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COLETÂNEA DE CRÔNICAS DA

ACADEMIA GOIANA DE LETRAS


DIRETORIA DA AGL – BIÊNIO 2017/2019

PRESIDENTA
Lêda Selma de Alencar
VICE-PRESIDENTE
José Ubirajara Galli Vieira
SECRETÁRIA-GERAL
Maria do Rosário Cassimiro
PRIMEIRO-SECRETÁRIO
Edival Lourenço de Oliveira
SEGUNDO-SECRETÁRIO
Emílio Vieira das Neves
PRIMEIRO-TESOUREIRO
Eurico Barbosa dos Santos
SEGUNDO-TESOUREIRO
Waldomiro Bariani Ortencio
DIRETOR DE BIBLIOTECA
Francisco Itami Campos

CONSELHO FISCAL
TITULARES
Aidenor Aires Pereira
Alaor Barbosa dos Santos
Itaney Francisco Campos
SUPLENTES
Augusta Faro Fleury de Melo
Moema de Castro e Silva Olival
Miguel Jorge
DIRETOR DA REVISTA DA AGL
José Ubirajara Galli Vieira

DIRETOR DA CASA DA CULTURA ALTAMIRO DE MOURA PACHECO


Antônio César Caldas Pinheiro

CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA


Eurico Barbosa dos Santos
José Ubirajara Galli Vieira
Lena Castello Branco Ferreira de Freitas
FUNCIONÁRIOS DA AGL
Ana Maria do Carmo
Edvaldo Rodrigues da Silva
Suely Moura Vilarinho
ASSESSORIA
Drª. Cinthia Regina de Alencar -  (voluntária)
FALE CONOSCO
Academia Goiana de Letras – Casa Colemar Natal e Silva – Rua 20 nº 175,
Setor Central, Goiânia-GO – CEP 74020-170 – Fone: (62) 3224-8096
site:  www.academiagoianadeletras.org.br / E-mail: academiagoletras@gmail.com
Fundada em 29-04-1939

COLETÂNEA DE CRÔNICAS DA
ACADEMIA GOIANA DE LETRAS

Abril / 2018
Copyright © 2018 by Academia Goiana de Letras – AGL

Gráfica X Cultural - EIREI - ME


Rua 15, nº 117, Qd. 20 Lt. 13 – Setor Marechal Rondon
CEP 74.560-420 – Goiânia-GO
Fone: (62) 3996-5250

Revisão
Sandra Rosa

Diagramação
Victor Marques

Capa
Victor Marques e Ubirajara Galli

CIP – Brasil – Catalogação na Fonte


Tainá de Sousa Gomes CRB-1 (1º Região) 3134
col Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras
/ Academia Goiana de Letras – AGL. – Goiânia: Gráfica
X Cultural, 2018.
126p.
ISBN: 978-85-400-2400-7
1. Literatura brasileira. 2. Crônicas. 3. Coletânea.
I. Titulo.
CDU: 821.134.1(81)-94

A Academia Goiana de Letras não se responsabiliza por ideias expressas


pelos autores nos textos publicados na Revista.

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qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito da instituição. A violação
dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do
Código Penal.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2018
A CRÔNICA SOB O OLHAR ACADÊMICO
Lêda Selma

Um sonho, hoje, já às portas da maioridade, o desta acadê-


mica, brotado quando ainda novel na AGL: reunir poemas, crô-
nicas e contos, em coletâneas, com espaço para resgate e preser-
vação da memória dos patronos, das confreiras e confrades que
migraram para a outra Dimensão.
Um sonho, aparentemente pequeno, fácil, plenamente reali-
zável, pensarão muitos. Leda ilusão! Incauto engano! Para a Cultura
e, em especial, para as entidades culturais, tudo é difícil, caríssimo e
beira o irrealizável. Sim, porque, declaradas de ‘Utilidade Pública”,
sem fins lucrativos, sem renda própria, dependem da boa-vontade e
do interesse do poder público, bem como, da generosidade dos que
atentam para a importância dessas instituições, representantes da
Cultura do Estado. Confirmei isso, em 2000, ao tornar-me acadê-
mica e mais íntima, portanto, dessa realidade. Cada dia, para a pre-
sidência, uma batalha, um desgaste, uma esperança alimentada, a
constante espera por um ‘sim’, a resposta no silêncio, e o impossível
a desafiar o presidente da vez. E minha vez chegou. Que bagagem
pesada! Todavia, passado o susto, logo, descobri: nenhuma força,
possuem os empecilhos, diante da força do compromisso, da deter-
minação, da perseverança! E a união que faz a força é a mesma que
vence obstáculos, que constrói grandes momentos, que aufere me-
moráveis conquistas. E, nessa toada, o antigo sonho cutucou-me.
Pedi-lhe um pouco de paciência, afinal, a realidade desnuou-se à
minha frente, exigindo-me ação, e essa, urgência. Ao sonho, ape-
nas, a espera como perspectiva.
Porém, não tardou muito, fui atrás do sonho. E ele insti-
gou a Diretoria da AGL a realizá-lo. O caminho foi buscado e
encontrado: recursos oriundos do Termo de Fomento, Convênio
celebrado entre a AGL e o Governo de Goiás, sob a intermedia-
ção da Secretaria de Governo/SEGOV. E o vice-presidente, José
Ubirajara Galli Vieira, de pronto, espichou seu exíguo tempo e
prontificou-se a assumir o comando da caminhada. Trabalho me-
ticuloso, exaustivo, com data marcada para ser concluído. E, a tais
alturas, o dia 26 de abril de 2018, alheio às circunstâncias de cada
momento, chegava, na pressa do tempo, célere, ansioso, como se
desconfiasse de alguma surpresa em preparação. E estava certo. A
surpresa, a Coletânea Poética e a Coletânea de Crônicas. Vieram
à luz para festejar os 79 anos desta insigne Academia Goiana de
Letras, marcados pela tradição, pela grandeza de sua história no
universo das letras. Mas, e a Coletânea de Contos?! Bem, a con-
tragosto, foi-lhe solicitado um adiamento, devido à imposição da
tal realidade. Como quem cala consente... o acerto firmou-se: ela
será a caçula das irmãs e estarão juntas em 2019.
Assim, esta Diretoria – Biênio 2017-2019 – entrega à sua
confraria, e a outros segmentos culturais, com muita alegria, esta
expressiva publicação, cujo objetivo concentra-se em divulgar a
produção acadêmica, em um só volume, para que os amantes da
Crônica contatem vários autores, no curso de sua leitura. São tex-
tos de temáticas várias, textos do ontem e do hoje, tramados pela
peculiaridade de cada estilo.
Boas-vindas à Coletânea de Crônicas da Academia Goiana
de Letras! Que chegue às bibliotecas, às estantes, aos atris e enri-
queça a vida literária não só de Goiás!
Sumário

Campinas e sua história revista e ampliada............................................... 9


Antônio César Caldas Pinheiro

Cai o charuto de Freud............................................................................... 13


Brasigóis Felício Carneiro

Os nós da lembrança................................................................................... 15
Edival Lourenço de Oliveira

O herói do século........................................................................................ 17
Eurico Barbosa dos Santos

Magistratura e literatura goiana................................................................ 20


Itaney Francisco Campos

Braço Quebrado........................................................................................... 34
José Mendonça Teles

Amados Loucos de Pires do Rio................................................................ 36


José Ubirajara Galli Vieira

A culpa foi do carteiro!............................................................................... 41


Lêda Selma de Alencar

O charme da monarquia............................................................................. 44
Lena Castello Branco Ferreira de Freitas

Capim seco................................................................................................... 48
Maria do Rosário Cassimiro

Cientistas que mudaram a história do mundo............................................52


Martiniano José da Silva

Como se fora ontem.................................................................................... 56


Miguel Jorge
GALERIA MEMORIAL

Joaquim Bonifácio....................................................................................... 61
Albatênio Caiado de Godói

Pelas beiras de rio........................................................................................ 63


Carmo Bernardes

Manduca Hermano..................................................................................... 66
Claro Augusto de Godoy

E a vovó torceu contra o Brasil.................................................................. 69


Eliezer José Penna

Jeroma Doida .............................................................................................. 71


José Asmar

No tempo em que dinheiro não era nada................................................ 74


José Sizenando Jayme

A Festa de Barro Preto (1938).................................................................... 78


José Xavier de Almeida Júnior

O asno e o genial......................................................................................... 86
Leolídio Di Ramos Caiado

As laranjas do Major Batista...................................................................... 91


Pedro Gomes de Oliveira

Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim..................................................... 96


Sebastião Fleury Curado

A mãe dos pobres........................................................................................ 98


Venerando de Freitas Borges

Lendas e tradições..................................................................................... 104


Victor de Carvalho Ramos
CAMPINAS E SUA HISTÓRIA
REVISTA E AMPLIADA

Antônio César Caldas Pinheiro

Para a realização de um bom trabalho literário ou acadêmi-


co, é mister que tenhamos interesse pelo tema escolhido. Notada-
mente, quando a paixão nos impulsiona e nos impele a escrever, o
trabalho de pesquisa e escrita, mesmo fruto de um estudo acadê-
mico, e por isso condicionado a regras e normas próprias, deixa
de ser técnico e passa a ter alma e coração, alma que se sente,
coração que pulsa e extravasa sentimentos. A obra A Freguesia de
Nossa Senhora da Conceição de Campinas, do padre Welinton
Silva, é uma obra que tem alma e tem coração!
Esta pesquisa historiográfica sobre a paróquia de Nossa
Senhora da Conceição de Campinas (a palavra freguesia nesse
contexto é sinônimo de paróquia), sendo produto de um tra-
balho de conclusão do Curso de Jornalismo da PUC Goiás, de-
monstra o quanto é bem-vinda a junção da técnica acadêmica à
paixão pelo tema.
Missionário da Congregação do Santíssimo Redentor, padre
Welinton Silva pesquisou e escreveu sobre o que seu coração já há
muito devotava especial interesse.
A paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Campinas
foi a freguesia agraciada para receber, no ano de 1894, os Padres

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 9


Redentoristas oriundos da Alemanha. Esses missionários chega-
ram a Goiás em meio ao movimento ultramontano de romaniza-
ção da Igreja no Brasil. Sua missão precípua na então Diocese de
Goiás era cristianizar a Romaria do Divino Pai Eterno, que já há
meio século ocorria na capela do arraial do Barro Preto, então
pertencente à paróquia de Campinas. Esses abnegados filhos de
Santo Afonso iriam transformar não somente a realidade reli-
giosa da região, onde ainda são zelosamente responsáveis pela
principal manifestação de fé do Centro-Oeste brasileiro, ou seja,
a Romaria do Divino Pai Eterno de Trindade; esses missionários
influiriam também, sobremaneira, na melhoria material e cultu-
ral de todo um povo, cujo crescimento acompanharam desde o
final do século XIX, dando o melhor de suas abnegadas energias
e dedicação apostólicas.
O livro A Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Cam-
pinas, do padre Welinton Silva, é testemunha dessa epopeia vivi-
da no sertão goiano. Trata-se de trabalho rico em informações,
tendo sido elaborado a partir de pesquisas em diversos arquivos
eclesiásticos e civis, bem como em documentação manuscrita e
bibliográfica. Essa obra é um presente para a Igreja Goiana, para
a história de Campinas e, consequentemente, para Goiânia, que
surgiria no território dessa paróquia e teria o condão de trans-
formar a realidade do Estado, a partir de 1933, quando a planura
verdejante do vale do rio Meiaponte veria surgir a nova capital do
estado de Goiás.
Ao narrar o surgimento do arraial de Campinas em 1810,
o autor rememora a criação da primeira casa de oração dedi-
cada à Imaculada Conceição de Maria, sua elevação a curato e

10 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


posteriormente à categoria de Paróquia (1844). O trabalho de
padre Welinton toma maior vulto a partir da elevação da Matriz
de Campinas a Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
(ano 2000) e, finalmente, a Basílica Menor (2015), acontecimento
que contou com o serviço dedicado de padre Welinton Silva, ele
mesmo, devoto amoroso da Santa Mãe de Deus. Nesse sentido,
esta obra é um hino à Copiosa Redenção que, pela intercessão de
Maria, vem derramando, sobre os fiéis, graças abundantes, que de
Campinas se espalham por todos os quadrantes de Goiás, alcan-
çando as outras regiões do país.
Guardada in totum no coração do Pai Eterno, a memória so-
bre a evangelização do território de Campinas, que é, na realidade,
o motivo condutor de todo este trabalho acadêmico-literário do
qual temos tratado, terá, doravante, uma parcela registrada nos
anais da história e se tornará material precioso para o conheci-
mento do passado.
Homens, mulheres, fatos, episódios, bem como toda a nar-
rativa aqui apresentada, corroboram a afirmação de que Deus
conduz a história! Certamente, nos arcanos da Providência, Cam-
pinas estava predestinada a ser um centro de irradiação da fé. As-
sim, hoje, a devoção ao Divino Pai Eterno é conhecida em todo o
Brasil, e suas manifestações piedosas alcançam e abençoam mi-
lhões de lares; as novenas de Nossa Senhora do Perpétuo Socor-
ro, são conforto e refrigério para milhares de corações sedentos
que se acalentam junto ao coração da Mãe de Jesus; a devoção ao
Venerável Padre Pelágio Sauter, o Apóstolo de Goiás, é crescente.
Tudo isso, fruto do serviço abençoado dos Padres Redentoristas
no interior do Brasil, corolário do desejo da Providência de fazer

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 11


de Campinas um centro de irradiação da Fé, da Esperança e do
Amor, virtudes que transformam a sociedade e a tornam mais
conforme o coração de Deus!
A Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Campinas
torna-se leitura obrigatória para todos quantos queiram conhecer
a história da antiga Campininha. Tornar-se-á, também, a partir
dos inúmeros testemunhos descritos da constante e amorosa as-
sistência da Providência Divina, fonte segura para o fortalecimen-
to da fé dessa parcela do Povo de Deus que habita o Centro-Oeste
do Brasil, junto aos Corações do Pai Eterno e da Mãe do Perpétuo
Socorro!

12 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


CAI O CHARUTO DE FREUD

Brasigóis Felício Carneiro


 

A psicanálise está em baixa. Cai o charuto de Freud. Sobe o ca-


chimbo do pai de santo. Efeitos da crise? Resultado da quebradeira?
“Psicanálise é para os sãos”. Assim falou a escritora Elizabeth
Roudinesco. É privilégio dos que sabem verbalizar. Falar sobre
suas dores íntimas. Seus traumas. Conflitos e medos.
Sendo assim, o que será dos que não o são? Ou são não estão?
Sendo a cura pela palavra, só está ao alcance dos que têm
tempo e dinheiro. “Times is Money”, a frase mágica que faz tilin-
tar as caixas registradoras.
As que tilintavam. Hoje não tilintam mais. Só que o delírio
não entrou em declínio. Está em alta, em propulsão de foguete.
Mas isso toma tempo e dinheiro. Exige paciência. Coisas
que pouca gente anda tendo.
Mais fácil é ir direto ao psiquiatra. Ou ao pai de santo.
Ou, na emergência e no sufoco, correr às inumeráveis tera-
pias alternativas,  verazes ou ilusionistas, disponíveis no mercado.
Em face do tsunami de síndromes, surtos e transtornos, as
ciências de Freud, Jung, Reich – e dos muitos outros seus discípu-
los e seguidores – são insuficientes.
Não atendem – não competem – com a pressa de adoecer
destes tempos frenéticos, em que o deslocamento da realidade
passa a ser a habitação frequente de inumeráveis viventes.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 13


Abre-se então espaço para a medicalização da saúde (ou das
disfunções e distúrbios psíquicos).
À custa de psicotrópicos pesados, sufoca-se o inconsciente.
Faz-se de conta que ele não existe. Deixam-se os pacientes na con-
dição de zumbis.
Sem condições de reconhecer quem são – bem como aos
que lhes são próximos.

Passageiros dos dias

Não importa a situação mental em que você esteja. Sua ale-


gria ou tristeza.
Em todas as partes deste mundo, as pessoas e fatos estão em
movimento. Em frenético trânsito incessante.
Nada depende de seu bom ou mau humor. De seu ânimo ou
desânimo.
Tudo passa e vai embora. Ao tomar consciência disso, você
relativiza seu mal-estar de viver.
O mundo, as pessoas, não se importam com isto. Nem sa-
bem que você existe.
Cada um já tem o seu para gerenciar. Para dele se afastar, ou
abissalmente mergulhar.
Ao se deixar tomar por este pensamento, você valoriza me-
nos o seu sofrimento.

14 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


OS NÓS DA LEMBRANÇA

Edival Lourenço de Oliveira

Sou mais velho que o plástico. Ou pelo menos mais antigo


do que o uso corrente desse material. Quando menino, ali pelo fi-
nal da década de 50 do século passado, a gente morava às margens
do rio Claro, no Oeste Goiano, e meu pai me levava para pescar
quase que diariamente. Eu era seu colega inseparável. A pescaria,
vendo assim de longe, era uma atividade fundamental para a nos-
sa subsistência. Acho que mais da metade das proteínas e calorias
que consumi na infância veio dos peixes do rio Claro.
O plástico ainda não existia. Pelo menos não era usual para
as linhas de pescar. Meu pai usava umas linhas que ele mesmo
preparava de fios de algodão, que minha mãe fiava em sua roca
muito antiga, ganhada de uma tia-avó que não conheci. A tralha
completa era constituída de vara de pindaíba, especialmente as-
sada para ficar resistente, enfiada num chumaço de talo de buriti,
que funcionava como boia e molinete; encastoo feito de arame de
cerca ou de corda de violão; chumbada adaptada de balote de es-
pingarda, e o anzol comprado de mascate. O anzol, quando ficava
preso no fundo do rio, era uma perda para se lamentar por mais
de mês.
Meu pai tinha uma canoa tipo cocho, muito boa de equi-
líbrio, que ele mesmo fez de tronco de tamboril seco. A gente

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 15


costumava pescar de rodada, na boca da noite, que era quando
tinha encerrado o expediente na roça e os peixes saíam em car-
dumes em busca de alimento e podiam enganchar mais facilmen-
te em nossos anzóis. Lembro-me de que a linha molhada pesava
muito e era medonha para embaraçar. Dependendo do grau do
enrosco, era mais prudente nem tentar desembaraçá-la ali. Solta-
va-se a linha do amarrilho da vara e jogava o molho com anzol e
tudo dentro do embornal para fazer o serviço em casa.
Ao chegar em casa, minha mãe cuidava de limpar os peixes,
e meu pai e eu íamos desembaraçar as linhas, à luz de candeia.
Aqueles afazeres era o rádio que a gente não tinha. O fazendeiro
tinha rádio e não desembaraçava linhas à noite; escutava música
em reunião familiar. Quando a gente desatava todos os nós, esti-
cava a linha, juntamente com as demais em pontos estratégicos na
parede de pau a pique para secar. Se não cuidasse direitinho elas
mofavam e perdiam a resistência.
Aquilo era quase um ritual, um trabalho de parceria e con-
centração, um jogo de paciência, uma ioga, um feitio iniciático.
Meu pai aproveitava para contar casos ou me dizer coisas que pa-
recem me acompanhar até hoje.
Nos dias atuais, tenho a nítida sensação de que, quando es-
crevo, as ideias me vêm embaraçadas como as antigas linhas. Vou
desfazendo os nós e liberando as pontas, com paciência e método,
no mesmo jogo lento e iniciático do tempo das linhas de algodão.
E, às vezes, tenho a sensação mística de que meu pai ainda está
comigo, e eu sou apenas seu ajudante nos desmanches dos nós.

