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Platão

Fedro
Edição bilíngue
Tradução e apresentação de José Cavalcante de Souza
Posfácio e notas de José Trindade Santos

RJ

r
topoç

editoraM34
O diálogo Pedro, de Platão, começa com o
encontro fortuito de dois amigos, Sócrates e Fe-
dro, e o convite deste àquele para um passeio
fora dos muros de Atena§, durante o qual po­
deríam apreciar o discurso de Lísias sobre o
amor. A esses dois temas, retórica e amor, logo
se entrelaçam diversos outros, e o diálogo cons­
titui uma porta de entrada para quase todos os
grandes temas da filosofia de Platão.
O que é falar e escrever bem? Essa questão
implica a avaliação da oralidade e da escrita, e
da relação entre elas. Ao descobrir que Fedro
Platão
guardava sob o manto a cópia escrita do discur­
'i so de Lísias, Sócrates se nega a ouvir o exercí­
I cio mnemônico, declarando a cópia escrita equi­
valente à presença do próprio Lísias, em con­
traste com a posterior depreciação da escrita
(quando Sócrates a aborda no mito de sua in­
FEDRO
venção por Theuth).
Indagado por Fedro se crê que é verdadeiro
o mito do rapto de Oritia por Bóreas, Sócrates
I distingue duas atitudes opostas diante do mito: Edição bilíngue
a dos sábios (aqui paradoxalmente a palavra so- Tradução e apresentação de José Cavalcante de Souza
phoí soa pejorativa) e a dele, determinada por
Posfácio e notas de José Trindade Santos
sua interlocução com o Deus Apoio e com a ins­
crição délfica gnônai seautón — e, neste caso, a
escrita tem caráter numinoso, prescrevendo o
comportamento no templo délfico e em toda a
vida. A dos sábios é uma sabedoria rústica, e
equivocada, porque sua racionalização dos mi­ SBD-FFLCH-USP
tos é inútil, fatigante e infindável. Em vez disso, • h
I ! Mi’3 nlll|
íil iIIlllHiil
nu
Sócrates se volta para o exame de si mesmo, se­
gundo o preceito délfico, para saber se é uma
fera, mais fumegante que Tífon, ou algo mais
4
o!l
1 10 3 3

simples, partícipe do divino e sem fumos. Esta


atitude de Sócrates se prende à perspectiva da
noção mítica de que a linguagem é uma das for­
I
mas fundamentais do mundo, pela qual Deuses
!
interpelam os mortais. editoraD34

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DEDALUS - Acervo - FFLCH
‘\ EDITORA 34

Editora 34 Ltda.
Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000
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20900185331

Copyright © Editora 34 Ltda., 2016


f Tradução e apresentação ©José Cavalcante de Souza, 2016
Posfácio e notas ©José Trindade Santos, 2016

I A Editora 34 agradece a participação atenta e generosa


de Jaa Torrano na edição deste livro.

A FOTOCÓPIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO É ILEGAL E CONFIGURA UMA


APROPRIAÇÃO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR. FEDRO

Título original: 7
i Apresentação, José Cavalcante de Souza
<Paí8poç

1
i Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica:
Bracher & Malta Produção Gráfica
(DaiSpoç
16
17
Fedro ..
Revisão:
Camila A. Zanon 213
Para uma leitura do Fedro,José Trindade Santos

Ia Edição-2016 253
Sobre o autor ....
254
Sobre o tradutor
CIP - Brasil. Catalogação-na-Fonte
(Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Brasil)
Platão, 428-347 a.C.
P664f Fedro / Platão; edição bilíngue; tradução
e apresentação de José Cavalcante de Souza;
posfácio e notas de José Trindade Santos —
São Paulo: Editora 34, 2016 (Ia Edição).
256 p.

ISBN 978-85-7326-648-1
Texto bilíngue, português e grego
1. Filosofia grega. 2. Platonismo.
I. Cavalcante de Souza, José. II. Santos,
José Trindade. III. Título.

CDD - 184
Apresentação

José Cavalcante de Souza

O Fedro é um dos mais belos diálogos platônicos, de


uma simplicidade entretanto meticulosamente construída em
soberba articulação textual, que entretece um harmonioso
conjunto de cenas e episódios em animada trajetória temáti­
ca. Desde seu início lemos o texto de um começo de conver­
sa entre dois caminhantes, que no final de uma manhã se en­
contram quando estão para sair pela muralha que cercava a
antiga Atenas, um dos quais, saudando o amigo Fedro, per­
gunta-lhe comodamente “aonde e de onde?”, economizando
í o “vais” e o “vens” que o interpelado está efetuando em sua
marcha e dando ênfase ao “aonde” inicial. Ao que este, aten­
S
dendo logo ao “de onde” final, invertendo assim a ordem das
perguntas conforme a direção do seu andar, e chamando “ó
Sócrates”, também naturalmente responde que (vem) de Lí-
sias e está indo a um passeio fora da cidade.
í E o flagrante desse encontro casual prossegue e acentua-
-se numa longa conversa que constitui o diálogo. Conversa
a dois e, logo mais, num recanto idílico às margens de um
«
pequeno rio, o Ilisso, organicamente articulada a partir de
um medíocre discurso escrito por Lísias, então um famoso
escritor de discursos. O jovem Fedro, como logo se verá, tem
uma cópia desse texto escondida sob o manto em sua mão
esquerda, e com ela continua um já prolongado exercício de
!
sua decoração; ele já está encantado com seu tema, que es­
tranhamente lhe parecia ser sobre o amor, pois defendia a te-

4
se de que um jovem devia atender às solicitações de um não pelo jovem; pois só um delírio assim motivado explica sua
amante e não às de um amante, segundo as conveniências de próxima decisão de improvisar, em tal lugar e circunstância,
uma prática social ambígua e pervertida. um discurso mais preciso que o de Lísias e ainda um terceiro,
Decoração estritamente, “de coração”. Uma leitura
de retratação pelo segundo.
repetida por gosto, com amor, em vista de ter consigo, me­ A caminho dessa decisão, interrogado agora por Fedro
morizado, o lido. Sócrates reage com sua afável ironia ao en­ se era assim que decidia brincar, Sócrates também pergunta
cantamento do jovem pelo discurso, prometendo não largá- se era assim que parecia a Fedro e não que estivesse sendo
-lo no exercício em marcha de sua decoração. Chegados às sério. Ao que o jovem, tranquilizado, insiste e pergunta, pelo
7
margens do Ilisso, os dois comentam detalhes do sítio encan­ Zeus amigo, se ele achava que algum outro pudesse fazer um
tado e em particular Sócrates sublinha o efeito inebriante do segundo discurso> “mais grandioso que este, sobre o mesmo
canto das cigarras, propício a um bom sono mas, sobretudo, 4
assunto”.. E com essa pergunta Fedro se torna, segundo Só-
a uma conversa condigna. crates, o pai de um discurso que “maternalmentei” este co-
E logo ele acha ocasião de pedir a Fedro que, em vez de
l meça a conceber, formulando três perguntas sobre os dois
exercitar-se em recitá-lo, primeiro ele mostre e leia o discur­ critérios de apreciação de um discurso, o de sua veracidade
so, cordialmente explicando-lhe que embora muito o estime, e de sua retórica, e explicando que só por este último apre­
desde que Lísias está presente (no texto escrito), ele prefere ciara o discurso lido, o qual, aliás, achara medíocre e repeti­
ouvi-lo diretamente lido e não decorado. Lamentando a ideia tivo. Ao que o pai do nascituro, liminarmente descartando o
e o pedido, Fedro então passa a ler o texto do discurso escri­ comentário de Sócrates (“Nada estás dizendo...”), proclama
to, devidamente marcado pelas aspas. a perfeição do discurso lido e acrescenta que nenhum outro
Feita a leitura e reiniciada a conversa, segue um concer­ poderia “outro tanto dizer com maior riqueza e valor”; o que
to de perguntas que musicalmente preludiam sua estrutura­ Sócrates diz não poder aceitar, ponderando que muitos fala­
ção temática — uma função que é sensivelmente sublinhada ram e escreveram sobre o assunto, os quais o confundiríam
pela homofonia dos termos gregos erotan (“perguntar”) e se, complacente com Fedro, ele aceitasse. E à curiosidade des­
érota (“amor”), que em dois planos se entrecruzam no con­ te, querendo saber quem eram estes muitos, ele alega que não
texto deste reinicio, o da fonética e o da evocação. À extasia­ l sabe responder com precisão, cita vagamente dois poetas que
da pergunta de Fedro, se Sócrates não achava que o discurso versaram sobre o amor e, súbito, pressupondo uma pergunta
era de uma soberba eloquência, ele responde acentuando o de Fedro indagando-lhe em que indício se apoiava para ter
adjetivo (“Divina mesmo...”) e logo explicando que assim feito tal afirmação, gravemente ele responde — interpelando
achava à vista do seu jovem rosto que se iluminara enquanto o jovem com um solene “ó divino” — que se sentia obrigado
estava lendo, o que justamente o fizera delirar com ele. Uma a falar sobre o mesmo tema outro tanto e não inferior, mas
resposta precisa e exata, não obstante a desconfiança de Fe­ ; obviamente não dele mesmo e sim de outras fontes, das quais
dro e do leitor, defrontados com a desconcertante ironia so- se enchera como uma jarra, embora de seus nomes por des­
crática, em geral aquém do que ambos desconfiam. Aqui ela cuido tivesse esquecido.
está, como de costume, na literalidade do que Sócrates disse, A prosaica ironia desse final de frase é inundada por um
isto é, na efetividade do seu delírio com a leitura do discurso “ó generosíssimo” da parte de Fedro, encantado com a ideia

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/
1

-
de Sócrates proferir um discurso competitivo. E embora este do o mesmo que ele, uma divina emoção que o invade. E à
tente desencantá-lo, procurando fazer-lhe ver que o discurso confirmação do jovem, ele pede silêncio, chamando sua aten­
de Lísias, censurando a imprudência do amante e louvando ção para as divindades do local, que poderíam interferir em
a prudência do não amante, mediocremente fechava-se no ! seu discurso. O qual de fato é daí a pouco bruscamente in­
confuso pressuposto de que amor é imprudência e desamor, terrompido, logo após ele ter desferido este comentário: “co­
prudência, Fedro atropela a advertência e canhestramente mo lobos amam cordeiros, assim amantes amam meninos”.
propõe que Sócrates discurse sobre o tema, apenas substi­ Uma imagem, segundo ele, chocante, e pela qual ele, mesmo
tuindo o adjetivo “imprudente” por outro análogo (“que o inibido, interpela Fedro e anuncia-lhe que não pode mais
amante é mais doente que o não amante”). continuar e assim tenha por já terminado o discurso. E ao
Mais duas questões de Sócrates (“Levaste a sério, Fedro, protesto do interpelado, alegando que ainda estava no meio
porque buli com teu amante...? E então imaginas que tenta­ o discurso, sem o correspondente elogio ao não amante, e de
rei, paralelamente à sabedoria desse homem, dizer outro tan­ novo perguntando por que ele não continuava, Sócrates, com
to...?”) reiniciam o dueto de perguntas que culmina com ou­ mais quatro perguntas, lhe faz ver que está interditado por
>
tras duas, das quais a primeira (“Sabes então como farei?”), um temor religioso que o está compelindo a ir embora. Ao
de Sócrates, suscita nova pergunta de Fedro (“De que estás que Fedro lhe opõe um urgente “ainda não”, apoiado na jus­
falando?”), cuja resposta anuncia como ele vai falar: enco­ tificativa “não antes que a canícula tenha passado” e, sobre­
berto, para não se embaraçar de vergonha. E à impaciente tudo, na pergunta seguinte, tão simples, mas de um grande
observação do jovem (“Contanto que fales, o mais faz como relevo contextual: “Ou não estás vendo que já é quase meio-
quiseres”), habilmente ele invoca às Musas que tomem com -dia, o que justamente se diz que está parado?”.
ele o mito, isto é, o tema que Fedro o está forçando a pôr em Pois este pequeno “quase”, tão corriqueiro em sua fun­
discurso, “de um rapazote que tinha muitos amantes, um dos ção sedutora, aqui vai cobrir um intervalo de conversa de
umas três páginas, que justamente introduz ao meio-dia de­
quais, muito ladino, tinha-o persuadido no entanto de que
vidamente encantado pelo adjetivo “parado”, para que Só­
não o amava e um dia se pôs a persuadi-lo justamente disso
crates nele profira um belíssimo discurso propiciatório de
mesmo, de que ao não amante e não ao amante ele devia
atender, e eis como ele falava: elogio ao Amor em sua essência mítica, o qual nas páginas
do livro está mais ou menos ocupando o meio do texto. Em
Segue então, conforme invocado, o texto do fictício
função desse meio-dia no diálogo, começando a responder
amante socrático (o mesmo amante do discurso de Lísias,
com irônico galanteio (“És divino com discursos, Fedro, e
mas com a ladinice assumida), texto que em nossa leitura,
simplesmente maravilhoso...”), Sócrates anuncia que o jovem
em geral distraidamente, sobrepomos a essa prévia invoca­
tornou-se com sua pergunta o responsável por um discurso
ção, que no entanto é mesmo o (aliás, belo) capuz que ele lo­
de retratação que ele se sente agora compelido a proferir. E
go antes dissera que ia pôr na cabeça envergonhada. Com o
a uma outra pergunta alvoroçada do mesmo (“Não é guerra
capuz do amante ladino dissimulado em não amante, Sócra­
que anuncias?”), ele explica que acabara de pensar em ir em­
tes então articula, bem melhor que Lísias, uma série de argu­
bora, quando ocorreu-lhe o demônico sinal que costumava
mentos contra o amor, que entretanto logo o levam a um bre­
ve alerta em que ele pergunta a Fedro se este não está sentin­ ocorrer-lhe e que agora o impedia de sair. A uma nova per-
>

10 v u
gunta do jovem, agora intrigado (“Mas que estás dizendo?”), socrático, que será dialeticamente articulado e, portanto, a
ele dá uma intrigante resposta (“Terrível, Fedro, terrível dis­ cavaleiro dos habituais padrões retóricos.
curso tu mesmo trouxeste e me forçaste a proferir”), a qual, Nesse clima, Sócrates faz ainda uma última observação:
identificando o discurso que acabara de improvisar ao que os discursos anteriores foram terríveis, por que ingênuos e
Fedro tinha lido de Lísias, suscita nova pergunta do jovem ímpios, e uma pessoa nobre que os ouvisse imaginaria estar
(“Como assim?”), cuja resposta, apoiada em mais outra per­ ouvindo conversa de quem não tem educação. Para gente co­
gunta, dá a razão do “terrível”: “Ingênuo e, sob certo aspec­ mo esta pessoa é que ele, “envergonhado e temendo o pró­
to, ímpio; que outro seria mais terrível?”. E como Fedro res­ prio Amor” em sua essência mítica, deseja “com saudável
ponde conforme a intenção da pergunta, mas com uma res­ discurso lavar a salmoura do que se ouviu”. E como, a Lísias
salva (“Nenhum, se é verdade o que dizes”), de novo ele o ausente, ele também aconselha que o quanto antes escreva
interpela com suas interrogações, a última das quais tem o sobre o dever de atender ao amante mais que ao não amante,
grande peso de uma verdade religiosa (“Pois então? O Amor, Fedro ainda reage como se Sócrates estivesse falando de com­
não o julgas filho de Afrodite e de um deus?”). E à resposta petição retórica, pois garante a este que obterá de Lísias um
3
banal de Fedro (“É bem o que se diz”), ele retruca com uma novo discurso de elogio ao amor. Sócrates ironiza (“Nisso
longa contrarresposta que detona como uma joia de adver­ sim eu confio, enquanto fores o que és”) sem que este o per­
tência e esclarecimento (“Não em todo caso Lísias, nem o teu ceba (“Fala então, em confiança”) e então só lhe resta per­
discurso, o que em minha boca enfeitiçada por ti foi proferi­ r
guntar, cauteloso, “Onde é que está o jovem a quem eu me
do”), que o leva à decisão de retratar-se com um novo dis­ dirigia?”, e com gravidade acrescentar: “Que também isto
curso, agora de elogio ao Amor com maiúscula, isto é, em ele ouça, para que se não ouvir não se adiante ele em aquies-
sua mítica essência; decisão que ele considera urgente e mais cer ao que não ama”.
prudente que uma emblemática palinódia (novo canto) do O aviso parece deslizar em uma resposta infantil e no
poeta lírico Estesícoro, pela qual este salvou-se da cegueira limite do grotesco (“Ele está contigo, bem perto, sempre ao
que castigou o grande Homero por alguma indevida falha em teu lado, como quiseres”), que entretanto dá assim o devido
seu divino canto. acesso à coloquial passagem ao início do segundo discurso
Esta alusão literária tem o relevo próprio do seu contex­ de Sócrates: “Eis na verdade, bela criança, o que deves pôr
to helênico. Os poemas homéricos eram a bíblia dos antigos em mente, que o precedente discurso era de Fedro, filho de
gregos, uma bíblia escutada e não lida. Recuperado de uma j Pítocles do demo de Mirrinunte; mas o que vou dizer é de
cegueira análoga à do legendário Homero (homônimo único Estesícoro, filho de Eufemo, natural de Hímera”. Uma pater­
do nome comum hómeros^ “refém”), cuja poesia era origi­ i nidade bem alusiva: Pítocles é a glória de Pito, a serpente do
nalmente recitada e não escrita, o poeta Estesícoro, salvo com santuário de Apoio, famoso por suas prescrições ambíguas,
seu novo canto lírico, prefigura o Sócrates de um novo dis­ e Eufemo é o contrário de “blasfemo”, isto é, o de benigna
curso, urgente e de retratação, com o qual este espera preve­ fala, enquanto Hímera, a cidade pátria de Eufemo, era famo­
nir-se da cegueira que assustou o poeta lírico. O tom ameno r sa pelo mel de suas abelhas. E consequente a esse bem-hu­
de anedota climatiza uma aura de solenidade, pela qual se i morado prelúdio, o discurso começa explicitamente anun-
anuncia com discrição a radical diferença do novo discurso »
i ciando-se: “E eis como deve ele discorrer, que £não é verídico

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um discurso’ que, presente um amante, afirme que mais se
deve aquiescer ao não amante, e isso porque o primeiro de­ ■

lira enquanto o segundo está em seu bom senso”. Pois o tra­


duzido por “discorrer” é uma forma verbal adjetiva (lektéos)
do verbo légein, “dizer”, a que corresponde o nome lógos
(“ato de dizer” e, portanto, “fala”, “discurso”). Este adjeti­
vo verbal diz melhor que a tradução “discorrer”, pois en­
quanto adjetivo ele está, ao mesmo tempo, qualificando e as­ -•
sumindo o não expresso lógos (“discurso”) que justamente
por ele começa a constituir-se como se autônomo, sem um
explícito sujeito a condicioná-lo. Assim constituindo-se, este
lektéos começa negando a veracidade de um lógos que afirme
o dever de um jovem atender a um não amante e não a um
amante, como se o delírio deste fosse uma coisa feia que se
deve evitar.
E é assim da negação desta hipótese, enunciada como
FEDRO
um apêndice (“como se...”), que se articula, como em um be­
lo vestíbulo, um amplo arrazoado sobre as principais formas I
cultuais e culturais do delírio, responsáveis pelos maiores be­ í
nefícios aos homens: a divinatória de Apoio, a mística de
Dioniso, a poética das Musas e a amorosa de Eros, filho de b
Afrodite. E para provar essa responsabilidade é preciso sair
do vestíbulo, mas para fora, isto é, para a demonstração da
I
imortalidade da alma. Pois a natureza desta é inseparável da i /
natureza do todo, que tem uma bela ordem, é um kósmos.

I
i

14
I
• 1
C>aí5poç* Fedro

EQKPATHE [227a] Sócrates [227a]


d) cpíXe <PaíópE, ttoí Sr] xai ttóOev; Ó caro Fedro, aonde e de onde?

«PAIAPOE < FEDRO


trapa Aucnou, co LcDKpaiEÇ, tou KEcpáXou, TropEÚopai Se De Lísias, o filho de Céfalo,1 ó Sócrates; e estou indo a
Trpòç TTEpfrraTOv êÇcd teÍ)(ouç- au^vòv yàp ekeí SiETpnpa ^póvov passeio fora da muralha; pois longo tempo fiquei sentado lá
KaOqpEvoç eÇ ecdOivou. tco Sè aco Kai épcp ETaípcp TTEiOópEvoç desde a madrugada. E aconselhado por teu e meu companhei­
AKOUpEVCp XOTO tÒÇ 0S0UÇ TTOlOÜpai TOUÇ TTEplTTClTOUÇ- (pqai ro Acúmeno,2 pelos caminhos estou fazendo os passeios; pois
yàp aKOTTCDTEpOUÇ Eivai TGDV EV toíç [227b] Spópoiç. diz ele que são menos fatigantes que nas [227b] pistas.

ZQKPATHE SÓCRATES
koXgjç yóp, cd eTaípe, Xéyet. órràp Auaíaç qv, cbç eoikev, E diz bem, companheiro. Mas então Lísias estava, como
I
ev aarei. parece, na cidade!

«PAIAPOE FEDRO
I
vai, irap’ 'ErrucpáTEi, ev tijSe tíj nXriaíov toü ’OXuprríou Sim, em casa de Epícrates,3 aquela vizinha ao templo de
/
oikíç tí) Mopu)(í<?- Zeus Olímpico, a Moriquia.4

1 Rico meteco, pai do orador Lísias e de Polemarco. O primeiro e o


último sâo personagens proeminentes no Livro I da República de Platão.
2 Médico ateniense, pai de Erixímaco, um dos oradores do Banque­
í te de Platão.
3 Orador ateniense, apoiador do partido democrático.
* Texto grego estabelecido a partir de Platonis Opera, t. II, John
Burnet (org.), Oxford, Clarendon Press, 1901 (Bibliotheca Oxoniensis). 4 Casa que pertenceu a Mórico, poeta trágico, famoso pela gula e

16 17
EQKPATHE SÓCRATES
tÍç oúv 8q qv q Siaipi^q; q 8qXov OTl TCDV Xóycov upõç
Com que então se entretinham? Sem dúvida com seus
Auaíaç eíoría;
discursos Lísias vos banqueteava?
«PAIAPOE FEDRO
Treúor), ei oot cryoXq irpotóvTi aKoúeiv. Saberás, se tens folga para ouvir.
EQKPATHE
SÓCRATES
tí 8é; ouk av oiet pe kotò nív8apov ‘xai àa^oXíaç O quê? Não achas que eu poria, como diz Píndaro,5
úrrépTepov Trpãypa’ TroiqaaaOai to xeqv te xai Auaíou « mesmo acima de negócio”6 o empenho de ouvir uma con­
8taTpipf]v àxouaat; [227c] $
versa tua e de Lísias? [227c]
QAIAPOE
FEDRO
irpóaye 8q.
Avança então.
EQKPATHE SÓCRATES
Xéyotç &v. Podes falar.
«DAIAPOE FEDRO
Kai pf|v, G> EcDKpaTGÇ, Trpoaqxouaa yé oot q áxoq- ó Realmente, Sócrates, bem te compete ouvi-la; pois o dis­
yáp roí Xóyoç qv, Ttepi. ov Sierpí^opev, ouk oi.8’ ovrtva curso de que nos entretínhamos era, não sei de que modo,
Tpóirov épcDTtKÓç. yéypacpe yàp 8q ó Auaíaç TreipcDpevóv Ttva erótico. E o que Lísias escreveu foi a sedução de um belo, mas
tcdv koXcdv, oúy úir’ epaorou 8é, àXX’ aurò 8q touto xai não por um amante, e nisso mesmo é que justamente está o
KGKÓpipeuTat- Xéyei yàp cbç yapiaTEOv pq épcovTi paXXov q fino; pois ele discorre que se deve favorecer ao não amante,
èpcovTi. mais que ao amante.
EQKPATHE SÓCRATES
cò yevvaíoç. e’í0e ypáyetev cbç XPH ^évqTi paXXov q Bravo! Ah se ele escrevesse que ao pobre mais que ao
TtXouaícp, KOI TTpeo[3uT6pcp q VECDTEpCp, KOÒ. OOQ oXXa [227d] rico, ao velho mais que ao moço, e quanto mais [227d] a mim
5

pelo caráter afeminado, referido por Aristófanes nas comédias Acarnenses.


887; Vespas. 504, 1137; e Paz. 1008.
5 Um dos maiores poetas líricos gregos, nascido na Beócia em 518
a.C. e morto em Argos em 438 a.C.
6 Referência ao segundo verso da primeira ode ístmica, de Píndaro. I
I

18 19
Epoí te irpócreori Kai toíç ttoXXoíç qpcòv- q yàp av àareíoi Kai se aplica bem como à maioria de nós! Pois elegantes, ainda
SqpccxpEÀeíç eiev oi Xóyot. EycDy’ oúv outcdç ETnTE0úpqKa seriam de público interesse os seus discursos. Eu por mim tal
àxoúaai, coar’ èàv [BaSíÇcDv Troiq tov TrepnraTOv MéyapáÓE é o desejo que sinto de ouvir que, se em teu passeio caminha­
xai xaxà 'Hpó8ixov irpocrpàç tcò teÍ^gl ttóXiv àiríriç, oú pq res até Mégara e, segundo o método de Heródico,7 chegares
aou àiroXEupOcD. até ao muro e de novo partires, por nada te largarei.

0AIAPOE FEDRO

ttcòç XéyEtç, à) ^eXtiote LcÓKpaTEç; oiet pE, a [228a] Que estás dizendo, excelente Sócrates? Pensas que eu, o
Auaíaç ev iroXXcp xpóvcp xaià axoXqv auve0qxE, SelvÓtotoç que [228a] Lísias em longo tempo e com folga compôs, em­
còv tgdv vuv ypáqjEiv, TaÚTa ióicÓTqv Ôvtq áiTopvqpovEÚaEiv bora sendo o mais hábil dos que atualmente escrevem, eu,
cxÇÍgdç êkeÍvou; ttoXXou yE 8éa>- KaÍTOt E^ouXópqv y’ av um leigo, poderia repeti-lo à altura dele? Longe disso estou!
pãXXov q pot iroXu xPucrí°v yevéaOau E no entanto bem o queria, mais do que ter muito ouro.

EQKPATHE SÓCRATES

gd <I>ai8pe, ei Eyò> 4>ai8pov àyvoõ), Kai èpauTOU Ó Fedro, se eu desconheço Fedro, também de mim mes­
ETTtXéXqapai. àXXà yàp oú8éT£pá ecfti toÚtcdv- eu oi8a mo estou esquecido. Mas não é nenhum destes dois casos;
otl Auaíou Xóyov áxoúcov ekeívoç oú póvov airaÇ bem sei que, ouvindo um discurso de Lísias, ele o ouviu não
qKouoEv, àXXà ttoXXókiç EiravaXapPávcüv ekeXeuev oi só uma vez mas muitas outras o retomou e mandou repetir,
XéyEtv, ó 8È etteíQeto [228b] irpoôópcDÇ. tco 8è oú8è ao que o outro prontamente [228b] obedecia. Ele porém nem
TaÜTa qv íxavá, àXXà teXeutcdv irapaXa^cbv to com isto se contentava, mas por fim tomou do outro o folhe­
fBifBXíov a páXtora EiTE0úpEi ettêokóttei, Kai touto to e se deteve a examinar o que mais lhe apetecia, e como is­
Spcòv ÈÇ ECO0LVOU Ka0qpEvoç àiTEiTrcóv eiç TTEpnraTOv to fazia desde cedo, cansado de estar sentado, ei-lo que vai a
rjEt, gdç pèv Eyà> oipai, vq tov KÚva, E^EirtcrrapEvoç tov passeio — sim, pelo cão8 — sabendo de cor todo o discurso,
Xóyov, ei pq irávu ti qv paKpóç. EiropEÚETO 8’ ektoç

se não era muito longo.9 E caminhava fora da muralha, para
exercitar-se nele. Mas eis que se deparou com quem é doente

7 Médico, natural de Mégara, famoso por prescrever longas cami­


nhadas.
8 Jura que Sócrates frequentemente faz quando quer acentuar a vee­ I
mência da ideia defendida.
9 Em tom irônico, Sócrates ilustra o método usado pelos aprendizes
de Oratória. A partir da declamação de um discurso pelo mestre, o aluno
memoriza e apreende os tropos da composição da qual reteve uma cópia
escrita, e indiretamente assimila os valores e princípios de comportamento
transmitidos no texto. No final do diálogo, Sócrates desfere violentas crí­
ticas a este método de aprendizagem.
I
20
1i 21

L
7

TEtyouç iva peXExcpq. àrravxqaaç 8È xcp voooüvxi Trepi


XóycDv àxoqv, iSòv pév, 18cdv, qo0q oxi êÇoi tov para ouvir discursos, e ao vê-lo, sim, ao vê-lo, sentiu o prazer
de ter nele o cúmplice de um delírio coribântico,10 [228c] e o
ouyKopupavxicDvxa, [228c] xai TrpoáyEtv ÈkeXêue.
convidou a prosseguir. E pedindo-lhe que o recitasse o aman­
i
ÓEopévou 8e XéyEiv xou tcdv XóycDv Epaoxou,
te dos discursos, ele se encarecia como se não desejasse falar;
eOpúiTTETO cbç 8r) oúx ETnôupcòv Xéyeiv xeXeutcdv 8e
mas por fim se dispunha, ainda que um não consentisse em
EpeXXe xai ei pq xiç ekgov àxoúoi fBíçt EpEiv. ou ouv,
ouvi-lo, a por força falar. Tu portanto, ó Fedro, é o meu ur­
<Pai8pE, aúxou 8eq0qxi ôrrep xáya ttÓvtcdç iroiqaEi
gente pedido, faz agora o que certamente farias de qualquer
vuv q8q ttoieÍv.
modo.

! «DAIAPOE ?

FEDRO
époi cbç áXq0c5ç ttoXu Kpáxiaxóv êoxtv ouxcdç !
Para mim na verdade o melhor é falar tal como posso,
Õttcoç 8uvapai XéyEtv, gdç pot 8okeíç ou oúSapcbç pe
pois me parece que de jeito algum me largarás antes que eu
ácpqoeiv irpiv âv eÍTTCO ápcòç yé ttcdç.
fale de qualquer modo.
EQKPATHE
SÓCRATES
tróvu yóp ^ot àXq0q 8okcd. [228d] I
Pois é bem verdade o que a meu respeito te parece.
i
[228d]
0AIAPOZ i

» x z ' ~ V z í1 z
FEDRO
OUXCDOI TOIVUV TTOiqOCD. TCp OVTL yap, CD EcDXpQTEÇ,
Assim portanto é que farei. Pois de fato, Sócrates, lite­
iravTÒç pãXXov tÓ yE pqpaxa ouk eÇépaÒov xqv pévxot
ralmente as expressões não decorei; mas o pensamento de
8iávotav oye8òv ottÓvtcdv, oiç Ecpq 8ia<pépEtv xà xoü
quase todas, nas quais Lísias explicou em que diferem os ca­
EpcDvxoç rj xà xou pq, ev KEcpaXaíotç EKaoxov EcpE^qç
sos do amante e do não amante, sumariamente exporei cada
8iEipt, apÇápevoç anò xou rrpcDxou.
um por ordem, a começar do primeiro.
EQKPATHE
SÓCRATES
8eÍÇqç y£ rrpCDTOv, cb (ptXóxqç, ti âpa êv xij !
Quando tiveres mostrado primeiro, ó amizade, que é
apioTEpç e\etç uttò xcp ípaxícp* tottóÇcd yóp oe
que tens em tua mão esquerda, sob o manto; pois estou sus­
e\eiv tov Xóyov aúxóv. ei 8e touto eotlv, ouxcdoi
? peitando que tens aí o próprio discurso. E se é assim, põe is­
8iavoou TTEpi Epou, cdç [228e] èycD oe irávu pèv
so em tua mente a meu respeito: [228e] gosto muito de ti,

i 10 Os Coribantes eram sacerdotes de Cibele, que nas festas da deusa


dançavam vertiginosamente, soltando gritos estridentes. São duas vezes
referidos nos diálogos (Eutidemo, 277d7; Leis, VII, 790d4), constituindo
1 a sua prática objeto de sátira (Críton, 54d; lon, 533e, 536c).

22 I1 23
í
II • <«

91ÀGÒ, irapóvTOÇ 8ê xai Auaíou, Epauróv aot mas desde que também Lísias está presente, absolutamente
éppeXeTãv Trapéxeiv ou iravu 8é8oxTat. àXX’ t0t, não estou decidido a me prestar ao teu exercício. Mas vamos,
mostra.
ôeÍKvue.
FEDRO
4>AIAPOE
Para! Arrancaste-me a esperança, ó Sócrates, que eu ti­
TrauE. EXXExpouxáç pE eXttí8oç, gd ZcóxpaTEÇ, qv
nha de contigo exercitar-me. Mas onde queres que nos sen­
eixov ev aoi cbç EyyupvaaópEvoç. àXXà irou Sr) [BoúXei
temos para ler? [229a]
xa0tÇópEvot àvayvcopEv; [229a]
SÓCRATES
EQKPATHE
Viremos aqui seguindo o Ilisso11 e depois, onde te pare­
SEUp’ EKTpairÓpEVOL XOTO TÒv ’lXiaÒv LGOpEV, EITQ
ça melhor, tranquilamente nos sentaremos.
Ôttou av 8óÇrj ev r)au)(íç xa0iÇr)aópE0a.
FEDRO
4>AIAPOE
Em boa hora, é o que parece, encontrei-me descalço;
eiç xatpóv, cbç eoikev, àvuiTÓ8r)TOç aSv etu^ov-
pois tu sempre estás. Facílimo então nos será, molhando os
oi/ pèv yàp 8t) a£Í. pçorov ouv qpiv xarà to uSotiov
pés pela aguinha, prosseguir; e não desagradável, sobretudo
Ppéxouai touç iró8aç iévat, xai oux àq8éç, aXXcoç te
nesta época do ano e a esta hora!
xai tiÍv8e Tqv copav tou etouç te xai tfjç qpépaç.
SÓCRATES
EQKPATHE
Prossegue então e ao mesmo tempo vê onde nos vamos
TTpóaye 8q, xai ctkóttei apa ôirou
sentar.
xa0iÇqaóp£0a.
FEDRO
0AIAPOE
Estás vendo aquele altíssimo plátano?12
°pçç ouv EKEÍvqv tr]v uyqXoTáTrjv irXaTavov;
SÓCRATES
EQKPATHE
Que há com ele? [229b]
TÍ pqv; [229b]

1
11 Pequeno rio que corria fora das muralhas da cidade.
12 Aqui e adiante (230b; sobretudo em 236d-e), “plátano” (plata-
non) pode esconder a referência a Platão (Platôn). A sugestão é de R. Zas-
lavsky (“A Hitherto Unremarked Pun in the Phaedrus”, Apeiron, vol. 15,
n° 2, 1981, pp. 115-6).

25
24
í
V

4>AIAPOE
FEDRO
aKiá t’ éariv Kai nvEÜpa peiptov, Kai troa
ekeí
KaOíÇeaOat fj av [BouXcópeOa KaTaKXivrjvai. Lá tem sombra e vento moderado, e relva para nos sen­
tar e, se quisermos, nos deitar.
EQKPATHE
SÓCRATES
TrpoÓYOiç âv.
I Podes prosseguir.
0AIAPOE
FEDRO
eiTié poi, cb LcÓKpaTeç, ouk evOevSe pévTOi ttoOèv àirò
Diz-me, Sócrates, não foi de algum ponto daqui do Ilis-
tou 'iXiaou XéyETai ó Bopéaç Tqv ’Qpeí9uiav apiráaai;
so que Bóreas, ao que dizem, raptou Oritia?13
EQKPATHE
SÓCRATES
XéyeTai yáp.
Pois é o que dizem.

Ir' «DAIAPOE
àp’ ouv Èv9ev8e; yapÍEVTa youv Kai KaOapà Kai
FEDRO

8taq>avfj to u8átia tpaívETai, Kai èmTq8eta KÓpaiç ttoíÇeiv Terá sido então daqui? Que graça em todo caso, que pu­
trap’ auTÓ. [229c] reza e transparência nos fiozinhos de água! E como se pres­
tam suas margens a brincadeiras de moças! [229c]
EQKPATHE
àXXò kÓtcoOev óaov 8ú’ rj Tpía ará8ia, y irpòç to
ouk,
SÓCRATES I
Não, mas lá de baixo, a uns dois ou três estádios, onde
ev ’Aypaç StafBaívopev Kai iroó tiç eoti ^wpòç auroOi
atravessávamos para o santuário de Agra.14 Por lá justamen­
Bopéou.
te há um altar de Bóreas.
4>AIAPOE
FEDRO
ou Trávu vevórjKa- àXX’ eltrè irpòç Atóç, cb ZcÓKpaTEÇ,
Nunca reparei. Mas diz-me por Zeus, Sócrates, o que
au toüto to puQoXóynpa ireíQr] àXqôèç Eivai;
este mito conta acreditas tu que é verdade?

13 O mito do rapto da ninfa Oritia pelo vento norte, Bóreas, vai ser­
vir a Sócrates para tomar posição sobre a crença na verdade dos mitos po­
pulares, ao mesmo tempo rejeitando as racionalizações ao gosto de alguns
sofistas (229c-d).
14 Uma das circunscrições administrativas (demos) da Atica.

26 27
í
J
1
li'
n
EQKPATHE
SÓCRATES
àXX’ ei àmaroíriv, cocnrep oí aocpoí, ouk av aTOTioç

Mas se eu não acreditasse, como os doutos, não seria


eiqv, erra aocpiÇopevoç cpaiqv auTtjv irveüpa Bopeou kotq
tgóv TcXrjaíov iTETpcòv auv <PappaKeíç iraíÇouaav òaat,
um estranho; e depois doutamente diria que um vento bo­
Kai outg) Sf) TeXeujqaaaav Xe^Ofivat urro tou Bopéou real atirou-a lá embaixo, nas pedras próximas, enquanto ela
àvópiraarov [229d] YeYovévai — H Apeíou ttÓyou- brincava com Farmaceia,15 e que tendo assim morrido disse­
XéYExat y^P KOti oÚtoç ó Xóyoç, cdç exeíGev àXX’ ouk ram que por Bóreas foi raptada. [229d] Ou da colina de
èv0évSe qpTráaOq. êycú Sé, cb 4>aíSpe, âXXcoç pèv to Ares?16 Pois conta-se também esta versão, que de lá e não
daqui ela foi raptadaJiEu porém, Fedro, estimo que tais ex­
ToraÜTa ^apÍEVTa fjYOupai, Xíav Sè Setvou Kai eTriTróvou
plicações têm o seu encanto, mas são próprias de quem é
Kai oú itávu eutu^ouç àvSpóç, kot’ aXXo pèv oúSév, oti
8’ aÚTcp àvÓYKr) pexà touto to tcòv 'iTrrroKevTaúpCDv muito hábil, muito laborioso e não muito afortunado, por
eiSoç èiTavop0oüaOai, Kai au0iç to Tqç Xtpaípaç, Kai nada mais senão porque lhe será necessário, depois disso,
émppei Sè ô^Xaç toioutgdv FopYÓvcov Kai FI^ySctcov Kai corrigir a forma dos Centauros,17 depois a da Quimera,18 e
’ ,r!!
[229e] aXXcov àpqxávcDv rrXr|0r) Te Kai aToníai eis que irrompe uma multidão de tais Górgonas19 e Pégasos,20
[229e] uma quantidade e extravagância de outros seres im­
TepaToXÓYcov tivcov (púaecov aiç et tiç airiaTcàv
possíveis e monstruosas naturezas; nos quais se um não acre­
TrpoaPiPç Karà to eiKÒç eKaarov, are aYpoÍKcp tlvl
;N aoipíç xpcòpEvoç, TToXXqç auTÔ axoXqç Seqaei. époi Sè
ditando vai reduzir cada um ao verossímil, recorrendo a não
sei que agreste sabedoria, de muita folga precisará. Eu para
rrpòç auTÒ ouSapôç éari a^oXq- to Sè avnov, ò cpíXe,
isso não tenho nenhuma; e a razão, meu amigo, é a seguinte:
toutou TÓ8e. ou Súvapat ttcd kotÒ to AeXcptKÒv Ypáppa
ainda não sou capaz de, segundo a inscrição délfica, conhe­
YvóSvai épauTÓv- Y^Xotov 8f) poi tpaíveTat [230a] touto
cer-me a mim mesmo; ridículo então se me afigura,21 [230a]
I
I
J íl ' I
N
15 Ninfa, cujo nome sugere associação a drogas ou encantamentos.
16 Colina que domina Atenas, onde ficava o tribunal do Areópago.
17 Seres formados pela conjunção das formas de um homem e um

fl cavalo.
18 Seres monstruosos, combinando as formas de um leão, com as de
uma cabra e um dragão.
19 Figuras femininas, cujos rostos, em vez de cabelos, eram encima­
dos por serpentes, e tinham o poder de petrificar quem as encarava.
20 Cavalos alados.
21 O passo sugere a função desempenhada pela máxima délfica
(“Conhece-te a ti mesmo”) na concepção socrática de saber. Consciente
í da impossibilidade de conhecer todas as coisas, o filósofo busca na sua
própria incapacidade de atingir um saber infalível o critério que validará

28
29
eri cxyvooúvTO to oXXÓTpio okotteív. ô0ev 8q yaípEtv quando isto ainda ignoro, examinar o que é de outro domí­
eáaaç touto, iretOópevoç 8è tcò vopiÇopévcp Ttepi outgdv, nio.' Daí é que, tendo deixado livres esses mitos e confiado no
o vuv8q eXeyov, (JkottÕ) oú touto àXX’ èpauTÓv, eite ti que se acredita a seu respeito, faço exame não deles mas de
0qpíov ôv Tuyxávo) Tuipcòvoç KoXutrXoKCÓTEpov koi mim mesmo, se acaso não sou um bicho mais complicado e
pãXXov EiriTE0upp£vov, eite qpepcÔTepóv te koi mais nebuloso que Tífon,22 ou se um animal mais manso e
orrXoúcrTÊpov Çôov, 0eÍoç tivoç koi OTÚipou poípaç <púoEi simples, por natureza partilhando de não sei que divino e de­
pETEXOV. CXTÓp, G) ETOipE, pETaÇÒ TtÒV XÓyCDV, Op’ OU tÓ8ê sanuviado destino. Mas eh, companheiro, um momento! Não
qv to 8év8pov E<p’ oirep qyEÇ qpãç; [230b] era esta a árvore a que justamente me conduzias? [230b]

«PAIAPOE FEDRO
~ x r , z
touto pev ouv auTO. Esta mesma, sem dúvida.

EQKPATHE SÓCRATES

vrj rqv ''Hpav, KaXq y£ q KOToycDyq. q te yàp ttXÓtovoç Sim, por Hera, que belo recanto! Este plátano é de fato
auTq páX’ àpqjtXaqjqç te kol úipqXq, tou te ay vou to úipoç bem copado e alto, e a pimenteira silvestre tem altura e som­
koi to oÓokiov iráyKaXov, koi cbç àxpqv e^ei Tqç âv0qç, cbç breado belíssimo, e como está em plena florescência não po­
av eucoSeototov irapéxoi tov toitov q te aú irqyq dería deixar mais embalsamado o lugar! E ainda a fonte, com
• kl • * í
XaptEorárq uttÒ Tqç -riXara vou pEÍ páXa tpuypou u8otoç, que graça flui sob o plátano, de água tão fresca que é só pôr

'l!! i gSotê yE tco iroSi TEKpqpaoOai. Nupcpéòv te tivcov koi


A^eXcdou tEpòv àirò tgòv xopã>v te xai áyaXpÓTGDv eoixev
o pé e comprovar. Um santuário de ninfas e de Aqueloo,23 a
julgar pelas estátuas juvenis e pelas imagens do deus, é o que
Eivai. [230c] ei 8’ aú [SoúXei, tò euttvouv toú tottou cbç parece ser. [230c] E ainda, se preferes, o bom ar do local co­
ayaiTqTÒv koi otpóSpa q8ú- Oepivóv te koi Xiyupòv útrqxEÍ mo é delicioso e extremamente agradável! Estivai e sonoro
TG) TGJV TETTÍyCDV X0?^* TtÓVTCDV 8È KOpipOTOTOV TO TqÇ TrÓaÇ, ressoa ao coro das cigarras! Mas o mais fino de tudo é o rel­
Óti ev qpépa irpooávTEi íxavq irÉtpuxE xotoxXivevti Tqv vado, que em suave aclive naturalmente se presta a quem ne­
KEtpaXqv TrayxáXtDç exeiv. cüote apiorá aoi EÇEváyqTOi, cb le se deita a ter a cabeça bem à vontade. Assim, um excelen­
1 li’
<píX£ <Pai8p£. te guia te mostraste ao estrangeiro, caro Fedro!
I í
!
i


as suas convicções. Enquanto prossegue a sua busca, propõe-se aos seus
juizes como paradigma do saber humano, confessando o nenhum valor da
sua sabedoria (Apologia de Sócrates, 23a-b).
! 22 Monstro com cem cabeças, que disputou a Zeus o seu poder.

23 Deus-rio, filho de Zeus e Tétis, que formava a fronteira entre a
Acarnânia e a Etólia.

30 31
[■

0AIAPOE FEDRO
ou 8ê y6» <b 0aupáoiE, àTorrcÓTaTÓç tiç <paívr|. àTEyvcòç Tu de fato, ó admirável, um tipo estranhíssimo te reve­
yáp, ô Xéyetç, ÇevayoupEvcp tivi Kai ouk Eirixcopícp [230d] las! Pois simplesmente, como dizes, a um estranho que se guia
eoiKaç- outgdç ek tou âareoç out’ eiç Tqv urrepopíav te assemelhas e [230d] não a um da terra; a tal ponto não sais
cnroSripeiç, out’ eÇco TEtyouç epoiye 8okeíç tò Trapcurav da cidade, nem para uma viagem além da fronteira nem mes­
éÇiivat. mo, parece, fora da muralha!

EQKPATHE SÓCRATES
auyyíyvcDaKé poi, cb âpiore.iq>iXopa0f]ç yáp eipu to Perdoa-me, boníssimo. Sou amigo de aprender; os cam­
a
pèv ouv xcDpia Kai tò 8év8pa ouSev p’ è0éXei 8i8áaK£iv, oí pos então e as árvores nada me querem ensinar, mas sim os
8’ ev tò áarei av0parrroi. au pÉvTOt 8okeíç poi Trjç epfjç homens na cidade. Tu entretanto pareces ter encontrado a
êÇó8ou tò (páppaKov r)upr)Kevat. coaiTEp yàp oí tò TTEivcòvTa droga que me fez sair; pois como os que levam as criações
ÔpéppaTa QaXXòv rj Ttva Kaprròv rrpoaeíovTEç áyouatv, au famintas agitando diante delas um ramo ou um fruto, assim
époi Xóyouç oÜtcd irpoTeívcov êv [3i[3Xíoiç rqv te [230e] tu, estendendo-me discursos em folhetos, [230e] visivelmen­
’ArnKf)v ipaívr) irEpiáÇEiv áiraaav Kai arroí av áXXoaE te me farás percorrer toda a Ática e onde mais quiseres. Ago­
poúXr|. vuv 8’ ouv ev TCp TrapóvTi 8eup’ àtpiKÓpEvoç Eyà> pÉv ra portanto, já que chegado aqui, eu me decido a deitar-me
poi 8oK(b KaTaKEÍaEaQai, au 8’ ev ottoícd ayqpaTi oiet no chão: e tu a posição que achares mais cômoda para ler
pçara ávayvc3oEa0ai, toü0’ èXópEvoç ávayíyvcDOKE. toma e lê.

