Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1)
Desde as margens
Aquilo que acho que me protege será minha suspeita e meu inimigo
Faz dois dias ele achou um novo, abandonado, todo peludo e faminto
Por isso faz carinho nele, ensina com o gesto essa ordem
Eles quase nem olham pra mim, nem o cachorro nem meu pai
Se o pai chega tarde e correndo, não tem jeito dialogar com ele
nem com sua esposa, aquela ex-menina que agora é cinza, que lhe fala, nem com nenhum
2)
nem meu pai, nem aquela ex-menina agora cinzenta, nem o outro cachorro
Tentar ser minha outra menina para poder fugir pela janela
Por isso desenhei um, com meu dedinho, bem do lado de uma árvore
que olha divertido para aquela outra menina que brinca serelepe na janela embaçada
Acho que posso com o mesmo dedinho que vou inventando na minha janela embaçada
hoje ela serve o chá verde pra nós duas numa mesma grande xícara
ou qualquer ave migrante que deseje enquanto envolvo suas asas com as minhas
Enquanto o canto desse inverno seca meus sonhos de uma abrupta passada
4)
que isso não é um ônibus, que não vou pra nenhuma escola
5)
e então meu pai fica brabo e nunca, mas nunca mais me fala
ou aquela ex‐menina, agora, chora, chora e chora, chora tanto que nunca calma
por isso meu dedinho desenha sorrisos e um parque onde meu brincar me alivia e me
salva
sou mágica das formas e das asas que cada vez mais crescem em mim e em afogam