16 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


O HERÓI DO SÉCULO

Eurico Barbosa dos Santos

Reparem na figura refletora da personalidade de Nelson


Mandela: nenhum gesto espetaculoso, nenhuma teatralidade, ne-
nhuma encenação populissta, nenhuma atitude dissimuladora. O
líder sul-africano, com a simplicidade dos verdadeiramente gran-
des, a sobriedade dos autênticos, personifica dignidade. Recep-
cionando-o na semana passada (primeiro presidente da África do
Sul a visitar o Brasil), o presidente Fernando Henrique Cardoso
definiu-o “o herói do século”. Herói tipicamente calyleano. Os He-
róis – título brasileiro da sua obra clássica – de Thomas Carlyle,
são personagens que surgem de cem em cem anos.
Herói e estadista.
A primeira notável insurreição de Mandela foi contra a tu-
tela do chefe da tribo dos thembas. O pai, Henry Gadla Mandela,
confiara àquele chefe, quando o filho tinha apenas 12 anos, aquela
função. Aos 23 anos, Nelson Mandela, vendo e sentindo que o tu-
tor quer lhe impor até o casamento e fazê-lo seu sucessor na chefia
da tribo, decide fugir e enfrentar a vida em Johannesburgo. Na
capital do seu país, o emprego que consegue é o de vigia, montar
guarda na entrada do núcleo destinado aos mineiros negros, das
10 horas da noite às 6 horas da manhã!
É breve essa experiência de vigia noturno. Indo morar em
modesto apartamento no distrito negro de Alexandra, Mande-
la conhece Walter Sisulu, proprietário de pequena imobiliária.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 17


Conta-lhe os problemas com o chefe da tribo e o seu projeto de
voltar aos estudos de Direito. Sisulu sensibiliza-se, impressiona-
-se com o jovem companheiro de cor e de ideais. Empresta-lhe
soma suficiente para que complete o curso de Direito por corres-
pondência. Mandela casa-se com uma jovem enfermeira – Evely
Ntoco Mase. Trabalha, estuda e arca com as responsabilidades
familiares. Mas acha meios de desempenhar atividades políticas.
Ingressa no Congresso Nacional Africano – organização fundada
em 1912 para lutar contra o Apartheid – o brutal regime segrega-
cionista imposto pelos brancos europeus que dominam a África
do Sul sobre a grande maioria negra. Em 1943, jovens militantes
dessa organização, entre os quais Nelson Mandela, Walter Sisu-
lu, Oliver Tambo e Anton Lambede, reagem contra a excessiva
moderação do CNA e formam a Liga da Juventude do Congres-
so Nacional Africano. Planejam protestos de massa, mobilização
contra o regime. Estavam convencidos de que “somente a expe-
riência adquirida na luta contra os opressores poderia apagar os
sentimentos de inferioridade que os negros haviam desenvolvido
após tantos anos de submissão”.
A luta revolucionária de Mandela prossegue em crescendo:
em março de 1944, é eleito secretário-geral do Congresso Nacio-
nal Africano; em 1950, presidente da Liga da Juventude; em 1952,
coordena a formidável campanha do Desafio; em 1955, ele e 156
companheiros são presos acusados de traição; em 1960, acontece
terrível massacre que desperta grande reação internacional contra
o regime branco sul-africano (o chamado Massacre de Shaper-
ville, em que 65 negros são mortos em 30 segundos de metralha-
mento); em 6 de agosto de 1962, é outra vez preso pela polícia do
seu país. E, a 11 de junho de 1964, é ele, Nelson Mandela, conde-
nado à prisão perpétua e conduzido para a ilha de Roben, para

18 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


cumprimento da pena. No julgamento, Mandela faz a própria de-
fesa. Não se dobra. Ao contrário: seu desassombro é impressio-
nante. Admite que tentara derrubar o governo de minoria bran-
ca. Mas assegura que suas ações “eram o resultado de uma calma
e ponderada avaliação da situação política surgida após muitos
anos de tirania”.
Passa 27 anos na prisão. 27 anos! Que experiência forjadora
de sabedoria e demonstrativa de caráter férreo, indestrutível. En-
quanto preso, a figura heroica de Mandela inspira a luta que irá
desmoronar o Apartheid, é chama incandescedora dos ideais de
26 milhões de negros dominados por 5 milhões de brancos. No
nefando regime, esses 26 milhões de negros têm apenas 13 por
cento da área territorial da África do Sul: 87 por cento são ocupa-
dos pelos brancos (os africâners: holandeses e ingleses).
A liberdade, para Mandela, torna-se invencível bandeira de
luta do povo negro. A ditadura propõe liberdade condicional para
o grande líder. Esse a rejeita. Em 1989, Mandela ganha a conces-
são que lhe permite passar o 71º aniversário ao lado de familiares
– mas na prisão. A 2 de fevereiro de 1990, o governo de Frederick
de Klerk, de tendências liberais e que sucedera ao totalitário Pe-
ter Botha, faz o anúncio da iminente libertação de Mandela, a qual
acontece nove dias depois (11 de fevereiro). Depois de 27 anos de
cárcere, “Mandela mostrou-se, para surpresa de muitos, uma figura
inesperadamente forte, serena e até mesmo elegante, num terno e
gravata impecáveis” (Em Os Grandes Líderes, de Thomas Butson).
Liberto, Mandela negocia com sabedoria. Granjeia admira-
ção cada vez maior, simpatia e confiança de todos. Torna-se Pre-
sidente da República da África do Sul em 1994. Ganha o Nobel
da Paz e se impôs como dos mais extraordinários estadistas do
século XX.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 19


MAGISTRATURA E
LITERATURA GOIANA

Itaney Francisco Campos

O objetivo destes comentários é trazer algum conheci-


mento sobre a literatura que vem sendo produzida em Goiás,
ainda bastante desconhecida no Brasil e também, infelizmente,
em nosso próprio Estado. A par disso, como indica o título aci-
ma, pretende trazer-se à baila a presença, no panorama da lite-
ratura produzida em Goiás, de magistrados que se destacaram
pela qualidade de sua literatura, buscando assim registrar a rele-
vante contribuição que membros do Poder Judiciário trouxeram
à produção literária, compatibilizando a função de julgar com a
atividade criativa da escritura.
Ainda que a literatura goiana se revele pródiga, com uma
significativa quantidade de livros publicados, nos gêneros poesia,
contos e crônicas, contando, ademais, com alguns romances de
alta qualidade, nacionalmente reconhecidos, o seu consumo no
Estado é bastante precário. A verdade é que pouco se lê em Goiás,
como de resto, em todo o Brasil, comparativamente a outros
países, pois a média de leitura em nosso país não passa de dois ou
três livros, por ano.
Pretendo, portanto, traçar um esboço da produção literá-
ria em Goiás e, ao mesmo tempo, ressaltar a contribuição que os

20 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


magistrados goianos deram ao movimento literário do Estado, su-
blinhando, para isso, a atuação de algumas figuras fundamentais
da nossa literatura, que exerceram, ao mesmo tempo, a atividade
judicante e o cultivo das belas letras.
A explicação para a questão do consumo de literatura, como
para tudo o mais, passa, obviamente, pela contextualização histó-
rica e, nesse sentido, como se sabe, o processo de colonização de
Goiás iniciou-se com bastante atraso em relação à colonização da
região litorânea, ocasionando os diferentes níveis civilizatórios e
de evolução social e econômica, bastante contrastantes, se con-
siderarmos, como referência, o nível dos estados de São Paulo,
Rio de Janeiro ou mesmo Paraná e Santa Catarina. Na verdade,
as regiões litorâneas foram povoadas pelos portugueses, que ali
desenvolveram as lavouras de cana-de-açúcar e, somente dois sé-
culos depois, iniciou-se a colonização das regiões centrais do Bra-
sil, diga-se o interior de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, que
compreendem hoje os estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Gros-
so do Sul e Tocantins. Assim, as atividades econômicas e sociais
concentraram-se nos Estados litorâneos, só avançando pelo inte-
rior do Brasil a partir do final do século XVII e principalmente do
século XVIII, mas só a firmar-me efetivamente o processo de inte-
gração no século XX, com a construção de Goiânia, de Brasília, a
abertura da rodovia BR-153, ligando a capital federal ao Norte do
País. Observe-se que a bandeira do Anhanguera filho, proveniente
de São Paulo, adentrou os sertões de Goiás, em busca de minas de
ouro, por volta de 1726, duzentos e vinte e seis anos depois que os
portugueses chegaram às terras brasileiras. Em 1749, a região foi
desmembrada da província de São Paulo, tornando-se província

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 21


autônoma, com a capital em Vila Boa. Até os finais desse sécu-
lo, a atividade econômica dominante foi a mineração, quando se
formaram os arraiais, nas encostas dos morros e à margem dos
ribeirões auríferos. Eram aglomerados improvisados, sem plane-
jamento adequado, sem serviços de tratamento de esgoto ou água,
formados de edificações precárias, no estilo português colonial.
Nesse período, ocorreram várias incursões ao interior do
sertão goiano, em busca de minérios e visando a domesticar os
gentios (povos indígenas, como Caiapós, Xavante, Apinagés, Xe-
rentes, Carajás e outros). Houve nesse período grande mortanda-
de dos povos indígenas, provocando a extinção de algumas na-
ções, como os Apinagés, Goyá e Araés, no relato de Silva e Souza.
Nesse período, formaram-se os povoados de Vila Boa de Goiás
capital da Província (hoje a cidade de Goiás), Meia Ponte de Nossa
Senhora do Rosário (Pirenópolis), Pilar, Corumbá, Jaraguá, São
José do Tocantins (Niquelândia), Traíras, Crixá, Santa Cruz, San-
ta Luzia (Luziânia), Porto Real (Porto Nacional), Arraias, Posse
e outros, isolados e distanciados entre si. O transporte se fazia
mediante animais de carga (tropas e carros de boi), exigindo dias
para se atingir a capital da Província ou as vilas do sul do Estado.
Com o esgotamento do ouro de aluvião, a atividade econô-
mica e social nas regiões auríferas entrou em decadência, levan-
do a Província a uma situação desoladora, de quase estagnação.
Muitos povoados entraram em ruínas e desapareceram, como
Traíras, Água Quente, Ouro Fino, Amaro Leite etc. Aos poucos, a
incipiente atividade agropecuária foi se desenvolvendo, ao mesmo
tempo em que a implantação da ferrovia no sudeste do Estado
foi proporcionando o incremento da vida econômica e social, nas

22 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


regiões de Catalão, Bonfim, Ipameri, Pires do Rio etc., a chamada
Região da Estrada de Ferro.
A República foi proclamada em 1889, mas pouco alterou o
quadro social e econômico da província de Goiás. A criação de
Goiânia, no ano de 1934, no Governo de Pedro Ludovico Teixeira,
foi um marco para o desenvolvimento regional. Consolidou-se a
cidade de Anápolis, que viria a se tornar importante entreposto
comercial nos anos 60. O governo Getúlio Vargas adotou o plano
denominado Marcha para o Oeste, visando a promover a integra-
ção da grande região formada por Goiás, Mato Grosso e territó-
rios do oeste do Brasil. Nos anos 60, a criação de Brasília e a aber-
tura da rodovia Belém-Brasília, rasgando todo o estado de Goiás
(então integrado pelo Tocantins), possibilitou a formação e o de-
senvolvimento de muitas cidades ao longo do seu eixo goiano, ao
viabilizar o deslocamento da produção e incrementar o comércio.
Diante desse quadro, é consenso dos estudiosos que até por
volta de 1890 (quase quatrocentos anos depois do início da coloniza-
ção brasileira) a manifestação literária em Goiás apresenta-se escassa,
quase inexistente. Cita-se um ou outro nome de destaque, relevan-
do-se a criação da Matutina Meiapontense, primeiro jornal a circular
em Goiás, em Pirenópolis, então Meia Ponte; a produção literária do
padre Luis Antonio da Silva e Souza: Memória do Descobrimento da
Capitania de Goiás, Governo, População e Coisas mais notáveis, 1812;
Raimundo José da Cunha Matos, que escreveu Corografia Histórica
da Província de Goiás, de 1824, publicado em 1874).
Diz-se que o primeiro goiano a escrever poesias (Obras
poéticas) foi Florêncio Antonio da Fonseca Grostom, natural de
Traíras, que exerceu as funções de solicitador em Minas Gerais,
falecido em 1860, em Juiz de Fora, naquela província.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 23


A partir de 1850, alguma produção literária, de influência
romântica, começa a circular. O maior destaque do período é do
poeta, jornalista e desembargador Antônio Félix de Bulhões Jar-
dim. Nasceu em Vila Boa, em 1845, vindo a falecer em sua cidade
natal em 1887. Foi cognominado, depois, o Castro Alves de Goi-
ás, porque, como aquele, bateu-se pela abolição da escravatura,
fundou jornais e estudou direito em São Paulo, onde conviveu
com figuras expressivas do romantismo brasileiro. Com 24 anos
de idade, fundou o jornal O Monitor Goiano, em que defendeu os
ideais republicanos. Magistrado, lutou da tribuna pelos seus ide-
ais, de ensino primário gratuito e emancipação dos escravos. Seu
estro sofre, igualmente, reflexos da poesia condoreira, cujo maior
cultor foi o baiano Castro Alves, de Espumas Flutuantes. Sua lírica
o aproxima dos românticos Casimiro de Abreu e Álvares de Aze-
vedo. Seu mais conhecido aclamado poema intitula-se “SÓ”, com
o seguinte texto:

Parei! Chegado havia ao cimo da montanha


Aspérrima e tamanha – o sol morria além!
Parei; sentei-me só à beira do caminho.
Sentei-me ali sozinho,
Eu só, sem mais ninguém...

Olhei atrás e avante. – Os largos horizontes


Debruçavam-se nos montes. – Longes, por além,
De branco e azul e fogo e púrpura tocados,
Diziam contristados:
“Tu só, sem mais ninguém”.

24 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


O vencido estádio orcei de um lance d’olhos
Sem contar os abrolhos. Muito, muito além,
Nas veigas serpeava o brilho venturoso,
Que eu correra ditoso,
Eu só, sem mais ninguém...

Atrás deixava o prado, a vida, a flor, o aroma


E o doce amor que assoma à juventude. Além,
Além a névoa densa, a dúvida insegura,
Além, a bruma escura,
Eu só, sem mais ninguém...

Avante a escarpa está de crua descambada,
Precípite, eriçada; um passo mais além,
Eu vou, com passo firme, resoluto e certo,
Para o eterno deserto,
Eu só, sem mais ninguém...

Outros escritores do período foram Edmundo Xavier de


Barros, romântico, cujas poesias foram publicadas de forma es-
parsa; João Teixeira Álvares (Cancioneiros, além do drama O cego
e a leprosa e da tragédia Eleusa); Hygino Rodrigues (Versos Di-
versos e Trinos e Trenos), Alceu Victor Rodrigues (Extrema verba
e poesias esparsas; e, aqui destaco, o Juiz de Direito da 1a Vara
de Vila Boa (Goiás), Manoel Lopes de Carvalho Ramos, natural
de Cachoeira, na Bahia, que estudou na Faculdade de Direito de
Recife e escreveu o poema épico “Goyania”, em 1896, e “Flores da
Primavera” (1884), entre outros, com nítida influência de Castro

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 25


Alves. Desenvolveu intensa atividade na imprensa e na magistra-
tura. Seus filhos, Hugo de Carvalho Ramos e Victor de Carvalho
Ramos, são destacados escritores deste Estado. O primeiro, autor
de Tropas e Boiadas é considerado um dos maiores contistas da
literatura regional, enquanto o segundo é renomado poeta.
Nas três primeiras décadas do período republicano, quando
ainda se praticava uma literatura de densa influência romântica,
mas já sem os traços do arcadismo e do classicismo, destacam-se os
nomes de Henrique Silva (Poetas Goianos e A caça no Brasil Cen-
tral), Augusto Ferreira Rios, Arlindo Costa, Erico Curado (Iluminu-
ras), Joaquim Bonifácio Gomes de Siqueira, Gastão de Deus Victor
Rodrigues, Luis Ramos de Oliveira Couto, Jovelino de Campos, po-
eta e desembargador, Ricardo Paranhos, Vasco dos Reis, Euridice
Natal, Pedro Gomes e Hugo de Carvalho Ramos. Segundo Augusto
Goyano e Álvaro Catelã, “há uma diferença básica da literatura na-
cional e da literatura goiana: enquanto a primeira tinha como fun-
damento o parnasianismo, convivendo com o simbolismo e, mais
tarde, com o modernismo, a segunda evoluiu para a dualidade par-
nasiano-simbolista, mantendo a sua base romântica”. Desses no-
mes, sublinho os dos poetas Luis Ramos de Oliveira Couto, Jovelino
de Campos e Augusto Ferreira Rios, todos magistrados.
E, dentre eles, retiro o nome do desembargador Augusto
Ferreira Rios como exemplo mais marcante da presença da ma-
gistratura no panorama literário do Estado. Embora não seja o
escritor mais celebrado, glória que coube a Hugo de Carvalho Ra-
mos, destacou-se como dedicado poeta, professor e militante da
cultura. Escreveu as obras Bouquet, de poesia, em 1911; Triságios
do Glorioso Crucificado do Tribunal do Júri de Jaraguá, em 1922,

26 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Ramalhete, em 1957. Natural da cidade de Goiás, Augusto Rios
foi magistrado, chegando a desembargador do Tribunal de Justiça
do Estado, e exerceu também as funções de professor de Inglês,
Francês e Português, no Liceu de Goiás.
Como observou Catelã, foi um dos poetas mais fecundos da
literatura de Goiás. Sua poesia apresenta “influências românticas,
de inspiração melancólica, saudosa e ligeiramente mística”, reflexos
talvez de sua formação de seminarista. Figurou como um dos aca-
dêmicos no ato de instalação da Academia de Letras de Goiás, na
cidade de Goiás, de curta existência, e também um dos fundadores
da Academia Goiana de Letras instalada em 1939, na recém-criada
cidade de Goiânia. No poema Triságios, reflete influências simbo-
listas, aprofundando-se o misticismo já entrevisto na obra anterior.
Sua produção literária alcançou o parnasianismo, mas não evoluiu
até o modernismo, cujo evento mais simbólico foi a Semana de Arte
Moderna, realizada em São Paulo, no ano de 1922.
Um exemplo do seu estilo romântico/simbolista extrai-se
deste seu poema, sob o título de

SONETO

Perdem-se pelo azul nuvens rosadas,


Nuvens mimosas, de mimosas flores,
Meigas irmãs dos sonhos promissores,
Aos poucos, vão fugindo dispersadas.
Some-se o sol nas serras azuladas...
De crepe espesso véu com seus negrores
Já vem descendo pelos arredores:
Sombras caindo, lentas, compassadas...

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 27


Tudo triste... Nas dobras do passado
Vão se envolver de um pobre condenado,
As lembranças de um ente que deplora...
E nessa hora em que se entristece o prado,
Em que nossa alma sente um som magoado,
– Ave Maria pelo espaço chora...

No período inaugurado pela revolução getulista, de 1930 a


1945, as profundas modificações políticas, econômicas e sociais
decorrentes da mudança da capital do Estado, do plano governa-
mental denominado Marcha para o Oeste e mesmo da Primeira
Guerra Mundial, determinaram reflexos na estética da produção
artística do Estado goiano, a qual, ainda que de forma paulatina,
começou a sofrer os reflexos do movimento modernista deflagra-
do na capital paulista no ano de 1922. Foi uma fase de transição.
Os nomes mais relevantes do período são dos escritores Cyllenêo
Marques de Araújo Valle, o Léo Lynce, Antonio Americano do
Brasil, José Xavier de Almeida Junior, Victor de Carvalho Ramos
e Anna Lins dos Guimarães Peixoto, a Cora Coralina.
Desse período, quero realçar, para o propósito desta narrati-
va, o nome do poeta Cyllenêo Marques de Araújo Valle, mais co-
nhecido pelo pseudônimo de Léo Lynce, que foi um dos primeiros
a produzir poesia com características modernistas em Goiás; por
isso, foi considerado um dos precursores do modernismo literário
no Estado. Além de jornalista e poeta, Léo Lynce, natural de Pira-
canjuba (GO), onde nasceu em 1884, foi político (deputado esta-
dual) e advogado. Formou-se pela Academia de Direito de Goiás
e ingressou na magistratura goiana, atuando como juiz por mais
de dez anos na cidade de Pires do Rio. Exerceu o magistério desde
1943 até a sua morte, em 1954, na Faculdade de Direito de Goiás.

28 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Segundo a crítica, a base de sua obra é o parnasianismo, mas de
espectro mais livre, tendo evoluído para os conceitos modernis-
tas em grande número de poesias. Era um poeta autêntico e de
elegante expressão, no dizer de Coelho Vaz, em sua antologia da
Academia Goiana de Letras. Publicou no fim de 1928, o seu único
livro de versos, intitulado Ontem, cuja crítica o consagrou. Per-
cebe-se em sua obra uma evolução estética e estilística, abrindo
novas perspectivas à poesia goiana. Foi lhe outorgado, pelas enti-
dades culturais, o título de Príncipe dos Poetas Goianos, antes ou-
torgado a Joaquim Bonifácio Gomes Siqueira. Os traços da poesia
moderna, revelados nos versos livres, desprovidos de métrica e de
rimas, bem assim a preocupação com o mundo exterior e a so-
ciedade, desvinculada do subjetivismo excessivo, denotando uma
poesia solidária e engajada, são encontrados neste poema de Leo
Lynce, que bem demonstra a evolução de sua estética em direção
ao modernismo, inovando no quadro geral da poesia de Goiás:

CANTO DA ÚLTIMA VIGÍLIA

O sangue escorrendo
da essência das coisas
para tingir as auroras dos mundos que vão nascer.

Cinzas de terremotos
enchendo as distâncias
dos caminhos perdidos, das caravanas que não voltam
(o tempo deserto das horas).
Gestos gelados de mãos invisíveis
catando as palavras no silêncio onde morreram todos os gritos.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 29


Notas de música
desafixadas da pauta,
dançando na plenitude dos instintos.

O mar imenso
cavado em mil faces hiantes
gemendo na parturição dos abismos.

Seres estranhos
procurando absurdamente ritmo perdido das formas primitivas.

Passos abafados
na sombra amanhecente
abrindo caminhos no imprevisto das paisagens.

