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TEMA DE ABERTURA
(abre a cortina)
Clara Luz – Eu não quero! Eu não quero saber dessa porcaria de livro!
Fada Mãe - Mas minha filha, todas as fadas sempre aprenderam por esse livro. Por que só você não quer aprender?
Clara Luz - Não é preguiça, não, mamãe. É que não gosto de mundo parado.
Fada Mãe - Mundo parado?
Clara Luz - É. Quando alguém inventa alguma coisa, o mundo anda. Quando ninguém inventa nada, o mundo fica
parado. Nunca reparou?
Fada Mãe - Não...
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Clara Luz - Pois repare só. É por isso que eu não me interesso por esse livro velho e embolorado. Para inventar
minhas próprias mágicas.
Fada Mãe – Minha filha, pode até ser verdade esse negócio de mundo parado. Mas nós viveríamos tão bem, aqui no
Céu, se não fosse a sua mania de inventar! Já pensou se a Rainha descobre que você nunca saiu... (cochicha)
nunca saiu da Primeira Lição do Livro?
Clara Luz – Se ela descobrir, não acho nada de mais, mamãe.
Fada Mãe – Shhhhhhh
Clara Luz - Que é que tem?
Fada Mãe – Nem diga uma barbaridade dessas, minha filha! Como “o que é que tem”? Vivo tão preocupada com
isso! Felizmente o palácio da Rainha fica do outro lado do Céu.
Clara Luz – A Rainha nem está pensando na gente, mamãe. Ela tem mais o que fazer.
Fada Mãe – Não sei não, minha filha. Você não podia fazer uma forcinha e passar ao menos para a Segunda lição?
Clara Luz - Não vale a pena mamãe. A primeira lição um já é tão enjoada, que a segunda tem que ser duas vezes
pior.
Fada Mãe - Mas enjoada por quê?
Clara Luz - Ensina a fabricar tapete mágico.
Fada Mãe - Pois então? Já pensou que maravilha saber fazer um tapete mágico?
Clara Luz - Não acho, não. Tudo quanto é fada só pensa em tapete mágico. Ninguém tem uma ideia nova!
(A Fada Mãe suspira e começa a espanar os móveis. Clara Luz dá umas voltinhas, procurando o que inventar.
Repara num bule e reflete em voz alta).
Clara Luz - Tem bico. Dá um bom passarinho.
(Transforma o bule em passarinho, mas com três asas. Duas dele mesmo e uma do bule. A Fada Mãe, de repente,
dá com o passarinho e leva um susto danado).
Fada Mãe - Que bicho esquisito é esse?
Clara Luz - É o bule, mamãe, que eu transformei em passarinho.
Fada Mãe - Clara Luz! E agora? Onde vou coar o pó-de-meia-noite para fazer nosso café? E que ideia foi essa de
fazer passarinho com três asas? Ao menos ponha só duas asas nele!
Clara Luz - Mas mamãe, ele gosta de ter três asas!
Passarinho - Não gosto, não senhora! Faça o favor de me consertar já!
(Clara Luz faz várias tentativas desajeitadas para consertá-lo, mas quem acaba consertando é a Fada Mãe).
Passarinho (para a Fada Mãe) - Se não fosse a senhora eu não sei como seria! Essa sua filha é muito intrometida.
(Vai saindo) Veja só! Inventar que eu gosto de ter três asas!
Fada Mãe (depois de tomar fôlego) – Minha filha, por favor, por hoje chega de fazer experiências com a sua vara de
condão! Só agora de manhã você fez umas quatro!
Clara Luz – Cinco, mamãe.
Fada Mãe – Isso mesmo, cinco! Vou ter que sair para desencantar uma princesa e quero ir sem preocupações.
Clara Luz – Vá sem susto. Eu tomo conta da casa.
Fada Mãe – Que tal você ir fazendo a massa dos bolinhos de luz enquanto eu saio? Acho que você já sabe fazê-la
sozinha.
Clara Luz – Sei fazer muito bem.
Fada Mãe – Ótimo! Amanhã de manhã faço o bolo de aniversário. É só o que está faltando. Então, até logo mais!
