silva
Data de nascimento: 22-12-1908
Data de posse: 30-11-1944
Data de falecimento: 9-6-1976
2º ocupante: Benedicto Silva
Data de Nascimento: 3-4-1905
Data de posse: 29-6-1978
Data de falecimento: 6-2-2000
Atual ocupante: HÉLIO ROCHA
Data de nascimento: 14-8-1940
Data de posse: 28-6-2001

348
Revista da Academia Goiana de Letras

Tel.: (62) 3877-4151


Rua 27 esq/ com rua 7 nº 1.152 – Ap. 904 – S.
Oeste – 74.125-115 – Goiânia – GO
hrocha0814@uol.com.br

Cadeira nº8
Patrono: Alceu Victor Rodrigues
Data de nascimento: 1866
Data de falecimento: 11-2-1902
1º ocupante: Sebastião Fleury Curado
Data de nascimento: 22-1-1864
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 2-05-1944
2º ocupante: Joaquim Câmara Filho
Data de nascimento: 29-12-1899
Data de posse: 30-11-1 944
Data de falecimento: 15-12-1955
3º ocupante: José Lopes Rodrigues
Data de nascimento: 1-12-1908
Data de posse: 26-09-1957
Data de falecimento: 9-7-1990
4º ocupante: José Sizenando Jaime
Data de nascimento: 20-6-1916.
Data de posse: 28-11-1991
Data de falecimento: 4-10-1994
5º ocupante: Isócrates de Oliveira
Data de nascimento: 9-08-1922
Data de posse: 28-3-1996.
Atual ocupante: PAULO NUNES BATISTA
Data de nascimento: 2.8.1924
Data de posse: 31-8-2000

349
Revista da Academia Goiana de Letras

Tel.: (62) 3321-5889


Rua Benjamin Constant, 1.792 – Centro
75.043-010 – Anápolis – GO
pnbpoeta@gmail.com

Cadeira nº9
Patrono: Antônio Americano do Brasil
Data de nascimento: 28-8-1892
Data de falecimento: 20-4-1932
1º ocupante: Pedro Cordolino Ferreira de Azevedo
Data de nascimento: 20-4-1884
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 10-7-1958
Atual ocupante: WALDOMIRO BARIANI ORTENCIO
Data de nascimento: 24-7-1923
Data de posse: 29-8-1962
Tel.: (62) 3224-1706 / FAX: 3223-0330 / 99968-1241
Rua 82, 565 – Setor Sul
74.083-010 Goiania – GO
barianiortencio@uol.com.br

Cadeira nº10
Patrono: Moisés Augusto de Santana
Data de nascimento: 7-2-1879
Data de falecimento: 21-5-1922
1º ocupante: Albatênio Caiado de Godoy
Data de nascimento: 14-4-1893
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 2-2-1973
2º ocupante: Carmo Bernardes
Data de nascimento: 2-12-1915

350
Revista da Academia Goiana de Letras

Data de posse: 22-3-1974


Data de falecimento: 25-4-1996
Atual ocupante: LUIZ DE AQUINO ALVES NETO
Data de nascimento: 15-9-1945
Data de posse: 21-2-1997
Tel.: (62) 98418-7110
Av. Rio Negro Q.D L. 10 – Condomínio Estância
das Águas – 75.340-000 Hidrolândia – GO
poetaluizdeaquino@gmail.com

Cadeira Nº11
Patrono: Rodolfo da Silva Marques
Data de Nascimento: 1888
Data de falecimento: 30-7-1967
1º ocupante: Cyllenêo Marques de Araújo Valle
(Léo Lynce)
Data de nascimento: 29-6-1884
Data de posse: 29-04-1939
Data de falecimento: 7-6-1954
2º ocupante: Erico José Curado
Data de nascimento: 18-5-1880
Data de posse: 26-9-1957
Data de falecimento: 11-1-1961
Atual ocupante: GILBERTO MENDONÇA TELES
Data de nascimento: 30-6-1931
Data de posse: 11-3-1961
Tel.: (21) 2235-7454
Rua Pompeu Loureiro, 36 Ap. 802
22.061-000 Rio de Janeiro – RJ
gilmete@globo.com

