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Dao de Jing Tao Te Ching
Dao de Jing Tao Te Ching
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ÍNDICE
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PREFÁCIO DA TRADUTORA
O título
No Ocidente, o título desta obra varia: ‘Dao De Jing’, ‘Tao Te Ching’, ‘Tao-tö-king’…
Deve-se isso ao sistema de transcrição fonético que foi adoptado em cada caso. Quando
se adopta a transcrição fonética do chinês conhecida como pinyin, um sistema criado pelo
governo chinês na década de 1950, o nome surge como ‘Dao De Jing’. ‘Tao Te Ching’,
por sua vez, é a transcrição fonética segundo o sistema Wade-Giles, criado na década de
1920 para os países de língua inglesa. ‘Tao-tö-king’ é a transcrição fonética segundo o
sistema EFEO (École française de l’Extrême Orient), criado em 1902 e utilizado nas áreas
de influência da língua francesa. O sistema pinyin sobrepôs-se entretanto a todos os outros
e foi esse que aqui utilizei.
E o que significa 道德經 (Dao De Jing)?
Dao, 道, significa caminho, via, mas também método, ensinamentos, doutrina. Na escrita
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um tempo esvaziado e prolífico, preside e desapega-se de tudo quanto gera (capítulo 51).
Gera os seres mas torna-os independentes, capazes por si mesmos de realizar a sua
natureza espontânea. Esse movimento gerador provoca, em simultâneo, o seu contrário:
tudo quanto existe tende para o dao, tal como os rios correm em direcção ao mar (capítulo
32). O dao é, a um tempo, ausente e presente, sabor sem sabor que os contém a todos,
forma sem forma que as origina a todas, fundo indiferenciado de onde tudo procede e que
está presente em cada individuação, cada actualização concreta. Daí que seja possível
aceder ao dao através delas.
De, 德, significa poder, potencial, virtude. Um coração 心 recto 一 como se dez 十 olhos
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Na dinastia Han, pela época do quarto imperador, foi atribuído a esta obra o termo jing
(cânone ou clássico). Mas o título Dao De Jing (道德經) parece ter ganho alento apenas
na dinastia Tang. Até então - e ainda hoje - era comum na China referirem-se a ele como
Lao Zi. Lao Zi não é propriamente um nome, mas uma designação cujo significado é “Velho
(lao 老) Mestre (zi 子)”. O título remetia, pois, para o velho mestre ou para os velhos mestres,
dado que em chinês não há plural ou singular para substantivos e adjectivos. “Velho” pode
significar, como em português, avançado em idade ou “antigo”, além de ser também uma
forma de tratamento para quem é mais velho do que nós e merece o nosso respeito. Zi é uma
forma de tratamento partilhada, por exemplo, por Zhuang Zi e Lie Zi, o Mestre Zhuang e o
Mestre Lie, outros dois expoentes da escola do dao, e por Kongfu Zi, ou seja, o Mestre
Confúcio. Tal como Lao Zi (Lao Tzu e Lao Tseu nas versões Wade-Giles e EFEO,
respectivamente), Zhuang Zi e Lie Zi designam também a obra desses autores.
Versões chinesas
Existem múltiplas versões chinesas do Dao De Jing, cujas diferenças não são
particularmente dignas de nota. As duas versões com maior peso ao longo da História e
que se tornaram por isso nas mais comuns são as de dois comentadores, Heshang Gong
(final da dinastia Han) e Wang Bi (226-249 d.C.). Os comentários de ambos foram
anexados aos textos do Dao De Jing e tornaram-se nos principais veículos para a
disseminação do texto na China. Nestas versões, a primeira parte da obra (estrofes 1-37)
começa com uma estrofe dedicada ao dao; a segunda parte (estrofes 38 – 81) começa com
uma estrofe dedicada ao de. Na versão de Heshang Gong cada capítulo apresenta um
título, o que deverá ser, no entanto, um acrescento muito posterior, provavelmente da
dinastia Song. Fu Yi, um adepto da escola do dao da dinastia Tang, publicou igualmente
um texto descoberto em 574 d.C. que estava enterrado num túmulo Han datado de cerca
de 200 a.C.. Esta versão também apresenta as estrofes do Dao em primeiro lugar. A
divisão em 81 capítulos é em geral atribuída a Liu Xiang (c. 79-6 a.C.), bibliógrafo da
corte da dinastia Han, julga-se que para perfazer o “número perfeito” nove vezes nove.
Há ainda duas obras da escola do dao que se referem profusamente ao Dao De Jing: o
Wenzi, um texto tardio do período dos Reinos Combatentes ou talvez do início dos Han;
e o Huainan Zi, patrocinado e dirigido pelo príncipe de Huainan, Liu An (179-122 a.C.).
Dignos de menção são dois importantes manuscritos do Dao De Jing que foram
descobertos recentemente. Um deles, redigido sobre seda, foi encontrado em 1973 em
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Mawangdui, num túmulo de 168 a.C. pertencente ao filho de um oficial. Foi publicado
em 1976. Na verdade, trata-se de dois textos, o primeiro de cerca de 205-190 a.C. e o
outro um pouco mais tardio. O curioso é que, nestes textos, a segunda metade dos textos
já conhecidos, ou seja, a que começa com de (capítulos 38 – 81) surge em primeiro lugar.
A sequência dos capítulos também diverge pontualmente das versões de Heshang Gong
e Wang Bi.
O outro manuscrito, inscrito em tiras de bambu, foi descoberto em 1993 em Guodian,
uma vila a norte da antiga capital do estado de Chu da dinastia Zhou, Ying, na actual
província de Hubei. Foi publicado em 1998. Encontrava-se num túmulo do séc. III ou IV
a.C. Uma característica relevante do manuscrito de Guodian é contar com cerca de dois
mil caracteres, ou seja, menos de metade das versões conhecidas. Na esmagadora maioria,
são estrofes pertencentes aos capítulos dedicados sobretudo ao dao, isto é, à primeira
parte das versões de Heshang Gong, Wang Bi e Fu Yi. Não se conseguiu apurar se assim
é por se tratar de um excerto do texto total ou por se tratar do núcleo inicial a partir do
qual o texto restante foi desenvolvido. A ordem das estrofes difere de qualquer das
versões anteriormente conhecidas. Os caracteres utilizados também nem sempre
coincidem. Por exemplo, no primeiro capítulo, no texto de Guodian encontra-se 恆 heng
O autor
Como curiosidade, aludirei brevemente ao que foi sendo dito sobre Lao Zi. No seu Shiji
(史記 Memórias Históricas), Sima Qian (c. 145-87 a.C.) redigiu esta breve biografia de Lao
Zi:
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nadam são apanhados com redes. E os que voam são atingidos por flechas.
Porém, ao Dragão, não o posso conhecer, porque ascende ao céu deslocando-se
com o vento e com as nuvens! Eu hoje vi Lao Zi e ele é como o Dragão!’
Lao Zi cultivou o dao e o seu poder. A sua doutrina era a arte de se manter
escondido e permanecer anónimo. Habitou longo tempo no reino dos Zhou e,
perante o seu declínio, renunciou ao cargo que ocupava. Foi-se para Xiangu,
onde o guarda Yin Xi lhe disse: ‘Uma vez que ides esconder-vos, imploro que
escreveis um livro.’ Mal terminou o livro, que se dividia em duas partes, uma
sobre o dao, outra sobre o seu poder e que tinha mais de cinco mil palavras, Lao
Zi partiu e ninguém sabe aonde veio a morrer.” 1
No entanto, o próprio Sima Qian é levado a concluir que ninguém poderá saber se tudo isto
é verdade, pois Lao Zi “era um sábio escondido”, isto é, alguém que renunciara à vida pública
e se recusava a colaborar na governação.