Embora com algum retardo, o movimento modernista en-


controu campo fértil em Goiás, a partir do momento em que se
consolida a nova capital e se expande a universidade. Na década
de 1940, criou-se a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos
(1943) e fundou-se a Revista Oeste (1942) que incentivaram a divul-
gação da nova produção literária. Inicia-se o modernismo de 1942,
segundo Assis Brasil, que logo vai receber os reflexos da Geração
de 45, que se insurgiu contra a dessacralização em excesso da po-
esia. Entre os modernistas, destacam João Accioli, Bernardo Élis,
José Godoy Garcia, José Décio Filho, A. G. Ramos Jubé e Domin-
gos Félix de Souza. O goiano Afonso Félix de Souza, já morando
no Rio, produzia uma poesia de alta qualidade e adotava a posição
estética da geração de 45. Gilberto Mendonça Teles foi o poeta mais

30 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


destacado à época, desenvolvendo posteriormente, no eixo Rio/
SP, brilhante carreira de professor universitário, poeta e ensaísta,
com excelentes estudos sobre a estética literária. Nos anos sessenta,
o Grupo de Escritores Novos injetou novo ânimo à literatura aqui
produzida, ressaltando-se os nomes do poeta e contista Miguel Jor-
ge, reconhecido como grande ficcionista, Geraldo Coelho Vaz, poe-
ta e ensaísta, as poetisas Yêda Schmaltz, Maria Helena Chein e Edir
Guerra Malagoni, o crítico Carlos Fernando Magalhães, Heleno
Godoy e Luis Araújo (Ofício Fixo), esses engajados nos movimentos
de vanguarda, como o concretismo e a estética práxis. No quadro
da contemporaneidade literária, devem ser citados os produtivos
poetas Aidenor Aires (Amaragrei, Lavra do insolúvel), Brasigóis Fe-
lício (Sermões do ateu), Gabriel Nascente, Coelho Vaz (Águas do
passado), José e Gilberto Mendonça Teles (Hora aberta). Deveriam
ser mencionados, ainda, Edival Lourenço, romancista premiado,
Ursulino Leão (cronista), Lêda Selma (poetisa), Emílio Vieira (poe-
ta), Ney Teles (magistrado, poeta e ensaísta), os infatigáveis irmãos
Alaor e Eurico Barbosa, Antonio J. de Moura, Bariani Ortencio,
Moema de Castro, Getúlio Targino, Kléber Adorno e outros nomes
fundamentais do nosso movimento cultural e literário, mas já vão
longe estas anotações e cumpre encerrar.
Todavia, para atender ao propósito destas anotações, quero
ressaltar, do quadro literário contemporâneo de Goiás, a figura
do jornalista, romancista, cronista, ensaísta, historiador, profes-
sor e magistrado Modesto Gomes da Silva, natural de Paraúna,
neste Estado, que escreveu mais de uma dezena de livros e atuou
como diretor do Departamento Estadual de Cultura, Presiden-
te da União Brasileira de Escritores, seção de Goiás, e da Acade-
mia Goiana de Letras, professor universitário e juiz de Direito.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 31


Escreveu As horas e os minutos (crônicas, 1971), A independên-
cia do Brasil e seus reflexos em Goiás, Estudos de história de Goiás
(1974), Um rio dentro de mim (1977), As contas do Rosário (1984),
Em busca do tempo e O dia e a agonia (2006), entre outros. Foi
premiado pela “Bolsa de Publicações José Décio Filho”, com o ro-
mance As contas do Rosário, em 1983, obra que foi adotada nos
exames vestibulares de duas Universidades goianas.
De sua carreira literária se disse que é marcada por uma li-
teratura voltada para o povo, cumprindo, tanto quanto possível,
papel efetivamente pedagógico, sem os experimentalismos e her-
metismo acessíveis apenas aos críticos literários e intelectuais. Um
homem inteiramente dedicado à cultura, ao longo de sua vida,
Modesto refletiu a virtude do seu nome em sua trajetória de in-
telectual e homem público. Nunca se preocupou em estar sob os
holofotes da mídia e no centro dos convescotes intelectuais, em-
bora haja presidido importantes instituições culturais e produzido
muito no jornalismo. Trabalhou diuturnamente, como uma for-
miguinha anônima, na seara literária, legando ao acervo cultural
do Estado um punhado de obras instigantes e de variados matizes.
Sua obra literária não foi ainda avaliada com a profundidade me-
recida pela crítica especializada, mas sua contribuição à cultura
goiana é, inegavelmente, de perene e inestimável valor.
Não poderia encerrar sem mencionar, ainda, um magis-
trado que vem produzindo literatura em Goiás há mais de duas
décadas, conciliando sua atividade literária com o exercício da ju-
dicatura. Refiro-me ao desembargador e acadêmico da AGL, Ney
Teles de Paula, poeta e ensaísta, natural de Piracanjuba, autor de
Dimensões do Efêmero, A escada de Jacó, Memorial do Efêmero e A
Rosa paradisíaca e outros escritos. Um poeta sensível, melancólico,

32 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


saudoso da infância, que traz em sua lírica traços do romantismo
sob uma estilística que acolhe as formas da literatura moderna.
Sobre os poemas constantes do livro Memorial do Efêmero, alvo
de muitos elogios da crítica, vale transcrever os comentários do
poeta Aidenor Aires, em artigo publicado no jornal Diário da Ma-
nhã, de Goiânia, em 2008:

Ney Teles, ao acolher o encantamento da poesia e da infân-


cia, exibe um lado pouco conhecido de seu labor. Assinala
a sobrevivência do lírico, da superação do cotidiano árduo
e racional de sua faina judicante. Entre autos, códigos e
acórdãos caminha o poeta, salvo das formas e fórmulas,
preservado na capacidade de espanto, de encantamento e
afeto que denuncia a estima humana.

REFERÊNCIAS

1. COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS E HISTÓRICOS. A colonização de


Goiás.
2. PERÍODO DE INFLUÊNCIA CLÁSSICA. (1787/1830).
3. Pe. Luiz Antonio da Silva e Souza (Memória do descobrimento da capitania
de Goiás, Governo, população e coisas mais notáveis, 1812).; Raymundo
José da Cunha Matos (Corografia História da Província de Goias, 1824).
4. PERÍODO ROMÂNTICO (1830/1930):
5. Antônio Félix de Bulhões Jardim; Bernardo Guimarães.
6. PERÍODO DE TRANSIÇÃO (1930/1942): Augusto Ferreira Rios. Cylleneo
M. de Araujo Valle (Leo Lynce).
7. PERÍODO MODERNISTA. (1945...). Revista Oeste. A efervescência
literária. Cora Coralina, Bernardo Elis e Gilberto Mendonça Teles.
8. PERÍODO CONTEMPORÂNEO. (1960..) GEN. O movimento práxis.
(Modesto Gomes da Silva. Ney Teles de Paula).

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 33


BRAÇO QUEBRADO

José Mendonça Teles

Eu tinha 8 anos e corria por cima dos muros de taipa de


minha Hidrolândia, brincava de índio, porque quase todas as ruas
de minha aldeia tinham nomes de índios. Trepava nas árvores, ba-
nhava no poção do ribeirão das Grimpas, corria pelas ruas de pei-
to aberto, estilingue pendurado no pescoço, caçava passarinhos
pelas gretas, catava gabirobas pelos campos e, de tanto correr, de
tanto pular, de tanto trepar (nas árvores), caí. O tombo deixou
sequelas. Vinha eu acelerando as pernas por cima do muro e uma
pisada falsa, o tombo, o espanto, o choro:
– Mãeê, mãeê, ai, ai!
Minha mãe, que estava espantando o tempo na cozinha,
veio correndo:
– O que foi, meu filho? Meu Deus do céu, o que aconteceu
com o seu braço?
No encontro com a mãe, o choro dobrou as ressonâncias.
Meu braço direito tinha a forma de uma letra “s”, doía muito, e eu
chorava. Meu choro chamou a atenção dos vizinhos, também dos
outros, e logo todo o meu arraial sabia que o filho do Nêgo Teles
tinha quebrado o braço, coisa rara naquele tempo. Minha casa vi-
rou festa da Trindade, onde se ouviam rezas e lamentações:
– Coitado, tá doendo, meu filho?
Foi aí que se lembraram do Zé Siqueira (José Alves de Siquei-
ra, hoje nos seus 90 anos de farturentas amizades), mas cadê ele? Foi
para Goiânia, e só volta à noite, vozes se atropelaram na afirmação.

34 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Meu pai deveria estar também viajando, pois não me recordo de
sua presença. Reforça-me a memória de minha mãe nervosa, deses-
perada, ao ver o filho choramingando. O tempo passando (o Sol já
descambava para o lado de Goiânia), e a solidariedade aumentando.
Sem saber como sair da situação, minha mãe correu à janela e viu
passar um cavaleiro. Era o seu Beijo (coronel Benjamim Alves de
Oliveira), abastado fazendeiro da região. Minha mãe soltou o grito:
– Seu Beijo, o senhor sabe encanar braço?
O homem ouviu a pergunta de minha mãe, apeou do cavalo,
entrou em casa, foi afastando os curiosos e chegou ao quarto onde
eu chorava minha dor. Pegou no meu braço, viu a extensão do
problema, dirigiu-se à minha mãe e recomendou, com urgência,
talas de bambu e pedaços de pano. Em seguida, virando-se para
mim, afirmou, segurando o braço com as duas mãos:
– Vai doer um pouco, mas homem não chora, não chora,
não chora – e foi puxando o braço, com força, até dar o estalo, e o
osso entrou nos eixos.
Senti uma forte dor, mas não chorei. Não poderia decepcio-
nar meus colegas de brinquedo e mais ainda minha namoradinha,
todos presentes. Seu Beijo encanou meu braço, amarrou-o bem-
-amarrado com os panos que minha mãe forneceu, fez uma tipoia
passada no pescoço, onde o braço ficou apoiado, e minha infância
voltou a correr pelas ruas de minha Hidrolândia.
Hoje, passados mais de 50 anos, fico indagando quem ensi-
nou o seu Beijo a encanar braço, ele, um homem da roça, rústico
no seu mundo natural e, ainda mais, como esquecer-me da lição
de psicologia que me transmitiu, mexendo com a minha hombri-
dade, ao dizer que “homem não chora”:
Seu Beijo, no firmamento em que estiver, muito obrigado!

(Do livro: Crônicas de Hidrolândia)

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 35


AMADOS LOUCOS DE PIRES DO RIO
 
José Ubirajara Galli Vieira

A cidade que não tem seus loucos não é uma cidade normal.
Pode faltar água tratada, ruas asfaltadas, bancos na única praça,
mulher bonita, tudo isso pode. Entretanto, não ter seus loucos:
isso é imperdoável. Seria como o espírito ausentar-se do corpo; ele
tomba, murcha e fede. Acredito que a cidade sem seus loucos não
cheira bem e acaba sendo suspeita de não ser cidade.
Lembro-me, com orgulho, dos loucos da minha cidade. Re-
almente, minha cidade era e continua sendo uma verdadeira ci-
dade, ostentando sua fartura de loucos, que é uma loucura! Tanto
para o louco como para os espectadores dos loucos, Fellini e Pa-
solini estavam certíssimos. Eis alguns dos meus amados atípicos
conterrâneos:

Loucos Dóceis
 
Tinindo Cachorro – Ele foi o introdutor da moda rastafári
em Pires do Rio. Ostentava aquele cabelão amedusado, portan-
do suas serpentes nada cheirosas. Dissidente, por acaso, da seita,
maconha não fumava, e banho, nem pensar! Morava num largo
próximo da estação ferroviária, onde fazia a sesta debaixo das pi-
lhas de dormentes. À noite, recolhia-se no depósito abandonado

36 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


da antiga oficina da rede ferroviária, dormindo no meio de paralí-
ticas marias-fumaças, dormentes carcomidos por cupins e cheiro
de óleo diesel e carvão ainda não diluídos no tempo. Introspecti-
vo, quase não falava. Às vezes, pronunciava indecifráveis pigmen-
tações de monólogos. Para o bom entendedor, meia-palavra basta,
sabíamos que estava com fome, e era hora de colocarmos comi-
da no seu prato de louça chinesa tupiniquim (lata de goiabada).
Como viveu, morreu. Foi encontrado debaixo dos dormentes. O
laudo popular da sua morte dizia: picada de cobra. Seria alguma
de suas serpentes capilares?

Jurandir da Bicicleta – Seu mundo era pedalar com a bici-


cleta do seu protetor, Pedro Ferreira de Azevedo que, por sua vez,
não dispensava o bípede cíclico, para todas as suas necessidades:
ir ao fórum (era conceituadíssimo advogado), aos colégios para
dar aula e aos demais afazeres e lazeres. Jurandir pedalava pela
manhã, à tarde e à noite, sobre os velhos paralelepípedos, hoje, so-
terrados barbaramente por lama asfáltica. Pena que, em vida, não
fora descoberto pela Confederação Brasileira de Ciclismo, para
nos representar, nas tradicionais provas de resistência da Europa.
Como ele se foi, não sei, mas, se no céu existir bicicleta, certamen-
te estará pedalando, ao lado do seu protetor.

Arnaldo do Machado – Dá pra imaginar um louco portando


um machado? Parece impossível, mas não era bem assim. Era um
louco trabalhador. Em nosso País, será que só os loucos são traba-
lhadores? Deixando essa questão para os cientistas sociais, vamos
ao Arnaldo, que vivia de pequenos biscates, como cortar lenha e
podar árvores em troca de comida. Também não era de conversar.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 37


Lembro-me de raras vezes, vê-lo resmungar, por prestação, uns
“nãos”. Certa manhã, foi encontrado morto, no cômodo abandona-
do onde morava, abraçado ao cabo do machado, seu único amigo,
sobretudo, nas confidências do silêncio que só os loucos conhecem.
 
Louco Agressivo
 
Arnaldo Marretão – Esse é o outro lado da moeda de
Freud. Ele era muito dócil se tratado por Arnaldo. No entanto, se
acrescentassem seu sobrenome: Marretão, virava bicho. Tudo o
que estivesse ao seu alcance atirava no provocador. Não foi uma
nem duas vezes que muitos ficaram feridos. Mesmo assim, con-
tinuavam molestando o coitado, apesar da boa pontaria de der-
rubador de mangas. Que fim levou, não sei. Pelo tempo passado,
pouco provável que esteja entre os vivos.
 
Louco Erótico
 
Quieta Tonho – Sempre trôpego, como se estivesse chegando
de uma maratona, reservava por hábito, um farto filete de baba, no
canto direito da boca. Pequena característica do louco mais cultu-
ado da cidade. Sempre que falava, as pessoas mantinham prudente
distância dos jatos de baba que pegavam carona entre as oralida-
des das palavras. No entanto, a logomarca do seu exotismo era seu
membro, capaz de deixar muito jegue complexado. Quando ficava
ouriçado para tomar uma branquinha, sempre aparecia um espírito
de porco que falava, já circundado por curiosos de todos os naipes:
– Tonho, bate uma, que te dou uma garrafa de pinga.

38 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Não é que ele retirava o adormecido gigante da calça amarra-
da por um cordão, que substituía o cinto e, sem nenhum constran-
gimento (mania dos normais), começava a se masturbar?! A coisa ia
crescendo, crescendo, até quase bater nas dobras do joelho. Quanto
mais batia, mais ia ele escumando pelo canto da boca, ao som de
gargalhadas e “vige nossa”. Todavia, a voluptuosa garrafa, nem sem-
pre chegava aos seus babados beiços. Se houver ala erótica no para-
íso, povoada por voyeurs, ele ficará de porre por toda a eternidade.
 
Louco Poeta
 
Se ele era normal, até sofrer um acidente de lambreta e ba-
ter a cabeça, não posso afirmar, mas aquele seu livro mesclado de
haicais e pensamentos, lançado antes do acidente, é suspeito, isso
posso garantir. Depois do acidente com a lambreta, o poeta co-
meçou a elaborar estranhos projetos para seus conterrâneos. Vou
citar apenas um deles, o qual me pareceu o mais original de todos:
plantar flores no alto do morro, que contempla o município, para
quando o vento batesse nas flores, em direção à cidade, pudes-
se carregar nos seus bornais alados invisíveis, as tenras essências,
para ela ficar toda perfumada. Ideia bastante poética, não é mes-
mo? Melhor que muito temário de livro lançado ultimamente.
 
Pequenos Relatos Finais
 
Finalizando esse divã nada anônimo, seria indelicado, não
inserir alguns instantâneos de loucuras de certos amigos, a exem-
plo do meu amigo de infância e parceiro de baralho. Numa dessas

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 39


partidas, pedi-lhe que telefonasse a outro amigo, para que viesse
jogar com a gente. Ao completar a ligação, esqueceu o nome da
pessoa e, como nada acontece por acaso, quem atendeu do outro
lado da linha foi um tio, também meio louco, do amigo solicitado.
Nessas alturas, não poderia haver outro diálogo, senão este:
– O comé que chama, tá?
O outro respondeu:
– Não, ele saiu.
Esse dileto amigo costumava reclamar de um capeta que o
incomodava em certas madrugadas. Um dia, ele encontrou um
conhecido, não menos louco, na praça central da cidade e inicia-
ram a seguinte conversa:
– Tem um capeta que me atenta quase todas as noites, lá
em casa.
O outro diz:
– Uai! Não acredito! Também tenho um capeta que atenta
à noite. Como é que ele é e qual hora que ele aparece para você?
– Ele tem uns olhos brilhantes, sempre tira seu pinto preto
escamado, querendo fazer bobagem comigo. Daí, saio em carreira
atrás dele, porém, ele sempre escapa. Quanto à hora que ele costu-
ma me atentar, por volta das duas da madrugada.
O outro conclui o diálogo:
– Rapaz, pelo pinto e pelos olhos, é o mesmo que sai da sua
casa e vai depois, lá em casa, me atentar!
Como não pretendo ajoelhar-me nesse confessionário, fico
com os Mutantes: “Dizem que eu sou louco...”.
 

40 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


A CULPA FOI DO CARTEIRO!

Lêda Selma de Alencar

– Bela-tarde, esse menino-carteiro, bela-tarde! E que boas


brisas o tragam! Ou melhor, a tragam. Sim, a carta com as boas
alvíssaras. Sim, as tais, cadê?
– Ainda não veio. Nem as tais aí que a senhora falou, as al-
víssaras. Mas hão de chegar. Paciência!
– Sim, mas tudo o que passa extravasa. E paciência muita
pode causar indigestão. Indigestão espiritual, entende? Bem, e a
minha carta, ande...
– (Que doideira é essa, Cristo?!) Ah! sim, a carta! Quem sabe,
amanhã...? Falando nele, até. E que a espera lhe seja leve, ou me-
lhor, breve.
Dia seguinte, outros tantos e tantos, e a mesma ladainha:
– Boa-tarde, esse menino-carteiro! Trouxe a esperada?
– Trouxe não, dona. Mas a vagarosa há de chegar. Pense que, de
espera em espera, a esperança enche o espírito (sem indigestão, ôxe!).
Queira Deus, brevinho, brevinho, a dona haverá de alegrar os olhos
com a chegante. Paciência! E que a espera lhe seja leve, isto é, breve...
– Dela, já estou cheia. Quero minha carta e pronto! A carta,
vamos, a carta...
– Que carta, ó senhor dos carteiros, que carta, se a tal nem
chegou? Como posso entregar o que não me entregaram? Calma,
pois não adianta ficar jururu nem impaciente. Além do mais, quem
espera sempre cansa, isto é, sempre dança, não, não, sempre alcança.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 41


– Não quero mais saber de conversório. Quero a carta. Ah!
e cheia de boas alvíssaras! Ande, a carta, senão vou me queixar de
sua incompetência ao seu chefe.
– Já lhe disse que não estou com a desejada. Muito menos,
com as alvíssaras. Talvez, amanhã. Isso se elas não estiverem por
aí, às gaitadas, debicando de seu desassossego. Bem, até. E que a
espera lhe seja leve, breve ou os dois...
Durante uns bons pares de dias, a ansiosa mulher cobrou do
carteiro a carta. Mas a enviada, a extraviada ou a não-mandada,
simplesmente, não aparecia. Apiedado e solidário, ele, enredado
pela tentação da oportunidade, decidiu tosar a ansiedade daquela
senhora, entregando-lhe uma carta (após adulterar o envelope),
remetida a um destinatário de endereço ignorado.
– Tarde, esse menino-carteiro! Sem mais delongas, passe
logo a ansiada, rápido!
– A ansiada, é? Acho que as ansiadas; as duas: a carta e as
alvíssaras. E olhe, polpudinhas de dar gosto, um mimo! Não lhe
disse pra não desanimar? Pois então: a espera tem pernas longas,
e a paciência, pernas curtas.
– Ah! que alegria! Venha, amigo, entre. Vou lhe arreganhar
meus agradecimentos com um refresquinho retado de bom de-
mais. Pra dissolver o calor. Tome. Enquanto isso, vou me alcovitar
com as boas alvíssaras. Que felicidade! Hã! Ah! Ih! Minha Vir-
gem, compaixão!
– O Senhor seja bendito (ufa, que alívio! Tomara que ela me
dê sossego daqui em frente)! Delícia de refresco, dona, hum...! Com
tanta exclamação assim, só pode ser...
– O quê?! Não, novecentas e noventa e nove vezes não,
meu Bom Jesus! O seu Perpétuo? Justo ele? O que você fez com o

42 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


bom homem, esse menino-carteiro, o quê? Que maldade! Dá cá
meu refresco, ande, seu sem coração! Onde já se viu, em pleno
Natal, sem mais nem menos, me entregar a morte do seu Per-
pétuo? Uma morte envelopada e postada, com selo e carimbo.
Carteiro desnatalizado, por que fez isso comigo?! Que tristeza,
meu Bom Jesus, que tristeza! O pobre, assim, bata lá, descanse
cá, desviveu. Infeliz Natal!
– Sinto muito, dona! Por favor, pare de chorar. Afinal,
quem é esse “seu Perpétuo?”.
– Um sujeito nem tão perpétuo assim...
– Sei, um parente ou amigo...
– Que nada! Um desconhecido ex-vivente.
– Se assim é, por que, então, a dona chora tanto?
– Por quê? Como, por quê?! Acabo de perder um grande
desconhecido e, pior ainda, com uma agravante: um quase possí-
vel amigo, e já muito amado por mim, entendeu? E você, carteiro
mortífero, acabou com essa possibilidade.
– Com franqueza, dona, não estou entendendo nada.
– Não está, é? Pois lhe explico: com a morte dele, dimi-
nuiu ainda mais minha chance de receber uma carta de alguém
com votos de Feliz Natal. Era isso que eu estava esperando des-
de que dezembro, ainda escanzelado, despontou. E justo agora,
menino-carteiro, você, um insensível, me mata a chance, isto é,
o homem?! E com ele podem ter ido as boas alvíssaras, perce-
beu? Um matador de esperanças é o que você é. Um verdadeiro
e maldito natalicida.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 43


O CHARME DA MONARQUIA

Lena Castello Branco Ferreira de Freitas

Consta que, nos Estados Unidos, ao venderem “pacotes”


para o nosso país, agências de viagem incluem sempre o Rio de
Janeiro e a cidade serrana de Petrópolis, explicando que foi funda-
da por D. Pedro II, imperador do Brasil. Comprovando que houve
majestades por aqui, é exibida uma fotografia do monarca vestido
a caráter, trazendo cetro, coroa e manto real incrementado com
papos de tucano.
O expediente funciona. Na prosaica democracia norte-ame-
ricana há certa nostalgia da realeza. Porque nunca a tiveram, os
ianques são fascinados pelas pompas da monarquia. Não é raro,
no Museu Imperial de Petrópolis, álacres senhoras de bermudas
e chapéus floridos perguntarem aos guias: “Quando é que vamos
vê-lo?”, confundindo o ontem com o hoje, esperam que o impera-
dor as receba.
A independência dos países do Novo Mundo deu-se na pri-
meira metade do século XIX, quando a instituição monárquica
fora abalada pela Revolução Francesa e seus desdobramentos. A
partir do exemplo dos Estados Unidos, os latino-americanos ado-
taram a República como forma de governo. A única exceção foi o
nosso país, onde a travessia do “status” colonial para a liberdade
foi conduzida por integrantes da família real portuguesa.