351
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira Nº12
Patrono: Inácio Xavier da Silva
Data de nascimento: 20-11-1855
Data de falecimento: 8-10-1929
1º ocupante: Gelmires Reis
Data de nascimento: 14-7-1893
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 11-11-1983
2º ocupante: José Dilermando Meireles
Data de nascimento: 11-5-1928
Data de posse:18-10-1985
Data de falecimento: 9-7-1998
Atual ocupante: MARTINIANO JOSÉ DA SILVA
Data de nascimento: 18-9-1936
Data de posse: 18-8-2001
Tel.: (64)3661-1239 / 99989-1306 / 3224-6983
7. Av., 72 – Centro – 75.830-000 Mineiros – GO
martinianojsilva@yahoo.com.br

Cadeira nº13
Patrono: Joaquim Bonifácio Gomes de Siqueira
Data de nascimento: 11-1-1883
Data de falecimento: 17-11-1923
1º ocupante: José Xavier de Almeida Júnior
Data de nascimento: 20-10-1902
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 8-4-1979
2º ocupante: Francisco de Brito
Data de nascimento: 6-12-1904
Data de posse: 13-2-1980
Data de falecimento: 4-11-1995
Atual ocupante: EURICO BARBOSA DOS SANTOS
Data de nascimento: 3-3-1933
Data de posse: 31-10-1996
Tel.: (62) 3241-7181
Rua 111-A, 3 – S. Sul – 74.085-140 Goiânia – GO
eurico_barbosa@hotmail.com

352
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº14
Patrono: Hugo de Carvalho Ramos
Data de nascimento: 21-5-1895
Data de falecimento: 12-05-1921
1º ocupante: Vitor de Carvalho Ramos
Data de nascimento: 16-2-1893
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 14-7-1976
2º ocupante: Nelly Alves de Almeida
Data de Nascimento: 1º-10-1916
Data de posse: 2-9-1977
Data de falecimento: 5-12-1999
Atual ocupante: LÊDA SELMA DE ALENCAR
Data de nascimento: 15-8-1948
Data de posse: 21-9-2000
Tel.: (62) 3945-2193 /99979-8651
Rua R-11, 48 Ap. 202 – S. Oeste
74.125-100 Goiânia – GO
poetaledaselma@hotmail.com

Cadeira nº15
Patrono: Manoel de Macedo Carvalho Júnior
Data de nascimento: 11-9-1877
Data de falecimento: 2-8-1936
1º ocupante: Augusto Ferreira Rios
Data de nascimento: 9-8-1876
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 31-10-1959.
2º ocupante: Basileu Toledo França
Data de nascimento: 18-9-1919
Data de posse: 28-5-1965
3º ocupante: Mauro Borges Teixeira
Data de nascimento: 15-2-1920
Data de posse: 12.11.2004

353
Revista da Academia Goiana de Letras

Data de falecimento: 29-3-2013


Atual ocupante: ANTÔNIO CÉSAR CALDAS PINHEIRO
Data de Nascimento: 29-07-1967
Data de Posse: 22-5-2014
Tel: (62) 3092-7029 / 99663-3296
Rua 21, 371 Ap. 202 – Centro
74.030-070 Goiânia – GO
accpinheiro@gmail.com

Cadeira nº16
Patrono: Henrique José da Silva
Data de nascimento: 18-03-1865
Data de falecimento: 21-5-1935
1º ocupante: Gercino Monteiro Guimarães
Data de nascimento: 19-5-1894
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 20-1-1948
2º ocupante: Zoroastro Artiaga
Data de nascimento: 29-5-1891
Data de posse: 26-9-1957
Data de falecimento: 26-2-1972
3º ocupante: Regina Lacerda
Data de nascimento: 25-6-1919
Data de posse: 29-7-1973
Data de falecimento: 14-12-1992
4º ocupante: Lygia de Moura Rassi
Data de nascimento: 12-8-1933
Data de posse: 12-8-1993
Data de falecimento: 24-5-2005
Atual ocupante: LUIZ AUGUSTO PARANHOS SAMPAIO
Data de nascimento: 15.7.1937
Data de posse: 17-11-2005

354
Revista da Academia Goiana de Letras

Tel.: (62) 3229-0223 / 99907-6644 / 99195-7799


RUA 31, 40 APT. 1401 – Centro – 74015-070 –
Goiânia – GO
luizaugustosampa@gmail.com