OAIAPOE FEDRO
cíkouê 8q. Ouve então.
‘iTEpi pèv tõv èpcbv rrpaypáTCDv ETnaraaai, Kai cbç “Sobre os meus planos estás instruído, e como julgo ser
vopíÇco auptpÉpEtv qpív yEvopévGüv toutcüv aKqKoaç- do nosso interesses que eles se efetuem já ouviste; e pretendo
áÇicb 8è pí] 8ià [231a] touto àTuyqaai (bv 8éopai, oti não ser por [231a] isto que malogrem os meus pedidos/por
ouk Epaarqç <bv aou TuyyávcD. cbç ekeivoiç pèv tote não ser teu amantej Assim aqueles então se arrependem do
pETapéXEt (bv av eu TroiqacDaiv,' Èttei8òv tÍ]ç Eiri0upíaç bem que tenham feito, quando cessa o desejo;|mas para estes
TraúaGDVTai) toíç 8è ouk êoti ypóvoç ev cb pETayvóSvai não há tempo em que o arrependimento seja cabível. Pois não
5 é por necessidade mas livremente que, empenhados em como
-rrpoaf)KEi. ou yáp uir’ áváyKqç áXX’ ekovteç, cbç áv
âpiara iTEpi tôòv oIkeícov [BouXEÚaaivTO, Tipòç rqv atender às próprias condições, na medida do seu poder eles
8úvapiv Tqv aÚTÓòv eu iroiouaiv. eti 8è oí pèv èpcòvTEÇ bem agem. E ainda, os amantes consideram quais de seus ne­
OKOiTOÜaiv á te kokcòç 8ie0evto tgjv auTcbv 8tà tov gócios foram mal geridos por causa do amor e quais os be­
EpWTa Kai a TiEiTOiqKaaiv eu, Kai ov Eiyov iróvov nefícios que fizeram, e acrescentando o trabalho que tinham
irpooTi0ÉvTEÇ [231b] qyouvTai rráXai tÍ]v àÇíav [231b] estimam eles que de há muito retribuíram a devida
àiro8E8G)KÉvai yápiv T0*S epcopevoiç- toíç 8è pí] Epcbaiv gratidão aos amados; porém os não amantes nem podem ale­
oute rf|v tõv oÍkeícdv ápéXEiav 8tà TOUTO EOTIV gar o descuido por isso dos próprios negócios, nem levar em

32 33
<

TTpoqjacríÇeoOai, oute touç Trap£Xr|Xu0ÓTaç ttovouç


conta as passadas penas, nem pôr em causa as desavenças
úiroXoyíÇEa0ai, oute tcxç irpòç touç Trpoaf)KovTaç com os familiares; e assim, afastados à sua volta tão grandes
Siacpopàç amáaaa0ai- coote TTEpir)pqpévcov toqoÚtcov
inconvenientes, nada mais lhes resta senão fazer prontamen­
KOKCOV OUÔÈv UTroXEÍTTETai àXX’ f] TTOIÊIV TTpO0ÚpCDÇ OTl
OTl te o que uma vez feito imaginam lhes agradará. E ainda, se
av auToíç oícovrai irpáÇavTEÇ xapteia0ai. eti Se ei Sià por isto é válido [231c] ter-se em grande conta/os amantes,
TOÜTO aÇlOV [231c] TOUÇ EpÔVTaÇ TTEpi TToXXoU
porque são eles, dizem, os que maior amizade têm àqueles,
iroiEiaSai, Ôti toutouç paXiorá (paaiv ipiXeiv gdv av que estão, amando, _e prontos estão porsuas_pjalavras e atos
Epcoaiv, Kai ETOipoí Eiai Kai ek tcov Xóycov Kai ek tcov a se deixarem odiar pelos outros_pa_ra agradar aos amados^ Ii
e'pY<a)V TOÍÇ âXXoiÇ (TFTE)(0avÓpEVOl TOÍÇ EpCOpEVOlÇ
é fácil saber se dizem a verdade, pois a quantos mais tarde
XapíÇeaOai, páSiov yvcovai, ei àXqOfj Xéyouaiv, oti
eles estiverem amando terão em maior conta que aos primei­
ôacov av üoTEpov Èpao0cooiv, ekeivouç outgòv irspi
ros, e evidentemente se aprouver aosúltimos também aos
ttXeiovoç -FTOiqaovTai, Kai SrjXov oti, eÒv ekeivoiç 8oKrj, primeiros^yirão a fazer mal/ E portanto como pode ser ra­
Kai Troiqaouaiv. koitoi ttcoç eikoç eoti
toutouç kokcoç zoável consentir em tal abandono [23ld] a quem é presa de
toioütov TTpãypa irpoéoQai [231 d] TOiaÚTrjv EyovTi
uma desgraça tal que ninguém de experiência nem tentaria
auptpopáv, qv oú8’ av ETrixsipqoEiEv ouSeiç epirEipoç còv demover? Pois eles próprios admitem que mais estão doentes
aiTOTpÉTTÊiv; Kai yàp auToi ópoXoyouor voqeív pãXXov rj que saudáveis de espírito, e reconhecem que estão desatina­
ococppovEiv, Kai EiSévai oti kokcoç tppovouaiv, àXX’ oú dos mas não podem se dominar; e assim, como poderíam,
8úvaa0ai outcov KpaTEiv- coote ttcoç âv eu ippovqaavTEÇ entrados em seu bom senso, julgar que são belos os projetos
TauTa KaXcoç éxeiv nyqaaivTO ITEp'1 í>v outco SiaKEÍpEvoi que em tal estado formam? E o fato é que se entre os aman­
PouXeÚovtoi; Kai pèv Sq ei pèv ek tcov ÈpcovTCov tov tes fosses eleger o melhor, dentre poucos seria a tua escolha;
^eXtiotov aipoío, êÇ óXíycov av aoi q êkXeÇiç Eiq- ei 5’ ek mas se entre os outros o que te fosse mais útil, dentre mui­
tcov áXXcov tov ooutco ÈiriTqSEiÓTaTOv, ek iroXXcDV coote tos escolherías; assim, muito [23le] maior é a esperança, es­
ttoXu [23 le] ttXeÍcov eXttiç ev toíç ttoXXoiç ovto tuxeív tando nesta maioria, de encontrares o homem digno de tua
tòv aÇiov Tqç aqç ipiXíaç. amizade.
‘ei toÍvuv tov vópov tov Ka0£crrqKÓTa SeSoikoç, pq “Se entretanto a norma estabelecida te faz recear que os
Tru0opévG3v tcov àv0pcóircov ÔvEiSóç ooi yEvrfrai, eÍkoç homens venham a saber e seja uma desonra para ti, o prová­
eoti [232a] touç pèv EpcovTaç, outcoç av oiopévouç Kai vel é [232a] que os amantes, imaginando que aos olhos dos
utto tcov áXXcov ÇqXoua0ai cóaiTEp auwuç uq>’ OUTCOV, outros seriam tão invejáveis quanto aos próprios, exaltam-se
Eirap0qvai tco XéyEiv Kai ipiXoTipoupévouç ÈiriSEÍKvuaOai a falar e, querendo valorizar-se, mostrem a todos que não foi
irpòç áiravTaç oti ouk aXXcoç*aÚTOiç irETróvqTai* touç Sè por nada que eles penaram; os que porém não amam, sendo
pq EpcovTaç, KpEÍrrouç aútcov Ôvtoç, to [SéXtiotov ovtÍ capazes de se dominar, ao melhor e não à fama entre os ho­
iqç SóÇqç Tqç Trapa tcov àv0pcoTrcov aípEÍo0ai. eti Sè mens dão preferência. E ainda, os que estão amando é inevi­
TOUÇ pèv EpcovTaç TToXXoUÇ áváyKq TTU0EO0ai Kai ÍSeiv tável que muitos o saibam e os vejam a seguir os amados e a
aKoXou0oüvTaç toíç Epcopévoiç Kai epyov touto fazer empenho nisto, e assim, quando são vistos a conversar
iroioupévouç, coote otov ócp0coai SiaXEyópEvoi [232b] [232b] um com o outro, então imagina-se que estão de com-

34 35
ü
H 1

àXXqXoiç, tÓte auTOuç oiovTai q yeY6vriP^vrIÇ H panhia ou por terem satisfeito ou por estarem para satisfazer
peXXoúoTjç eaeaOat Tqç ETri0upíaç auveívar touç 8é pq o desejo; porém aos que não estão amando nem mesmo in­
epõvTaç ou8’ aunaa0ai 8ià rqv auvovaíav Èirixetpoüaiv, criminar-lhes a companhia a gente procura, sabendo que é
ei8Óteç OTt àvayKaíóv ècmv q 8ià cpiXíav tcd 8iaXéyEa0ai forçoso conversar com alguém, por amizade ou qualquer ou­
q 8i’ aXXqv rtvà q8ovqv. Kai pèv 8q ei ooi 8eoç tro prazer. E na verdade, se te invade o medo quando julgas
irapÉoTr)KEv qyoupévcp yaXeTròv Eivai qnXíav auppévEiv, que é difícil perdurar amizade e que, de qualquer modo sur­
xai aXXcp pèv Tpóircp 8iaq>opãç yEvopévqç Koivqv av gindo um dissentimento, comum aos dois seria a desgraça
àpqjOTÉpoiç KaTaarfjvai Tqv [232c] aupipopáv, TrpOEpEvou [232c] resultante, porém abandonando tu o que tens em
8é aou a rrEpi tíXeícttou ttouj pEyáXqv av aoi [3Xá[3qv av maior conta para ti é que haveria grande dano, naturalmen­
yEvécrOai, eikÓtcdç av touç EpaSvTaç pãXXov av cpofSoio- te então mais haverías de temer os amantes; pois muitas são
rroXXà yàp at/TOÚç ecfti rà XurroüvTa, Kai TrávT’ Eiri rq as causas que os afligem, e tudo eles julgam que ocorrem em
auTtòv (3X0^1] vopíÇouai yíyvEoQai. 8iórrEp Kai ràç rrpòç seu próprio detrimento. Justamente por isso até o convívio
i
touç aXXouç tóSv EpcopEvcov auvouaíaç àiroTpEiTOuaiv, dos amados com os outros eles procuram evitar, receando
(popoúpEvoi touç pèv ouaíav KEKTqpévouç pq ^pqpaaiv que os possuidores de fortuna se lhes avantajem com o di­
aUTOUÇ UTTEpPáXcDVTai, TOUÇ 8È ITETrai8EUp£VOUÇ pq nheiro e os de instrução com o entendimento; e quanto aos
OUVEOEl KpElTTOUÇ yévGDVTai* TCDV 8È âXXo Tl KEKTqpEVGüV que possuem qualquer outro [232d] bem, do poder de cada
[232d] àyaQòv Tqv Súvapiv ekÓotou ipuXÓTrovTai. » um deles se resguardam. Assim, de tanto persuadirem a te
TTEiaavTEç pèv ouv áiT£y0Éa9ai ae toútoiç eiç èpqpíav deixar odiar pelos outros, eles te põem num deserto de ami­
<píXa>v KaOiarãaiv, êàv 8é to OEauTOu aKoirGÕv âpEivov gos; se porém considerando teu próprio interesse tiveres me­
ekeÍvcdv tppovqç, q^Eiç auToiç eiç 8ia<popáv õaoi 8e pq lhor juízo que essa gente, com ela virás a desentender-te. To­
EpcòvTEÇ etu%ov, àXXà 81’ àpETqv EirpaÇav GDV e8eovto, dos porém que não tiveram amor mas por virtude consegui­
i ram o que pediam, não poderíam enciumar-se com os que
ouk av toíç auvouai ç>0ovoÍev, àXXà touç pq E0éXovTaç
piaoiEv, qyoúpEvoi utt’ ekeivgdv pèv UTTEpopâaOai, uirò
tgdv ouvÓvtcdv 8è cbq>EXEÍa0ai, cÓote ttoXu [232e] ttXêÍgdv
i
t
contigo convivam; mas antes detestariam os que não quei­
ram, pois julgariam que destes tens o desprezo e do convívio
eXttÍç tpiXíav aúroiç ek toü TrpáypaTOÇ q È\0pav r dos outros o proveito; e assim, muito [232e] maior é a espe­
y£véa0ai. rança de que amizade lhes nasça do ato, em vez de inimizade.
‘Kai pèv 8q tcdv pèv ÉpcóvTGov iroXXoi rrpÓTEpov tou “E na verdade entre os amantes são muitos os que de­
acSparoç ÈiTE0úpqaav q tov Tpóirov Eyvcoaav Kai tgSv sejaram o corpo antes de ter conhecido o modo e tido expe­
âXXcov oikeícov EpiTEipoi EyÉvovTO, coote a8qXov OUTOIÇ El riência dos outros hábitos pessoais do amado, de sorte que é
eti tÓte [BouXqaovTai q>íXoi Eivai, ettei8cxv Tqç ETri0upíaç incerto se ainda vão querer ser amigos quando o desejo ces-
iraúacovTai- [233a] toíç 8è pq èpGÒaiv, oi' Kai npÓTEpov sar;^[233a] mas para os não amantes, os quais já eram ami­
áXXqXoiç ipíXoi ovteç raÜTa EirpaÇav, ouk eÇ gdv av eu gos antes de efetuarem esta experiência, não é provável que
Trá0Goai Taüra eikòç ÈXÓttgj Tqv ipiXíav auroiç iroiqaai, o seu bom efeito lhes torne menor a amizade, mas ao contrá­
àXXà Taüra pvqpeia KaTaXEup0qvai tcòv peXXóvtcov rio, que subsista como lembrança para o que promete o fu­
EQ£a0ai. Kai pèv 8q ^eXtioví aoi irpoaqKEi yEvéa0ai Epoi

36
I turo. E na verdade o que te convém é fazer-te melhor, aten-

37

'J j
?

TTEtOopévq) q Epaoxfj. ekeívoi pèv yàp Kai xrapà to dendo-me de preferência a um amante. Pois aqueles, mesmo
^êXtiotov tÓ te XeyópEva Kai xà Trpaxxópeva ETraivouaiv, ao revés do que é melhor, louvam o que os amados dizem e
xà pèv 8e8i6xeç pq àTT£y0GDVTai, xà 8è [233b] Kai auxoi fazem, em parte porque temem ser odiados, em parte [233b]
I X^ipov 8ià xqv ETTiOupíav yiyvGSaKovxÊÇ. xoiauxa yàp ó porque neles o desejo piora o discernimento. Pois tais são os
epcoç ÈiTiÕEÍKvuTar 8uaxuxouvxaç pèv, a pq Xúxrqv xoiç efeitos que o amor põe à mostra: quando em má sorte, o que
âXXoiç Trapéxet» àviapà notei vopíÇetv- Euxuxoüvxaç 8è Kai aos outros não causa aflição os faz considerar aflitivo; e quan­
xà pq q8ovqç à^ia irap’ ekeivcdv ettoivou àvayKÓÇEt do em boa, até o que nem chega a causar prazer força a tecer
TUyxÓvElV GJOTE TtoXu pàXXoV eXeEÍV TOlÇ EpGDpÉvOlÇ q elogios da parte deles. E assim, muito mais pena que inveja
ÇqXoüv auxouç ixpoaqKEi. èàv 8e pot tteíOij, irpcÒTOv pèv ou convém que se tenha dos amados. Se porém me atenderes,
xqv rrapoüaav qSovqv OepaTreÚGJv auvéaopaí aoi, àXXà Kai primeiramente não é a serviço do atual prazer que estarei
[233c] xqv péXXouaav cbtpEXíav èaeaOat, oux utt’ epcoxoç contigo, mas também [233c] do futuro interesse; não domi­
qxxcópEvoç àXX’ èpauxou Kpaxcòv, ou8è 8tà apiKpà ia^upàv nado por amor mas antes dominando-me, nem por pequenos
è\Ôpav àvaipoúpEvoç àXXà 8tà peyáXa (3pa8écz)Ç òXíyqv motivos forte inimizade suscitando mas antes por grandes
òpyqv Troioúpevoç, xcdv pèv àKouaícov auyyvcópqv e'x<jov, xà lentamente cedendo a pequena cólera; para as faltas involun­
Sè EKoúata rrEipcópEvoç àrroxpÉTTEiv xauxa yàp eoxi qnXíaç tárias tendo indulgência^e para as voluntárias_o_ empenho de
í iroXuv xpóvov Eaopévqç TEKpqpia. ei 8’ àpa aot xouxo evitá-las; pois estes são os sinais de uma_amizade çjue_será_
irapéaxqKEv, cbç oux oióv te iayupàv qnXíav yEvéaOat èàv por muito tempo. Se então te acercou estajdeia.,_q_ue não é
pq xiç èpcov xuyxávij, [233d] èv0upEÍa0ai xpq oxi oüx’ àv possível nascer forte amizadesem que seesteja.apaixonado,
TOUÇ UEÍÇ TTEpi TToXXoU ETTOlOÚpE0a OUx’ OV TOUÇ TTOTEpaÇ [233d] cumpre refletir que nem mesmoos filhos teríamos em
Kai xàç pqxépaç, oüx’ àv xriaxouç cpíXouç EKEKxqpE0a, oí ouk muito apreço, nem os pais nem as mães, nem fiéis amigos te­
eÇ EiTi0upíaç xoiaúxqç yeyóvaaiv àXX’ eÇ ÉTEpcov ríamos, os quais não foi de tal paixão que se originaram_ma_s_
I
E7xvrq8eupáxa)v. de outros procedimentos^
‘exi Sè ei xpq xoiç 8Eopévotç páXtaxa xopíÇEa0ai, \“E ainda, se é aos quejnais pedem que_eprecispLÍavorfi^
rxpoaqKEi Kai xoiç àXXotç pq xouç ^eXtioxouç àXXà xouç cer, então é também no_restante quecabe faz.er_b.eme não aos
àxropGrràxouç eu ttoieív pEyíaxcDv yàp àiTaXXayévTEÇ kokcov melhores, mas aos__mais desprovidos; pois desembaraçados
xrXEÍaxqv xàpiv auxoiç Eiaovxai. Kai pèv 8q Kai ev xaiç [233e] dos maiores males, máxima será sua gratidão! E na verdade,
i8íaiç 8airávatç ou xouç tpíXouç àÇiov ixapaKaXEiv, àXXà também no [233e] item das despesas pessoais, não os amigos
xouç TTpoaaixouvxaç Kai xouç 8Eopévouç TtXqapovqç- ekeívoi merecem ser convidados, mas os mendigos e os necessitados
yàp Kai àyaxrqaouaiv Kai aKoXou0qaouaiv Kai ett! xàç de satisfação; pois eles vão gostar e cortejar, e chegar às por­
0upaç qÇouai Kai páXtaxa qa0qaovxai Kai ouk èXaxíaxqv tas e sentir máximo prazer e não mínima gratidão, e vos de­
Xáptv Eiaovxai Kai TtoXXà àya0à auxoiç eüÇovxai. àXX’ iacoç sejar muitos bens.VMas o quejalvez convém é. favorecer não
ixpoaqKEi oú xoiç a<pó8pa 8£opévoiç xapiÇ^a0ai, àXXà xoiç aos que pedem com mais veemência, mas sim aos mais capa­
páXtaxa ànoSoüvai X^ptv 8uvapévoiç- ou8è xoiç zes de retribuir favor; nem aos que apenas [234a] se apaixo­
npoaaixouai [234a] póvov, àXXà xoiç tou xrpáypaxoç àÇíoiç- nam; mas sim'"aolFque merecem o negócio; nem a quantos de
ou8è ôaoi xqç aqç copaç àxroXaúaovxai, àXX’ oixiveç * tua mocidade visem o desfrutex mas àqueles que em tua maio-

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i 39
!!•

irpEo-puTÊpcp Yevopévcp tcòv oipETepcov aYC(0<bv ridade compartilharão os seus bens,^nem aos que, feito o ne­
pETa8cóaouaiv oú8è oi' 8iairpaÇápÊvoi irpòç touç aXXouç gócio, diante dos outros vão se fazer valer, mas àqueles que,
I
I cpiXoTipqaovTai, aXX ovriveç aiax^vópEvoi irpòç airavraç recatados, diante de todos silenciarão;[nem aos que por bre-
i aicDTrqaovTar ouSÈ toíç ÓXíyov xpóvov cnrou8áÇouaiv, àXXà ve tempo levam a sério, mas aos que igualmente por toda a ,
toíç ópoíwç 8ià rravTÒç tou ^íou ipíXoiç éaopévoiç- ou8è vida serão amigos; nem àqueles que, cessadoj^ desejo, vão
oitiveç irauópevoi Tqç èiriQupíaç e\0paç irpótpaaiv procurar um pretexto de inimizade, mas aos que, finda a tua l
ÇqTqaouaiv, àXX’ oi' irauaapévou rqç copaç tote [234b] rqv hora, aí [234b] é que mostrarão sua virtude.| Tu portanto /
auTCÒv ápETrjv Eiri8EÍÇovTai. au ouv tõjv te EipqpEvcov pépvqao guarda a lembrança do que foi dito e medita este ponto: aos ;
Kai ekeívo Ev0upou, oti touç pÈv spcòvTaç oi cpíXoi que estão apaixonados os amigos advertem, como se má fos- |
VOU0ETOUOIV (bç OVTOÇ KOKOU TOU ÈlTlTq8£ÚpaTOÇ, TOÍÇ 8È pf] se a conduta, porém aos que não estão nenhum dos familia- i
i
Êpõaiv Ou8éÍÇ TTCÓTTOTE T(I)V OIKEICDV EpépipaTO cbç Stà TOÜTO res jamais censurou como se por isso estivessem mal cônsul- 1
í íi KaKCDÇ PouXEUOpévOlÇ TTEpi EOUTGÒV. tando seu próprio interesse. /
r v z , ~
lacoç av ouv Epoio pE ei airaaiv aoi TrapaivGD toiç pq “Talvez então me perguntes se é a todos os não amantes
spókn xapíÇecrôai. eygo pèv oipai ou8’ av tov EpcòvTa que te aconselho a favorecer. Eu por mim creio que nem tão
Trpòç áiravTáç oe keXeueiv touç EpcbvTaç TaÚTqv exeiv Tqv pouco o amante te exortaria a ter esta intenção para com to­
[234c] 8távoiav. oute Y«p tcò XapfBávovTi xápiwç iaqç dos os [234c] amantes; pois nem para o que reflete merece
áÇiov, oute aoi PouXopévco touç aXXouç Xav0áv£iv ópoícuç isto igual gratidão nem para ti, se queres que os outros igno­
8uvqtÓv 8eí 8è pXápqv pèv àir’ qutou pqSspíav, cbcpEXíav rem, é igualmente possível; e é preciso que disto nenhum da­
8è áp<poív YÍYveor®ai- pèv ouv ÍKavá poi vopíÇcu to no advenha, mas sim proveito para ambos. Eu portanto es­
Eipqpéva- ei 8’ eti ti av ttoOeíç, qYoúpEvoç rrapaXEXEupOai, timo suficiente para mim o que foi dito; se porém tu sentes
ÊpÓTa.’ falta de algo que julgues ter sido omitido, pergunta.”

0AIAPOE FEDRO
/ z y z
tiaoi tpaivETai, gd ZcoKpaTEç, ó Xóyoç; oux uiTEptpucuç rá Que te parece o discurso, Sócrates? Não é em geral de
te aXXa Kai toíç óvópaaiv EiprjaÔai; [234d] uma soberba eloquência, sobretudo no vocabulário? [234d]

EQKPATHE SÓCRATES
8aipovícuç pèv ouv, cb ETaípE, coote pE EKTrXaYqvai. Kai Divina mesmo, companheiro, a ponto de me ter trans­
touto EY<b ETtaOov Sià aé, G) $aí8pE, Trpòç OE àiTopXETrcov, tornado. E isto eu senti através de ti, Fedro, ao te contemplar,
Óti Epoi e8ókeiç YÓvua0ai urrò tou Xóyou pETaÇu que me parecias iluminado pelo discurso enquanto lias; pois
avaYtYvc^aKCDV* HYO^P6V°Ç Y^P pãXXov q Èpè ettoÍeiv te julgando mais entendido que eu em tais questões te segui,
iTEpi tg)v toioÚtgdv aoi Eiirópqv, Kai ETlÓpEVOÇ e seguindo delirei contigo, divina cabeça.
auvEpÓKxeuaa pETÒ aou Tqç 0EÍaç|KEq)aXqç.\
c

40 i 41
71'-!f T

4>AIAPOE FEDRO
eiev outgd 8q 8okeí ttoíÇeiv; Ora, assim então decides brincar?

EQKPATHE SÓCRATES
Ôokcò yóp oot ttoíÇeiv Koi oúyi écnrrouSaKÊvai; Pois te parece que estou brincando e não sendo sério?24
[234e] [234e]

«DAIAPOE FEDRO
pqSapcòç, gd EcóxpaTEÇ, àXX’ gdç àXqOcoç eitte rrpòç De modo algum, Sócrates; mas na verdade dize-me pelo
Aiòç tpiXíou, oiei âv Tiva e\éiv eitteív aXXov tgdv Zeus amigo, pensas que algum outro poderia entre os gregos
'EXXqVGDV ETEpa TOUTGDV pElÇcD KOI TtXeiGD TTEpi TOU OUTOU fazer um segundo discurso, mais grandioso e mais rico que
TTpáypaToç; este, sobre o mesmo assunto?

■ EQKPATHE SÓCRATES
Í! tí 8e; xai TaÚTi] 6eí utt’ èpou te Kai aou tov Xóyov (O quê? Também por este lado devemQS_t.anto eu como
ETraivEÔqvai, gdç rà Séovra EipqKÓTOÇ tou Troiqwü, àXX’ tu louvar o discurso, por ter o seu autor_ditQ_.Q_.que,devia? E
pí oÚk êkeÍvf] póvov, oti aacpq Kai orrpoyyúXa, Kai não. somente por.aquele, por ser claro e conciso, e cada pa-
8- aKpi^GDç EKaara tgdv òvopÓTGDV àiroTETÓpvEUTai; ei
I lavra exatamente torneada? |Se com efeito devemos, conve­
yàp 8eí, auyxGDpr)TEOv ^ápiv aqv, etteí Epé yE eXoOev nhamos que é graças a ti, pois a mim pelo menos não me
I utto Tqç Epqç [235a] ou8evÍoç- tcò yàp pqTOpiKG) outou ocorreu, em razão de minha [235a] nulidade; somente ao seu
pÓVG) TOV VOUV irpODEÍXOV, touto 8È ou8’ av aÚTÒv aspecto retórico eu tinha prestado atenção, e este outro nem
copqv Auaíav o.ieaOai bcavàv Eivai. Kai ouv poi eSoÇev, o próprio Lísias a meu ver pensava que fosse suficiente. E en­
gd <Pai8pE, ei pq ti au aXXo XÉyEiç, 8iç Kai Tpiç to aura tão me pareceu, ó Fedro, a não ser que outra explicação me
EipqKÉvai, GDÇ OU TTÓVU EUTTOpGDV TOU TToXXà XÉyElV TTEpi dês, que ele disse as mesmas coisas duas, três vezes, como se
í tou ourou, q iogdç oú8èv auTÓS péXov tou toioutou- Kai
EcpaívETO 8q poi vEaviEUEaOai étti8eikvÚpévoç cbç oíóç te sunto, ou talvez, como se de tal questão nada lhe importasse;
GDV TaÚTÒ ETEpGDÇ TE Kai ETEpGDÇ XÉyGDV àptpOTEpGDÇ e assim eu o via como um jovem que está exibindo seu talen­
eitteív apiara. [235b] to para dizer o mesmo de um modo e de outro e, em ambos
os casos, dizer com perfeição. [235b]

24 A confrontação da seriedade com a brincadeira, no que diz respei­


to aos discursos, será reativada no final do diálogo, a propósito do valor
das produções escritas (276b-277a).

42 43
i
0AIAPOE FEDRO
r , v
i oú8èv Xéyetç, GD LGDXpOTEÇ- OUTO yàp TOUTO XOl Nada estás dizendo, Sócrates; pois isto mesmo é justa­
páXtora ó Xóyoç exeu tôv yàp evovtgdv àÇÍGâç pqOqvai mente o que mais o discurso comporta. Do que havia digno
f ev Tco irpáypaTi oú8èv rrapaXÉXoiTrEv, cüote rrapà to de ser dito na questão ele nada omitiu e assim, fora do que
exeÍvcd Eipqpéva pq8év’ àv ttote Súvaaôai eitteív àXXa por ele foi expresso, ninguém poderia outro tanto dizer com
tiXeígo xai ttXeÍovoç àÇia. maior riqueza e valor.

r EQKPATHE SÓCRATES

l touto Èyco crot ouketl oíóç t’ eaopai Tn0éa0ar Isso eu*não mais serei capaz de te conceder; pois pesso­
rraXaioi yàp Kai aoipoi avópeç te xai yuvaíxEç irEpi as antigas e sábias, homens e mulheres, sobre o assunto fala­
aÚTÉòv EipqxÓTEÇ xai. yEypaipÓTEÇ eÇeXeyÇouoí pE, eov ram e escreveram, as quais me confundirão se complacente
íi aot yapiÇópEvoç auyxGjpã). [235c] contigo eu o admitir. [235c]

li 4>AIAPOE FEDRO
tÍveç outoi; xai ttou au [BeXtÍgd toutgdv Quem são eles? E onde ouviste linguagem melhor que
li àxqxoaç;
I esta?

EQKPATHE SÓCRATES
VUV p£V OUTGDÇ OUX ê'xG) eÍiTEÍV 8qXoV 8È OTl TIVGDV Agora mesmo assim não posso dizer; mas claro que de
àxfjxoa, q rrou Eampouç rqç xaXqç q AvaxpéovTOÇ tou alguns já ouvi, sem dúvida da bela Safo ou do sábio Ana-
I. oocpou q xai auyypaq>£GDv tivgdv. ttÓQev 8q creonte25 ou mesmo de algum prosador. Em que indício me
TExpaipópEvoç XéyGD; rrXqpéç ttgdç, gd SaipóviE, to orqOoç apoio para afirmá-lo? Uma certa plenitude em meu peito, ó
e\gdv ataOávopai rrapà touto av è\eiv eitteív ETEpa pq divino, me fez sentir que em face disto posso dizer outro tan­
XEÍpco. Ôti pèv oúv rrapà yE Epaurou oú8èv aÚTÕv to e não inferior. Ora, que de mim mesmo não concebi na­
EWEvóqxa, eu oiSa, auv£i8à)ç épauTcp ápaOíav Xeittetoi da disso bem sei, consciente que sou de minha ignorância;
•i í
8q oipai eÇ àXXoTpícDv ttoQev [235d] vapaTGDv 8tà rqç resta então, imagino, que foi de fontes alheias, não sei de
àxoqç TTETrXqpcòaOaí pE 8íxqv áyyEtou. ÚttÒ 8è va>0EÍaç [235d] quais, que pela audição me enchi, como uma jarra.
aú xai aura touto ETriXéXqapai, ottgdç te xai ojvtivgdv I Mas por descuido esqueci-me disso mesmo, de como e de
qxouaa. í
quem ouvi.

■ I- í
25 Safo e Anacreonte (séculos VII e VI a.C., respectivamente) são dois
dos maiores expoentes da lírica grega, famosos pela sua celebração do
r 1 amor e da paixão carnal.

i
Ih 44

1
45

z
r ■

OAIAPOE
FEDRO
àXX’, gd YevvatÓTaTE, xáXXiara Etpqxaç. av
YÒp Epoi gdvtivgdv pèv xai ottgdç qxouaaç pq8’ av Mas, ó generosíssimo, foi uma beleza o que disseste;
xeXeugd Evrrqç, toúto 8è auTÒ ô Xeyeiç rroíqaov- tgdv
pois de que pessoas e como ouviste não precisas dizer-me,
év tgS ^ifBXícp ^eXtigd te xai pq eXóttcd ETEpa
ainda que eu te peça; mas isso mesmo que estás dizendo fa-
ÚTréaxqaat eitteív toutgdv àrTExópEvoç, xai aot ey^d, ze. Um discurso diferente do que está no folheto tu te obri­
gaste a proferir, melhor e não menos rico, abstendo-te deste;
GDOTTEp oi Evvéa apxovTEÇ, UTTtaxvoúpai xpvaqv
EÍxóva iaopÉTpqTov éiç AeX<pouç áva0qaEtv, oú e a ti eu prometo, como fazem os nove arcontes,26 mandar
•í [235e] póvov Epauroú àXXà xai aqv. erguer em Delfos uma imagem de ouro, tamanho natural,
não [235e] só de mim mas de ti.
EQKPATHE
SÓCRATES
(píXraToç ei xai gdç àXq0còç xpuaouç, gd <Paí8pe,
Muitíssimo amável és e verdadeiramente de ouro, ó Fe-
Et pE oiei XÉYeiv Auaíaç toú rravroç qpáprqxEv,
dro, se me imaginas afirmar que Lísias falhou de todo, e que
xai oióv te 8q Trapa rravra raúra aXXa eitteív toúto
8è oipat oúS’ av tov çpauXóraTOv ttoSeÍv então é possível em face de tudo isso outro tanto dizer; isso
não se daria, imagino, nem mesmo com o mais medíocre es­
auyYpatpÉa. aúríxa rrEpi ou ó Xóyoç, tíva otei
critor. Logo, sobre o que versa o discurso, quem imaginas tu
XÉYOVTa CDÇ xpq pf) EpGDVTl pãXXoV q EpCOVTl
: -H — se afirma que é preciso aquiescer ao não amante mais que
XapíÇEaOat, irapevra toú pèv to tppóvtpov
1. I EYKGDptáÇEiv, [236a] toú 8è tò a<ppov ipÉYEtv,
ao amante, e se renunciou a louvar do primeiro a prudência
[236a] e a censurar do segundo a imprudência, o que sem
àvaY*aia yoúv õvra, éit’ aXX’ atra eÇetv Xeyeiv;
dúvida necessariamente se impõe —, quem depois disso po­
àXX’ oipat tò pèv Toiaúra earéa xai auYYVG)(7T^a
dería dizer algo mais? Imagino, ao contrário,[que tais temas_
Xéyovti- xai tgdv pèv toioutcdv oú rqv eúpEatv àXXà se deve deixar e perdoar ao orador^de tais temasjnãoe a in­
rqv StáÔEaiv ettoiveteov, tgdv 8è pq àvaY*aÍGDv te
venção, mas antes a disposição quesejevejouyar^nquant^
xai xqXettgdv EupEiv Trpòç rq 8ta0ÉaEi xai rqv
dos que necessariamente não se impõem e são difíceis de in­
EÚpeatv.
ventar, além da disposição também a mvenção se deve louvar^
«PAIAPOS
FEDRO
i d aUYX^P^ O XÉYEIÇ pETpÍGDÇ Y^P P°l Soxeíç
/ r x > x fz x x x
EtpqxEvai. Ttotqaco ouv xai eygd outgdç- to pEv tov
EpóSvTa [236b] toú pq EpõvToç pãXXov vooeív 8gdogd
Admito o que dizes; pois tem cabimento, parece-me, o
que explicaste. Farei então de minha parte assim: que o
amante [236b] é mais doente que o não amante, eis o que te
aot ÚTTOTÍ0£a0at, tgdv 8è Xolttgdv ETEpa ttXeÍgd xai
darei como hipótese; quanto ao resto, quando outro tanto
ttXeÍovoç aÇta eittgdv tgdv8e Auaíou Trapa tò
tiveres dito com mais riqueza e valor, ao lado da oferenda

26 Os nove magistrados que, em Atenas, ocupavam as funções de co­


mando na cidade.

47
r.
t
I.i
Ku^eXiSoSv àvóOqpa a<pupqXaTOÇ êv XDXuprríçi dos Cipsélidas27 trabalhado ao martelo em Olímpia tu te er­
aráôr)Ti. guerás.

EQKPATHE SÓCRATES
éaTroúSaKaç, gd <Paí8pe, ôtt aou tgdv TraiSiKcòv Levaste a sério, Fedro, porque mexi com teus amores
èiTEXa[3ópr)v EpEOxrjXcòv oe, xai oiei 8fj pE cbç àXqQcòç divertindo-me contigo? E então imaginas que na verdade ten­
ETrixetpqcreiv eitteív Trapa ttjv ekeÍvou aoipíav ETEpóv ti tarei, paralelamente à sabedoria desse homem, dizer outro
TTOlKlXcÓTEpOV; tanto e com maior variedade?

(PAIAPOE FEDRO
riEpi pèv toÚtou, gd 4>íXe, elç tÒç ópoíaç Xa^àç [236c] Quanto a isso, amigo, igualmente te deixaste [236c] pe­
1 ÈXqXuôaç. pqréov pèv yáp aoi rravTÒç pãXXov outgdç ottgdç gar. Pois antes de tudo tens que falar assim como és capaz,
. 1'1
oíóç te ei, iva prj to tgdv XGDpcp8ÓDV cpoprixòv rrpãypa para não sermos forçados a fazer o incômodo ofício dos co­
- I ávayKaÇGÓpEÔa ttoieív àvTarro8i8óvTEÇ àXXqXoiç mediantes, trocando os papéis; toma cuidado pois e não quei­
EÚXa[3f)0r)Ti, xai pf] [3oúXou pE àvayxáaai XéyEtv exeívo to ras obrigar-me a te retrucar aquilo; “se eu, ó Sócrates, des­
‘et êyGD, gd EGDxpaTEç, EGDxpaTqv áyvoã), xai EpauTOu conheço Sócrates, é que de mim mesmo estou esquecido”; e
II ETrlXÉX^apal,, xai OTl ‘ÈlTE0ÚpEl pèv XÉyElV, E0pUTTTETO 8É-’ ainda: “Ele desejava falar mas se encarecia”.28 Ao contrário,

lj I àXXà 8iavoq0r)Ti ôrt evteü0ev oúx ârripEV irpiv av ou eiirr|ç põe em tua mente que daqui não partiremos antes de dizeres
a Eipqa0a ev tgd arf|0£i e\eiv. EapÈv 8è póvGD ev Eprjpíç, o que afirmaste ter em teu peito. Estamos sós em lugar deser­
[236d] ioxvpÓTEpoç 8’ êyà) xai vegdtepoç, ex 8è ãrrávTGDv to, [236d] eu sou mais forte e mais jovem, e de tudo isso

I
5 ‘
toutgdv ‘oríveç o toi XéyGD,’ xai prjSapGoç rrpòç píav
[3ouXr|0rjç pãXXov rj exgdv XéyEiv.
“compreende o que estou dizendo”29 e de modo nenhum
queiras falar à força, de preferência a fazê-lo de bom grado.

EQKPATHE SÓCRATES
áXX’, gd paxapiE $aí8pe, yeXoíoç eoopai nap’ Mas ó bem-aventurado Fedro, serei ridículo em face de
àya0òv Troirfrf|v i8tcDTr)ç aurooxe5ióÇG)v riEpi tgdv um bom autor, eu um leigo, se me ponho a improvisar sobre
■ qutgdv. o mesmo assunto.

27 Dinastia de Corinto, à qual Aristóteles (Política, V, 9, 1313a34-


-b27) se refere como paradigma da tirania grega.
28 Referência irônica à atitude de Fedro, ao fazer-se rogado para fa­
1 i lar (228c).

d 29 Alusão a um verso de Píndaro (frag. 105, Snell-Maehler).

48 49
4>AIAPOE FEDRO

oiaO’ (bç e\ei; iraüaai irpóç pe KaXXcDTnÇópevoç- Sabes como é? Para de te enfeitar para mim; pois tenho
aye8òv yàp e\co o eiircov àvayKctacL) oe XÉyeiv. a fórmula com que te forçarei a falar.

EQKPATHE SÓCRATES

pqSapõç toÍvuv enrgç. Pois absolutamente não a pronuncies.

0AIAPOE FEDRO
1
ouk, àXXà Kai 8q Xéyco- ó 8é pot Xóyoç opKoç Não, mas ao contrário é o que vou dizer. E será um ju­
Eorat. ôpvupt yáp aoi — ríva pévTOt, ríva 0eg>v; q ramento. Pois eu te juro — mas por quem, por que divinda­
d

[SoúXei [236e] rqv nXáravov TauTqví; — q pqv, eqv poi de? Ah! Queres [236e] por este plátano aqui? — em verdade,
pq Evrrriç tÒv Xóyov Evavtíov aÚTqç Taúrqç, pqSerroTÉ se não me fizeres o discurso diante desta árvore, jamais qual­
i! quer outro discurso, de quem quer que seja, hei de te apre­
aoi ETEpov Xóyov pq8éva pq8Evòç pqTE etuSeIÇeiv pqTE
ÈÇayyEXEÍv. sentar ou anunciar.

i EQKPATHE SÓCRATES

pa^ai, gd piapé, cbç eu àvqupEÇ rqv àváyKqv àv8pi Ah, malandro, como achaste bem o meio de forçar um

i tpiXoXóya) ttoieív o av keXeóvjç. amante do discurso a fazer o que exiges!

4>AIAPOE FEDRO

tí 8qia orpÉipq; Que tens então para tergiversar?

I
EQKPATHE SÓCRATES

ouSèv eti, éirei8q oú ye touto òpópoKaç. ttgòç yàp av Nada mais, uma vez que fizeste, logo tu, este juramento.
oióç t’ EÍqv TOiaÚTqç 0oívqç ÒTtÉyeaQai; [237a] Pois como seria eu capaz de me privar de tal regalo? [237a]

I 0A1APOE FEDRO

Xéye 8q. Pois fala.

EQKPATHE SÓCRATES
OIO0 OUV (OÇ TTOiqCKO; Sabes então como farei?

51
50
HI
0AIAPOE FEDRO
toü Trépt; De que estás falando?

EQKPATHE SÓCRATES
I
ÈyKaXuipápEvoç épóS, iV oti Táyiora 8ia8pápcD tòv Eu me encobrirei para falar, a fim de que logo chegue ao
Xóyov Kai pq pXéTTWv Ttpòç aè óit’ aioyúvqç termo do discurso e, olhando-te em face, não me embarace
Stanopcopai. de vergonha.

í 0AIAPOE FEDRO

I Xéye póvov, rã 8’ ãXXa ottcoç PoúXet

EQKPATHE
ttoÍei. Contanto que fales, o mais faz como quiseres.

SÓCRATES
ayere 8q, cb Mouaai, erre 8i’ cb8qç eiSoç Xíyetai, erre Vamos então, ó Musas, quer pela forma do canto cano'
8iã yévoç pouaiKÒv tò Aiyúcov Taúrqv lo^er’ ETTCüvupíav, ras, quer pela raça de músicos dos Lígures, “comigo tomai” 1^
‘Çúp poi XápeoGe’ tou púôou, ov pe àvayKÓÇei ó PéXtlcftoç o mito que me força a expor este boníssimo, para que o seu / o
I oÚToai Xéyeiv, iv’ ó éraipoç amou, Kai irpórepov [237b] amigo, que já antes [237b] parecia sábio, agora mais ainda £
8okcòv toútco aotpòç eivai, vüv en pãXXov SóÇij. o pareça.
1
‘qv oura) 8q iraiç, pãXXov 8è peipaKiaKoç, ao uma vez UIIl
“Era então um IL1C11111O,
menino, OU antes um laj/a^uiC,
ou ciiiLCd rapazote. /•■***<'
páXa KaXóç- toutco 8è qaav èpaarai Ttávu muito belo; e <ele tinha amantes em grande número. Um deles
itoXXoí. eiç 8é tiç aÚTÕv aípúXoç qv, oç oúóevòç porém era «ladino] e embora amasse não menos que qualquer
qtrov èpõv eTreireÍKei tòv iraiôa cbç ouk êpcpq. Kai outro, tinha'persuadido o menino de que não o amava. E
ttote aúiòv atTGÒv etteiQev tout’ auTÓ, cbç pq uma vez, quando o solicitava, se pôs a persuadi-lo disso mes­
èpóóvri npo toü epôvToç Séot xapíÇeaôai, eXeyév mo, de que ao não amante, de preferência ao amante, carecia
te w8e — aquiescer, e eis como falava:

d ‘irepi iravróç, à> iraí, pia àpyq toiç peXXouai


KaXwç [237c] {3ouXeúaea0av eióevai 8ei irepi ou av
rj q ftauXq, q rravTÒç ãpapráveiv cxváyKq. touç 8e
“Sobre todo assunto, ó menino, um só princípio há pa­
ra os que se dispõem a uma boa [237c] deliberação: é preci­
so saber sobre quem se delibera, senão se erra tudo. Ora, à

di iroXXouç XeXqOev oti ouk iaaai rqv ouaíav


EKáarou. dbç oíiv eióóreç oú SiopoXoyoüvTat èv
maioria dos homens escapa que eles não sabem a essência de
cada coisa. Como se então o soubessem, não se põem eles de
k àpxq rqç OKeipecDÇ, irpoeXQóvreç 8è tò eikòç
àiro8i8óaaiv oute yàp êauToiç oute àXXqXoiç
acordo no início da pesquisa, e quando prosseguem pagam
o merecido: pois nem consigo mesmo nem entre si eles con­
1 1
i ópoXoyoüatv. Eyco ouv Kai ou pq TtáOcopev o cordam. Eu e tu portanto não devemos incidir no que censu­
aXXoiç EiTiTipóSpev, àXX’ eneiSq aoi Kai èpoi ó ramos nos outros mas ao contrário, desde que a ti e a mim
Xóyoç TtpÓKeiTai itÓTEpa èpwvTi q pq pãXXov eiç se depara a questão de saber se é com amante ou não que se
(piXíav Ítêov, irepi epGDTOç oíóv t’ eoti Kai qv E^El deve travar amizade, sobre amor, quê é ele e quê poder tem,

53
n 4

8úvapiv, [237d] ópoXoyíç Qépevot opov, elç toüto [237d] de comum acordo estabeleçamos uma definição, e
àTTopXéirovTeç Kai àvaq>ÉpovTEÇ Tqv aKEipiv com os olhos nela e a ela nos referindo examinaremos se é
í iroiópeOa evre cbcpeXíav evre f3Xápr)v irapéxEt. otl ! proveito. o.u_dano o que amornos_traz\. Que porconseguinte _
é um desejo o amor,_a_todoLmundo é claroLe^qu.e por outro
pèv ouv 8f| èiri0upía tiç ó epcoç, airavrt SqXov Ôti
8* au Kai pf) épcovreç èmQupouat tõv kqXcdv, tapev. lado mesmo ps que não amAmjd.esejaiii_O--qu.e_é belo, nós o_
TG) 8f| TÒv EpWVTÓ TE Kai pf) KpiVOUpEV; 8eÍ aÚ sabemos/ Com que então distinguiremos o amante e o não?
■I
l| É preciso aliás pôr em mente que em cada um de nós há du­
I J
voqaat otl qpcúv ev EKÓarcp 8úo tive Ècrrov i8Éa
apxovTE Kai âyovTE, oiv EirópE0a g av âyr)Tov, H as formas de comando e de motivação, às quais seguimos por

I pèv epipUTOÇ oúaa £TTi0upía t)8ovg>v, âXXrj 8è onde nos conduzam, uma que é inata, um desejo de prazeres,
ÈttÍktt)toç 86Ça, EiptEpévq tou àpiorou, toutcd 8è ev
ev
e a outra uma convicção adquirida, que aspira ao melhor.
qpiv Toxè pèv ópovoEtTov, [237e] èari 8è Ôte Estas duas formas em nós ora estão de acordo, [237e] ora em
oraoiáÇETOv- Kai tote pèv f] ETÉpa, oXXote 8è f) luta; e então ora é uma, ora é a outra que domina. Assim,

li I ETEpa KpaTEt. 8óÇqç pèv ouv ettí rò âpiarov Xóycp


àyoúoqç Kai Kpaioúoqç tg> Kpárei. OGxppoaúvq
quando uma opinião racionalmente leva ao melhor e domi­
na, ao domínio se dá o nome de prudência; [238a] mas quan­

f| I ■
ôvopa- [238a] èmOupíaç 8è àXóyGjç èXKoúaqç ettí
f)8ovàç Kai àpÇáoqç ev qpiv Tq àpxõ úppiç
EiTG)vopáo9q. u^ptç 8è 8f| iroXuóvupov —
do o desejo irracionalmente arrasta aos prazeres e comanda
em nós, eis o comando a que se deu o nome de insolência. AA
insolência entretanto tem muitos nomes — pois são muitas
iroXupEXèç yàp Kai iroXupEpéç — Kai toutgdv tgjv suas ramificações e formas — e dentre estas formas a que se
Í8egjv ÉKirpETTriç q av rú^q yEvopÉvq, Tqv auTqç tenha tornado relevante dá sua própria denominação ao ho­
ETTGívupíav òvopaÇópEvov tÒv èxovra TcapExeTat, mem que a tenha, denominação que nem é bela nem digna
outeTivà KaXqv out’ ETiaÇíav KEKTqoOat. itEpi pèv de se pronunciar. Com efeito, se é por comida que o desejo
yàp è8G>8qv KpaToúaa roü Xóyou te tou explorou domina não só a razão do melhor como os demais desejos,
Kai tg)v oXXgjv £TTiOupiG)v ETri0upía [238b] [238b] eis a gulodice, que dará mesma denominação ao que >


í yaorpipapyía te Kai tÒv è'xovra toutov touto
KEKXqpèvov TrapéÇETav TtEpi 8’ au pé0aç
TupavvEÚoaoa, tÒv KEKTqpévov raurr) âyouoa,
a tenha; mas se é por bebida que se tornou tirânico o desejo, /
levando por esse caminho aquele que o adquiriu, é claro qual
o apelido que obterá. E assim então, quanto aos demais no- !
jl SqXov ou teÚÇetoi irpoopqpaTOÇ- Kai raXXa 8q to mes afins destes, e de desejos também afins, por qual deles '
toutgjv àSEXtpà Kai à8EXq>G)v ETTt0upiG)v òvópara convém chamar o desejo que é sempre dominante, é claríssi­
rqç cxeí 8uvaorEuoúoqç q irpooqKEt KaXEio0ai mo. Quanto ao nome do desejo que motivou tudo que antes
irpó8qXov. qç 8’ evexa irávra tò irpóo0Ev Etpqrai, se disse, sem dúvida já é quase evidente, mas em todo caso,
oyE8òv pèv q8q ipavEpóv, Xey0èv 8è q pq XE^0èv se for dito, será mais claro que se não for. Pois o desejo, que
irávTGjç oaqjéoTEpov q yàp cxveu Xóyou 8óÇqç ettí irracionalmente dominou uma opinião movida para a retitu-
tò òp0òv ôppGKiqç KpaTqoaoa Eiri0upía [238c] de [238c] e se deixou levar ao prazer-da_beleza| e que aliás
Trpòç q8ovqv àx0Eioa kóXXouç, Kai ÚttÒ au tg>v fortemente reforçado por prazeres afins que visamJJjeleza. '
èauTqç auyyEVGÒv èniOupitòv ettí ocúpóiTGJv kóXXoç

55
54
!

eppcDpévwç pcoa0EÍaa viKqoaoa àycoyfj, cot’ auTÍjç do corpo triunfou em seu .impulso,, de sua própria força to-
mou a designação e se chamou ampr/j
Ttjç pcópqç Eircovupíav Xafioüaa, epcoç 6kXt)0t).* •
crráp, cb <píXe <Pai8p£, 8okcò ti aoí, coottep ÈpauTtò, Mas, ei! Caro Fedro, acaso não te estou dando a mesma
impressão que a mim mesmo, a de que é divino o meu estado
0eíov TTÓ0OÇ TreiTOv0évai;
emotivo?

FEDRO
«DAIAPOE
Perfeitamente, Sócrates; fora do habitual uma certa fluên­
iróvu pèv ouv, ó EÓKpaTEç, Trapa tò êico0òç Eupoiá
ae eiXqpev. cia te empolgou.
1 tíç
!
SÓCRATES
EQKPATHE
1 Silêncio então, e ouve-me. Pois realmente divino parece
aiyfj toÍvuv pou okoue. tco ovti yàp 0eíoç eoikev

I [238d] ó tÓttoç Eivai, cüote Èàv apa ttoXXókiç [238d] o lugar, de sorte que se porventura eu ficar muita vez
possuído não te admires; pois o que agora articulo não mais
vupqjóXrjirroç irpoióvTOÇ tou Xóyou yÉvcopai, pf| 0aupáar)Ç-
está longe dos ditirambos.3í\
tò vuv yàp ouketi iróppa) 8i0upápPcov q>0éyyopai.

FEDRO
4>A1APOE

l! àXqOéoraTa XéyEiç. É bem verdade o que dizes.

• } SÓCRATES
EQKPATHE
• * Na verdade o responsável és tu. Mas ouve o que resta;
toutgdvpévTOi au avrioç. àXXà tò Xonrà aKoue*
V X >x , * x » z ~ X 7 pois talvez poderia desviar-se o que está vindo; isto afinal se­
iacoç yap Kav airoTpairoiTO to ettiov. touto pev ouv
rá com o deus, e quanto a nós, devemos voltar ao menino
0E(b peXqaei, qpív 8e irpòç tov irai8a ttóXiv tcò Xóycp
com o discurso.

1 ;
!
d.II I .
I
ITEOV.
‘eiev, w (pÉpiOTe- o pèv 8f) TuyxóvEi ôv TTEpi ou
^ouXeuteov, etpr|Taí te Kai còptarat, PXettovtéç 8è
“Eia, ó bravíssimo; o que vem a ser aquilo sobre que se
deve deliberar, está dito e definido; tendo-o então em vista

L 8r| Trpòç auTÒ [238e] tò Xovrrà XéycopEv tiç cbq>EXía


q pXá^q cxttó te EpcÒvTOÇ Kai pf) tcò yapiÇopévcp ÈÇ
eikótoç aupf}r|aETai. tcò 8f| uttò èiri0upíaç
[238e] resta-nos dizer que proveito ou dano para quem con­
sente resultará provavelmente do que está amando e do que
não está. ^Aquele então que é pelo desejo governado^e.escra­
vizado deve forçosamente predispor o amado à complacên­
àpxopÉvcp 8ouXeúovtí te í)8ovrj àváyKi] ttou tov
íí 1• •I ÈpópEvov goç q8iarov eoutóS TrapaoKEuáÇEiv cia; a quem está doente agrada tudo que não o contraria, en­
quanto o superior e o igual lhe é odioso.i[239a] Nem supe-
voaoüvTi 8è irav f)8u tò pf) avriTEivov, KpEitrov 8È

30 Forma da lírica coral, inspirada em Dioniso, que exprime entusias-


: »■
< mo ou o delírio extático, motivados pela entrada do deus no íntimo.