(Sai com leveza, como se voasse).
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(O tempo todo, pela expressão corporal, as fadas devem dar essa impressão de vôo, de que não pisam em chão
comum).
(Esse efeito pode ser obtido de diversas maneiras. Pode existir um tacho bem grande no palco, onde o
Relampagozinho de fato entre, ou pode o Relampagozinho desaparecer nos bastidores e Clara Luz continuar agindo
como se ele estivesse dentro do tacho que, neste caso, terá proporções normais.)
Clara Luz - E agora? Só o verei de novo amanhã, quando ele pular de dentro do bolo. Nunca vi ninguém tão afobado!
Bom agora o jeito é acender o forno e esperar. (Faz gestos de quem acende o "forno" e põe o "bolo" dentro.)
Clara Luz - (Gritando para o Relampagozinho, que desapareceu dentro da massa.) Capriche, sim? Faça o bolo
crescer bem!
(Clara Luz dá uma voltinha e logo a massa do "bolo" está crescendo e espirrando luz. Tal efeito pode ser conseguido
com o uso de luzes mas, em falta desse recurso, pode também ser obtido de outra maneiras. Pelo que Clara Luz diz
já se tem ideia do que está se passando.)
Clara Luz - (Correndo para ver o que está acontecendo.) Meu Deus! Era para crescer, mas não tanto assim!
Clara Luz - Estou aqui, mamãe. Faça uma mágica depressa! Não sei o que vou fazer com essa massa! Vai acabar
pingando lá na Terra!
Fada-Mãe - (Aflita.) Meu Deus! Vou ter que fazer uma mágica que não é do Livro! (Bate na "massa" com a varinha de
condão dizendo.) Vire um cometa! (A "massa", com Relampagozinho dentro, vira um cometa e sai correndo numa
velocidade louca.)
(Quem sai correndo é o ator que faz o papel de Relampagozinho. A transformação em cometa pode ser conseguida
com um adereço fácil de colocar, como a cauda por exemplo. O que é importante é mostrar que ele passou por uma
mudança.)
Clara Luz - (Entusiasmada.) Puxa, mamãe! Você, quando quer, faz cada mágica! Pena você perder tanto tempo
encantando e desencantando princesas!
(A Fada-Mãe está se abanando, sem voz para falar.)
Fada-Mãe - Minha filha, porque você tem tantas ideias, hein? Seria tão bom se tivesse menos...
Fada-Mãe – Perfeitamente, Dona Relâmpaga. Eu não sabia de nada disso. Foi tudo ideia da minha filha.
Vermelhinha – Tirar o Relampagozinho de dentro do cometa não é nada. Difícil vai ser pegar o cometa.
(Pela “janela” aberta vê-se passar o cometa.)
Fada 1 – Olhem! Lá vai ele!
Fada 3 – Nunca vi um cometa tão rápido!
Clara Luz – (Com um risinho.) Também, ela nunca viu um cometa com relâmpago dentro!
Clara Luz – Eu sei, mamãe. Então não sei disso? Mas por que a Rainha iria ser contra uma chuva tão bonita? Só se
ela for muito boba.
Fada-Mãe – Boba?! (Perdendo a respiração e com voz fraca.) Por favor, um copo d’água!
(Clara Luz corre pra buscar. A mãe bebe.)
Fada-Mãe – Já estou melhorando.
Clara Luz – Mamãe, você tem um defeito. Quer saber qual é?
Fada-Mãe – Diga, minha filha.
Clara Luz – É essa sua falta de ar. Tudo faz você ficar com falta de ar. Tem tanto ar, olha aí!
Fada-Mãe – (Olhando ao redor.) É...Ar tem bastante.
Clara Luz – Pois então? Só fica com falta de ar quem quer. Tem ar até sobrando.
Fada-Mãe – Engraçado! Sabe que, depois dessa sua explicação sobre ar, eu estou respirando muito bem?
Clara Luz – Então estou às ordens. Quando você ficar com falta, pode falar comigo, que eu explico tudo de novo e
você melhora. (Afasta-se.)