44 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Tudo começou com o Príncipe Regente – futuro D. João VI
– que aqui viveu durante 13 anos. Nesse período, fomos governa-
dos por um monarca de quem nos ficou a imagem caricata de um
homem obeso, pouco afeito a hábitos de higiene, glutão, medroso
e traído pela mulher. Na verdade, o monarca era um homem feio,
mas arguto e cauteloso, que se viu numa tremenda saia justa: ou
enfrentar Napoleão, ou desagradar à poderosa Inglaterra.
Pisando em ovos, negaceando, postergando decisões, o então
Príncipe Regente acabou vindo para o Brasil, em fuga memorável,
juntamente com a família, a Corte e todo o aparato do Estado por-
tuguês. Inventou o “governo no exílio” e deixou as tropas invasoras
francesas literalmente a ver navios – os navios da armada real que
partiam da embocadura do Tejo rumo ao Atlântico Sul.
A essa mesma fórmula recorreria o general Charles de Gau-
le quando, na Segunda Grande Guerra, instituiu em Londres a
França Livre, desafiando os nazistas que se tinham aboletado em
Paris. Em tempo: sobre D. João VI, Napoleão reconheceu: “Foi o
único que me enganou!”.
D. João amava o Brasil e era amado pelo povo; nas ruas, no
teatro, nas cerimônias e festas, em toda parte era calorosamen-
te aplaudido. Note-se que, naquele tempo, não havia marketing
político... Seu filho e seu neto – os imperadores Pedro I e Pedro
II – deram muito de si ao nosso país e foram igualmente queridos,
ainda que, por força de crises políticas, tenham sido forçados a
exilar-se.
A Princesa Isabel – herdeira do trono –era venerada pelas
multidões, sendo cognominada “A Redentora” por ter assinado a
Lei Áurea. Acadêmicos revisionistas vêm procurando minimizar

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 45


o papel que ela desempenhou na libertação dos escravos. Mas a
humanidade precisa de mitos, e a imagem da Redentora sobrevive
como se verá.
Assim é que D. Eudes, da família imperial brasileira reside
em Parati (RJ). Conhecido pela simplicidade, para tornar-se ofi-
cial da Marinha de Guerra, renunciou às pretensões dinásticas;
aposentado, passou a dirigir uma pousada no charmoso centro
daquela cidade histórica.
Saindo em viagem resolvida às pressas e dirigindo o próprio
carro, ele parou no posto de pedágio. Devia pagar algo em torno
de sete reais – mas não tinha dinheiro nenhum. Recorreu à espo-
sa, que revistou inutilmente a bolsa e o porta-luvas e nada encon-
trou. Com impecável educação, D. Eudes indagou ao funcionário
do guichê se poderia pagar com cheque.
– Depende do chefe – foi a resposta.
Levado à presença desse, o ex-príncipe viu-se frente a um
homem alto e corpulento, cuja pele negra contrastava com o
branco imaculado da camisa. O atribulado viajante relatou o que
estava acontecendo, apresentou desculpas e reiterou a pergunta:
“Posso pagar com cheque?”. Com ar de quem está cansado de lidar
com motoristas avoados, o funcionário grunhiu a permissão. D.
Eudes preencheu e assinou a folha onde estava impresso seu nobre
e quilométrico nome: Eudes Rafael Gabriel Gastão etc., etc., de
Orleans e Bragança. Entregou-a e ficou esperando.
Depois de ler atentamente o que fora escrito, a sisuda auto-
ridade perguntou:
– O senhor é Orleans e Bragança?
– Sou.

46 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


– É da família imperial?
– Sou.
– Qual o seu parentesco com a Princesa Isabel?
– Sou bisneto dela.
Mudou a fisionomia do interlocutor, a carranca substituída
por um sorriso embevecido.
– Sua bisavó? O senhor é bisneto da Princesa Isabel, a Re-
dentora, a maior figura da História do Brasil? Muito prazer em
conhecê-lo, senhor príncipe!
O homenzarrão levantou-se e veio abraçá-lo. Depois, olhan-
do para a assinatura do perplexo contribuinte, concluiu:
– Deixe que eu pago o pedágio com meu dinheiro. O seu
cheque, eu vou mandar colocar em um quadro e pendurar na sala
da minha casa.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 47


CAPIM SECO

Maria do Rosário Cassimiro

Era esse o apelido daquele matuto, goiano do pé rachado,


nascido e vivido há quase 32 anos, lá pelas bandas das terras do
Campo Limpo, distante oito léguas de Catalão, cidade importante
do sudeste goiano. “A linha do Trem de Ferro, um dia vai chegar
lá” – diziam!
Capim Seco era pouco esclarecido das coisas e dos fatos.
Nunca havia saído do sítio onde nascera e vivia, e ali convivia com
gente tão ou mais ignorante do que ele próprio. Era um pobre coi-
tado. Analfabeto de pai e mãe. Contar? Só sabia com os dedos de
uma das mãos. Se fosse necessária a ajuda da outra, já se embara-
lhava todo. Do trabalho de roça só fazia bem feito o da capina e o
do arranque da mandioca. Os demais serviços da lavoura, não os
fazia bem, visto que esses requeriam certa habilidade. O plantio,
por exemplo, além de cavar a terra no ponto certo, depois de arada
por arados manuais, fazia-se necessário contar na mão e separar
com os dedos a quantidade de grãos necessários à germinação da
planta. Era demais para Capim Seco!
A cidade de Catalão era para ele apenas “a cidade”. Para
Capim Seco só havia, no mundo, o Campo Limpo e a “cidade”.
Quando tinha de sair do sítio onde morava, se não fosse para ir a
outro sítio ou a uma fazenda daquele rincão, era para ir à “cidade”.
Enfim, era da roça para a “cidade”, da “cidade” para a roça.

48 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Capim Seco era muito utilizado pelos moradores da região,
para levar recados ou objetos, de um lugar para outro.
– Capim Seco! Vai lá na fazenda do Chico Borges levar esse
dois tamboretes que eu fiz pra ele – dizia Dorvalino, o marceneiro
da redondeza.
Tarefas como essa e outras do gênero, Capim Seco as fazia
bem. Estava sempre levando alguma coisa ou algum recado de um
lado para outro.
Os caminhos que ligavam as fazendas ou os sítios da re-
dondeza, dizia-se, afundavam sob os pés do Capim Seco, pelas
inúmeras vezes em que os percorria, levando recados e mimos
dos rapazes casadoiros para suas prendas, quando namoravam
às escondidas, já que aos filhos, à época (meados do século XIX
e início do século XX), não se permitia escolher seu par para
casamento... principalmente às mulheres... mas, isso não vem a
este caso.
Certo dia, Chico Borges deu a Capim Seco uma missão es-
pecial: levar cinco contos de réis ao seu compadre Zorico Rosa,
morador da cidade goiana de Ipameri.
Zorico Rosa era dono da padaria da cidade, localizada na
Praça da Igreja do Divino Espírito Santo da bela Ipameri. Era mui-
to fácil encontrar.
– Capim Seco, quero que você vá a Ipameri levar cinco con-
tos de réis ao compadre Zorico. É o pagamento de uma dívida,
e não posso deixar passar do dia certo, conforme o nosso trato,
disse Chico Borges.
– Levar aonde, “seu” Chico?
– Em Ipameri.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 49


– Ipameri? Onde é isso?
– Depois de Catalão. É a primeira cidade depois.
– Uai, “seu” Chico, tem outra cidade depois da “cidade”?
– Claro que tem. Tem várias. Para Ipameri não tem erro. A
estrada é uma só, sem desvios nem vicinais. Você chegando, per-
gunta onde é a padaria. Todo mundo lá sabe. Não tem erro. Você
só tem de ter cuidado para não perder o dinheiro. Olha, que todo
cuidado é pouco – alertava Chico Borges.
Capim Seco não entendeu o que era “vicinais”, mas sem
querer inquirir mais, apenas perguntou:
– É uma estrada só até chegar lá?
– É uma estrada só – respondeu Chico Borges.
A tarefa era para o dia seguinte. Capim Seco naquela noi-
te não dormiu direito, preocupado com a importante missão.
Madrugou. Mal o sol nasceu, já estava na porta da fazenda do
Chico Borges.
– Uai, Capim Seco, já chegou?
– Já, “seu” Chico. Estou preocupado com esse negócio de
levar tanto dinheiro pra tão longe. Eu nunca passei da “cidade”,
ainda mais pra levar dinheiro graúdo.
– Não tem problema, não. Vai dar tudo certo. É verdade que
você vai ter de tomar muito cuidado pra não perder o dinheiro.
Dinheiro não é como dois tamboretes. Todo cuidado é pouco –
repetia Chico Borges.
Depois de uma tigela de café com duas fatias de bolo São
Benedito, que foram devorados com sofreguidão pelo nervoso
Capim Seco, deu-lhe, afinal, o fazendeiro um pacote de notas, até
novas, que perfaziam o valor de cinco contos de réis. Tudo emba-
lado em um pequeno embornal amarrado pela boca.

50 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


– Diga ao compadre Zorico que agradeço muito pela ajuda
que veio na hora certa e pela confiança depositada em mim. Espe-
ro, um dia, retribuir o grande favor.
Capim Seco pegou aquele pacote, com toda a firmeza da
mão direita, levando-o ao bolso, sem tirar dele a mão agarrada.
Vinha montado em um burro, já meio velho, mas ainda
bom andador, com o intuito de, já dali, iniciar rumo à desconhe-
cida Ipameri. Porém, antes, matutou:
– Vou voltar lá em casa e mandar a mãe costurar o bolso
pela boca, pra não correr o risco de perder esse pacote de dinheiro.
E assim fez. Terminada a costura da boca do bolso direito,
que continha os cinco contos de réis, iniciou Capim Seco a viagem
à desconhecida Ipameri.
E lá ia ele, assobiando uma velha canção sertaneja, mas
sempre preocupado com a espinhosa encomenda, e com muito
medo de perder a preciosa carga. E lá ia ele, apalpando sempre
o bolso direito para verificar se o pacote estava lá. Foi assim até
que chegou a Ipameri. Num certo momento, não acreditando em
suas próprias apalpações, resolveu apear do burro, descosturar a
boca do bolso direito e verificar, com seus próprios olhos, se o
dinheiro estava lá. Olhou. Estava. Mais tranquilo, e já quase fin-
dada a tarefa, voltou ao assobio, montando novamente e seguindo
até adentrar a tal Avenida Central e procurar a Praça da Igreja.
Achou! Já ia perguntar onde era a padaria do Zorico Rosa quando
resolveu apalpar mais uma vez o bolso direito... e foi aquele susto.
Não sentiu nada. Desmontou novamente, aflito, meteu a mão no
bolso, e, nada!
Havia perdido tudo!

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 51


CIENTISTAS QUE MUDARAM A
HISTÓRIA DO MUNDO

Martiniano José da Silva

Nesta fase historiográfica, tento desvendar e assimilar as


100 grandes coisas que ajudaram a mudar a História do mundo,
ora preocupando-me os famosos cientistas, homens e mulheres,
fascinantes, alguns brasileiros, onde já se nota a predominante
tendência machista, mostrando evidente discriminação de gê-
nero, aflorando a racial, contra o segmento étnico negro, já que,
por incrível que pareça, dos cem cientistas biografados, somente
George Washington Carver é negro, nascido escravo, nos Esta-
dos Unidos, durante a guerra civil americana. Ganhou bolsa para
a universidade Highland, em Kansas, logo recusado por ser ne-
gro. Mas que importa? Persistente, talentoso, sabia o que queria.
Assim, com o trabalho árduo e persistente, preocupado com os
estudos dos solos, na década de 1930, Carver já era reconhecido
como um dos maiores cientistas botânicos do mundo, certamente
ajudando a mudá-lo.
Tenho como fundamental as contribuições científicas de
cada cientista, ou os avanços e descobertas, às vezes anunciados
a um mundo cético e descrente. O certo, porém, é que muitas
descobertas, como a do médico, Hipócrates, com justiça, cha-
mado “pai da medicina” que, além de rejeitar a crença de seus

52 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


contemporâneos de que as doenças eram causadas por deuses
vingativos, foi a primeira pessoa no universo a separar medici-
na de superstição. Disse que toda doença tem uma causa natural,
chegando a admitir que “alguns pacientes recuperam a saúde ao
ficarem satisfeitos com a bondade do médico”, fato ainda presente
em nossos dias, justificando se poder dizer que a origem históri-
ca de Hipócrates, em terras gregas, segundo John Hudson Tiner,
ilustre autor do livro epigrafado, perde-se na noite dos tempos
(7580 a.C.-7500 a.C.).
Com os 100 cientistas prudentemente escolhidos, entre tan-
tos consistentes ensinamentos seculares, ficou claro que um avan-
ço em um campo científico “sempre” causou uma enxurrada de
atividades nos outros ramos da ciência, devendo ser por isso, cer-
tamente, que ninguém pode tirar da história da humanidade, so-
bretudo do mundo ocidental, as mais vivas realizações dos gregos,
deixando “eras” de grande progresso, como a que ocorreu na Gré-
cia Antiga (580 a.C.-200 d.C.). Felizmente, com a queda de Roma
em 476 d.C., os cientistas árabes mantiveram vivas as realizações
dos gregos, “enquanto a Europa caía na escuridão da Idade Mé-
dia.” Em que pese, foi assim que surgiu a primeira revolução cien-
tífica, evidenciando o período de 1450 a 1650, exibindo ao mundo
a intrigante e revolucionária prensa tipográfica de Gutenberg e o
oportuníssimo “abridor de caminhos” apelidado enciclopedismo,
proporcionando grandes avanços na história da cultura humana.
Pitágoras, estudioso da Grécia antiga, apaixonado pelo
conhecimento, que acreditava que o mundo é matemática por
natureza e que, de tão louco, para não dizer talentoso, principal-
mente em âmbito político, morreu no exílio em cidade italiana.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 53


Imaginem, Aristóteles, filósofo, cientista, educador, mestre e
monstro dos que sabem e que, aluno em academia de Platão,
decerto aprendeu ser essencial ensinar amor por alguma coisa. Pen-
sem, quantos séculos isso faz! Euclides, grego (7325 a.C.-270 a.C.),
que escreveu famoso livro sobre geometria, didático, chamado
“Os Elementos”, que tem sido usado continuamente por mais de
dois mil anos, nos ensinando a todos que não basta coletar fatos.
Arquimedes (7287 a.C.-7212 a.C.) que talvez tenha sido o mais
moderno entre os diversos cientistas da antiguidade e que usou
conceitos matemáticos investigando o mundo físico de forma
semelhante a Isaac Newton e outros cientistas do iluminismo.
Erastótenes, Galeno, também gregos.
Notem, Sigmund Freud, um dos pensadores mais influentes
dos tempos modernos, pioneiro do estudo do inconsciente, com
sua técnica de psicanálise, deixando três Ensaios sobre a teoria da
sexualidade, com emoções sexuais reprimidas, tornando-se mun-
dialmente famoso. Quanto avanço no âmbito sexual e psicanalíti-
co! Joseph John Thomson, o primeiro a descobrir uma partícula
menor que o átomo. Filho de um vendedor de livros. Albert Eins-
tein, considerado o maior cientista do século XX, entre outros
avanços, suas teorias, a especial e a geral da relatividade. Alexan-
der Fleming, extraordinário, descobriu a penicilina, o primeiro
antibiótico, causando grande progresso! O botânico Alexander
Von Humboldt, que financiou totalmente uma expedição cientí-
fica à América do Sul, coletando espécimes de plantas. Lavoisier
(Antoine Laurent), que declarou a lei de conservação da massa,
ficando a teoria ou sabedoria segundo a qual “nada se perde, nada
se cria” e que, após prisão, julgamento e condenado à morte, no

54 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


mesmo dia, foi levado à guilhotina. O corpo jogado em uma vala
comum. Ironicamente, dois anos depois, os franceses construíam
estátuas em sua homenagem.
Os brasileiros, Adolpho Lutz, médico, sanitarista que, como
cobaia, em perigosa experiência, comprovou que a transmissão da
febre amarela se dava através do mosquito Aedes Aegypti, tornan-
do-se, assim, bastante conhecido; Vital Brasil, com o primeiro soro
antiofídico polivalente, até o presente tratamento mais eficaz para
as picadas de cobras; Osvaldo Cruz, que erradicou a febre amare-
la, a malária e a peste bubônica; Carlos Chagas, sanitarista, com
bem-sucedida campanha de erradicação da malária em São Paulo;
Manuel de Abreu, com a radiografia em 35mm do pulmão para o
diagnóstico precoce da tuberculose; Mário Schenberg, pioneiro
da física e astrofísica no Brasil, descobrindo o chamado “efeito
Urca”, fenômeno ligado às estrelas supernovas; o padre e cientista
brasileira Roberto Landell de Moura, com as primeiras transmis-
sões radiofônicas do mundo; o jovem físico notável Cesar Lattes,
descobridor da partícula méson-pi, marcando o surgimento da
física das partículas, impulsionando a pesquisa no Brasil.
Pouco importa como esses dedicados autores assimilaram
e avançaram no conhecimento. Ouçam: Gilberto Amado (1887-
1969), em Depois da política, XXVI, escreveu que “A sabedoria é a
arte de subir ao mais alto de si mesmo”. Queria pensar assim. Ima-
ginem se incluíssem nessa inquietação intelectual, os 100 homens,
100 artistas, 100 invenções e as 100 mulheres que ajudaram a mu-
dar a história do mundo! Com suas múltiplas utilidades. Com cer-
teza, veria a enorme dedicação e trabalho que tiveram esses ilustres
historiadores, autores desses livros raros, merecendo registro: Bil
Yenne, com duas biografias, Barbara Krystal e Gail Meyer Rolka.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 55


COMO SE FORA ONTEM

Miguel Jorge

Ele olhou as casas, todas ainda com as mesmas cores, as


manchas do tempo deitadas sobre elas. Olhou as ruas, as mesmas,
compridas e mal-iluminadas, como se eternizadas em suas formas
de serem ruas, por onde caminhava apressada toda aquela gente.
Gente boa. Gente de fé. Algumas nem tanto, mais afeitas aos to-
ques das noites, saídas dos ventres das sombras.
O cérebro e o coração aclaravam aquelas lembranças.
Tudo distante e, ao mesmo tempo, tão perto. Que tempo era
aquele que corria sem que ele percebesse? E quando percebeu já
estava no passado.
Passaram-se as ilusões. Os primeiros olhares libidinosos. O
toque das mãos. O encontro de lábios, como sons cristalinos da
eterna primavera.
Os nomes daquelas flores ornamentavam suas inquietações,
nomes de meninas a se envolverem na amplitude de serem me-
ninas-moças. Sim, claro, andou por muito tempo em busca de si
mesmo. Algo o impelia a correr, a buscar, a pesquisar, a olhar-se
no espelho e se indagar: quem sou eu?
Eternizava-se no fundo de si mesmo. Percorria os sons das
vozes; ouvidos abertos aos conselhos da avó, do avô, dos pais.
Percorria, ainda, a voz de apelo, a ouvir sons da algazarra dos

56 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


meninos, na rua, gritando: hoje tem futebol no campinho. Ele
iria? Não tinha chuteiras, calção, meias, equipamento adequado
para o momento. Iria assim mesmo, escondido dos pais. De roupa
comum e de sapatos de couro. Apostava que daria boas bicudas
com ele.
Olhou para cima dos muros, para o alto e era lá que residia
o ponto mais forte de suas recordações. Tudo cristalino, igual aos
espelhos. Olhou para ela, a mangueira, sua companheira de so-
lidão: alta, frondosa, velha. Era lá, sim, na marca enverdecida de
seus galhos, que armava a trama para sua vida futura. Não, não
era uma trama fantasma; era, sim, um novo ritmo que comandava
seus pensamentos. O desejo de voar, procurar um vínculo para
dar à sua vida um elo de liberdade. Queria voar. E, voando, atra-
vessara pequena e humilde cidade, ganhar ares, espaço, conquis-
tar mundos. Ele consagrava a si mesmo esse desejo.
Por trás de suas palavras e desejos, podia-se ouvir o movi-
mento glorioso de seus passos. Os signos que regeriam seu des-
tino, como se, desses acenos de adeus, aquela vida pequena, com
fortes vestígios de pedras, de metal, de pátios vazios, de homens a
se moverem com seus corpos, suas almas, a cidade corroída pelos
cupins da corrupção. Via-se, aqui e ali, um ou outro prédio, como
insurreição de estranhos corpos entre pequenas casas de grandes
pomares. Ah, sim! A igreja, quase um abismo entre o céu e o in-
ferno, que sugeria mistérios de estranha grandeza.
Um vento frio percorreu seu corpo. Sabia que ele não podia
fazer girar o tempo com o sossego de anos atrás; nem colocá-lo
sobre seus pés, que ainda inventavam noites e sonhos e quimeras.
Ouvia, com a ternura da adolescência, frases, pequenas quadras,

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 57


poemas, erguidos no calor das tardes que chegavam. Que ele, ain-
da menino, voara tanto quanto lhe fora possível, suas asas crista-
lizadas de sonhos e fantasias. Que, um dia, de pouca lua, se vira,
sem remo e sem garantias, em frente ao mar ornamentado de on-
das, de azul, espumas brancas que, por vezes, se confundiam com
orações de sua própria alma. Chorara de emoção. Chorara por se
sentir apequenado diante daquele gigante que rugia entre pedras
e embarcações. Sim, Deus estava ali, em meio àquelas águas ver-
des de sal, a amparar seus medos. A beleza daquele instante a se
desmanchar com os ventos vindos do mar. As pequenas ondas a
se precisarem nas areias acinzentadas de musgos, pequenos cara-
mujos e peixes que se perdiam por lá.
Não, não se podia esperar nenhum retorno dos dias passa-
dos e que agora se despertavam dentro dele. Restavam somente as
lembranças, como se ele as olhasse de longe, com receio de tocá-
-las, e elas se perdessem em amarguras.
Agora, era um senhor a se perder aos sons das festas de sua
juventude. As marcas das pequenas loucuras, ao verdor dos vinte
anos, erguiam-se diante dele, cresciam, subiam altas, ultrapassa-
vam as casas, a mangueira, os dois ou três prédios, repletos de
grades e de longos corredores sombrios.
Ele estava novamente em frente ao mar aberto de suas lem-
branças, e chorava mais uma vez, como se preso à claridade dos
amados dias; das amadas recordações, as saudades, de um azul
sereno, a descerem fundas em sua alma.
Tudo tão pouco. Tudo tão desperto e tão longe demais,
como se o hoje fora ontem.