' r 57
. 56
7
■i

kqí iaov e^Opóv. [239a] oute 8i] kpeíttgd oute rioridade então nem igualdade um amante em seu amado
icroúpevov ekgov Epacrrfjç TraiStKà àvéÇErai, Í]ttco 8è suportará de bom grado e para o rebaixar e inferiorizar ele
Kai. UTro8EÉOTEpOV OEl àlTEpYCíÇETaf ÍÍTTGDV 8è sempre trabalha; ora, é inferior o ignorante ao sábio, o co­
varde ao corajoso, o incapaz de falar ao que aprendeu elo­
í ! àpa0f)ç aocpoü, SeiXÒç àvSpEÍou, à8üvaTOÇ eitteív
quência, o lerdo ao vivo. Tão grandes males e ainda maiores
pqropiKoü, ppa8uç cxyX^vou- toooutcov kokcov Kai
ETi ttXeiÓvcdv kotò tí)v Siávoiav épaarf)v èpGüpEvcp na inteligência do amado o amante forçosamente, sejam eles
àvaYKq yiYvoP^vcdv Te Kai ?^aei evovtcdv tódv pèv formados ou congênitos, estimará estes e aqueles preparará,
I jl sob pena de se privar do prazer do momento. Forçosamente
'I q8£a0ai, tÒ 8è irapaaKEuáÇEiv, rj arèpEaOai toü
TrapauTÍKa f)8éoç. q>0ovEpòv 8fj àvÓYKq [239b]
Eivai, Kai ttoXXcdv pèv âXXcov auvouaiôv
então ele é invejoso [239b] e, de muitas outras companhias
afastando o amado, das que lhe seriam úteis e que melhor
CHTEÍpYovTa Kai cbqjEXípcov Ô0ev âv páXicrr’ àvf)p fariam dele um homem, de grande dano ele é causador, e mes­
YÍyvoito, pEYÓXqç airiov Eivai [3Xá[3r)ç, pEYicrrqç 8è mo do maior, quando se trata de companhia que lhe pudesse
TT)Ç O0EV av (ppOVipÓTaTOÇ Eli). TOÜTO 8è f) 0£Ía dar o máximo de prudência.[E é isso o que vem a ser a diyjna
<piXoaoipía TUYXáVEl ov, TK Epaarf|v iraiSiKÒ filosofia, da qual um amante forçosamente afasta o amado
áváYKq TióppG)0Ev EipYeiv, nEpupopov òvra toü bem longe, envolvido que esrájaeLojLemor de ser desprezado;|
d 4’ KaTaippovqOqvai- xá te aXXa pqxavõa0ai ottcdç av e tudo mais ele maquina para que o amado seja de tudo ig­
í r| TiávTa aYvocòv Kai irávTa àrTopXÉTrcDv eiç tov norante e em tudo tenha os olhos no amante, a quem assim
í|v Epaarqv, oíoç còv tw pèv q8iaroç, eoutcd 8ê faria o máximo prazer enquanto a si próprio o máximo da­
no./No que portanto concerne [239c] à inteligência, como
I! pXapEpÓTaToç av Eli), to pèv oüv Karà [239c]
orientador e colaborador não é nada_vantajoso_o_homem que
8lávoiav ÈTTÍTpOTTÓÇ TE KOI KOIVCDVÒÇ oÜ8apij
XuaiTEXrjç àvqp e\g)v Epana. tem amor./
‘t?)v 8è toü acSparoç éÇiv te Kai ©EpanEÍav oíav te “Quanto ao estado do corpo e seu cuidado, qual será e
xai óç 0£paii£Üa£i oü av Y^vqTai KÜpioç, oç f)8ü irpò como cuidará daquele de quem se tornar dono o que está for­
aYaOoü qvÓYKaarai 8ig3keiv, 8ei pETÒ toüto i8eív. çado a perseguir o prazer em vez do bem, eis o que é preciso
òq>0r)a£Tai 8r) paXOaKÓv Tiva Kai oü arEpEÒv 8icdkcov, depois disso ver. E se verá então que é algum molenga e não
! um rígido moço que o amante persegue, não criado ao sol
oü8’ ev qXícp KaOapcp T£0pappévov àXXà üirò auppcfei
OKIÇ, TTÓVCDV pèv Òv8pEÍ(DV Kai Í8pGÍ)TG)V ÇqpóSv puro mas à meia-luz da sombra, inexperiente de fadigas viris
e rijos suores mas experiente de um delicado e desvirilizado
anEipov, EpnEipov 8è âiraXíjç Kai àváv8pou [239d]
SiaÍTqç, àXXoTpíoiç xpwpaai Kai KÓapoiç x]íTei oikeigdv [239d] regime, de alheias cores e adornos enfeitado por mín­
KoapoüpEvov, Ôaa te aXXa toÜtoiç ettetoi TrávTa gua de próprios, e ocupado em tudo o mais que disso é de­
ETTiTq8EÜovTa, a 8f)Xa Kai ouk aÇiov TTEpaiTÉpCD corrência, o que evidente é e não merece que se prossiga além,
irpoftaívEiv, àXXà ev KEipáXaiov óptaapévouç èir’ aXXo mas antes, uma vez definido o único ponto capital, que se
iévar tò YÒp toioütov aã>pa èv TroXepcp te Kai aXXaiç passe a outro; pois tal corpo, na guerra como em todas as
I Xpeíaiç Ôaai pEYÒXai oi pèv è^Opoi Oappoüaiv, oi 8è
i
graves necessidades, aos inimigos inspira confiança enquanto
i
q>íXoi Kai aÜToi oi èpaorai <po[BoüvTai. aos amigos e aos próprios amantes temor.

Li 58
59
/

d
1

‘toúto pèv oúv g>ç SqXov eoteov, tò 8’ ècpEÇqç “Este portanto é um ponto que por evidente deve-se dei­

I
pqréov, [239e] Tiva qpiv GxpeXíav q ríva [3Xá[3qv iTEpi
xar e do seguinte falar; [239e] que proveito ou que dano pa­
rqv xrqaiv q toú èpcòvTOÇ ópiXía te xai EirirpoiTEÍa ra nós, no que adquirimos, a frequência e a direção do aman­
irapÉÇETai. aaipÈç 8q toúto yE Trava pév, páXiara 8è te trará? Eis o que pelo menos é bem claro a todo o mundo
T- tg> Èpaorq, Ôti tg>v 4>iXtÓtg)v te xai eÚvouotÓtgw
xai OeiotÓtgjv XTqpÓTeov ópipavòv irpò iravTÒç
e sobretudo ao amante: o que de mais caro, mais benévolo e
mais divino tem o amado, disso é que o amante acima de tu­
EÜÇavr’ av Eivai tov êpópEvov iraTpòç yàp xai
l pqrpòç xai auyyEVGJV xai çjiXgjv arépEaOai av aúròv
do desejaria que ele fosse privado: de pai, de mãe, de paren­
tes e de amigos ele aceitaria que se privasse o amado, [240a]
8éÇaiTO, [240a] 8iaxG)XuTÒç xai EiriTipqTàç por considerá-los estorvadores e censores do máximo prazer
Iír qyoúpEvoç tqç q8íarqç irpòç aúròv ópiXíaç. àXXà do seu convívio. Mas sobretudo um amado que tem fortuna,
pqv oúaíav y’ e\ovra xpuaou q tivoç âXXqç XTqoEGOç em ouro ou de qualquer outra espécie, julgará ele que nem é
OUTE EÚáXcOTOV Ópoíwç OUTE àXÓVTO EÚpETaXEÍplCTTOV igualmente fácil de pegar nem, uma vez pego, fácil de mane­
ifi
qyqaETai- ÈÇ G)v rrãaa àváyxq Epacrrqv Trai8ixoíç I jar; donde segue que é de todo inevitável enciumar-se um
íp ipOovEÍv pÈv oúaíav XEXTqpévoiç, àiroXXupÉvqç 8È amante de que o namorado tenha fortuna e alegrar-se de que

I. Xaípeiv. eti toívuv âyapov, àirai8a, âoixov oti


nXeiarov xpóvov iraiSixà Èpaarqç eÚÇoit’ av
yEvéaOai, tò outoú yXuxu g>ç ttXeiotov xpóvov
xapiroúaOai ÈTriOupcòv.
a perca. E ainda mais, sem mulher, sem filhos, sem família o
mais demoradamente possível, eis como ansiaria o amante
que o amado fosse, pois de sua doçura o mais longamente
II possível deseja fruir.
‘eari pÈv 8q xai âXXa xaxá, àXXá tiç 8aípa>v
■ li “Há sem dúvida também outros males,.mas algum.deus
EpEiÇE toíç [240b] hXeÍotoiç ev tcü irapaimxa q8ovqv, à maioria deles [240b] mesclou o_prazer do momentoJcomo
oiov xóXaxi, 8eivg> Oqpícp xai pXápq peyáXij, ôpcoç ao adulador por exemplo,\terrível monstro de grande noci­

!I
EirÉpeiÇEv q tpúaiç q8ovqv Ttva oúx âpouaov, xai tiç vidade, ã quem todavia conferiu a natureza um certo prazer
Éraípav g>ç ^Xa^Epòv ipÉÇEiEv av, xai àXXa iroXXà que não é sem graça; também uma hetaira31 se poderia acoi-
TGJV TOlOUTOTpÓTTCDV OpEppÓTGDV TE Xai mar de nociva, e outras muitas criaturas e práticas de seme­
ÈTTiTq8EupáTGov, oíç to yE xa9’ qpépav q8íaroiaiv


lhante teor, as quais pelo menos por um dia têm a proprieda­
Eivai únápxei- nai8ixoiç 8è Epaarqç rrpòç tg> de de ser agradabilíssimas; ao seu amado todavia um aman­
1' ’
pXa^EpG) xai eiç tò auvqpEpEÚEiv TrávTGív [240c] te além de nocivo é de todos os seres o mais desagradável
àqSéaraTOv. qXixa yàp 8q xai ó rraXaiòç Xóyoç [240c] de convivência diária. Pois a cada idade, diz o antigo
TÉpiiEiv tov qXixa — q yàp oipai xpóvou iaórqç ett’ provérbio, encanta a mesma idade;'a igualdade de anosUma^
íaaç q8ovàç àyouaa 8i’ ópoiÓTqra ipiXíav irapEXETai gino, levando a prazeres iguais produz pela_semelhança__a.
I I — àXX’ opG>ç xópov yE xai q toutgjv auvouaía Ê'xet.
I. I amizade;\todavia comporta saciedade até mesmo a convivên-

31 Na Grécia antiga, a cortesã ou acompanhante independente, que

I não se limitava a oferecer serviços sexuais, mas podia também, por sua
eventual boa educação, entreter figuras cultivadas.

61

LTh
1
n I ■

kqí pf|v to yE àvayKaíov aü ^apü -rravri Trepi irãv cia destes. E também é certo que por sua vez o fardo da ne­
Xéyerav o 8rj npòç Trj àvopoiÓTiyn. páXiaTa èpacrrqç cessidade, se diz, em tudo é pesado a todo mundo; e é o que
•rcpòç TraiÓLKà eyei. vEGyrÉpG) yàp irpeapÚTepoç auvcbv além da dessemelhança de idade mais carrega um amante pa­
oü0’ qpépaç oute vuktòç ekcdv áiroXenrerai., àXX’ vir’ ra o amado. Pois com um mais novo um mais velho convi­
[240d] àváyKqç te Kai oiarpou èXaúverat, oç ekeÍvg) vendo, nem de dia nem de noite se deixa ele de bom grado
abandonar mas ao contrário, sob [240d] o aguilhão da ne­
■ ! pèv qóovàç a£i 8t8oüç ây£t, ópõvTi, aKoúovTi,
àTTTopévcp, Kai irãaav aiaôqaiv aiaOavopévcp toü cessidade, consigo leva aquele que lhe dá contínuos prazeres,
de ver, ouvir, tocar e por todos os sentidos sentir o amado,
èpGjpévou, côcrre pe9’ f)8oví]Ç àpapÓTCoç auTÔ
UTTqpETEÍV TG) 8è 8f) EpGípÉVG) TTOIOV TTapapÚ0lOV 1]
de modo a com prazer convenientemente servi-lo; ao amado
• 1
li TÍvaç q8ovàç 8t8oüç noiricrEL tov taov ypóvov
porém que consolo ou que prazeres dá o amante para fazer
j auvóvTa pi] oüyi ett’ EayaTOv eX0eív àr|8íaç — ópcovn
com que por igual tempo de convivência não chegue ele ao
extremo do desprazer — quando o que vê é a vista de um
pèv Ô\|hv TipEaPuTÉpav Kai ouk ev copç, èiropÉvGjv 8è
mais velho e sem viço, com o mais que a isto se segue, o que
II TÕv cíXXgdv xaÚTij, a Kai Xóycp [240e] éariv aKoÚEtv
ouk ETTiTEpirÉç, p?| ou 8q epycp àváyKqç ÒeÍ
TrpoaKEipÉvrjç pETayEtpíÇEaOat, tpuXaKÓç te 8f)
até de ouvir [240e] falar não é agradável, para nada dizer do
fato de que sempre se lhe impõe a necessidade de se deixar
manejar: e quando ainda em vigias maldosas é guardado, to­
KayuTTOTÓirouç ipuXaTTopÉvcp 8ià iravTÒç Kai irpoç
do tempo e de todo mundo, e elogios intempestivos e exces­
airaviaç, oucaípouç te Eiraívouç Kai uTTEp^áXXovTaç
' ■ àxoúovTt, cbç 8’ aÜTGDÇ yóyouç vrppovToç pèv ouk sivos ele ouve, assim como igualmente censuras, que se o
àvEKTOUç, Eiç 8è pÉ0qv lÓvtoç rrpòç tg> prj cívektg) amante está sério são insuportáveis, sim, mas se a embriaguez
i ETTaiayEÍç, Trappi]aíçi KaTaKopEt Kai àvanETrrapÉvij
o atinge além de insuportáveis são vergonhosas, dada a fran­
Xpcopévou; queza plena e desabrida de que se serve?
“E se quando está amando ele é nocivo e desagradável,
‘Kai èpG)v pèv pXapEpóç te Kai àq8f|ç, XqÇaç 8è
cessado o amor ele é sem crédito para o futuro, para o qual
. i II toü EpcoToç eiç tov ETTEiTa ypóvov airtaroç, eiç ôv
TloXXà Kai pETÒ TToXXgíV OpKGJV TE KOI 8eÍ]OEG)V
com muitas juras e súplicas muitas promessas ele fazia, com

I! I úiriaxvoúpEvoç póyiç [241a] kctel^e Tqv y’ ev tg> tote


auvouaíav ettÍitovov ouaav tpépEtv 81’ èXiTÍ8a àyaOcòv.
o que dificilmente [241a] mantinha a convivência de então,
por pequena que fosse, graças à esperança de benefícios. No

L tote 8f| 8eov ektÍveiv, pETa^aXcov aXXov apxovTa ev


momento de pagar o devido uma reviravolta pôs nele outro

dn
*! I
auTG) Kai TrpooráTqv, voüv Kai awippoaúvqv cxvt’
EpGJTOç Kai pavíaç, aXXoç yEyovcbç XeXi]0ev to
comando e direção, juízo e prudência ^.ru_Yez-de-aniQr_e_de-
lírioJe outro ele se tornou sem que o percebesse o amado. E
este lhe reclama paga dos favores de então, relembrando-lhe
iratSiKÓ. Kai ó pèv auTÒv yápiv àiraiTEi tg>v tote,
o que foi praticado e falado, como se com o mesmo homem
UTToptpvr|aKG)v tcx TrpaxOévra Kai Xe)(0èvTa, cbç tg>
! í ■! estivesse falando; ele porém de vergonha nem ousa dizer que
auTG) SiaXeyópEvoç- ó 8è utt’ aiayuviiç oute eitteiv
ToXpç óti aXXoç yéyovEv, oü0’ ottgjç to tÍ]ç irpoTEpaç outro se tornou, nem sabe como confirmar as juras e promes­
sas do desajuizado regime anterior, [241b] agora que já ad­
avoí]TOu apxqç ópKcopóatá te Kai uiroaxéaEiç [241b]

líl Ep7TE8G)ar) e^ei, voüv q8q èaxqKcoç Kai aEQGDippovqKcóç,


quiriu juízo e prudência, a fim de não ficar fazendo o mesmo

63
62
. .1
•í

iva pf| TrpaTTeov toutÒ tg> npóaOev Õpotóç te êkeÍvcd


Kai ó auTÒç iráXtv yévriTai. q>uyàç 5rj yíyvETat ek

I
toutcdv, Kai àTTEOTEpqKCüç utt’ àváyKrjç ó rrpiv
èpaaníç, òarpÓKou peTaiTEcróvTOÇ, làrat q>uy^ I
I I':
peiapaXcov ó 8ê àvayKaÇETat Ôigdkeiv àyavaKTÕv Kai
Èm0eáÇa>v, rjyvorjKcòç tò airav eÇ áp^HÇ, Ôti ouk âpa
e8el ttote Epcbvri Kai utt’ àváyKrjç àvoi]Tcp yapíÇecrQai,
■r
[241c] àXXà ttoXu pãXXov prj EpcòvTi Kai vouv è\ovrr ei
8è pq, àvayKaiov gtq EvSouvai aÚTÒv àmarcp,
I PI
i h ôuaKÓXcp, <p0ovEpcò, àqÔEÍ, ^Xa^Epcb pèv irpòç oúaíav,
^XapiÊpcp 8è irpòç tf]v toü acópaTOç eÇtv, ttoXu 8è

!i ' i ^Xa^EpcoTaTcp irpòç Tqv Trjç xpvxHÇ TraíÓEuaiv, qç oute


àv0pcÓTTOlÇ OUTE 0ÊOIÇ Ttj ÓXq0EÍçX TiptCOTEpOV OUTE 6OTIV
oute ttote eotoi. toutÓ tê ouv ypq, G) irai, quvvoeÍv,
Kai EiÓÉvai Tqv epacrrou qnXíav Ôti ou peV Euvoíaç
16 312 13
|j yíyvETat, àXXà amou Tpóirov, \ápiv TrXqapovqç,
[241 d] cbç Xukoi âpvaç àyaTTÕaiv, còç iraiSa qnXouatv
Epaoraí.’
í

5 1011 8
tout’ ekeivo, cb 4>ai5pE. ouket’ av tò irépa cxKoúaaiç
Èpoü XÉyovroç, àXX’ qSq aot teXoç exetcd ó Xóyoç.
9 12
4>AIAPOE
4 |15|14 1
KatTOi copqv yE peaouv auTÓv, Kai èpEÍv
TÒ iaa TTEpi TOU pi'l ÉpÕVTOÇ, cbç 8eÍ EKEÍvcp
XapíÇEO0ai pãXXov, XEycov ôaa au e^ei
àya0á- vuv 8è 8rj, cb EcÓKpaTEÇ, tí airoTraurj;
[241 e] f

í I
I EQKPATHZ
ouk ijo0ou, a) paKapiE, Ôti qôr) eirq (pOéyyopai. àXX’
oukÉti 8i0upáp^ouç, Kai touto vpéyGüv; Éàv 8’ ettoiveív tov
ETEpov opÇoopai, tí pE o’íei TTOirjaEiv; àp’ oia0’ Ôti uirò tgdv

!r • tji \1 í

64 ?
í
1 que antes, semelhante àquele de outrora e de novo o mesmo.
Um fugitivo então desse passado ele se torna e, despojado o
!
amante de antes, removida a carapaça, revira-se ele mesmo
í
e se põe em fuga; o outro é forçado a persegui-lo, irritando-
-se e invocando o testemunho dos deuses porque tudo ignora

I í desde o princípio, sim, que jamais devia ele aquiescer a um
"i ;
amante e necessariamente desajuizado, [241c] mas muito
mais a um não amante e em posse de seu juízo; senão, era
inevitável que ele se entregasse a um homem sem crédito, ran­
coroso, invejoso, desagradável, nocivo à sua fortuna, nocivo
à compleição do seu corpo, mas muito_mais_nocivo à educa­
ção da sua alma, íim bem acima do qual nada entre os ho­
mens nem entre os deuses é na verdade mais precioso nem
•;Í. jamais o será. Eis, portanto, menino, o que é necessário pôr
em mente,1 assim como saber que amizade de amante não se
■ origina com bõãihtehção, mas a modo de alimento errL-Vista
!! . de repleção^ [241 d] como lobos amam cordeiros,32 assim
|l : ‘amantes amam meninos’.”
Está aí, Fedro. Além disso nada mais poderias ouvir de
mim, mas antes tem por já terminado o discurso.

' ’í í . FEDRO

n Ora, mas eu pensava que ele estava no meio, e que iria


p dizer a contraparte do que não está amando, do dever de
0 ’! i aquiescer-lhe preferentemente, explicando todos os bens que
h‘ por seu turno isto comporta; agora porém, ó Sócrates, por

I1 4 í
que te deténs? [241e]

: ■
SÓCRATES
ir
■ P Não sentiste, ó abençoado, que já em tom de epopeia
: l ’■
estou falando e não mais de ditirambo? E isso enquanto es­
í, tou censurando. Ora, se eu começar a elogiar o outro, que
i* .

I 32 A comparação dos amantes com lobos e dos amados com cordei­


ros evoca a Ilíada de Homero (XXII, 263) e a Paz de Aristófanes (1076).

65
1
T

I
Nupcpõv, atç pe au TtpoúpaXeç êk irpovoíaç, aacpcòç imaginas que vou fazer? Acaso sabes que por estas Ninfas,
ÈvOouaiáaco; Xéyco ouv eví Xóycp oti Ôaa tov erepov às quais me lançaste de propósito, claramente serei posto em
XeXoióopqKapev, tcò Érépcü TÒvavría toutcdv áyaQà delírio? Digo então em uma só frasejque tudpjaq.uilouque-em>
I um censuramos, o contrário se dá com o outro, tudo_de bom(.
irpóaecmv. Kai tí 8eí paxpou Xóyou; Trepi yàp áptpoív
I ixavcoç eipqTat. Kai outcd 8q ó pu0oç Ôti irácr^eiv
irpouqKEi áureo, toüto [242a] neíaerai- xàycb tov iroTapòv i
E por que um longo discurso? Sobre ambos o suficiente já es­
tá dito. E assim pois este mito o que lhe convém receber é o
toutov Siapàç àTrépxopavTTpiv uttò aou ti pEiÇov que [242a] receberá; e eu atravesso este rio e vou-me embo­
àvayKaaOqvai. ! ra, antes de por ti ser forçado em algo mais grave.

0AIAPOE FEDRO
pqircD yE, cb ZcÓKpaTEÇ, irpiv av to Kaupa TTapéX0r). Ainda não, Sócrates, não antes que a canícula tenha pas­
q oúx ópçç coç axE$òv q8q pEaqpppía íaraTai q 8q sado. Ou não estás vendo que já é quase meio-dia, o que jus­
1
xaXoupévq ara0Epá; àXXà rrEpipEÍvavTEÇ Kai apa TtEpi tamente se diz que está parado? Antes fiquemos por aqui con­
tg)v EipqpEvcov 8iaXEy0£VT£ç, TÓya ènEiSàv árroipuxq versando sobre o que foi dito, e logo que refrescar partire­
i'p£v. mos.

EQKPATHE SÓCRATES
Oeíóç y’ ei TtEpi touç Xóyouç, à> 4>ai8pE, Kai És divino com os discursos, Fedro, e simplesmente ma­
cxtexvcòç Oaupáatoç. oipat yàp Eycb tgSv ettÍ tou aou ravilhoso. Pois o que eu penso é que, dos em teu tempo pro­
t; ^íou yEyovÓTGDv [242b] Xóycov pq8éva ttXeíouç q aè duzidos, [242b] ninguém os fez produzir-se em maior quan­
TTEiroiqxÉvai yEyEvqaOat qroí aúròv XéyovTa q àXXouç tidade que tu, quer tu mesmo os tenhas proferido, quer a ou­
eví yÉ Tcp Tpótrcp TrpooavayxáÇovTa — Eippíav tros de algum modo tenhas forçado — Símias, o tebano,33 eu
■1 ©qpaiov ÈÇaipa) Xóyou- tõv 8è àXXcov TrápitoXu excetuo do que digo, que os demais tu superas e de muito
xpaTEtç — Kai vuv au 8okeíç airióç pot yEyEvqaOat — e ainda agora, parece-me, tu te tornaste para mim o res­
Xóycp Tivi pqOqvat. ponsável de um discurso a ser pronunciado.

«DAIAPOE FEDRO
ou TtóXEpóv ye áyyéXXEiç. àXXà ttgdç 8q Kai tÍvi Não é guerra que anuncias! Mas como então e que dis­
TOÚTcp; curso?

EQKPATHE SÓCRATES
HÍ! qvíx’ epeXXov, cbyaOé, tov iroTapòv Quando, ó bom, eu estava para atravessar o rio, o de-
8ia(3aívEtv, to 8atpóvtóv te xai to eico0òç aqpeíóv mônico sinal que me costuma ocorrer ocorreu [242c] — sem-

: || 33 Um dos interlocutores de Sócrates no Fédon.

í;
66 67
?
íI poi yíyvEoQat ÈyévETO [242c] — oei 8é pE ETtíoxei o pre ele me detém no que estou para fazer34 — e uma voz pa­
■I âv péXXco TtpátTEiv — Kaí nva cpcovqv e8oÇa receu-me ouvir-lhe, a qual não me deixa partir antes de pe­
aútó0Ev àxovaai, q pE ouk eç àiriévai irpiv av nitenciar-me, como se alguma falta eu tivesse cometido para
àtpoaicóacüpai, óç 8q ti qpapTqxóra eiç to 0elov. com a divindade. Sou então adivinho, sim, embora não mui­
Etpi 8q ouv pávTiç pév, oú itóvu 8è airouSaioç, àXX’ to sério, mas justamente como os que são fracos nas letras,
ócrriEp oi rà ypáppara cpauXot, oaov pév épauTcò só para mim competente; claramente então já percebi a falta.
póvov ixavóç- acupcbç ouv qSq pav0áva> to É que na verdade, amigo, uma espécie de adivinho é também
- ápápTqpa. cbç 8q toi, cb éraipE, pavriKÓv yé ti xai q a alma: sim, perturbou-me alguma coisa há um bom momen­
ii \puxq- êpè yàp 60paÇe pév ti xai rtáXai XéyovTa tov to, enquanto eu fazia o discurso, e de certo modo eu me des­
Xóyov, Kaí ttgoç E8uacDTTOÚpqv kqt’ ,zIPukov, pq ti figurava, segundo a expressão de íbico, de medo que não fos­
Trapa 0eoíç [242d] se eu, com os deuses, [242d]
í

h ‘apfBXaxcbv Tipàv Ttpòç àvOpcoircDv àpeívpco-’ “faltoso, honra dos homens em troca obter”;35
I
! Ü vüv 8’ rja0qpai tò ápápTqpa. agora porém percebí a falta.

«DAIAPOE FEDRO
XéyEtç 8è 8q ti; Mas que estás dizendo?

ZQKPATHE SÓCRATES

i
8eivóv, cb $aí8pE, 8iEivòv Xóyov aúróç te EKÓptaaç épé te Terrível, Fedro, terrível discurso tu mesmo trouxeste e
qvóyxaaaç evtteív.
i
I me forçaste a dizer.

0>AIAPOZ FEDRO
TTGJÇ 8f|; Como assim?

UH :
34 O daintonion sempre se manifesta a Sócrates para o impedir de
: l I praticar uma ação. A confiança do filósofo nesta intervenção habitual é
tão forte que chega a interpretar a sua ausência com sinal de aprovação i
í| O divina dos seus atos; por exemplo, das coisas que diz no discurso que pro­
fere no tribunal (Apologia, 40a-c; ver 31c-d).
i
35 íbico, poeta lírico do século VI a.C., cantor do amor e da paixão;
o passo refere-se ao frag. 29 da edição Page.

/
68 69
1
•'i
EQKPATHE SÓCRATES
Euq0q Kai utró ti àcE^q- ou tÍç av Etq Ingênuo e, sob certo aspecto, ímpio; que outro seria
SetvÓTepoç; mais terrível?

4>AIAPOE FEDRO
ou8eiç, ei yE crv àXq0q XéyEiç. Nenhum, se é verdade o que dizes.

EQKPATHE SÓCRATES

■ h
iI r
hyii;
~
ti ouv; tov EpGyra ouk ’A<ppo8ÍTqç KOI 0EOV Ttva

3
deus?
Mas então? O Amor não o julgas filho de Afrodite e um

4>AIAPOE FEDRO
XéyETaí yE 8q. É bem o que se diz.

If I EQKPATHE i SÓCRATES

I • oü ti vttÓ yE Aucriou, oú8è urro toü aou Xóyou, óç


[242e] 8tà tou Èpou orópcrroç KaTCKpappaKEu0ÉvTOÇ urrò
aou eXéx0q. ei 8’ eotiv, coartEp ouv eoti, 0eÒç q ti 0eiov ó
Não em todo caso Lísias, nem o teu discurso, o que
[242e] por minha boca enfeitiçada por ti foi proferido. l$e_ppz-
rém, como sucede então3éumdeus_oualgodLvmo_CLAmor,
"Epwç, oú8èv av kokov Etq, tco 8è Xóyco tÒ> vuv8q TtEpi em nada absolutamente ele seria mau, e_xio. entanto os_dois
» « , / » , „ / r discursos de há pouco sobre ele falaram como-seaa fosse;kiis-
aUTOU ElTTETqV GDÇ TOIOUTOU OVTOÇ’ TOUT1J TE OUV
qpapravETqv TtEpi tov Epcora, eti te q EÚq0Eia aÚTOÍv to então os dois erraram sobre o Amor, e ainda a ingenuida­
irávu àaTEÍa, to pq8èv úyièç XéyovrE [243a] pq8è áXq0èç de de ambos é bem chique quando, embora nada digam de
MIII
' i O£pvúv£a0ai obç ti ovte, ei âpa àv0pGDitíaKouç Ttvàç
ÈÇaTraTqaavTE Eu8oKipqaETOv ev outolç. Èpoi pèv ouv, à)
são [243a] nem de verídico, vangloriam-se eles como se algo
fossem, se é que porventura vão enganar alguns homenzinhos
<píXE, Ka0qpao0at àváyKq- eotiv 8e toíç apapTÚvouai e ganhar fama entre eles. Para mim então, amigo, purificar-
TtEpi pu0oXoyíav Ka0appòç àpyaioç, ov *'Opqpoç pèv -me é uma necessidade; e há para os que pecam em mitologia
i i
ouk ija0ETO, LTqaíyopoç 8e. twv yàp òppáTcuv arEpq0EÍç uma purificação antiga que Homero não percebeu, mas Es-
tesícoro36 sim; pois privado da vista por ter falado mal de
■■

8ià Tqv 'EXévqç KaKqyopíav ouk qyvóqaEv coarrEp


tzOpqpoç, àXX’ aTE pouaiKÒç còv Eyvco Tqv airíav, Kai Helena, não desconheceu a causa como Homero e com sua
TTOLEl EU0UÇ — cultura reconheceu-a e logo ei-lo a compor:

n 36 Poeta lírico, dos séculos VII-VI a.C. Tendo asperamente censurado

íí a esposa de Menelau, no seu poema “Helena”, foi punido com a cegueira,


conseguindo recuperar a vista depois de ter composto um “novo canto”
(“Palinódia”).
I

71
70
1

‘ouk eot’ erupoç Xóyoç outoç, “Não é verídica esta versão,


oú8’ E^aç ev vquaiv EÚaéXpoiç, [243b] não andaste em naus bem cobertas, [243b]
oú8’ ikeo népyapa Tpoíaç-’ não vieste às torres de Troia”;

Kai iroiqaaç 8f) irãaav Tqv KaXoupévqv naXivcp8íav i e quando compôs toda a chamada “Palinódia”, imediata­
irapaypqpa avé^XEipEv. Èycò oúv aoípcÓTEpoç ekeívcdv mente recuperou a vista. Eu então serei mais sábio que aque­
• 1 yEvqaopai kot’ aúió y£ touto- npiv yáp ti ttoSeív 8tà tÍ]v les, pelo menos nisso: antes de sofrer algo por ter falado mal

I í!' 1
tou "EpGyroç KQKqyopíav irEipáaopai aÚTcp àiro8oüvai tkjv
TraXtvcp8íav, yupvrj Ttj KEtpaXrj Kai. oú)( coque p tote utt’
do Amor, tentarei pagar-lhe a palinódia, com a cabeça des­
coberta e não como há pouco encapuçado de vergonha.
i i’ aia^úvqç EyKEKaXuppévoç.
I
4>AIAPOE FEDRO
z y / 99/ •/ 9 9% 9 \ T
TOUTCOVl, CD EcDKpaTEÇ, OUK eotiv aiT av Epot EITCEÇ Isto sim, Sócrates! Nada me poderías dizer de mais agra­
r)8ía>. [243c] dável. [243c]

EQKPATHE SÓCRATES
r
Kai yáp, cbyaQè <I>ai8pE, evvoeiç cbç àvai8coç É que, bom Fedro, estás percebendo com que impudên-
EipqaQov tco Xóyco, outoç te Kai ó ek tou pi^Xíou cia foram proferidos os dois discursos, este último e o que do
pq0EÍç. ei yàp aKoúcDv tiç TÚyoi qpcov yEvvá8aç Kai livro foi lido. Se, com efeito, se encontrasse alguém a nos ou­
irpçoç to qOoç, ETEpOU 8e toloÚtou Epóòv rj Kai vir, de caráter nobre e sereno, e que amasse outro do mesmo
■TrpÓTEpÓv 7TOTE EpaaOElÇ, XEyOVTCDV CDÇ 8lÒ OptKpÒ tipo ou anteriormente o tivesse amado, quando lhe dissésse­
pEyaXaç eyOpaç oi Epaarai àvatpoúvTai Kai ê\ouqi mos que por pequenos motivos grandes ódios suscitam os
3 irpòç tò iraiôiKcx q>0ovEpcoç te Kai f3Xa[3EpGÍ)ç, ttcoç ouk amantes e dos amados têm inveja e lhes são nocivos, como
av oiEt auTÒv qyEÍaôai cikoÚeiv ev vaÚTaiç irou não imaginas que ele julgaria estar ouvindo conversas de pes­
T£0pappÉvwv Kai ou8éva eXêuOepov Eparra ÉcopaKÓTGOv, soas que se criaram entre marinheiros e nenhum nobre amor
ttoXXou 8’ av 8elv [243d] qpív ópoXoyeiv a ipéyopEv f viram, e que ele estaria longe [243d] de conosco admitir o
II I! tòv epcoTa; que censuramos no amor?
i|!l I
OAIAPOE l FEDRO
iacoç vq Aí’, gj ZÓKpaTEÇ. Talvez sim, por Zeus, Sócrates.

EQKPATHE
toütÓv y£ toÍvuv EywyE aiaxuvópEvoç, Kai auTÒv
I SÓCRATES
Pois diante deste homem, eu, envergonhado e temendo
tòv EpWTa 8e8icdç, EiriOupã) rroTÍpcp Xóycp oíov áXpupàv o próprio Amor, desejo com um potável discurso lavar a sal­
ÓKor|v aTTOKXúaaaOau aup^ouXEuco 8è Kai Auaíç oti moura do que se ouviu; e aconselho a Lísias que também

72 73

I
t-

TÓxicrra ypáipat cbç ypq èpaarfj pãXXov q pq èpõvn eK quanto antes escreva sobre o dever de aquiescer ao amante
tgdv ópoícDv xapíÇEo0ai. mais que ao não amante, por idêntica série de razões.

! I 0A1APOE
àXX’ eu iaOt OTt eÇei tou0’ outcd- aoü yàp eittÓvtoç
FEDRO
Mas fica sabendo que será assim! Uma vez que tenhas
li M
i|:
tÒv tou èpaarou errai vov, rrãaa àváyxq Auaíav utt’
èpou [243e] àvayxaaOqvat ypáyai au ire pi tou outou
proferido o elogio do amante, é de toda necessidade que Lí-
sias seja por mim [243e] forçado a escrever por sua vez um
Xóyov. discurso sobre o mesmo tema.

'I : EQKPATHE SÓCRATES


~ / </ r r Nisso sim eu confio, enquanto fores o que és.
touto pEv TTiareuco, ecDOTTEp av qç oç ei.

4>AIAPOE FEDRO

Xéye toÍvuv Oappcov. Fala então, em confiança.

EQKPATHE SÓCRATES
»
Ttoü 8q pot ó rraiç rrpòç ov eXeyov; iva xai touto Onde é que está o jovem a quem eu me dirigia? Que
àxoúarj, xai pq àvqxooç còv q>0ãaq xaPlcr°íP6VOÇ T<?) PH também isto ele ouça, para que se não ouvir não se adiante
ele em aquiescer ao que não ama.
11 EpGDVTl.

li-l FEDRO
«PAIAPOE
outoçirapá aot páXa irXqaíov àei Trápecrnv, Ele está contigo, bem perto, sempre ao teu lado como
otqv au PoúXrj. quiseres.
i 11 d !

^1 j EQKPATHE SÓCRATES
Eis na verdade, bela criança, o que deves pôr em mente,
*
Ü
oúrcoai toÍvuv, à) irai xaXé, èvvóqaov, cbç ó
pèv [244a] irpÓTEpoç qv Xóyoç <Paí8pou tou que [244a] o precedente discurso era de Fedro, filho de Píto-
cles do demo de Mirrinunte; mas o que vou dizer é de Este­
I
FIuOoxXeouç, Muppivouaíou àv8póç- ov 8è péXXcD í
H' ; 1
XéyEiv, ETqaiyópou tou Eucpqpou, ‘Ipepaíou. i
sícoro, filho de Eufemo, natural de Hímera.37 E eis como de­
ve ele discorrer, que “não é verídico um discurso” que, pre­
i
Xextéoç 8è go8e, oti oúx eot’ ETupoç Xóyoç oç av
I. V
TtapóvTOÇ Èpaorou tcõ pq èpóSvTi pãXXov q>ij 8eív sente um amante, afirme que mais se deve aquiescer ao não
!

!
! XapíÇEaOai, 8iÓti 8q ò pèv paíverai, ó 8è amante, e isso porque o primeiro delira enquanto o segundo

37 Estesícoro seria natural de Hímera, na Sicília, de acordo com este


I
i -íí!
.|i
Mi
<

74
passo do Fedro.

75
I
I
I-
aco<ppovei. ei pèv yàp i]v cnrXoüv to pavíav kqkov está em seu bom senso. Pois se fosse simples assim, que delí­
eivai, KaXõç av èXéyexo- vüv 8è xà peyiara xcòv rio é um mal, bem falado seria;f mas_deJ.ato os mainres-bens I
i àya0G)v qpív yíyvExai 8ià pavíaç, 0eíç pévxot nos advêm por delírio, quandojodavla_pojudivino-dom-con-
8óaei 8i8opévr)ç. q xe yàp 8q èv AeXqjoíç irpoipqxtç cedido.jPois sem dúvida a profetisa em Delfos, as [244b] sa­
aí x’ èv [244b] Agd8gSvtj iépeiat paveiaat pèv cerdotisas em Dodona,38 quando em delírio, muitos e belos
iroXXà 8q Kai KaXà I8íç xe Kai 8qpoaíç xqv benefícios privados e públicos fizeram à Hélade, mas quando
'EXXá8a qpyáaavxo, aaxppovoüaai 8è Ppayea q em seu bom senso, pouco ou nada fizeram; e se fôssemos en­
I
i:
ou8éw Kai èàv 8q Xéycopev Eí£uXXáv xe Kai
aXXouç, ôaot pavxtKrj ypcópevoi èvOéco ixoXXà 8q
tão mencionar a Sibila39 e quantos outros que, usando uma
arte divinatória de inspiração divina e muitas predições a
xroXXoiç irpoXèyovxeç eiç xò péXXov c3p0Goaav, muitos fazendo, acertaram o caminho do futuro, nos alon­ I
prjKÚvoipev av 8qXa iravxi Xéyovxeç. xó8e pqv garíamos dizendo o evidente a todo mundo. Eis na verdade
! aÇtov èmpapxüpaafiai, oxt Kai xóSv iraXaiõv oi o que merece que se ateste, que justamente entre os antigos,
xà óvópaxa xi0épevoi ouk aiaypòv qyoüvxo oü8è os que instituíam nomes não julgavam coisa feia nem opró-
i ôvei8oç pavíav [244c] oú yàp av xrj KaXXícrrq | brio o delírio, “mania”; [244c] pois de outro modo não te-
I !’ xéyvq, b péXXov Kpívexai, aüxò xoüxo xoüvopa riam, enlaçando este nome à mais bela arte, a que permite
i ■
èpxrXÉKovxeç paviKqv èKÓXeaav. àXX’ cbç KaXoü discernir o futuro, chamado esta maniké^ delirante. Ao con­
Ôvxoç, oxav 0elql poípç yíyvqxat, oüxa> vopíaavxeç trário, foi como se fosse uma bela coisa quando por divino
e0evxo, oi 8è vüv àxreipoKÓXwç xò xaü dom ocorresse, que assim consideraram e puseram o nome,
■ I. èrreppáXXovxeç pavxiKqv eKÓXeaav. exrei Kai xqv enquanto os modernos em sua inexperiência do belo inseri­
: lí ! ye xcov èpqjpóvcov, Çqxqaiv xoü péXXovxoç 8iá xe ram o “t” e chamaram mantikéy arte divinatória. Pois justa­
ópví0a>v TioioupévcDv Kai. xcòv dXXcov aqpeícov, ax’ »■
mente a arte dos que estão em seu juízo e fazem pesquisa do
■ í'
6K 8iavoíaç TropiÇopévcDv àv0pcoxrívrj oiqaet voüv futuro por meio de aves e de outros sinais, porque a partir
xe Kai iaxopíav, oíovoiaxtKqv èrrcDvópaaav, [244d] do raciocínio conseguem para a humana opinião (ozeszs), ra­ ii
qv vüv oiwviaxiKqv xcÒ co aepvúvovxeç oi véoi cionalidade e informação (nous e historia), os antigos a de­

I
KaXoüaiv ôacp 8q oüv xeXecòxepov Kai èvxipóxepov I nominaram oionoistiké, [244d] a que agora os modernos I
Hll
pavxiKr) oiwviaxiKqç, xó xe Òvopa xoü òvópaxoç chamam oiônistiké, arte augural, dando-lhe imponência com
epyov x’ epyou, xóacp kóXXiov papxupoüatv oi o “ô”. Por conseguinte, quanto mais perfeita e mais digna é
iraXaioi pavíav awtppoaúvqç xqv eK 0eoü xqç rrap’ í
a arte divinatória em face da augural, o nome e a função de
v H
àv0p(jDTrwv yiyvopévqç. àXXà pqv vóaoov ye Kai í uma em face do nome e da função da outra, tanto mais belo
T:{
l.i iróvcov xcòv peyíaxcov, a 8q naXaicòv 6K é, atestam os antigos, o delírio em face da prudência, vindo
I

i 38 Locais onde havia dois famosos santuários, o de Dodona, dedica­


do a Zeus, e o de Delfos, dedicado a Apoio.
39 Nome pelo qual são referidas diversas profetisas famosas na An­
tiguidade greco-romana.
!•
76 77
ri pqvipÓTCOV iTO0èv êv Ttot tgSv yEvóóv q pavía aquele de um deus e esta dos homens. Mas realmente, de
i

6YYev°pévr] Kai TrpoqjqTEÓaaaa, oiç ê8ei [244e] doenças e provações as mais graves, as que por antigos res­
àiraXXaYqv qüpETO, KaTaq>üY°^aa Kpòç Oecòv sentimentos de alguma parte advindas se instalam em certaá*’~
EÚyáç te Kai XarpEÍaç, o0ev 8q Kaôappcòv te Kai famílias, o delírio uma vez produzido e resultado em profecia
teXêtwv Tuyoúaa ÈÇóvrq ÈnoíqaE ròv Eaurqç encontrou liberação [244e] para quem era preciso, com o re­ i
! 1
è\ovra irpóç te tov irapóvTa Kai ròv etteito curso de preces aos deuses, de serviços em sua honra; e daí
ypóvov, Xúaiv tcò òp0ã)Ç pavévrt te Kai tendo recorrido a purificações e iniciações, ele pôs ao abrigo
KaTaaxopÉvq) [245a] tõv irapóvrcov kokÓjv para o presente e o futuro o que dele precisava, por ter acha­
EÚpopévr). rpírq 8è airò Mouaõv KaTOKcoxn Te Kcà do para quem corretamente delirou [245a] uma solução aos
pavía, Xapoüaa áiraXqv Kai aparov \pu%qv, males presentes. \Um terceiro tipo de possessão e delírio, o
EY^ípovoa Kai EK^aK^EVouca Kará te Ó8àç Kai das Musas,depois de pegar uma alma tenra e invioíãdã7
Karà rfjv aXXqv iroíqaiv, pupía tgjv iraXaiôv despertando-a e transportando-a em cantos e nas demais pro­
È'pya Koapouaa touç ÈmYiYvopév°uç iraiSeúev oç duções poéticas, milhares de feitos antigos ordenando, educa
i 8’ av avEv pavíaç MouaóSv ettí iroiqTiKàç 0úpaç os que vêm depois; enquanto aquele que, sem o delírio das
r
CKpÍKTftat, tteiqOeíç cbç apa ek té^vfiç lkovÒç Musas, chega à porta da poesia convicto de que pela técnica
TTOtqTqÇ EQÓpEVOÇ, ClTEXqÇ aüTOÇ TE Kai q TTOÍqOlÇ será um poeta perfeito, é um malogrado ele próprio e sua
i uttòrqç tgòv paivopÉvov f] toú aaxppovouvTOÇ poesia de quem está em são juízo é pela dos que deliram
f
I
■ !!

