Você está na página 1de 5

ÉDIPO REI 

1 - 

[CAZ] Sacerdote – Ó Édipo, ó senhor: a cidade, batida pela tempestade, já


batida pela tempestade, já não levanta a fronte acima das espumas
sangrentas; morrem os frutos da terra ainda encerrados nos rebentos,
adoecem as manadas de bois e não vêm a luz os germes concebidos nos
ventres das mulheres. A Peste, a mais odiosa de todas as Deusas, brandiu seu
facho, lançou-se sobre a cidade e devastou as moradias de Cadmo.

[WENDY] Édipo- as dores que vos afligem, sejam elas quais forem, nada valem
em comparação com as minhas; cada um de vós sofre por si mesmo, sem sentir
o mal dos outros, e eu tenho de me lamentar, ao mesmo tempo, pela cidade,
por vós e por mim.

[AMANA] CREONTE - Direi, pois, o que me disse o deus. Ordena-nos Apolo que
apaguemos a mancha que alastrou na nossa terra, que a façamos desaparecer,
em lugar de a deixarmos aumentar, devemos recear que se torne inexpiável.

[WENDY] ÉDIPO- E de que espécie é esse mal? Que expiação?...

[WENDY] ÉDIPO - Em nome dos deuses! Não me escondas o que sabes. Todos
nós nos prostramos diante de ti e te suplicamos... 

[RAYSSA] TIRÉSIAS - Estais todos loucos. Não, não provocarei a minha


desgraça, e a tua. 

[OTTON] ÉDIPO - Que dizes? Sabes tudo e não queres falar? Tens então o
intuito de nos trair e de perder a cidade? 

[VICTÓRIA] TIRÉSIAS - Nem a ti nem a mim eu quero esmagar de dor. É em vão


que me interrogas. De mim nada saberás. 

[VICTOR] ÉDIPO - Nada, miserável, nada! Serias bem capaz de enfurecer um


coração de pedra. Não há em ti senão dureza e inflexibilidade. 

[CAZ] TIRÉSIAS - Tudo o que tem de suceder sucederá, apesar do meu


silêncio. 

[VICTOR] ÉDIPO - Tão grande é o furor que sinto que não deixarei de declarar
todas as minhas suspeitas. Ficarás sabendo, pois, que me parece que tomaste
parte no crime, que o cometeste mesmo, embora não tenhas sido o assassino;
se não fosse cego, só a ti acusaria da morte. 

2-
[AMANA] TIRÉSIAS - Ah! Sim? Então vou ordenar-te que obedeças ao decreto
que promulgaste e que, de hoje por diante, não fales a nenhum destes homens,
nem a mim, porque és tu o ímpio que mancha a nossa terra. 

[OTTON] ÉDIPO - Como ousas tu falar-me com essa imprudência? Julgas que
escaparás sem castigo?

[RAYSSA] TIRÉSIAS - Não tenho medo algum. Tenho comigo a força da


verdade. 

[MATHEUS] ÉDIPO - Quem te disse isso? Não foi decerto o teu saber. 

[VICTÓRIA] TIRÉSIAS - Foste tu, foste tu quem me obrigou a falar. 

[MATHEUS] ÉDIPO - O quê? Repete o que disseste, a ver se compreendo


melhor. 

[AMANA] TIRÉSIAS - Ainda não compreendeste? Estás-me a tentar, para que


fale ainda mais? 

3-
[VICTOR] ÉDIPO - Não compreendo bem o que disseste. Repete. 