Fada-Mãe – (Muito intrigada.) Nunca vi umas ideias como as dessa menina! Só se ela saiu ao pai, que era o Mágico
mais inventador da corte do Rei dos Mágicos.
Fada 2 – Que será que essas meninas têm hoje meu Deus! Nunca vi ninguém chorar tanto por causa de uma simples
girafa!
Fadinha 2 – (Chorando mais ainda.) Minha girafa não é simples! Ninguém entende a minha girafa. Sou muito infeliz!
Fadinha 4 – Mães são muito chatas!
Fada 4 – (repreendendo) Olha aqui! (Fadinha 4 mostra a língua para a mãe) Ah! Agora vai ficar de castigo! Dá aqui
essa varinha!
Fadinha 4 – Não dou!
Fada 4 – (tomando a varinha) Dá agora!
Fadinha 4 – (entrando em casa chateadíssima) Que mãe que eu tenho!
Fada 3 – Entre já, estou dizendo!
Fada 1 – Entre!
Fada 2 – Entre!
Fadinha 2 – Puxa, não posso fazer nada, que coisa!
(Cada fadinha entra para a sua casa, todas chorando de raiva. Anoitece. As mães que ficaram entrando e saindo,
acomodam as filhas, reúnem-se de novo.)
Fada 2 – Acho que é tudo verdade mesmo. Nossas filhas sabem muito mais coisas do que nós pensamos.
(Todas ficam caladas, refletindo sobre aquilo.)
Fada 1 – No nosso tempo, aprendíamos a fabricar tapete mágico e ficávamos muito contentes com isso.
Fada 2 – É mesmo...
Fada 4 – Era tão mais simples! A gente aprendia, aceitava... e pronto.
(Pausa longa. Num momento todas suspiram ao mesmo tempo.)
Fada 3 – (de repente) Eu não ficava nada contente de fabricar tapete mágico!
(As outras fadas olham surpreendidas para a Fada 3. Depois, começam todas a falar ao mesmo tempo.)
Fada 2 – Eu também não ficava nada contente!
Fada 1 – Eu detestava tapete mágico!
Fada 4 – Uma chatice!
Fada 2 – Eu, até hoje, detesto desencantar princesa!
Fada 4 – Eu odeio tirar a vaca que foi pro brejo do brejo!
Fada 3 – Eu, para falar a verdade, detesto todas as lições do Livro!
Fada 4 – Nenhuma presta pra nada, na verdade! Só tem feitiço sem graça...
Fada 2 – Eu quero fazer um papagaio, mas tem que falar de verdade, senão não serve!
Fada 1 – Eu daria tudo para aprender a fazer um leão, nem que fosse dos pequenos!
(Já é noite. Com o barulho que as mães fazem, a Fadinha 3 aparece com carinha estremunhada de quem esteve
dormindo.)
Fadinha 3 – Que foi, mamãe? Por que vocês estão gritando tanto?
Fada 3 – É que eu quero aprender a fazer um leão! Eu quero que seja cor de ouro!
Fadinha 3 (Com benevolência.) Está bem, mamãe, não precisa aborrecer. Amanhã eu ensino a fazer, ouviu?
Fada 1 – Eu também quero!
Fada 2 - Eu também quero!
Fada 4 – Me ensina também?
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Clara Luz – Um monte. Por exemplo: eu acho que nós duas não deveríamos estar aqui.
Professora – Ué! Deveríamos estar onde, então?
Clara Luz – No horizonte, mesmo. Assim, em vez de você ficar falando, bastava me mostrar as coisas e eu entendia
logo. Sou muito boa para entender.
Professora – já percebi.
Clara Luz – Tenho muita pena das professoras, coitadas, falam tanto!
Professora – (Com um suspiro.) É verdade...
Clara Luz – (Muito contente.) Então, se está de acordo, por que não vamos para o horizonte, já?
Professora – (Levando um susto.) Não pode ser!
Clara Luz – Por quê?
Professora – Não sei se é permitido... Não foi assim que eu aprendi horizontologia no colégio...