í qq>avía0q. [245b] eclipsada. [245b]


ToaauTa pév aot Kai eti ttXeÍgd e\co pavíaç Tal é, na verdade, e ainda muito maior, se o delírio vem
! dos deuses, a quantidade de belas obras que te posso men­
ytYvopévrlÇ ònrò 0egdv XéyEtv KaXà Epya. coote
■ . !!
toütó yE auTÒ pq <po[3a)pE0a, pqSé tiç qpãç Xóyoç I
cionar. E assim eis o que em si mesmo não devemos temer,
0OpuPEÍTW 8e8lTTÓP£VOÇ COÇ ItpÒ TOU KEKlVqpEVOU nem nos perturbe um discurso a nos espantar com a ideia de
tov aanppova Sei TtpoaipEÍa0ai q>íXov àXXà tó8e que ao apaixonado se deve preferir como amigo o que está
I rrpòç ekeÍvco 8eíÇoç q>Epéa0CD tÒ viKqtqpia, cbç em são juízo; ao contrário, só depois de ter além disto de­ I
■ ii
OUK ETt’ cbipEXíçí Ó EpGDÇ TCü EpGDVTl Kai TQ
EpCüpÉvcp EK 0EGDV ETClTtEpTCETai. qpiV 8È
J monstrado o seguinte leve o troféu: frue não é em proveito.
jJo amante e do amado que o amor epêTos deuses enviado. | 1
áiro8EtKT6ov aò Touvavríov, cbç êtt’ êutuxÍç rrj Quanto a nós, haveremos por nossa parte de demonstrar o
|4l pEyíonrr) [245c] itapà 0egSv q TOtaurq pavía contrário, que é para suprema felicidade de ambos que [245c]
■ •. fc í

8í8orav q 8è 8q cnró8eiÇiç Earai Seivoíç pèv pelos deuses lhes é concedido tal delírio; e sem dúvida a de­
1 monstração será entre hábeis desacreditada, mas entre sábios
árnaroç, aoipoíç 8è rnarq. 8eÍ oúv itpcÒTOv ipu^qç
I I ! acreditada. Carece então, primeiro, sobre a natureza de alma
(púaEcoç népi 0£Íaç te Kai àv0pcDTrívqç i8óvTa

!
40 As Musas eram divindades inspiradoras da criação artística ou
científica, nomeadamente da Música. Em honra delas foi erigido o Mow-
seion, designação da qual deriva o termo “museu”.
V- ;' n
jl
78 79
r
f I

TrciOr) te Kai epya TaXq0èç voqaai- àpxq Sè divina e humana tendo visto afecções e ações, pensar o verí­
;j àlTOÔEÍÇEGDÇ Í]8e. dico; e princípio de demonstração é o seguinte:

II
[Toda alma é imortal\ Pois o automoíivo_éLÍmortal] mas\
ipuxq mexera àOávaTOÇ. to yàp aEiKivqTOv
àOávaTOv tò 8’ àXXo kivouv Kai utt’ àXXou o que move outro e por outro é movido, tendo pausa de mo­
KivoúpEvov, TraüXav Eyov KivqaECuç, irauXav e^ei vimento, tem pausa de vida. Só então o que a si próprio se
Çcoqç. póvov 8q tò aurò kivouv, olte ouk cxitoXeíttov move, por não se deixar a si próprio, nunca cessa de se mo­
eouto, oÜtcote XqyEi KtvoúpEvov, àXXà Kai toíç àXXoiç ver, mas ainda para tudo mais que se move é fonte e princí- :
j
oaa kiveitoi touto Ttqyq Kai àpxq KivqaECDÇ. [245d] pio de movimento. [245d] E princípio é algo não engendra-
i! àpxn 8è àyÉvqTOv. ÈÇ àpxqç yàp àváyKq irãv tò do; pois de princípio é que necessariamente engendra-se tudo 1
o
ytyvópEvov yíyvEaOat, aúrqv 8è pq8’ eÇ èvóç- ei yàp que é engendrado, enquanto ele próprio de nada se engendrà;
í ek tou àpxn yíyvoiTO, ouk av eti àpxq yíyvovro. pois se de algo se engendrasse princípio, não mais de princí­ s
ETTEiSq 8è àyÉvrfróv eotiv, Kai à8iáç>0opov auTÒ
àváyKq Eivai, àpxqç yàp 8q àiToXopévqç oute auTq
TTOTE EK TOU OUTE âXXo eÇ EKElVqÇ yEVqOETOl, EITTEp ÊÇ
I pio haveria geração. E desde que é não engendrado, também
incorruptível ele necessariamente é. Pois princípio uma vez
extinto, nem ele próprio jamais se engendrará de algo nem
I
5'1

I
àpXqç 6eí tò itavra yíyveaOai. outgj 8q KivqaEcoç pèv outra coisa dele, se é que de princípio carece que tudo se en­
I. cxpXn tò auTÒ aÚTÒ kivouv. touto 8è out’ àiróXXua0ai gendre. Assim então é princípio de movimento o que a si mes­
mo se move; e isto nem é possível que pereça nem que venha

I
oute yíyvEoôai 8uvot6v, q irávTa te oúpavòv [245e] r
iráaáv te yqv eiç ev aupiTEaouaav arqvai Kai pqttote a ser, se não todo o céu [245e] e toda a terra confundindo-se I
au0iç e'xéiv Ô0ev Kivq0£vra yEvqaETai. à0avciTOU 8È parariam e jamais teriam de novo de onde movidos se engen­

! •1
iTEipaapÊVOu tou úq>’ èauTOu Kivoupévou, ipuxqç
ouaíav te Kai Xóyov toütov outÓv tiç Xéycuv ouk
drassem. Imortal então evidenciado o que a si mesmo se mo­
ve, quem disser que a essência, a noção da alma, é isso mes­ i
aiox^vEÍTai. irãv yàp aóópa, cp pèv eÇgd0êv tò mo, não se envergonhará. Pois todo corpo a que é extrínseco
| |i|i|
Kiv£Ío0ai, aipuxov, cp 8è ev8o0ev auTÕ) eÇ outou, o mover-se é inanimado, e o a que intrínseco, de si para si,, ée
li: animado, pois que essa é a natureza da alma; e se isto é assim
Epipuxov, <£>ç TaÚTqç oüaqç (púaEGDÇ if/uxqç ei 8’ eotiv
que se tem, se outra coisa não é o que a si mesmo se [246a]
i TOUTO OUTGDÇ E^OV, pf) âXXo Tl ElVOl TO OUTO ÉaUTO
[246a] kivouv q ipuxqv, eÇ àváyKqç àyévqTÓv te Kai move senão alma, necessariamente algo inato e imortal a al­
I
I !| à0ávaTov ipxq av Eiq.
iTEpi pèv ouv à0avaoíaç auTqç ÍKavcÒç- TTEpi 8è
Tqç i8èaç auTqç gd8e Xekteov. oiov pèv eari, ttÓvtij
1
ma seria.
Sobre sua imortalidade então é o bastante; mas sobre
/

sua ideia assim é a dizer: qual ela é, eis o que em tudo e por
!
irávTGDç 0EÍaç Eivai Kai paKpãç SiqyqaECOÇ, cp 8è tudo é próprio de uma divina e longa exposição; mas a que
eoikêv, áv0p(OTcívqç te Kai eXóttovoç- toutij ouv se assemelha, é o que pode fazer uma humana e menor; por Si
XéycDpEv. eoikétg) 8q auptpÚTcp 8uvápEi ÚTroirrépou esta via então falemos. Que ela então se assemelhe à congê­
nita potência de um alado jugo e seu cocheiro. Quando é dos
V!
ÇEÚyouç te Kai qvióxou. 0eóSv pèv ouv ittttoi te Kai
deuses, então cavalos e cocheiros são todos bons eles mesmos t-
I i
qvíoxoi ttÓvteç aÚToí te àya0oi Kai eÇ àya0còv,
[246b] to 8è tgdv áXXcov pépEiKTai. Kai irpÔTOv pèv e formados de bons elementos; [246b] mas a dos outros seres ’I
81
80
j! !

qpcov ó apxcov auvwpí8oç qvtoxei, erra tgdv ittttgov é misturada. E primeiro, o que nos conduz tem as rédeas de \

: VI
!
ó pèv aurcò xaXóç te xai àya0òç xai éx toioutcdv, ó
8’ eÇ Èvavríov te xai Evavríoç- yaXeTtq 8q xai
uma parelha; depois, dos seus cavalos um é belo e bom, e I
formado de bons elementos, enquanto o outro é de elemen- \

! !Í SúaxoXoç eÇ àváyxqç q TtEpi qpãç qvtóyqaiç. Ttrj 8q tos contrários e ele mesmo contrário; assim, difícil e aborre­
ouv 0vqróv te xai àOávaTOv Çcpov ExXq0q iTEiparEov cida é em nosso caso a direção das rédeas. Mas por onde en­
' ■

I eitteÍv. \pu)(q Trãcra rtavTÒç EinpEXEÍTai rou àipu^ou,


trávTa 8è oupavòv ttepittoXeí, aXXor’ ev aXXoiç
tão denominou-se mortal ou imortal um vivente, eis o que se
deve tentar dizer. Toda alma cuida de tudo que é inanimado

I £
sfòsai ytyvopèvq. teXêo [246c] pèv ouv ouaa xai
ETTTEpopÉvr) pETECoportopEt te xai TtávTa tÒv xóapov
Ôioikeí, q 8è TtTEpoppuqaaaa ipépETai êcoç av
OTEpEou tivoç àvnXáPqrai, ou xaroixia0EÍaa, aã>pa
e por todo o céu circula, em diferentes ocasiões diferentes
formas assumindo. Assim é que, sendo [246c] perfeita e ala­
da, nas alturas ela caminha e o todo cósmico administra; mas
a que suas asas perdeu é levada até que de algum sólido se
j

yqívov Xapoüaa, aúrò aúrò Soxouv xiveív 8tà rqv aposse, e pois que aí se instalou e assumiu um terreno corpo,
EXEÍvqç 8úvapiv, Çcpov to aúpirav ExXq0q, ipu)(q xai que a si mesmo parece mover-se pelo poder dela, chamou-se

!í FI i ii;
aõpa Ttayév, 0vqróv t’ eo^ev èrrcüvupíav á0ávarov
8è oú8’ eÇ èvòç Xóyou XEXoytapÉvou, áXXà
vivo o conjunto, alma e corpo ligados, e mortal foi o epíteto
que recebeu; o de imortal não é por nenhuma razão deduzi­
nXártopEv oute ÍÔÓvteç oÜté ixavGDÇ voqaavrEÇ da, mas é que imaginamos, por não termos visto nem sufi­
[246d] 0e6v, à0óvaTÓv ti ÇgSov, è\ov pèv yu^qv, cientemente concebido [246d] deus, um vivo imortal, que tem I
alma, tem corpo, mas por todo o tempo os dois naturalmen­
iíl è\ov 8è aõpa, ròv oeí 8è ypóvov raura
aupTTEipuxóra. àXXà raura pèv 8q, Ôrrq rcp 0eóS te unidos. Quanto a isto no entanto, como ao deus aprouver,
(píXov, raúrq e^etco te xai XeyéaOcD* rqv 8è airíav rqç que assim seja e se diga assim; mas a causa da queda das asas,
- em razão da qual se desprendem da alma, vejamos. É uma
ròv TTTEpcDv à-n:o[3oXqç, 8t’ qv yu^qç àrroppEt,
? ;!'l Xá^GDpEV. EOTTl 8É TIÇ TOIÓ8ê. assim:
f O natural poder da asa é o de levar o pesado para cima,
r
d TTEcpuxEv q TTTEpou 8úvapiç to Ep^pi0èç ayEtv avoo
pETEWpíÇouaa q rò tgòv 0ec5v yévoç oIkei, XEXOtvcóvqxE 8é àlçando-o até onde mora a raça dos deuses, e foi ela a que
Ttq páXtara rõv trepi rò acopa tou 0eíou ipuxq, to 8è mais teve, das partes do corpo, comunhão com o divino; o
0EÍov [246e] xaXóv, aoipóv, âya0óv, xai irãv ort divino [246e] é belo, sábio, bom e tudo mais que é de tal or-
roíoürov toÚtoiç 8q rpéq>ETaí te xai aü^ETat páXicrrá yE dem; e é disto que sobretudo se nutre e desenvolve o sistema
rò rqç ipuyqç irrépcopa, aiaypõ 8è xai xaxcp xai roíç [alado na alma, enquanto com o feio, com o mau e, em suma,
com o contrário, ele definha e perece. Ora, o grande guia do
p Êvavríoiç (p0ívEt te xai 8ióXXurat. ó pèv 8q péyaç qyEpcov
ev oupavcp Zeuç, eXouvcov irrqvòv appa, irpGÒroç
/ céu, Zeus, impelindo o alado carro, é o primeiro a caminhar

Ü• itopEÚETai, ôiaKoapoóv -návra xai ÈTTtpEXoúpEvoç- tg> 8’ bem ordenando tudo e de tudo cuidando; e lhe segue um
I exército de deuses e demônios [247a] em onze partes dispos-
; lí Eirerai arparia 0egóv te xai 8aipóvcDv, [247a] xarà
ev8ekq pÉpq XEKoapqpévq. pÉvEi yàp 'Earía ev 0ecdv oixcp \ to. Pois fica Héstia41 em casa dos deuses, sozinha; e os outros,

i 41 Héstia é a deusa do lar, da estabilidade e da família. I

L 83
1 -x 82
1
I

todos os que no número dos doze foram postados como deu- \


póvr)- tgdv 8è àXXcov Ôcroí êv tcò tcòv Scóôexa àpi9pco
TETaypévoi 9eoi apyovTeç qyoúvTai Kccrà tÓÇiv qv ses dirigentes, guiam na ordem em que cada um foi posto. \\
Assim, numerosas e beatíficas são as visões e os trajetos den­
eKaaroç èráxQi]. iroXXai pèv oúv Kai paKapiai 9éai te
Kai 8iéÇo8ot evtoç oúpavou, àç 9egüv yévoç eó8atpóva)v tro do céu, os quais a feliz raça dos deuses executa em círcu­
ETncrrpÉq>ETai Trpávrcov EKacrroç auTÔv tò oÚtou, ettetoi los, fazendo cada um sua tarefa e lhe seguindo o que sempre
1 í 8è ó aEi eOéXgdv te kqí 8uvápEvoç- <p9óvoç yàp eÇgd 9eíou quiser e puder; pois a inveja está fora do coro divino. Ora,
quando ao banquete e ao festim eles vão, até o ápice [247b]
Xopou taraTai. otqv 8e 8q irpàç 8atTa Kai ettí 9oívqv
da abóbada infraceleste eles em ascensão caminham, em acli-
icoaiv, aKpav ettÍ ttjv [247b] úiTOupáviov áytôa
ve que os veículos dos deuses, equilibrados e de boas rédeas,
TTOpEÚovTat Trpòç avavTEÇ, rj 8q rà pèv 9egdv òxÚpaTa
1 facilmente vencem, enquanto os outros o fazem com dificul­
laoppóircDÇ Eurjvia ôvra pç8ícoç iropEÚETai, rà 8e àXXa
\ dade; pois fica pesado o cavalo que tem um tanto de ruinda­ I
I póyiç- Ppí9et yàp ó xqç KÓKqç ittttoç pETÉ^GOv, ettí Tqv
de, pendendo para a terra e pesando ao cocheiro que não for
yqv péncov te Kai ^apóvcov cp pf| KaXcòç qv TE9pappévoç
bem adestrado. É então que uma prova, uma luta suprema
tüv qvióycDV. ev9a 8q ttovoç te Kai àycov ÈaxaT°Ç vpuXÍÍ
se propõe à alma. As que se chamam imortais, quando che­
i. ’ TTpÓKEvrat. ai pèv yàp à9àvaTOt KaXoúpEvat, qvÍK’ àv
gam ao cimo, caminham para fora e se erguem sobre o dorso
h i < Trpòç aKpcp yÉvcovTai, eÇgd Trop£u9Eiaai Ecrrqaav ettí tcò
[247c] do céu, e assim erguidas a circunvolução as leva e elas
tou oúpavou [247c] vÓtcü, aráaaç 8è aúràç TtEpiáyEi q
!1
t •‘ TTEpupopá, ai 8è 9£copoúai tò eÇco tou oúpavou. contemplam o que está fora do céu.
Este lugar supraceleste nem ainda o celebrou em hinos
I tÒv 8è úiiEpoupáviov tÓttov oute tiç üpvqoé ttgd
TGDV TT|8e TTOtqTqÇ OUTE TTOTE ÚpvqOEl KOt’ àÇlOV. EXEl 8é
nenhum poeta deste mundo, nem jamais o fará de modo dig­
no. E eis como ele se tem; pois em suma o que é verdadeiro
gd8e — ToXpqTÉov yàp ouv to yE àXq9èç eltteív, aXXcoç
deve-se ousar dizer, sobretudo quando sobre verdade se está
te Kai nEpi àXq9EÍaç Xéyovra — q yàp àxpóipaTÓç te
Talando: pois a essência que sem cor, sem figura, sem tato, no
■ !dí íífc
i i;H
Kai àaxqpÓTiOTOÇ Kai àvaipqç oúaía ovtcdç oúaa,
entanto realmente é;^p que só pelo piloto da alma, o intelec­
í

ipuxqç Ku^EpvqTq póvcp 9£aTq vô, TTEpi qv to Tqç


pode
to, p ser contemplada;
-------- x a que é patrimônio da verídica ciên- j
àXq9ouç Erncrrqpqç yévoç, toutov exet [247d] tov
tóttov. àr’ ouv 9eoú 8iàvoia vcp te Kai ETTiarqpq
cia, este é o lugar [247d] que ela ocupa. Ora, o pensamento
de um deus, de intelecçào e de ciência pura nutrido, bem co­
àKqpÓTcp TpEipopévq, Kai à-rráaqç yuxqç oarj àv péXij to
1 rrpoaqKov 8éÇaa9ai, i8oúaa 8tà xpóvou tò ov àyarrçí
mo o de toda alma que procura receber o que lhe convém,
I te Kai 9ECôpoúaa TàXq9q Tpéq>ETai Kai EÚTra9£i, egoç àv
quando com o tempo tem a visão do ser alegra-se e, contem­
|!| 11 kúkXcd q iTEpupopà eiç toÚtov TTEptEvéyKq. év 8è tij
plando as verdadeiras essências, delas se nutre e beneficia, até
que em ciclo a circunvolução o reponha no mesmo ponto. E
TTEptóScp Ka9opçi pèv aÚTqv 8tKaioaúvqv, Ka9opçt 8è
na volta que ele perfaz ele tem sob os olhos a própria justiça, I
I ! j iI :j uaxppoaúvqv, Ka9opçt 8è ETriarqpqv, oúx [] yévEOiç
a prudência, a ciência, não aquela a que se associa geração,
TrpóoEOTiv, oú8’ q eotÍv ttou ÉTEpa [247e] ev ETÉpcp

I
nem a que de certo modo é diversa [247e] por residir na di- j
ouaa g>v qpEiç vúv Òvtgdv KaXoúpEV, àXXà Tqv ev tco o
versidade dos que agora chamamos seres, mas a ciência que '
eotiv óv Óvtcdç ETriarqpqv oúaav Kai TàXXa cbaaÚTGOÇ
reside no ser que realmente é; e depois que, do mesmo modo, /
[ iu tò óvra Óvtwç 9Eaaapévq Kai EOTia9EÍaa, 8üaa TráXiv

85

1
■!

eiç to eíaco tou oúpavou, oiKaóe qX0ev. èX0oúaqç 8è


aurqç ó qvíoxoç rrpòç Tqv tpáxvqv touç Íttttouç arqcraç os outros seres que realmente são ela contemplou e deles se
irapépaXEv àp^poaíav te xai ett’ aurr) vExrap regalou, de novo mergulha dentro do céu e retorna à casa. Aí
í! i
ettÓtioêv. [248a] chegado, o cocheiro instala os cavalos no estábulo, atira-lhes
Kai outoç pèv Oegdv [3íoç- aí 8è aXXai ipuxaí, q pèv ambrosia e depois lhes dá de beber o néctar. [248a]
!■!
apiara OegS Eiropévq Kai Eixaapévq uiTEpqpEv eiç tov eÇco Esta a vida dos deuses; as outras almas, uma, a que me­
.1
tÓitov tÍ]v tou qvióxou KEipaXqv, xai aupTTEpiqvéxQq Tqv lhor segue o deus e mais se lhe assemelha, alça para o lado
itEpupopáv, 0opu[3oupÉvr) uno tgòv Íttttcov Kai póytÇ de fora a cabeça do cocheiro e é carregada na circunvolução,
i-i xaOopcòaa ià ovia- q 8è totè pèv qpEv, tote 8’ e8u, pelos cavalos perturbada e mal contemplando os seres; outra,
ptaÇopÉvGov 8è tgòv iTnrcov tò pèv e!8ev, to 8’ oü. aí 8è ora alça, ora mergulha, mas, porque forçam os cavalos, umas
! coisas vê, outras não. Quanto às demais, almejando todas o
8q aXXai Y^lX°P6vai P^v airaaai tou ava> ettovtoi,
à8uvaT0uaai 8é, uiro[3pú)(iai aupTtEpupEpovTai, alto, fazem o séquito, mas, não podendo atingi-lo, submer­
TraTouaai àXXqXaç xai ènipáXXouaai, ETÉpa [248b] irpò gem na circunvolução, pisando-se e chocando-se mutuamen­
Tqç ÉTÉpaç TTEípcDpévq Y6V£a0at. 0ópu[3oç ouv Kai apiXXa te, uma [248b] tentando ficar à frente da outra. Há tumulto
Kai í8pòç EaxaTOÇ yíyvETai, °v 8q xaxíç qvióxcov então e luta e suor extremo, e é quando por ruindade dos co­
j; iroXXai pèv XGjXeúovTai, iroXXai 8è iroXXà irrEpà cheiros muitas almas se estropiam, muitas machucam muita
Opaúovrau Trãaai 8è iroXuv Exouoat tróvov oteXeíç Tqç asa e todas, apesar da muita fadiga, sem se iniciarem na con­
i templação do ser afastam-se, e afastadas nutrem-se do ali­
tou ôvroç 0éaç àirÉpxovrai, Kai àirEX0oüaai rpoipq
I 8oÇaarq xp£>VTai- ou 5* evex’ q iroXXq airou8q to mento da opinião. Eis por que o grande esforço para ver on­
àXq0EÍaç l8eív ite8íov ou êotiv, q te 8q TrpoaqKoucra de é que está a planície da verdade, porque o pasto que con­
vpuxqç tÕ) àpíarcp vopq ek tou ekeí [248c] XEípcòvoç vém ao melhor da alma [248c] é o daquele prado, e a natu­ I
íI TuyxávEi ouaa,
’— q-j Tg TO~ -n-rgpQÜ qjvaiç, a> ipuxq
KOUlpíÇETai, TOUTCp TpéqJETat. 0EapÓÇ TE ’A8paaTEÍaÇ Ô8e.
reza da asa, que dá leveza à alma, dele se alimenta. E lei de
Adrasteia42 é a seguinte: toda alma que, acompanhante de
I :l qnç av iyuxq. 0egt ____
> auvona8òç yevopévq Karí8q ti tõv um deus, contemple algum ser verdadeiro, até o período se­
■ I) àXqOóSv,/ péxpt te Tqç ete guinte está isenta de provação, e se ela sempre o puder fazer,
■ il — -s- èT£paç iTEpió8ou Eivai àirqpova,
Kav oeí toüto 8úvqrai itoieÍv, oeÍ à{3Xa[3q Eivai- orav 8è sempre estará isenta de dano; quando porém incapacitada de

!• II
I
li! !l
t <11
aÔuva*arqaaaa £iriairÉa0ai pq i8q, Kai tivi auvruxú?
Xpqoapèvq Xq9qçA te • Kai xaxíaç TrXqa0£Íaa [3apuv0q,
acompanhar ela não puder ver e, por alguma desgraça afeta­
da, cheia de esquecimento e maldade ela pesar, e pesada ela
!< l‘| perder as asas e cair sobre a terra, então é lei que ela [248d]
Papuveãaa 8È Tnepoppunar)
pnnnrM te --Kai ÈttÍ tÍ]v Yflv néap,

!• í não se implante em nenhuma natureza animal na primeira
i

i
42 Adrasteia é a personificação da ordem à qual ninguém pode es­
capar. Neste passo, determina, pela perda das asas, a inevitabilidade da
i queda das almas, por não terem, no período de uma revolução dos céus,

II
contemplado “algum ser verdadeiro”. Encarnam primeiro nos corpos de
varões, mas vêm a sofrer em existências futuras os destinos que as suas
deficiências lhes imponham.
■ . 86

; i 87
r.
r
geração, mas a que mais viu se implante no sêmen de um ho­
' 1 tÓtê vópoç xaúxqv [248d] pf| <puxEÜaai eiç pqóepíav mem que se tornará amigo do saber ou amigo de beleza, ou
QqpEiov (púaiv èv xg Trpcóxr) yEvéaEi, àXXà xfjv pèv algum músico ou algum amoroso; e que a segunda seja no de
r h- í TrXeicrra í8oüoav eiç yovqv àv8pòç yEvqaopévou um rei que ande na lei ou seja guerreiro e saiba comandar, e

i .
I IplXoaÓlpOU T] (piXoKÓXoU T] pOUOlKOU TIVOÇ Kai EpCDTLKOÜ,
xrjv 8è ÓEUTEpav eiç PaaiXécoç èvvópou q iroXEpiKOÜ Kai
a terceira no de um político ou de algum administrador e fi­
nancista; e a quarta no de um ginasta que ame o exercício ou
‘ li ii i. àpytKoü, xpíxqv eiç ttoXltikou q xivoç otKOvopiKoü q de alguém que se dedique à cura do corpo; a quinta terá uma
ypqpaxtaxiKOÜ, xExápxqv eiç qnXoiróvou q yupvaaxtKOÜ q vida de adivinho [248e] ou de algum oficiante de iniciação;
TTEpi acópaxoç laaív xtvoç èaopévou, TtépTrrqv pavxiKÒv à sexta corresponderá o que faz poesia ou qualquer outro dos
ÍP [Bíov [248e] q xtva TEXEcmKÒv EÇouaav- ekxtj rrotqxiKÒç q que tratam de imitação; à sétima um artesão ou lavrador; à
TGÒV TTEpi pípqaív TLÇ âXXoÇ áppÓGEt, EpSÓpr) oitava um sofista ou um demagogo; à nona um tirano. Em
ôqptoupytKÒç q yECopyiKÓç, òySóq aoqnaxiKÒç q todas estas séries o que leva uma vida justa participa de me­
SqpoKOTTtKÓç, èváxq xupavvtKÓç. ev 8q xoúxotç airaatv lhor sorte, e de pior o que injustamente vive; com efeito, ao
oç pèv av SiKaítoç 8iayáyq ápeívovoç poípaç mesmo ponto de onde vem, cada alma não chega antes de
' i!
li ■ pExaXap[3ávEi, oç 8’ av à8ÍKcoç, yEÍpovoç- eiç pèv yàp xò dez mil anos — [249a] pois não cria asa antes de todo esse

I
aüxò o0ev qKEt q yuyq EKÓoTq ouk cupiKVEixai exgSv tempo —, salvo a do que sem fraude amou a sabedoria ou
ip pupícov — [249a] oü yàp irxEpoüxat irpò xoaoúxou com amor à sabedoria gostou dos jovens; estas no terceiro
Xpóvou — irXqv q xoü qnXoaoipqaavxoç à86XcDÇ q período milenar, se por três vezes seguidas escolherem esta

...I li
Trai8Epacrxqaavxoç pExà (piXoaoipíaç, aüxat 8e xpíxq vida, tendo assim criado asas no terceiro milênio vão embo­
TTEptó8cp xq yiXiEXEt, èàv eXcdvxqi xpiç èqjeÇqç xòv [Bíov ra. As outras, quando terminam a primeira vida vão a julga­
mento e, julgadas, as que foram aos tribunais subterrâneos
I
xoüxov, ouxgd TrrEpGüQEÍaai xpiayiXioaxã) exei
aTTÉpyovxai. aí 8è aXXai, oxav xòv TTpôòxov ^íov recebem justiça, enquanto as que pela justiça foram elevadas
xEXEuxqawaiv, KpíaEGDç Exuyov, KpiOeiaai 8è aí pèv eiç xà a algum lugar do céu, levam vida digna da que em [249b]
üirò yqç 8iKaiGDxqpia èXQouaai Síxqv ekxÍvouoxv, ai 8’ forma humana viveram. No milésimo ano, quando umas e
I eiç xoüpavoü xtva xóirov üirò xqç AÍKqç KOu<pia0EÍaai outras chegam a sorteio e escolha da segunda vida, escolhe
i 8iáyouaiv àÇícuç ou èv [249b] àvQpcóirou ei8ei E^ícDoav cada uma a que quiser; aí, não só a uma vida de animal pas­
Piou, xã) 8è xtXioaxã) àpcpóxEpat cupiKvoúpEvat ettí sa uma alma humana como também de animal o que outro-
KXqpGoaív xe Kai aípEOiv xoü 8£uxépou [Bíou aípoüvxat ov ra era homem passa de novo a homem; pois não passará a
1>i:!i av 0éXq EKÓaxq- Ev0a Kai eiç 0qpíou [Bíov àv0payrrívq este esquema o que jamais viu a verdade. Pois carece que ho­
i; |l| I hl vpuyq ÓKpiKVEÍxai, Kai ek 0qpíou oç ttoxé av0pa>xroç qv mem entenda segundo o que se chama ideia, de muitas sensa­
•1I i TráXtv eiç av0pG)Trov. oü yàp q yE pqiroxE í8oüaa xqv ções indo [249c] à unidade, por raciocínio concebida; e isto
i | aXq0Eiav eIç xó8e q^Et xò ayqpa. 8eÍ yàp àv0pGDirov é reminiscência daqueles seres que outrora viu nossa alma,43
li!
Hli auviévai Kax’ ei8oç XEyópEvov, ek ttoXXcov iòv
« O passo assimila à reminiscência o “entender segundo o que se
ü
I .
chama idéia”, logo adiante .dent.ficado com a “reflexão do filosofo (tou

! 89
88
7i
!h aiaQqcrecov [249c] eiç êv Xoyiapcp auvaipoúpEvov toúto
5’ eotiv àvápvqaiç êxeivcdv a ttot’ ei8ev qpóSv q ipu\f|
quando caminhou com um deus e de cima olhou o que ago­
ra nós afirmamos que é, e para cima virou-se ao que essen­
cru piro peuôeíaa Oecp Kai ÚTiEpi8ouaa a vuv Eivai tpapEV, cialmente é. Eis por que justamente só cria asa a reflexão do
Kai àvaxúyaaa eiç tò ôv ovtgdç. 8iò 8q 8ixaÍGDÇ póvq filósofo; pois àqueles seres sempre remonta de memória, con­
1 forme pode, aos quais justamente remonta um deus por ser
TTTEpoÜTai q tou ipiXoaóipou Siávoia- Ttpòç yàp êkeÍvoiç !
iK I Òeí eotiv pvqpq xarà 8úvapiv, Ttpòç oíortEp 0eÒç gdv divino. Ora, quando de tais lembranças corretamente se uti­
0eíÓç eotiv. toíç 8e 8f| toioutoiç àvqp óiropvqpaaiv liza um homem, e em perfeitos mistérios perfeitamente se ini­
Òp0G)Ç XpÓpEVOÇ, TéXÉOUÇ OEl TeXeTOÇ TEXoÚpEVOÇ, TeXéOÇ cia, é o único a se tornar essencialmente perfeito; como to­
ovtgdç póvoç yíyvETai- EÇiorápevoç 8è tgdv [249d] davia ele se afasta dos [249d] humanos interesses e ao divino
àvOpGDirívcDv cnrou8aapáT(jDv Kai irpòç tcò 0eÍco se volta, é advertido pela maioria como se em falso se mo­
1 vesse, mas na verdade divinamente possesso não o percebe a
yiyvópEvoç, vouOeteÍtoi pèv úirò tgdv ttoXXxdv gdç
itapaxivcDv, ÈvOouoiÓÇgdv 8è XéXq0Ev touç TtoXXoúç. maioria.
<' IF f; E aqui então que vem dar todo o discurso sobre o quar­
'•:.l EOTl 8f| OUV 8EÜpO Ó TtÕÇ T]KGDV XÓyOÇ TTEpi Tqç
TETápxqç pavíaç — qv otov to tij8é tiç ópGDv to tipo de delírio — aquele em que alguém, vendo a beleza
I ■ por aqui e lembrando-se da verdadeira, cria asa e de novo
■ •’ xaXXoç, tou àXqOouç ávapipvqoxópEvoç, TrtEpGDTaí

n i TE xai àvaiTTEpoÚpEVOÇ TTpO0UpoÚpEVOÇ


àvaTrréoOai, ÒSuvotgdv 8é, opviOoç 8íxqv PXettgdv
alado deseja alçar voo; mas como não pode e à maneira de
um pássaro fica a olhar para cima, descuidando do que está

"llil! I
•‘I âvw, tgdv xÓtgd 8e àpEXÔDv, airíav é\ei gdç pavixébç
8taxEÍpEvoç — gdç [249e] apa autq ttoogdv tgdv
EvOouaiáoEcov àpíorq te xai eÇ àpíoTGDv tgd te
embaixo, é acusado de estar em delírio — sim, pois [249e]
esta, de todas as formas de possessão divina, vem a ser a me­
lhor e de melhores elementos constituída, não só para o que

d • !i|l e\ovti xai tgd xoivgdvouvti aÚTqç yíyvETai, xai oti


TaÚTqç pEréyGDv Tqç pavíaç ó èpcÒv tgdv xaXcbv
a tem como para o que a ela se associa, e porque deste delírio
participa o que ama os belos, amante se chama.\Pois tal cct-
èpaarqç xoXeitoi. KaOáitEp yàp Eipqjai, Ttãoa pèv mo foi dito, toda alma de homem por natureza contemplou

III civ0pcDTTOu vpuyq q>úoEi teOéotoi tò Ôvto, q oúx av os seres, senão ela não teria vindo [250a] a este animal;(mas

IIill Ü/1 qX0£v [250a] eiç tó8e tò Çgdov àvapipvrjOKEaOai 8è


ex tgdv8e ÈKEiva ou pç8iov cxTraar), outé ooai
^pa^ecoç ei8ov tóte tÒkeí, oü0’ aí 8eüpo TtEooúaai
lembrar aqueles a partir destes não é fácil para qualquer al­
ma, nem para quantas brevemente viram então os de lá, nem
para as que tiveram a desventura de aqui tombarem e por
I i l!i È8uarúxqoav, cdote útró tivgdv ópiXicov ettí tò efeito de algumas companhias se voltarem para o injusto e
Im aSixov TpairópEvai Xq0qv g>v tote ei8ov lEpcov esquecerem as sagradas visões que então viram. Poucas então
restam que tenham consigo, suficientemente, o dom da me-
hri!! e\Eiv. òXíyai 8q XeÍttovtoi aiç tò Tqç pvqpqç íxavcoç

<piXoaó<pou óiávoia). Na continuação (249c-d), o texto grego joga com


f termos da família de téXoç (“fim” — téXeoç, “perfeito”, e TeXerq, “inicia­

jI ção” nos mistérios) visando a mostrar que o sentido da vida se colhe na


tentativa de recuperação do divino mediante a contemplação da beleza.

91
, ? e/ »/ ~ ~ t
Trapecmv auTai òe, oxav ti tgdv exei opoicopa mória; e estas, quando veem algum símile dos seres de lá,
I. i íôcoaiv,- EXirXqTrovTai xai oÚxet’ ev aÚTÓSv perturbam-se e não mais ficam em si mesmas, mas o que ex­
YÍYVOVTat> 8 8’ eari tò ttó0oç aYvooucn [250b] 8ià perimentam ignoram, [250b] por não o perceberem suficien­
tò pq íxavóóç 8iaio0avEa0ai. temente.

il
s
■' r
8ixaioaúvqç pèv ouv xai aaxppoaúvqç xai ôaa
âXXa TÍpta yuyaíç oúx evéoti <pÉYYoÇ oúSèv ev toíç tij8e
De justiça, entretanto, de prudência e quanto mais é pre­
cioso para as almas, não há nenhum brilho nos símiles daqui,
■u mas por turvos instrumentos, de si já difíceis, poucos vão às
* ! ópotópaaiv, àXXà 8i’ àpuSpcòv òpYÓvGDv pÓYtÇ aÚTCÒv
xai ÓXÍYOl ElTl TCXÇ Eixóvaç lOVTEÇ 0EÕ)VTai TÒ TOU imagens e por elas contemplam o gênero do imaginado; be­

il I eixaaOévTOÇ y^voç- xáXXoç 8è tot’ qv i8eív Xapirpóv, leza porém então se podia ver brilhante, quando em feliz co­

I ote auv EuSaípoví x°P(í) pa^apíav Òipiv te xai 0Éav,


EirópEvoi pETa pèv Aiòç qpEÍç, áXXoi Sè pET* áXXou 0ecdv,
e18óv te xai eteXoüvto tgòv teXetõv qv 0épiç Xey^iv
ro um espetáculo de benéfica visão se via, nós seguindo com
Zeus e outros com outros deuses, e se procedia a uma inicia­
ção que é lícito afirmar [250c] ser a mais beatífica de todas,
U
[250c] paxapiWTaTqv, qv cbpYiáÇopev óXóxXqpoi pèv a qual celebrávamos quando íntegros éramos nós mesmos,
aÚToi Òvteç xai ána0EÍç xaxcòv ôaa qpãç ev úorépcp isentos de quantos males em tempo posterior nos aguarda­
Xpóvcp uiTÉpEVEV, óXóxXqpa 8è xai airXã xai crrpEpq xai vam, e íntegras, simples, tranquilas e felizes eram as aparições
EÚSaípova cpáapaTa puoúpEvoí te xai ettottteúovteç ev que iniciados contemplávamos em luz pura, porque éramos. i
I ■; auYÕ KaOapç, xaOapoi Ôvteç xai àaqpavTOi toutou ô puros e não tínhamos a marca deste sepujcro que sobre nós
vüv 8q awpa irEpupépovTEÇ òvopáÇopEv, òarpÉou agora trazendo chamamos corpo, a ele atados_çomo-ostra_à
TpÓTTOV ÔEÓEapEUpévOl. concha.
Ü| ) Isto portanto à memória se reconheça, pela qual por
|!l| TauTa pèv ouv pvqpq XExapíaOcD, 8i’ qv ttóOco tgdv
' ilii; tÓte vüv paxpÓTEpa EipqTai- TtEpi 8è xáXXouç, coaiTEp
saudade dos seres de então agora demais se falou; e sobre a
ÉITTOpEV, [250d] pET* EXEÍvGDV TE EXapTUEV OV, ÔEÜpÓ t’ beleza, como dissemos, [250d] entre aqueles ela brilhava em
í
SI eX0Óvteç xaTEiXíppapEV aÚTÒ 8tà Tqç EvapYEcrráTqç
aiaOqaEGOç tcòv qpETEpcov aríXpov EvapYÉaraTa. Óipiç
YÒp qpiv òÇuTÓTq tôv 8ià toü acópaTOÇ è'pxETai
seu ser, e aqui vindos nós a percebemos através do mais cla­
ro dos nossos sentidos, a fulgir com a máxima claridadeJPois
avista é a mais aguda das percepções que nos vêm_pelo cor-
aiaOqaEGDv, rj tppóvqaiç oúx ópcnrai — 8eivouç y^P &v po e no entanto por ela a inteligência não se vê — pois terrí-
veis amores esta suscitaria, se igualmente desse deji mesma
■napEtxEv EpcoTaç, ei ti toioütov èauTqç èvapYèç EiScoXov
- í uma clara imagem dirigida à vista — e tudo mais que é amá-
irapEixeTO eiç ôipiv ióv — xai TaXXa Ôaa èpaará- vüv 8è
i vel;\mas agora só beleza teve esta sorte de ser o que há de
xáXXoç póvov TaÚTqv eqx6 poípav, coar’ EXipavéaraTov
Eivai [250e] xai èpaapiÓTaTov. ó pèv ouv pq veoteX^ç q mais evidente [250e] e mais amável. Por conseguinte, o não
' ! |’lll 8iE<p0appÉvoç oúx òÇécoç Èv0ev8e EXEiaE q>épETai irpòç recentemente iniciado ou o corrompido não é com presteza
. | ihii

44 O “corpo” (oõpa) é caracterizado como o “sepulcro” (orjpa) da


alma. Esta teoria assoma noutros diálogos: no Crátilo (400b-c), no Gór-
I .. gias (493a) e no Fédon (<ppoupó, “prisão”, 81 b-d).

L
7\ 92

__
93
■í

í
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aúrò rò kóXXoç, 0£ÓpEvoç aúrou Tqv TrjSe ETTCDvupíav,
cüot’ oú aé^ETai irpoaopõv, ÓXX’ q8ovrj Trapa8ouç
TETpáiroÓoç vópov paívEiv EiTixeipei xai iraiSocnTopeiv,
que daqui para lá se transporta, para a própria beleza, quan­
do contempla o que aqui está sob seu nome, e assim ele não »
Kai[uf3g^TTpoaopiX<í)v oú 8é8oikev [251a] oú8’ respeita quando dirige o olhar, mas ao contrário, rendido ao
aia^úvetot rtapà <púatv q8ovqv Sigdkcov- ó 5è àpTtTeXqç, prazer, põe-se a andar na lei do quadrúpede e a procriar, e
Ó TQV TOTE TToXu0EÓpGDV, OTQV 0EO£l8ÈÇ TTpÓOGOTTOV Í8q familiarizando-se com a desmedida não tem receio [251a]
kóXXoç eu pEpiprjpÉvov q riva aóSparoç i8éav, TTpGÒTOV
nem vergonha de perseguir prazer contra a natureza; porém
pèv EippiÇE KQÍ Tl TÓDV TOTE ÚTTqX0EV aúròv 8EipaTGDV, o recém-iniciado, o que muito contemplou os seres de então,
quando vê algum rosto de aspecto divino que bem imitou a
erra Trpoaopcòv cbç 0eÒv aépETat, Kai ei pq e8e8íel Tqv
I beleza, ou algum corpo ideal, primeiro ele estremece e furti­
rqç a<pó8pa pavíaç 8óÇav, 0úoi av cbç àyóXpaTi Kai
0eõ toíç Ttai8iKOLÇ. Í8Óvtq 8’ qutÒv oíov ek Tqç cppÍKqç vamente o assalta algo dos assombros de então; depois, diri­
pETa^oXq te [251b] Kai í8pà)ç Kai 0Eppórqç àq0qç gindo-lhe o olhar, venera-o como a um deus e, se não temes­
XapPávEv 8eÇÓpévoç yóp tou kóXXouç Tqv àTroppoqv se a fama de uma extrema loucura, ele sacrificaria ao namo­
!■
8lÓ TGDV ÒppÓTGDV E0EppÓv0q í] q TOU TTTEpOU tpÚaiÇ rado como se faz à imagem de um deus. E desde que o viu,
| como se fosse do tremor, uma mudança [251b] nele se opera,
I
dpSETai, 0EppaV0£VTOÇ 8è ÊTÓKq TO TTEpi Tqv EKcpüOLV, CL
rróXai úirò aKXqpÓTqroç auppEpuKÓra EtpyE pq um suor, um calor desusado; pois tendo pelos olhos recebido
j pXaarávEiv, ETTtppuEÍaqç 8è rqç rpocpqç cp8qaé te Kai a emanação da beleza ele se aqueceu, com o que se umedece
a natureza da asa, e uma vez aquecido, fundem-se os elemen­
coppqaE q>ÚEa0ai àirò rqç píÇqç ó tou rrcEpou KauXòç
í h- ÚttÒ ttóv to Tqç yuxqç ei8oç- rráaa yóp qv to TróXat tos de expansão daquela natureza, os quais de há muito fe­

I irtEpGíTq. [251c] Çeí oúv ev TOÚTCp ÓXq Kai àvaKqKiEt, Kai


OTTEp TÒ TCOV Ó8oVTOq>UOÚVTO)V TtÓ0OÇ TTEpi TOUÇ Ò8ÓVTOÇ
yíyvETai orav âpri ipucoaiv, Kvqaíç te Kai àyavÓKTqoiç
chados por endurecimento impedem a germinação, mas com
o afluxo do alimento intumesce e passa a crescer desde a raiz
o talo da asa, sob toda a forma da alma; pois toda ela outro-
TTEpi TÒ oÚXa, TaÚTOV 8q TTETTOV0EV q TOU TTTEpoqJUElV ra era alada. [251c] Fervilha então neste momento toda ela
àpxopévou ipu^q* Çei te Kai àyavaKTEt Kai yapyaXíÇETat e ressuma, e aquilo que no processo da dentição se sente com
(púouaa tò TTTEpa. Ôrav pèv oúv [SXéTrouaa Trpòç to tou
os dentes que estão a nascer, comichão e irritação nas gengi­

I
vas, é o mesmo que sente a alma do que começa a emplumar:
Trai8òç kóXXoç, ÈkeÍ0ev pépq eTTtóvra Kai péovT’— a 8q
8ià Taúra 'ípepoç KaXEvrat — 8exopévq tov tpEpov fervilha e se irrita em pruridos ao lhe nascerem as plumas.
Quando, portanto, olhando para a beleza do menino, dali
ap8qraí te Kai 0Eppaivqrai, Xaxpç te rqç Ó8úvqç [251 d]
recebendo partículas que em fluxo sobrevêm — que precisa­
Kai yÉyq0Ev orav 8è x<opiç yévqrai Kai aúxpqay, tò
mente se chama o fluxo do desejo45 —, ela se umedece e aque­
tcòv 8ieÇ68gov arópara ij tò irrepòv óppçt,
ce, então alivia-se da dor [251 d] e tem alegria; quando porém
I auvauatvópEva púaavra ÓttokXt|ei Tqv pXóarqv tou
TTTÉpOU, q 8’ EVTÒÇ pETCX TOU ípÉpOU ÓTTOKEKXqpÉvq,
ela fica longe e emurchece, os bocais dos condutos por onde
■ ‘i‘s ■ '
se lança o plumado se ressecam todos e, fechados, intercep-

■rí
I J1
45 Adiante (255c), “vaga do desejo”; interpretação de ípepoç (“dese­
jo”), jogando com iévai (“avançar”) e pépoç (“parte”).
r

94
95
7 I
li I
S '
irq8còaa oiov rò oqjúÇovra, rrj 8teÇó8cp EyypÍEi exaorq tam o germe da pluma e este, interceptado lá dentro com o
fluxo do desejo, a saltar como as batidas do pulso, vem ar­
d
rrj ko0’ aúrqv, cóare irãaa KEvroupévq kÚkXcd q ipuyq
í oiarpçí Kai ó8uvãTai, pvqpqv 8’ au e^ovoa tou KaXoü ranhar no conduto, cada um no seu, de modo que a alma to­
yéyq0Ev. êk 8e àpipoTÉpwv pEpetypévGDv àóqpovEÍ te Trj da picada em volta se desvaira de dor, mas por outro lado, à
i ÒTOItíç TOU TTÓ0OUÇ Kai aTTOpOÜaa XuTTÇ, KOI EppavqÇ [lembrança que tem do belo,Jenche-se de alegria. Misturados

[25le] oúaa oute vuktoç 8úvarai ko0eú8eiv oute pE0’ os dois sentimentos, êlaTnquieta-se com a estranheza do seu
qpépav oú av q pévEtv, 0eí 8è iro0ouaa ônou av oiqrai estado e, sem saída, se enfurece; e delirante, [25le] nem de
ôyEa0ai ròv EyovTa rò kóXXoç- i8oüaa 8è Kai noite ela pode dormir nem durante o dia ficar onde está, e
ETtoxETEuaapÉvq ípEpov eXuqê pèv rà tote corre ansiada para onde pensa que verá o que tem a beleza;
:V ’ aupTTE<ppaypÉva, àvairvoqv 8è Xa^oGoa KÉvrpGDv te Kai mas desde que viu e sobre ele derivou o fluxo do desejo, sol­
d>8ívcov ÍXqÇev, q8ovqv 8’ aú raúrqv yXuKUTÓTqv ev rcp ta o que então estava obstruído e, tomando fôlego, acaba
[252a] rrapóvTi xapirourai. Ô0ev Ôq EKoúaa Eivai ouk com picadas e dores, e então é este prazer delicadíssimo que
àtroXEÍTTETai, ouSe riva tou KaXoú iTEpi ttXeiovoç no [252a] momento ela colhe. Daí sem dúvida, por vontade>
sua, ela não se remove, nem de ninguém mais faz caso senão I
li: • noiEirai, àXXà pqrépGov te Kai à8EXq>óòv Kai èraípcov
'Ni ttÓvtgdv XéXqarai, Kai oúaíaç 8i* àpéXEiav
do belo, ao passo que de mãe, de irmãos, de amigos ela es- /

àiToXXupévqç irap’ ou8êv rí0Erai, vopípoov 8è Kai quece, e fortuna perdida por incúria ela tem por nada, e nor­
mas e conveniências de que antes se adornava, tudo ela des-
í f■ Euaxqpóvcov, oiç irpò tou EKaXXcDTríÇETO, itÓvtgdv
1 !!
!
i:í Karaqjpovqaaaa 8ouXeueiv Eroípq Kai Koipãa0ai ottou
av eç tiç eyyutÓtcd tou ttó0ou- trpòç yàp tcò aépEC0ai
preza, pronta a se escravizar, a se deitar onde lhe permitirem
que esteja mais perto do seu desejo; pois além de venerar o W- I
!; li ir li ròv to kóXXoç [252b] Eyovra larpòv qupqKE póvov tgdv ser que tem [252b] a beleza, nele somente ela encontrou o
I médico das maiores penas. Esse estado, ó belo jovem a quem
pEyíOTGOV IlÓVGDV. TOUTO 8È TO 7TÓ0OÇ, (b Traí KaXÉ, TTpOÇ
1 II ’ óv 8q poi ó Xóyoç, av0payrroi pèv Epcora òvopáÇouoiv, se dirige o meu discurso, os homens o chamam de amor e os
0eoí 8è o KaXoúaiv aKoúaaç eikótgoç 8ià veórqra deuses, se ouvires como o chamam, naturalmente rirás em
íl :> yeXáaq. Xéyouai 8è oipaí tiveç 'OpqpiÔõv ek tgdv
tua mocidade. Citam, penso eu que alguns homeridas,46 de
seu repertório épico, dois versos ao Amor, o segundo dos
CHTO0ÉTCOV ÈlTGDV 8ÚO ÊTtq EIÇ TOV EpíOTO, G)V TO ETEpOV
■ I
í| úppiariKÒv irávu Kai ou a<pó8pa ti ÈppETpov úpvoüai quais é bem desabrido e não lá tão bem harmônico; e assim i
li| 8èg)8e-[252c] os entoam: [252c]

1
•7 ’

‘ròv 8’ qroí 0vqroi pèv epwTa KaXoúai Trorqvóv, “É o que mortais, sim, Amor volátil chamam
àOávaTOl 8è ITrépcoTa,
à0ávaroi ITrép- 8ià irrepcxpÚTop’ àváyKqv.’ e imortais o Alado, por força de criar asa.”

7 I
7 46 Corporação de poetas da ilha de Quios que alegavam ser descen­
' I li T
dentes de Homero e se dedicavam à recitação dos seus poemas.