Cadeira nº17
Patrono: Joaquim Maria Machado de Assis
Data de nascimento: 21-6-1839
Data de falecimento: 29-9-1908
1º ocupante: Joaquim Carvalho Ferreira de Azevedo
Data de nascimento: 5-10-1902
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 4-3-1970
2º ocupante: Jaime Câmara
Data de nascimento: 16-7-1909
Data de posse: 16-10-1970
Data de falecimento: 29-10-1989
3º ocupante: Benedito Odilon Rocha
Data de nascimento: 7-4-1916
Data de posse: 25-5-1990
Data de falecimento: 19-6-1990
Atual ocupante: ANTÔNIO JOSÉ DE MOURA
Data de nascimento: 30-7-1944
Data de posse:10-5-1991
Tel.: (62) 3205-4325
Rua Guilhermino P. Nunes Qd.Q4 Lt.48B Casa
3 (chácara) Vila Maria Rosa – 74685-670
Goiânia – GO
mourasou@terra.com.br

355
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº18
Patrono: Olegário Herculano da Silveira Pinto
Data de nascimento: 16-3-1857
Data de falecimento: 13-8-1929
1º ocupante: Francisco Ferreira dos Santos Azevedo
Data de nascimento: 14-4-1875
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento:15-11-1942
2º ocupante: Bernardo Élis Fleury de Campos Curado
Data de nascimento: 15-11-1915
Data de posse: 4-10-1947
Data de falecimento: 30-11-1997
Atual ocupante: MIGUEL JORGE
Data de nascimento: 16-5-1933
Data de posse: 1º-10-1 998
Tel.: (62) 3233-1969 / 3233-3724
R. 229, 113 – S. Coimbra – 74.535-250 – Goiania – GO
migueljorgeescritor@hotmail.com
www.migueljorge.com.br

Cadeira nº19
Patrono: Joaquim Xavier Guimarães Natal
Data de nascimento: 25-12-1866
Data de falecimento: 23-6-1933
1º ocupante: Mário de Alencastro Caiado
Data de nascimento: 16-12-1876
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 7-1-1948
2º ocupante: João Batista Gonçalves Accioli Martins Soares
Data de nascimento: 1-10-1912
Data de posse: 17-2-1954
Data de falecimento: 1-5-1990
3º ocupante: Waldir do Espírito Santo Castro Quinta
Data de nascimento: 4-6-1920
Data de posse: 24-6-1991

356
Revista da Academia Goiana de Letras

Data de falecimento: 1º-2-2006


Atual ocupante: JOSÉ UBIRAJARA GALLI VIEIRA
Data de nascimento: 22-2-1954
Data de posse: 22.3.2007
Tel.: (62) 3622-8821 / 99283-8821
Rua 59-A, 735 Apt. 803 Ed. Sarah Mendes – S.
Aeroporto – 74070-170 – Goiânia – GO
biragalliescritor@gmail.com

Cadeira nº 20
Patrono: Luiz Antônio da Silva e Souza
Data de nascimento: 1764
Data de falecimento: 30-9-1840
1º ocupante: Jovelino de Campos
Data de nascimento: 19-10-1887
Data de posse: 29-4-1939
Data de falecimento: 9-01-1965
2º ocupante: Ursulino Tavares Leão
Data de nascimento: 10-9-1923
Data de posse: 30-7-1967
Data de falecimento: 19/10/2018
Atual ocupante: VAGA

Cadeira nº 21
Patrono: Egerineu Teixeira
Data de nascimento: 11-1-1901
Data de falecimento: 5-7-1938
1º ocupante: Luís Ramos de Oliveira Couto
Data de nascimento: 6-4-1884
Data de falecimento: 20-6-1948
2º ocupante: Gerson de Castro Costa
Data de nascimento: 2-8-1917
Data de posse: 26-9-1957
Data de falecimento: 22-9-1992
3º ocupante: José Fernandes

357
Revista da Academia Goiana de Letras

Data de nascimento: 18-3-1946


Data de posse: 20-5-1993
Data de falecimento: 22-2-2018
Atual ocupante: VAGA

Cadeira nº 22
Patrono: Ricardo Augusto da Silva Paranhos
Data de nascimento: 22-11-1866
Data de falecimento: 1941
1º ocupante: Elpenor Augusto de Oliveira
Data de nascimento: 3-11-1893
Data de posse: 25-7-1947
Data de falecimento: 3-11-1968
2º ocupante: Primo Neves da Mota Vieira
Data de nascimento: 11-6-1918
Data de posse: 24-9-1970
Data de falecimento: 19-7-1994
3º ocupante Jacy Siqueira
Data de nascimento: 29-10-1935
Data de posse: 28-9-1995
Data de falecimento: 28-11-2010
Atual ocupante: EDIVAL LOURENÇO DE OLIVEIRA
Data de nascimento:13-8-1952
Data de posse:18-8-2011
Tel.: (62) 3877-5972 / 99972-7110
Rua T- 65, 700, Ed. Tulipa – St. Bueno
74.230-120 Goiânia GO
edivallourenco@gmail.com