[RAYSSA] TIRÉSIAS - Digo que és tu próprio o assassino que procuras

[CAZ] TIRÉSIAS - Vou-me embora; mas hei de dizer primeiro por que razão vim
aqui, sem recear a tua presença, porque nunca me poderás fazer mal. O homem
que procuras, que ameaças com tuas ordens por causa da morte de Laio, esse
homem está aqui; dizem-no estrangeiro, mas dentro em pouco saberás que é de
Tebas, o que pouca alegria lhe há de dar; vê a luz e há de tronar-se cego, é rico
e há de tornar-se pobre; partirá para terras estranhas; será para todos o irmão
de seu próprio filho, o filho e esposo daquela que o gerou, aquele que ocupa o
leito de seu pai, depois de o ter matado. Vai tu para o teu palácio, pensa em
tudo isto e, se vires que menti, dize então que sou mau adivinho

CAI A FICHA, COMEÇA O MOMENTO DO OLHO


[MATHEUS] ÉDIPO - Ai de mim! Ai de mim! Como sou desgraçado. Para onde
vou eu? Para onde vai a minha voz? Ó deuses, onde me lançastes?  

[VICTOR] ÉDIPO - Ó trevas execráveis da noite que sobre mim caístes,


lamentáveis, invencíveis, sem remédio! Ai de mim! Ai de mim! Ao mesmo tempo
me despedaçam as dores dos meus olhos e a lembrança dos meus crimes! 

[OTTON] ÉDIPO - Ah! Meus amigos! Que me ficou para ver e amar? Teria algum
prazer em falar com alguém? Levai-me já para longe daqui! Levai, amigos, este
criminoso, este homem votado a todas as execrações, este mortal que é de
todos os mortais o que maior horror faz aos deuses! 

[WENDY] ÉDIPO - Não teria vindo a ser assassino de meu pai; não diriam de
mim que fui o marido da que me deu a vida. Ah! Ímpio, filho de ímpios! Ah!
Miserável! Que dormiste com quem te concebeu! E se há alguma desgraça mais
terrível do que esta, Édipo a sofreu!

[WENDY] ÉDIPO - Não tentes provar-me que não procedi bem, não me dês mais
conselhos. Não sei com que olhos poderia contemplar, depois de descer ao
Hades, meu pai e minha desgraçada mãe, contra quem cometi abomináveis
crimes, daqueles que a morte não expia. E que gosto teria eu em ver meus
filhos que nasceram de igual modo? Não, não, nunca mais.

[MATHEUS] ÉDIPO - Nem ver a cidade, as muralhas e as imagens sagradas dos


deuses, de que eu próprio me privei, desgraçado de mim! Quando, em toda a
minha glória, ordenei que se expulsasse o ímpio, da família de Laio e odioso
aos deuses! Poderia olhá-los tranqüilo depois de patentear uma tal impureza?
Ah! Decerto que não. E pudera eu cerrar os ouvidos, que não tardaria fazê-lo!

[OTTON] ÉDIPO - Era o corpo inteiro que eu queria fechar, tornando-me surdo e
cego ao mesmo tempo; como é bom nada sentir de seus males! Ó Citero, por
que me escolheste tu? Por que não me mataste logo, para eu não revelar aos
homens quem eram os meus pais? Ó Políbio! Ó Corinto! Ó velho palácio, ó
palácio que dizem de meus pais! Como me criaste, cheio de dores sob a
aparência da beleza! Agora não sou mais que um criminoso, gerado por
criminosos.

[VICTOR] ÉDIPO - Ó encruzilhada, ó vale sombrio, ó bosques de carvalhos, ó


estreito passo a que vão dar as estradas! Ainda vos lembrais de mim, e do
crime cometido? Ó núpcias, núpcias! Vós me destes o ser, depois me unistes a
minha mãe e trouxeste à luz do dia pais, irmão e filhos, uma noiva esposa e
mãe, as máculas mais vergonhosas que existem entre os homens! Mas visto
que não é lícito falar dos feitos de ignomínia, pelos deuses vos rogo que me
escondais em qualquer sítio da cidade, ou nos montes, ou me lanceis ao mar,
onde não mais me possais ver. Vinde! Não desdenheis aproximar-vos de um
desgraçado! Acedei! Nada temais! Nenhum mortal, a não ser eu, poderia
suportar tais horrores! 

MULHER TOURO 

Édipo - Eu queria ser um touro, mas um touro livre, não desses que crescem em
cativeiro, tem dias que eu sonho com a liberdade dos touros, eu sinto a sua
força,  em outros eu sou o touro, com chifres serrados, acuado, ferido e com
uma lança no peito. 