A história contada por Sima Qian tem um carácter sobretudo simbólico. A passagem sobre a
viagem de Lao Zi para o Oeste e o encontro com o guarda Yinxi, para quem terá escrito o
livro, significa que o Dao De Jing se destinava a não-iniciados (o guarda). Escrito por um ou
vários iniciados, o livro pretendia levantar o véu sobre a cosmovisão subjacente à via (dao)
que havia(m) adoptado, cosmovisão essa que a obra demonstra já se encontrar então num
estado adiantado de amadurecimento. Trata-se, portanto, de uma obra que não é esotérica,
embora certas passagens e, sobretudo, expressões, pudessem parecer sibilinas a não-
iniciados.
O cargo de arquivista-astrólogo indica uma função e um saber de tipo sagrado e, enquanto
conselheiro do soberano, também político, ao invés do que sucedia com Confúcio, cuja
reflexão era politicamente laica. Assim, o encontro com Confúcio ilustra as diferenças entre
a sua visão e a visão exposta no Dao De Jing, com vantagem para esta última, a qual estaria
para além da capacidade de compreensão daquele. Sima Qian, ele próprio astrólogo da corte
dos Han, simpatizava com a escola do dao e esta lenda talvez fosse do seu agrado. Na
verdade, é muito pouco provável que tal encontro tenha alguma vez tido lugar.
Existem ainda numerosos mitos sobre a figura de Lao Zi. ‘Lao Zi’ significa também “criança-
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老子者,楚苦縣厲鄉曲仁里人也,姓李氏,名耳,字耼,周守藏室之史也。孔子適週,將問禮
於老子。老子曰:“子所言者,其人與骨皆已朽矣,獨其言在耳。且君子得其時則駕,不得其時則
蓬累而行。吾聞之,良賈深藏若虛,君子盛德容貌若愚。去子之驕氣與多欲,態色與淫志,是皆
無益於子之身。吾所以告子,若是而已。”孔子去,謂弟子曰:“鳥,吾知其能飛;魚,吾知其能
遊;獸,吾知其能走。走者可以為罔,遊者可以為綸,飛者可以為矰。至於龍,吾不能知其乘風
雲而上天。吾今日見老子,其猶龍邪!” 老子修道德,其學以自隱無名為務。居周久之,見周之
衰,乃遂去。至關,關令尹喜曰:“子將隱矣,強為我著書。”於是老子乃著書上下篇,言道德之
意五千馀言而去,莫知其所終。
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velha”, o que deu origem ao mito segundo o qual ele teria nascido já com várias centenas de
anos. E a sua mãe conservou-o no útero 72 ou 81 anos – ambos números com forte carga
simbólica; ao nascer, Lao Zi apresentava 72 ou 81 traços distintivos e maravilhosos (boca
quadrada, três orifícios nas orelhas, etc.); foi concebido depois de a mãe ter engolido uma
pérola de cinco cores caída do céu; nasceu do flanco esquerdo da mãe e sob uma ameixoeira
(li 李) e, por isso, o seu apelido era Li; sabia andar e falar desde o nascimento, etc.
No seio da escola do dao, Lao Zi acabou por ser divinizado como terceira figura da principal
trindade do panteão, datando o início do seu culto do séc. II a. C. É descrito em muitos textos
como a consubstanciação do próprio dao. Nascido antes do céu e da terra, antepassado do
sopro original (氣 qi), de corpo invisível, cria e transforma os dez mil seres, permanecendo
A época
À dinastia Xia (c. de 2183–1500 a.C.; os historiadores ocidentais tendem a acreditar que
se trata de uma dinastia mítica) sucedeu a dinastia Shang (c. de 1500–1100 a.C.), a que
por sua vez sucedeu a dinastia Zhou em 1027 a.C., que foi dividida em período da
Primavera e do Outono e período dos Reinos Combatentes. Todas essas dinastias
contavam já com estruturas governamentais sofisticadas, com vários ministros tutelando
diversas pastas, como os transportes, as obras públicas, o exército ou a lei e a cultura. A
China de antanho situava-se em torno da bacia do rio Amarelo e estendia-se para sul até
um pouco mais além do rio Yangzi (Yangtzé; Iansequião). Na dinastia Zhou, o sistema
de escrita era já muito antigo.
Em 771 a.C., os reis da dinastia Zhou começaram a perder poder e influência e tiveram
de se retirar da sua capital. Como consequência, no século seguinte, os senhores locais
afastaram-se do rei Zhou e lutaram por estabelecer os seus próprios estados. Começou
então o período dos Reinos Combatentes cuja instabilidade se prolongou até 221 a.C.. Os
pequenos estados passaram a competir entre si por influência e território, de tal maneira
que, de início, se contava um total de cerca de 120 pequenos estados mas, por volta de
500 a.C., subsistiam 40 e, por volta de 250 a.C., restavam apenas sete. Para além disso, a
precariedade reinava igualmente no interior de cada estado, pois várias famílias nobres
disputavam constantemente o poder entre si. Foi também nessa época que floresceu todo
um conjunto heteróclito de escolas que entraram em diálogo, conhecidas como as Cem
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Escolas de Pensamento, entre elas a escola de ru (儒), “confucionismo”), a escola do dao
As traduções
Extremamente conciso, sem referências históricas ou pessoais, o Dao De Jing, como todas
as grandes obras, pode e deve ser lido segundo múltiplos níveis e a partir de diversas
perspectivas: a filosófica, a política, a estratégica, a fisiológica.
As frases sucintas, privilegiando a profundidade em detrimento da profusão, explicam em
parte o seu poder evocativo, o qual se tem mantido inalterável através dos tempos. Como o
dao, é “pequeno e sem nome” (estando assim de acordo com o que advoga); foi escrito há
cerca de vinte e cinco séculos mas o seu poder é tal que tem sido traduzido em quase todas
as línguas e se mantém espantosamente actual. Talvez hoje mais do que nunca.
O vocabulário utilizado nesta obra é simples e surpreendentemente restrito (mais uma vez,
cumpre o que advoga: “Parcas palavras são conforme o natural”, capítulo 23). Como é
apanágio de obras verdadeiramente profundas, a dificuldade de entendimento não releva
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da complexidade da linguagem mas do significado e alcance daquilo que se pretende
dizer. O tom críptico não resulta do facto de se tratar de um texto secreto, mas de o dao não
poder ser reduzido a palavras. Procurei, por isso, que a minha tradução fosse o oposto de uma
tradução palavrosa, reduzindo ao máximo o vocabulário utilizado em língua portuguesa e
conservando o tom lacónico, não só porque sucede assim no original mas porque é desse
modo que está de acordo com o espírito do dao.
No séc. VII d.C., o Dao De Jing foi um dos primeiros textos chineses a ser traduzido para
o sânscrito. E, no Ocidente, veio a tornar-se na obra mais traduzida do pensamento chinês,
existindo hoje várias dezenas de versões em inglês e em francês e noutras línguas
europeias.
A primeira tradução para uma língua ocidental, o latim, foi levada a cabo por missionários
jesuítas, no final do séc. XVIII. Foi introduzida em latim no Ocidente em 1788 através da
Royal Society de Londres. Em 1844, já havia traduções completas em francês e em
alemão. Em 1868, apareceu a primeira tradução em língua inglesa, por John Chalmers.
Em Macau, Manuel da Silva Mendes publicou em 1930, no jornal Notícias de Macau, os
seus Excerptos de Filosofia Taoísta, em cuja primeira parte reescreveu numa versão
poética concordante com o gosto português de então e muito livre, apenas alguns trechos
do Dao De Jing e do Nan Hua Jing (南華經), de Zhuang Zi. O próprio Silva Mendes
adverte que não se trata de tradução, sendo para mais provável que não tivesse
conhecimentos suficientes da língua chinesa para tal. O autor da primeira tradução para a
língua portuguesa do Dao De Jing a partir do chinês foi um macaense, Gonzaga Gomes,
decorria já o ano de 1952. A segunda, e peculiar, tradução para a língua portuguesa a
partir do chinês, segundo o próprio informa, é da autoria do Padre Joaquim Guerra e foi
publicada pelos jesuítas portugueses em Macau em 1987. No Brasil, a primeira tradução
para a língua portuguesa a partir directamente do chinês parece ter sido a de Mário Bruno
Sproviero, em 1997.