358
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº23
Patrono: Urbano de Castro Berquó
Data de nascimento: 11-1-1906
Data de falecimento: 21-4-1942
1ºocupante: Derval Alves de Castro
Data de nascimento: 28-4-1896
Data de posse: 5-11-1941
Data de falecimento: 2-2-1952
2º ocupante: Pedro Celestino da Silva Filho
Data de nascimento: 27-10-1915
Data de posse: 26-9-1957
Data de falecimento: 8-8-1996
3º ocupante: Helvécio de Azevedo Goulart
Data de nascimento: 12-8-1935
Data de posse: 19-2-1998
Data de falecimento: 19-11-2009
Atual ocupante: IÚRI RINCON GODINHO
Data de nascimento: 1º-7-1964
Data de posse: 2-10-2010
Tel.: (62) 3224-3737 / 99248-4011
Rua 27 A, 150 – S. Aeroporto
74.075-310 – Goiânia – GO
iuri@contatocomunicacao.com.br

Cadeira nº24
Patrono: Hygino Alves Rodrigues
Data de nascimento: 1872
Data de falecimento: 3-7-1907
1º ocupante: José Trindade da Fonseca e Silva
Data de nascimento: 7-6-1904
Data de posse: 31-7-1955
Data de falecimento: 27-2-1962
2º ocupante: José Peixoto da Silveira
Data de nascimento: 6-5-1913

359
Revista da Academia Goiana de Letras

Data de posse: 2-7-1965


Data de falecimento: 16-1-1987
3º ocupante: José Normanha de Oliveira
Data de nascimento: 21-4-1916
Data de posse: 5-11-1987
Data de falecimento: 5-9-2006
Atual ocupante: HÉLIO MOREIRA
Data de nascimento: 15-1-1938
Data de posse: 30-8-2007
Tel.: (62) 3225-9300 / 99971-1598 / Fax: 3224-8636
Av. B, 435 – S. Oeste – 74.110-030 – Goiânia – GO
drhmoreira@gmail.com

Cadeira nº25
Patrono: Francisco Xavier de Almeida Júnior
Data de nascimento: 16-5-1877
Data de falecimento: 1º-3-1936
1º ocupante: Claro Augusto de Godoy
Data de nascimento: 19-6-1896
Data de posse: 18-06-1941
Data de falecimento: 4-11-1986
Atual ocupante: BRASIGÓIS FELÍCIO CARNEIRO
Data de nascimento: 13-7-1950
Data de posse: 28-4-1988
Tel.: (62) 3251-8401/ 99352-6613
Rua C-24 Q.22 L.18 – J. América
74.265-140 – Goiânia – GO
brasigoisfelicio@hotmail.com

360
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº26
Patrono: José Xavier de Almeida
Data de nascimento: 23-1-1871
Data de falecimento: 6-2-1956
1º ocupante: Altamiro de Moura Pacheco
Data de nascimento: 15-3-1896
Data de posse: 18-11-1970
Data de falecimento: 10-6-1996
Atual ocupante: AUGUSTA FARO FLEURY DE MELO
Data de nascimento: 4-11-1948
Data de posse: 12-3-1998
Tel.: (62) 3241-8424 / 99977-1875
Rua Samuel Morse Q. 169 L.1/5 Ap. 2104
S. Serrinha – 74.835-080 Goiânia – GO
augustafaro@hotmail.com

Cadeira nº 27
Patrono: Bartolomeu Antônio Cordovil
Data de nascimento: 1746
Data de falecimento: 12-10-1800
1ºocupante: Leolídio Di Ramos Caiado
Data de nascimento: 27-6-1921
Data de posse: 3-12-1971
Data de falecimento:10-6-2008
Atual ocupante: EMÍLIO VIEIRA DAS NEVES
Data de nascimento:5.8.1944
Data de posse:12.3-2009
Tel.: (62) 3224-2163 / 99631-8905
Av. Anhanguera esq.c/ Rua 7 Ed. Baiocchi
Ap. 702-B – Centro – 74.043-011 – Goiânia – GO
evn_advocacia@hotmail.com