58 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


GALERIA MEMORIAL

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 59


60 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras
JOAQUIM BONIFÁCIO

Albatênio Caiado de Godói


(1893/1973 – 1º ocupante da Cadeira nº 10)

Com a morte de Joaquim Bonifácio, perdeu Goiás um dos


seus maiores poetas.
Nenhum goiano, de fato, o excedeu em elegância e pureza
no exprimir o pensamento sob a forma rimada.
Não apenas no verso: o jornalismo indígena deve-lhe tra-
balhos inconfundíveis. Foi redator de vários jornais que fundou e
manteve – sabe Deus com que sacrifícios!
Os seus escritos traem à primeira vista o autor. Sua pena
adestrada corre no papel com a segurança que os mestres impri-
mem pensamentos claros e largos, vasados em períodos sonoros,
de raro aticismo.
Morreu o poeta em pleno outono da vida; mas nunca pas-
sou, na realidade, da primavera. Teve, até o momento fatídico, a
inteligência em plena florescência.
Pessimista, pode-se dizer, entretanto, sem paradoxo, que
sempre foi um grande otimista. O seu pessimismo habitual era
uma forma dessa ânsia de perfeição, que morava no seu espírito
de escol.
Julgando os homens, tinha Bonifácio apóstrofes tremenda
contra a covardia moral do meio, os cambalachos, as acomoda-
ções, as hipocrisias.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 61


E que viveu num ambiente criado pela sua fantasia, num
mundo irreal, de ficções; daí as revoltas íntimas, os desesperos, as
agonias que os seus versos retratam.
Tenho, na retina, bem vivos, aqueles olhos azuis, azuis-
claros, como dois pedaços esmaecidos do céu.
Com que saudade e com que mágoa os evoco!
Goiás deve muito ao morto de ontem, que, grande na in-
teligência e grande na bondade, deixou por isso obras de valor, e
amigos inconsoláveis chorando a fatalidade de sua morte.
Exaltou sua terra com a publicação de trabalhos que hon-
ram a qualquer mentalidade – livros de versos, artigos doutriná-
rios sobre assuntos em foco no jornalismo e pesquisas históricas
referentes ao torrão natal, que idolatrava.
Não cabe, neste canto de jornal, a biografia de Joaquim Bo-
nifácio. Essa se escreverá com vagar e com o desenvolvimento que
merece.
Nem serei eu quem a faça!
Quero apenas derramar sobre o túmulo do amigo, do com-
patriota e do grande poeta e jornalista um punhado de flores hu-
milde homenagem à sua memória saudosíssima.
Deus esteja com ele no céu, como as musas estiveram com
ele na terra!

(Do livro: Do meu tempo)

62 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


PELAS BEIRAS DE RIO

Carmo Bernardes
(1915/1996 – 2º ocupante da Cadeira nº 10)

A primeira vez que fui ao Araguaia data de 1946. Foi a uma


viagem, da cidade de Goiás pra lá, no lombo de burro, a mando
duma Cia., a Fundação Brasil Central, de um programa do go-
verno, dito “Marcha para o Oeste”. Daí pra cá, até dias que é hoje,
nunca falhei um ano sem ir.
Nesse tempo, já tinha uma estradinha de auto, da cidade
de Goiás pra diante, que vim a navegar nela, de caminhão muito
depois. Ia a cavalo, de tropa, tocando cargueiro.
No ano de 1964, meu corpo chega a arrepiar de lembrar,
os milicos do golpe militar, de triste memória, me perseguiram,
queriam me prender, tive que me mudar, ir morar dentro da
Ilha do Bananal, virar sertanejo, para que eles pensassem que
eu era natural de lá. Foi o meio que encontrei de ficar livre dos
malvados IPMs.
O que eu acho deveras notável é que, no correr de todo esse
tempo, nunca vi gente morrer afogada no rio. Soube notícia de
alguns, até meus conhecidos, mas assistir a afogamento nunca as-
sisti. Ferrados de arraia, vi uns pares deles. A primeira vez, foi
numa ocasião em que fomos de caravana ao rio Tesouras, dessas
viagens que a gente ia de tropa. Para chegar lá na beira do rio,

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 63


um maranhense, desses sem pescoço, da cabeça enterrada, entrou
na nossa colundria. Ia montado num jumento, vestido calças de
couro de veado cervo que ele mesmo curtira, e o danado tinha un-
tado aquilo com banha do peixe pirarara, e, com o sol tinindo de
quente, aquilo fedia que fazia medo. Aquele maranhense, alegre e
gozador, chamava-se Ispirdião.
Chegamos ao barranco do Tesoura cedo ainda, dava tempo
de arrumar tudo antes de o cozinheiro concluir a fazeção do al-
moço. E, quando eu vi a quantidade de peixes que tinha lá nessa
ocasição e lembrei de comer piau frito, fui direto encher o chifre
mesmo não tendo comido nada para quebrar o jejum. Levei por
minha conta duas latas de dezoito litros de cachaça e passamos
numa tapera onde tinha um pé de jenipapo, desse amarelo. Botei
quatro bem madurinhos dentro de cada lata. E no vir sacolejando
com a marcha do cargueiro, os jenipapos derreteram, e a pinga
curtiu-os, ficou gostosa dum tanto que nunca mais vi igual. Lem-
brei de piau frito, fui logo dar início à carraspana do dia.
Esparramamos as cargas no areão da praia, cada um tra-
tando de ajeitar suas coisas num lugar, o Ispirdião acabou de
pear o jumento dele e veio a mim, pelado da cintura pra riba, e
falou assim: “Cadê a tarrafa? Me dá ela, xeu ir panhar os peixes
de fazer almoço!”
Dei a ele a tarrafa, fui acabar de armar minha rede no som-
brio de uma gameleira e, antes de concluir a arrumação do mos-
quiteiro, suando em bicas num calorão danado, o ajudante do
cozinheiro veio de lá correndo e foi logo dando a embaixada de
que o Ispirdião tinha sido ofendido: “O Ispirdião foi esporado de
arraia, e eles estão com medo dele morrer!”

64 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Assustado, corri lá para a beira do rio, de longe vi ele rolan-
do na areia, e os companheiros foram ajuntado, tiveram que pe-
gá-lo a pulso, levar pra den’dágua e dar nele um banho da cabeça
aos pés. Voltei correndo, panhei a caixa de remédios, coloquei na
seringa de dentista um tubo de anestesia, certo que aplicando no
pé dele a injeção, a dor braba ia passar. Que nada! Dei muitas agu-
lhadas em redor da cesura, gastei o tubo todo, o Ispirdião travou
os dentes, lágrimas desciam, entisicava o corpo, no nervão dos
braços e do pescoço podia tirar cabo de machado tamanhas as
catanas que levantavam, e logo ele começou a queixar, aos gritos,
que com a anestesia, a dor tinha saído do pé ofendido e subido
para as ririlhas, e doendo cada vez mais.
Daí a um pouco, ela sossegou mais, ferrou no sono, mas
dormiu derramando lágrimas e gemendo. Depois dessa, fiquei sa-
bendo que anestesia local não vale é nada para tirar a dor tetânica
de esporada de arraia.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 65


MANDUCA HERMANO

Claro Augusto de Godoy


(1896/1986 – 1º ocupante da Cadeira nº 25)

Foi com muita consternação que recebi a notícia do desa-


parecimento do velho amigo Manoel José Hermano, nosso caro
Manduca. Epílogo doloroso de um acontecimento esperado, mas
inconformável. E meu pesar cresceu ainda mais por causa de mi-
nha incúria, aliás, involuntária, de haver deixado de realizar antes
o que só agora estou tentando fazer.
Desejaria que ele, ainda em vida, lendo impressa no jornal
ou de outrem ouvindo, se ler não pudesse – tivesse a consciência
perfeita e tranquila da importante missão social que, sem o sentir
e sem o saber, esteve a desempenhar na sua atividade laboriosa e
de real utilidade coletiva.
Gostaria, outrossim, de recordar acontecimentos de nós
conhecidos e, também, em razão deles, exaltar-lhe a inspiração
feliz de haver, com a remoção de dificuldades quase insuperáveis,
largado, de uma vez para sempre, aquela vida rotineira da locali-
dade de onde veio, vida arriscada, de ameaças e de perigos que o
rodeavam e à sua família. Mesmo porque a insídia política roceira
daqueles tempos sempre encontrava motivos fatais que só mesmo
sua saída de lá poderia dominar.
Animava-me, ainda, poder dizer-lhe da sorte de terem todos
encontrado ambiente apropriado e acolhedor para revelação de
tantos valores latentes que estariam encobertos em tão modestas

66 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


criaturas, se por lá permanecessem, à carência de meios de expan-
são. E lembraria a citação da doutrina filosófica do fatalismo his-
tórico, que lhes esteve sempre presente, evocando, por outro lado,
a sabedoria gaulesa que se traduz no brocardo de que “a quelque
chose malheur est bon” .
Pois é certo que, não fossem os deploráveis acontecimen-
tos do antigo São José do Duro, a face do destino de sua família
e do seu próprio não poderia, talvez, sofrer tão radicais trans-
formações.
Agora, porém, estamos diante de um fato consumado, ir-
remediável, e somente a dileta e ilustre primogênita do casal, ora
esfacelado, poderá alcançar com segurança o pesar de que estou
possuído, na tentativa de extravasá-lo nestas sentidas linhas.
Quero crer que, em qualquer sentido, seja na preservação
da vida e da saúde, seja das áreas econômico-sociais, seja, inclu-
sive, dos torneios culturais, benéfica e benvinda a mudança dos
Hermanos e dos Britos para estas outras plagas.
Vou deixar de lado os outros dois irmãos Hermanos, que
tanto conhecia e estimava – José e Leopoldo. O primeiro, já ultra-
passada idade acadêmica normal, se fez bacharel, advogado, pro-
motor e juiz, e a rara habilidade de Leopoldo, no artesanato e no
manejo dos segredos do ouro, com sua proficiência, faria sucesso
em qualquer parte do mundo.
É, entretanto, do morto de ontem, do saudoso Manduca,
que me cumpre lembrar a figura, a imagem daquele que, sob qual-
quer aspecto por que se o encarasse, seria encontrado o grande
patriarca, cujo traço predominante foi, sem dúvida, a bondade,
Qual idade por si só capaz de superar todas as demais que se exi-
gem para qualificação do homem de bem. E como ressoa bem aos
ouvidos o tom agradável que despertam essas expressões.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 67


Na família, foi aquilo que nem se precisa repetir, por ser de
ciência de todos os que com ele privaram ou tiveram, mesmo de
leve, qualquer aproximação com seus membros. Sabe Deus à custa
de quantos sacrifícios logrou educar, na mais alta expressão dessa
palavra, a luzida, inteligente e querida filharada, desfalcada, não
faz muito tempo, da caçula Francisquinha, cujas saudades ainda
dominam os corações de todos os que gozaram de sua amizade ou
mesmo leve conhecimento.
Mas minha intenção principal é dar realce ainda maior à
ação que Manduca exerceu na sociedade goiana, principalmente
quando seu lar se erigiu em Quartel General dos filhos do Norte,
que ali se abrigavam como membros da própria família.
E quais eram eles? Poderia eu incorrer em omissões injustas
se aos mesmos me referisse nominalmente. Eram elementos que
hoje dão destaque a importantes postos na sociedade, na política,
nas letras e em outras atividades.
Sua casa não era uma República de Estudantes, como a que
houve outrora na antiga Capital, cujo nome eu qualificara de ina-
dequado, por ser conhecida como de “nortenses”. A de Manduca
era uma só família que vivia sob o regime do patriarcado com
um chefe, cujo falecimento ora tanto deploramos. Lá, imperava o
respeito, a ordem, o carinho que se traduz no calor humano, tão
necessário e que tanto bem faz aos moços forçados a permanecer
longe de sua família,
A par de todos esses predicados, saliente-se, ainda, a fibra
de lutador que, em sua trajetória de trabalho, sacrifício e pobreza,
soube, paralelamente, educar com desvelo e carinho uma plêiade
de filhos e coestaduanos, que tanto têm sabido dignificar as posi-
ções a que estão alçados.

(Do livro: Fragmentos do Passado)

68 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


E A VOVÓ TORCEU CONTRA O BRASIL

Eliezer José Penna


(1925/2018 – 2º ocupante da Cadeira nº 5)

No dia da Copa do Mundo de 1950, o Brasil amanheceu


em festa. Estávamos inaugurando o Maracanã, o maior estádio
de futebol do mundo e, no jogo da tarde com o Uruguai, apenas
um empate garantia o título ao Brasil. Os jogos anteriores foram
um passeio para nossa equipe. Com exceção apenas da Suíça, as
demais partidas foram vencidas de goleada.
Naquele tempo, Goiânia ainda não tinha recebido o benefí-
cio da televisão. Eu morava na Rua 68, no Bairro Popular e, de vez
em quando, paquerava pela rádio as últimas notícias do grande
confronto. Mas, que tristeza: pouco antes do começo do jogo, a
energia pifou e eu fiquei desesperado! Não poderia deixar de ou-
vir a transmissão do encontro do século.
Súbito, tive uma lembrança: no Hotel Santo Antoninho,
três quadras acima, havia um belo rádio, que os clientes ouviam
diariamente com toda atenção. O dono do estabelecimento era o
Teodorico José da Silva, técnico do Araguaia Esporte Clube que,
mais tarde, se transformaria no Vila Nova, moradia de vários jo-
gadores, o Capitão, o Gato, o Wando, o Tomás, o Luizinho e Ou-
tros que formavam a grande equipe. Na verdade, o Araguaia era
uma verdadeira máquina de jogar futebol, que estava na ponta
do campeonato.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 69


O rádio estava ligado, os locutores da Rádio Nacional, Jor-
ge Cury e Antônio Cordeiro, iniciando a transmissão da grande
disputa que teria início dali a alguns minutos. O grande salão es-
tava deserto. Todos saíram para os bares vizinhos, a fim de ouvir
a transmissão histórica saboreando a deliciosa cerveja servida em
Goiânia, que, nesse tempo, vinha de Ribeirão Preto.
Naquele local, solitário, mas nervoso, eu ouvia o jogo sozi-
nho, quando, saindo da cozinha, aproximou-se a sogra do Teodo-
rico, dona Sinhana.
– Posso ouvir o jogo com o senhor? – perguntou a velhinha.
– Será um prazer – disse eu.
A sogra do técnico no Araguaia sentou-se. Emoção total,
o jogo havia começado. Um simples empate daria o primeiro tí-
tulo mundial de futebol ao Brasil. Mas, coisa estranha: notei que
minha companheira de audiência estava torcendo contra a sele-
ção brasileira. Estava sempre silenciosa, tanto que, quando Friaça
marcou o primeiro gol brasileiro, ela não vibrou.
Que tragédia! Primeiro foi o gol do Schiafino e, depois, a
hecatombe que desabou sobre 200 mil brasileiros que lotavam o
estádio, com a histórica conclusão do Gighia, que garantiu a vitó-
ria do Uruguai. Mas que coisa estranha: enquanto eu, espantado,
não acreditava no desastre, a velhinha dançava na sala, sacudindo
os braços e exclamando:
– Eu sabia, eu sabia: o Teodorico é um grande técnico, e eu
sabia que o Araguaia acabaria derrotando o Brasil!

(Do livro: Política & Políticos – divergências & contingências)

70 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


JEROMA DOIDA1

José Asmar
(1924/2006 - 3º ocupante da Cadeira nº 35)

Lembro-me: a noite era fria, e a cidade, suja. De poeira aco-


modação. No largo, o eco se tornava maior. Por isso, criança, ou-
via o grito de Jeroma Doida rilhando o espaço, repetido, parecen-
do chegar até ao céu destampado, com estrelas alumiando mais
do que luzes dos postes – sinais de uma técnica desfavorecida e
elementar.
Não era grito de dor, isso não. Nem de desespero. Se se pode
comparar, poderia ser um berro sem sentido, saído da vontade de
uma louca sozinha, pois morava a Jeroma, num casebre feito por
ela mesma, de tábuas pregadas sem estética e telhado falho, con-
forme todo mundo constatava de dia.
Servia o grito – ou o berro – de Jeroma Doida para espantar,
antes de tudo, crianças malcriadas.
Mas como ela apareceu e instalou-se no terreno, descom-
promissada com a propriedade e com a implicância municipal?
Ninguém forneceu memória para tanto. Jeroma foi vista e
sentida assim mesmo, adulta, negra e com um pano alvo (sem-
pre limpo, diga-se) a cobrir-lhe a cabeça miúda. Com o tempo,
1
Quando foi publicada a crônica, em 1983, sob título Jerônima Doida, a historiadora de Anápolis,
Haydée Jayme, lembrou ao autor: a corruptela Jeroma corresponde mais exatamente à lembrança
de todo mundo. Pois seja Jeroma.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 71


pelo jeito e pelos gritos sem propósito, foi que lhe fizeram da
doença o sobrenome.
Verdade seja dita: Jeroma Doida nunca escorraçou menino.
Acho que ela até estimava cachorro. Tinha um. Ou um que,
de destino irmão, acostumou-se a sua figura esguia, a seus repen-
tes, a suas danações.
Como ela comia?
Justifica-se, pois não: a solidariedade humana funciona bem
melhor nos lugarejos acanhados e sem notícia que faz propaganda
de coisa ruim. Levavam-lhe sobras, com certeza. Porque Jeroma
Doida evitava correr de casa em casa, como outras chamadas fi-
guras populares.
E, mais: era sabido que ela se alimentava, já que anos a fio
resistiu às intempéries e aos arroubos do progresso, chegante aos
pouquinhos, lerdo, mas saudado bombasticamente pelo jornal
domingueiro e por quantos se habituaram a percorrer as raras
ruas, com limite à vista, logo ali, cujo transpasse comprometeria
intenções e despertaria desconfianças irreparáveis.
Jeroma Doida gritava. E o eco de seu grito – ou de seu
berro, era, depois, seu dueto. Enchia o terreno de mato curto,
um terreno ousadamente denominado baldio para corrigir ex-
pansões suburbanas.
Então, quando chovia, a água musicando notas líquidas nos
telhados melhor arranjados, a gente pensava nas goteiras do case-
bre de Jeroma Doida.
– Agora, o pano-de-cabeça dela vai ficar sujo.
Não ficava. E tínhamos o direito de acreditar que a louca
vencia a crise com um grito mais agudo e forte, revelação de um
sofrimento sem diagnóstico nem tratamento.