A primeira tradução em língua portuguesa a partir do chinês e publicada em Portugal é
esta que o leitor tem entre mãos e foi dada à estampa originalmente no ano de 2002 numa
casa editora entretanto extinta. Vinte anos se passaram e esta segunda versão contém
modificações em relação à anterior, espero que para melhor. Uma delas foi conservar
desta feita o termo original dao sem o traduzir, pois trata-se de um conceito
especificamente chinês e sem correspondência nas línguas ocidentais, mas que já faz parte
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do vocabulário destas, para mais quando o termo ‘taoísmo’ ou ‘daoísmo’ foi adoptado há
longo tempo. O mesmo não sucede com de, cuja tradução para ‘poder’ conservei.
Considerações finais
Irei tecer agora aqui algumas considerações finais tendo em vista tentar mitigar a estranheza
que o leitor poderá eventualmente sentir em face desta obra.
A cosmovisão da escola do dao sempre teve por base práticas divinatórias, exorcísticas,
astrológicas, medicinais-mágicas, com origem na história remota da China. A velha divisão
da escola do dao numa corrente de pensamento iniciada com Lao Zi e desenvolvida por
Zhuang Zi e Lie Zi – o chamado taoísmo filosófico – e numa corrente que daí teria
degenerado numa espécie de religião composta por uma amálgama de crenças, práticas
xamanísticas, técnicas fisiológicas e alquímicas de interesse menor – o chamado taoísmo
religioso – é muito problemática e está ultrapassada.
Preservando sempre o espírito que a caracteriza, a escola do dao manteve-se como uma
unidade evolutiva para onde foram convergindo práticas e crenças de proveniências diversas.
Evitou sempre o exercício da reflexão dogmática e a transformação em sistema de cariz
filosófico; e também não se deixou consubstanciar numa religião estruturada e unificada. A
irredutibilidade a um sistema filosófico ou religioso é o próprio espírito do dao: ser a
convergência do mundo, mas não se encher (final do capítulo 32), pois só não se enchendo é
que, preservando-se, é capaz de se renovar (final do capítulo 15).
As doutrinas, os sistemas de pensamento, são do domínio da mera comunicação. Mas a
experiência do dao não se consegue pondo em prática uma teoria. No limite e em rigor, a
distinção teoria-prática não tem qualquer sentido. A experiência do dao consegue-se, não
através da fala (“Quem fala não sabe / quem sabe não fala”, capítulo 56), mas de práticas
de meditação às quais brevemente se alude aqui e ali ao longo da obra. Apenas essas
práticas permitem regressar à quietude, à receptividade, à clareza, à autenticidade
(capítulo 10). Para tanto, há que se libertar de desejos e de acções, de tudo quanto se
acumulou: virtudes de tipo confucionista, ditames impostos pela sociedade, leis e ordens,
estudo, falso conhecimento (capítulos 71 e 81). Tudo isto são obstruções à experiência
íntima do dao. O acesso ao dao pressupõe antes uma desconstrução da mente, uma
verdadeira supressão do intelecto (capítulo 48).
Aquilo sobre que versa o Dao De Jing não é redutível a meros conceitos, a nomes, a um
ensino com palavras. A palavra limita (“Quanto mais se fala mais se limita”, capítulo 5),
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enquanto o dao é ilimitado. O mundo da palavra é o mundo da multiplicidade: “com
nome, é Mãe dos dez mil seres”. (capítulo 1). A palavra não é encarada de modo
pejorativo, mas permanecer na sua esfera é tão-só conhecer os brilhos, os reflexos, sem
retornar à lucidez (capítulo 52). A palavra pertence aos seres e os seres também são o
dao, mas há que ser parco na sua utilização. Enquanto instrumento do pensamento
conceptual, as palavras constrangem, analisam, distinguem, dividem. Usam-se sempre à
falta de melhor (capítulo 25) e só a custo se pode com elas tentar descrever o dao
(capítulos 4, 15, 21, 25 e 34). A palavra deve servir para deixar escutar o silêncio e não
para o ocultar. Discussões acerca da diferença entre “bem” e “mal”, tão estéreis quanto
discussões sobre a diferença entre “sim” e “mh-mh” (capítulo 20), são ruídos que
impedem o escutar do silêncio. De que serve estabelecer distinções rígidas e conceitos
estanques? A origem de algo é o seu contrário-complementar (capítulo 2) e
transmudarem-se um no outro é a sua condição (capítulo 58). Por isso, o sábio evita os
extremos e a demasia (capítulo 29). Nessa ordem de ideias, e até aos dias de hoje, o que
se pratica com os adeptos do dao é um “ensino em que não se fala” (capítulos 2 e 43). O
ritual litúrgico assume grande importância e é através da sua prática, não através da
transmissão de uma doutrina, que a iniciação se concretiza.
Ser um com o vazio e, por isso mesmo, pletórico dao tem como efeito a flexibilidade
(física e psíquica, tal distinção perdendo qualquer sentido, capítulo 40), não o
“conhecimento”. O “conhecimento” opera-se pelo confronto de um par dicotómico:
sujeito e objecto, o primeiro exteriorizando o segundo. Ora, isso é afastar-se do dao.
Sujeito e objecto contêm-se um ao outro, é pelo interior que se conhece o exterior. E esse
verdadeiro conhecimento não é um acontecimento mental, é uma experiência vivida. Para
atingir esse estado de naturalidade (ziran) é preciso que uma transformação tenha lugar
através da meditação e de práticas fisiológicas, de modo a alcançar a própria natureza
original que foi corrompida e ocultada com tudo aquilo com que se foi enchendo a mente.
Os exercícios de tipo fisiológico atestam o dao como como uma certa ausência mas
também como uma presença, algo de comum, algo que “está aqui” – esse também é o
significado de “que permanece” (capítulos 1, 16 e 52). Daí que o movimento do adepto
do dao seja “voltar atrás” até ser de novo um “recém-nascido”, um recém-nascido de
ordem superior, que encontrou a própria Mãe dentro de si, que é Mãe e Filho em
simultâneo. E, uma vez retornado à origem, à quietude, ao silêncio, há que voltar atrás
outra vez em direcção ao mundo e ao movimento (capítulos 10 e 15) e de novo nascer.
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Explicitação de alguns termos chineses:
o caracter you é o pictograma de uma mão a segurar uma fatia de carne . Trata-se de
uma imagem eloquente de concretude, de tangibilidade. O you aponta o tangível, o pleno.
O wu corresponde ao vazio do universo (o silêncio, o espaço vazio, o branco do papel,
etc.); o you corresponde à plenitude do universo, ao nomeável (a palavra, o espaço cheio,
o negro…). O you só consegue a sua plenitude devido a essa presença do vazio wu como
uma certa ausência. O sem-manifestação é in-manifesto, encontra-se no manifesto, só
diferindo em densidade de qi. São termos correlativos e indissociáveis, co-existindo em
todas as coisas, de uma forma semelhante ao yin e ao yang. O wu é o fundo indiferenciado
do you, a partir do qual este se vai diferenciando. O dao a ambos engloba, wu e you.
Existe, porém, um outro wu, que não é apenas o correlato do you como sucede no capítulo
11. É o wu a que se alude no capítulo 40, o indeterminável que não aparece nunca mas,
como um estado segundo do dao, é origem sem nome (capítulo 1) do you.