361
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº 28
Patrono: Florêncio Antônio da Fonseca
Data de nascimento: 1777
Data de falecimento: 1860
1ºocupante: Modesto Gomes da Silva
Data de nascimento: 26-2-1931
Data de posse: 7-3-1972
Data de falecimento: 26-10-2008
Atual oucupante: DELERMANDO VIEIRA
SOBRINHO
Data de nascimento: 15-2-1950
Data de posse: 26-11-2009
Tel.: (62) 3225-4446 / 99388-0719
Rua F-7 Q. 35 L. 3 – Setor Faiçalville
74360-040 – Goiânia – GO

Cadeira nº29
Patrono: Luiz Maria da Silva Pinto
Data de nascimento: 15-3-1775
Data de falecimento: 20-12-1869
1º ocupante: Jerônimo Geraldo de Queiroz
Data de nascimento: 13-4-1917
Data de posse: 6-4-1972
Data de falecimento: 24-9-2003
Atual ocupante: NEY TELES DE PAULA
Data de nascimento: 30-5-1949
Data de posse: 24-6-2004
tel.: (62) 3242-1907 / 3216-2000 / 3216-2958
Rua 1.142, 115 – S. Marista
74.180-190 Goiânia – GO

362
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº30
Patrono: Demóstenes Cristino
Data de nascimento: 14-7-1884
Data de falecimento: 18-4-1962
1º ocupante Cesar Baiocchi
Data de nascimento: 15-4-1928
Data de posse: 14-4-1972
Data de falecimento: 7-11-2015
Atual ocupante: LENA CASTELLO BRANCO
FERREIRA DE FREITAS
Data de nascimento: 24-1-1931
Data de posse: 31-3-2016
Tel.: (62) 3505-3512
Caixa Postal n° 101 – 75388-971 – Trindade – GO
lenacastelo@uol.com.br

Cadeira nº 31
Patrona: Eurídice Natal e Silva
Data de nascimento: 23-11-1883
Data de falecimento:31-8-1970
1º ocupante Rosarita Fleury
Data de nascimento: 27-10-1913
Data de posse: 26-4-1979.
Data de falecimento: 14-3-1993
2º ocupante: Belkiss Spenzieri Carneiro de Mendonça
Data de nascimento: 15-2-1928
Data de posse: 14-10-1993
Data de falecimento: 17-11-2005
Atual ocupante: ANA BRAGA
Data de nascimento: 29-11-1923
Data de posse: 26-10-2006
Tel.: (62) 3218-5687
Rua 222, Q. 100 L. 12, n. 299
St. Leste Universitário -74.603-060 Goiânia – GO

363
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº32
Patrono: Francisco Ayres da Silva
Data de nascimento: 11-9-1872
Data de falecimento: 24-5-1957
1º ocupante: José Mendonça Teles
Data de nascimento: 25-3-1936
Data de posse: 17-8-1979
Data de falecimento: 29-4-2018
Ocupante atual: VAGA

Cadeira nº 33
Patrono: Antônio Eusébio de Abreu
Data de nascimento: 10-4-1869
Data de falecimento: 11-8-1954
Atual ocupante: ALAOR BARBOSA DOS SANTOS
Data de nascimento: 13-3-1940
Data de posse: 8-11-1979
Tel.: (61) 3346-0271 / (62) 3567-3112 (recado)
Rua das Palmeiras Qd. 47 Lt. 9 - Aldeia do Vale
74.680-390 – Goiânia – GO
alaor.b@terra.com.br

Cadeira nº34
Patrono: Jarbas Jayme
Data de nascimento: 19-12-1895
Data de falecimento: 21-7-1968
1º ocupante: Waldir Luiz Costa
Data de nascimento: 30-4-1917
Data de posse: 5-5-1982
Data de falecimento: 30-6-1982
2º ocupante: José Júlio Guimarães Lima

364
Revista da Academia Goiana de Letras

Data de nascimento: 5-1-1914


Data de posse: 17-06-1983
Data de falecimento: 5-8-1987
3º ocupante: José Asmar
Data de nascimento: 19-3-1924
Data de posse: 26-8-1988
Data de falecimento: 27-5-2006
Atual ocupante: M  ARIA AUGUSTA DE
SANT’ANNA MORAES
Data de nascimento: 15-7-1936
Data de Posse:16-8-2007
Tel.: (62) 3251-0807 / 99292-2269
R. 15, 87 Ap. 1301 – S. Oeste – 74.140-035 –
Goiânia – GO
augustadesantanna@gmail.com

