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1. Antecedentes
Verifica-se no mundo todo, nos dias de hoje, uma preocupação grande com os
problemas decorrentes da ineficiência do sistema penal (abrangendo tanto o Direito Penal
como o Direito Processual Penal) para o combate à crescente criminalidade.
Daí a procura por alternativas, com destaque para o chamado “direito penal
mínimo”, ou seja, da idéia de que o direito penal deve ser reservado somente para a punição
de fatos de maior gravidade, que atingem bens jurídicos de maior relevo para a sociedade,
deixando-se fora de seus domínios aqueles fatos de menor importância.
Por força desse princípio, desenvolve-se, no campo penal, uma moderna tendência
descriminalizadora/despenalizadora no campo da criminalidade de pequena e média
gravidade. Segundo Luiz Flávio Gomes, descriminalizar “significa retirar o caráter de
ilícito ou de ilícito penal do fato”, e despenalizar “adotar processos substitutivos ou
alternativos, de natureza penal ou processual, que visam, sem rejeitar o caráter ilícito do
fato, a dificultar, evitar, substituir ou restringir a aplicação da pena de prisão ou sua
execução, ou, ainda, pelo menos, sua redução”2.
1
Transação Penal, Malheiros Editores, 2.003, p. 38
2
Suspensão Condicional do Processo, Saraiva, 2ª ed., p. 111
1
Assim, quando o legislador deixa de considerar crime fato que anteriormente estava
tipificado na lei penal (“abolitio criminis”), temos uma descriminalização. Quando o
legislador altera a lei penal, criando alternativas à pena de prisão, temos uma medida
despenalizadora.
A lei n. 9.099, que instituiu entre nós o Juizado Especial Criminal, se insere nesse
conceito de medida despenalizadora, como veremos a seguir.
Pode-se dizer que com a lei em questão passamos a ter dois tipos de justiça
criminal: a justiça penal de consenso; a justiça penal de conflito.
É preciso lembrar que nosso sistema processual penal consagra, como um de seus
pilares, o princípio da obrigatoriedade. Segundo ele, o Ministério Público, uma vez formada
a “opinio delicti”, é obrigado a exercitar a ação penal. Não pode deixar de fazê-lo por
razões de conveniência ou oportunidade.
Pois bem, como dito anteriormente, a lei 9.099/95 fez algumas concessões ao
princípio da obrigatoriedade, como ocorre com a transação penal.
Essa lei 9.099/95, além de criar os Juizados Especiais Criminais, trouxe quatro
importantes medidas despenalizadoras: a) permite a composição civil, com extinção da
punibilidade, quando se tratar de crimes de ação penal privada ou pública dependente de
representação (art. 74, parágrafo único); b) permite a transação penal, através da qual se
3
op. Cit., p. 113
2
aplica, desde logo, em havendo acordo entre Ministério Público e autor do fato, pena
restritiva de direitos ou multa; c) No crime de lesão corporal leve, ou quando culposa a
lesão corporal, a ação penal deixa de ser pública incondicionada para se transformar em
pública condicionada à representação; d) permite a suspensão condicional do processo.
O art. 60 da lei 9.099, em sua parte inicial, aponta a composição dos Juizados
Especiais Criminais, aludindo a juizes togados e leigos. Mais adiante, no art. 73, faz
referência aos conciliadores.
Percebe-se, pois, que nos Juizados Especiais Criminais são admitidos tanto juizes
leigos como conciliadores, tidos como auxiliares da justiça.
É bom salientar, no entanto, que o juiz leigo e o conciliador atuam apenas como
conciliadores, sem qualquer função de julgar, e sempre sob a orientação de um juiz togado.
Outrossim, como visto, o juiz leigo e o conciliador têm a mesma função: conciliar
as partes. A diferença entre ambos é apenas de formação: os juizes leigos precisam ser
advogados com mais de cinco anos de experiência; conciliadores, de preferência bacharéis
em Direito.
4
op. Cit., p. 113
3
3.2. Competência
Assim, num primeiro momento, por força desse dispositivo legal, consideravam-se
infrações de menor potencial ofensivo: a) as contravenções penais (todas elas); e b) os
crimes cuja pena máxima cominada não ultrapassasse um ano, exceto aqueles para os quais
a lei prevê procedimento especial. Essa a orientação que predominou na doutrina5.
A polêmica gerada por esse dispositivo legal foi grande. Uma parte da doutrina
sustentava que esse conceito seria específico para os chamados delitos federais, inseridos
na competência da Justiça Federal. Para a justiça estadual continuava valendo aquele
conceito da lei 9.099/95. Teríamos, pois, dois conceitos de infração de menor potencial
ofensivo, um para crimes comuns, da competência da justiça estadual, e outro para os
crimes federais.
5
cf. Márcio Franklin Nogueira, op. Cit., p. 149
4
parágrafo único do art. 2º da lei 10.259/01 derrogou aquele conceito constante da lei
9.099/95.