I 96
97
3 :
toutoiç 8i] eÇêoti pèv TtEÍ0ea0ai, eÇecmv 8è pq- Nestes versos, sem dúvida, um pode crer, pode não crer;
Ôpcoç 8è q y6 avrícx Kai to irá0oç tgòv èpcúvTCDV touto todavia, quanto à causa e ao estado dos amantes, eis o que
ekeívo tuyxávEi ôv.
precisamente se dá.
tgdv pèv ouv Aiòç ÒTra8ã)v ó Xqq>0EÍç epPpiOearepov Se então foi dos acompanhantes de Zeus o que se deixou
8úvaTai tpépeiv to tou TTTEpcüvúpou ay0oç- Ôaoi 8è prender, com mais firmeza pode carregar o fardo do deus cujo
’ApEGDÇ TE 0EpaiT6UTaÍ KCU. pET* EKEIVOU TTEplETtoXoUV, nome em sua asa ele tem; quantos porém foram servos de

í '
oxav ún’ ’zEpG)TOÇ àXcõai Kaí ti oiq0còaiv à8iKEio0ai
UTtÒ TOU Epcopèvou, q)OVlKOÍ KQl ETOtpOl Ka0lEp£U£lV
Ares e com ele faziam o circuito, quando por amor se pren­
dem e pensam sofrer alguma injustiça do amado, são incli­ í
i auToúç te Kai tò TraiSiKCL [252d] Kai outgd Ka0’
EKaarov 0eóv, oú EKaaroç qv xopeurqç, êkeívov Tipõv te
Kai pipoúpEvoç eiç tò 8uvqtÒv Çq, ecoç av q à8iá<p0opoç
nados ao crime e prontos ao sacrifício não só de si mesmos
como dos namorados. [252d] E assim, conforme/cadajkus.
^e_cujo coro foi membro, honrando-o e imitando-o quanto
Kai tqv tq8e irpcÓTqv yèvEaiv [SiOTEÚq, Kai toutcd tco possível cada um vive, enquanto não estiver corrompido e I
Tpóircp TTpÓÇ TE TOUÇ ÈpCDpEVOUÇ Kai TOUÇ âXXoUÇ ÓpiXcí aqui viver a primeira geração, e é neste sentido que com os
ip li; TE Kai TTpoaipépETai. TÓV TE OUV EpCOTa TCOV KaXcÒV TtpOÇ
TpÓTTOU EKXÉyETat EKaOTOÇ, Kai CDÇ 0EOV OUTOV ÊKEIVOV
amados se relaciona e se comporta./Portanto, o amor dos be­
los jovens cada um o escolhe do seu jeito, e como se fosse
ÒvTa EauTcp oiov ayaXpa TEKTaívETaí te Kai propriamente um deus o jovem, cada um fabrica e adorna
I KaTaKoapEÍ, cbç [252e] Tipqacov te Kai òpyiáoGDv. oí para si uma imagem dele, como [252e] para honrá-la e ren-
pèv 8q ouv Aiòç 8tóv Tiva Eivai ÇqTOuai Tqv ipuyqv tov der-lhe secreto culto. Aqueles então que foram do séquito de
I uq>’ auTcõv epópEvov OKOTtoúaiv ouv EitaiXóaocpóçjrE Zeus procuram que algum Zeus seja de alma o por eles ama­

Í! I; V Kai qyEpoviKÒç Tqv tpúaiv, Kai orav aÚTÒv EupovTEÇ


epaaOõai, irãv iroioüaiv ottcdç toioútoç íarai. èàv ouv
do; examinam semeie é de naturez^amigojdo_sab_e„r\e apto à
liderança, e quando o encontram e o amam, tudo fazem pa­
pq irpÓTEpov èp^Epcbai tcü EiriTq8EÚpaTi, tote ra que assim ele seja. Se portanto anteriormente não se em­
i
EirixEipqaavTEÇ pav0ávouaÍT£ o0ev av ti 8úvcovTai Kai penharam na tarefa, agora que lhe puseram as mãos apren­
;;í- auToi pETÉpyovTai, ixveúovteç 8è irap’ eoutcov dem de onde puderem e por si mesmos prosseguem, e uma
i ■
ív IJ àvEupíoKEiv [253a] Tqv tou aipETÉpou 0eou ipúaiv
EUTropoüai 8ià to ouvtÓvgoç qvayKao0ai irpòç tov 0eÒv
vez na pista por si mesmos logram descobrir [253a] a natu­
11 reza do deus que lhes é próprio, à força de intensamente olha­
PXetteiv, Kai EtparrrópEvoi aúrou tij pvqprj

I
rem na direção do deus, e quando o atingem pela memória e
I Èv0ouaiõ)VTEÇ èÇ ekeivou XapPávouai tò E0q Kai to por ele se deixam possuir, dele tomam os hábitos e as ocupa­
|m I ETtiTqSEÚpaTa, Ka0’ oaov 8uvaròv 0eou áv0p(ÓTTcp ções, tanto quanto é possível a um homem ter de um deus; e

p I; ;
pETao^eiv- Kai toutgov 8q tov èpcópEvov avnópcvot éti as causas disso atribuindo ao amado, ainda mais o estimam,
te pãXXov àyairõai, Kav ek Aiòç àpÚTGDaiv coairEp aí (
! ; e embora tirem da fonte de Zeus como as bacantes, sobre a
PÓKyai, èiti Tqv tou èpwpÉvou vpuyqv ettovtXouvteç
tUf ! iÜ : 1
Tioiouaiv gÒç 8uvaròv [253b] ópoióraTOv tõ> aipETÉpco
alma do amado eles entornam e o fazem o mais possível
[253b] semelhante ao deus que lhes é próprio. Quando por
0EÕ. oaoi 8’ au p£0’ ,zHpaç eiitovto, [BaaiXiKÒv outro lado com Hera seguiram, um tipo régio procuram e,
ÇqTOÚai, Kai EÚpóvTEç TtEpi toütov TtávTa 8pcòaiv tò depois que o encontram, com ele em tudo agem do mesmo
Jíj
I
98 99

i
Â
i
i
aura, oí 8è AttÓXXgdvoç te Kai ekÓotou tgdv 0eg>v outgd modo. E os que foram de Apoio, bem como os de cada um
kotò tov 0eÒv iÓvteç ÇqTOÍioi tÒv a<pÉTEpov Traíóa dos deuses, andando conforme o deus, procuram que assim
TTEtpUKÉvat, Kai OTQV KTqCTCDVTat, pipOUpEVOl QUTOÍ TE seja o natural do seu menino, e quando o conquistam, imi­
Kai tò iraiÓtKà iteí0ovteç Kai pu0píÇovTEÇ éiç to ekeÍvou tando eles mesmos o deus e persuadindo e disciplinando o
I namorado levam-no à ocupação e ideia daquele deus, con­
: 1 ÈiuTqÓEupa Kai I8èav ayouatv, Ôor) ekóotco 8úvapiç, I
OU <p0Óvcp OÚ8’ àv£\EU0Épcp SüOpEVEÍç ypGDpEVOl TtpOÇ forme o poder de cada um, sem ter-lhe inveja nem ignóbil
tò itatôiKá, àXX’ Eiç ópotÓTrfta [253c] aÚTOtç Kai tcò malquerença, mas ao contrário, tentando levá-lo o mais pos­
0eõ ov av Ttpcòai irãoav teÓvtcdç otl páXicrra sível a uma semelhança [253c] consigo mesmo e com o deus
TTEípcSpEVOl dyELV OUTCO Ttoiouat. Ttpo0upía pèv OUV TG)V que honram, total e absoluta, assim é que agem. Por conse­
0. guinte, a aspiração dos verdadeiros amantes, a sua iniciação
i: U) óç à\r)0(jòç EpcúvTcov Kai teXet^, èáv y£ SiairpáÇcDVTai
2 o itpo0upouvTai í) XÉyGD, outcd KaXq te Kai EuSatpoviKq se conseguem aquilo a que aspiram pelo modo como estou

N‘ 5 úirò tou 8i* epcoTa pavévTOÇ tpíXou tõ> <piXq0évri dizendo, eis com que beleza e felicidade se produz para o
amado que o amigo em delírio de amor tenha conquistado;

í
yíyvErai, èàv aipE0q- áXíaKETai 8è 8q ó aípE0EÍç toicoSe
Tpóircp. e deixa-se prender o que é conquistado, do seguinte modo:
KaOáiTEp ev àp^rj toü8e tou pú0ou Tpiyrj 8tEiXopEV Como no início deste Imito ém| três partes dividimos ca­
cn vpuyqv EKÓaTqv, ÍTrrropóp<pco pèv 8úo tive eí8q, qvioyiKÒv da alma, duas em forma de cavalo e a terceira em forma de
8è e18oç [253d] TpiTov, Kai vuv etl qpiv touto pevÉTCD. tgòv [253d] cocheiro, também agora fiquemos ainda com este es­
8è 8q nrrtCDv ó pèv, ipapÉv, áya0óç, ó 8’ oü- àpETq 8è tÍç quema. Dos cavalos, então, um dizemos que é bom e o outro,
tou àyaOoü q kokou kokío, ou 8iEvrropEv, vuv 8è Xekteov. não; porém que virtude é a do bom ou que maldade a do
ó pèv toÍvuv auToiv ev rp KaXXíovt aráoEi còv to te eISoç mau, não explicamos mas agora carece fazê-lo. Aquele que
òp0òç Kai 8iqp0pcop£voç, uvpaúxqv, èmypurroç, XeukÒç dos dois é de mais bela postura, e de forma ereta e articula­
da, tem colo alto, focinho acurvado, cor branca, olhos ne­
fi í8eív, pEXavóppaTOç, Ttpqç Epaarqç pETÒ aGMppoaúvqç te
Kai al8oüç, Kai àXqOivqç 8óÇqç ETaipoç, aTrXqKTOÇ, gros, de honra com prudência e reserva ele é amante e de ve­
t KEXEÚapaTi póvov Kai [253e] Xóycp qvtoxeÍTav ó 8’ au rídica opinião companheiro, e sem violência, com apenas
11t h;w okoXióç, ttoXuç, êÍkij aupnEipopqpÉvoç, KpaTEpaúynv, encorajamento e [253e] palavra se deixa guiar; o outro, ao
contrário, é torto, massudo, desconforme, tem colo grosso,
PpayuTpóxqXoç, aipoTTpóawiroç, pEXáyxptDÇ,
yXauKÓppaTOç, üipatpoç, ü^pEcuç Kai àXaÇovEÍaç ETaipoç, cerviz curta, rosto chato, cor negra, olhos turvos, e é sanguí­
■ TTEpi GOTO XáatOÇ, KGMfÓÇ, páaTiyi pETÒ KEVTpCDV pÓytÇ neo, de insolência e jactância companheiro, peludo de ore­
N UTTEÍKGDV. OTOV 8’ OUV Ó llvíoyOÇ l8cbv TO EpGOTlKÒV Oppa, lhas, surdo ao açoite e ao aguilhão dificilmente cedendo.
Quando portanto o cocheiro, à vista do amoroso vulto, toda
Ttãaav aiaOqaEt 8ia0Eppqvaç Tqv ipu^qv, yapyaXtapoü te
H Kai iróGou [254a] kévtpgov UTtoirXqa0!j, ó pèv EUTtEi0qç tg> a alma aquecida com a sensação, enche a medida com as pi­
<

; ' íll qvióycp tgòv nritGJV, cxeí te Kai tóte ai8oi [BiaÇópEvoç,
EaUTÒv KaTEyEl pf) £TTlTTq8ãv TG) EpCOpEVÍp* ó 8è OUTE
cadas [254a] do prurido e do desejo, o cavalo que lhe é dócil,
como sempre também agora forçado pelo pudor, contém-se

i.'. KEVTpWV qVlOytKGSv OUTE páoriyoç ETl EVTpETTETai, OKlpTCOV


8è piq (pépETai, Kai irávTa irpáypaTa TrapÉycuv tg> oúÇuyí
para não saltar sobre o amado; o outro porém não mais aten­
de nem às esporas nem à chibata do cocheiro, mas arrancan-
í
11< 100 101
te Kai qvióxq) cxvaYKÓÇEt iévai te irpòç tÒ TraiSiKÒ Kai do violentamente ele se lança e, causando todo aborrecimen­
pvEÍav TtoiEÍo0ai Tqç tôv cuppoStcrícDV xáptTOÇ. tÒ> 8È kot to ao companheiro de jugo e ao cocheiro, ele os força a ir ao
àpxàç pèv cxvtiteÍvetov [254b] aYavaKTOÜvTE, cbç Setvà namorado e lhe fazer menção das afrodisíacas delícias. Os
f I dois no começo resistem [254b] indignados, como se força­
I' xai irapávopa àvaYKaÇopévw teXêutcòvte 8ê, otqv pq8èv i
r:í f| TTÉpaÇ KOKOÜ, TTOpEÚEO0OV CLYOpEVCO, ElÇaVTE Kai dos a terríveis e ilegítimos atos; acabam todavia, quando não
ii I ópoXoYqaavTE TroiqaEiv tò keXeuopevov. Kai irpòç auTCp mais tem limite o mal, por se deixar levar adiante, cedendo
t’ EYÉVOVTO Kai El8oV TT|V <M|HV TF|V TGDV TTai8lKG)V e consentindo em fazer o que lhes é exigido. E assim ei-los
àcrTpárrrouaav. I8óvroç 8è toü qvióxou q pvqpq rrpòç Tqv bem perto, a verem o vulto do namorado, coruscante. Tão
i 1 toü kóXXouç <püatv qvéx0q, Kai iráXiv ei8ev aÜTqv p£TÒ logo o viu o cocheiro, sua memória transporta-se à essência
ocDtppoaüvqç ev cr^vá) Pá0pcp pEpaSaav- I8oüaa 8è e8eiqe da beleza e de novo a contempla, acompanhada por sabedo­
te Kai aE<p0EÍaa àvéirEaEV ínvría, Kai apa qvaYKÓa0q eiç ria e erguida em sagrado trono; tão logo a viu, de temor e
[254c] Touiríaco éXKÜaat tÒç qvíaç outgo atpóSpa, cocrr’ veneração ele cai para trás e ao mesmo tempo é forçado
ettí tòicr^ía dpq>G) Ka0íaai tcü ittttcd, tov pèv ekovto 8ià [254c] a puxar as rédeas com tanta energia, que senta os dois
U cavalos, um a gosto por não resistir, mas o outro muito a
tò pq àvriTEÍvEiv, tov 8è ü^ptorqv páX’ aKovTa.
chteXOóvte 8è aTrcDTÉpa), ó pèv üir’ ataxüvqç té Kai contragosto. Afastados os dois para mais longe, enquanto
0áp[3ouç ISpóm Ttãaav e^peÇe Tqv yuxqv, ó 8è XqÇaç Tqç um de vergonha e espanto banha de suor toda a alma, o ou­
í tro, cessada a dor que teve com o freio e a queda, mal retoma
fé . òSúvqç, qv óirò toü xa^lv°u te Èaxev Kai T°u nrópaTOÇ,
! ;■ pÓYtÇ EÇavairveüaaç EXoiSópqaEv òpY{), iroXXà kokíÇgdv o fôlego e insulta colérico, maltratando o cocheiro e o com­
i!
1 panheiro de jugo, como se por covardia e pusilanimidade
í tóv te qvíoxov Kai tov ópóÇuYa cbç 8eiXíç te Kai àvav8píçx
XtttÓvte Tqv tÓÇiv Kai [254d] ópoXoYÍav- Kai TtáXiv ouk abandonado o posto e [254d] o acordo; e de novo forçando

lilli ■ Íh'1
|j E0ÉXovraç Trpoaiévai àvaYKÓÇGDv pÓYtÇ avvExcupqaEv a relutância deles em avançar, mal cede ao seu pedido de
adiar a investida. Mas chegado o tempo aprazado, se os dois
8eopÉvgdv eiç aü0iç ÜTtEpPaXÉa0ai. eX06vtoç 8è toü
............ . auvTE0évroç xpóvou ou àpvqpovEiv irpoanoioupEVCD
fingem esquecer ele os relembra, força, relincha e puxando
àvapipvrjoKCDv, fhaÇópEvoç, xpEpeTÍÇcuv, eXkcov os obriga de novo a se dirigirem ao namorado para as mes­
qvÓYKaoEv au irpooEX0EÍv tolç Trai8iKoiç Eiri touç auToüç mas conversas, e quando estão perto, arqueando-se e estican­
■N do o rabo, mordendo o freio, com despudor ele puxa; e o
'Ifc
i lil:-
Xoyouç, Kai EiTEiÓq ÈyY^Ç qcrav, EYKÜipaç Kai ekteivoç Tqv
KÉpKov, Ev8aKÒ)v tov x^Xivov, pET* àvaiSEiaç eXkei- ó 8’ [254e] cocheiro, ainda mais sentindo o mesmo sentimento,

I [254e] qvíoxoç eti pãXXov toutov irá0oç iraOóv, coaiTEp como por uma barreira repelido, ainda com mais força repu-
aitò üarrXqYoç àvaTTEaóv, eti pãXXov toü ô[3piOTOÜ xando dos dentes do insolente cavalo o freio, ensanguenta-
limou ek tóóv oÔóvtcdv píç ÒttÍogd aTráaaç tov xaXtvóv, -Ihe a língua injuriosa e as mandíbulas e, pondo-lhe por ter­

d Tqv te KaKqYÓpov yX^ttov Kai tÒç yvÓ0ouç Ka0ijpaÇEV


Kai tò OKÉXq te Kai tò taxía irpòç Tqv Yqv èpEÍaaç
ra as pernas e a garupa, “entrega-o à dor”. E quando, sofren­
do muitas vezes o mesmo tratamento, o mau cavalo desiste
oôúvaiç eÕcokev. otov 6è toutov itoXXókiç Tráaxcov da insolência, humilhado segue doravante a previdência do
Tiovqpòç Tqç üppEcoç XqÇy, TarrELVG)0EÍç ettetoi q8q tij toü
cocheiro, e quando vê o belo jovem, de medo ele se perde; e
qvióxou Ttpovoíç, Kai otov ’í8q tov KaXóv, (pópcp assim acontece que já a alma do amante segue o namorado

■ •!». 103
102
í

SióXXurav gdcfte aup^aívEi tot’ q8q Tqv toü Epaarou com recato e temor. [255a] Por conseguinte, com todo cui­
ipü)(qv T°iÇ iratSiKoíç ai8oupévqv te Kai ÓEÔtuiav [255a] dado servido como o igual de um deus pelo amante que não
ETtEoôai. ai£ oüv irãcrav ©EpaitEÍav a>ç iaó0£oç está fingindo, mas verdadeiramente sentindo este afeto, e ele
ÔEpCOTEUÓpEVOÇ OUX VTtÒ axnpaTlÇopEVOU TOÜ EpGJVTOÇ próprio sendo por natureza amigo do que o está servindo, se
àXX’ àXq0ã>ç toüto ttéttov06toç, Kai aútòç còv q>úo£i já antes tiver sido incriminado por camaradas ou outras pes­
q>íXoç tg5 0EpaiTEÚovTi, ecxv apa Kai Èv tcò Ttpóa0Ev uirò soas, que lhe diziam ser feio aproximar-se de um amante, e
t! aup<poiTr)TÕ)v q tivgdv aXXcov 8ia[3E[3XqpÉvoç q, XeyÓvtcdv se por isso repelir o amante, com o andar do tempo todavia
óç aiaxpòv èpôvTi irXqaiáÇEiv, Kai 8ià toüto aircoOrj tov a idade e a necessidade o levarão [255b] a admiti-lo em com­
[
í Epêòvra, irpoióvTOÇ 8è q8q toü xpóvou q te qXiKia Kai to panhia; pois jamais, está fixado pelo destino, um mau é ami­
i
XpEÒv qyayEv 6*Ç [255b] tò Ttpoaéo0ai oütÒv eiç ópiXíav go de um mau, nem um bom deixa de ser amigo de um bom.
i
oú yàp SqiroTE EipapTai kokov kokÕ) q>íXov ou8’ áyaOòv E depois que o admitiu e acolheu sua palavra e companhia,
pq (píXov àya0cp Eivai. itpoaEpÉvou 8è Kai Xóyov Kai de perto manifestando-se a benevolência do amante põe fora
I ópiXíav 8£Çap£vou, Eyyó0Ev q EÜvoia yiyvopévq toü
'I de si o amado, apercebido de que, nem mesmo todos juntos,
. I'1 pi
EpGDVTOÇ EKTtXqTTEl TOV EpcÓpEVOV 8iaiO0avÓpEVOV OTl Oü8’
oi aúpitavTEÇ aXXoi ipíXoi te Kai oikeioi poípav ipiXíaç
os outros amigos e familiares proporcionam uma parte de
amizade que é nula em face da que lhe tem o amigo possuído
oú8Epíav TtapéxovTai Ttpòç tov evOeov ipíXov. otov 8è por um deus. E quando ele passa um tempo assim e do ami­
XpovíÇq toüto 8pcòv Kai itXqaiáÇq pETÒ toü aTrtEO0ai ev go se aproxima, em contatos nos ginásios e reuniões, [255c]
te yüpvaaíoiç Kai év Taíç aXXaiç ópiXíaiç, [255c] tot’ q8q então é que o manancial daquele fluxo, que Zeus quando es­
J MU q toü pEÚpaTOÇ Èkeívoü itqyq, ov ipEpov Zeüç FavupqSoüÇ tava amando Ganimedes47 denominou “vaga do desejo”,48
Epcbv cbvópaoE, itoXXq cpEpopévq Ttpòç tov Epacrrqv, q pèv abundantemente trazido ao amante em parte mergulha nele,
y ■ i■ü:e i eiç aüTÒv e8ü, q 8* àiropEaTOüpévoü êÇco cnroppei- Kai
oiov TtvEüpa q tiç q^co àirò Xeicdv te Kai arEpECOv
em parte transbordando escorre para fora; e como um sopro
ou um eco, de lisos e duros planos rebatido, de volta ao pon­
l
í 1 àXXopévq TráXiv 80ev cbppq0q ipépETai, oütco to toü
kóXXoüç pEüpa TtáXiv eiç tov KaXòv 8ià tgdv òppÚTCOv lóv,
f / , x x X , / i ,
q TT£<püKEV ÉTTl Tqv ^ü^qV lEVai aiplKOpEVOV Kai
X
to de onde partiu se transporta, assim o fluxo da beleza, de
volta indo ao belo jovem através dos olhos, por onde natu­
ralmente vai à alma tendo chegado e excitado as asas, [255d] i

àvaTtTEpGÒaav, [255d] tcxç 8ió8oüç tgdv TrrEpóóv ap8Ei te irriga os condutos destas e as impele a emplumar-se, com o
Kai wppqaE TtTÊpoipüEÍv te Kai Tqv toü EpwpÉvoü au i|/ü\qv que a alma do amado enche-se de amor. Está amando então,
EpCOTOÇ EVETtXqOEV. EpÇL p£V OÜV, OTOÜ 8È aTTOpEV KOI OU0’ mas a quem, eis a dificuldade; nem mesmo o que se passa
! i OTi TTETTOV0EV o18ev oü8’ è\ei (ppáaai, àXX’ oíov àir’ consigo ele sabe, e não pode explicar, mas é como se do ou­
aXXou òq>0aXpíaç cnroXEXaüKcbç irpóipaaiv eitteiv oük tro tivesse pegado uma oftalmia: nada pode alegar que expli-

47 Nome de um príncipe de Troia, de grande beleza, por quem Zeus


se apaixonou e elevou ao Olimpo, atribuindo-lhe a função de “copeiro dos
deuses”.
48 Ver 251c-e, nota 45. i
J. ■:
I

"V
104 105
” ■

1 que e, como em espelho vendo-se no amante, ele não percebe.


e^ei, cDcnrep 8è ev KaTÓirrpcp ev tg> EpcovTi eoutov ópcòv
/E então quando o amante está presente, cessa .do.mesmo mo­
I XÉXq0Ev. xai otqv pèv exeivoç Ttapq, XqyEi kotò toutò
do que para aquele a sua dor, mas quando ausente, do mes­
jl I EKEÍvcp Tqç Ò8úvqç, otqv 8è air^, xcrrà toutò au ttoOeí xai
i
TtoOeiTai, etScoXov [255e] epcoToç ávTÉpwTa e^cov xoXeí 8è mo modo também ele tem e inspira saudade, com [255e£um
auTÒv xai oiETat oux eparra àXXò iptXíav eivai. émOupeí 8è contra-amor49 que é imagem de amor; e isto ele chama, e as-_
sim pensa que é, não amor masTamízade) E o que deseja,
éxeívcp TTapairXriaÍGDç pèv, àaOevearépGDÇ 8é, ópãv,
airrecOai, iptXeiv, auyxaTaxEÍaOav xai 8q, oíov eixóç, aproximadamente ao outro mas menos intensamente, é ver,
tocar, beijar, deitar-se junto; e então, como é provável, é o
TtoiEi to pETa touto Tayu touto. ev ouv Ti) auyxoipqoEi
toü pèv Epaarou ó òxóXaaroç vtttcoç e\ei oti Xéyq irpòç
que depois disso acaba logo fazendo. Ao se deitarem, o in-
|!
tÒv qvíoyov, xai àÇiot àvri ttoXXgÓv ttÓvcdv [256a] apixpà
temperante cavalo do amante tem o que dizer ao cocheiro e j
aTtoXaüaav ó 8è tgdv TtaiSiXGÒv e^éi pèv oú8èv eitteív, pretende, em troca dos muitos sofrimentos, [256a] gozar pe­ ■■

airapyGDv 8è xai cnropõv TtEpt[3áXXEi tÒv Epacrrqv xai


quenos deleites; mas o do namorado nada tem a dizer, intu-
mescido e embaraçado abraça o amante e o beija, como aco­
I
4>iXeí, gdç a<pó8p’ euvouv àairaÇópevoç, oxav te
lhendo a quem muito lhe quer, e sempre que se deitam juntos
t i auyxaTaxÉcovTat, oióç eoti pq av aTrapvqOqvai to outou
f i
pèpoç yapíaaaGai tcò Epõvri, ei 8er)9EÍq TuyEÍv ó 8è ele é capaz de não lhe negar sua parte de favor ao amante, se
ópóÇuÇ au pETÒ tou qvióyou irpòç touto pET* ai8ouç xai este pedisse para obter; entretanto o companheiro de jugo,
Xóyou ávrvreívEi. èòv pèv 8q ouv eiç TETaypévr)v te 8íatTav juntamente com o cocheiro, a isso resiste com respeito e pon­
deração. Se então, suponhamos, conduzindo a um regime or­ 1
xai (piXoaoipíav vtxqaq tò ^eXtígd Tqç 8iavoíaç òyayóvTa,
denado e ao amor à sabedoria triunfa o melhor da reflexão,
paxáptov pèv [256b] xai ópovoqTtxòv tÒv evOòSe [3íov
I feliz [256b] e harmoniosa a vida aqui eles passam, porque se
8táyouaiv, èyxpaTEtç outcdv xai xóaptot ovteç,
SouXcoaápEvoi pèv gd xaxía yuyqç êvEyíyvETO, dominam e são moderados, porque escravizaram o que em
' k
! Ih EXEUÔEpCDOaVTEÇ 8è Cp àpETq* TEXEUTqaaVTEÇ 8è 8q sua alma fazia nascer vício e libertaram o que nela origina
virtude; chegados então ao termo da vida alígeros e leves, das
ÚTtóiTTEpoi xai èXatppoi yEyovÓTEÇ tgdv Tpicov
'■Lí naXaiapáTCDV tõv cbç àXqOcDÇ ‘OXupmaxGDv ev três lutas que verdadeiramente são olímpicas uma eles ven­
'h vEvtxqxaatv, ou pEÍÇov òyaôòv oute acDqjpoaúvq
ceram, e um bem maior que esse nem sabedoria humana nem I

i ill àvOpwrrívq oute 0EÍa pavía SuvaTq rropíaat òvOpcDTrcp. divino delírio pode conceder a um homem. Se porém um re­
gime mais grosseiro [256c] praticarem, sem amor à sabedoria
èòv 8è 8q SiaÍTT) ipopTiXGDTÉpç te xai [256c] àcpiXoaóqjcp,
cpiXoTÍpcp 8è xpqaovrai, tÒ^’ av ttou ev péGaiç q tivi e de amor às honras, talvez ocorra que na embriaguez ou em
h' ■
algum outro descuido os dois intemperantes parceiros de ju­
áXXq àpEXEÍq tgd axoXaorco aÚToiv UTtoÇuyÍGD Xa^óvTE
go, pegando as almas desguarnecidas, unindo-as ao mesmo
• >í 1 tcxç vpuyàç CKppoúpouç, auvayayóvrE eiç toutov, Tqv utto <
tõv ttoXXgdv paxapiarqv aipEatv EÍXéaôqv te xai
fim, tomem a decisão felicitada pela maioria e a executem; e

í' 49 A expressão empregada por Sócrates no original remete à divin­


dade personificada Anteros, que designa aqui o “contra-amor”, entenda-
íí -se, o “amor correspondido”.

107
106
* )
'■ r

i !
’ ■■

■ I SieirpaÇáoôqv Kai ôiairpaÇapévGü to XoittÒv q8q tendo executado, a seguir dela se utilizem, mas raramente,
XpcovTai pèv aürq, anavíç 8ê, are oü irá ar) SeSoypéva tF) por fazerem o que não foi decidido com toda reflexão. Ami­
H
8iavoíç TTpaTTOvreç. cpíXcD pèv oüv Kai toÜtgd, rjTrov 8è gos sem dúvida são também estes dois, mas menos que aque­
ekeívcdv, àXXqXoiv [256d] 8iá te toü epcoTOÇ Kai eÇco les, e um para o outro [256d] vivem em seu tempo de amor
i j yEvopEvcD 8iáyouai, ttioteiç toç pEyíaraç qyoupévco e, dele saídos, estimam que mutuamente deram e receberam
•; àXXqXoiv 8E8coKÉvat te Kai 8E8éy0ai, aç ou 0Epixòv Eivai as maiores confianças, que não lhes é lícito desfazer para um
XúaavTaç eiç EySpav ttote eXOeív. êv 8è ttj teXeut^ arrrEpoi dia se odiarem. Porém ao término da vida, sem asas mas não
pèv, copprjKÓTEÇ 8è Trr£poüa0ai EK^aívouci toü acópaxoç, sem esforço empreendido para tê-las, saem eles do corpo, e

cüote oü apiKpòv à0Xov xqç EpGDTiKqç pavíaç ipépovxai- eiç assim não é pequeno o prêmio que levam do amoroso delí­
yàp qkÓtov Kai xqv ÜttÒ yqç iropEÍav oü vópoç ècrriv eti rio; pois às trevas e à viagem subterrânea não é lei irem ain­
I eX0eív toiç KaxqpypEvoiç q8q xqç unoupavíou iropEiaç, da os que já começaram a viagem infraceleste, mas ao con­
àXXà ipavòv píov 8iáyovraç £Ü8aipovEÍv [256e] pEx’ trário, passando uma vida luminosa, serem felizes [256e] via­
àXXqXcDv iropEuopévouç, Kai ópoirrépouç Epcoxoç X^PIV» jando um com o outro e juntos criarem asas por graça do
í !■
oxav yévcDVTai, yevEaOat. amor, quando criarem.
i Esta a grandeza, ó menino, e a divindade dos dons que
I xaüxa ToaaÜTa, cb irai, Kai 0£ia outgo aoi 8cupqaETai q
irap’ Epaaroü qnXía- q 8è ànrò toü pq èpcbvTOÇ oiKEióxqç, te fará a amizade do amante; enquanto o convívio do não
i aaxppoaüvq 0vqxq KEKpapÉvq, 0vqxá te Kai q>Ei8a)Xà amante, de mortal sabedoria temperado, mortais poupanças
i I
I ■' oiKovopoüua, àvEXEu0Epíav urro irXq0ouç ETraivoupÉvqv gdç
àpETqv [257a] ttj cpíXq ipuyij EVTEKoüaa, èvvéa x^XiaSaç etgdv
economizando, uma mesquinharia por muitos louvada como
virtude [257a] na alma amiga gerando, por nove mil anos em
Ii TiEpi yqv KuXiv8oupÉvqv aüxqv Kai ÜttÒ yqç avouv irapé^Ei. volta da terra e sob a terra a fará rolar irrefletida.
aüxq aoi Jjb q>íXE ''EpwçJ eiç qpExépav 8üvapiv oti Eis para ti, caro Amor, na medida de nossa força a mais
KaXXíarq Kai àpiarq 8é8oTaí te Kai ekteteiotoi iraXiv(p8ía, bela e melhor pajjnódia,\ao mesmo tempo oferta e expiação,
xá te aXXa Kai toiç òvópaaiv qvayKaapévq TxoiqxiKoiç tioiv “em geral e sobretudo no vocabulário” forçada por Fedro a
8ià 4>ai8pov Eipqa0ai. àXXà xóóv irpOTÉpcov te auyyvcópqv se formular poeticamente; ao primeiro discurso concedendo
í ; Yp I Kai tôvSe X^piv excdv, EÜpEvqç Kai iXegdç xqv epcDTiKqv pot í
indulgência e favor ao segundo, benévolo e propício, a arte
I xéyvqv qv eSgokoç pqx£ àipèXq pqxE Trqpcóagç 8i* òpyqv, amorosa que me deste não a retires nem a mutiles com tua
8í8ou t’ eti pãXXov q vüv Trapa toiç KaXoiç xípiov Eivai. cólera, e dá que ainda agora entre os belos eu seja acredita­
[257b] ev xcò rrpóa0Ev 8* eixi Xóycp aoi àirqxèç EmopEV do. [257b] E se antes em conversa Fedro e eu dissemos al­
1 il 4>aí8póç te Kai Eyó, Auaíav tov toü Xóyou ttotepa go chocante para ti, incrimina a Lísias, pai do discurso; faze-
1$ aiTicüpEvoç TraÜE tgSv toioÜtgdv XóyGDv, èrri cpiXoaoipíav 8é, -Ihe cessar tais discursos e para o amor da sabedoria orienta-
I
■ óaTTEp a8EX<pòç aüxoü IloXÉpapxoç TExpamai, xpéipov, iva -o, como já está orientado o seu irmão Polemarco, a fim de
I Kai ó Epaarqç Ô8e aüxoü pqKÉxi ETrapipoxEpíÇr) Ka0ÓTTEp vüv, que este seu amante não seja ambíguo como agora, mas sim­

j' I i : Hl -i
aXX airXcòç Trpòç Epcoxa pETÒ q>iXooóq>GDv Xóycov tov {Bíov
TioiqTai.
plesmente ao amor devote a vida com discursos de amor à
sabedoria.

II i

108 109
/
ni
I

OAIAPOE
FEDRO
avvevxopavaoi, co EcóxpaTEç, etirep âpeivov Taüô’
i [257c] qpív eivai, raüra yíyveaOai. tov Xóyov 8é aou iráXai
À tuyprece/associo-me, ó Sócrates: se isto é melhor
[257c] paraüós, que isto se efetue. E teu discurso há muito
Oavpáaaç e\g>, oacp xaXXÍG) tov irporépov àtrqpyáaco- tenho estado a admirá-lo, tão mais belo que o anterior o fi­
v
R coare oxvg) pq pot ó Avaíaç Tatreivòç ipavq, éàv âpa Kai zeste; e assim, receio que Lísias me apareça bem reduzido, se
eQeXqaq rrpòç avTÒv âXXov avriirapaTEivai. xai yáp tiç porventura ainda queira competir com outro; pois aliás é o
auTÓv, cb Oavpáate, evayyoç tg>v ttoXltixcov toüt’ qvtÒ que ainda há pouco, ó admirável, um dos políticos insultan­
XoiôopGÒv óveíótÇe, xai 8ià náoqç Tqç Xoi8opíaç èxáXei do-o lhe censurava, e ao longo de todo o seu insulto o cha­
Xoyoypáipov tó^’ ovv av vnò ipiXoTtpíaç ètríox01 °v I
t- mava de logógrafo;50 talvez então, por questão de honra, ele
toü ypáqjEtv.
j se abstenha de escrever.

EQKPATHE SÓCRATES
YeXoíov y’, g> vEavía, to 8óypa XéyEiç, xai tov [257d] Engraçado, ó jovem, o parecer que formulas. E sobre o
li Éraípov av^vov 8iapapTÓv£iç, ei avròv ovtcdç qyrj Tiva [257d] teu amigo completamente te enganas, se o imaginas
i yo<po8Eã. iacoç 8è xai tòv Xoi8opovpEvov avrcp oiei assim temeroso de barulho. E talvez o que o insultava pensas
òvEi8íÇovTa XÉyEiv a eXeyEv. que era censurando que dizia o que dizia.

I
I .
4>AIAPOE FEDRO

II EtpatvETo yap, g> EwxpaTEÇ- xai avvotaQá itov xai avroç


Óti oi péyiarov 8vvápEvoí te xai OEpvÓTaTot ev tqíç ttóXeoiv
aio^vvovTat Xóyovç te ypátpEtv xai xaTaXeíiTEiv
Pois era evidente, ó Sócrates. E sem dúvida tu mesmo
sabes que os mais poderosos nas cidades envergonham-se de
escrever discursos e deixar escritos seus^comjn^o^d^gpi- I
i
líll' avyypáppaTa ÉavTcov, 8óÇav <po|3oúpEvoi tov etteito xpóvov, nião da posteridade, de serem-chajpadoTsdfisras^
I ii pq aoiptonrai xaXõvTai.

EQKPATHE SÓCRATES
-I yXvxvç àyKG>v, g) 4>aíSpe, XéXqÔév ae Ôti àirò toü [257e] Esqueceste, ó Fedro, que doce rodeio é o que [257e] di-

í !ji
! |
: 1: ;
i
50 Heródoto chamou “logógrafos” aos seus predecessores na com­
posição de discursos em prosa, e Tucídides (História das guerras do Pelo- I

ponesoy I, 21) acrescentou o seu nome à lista, incluindo também o de He­


ródoto. Todavia, Platão usa aqui o termo com um sentido pejorativo, cor­
rente para designar os compositores de discursos, a quem os cidadãos re­
corriam, mediante paga, geralmente para defenderem nos tribunais os seus
Í} ! interesses.

110 111
I
i ■ I

paKpou àyKcòvoç toü Karà NeíXov EKXqOq- Kai Trpòç tã> zem do longo rodeio do Nilo;51 e, além do rodeio, não per­
àyKGívi XavOávEi oe oti oi péyiorov (ppovouvTEç tcdv cebes que, entre os políticos, os que mais se prezam são os
ttoXitikgdv páXioTa Èpcòai Xoyoypatpíaç te Kai KaTaXEÍij/EOÇ que mais amam a logografia e o legado de seus escritos, eles
auyypappáTGdv, oi' y£ Kai ettei8óv Tiva ypáq>coat Xóyov, que, quando escrevem algum discurso, tanto estimam os
outwç àyaTtGÒai touç EiraivÉTaç, coote rrpoaTrapaypáipouai aprovadores que acrescentam em parágrafo primeiramente
í* rrpcôTOuç oi' âv EKaoTayoü Eiraivcòaiv auTOÚç. os que em cada tópico os aprovam.
I!

! «PAIAPOE FEDRO
ttgdç XÉyEtç touto; ou yàp pavOávco. [258a] Que queres dizer com isto? Não entendo. [258a]
I
I EQKPATHE
oú pavOóvEiç ôtt èv àpxfj ávSpòç ttoXitvKOU
SÓCRATES
Não entendes que, no princípio do que um político es-
auyypáppcrn Kpã)Toç ó EiraivETqç yéypaTTrai. creveu, primeiro está quem o aprova?

«PAIAPOE FEDRO
irõç; Como?

I EQKPATHE SÓCRATES
“Aprouve ao Senado” é o que em alguma parte diz, ou
I
1 A

í
‘eÔoÇe’ ttou cpqatv ‘tij pouXf)’ q ‘tg) Sqpcp’ q
àpqjOTÉpoiç, xai ‘oç Kai oç eiirev’ — tòv auròv 8q Xéycov I então “à Assembléia”, ou então a um e outro, e ainda “o qual
páXa aepvcoç Kai eyKajpiáÇcDv ó auyypatpeúç — eireiTa disse” — e é de si mesmo que muito solenemente fala e se
Xéyet 8q perà touto, èiri8eiKvúpevoç toíç Errai vetoiç xqv elogia o escritor — e a seguir ele discorre, demonstrando aos
9 -

Éaurou aoipíav, eviote rrávu paKpòv TioiqaópEvoç aprovadores sua própria sabedoria, às vezes em composição
aúyypappa- q aoi aXXo ti ipaívETai to toioutov fqXóyoç que é bem longa; ou para ti não é evidente que tal composi­
f
I auyyEypappévoç; [258b] ção não é outra coisa senão um discurso escrito? [258b]

'í:i 0AIAPOE FEDRO


ouk epotyE. Nenhuma outra, para mim pelo menos.
Ifll i
í j
1

51 Com a expressão “doce rodeio”, Sócrates talvez aluda à prática


corrente entre os políticos, logo a seguir insinuada, de dizerem o contrário
daquilo que fazem. A ironia é de algum modo obscura, como mostra o pe­
dido de explicação de Fedro (258a), a que Sócrates atenderá.

113
■ ■ I

M EQKPATHE SÓCRATES
Se portanto o discurso fica em cena, cheio de júbilo re­
pèv outoç Eppévq, y£yq0cbç cnrépXETai ek tou
oukouv ecxv

0EÓTpou ó iroirfrqç Èàv 8e EÇaXeup0tj Kai âpoipoç yÉvqrai tira-se do teatro o seu autor; se porém é riscado e ele fica sem

.I
jj • í
1 ,*« ]■
Xoyoypaqnaç te Kai tou aÇtoç Eivai auyypóupEiv, ttev0eí
aúróç te Kai oi eraípoi.
direito à logografia e à dignidade de escritor, enluta-se ele e
os amigos também.
» b
0A1APOE FEDRO

. I
■-

Kai páXa. E quanto!

EQKPATHE SÓCRATES
V 8rjXóv yE oti oú)( cbç ÚTTEpqjpovouvrEÇ tou 6TriTq8eúpaTOÇ, E evidentemente não porque desprezam tal prática, mas
àXX’ óç TE0aupaKÓTeç. ao contrário, porque admiram.

í «PAIAPOE FEDRO
I
itávu pèv oúv. Perfeitamente.

II I EQKPATHE
ti 8e; Ôtqv íxavòç yévrfrai prjTGop rj ^aatXEÚç, coctte
SÓCRATES
Mas então? Quando se torna consumado orador ou rei,
[258c] Xa^cov Tqv AuKoúpyou rj EóXwvoç rj AapEiou 8úvaptv de sorte que [258c] tomando o poder de um Licurgo, de um l
áôávatoç yEvéaSai Xoyoypáipoç êv ttóXei, àp’ ouk ioÓ0eov Sólon, de um Dario,52 vem a ser um imortal logógrafo na ci­
qyEÍTat aúróç te aúròv eti ÇóSv, Kai oi etteitq yiyvópEvoi dade, não se julga ele igual a um deus, ainda em vida? E tam­
Taurà raura irEpi auTOÚ vopíÇouai, 0EcúpEvoi outou tò bém os pósteros, não é isso mesmo que a seu respeito esta­
I» auyypáppara; belecem quando contemplam os seus escritos?

bh • II,
0AIAPOE FEDRO
É bem isso.
■ I > Kai páXa.

Ip
52 Nomes de legisladores que Platão respeita e frequentemente no­
meia. Licurgo de Esparta (VIII-VII a.C.), a quem é atribuída a fundação
da maioria das instituições espartanas. Sólon de Atenas (VII-VI a.C.), cria­
dor da legislação que pôs fim à guerra civil na cidade e lançou as bases
sobre as quais seria edificada a democracia ateniense. Dario I, o Grande

:1 (VI-V a.C.), imperador persa a quem se deveu a ordenação e organização


do Império, e o responsável pela construção dos palácios de Susa e Persé-

h I.

114
polis, cujas ruínas podem ainda hoje ser visitadas.

115
EQKPATHE SÓCRATES
v x r , t,
ouv tgov toioutgdv, oariç Kai
oiei ti va Pensas então que um homem desses, não importa quem
■■
oirwariouv 8úavouç Auaíç, Óvei8íÇeiv aÚTÒ touto otl ou que malquerença tenha contra Lísias, censura-lhe preci­

auyypátpEi; samente o fato de ser escritor?


i
i ! ■
4>A1APOE
oukouv eikoç yE eÇ í)v ou XéyEiç- Kai yàp
FEDRO
Não é o provável, ao menos pelo que estás dizendo; pois
av yg eoutoü ETtiôupíç, óç èoixev, òveiÔíÇoi. ao próprio desejo, como parece, ele estaria censurando.
i [258d] [258d]

EQKPATHE SÓCRATES
pèv dpa ttqvtÍ 8fjXov,
touto oti ouk alaypòv aúw Eis então o que para todo mundo é claro, que não é feio
ye tò ypátpEiv Xóyouç. em si o escrever discursos.

«PAIAPOE FEDRO
TÍ yáp; Por quê, com efeito?

ji
I EQKPATHE
aXX ekeivo oipai aiaypòv rj8t), to pi] KaXôç XÉyetv
SÓCRATES
Mas o que já é feio, penso, é discursar e escrever de um
I.' te Kai ypcupEiv àXX’ aiaxpõç te Kai KaKtoç. modo que não seja belo, mas feio e maul
I; í
0AIAPOE FEDRO
SfjXov 8f). Claro, sim.

EQKPATHE SÓCRATES
• .■

TIÇ OUV O TpOTTOÇ TOU KaXÓDÇ TE KOI pf| ypátpElV; Qual então o jeito de escrever belamente ou não? Acaso
■ 8eópe6ó ti, gj 4>ai8pE, Auaíav te TTEpi toútgdv E^ETáaai precisamos, Fedro, consultar Lísias sobre isso, ou qualquer
i Kai áXXov óariç ttgSttote ti yéypacpEv ij ypáipEi, eite outro que jamais tenha escrito ou venha a escrever,l^eja un^
íi âí ttoXitikòv oúyypappa eite i8igdtikóv, êv pérpcp cbç discurso político^ou^privadoj encmetro como faz um poeta
ou sem metro como um prosador;? [258è]
i I iroinTnç q avEu pérpou cbç 18igSti]ç; [258e]
)

«DAIAPOE FEDRO
Perguntas se precisamos? Mas que motivo um teria mes­ i
1 ’’ EpWTÇlÇ £1 8EÓpE0a; TIVOÇ pèv OUV EVEKa Kav TIÇ i
G)Ç EITTEIV Çcpl], aXX ij TGDV TOIOUTGDV f)8oVGDV EVEKa; mo de viver se não fosse em vista de tais prazeres? Pois sem
j
|K ;h
I ou yáp ttou ekeÍvcov yE gdv rrpoXunT)Oqvai 8eí rj pr)8È
i
dúvida não se trata daqueles que um sofrimento deve prece-

116 117

á
I • f)a0qvai, o 8q óXíyou iraaai aí rrepi tò acopa
I

der, sem o que nem mesmo haveria prazer; e é isso precisa­


q8ovai èxouai- 8iò Kai SikoÍgdç àv8parro8cD8eiç
rI KeKXqvrai. mente que quase todos os prazeres corporais comportam, !

1f I
pelo que justamente os chamam servis.
EQKPATHE
SÓCRATES
oxoXf| pèv 8f|, gdç eoike* kqí apa poi 8okouqiv gdç
Pois bem, folga nós temos, ao que parece. E ao mesmo
i év tcò Ttvíyei úrrèp KetpaXqç qpGDv oi TétTiyeç ç8ovteç
Kai [259a] àXXqXoiç 8iaXeyópevoi KaOopãv Kai rjpcxç.
têmpo se me afigura que as cigarras, assim no mormaço so­
bre nossas cabeças cantando e [259a] entre si conversando,
( si oúv i'8oiev Kai vgd Ka0árrep touç ttoXXouç év
de cima estão a nos olhar. Se então elas vissem que também
psaripPpíçí pf) 8iaXeyopévouç àXXà vucrráÇovTaç Kai
nós dois, como o comum dos homens ao meio-dia, não con­
! KqXoupévouç ó<p’ aúrcDv 8i’ àpyíav Tqç 8iavoíaç,
versamos, mas ao contrário, cochilamos e, por inércia inte­
SiKaiGDÇ av KarayeXcpev, qyoúpevoi áv8pÓTto8’ arra
lectual, cedemos ao seu encantamento, com justiça iriam rir
aipíaiv éXôóvra eiç tò KaTaycDyiov coarrep irpo^ÓTia
|| !■ lí! de nós, julgando que alguns escravos vieram ao seu refúgio
pearjpPpiáÇovTa rrepi rqv Kpqvqv eü8eiv- éàv 8è ópcoai
e, como carneiros no repouso da sesta, dormem em volta da
SiaXeyopévouç Kai TTapairXsovráç atpaç coarrep
fonte; se porém elas nos virem a conversar e nosso barco as
Eeipqvaç [259b] aKqXqTOUç, ô yepaç rrapà 0ecov
costear como a Sereias, [259b] livre de seus encantamentos,
exouaiv àv0pGDiroiç 8i8óvai, ráx’ av 8oiev
i !;l | . o privilégio que elas têm dos deuses para dar aos homens tal­
àyaa0évreç.
vez então elas nos deem, admiradas.
OAIAPOE

J
FEDRO
|íb 11 exouat 8è 8q tí touto; ávqKooç yáp, cbç eoike,
E que privilégio é esse? Está aí uma coisa de que prova­
TuyxávcD cSv. j ..
I. velmente jamais ouvi falar.
1 .«■<’'
EQKPATHE /P 7 1 SÓCRATES
ou pèv 8f| irpérrEi yéqnXópouaov av8pa;tã)v Em verdade não fica bem um amigo das Musas(não ter
toioutgdv avqKOOv eivai. Aeyerai ò gdç ttot qaav outoi
ouvido falar de tais coisas. Ora, dizem que outrora as cigarA
av0pcoiroi tgdv irpiv poúaaç yeyovsvai, ysvopévGDv 8è

|i Mouacov Kai (paveíaqç cp8qç outgdç apa Tivèç tgdv tots


éÇeTrXáyqaav vq>’ q8ovqç, [259c] coote ç8ovteç qpéXqaav
ras eram homens, dos que existiam antes de nascerem as Mu- I
sas;\ nascidas estas e revelado o canto, alguns deles tanto se/,
enlevaram de prazer [259c] que, a cantar,
< descuidaram de|l^ J ' '
i i
': 1 I
oítgdv xe Kai ttotgdv, Kai eXaOov TeXeuTqaavreç aÚTOÚç-
éÇ gdv tò TEvriycov yévoç per’ eKeivo (piíerai, yépaç touto
comida e bebida e não notaram que tinham morrido; deles é^
que a raça das cigarras depois daquilo deriva a sua natureza,
Trapa Mouacov Xapóv, pqSèv Tpocpqç 8eia0ai yevópevov, tendo das Musas recebido este privilégio, de não carecer de
àXX’ aaiTÓv te Kai arrorov eú0uç çl8eiv, ecoç av
nenhum alimento uma vez nascida, mas sem comida nem be- \
TeXEurqaq, Kai perà xaura éX0òv Trapa poúaaç
bida logo pôr-se a cantar, até morrer, e depois ir ter com as )

118
119
\
j 1 i
í

Is I I àTrayyéXXeiv tÍç tíva aútcòv ttpçi tcov èv0á8e. Tepyiyópç


pèv ouv touç èv toíç yopoíç TETtpqKÓTaç auTqv
*
Musas53 e lhes anunciar quem as honra aqui e a qual delas.
Assim, a Terpsícore anunciando os que a honraram nos co­
ros de dança, [25 9d] fazem deles os seus prediletos, e a Era-
\

l
í àTrayyéXXovreç [259d] ttoioüoi irpooxpiXecrrépouç, tij 8è
’Epatoí touç èv toíç èpwTiKoíç, Kai toíç âXXatç outgüç, to os que se ocuparam nas questões de amor; e as demais as- «

kqtò tò el8oç eKáorqç Tipqç- tF) 8è Trpeaf3uTC(Tr)


sim também, segundo a forma de cada uma ser honrada. A \
KaXXtóirq Kai tF) peT’ auTqv Oúpavíç touç èv qnXoaocpíç mais velha porém,' Calíope, e a que vem depois dela, Urânia, /
os que elas anunciam são aqüélés quê passam a vida a filoso- I
8iáyovTÓç Te Kai TtpcòvTaç Tqv èKeívcov pouotKqv
far e que honram a música das duas;lpois são elas que, sendo
àyyéXXouatv, aí 8iq páXtara tõv Mouacòv Ttepí tg
sobre o céu e os discursos divinos e humanos, emitem a mais 1
oupavòv Kai Xóyouç ouaat Oeíouç Te Kai àv0pcoTtívouç
bela voz.\Muitos portanto são os motivos paraconversar e J
I tãaiv KaXXíorqv ipcovqv. ttoXXcdv 8q ouv gveko Xekteov ti
Kai oú KaOeuSqTeov èv tF) peaqpfBpíçx.
não adormecer ao meio-dia^

íI iI 0AIAPOE
Xekteov yòp ouv. [259e]
FEDRO
Convelsemos então. [259e]
I
! r
í EQKPATHE
oukouv, Ôirep vüv irpou0épe9a aKeipaoOai, tov Xóyov
SÓCRATES
Por conseguinte, o que há pouco propusemos a exame,
o discurso, por onde é belo discursar e por onde não, eis o
órrr) KaXcòç è\et Xéyetv te Kai ypácpetv Kai Ôirq pq,
okettteov.
que carece examinar.;

FEDRO
0AIAPOE
SqXov. Claro.

SÓCRATES
EQKPATHE
u Será então que não deve ser fundamental, para o que
àp’ ouv oóx ú-rrápyeiv 8ei toíç eú ye Kai KaXôç
;bem e belamente vai ser dito; que/o pensamento do que dis­
pq0qaopévoiç Tqv toü XéyovTOÇ Stávotav eiÔuiav to àXqOèç
corre saiba a verdade do que está para dizer?*}
wv av èpeív trepi péXXq;
1
i
i

53 Hesíodo, na Teogonia (75-9), elenca as nove Musas, das quais Só­


crates nomeia a seguir quatro: Terpsícore (dança), Erato (poesia amorosa),
Calíope (poesia épica), Urânia (“celestial”: Astronomia); esse é ainda um
! dos epítetos de Afrodite (deusa do amor, do sexo, da fertilidade).
54 A pergunta discretamente anuncia o enfoque no tema da verda­
de”, que se estende por toda esta segunda parte do diálogo.

121
120
r
(PAIAPOE FEDRO
ri OUTGJCJl TTEpi TOUTOU CXKqKOa, GD (|)ÍXe EcÓKpQTEÇ, OUK
II , ; ■

[260a] Eivai aváyKqv tco pÉXXovTi pqTopi eaeaOat tò tcò


f Eis o que sobre isso ouvi, caro Sócrates: que não [260a]
I é necessário ao que vai ser orador que aprenda o essencial-
óvri 8ÍKaia pavOáveiv àXXà tò SóÇavx’ av TtXq0Ei ' mente justo\ mas o que pareceu à multidão,; que precisamen-
li ovTTEp 8iKaaouaiv, oú8è tò Ôvtgoç àyaOà q KaXà àXX’ < te vai julgar;'nem o essencialmente bom ou belo, mas o que
óaa 86Çei- ek yàp toutgov Eivai tò tteíOeiv àXX’ ouk ek j lhe parecer; ípois é dissó que se deriva o persuadir, não da n
Tqç àXq0EÍaç. íverdade.i

EQKPATHE SÓCRATES
‘outoi àirópXqTOv êttoç’ eivai 8eí, cb “Não é de se rejeitar a palavra”,55 não deve ser, ó Fedro,

I
i
l> $aí8pe, o av EÍ/ncoai aocpoí, àXXà qkotteív pq a que os sábios pronunciam,jmas sim de se examinar se algo í
ti XéyGDai- Kai 8q Kai to vüv Xe^Sev ouk dizem;, e precisamente o que há pouco foi dito não se deve
àipETÉOV.
largar.
! !•; 'i

! 0AIAPOE FEDRO
e òpOcõç XÉyEiç. Estás certo.

EQKPATHE SÓCRATES
Gl)8e 8f| OKOTTGÒpeV aUTÓ.
Eis então como devemos examiná-lo.
!
0AIAPOE FEDRO j
nõç; [260b] Como? [260b]
'R1 ■

•ri' EQKPATHE
El CE TTElOoipi Èyà) TtoXEpiOUÇ ápUVElV
SÓCRATES
Se eu te persuadisse a adquirir um cavalo para combater
KTqaápEvov nrrrov, apipco 8è Íttttov àyvooípEV, o inimigo, mas ambos ignorássemos o cavalo e no entanto
tooov8e pévroí Tuyyávoipi eÍ8gdç TtEpi aoü, oti I
apenas isto eu me encontrasse sabendo a teu respeito, que
4>aí8poç Íttttov qyEÍTai tò tgdv qpépcov Çcpcov péyiara Fedro julga o cavalo ser, dos animais domésticos, o que tem
e\ov goto — maiores orelhas...
I. •

■i
i

55 A formulação remete à Iliada (por exemplo, II, 361: “não rejeita­

i 122
rás a palavra”).

123
’ ii

r íí
(DAIAPOZ í
FEDRO
yeXoíóv y’ av, w EcÓKpaTEÇ, eiq.
Ridículo seria, Sócrates!
ZQKPATHE
SÓCRATES
OUTTGD y£- aXX’ OTE 8f) OTTOu8fj GE TtEÍ9oipi, ouvtiOeíç
Xóyov erraivov Karà tou ovou, irrrrov EirovopáÇcov Kai Ainda não; mas quando eu me empenhasse em te persu­
XÉycov cbç Travròç aÇiov tò 9péppa oikoi te KEKTqo9ai Kai adir, compondo um discurso de elogio ao asno, dando-lhe o
ettí arpariaç, àrrorroXEpEÍv te xpqcnpov Kai rrpóç y’ nome de cavalo e explicando que é uma criação de valor ines­
timável para se ter em casa e em campanha, útil para dele se
? EVEyKEiv 8uvotov [260c] aKEÚq Kai aXXa rroXXà
cbtpéXipov. combater, capaz de transportar [260c] equipamentos, vanta­

li «PA1APOE
joso em muitas outras coisas...