Cadeira nº 35
Patrono: Zeferino de Abreu Rangel
Data de nascimento: 1863
Data de falecimento: 18-11-1913
1º ocupante: José Luiz Bitencourt
Data de nascimento: 3-1-1922
Data de posse: 25-5-1983
Data de falecimento: 26-9-2008
Atual ocupante: LICÍNIO LEAL BARBOSA
Data de nascimento: 24-3-1935
Data de posse: 27-8-2009
Tel.: (62) (62) 3639-9802 / 9 9124-9900
Av. Goiás, 310 – Conj. 707, Ed. Villa Boa – Centro
74010-010 – Goiânia – GO
liciniobarbosa@uol.com.br

365
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº 36
Patrono: Visconde de Taunay (Alfredo Maria
Adriano D’Escragnolle Taunay)
Data de nascimento: 22-2-1843
Data de falecimento: 25-1-1899
1º ocupante: Francisco Ayres
Data de nascimento: 5-12-1903
Data de posse: 24-9-1981
Data de falecimento: 8-9-1986
Atual ocupante: GERALDO COELHO VAZ
Data de nascimento: 24-9-1940
Data de posse: 13-8-1987
Tel.: (62) 3214-2215
Rua 14, 25 Ap.103 – S. Oeste
74.120-070 – Goiânia – GO
alcioneguimaraes@terra.com.br

Cadeira nº 37
Patrono: Crispiniano Tavares
Data de nascimento: 28-10-1855
Data de falecimento: 13-2-1906
1º ocupante: Mário Ribeiro Martins
Data de nascimento: 7-8-1943
Data de posse: 13-3-1983
Data de falecimento:18-3-2016
Ocupante atual: ITANEY FRANCISCO CAMPOS
Data de nascimento: 31-12-1951
Data de posse: 11-8-2016
Tel.: (62) 9 8123-6544
Rua 12, 55, apt. 301, Setor Oeste
74.140-040 – Goiânia – GO
itaneycampos@gmail.com

366
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº38
Patrono: Bernardo Guimarães
Data de nascimento: 15-08-1827
Data de falecimento: 10-3-1884
1º ocupante: Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas
(Cora coralina)
Data de nascimento: 20-8-1889
Data de posse: 6-12-1984
Data de falecimento: 10-4-1985
Atual ocupante: MARIA DO ROSÁRIO CASSIMIRO
Data de nascimento: 23-9-1934
Data de posse: 20-12-1985
Tel.: (62) 3214-3031 / 3092-3031 / 99243-3031
Rua 10, 810 Ap. 701 – S. Oeste
74.120-020 – Goiânia – GO
cassimiromr@gmail.com

Cadeira nº39
Patrono: Pedro Gomes de Oliveira
Data de nascimento: 23-4-1882
Data de falecimento: 13-11-1955
1º ocupante: Mário Rizério Leite
Data de nascimento: 8-11-1912
Data de posse: 8-11-1984
Data de falecimento: 15-5-2011
Atual ocupante: FRANCISCO ITAMI CAMPOS
Data de nascimento: 7-6-1941
Data de Posse: 1º-3-2012
Tel: (62) 3956-0304 / 99977-4609
Av. Floresta, s/n Qd 32 Lt 7-A – Res. Aldeia do Vale
74.680-210 – Goiânia – GO
itamicampos@gmail.com
itamicampos@unievangelica.edu.br

367
Revista da Academia Goiana de Letras

Cadeira nº40
Patrono: Arlindo Costa
Data de nascimento: 23-9-1881
Data de falecimento: 4-1-1928
1º ocupante: Antônio Geraldo Ramos Jubé
Data de nascimento: 29-1-1927
Data de posse: 27-9-1985
Data de falecimento: 5-1-2010
Atual ocupante: GABRIEL JOSÉ NASCENTE
Data de nascimento: 23-1-1950
Data de posse: 28-10-2010
Tel.: (62) 3223-3581 / 3223-0414 / 98427-8755
Rua 25, 61, Ap. 403 Res. Rios das Garças – Centro
74.015-100 Goiânia – GO
gabrielnascente@yahoo.com.br

368
Revista da Academia Goiana de Letras

ATIVIDADES
REALIZADAS
EM 2018

369
Revista da Academia Goiana de Letras

FEVEREIRO

1º – Sessão aberta: início das Atividades Culturais da AGL e aber-


tura do Ano Cultural Acadêmico Eurico Barbosa. Apresentação
do curta metragem Reminiscências e Hugo, do cineasta goiano Lá-
zaro Ribeiro.