72 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Pois Jeroma sumiu assim como apareceu. Sem testemunhas
que depusessem satisfatoriamente sobre sua vida e seu rumo.
Homem, agora, a cidade em metamorfose, com ruas, aveni-
das e praças asfaltadas, edifícios ganhando altura, no insulto ver-
tical ao espaço dificultado às moradias horizontais, procuro saber
de Jeroma, a que tinha doença por sobrenome.
– Sumiu!
Em seu lugar, no chão outrora livre, construiu-se um banco
e instalou-se uma radioemissora; montou-se, inclusive, um super-
mercado.
– E cadê Jeroma?
Quem pode responder? O povo se renovou, como se re-
novaram os costumes e as ambições. Talvez até Jeroma Doida se
apagasse no tempo e no espaço, quieta e humilde, diminuindo-se
com seus gritos, acabando-se dentro da história cumprida e feita.
Ou, talvez – o que é mais provável – até virasse, ela própria, pedra
fundamental de tudo o que se fixou em cima, com barulho de co-
municação grande e instrumentada.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 73


NO TEMPO EM QUE DINHEIRO
NÃO ERA NADA

José Sizenando Jayme


(1916/1994 - 4º ocupante da Cadeira nº 8)

Quando papai se mudou para Anápolis, em 1923, Joaquim


Gomes Pinto (1890/1942), já era comerciante na cidade, tendo
vindo de Bonfim para Anápolis, onde foi competente professor,
aliás profissão tradicional em sua família. Eu, quando menino, já
o conheci apenas como negociante.
Fomos seus vizinhos. Papai alugou, ao lado dele, uma gran-
de casa, conhecida outrora por “Casa de Manuel Teodoro”, situada
na esquina do Largo de Santana com a Rua 10 de Março. Hoje di-
zem Praça de Santana. Não gostei da inovação. Largo, para mim,
tem mais poesia, cheira a saudade...
A casa de Manuel Teodoro Batista, que era comerciante de
calçados, foi demolida. Logo abaixo dela, ficava a loja e residência
de Joaquim Gomes Pinto, cunhado de Manuel Teodoro.
Mas tudo mudou, em Anápolis, nos últimos 60 anos. De-
sapareceram não só as duas casas, como as demais, até a esquina
da Rua Cel. Batista e, no lugar, existem agora dois postos de ga-
solina. O antigo Largo de Santana minguou muito, pois os Padres
Franciscanos acabaram com a metade dele, construindo igreja,
convento e escola. Hoje, essa ex-metade do Largo de Santana dá

74 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


frente para a Avenida Goiás, Rua 10 de Maio, Rua Arinesto Pinto
e Rua Barão do Rio Branco.
Joaquim Gomes Pinto deixou muitos filhos, mas só um deles
famoso, no folclore anapolino. Soube que faleceu há poucos anos,
com cerca de 80 janeiros. Chamava-se Antônio Gomes Pinto, sol-
teirão e cheio de manias. Uma delas: sempre usou boné e chinelos.
Possuía uma tipografia muito ruim e editou, durante vários lustros,
um jornalzinho meio anarquista e meio comunista, A Luta, sempre
às voltas com a polícia, nos tempos do Estado Novo (1937-1946).
Tanto o jornal quanto a tipografia davam prejuízos, o que
pouco incomodava ao dono, que os tocava para frente, mesmo
empurrando de barriga... O Pinto, tipógrafo e jornalista, não era
lá muito de pagar os viajantes de papelaria. De vez em quando, um
deles, novato na zona, aparecia com duplicatas vencidas, velhas,
quase caducas e indagava pelos devedores: A. G. Pinto, A. Gomes
Pinto, Antônio Gomes Pinto, Indiapim S.A. E descobria, estupe-
fato, que eram todos a mesma pessoa: Antônio Gomes Pinto, mais
conhecido como “O Pinto d’A Luta”.
Mas, voltemos ao pai dele, ao comerciante:
A casa de Joaquim Gomes Pinto era semelhante a muitas ou-
tras da época, isto é, residência e loja. Na frente, no centro, ficava a
porta principal, que dava para um corredor. Entrando neste, logo
à esquerda, uma porta para a sala de visita; e, à direita, outra porta
abrindo-se para a loja. No meio do corredor, terceira porta. Trans-
posta esta, continuava o corredor e, finalmente, se desembocava na
varanda (sala de jantar), cheia de portas, pondo para os quartos e a
cozinha. Não havia banheiro nas casas de então. Tomava-se banho
geral, nos quartos, em grandes bacias, geralmente aos sábados. Pes-
soas mais asseadas, tomavam, à noite, banho de assento, isso dia-

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 75


riamente. A privada, quando havia, era um buraco, no fundo do
quintal, coberto por assoalho de pranchões, dentro de um cômodo
insignificante. Era a “casinha”. Na maioria das residências, porém,
sendo enormes os quintais e muito arborizados, fazia-se o “serviço”
detrás das bananeiras. As galinhas cuidavam do lixo...
A casa de Joaquim Gomes Pinto tinha, além da principal,
duas portas de loja e quatro janelas. Entretanto, havia uma pecu-
liaridade: as portas da loja jamais eram abertas. O freguês entrava
nela pela porta que, da loja, dava para o corredor, porta de duas
folhas, uma delas sempre fechada... Para clarear um pouquinho a
loja, uma das portas de frente tinha a folha serrada, na altura de
lm80cm. A parte superior, pequena, formava uma espécie de jane-
linha, que oferecia alguma claridade ao cômodo da loja.
Joaquim Gomes Pinto era totalmente maníaco. Nunca saía
de casa. Alto e magro, deixara crescer a barba rala. Não tomava
sol, motivo por que sua pele, muito alva, era pálida, meio amare-
lada. Possuía voz pausada e grave, de uma tonalidade tendente ao
baixo. Era homem de certa cultura.
A meninada da vizinhança tinha medo dele.
Quando alguém, na cidade, saía à procura de determinada
mercadoria e não encontrava, ouvia sempre:
– Não achou em loja nenhuma? Vai lá no Joaquim Pinto,
que ele tem.
E geralmente tinha mesmo...
Certa vez, um roceiro bateu à cidade, em busca de uma san-
fona, pois se aproximava a época das folias e pagodes. E nada!
Ninguém tinha sanfona para vender. Ouviu o conselho e foi à loja
de Joaquim Pinto. Entrou no corredor e daí passou à loja. Era de
tarde, e o cômodo estava quase às escuras.

76 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


O comerciante parecia ausente. Ledo engano! Da sobrelo-
ja, por um pequeno orifício redondo, na parede de tábua, pouco
maior que uma moeda grande, estava ele de vigia, olho pregado
no buraquinho... Saiu de lá e veio atender o freguês. O roceiro es-
tava distraído e levou um susto danado, quando ouviu aquela voz
cavernosa a dizer-lhe:
– O que é que o senhor deseja, seu moço?
Refeito do susto, o jeca perguntou:
– Seu Joaquim, o sinhô tem sanfona p’ra vendê?
Veio a resposta esperada:
– Tenho, sim senhor.
Ato contínuo, alcançou, da prateleira, bela sanfona Hohner,
importada da Áustria, naqueles tempos. E colocou-a sobre o bal-
cão. O roceiro pediu licença para experimentá-la, desabotoou-a,
esticou o fole e dedilhou os teclados. Estava perfeita.
E veio o diálogo final:
– Quanto custa, seu Joaquim?
– Cincoenta mil réis.
– Está cara, seu Joaquim! O sinhô não fais uma diferença?
– Não posso, seu moço. É o último preço.
– Então, eu vô levá assim mesmo.
Foi aí que uma coisa quase inacreditável aconteceu:
– Olha, seu moço, o cometa1 passou aqui, no mês passado,
e fiz-lhe uma encomenda de seis sanfonas. Quando eu receber as
outras, posso vender-lhe esta. Se eu lhe vendesse a sanfona, agora,
ficaria sem estoque!
1
Cometa: Viajante comercial de firmas atacadistas de São Paulo, Ribeirão Preto e Rio de Janeiro.
Isto antes do advento do automóvel. O viajante aparecia na cidade, vendia e sumia, para voltar seis
meses depois, a fim de receber a conta velha e vender de novo. Veio, desse costume de ir e vir, o
apelido de cometa.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 77


A FESTA DE BARRO PRETO (1938)

José Xavier de Almeida Júnior


(1902/1979 – 1º ocupante da Cadeira nº 13)

Quando vamos a uma romaria, é que nos ocorre ao espírito


meditar na extravagância dos meios de que se utiliza Deus para
manifestar a sua graça.
De tal maneira se entrelaçam o canto religioso e a canção
canalha, a generosidade e a ganância, a devoção e o sacrilégio, a
crença e a superstição, que o olhar pasmado e o ouvido surpreso
não sabem o que transmitir ao cérebro.
Certa vez, estive em palestra com um sacerdote, que se ga-
bava de saber levantar as festas.
Como eu ignorasse o significado da expressão, ele entrou
em detalhes, acentuando que é necessário impressionar os sen-
tidos das massas incultas, para depois, aos poucos, sublimar em
sentimento religioso, o atavismo fetichista de dois terços forma-
dores da nossa raça.
É necessário falar ao índio que doura a pele das nossas ca-
boclas e ao negro que ondula o cabelo das nossas morenas. E há
muitos homens respeitáveis que sentem uma saudade ancestral
de prazeres plebeus e vão às romarias exatamente para expandir
esses confusos apetites recalcados. Assim, para levantar uma festa,
é necessário atender a esses variados motivos que levam os indiví-
duos a formarem uma turba.

78 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Já disse, aliás, um velho político nortista, serem necessárias
três cousas para fazer um lugarejo: capelinha, cachaça e mulher.
Se uma relativa liberdade levanta as festas, é provável que
o excessivo rigor as venha matar ou lhes determine a emigração
para outros pontos.
Há qualquer cousa de bárbaro e divino na reunião heterogê-
nea de pessoas, de classes e lugares os mais diversos, triplicando a
população de uma pequena cidade e lhe trazendo, numa semana,
dinheiro suficiente para que os seus habitantes se mantenham du-
rante um ano.
É uma feira singular. Feita de bugigangas, de lembranças da
festa, de jogo, feira livre do amor em certos trechos de rua...
Dentro da igreja, que poderia ser um templo, se o dinheiro
não fosse mandado para o exterior, é recolhido o óbolo denomi-
nado pé-do-altar.
Ouvi dizer que, frequentemente, passa de cem contos de réis.
Houve uma demanda canônica entre o Bispado e a Congre-
gação do Santuário do antigo Barro Preto, hoje Trindade.
Correu muita tinta no papel, os arrazoados chegaram até
Roma e resultou que a Congregação passaria a receber apenas vin-
te por cento, ficando a outra parte para a Diocese.
Foi uma solução útil, pois as rendas da Arquidiocese Goiana
estão sendo principalmente aplicadas na fundação de colégios de
ensino secundário.
Qualquer brasileiro, de Goiás ou de outro Estado, preferirá
esse emprego do dinheiro no próprio país à sua remessa para o
embelezamento de templos no exterior.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 79


Aplicado ao ensino, o óbolo que, em parte, deriva mais da
superstição do que do sentimento católico do povo, reverterá em
benefício desse mesmo povo, transfazendo, pela instrução, as for-
mas obscuras da fé, no sentimento religioso indispensável à for-
mação moral das gerações futuras.
Na própria Trindade é que o benefício é apenas indireto.
Há uma rua modernizada (abaulamento e sarjetas), uma
escassa luz elétrica. No mais, há muita poeira nos becos e vielas
antiquadas. E a falta de água é tremenda...
Mas até Roma não se fez num dia.
Mesmo que eu tivesse tempo de descrever o que vi na Festa
da Trindade, não valeria a pena, pois ninguém teria a paciência
de ler.
Usemos, no entanto, para fixar alguma causa, aquele estilo
que antigamente se empregava nos sumários e, hoje em dia, co-
meça a ter foros de literatura. Estilo que ora dispensa o verbo, ora
o sujeito, ora o complemento e, em matéria de pontuação, utiliza
apenas o ponto ou a vírgula.
Barracas em todos os quintais. Atrás de um muro quebra-
Casais caminhando no rumo dos cerrados. Gente dormindo
debaixo das árvores mais frondosas.
Barracas em todos os quintais. Através de um muro quebra-
do, um homem nu da cintura para cima faz a barba. Outro segura
o espelho. Um pouco para o fundo, um caldeirão fumega sobre
três pedras, servindo de fogão.
Cada casa, cada portão das duas ou três ruas convergindo
para o Jardim da Igreja, se converte numa pequena loja, onde se
vende de tudo. O Jardim da Igreja é também chamado de Praça.

80 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Há numa esquina o nome de um dos últimos heróis. Quando
acontece no país uma perturbação da ordem, as placas e os nomes
são mudados. Todo mundo prefere referir-se ao Jardim da Igreja.
Cansa menos a memória.
Dois velhos amigos se encontram. Farrearam juntos, há
quinze anos. Vão beber, para lembrar os tempos idos. Um deles
almoçou numa pensão de mulheres. E conta:
– A dona tem o sobrenome de Bagunça. Três mulheres, em
cada quarto. Camas de solteiro, para o amor venal. Os escrupu-
losos se revezam. Dois casais efêmeros no corredor ou na sala de
beber, um no quarto. Quando a embriaguez é maior, três casais, ao
mesmo tempo, em cada quarto.
No terreiro, um tablado, coberto de folhas de buriti. Uma
espécie de Jazz-Band desloca a sanfona.

Noutras pensões, é sanfona mesmo.


Frango, a vinte mil réis.
Banda de leitoa, a cinquenta.
As bebidas, pelo triplo do preço comum.

Quem está na farra, não vai ao circo. Cadê tempo? Já está


cheio.
No cinema, um camarada grita na porta que a fita é de cow-
boy. Um garoto conta, nos quadradinhos dos anúncios, o número
de murros que o herói aplica. Dezoito. A fita é boa. A festa é
sempre no primeiro domingo de julho.
No sábado, queima-se o castelo. Fogos de artifício. Rojões.
Bombas. No meio de uma das rodas luminosas, aparece a imagem
da Santíssima Trindade ou Divino Padre Eterno.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 81


No domingo, a missa. O que se enche não é só a igreja, mas
a praça toda e as ruas adjacentes; ao escurecer, a procissão.
Os sinos bimbalham. O perfil das imagens desaparece na
sombra da noite. Impossível de organizar o povo em alas. A pro-
cissão se desloca dentro da turba, como certos afluentes de água
mais carregada conservam a cor, durante algum tempo, depois de
se lançarem no rio principal. Distingue-se a procissão pelo ponti-
lhado de luz das velas e dos rolos de cera.
Passa uma turba de virgens. Passam anjos, transportados
pelos pais ou pelas mães. Passam homens com uma pedra na ca-
beça, o torso desnudo, a camisa ao braço. Passam, de pés no chão,
moças bem-vestidas e meretrizes famosas de Goiás, do Triângulo
e de Ribeirão Preto. Passam mulheres e homens, trazendo na ca-
beça, ora um pote, ora uma tábua com velas acesas, variando de
três a sete, ou em número de quatro, uma em cada nó de um lenço
amarrado sobre os cabelos.
Há romeiros cumprindo a promessa de virem a pé desde a
cidade natal. Há os que vêm de carro de boi, de automóvel, ou de
caminhão.
Há os que fazem promessa de vir a pé, ficando sem falar
desde o ponto de partida até depois da missa da festa. Muitas mu-
lheres quebram essa promessa no meio da viagem e precisam re-
peti-la no ano seguinte.
Outros permanecem um ou dois dias num dos córregos, an-
tes de chegar à cidade, oferecendo aos passantes água numa cane-
ca. Bebam na minha caneca.
Alguns o fazem com um pote à entrada de igreja.
Outros se envolvem num lençol e se estendem a fio compri-
do diante do santuário, a fim de que passem por cima deles os que
chegam para a missa ou para as novenas.

82 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Existem promessas extravagantes que se tornaram
corriqueiras.
Chavões de promessa. E existem promessas originais, que
brotam na fantasia de um qualquer numa hora de aperto.
Uma das sacristias é a sala dos milagres.
Modelos em cera, representando braços, pernas, feridas.
Retratos. Quadros grosseiros. Desenhos de principiantes, repro-
duzindo algum acidente em que foi invocada a proteção do Divi-
no Padre Eterno.
Muitos romeiros pedem aos padres para benzerem uma fita
de seda em que tomaram a medida da imagem venerada e a con-
servam pela vida toda num bentinho ou na carteira.
No tempo das tropas, foi uma festa notável que reuniu, nos
pastos em redor do Barro Preto, cinco mil cavalos. O nome de
Barro Preto veio de umas pequenas lagoas, que marginavam a es-
trada salineira, pouco antes da chegada à povoação. A lama dessas
lagoas é preta.
Agora, com os caminhões e a população mais densa no sul
do Estado, a romaria atrai cerca de trinta mil pessoas.
Às vezes acontecem desastres de automóvel, nas estradas,
onde a poeira e um começo de farra à noite chegam a perturbar a
visibilidade.
Outras vezes, um boi manso de carro estranha o burburi-
nho e dispara pelas ruas estreitas, matando, sob as patas, senhoras
e crianças.
Um caso desses poderia ser chamado de milagre às avessas.
Ao redor da igreja agrupam-se os pedintes, lacerados por
todas as mazelas. Cena que move ao mesmo tempo o asco e a pie-
dade, a generosidade e o receio. E faz pensar que seria tão simples

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 83


construir um galpão, um esboço de asilo, onde ficassem isolados
todos aqueles enfermos, encarregando-se padres ou congregados
de lhes angariarem a esmola.
Ninguém melhor que o próprio Cristo definiu a situação.
“Dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”. A crença
não exclui a necessidade da profilaxia e da higiene. E esses doentes
de moléstias contagiosas, do mal de Hansen principalmente, na
sua peregrinação a pé e na sua permanência em torno da igreja,
constituem uma sementeira humana de cruéis enfermidades.
Mas, no Rio de Janeiro, nota-se a mesma coisa na Festa da
Penha.
Na índia se observa o mesmo fato nas águas do Ganges. Os
muçulmanos vão a Meca.
E até os materialistas fazem romarias às Feiras Internacio-
nais de Amostras.
A humanidade sente o atavismo das grandes migrações das
épocas primitivas. Há muito nomadismo adormecido até nos po-
vos que mais se interessam pelo conforto das habitações e pela
estabilidade da vida.
Evitados os abusos, como o da mentecapta que foi denomi-
nada Santa dos Coqueiros, as romarias são de grande utilidade.
Foi notável o movimento de peregrinos, vindos de outros
Estados, que aproveitaram os dias de falha em Trindade para vi-
sitar Goiânia.
Roceiros dos municípios mais remotos puderam contemplar
a cidade moderna, que se ergue em pleno Coração do Brasil. Ou-
viram os motores, e seguiram com os olhos o voo dos aeroplanos.

84 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Há uma educação direta, que nasce da observação e cami-
nha mais rapidamente do que a aprendizagem do alfabeto.
É nas viagens, nas romarias, nas feiras de amostras, que se
exerce a instrução que invade o cérebro de golpe, pela vista, pelo
ouvido, pelo nariz, pelo tato, pelo gosto, instrução que se grava
na memória antes do conhecimento das letras. Instrução parecida
com a dos barões feudais da Idade Média, que tudo conheciam da
arte da guerra, e não sabiam ler.
Um pouco de higiene, como já existe aqui, em Anápolis,
pela Festa do Bom Jesus, graças ao Asilo São Vicente de Paulo e ao
espírito compreensivo do Cônego Pitaluga, e a Festa da Trindade
continuará a incentivar a devoção dos romeiros, a divertir os pân-
degas, a instruir os curiosos e a atrair, pelos três motivos, os que
são, ao mesmo tempo, farristas e observadores.
Aliás, a culpa não é dos padres. Dizem que um antigo chefe
político local contava entre os seus padrões de glória ter forçado
pela sua influência junto ao governo estadual a renúncia do pri-
meiro Inspetor de Higiene de Trindade, que iniciava com profi-
ciência e patriotismo o exercício de um cargo não remunerado.
Isso aconteceu na República Velha. Mas até no Estado Novo os
Inspetores de Higiene não encontram apoio no Executivo nem
compreensão no Judiciário goiano. Em desculpa desse estado de
coisas, acrescentemos que, mesmo na esfera federal, as campa-
nhas sanitárias só foram possíveis, quando os seus chefes tiverem
poderes ditatoriais, como Osvaldo Cruz e Clementino Fraga.