O dao do sábio é wu: sem (wu) acção, sem (wu) conhecimento, sem (wu) desejo. O sábio
de tudo se desapossa. E, assim, mais tem (capítulo 81), pois o you (ter) nasce do wu (não
ter) (capítulo 40). Só o vazio é receptivo (capítulo 11), é fêmea e, logo, está apto e gerar
e a criar.
Wuwei 無為, não-acção, sem acção, sem agir. Cumpre sublinhar que não se trata de
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passividade ou de renúncia. Pelo contrário, o Dao De Jing pode ser encarado como um
tratado sobre a acção eficaz. O tipo de negação utilizado na expressão wuwei e outras
semelhantes é muito curioso e revelador. Assim, não é dito que o dao é sem forma, mas
que é a forma sem (wu) forma (capítulo 14). A negação da forma existe no interior da
forma. Uma forma com (you) forma, uma imagem com imagem, diferenciada, actualizada,
já não seria a grande forma ou grande imagem, a que contém todas as formas e todas as
imagens. De modo análogo, a melhor tradução da expressão “wei wuwei” não é “agir a
não-acção”, mas “agir sem-acção”, embora possa soar estranha em português em várias
passagens. O sábio faz, age e saboreia (capítulo 63), mas age sem acção (“marchar sem
marcha / enrolar as mangas sem braços…”, capítulo 69), faz sem fazer e saboreia sem
saborear. O Wuwei não nega a acção, é antes uma acção de ordem superior, é a acção por
excelência, sinal do verdadeiro dom, do verdadeiro poder (de). Não é acção menor que
força e “inter-fere”. Forçar é negar o dao e, logo, cortejar a morte (capítulo 30). Acções
que “inter-ferem” partem de uma escolha e são uma imposição, estando condenadas ao
fracasso porque “o mundo é um recipiente sagrado /sobre o qual não se pode agir!”
(capítulo 29).
O wuwei provoca a retirada de todos os entraves susceptíveis de impedirem a marcha
natural das coisas. Impele a agir sobre aquilo que se encontra ainda num estado anterior
à sua actualização manifesta (“agir sobre algo enquanto não se manifesta”, capítulo 64),
o estado que é o seu contrário-complementar (capítulos 36 e 67). O efeito da brancura
não se obtém através do branco nem o efeito da eloquência através da eloquência. O
melhor efeito é obtido através da sua falta (capítulo 22). Assim, “a grande brancura
parece manchada” (capítulo 41) e “a grande eloquência parece titubeante” (capítulo 45).
Também é através do “isto aqui”, do mais próximo, que se pode chegar mais eficazmente
ao mundo, ao mais afastado, porque, afinal, se contêm um ao outro (“E através de quê é
que sei como o mundo é? / Através ‘disto aqui’!”, capítulo 54; “Não sair da porta / e
conhecer o mundo”, capítulo 47). É reduzindo a acção ao mínimo, operando quando o
efeito que se pretende criar se encontra em estado larvar, que se consegue a flexibilidade
(capítulo 40), isto é, que se consegue que o objectivo seja atingido naturalmente, “por si”
(ziran)2.
2
O termo ziran, no sentido em que é utilizado no seio da escola do dao, exprime, na verdade, uma visão
do que é a liberdade muito mais profunda, real e completa do que aquela que vigora no Ocidente. A
liberdade, no Ocidente, é política e mundana, isto é, exterior e não intrínseca e tem, por isso, revelado ser
ilusória e infrutífera.
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Shengren, 聖 人, o sábio. O sábio não pode ser separado da figura do governante, do
governante-sábio, aquele que não coloca obstáculos ao curso natural das coisas, ao seu
ziran (capítulo 57). Como o dao, o sábio não emite sinais, é sem sabor, sem sedução. É
inexpressivo, apagado e obscuro (capítulo 20). Está num estado arcaico, como a madeira
em bruto e o recém-nascido, ou num estado final, de retorno e dissolução, como o gelo
que derrete (capítulo 15). Não atinge o estado da diferenciação e é precisamente porque
não se diferencia que consegue fazer do mundo o seu corpo e do coração do povo o seu
próprio coração (capítulos 13 e 49).
Enquanto governante, evita dar ordens e estabelecer imposições, de tal modo que nem
sequer se sabe que ele existe (capítulo 17). Apesar de não fazer sentir a sua existência,
realiza todos os seus interesses (capítulos 7 e 34), sai vencedor em todas as batalhas, fica
sempre por cima e acaba sempre à frente (capítulo 66). Isto sucede porque governa sem
acção (wuwei). O governante-sábio é pessoalmente desinteressado (capítulo 7) pois, como
o dao, cumpre as tarefas mas “não o proclama” (capítulo 34), de tal modo que o povo,
seu filho (capítulo 49), julga que a obra foi sua (capítulo 17). E tudo regressa assim à
unidade primordial, onde reinam uma paz e uma ordem espontâneas (capítulo 80).
O sábio termina com o apreço pelo intelecto (capítulos 19 e 65), com os falsos saber e
conhecimento que conduzem a uma produção descontrolada, à multiplicação de afazeres
e objectos, porque “há que saber parar” (capítulo 32). No governo com dao, soberano e
súbditos são frugais (capítulos 59 e 67). Frugais nos bens materiais, frugais na acção
(“Cumpridas as tarefas é altura de se retirar”, capítulo 9). O sábio termina também com o
apreço pelas qualidades mundanas como a benevolência, a justiça, a lealdade, o dever
filial, que só em aparência são positivas, pois surgem do seu contrário-complementar
(capítulo 18). São imposições normativas que provêm do exterior num mundo
mergulhado em desordem, ao invés de brotarem naturalmente (ziran). O governo com
dao dispensa-as, pois com ele os seres nivelam-se e harmonizam-se por si próprios, isto
é, cumprem efectivamente a natureza (capítulos 32 e 57).
Cláudia Ribeiro
Lisboa, 2022
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道德经
Dao De Jing
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1.
Dao 道 que se possa indicar (道 dao)3 não é dao que permaneça (常道 chang dao).
Nome (名 ming) que se possa nomear (名 ming) não é nome que permaneça (常名
chang ming).
Assim,
permanecendo sem desejos, vê-se o seu fluxo oculto (妙 miao)5,
permanecendo com desejos, vê-se o seu limiar6.
3
Ou “de que se possa falar”.
4
A multiplicidade de seres e eventos. A melhor tradução de wu é ‘eventos’, ‘ocorrências’ ou ‘processos’ e
não ‘seres’, embora a estranheza resultante da adopção dos primeiros três termos no texto em português me
levasse a optar pelo último. Mas há que ter presente que o termo ‘seres’ não se refere aqui a entidades
pretensamente autónomas que podem ser objectificadas. São antes processos em devir, resultado da
interacção específica e temporária do 陰 yin e do 陽 yang, as duas manifestações do sopro vital, 氣 qi. 物
wu é tudo quanto acontece sob o céu. E tudo é sopro vital em densidades diversas e em perpétua
transformação, e não coisas dom identidade própria e animadas por um sopro vital exterior que nelas penetra.
5
妙 miao. Trata-se de um dos termos de mais difícil tradução da obra. É geralmente traduzido por
‘maravilha’, ‘prodígio’, ‘mistério’. Neste caso, parece-me que a história do caracter pode ser útil. O radical
de 妙, na escrita sigilográfica e, porventura, oracular (o caracter ainda não foi encontrado em ossos
ou carapaças), não era 女 nü, mulher, mas 玄,xuan. Nas inscrições oraculares em ossos, 玄 representa a
possibilidade de compreensão do mundo implícito/oculto a partir do mundo explícito (ver também a nota
6). À direita de 妙 não estava 少 shao, mas o pictograma de "uma seda a flutuar sob a água": a parte superior
era o pictograma de "fluxo de água" e a parte inferior o pictograma de "uma seda a flutuar ". Combinando
os elementos da esquerda e da direita, o caracter significava que, através da percepção da "superfície ", é
possível reconhecer o fluxo do mundo oculto.