15 – Sessão Ordinária

MARÇO

1º – Sessão aberta: homenagem dos presidentes da UBE/GO,


IHGG e AGI ao acadêmico Eurico Barbosa, como parte da pro-
gramação do seu Ano Cultural.

15 – Sessão Ordinária. Após, homenagem às acadêmicas, pelo Dia


da Mulher, 8 de março, e à Poesia, 14 de março, aniversário do
poeta Castro Alves.

22 – Sessão Magna da Saudade em memória do acadêmico Eliezer


José Penna. Panegírico proferido pelo acadêmico Eurico Barbosa.

27 – Homenagem conjunta da AGL com o IHGG, UBE/GO,


AFLAG, AGI, AGnL, ao governador Marconi Perillo, pelas ações
em benefício da cultura, realizada no IHGG.

ABRIL

5 – Sessão Ordinária. Após, na Sala de Chá, comemoração da Pás-


coa dos acadêmicos.

12 – Sessão Magna da Saudade em memória do acadêmico José


Fernandes. Panegírico proferido pelo acadêmico Aidenor Aires
Pereira.

371
Revista da Academia Goiana de Letras

25 – Visita de vários acadêmicos ao Lyceu de Goiânia, em home-


nagem aos seus 80 anos, completados no final de 2017. Programa
de interação entre as duas entidades. Iniciativa do acadêmico Luiz
de Aquino Alves Neto.

26 – Sessão comemorativa dos 79 anos da AGL. Na programação:


entrega do Prêmio Colemar Natal e Silva; do Troféu Goyazes, aos
escritores que se destacaram nos gêneros Romance, Poesia, Con-
tos, Crônicas e Ensaio/Crítica Literária; homenagem aos mecenas
da Academia, com a entrega dos troféus Amigo da AGL: Núcleo
Laboratório; Sicoob Unicentro Brasileira; Master Digital, Fábrica
de Notícias e ao Dr. José Carlos Siqueira, Presidente do IPASGO,
pelas gestões permanentes em valorização da Cultura e, em es-
pecial, da AGL. Lançamento da Coletânea de Crônicas e da Co-
letânea de Poesia da Academia Goiana de Letras. Apresentação
artística do Núcleo Gustav Ritter.

MAIO

3 – Sessão Ordinária

8 – Projeto Palavrear Gerações, 1ª Edição – parceria da AGL com


a Livraria Café Palavrear: o debate teve como palestrante o acadê-
mico Ursulino Leão, representante da AGL.

17 – Sessão Comemorativa – Ano Cultural Eurico Barbosa: mesa-


-redonda com os acadêmicos Miguel Jorge, Hélio Moreira, Getú-
lio Targino Lima e Itaney Francisco Campos, sobre a obra jorna-
lística do acadêmico homenageado.

20 – Visita à AGL do escritor Altair Sales, e um grupo de am-


bientalistas, para discussão sobre o tema ambiental do Encontro

372
Revista da Academia Goiana de Letras

de Academias, projeto da AGL, aprovado pelo Fundo de Arte e


Cultura. Realização à espera da liberação da verba.

29 – Lançamento, na AGL, do livro Nazareno Confaloni e a Arte


Moderna em Goiás, do acadêmico Emílio Vieira.

JUNHO

6 – Apresentação artística: Poemas para vozes – Miguel Jorge, Ka-


rine Serrano e João Garoto

7 – Assembleia Geral Extraordinária – Eleição para a Cadeira N°


5, antes ocupada pelo acadêmico Eliezer José Penna. Eleita, a es-
critora Maria de Fátima Gonçalves Lima.

28 – Sessão Magna da Saudade em memória do acadêmico José


Mendonça Teles.

29 – Festa Junina dos acadêmicos.

AGOSTO

2 – Sessão Ordinária

3 – Café da Manhã, na AGL, para recepcionar o recém-empos-


sado Secretário Estadual da Educação, Cultura e Esporte, Flávio
Peixoto da Silveira.

8 – Demolição do sobrado, em ruínas, ao lado da Casa Colemar,


sede da AGL – apoio, Toctao Engenharia.