Essa a orientação professada por Márcio Franklin Nogueira: “Por força dos
princípios da igualdade e da proporcionalidade, não se pode deixar de ampliar aquele
conceito de infração de menor potencial ofensivo. Tais princípios representam uma
limitação ao Poder Público, em especial ao Poder Legislativo, devendo nortear a
elaboração das leis, que não se podem ressentir da falta de razoabilidade. Assim, a norma
do art. 61 da lei 9.099/95 foi ab-rogada pelo art. 2º, parágrafo único, da lei 10.259/2001”6.
Outrossim, além desses princípio elencado no art. 62, há outros que também se
podem dizer específicos dos Juizados Especiais Criminais: princípio da legalidade
mitigada; princípio da autonomia da vontade; princípio da desnecessidade da pena privativa
de liberdade.
3.4.1. A oralidade
6
op. Cit., p. 154
5
Por força desse princípio, os atos processuais, nos Juizados Especiais Criminais,
devem ser praticados oralmente, embora devam ser documentados de forma sucinta.
3.4.2. A informalidade
Esse princípio relaciona-se com a ausência de preocupação com a forma dos atos
processuais. Isso não significa, no entanto, ausência total de formas. A regulamentação das
formas dos atos processuais é uma garantia para as partes. O que não pode prevalecer é o
excesso de formalismo.
Intimamente relacionado com os outros princípios, busca a rápida solução dos casos
penais, mas sem comprometer a segurança.
6
Ministério Público dispor da persecução penal, propondo ao autor do fato medida penal
alternativa, ao invés de dar início a ação penal.
Norte da lei 9099/95 é a não imposição de pena privativa de liberdade. Veja-se que o
art. 62, em sua parte final, diz: “objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos
sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade”.
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3.5. A competência e os atos processuais
Por outro lado, os atos processuais devem ser públicos, podendo ser realizados à
noite, e em qualquer dia da semana (art. 64)
A citação deve ser pessoal, no próprio Juizado, quando possível, ou por mandado.
Não há citação por edital, nem citação por carta precatória.
Não sendo encontrado o acusado para ser citado, o juiz encaminhará as peças ao
juízo comum, onde prosseguirá o feito.
O parágrafo único, art. 60 diz: “Ao autor do fato que, após a lavratura, do termo, for
imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer,
não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. (grifo nosso). Como se
percebe, em se tratando de infração de menor potencial ofensivo não se há falar em
lavratura de auto de prisão em flagrante, nem em fiança.
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dispensa é a documentação da prisão em flagrante, a lavratura do auto de prisão em
flagrante, que é substituído pelo auto circunstanciado7.
No entanto, é bom considerar que o parágrafo único do art. 69 estabelece que “ao
autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado
ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se
exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de
cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”.
Esse parágrafo único teve sua redação alterada pela lei n. 10.455/02, que cuida da
violência doméstica.
7
cf. Márcio Franklin Nogueira, op. Cit., p. 175
8
Mirabete, Julio Fabrini, JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: COMENTÁRIOS,
JURISPRUDÊNCIA, LEGISLAÇÃO – 3 ed.- São Paulo:Atlas, 1998.
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Se as partes não comparecerem, chegando ao juiz apenas o termo circunstanciado, a
Secretaria do Juizado deve providenciar a intimação das partes (art. 71).
A conciliação poderá ser conduzida pelo próprio juiz, ou por conciliador sob sua
orientação.
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Não sendo possível o acordo civil, ofertadas a representação (na ação penal pública
condicionada) ou a queixa (na ação penal privada), ou em se tratando de ação penal pública
incondicionada, passa-se à segunda fase da audiência, a da transação penal.
Assim, não sendo caso de arquivamento do TC, o Ministério Público poderá propor
a aplicação de pena restritiva de direitos ou de multa (art. 76).
Tem-se admitido que o autor do fato, ou seu advogado, formulem uma contra-
proposta.
Uma vez aceita a proposta, deve o acordo ser homologado pelo juiz (togado). É
indispensável a presença do advogado no ato. Dessa sentença cabe apelação.
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A imposição da pena restritiva de direitos, decorrente da transação penal, não deverá
constar de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins de obtenção futura de novo
benefício de transação penal (art. 76, § 4º). Também não implicará em reincidência.
Penso que deve prevalecer a vontade do autor do fato, desde que perfeitamente
esclarecido das conseqüências de seu ato. A ele deve mesmo caber a última palavra, pois a
ele caberá cumprir a pena restritiva de direitos ou de multa. Esta a orientação prevalente
tanto na doutrina como na jurisprudência.
Uma corrente sustenta que não cumprida a pena consensuada deve ela ser
convertida em pena privativa de liberdade. Essa orientação choca-se frontalmente com os
fins da lei 9.099/95, que é justamente afastar a imposição de pena privativa de liberdade.
Uma terceira corrente diz que não pode haver, nesse caso, nem conversão da pena
restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, nem apresentação de denúncia. Isso,
no entanto, torna inócua a transação penal e foge dos objetivos da lei.