6
徼 jiao, “fronteira”, “extremidade”, “delimitação”, “rebordo”, “orla”.
7
玄 xuan é geralmente traduzido por ‘profundidade’, ‘profundo’ ou ‘mistério’, ‘misterioso’. O termo tem
dois significados básicos: a cor preta escura com um leve tom avermelhado; e o significado derivado que
se refere àquilo que é de difícil compreensão, profundo e misterioso. O pictograma que está na origem do
caracter, porém, assemelhava-se a um 8, simbolizando dois fios de seda entrelaçados. O caracter actual
ainda é igual a parte do caracter para ‘seda fina’, 糸。Xuan remetia, portanto, para entrelaçamento,
expressando assim o significado de alternância perpétua entre os opostos-complementares. Conservei aqui
esse significado original dado tornar desse modo mais compreensível este capítulo que é considerado
unanimemente como sendo um dos mais obscuros da obra. Além disso, o capítulo seguinte torna-se assim
uma sequência natural deste, pois trata precisamente da alternância dos opostos-complementares.
17
18
2.
No mundo8
todos julgam saber o que faz a beleza ser a beleza
- daí a fealdade.
Todos julgam saber o que faz com que ser bom (善 shan) seja ser bom
- daí o não ser bom.9
Assim,
haver e não haver geram-se um ao outro,
difícil e fácil complementam-se um ao outro,
longo e curto formam-se um ao outro,
alto e baixo medem-se um ao outro,
nota e voz harmonizam-se uma à outra,
frente e trás seguem-se uma à outra.
8
天下 tianxia, sob o céu. Também significa “o império”, cuja noção, na antiguidade, coincidia com a de
mundo.
9
Isto é, todos julgam saber definir a beleza e todos julgam saber definir o que é ser bom (a efectuar algo;
não se trata do bem no sentido moral). Ora, as definições, porque afirmam algo, estabelecem por isso mesmo
os seus contrários.
10
Ver nota 12.
19
20
3.
11
O coração é sede não só de emoções mas também da capacidade cognitiva e especulativa, isto é, mente.
Além disso, é o órgão da sensação e do desejo. Daí que o coração-mente deva ser vazio. Outras versões em
chinês acrescentam “do povo…” depois de ‘coração-mente’.
12
Seguindo a ordem de ideias do capítulo anterior, há que evitar as definições, as distinções, pois só assim
se evitam também os seus contrários.
13
Conhecimentos, ambições, desejos, impedem o retorno ao dao, que exige antes o esvaziar da mente, pois
é vazio. O governo do sábio preocupa-se com o bem-estar físico e mental dos súbditos e evita a sua
intelectualização (cf. capítulos 19 e 65).
14
Agindo sem-acção; exercendo a prática da sem-acção, não “inter-ferindo”. Sobre este assunto, ver o
Prefácio da tradutora.
21
22
4.
Embota-lhes os gumes.
Desfaz-lhes os nós.
Harmoniza-lhes os brilhos.
Junta-lhes as poeiras.
Oh, abissal!
Parece preservar-se.
O caracter 沖 chong surge por vezes como 盅 zhong, um vaso ou taça vazios, que acolhe porque é vazio.
15
Daí que outra possível tradução seja: “O dao é um vaso/que ao ser usado não se enche.”
23
24
5.
16
O sentido de benevolência deve ser entendido como uma bondade menor, que escolhe a quem se dirige,
que favorece apenas alguns. O céu e a terra são indiferentes perante os objectivos humanos, os seus desejos
e acções. O seu bem é ajudá-los antes a cumprir a sua natureza, recusando qualquer exclusão (cf. capítulos
27, 41, 62 e 79) e, assim, estão para lá do bem e do mal moral, da oposição entre benevolência e não-
benevolência, de feição sobretudo confucionista (cf. capítulo 18). A benevolência age (cf. capítulo 38), pois
distingue e escolhe, mas o sábio prefere o wuwei (cf. capítulo 3).
17
Nos sacrifícios e rituais fúnebres da antiguidade confeccionavam-se cães de palha que eram utilizados
como objectos simbólicos. Uma vez cumprida a sua tarefa, eram todos destruídos e abandonados, sem
excepção. Tratar toda a gente como cães de palha significa tratar toda a gente de igual maneira, sem
favoritismos, ajudando todos a cumprir a sua natureza e abandonando-os uma vez cumprida, pois a natureza
é mutação e os seres entram e saem da vida (cf. capítulos 27, 49 e 79).
18
Local de convergência de tudo e, simultaneamente, a partir de onde tudo se expande. No centro cruzam-
se interior e exterior, yin e yang. É lugar de comunhão dos contrários e também centro original, anterior a
qualquer manifestação.
25
26
6.
19
A imagem de um vale é, para os chineses, o vazio entre duas montanhas.
A origem do mundo, anterior a ele, onde o ‘um’ e o ‘dois’ se juntam e se separam. Como o útero, é vazia
20
mas prolífica.
27
28
7.
29
30
8.
Assim,
quem se aproxima do dao,
quanto à posição, é bom a (shan) pôr-se na base.
Quanto ao coração-mente, é bom a torná-lo profundo.
Quanto às relações, é bom a ser benevolente23.
Quanto à palavra, é bom a ser fiável.
Quanto à governação, é bom a estabelecer a ordem.
Quanto a tratar de assuntos, é bom a ser competente.
Quanto à movimentação, é bom a ser oportuno.
E porque não entra em conflito
não comete falhas.
21
善 shan, além de significar “bem” e “bom”, também significa “ter competência para”, “saber”, no sentido
de “ser bom a” efectuar algo. É neste sentido não moralizador que o termo é aqui utilizado. E é este tipo de
conhecimento que é valorizado.
22
A água é o símbolo máximo da maleabilidade. A tudo se adapta e contorna os obstáculos, por isso nada
a pode impedir de chegar ao seu destino (cf. capítulo 78).
23
A benevolência do adepto do dao não é mundana, mas resulta da não-interferência, da recusa de
favoritismo.
31
32
9.
24
Todo o excesso, todo o reforço, provoca o seu contrário.
33
34
10.
25
Referência às sete almas terrestres (魄 po, “almas osso”) e às três almas celestes (魂 hun ou 營 ying,
“almas nuvem”). As primeiras são yin, almas da parte sólida do corpo, que são destrutivas e de natureza
diabólica (鬼 gui); as segundas são yang e têm funções reguladoras, de disciplinar as almas po na sua luta
para regressar à Terra. Da união de po e hun nasce a vida humana. No momento da morte, separam-se umas
das outras.
26
O ‘um’ é o dao enquanto princípio de unidade do mundo. O ‘um’ faz com que cada coisa seja ela mesma
e, de acordo com as suas características, ocupe o lugar (sempre transitório, todavia) que lhe é próprio (cf.
capítulo 39).
27
Alusão às técnicas de controlo respiratório tendo em vista alcançar a longevidade. A maleabilidade é
companheira da vida (cf. capítulo 76).
28
Sobre o recém-nascido, ver o Prefácio da tradutora.
29
Sem-acção.
30
Os comentadores dividem-se quanto ao significado das portas celestes. Segundo uns, trata-se dos orifícios
corporais; segundo outros, das portas por onde entram e saem as existências; ou das vicissitudes ora
favoráveis ora adversas da Natureza, pois “celeste” tem também o significado de “natural”; e também da
Porta do Céu por onde descende o yang, o princípio masculino – daí a necessidade de renunciar à fêmea.
31
能無雌乎 neng wu ci hu, na versão de Wang Bi. Todavia, outras versões em chinês apresentam 能為雌
乎 neng wei ci hu (poderias tornar-te fêmea?).