23 – Sessão Comemorativa – aniversário de Colemar Natal e Sil-


va, homenageado pela presidenta da AGL, Lêda Selma. O cente-
nário do saudoso acadêmico Humberto Crispim Borges foi sau-

373
Revista da Academia Goiana de Letras

dado pelo acadêmico Luiz Augusto Sampaio, e o do Mons. Primo


Vieira, pelo acadêmico Edival Lourenço. Performance do Núcleo
de Teatro Gustav Ritter enriqueceu essas atividades integrantes da
programação do Ano Cultural Eurico Barbosa.
30 – Assembleia Geral Extraordinária – Eleição para a Cadeira N°
21, antes ocupada pelo acadêmico José Fernandes. Nenhum can-
didato obteve o número de votos exigido pelo Estatuto da AGL.

SETEMBRO
6 – Palavrear gerações (debate sobre literatura goiana) 2ª Edição
– parceria da AGL com a Livraria Café Palavrear. Realizado na
AGL. Palestrante representando a Entidade, a presidenta Lêda
Selma. Atração musical: Sean ao violino.
12 – Café da Manhã, na AGL, em agradecimento à Toctao Enge-
nharia, pela demolição do imóvel ao lado da AGL. Um belo tra-
balho da artista Polly Duarte foi entregue ao presidente Dr. Alan
Alvarenga. Presentes, membros da equipe Toctao, o Secretário da
SEDUCE Flávio Peixoto e vários acadêmicos.
20 – Sessão Magna de Posse da escritora Maria de Fátima Gonçal-
ves Lima, Cadeira Nº 5.

OUTUBRO
4 – Assembleia Geral Extraordinária – Eleição para a Cadeira
N°32, antes ocupada pelo
acadêmicio José Mendonça Teles. Nenhum candidato obteve o
número de votos exigido pelo Estatuto da AGL.
11 – Lançamento, na AGL, da seleta poética, De todos os cantos,
em todos os cantos: Paz! Poetas acadêmicos e poetas convidados.
Organizada pela escritora Lêda Selma

18 – Sessão Ordinária

374
Revista da Academia Goiana de Letras

NOVEMBRO

8 – Assembleia Geral Extraordinária – Eleição para a Cadeira N°


21, antes ocupada pelo acadêmico José Fernandes. Eleita, a escri-
tora Adelice da Silveira Bueno

22 – Lançamento do livro da acadêmica Maria do Rosário Cassi-


miro, Caderno de Tomaz Garcia – Confissões de Maria Cassimiro.

29 – Sessão Magna da Saudade em memória do acadêmico Ursu-


lino Tavares Leão. Panegírico proferido pelo acadêmico Waldo-
miro Bariani Ortencio. Após, lançamento póstumo do livro Con-
fiteor, do homenageado.

DEZEMBRO

6 – Sessão de encerramento das atividades acadêmicas e do Ano


Cultural Acadêmico Eurico Barbosa, que recebeu o Troféu Goyazes
Lygia de Moura Rassi. Saudação ao homenageado, proferida pelo
acadêmico Getúlio Targino Lima e palavras da presidenta da AGL,
Lêda Selma. Atração artística: Quarteto de Cordas da Orquestra
Sinfônica Jovem Maestro Joaquim Jayme.

13 – Jantar de confraternização dos acadêmicos, na Casa Colemar.


Entrega da Revista da AGL, Nº 33, e do Calendário Poético
Acadêmico/2019. Sorteio de brindes.

375
‘AMIGOS DA AGL’
APOIADORES PERMANENTES

PARCEIROS

• ART​ISTA POLLY DUARTE


• O POPULAR
• COLUNA SPOT
• SÓ ÓTICA
• PÃO & CIA
• EDIÇÃO EXTRA
• MULTICOISAS - Setor Oeste
• M & B PRESENTES
• RB DECORAÇÃO

A esses amantes e incentivadores da Cultura e


Amigos da Academia Goiana de Letras/AGL, nossa
admiração, gratidão e carinho.
Em apoio à sustentabilidade, à preservação
ambiental, a Editora Gráfica/ Kelps, declara que
este livro foi impresso com papel produzido de
florestas cultivadas em áreas não degradadas e
que é inteiramente reciclável.

Este livro foi impresso na oficina da Editora Gráfica/


Kelps, no papel: Polen Soft 80g/m2, composto na fonte
Minion Pro, corpos 8, 12 e 14
Dezembro, 2018

A revisão final desta obra é de responsabilidade dos autores

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