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O ASNO E O GENIAL

Leolídio Di Ramos Caiado


(1921/ 2008 - 1º ocupante da Cadeira nº 27)

Desde criança Asnomar distinguia-se pelos gestos bru-


tais, de caráter irascível e de linguajar grotesco. A sua con-
duta chimpanzeana lembrava o brucutu das cavernas de pas-
sados tempos. Sem justo motivo, sentia prazer em brutalizar
as dóceis criações domésticas. Quando entrava nos currais, o
gado, apavorado, só faltava subir nas cercas. Os animais de sela
quando montados, esporeados, saltavam muito sob a chibata
de Asnomar, que era peão mestre e não caía. O proceder de As-
nomar justificava a sua alcunha Asno, que assim passou a ser
chamado. Quando mandava para o ar estridentes gargalhadas,
parecia o relinchar equino ou o rugido de uma fera. De força
invulgar, de esqueleto vigoroso, de respei­tável robustez física,
era resistente tal qual o boi selvagem.
O Asno tornou-se conhecido. A alcunha lhe assentou muito
bem e ninguém mais o conhecia pelo seu pomposo nome, Asno-
mar, que faz lembrar o cavalo-marinho.
Na propriedade de seu pai nasceu um animalzinho de ore-
lhas tão compridas e tão pequeno que dificilmente alcançava as
tetas maternas. A sua boa mãe, uma égua de ancas largas, mante-
úda e bela, elegante, de vasta crina dourada, contrastava ao filho
que, nascido tão miúdo, tinha aparência de cabrito montanhês. A

86 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


genitora alazã, reluzente, de raça nobre, não parecia com o filho
da cor do pelo de rato. Era égua fujona que raramente pastava
nas cercanias da fazenda. Com tantos garanhões de boa raça, não
se compreendia aonde aquela andarilha foi arranjar tão estranho
filho. Contudo, criava o filho carinhosa­mente, como procedem as
mamíferas, até a idade em que o menor possa exercer, por si, os
atos da vida asnática.
Com muita arte, equilibrando-se nas patas traseiras, con-
seguia alcançar as tetas maternas. Não cresceu muito: somente o
bastante para não arrastar a barriga no chão.
Depois de adulto, se algum cavaleiro lhe cavalgasse tocaria
com os pés no solo. O burrico veio ao mundo num dia de bom
astral e em todas as suas travessuras demonstrava genialidade, o
que o levou a ser chamado pelo expressivo nome Genial. Com a
idade de ser adestrado, ao lhe colocar a sela, saltava até tornar-
-se exausto e em seguida deitava-se e se levantava só quando lhe
desse vontade. Quando saltava parecia uma bola voadora. Eleva-
va-se pouco acima do solo, com as quatro patas no ar, tal qual
um dançarino acrobata. Uma criança não poderia montá-lo. O
adulto arrastaria os pés no chão. Para não ser montado, o burri-
co, o Genial, num linguajar vulgar... “plantava bananeira”, isto é,
apoiado nas pata dianteiras e com o focinho no solo, formando
um tripé, ficava perpendicular com as patas traseiras para cima.
Ao contrário, quando empinava, tornava-se retilíneo com as patas
dianteiras para o ar, apoiado nas patas traseiras.
Diante das façanhas do arteiro Genial, o Asno teve uma
magnífica ideia simiesca.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 87


Levou o burrico para um remanso profundo do rio, perto
da fazenda. Montou e afogou o Genial sob o seu corpanzil. O bur-
rico não morreu, surgiu bufando tal qual o boto e, quando o casco
tocou na rasura fez como sempre: deitou-se e ficou com a cabe-
ça para fora da água. Mais uma vez o engenhoso Asno revelou a
sua criatividade própria do primata. Pisou na cabeça do Genial
e a manteve afogada num espaço de tempo. O burrico debatia-
-se desesperadamente. O Asno, prazerosamente, dava gostosas
gargalhadas. O burrico tossindo, aflito, engasgado, sacolejando a
cabeça, causava dó. Foi quando o Asno levou tremendo susto. O
Genial, ágil como pulga de cinema, abocanhou-lhe a canela quase
arrancando lhe um pedaço.
Asno avançou raivoso, dando fortes murros na cabeça do
burrico. Não satisfeito, num ato vingativo de desforra, aplicou-lhe
uma mordida na orelha que faltou pouco para decepá-la. O Genial
parecia sorrir manchado de sangue gotejante do ferimento. Todos
os presentes riram muito quando viram o brutamontes com a per-
na sangrando, manquitolando, xingando o burrico com termos
ofensivos à sua venerada mãe. Daí para frente, Genial aprendeu a
morder. Usava os dentes com habilidade, tal qual faziam os cães.
Quando brigava, jogava as patas tão altas que causava inveja ao
mais aprimorado carateca.
Certa vez, ao passar a barrigueira sob o burrico, Asno le-
vou um cascudo na cabeça que o fez cambalear. Ao retribuir,
deu um chute tão forte na barriga do Genial que esse chegou a
vomitar capim.
Não havia cerca que segurasse o burrico. Quando não
abria as cancelas e as porteiras, passava por baixo do arame,

88 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


engatinhando ou se arrastando, tal qual faziam os bodes e os
carneiros. Quando chovia ou fazia frio, o genial burrico dormia
misturado aos carneiros e se esquentava na lã dos lanígeros. An-
dava entre os cães e tinha livre trânsito no meio do gado, con-
fundindo-se com os bezerros. Entrava na casa residencial e se
dirigia à cozinha, e como bom onívoro, comia a boia dos hu-
manos feita com sal, que ele muito apreciava. Só não tolerava o
Asno e os porcos. Penetrava na larga e consumia as rações dos
suínos. Dava patadas, coices e mordidas e afugentava os adver-
sários. O burrico era genial e todos disputavam sua presença.
Somente Asno não o tolerava. Genial abria as cancelas, soltava
a bezerrada e o gado, dando muito trabalho para arrebanhá-los.
Quando algum canino o estranhava e o mordia, era correspon-
dido igualmente e, ganindo, fugia espavorido. Tornou-se criação
caseira, irmanado aos humanos e a todos os animais. Uma divi-
na igualdade de todos os seres da Terra.
A égua, sua boa mãe, sempre o reconhecia, por ter conser-
vado as formas físicas de infância. As crianças adoravam caval-
gar o dócil Genial. Quando o burrico via o Asno, arrepiava-se,
retesava as orelhas para frente e rangia os dentes. Genial parecia
lembrar-se das brigas ocorridas com o seu irmão Asno. Um tra-
zia a orelha cortada, e o outro, profunda cicatriz na perna, além
de um corte na cabeça produzido pelo casco do burrico.
Assim como acontece aos animais de pelos, os mamíferos,
Genial envelheceu, a cabeça ficou ruça. Já não entrava na larga,
nem disputava a ração dos porcos, nem adentrava a cozinha da
casa e já não abria as cancelas e porteiras. Gordo e barrigudo, não
passava mais sob a cerca de arame.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 89


Nos últimos tempos, Genial era visto na sombra das árvo-
res, angustiado, andando vagarosamente. Numa noite chuvosa,
os carneiros berraram com muita insistência sob a cobertura do
vasto galpão.
De manhã, num rodeamento de ovelhas assustadas e curio-
sas, estava o corpo frio do Genial, que havia descansado.
Todos da fazenda deram o último adeus ao Genial, enterra-
do no pátio principal, sob os costumeiros rituais cristãos.

(Do livro: Acontecimentos)

90 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


AS LARANJAS DO MAJOR BATISTA

Pedro Gomes de Oliveira


(1882/1955 – Patrono da Cadeira nº 39)

Sei bem: os senhores não irão acreditar na história que lhes


vou transmitir por meio destas palavras escritas; hão de querer os
senhores as provas da minha assertiva e não posso documentá-la,
porque o caso é antigo e talvez não exista mais ninguém na velha
cidade de Goiaz que dele se recorde.
Nem toda gente gosta de guardar histórias; também não
admitem muitos que eu possa conservar de memória fatos
ocorridos na época em que o tenente Adão, nosso primeiro
pai, era cadete.
Indiscutivelmente, minha humilde narrativa irá para o
abismo do esquecimento, levando a medalha de mérito de men-
tira de primeira categoria e eu não terei a força coercitiva sufi-
ciente para obrigá-los a engoli-la como verídica.
Mas, de qualquer maneira, acreditem ou não, será contada.

* * *

Morava na antiga Vila Boa, naqueles tempos em que não


havia automóveis, aviões e outros meios rápidos de comunicação,
o velho Batista Pimentel, major reformado do Exército. Possuía

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 91


confortável residência, de cujo quintal fechado a muros de adobes,
coberto de telhas, cuidava mais do que da própria saúde.
Era mesmo um primor o seu pomar, com sua meia dúzia de
laranjeiras, de fama interplanetária, fama que perdurou por muito
tempo na velha cidade onde, à falta de novidades vindas dos gran-
des centros do país, os habitantes arranjavam, com as próprias
ocorrências locais, motivos para sua diversão.
As laranjeiras do major Pimentel eram famosas porque
poucos mortais tinham tido a ventura de provar-lhe os frutos; o
homem era independente. Bastava-lhe o soldo para a respectiva
manutenção; não tinha família, não precisava de ninguém e gos-
tava de viver isolado, tratando de seu quintal.
Isolado, porém, possuindo boa matilha de cães cabeçudos
– matilha que adquiriu fama igual à das laranjeiras, pois eram ver-
dadeiras feras na defesa do quintal do velho reformado. Especial-
mente à noite, eram os molossos de inigualável ferocidade.
Considerava-se ente privilegiado o indivíduo que conseguia
chupar uma fruta das laranjeiras pimentelianas; dizia-se, então,
que provar uma laranja do major era mais difícil do que retirar
sebo das canelas de um gafanhoto.

* * *

Mas em toda coletividade há sempre um grupo de cidadãos


portadores de ideias subversivas, e o que existia na época com es-
sas ideias, em Goiaz, era realmente decidido na propagação e prá-
tica de sua doutrina.

92 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Imaginando qualquer cousa, ia experimentá-la, mesmo que
essa cousa exigisse muito trabalho e sacrifício.
Desse grupo se apoderou um dia a tenebrosa ideia de ve-
rificar se eram mesmo doces as laranjas do pomar do major
Pimentel; à noite, discutiu-se o caso em assembleia geral, fi-
cando deliberado que, no dia seguinte, metade da corporação
percorresse as tabernas da cidade, adquirindo, por compra,
certa quantidade de “cera da terra”, substância de fácil aqui-
sição, pois que, nesse tempo, como ainda hoje, nos campos e
matas de Goiaz a população de abelhas sempre foi superior à
de qualquer outra zona do país.
A outra metade se encarregaria da compra, nos açougues
urbanos, de quantidade de sebo de vaca correspondente à de “cera
da terra” que se adquirisse.
De posse desse material, os nossos camaradas, reunidos,
prepararam uma dúzia de grandes almôndegas, compostas de
partes iguais daqueles ingredientes.
À noite, aproveitando a escuridão quase completa que a
iluminação a lampiões de querosene lhes proporcionava, lá pelas
onze e meia horas, marcharam para a casa do major reformado do
Exército, Batista Pimentel.
Encostaram-se ao muro circundante do quintal, e um deles,
colocando os pés nos ombros de outro, que se levantou em segui-
da a essa acrobacia, galgou a parede coberta de telhas,
Os cabeçudos avançaram de arma em punho, isto é, de boca
aberta e com intenção manifesta de estraçalhar os assaltantes; ime-
diatamente foram lançadas dentro do quintal algumas almôndegas

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 93


que, perfumadas como se achavam para as ventas caninas, tiveram
o dom de aplacar a investida de alguns cães, que delas se apossaram.
Outras mais foram atiradas e logo abocanhadas; a terceira
remessa do saboroso petisco sossegou de vez o furor dos defenso-
res do quintal.
Cada guarda-noturno a mastigar a sua almôndega, A turma
toda escalou o muro e fez um trabalhão no laranjal.
Todos os membros da expedição tinham levado grandes
sacos vazios, que voltaram cheios de belíssimas laranjas, amareli-
nhas que nem libra esterlina ouro.
Em paz com a consciência, regressaram à sede da associa-
ção, que era em casa de qualquer dos portadores, disseminadores
e aplicadores de ideias subversivas, e aí se regalaram, empantur-
rando-se com as laranjas do pomar do major Batista.

* * *

Ao clarear do dia seguinte, quando o velho militar, depois de


haver saboreado boa xícara de excelente café de pilão, se dirigiu,
na forma do invariável costume, para o quintal e... “Oh! ferro! Ca-
nalhas! Roubaram-me no laranjal! Miseráveis! Bandidos! Mas...
e os cachorros? Bem-te-vi! Solano! Valentão! Urbiela! Cangussu!
Panchito!”
E cada “fera”, cauda caída, humilde, tristonho, foi-se che-
gando ao dono, a mastigar grande bocado de uma cousa que
não conseguia engolir, nem desagregar da boca; aquela cousa
ora se apegava à abóbada palatina do cabeçudo, ora se lhe agar-

94 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


rava aos dentes inferiores, mas sair para qualquer outro lugar
era impossível.
Também não permitia que o infeliz abrisse a boca para latir
ou para morder.
E nesse martírio, nessa interminável mastigação, ficou toda
a matilha a noite inteira.

* * *

Poucas semanas depois, uma Companhia do Batalhão esta-


cionado em Goiaz, à tardinha, estendia-se em linha, na frente do
Cemitério Público, a fim de dar as três descargas de estilo, à pas-
sagem do caixão que conduzia o defunto major Batista Pimentel
para a morada derradeira...

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 95


Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim
“Mourez, si vous voulez qu’on vous rendres justice”.
(C. Doulfus. De La Nature Humaine)

Sebastião Fleury Curado


(1864/1944 – 1º ocupante da Cadeira nº8)

Se a expressão escrita comporta que, em algumas linhas,


traçadas apressadamente sob a angústia da dor e da saudade, se
emoldure a tela de uma longa vida honestamente vivida e repleta
de serviços reais à causa pública, sempre orientada pela linha de
uma nobre altivez, dignamente mantida através das duras vicis-
situdes do pelejar partidário; se possível é dar em dois traços o
“curriculum vitae”, pode-se dizer do Coronel Leopoldo Jardim,
que, abnegado e modesto, trabalhador infatigável até os últimos
dias, sempre estremeceu desveladamente a terra goiana e jamais
atraiçoou o seu próprio ideal.
Quem, porém, teve a dita de conhecê-lo de perto poderá
depor mais amplamente em outra ocasião, tão logo se acalmem
as paixões para dar lugar à justiça perene, que a larga instância do
tempo abre indefectivelmente na sucessão dos fatos.
Era um espírito superior.
Encarnava no seu caráter, sempre respeitado, uma reserva
moral tecida da confiança que nele depositavam seus conterrâneos.
E desaparece de entre os vivos essa força; apaga-se um gran-
de prestígio num momento em que derredor sentimos que contra
a segurança dos nossos destinos conspiram tantas incertezas.

96 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Se cada sociedade, se todo elan social tem nos seus homens
intelectuais, nos espíritos honestos e bem-formados um capital
moral de valor inestimável e superior a quaisquer outros interes-
ses, porque constituem esses homens a maior força orgânica da
sociedade, a sua chama imperecível, a verdade é que, com o desa-
parecimento do Coronel Leopoldo Jardim, este capital fica, entre
nós, grandemente desfalcado.
Subiu, ascendeu às culminâncias da vida política, percorreu
todos os cargos de eleição popular; foi vereador e deputado estadu-
al. intendente e presidente do Estado, duas vezes senador federal.
Se esse aspecto brilhante de sua vida pode impressionar a
multidão, o outro aspecto interessa mais ao observador e ao soci-
ólogo, porque lhe desvenda a alma forte de varão de Plutarco.
Queremos dizer que as suas virtudes se revelavam mais in-
tensamente nos dias de luta, de ostracismo, quando não se com-
preende nem se tolera senão a subserviência e a submissão incon-
dicional à onipotência dos governantes.
Um traço ainda: jornalista ponderado e consciencioso nas
justas da imprensa, procurava manter uma linha de superioridade
e de raciocínio que traía a nobreza da sua alma e a força da sua
inteligência.
Abastado, acoberto das necessidades, sem filhos, não se de-
sencantou da política, porque não quis compreender a profunda
corrupção dos nossos costumes políticos, que, nos últimos tem-
pos, só permitem uma opinião: a dos que governam.
Março de 1920

(Do livro: Memórias Históricas)

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 97


A MÃE DOS POBRES
Venerando de Freitas Borges
(1907/1994 - Segundo ocupante da Cadeira nº 1)

A persistência com que se houve a professora Esther Barbo-


sa Oriente não nos permitiu fugir à enorme responsabilidade de
perfilhar o livro de sua autoria sobre D. Gercina Borges Teixeira.
Área mais do trato de quem entende e lida com o assunto,
somente posso atribuir o encargo à minha longa e permanente
convivência com a personagem central da obra. Eis-me aqui, por-
tanto, para tecer algumas considerações a respeito desse livro, que
vem preencher uma lacuna e trazer a lume eventos até aqui desco-
nhecidos pela quase totalidade da geração atual.
Já era tempo de que alguém se dispusesse ao trabalho de
registrar por inteiro a produtiva e fecunda atividade de dona Ger-
cina, buscando retratá-la através de suas realizações no campo da
assistência social, em Goiás.
Do que seja de ciência minha, não conheço qualquer traba-
lho que se tenha referido àquela que, por sua dedicação à causa
dos desvalidos da fortuna, da velhice desamparada, do enfermo
sem condições, enfim, da pobreza, foi, por consenso unânime de
seus contemporâneos, cognominada a MÃE DOS POBRES.
É, pois, de louvar-se o imenso esforço de Esther Barbosa
Oriente, quando se propõe a oferecer valiosa contribuição à histó-
ria de Goiás, palmilhando terreno até agora inculto.

98 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


De tempos a esta parte, estamos verificando que, no cam-
po da cultura e da pesquisa, em nosso Estado, as mulheres estão
caminhando pari passu com os homens, agregando ao nosso pa-
trimônio cultural contribuições de alta valia, como o faz agora a
professora Esther Barbosa Oriente.
Testemunha dos eventos mais significativos ocorridos em
Goiânia, a partir de 1935 até a presente data, acompanhei de perto
e com interesse o empenho da companheira de Pedro Ludovico
na luta pela melhoria de vida do povo.
Inútil seria discorrer longamente, analisando, capítulo por
capítulo, este precioso documentário, de vez que seria incorrer no
perigo de repetição, tais a riqueza do conteúdo e as minúcias dos
dados nele contidos.
Todavia, procurarei, dentro de minha limitada capacidade,
destacar algumas passagens que considero mais expressivas, com
a finalidade de chamar a atenção do leitor, avivando-lhe o interes-
se e a curiosidade.
Não há que contestar que dona Gercina foi uma personali-
dade forte.
Enérgica, sem ser agressiva; franca, sem ser autoritária;
esclarecida e equilibrada; solidária e dotada de incomum senso
político.
Destituída de vaidade, jamais fechou a porta de sua casa a
quem quer que fosse. E se punha ao lado dos desprotegidos da
sorte.
A ninguém é lícito ignorar que jamais admitia ela injustiças
ou perseguições aos humildes. Como prefeito de Goiânia, inú-
meras foram as oportunidades em que tive de esclarecer a ela as

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 99


razões de certas medidas que, aparentemente, atingiam os operá-
rios ou os pequenos proprietários e comerciantes.
Humana em toda a extensão da palavra, mesmo depois que
deixou o Palácio, incontáveis eram os pobres que a procuravam, e
muitos os que comiam (é o termo) em sua casa.
Desejo acrescentar, também, que a Prefeitura de Goiânia, a
pedido de dona Gercina, baixou uma lei, instituindo uma contri-
buição de cinco por cento sobre a renda tributária do Município,
cujo produto era religiosamente depositado, todos os sábados, em
agência bancária, a crédito da Santa Casa.
Além das contribuições do Estado, do Município e do Go-
verno Federal, através de diversos órgãos, e de doações de em-
presas, firmas comerciais e particulares, dona Gercina organizava
festas e bailes, cuja renda líquida era destinada à Santa Casa.
Neste passo, desejamos registrar um fato até agora inédito.
Como todos sabemos, as dificuldades, no início de Goiânia,
eram enormes. Os meios de transportes e de comunicações eram
precários. Dona Gercina, naqueles tempos heroicos, organizou
um baile no Automóvel Clube (o Jóquei atual). Pôs os bilhetes à
venda, os quais se esgotaram em poucos dias.
Tudo pronto para a Grande Noite de um sábado, quando al-
guém fez ver a ela a impossibilidade da realização do baile por falta
de um jazz. O mais próximo e à altura do acontecimento ficava em
Uberlândia, a 400km de Goiânia. Somente as despesas de transpor-
te do jazz consumiriam grande parte do lucro da festa. Foi quando
me procurou ela e me colocou a par de suas apreensões, rogando-
-me que a ajudasse a resolver o problema. Pensei um pouco e a tran-
quilizei, dizendo-lhe que poderia deixar o assunto a meu cargo.

100 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Lembrava-me, naquele instante, de que Maria Branca, pro-
prietária de uma casa de tolerância no bairro de Campinas, con-
tava com um conjunto musical, por ela contratado para alegrar
seus fregueses nas noites de sábado. Não perdi tempo. Por volta
das duas horas da tarde, Sol claro, lá estava eu no prostíbulo mais
famoso de Goiânia. Os que passavam estranhavam, naturalmente,
que o carro de representação do prefeito ali estivesse estacionado
por algum tempo. Entrei, e não será preciso dizer da curiosidade
e do espanto das rameiras e da própria Maria Branca. Fomos ao
quarto dela, onde as fotografias, em ponto grande, de Getúlio Var-
gas e Pedro Ludovico me chamaram a atenção. Em tom de brinca-
deira, fui logo dizendo: “Falta um ali”... Respondeu-me ela: “Traga
o seu retrato, para completar a trinca”.
Direto ao assunto, relatei as dificuldades em que dona Ger-
cina se encontrava, e apelei para que o jazz fosse cedido para o
baile no “próximo sábado”. Pagaríamos o que fosse. Os que conhe-
ceram Maria Branca sabem que era ela dedicada à caridade, e por
isso não foram precisos maiores argumentos para convencê-la.
“Se depender do jazz, o problema está resolvido”, afirmou Maria
Branca. E mais, ofereceu quinhentos mil réis como contribuição
sua, e nada quis receber em troca.
No dia seguinte, o “escândalo” tomou proporções. Alguém
me procurou e perguntou assombrado: “É verdade?”. “É”, respondi
seco. – “Mas isso é demais, professor. O que foi o senhor fazer lá?”.
Retruquei, ainda secamente: “REZAR...”. Não é preciso concluir
que o homem ficou tonto. Era um dos frequentadores do lupanar,
que não tinha coragem de ali penetrar durante o dia, como fiz, a
serviço de uma causa nobre.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 101


Essa passagem tem para nós uma significação muito gran-
de, pois demonstra que a influência de dona Gercina ia além das
paredes do Palácio.
E que a solidariedade não é privilégio de ninguém. Está em
todos os corações bem-formados.
Pelo que me é dado perceber, o livro de Esther Barbosa
Oriente dispensa apresentações.
Traz como pórtico de entrada a biografia de dona Gercina
e, já no Capítulo I, trata da fundação da Santa Casa, empreendi-
mento a que ela se dedicou inteiramente e que tantos e assinalados
serviços prestou e vem prestando à comunidade goianiense.
Pode-se afirmar que, nos primórdios de Goiânia, a Santa
Casa constituiu vigoroso polo de atração para as levas de migran-
tes, não só de longínquos municípios goianos, como também dos
Estados fronteiriços, os quais se deslocavam para a Nova Capital
em busca de recursos para seus males. Daí para a frente, o livro é
uma cadeia de acontecimentos, todos alicerçados em documen-
tos, que exaltam e valorizam o trabalho de quem o concebeu.
Basicamente, a obra é um relato das entidades assistenciais
existentes em Goiânia, no período de 1936 a 1945, que tiveram
como núcleo central a Conferência de São Vicente de Paulo e,
posteriormente, a Legião Brasileira de Assistência.
Da Conferência São Vicente de Paulo, nasceu a Santa Casa
de Goiânia, que teve em dona Gercina sua maior incentivadora.
Nota-se, do princípio ao fim, o cuidado com que se houve
a autora, em apoiar a narração dos fatos em documentos e da-
dos precisos, que conferem à obra um caráter de seriedade. Há
nela passagens que dimensionam a constante preocupação de

102 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


dona Gercina e de seus dedicados colaboradores diretos, não só
com os problemas sociais, mas também com outros de cunho
patriótico e de interesse do povo brasileiro, como foi o caso de
seu apoio à “Campanha Nacional da Borracha Usada” e à “Cam-
panha da Granada de Borracha”, ao tempo da Segunda Guerra
Mundial. Registra, ainda, a participação de dona Gercina na luta
promovida pela Federação das Sociedades de Assistência aos
Lázaros, trazendo a Goiás a pioneira desse movimento em nosso
país, a benemérita Eunice Weaver. Nessa campanha, também fui
envolvido, como acompanhante de Eunice Weaver e seu marido,
aos municípios de jataí, Rio Verde, Buriti Alegre e Inhumas, le-
vantando dados e informações de que resultaram a criação, pelo
Governo Federal, da Colônia Santa Marta e a fundação do Pre-
ventório Afrânio de Azevedo.
Pena é que dona Gercina não tenha realizado um de seus
sonhos, a construção da “Vila dos Pobres”, como extensão, por
assim dizer, do “Abrigo para a Velhice Desamparada”, que ela ter-
minara, após muito esforço e dedicação. Pouco antes da queda do
Estado Novo, ou seja, em julho de 1945, endereçou ela ofício ao
Chefe do Executivo Estadual, Pedro Ludovico, em que informava
encontrar-se a C. E. da LBA habilitada a promover a construção
da “Vila dos Pobres”.
Por prolixo e desnecessário, deixamos de estender conside-
rações sobre outros assuntos que o volume encerra. O que ficou
dito diz bem da excelente contribuição que a ilustre conterrânea
oferece à História e à cultura de nossa Terra.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 103


LENDAS E TRADIÇÕES

Victor de Carvalho Ramos


(1893/1976 – 1º ocupante da Cadeira nº 14)

Interessantes e dignas de registro são também as lendas


goianas. Umas, nascidas no seio do próprio povo, ingênuo e cré-
dulo; outras, originárias dos aldeamentos aborígenos ou trazidas
pelos colonizadores. Goiás nasceu da lenda, essa, que surgiu da
imaginação supersticiosa dos íncolas sob a ameaça de Anhangue-
ra. Os episódios criados pela fantasia dos silvícolas são curiosos
sob vários aspectos e encerram “o monumento mais autêntico que
se há publicado a respeito do elemento intelectual dos selvagens
do Brasil”, diz Couto de Magalhães.
Muitas lendas de origem tupi-guarani se popularizaram
nos sertões e tomam hoje sentido e formas diversas conforme
os sentimentos, crenças, costumes, etc. dos habitantes da cada
região, mantendo, porém, o seu sentido primitivo. Essa desfi-
guração é fácil de verificar-se confrontando as que Couto de
Magalhães colheu nas bacias do Araguaia, Tocantins e Amazo-
nas, com as colecionadas por Juan B. Ambrossetti no território
das missões.
Uma das histórias mais generalizadas da teogonia indígena
é a do Saci-Cererê ou Saci-Pererê. Ainda hoje, afirma o autor de O
Selvagem, não há talvez um só caipira paulista ou tropeiro goiano
ou mineiro a quem se possa dizer que é um mito o Saci-Cererê.