32
無知 wu zhi: sem-conhecimento. O estado ideal da mente vazia, em que esta fica submergida numa luz
branca. No seio da escola do dao não se valoriza o conhecimento que se obtém quando um sujeito exerce
as suas faculdades mentais perante um objecto, de modo a captar pela abstracção as determinações deste
último. Valoriza-se um conhecimento que nos torna parte do processo do dao através de uma prática
continuada. Wu zhi é esse conhecimento adquirido através da experiência em que se atinge a dada altura
um estado de fluência, isto é, a sua execução torna-se natural, livre de toda a consciência, porque se
desaprendeu o que foi aprendido. É o conhecimento que peixes e aves exibem quando tão bem nadam ou
voam, sem para isso precisar de pensar ou investigar. Este tipo de conhecimento torna-nos bons a (善 shan)
executar algo, como o grande instrumentista a tocar ou o grande pintor a pintar. E é um conhecimento que
se demonstra, não se comunica.
35
A gerar e nutrir,
a gerar sem possuir,
a efectuar sem reter,
a chefiar sem oprimir,
é o que se chama o poder profundo (玄德 xuan de).
36
37
11.
Assim,
o manifesto (有 you)34 torna acessível,
o não-manifesto (wu) torna útil35.
33
無 wu, “sem”, “não ter”, “não haver”, o indiferenciado. Neste caso, a parte vazia.
34
有 you, “com”, “ter”, “haver”, o diferenciado. Neste caso, a parte cheia, tangível, corpórea. Sobre wu e
you ver o Prefácio da tradutora.
35
Eficaz.
38
39
12.
36
As cinco cores (verde, vermelho, branco, preto, amarelo), as cinco notas (a escala dos antigos chineses
era pentatónica) e os cinco sabores (ácido, amargo, acre, salgado e doce): a multiplicidade de cores, notas
musicais e sabores.
37
O ventre é a sede do sopro vital, qi.
38
Rejeita o exterior (os olhos estão virados para o exterior) e prefere o interior (o ventre, sede do qi).
40
41
13.
Assim,
aquele que valoriza tomar o mundo (tian xia)
como seu corpo
pode encarregar-se do mundo.
39
O favoritismo implica estabelecer distinções. Ora, elevar alguém é, na verdade, condená-lo ao
rebaixamento. Colocar-se no alto é acabar por ficar por baixo (cf. capítulos 39 e 42).
40
Concomitância entre corpo e mundo: reenviam ambos um para o outro. Daí que se deva fazer do mundo
o próprio corpo e valorizar as suas catástrofes como se tivessem lugar no nosso corpo. O corpo é imagem
do mundo e vice-versa.
42
43
14.
Ininterrupto!
Inominável!
De novo regressa
para onde não há seres (wu wu).
Enfrenta-se
e não se lhe vê a face.
Persegue-se
e não se lhe vêem as costas.
41
O dao é irredutível à análise. A análise é cisão.
42
À letra, “encontrar o fio à meada”.
44
45
15.
43
Existem versões chinesas onde, em vez de shi, mestres, surge dao zhe, adeptos do dao. De qualquer modo,
trata-se dos adeptos do dao.
46
47
16.
44
明, ming, o caracter onde se juntam o Sol e a Lua, significa luz, iluminação, claridade, boa visão e
compreensão, clarividência, lucidez. Designava ainda a manifestação superior do sopro vital.
45
Existem versões chinesas onde, em vez de 王 wang, rei, soberano, surge 全 quan, “completo”, “inteiro”,
“perfeito”. O caracter 王 wang simboliza alguém que é o intermediário entre o céu e a terra. O traço
horizontal superior do caracter simboliza o céu e o traço horizontal inferior simboliza a terra. O traço
horizontal mediano indica o soberano e o traço vertical o elo de ligação.
46
“Celeste” tem também o significado de “natural”.
48
49
17.
47
Outras traduções preferem “é aquele cuja existência é apenas conhecida”.
48
Logo, submerge-se o povo em ordens e leis.
49
O maior dos soberanos.
50
Logo, dá poucas ordens. A verdadeira ordem realiza-se sem constrangimentos e ordens exteriores.
51
O povo convence-se de que foi tudo obra sua. 自然 ziran (à letra, ‘assim por si’) remete para a noção de
espontaneidade, de ser assim naturalmente, sem qualquer pressão externa. O ziran de todas as coisas, o
cumprimento de si próprias, é voltar atrás até à origem.
50
51
18.
52
Relação do pai para com o filho; do marido para com a mulher; do irmão mais velho para com o irmão
mais novo - e reciprocamente.
53
Benevolência, justiça, falsidade, dever filial, afecto paternal, lealdade, surgiram porque apareceram
primeiro os seus contrários-complementares, com quem formam um par indissociável (cf. capítulo 2 e o
seguinte). São imposições exteriores que resultam da negligência em relação ao dao. No dao, os seres
cumprem por si a natureza que lhes é própria.
52
53
19.
54
樸 pu significa originalmente madeira em bruto, que não foi trabalhada.
54
55
20.
55
太牢 tailao, ritual operado pelo Filho do Céu no qual se sacrificavam bois, carneiros e porcos às
divindades e ao qual se seguia um banquete.
56
Devido a uma inversão de dois caracteres, outra versão em chinês traduz-se “ou, na Primavera, subissem
ao miradouro.”
57
Outras versões em chinês traduzem-se por “Oh, imenso como o mar! / Infindável, como a ventania que
não para!”
56
57
21.
Nublada e obscura
mas no seu centro há ocorrências (物 wu)!
Recôndita e secreta
mas no seu centro há energia (精 jing)!
58
59
22.
60
61
23.
E quem as faz?
Céu e terra.
Se nem céu e terra
conseguem tornar nada duradouro,
como o conseguiria o homem?
58
O adepto do dao não exclui os perdedores, os homens que não são bons - em todos confia (cf. capítulos
27, 49, 62 e 79).
62
63
24.
No dao, chamam-lhes
restos de comida e excrescências
que a todos repugnam.
64
65
25.
Assim,
o dao é grande,
o céu é grande,
a terra é grande,
o rei60 também é grande.
No espaço há quatro grandes,
um deles é o rei.
59
Outras versões em chinês traduzem-se por: “caótica e completa” ou “em completo caos”.
60
Existem versões em chinês onde, ao invés de 王 wang, “rei”, “soberano”, surge 人 ren, “ser humano”. A
noção de ser humano na sua dimensão arquetípica e cósmica está estreitamente ligada ao ser humano único
que era o soberano, aquele que podia comunicar directamente com o céu e os espíritos.
66
67
26.
61
Indica o soberano de um grande país.
62
Levando uma vida de excessos, abusando do próprio corpo, o soberano está, simultaneamente, a
negligenciar o país (cf. capítulos 13 e 75; e nota 66).
68
69
27.
63
Usavam-se pequenas varetas de bambú como instrumento de cálculo.
64
Neste texto em chinês surge, erradamente, 知 ao invés do seu homófono 智.
70
71
28.
Conhecer o macho,
preservar a fêmea,
é tornar-se na ravina do mundo.
Tornando-se na ravina do mundo,
o poder que permanece não se aparta
e de novo se regressa a recém-nascido.
Conhecer o branco,
manter o negro,
é tornar-se no modelo do mundo.
Tornando-se no modelo do mundo,
o poder que permanece não se desvia
e de novo se regressa ao sem-limite.
Conhecer a glória,
manter a humildade,
é tornar-se no vale do mundo.
Tornando-se no vale do mundo,
o poder que permanece é bastante
e de novo se regressa à madeira em bruto (樸 pu)65.
65
À autenticidade, ao dao.
66
À madeira em bruto, isto é, o dao.