Clara Luz – Por isso é que você é tão fraquinha.
Professora - Hein?
Clara Luz – Coitada, levou anos aprendendo horizontologia sentada!
Professora – (Levantando-se de repente.) Sabe de uma coisa? Vamos!
Clara Luz – (Radiante.) Eu sabia que ia gostar dessa aula. (Saem de cena de mãos dadas, como se tivessem
voando)
(São retiradas de cena as três casinhas das fadas-vizinhas e o palco fica livre.)
(Ficam algum tempo de brincadeira no escorrega: risos, erros, acertos, piruetas. A Professora, a princípio
desajeitada, acaba sempre fazendo as coisas um pouquinho melhor que Clara Luz)
Clara Luz – Você tem um jeitinho louco para escorregar no arco-íris, hein? Eu não consigo fazer isso tão bem! Agora
não quer dar uma espiada nos outros horizontes?
Professora – Que outros, só existe um.
Clara Luz – Então olhe lá!
Professora – (Olhando ao Longe.) Não é possível, Clara Luz! Estou vendo dez!
Clara Luz - É? Então você é formidável em horizontologia mesmo. Eu só estou vendo sete.
Professora – Mas não é possível, Clara Luz! Será que não estamos sonhando?
Clara Luz – Claro que Não. Está sonhando é quem só vê um.
(um sininho toca, à distância.)
Clara Luz -É mamãe, avisando que a lição acabou. (saem de cena novamente, “voando’’)
(Recompõe-se o cenário anterior à cena do horizonte. Enquanto o cenário muda, o passarinho aparece num foco.)
Passarinho – Aula direto, no lugar? Sem lousa? Mostrando? Que coisa maluca! Mais uma ideia dessa menina Clara
Luz. Ideias são perigosas... (Olha para o lado de onde vem chegando Clara Luz com a professora) Subversivas! (Sai
voando pelo lado contrário).
Gota – Bom, eu entro. Mas só desta vez. Outra festa que você der, quero ser a artista principal.
Clara Luz – Está bem.
Gota – Então vamos já à casa de Dona Relâmpaga, convidá-la para cantar na festa.
(Novamente as casinhas das fadas-vizinhas são retiradas do cenário.)
Clara Luz – (Baixo, para Gota e Vermelhinha) Ouvi dizer que na casa deles só se janta choque! (Alto, para Dona
relâmpaga) Fica pra outro dia, Dona Relâmpaga. Hoje não posso. Mamãe está me esperando. Vim só para fazer um
convite.
Dona Relâmpaga – Que bom! Adoro convites!
Clara Luz – É para a senhora e toda a sua família cantarem na minha festa.
Senhor Relâmpago – (Com grossas gargalhadas) Há, há, há, há, há! Essa menina tem uma audácia! Imaginem só!
Eu, que já abalei cidades inteiras com os meus berros, cantando numa festa de fadas!
Clara Luz – (Tomando coragem) Justamente. Eu tenho observado os seus berros e descobri que o senhor tem uma
voz muito bonita.
Senhor Relâmpago – Bom... isso é verdade. Minha voz não é nada feia.
Clara Luz – Então resolvi fazer um teatro, com o senhor e a sua família cantando.
Senhor Relâmpago – (Berrando de novo.) E quem é você para resolver coisas? Era o que faltava, eu agora nesta
idade, virar artista de teatro!
Dona Relâmpaga – E por que não, querido? Eu, para falar a verdade, gostaria bem de cantar nessa festa.
Senhor Relâmpago – Até você, mulher? Não tem juízo na cabeça?
Clara Luz – O que é que tem a sua idade, Senhor Relâmpago? Acho o senhor ainda bem moço.
Senhor Relâmpago – Bem, ainda consigo ir lá na terra, derrubar um carvalho de uma vez só e voltar a tempo para o
jantar, com a mulher e as crianças.
Clara Luz – Pois então? Mas agora chega de tanto trabalho pesado. Agora o senhor precisa aproveitar a sua bonita
voz.
Senhor Relâmpago – (Começando a gostar.) Que menina! Quando ela cisma com uma coisa!