FEDRO
TrayyÉXoióv y’ av qSq etq.
|Ç'
ri Ah! Seria agora o cúmulo do ridículo!
!
!■ r EQKPATHZ
ap’ ouv oú KpeiTTov yeXoiov Kai <píXov rj 8eivov te Kai
SÓCRATES

E^Opòv Eivai rj qjíXov; Mas não é preferível ridículo e amigo a temível e inimi­
go?
’I 0AIAPOZ
FEDRO
«paívETai.
Evidente.
Ii EQKPATHE
SÓCRATES
‘í
jÜ:' I
íI 3 orav ouv ó pqTOpiKÒç áyvocov àyaOòv Kai kokov,
Xa^cov ttÓXiv cbaaÚTGDÇ E\ouaav tteíOt), pf| rrEpi ovou Quando então o orador; ignorando o bom e o mau, pe­
71 QKlãç GDÇ ITTTTOU TOV ETTOIVOV TTOlOUpEVOÇ, àXXà TTEpi 1 ga uma cidade em igual estado e lhe persuade não sobre uma
sombra de asno, que é de um cavalo que está fazendo o elo­
kokoú goç àyaOou, SóÇaç 8è ttXÍ]9ouç pepeXeti]kcòç
TTEÍarj kokò irpÓTTEiv civt’ àyaOóòv, TTOlÓv Tiv’ av 0161 gio, mas sobre o mau, que é bom, e exercitado nas opiniões
pETÒ Taüia rqv prjTopiKqv [260d] xaprròv a>v EorrEipe da multidão persuade a praticar o mal em vez do bem, que
OepíÇeiv; espécie de fruto pensas que a retórica, [260d] depois disso,
i :ii
possa colher do que semeou?
OAIAPOE
í FEDRO
ou návu ye EiriEiKq.
Um fruto nada apreciável.
! EQKPATHZ
SÓCRATES
ap’ ouv, gd áyaOé, àypoiKÓTEpov tou Séovtoç ?
f j Será então, ó bom, que fomos mais rudes que o devido
| |

124
125
u' F

í
I
í ri X£Xoi8opqxapEV rqv tgdv Xóycov TÉxvqv; q 8’ iacoç av vilipendiando a arte dos discursos? Ela talvez dissesse: “Que
EiTTOi- ‘tí ttot’, co ôaupáaioi, XqpEÍTE; Eyco yàp ou8év’ estais aí, admiráveis criaturas, a parolar? Pois eu a ninguém
àyvooüvTa TaXqôèç àvayxáÇcu pavOávEiv XéyEiv, que desconheça a verdade forço que aprenda a discursar;
àXX’, e’í ti Èpq auppouXq, KTqaápEvov ekeivo outgdç mas, se algo vale o meu conselho, que antes adquiram-na e
Epè XapfJáveiw tó8ê 8’ ouv péya Xéyco, cbç aveu Epoü então me venham tomar. E eis então o que enfaticamente afir­
Tcp to Ôvto êi8óti oú8év ti pãXXov Èarai tteíÔeiv mo, que, sem mim, o que conheça o ser das coisas nada ga­
téxvr).’ [260e] nhará com isso para Jpersuadir com.arte[260e]
■i-

«PAIAPOE FEDRO

li KS ouxoüv SÍKata epeí, Xéyouaa Taura; E não dirá o que é justo dizendo isto?
1 r
Bü;
|| li
h EQKPATHE SÓCRATES

cpqpí, éàv oi y’ ettiovteç auirj Xóyot paptupcòoiv Eivai É o que afirmo, se no entanto os argumentos que se
tÉxvtj. cSaitEp yàp àxoÚEiv 8oxcò tivgdv irpocnóvTCDv Kai apresentam atestarem por ela que é uma arte. Pois me parece
como que ouvir outros, vindo a seguir e contestando, que ela
I ■ ■ SiapapTupopÉvcüv Xóycov, Ôti ipEÚÓETai xai oux eoti réxvq

íH
I: I
àXX’ diExvoç Tpipq- tou 8e XéyEiv, ipqaiv ó Aáxcov, ETupoç
TExvr) cÍveu tou âXqOeíaç qq>0ai out’ eotiv oute pq ttoté
üoTEpov yévqTai. [261a]
mente e não é arte, mas inerte rotina;\2^nias,d.o-falaí,-diz-o.
Lacônio, uma arte autêntica sem o toque da verdade, nem
existe nem jamais existirá”; [261a]
I I
■ H ’ 0AIAPOE FEDRO

■í j : 8eí tgòv Xóycov, co EcóxpaTEÇ- àXXà 8£upo


toÚtcdv
Desses argumentos precisamos, Sócrates; vamos, traze-
II! ! qÚtouç TtapáycDv eÇetqÇe tí Kai ttcõç XÉyouaiv. -os para cá e examina sobre o quê, e como discorrem.
I| I
í i EQKPATHE
TtópiTE 8q, QpÉppara yEvvaia, KaXXvrrai8á te
SÓCRATES
Vinde então, nobres criaturas, e persuadi a Fedro, pai
R i <Pai8pov tceíOete cóç éàv pq íxavcoç (piXoaocpqarj, ou8È ,
de belos filhos, que se ele não filosofar dignamente, também
jamais será digno de discursar sobre nada. Que Fedro então
I íxavóç ttote XÉyEiv Eorai irEpi ou8evoç. àiroxpivEaOco 8q
ó 4>ai8poç. responda.

0AIAPOE FEDRO
èpcoTcxTe. Perguntai.

h EQKPATHE
ap’ ouv ou to pèv oXov q pqTopixq âv eiq texvt]
ipuxaywyícL TlS Stà Xóycov, ou póvov ev
SÓCRATES
I Porventura, em seu todo, não seria a arte retórica uma
“psicagogia”, um conduzir a alma por palavras, não ape-
• 'i i i
127
126

f )
Ã
8iKacrrqpíoiç Kai oaoi àXXot 8qpóatot aúXXoyoi,
àXXà Kai èv iSíotç, q aurq apiKpcòv [261b] te Kai nas em tribunais e em quantos outros conselhos públicos,
pEYÓXcDV Ttépi, Kai OÚ8ÈV EVTtpÓTEpOV to yt óp0òv mas também nos de caráter privado, a mesma em pequenos
I; !
TtEpi OTtouSaia q TtEpi tpaúXa YiyvópEvov; q ttcòç cru
tout’ aKqKoaç;
[261b] e grandes assuntos, e em nada é mais honroso o seu
emprego, se correto, em coisas sérias que em banais?56 Ou
l como ouviste falar dessas questões?

«DAIAPOI
ou pà tÒv Aí’ ou TravTáiTaoiv outgdç, àXXà paXicrta FEDRO
pév ttgdç TtEpi tÒç 8íkoç XéyeTaí te Kai YpátpETat TE^vq, Não, por Zeus, absolutamente não foi assim, mas ao
I i XÉYErai 8è Kai TtEpi Sqpqyopíaç- CTti ttXeov 8è ouk contrário, que é principalmente nos processos judiciários que
aKrjKoa. se discursa e escreve, e também se discursa em deliberações
I;
da Assembléia; mais do que isso não ouvi dizer.
EQKPATHE

1I àXX’ q tÒç Néaropoç Kai ’O8uaaÉwç TÉ\vaç póvov TtEpi


Xóycov aKqKoaç, àç èv ’lXícp axoXáÇovreç auvEYpavpàTqv, tõ>v
SÓCRATES

I íI 8è naXapf)8ouç àvqKooç y^ovaç; [261c]


Mas então as artes de Nestor e Ulisses foi só o que sobre
argumentos ouviste? E quanto às de Palamedes não chegaste
a ouvir? [261c]
«DAIAPOE
1 ■
FEDRO
kqí vai pà Aí’ ey^Y6 T(^v NéoTOpoç, ei pi] fbpYÍav
-li ; Nécrropá Ttva KaTaoKeuáÇeiç, q tiva ©paaópaxóv te Kai E nem mesmo, por Zeus, as de Nestor, eu não; a não ser
h •

I
©EÓScopov ‘OSuaaéa. que de Górgias estejas fazendo algum Nestor ou de Ulisses
algum Trasímaco ou Teodoro.57

■|'

ii! ;
üf ■ 56 O passo sela a definição da arte retórica, que será examinada a se­
,11 guir de diversos pontos de vista. Deve-se notar a revisão da perspectiva
í hostil, pela qual é empreendida a crítica da Retórica no Górgias (449c ss.;
nomeadamente 452e: “(A Retórica produz] a persuasão pelos discursos
! tanto dos juizes, nos tribunais, como dos membros do Conselho, no Con­
i selho (Bottlê), como do povo, na Assembléia (Ekklêsia), como de cada um,
em qualquer reunião de cidadãos...”).
Lí 57 Górgias é um famoso sofista e um mestre da Retórica, nascido em
i';i Leontini, na Sicília (V-IV a.C.), a quem Platão dedicou o diálogo com o
I I seu nome. Trasímaco de Calcedônia (V a.C.) é o mais importante dos in­
terlocutores de Sócrates, na República, I, que defende a tese de que a jus­
I 1NH tiça é a “lei do mais forte” (338c, 343 ss.).
128
129
ir

EQKPATHE SÓCRATES
íacoç. àXXà yàp toutouç eôpEV- cru 8’ Emé, ev Talvez. Mas deixemos estes; e tu dize-me: nos tribunais,
8ixacrTqpíoLÇ 01 cxvtlSlkol tl 8pã)aiv; oúx àvTiXEyouaLv que fazem as partes contrárias? Não é verdade que elas con­
pÉvroí; q tí (pqaopEv; tradizem? Ou que diremos?
I
! 4>AIAPOE FEDRO
toüt’ QUTÓ.
Isso mesmo.

e EQKPATHE SÓCRATES
- Ttepi toü ÓiKaíou te xai à8íxou;
b1 Sobre o justo e o injusto?
■ 0AIAPOE FEDRO
vai. Sim.
B1
EQKPATHE SÓCRATES
oÚkoüv ó TEyvq touto 8põ)v TTOiqaEi cpavqvai TÒ E não é certo que, quem pratica isto com arte, fará que
[261 d] qÚtò tolç auroíç tote pèv 8íkouov, otov 8è apareça a [26Id] mesma coisa às mesmas pessoas, ora justa,
poúXqTat, cí8ikov; quando quiser, ora injusta?

0AIAPOE FEDRO
tí pfjv; Por que não?
• I
EQKPATHE SÓCRATES
I! xcà ev 8qpqyopíç( T,J "rcoXei 8oxeÍv rà aura tote pèv E, quando em discurso na Assembléia, que à cidade pa­
àyaOá, tote S’ au ràvavría; reçam as mesmas coisas, ora boas, ora o contrário?

0AIAPOE FEDRO
OUTCOÇ. É assim.

I EQKPATHE
tÒv ouv TXeqtlxÒv HaXapq8qv XéyovTa oúx iapev
SÓCRATES
Ora, o Palamedes eleático58 não sabemos que discorria
TEyvrj, cüote <paívEo9ai tolç àxoúouai tò aura Ôpoia xai com tanta arte que aos seus ouvintes as mesmas coisas pare-

i 58 Referência a Zenão (c. 490-460 a.C.), filósofo da escola eleática,

130 131
•7
I !

I àvópota, Kai ev Kai iroXXá, pévovTÓ te au Kai ciam semelhantes e dessemelhantes, uma só e múltiplas, e
tpEpópEva;
ainda imotas e movidas?
4>AIAPOE
FEDRO
póXa ye.
É bem isso.
EQKPATHE
SÓCRATES
oÚk apa póvov irepi StKaarqpiá ié êotiv q Assim, não é apenas nos tribunais e na eloquência que \
àvTiXoyiKq [261e] Kai irepi ôqpqyopíav, àXX’, óç eoikg,
existe a arte da contradição, [261e] mas ao que parece em
irepi TrávTa tò Xeyópeva pia tiç xé^vq, Eiirep eotiv, aüxq tudo que se diz uma só arte, se é que existe, seria esta pela
ãv etq, q tiç oíóç t’ earai ttõv iravri ópotoúv tóóv Ôuvotcov qual alguém será capaz, não só de assimilar toda coisa a qual­
I
Ü Kai oiç 8uvaTÓv, Kai âXXou ópoiouvroç Kai quer outra, das que é possível à que é possível, como também, ('
I àiroKpuTrTopévou eiç cpcoç ayeiv. se um outro assimila escondendo, de trazer isso à luz.
I
b v-! «DAIAPOE
FEDRO
ircoç 8q tò toioütov XéyEiç;
Como é que dizes tal coisa?
EQKPATHE
SÓCRATES
- t^Se 8okg> ÇqTOÚaiv (pav£Ícr0ai. aTrÓTq irÓTEpov ev ttoXu Procurando neste sentido penso que se verá: a ilusão é
5taq>épouat yíyvETat pãXXov q ÔXíyov; [262a] no muito diferente que se produz ou no pouco? [262a]
|l
«PAIAPOE
FEDRO
èv toíç ôXíyov.
No pouco.
EQKPATHE
-I I SÓCRATES
7'1 ; àXXó ye 8q kotò aptKpòv pETa(3aívci>v pãXXov XqaEiç Sim, é certo: se pouco a pouco transpões, mais desper­
ÉXOcov ettÍ tò evovtÍov q kotò péya. cebido irás na direção contrária que a grandes passos.

.•! ■
4>A1APOE
FEDRO
TTÕç 8’ oü;
Como nâo?

célebre por seus argumentos paradoxais; segundo Diógenes Laércio, foi


:.j chamado por Aristóteles de “inventor da dialética”.
!
132 133
i' EQKPATHE
8eí âpa tÒv péXXovTa aTraTqoEiv pèv aXXov, aúròv 8è pq SÓCRATES

!
i àTraTqaECT0ai, Tqv opoiÓTqTa tóòv ovtcdv Kai àvopotÓTqTa
cxKpi{3aí)ç 8tEi8évat.
Precisa então o que vai iludir outro, e sem a si próprio
1 se iludir, rigorosamente conhecer a semelhança e desseme­
I lhança dos seres.
I «miapoe
âváyKq pèv ouv. FEDRO
É necessário, sim.
EQKPATHE

r q ouv oíóç té Eorat, àXq0Eiav àyvocòv EKacrrou, rqv tou


àyvooupévou opoiÓTqTa apiKpáv te Kai pEyaXqv ev toiç
Kotl pEyáXqv ev tolç
SÓCRATES
'Será então que ele é capaz, se ignora a verdade de cada
âXXotç 8iayiyvc3oKEiv; [262b] ser, de nos outros1 distinguir a semelhança do ignorado, gran­
) i de ou pequena?í [262b]
f h 0AIAPOE
àôÚVQTOV. FEDRO
i '•
í li
EQKPATHE
oukouv toíç Ttapò to Óvtq 8oÇáÇouai Kai
Impossível.

SÓCRATES
i àitaTCDpÉvoiç 8qXov cbç to iráQoç toüto 8t’ ópoiOTqTGOv Por conseguinte, nos que opinam por fora das coisas e
TIVGDV ElCFEppÚq. se iludem, é claro que este efeito se insinuou através de certas
semelhanças.)
«DAIAPOE
d yíyvETat Y°^v outcdç. FEDRO
É bem assim que se dá.
'■d
EQKPATHE
I eartv ouv ottcdç TEyviKÒç Ecrrai pETapifBáÇEiv kqtÒ
SÓCRATES
apiKpòv 8tà tgdv ópoiotqTcov cnrò tou Óvtoç ekÓotote ETti É possível então que tenha a arte de transferir pouco a
i
ToúvavTiov cnráycov, q aútòç toüto SiacpEÚyEtv, ó pq pouco, jpor semelhanças fazendo em cada passo passar do ser
! i
I‘ EyVCDplKCDÇ O 6OTIV EKQOTOV TGDV OVTCOV; ao seu contrário, ou de ele mesmo evitar isso, aquele que não
íl
j j 0AJAPOE
ou pq ttote. [262c]
tem conhecimento do que é cada um dos seres?

FEDRO
Não, jamais. [262c]

i ■

lf I .

134
135
:U I
EQKPATHE
Xóycov apa TÉxvrjv, <b ETaipE, ó tqv àXqOetav prj r SÓCRATES
ei8gSç, 8óÇaç 8è TE0qpEUKc3ç, yeXoíav tivá, cbç êoike, Kai / Então, amigo, uma arte de discursos que apresentar
orrexvov TrapÉÇETai. \ aquele que não conhece a verdade, mas andou à caça de opi- /
, niões, é uma arte irrisória, ao que parece, e nem mesmo é f
I {arte. ' s. - v v
0AIAPOE
■ KivÔuveúet. FEDRO
Bem pode ser.
EQKPATHE
I

í
y
■í ■1 PoúXei ouv ev TCp Auaíou Xóycp ov cpÉpEiç, Kai ev SÓCRATES
OIÇ qpeíç EÍrropEV Í8eÍV Tl GOV (papEV aTEXVGDV TE Kai Queres então, no discurso de Lísias que trazes contigo e
evtexvcov Eivai; nos que nós pronunciamos, ver algum caso do que declara­
mos sem arte ou com arte?
í-1 4>AIAPOE
TTÓvTGDV yÉ TTOU pÓXlOTa, CUÇ VUV yE 1|hXÕ)Ç TTGDÇ FEDRO
XéyopEv, oÚk 6'xovteç iKavà rtapaSEÍypaTa. Mais que tudo, sim, pois agora falamos um tanto no se­
co, sem ter exemplos convenientes.
EQKPATHE
Kai prjv Kaxà TÚ^qv yé tiva, cbç eoikev, Eppq0íyrr)v SÓCRATES
[262d] tgd Xóyw e\ovté ti rrapá8Eiypa, cbç av ó eiScoç to Aliás, foi de fato uma sorte, parece, que tenham sido
àXqOÈç TTpoairaíÇGJv ev Xóyoiç Trapa yoi touç proferidos [262d] os dois discursos, com um exemplo de co­
aKoúovraç. Kai EycoyE, à> <I>aÍ8pE, aiTicõpai touç mo o que conhece o verídico poderia, jogando com palavras,
■ I Èvtottiouç ÔeoÚç- iacoç 8è Kai oi tgdv Mouaã>v TTpoq>í]Tai seduzir os ouvintes. Eu, por mim, Fedro, responsabilizo os
oi úirèp KEipaXfjç cbSoi ÊTTiTtEiTVEUKÓTEÇ av qpiv ElEV deuses locais; e pode ser que também as intérpretes das Mu­
■ t
toüto tò yépaç- oú yáp ttou EycDyE TÉxvqç tivoç tou sas, as cantoras sobre nossas cabeças, tenham-nos insuflado
ey^Y6 T^XvrIÇ Tivòç toü
XÉyEtv péroxoç. este privilégio; pois certamente não sou eu dotado de nenhu­
ma arte de falar.\
ii
eorco óç XéyEiç- póvov 8qXwaov o FEDRO
Seja como dizes, contanto que mostres o que afirmas.
EQKPATHE
i0i 8q poi cxváyvG)0i tf|v tou Auoíou Xóyou ópxiív. SÓCRATES
[262e] Vamos então, lê-me o começo do discurso de Lísias.
[262e]

7 136
137
í OAIAPOE
FEDRO
‘irepi pèv tgdv èpcbv TrpaypáTGDv eTríaraaai, Kai cbç
í vopíÇcD auptpépetv qpiv toutcov yEvopÉvGüv, aKqKoaç.
àÇico 8è pf| 8tà toüto àtuxqaai cbv Õéopat, Õti ouk
! “Sobre os meus negócios estás instruído, e como julgo
ser de nosso interesse que eles se efetuem, foi o que ouviste;
èpacrtqç cbv aou TuyxávcD. cbç ekeivoiç pèv tote e pretendo não ser por isto que malogrem os meus pedidos,

I perapeXei’ — por não ser teu amante. Assim aqueles um dia se arrepen­
dem...”
r
f EQKPATHE
~ z 2x r r t z x ,z
Ttauaai. ti òq ouv outoç apapTavEi Kai otexvov
SÓCRATES
ttoleÍ Xekteov q yáp; [263a] Para. Em que então este não acerta e sem arte compõe
é preciso dizer — ou não? [263a]
0AIAPOE
vai. FEDRO
É, sim.
I I EQKPATHE
I I í àp’ oúv oú Travti 8qXov tó ye toiov8e, cbç irepi pèv
EVta TGDV TOIOUTCOV ÓpOVOqTlKGDÇ EXOpEV, TTEpi 8’ EVia i
SÓCRATES
Ora, não há uma coisa pelo menos que para todo mun­
araaicDTtKGDç; do é clara, e é que, em tais questões, sobre alguns pontos es­
f.
tamos de acordo, mas sobre outros em desacordo?
0A1APOE
8okcò pèv 0 XéyEtç pavOávEtv, eti 8’ emè FEDRO
L
aacpéoTEpov. Pareço compreender o que dizes, mas fala ainda mais
i claro.
i i EQKPATHE

11 otqv tiçovopa evrrri ai8qpou q àpyúpou, àp’ ou tò


auTÒ Trávreç 8iEvoq0qpEv;
SÓCRATES
Quando alguém diz o nome de ferro ou de prata, por­
ventura não é o mesmo que todos compreendemos?
<t>AIAPOE
FEDRO
Kai páXa.
É bem isso.
I

I : i EQKPATHE
tí 8’ otav 8tKaíou q àyaOou; ouk àXXoç aXXy
SÓCRATES
Mas quando é o nome de justo ou de injusto? Não é ca­
(peperat, Kai àpipia^qToupEv àXXqXotç te Kai qpív
aÚToiç; da um de nós diferentemente levado, e mutuamente nos con­
testamos e até conosco mesmo?

138
139
' i*

«PAIAPOE
FEDRO
ttÓvu pèv ouv. [263b]
Inteiramente. [263b]
I
EQKPATHE
SÓCRATES
èv pèv apa toíç aupcpcovoupEv, èv 8è toíç oü. Em uns casos então concordamos, mas em outros não?
I

11
I
1
OAIAPOE
OUTCü.

EQKPATHE
TTOTÉpCD0l OUV íeuanaTrjTÓTepoí EopEv, Kai q pqiopiKq
FEDRO
É isso.

SÓCRATES
Assim, de que lado somos mais sujeitos à ilusão e em
i
èv iroTÉpoiç peiÇov ôtívarai; qual dos dois tipos de casos a retórica pode mais?

4>AIAPOE
I FEDRO
8qXov oti èv otç -nXavGDpEÔa. Evidentemente naquele em que divagamos.

EQKPATHE

SÓCRATES
oukoüv tÒv péXXovra TÉ)(vqv pqtoptKqv pri-­
Por conseguinte, o que vaii lidar com arte retórica, pri
peTiévai TTpGÒTov pèv 8eí touto Ó8ã) 8irjpqa0at, Kai meiro deve ter separado em regra estes dois tipos e apreen­
eiXqqjÉvat tivà yapaKTqpa Exarépou tou ei8ouç, èv
I !
G) te àváyKq to irXqQoç TtXavãaOat Kai èv cp pq.
[263c] í
dido alguns caracteres de cada um, tanto daquele em que
(---------
necessariamente a gente divaga como daquele em que não.
I > [263c]
I L .i:
0AIAPOE
„ ,/ r FEDRO
i
koXòv youvav» ° EcÓKpaTEç, el8oç etq KaTavEvoqKÒç Bela ideia, pelo menos, ó Sócrates, teria em sua mente
o TOUTO Xapcóv.
i percebido o que pegou isto.

-
EQKPATHE
V / T X < ,
SÓCRATES
I enetTa ye oipat Ttpoç eKaarcp ytyvopevov pq
XavOávEtv àXX’ òÇecdç aio6ávEO0ai itEpi ou âv péXXij
E depois, penso eu, diante de cada caso não esquecer,
mas ao contrário, agudamente sentir a respeito do que vai
'i èpEÍv iroTEpou ôv Tuy)(ávEi toü yévouç.
i falar, qual o gênero a que pertence.

n 4>AIAPOE
tí pqv;
FEDRO
Por que não?

140 141
Fl

p.
I EQKPATHE
z \ JZ z ** ¥ ru
SÓCRATES
Ü- tiouv; tov epüTta iroTEpov <pa>pev Eivai tg>v Pois bem, e o amor? Devemos afirmar que é das coisas
àp<piapr)TqaípG)v q tg>v pq; sujeitas a discordância, ou das que não são?

«DA1APOE
FEDRO

tcov àptpioPqTqoípGDv Sqirou- q oiei av aoi Eyycopqaai Das que são sujeitas, é claro; se não, pensas que te seria
eitteív a vuvóq éitteç tTEpi auTOÜ, cbç pXá[3q te eoti tco possível dizer o que há pouco disseste dele, que é um dano
.H
EpcDpÉvcp Kai Epcòvri, Kai auOiç d>ç péyiarov ôv tgdv àyaOcõv para amado e amante, e, revirando, que é porventura o maior
TuyXÓvEi; [263d]
I dos bens? [263d]
í EQKPATHE
SÓCRATES
âpiara XéyEiç- àXX’ ente Kai tó8e — Eycb Y^P TO1 ^tà Tò Ótimo! Mas dize-me ainda o seguinte — pois eu, pelo
EvOouaiaariKÒv ou navu pépvqpai — ei (bpiaápqv epcoTa defini
entusiasmo, não estou bem lembrado —, se eu c o amor
---------
àpxópevoç tou Xóyou.
quando comecei o discurso.

I 4>AIAPOE
vq Aía àpqyávcDÇ ye

EQKPATHE
aipóôpa.
FEDRO
Sim, por Zeus, com inexorável rigor.

SÓCRATES
(pEÜ, ooo) XÉyEiç TEXviKCDTÉpaç Nópcpaç tÓç A^eXcdou Ih! Quão superior afirmas a arte das Ninfas, filhas dé\
Kai fiava tov ‘Eppoü Auaíou tou KEtpáXou irpòç Xóyouç 1 em face da de Lísias, ’
Aqueloo,59 e de Pà, filho de Hermes,,60
I
Eivai, q oúSÈv Xéyco, áXXà Kai ó Auaíaç ápyópEvoç tou filho de Céfalo! Ou nada estou a dizer e foi Lísias que, ini-
EpcDTiKoü qváyKaoEv qpãç uiroXaPEÍv wv epcoTa ev ti tõv ciando o discurso erótico, forçou-nos a conceber o Amor co- j
I : Ôvtgjv o [263e] auròç E^ouXqQq, Kai irpòç touto q8q mo um dos seres que [263e] ele próprio quis e, já em vista \
auvraÇápEvoç iravra tov üarEpov Xóyov SiETtEpávaTo; disso tendo coordenado tudo, a sequência do discurso ele le­
! PouXei iráXiv àvayvcòpEV Tqv àp\qv aÚTOÜ; vou a termo? Queres que de novo leiamos o princípio dele?

' I1

I 59 Aqueloo, deus-rio, filho de Oceano e de Tétis, que desaguava na


boca do golfo de Corinto, e separava a Acarnânia da Etólia.
60 Hermes é um dos olímpicos, mais conhecido como o deus dos co­

merciantes e dos ladrões; Pâ é o deus dos campos e bosques. No final do


diálogo, Sócrates dirige-lhe uma comovente prece.
i

SJ42 143
I

«DAIAPOE
FEDRO
ei aoí yE 8okeí- ô pévTot ÇqrEiç ouk eot’ aúróOi. Se é o que te parece; mas o que procuras não está aí.
■i I
EQKPATHE SÓCRATES

i 1d1 Xéye, iva aKoúaco aúroü

«DAIAPOE
ekeivou.
Lê, para que eu ouça dele próprio.

FEDRO
i ■ ’v ‘■TTEpi pèv tcov Epcov TrpaypóíTCDv ETTÍaraaai, Kai cbç “Sobre os meus negócios estás instruído, e como julgo
H vopíÇco aupcpépEiv qpív toÚtcov yEvopévcov, aKqKoaç.
áÇico [264a] 8è pq 8ià touto àruxqaai cbv Siopai, ôrt
ser do nosso interesse que eles se efetuem foi o que ouviste;
e pretendo [264a] não ser por isso que malogrem os meus
í ouk Epaorqç cov ooü tuyxávco. cbç ekeivoiç pèv tote pedidos, por não ser teu amante. Assim aqueles um dia se ar­
j' ; pETapéXEi cbv av eu Troiqacoaiv, Èttei8cxv rqç Eiri0upíaç rependem do bem que porventura tenham feito, quando ces­
Hn § '
TTaúocovTai-’ —
sar o desejo —”
í í
EQKPATHE
SÓCRATES
q ttoXXoü 8eív EOIKE TTOIEIV 68e yE O ÇqroüpEv, OÇ É, longe parece estar de fazer o que procuramos quem
•i ' ou8è air’ àpxqç àXX’ àirò teXeuttíç eÇ uirríaç àvairaXiv não do começo mas do fim, nadando de costas e para trás,
8iavEÍv EiTixeipEÍ tÒv Xóyov, Kai apxerai à<p’ cbv tenta atravessar o discurso e começa a partir do que, já ces­
TTEiraupévoç av q8q ó Epaorqç XÉyoi Trpòç rà rrai8tKÓL sado o amor, o amante diria ao namorado. Ou não é nada o
pi
q ou8èv eittov, í>ai6pE, <píXq KEtpaXq; [264b] que eu disse, Fedro, cabeça querida?61 [264b]

i lí I!
II!
4>A1APOE FEDRO
y z
.1 eoTiv yé tol Sq , CO EcOKpOTEÇ, TeXeUTI], TTEpi OU TÒv É mesmo, Sócrates, é bem um fim por onde ele começou
I Xóyov noierrat.
a fazer o discurso.

EQKPATHE SÓCRATES
tí 8è ràXXa; ou x^Sqv 8okeí pEpXqo0ai rà rou E quanto ao resto? Não te parecem confusamente joga­
Xóyou; q (paívETai tò 8eÚTEpov Etpqpévov ek tivoç dos os seus elementos? Ou se evidencia que o segundo, por
àváyKqç 8£ÚTEpov 8eÍv TE0qvai, q ti aXXo tcov pq0évTCDv; alguma necessidade, deve ter sido posto em segundo lugar,
bi Èpoi pÈv yàp eSoÇev, cbç pq8èv ei8óti, ouk àyEvvcoç tò mais do que qualquer outro dos que foram expostos? A mim
'I ettiÒv Eipqa0ai rcò ypácpovrr au 8’ e\Eiç nvà àváyKqv pareceu-me, em minha ignorância, que não sem bravura está
formulado o que vinha ao escritor; tu, porém, conheces al-

61 Na sua origem, a expressão é homérica (Ilíada, VIII, 281). Platão


usa-a no Eutidemo (293e) e no Górgias (313c).

145

r
f|

Xoyoypaq)iKf)v f) touto ekeívoç outcdç écpEÇqç irap’ guma necessidade discursiva pela qual Lísias dispôs assim es­
aXXqXa eOrpcev; tes elementos, seguidamente uns ao lado dos outros?

(PAIAPOE FEDRO
Xpqcrròç ei, oti pE qyrj Íkovov Eivai tÒ ekeivou [264c] Bondade tua, se me julgas capaz de [264c] com tanta
OUTCDÇ ÒKpípCÒÇ 8u8éIV. precisão discernir as suas intenções.

EQKPATHE SÓCRATES
àXXà t68e y£ oipaí oe ipávai av, 8eÍv irávTa Xóyov Mas eis o que, penso eu, tu poderías afirmar: que deve
coaiTEp Çcpov auvEorávai acopá ti E\ovTa aÚTÒv auToú, todo discurso constituir-se como um ser animado, tendo um il
cdote pqTE aKEcpaXov Eivai pqTE airouv, àXXà péaa te corpo que seja o seu, de modo a não ficar sem pé nem cabe- \
E\eiv xai axpa, TrpÉTrovTa àXXqXoiç Kai tcò oXcp ça, mas ter partes centrais e extremas, escritas de modo a se/
yEypappÉva. ajustarem entre si e com o todo. J

0AIAPOE FEDRO
irõç yàp ou; Como não?

EQKPATHE SÓCRATES
axéyai toivuv tov tou exaípou aou Xóyov eÍte outcdç éite Examina então se o discurso do teu amigo é assim ou
olXXcdç e'xet, Kai EÚpfjaEiç tou ETriypáppaToç oú8èv 8ia<pépovTa, diferente, e descobrirás que em nada ele difere do epigrama
o Mí8ç tco <Ppuyí cpaaív tiveç èTriyeypátpOai. [264d] que, dizem, foi escrito por Midas, o frígio. [264d]

«PAIAPOE FEDRO
TTOIOV TOUTO, KQl TI TTETTOV0Óç; Qual é e o que houve com ele?

EQKPATHE SÓCRATES
eart pèv touto tó8e — É o seguinte:

‘yaXKfí napOévoç Eipí, Mí8a 8’ eiti aqpaTi KEÍpai. “Bronzea virgem eu sou, de Midas na tumba repouso.
ôq>p’ av Ú8cop te várj Kai 8Év8pEa
vdr) Kai 8év8pi paKpà TE0qXp, Enquanto correr água e árvores grandes crescerem
aÚTOU tt)8e pévouaa TroXuKXaÚTOu etti TÚp^ou, aqui mesmo fixada sobre o pranteado túmulo
cxyyeXecd Trapiouai Mí8aç o aos passantes direi: Midas aqui está sepultado.”’ 62 [264e]
oti tij8e TéQaTrrai.’ [264c]

» Versos 1-2, 5-6, do epitáfio de Midas, atribuído a Cleóbulo por


Diógenes Laércio (1, 6, 89-90).

146 147
<
r

8’ oú8Èv StatpÉpei qÚtou irpcoTOv rj uototÓv ti


oti Ora, que emi nada difere que uma frase dele se diga em
XéyEaOai, êvvoêÍç irou, cbç Eycppai. primeiro ou último
i lugar bem o percebes, suponho.

4>AIAPOZ FEDRO
aKÓirreiç tov Xóyov fjpcov, cò Estás zombando do nosso discurso, ó Sócrates.
ZcÓKpaTeç.
i
EQKPATHE SÓCRATES
Deixemo-lo então para não te aborreceres — embora ele
toutov pèv toÍvuv, iva pf) au edacupEv — koÍtoi
auyvá yE ÈyEiv P°l Sokeí 7tapa8EiypaTa Ttpòç â tiç ^Xettcov tenha, parece-me, abundantes exemplos que muito aprovei­
òvívaiT’ dv, pipEÍaQai aura EirixEipcov pf) irávu ti — elç 8e taria ter em vista sem tentar imitá-los —, e passemos aos ou­
i
I TOUÇ ETEpOUÇ XÓyOUÇ ICOpEV. f]V yáp Tl EV aÚTOÍÇ, óç 8okcò, tros discursos. Pois havia algo neles, penso eu, que é conve­
i niente ver quando se quer examinar a eloquência. [265a]
TrpoarjKov i8eív toíç [3ouXopévoiç iTEpi Xóycov okotteív. [265a]

«DAIAPOE FEDRO
TÒ iroíov 5f| Xéyetç; Do que especificamente estás falando?

EQKPATHE SÓCRATES
de algum modo contrários: pois diziam
Evavríco itou qcrrqv ó pèv yàp cbç tcò epãjvrt, ó 8’ cbç tcü Os dois eram
amante, e o outro que ao não amante, é preciso
pf) 8eí xapíÇE(rôat> éXeyérqv. um que ao
favorecer.

0AIAPOE FEDRO
Kai páX àvSpiKwç. E com que virilidade!

EQKPATHE SÓCRATES
Eu pensava que dirias a verdadeira palavra: com que de­
cóipr)v O£ TaXqOèç èpeiv, Ôti pavtKCÒç- o pévTOi e£i]touv
èariv airrò toüto. pavíav yáp ti va Eqjqaapev Eivai tov eparra. lírio! Sim, o que de fato eu procurava é isso mesmo. Um de­
n YáPJ lírio, eis o que dissemos ser o amor, não é?

4>AIAPOE FEDRO
vai. É, sim.

148 149
i1
EQKPATHE
SÓCRATES
pavíaç 8ê ye et8q 8úo, Tqv pèv úirò vooqpÓTCDv
Mas do delírio há duas espécies, uma por doenças hu­
àv0pcoTrívcDv, Tqv 8è úirò 0EÍaç éÇaXXayqç tcòv eÍcdOÓtcdv
manas, e outra por divino transporte que nos ífaz sair das
--------
vopípwv yiyvopévqv. [265b]
I normas habituais. [265b] i
0AIAPOE
ttÚvu yE. FEDRO
Perfeitamente.
EQKPATHE
SÓCRATES
tfjç 8è ôeíaç Terrapcov 0ecov TEirapa pépq 8ieXópevoi, Quanto à divina nós a dividimos em quatro partes de
pavTiKqv pèv errÍTivoiav AitóXXgdvoç 0evteç, Aiovúaou 8è quatro deuses, e a inspiração divinatória atribuindo a Apoio,
TeXeariKqv, Mouogòv 8’ au TroiqTiKqv, TErápTqv 8è á<ppo8vrqç a Dioniso a mística, às Musas a poética e a quarta a Afrodi-
Kai ’'EpGrroç, èpGDTiKrjv pavíav EipqaapEv te àpícrrqv Eivai, Kai te e Eros; dissemos que o delírio amoroso era o mais excelen­
OUK OÍ8’ OTtr) TÒ EpGDTlKÒv TTÓ0OÇ àlTÊlKÓÇoVTEÇ, IQCDÇ pEV
te e, não sei por onde imaginando a emoção amorosa, talvez
cxXq0oüç tivoç EipairrópEvoi, TÓya 8’ av Kai aXXooe
tocando em alguma verdade, talvez desviando-nos em outra
irapaipEpópEvoi, KepáaavTeç ou TravTáiraoiv áirí0avov direção, misturamos um discurso não sem força persuasiva,
Xóyov, [265c] pu0iKÓv Tiva upvov irpooÊTraíoapEv perpícoç te
[265c] uma espécie de hino mítico em que festejamos com
Kai Euipqpcoç tov èpóv te Kai aòv SEOirÓTqv epcoTa, cb <I>aÍ8pE,
moderação e respeito o senhor teu e meu, ó Fedro, Eros que
KaXéòv Traí8cov ecpopov.
vela por sobre os belos moços.
0AIAPOE
FEDRO
Kai póXa Epoiye ouk àq8ã>ç aKoüaai.
E que absolutamente não me desagradou ouvir.
EQKPATHE
SÓCRATES
tó8e toÍvuv aúxó0Ev Xó^copEv, óç ÒTrò tou ipéyetv irpòç _ ” ► devemos tirar, como foi
Eis portanto o que disso mesmo
to ettoiveiv ea^ev ó Xóyoç pETafiqvai. discurso pôde passar ao elogio.
que da censura o c
«DAIAPOE
FEDRO
ttglíç 8q ouv aÚTÒ Xéyetç;
Como é que o entendes?
EQKPATHE
SÓCRATES
èpoi pèv ipaívETai tÒ pèv aXXa tcÒ Ôvti TraiSiç evidente que tudo mais foi realmente uma
TTETraia0ai' toutcov 8é tivcüv ek TÚ\qç pq0ÉvTG)v 8uoiv ei8oiv, Para mim é
fez; mas de algumas dessas coisas por aca­
[265d] ei auTOÍv Tqv 8úvapiv tÉXvij Xa^EÍv 8ú varro tiç, ouk brincadeira que se
so ditas, [zoooj se a função delas alguém pudesse tecnica­
aXapi. ditas, [265d]
mente apreender não seria desinteressante.

150 151

/
0AIAPOE FEDRO
rívcov 8q; Quais são elas?63

EQKPATHE SÓCRATES
Etç píav te i8éav auvopóòvTa ayEiv tò Primeiro, a uma só ideia em visão de conjunto levar o
iroXXayg 8iEairappÉva, íva ekootov óptÇópEvoç que está disperso em multiplicidade, para que definindo cada
5
8fjXoV TrOlfl TTEpi OU av ÒíEÍ 8l8ÓaKElV E0ÉXfl. COOTTEp unidade se ponha em claro aquilo que em cada caso se quer
TÒ VUv8f) TTEpi ’'EpGOTOÇ — Ô EOTIV ÓplO0£V — ELt’ EU ensinar. Tal como o que há pouco se fez com Amor: definido
eite KaKGÕç èXÉyGq, to youv aatpèç Kai tò aúrò o que é, a seguir dele se disse bem ou mal, e pelo menos cla­
íí
auTcò ôpoXoyoúpEvov 8tà raura èayEv eitteiv ó reza e coerência interna por esse motivo pôde o discurso con­
Xóyoç.
seguir.

OAIAPOE FEDRO
tò 5’ erepov 8f) eiSoç tí XéyEiç, i> E a outra forma, que dizes dela, Sócrates? [265e]
ZcÓKpaTGç; [265e]

EQKPATHE SÓCRATES
tò iróXiv kcxt’ ei'6r] 8úvao0ai SiaTÉpvEiv kqt’ O oposto: por espécies poder recortar segundo as arti­
ap0pa í] iTÊtpuKEv, Kai pf] ETTiyEipEiv KaTayvúvai pèpoç culações naturais e tentar não quebrar nenhuma parte, como
pr|8év, kokoü payeípou Tpóircp xpópEvov àXX’ coaiTEp faz um mau cozinheiro; mas ao contrário, como há pouco os
i apn tcò Xóyco tò pèv acppov ttjç Ôiavoíaç ev ti kolvt) dois discursos tomaram a demência do pensamento em uma
eiSoç ÈXa[3ÉTr)v, cooTTEp [266a] 8è aópaTOÇ eÇ evòç 8ittXõ forma única, e tal como [266a] de um só corpo nascem mem­
Kai ópcóvupa TiécpuKE, cncatá, tò 8è 8eÇiÒ xXqGévTa, outgo bros duplos e homônimos chamados esquerdos e direitos,
Kai tò Tqç irapavoíaç dbç ev èv qpív TT£<puKÒç ei8oç assim o fato da paranóia, depois de considerarem os dois dis­ i

qyqaapévco tgd Xóyco, ó pèv tò ett’ àpiarEpà TEpvópEvoç cursos como uma espécie naturalmente única em nós, um de­
pÉpOÇ, TTÓXlV TOUTO TEpVGDV OUK ETTavqKEV TTpiv EV OUTOIÇ les, cortando pela esquerda uma parte e de novo outra, não
E<pEUpà)V OVOpaÇÓpEVOV QKaiÓv Ttva EpCDTa EXoi8Óp1]aEV desistiu antes de ter achado nestas um certo amor esquerdo,
páX’ ev 8íktj, o 8’ Etç tò ev 8eÇiç tÍ]ç pavíaç àyayóov que vilipendiou com muita justiça, enquanto o outro, levan­
qpãç, ópcóvupov pèv EKEivcp, 0eiov 8’ aú Tiva Epcora do-nos às partes à direita do delírio, descobrindo e [266b]

63 Aqui Sócrates alude a um método de orientação da pesquisa (ver


249b-c), ora no sentido da “coleção” da multiplicidade na unidade (265d),
ora no sentido da “divisão” da unidade “nas suas articulações naturais”
(265e-266b). Sobre o cuidado a ter nas divisões, ver Político, 262a-e. I
153
152
ètpeupcov xai [266b] irporeivapevoç eTrpveoev cbç
peyíarcov atTiov ppiv áya0cbv.
apresentando homônimo daquele um certo amor divino, elo­
giou-o como o responsável para nós dos maiores bens.
4>AIâPOE
!
aXpOéoTara Xeyetç. FEDRO
Verdadeiríssimo o que dizes!
LQKPATHE
toÚtcdv 8p eycoye cxutÓç re epaorpç, cb 4>ai8pe, tcdv SÓCRATES
8taipéaecDv xai auvayGDy(bv, íva oíóç Te cb Xéyetv Te Kai
Disso é que eu mesmo sou amante, ó Fedro, dessas di- \
(ppoveív éáv té tlv’ aXXov f]ypacopai 8uvqtÒv eiç ev xai visões e conjunções que me qualifiquem para falar e pensar; I
èiri iroXXà Tre<puxó0’ ópãv, toütov 8tcóxa> ‘xaTÓmcrOe peT*
e se algum outro eu considero capaz de ver um naturalmente /
fyviov cbore 0eoío.’ xai pevroí xai touç 8uvapévouç aurò
sobre muitos, a este eu o persigo “atrás de seus passos como j
8pãv ei pèv òp0óóç p pp TrpoaayopeúcD, 0eòç oi8e, xaXcò 8è I
[266c] ouv péypt TOÜSe 8taXexTixoúç. tò 8è vvv Trapa aou aos de um deus”.64 E o que é certo também é que os capazes ;
de fazer isto, deus sabe se os designo corretamente ou não, I
Te xai Auaíou paQóvraç eiirè ti XPH xaXeív p touto èxeívó
èoriv p XóycDv Teyvp, p Opaaúpaxóç Te xai oi aXXot ! mas [266c] até o momento os chamo dialéticos. Agora po- I
j >'
rém, quanto aos que aprendem contigo e com Lísias, como
Xpcopevot aoipoi pèv auroi Xéyetv yeyóvaatv, aXXouç I se deve chamá-los? Ou é bem aquilo a arte dos discursos, o ‘
irotouaiv, oi' av Scopocpopeiv auroíç cbç PaaiXeuatv Te de que Trasímaco e os outros se servem e com que se torna- j
éôeXcoatv;
ram eles próprios sábios e eloquentes e tornam outros, os que
lhes queiram dar presentes, como se fossem reis?
OA1APOE
^aatXtxoi pèv avSpeç, oú pèv 8p éinaTppovéç ye wv FEDRO
èpcDTÇç. àXXà touto pèv to ei8oç óp0(bç èpoiye 8oxeíç
Régios senhores de fato, mas não conhecedores do que
xaXeív, 8taXexTtxòv xaXcbv tò 8è ppTOptxòv 8oxeí poi
PHTOpiKÒv 8oxeí estás a perguntar. Mas se esta espécie corretamente me pare­
8taq>eúyeiv 60’ ppcxç. [266d]
ces designá-la, chamando-a dialética, a retórica, ao contrário,
parece-me que ainda nos escapa. [266d]
EQKPATHE
ttgdç <pr|ç; xaXóv rroú ti av eíp, o toÚtcdv àiroXeup0èv SÓCRATES
õpGoç Texvp XapPávcTat; ttÓvtcüç 8’ oúx cmpacrréov aurò
Como? Acaso algum belo estudo havería que, embora
aoí Te xai èpoí, XexTeov 8è ti pevroí xai èart tò Xenrópevov
privado destas condições, todavia se aprende com técnica?/
ipç ppToptxpç.
Absolutamente não devemos tu e eu desprezá-lo, mas dizer
o que é mesmo o que sobra da retórica.

64 A partir de Homero (Odisséia, V, 193).


154
• **

FEDRO
4>AIAPOE Um monte de coisas, sem dúvida, ó Sócrates, pelo> me-
xai páXa ttou auxvá, <b ScúxpaTEÇ, tó y’ ev nos o que está nos livros que sobre a iarte dos discursos foram
-------
TOIÇ [SlpXíoiÇ TOIÇ TTEpi XÓyCOV TEXVT]Ç
yEypappÉvotç. escritos.

SÓCRATES
EQKPATHE E bem fizeste em lembrar. Primeiro um proêmio, penso, o
xai xaXóSç y£ úirépvrjaaç. rrpooípiov pèv oipai que é como se deve começar um discurso; a isso é que cha-^
■»
TrpGDTOv cbç 8eí tou Xóyou XéyEaOai év àpxfl* touto mas — não é verdade? — as finuras da arte. [266e]
XéyEtç — q yáp; — tò xopipà Trjç TÉxvqç; [266e]

«PAIAPOE
FEDRO
Sim.
i
vai.
SÓCRATES
EQKPATHE Em segundo lugar uma exposição com apoio de teste­
óeÚTepov 6è 8f| 8tqyr)oív ttva papTupíaç munhos, em terceiro os indícios, em quarto as probabilida-
t’ etc* aurr), xpíxov TEKpqpia, TÉTapiov eixóto- des; e também a comprovação, penso eu, e o suplemento de
Kai TríoTCDOiv oipai xai ETrrrríarcoaiv XéyEiv comprovação, pelo menos no dizer do homem de Bizâncio,
tÓv yE ^éXtiotov Xoyo8aí8aXov BuÇÓvtiov
este excelente burilador de discursos.
âv8pa.
FEDRO
«DAIAPOE É do bom Teodoro65 que estás falando? [267a]
TÒv xpqcrròv XéyEiç 0EÓ8cupov; [267a]
SÓCRATES
EQKPATHE Que importa? E ainda a refutação e o suplemento de re­
ti pqv; xai eXeyxóv y£ xai ÈrrEÇÉXeyxov cbç futação, como se devem fazer tanto na acusação como na de-
TroiqTéov ev xaTqyopíç te xai cnroXoyíç. tov 8è fesa. E o belíssimo Eveno de Paros66 não o traremos à liça?
xáXXiarov Ilápiov Eúqvòv êç péaov oux ayopEv, -

65 Teodoro de Bizâncio (V-IV a.C.), referido por Aristóteles na Retó­

rica (II, 23, 29; sobretudo III, 13, 5).


66 Nomeado na Apologia, a par de Górgias e Hípias, como detentor
do saber que lhe permite, mediante pagamento, ensinar a virtude aos ho­
mens (19d-20c), o sofista e poeta Eveno (V-IV a.C.) reaparece no Fédon
(60d) em conversa com Cebes acerca do inaudito interesse de Sócrates, na

prisão, pela composição poética.


I

157 I
< I
.156 ! )
I

oç úrroÔqXcoaív te TrpóÓTOÇ qupEv xai rrapEiraívouç Foi ele quem primeiro descobriu a insinuação e os elementos
— oi 8’ auròv Kai rrapayóyouç q>aaiv êv pérpcp indiretos — e uns dizem que as censuras indiretas ele pôs em
XéyEtv pvqpqç X^Plv — croipòç yàp ávqp. TEtaíav versos mnemotécnicos, pois é um sábio o homem. E Tísias67
8è íopyíav te ÈáaopEv eu8eiv, oi' npò tõjv áXqôcòv e Górgias, vamos deixá-los dormir, eles que preferentemente
i. Ta eÍkÓtq e18ov cbç TtprjTEa pãXXov, tó te au ao verídico viram o provável como o que mais se deve hon­
apiKpà pEyáXa Kai tò pEyáXa aptKpà cpaívEoSai rar; que então o pequeno fazem aparecer grande e o grande
I

TTOiouatv 8tà pcópqv Xóyou, [267b] xatvá te pequeno por força da palavra; [267b] que o novo revestem
lí àpyaíoDÇ tó t’ évavría xaivcoç, auvTopíav té com o arcaico e o seu contrário com o novo; e que tanto uma
Xóycov Kai aiTEipa pqKq nEpi itÓvtgjv àvqupov; concisão discursiva quanto um alongamento indefinido sobre
Taüra 8è axoucov ttote pou FIpó8iKoç EyéXaaEv, todo assunto descobriram? Isto ouvindo de mim certa vez,
Kai póvoç auTÒç rpjprjKévai Eipq à>v 8eí Xóycov Pródico68 sorriu e disse que só ele tinha descoberto quais dis­
TÉxvqv 8eív 8è oute paKpcov oute Ppaxecov àXXà cursos requer a arte; que ela os requer nem longos nem bre­
pETpiCOV. ves, mas comedidos.

4>AIAPOZ FEDRO
aO^ÓTQTÓ Ye’ npÓÔlKE. Sabedoria máxima a de Pródico!

EQKPATHE SÓCRATES
'Iirrríav 8è ou XéyopEv; oipat yàp âv aúpyqtpov aurco E de Hípias69 não falamos? Penso que votaria com Pró­
Kai tÒv ’HXeíov Çévov yevÉaOat. dico o nosso hóspede de Élis.

4>AIAPOS FEDRO
tí 5’ oü; Por que não?

67 Mestre de Retórica (V a.C.), de quem Lísias e Górgias foram dis­


i cípulos.
68 Pródico de Ceos (V-IV a.C.) foi um importante sofista, referido
por Platão em muitos diálogos, nomeadamente Apologia (19e), Crátilo í
(384b), Eutidemo (277e), Hípias maior (282c) e Protágoras (315d), notá­
vel pelo seu ensinamento sobre a “correção dos nomes” (òpOoéireia).
69 Hípias de Élis (V a.C.), importante sofista, a quem Platão dedicou
dois diálogos com o seu nome. Frequentemente vítima do sarcasmo do
Mestre da Academia, distingue-se dos outros sofistas pelo seu tom solene
e pela inclusão de temáticas científicas no seu currículo de estudos (Protá
(Protá-­
goras, 315c, 318d-e).