104 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Dos deuses submetidos a Jaci é o mais popular, o que figu-
ra em maior número de lendas. Em Goiás representam-no como
um pretinho barrigudo, de uma perna só, que aparece às crianças
fugidas de casa. No sul, na zona pampiana, ele é representado, ora
sob a forma de um pássaro, ora de um anão ruivo ou pequeno ta-
puio, manco de um pé, que rouba os meninos e as moças bonitas. A
origem desta lenda no-la dá Ambrossetti no costume de os índios
furtarem mulheres e crianças, o que entre eles constitui casus belli.
Mas não é aqui lugar para o estudo detalhado das lendas e
superstições do interior goiano. Seria dar a este trabalho modesto
feição diversa da que nos propomos. Assinalaremos que em Goi-
ás sobrevivem reminiscências de histórias lendárias dos índios e
africanos, que as antigas mucamas transmitiram aos filhos de seus
senhores no embalo das redes e ao pé do berço. Elas não são patri-
mônio exclusivo de Goiás, mas, com algumas variações, de todo
o Brasil, como a do curupira, do urutau, da mandioca, da tarumã,
dos fantasmas d’água e muitas outras.
Relativamente aos mitos que se prendem à gleba goiana, no-
taremos o ciclo de Romãozinho, que abrange toda a área do norte
e nordeste do Estado, com características semelhantes à lenda do
Saci, pois que Romãozinho é o negrinho que assombra os viajan-
tes, rouba moça, enfim, pinta o diabo.
Na chapada dos veadeiros, José A. Teixeira ouviu de um ca-
boclo esta quadra, bem significativa:

Quem tem fia bonita


não deixa de não guardá
apois um moleque veve noite e dia
rodeando pra roubá.

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 105


Mencionaremos, ainda, o da Lagoa Santa e o da Moça Bran-
ca do Pau d’Arco.
O primeiro é originário do vão dos Angicos, norte goiano.
Há aí uma lagoa profunda, de águas escuras e remansosas, que,
diz a tradição, curavam as feridas cancerosas. Essa virtude tera-
pêutica, porém, desapareceu desde o dia em que uma lavadeira
se serviu da água sem, primeiro, retirá-la do poço, como todos o
faziam. Uma pomba branca saiu voando do meio da lagoa e com
ela foi-se para sempre o milagre...
O segundo mito, o da moça, é a história de uma rapariga,
passageira de um bote, que, viajando Araguaia abaixo, caiu pri-
sioneira do capitão Roca, personagem misterioso, que uns supu-
nham carajá, outros, um civilizado de Boa Vista, que se tornara
selvagem. Navegantes afirmavam haver encontrado na areia alva
da praia do grande rio palavras de súplica da moça, pedindo a
libertassem do cativeiro.
No Poço da Roda, proximidades de Bonfim, no sul do Es-
tado, onde chusma de aventureiros, ao tempo das minas, extir-
pavam o ventre da terra em cata dos filões auríferos, corre uma
lenda, a da Madre de Ouro, que Hugo de Carvalho Ramos apro-
veitou para um de seus contos. que nós adicionamos à 3ª edição
de Tropas e boiadas.
Às margens do Araguaia conservam ainda aldeias de carajás
em virtude de uma lenda que corre entre eles.
Estavam os índios de vários aldeamentos reunidos para fes-
tejarem a operação de fura dos beiços, quando uma das índias
descobriu quem fazia o papel de “bicho”, segredo que não devia
ser conhecido. Disso, resultou uma guerra implacável entre eles,
de verdadeiro extermínio, sobrevivendo apenas um colomi que,

106 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


após longos anos de vida errante, foi se fixar num ranchinho à
beira de um lago, onde morava um periquito de linda plumagem.
O menino, já adolescente, à medida que pescava, ia depen-
durando os peixes num varal do rancho. De volta de uma das pes-
carias, encontrou certa vez os peixes cozidos e as panelas cheias
de cauim. Surpreendido com o fato, que se repetiu por diversas
vezes, pôs-se de tocaia e viu a ave transformar-se numa linda ín-
dia, que ele agarrou, vindo a saber que era encantada. Desde en-
tão, quebrou-se o encantamento, eles se casaram e sua prodigiosa
prole se espalhou pelas ribanceiras do imenso rio, povoando-o.
O homem inculto do interior é dominado por superstições
e magias. Há uma infinidade de rezas e benzeções para a cura de
moléstias: de lumbago, dor de dente, reumatismo, enxaqueca;
para ser bem-sucedido nos amores, no jogo, em negócios, nas
colheitas; para se livrar de mau-olhado, curar bicheira em gado,
evitar visitas importunas, contra quebranto, cobreiro etc. O
benzedor ou mandingueiro deve ser pessoa de “força”, isto é, ter
qualidades para realizar o milagre.
Tais crendices são comuns ao Brasil inteiro. Conhecemos
um fazendeiro de certa instrução que trazia no bolso do paletó
um olho de lobo, com a certeza de que ele lhe dava sorte no jogo
carteado.
Terra tão fecunda em episódios dramáticos, com um folclo-
re riquíssimo, com tantas lendas e tradições, ela espera pelo escri-
tor que lhe aproveite esse manancial em assuntos sertanejos para
lhe dar o lugar que lhe compete na história da literatura nacional.

(Do livro: Letras Goianas – Esboço Histórico)

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 107


ACADÊMICOS
CADEIRAS – PATRONOS
TITULARES

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 109


Cadeira nº 1
Patrono: José Vieira Couto de Magalhães
Titular: KLEBER BRANQUINHO ADORNO
Tel.: (62) 3285-7238 / 9 8129-7631
Rua A 19 Qd. 12A Lt. 4 – Jardim Atenas
74.885-500 Goiânia - GO
kleberadorno@gmail.com

Cadeira nº 2
Patrono: Constâncio Gomes de Oliveira
Titular: AIDENOR AIRES PEREIRA
Tel.: (62) 3246-0196/ 98156-6511
Rua Monjola Q. B3 L.9 – Residencial Ipês –
Alphaville – 74.584-585 Goiânia – GO
literjur@terra.com.br

Cadeira nº 3
Patrono: Luiz Gonzaga de Camargo Fleury
Titular: NASR NAGIB FAYAD CHAUL
Tel.: (62) 3246-2305 / 99120-9591
Rua GV 1 Qd 15 Lt 26 – Res. Granville
74.366-024 Goiânia – GO
nfchaul57@gmail.com

Cadeira nº 4
Patrono: Antônio Félix de Bulhões Jardim
Titular: MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL
Tel.:(62) 3241-3735 / 99972-7505
Rua T-38, 722 Ed. Luchon Ap. 1001 – S. Bueno
74.223-040 Goiânia - GO
moemacsolival@hotmail.com

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 111


Cadeira nº 5
Patrono: Gastão de Deus Victor Rodrigues
Titular: VAGA

Cadeira nº 6
Patrono: Raimundo José da Cunha Matos
Titular: GETÚLIO TARGINO LIMA
Tel.: (62) 3224-6762 / 99975-2004 Fax. 3223-9022
Av. Anhanguera, 5674 sala 1504 Ed. Palácio do
Comercio - Centro – 74.039-900 Goiânia – GO
gtargino@hotmail.com

Cadeira nº 7
Patrono: José Martins Pereira de Alencastre
Titular: HÉLIO ROCHA
Tel.: (62) 3877-4151
Rua 27 esq com rua 7 n.º 1.152 – Ap. 904 – S.
Oeste – 74.125-115 Goiânia - GO
hrocha0814@uol.com.br

Cadeira nº 8
Patrono: Alceu Victor Rodrigues
Titular: PAULO NUNES BATISTA
Tel.: (62) 3321-5889
Rua Benjamin Constant, 1.792 - Centro
75.043-010 Anápolis – GO
pnbpoeta@gmail.com

112 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Cadeira nº 9
Patrono: Antônio Americano do Brasil
Titular: WALDOMIRO BARIANI ORTENCIO
Tel.: (62) 3224-1706 / FAX: 3223-0330 / 99968-1241
Rua 82, 565 - Setor Sul
74.083-010 Goiânia – GO
barianiortencio@uol.com.br

Cadeira nº 10
Patrono: Moisés Augusto de Sant’Anna
Titular: LUIZ DE AQUINO ALVES NETO
Tel.: (62) 98418-7110
Av. Rio Negro Q.D L. 10 - Condomínio Estância
das Águas – 75.340-000 Hidrolândia – GO
poetaluizdeaquino@gmail.com
http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com
Cadeira nº 11
Patrono: Rodolfo Marques da Silva
Titular: GILBERTO MENDONÇA TELES
Tel.: (21) 2235-7454
Rua Pompeu Loureiro, 36 Ap. 802
22.061-000 Rio de Janeiro – RJ
gilmete@globo.com

Cadeira nº 12
Patrono: Inácio Xavier da Silva
Titular: MARTINIANO JOSÉ DA SILVA
Tel.: (64)3661-1239 / 99989-1306 / 3224-6983
7ª Av., 72 – Centro – 75.830-000 Mineiros – GO
martinianojsilva@yahoo.com.br

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 113


Cadeira nº 13
Patrono: Joaquim Bonifácio de Siqueira
Titular: EURICO BARBOSA DOS SANTOS
Tel.: (62) 3241-7181
Rua 111-A, 3 – S. Sul – 74.085-140 Goiânia – GO
eurico_barbosa@hotmail.com

Cadeira nº 14
Patrono: Hugo de Carvalho Ramos
Titular: LÊDA SELMA DE ALENCAR
Tel.: (62) 3945-2193 /99979-8651
Rua R-11, 48 Ap. 202 – S. Oeste
74.125-100 Goiânia – GO
poetaledaselma@hotmail.com

Cadeira nº 15
Patrono: Manuel de Macedo C.J.
Titular: ANTÔNIO CÉSAR CALDAS PINHEIRO
Tel: (62) 3092-7029 / 99663-3296
Rua 21, 371 Ap 2021 – Centro
74.030-070 Goiânia – GO
accpinheiro@gmail.com

Cadeira nº 16
Patrono: Henrique José da Silva
Titular: LUIZ AUGUSTO PARANHOS SAMPAIO
Tel.: (62) 3229-0223 / 99907-6644 / 99195-7799
RUA 31, 40 APTº 1401 - Centro – 74015-070 –
Goiânia - GO
luizaugustosampa@gmail.com

114 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Cadeira nº 17
Patrono: Joaquim Maria Machado de Assis
Titular: ANTÔNIO JOSÉ DE MOURA
Tel.: (62) 3205-4325
Rua Guilhermino P. Nunes Qd.Q4 Lt.48B Casa 3
(chácara) Vila Maria Rosa – 74685-670 Goiânia – GO
mourasou@terra.com.br

Cadeira nº 18
Patrono: Olegário Herculano da Silveira Pinto
Titular: MIGUEL JORGE
Tel.: (62) 3233-1969 / 3233-3724
R. 229, 113 – S. Coimbra – 74.535-250 – Goiânia – GO
migueljorgeescritor@hotmail.com
www.migueljorge.com.br

Cadeira nº 19
Patrono: Joaquim Xavier Guimarães Natal
Titular: JOSÉ UBIRAJARA GALLI VIEIRA
Tel: (62) 3622-8821 / 99283-8821
Rua 59-A, 735 Aptº 803 Ed. Sarah Mendes – S.
Aeroporto – 74070-170 – Goiânia – GO
biragalliescritor@gmail.com

Cadeira nº 20
Patrono: Luiz Antônio da Silva e Sousa
Titular: URSULINO TAVARES LEÃO
Tel.: (62) 3877-4017 / 99687-4551
Rua 14, 95 Ap. 503 – S. Oeste
74.120-070 Goiânia - GO

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 115


Cadeira nº 21
Patrono: Egerineu Teixeira
Titular: VAGA

Cadeira nº 22
Patrono: Ricardo Paranhos
Titular: EDIVAL LOURENÇO DE OLIVEIRA
Tel.: (62) 3877-5972 / 99972-7110
Rua T65, 700 Ed. Tulipa - St. Bueno
74.230-120 Goiânia GO
edivallourenco@gmail.com

Cadeira nº 23
Patrono: Urbano de Castro Berquó
Titular: IÚRI RINCON GODINHO
Tel.: (62) 3224-3737 / 99248-4011
Rua 27 A, 150 - S. Aeroporto
74.075-310 – Goiânia – GO
iuri@contatocomunicacao.com.br

Cadeira nº 24
Patrono: Hygino Rodrigues
Titular: HÉLIO MOREIRA
Tel.: (62) 3225-9300 / 99971-1598 / Fax: 3224-8636
Av. B, 435 – S. Oeste – 74.110-030 – Goiânia – GO
drhmoreira@gmail.com

116 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Cadeira nº 25
Patrono: Francisco Xavier de Almeida Júnior
Titular: BRASIGÓIS FELÍCIO CARNEIRO
Tel.: (62) 3251-8401/ 99352-6613
Rua C-24 Q.22 L.18 – J. América – 74.265-140 –
Goiânia – GO
brasigoisfelicio@hotmail.com

Cadeira nº 26
Patrono: José Xavier de Almeida
Titular: AUGUSTA FARO FLEURY DE MELO
Tel.: (62) 3241-8424 / 99977-1875
Rua Rua Samuel Morse Q. 169 L.1/5 Ap. 2104 – S.
Serrinha – 74.835-080 Goiânia – GO
augustafaro@hotmail.com

Cadeira nº 27
Patrono: Bartolomeu Antônio Cordovil
Titular: EMÍLIO VIEIRA DAS NEVES
Tel.: (62) 3224-2163 / 99631-8905
Av. Anhanguera esq.c/ Rua 7 Ed. Baiocchi Ap. 702-
B - Centro – 74.043-011 – Goiânia - GO
evn_advocacia@hotmail.com

Cadeira nº 28
Patrono: Florêncio Antônio da Fonseca
Titular: DELERMANDO VIEIRA SOBRINHO
Tel.: (62) 3225-4446 / 99388-0719
Rua F-7 Q. 35 L. 3 – Setor Faiçalville
74360-040 – Goiânia - GO

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 117


Cadeira nº 29
Patrono: Luís Maria da Silva Pinto
Titular: NEY TELES DE PAULA
Tel.: (62) 3242-1907 / 3216-2000 / 3216-2958
Rua 1.142, 115 – S. Marista –
74.180-190 Goiânia – GO

Cadeira nº 30
Patrono: Demóstenes Cristino
Titular: LENA CASTELLO BRANCO FERREIRA
DE FREITAS
Tel.: (62) 3505-3512
Caixa Postal n° 101 – 75388-971 – Trindade - GO
lenacastelo@uol.com.br

Cadeira nº 31
Patrona: Eurídice Natal e Silva
Titular: ANA BRAGA
Tel.: (62) 3218-5687
Rua 222, Q. 100 L. 12, nº 299 - St. Leste Universitário
74.603-060 Goiânia – GO

Cadeira nº 32
Patrono: Francisco Ayres da Silva
Titular: JOSÉ MENDONÇA TELES
Tel.: (62) 3636-3004
Rua 112, 89, St. Sul – 74.085-150 – Goiânia – GO
josemendoncateles@gmail.com

118 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


Cadeira nº 33
Patrono: Antônio Eusébio de Abreu
Titular: ALAOR BARBOSA DOS SANTOS
Tel.: (61) 3346-0271 / (62) 3567-3112 (recado) /
Rua das Palmeiras Qd 47 Lt 9 – Aldeia do Vale –
74.680-390 – Goiânia – GO
alaor.b@terra.com.br

Cadeira nº 34
Patrono: Jarbas Jayme
Titular: MARIA AUGUSTA DE SANT’ANNA
MORAES
Tel.: (62) 3251-0807 / 99292-2269
R. 15, 87 Ap. 1301 – S. Oeste – 74.140-035 – Goiânia – GO
augustadesantanna@gmail.com

Cadeira nº 35
Patrono: Zeferino de Abreu
Titular: LICÍNIO LEAL BARBOSA
Tel.: (62) (62) 3639-9802 / 9 9124-9900
Av. Goiás, 310 – Conj. 707, Ed. Villa Boa – Centro
74010-010 – Goiânia – GO
liciniobarbosa@uol.com.br

Cadeira nº 36
Patrono: Visconde de Taunay
Titular: GERALDO COELHO VAZ
Tel.: (62) 3214-2215
Rua 14, 25 Ap.103 – S. Oeste
74.120-070 – Goiânia – GO
alcioneguimaraes@terra.com.br

Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras 119


Cadeira nº 37
Patrono: Crispiniano Tavares
Titular: ITANEY FRANCISCO CAMPOS
Tel.: (62) 9 8123-6544
Rua 12, 55, apt°. 301, Setor Oeste
74.140-040 Goiânia – GO
itaneycampos@gmail.com

Cadeira nº 38
Patrono: Bernardo Guimarães
Titular: MARIA DO ROSÁRIO CASSIMIRO
Tel.: (62) 3214-3031 / 3092-3031 / 99243-3031
Rua 10, 810 Ap. 701 – S. Oeste
74.120-020 Goiânia – GO
cassimiromr@gmail.com

Cadeira nº 39
Patrono: Pedro Gomes de Oliveira
Titular: FRANCISCO ITAMI CAMPOS
Tel: (62) 3956-0304 / 99977-4609
Av. Floresta, s/n Qd 32 Lt 7-A – Res. Aldeia do Vale
74.680-210 – Goiânia – GO
itamicampos@gmail.com
itamicampos@unievangelica.edu.br

Cadeira nº 40
Patrono: Arlindo Costa
Titular: GABRIEL JOSÉ NASCENTE
Tel.: (62) 3223-3581 / 3223-0414 / 98427-8755
Rua 25, 61, Ap. 403 Res. Rios das Garças - Centro
74.015-100 Goiânia - GO
gabrielnascente@yahoo.com.br

120 Coletânea de Crônicas da Academia Goiana de Letras


AMIGOS DA
AGL
APOIADORES PERMANENTES
AGRADECIMENTOS

• SANEAMENTO DE GOIÁS S.A./SANEAGO


• FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE GOIÁS/FIEG
• FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO/FECOMÉRCIO
• CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS/CDL
• INSTITUTO GOIANO DE RADIOLOGIA/IGR
• SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE GOIÁS/SINDILOJAS
• EDIÇÃO EXTRA
• INST. CULT. E EDUC. BARIANI ORTENCIO/INCEBO
• ITA TRANSPORTES
• EBM – DESENVOLVIMENTO IMOBILIÁRIO
• MULTICOISAS
Em apoio à sustentabilidade, à preservação
ambiental, a Gráfica X Cultural, declara que
este livro foi impresso com papel produzido de
florestas cultivadas em áreas degradadas e que é
inteiramente reciclável.

Este livro foi impresso na oficina da Gráfica X


Cultural, no papel: Polen Soft 80g/m2, composto
na fonte Minion Pro, corpos 12, 18 e 29
Abril, 2018

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