Dona Relâmpaga – Aceite, querido. Você precisa se distrair!
Senhor Relâmpago – Mas eu não sou cantor. Eu só sei berrar.
Clara Luz – Por isso, não. Nós ensinamos o senhor a cantar, é muito fácil.
Vermelhinha – (Ajudando.) Voz, o senhor já tem.
Senhor Relâmpago – Está bem, está bem, então vou. Mas não se queixem se eu estragar a festa.
(Pulos de alegria de Clara Luz, Vermelhinha e Gota. Abraços de Dona Relâmpaga no marido.)
Clara Luz – Muito obrigada, Senhor Relâmpago! Vai ser a festa mais interessante que já houve aqui no Céu. Então
amanhã de tarde eu volto aqui, para ensaiarmos.
Dona Relâmpaga – (Levando as meninas até a porta.) Adeus, queridinhas! Vão direitinho para casa.
(Clara Luz, Gota e Vermelhinha saem.)
Clara Luz – Que família simpática! Hoje descobri que não se deve ter medo de ninguém só pelo barulho.
INTERMEZZO
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(Meia luz. O passarinho entra em cena. Pé ante pé vai colocando um pergaminho na porta – ou caixa de correio – de
cada casinha).
Passarinho – (Para a plateia) Que fique bem claro. Não fui eu quem deu a notícia, apenas sou portador da
mensagem. Mas, em todo caso, peço às senhoras e aos senhores que esqueçam que eu passei por aqui. (sai)
Rainha — Exatamente. Quero tudo bem explicado ou dentro de dois dias não haverá mais nenhuma fada morando
aqui no Céu. Só eu e as minhas conselheiras que, aliás não servem para nada.
(As conselheiras fazem referência, agradecendo. As outras fadas ficam desesperadas.)
Fada 1 — Mas Majestade! Para onde vamos nos mudar, assim de uma hora para outra?
Fada 4 – A gente não tem pra onde ir!
Fada 3 – Nós sempre moramos aqui!
Fada 2 – Pra onde a gente vai, se a senhora nos despejar?
Rainha — Isso é com vocês. Expliquem tudo ou serão despejadas.
(As fadas se encaram, sem coragem de explicar nada. No meio dessas caras de medo, a única diferente é de Clara
Luz. A Rainha logo nota isso.)
Rainha — Levante-se, menina. Que cara de coragem é essa que você está fazendo?
Clara Luz — Desculpe, Majestade, mas não posso dizer. Mamãe me pediu para falar o menos possível. De modo
que, se vossa Majestade permitir, vou tornar a me sentar.
Rainha — Não permito, não! Fique em pé e fale o máximo possível. Essa menina vai esclarecer tudo que aconteceu.
(Pisca para a plateia) Um passarinho me contou...
Clara Luz — Não posso, Majestade. Entre Vossa Majestade e mamãe, gosto muito mais da mamãe, que eu conheço
há muito mais tempo.
Fada-Mãe — (Aflita.) Obedeça à Rainha, minha filha. Fale!
Clara Luz — Pois não, para mim não custa nada. Pois gosto muito de falar. O que é mesmo que a Vossa Majestade
quer saber?
Rainha — Explique imediatamente a sua cara de coragem, menina?
Clara Luz — Bem, Majestade, deve ser por duas razões: A primeira é que não me importo de ser despejada. Para
mim tanto faz morar no Céu ou em outro lugar. A segunda é que posso contar sobre a carta de Feiosa e a invasão
dos bichos.
Fada 4 – Estamos Perdidas!
Fada 2 – Acho que vou desmai...
(Ouvindo isso algumas fadas desmaiam.)
Conselheira 1 — (Para a conselheira 2, ambas cochichando num canto da cena) Meu Deus, elas não sabem que é
proibido desmaiar no Palácio?
Conselheira 3 – Tá na lei!
Conselheira 2 – Capítulo 2, Seção 4, Artigo 7º, item “G”, das disposições gerais das regras de conduta do Palácio da
Rainha, no Livro das Fadas.