159
-
I ::
EQKPATHE SÓCRATES
tÒ 8è FlcuXou ttgSç (ppáoGjpev au pouoEÍa XóycDv — E quanto a Polos,70 que diremos então do seu museu de
d>ç [267c] 8iTrXaaioXoyíav Kai yvcopoXoyíav Kai fórmulas discursivas, como [267c] a expressão redobrada, a
eiKovoXoyíav — òvopáTwv te AiKupvícov a EKEÍvcp sentenciosa, a imagética? E ainda o seu vocabulário de Licí-
ÈÓcjüpqaaTO Ttpòç Troíqaiv EUEirEÍaç; nio, presente que este lhe deu para a boa linguagem?
• A
s;
4• «DAIAPOE
z oz y / ? y z
FEDRO

■1 npoyrayopEia óe, cd EcoKparEç, ouk rjv pévTOi Mas não é de Protágoras,71 ó Sócrates, que havia algum
Toiaur’ arra; estudo desse tipo?
i
EQKPATHE SÓCRATES

i ópSoETTEtá yé tiç, cb irai, Kai aXXa iroXXà Kai Uma correta linguagem, menino, e muitas outras bele­
KaXá. tgõv yE pqv oiKTpoyÓGüv ettÍ yqpaç Kai TtEvíav zas. E quanto aos discursos gemidos, sobre velhice e pobreza
eXkopevcdv Xóycov KEKpaTqKÉvai Téyvfl poi cpaívETai to arrastados, quem domina nesta arte é a meu ver o colosso de
tou XaXKqSovíou aQévoç, ópyíaat te aú ttoXXouç apa Calcedônia,7^ homem terrível^ ao mesmo tempo capaz de en­
SeivÒç ávqp [267d] yéyovEv, Kai ttóXiv cbpyiapÉvoiç furecer uma multidão [267d] e em seguida com seus encan­
ettçSgdv k^Xeiv, cbç Ê<pr)- SiapáXXEiv te Kai tamentos acalmar sua fúria, como disse; e tanto para caluniar
airoXúaaaOat 8ia|3oXcxç ó0Ev8q KpctTiaroç. to 8è 8f| como para destruir calúnias de onde quer que venham, po­
teXoç tg3v Xóycov Koivrj irãaiv eoike auvSESoypévov derosíssimo. E quanto ao término dos discursos parece que
Eivai, cb tivêç pèv ÈttÓvo8ov, aXXoi 8’ âXXo tíÔevtoi em comum todos decidiram qual seja,.mas uns o chamam de
ovopa. recapitulação e outros lhe dão outro nome.)

! i
I
!
70 Polos de Agrigento (V a.C.) foi discípulo de Górgias, tendo sido
referido por Aristóteles (Metafísica, I, 1, 981a4-5) pela sua associação da
“experiência” à “arte” (T6\vq). É examinado e refutado por Sócrates no
Górgias (461 b-481b), que aí defende a tese segundo a qual a retórica não
é uma arte, mas mera “adulação”. No mesmo sentido vão as comparações
com a medicina, a tragédia e a música, a seguir desenvolvidas.
71 Considerado o mais famoso dos sofistas, Protágoras (V a.C.) ocu­
pa o foco da pesquisa platônica no diálogo Protágoras; seu nome é empre­
gado também na primeira parte do Teeteto (152-79) para suportar a defe­
sa de teses sensistas, relativistas e infalibilistas^que Platão precisa refutar
para defender a concepção de “dialética” que propõe no Sofista.
72 Trasímaco (ver nota 57).

160 161
l
9

(PAIAPOE FEDRO
KEcpaXaícp EKaara Xéyetç uiropvqaai ettI
to ev Falas do resumo em que no fim o orador lembra aos ou­
r teXeutt]ç touç aKoúovTaç TTEpi Tcòv EtpqpévcDv; vintes cada ponto do que foi dito.

EQKPATHE SÓCRATES
í TauTa Xéyo), Kai et ti au aXXo è'xeiç eitteív Xóycuv É disso que falo. E se tens algo mais a dizer ainda sobre
í- i
: ?' téxvqç TTEpi. a arte dos discursos...
ü
il
«PAIAPOE FEDRO
apiKpó Ye Ka'1 âÇta XéyEtv. [268a] Ah, ninharias, e que não valem menção. [268a]
I;

EQKPATHE SÓCRATES
EÓSpEv 5q tó ye opiKpcr Taura Se utt’ auyàç Deixemos então as ninharias; mas estas coisas que eu
pãXXov IScopEv, Ttva Kai ttot’ exÊl Tqv tqç T^XvrlÇ disse, vejamos com mais clareza qual éle quando elas têm o
Súvaptv. poder da arte^

0AIAPOE FEDRO
Kai páXa EppGopévqv, cb EcÓKpaTEÇ, ev ye 5q rrXqQouç Um poder bem forte, Sócrates, pelo menos nas reuniões
I auvóõotç. populares.

EQKPATHE SÓCRATES
e'xêi yap. àXX’, à> SatpóvtE, 18È Kai au ei âpa Kai aoi Têm, sim. Mas, ó divino, vê também tu se acaso não te
<paívETat SiEarqKÒç auTÓòv to qTpiov coauEp èpoí. parece, como a mim, que o seu tecido é esgarçado.

I 0AIAPOE FEDRO
Selkvue póvov. Mostra-me.

EQKPATHE SÓCRATES
elttÈ 8q por eí tiç TrpooEXOcbv tcô ETaípco aou Dize-me então: se alguém chegasse ao teu amigo Erixí-
TpuÇipáxw q tÕ) TtaTpi outou AKoupEvcp eittoi oti ‘£yà> maco ou ao pai dele Acúmeno e lhe dissesse: “Eu sei tais coi­
ETríoncapat toiout’ atra acópaai TrpoatpEpEiv, coctce sas aplicar aos corpos que eles aquecem [268b] ou esfriam
0EppaivEiv [268b] t’ ecxv poúXcupai Kai ipúxEtv, Kai eÒv pèv como eu queira, ou ainda, se me der vontade, faço-os vomi­
6óÇq poi, epeív ttoieív, ecxv 5’ au, kútgd Siax^peív, Kai tar ou evacuar; e muitos efeitos assim. E por saber isso esti­ <
aXXa irápiroXXa Toiauxa- Kai ETnarópEvoç aÚTÒ cxÇico mo que sou capaz de curar e de tornar capaz um outro a

S f ^•^.2

162 163
T

iaxpiKÒç eivai Kai âXXov iroieív cp av xqv toútgdv


í quem eu transmita o conhecimento dessas coisas”; que pen­
i eTtiorqpqv Trapa8a>,’ tí av oíei aKoúaavTaç eiireív; sas que diriam os que o tivessem ouvido?

«PAIAPOE FEDRO
ti 8’ aXXo yE q èpéaOai ei irpoaEiríaTaTai Kai Que outra coisa senão que perguntariam se, além disso,
íi
.1 oüarivaç 8ei Kai ÓttÓte exaora toutgdv ttoieív, Kai pexP1 ele sabe também quais os que deve tratar, e quando fazer ca­
I
óiróaou; da uma dessas coisas, e até que ponto?
i EQKPATHE SÓCRATES
i ei ouv eiiTOi oti ‘oúSapcoç- áXX’ àÇicò tov touto Se ele então respondesse: “De modo nenhum; entretan-A
t [268c] irap’ epou paOóvxa outÒv oíóv t’ eivai iroieiv a to, eu estimo que quem [268c] de mim aprendeu é qualifican­
èpcDTÇç;’ do no que perguntas”.

0AIAPOE FEDRO
eÍTteiv av olpai oti paíverai avOpGDiroç, Kai Diriam, imagino, que o homem está louco e que, por ter
ek pi^Xíou TtoOèv aKoúaaç q TrepiTuxcov de algum livro ouvido falar ou casualmente ter-se deparado
ipappaKioiç iaxpòç oierai yeyovévai, ou8ev com alguns remédios, ele se imagina um médico, jem nada
eiraiGOv xqç TÉxvqç.

EQKPATHE SÓCRATES
tí 8’ ei Eo<pokXeí au -rrpoaeXOcov Kai Eúpirrí8q tiç E se a Sófocles então alguém chegasse, ou a Eurípides, e \
Xéyoi cbç éiríaraTai rrEpi apiKpou irpáypaTOÇ pqaeiç lhes dissesse que sabe sobre pequena matéria compor bem )
nappqKEiç ttoieív Kai rrEpi pEyáXou irávu apiKpáç, oxav longas frases e sobre grande bem curtas, e lastimosas quando \
te PoúXqrai oiKTpáç, Kai Touvavríov au (popEpàç Kai quisesse assim como, ao contrário, terríveis e ameaçadoras, j
àiTEiXqTiKàç oaa t’ [268d] aXXa Toiaura, Kai 8i8áaKGDV e tudo [268d] mais assim; e que ensinando isso ele imagina
aura Tpaycp8íaç iroíqaiv oiétoi Tiapa8i8óvai; transmitir composição trágica?

0AIAPOE FEDRO
Kai outoi âv, à) EcÓKpaTeç, olpai KarayEXcpEv ei Também estes, Sócrates, penso que (se ririam de quem
Ttç oietoi TpaycpSíav aXXo ti eivai q rqv toutcov imagina que tragédia é outra coisa que não arranjo desse?
aúaraaiv irpÉirouaav àXXqXoiç te Kai tcò ôXcp elementos,^que à relação de uns com os outros e à composi­
auviarapévqv. ção do todo convém.

164 165
I
r EQKPATHE

SÓCRATES
àXX’ oÚk av àypoÍKCDç y£ oipat Xoi8opqa£iav,
r i. àXX’ còoiTEp av pouaiKÒç evtuxcov àv8pi oiopévcp
Mas não grosseiramente, penso eu, iriam eles censurá-
-lo, e sim fazer como um músico que se encontrasse com um
I
í áppovtKÕ) Eivai, Ôtl 8f| TuyyávEi ETriarápEvoç cbç oíóv homem convencido de ser harmonista por saber como fazer
!
! te óÇuTÓTqv Kai PapuTÓTF|v [268e] yopSfjv ttoleív, oÚk a corda emitir o mais agudo som e o mais grave, [268e] e que
■í í
àypícoç eÍttol âv- ‘w poxOqpé, pEXayxoXçç,’ àXX’ ote não lhe diria brutalmente, “Coitado, tens o miolo mole”, mas’
4 ■
pouaixòç cüv irpçÓTEpov otl ‘gd apiOTE, cxváyKF) pèv ao contrário, como o músico, com mais brandura lhe falaria:
I ü
I* i
Kai tout’ ETrkrraoQai tov péXXovra áppovtKÒv
EOEoôai, ou8èv pqv kgdXúel prj8è optKpòv àppovíaç í
l
“ó excelente, sem dúvida é necessário também isso conhecer
o que pretende ser harmonista, mas nada impede que nem
. I ÈTraiEiv tov rqv aqv eÇlv ÈyovTa- rà yàp irpò mesmo pouco entenda de harmonia o que tem a tua habili­
I
d àppovíaç àvayKaia paôqpaTa E-rrícrracrai àXX’ oú rà
àppoviKá.’
■ dade; pois o que antes da harmonia é necessário conhecer tu
conheces, mas não as regras da harmonia”.

4>AIAPOE FEDRO
òpSÓTará y£. [269a] Certíssimo, sim. [269a]
■i

EQKPATHE ) SÓCRATES
I
oukouv kql ó EocpoxXfjç tÓv oxptatv E também Sófocles, ao que diante deles assim expusesse,
í
I ETti8EiKvúpEvov tÒ irpò Tpay(p8íaç av (paírj àXX’ oú rà diria tratar-se do anterior à tragédia mas não da tragédia, e
TpaytKÓ, Kai ó AKoupEvòç rà rrpò laTpiKqç àXX’ ou rà também Acúmeno, do anterior à medicina mas não da medi­
•i
iaTpiKÓ. v cina.

«DAIAPOE FEDRO
! * r
TravraTiaoi pev ouv. Perfeitamente.

EQKPATHE SÓCRATES
tí 8è tÒv peXíyr|puv ’A8pacrrov oiópeOa í] Kai E que pensamos do melissonante Adrasto73 ou então de
neptKXéa, el aKoúaEiav a>v vuv8f| qpEÍç 8irjpev tôv Péricles,74 se ouvissem o que agora percorríamos dos belíssi-

73 Referência irônica a um alvo não conhecido, explorando um ver­


so de Tirteu (frag. 9, 7, Bergk), possivelmente identificado com o orador
Antifonte.
I:
74 O político ateniense Péricles é por vezes considerado um dos mais
notáveis oradores gregos (269e), apesar das críticas que lhe são dirigidas
por Platão (Górgias, 515d-516e; lAenexeno^ 235e).
I
i !•

166 167

I
r'I í i;

TraYKÓXcuv TEXvqpaTGüv — ppaxuXoyicòv te Kai


í
mos artifícios, as expressões concisas e as figuradas, e quan­
8 eiKovoXoYtcov Kai óaa áXXa 8ieX9óvteç utt’ aúyáç E<papev
eivai OKETrrÉa — irÓTepov [269b] x^Xettcoç áv outoúç,
to mais depois dizíamos que se devia examinar em plena luz?
Porventura [269b] com impaciência eles diriam, como eu e
CDcnrep eyóS te Kai aú, utt’ aYpoiKÍaç pi]pá ti eitteív tu por rusticidade, alguma palavra indelicada aos que isto
airaíÓEUTOv eiç touç toüto Y£YPa<P®Ta9 Te Kai StSácrKovTaç escreveram e ensinaram como arte retórica? Ou antes, por
ií coç pqTopiKqv TÉxvrjv, q ote qpcov Õvxaç aotpGDTÉpouç Kav serem mais sábios, eles nos tocariam dizendo: “Ó Fedro e
vcpv ÈTrnrXqÇai EiTróvTaç* ‘gd <PaT8pé te Kai ZcÓKpaTEç, oú Sócrates, não se deve ter impaciência, mas sim indulgência

Xpf| xa^™dvEtv àXXà auYYlYv<^aK6lv» 61 tiveç pq
ETTiarápEvot 8iaXÉY£o0ai àSúvaTOi eygvovto ópíoacrOai tÍ
j com os que, não conhecendo a dialética, foram incapazes de
definir o que é retórica e por efeito disto imaginaram, tendo
'V I ttot écrriv pqTopiKq, ek 8è toutou tou iráOouç tÓ Trpò Tqç os conhecimentos que antes da arte são necessários, que ha­
T^XvrIÇ dvaYKaía paOqpaTa e'xovtêç pqTOpiKqv cpqOqaav í viam descoberto a retórica, [269c] e ensinando estes conhe­
I
t
[269c] qupqKÉvai, Kai touto 8q 6t8áaKovTEÇ áXXouç cimentos julgam que por eles foi ensinada com perfeição a
qyouvraí aipiaiv teXegoç pqTopiKqv 8e8i8áx9at, to 8è retórica, e que o falar convincentemente de cada um desses
EKaara toutgdv ni9avcoç Xey£iv te Kai to oXov tópicos e com eles compor o todo é um trabalho de nada, de­
auvíaraa9ai, ou8èv epyov ov, outouç 8eív irap’ eoutcov vendo os próprios discípulos por si mesmos conseguir os seus
touç paOqTÒç atpcov TtopíÇEcrOat ev toíç Xóyoiç’. discursos?”.
i
(DAIAPOE FEDRO
aXXà pqv, gd EcüKpaTEÇ, kivSuveuei toioutov ti Eivai Pois na verdade, ó Sócrates, arrisca ser algo assim o que
tò Tqç TÉxvqç qv outoi oi ávSpeç gdç pqTOpixqv SiSáoKouaív de arte estes homens ensinam e escrevem como retórica, e me
te Kai Ypd<pouaiv, Kai Epoiye 8okeÍç àXqSq eipqKÉvai- áXXà parece que disseste; mas então a arte do que realmente é re­
I 8q Tqv tou TÕ Ôvti pqTopiKoü te Kai TiiOavoü [269d] T^xvqv tórico e convincente, [269d] como e onde podería alguém

I ircòç Kai ttóQev áv tiç 8uvaiTO iropíaaoOai; consegui-la?

Ji i .
■i l EQKPATHE SÓCRATES
tò pèv 8úvaa9ai, gd $ai8pe, coote áY<oviarqv teXeov O poder alguém, ó Fedro, tornar-se um perfeito agonis-
YevéaOai, eikoç — ictgdç 8è Kai àvaYKaiov — exeiv 75
ta,J dá-se aqui provavelmente — e talvez necessariamente
tocrrrEp TaXXa- ei pév aoi uirápxei q>úoEi pqTopiKÕ) Eivai, como em tudo mais: se é de tua natureza ser retórico, serás
! ÊOrQ pntcup EXXóyipoç, TcpoaXa^tòv êiriCTTqpqv te Kai orador famoso se a isto acrescentares ciência e exercício; mas
peXÉTqv, Ótou 8’ áv èXXeikijç toutgdv, toutij aTeXqç ecnj. se qualquer destas condições te faltar, serás um orador im-

I
i.
i-

í 75 “Agonista” designa, na Grécia antiga, o atleta ou lutador que to­ ■

mava parte nos jogos; aqui, “perfeito agonista” designa o orador exímio,
alguém capaz de lutar também por meio da palavra.
!

168
1 169
í
!•
Ôoov 8è aÚTOÜ TÉyvq, ouy f) Auaíaç tg xai ©pacrúpayoç perfeito. E quanto à arte desse poder, não é por onde Lísias
TTOpeúeTai 8okgí poi tpaívEaOai q péQoSoç. e Trasímaco caminham que me parece surgir o método.

4>AIAPOE FEDRO
àXXà nrj 8q; [269e] Mas por onde então? [269e]
5 -

I ■
EQKPATHE
kiv8uveÚei, G) âpiaTE, eikÓtg)ç ó FlGpixXqç TtávTG)V
TEXECDTaTOÇ eiç Tqv pqTopixqv yEvéaOai.
SÓCRATES
Há risco, ó excelente, de que provavelmente foi Péricles
de todos o mais perfeito orador.
i*
i

ji '■
4>AIAPOE
TI 8q;
I FEDRO
Por quê?

EQKPATHE SÓCRATES

iràaai óaai pEyáXai tõ>v tg^vcov irpoaSÉovTai Todas as artes que são grandes ainda precisam [270a]
[270a] a8oXeo~)(íaç Kai pETGG)poXoyíaç <púaEG)ç trepi- de muita conversa e alta divagação sobre a natureza; pois es­
to yàp uipqXóvouv touto Kai irávTq TeXeatoupyòv ta sublimidade de pensamento e perfeição de trabalho parece
éoiKev evteuOev iroOev eicnévat. o Kai FlGpixXqç rrpòç que é daí que advêm. E foi o que Péricles, de acréscimo ao
tg) cuipuqç Eivai GKTqaaTo- irpoaTTEacov yàp oipai seu natural talento, adquiriu; pois tendo caído, penso, no ca­
toioÚtg) Óvti AvaÇayópç, pETEGopoXoyíaç ÈpirXqaOEiç minho de Anaxágoras,76 que era um homem assim, de alta
í Kai ETti ipúaiv vou te Kai 8iavoíaç àtpiKÓpEvoç, gdv 8q divagação ele se encheu, e à natureza da mente e do que não
TtÉpi tÒv ttoXuv Xóyov EiroiEÍTO AvaÇayópaç, evteüOev
i é mente chegou, sobre o que justamente fazia Anáxagoras o
eÍXkuoev ettÍ Tqv tgdv Xóycov TÉyvqv to Trpóaipopov seu abundante discurso, e daí é que tirou para a arte dos seus
auTq. discursos o que era apropriado.
-

76 Anaxágoras de Clazômenas (V a.C.) é o fisiólogo grego de quem


nos chegaram os primeiros discursos em prosa Peri Physeôs (“Sobre a Na­
tureza”; ver Apologia, 26d-e). É diversas vezes citado por Platão e, em
particular, criticado no Fédon (97b ss.) por ter separado o Noas, conside­
rando-o “a causa de rodas as coisas e o ordenador do cosmos” (diakos-
môtv. 97c), visando ao bem (ou seja, à explicação pela causa final), para
cair depois nas velhas explicações dos fisióiogos (“pelo ar, pelo éter, pela
água” etc.: 98b-c). Também Aristóteles lhe faz detida menção (Física, I,
I
4), mostrando derivar dele a explicação das coisas pelos seus componen­
■ tes infinitamente divisíveis, e isolando a tese capital do materialismo, se­
gundo a qual “cada coisa é o que nela predomina” (Física, I, 4, 1087b5:
DK59B12: última linha).

171
nT- í
OA1APOE FEDRO
ttgdç toúto XéyEiç; [270b] Que queres dizer com isso? [270b]

EQKPATHE SÓCRATES
Í ó aúxóç ttou xpórroç xéyvqç laxpiKqç Ôcrrrep Kai. O mesmo, sem dúvida, é o modo de proceder na arte
pqxopiKqç. médica e na retórica.
f
!
í
ii

, i
0A1APOE
ttcòç 8q;
i FEDRO
Mas como?
I
I, EQKPATHE SÓCRATES
r
èv cxptpoxépaiç 8ei 8ieXéa0ai tpúaiv, aópaxoç pèv èv xq Em ambas carece distinguir natureza, de corpo, na pri­
érepçi, ipuyqç 8è èv xq èxEpa, ei péXXeiç, pq xpi^q póvov Kai meira, e de alma, na segunda, se vais, não apenas com rotina
èprretpíç àXXà xÉyvq, xcp pèv cpóppaKa Kai xpotpqv e experiência, mas com arte, a um remédios e regime aplicar
rrpoaipÉpcDv úyiEiav Kai pcópqv èpiroiqaEiv, xq 8è Xóyouç xe e assim saúde e vigor nele produzir, e à outra, discursos e ocu­
Kai EiTixq8EÚaEiç vopípouç iTEiOà) qv av [BoúXq Kai àpExqv I pações conforme a lei, e assim transmitir-lhe a convicção e
TTapa8còa£iv. virtude que quiseres.
-i

í) «PAIAPOE FEDRO
to youv eikóç, à> EcÓKpaxEç, oúxcoç. [270c] É pelo menos verossímil, Sócrates, que assim seja. [270c]

í i EQKPATHE SÓCRATES
vpvyqç oúv tpúotv áÇícoç Xóyou Kaxavoqaai 8uvaxòv I
oiêi Mas a natureza da alma, pensas que é possível concebê-
T Eivai avEu xqç xou ÔXou ipúaEGOç; -la sem a natureza do todo?

«PAIAPOE FEDRO
ei pèv 'iTrnoKpciTei yE T(p xcòv AaKXqiriabcDv 8eÍ ti Ora, se em Hipócrates e nos Asclepíadas77 se deve con­
TtiÔéaOai, oú8è rrepi acópaxoç âveu xqç pe068ou xaúxqç.
Ii fiar, nem mesmo do corpo se pode tratar sem este método.
i

■:

77 “Asclepíada” é o título usado por diversos médicos gregos, na An­


tiguidade, nomeadamente pelo patrono dos médicos, Hipócrates de Cós
• a (460-370 a.C.).

173
f 1

'il II

EQKPATHE SÓCRATES I

KaXoòç yáp, à> ETaípE, XéyEi- xpq pévroí irpòç E belamente ele o diz, companheiro. É preciso entretan­
TG) 'iTnroKpÓTEi TÒv Xóyov eÇetÓÇovto okotteív ei to, além de Hipócrates, inquirir a razão e se ela é consonan-
* aupípcovEÍ. te com o seu dizer.
I

..
0AIAPOE FEDRO
<pr|pí Sim.
í
>1 I
EQKPATHE SÓCRATES
TÒ TOIVUV TTEpi (pÚCFEGÜÇ OKÓtTEI TI TTOTE XÉyEl
'IlTTTOKpáTqÇ TE KOI ó àXqQqç Xóyoç. àp’ OUX g>8e 8eí
No que portanto concerne à natureza, examina o que é
bem o que diz Hipócrates e a razão. Porventura não é assim
i
8iavoEia9ai [270d] iTEpi otououv (púaEGDÇ- irpcÚTOv que se deve refletir [270d] sobre a natureza do que quer que
pÉv, árrXoúv q ttoXuelSeç ecttiv ou rrépi PouXqaópEÔa seja? Primeiro, é simples ou multiforme aquilo de que pre­
Eivai auToi TEyviKoi Kai aXXov 8uvaToi ttoieív, etteito I tendemos ser nós mesmos técnicos e em outro ser capazes de
8e, av pèv airXoüv rj, orotteÍv Tqv 8úvapiv aÚTOu, Tiva fazer o mesmo? Depois, se for simples, examinar a sua po­
,1 irpòç TI TTEtpUKEV ÊIÇ TO 8pÕV è\ov f] TIVO EIÇ TO Tra0ElV tência, qual a que por natureza ele tem com relação a quê
úirò tou, eccv 8e ttXêÍg) Ei8r) Exq, touto para o agir, ou qual para sofrer por ação de quê? Se, porém,
àpiQpqaápevov, ôrrEp £q>’ evoç, toüt’ Í8eív Eq>’ for de muitas formas, enumerá-las e justamente o que se viu
ekÓotou, TÔ ti ttoieív oÚtÒ TréipuKEv q tg) ti ira0EÍv na forma única ver agora em cada uma, por que é de sua na­
uirò tou; tureza fazer o quê, ou sofrer o quê, por ação de quê?

0AIAPOE FEDRO
KtvSuveúei, G) EcÓKpaTEÇ. É bem possível, Sócrates. I
I;
EQKPATHE SÓCRATES

I f) yoúv cíveu toutgdv péOoSoç eoíkoi av


GxrrrEp [270e] TucpXoü iropeíç. àXX’ ou pfjv
O certo em todo caso é que sem isso o método teria apa­
rência [270e] de um caminhar de cego. Ora, não deve o que
i
I
í
!■
áireiKaoTéov tóv yE té^vt] petióvTa Ótiouv Tuq>Xcp procede com arte em qualquer pesquisa imaginar como um
oú8è KCütpcp, àXXà 8qXov cbç, av tgj tiç te^vij cego ou um surdo; e é claro que, se com arte alguém ensinar
Xóyouç 8i8g>, *rf|v oúaíav 8eíÇei cxKpi[3cüç Tijç eloquência, mostrará exatamente em sua essência a natureza
cpúaEcoç toutou Tipòç ô touç Xóyouç TTpOOOÍOEr disso a que o ensinado aplicará os seus discursos. E será isso,
earat 8e itou vpxn toúto. sem dúvida, a alma.

0A1APOE FEDRO
i
TÍ pqv; [271a] Como não? [271a]
'i ■'
l i

174 175
í
nI
■I
ZQKPATHE
oukoüv q apiXXa aurcp TETarai rrpòç touto rrãaa-
SÓCRATES
Portanto, o esforço dele é todo dirigido para isso; pois
TTIeiOgo yàp ev toutcd ttoieív ÈTttyEipEi. q yáp; é persuasão que nisso ele tenta produzir. Ou não?

«DAIAPOE FEDRO
r! vai.

j
;•
Sim.
' :» EQKPATHZ
ü SÓCRATES
8qXov dpa Ôti ó ©paaúpayóç té xai oç av âXXoç É claro, portanto, que Trasímaco ou qualquer outro que
OTrouórj TÉyvqv pqropiKqv 8i8cp, TtpcDTOv Ttáaq cncpipEiç seriamente ensinar arte retórica, primeiro, com toda exatidão
'I ypáipEi te Kai iroiqoEi ipuyqv i8eív, rrÓTEpov ev Kai ôpoiov descreverá e fará ver a alma, se é de natureza algo único e
j
I TtéipuKEv q Korrà aciparoç popcpqv ttoXuei8éç- touto yáp homogêneo ou, à maneira de um corpo, multiforme; pois is­
(papEv ipúaiv Eivai SeikvÓvoi. so é o que dizemos que é mostrar uma natureza.
1

0AIAPOE FEDRO
Travrá-rraoi pèv oúv. Perfeitamente, sim.
i EQKPATHE SÓCRATES
ÔEUTEpOV 8É yE, OTCp rí itoieÍv q TTa0ElV ÓttÒ
1:1. toú
Em segundo lugar: por que lhe é natural fazer o quê, ou
i TÜEipUKEV. sofrer por ação de quê?

0AIAPOE FEDRO
TÍ pqv; [271b] Como não? [271b]

EQKPATHE SÓCRATES
TpiTOv 8è 8q 8iaTaÇápEvoç tò Xóycuv te Kai i|/u\qç E, enfim, em terceiro: tendo disposto os gêneros de dis­
yévq Kai tò toutcdv ira0qpaTa 8íeioi iráaaç airíaç, curso e de alma assim como as suas afecções, ele percorrerá
:i TrpoaappÓTTGDv EKaarov ÉKáarcp Kai 8i8Óokgjv oia ouaa as causas, adaptando cada um a cada uma, e ensinando qual
v<p’ oicov Xóycúv 81’ qv airíav eÇ áváyKqç q pèv iTEÍOETai, sendo a alma sob o efeito de quais discursos, por que causa
q 8È àitEi0EÍ. esta é persuadida e esta não.
I
0AIAPOE FEDRO
KáXXicrra yoúv âv, cbç êoik’, e\oi outgdç. Belíssimo em todo caso seria, parece, que assim fosse.

176 177
J

li
>
EQKPATHE SÓCRATES

pèv ouv, cb <píXe, aXXcoç èv8etxvúpevov rj


outoi
Jamais portanto, ó amigo, de outro modo exibido ou
L discorrido, com arte jamais se dirá nem se escreverá nenhum
Xeyópevov Te^vr) hotÈ Xe^OnoeTat rj ypatpqaeTat oure ti
[271c] aXXo oute touto. àXX’ oi vüv ypátpovTeç, gjv au [271c] [sobre] outro [assunto] nem [sobre] este. Mas os que
áxqxoaç, Tep/aç Xóycov iravoupyoí eiarv xai agora escrevem artes discursivas, os quais tu ouviste falar, são
ànoKpúirrovTai, ei8ÓTeç ipupíç rrépi rrayxóiXcoç- irpiv av uns ladinos e dissimulam, sabendo muito bem o que concer­
ne à alma. Antes, portanto, que desse modo falem ou escre­
•I ouv tov Tpóirov toutov Xéycoaí Te Kai ypácpcocn, pf)
TreiOcSpeOa qutoíç Tep/ij ypácpetv. i vam, não deixemos persuadir-nos que escrevem com arte.
i
4>AIAPOE FEDRO I
i !|
Ttva toutov; Que modo é esse?

EQKPATHE SÓCRATES

aÚTÒ pèv tÒ pqpaia elireív ouk euireTeç- cbç 8è 8eí Quanto às próprias frases, dizê-las não cai bem; mas co­
mo se deve escrever para que seja o quanto possível com ar­
Ypctqjeiv, ei péXXet Te^vixcoç è\etv xa0’ oaov èvSéxeTat,
Xéyetv èOéXa). te, é o que pretendo dizer.

i <J>A1APOE FEDRO

Xéye 8f|. Diz entào.


IT
EQKPATHE SÓCRATES

eireiSf) Xóyou 8úvapiç wy^óvei


Desde que o poder da fala vem a ser um direcionamen­
to da alma,78 [271d] aquele que se destina a ser um orador
II
yuxaycuyía ouaa, [271 d] tov péXXovTa
necessariamente deve saber quantas formas a alma tem; elas
prjTopiKÒv eaea0at àváyxq ei8évat vpuxf) oaa
são tantas e tantas, e de tal e tal espécie, e daí é que estas se
ei8rj èxei. eariv ouv TÓaa xai TÓaa, xai Toía xai
tornam de tal natureza, aquelas de tal outra. E estas formas
Toía, 80ev oi pèv Totoí8e, oi 8è Totoí8e I entào assim distinguidas, é a vez dos discursos; tantas e tan­
I
yíyvovTau toútcov 8è 8f) outgd Strjpqpévcov,
Xóycuv au TÓaa xai TÓaa eartv e’í8q, TOióvSe
èxaarov. oi pèv ouv Totoí8e uirò tcdv TOtwvSe
I tas são as suas formas e tal é cada uma; tais homens portan­
to, sob o efeito de tais discursos, por esta determinada causa,
Xóycov 8ià Tqv8e Tqv avríav èç tò Totá8e a tais convicções facilmente se deixam levar, ao passo que tais
outros, por tais precisos motivos, dificilmente se deixam. É
euireiOeíç, oi 8è Totoí8e 8tà TÓ8e SuarreiOeiç- 8ei
preciso entào, estas distinções tendo suficientemente pensa­
8f) TaÜTa íxavwç vorpavra, peTÒ TaÜTa
do, e depois considerando o que elas são na prática e enquan-
Oeópevov aura èv tolç iTpáÇeoiv Ôvto Te xai

?
I
78 Ver 261a.
II
179
178

Â
r

I npatrópEva, [271 e] ÓÇécüç Tq aia0qaEi


! to praticadas, [271e] com viva sensibilidade poder segui-las;
8úvaa0ai ETtaKoXou0Eiv, q pq8èv Eivai ttcd
senão, ainda nada ele sabe mais que os discursos que então
ttXéov aura) a>v tÓte qKouEv Xóycov auvcóv. orav
8È EITTEÍV TE IKaVGDÇ E\q OIOÇ Úç>’ OICOV TTEl0ETai, ouvia, quando estudava. Quando, porém, estiver capacitado
a dizer qual homem por quais discursos é persuadido, e, ao
itapayiyvópEvóv te 8uvaròç q 8iaio0avóp£voç
seu lado o tendo, for capaz de bem o sentir, e de a si mesmo
I£ EauTÕ) EvÓEÍKvuoôat oti [272a] outoç eoti Kai
ir demonstrar que [272a] é este o homem e esta a natureza de
auTT) q <púaiç TTEpi qç tÓte qaav oí Xóyoi, vuv
que então se falava nas lições, e que agora é realmente que !
í íi epycp irapouaá oí, q irpoaoiorÉov toÚo8e go8e ele está diante de si e que se deve ter esta linguagem, desta
touç Xóyouç Eiri Tqv tg>v8e ttei0g3, touto 8’ q8q
maneira, e em vista da persuasão nestes pontos; — para o
irávTa e\ovTi, TtpocrXa{3óvTi Kaipouç tou ttote
8 que isso tudo já domina, e que acrescentou os momentos de
I! Xekteov Kai ETtioyETEOv, PpaxuXoyíaç te au Kai
falar e de abster-se, e que então da “fala concisa”, da “fala
ÈXEtvoXoyíaç Kai Seivcdoecoç £Káara>v te Ôaa av
Éi8q pá0q Xóycov, toÚtcdv Tqv EUKaipíav te Kai
aKaipíav 8iayvóvn, KaXcÒç te Kai teXêcdç eotiv
piedosa”, da “indignação” e quantas formas tenha aprendi­
do de discursos, de tudo isso o oportuno e o inoportuno79 i
soube distinguir, com beleza e perfeição está consumada a
q TÉ^vq aTtEipyaapÉvi], irpÓTEpov 8’ ou- àXX’ oti
arte; antes disso, não. E se qualquer um destes pontos [272b]
av aÚTCÒv tiç [272b] eXXeÍtttj Xéycov q 8i8áaKG)v
faltar ao que discursa, ensina ou escreve, e ele disser que es­
q ypáqjcov, q>q 8è ré^vq XéyEiv, ó pq Tt£i0óp£voç
creve com arte, aquele que não se convencer é o que preva­
KpaTEÍ. ‘ti 8q oúv; <pqaet lacoç ó auyypaq>EÚç, cb
lece. E então, dirá talvez o nosso escritor: “é assim que vos
4>ai8pÉ te Kai EcÓKpaTEÇ, 8okeí outgoç; pq aXXcuç
parece, ó Fedro e Sócrates, ou de outro modo se deve admitir
ttgoç cnro8EKTÉov XEyopévqç Xóycov TÉxvqç;’
que é definida uma arte de falar?”.
0AIAPOE
FEDRO
à8ÚvaTÓv TTOU, G) EÓKpaTEÇ, aXXtDÇ- KaÍTOl ou 11
Impossível, sem dúvida, ó Sócrates, que seja de outro I
aptKpóv y£ ipaívETat Epyov.
modo; e no entanto não parece uma pequena tarefa.

EQKPATHE
SÓCRATES í í
àXq0q XÉyEiç. toutou toi eveko xpq iróvTaç
í Verdade o que dizes. E por isso é que é preciso, reviran­
touç Xóyouç avo) Kai kÓtüd pETaarpÉq>ovTa
ETCiaKOTTElV 61 TIÇ ITT] [272c] pÇGDV KOI ^pa^UTEpO
do acima e abaixo todas as teorias, examinar se por algum -I I

lado [272c] surge algum mais fácil e mais curto caminho que

79 Dionísio de Halicarnasso, em seu De compositione verboruni^ 12


(Górgias, DK82B13), reforça a ideia de que Górgias é supremo como
improvisador, assinalando a sua tentativa (quanto a ele próprio falhada)
de celebrar a importância da “oportunidade” (Kaipóç) na declamação dos
1
discursos.
i
i
181

i
F*
I
f (paíverai eir’ aÚTqv ó8óç, iva pq párqv TtoXXf|v
cxttít] Kai TpaxEtav, èÇòv òXíyqv te Kai Xeíav.

leve até ela, para não se ir inutilmente sobre um longo e ás­


àXX’ ei Tivá ttij poqOeiav exeiç eTraKqKocoç pero, sendo possível ir sobre um breve e aplainado. Mas, se
Auaíou i] tivoç àXXou, iteipã) Xéyeiv por acaso tens algum meio de nos ajudar, tu que foste ouvin­
àvaptpvqaKÓpevoç. te de Lísias ou de algum outro, tenta dizer-nos reavivando
tuas lembranças.
j «DAIAPOE
FEDRO
í eveKQ pèv iteipaç ex°ip’ &v, àXX’ oim vuv y’
: I outgdç e\co. Tentar eu poderia, mas não assim de imediato.
EQKPATHE
I! poúXei ouv éycó tiv’ etirco Xóyov ov tgòv Ttepi raurá
SÓCRATES

tivgdv ÓKqKoa; Queres então que eu diga uma fala que ouvi de alguns
dos que se ocupam disso?
4>AIAPOE
FEDRO
rí pqv;
Como não?
EQKPATHE
SÓCRATES
XéyeTai youv, ò ^atSpe, 6íkqiov eivai Kai rò tou
Xukou eiireív. [272d] Diz-se em todo caso, ó Fedro, que é justo até do lobo
defender a causa. [272d]
«DAIAPOE
FEDRO
Kai oú ye oÜtgo iroíei.
E tu, então, assim faze-o.
EQKPATHE
SÓCRATES
cpaai toivuv oú8ev outcd raura 8eív aepvúveiv
ou8’ àváyeiv avco paKpàv rrepiPaXXopévouç- Afirmam que de modo algum se deve solenizar estas coi­
TTavTáiraai yàp, o Kai kot’ àpxàç enropev tou8e tou sas, nem fazer subir tão alto por longa estrada em rodeios.
* Pois absolutamente, e é o que dissemos no começo dessa con­
Xóyou, OTt ou8ev àXqOeíaç perex^iv 8éoi 8iKaícDv i] *
àyaOcDv rrépi TrpaypáTCOv, i] Kai àvOpcóircDv ye versa, nada com a verdade deveria ter, tratando do justo e do
toloÚtgjv q>úaei ovtcdv rj Tpoiprj, tov peXXovra íxavcoç
bom nos negócios e também nos homens, que tais são ou por
natureza ou por educação, aquele que se destina a ser em
prjTOpiKÒv eaeaOai. tò Trapcrrrav yàp oú8èv êv toíç
8iKaaTi]píoiç toÚtgov àXqQeíaç péXeiv oú8eví, àXXà grau suficiente um orador. Pois geralmente nos tribunais ne­
tou TtiOavoü- [272e] toüto 8’ eivai tò eikóç, q> 8eív I nhum cuidado com a verdade dessas coisas ninguém tem,
mas sim com o convincente; [272e] e isto é o verossímil, ao
rtpoaexeiv tov peXXovra réxvt| èpeiv. oú8è yàp aura
rà itpaxOévTa 8eiv Xéyeiv êvíore, èàv pi] eikótcdç y qual deve aplicar-se o que se propõe a falar com arte. Pois I
nem mesmo às vezes o próprio ato se deve mencionar, se não ■

f
182 H
183
lí f

TTETrpaypéva, àXXà to eixoto, ev te xaTqyopíçt xai


foi com verossimilhança praticado, mas apenas o verossímil,
aTroXoyíçí, xai iravrcuç XÉyovra to 8q eixòç
tanto na acusação como na defesa. E em geral quando se dis­
SlGDXTEOV Eivai, TToXXà ElItÓVTa XaípElV TÕ) àXr)0EV
i í touto yàp 8ià [273a] iravTÒç tou Xóyou yiyvópEvov
Tqv artaaav te^v^v iropíÇEiv.
cursa é o verossímil que carece perseguir, com muito adeus
despedindo o verídico; pois é o verossímil que, formando-se
através de [273a] todo o discurso, constitui toda a arte.
«DAIAPOE
FEDRO
> h aura ye, cb EcóxpaTEÇ, 8iEXqXu0aç a XÉyouatv oí
Isso mesmo, ó Sócrates, que acabas de explicar é o que
irEpi touç Xóyouç TE^vtxoi irpooTroioúpEvoi Eivar I
dizem os que pretendem ser técnicos de eloquência. Pois me
i ávEpvqo0qv yàp oti ev tcÒ ■Ftpóo0Ev ppaxéooç tou
lembrei que já antes tocamos brevemente em tal questão; e
toioutou E<pqipápE0a, Soxeí 8è touto rtáppEya Eivai toíç
TTEpi TaÜTa.
parece que isso é de grande importância para os que se ocu­
pam dessas coisas.
EQKPATHE SÓCRATES
àXXà pqv tov yE TEiaíav aúròv TtETráTqxaç
Entretanto, quanto ao próprio Tísias, tu de ponta a pon­
àxpiPõç- eittÉtco toÍvuv xai t68e qpiv ó Teioioç, pq
ta o repisaste; pois bem, que ainda isto nos diga o Tísias, se
ti aXXo XÉyEi [273b] to eixòç q to rcp TtXq0£i
8oxoúv. pelo verossímil ele entende [273b] outra coisa que não o pa­
recer das massas.
0AIAPOE
FEDRO
ti yàp aXXo;
Que outra coisa?
EQKPATHE
SÓCRATES
touto 8q, <£>ç eoixe, oo<pòv eupòv àpa xai Eis então, parece, o sábio achado seu e a sua técnica: se
te^vixov eypaipEV cbç Èáv tiç àa0£vqç xai àv8pixòç
um homem fraco e valente, escreveu ele, tendo batido num
iaxupòv xai SeiXòv auyxóipaç, ípcrnov q ti aXXo
! forte e covarde e dele arrancado a túnica ou alguma outra
àopeXópevoç, eiç 8ixaarqpiov ayiyrai, 8ei 8q TaXqOèç
coisa, for levado ao tribunal, não deve então nem um nem
pq8ÉTEpov Xéyetv, àXXà tov pèv 8eiXòv pq úrrò póvou
i outro dizer a verdade. Ao contrário, o covarde dirá que não !
«pávai tou àv8pixoú auyxExó<p0ai, tov 8è touto pèv
foi só pelo valente que foi batido, ao passo que este justamen­ !
èXéyxEiv cbç póvw qcrrqv, êxeívü) 8è KaTaypqcjaaOat
te retrucará que os dois estavam sós e recorrerá ao famoso
[273c] tcò ‘ttódç 8’ av èyà> toi6o8e toig)8e I
[273c] argumento: “mas como é que eu, tal como sou, tê-lo-
EiTEyEÍpqcra;’ ó 8’ oúx èpeí 8q Tqv èauTOÚ xáxqv,
àXXà ti aXXo vpEÓ8ea9ai ETrtyEípcòv tÓ)(’ àv eXeyxóv i -ia atacado tal como ele é?”. E o outro não dirá então sua
própria covardia, mas tentando uma outra mentira apresen­
ttij irapa8oíq tcò àvTi8íxq>. xai rapi ràXXa 8q
tará sem dúvida alguma objeção ao seu adversário. E, quan-

184
185
j

Totaür’ ârra eoTi tÒ Téyvq Xeyópeva. oú yáp, &


to ao mais, é sempre em tais ditos que consiste a arte. Não é
«ÊaíSpe;
mesmo, Fedro?
0AIAPOE
FEDRO
TÍ pqv;
Como não?

?• !
I EQKPATHE
SÓCRATES
S <pEÚ, 8eivcdç y’ eoikev àiTOKEKpuppÉvqv TEyvqv
ii Ih, com terrível habilidade parece que uma arte escon­
àvEupEtv ó TEioíaç q âXXoç Ôcrnç 8q ttot’ cov TuyyávEi

Ih
2
dida Tísias descobriu, ou qualquer outro que possa ser e co­
Kai ÓTTÓ0EV xa*P61 óvopaÇópEvoç. crráp, à) ETaipE, toutcd
í------------- ' z
mo quer que lhe agrade ser chamado. Mas então, ó compa­
npeíç TTÓTepov Xéycopev q»' pq' — [273d]
nheiro, a esse homem devemos dizer ou não...? [273d]
3
4>A1APOE
FEDRO
I to irotov;
O quê?
EQKPATHE
SÓCRATES
OTt, G) Teioía, iráXat qpeíç, npiv Kai crè O seguinte: “Ó Tísias, há muito que nós, antes mesmo
rrapeXOeív, Tuyyávopev Xéyovreç óç âpa touto to
de teres intervindo, estamos dizendo que afinal este verossí­
eiKÒç toíç TtoXXoíç 8t’ ópotÓTqTa tou àXq0oúç
mil vem a formar-se na multidão por semelhança com o ve­
TuyxávEt êyyiyvópEvov- xàç 8è ópotÓTqTaç apTt
rídico; e as semelhanças há pouco explicamos que em toda
8iqX6opev OTt iravTayou ó rqv àXqôetav el8còç
parte quem melhor sabe achá-las é o que a verdade conhece.
KÓXXiora EirícrraTai EÚpíaKEtv. coar’ ei pèv aXXo ti
Por conseguinte, se outra coisa tens a dizer sobre a arte da
TtEpi TÉyvqç Xóycov Xéyetç, aKoúotpEv av- ei 8è pq, otç
H eloquência, nós ouviriamos; se não, é no que agora há pouco
vuv8q 8iqX6opEv Tt£iaópE0a, óç Èàv pq tiç tgdv te
explicamos que confiaremos, a saber, quem não tiver levado I
aKouoopEVGüv [273e] tcxç <púo£iç 8tapi0pqaqTat, Kai
em conta a singularidade de cada natureza entre [273e] os
kqt’ Ei8q te 8iatpEÍa0ai tcx Ôvra Kai piçt i8eç 8uvawç
que vão ouvir, e não for capaz de por espécies distinguir os
rj kq0’ ev EKaarov TtEpiXap[3ávÊiv, oú itot’ Ecrtat
seres e em única ideia abrangê-los por cada espécie, jamais
TEyVlKÒÇ XÓyCDV TTÉpi KQ0’ ocrov 8uvotÒv àv0pcÓTTCp.
será um técnico em eloquência na medida em que é possível
TaÜTa 8è ou pq ttote KTqaqTat avEu iroXXqç
a um homem. E isso jamais conseguirá sem muita aplicação;
irpaypaTEÍaç- qv oúy eveko tou XÉyeiv Kai irpaTTEiv
e não é em vista do falar e agir para os homens que deve pe­
irpòç àv0pGyrrouç 8eÍ 8iaTrovEÍa0at tov aaxppova,
nosamente aplicar-se o sábio, mas do poder falar o que aos
àXXà tou 0Eoiç KEyapiapEva pèv XéyEiv 8úvaa0at,
deuses é grato, e em tudo agir o quanto possível como lhes
KEyapiapévwç 8è irpÓTTEiv tò irãv eiç 8úvapiv. oú yàp
apraz. Pois não é afinal, ó Tísias, dizem os mais sábios que
8q apa, gd TEiaía, tpaaiv oí aoipÓTEpot qpcov,
ópo8oúXoiç 8eÍ xapíÇEQ0ai [274a] peXetõv tov voúv
nós, a companheiros escravos que deve empenhar-se em agra­
dar [274a] o que tem juízo, a não ser acessoriamente, mas I
I Ij
186
187
4 1

ÉyovTa, ótl pf| rrápepYOv, áXXà SeoiTÓTaiç àyaOoíç te sim a senhores que são bons e de bons constituintes? Por con­
Kai eÇ aYaOéóv. coar’ ei paKpà q Ttepíoóoç, pq seguinte, se longo é o circuito, não te admires; pois em vista
Qaupáatjç- peYÓXcov yàp evékq ireptiTeov, oúy cbç au do que é grande, se deve fazer o circuito e não como tu pen­

8okeiç. Earai pqv, gdç ó Xóyoç cpqcrív, eÓv tiç êOeXij, Kai sas. Será em verdade, como afirma a nossa tese, desde que se
Taura KáXXiara ÈÇ ekeÍvgjv YtYvópeva- queira também, este belíssimo, daqueles resultando”.

I
;í'
I OAIAPOE FEDRO
TtaYKÓXGDç EpotY^ Sokeí X^Y^Oat, à> ZÓKpaTEÇ, Belissimamente me parece que seria dito, ó Sócrates, se
I V 7 z ,z
ElTTEp OLOÇ TE TIÇ Etq. J é que alguém seja capaz.

EQKPATHE
I SÓCRATES
i.
1 Mas para quem se empenha nas belas empresas é belo
áXXà Kai emxEtpoúvTÍ tot toíç KaXoíç KaXòv Kai í
[274b] Ttáaxetv oti av tco aup^q TtaÔEÍv. também [274b] sofrer o que lhe ocorra sofrer.

I 4>AIAPOE
Kai páXa.
FEDRO
Certíssimo.

EQKPATHE SÓCRATES
oÚkouv to pèv TÉyvqç te Kai aTE^víaç Xóywv irépi Assim então, quanto a arte e ausência de arte nos dis­
iKavÓjç exÉtcd. cursos, que isto seja o bastante...
I FEDRO
0AIAPOE
i Sem dúvida.
ti pqv;

EQKPATHE
tò 8’ euirpeneíaç 8q Ypa<pí]Ç irepi Kai carpETteíaç,
I SÓCRATES
Mas quanto a conveniência e inconveniência do escre­
Ttq YlYv°Pevov KaXã>ç av e\oi Kai ottij àirpETtGDÇ, f ver, por onde é belo que isto se faça e por onde é inconve­
Xovrróv. q yáp; niente, eis o que ainda resta, não é?

«DAIAPOE FEDRO
vai. Sim.

EQKPATHE SÓCRATES
otaô’ ouv oirij páXiara Ôecò xaptrj Xóywv itépt Sabes então por onde mais a deus agradarás em discur­
npaTTGDv q Xéycov; sos te ocupando ou deles falando?