67
官 guan: governadores, oficiais, mas também “órgãos corporais”. O corpo humano é a imagem de um
país na sua geografia e administração, e vice-versa: o país é a imagem do corpo humano.
72
73
29.
74
75
30.
76
77
31.
Em acontecimentos auspiciosos
preza-se a esquerda.
Em acontecimentos nefastos
preza-se a direita.
78
79
32.
Se senhores69 e reis
se conseguissem nele manter,
os dez mil seres (物 wu) obedeceriam por si próprios
e céu e terra unir-se-iam
para que caísse um doce orvalho.
Os homens, sem decretos, mas por si próprios,
nivelar-se-iam.
Começada a produção70
surgiram os nomes.
Uma vez surgidos os nomes
há que saber onde parar.
Sabendo parar
então não haverá perigo71.
68
Madeira em bruto.
69
侯 hou. Título honorífico da antiguidade chinesa.
70
Da multiplicidade e da diferença.
71
Neste texto chinês surge, erradamente, 始 em vez de 殆.
80
81
33.
82
83
34.
72
名有 ming you, proclamar. Outras versões em chinês apresentam 不有 bu you, “sem possuir”, ou 不局
bu ju, “sem se considerar meritoso”.
73
Outra versão em chinês traduz-se por “veste e alimenta”.
74
Outra versão em chinês repete “mas não se torna seu dono”.
75
Os caracteres 是以聖人 shi yi shengren, “por isso, o sábio” não surgem noutras versões em chinês, que
terminam com “E como jamais se engrandece / pode cumprir a sua grandeza.”
84
85
35.
Música e manjares
fazem parar aquele que passa.
76
A imagem sem imagem que contém e gera todas as imagens: o dao.
86
87
36.
77
Os governantes, as suas “armas” no sentido figurado e literal, mas também os órgãos corporais, o “país”
indicando o “corpo”.
88
89
37.
Se senhores e reis
se conseguissem nele manter,
os dez mil seres por si próprios evoluiriam (化 hua)78.
Se, ao evoluírem, surgissem desejos,
refreá-los-iam através da autenticidade (pu)79 sem nome.
A autenticidade (pu) sem nome fá-los-ia não desejar.
Não desejando, aquietar-se-iam
e o mundo corrigir-se-ia80 por si próprio.
78
化 hua é o movimento do yin e do yang, do wu e do you, da vida e da morte. Evolução e mutação é o
próprio movimento natural do mundo, na sua perpétua regeneração (cf. capítulo 29).
79
Madeira em bruto.
80
正 zheng, corrigir. Outras versões em chinês apresentam 定 ding, estabilizar e, em vez de “o mundo”
apresentam “os dez mil seres” ou “o céu e a terra”.
90
91
38.
81
下德為之 xia de wei zhi, “O poder inferior age”, torná-lo-ia idêntico à justiça, o que não seria coerente.
Por isso, foi adoptada antes neste passo outra versão em chinês que apresenta 下德無為 xia de wu wei, “O
poder inferior não age”. O poder supremo não age, não tem objectivos, não exibe poder, por isso, tem poder.
O poder inferior não age mas fá-lo interesseiramente, com um objectivo, para ter poder. Por isso, não o tem.
92
93
39.
82
神 shen, originalmente, a mais pura das almas celestes de que o ser humano é dotado. Os dez mil seres
compõem-se da união dos sopros celestes (yang) e terrestres (yin) que se juntam no centro (entre terra e
céu), quando os primeiros descendem (movimento yin) e os segundos ascendem (movimento yang). Ver
nota 114.
83
Era costume dos governantes da antiguidade chinesa designarem-se a si próprios deste modo.
94
95
40.
Os seres do mundo
nascem do manifesto (you).
O manifesto (you) nasce do não-manifesto (wu)85.
84
Sobre 反 fan, ver o Prefácio da tradutora. Este movimento está na origem de várias técnicas de cariz
fisiológico praticadas pelos adeptos do dao, como inverter a respiração, fazer recuar o líquido seminal, etc.
A inversão do movimento cíclico teria como resultado a inversão do processo de envelhecimento.
85
Ver notas 32 e 33.
96
97
41.
86
O dao revela-se sempre de maneira velada.
87
Outras versões em chinês apresentam 始 shi, “começar”.
98
99
42.
Assim,
os seres, diminuindo-se, aumentam
e aumentando-se, diminuem.
88
O um é o taiji, o cume supremo, origem do universo prestes a cindir-se no dois, o par yin e yang; o três
é o yin e o yang unificados pelo qi, o sopro. Dessa união harmónica nascem todos os seres. Sobre o sopro,
ver a nota 89.
89
陰 yin: o que é sombrio, passivo, retrogressivo, retractivo, receptivo, frio, água, Lua, desaparecimento e
morte; 陰 yang: o que é luminoso, activo, progressivo, expansivo, dador, calor, fogo, sol, nascimento e vida.
São “sopros” relativos e relacionais, não existem a não ser um com o outro, combinam-se e entrecruzam-
se em todas as coisas, num dinamismo de atracção e rejeição, de equilíbrio e tensão. O yin ou yang absolutos
não existem; o estado paroxístico do yin coincide com o retorno do yang e vice-versa /cf. capítulo 21).
90
O sopro (qi) é o dinamismo vital do mundo na sua constante regeneração e transformação. Tudo quanto
existe é o sopro particularizando-se em formas concretas. É a potência transformadora, a energia que anima
e que compõe essas formas determinadas.
91
A acção, e ainda mais a acção violenta, provoca retribuições (cf. capítulos 30 e 74).
100
101
43.
92
Sem-acção.
93
Sem-acção.
102
103
44.
104
105
45.
106
107
46.
Assim,
saber ter quanto baste
é ter sempre bastante.
108
109
47.
94
名 , ming, nomear. Há comentadores que defendem que se trataria antes do seu homófono 明 ,
compreender. O caracter 名 é composto por 夕, noite, e 口, boca. Dado que no escuro da noite não é possível
distinguir pessoas ou objectos, há que usar a boca para os nomear. “Não vê mas nomeia”, no sentido de
“mas identifica”, parece, pois, seguir a mesma ordem de ideias do verso anterior e do verso seguinte.
110
111
48.
O estudo
é uma acumulação diária.
O dao
é um diário despojamento.
95
Sem-acção.
112
113
49.
96
賢人 xian ren. A maioria das versões em chinês apresenta 聖人 shengren, o sábio.
97
Concentram os ouvidos e os olhos para tentar ouvir e ver o sábio. Existem versões chinesas onde esta
frase não aparece.
114
115
50.
98
Outra tradução possível é “Entra no exército sem carregar armadura ou arma”.
116
117
51.
O dao gera-os.
O poder nutre-os.
Os eventos (物 wu) dão-lhes forma.
O ambiente completa-os.
A veneração do dao
e a valorização do poder
não são imposição de ninguém.
Permanecem assim naturalmente (ziran).
99
Existem versões em chinês que se traduzem: “Assim, o dao gera-os. / O poder nutre-os”, como acontece
nos dois primeiros versos.
118
119
52.
Bloqueando os orifícios,
fechando as portas101,
até finar-se não terá problemas.
Abrindo os orifícios,
multiplicando os afazeres,
até finar-se não terá salvaguarda.
100
A Mãe é o dao; o filho é o mundo.
101
Não tendo desejos, não agindo.
102
Paralelismo com o começo do capítulo. Os brilhos são o filho (o mundo), a luz é a Mãe (o dao).
120
121
53.
Não é o dao!
122
123
54.
103
Outras traduções optam por “não se escapa”, “não se tira”.
104
Porque se conserva viva a memória dos antepassados.
124
125
55.
105
A mente deve esvaziar-se; não se encher.
106
Repetição do capítulo 30.
126
127
56.