Conselheira 1 – Ai, ai, ai... se a Rainha conhecer essa Lei, estão fritas!
Conselheira 2 – Estão Fritas!
Conselheira 3 – Cozidas!
Conselheira 1 – Fritíssimas!
Conselheira 2 – Despejadas!
Coneslheira 1 – Expulsas!
Conselheira 3 – Chutadas!
Conselheira 2 – Banidas!...
Fada-Mãe — Se Vossa Majestade permitir, eu posso explicar.
Rainha — Sua filha sabe muito bem se explicar sozinha. Fale, menina! Comece pela carta da Bruxa.
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Clara Luz - Não sei o que ela diz na carta, mas com certeza está fazendo queixa de que coloriram a casa dela. Não é
isso?
Rainha - Como sabe?
Clara Luz - Sei porque quem coloriu fui eu. Quer dizer, eu, propriamente, não. Eu colori a chuva e a chuva coloriu a
casa dela.
Rainha - Como? Você coloriu a chuva? Não estou entendendo.
Clara Luz - Isso mesmo, Majestade. Colori a chuva de diversas cores, para ver como ficava. E ficou lindo! As fadas lá
da Terra gostaram muito.
Rainha - Devo estar sonhando. Tudo isso, que essa menina está dizendo, só pode ser sonho meu!
Clara Luz - Não é sonho, não, Majestade. Eu, justamente, não gosto de sonhos. Em vez de sonhar com um leão
dourado, prefiro fazer um leão dourado.
Rainha - Menina! Foi você que fez aquele leão que correu atrás de mim?
Clara Luz - Não, Majestade. Aquele, Infelizmente, não fui eu que fiz. Aquele foi a Professora de Horizontologia que
descobriu. No dia em que fomos ao horizonte, ela descobriu que ele morava no oitavo.
Rainha - No dia em que vocês foram aonde menina?
Clara Luz - Ao horizonte Majestade.
Rainha - Impossível. Horizonte é lugar para se ver de longe não é lugar para se ir.
Clara Luz - Por que, Majestade?
Rainha – (para as conselheiras, à parte) Por que?
Conselheira 2 – Porque...
Conselheira 3 – Tá na... na.... tá na lei....
Conselheira 1 – É a lei número....
Conselheira 3 – Número....
Conselheira 2 – A lei...
Conselheira 1 – Você lembra qual lei?
Conselheira 3 – (olhando para a Conselheira 2) Vamos lá. Diga você! Qual é a Lei?
Conselheira 2 – Eu deveria saber?
Conselheira 1 – Devemos consultar o livro...
Conselheira 2 – Sim, o livro...
Conselheira 3 – Isso! O livro! ... que livro mesmo?
(as outras conselheiras olham com olhar de reprovação para a Conselheira 3)
Clara Luz – E então? Por que é proibido?
(A Rainha olha para as conselheiras, que dão de ombros).
Rainha - (berrando) Porque... Porque é proibido e acabou-se!
Clara Luz - Vossa Majestade queira desculpar, mas não sabia que era proibido. Agora, se Vossa Majestade der
licença, tenho uma opinião para dar sobre esse assunto.
Rainha - Não dou licença nenhuma! Sente-se imediatamente.
(Clara Luz senta-se. Pausa. Silêncio constrangedor. A Rainha não resiste a curiosidade).
Rainha - Levante-se! Dê a opinião imediatamente!
Clara Luz - Majestade, a Gota Amarela, que já esteve na Terra muitas vezes, sempre me conta histórias de lá. Um
dia ela me contou que houve um Rei, lá no Brasil, chamado Dom João Sexto, que abriu os portos.
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Clara Luz - Não sei por que todas estão desmaiando. Brincar de fazer bichos com as nuvens é um brinquedo tão
antigo de fadas.
Rainha - Sim, menina, mas não bichos que saíam galopando, mordendo, urrando e relinchando. As mães tinham a
obrigação de ensinar isso as filhas. Assim que voltarem a si do desmaio, vão receber ordem de despejo.
Clara Luz - Vossa Majestade vai me desculpar, mas acho isso uma injustiça de Vossa Majestade.