Édipo - Eu queria poder me transformar em um touro. Como deve ser andar


sobre esse chão com a ausência do medo, da dúvida, como dormem os touros?
com o que sonham? E o que pensam os touros sobre nós, homens? Será que os
touros sentem os nossos medos? 

Édipo - Vem a mim, MULHERTOURO, com a sua força de vênus, pela sua
abundância e transformação, vem a mim, MULHERTOURO, clamo a tua
presença, a tua perseverança, a tua riqueza e imponência, ouve a prece de um
homem, pequeno, frágil e que carrega no seu corpo os maiores horrores já
lançados pelos deuses. 

(Entra em cena Mulhertouro, que é uma dignidade construída por todas as


mulheres)

MULHERTOURO - Quem és tu homem, que em tamanha petulância clama pelos


meus sonhos? 

Édipo - Sou Édipo, ó criatura sagrada, sou o homem que em vida carrega as
mais terríveis desgraças que os deuses já lançaram sobre os homens.

MULHERTOURO - Não acredito que irá ganhar a minha piedade homem ( Édipo, 
Édipo,  Édipo) Você é resultado também de seus escolhas, não  culpe apenas a
nós que desenhamos os destinos, é tu quem sela com um ponto final a tua
história, foi tu afinal que feriu bravamente os seus olhos. Quando você ainda se
via no reflexo  do espelho, qual era a imagem que falava com você? Não te
narro as minhas feridas, porque és tão imerso em ti, Édipo (homem homem
homem) que minhas dores não te arranham nem a superfície.

Édipo - Perder a visão não é meu castigo, é essa a única forma que cabe para
amenizar a minha dor. Posso não ser digno da tua piedade, mas não pode me
culpar por densejar a tua grandeza.
MULHERTOURO - Não lido com a culpa dos homens, homem (Édipo,  Édipo ,
edipo), com a minha força eu reparo injustiças. Eu sei que não inveja minha
grandeza, como ousa mentir? Você  homem, inveja sim, a força,  o meu poder e
tudo que isso me possibilita, mas não sou a única que molda destinos, somos
todas filhas do tempo,  de vênus, e eu irei perecer um dia tal qual você se
desfaz hoje. Que queres homem, pelo que me conta já conhece o  teu destino,
espera o que de mim?

Édipo- desejo pouco, apenas que me ensine a perseverar e prevalecer sobre as


minhas dores, sobre as minha feridas, quero dormir como um homem e acordar
como touro.

MULHERTOURO - Homem  (Édipo, Édipo, Édipo) você permanece em fuga, nem


teus olhos te livram da culpa, carregará para sempre a paisagem do teu
destino.  Se acomodou na sorte, na riqueza, provou o poder da coroa que lhe foi
dada e esqueceu o que movia teus passos, não se tornará touro, homem (Édipo,
Édipo, Édipo), viverá ainda e morrerá como homem.

Édipo - Me ensina então a ter os sonhos dos touros,  quero poder pelo menos
uma vez experimentar a sua liberdade.

MULHERTOURO - Perceba Édipo o mundo que te rodeia,  esse é o sonho, aqui


pode tudo e nada pode enquanto segue ainda aprisionado em seus medos,
entrega homem (Édipo, Édipo, Édipo), conta seus medos, ser MulherTouro
nunca me foi escolha, mas bradar sobre o mundo com toda minha força e
coragem, isso sim, quer ter o sono dos touros? A riqueza? O poder? Então
desperta Édipo, levanta, anda, corre, vive, mas assume, só assim, assumindo
teu medo, mais profundo, só assim, será livre dessa realidade cruel que habita
em sonhos. Édipo tudo é santo, entrega teu medo,  tudo é santo homem (Édipo,
Édipo, Édipo) Entrega teu medo.

(Édipos, num jogo de controle, violência e fuga, cada um conta um dos seus
medos)

Você também pode gostar