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Quando se tratar de pena de multa, a solução é mesmo a sua execução, com a
cobrança na ação de execução fiscal (trata-se de débito tributário).
Não será admitida a transação penal quando: a) tiver sido o autor da infração
condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; b)
tiver sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de
pena restritiva de direitos ou multa; c) não indicarem os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e
suficiente a adoção da medida (art. 76, § 2º).
Não se logrando a transação (ou pela ausência do autor do fato, ou pela não
aceitação da proposta formulada), é preciso distinguir: a) sendo crime de ação penal
privada, o ofendido poderá oferecer queixa oral (art. 77, § 3º); b) sendo crime de ação penal
pública, o Ministério Público oferecerá denúncia oral, se não houver necessidade de
diligências imprescindíveis (art. 77, “caput”).
Quando se tratar de crime que deixa vestígios, a materialidade do crime deverá estar
demonstrada ou por boletim médico ou prova equivalente (art. 77, § 1º).
Uma vez oferecida a denúncia ou a queixa, será ela reduzida a termo, entregando-se
cópia ao acusado, que ficará citado e cientificado da designação de dia e hora para a
audiência de instrução e julgamento. Também deverão tomar ciência da designação, o MP,
o ofendido, o responsável civil e seus advogados (art. 78).
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Se o acusado não estiver presente, será citado na forma dos arts. 66 e 68, devendo
trazer à audiência de instrução e julgamento suas testemunhas, ou apresentar requerimento
para sua intimação como no mínimo cinco (5) dias de antecedência.
Em seguida, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que
o juiz receberá ou não a denúncia ou queixa. Sendo recebida a peça inicial, devem ser
ouvidas as vítimas e testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se o acusado em
seguida. Após, as partes debatem a causa e juiz sentencia.
Nenhum ato deve ser adiado, determinando o juiz, se o caso, a condução coercitiva
de quem deva comparecer (art. 80).
O prazo para interpor apelação escrita é de dez dias. Igual o prazo para contra-
razões.
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Outra medida despenalizadora prevista na lei 9.099/95 é a suspensão condicional do
processo, inserida no seu art. 89.
São requisitos para a suspensão condicional do processo: a) crime com pena mínima
cominada igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidas ou não pela lei 9.099/95; b) não estar
o acusado sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime; c) estarem
presentes os requisitos autorizadores da suspensão condicional da pena (art. 77 do Código
Penal).
Veja-se que a suspensão condicional do processo não é instituto típico dos Juizados
Especiais Criminais. Tanto que o art. 89 se refere a crimes abrangidos ou não pela lei
9.099/95.
Expirado o prazo da suspensão, sem que ela tenha sido revogada, o magistrado
declarará extinta a punibilidade.
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4. Recursos - Execução, despesas Processuais e disposições finais.
O prazo para interpor apelação escrita é de dez dias. Igual o prazo para contra-
razões.
A questão de maior indagação, no que se refere á lei 9.099/95 foi o art. 85 que diz
“Não efetuado o pagamento de multa, será feita a conversão em pena privativa de
liberdade, ou restritiva de direitos, nos termos previstos em lei” (grifo nosso). Essa
previsão legal refere-se a Lei de Execuções Penais. Mas é de salutar importância destacar
que essa conversão não é mais possível face o advento da Lei 9.268/96 que baniu do nosso
sistema essa possibilidade e deu nova redação ao art. 51 do Código Penal determinado que
toda multa será considerada dívida de valor, portanto, só poderá ser cobrada em sede de
execução, no juízo cível.
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sentido a possibilidade da conversão. Diferente também não era a intenção do legislador
quando da lei edição da 9.268/96.
Dispõe o art. 87 que nos casos de homologação de acordo civil e aplicação da pena
restritiva de direitos ou multa, as despesas processuais serão reduzidas, conforme dispuser a
lei estadual. “A lei manda reduzir, mas nada impede que o Estado não cobre absolutamente
nada, tal como já faz, na atualidade, o Estado de São Paulo, no que concerne ao juízo
comum criminal”.10
No âmbito civil o projeto que prevaleceu foi o de Nelson Jobim e na parte criminal
o dos juristas e professores já citados.
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Op.cit. Grinover, Ada Pelegrine et al, pág. 204
10
Op, cit. Pág. 210.
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nosso ordenamento jurídico penal, inclusive abarcando todas as infrações em que a pena
mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não pela Lei 9.099/95.
É importante frisar que tal providência não retirou o caráter ilícito do fato, tão
somente ocorre a despenalização e não descriminalização.
Dispõe o artigo 91 da lei in verbis: “Nos casos em que a lei passa a exigir
representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante
legal será intimado para oferecê-la no prazo de 30 (trinta) dias., sob pena de decadência.”
Para que se opere a decadência é importante que a intimação da vítima ou seu representante
legal seja efetiva e válida, sempre pessoal, senão não se há falar em decadência e o
processo deverá ficar paralisado até que se opere a prescrição.
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