Fada-Mãe - (Pondo a mão na cabeça.) Minha filha, por favor, não critique a Rainha!
Rainha - (Só para mostrar para Fada-Mãe que quem manda é ela) Não se meta! Quem dá as ordens aqui sou eu.
Continue a criticar-me, menina.
Clara Luz – (Olha para mãe, que assente) Bom... Essas que Vossa Majestade quer castigar são as que mais
consultam o Livro das Fadas para tudo e que nunca tiveram coragem de ter a menor ideia. Só ultimamente é que
estavam começando a ter, mas Vossa Majestade, com esta reunião, acabou com as ideias delas.
Rainha - Bom, ainda bem.
Clara Luz - Se Vossa Majestade quer despejar alguém, é mais justo que despeje a mim, que nunca saí da Primeira
Lição do Livro.
Rainha – Como?
Conselheira 1 – Que absurdo!
Conselheira 2 – Que horror!
Conselheira 3 – Um ultraje!
Fada-Mãe - (Desesperada, perdendo a paciência.) Minha filha, por que você não cala a boca?
Clara Luz - Mamãe, ela disse para falar o mais possível e você me disse para obedecer!
Rainha – Peraí, Menina, o que você disse? Você nunca saiu da Primeira Lição?
Clara Luz – (sem se abalar) É sim, Majestade. Não é que eu não goste de estudar, não. As aulas da professora de
Horizontologia, por exemplo, adoro. Mas as lições desse Livro detesto, porque não gosto de bolor.
Rainha - Bolor? Que bolor?
Clara Luz - Uai Majestade! Esse livro está coberto de bolor.
Rainha - Impossível, menina! Esse Livro é um Livro mágico, que não embolora.
Clara Luz – Ah, embolora sim, Majestade. Se Vossa Majestade reparar bem, verá que ele está coberto por uma
camadinha fina de bolor.
(Essas palavras causam uma sensação entre as fadas que ainda não desmaiam).
Rainha - (Gritando para as conselheiras.) Vão agora, Imediatamente buscar o Livro para eu mostrar a essa menina
que ele não tem camadinha nenhuma!
(A Conselheira 2 vai correndo. Toadas as fadas que não estão desmaiadas vêm rodear o trono. Volta a conselheira 2
com o Livro coberto de bolor esverdeado.)
Rainha - (Examinando o Livro. Fica atônita.) É mesmo... está com bolor! (Furiosa, dirigindo-se às conselheiras.)
Como é que nunca me avisaram disso? Será que sou sempre a última a saber de tudo neste Reino?
Conselheira 1- Mas, Majestade, nós também não sabíamos!
Conselheira 2 – Eu não tinha ideia!
Conselheira 3 – Vocês ainda tão falando do tal do livro? É isso?
Rainha – (Grita, nas costas da Conselheira 3 – As três conselheiras quase morrem de susto) Como é que não
sabiam? Consultam este Livro todos os dias e nunca viram que ele estava embolorado? Aconselhem imediatamente
sobre esse bolor!
(Conselheiras olham uma para a outra e não sabem o que dizer.)
Conselheira 2 – É que...
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Rainha - É? Escute, menina, (ameaçadora) eu estou desconfiada que você pensa que a Rainha é você.
Conselheira 1 – Um absurdo!
Coneslheira 3 – Onde já se viu?
Clara Luz - Oh! Não Majestade! Eu ainda sou muito pequena para ser Rainha. Eu estou só dando uma mãozinha.
Conselheira 2 – (à parte) Petulante!
Rainha - dando uma mãozinha pra quem?
Clara Luz - dando uma mãozinha pro mundo, não é? Quem inventa mágica nova, está melhorando o mundo. (A
rainha não responde. Fica pensativa). Mas é preciso deixar as pessoas inventarem as mágicas que quiserem,
Majestade. Não pode ser pelo Livro. (A Rainha continua calada.) Pelo Livro, as pessoas ficam iguais a essas suas
conselheiras, que dão a vida inteira os mesmos conselhos. (As conselheiras se olham, meio concordando, meio se
sentindo ameaçadas pelas ideias de Clara Luz)
Rainha - (Dando um berro tão grande que todas estremecem, até as desmaiadas.) Quem é que educa essa menina?