Bloqueia os orifícios,
fecha as portas,
embota os gumes,
desfaz os nós,
harmoniza os brilhos,
junta as poeiras107:
é o que se chama comunhão profunda (玄同 xuan tong).
Assim,
está para lá de afinidade
ou estranheza;
está para lá de benefício
ou prejuízo;
está para lá de valorização
ou depreciação.
107
Repetição do capítulo 4. Como sucede noutros capítulos, mais uma vez a figura do sábio é descrita de
maneira análoga ao dao.
128
129
57.
108
奇 qi, o inesperado, o insólito, o contrário da norma.
109
Outras versões chinesas incluem a resposta “Através disto!”, como no capítulo 54.
110
Como as armas, em sentido literal ou figurado.
111
奇物 qi wu: eventos insólitos, anormalidades, transgressões à norma.
112
Madeira em bruto.
130
131
58.
132
133
59.
Entregar-se cedo
é acumular poder duplamente.
Acumulando poder duplamente
nada há que se não supere.
Nada havendo que se não supere
ninguém nos conhece limites.
Ninguém nos conhecendo limites
podemos possuir um país.
Possuindo a Mãe de um país
podemos durar muito tempo.
113
Ao dao.
134
135
60.
Governar um país
é como fritar pequenos peixes114.
114
Não se pode virá-los e revirá-los constantemente sob pena de os desfazer, nem se pode dar mais atenção
a uns do que a outros. No governo de um grande país, o melhor é não tomar muitas iniciativas, não estar
constantemente a agir.
115
神 shen são os espíritos nos quais se torna a parte celeste, yang, da alma, 魂 hun, depois da morte. 鬼 gui
são os fantasmas nos quais se torna a parte terrestre, yin, da alma, 魄 po, depois da morte. As po devem ser
enterradas segundo as regras da geomancia chinesa, fengshui. Se não retornam adequadamente à terra
aquando do enterro, por exemplo, caso os ritos associados aos mortos não tenham sido levados a cabo pelos
descendentes de forma correcta ou se a morte se deveu a causas não naturais, as almas po tornam-se
fantasmas que amedrontam os humanos. Ver nota 24.
136
137
61.
Assim,
um grande país,
ao se baixar perante um pequeno,
colhe-o.
Um pequeno país,
porque é baixo perante um grande,
é colhido.
Assim,
um, por se baixar,
colhe;
outro, porque é baixo, é colhido.
O grande país
não deseja senão anexar e prover.
O pequeno país
não deseja senão servir.
138
139
62.
116
Outras versões em chinês, pela inclusão de mais um caracter, traduzem-se: “As belas palavras podem
comprar respeito / e a bela conduta pode atrair pessoas”.
117
O imperador.
118
O 太師 taishi, o 太博 taibo e o taibao 太保, com funções idênticas a ministros.
119
Alusão ao ritual de oferta de tributos na cerimónia em questão.
140
141
63.
Engrandecer o pequeno.
Ampliar o pouco.
Responder à hostilidade com o poder.
120
Agir sem-acção /tratar dos assuntos pelo sem-tratar.
142
143
64.
121
Um sinal (兆 zhao) situa-se num estádio intermediário entre a realidade ainda não manifesta e a realidade
manifesta. Sabendo detectar o sinal, torna-se mais fácil intervir no seio do processo da sua actualização, a
acção dispensando esforço.
122
É colocando-se na génese de um acontecimento que se torna possível acompanhá-lo e dominá-lo. Do
mesmo modo, o adepto do dao coloca-se na origem para ser, como ela, vazio mas criador, quieto mas
regulador.
123
Medida chinesa de comprimento, equivalente a meio quilómetro.
124
Repetição do capítulo 29.
144
145
65.
O poder profundo
vai fundo! Vai longe!
Ajuda os seres a voltar atrás (反 fan)
até chegarem à grande conivência (大順 da shun)!
146
147
66.
125
Repetição de uma passagem do capítulo 22.
148
149
67.
Com compaixão,
triunfa-se no combate
e é-se firme na defesa.
126
O termo “instrumentos” tanto pode fazer referência aos governantes, ao armamento ou aos órgãos
corporais.
127
Ao tentar quebrar a unidade fundamental dos contrários, retendo apenas um e recusando o outro, vai-se
contra a lei natural, é forçar. E forçar é a morte, é negar o dao (cf. capítulos 30 e 55).
150
151
68.
極 ji” Além de “extremo”, “limite”, “topo”, também significava “critério”, “mandamento”, “norma”,
128
“preceito”. Esta passagem tem sido objecto das mais incompreensíveis e díspares traduções por não se ter
isto em mente.
152
153
69.
154
155
70.
As minhas palavras
são tão fáceis de compreender
e tão fáceis de praticar.
156
157
71.
158
159
72.
129
愛 ai costuma aqui ser erradamente traduzido segundo o seu sentido comum, “amar”. No entanto, tinha
também o sentido de “esconder”, como no verso do poema 靜女 “Jing nü” do Shijing《诗经》, O Clássico
das Odes: “愛而不見,搔首踟躕 ai er bu jian, sao shou chichu” (Esconde-se e desaparece, coça a cabeça
e hesita para a frente e para trás). Este é o sentido que está em acordo com o espírito do Dao De Jing e com
a passagem em questão e não “ama-se a si próprio”.
160
161
73.
Neste par,
um é benéfico,
o outro prejudicial.
Daquilo que ao céu repugna
quem saberá a razão?
O dao do céu
não entra em conflito
mas é bom (shan) a vencer.
Não fala
mas é bom a responder.
Não convoca (召 zhao)
mas vêm ter com ele.
Não se apressa
mas é bom a solucionar.
130
Esta passagem é uma repetição do capítulo 63.
162
163
74.
131
A lei da morte para todos os seres vivos.
164
165
75.
A fome do povo
vem dos superiores se alimentarem de demasiados impostos.
Por isso tem fome.
132
Foi seguida a versão do texto em chinês onde se lê 以其上生生之厚 yi qi shang sheng sheng zhi hou e
não 以其生生之厚 yi qi sheng sheng zhi hou, onde falta decerto o caracter 上 shang, “superiores”.
133
No texto em chinês, aparece erradamente 經 em vez de 輕.
134
Quem vive para si mesmo abusa da vida, logo, corteja a morte (cf. capítulo 50). Quem não vive para si
mesmo consegue viver muito tempo (cf. capítulo 7).
166
167
76.
Por isso,
se o exército é forte (強 qiang) não será vitorioso;
se a árvore é rija (強 qiang) o machado virá.135
No texto em chinês aparece, erradamente, 共 gong em vez de 兵 bing. Existem outras versões do texto
135
168
169
77.
170
171
78.
136
Outra versão em chinês traduz-se “nada a consegue vencer”.
137
No texto em chinês aparece, erradamente, 疆 em vez de 強。A passagem é uma repetição do capítulo
36.
138
Altares utilizados apenas pelo imperador.
139
反 fan, voltar atrás. As palavras correctas parecem o movimento do dao, por isso resultam paradoxais,
contendo em si o seu reverso. Ao homem de pensamento lógico provocam riso (cf. capítulo 41).
172
173
79.
140
O melhor, pois, é nunca guardar rancor, nunca ter preferências, como se conclui neste capítulo.
174
175
80.
141
Na alta antiguidade chinesa, antes do aparecimento da escrita, os acontecimentos relevantes eram
registados através de um sistema de dar nós em cordas.
176
177
81.
142
As palavras fiáveis não são elogiosas, sedutoras.
143
As palavras adequadas não precisam do reforço da persuasão. Existem versões em chinês que se
traduzem por “quem é bom no que faz (善者 shan zhe) não persuade. / Quem persuade não é bom no que
faz”.
178
BIBLIOGRAFIA
Obras em chinês:
Traduções:
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Translation, Nova Iorque: Ballantine Books.
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University of California Press.
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