Onde está a mãe dela? Onde está essa tal de professora de Horizontologia?
(A Professora e a Fada-Mãe são as únicas que não estão desmaiadas.)
Professora - (Levantando-se.) Fiquei calada esse tempo todo, com muito medo dos berros de Vossa Majestade. Mas
agora vou falar. Vossa Majestade pode me dar o castigo que quiser, mas eu digo que tudo que essa menina disse
está certo. E se Vossa Majestade não abrir os horizontes, eu não quero mais ser professora de Horizontologia. Ou
dou aula no próprio horizonte, ou não dou aula nenhuma.
Fada Mãe - (Levantando-se também.) Eu acho a mesma coisa. Há muito tempo que já não suporto esse livro
embolorado, mas só hoje estou com coragem para dizer isso. Não desencanto mais nenhuma princesa, nem torno a
fabricar nenhum tapete mágico. Vou inventar minhas próprias mágicas, como a minha filha. Estou muito orgulhosa de
tê-la educado tão bem que ela é uma menina cheia de ideias. E peço desculpas a ela por ter atrapalhado as suas
ideias, algumas vezes, com minha falta de ar. Se Vossa Majestade quiser nós despejar, despeje, porque quem tem
ideias vive bem em qualquer lugar. Chega! (Senta-se exausta).
Rainha - Não sei porque essa gritaria. (Jocosa e bem-humorada) Eu só chamei vocês porque achei que gostariam de
saber que a Fada Clara Luz será nomeada Conselheira Chefe deste palácio. (Mãe e professora se olham
completamente surpresas. A Rainha dá um sorriso bem humorado e fala para a plateia.) Eu também sei ter ideias!
(Para Clara Luz em tom de cerimônia.) Clara Luz, você agora é a minha Conselheira chefe. (Todas as fadas
desmaiadas voltam a si do desmaio ao mesmo tempo. Começa uma grande algazarra. Todas se abraçam radiantes.
As conselheiras vai cumprimentar Clara Luz.)
Conselheira 1 - Que bom que você agora é a nossa chefe!
Conselheira 3 – (No embalo, como quem não entendeu ainda o que está acontecendo) É... que bom! (para a
conselheira 1) Ela é chefe de quem mesmo?
Conselheira 2 - Já não aguentávamos mais dar sempre os mesmos conselhos!
Rainha - Graças a Deus vou poder descansar! É horrível governar sozinha sem ter conselheiras que sirvam!
Clara Luz - Só tem um probleminha, Majestade: é que eu só me mudo aqui para o palácio com minha mamãe, a
professora de Horizontologia, a gota de chuva, a vermelhinha e a família Relâmpago. Eu ainda sou pequena e só
posso ser uma boa conselheira com bons amigos me ajudando, sem querer desmerecer as senhoras conselheiras,
minhas subordinadas.
Conselheira 2 – Que isso...
Conselheira 3 – Bondade sua...
Conselheira 1 – Imagina...
Rainha - Claro, menina. Traga quem quiser. O palácio é muito grande e eu estou pouco me incomodando. (Entra a
família Relâmpago que desta vez é recebida pelas fadas com sorrisos e abraços.) De qualquer maneira já sei que o
seu primeiro conselho vai ser abandonar o Livro das Fadas e abrir os horizontes, não é? E quer saber de uma coisa?
Até eu já estou cansada desse Livro, para falar a verdade. (A essas palavras da Rainha, todos começam a cantar e a
dançar num clima de comemoração. A Rainha dança também.)
Grupo Teatral Estudantil Ars-Cenika - Colégio Integrado São Francisco – 2020/21/22 - 32
Todos - (cantando em coro dessa vez com a participação da família Relâmpago.) Não há nada mais bonito
Que inventar em liberdade
E só tem vida alegre
Quem sabe dessa verdade.
(A voz passante do senhor Relâmpago torna agora a canção mais forte e vibrante.)
FIM