189
II
188 i
z
t \
0AIAPOE
oúôapõç- au Sé; [274c] FEDRO
De modo algum; e tu? [274c]
0 EQKPATHE
i ciKoqv y’ ex00 ^Yeiv T(^v TrpoTÉpcov, to 8’
SÓCRATES

í áXq0Èç auToi iaaaiv. ei 8è toúto EupoipEv aútoí, Uma história em todo caso posso contar que ouvi dos
I apá y’ av E0’ qpív péXoi ti tgdv àvQpGOtrívcDv antigos. O verídico eles conhecem; se o descobríssemos nós
SoÇaapÓTtov; mesmos, porventura ainda nos importaria algo de humanas
»
opiniões?
f 0AIAPOE
FEDRO
YeXoiov qpou- àXX’ a <pr)ç àxqKoévai
Xéyê- Engraçado o que perguntaste; mas o que afirmas ter ou­
vido, diz.
EQKPATHE
SÓCRATES
qKouaa toÍvuv nepi NaÚKporriv Tqç Aiyütttou
YEvéaOat tgdv ekeí rraXaiôv Tiva 0eã>v, ou Kai to Pois bem, ouvi dizer que em Náucratis80 no Egito viveu
ÒpvEov ÍEpòv o 8q KaXouatv rIpiv aÚTcp 8è ôvopa tõ um dos velhos deuses de lá, cujo pássaro sagrado é o que cha­
Saípovt Eivai 0EÚ0. TOUTOV 8f) TrpCOTOV àpi0póv TE Kai mam de íbis, e o nome do próprio deus era Theuth.81 Foi ele
r XoYiapòv EÚpEÍv Kai [274d] Y^copETpíav Kai que primeiro descobriu o número e o cálculo, [274d] a geo­
metria e a astronomia, e ainda o gamão e os dados e, enfim,
àcrrpovopíav, eti 8è iTETTEÍaç te Kai Ku^Eiaç, Kai 8q Kai
I YpáppaTa. PáaiXÉGDÇ 8’ aú tote ovtoç AiyÚtttou oXqç as letras. Ora, rei era então de todo o Egito Thamous, que
Oapoú TtEpi Tqv pEYÓXqv iróXiv tou avco toitou qv oí habitava a grande cidade do alto Nilo que os gregos chamam
I
''EXXqvEÇ AiYvrmaç Oq^aç KaXouai, Kai tov 0eov Tebas do Egito, e Ámmon ao seu deus. A este tendo vindo,
3 ’'Appwva, trapa toütov eX0cov ó Oeu0 tÒç texvoç Theuth mostrou-lhe suas artes e disse que era preciso trans­
Ètte8eiÇev, Kai E(pq 8eÍv 8ia8o0qvai toíç aXXoiç miti-las aos demais egípcios. O rei perguntou-lhe que utilida­
_• 'I
Arfuirríoiç- ó 8è qpETO qvTiva EKÓorq e'xoi cbcpEXíav, de podia ter cada uma; e do que Theuth expunha, conforme
8ieÇi6vtoç 8e, oti KaXcòç q pq [274e] KaXôç 8okoi ele julgasse bem ou mal [274e] fundamentado, ora fazia a
censura, ora o elogio. Muitos então foram os pronunciamen-
i
80 Cidade do Baixo Egito e porto do rio Nilo, onde no século VII
a.C. foi fundada uma importante colônia grega. A partir deste ponto, o
diálogo volta-se para a problemática da composição e utilização dos dis­
cursos escritos.
81 Theuth (ou Thoth) é o deus egípcio a quem são atribuídas as in­
I
venções que o texto enumera. O faraó Thamous é a seguir identificado
com o deus Ammon.

191
/
tf'

Xeyeiv, tò pèv è'ipeyev, tò 8’ èirqvei. iroXXà pèv 8q irepi tos que sobre cada arte Thamous, dizem, fez a Theuth num
e noutro sentido, e longo seria referi-los todos. Mas quando
3 eKÓOTqÇ T1]Ç TÉ\VqÇ 671* àp^pOTEpa 0apOUV TCp 0eu9
XéyETai àiTO<pqvaa9ai, a Xóyoç ttoXuç av eíq 8ieX9eív-
EiiEi8r| 8è ettí toíç ypótppaaiv Hv» ‘touto 8é, gd PooiXeu,
foi a vez das letras, disse Theuth: “Eis, ó rei, o conhecimento
que tornará os egípcios mais sábios e mais lembrados; pois
tò pá0qpa,’ e<pq ó 0eú9, ‘aoiporrépouç AiyuTTTiouç Kai de memória e de sabedoria foi encontrado o medicamento”.
pvqpoviKGDTépouç TrapéÇEi- pvqpqç te yàp Kai aoipíaç E o rei falou: “Ó tecnicíssimo Theuth, um é o capaz de en­
r
(pÓippaKOV qup60q.’ Ó 8’ EÍtTEV ‘GD TE^VlKGOTaTE 0EU0, gendrar os elementos da arte, outro o de julgar a parte de
aXXoç pèv tekeÍv 8uvaròç tò TÉ)(vqç, aXXoç 8è Kpívai dano e de utilidade que ela tem para os que vão usá-la. E as­
:í tÍv’ Eyei poípav ^Xápqç te Kai cbq>EXíaç toíç péXXoucn sim é que agora [275a] tu, sendo o pai das letras, por afeição
Xpqcr0ai- Kai vuv [275a] aú, iraTqp còv ypappÓTGDv, 81’ disseste o contrário do que elas podem. Pois isto, nos que o
eüvoiav ToúvavTÍov eitteç q SúvaTai. toüto yàp tgòv aprenderam, esquecimento em suas almas produzirá com o
pa0óvTG)v Xq0qv pèv év ipuyaíç TrapéÇEi pvqpqç não exercício da memória, porque, na escrita confiando, é de
íll àpEXeTqaíç, ote 8ià Trícrriv ypaipqç eÇw0ev utt’ fora, por alheias impressões e não por eles mesmos, que se
àXXoTpícov tuttgdv, ouk ev8o0ev auTOuç uq>* outgdv recordam; assim, não para memória, mas para recordação
ávapipvqaKopévouç- oukouv pvqpqç àXXà UTropvqoeGDÇ achaste um medicamento. E, da sabedoria, aos teus aprendi­
ífi tpáppaKov qupEÇ. aoipíaç 8è toíç pa0qraíç SóÇav, ouk zes transmites uma aparência, não a verdade. Pois, com tua

Ií iií àXq0£iav TTopíÇEiç- iroXuqKooi yáp aoi yevópevot cxveu


8i8ayqç iroXuyvGÓpovEÇ [275b] Eivai 8óÇouaiv,
àyvGDpoveç cbç èiri tò TrXq0oç Òvteç, Kai yaXETToi
ajuda, muito informados sem ensino, muito avisados [275b]
parecerão, quando na maioria dos casos são desavisados, e
difíceis de conviver, tornados aparentes sábios em vez de
auvEivai, 80ÇÓ00901 yEyovÓTEÇ avTÍ aoípcov.’ sábios”.

0AIAPOE FEDRO
GD EGDKpaTEÇ, pÇl8ÍGJÇ OU AÍYU7TTÍOUÇ KOI ó Sócrates, facilmente contos egípcios tu fazes — ou de
Ó7To8aTrouç av e0éXijç Xóyouç ttoieíç. onde quer que queiras.

EQKPATHZ SÓCRATES
oi 8è y’, <b q>íXe, èv Tcp tou Aiòç tou AcoScovaíou E os que, ó amigo, serviam no santuário de Zeus em Do-
íepo) 8puòç Xóyouç apqaav pavriKouç irpÓTOuç dona, de um carvalho diziam que as primeiras palavras divi­
yevéa0ai. toíç pèv ouv tote, arre ouk ouai ootpoíç natórias surgiram. Aos homens de então, por não serem sá­
CÓCHTEp ópetç oi V6Ot, àlTE^pq Spuòç Kai TTÉTpaÇ bios como vós os da nova geração, bastava em sua ingenui­
Ókoueiv uir’ euq0EÍaç, ei póvov [275c] áXqOq dade ouvir de um carvalho ou de uma pedra, contanto que
XéyoiEv aoi 8’ iacoç 8ia<pépei tiç ó XéyGov Kai [275c] dissessem a verdade. Mas para ti o que talvez impor­
iro8airóç. ou yàp hkeívo póvov okotteíç, evre outgdç ta é saber quem é o que fala e de que país; pois não apenas
evre âXXcoç è\ei; aquilo examinas, se é assim que se tem ou de outro modo.

I!
192 193

.J
I- ■ f «PAIAPOE FEDRO
Corretamente bateste, e me parece que sobre as letras e
òpQcoç ÊTtÊTtXqÇaç, Kai poi 8okeí nepi ypappáTCDv ^XEÍV
girep ó ©q^aioç Xéyet. assim como o Tebano diz.
í'UPU
|i SÓCRATES
•: 11 * EQKPATHE
Portanto, o que pensasse uma arte ter deixado em letras,
oukoüv ó Téyvrjv oiópEvoç èv ypáppaot KaTaXiitEÍv, Kai
e o que a recolhesse como se algo claro e firme de letras fosse
aú ó irapaSEyópEvoç gjç ti aaq>èç Kai |3é[3aiov ek
* sair, de muita ingenuidade dariam prova e realmente a profe­
ypappaTeov èaópEvov, TroXXqç àv eúrjOeíaç yépot Kai tcò ovti
cia de Ámmon ignorariam, imaginando que palavras [275d]
Tqv ’Appcúvoç pavTEÍav àyvooi, rrXéov ti oiópEvoç Eivai
escritas são mais que um meio para o que sabe relembrar o
Xóyouç [275d] yeypappévouç tou tov eiSóto uTTopvqorai
de que trata o escrito.
i•11
I.
iTEpi (bv àv t] Tà yeypappéva.

«DAIAPOE FEDRO
ÒpOÓTQTa. Corretíssimo.

EQKPATHE SÓCRATES
O escrita é
8eivÒv yàp ttou, (b $aí8pe, tout’ e\ei ypaipq, que de
O que terrível sem dúvida, ó Fedro, tem a
de terrível
Kai d>ç à\r)0ã)ç opoiov Çcoypaqnçu xai yàp tÒ realmente a sua semelhança com a pintura . E de fato os seres
que esta engendra estão como se fossem vivos; porém se lhes
eKEÍvqç eKyova eorrjKe pèv cbç ÇóòvTa, èàv 8’ àvépij
perguntas algo, solene e total é o seu silêncio. E o mesmo fa-
ti, aEpvóòç rrávu aiyç. toutov 8è Kai oi Xóyor
zem também os discursos; poderías crer que um pensamento
8óÇaiç pèv àv coç ti ippovoúvTaç outouç XéyEiv, anima o que eles dizem; mas se algo perguntas do que é dito,
èàv 8é ti eprj tõ>v XeyopévcDv PouXópEvoç pa0Eiv,
querendo aprender, uma só coisa apenas eles indicam e a mes­
ev ti arjpaívEi póvov toutov oeí. otov 8è àiraÇ ma sempre. E uma vez [275e] escrito, fica rolando por toda
[275e] ypatprj, kuXiv8eitoi pèv iravTayou iràç
parte todo discurso, igualmente entre os que sabem como en­
Xóyoç ópoícDÇ Trapa toíç èiraiouaiv, cbç 8’ outgdç tre aqueles com os quais nada tem a ver, e nunca sabe a quem
rrap’ oiç ot/8èv rrpoaqKEi, Kai ouk èrnaraTai ele justamente deve falar e a quem não. Transgredido e não
XéyEtv otç 8eí y£ Kai pr). TrXrippEXoúpEvoç 8è Kai com justiça censurado, do pai sempre ele precisa como assis­
OUK EV 8ÍKTJ XotSopr|0EÍÇ TOU TTaTpOÇ OEl SeÍTOI tente; pois ele próprio não é capaz nem de se defender nem
[3or|0oü- auròç yàp out’ àpúvaa0ai oute
Por)0qaat 8uvotÒç outcÒ. de se assistir por si mesmo.

«DAIAPOE fedro
Também nisso é corretíssima a tua linguagem. [
,
aj
í
Kai TaÜTa aoi òpOoTcrra siprprai. [276a] !
r
195
194
r < ■ 1
i ■

EOKPATHE
SÓCRATES
8’; aXXov ópóòpEv Xóyov toutou à8eXq)òv

I
ti
Mas então? Outro discurso devemos considerar, irmão
Yvqatov, tcò Tpóira) te YtYV6Tai» Kai oacp àpeívcov Kai deste e legítimo, e ver de que modo ele se forma e quanto me­
SuvaTCDTEpoç toutou tpÚETai;
lhor e mais poderoso que este ele é de natureza?
(DAIAPOE FEDRO II
tÍvq toutov Kai ttgSç XéyEtÇ YlYv(^Pevov’
Que dizes ser este e como se forma?
I
í EQKPATHZ
li SÓCRATES
oç pET* ETnarqpqç yp^ipeTai èv Trj tou pavSávovTOÇ O que se escreve com ciência na alma do que aprende,
í
I \puXD* SvvotÒç pèv àpüvai èauTcp, ètnarq pcov 8è Xeyéiv te e que pode se defender e sabe falar e calar diante de quem é I
Ill Kai atyãv Tipòç oüç Sei.

«PAIAPOE
preciso.

FEDRO
tÒv toü e186toç
Xóyov Xeyeiç ÇcovTa Kai è'pipuxov, O discurso do que sabe é o que queres dizer, discurso I

ou ó YeYPaPpévoÇ 6Í8goXov av ti Xéyoito SiKaícoç. vivo e animado, do qual o escrito um simulacro se podería
[276b] dizer com justiça? [276b]
EQKPATHE SÓCRATES
TravTaTracri pèv ouv. tó8e 8q pot ente- ó vouv e\cDv Perfeitamente, sim. Dize-me agora o seguinte: o agricul­
YEGDpyóç, ü)v aiteppáTGDv KqSotTO Kai eYKapna tor inteligente, que de suas sementes cuida e delas queira ob­
i
PoúXoito YHvéaOat, irÓTEpa atrouSq av Qépouç eiç ter frutos, será que seriamente, no verão plantando-as nos
; 'i
AbcoviSoç Kq-rrouç apôv yaípoi Oecopcòv KaXouç èv jardins de Adônis, gostaria de ver esses jardins se tornarem
qpépatatv Òktgd YlYvopév°vç, q touto pèv 8q Ttai8tãç te belos em oito dias?82 Ou isto, sim, ele faria, mas por brinca­
xai Eopjqç xápiv 8póq âv, Óte Kai troioi- èq>’ otç 8è deira e graças à festa, e quando o fizesse? Mas para as que
èaTtoúSaKEv, tt) YecoPY1Kíl XP^P^voç av texvij, attEipaç lhe interessam, ele se valeria da técnica agrícola e, tendo-as
eiç to TtpoaqKov, aYaTrcóq av èv Òy8ócd pqvi oaa semeado em solo adequado, contente ficaria se em oito meses
EOitEipÊV téXoç Xa^óvTa; [276c] quanto semeou ao seu termo tivesse chegado. [276c]

82 Com a menção aos “jardins de Adônis”, Platão refere-se ao cos­


tume, corrente durante as festas de Adônis, de lançar em pequenos vasos
sementes que brotavam rapidamente e com a mesma rapidez murchavam.
O sentido simbólico da referência à morte prematura do deus é aproveita­
do por Platão para caracterizar a superficialidade e aparência de saber que
a memorização de discursos pode proporcionar.

• I
196 197
/
1
Ml
4>AIAPOE FEDRO
I OUTGO TTOU, G) EÓKpaTEÇ, TO pÈv OTTOu81J, TO 8È GDÇ
ETÉpcoç av r) Xéyeiç irotoi.
É bem assim, ó Sócrates, que ele faria: uma coisa com
seriedade, e a outra diferentemente, assim como dizes.
!
EQKPATHE SÓCRATES
tÒv 8è 8iKaÍG)v te Kai kqXcov koi cxyaQcòv ETrioTqpaç Mas o que tem a ciência do justo e a do belo e bom, de­
!
e\ovra toü yEcopyou <pã>pEv qrrov vouv è\eiv eiç tÒ éauTOÜ vemos afirmar que tem menos inteligência que o agricultor
' i arre p porta; para as que dele mesmo são sementes?

4>A1APOE FEDRO
i qKiará ye. De modo nenhum.

EQKPATHE SÓCRATES
z x 83
oÚk âpa cnTOu8q aura ev ü8oti ypávpEt péXavi Assim, não seriamente as escreverá na agua negra, se­
'I OTTEÍpCDV 8là KaXápOU pETÒ XÓyGDV à8uvÓTG)V pèv meando-as pelo caniço com discursos incapazes de assistir-se
auroiç Xóycp Poq0EÍv, cxSuvÓtgdv 8è ÍKavcòç TaXq0q a si mesmos pela fala, incapazes de ensinar suficientemente a
8t8áÇai.
verdade.

«DAIAPOE FEDRO
oukouv 8q to y’ eikóç. [276d] Não, pelo menos não é provável. [276d]

ii Pi EQKPATHE SÓCRATES
ou yáp- àXXà touç pèv èv ypáppaai Kqrrouç, cbç Não efetivamente. Mas os jardins em letras, como é pro­
EOIKE, Ttai8tãç x^Plv aTTÊpei te Kai y poupei, õrav 8è vável, por brincadeira ele os semeará e escreverá quando es­
ypácpr), ÉauTÕ) te uiropvqpaTa 0qaaupiÇópevoç, eiç to crever, para si mesmo entesourando lembranças para a es­
Xq0qç yqpaç èàv iKqrai, Kai iravri tcÒ toutov ixvoç quecida velhice, se lá chegar, e para todo aquele que siga a
pETióvri, qo0qaeTaí te aurouç Oecopcov cpuopévouç mesma pista. E ele se alegrará vendo crescer as tenras plantas;
ccrraXoúç- orav 8è âXXoi Trat8iaiç aXXaiç xp&vTai, e enquanto outros utilizam outras diversões, embebidos em
aupiroaíoiç te ap8ovTeç aurouç ETÉpoiç te oaa toutgov banquetes e em quantos outros prazeres são irmãos destes,
à8eXq>á, tot’ ekeÍvoç, goç eoikev, àvri toutcov otç XéyG) ele então, como é provável, em vez destes passará sua vida
iraíÇcDv 8iáÇei. [276e] divertindo-se com os que digo. [276e]
i
i í
à tinta usada para escrever
83 Provavelmente a expressão refere-se
com um caniço.

199
n
198
I (PAIAPOE
FEDRO
irayKáXriv XéyEiç irapà q>aúXqv TratSuiv, cb Belíssima, em face da vulgar, a diversão que dizes, ó Só­
EcÓKpaTEÇ, toü ev Xóyoiç 8uvapévou ttoíÇeiv, 8iKaioaúvqç crates, a do que em discursos pode se divertir, compondo-os
te Kai aXXcov gjv XéyEiç irépi pu0oXoyoüvTa.
I* sobre a justiça e o mais de que falas.

EQKPATHE
SÓCRATES
é'ori yáp, <b <píX£ <J>aí8pE, outco- ttoXu 8’ oipai kqXXícdv É realmente assim, ó caro Fedro. Mas creio que muito
arrou8f) iTEpi aura yíyveTai, orav tiç Trj 8ioXektik^ Téxvr) mais belo é o empenho em torno disso quando alguém, usan­
Q_
GO XpópEvoç, Xaficbv ipuxqv irpoarjKouaav, cpuTEÓg te Kai do a arte dialética, pega uma alma condigna e nela planta e
*ZD
—. OTTEÍpr) pET* £Tnarf|pr|ç Xóyouç, oi' eoutoÍç tco te ipuTEÚcravTi semeia com ciência discursos que a si mesmos e ao que plan­
X
j O [277a] [3or)0£Ív ÍKavoi Kai oúx'i aKaprroí àXXà e\ovteç
crrréppa, o0ev âXXoi ev aXXoiç q0EOi opuópEvoi toüt’ oe'i
tou [277a] são capazes de assistir, e, não estéreis, têm uma i
semente da qual outros, em outros naturais brotando, são
it à0ávaTOv TtapÉxÊtv ÍKavoi, Kai tov exovra Eu8aipovEÍv pnnmoc cpmnrp oorantir cfeitO, e fazendo
CSte efeito,
imnprecível este
Q capazes de sempre garantir imperecível
CO TTOIOUVTEÇ EIÇ OQOV ávOpCDTTCp 8uvaTOV pÓXlOTa. no que os tem a maior felicidade que é possível ao homem.
CO
, i
I OAIAPOE
TtoXu yàp toüt’ eti kóXXiov Xéyeiç.
FEDRO
Muito mais belo ainda é isto que dizes.

EQKPATHE
SÓCRATES
vuv 6f) ekeívo q5r), a> 4>ai8pE, 8uváp£0a KpívEiv, Agora então aquilo, ó Fedro, já podemos decidir, sobre
toÚtgov ópoXoyqpévcov.
isto tendo concordado.

«PAIAPOE
FEDRO I
tcx rroia;
Aquilo o quê?

EQKPATHE
SÓCRATES
QV 8f| Itépt pOüXqOÉVTEÇ Í8eÍV CUplKÓpEOa EIÇ Sobre o que justamente quisemos ver claro e que nos
tÓ8e, OTTCDÇ TÒ Aucríou TE OVEl8oÇ ÈÇETÓaatpEV Ttjç trouxe até este ponto; como a censura a Lísias por escrever
tgSv XóycDv [277b] ypacpqç irépi, Kai aurouç touç devíamos examinar [277b] e também os próprios discursos
Xóyouç oí TÉyvr) Kai avEu TÉyvqç ypáipoivTO. to que se escreviam com ou sem arte. Ora, quanto ao artístico
pèv ouv evie^vov Kai pr) 8okeí poi 8e8r|Xã>a0ai e ao não artístico parece-me que está convenientemente es­
pETpíCDÇ.
I clarecido.
0AIAPOE
FEDRO
e'8oÇé yE Si? ttóXiv 8è unópvqaóv pe itgjç. 1 De fato pareceu; mas de novo relembra-me como.
I
200 201
í
If 1
M:

EQKPATHE
i Ttpiv av tiç to te àXqOèç exaorcov ei8ij nepi gdv
SÓCRATES
Antes que a verdade alguém conheça de cada questão
Xeyei q ypáipei, kot’ aÚTÓ Te ttõv ópíÇeaOai 8uvotoç sobre que fale ou escreva, e que se torne capaz de tudo por
I yévqTai, ópiaápevóç te ttóXiv kot’ et8q péypi tou si mesmo definir, e tendo definido saiba de novo por espécies
aTpqTOU Tepveiv éiriorqOr), irepi te ipuyqç qjúaecoç até o indivisível seccionar, e sobre a natureza da alma tendõ­
8u8cov kotÒ toÚtÓ, to [277c] Ttpoaappórrov EKÓtarq es distinguido por si mesmas [277c] a espécie adequada a
•!
(púaei êi8oç àvEupíaxcDv, outcd tiOtj Kai SiaKoapq tòv cada natureza descubra e assim ponha e disponha o discurso,
;• Xóyov, iroiKÍXq pèv ttoikíXouç ipuyij Kai iravappovíouç a uma alma complexa apresentando-o complexo e pan-har-
)
i 8i8ouç Xóyouç, cxttXoúç 8è airXq, oú irpÓTEpov mônico e simples a uma simples — não antes disso será pos­

I
■ i
SuvaTÒv TÉyvq eaeaOai xa9’ ôaov iréq>uKe sível com arte ser manipulado o quanto é de sua natureza ser
peTaxeipiaOqvai tò Xóyov yévoç, oute ti irpòç to o gênero discursivo, nem para algo ensinar nem para em algo
í
i 8i8óÇai oute ti irpòç tò Tteíaai, cbç ó epTrpoaôev ttcxç persuadir, como a precedente discussão em sua totalidade nos
i pepqvuKev qpiv Xóyoç. revelou. i

«DAIAPOE FEDRO
' * r ~ z »z , z Foi absolutamente isto que mais ou menos se eviden­
■ TravTairaat pev ouv touto yE outgd ttcdç Ecpavq.
[277d]
ciou. [277d]

EQKPATHE SÓCRATES
ti 8’ aú irepi tou xaXòv q alaypòv eivai tò Xóyouç Mas por outro lado, e quanto a ser belo ou feio o pro­
Xéyeiv te xai ypácpEiv, xai ôirrj yiyvópevov év 8íxq XÉyoiT ferir e escrever discursos, e ao modo como isto se dá para
av Ôvei8oç q pq, àpa oú 8e8qXa>Kev tò XeyOévTa òXíyov com justiça se fazer censura ou não? Porventura não o tor­
epirpoaOev — nou evidente o que há pouco foi dito...?

0AIAPOE FEDRO
tò iroia; O quê?

EQKPATHE SÓCRATES
óç eite Auoíaç q tiç aXXoç ttcóttote eypaipev q ypóupei Que se Lísias ou algum outro algum dia escreveu ou es­
i8íç q 8qpoaíç vópouç tiQeiç, aúyypappa ttoXitikov crever, em caráter privado ou como homem público instituin­
ypóitpov Kai pEyáXqv Tivà Èv auTÓS pE^aiÓTqTa qyoúpEvoç do leis, um tratado político, burilando e nele julgando haver
xai aaipqvEiav, outcd pèv ÔveiSoç tco ypácpovTi, eite tiç uma grande solidez e clareza, assim sem dúvida há censura
cpqoiv eite pq- tò yàp àyvoEiv uirap te xai ôvap óiKaícuv ao que escreve, que se diga ou não, pois o ignorar em vigília
[277e] xai cl8íkgdv Trépi Kai xaxóóv xai àya0a>v ouk e em sonho o justo [277e] e o injusto e o mau e o bom não

203
èxipEÚyEi tij aXq0EÍç pq oúx èTtovEÍ8iorov Eivai, oú8è av ó
ttõç oyXoç aúrò èiraivéatj. escapa em verdade de não ser censurável, ainda que em sua
totalidade a multidão o louve.
0AIAPOE
oú yòp ouv. FEDRO
Não, com efeito.
EQKPATHE
ó 8e yE ev pèv Tcp yeypappévcp Xóycp Ttepi exóotou SÓCRATES
Ttaiõtáv te qyoúpEvoç iroXXqv àvayKaíov Eivai, xai Mas o que julga que no discurso escrito, qualquer que

0
: i
oúSéva TtcDTTOTE Xóyov èv pérpcp oú8’ oveu pérpou
pEyáXqç aÇiov crrrou8qç ypaipqvai, oú8è XE%0qvai cbç oi
paipcp8oúpEvoi âvEu àvaxpíaEGoç xai 8i8ayqç ttei0ouç
seja o seu tema, há necessariamente muito de lúdico; e que
nenhum discurso, em verso ou em prosa, jamais vale um
grande esforço para o escrever ou recitar, como os rapsodos
EVExa ÈXéySricrav, àXXà tq [278a] Ôvti aútcov touç recitam os seus, sem prévio exame nem intenção didática e
[SeXtÍotouç eÍ8ótcov úrrópvqaiv yEyovÉvai, ev 8è toíç em vista de persuadir, mas [278a] realmente os melhores de­
8i8aaxopèvoiç xai paOqaEcoç yápiv XEyopévoiç xai tõ les constituem um lembrete para os que sabem, enquanto os

i ovti ypatpopévoiç èv ipu^r) TtEpi 8ixaía>v te xai xaXcòv


xai àyaôõv èv póvoiç qyoúpEvoç tó te èvapyèç Eivai xai
ensinados e proferidos em vista de aprendizagem, e realmen­
te escritos na alma sobre o justo e o belo e o bom são os úni­
teXeov xai âÇiov artou8qç- Seív 8ê touç toioutouç cos em que há clareza e perfeição e que valem o nosso esfor­
Xóyouç aúrou XéyEoOai oíov ueiç yvqaíouç Eivai, ço; e que se deve dizer de tais discursos que dele mesmo são
TtpÔDTOV pèv TÒv èv aUTCO, èàv EUpE0EÍÇ èvfl, ETTEITO El TIVEÇ como filhos legítimos, primeiro, o que está nele mesmo quan­
toutou Exyovoí [278b] te xai àSEXtpoi apa èv aXXaiaiv do o tiver descoberto, e, depois, os que deste são rebentos
aXXwv ipxaiç xar’ àÇíav èvéipuaav touç 8e aXXouç [278b] e ao mesmo tempo irmãos, condignamente nascidos
yaípEiv èwv — outoç 8è ó toioutoç ávqp xiv8uveuei, go em outras almas, de outros homens; e que aos restantes dis­
4>ai8pe, Eivai oiov èyó te xai ou EÚÇaípE©’ av aé te xai cursos permite que se vão — um tal homem é bem possível,
èpè yEvèaOai. ó Fedro, que seja qual eu e tu desejaríamos que um e outro
i
fôssemos.
í
I 4>aiapoe
FEDRO
s ‘Y“Ye p“A°|,a! ” Mas sim, e eu por mim o que dizes é o que quero e de­
sejo.
EQKPATHE
oúxoüv q8q TtETtaía0GO pETpícoç qpív rà TtEpi SÓCRATES
» peTpíwç
Xóycov xai aú te èX0cbv tppáÇE Auaíçqpív tò nepi
oti vgd Assim então, já nos divertimos suficientemente sobre
xarapávTE èç to Nupqjwv vãpá te xai pouaEiov discursos. E tu agora vai explicar a Lísias que nós, descidos
qxoúaapEv XóyGDV, oí èíréaTEXXov [278c] XéyEiv Auaíç à fonte das Ninfas e ao seu santuário, ouvimos discursos que
mandavam [278c] dizer a Lísias e a quem mais compõe dis-
204
205
I I
*
te Kai ei tiç aXXoç auvri0qai Xóyouç, Kai 'Opqpcp Kai ei cursos, a Homero e a quem mais poesia compôs, com ou sem
tiç aXXoç aú Troíqaiv ipiXqv q év cp8ij ouvTÉ0qKE, TpÍTOv canto, e em terceiro lugar a Sólon e a quem quer que no gê­
8è EóXcdvi Kai Ôariç év ttoXitikoiç Xóyoiç vópouç nero político deixou escritos chamando-os de leis: se foi co­
òvopáÇcov auyYpáppaTa EypaipEv ei pèv ei8còç fj to ! nhecendo o em que o verídico consiste que ele compôs estes
■ •
i
àXq0èç ê\ei auvéOqKE Taúra, Kai Ê\cdv [3oq0ÉÍv, eiç escritos, e podendo assistir-lhes no questionamento do que
eXey^ov icov Trepi gdv EypaipE, Kai XéycDv aÚTÒç 8uvotÒç escreveu, e com sua própria palavra sendo capaz de mostrar
to yEypappéva (pauXa curo8EÍÇai, ou ti tcdv8e o pouco que são os seus escritos, não é sem dúvida com de-
EirtDvupíav e\ovTa 8eí [278d] XÉyEU0ai tov toioutov, . nominação destas espécies que se deve [278d] chamar um tal
aXX’ E(p’ OIÇ EOTTOÚ8aKEV EKEÍVCDV. homem, mas daquelas em que se empenhou.

«DAIAPOE FEDRO d
z r . , , , ~ ,
Tivaç ouv tqç EirtDvupiaç auTcp vepEiç; E que denominações lhe atribuís?

EQKPATHE SÓCRATES
to pèv ooipóv, à) <Pai8pE, koXeív êpotyE péya Eivai Chamá-lo sábio, ó Fedro, a mim me parece ser muito, e
8okeÍ Kai 0Ecp póvcp TrpÉTTEiv to 8e q q>iXóao<pov q só a um deus isso convém. Mas ou amigo do saber84 ou algo
TOIOUTOV Tl pãXXÓv TE OV aUTÕ) Kai àppÓTTOl Kai semelhante. Eis o que mais lhe conviría e mais em consonân­
EppEXEOTÉpGJÇ 6X01. cia estaria.
' 11 0A1APOE FEDRO
Kai oú8év ye curo Tpórrou. E de modo nenhum descabido.
d' I
i EQKPATHE
, ~ r x x v
OUKOUV au TOV pq EXOVTa TipiGDTEpa CDV
/

uuvÉOqKEv q EypaipEv avco kÓtgd OTpÉipmv ev xpóvcp,


r
SÓCRATES
Por outro lado, o que nada mais valioso tem senão o que
compôs ou escreveu, passando o tempo a revirá-lo de cima a
rrpòç aXXqXa [278e] koXXôv te Kai óupaípcov, év 8Íkij baixo, a colar trechos uns aos outros [278e] e a suprimir, não
irou Troiqrqv q Xóycov auyYpatpéa q vopoypáipov chamarás de poeta, autor de
é sem dúvida com justiça que o u-----
TtpoaEpEÍç; discursos ou de textos de lei? !

1 4>AIAPOE FEDRO
TÍ pqv; Com efeito.

84 No original, <pi\óao<poç, filósofo .


! íI
207

r' \ 206
I

EQKPATHE SÓCRATES
Taüra toÍvuv tco ETaípcp cppáÇe. Isto, portanto, explica ao teu companheiro.

OAIAPOE FEDRO
ti 8è aú; ttcõç iroiqoEiç; ou8è yàp ouóè tov aòv E tu? Como é que vais fazer? Pois nem também o teu
Éraípov 8eí TtapeXQeív.
companheiro carece deixar de lado.

EQKPATHE SÓCRATES
I
TÍva toutov;
Quem queres dizer?
4>AIAPOE FEDRO i
’IooKpáTT) tov KaXóv cp ti àiraYYeXeíç, a> EcóxpaTEç; Isócrates, o belo.85 Que vais anunciar-lhe, ó Sócrates?
z » x r l
Ttva qutov ipqaopEv eivai; Que vamos dizer que ele é? I

EQKPATHE SÓCRATES
VEOÇ ETI, GO 4>aí8pE, ’IaOKpÓTqÇ- O pÉVTOl paVTEÚopai Jovem ainda, ó Fedro, é Isócrates; mas o que lhe [279a]
[279a] kqt’ qutou, XÉYeiv eÔéXcd.
auguro quero dizer-te.
«DAIAPOE FEDRO
to Trotov 81]; E o que é?
EQKPATHE SÓCRATES
8okeí poi àpeívcDv rj kotò touç TtEpi Auaíav Parece-me que por seus dons naturais a sua excelência I
Eivai Xóyouç rà tí]ç (puoEcoç, eti te rj0Ei está acima da eloquência de Lísias, e ainda, que o seu moral
YEVVlKCDTÉpG) KEKpãaQai- COOTE oÚÓÈv âv Y^VOITO é mais nobremente temperado. Assim, absolutamente não se­
Oaupaaròv -rrpoioúaqç Tqç qXixíaç ei rrEpi auToúç te ria de admirar se, com o avanço da idade, no próprio gênero
touç Xóyouç, oiç vuv ETtixeipEÍ, ttXeov rj rraíScov de discursos em que agora se empenha, ele se distinguisse,
8ievéy*oi tqv tcgSttoté átpapévcov Xóygov, eti te ei mais do que de crianças, de quantos um dia tentaram a elo­
áureo pf| àiroxpriaai Taüra, em pEÍÇco 8e tiç auròv quência, e mais ainda se lhe não bastasse isto e a maiores coi­
ayoi óppf| 0EioT£pa- tpúoEi ydp, w tpíXs, éveoti tiç sas o impelisse um mais divino impulso; pois naturalmente,

85 Isócrates (436-338 a.C.), célebre orador, compositor de discursos


e fundador de uma escola de retórica, cuja concepção de filosofia era
muito crítica da que era seguida na Academia platônica (ver os seus Con­
tra os sofistas e Antidosis).

208 209
<piXoao<pía [279b] tij toü àv8pòç 8tavoíç. touto Ôf|
ó amigo, há não sei que filosofia [279b] no pensamento des­
oúv Èyà> pèv Trapa tgdv8e tgjv 0egòv cbç êpoiç
te homem. Isto, portanto, é o que eu, da parte dos deuses da­
Trai8txoiç ’IaoxpÓTEi ÈÇayyÉXXcD, au 8’ exeívo cbç
qui, como ao meu bem amado, anuncio a Isócrates, e tu aqui­
aoiç Avaíç. lo a Lísias, como ao teu.

<DAIAPOE FEDRO
tout’ earav àXXà ícopev, ÊTTEiór) xai to Trviyoç
Assim será. Mas vamos embora, que o mormaço já mais
qiricÓTepov yéyovEV. brando se tornou.

EQKPATHE SÓCRATES
oúxouv eúÇapévcp npÉTrei toíoSe
Mas não convém aos daqui fazer uma prece antes de
TTopeúeaOai; partir?

0AIAPOE FEDRO
tl pqv;
.Sem dúvida.

EQKPATHE SÓCRATES
GD ipiÃE náv TE xai aXXoi OOOl T^8e 0EOI, 8oír)TE “Ó amigo Pan e vós outros quantos aqui sois deuses,
pot xaXcp yEvÉoOai toiv8o0ev eÇgo0ev 8e oaa ex00» TO*S dai-me tornar-me belo por dentro; e por fora quanto possuo
Èvròç [279c] Eivai pot cpíXia. nXovaiov 8è vopíÇotpi tov
tenha ao de dentro [279c] amizade. Rico eu considere o sá­
aoqjóv tò 8è xpuaoú TrXq0oç eiq poi ôaov pqTE tpÉpEiv bio; e de ouro tanto eu tenha quanto nenhum outro possa
pqTE ayEtv 8úvarro aXXoç q ó aóippcDv. pegar nem levar senão o temperante.”
et’ aXXou tou 8EÓpE0a, cb $ai8pe; Epoi pèv yàp
Ainda de algo mais precisamos, ó Fedro? Para mim está
pErpíwç qÚXTQl.
comedidamente exorado.

<DAIAPOE FEDRO
xai Epoi Tauxa auvEu^ow xoivà yàp tò tgdv Também para mim isto suplica; pois em comum os ami­
4>íXgdv. '
gos devem ter.

eqkpathe SÓCRATES^
icopEv.
Vamos.

I
I

i
210 211
Para uma leitura do Fedro i
José Trindade Santos I
O Fedro no corpus platônico

Alguns comentadores, antigos e modernos, encontraram


na “frescura juvenil” e no “lirismo do estilo” com que é tra­
tado o tema das relações amorosas, comum aos três discursos
proferidos, razões para considerarem o Fedro o primeiro diá­
logo platônico (W. K. C. Guthrie, 1975, pp. 396-7, nota 1;
ver ainda “as numerosas provas da juvenilidade da obra, em
geral” em E Schleiermacher, 1973, pp. 59 ss.). Ignorada por
críticos menos sensíveis à necessidade de justificar o interesse
do filósofo pelo erotismo, a observação é hoje encarada com
ironia e substituída pela sóbria avaliação proporcionada pe­
la análise estilométrica, por alguns considerada “precária”
(J. Dillon, 1973, pp. 72 e 76). Nela se apoia a decisão con­
sensual de inserir o diálogo no final do período médio da pro­
dução platônica, registrando, contudo, a dificuldade de uma i

tomada de posição definitiva sobre a sua relação cronológica I


com outras obras, particularmente com o Banquete (J. D.
Moore, 1973, pp. 52-71; T. M. Robinson, 1992, pp. 23-30;
C. J. Rowe, 1992, pp. 31-9; L. Brisson, 1992, p. 63, nota 3;
E Trabattoni, 1994, p. 48, nota 1). Para ultrapassar esta di­
ficuldade, resta ao intérprete a alternativa de atribuir ao diá­
logo o caráter de obra de transição (C. H. Kahn, 1996, pp.
371-6: “O Fedro é, num certo sentido, o último diálogo so-
II
crático”), concentrando-se no mosaico desenhado pela abran­ I
gência das relações intratextuais que consente. I

213

í
Pelo amplo tratamento que confere à reminiscência e às
Idéias, o Fedro faz a ponte entre as abordagens argumenta- grupo das obras sobre a teoria das Idéias e no dos últimos
tivas do Mênon, do Fédon e da República (V-VII), e a poli- diálogos. De todas elas sobressaem não só o tratamento con­
facetada contextualização na moldura mítico-religiosa, do­ ferido ao já referido tema da alma — dominante no Fédon,
minante no Timeu e nas Leis X. Indissoluvelmente associado República, Timeu, Sofista (246-248), Político (269c-274e) e
a esses dois diálogos pela atenção dispensada à temática da Leis X —, como também o da prática da dialética, que liga
alma, o Fedro recebe, de um lado, a reflexão do Fédon sobre o Fedro aos dois últimos diálogos referidos.
a alma individual, abrindo, de outro, para concepção tripar- Toda esta rica rede de relações, que articula o Fedro com
tida, desenvolvida nos Livros FV-VII e X da República, refor­ peças decerto compostas em momentos diversos da compo­
çada no Timeu (nesta perspectiva, o Livro X das Leis é enca­ sição do corpus platônico, poderá de algum modo explicar
rado como uma reflexão tardia sobre o tema). Por outro lado, que, atenuando o rigor com que a Carta VII avalia as pro­
pela dominância do tema do Amor — senão já pela presen- duções escritas, o Fedro eventualmente justifique o mérito
ça da personagem “Fedro” — “ o xpai do lógos” (O Banque- filosófico da produção dialógica (276d-277a; C. H. Kahn,
te, 177d5) —, de tal modo o Fedro 1996, pp. 376-80). Todavia, esboçada implicitamente a par­ i.
__ > e o Banquete se comple- tir das críticas dirigidas à generalidade das produções escri­
mentam, que não se ]poderá apreender a lição de um sem
prestar atenção ao outro. tas, a observação não deixa de acrescentar a reserva de, sen­
Definidas estas amplas linhas convergentes, quatro ou­ do respeitada a exigência do conhecimento da verdade, se
atender aos princípios metodológicos em que se apoia a prá­
tros registros devem ainda ser apontados. Se a tomada de po­
sição sobre a retórica remete indiscutivelmente para o Gór- tica dialética.
Note-se, porém, que esta remissão para o corpus acar­
gias e para o Menêxeno, as críticas de que, em particular, são
objeto as produções escritas devem ser avaliadas a par da­ reta um custo que poderá parecer excessivo ao intérprete,
quelas que se acham no fulcro do “excurso filosófico” da habituado a respeitar a unidade composicional da obra.
Carta VII (342a-345c). Há que contar ainda com a descrição Pois, como será possível conjugar a perspectiva crítica sobre
do método das “coleções e divisões”, que articula a análise a retórica, definida a partir do conjunto dos três discursos,
da “adulação”, no Górgias, com a aplicação dessa metodo­ apresentados em sucessão, sobre as relações entre “amante”
logia, no Sofista, e a teorização que recebe no Político. Final­ e “amado”, com o tratamento das temáticas da alma, do
amor e do saber, que a contextualizam (C. L. Griswold, 1986,
mente, o mito sobre o “lugar supraceleste”, que contextua-
liza na moldura mítico-religiosa a mensagem difundida no p. 157)? Esta dificuldade torna o Fedro um dos diálogos cuja
interpretação mais depende da rede de referências intra-
segundo discurso de Sócrates, deve ser enquadrado no con­
textuais que mantém com o corpus, dado que o leitor dificil­
junto dos outros quatro grandes mitos platônicos (do Gór­
mente ganhará compreensão da mensagem que lhe é dirigi­
gias, do Fédon, da República X e do Político).
da, sem ter explorado as outras obras em que essas temáti­
Este quadro, que mostra a presença no Fedro dos prin­
cas são substantivamente trabalhadas, por vieses por vezes
cipais temas que dominam o pensamento platônico, sugere a
conflitantes.
possibilidade de o utilizar como obra de introdução ao estu­
do dos diálogos, pelo fato de ligar temáticas trabalhadas
no I
j
214 I
215
r

i
Roteiro do diálogo
A alma e o delírio amoroso
Terminado o discurso com o qual respondeu àquele que
Contrastando com as anteriores, a abordagem do quar­
fora feito por Lísias, lido por Fedro (241d), Sócrates faz men­
to tipo de delírio demanda, para poder “pensar o verídico
ção de se afastar, sem atender ao pedido do seu interlocutor,
sobre a natureza da alma divina e humana” (245c), uma ela­
de se entregar ao elogio “do que não está amando”. Detém-
borada narrativa, que articula uma diversidade de tópicos e
-se, porém, para atender ao “demônico sinal”, que sempre se
atributos da alma. O primeiro é o da “imortalidade”, apre­
mantém em silêncio quando aprova a sua conduta, e, pelo
sentado na forma de um argumento (245c-246a):
contrário, se manifesta quando lhe aponta alguma falta co­ 1) “Toda alma é imortal porque o automotivo é imor­
metida (242b-c; Apologia, 40a-c). Questionando-se sobre tal” (245c);
qual teria sido, Sócrates nota a falta de respeito pela divin­
2) “O automotivo nunca cessa de se mover” (245c);
dade do Amor, contra a qual ambos os discursos atentaram.
3) Sendo “fonte e princípio de movimento [o automoti­
Decide-se então a “pagar a palinódia” e, descobrindo a ca­
vo] não é engendrado” e “é incorruptível” (245d), “não ge­
beça, que até então mantivera encapuçada, lança-se ao seu
rado e imperecível” (245d-e);
discurso de retratação.
4) Logo, “a alma é imortal” (245e-246a).
Sendo a alma princípio de movimento, não só não tem
Quatro tipos de delírio divino
princípio (ou, “de princípio não haveria geração”: 245d), co­
Movido pelo desejo de mostrar que “os maiores bens mo todo engendrado se engendra a partir dela. Só ela se mo­
nos advêm por delírio” quando este é concedido pelo favor ve a si própria (245d), fazendo se moverem céu e terra (245e;
divino, Sócrates começa por referir a profetisa de Delfos e a
que sem ela parariam e nada mais se moveria). Se o que não
Sibila, que, sob a inspiração de Apoio: “usando uma arte di­
se move por si é inanimado e o que se move por si é anima­
vinatória de inspiração divina [...] acertaram o caminho do
do, então, nada se move senão a alma, que é “algo inato e
futuro” (244b).
imortal” (245e-246a).
Passa depois ao segundo tipo de delírio, inspirado por Terminado o argumento, é abordada “a ideia da alma”,
Dioniso, adiante designado de “místico” (265b), pelo qual
condensada na “potência de um alado jugo e seu cocheiro”
outros, por meio “de purificações e iniciações”, puderam (246a). Todavia, enquanto os cavalos dos deuses “são bons
achar “solução aos males presentes” (244e-245a).
e formados de bons elementos” (246b), os dos outros são
Um terceiro tipo de delírio é o das Musas, que superio- formados “de elementos contrários” (246b). Sendo assim, a
riza o poeta inspirado a quantos se acham “em são juízo”. alma perfeita e alada “cuida de tudo o que é inanimado”
Numa implícita referência ao “não amante” de Lísias, aná­ (246c), mas a que perdeu as asas cuida só do corpo em que
loga alegação se aplica ao apaixonado que rouba o troféu ao
se instala, vivendo o conjunto enquanto estiver ligado e ca­
“que está em são juízo”, objetando que “não é em proveito bendo-lhe por isso o epíteto de “mortal” (246c).
do amante e do amado que o amor é pelos deuses enviado”, Esta distinção requer um esclarecimento sobre como al­
mas “para suprema felicidade de ambos” (245b). gumas almas vieram a perder as asas (246d). Com ele, aden­
trando o território do mito, Sócrates inicia a descrição do
■I
216 217

/
“lugar supraceleste” (247c-248a), articulando o relato da
“vida dos deuses” e das almas dos mortais (248a-249b). i rarquia a distingui-los, deixando em supenso a pergunta acer­ í

í
ca da possibilidade que a alma terá de ascender na escala, até i
í
Almas dos deuses e dos mortais: a prova eventualmente se libertar do ciclo das reencarnações.
Por ter comunhão com o divino, a asa é a parte do cor­
A reminiscência
po cujo poder natural é alçar-se até o lugar onde mora a raça
dos deuses, aí nutrindo-se do que é “belo, sábio, bom”, de­ Ora, como a queda da alma no corpo é motivada pelo
finhando e perecendo com o feio e o mau (246e). i
- esquecimento, que a tornou pesada (248c-d), a alma terá de
Guiado por Zeus, o cortejo divino percorre o céu em recuperar as asas para de novo poder ascender. Todavia, de
busca do alimento, que colhe após atingir o “ápice da abó­ acordo com a lei, essa recuperação será determinada pela sua
bada infraceleste” (247b), onde as almas “que se chamam possibilidade de, agora na companhia do corpo, voltar a ver
imortais” se erguem até “contemplarem o que está fora do a verdade que outrora contemplou (249a); residindo no exer­
céu”: “as verdadeiras essências”, “sem cor, sem figura, sem cício da reminiscência o único meio de recuperação da ver­
tato” (247d), “a própria justiça, a prudência, a ciência” í dade de que a alma encarnada dispõe: “Pois carece que o ho­
(247d), “a ciência que reside no ser que realmente é” (247e). mem entenda segundo o que se chama ideia, de muitas sen­
É aí que “uma prova, uma luta suprema se propõe à al­ sações indo à unidade, por raciocínio concebida; e isto é re­
ma” (247b). Aquelas em que há “um cavalo que tem um tan­ miniscência” (249b-c).
to de ruindade” ficam pesadas e “sem se iniciarem na con­ Quer dizer que o homem deve tentar sanar nesta vida a
templação do ser” afastam-se, nutrindo-se do alimento da deficiência que originalmente acarretou a sua entrada nela,
opinião” (247b-248b). Ora, é lei de Adrasteia que “toda al­ sendo “o único a se tornar perfeito” aquele que se afasta dos
interesses humanos e volta-se para o divino (249c-d). Com
ma que, acompanhante de um deus, contemple algum ser
verdadeiro, até o período seguinte está isenta da provação”; esta nota, o discurso pode então abordar o quarto tipo de
“quando porém incapacitada de acompanhar ela não puder delírio, a cuja descrição se lança.

I Ar” , perderá
ver —as ----asas e cairá sobrea terra (248b-c).
Divindade do Amor
I

li Transmigração das almas Só neste segundo discurso de Sócrates se manifesta a di­


vindade do amor, visada desde o início. Ela é suscitada pelo
Manda então a lei que se implante no corpo de um va­
desejo, experimentado pela alma do amante, de recuperar a
rão, cumprindo em sucessivas gerações, segundo a qualidade
da contemplação que conseguiu enquanto se movia no céu, beleza perdida, que outrora contemplou quando vivia entre
e, depois de encarnar, o mérito da vida que levou, um entre os deuses (249c-250e).
Apesar de ter caído num corpo por não ter sido capaz
nove destinos. São eles: “filósofo ou amoroso”, “rei guerrei­
de se nutrir e se beneficiar da visão do ser (ver 247b-d), resta
ro”, “político ou financista”, “ginasta”, “adivinho ou ofi-
à alma do homem que “por natureza contemplou os seres”
ciante de iniciação”, “poeta imitativo”, “artesão ou lavra­
dor”, “sofista ou demagogo”, “tirano” (248d-e). A ordem — pois, se não tivesse os contemplado nunca encarnaria num
pela qual são apresentados os destinos revela haver uma hie- corpo humano (249b, 249e-250a) — a possibilidade de, i
“vendo a beleza por aqui”, criar asa. Pois a visão da beleza

218
219
t
terrena lhe lembra a verdadeira beleza, fazendo-a
“desejar ií prazer, perseguindo-o contra a natureza (250e-251a). Em
alçar voo” (249d).
I oposição a ele, o texto oferece a descrição do comportamen­
A beleza to ideal do recém-iniciado como exemplo a seguir, compondo
com abundância de metáforas o relato de um crescendo de
Essa dependência da alma cm relação aà beleza
em reiaçao beleza e a ne­ excitação que transborda num orgasmo (251b-d) e a descri­
nhuma outra entre as idéias é justificada por duas alegações
ção da cadeia de catástrofes sentimentais por ele precipitada
convergentes. Em primeiro lugar, porque “da prudência, da (251d-252c). Dela resulta, como único “médico das maiores
justiça e quanto mais é preciso para as almas não há nenhum
penas” (252b), a incessante busca pela companhia do ama­
brilho nos símiles daqui” (250b). Por outro lado, sendo a be­
do, com a qual no delírio do amante se condensa o que ho­
leza a única “que percebemos através do mais claro dos nos­
mens e deuses citam como Amor (252b-c).
sos sentidos, a fulgir com a máxima claridade” (250d), é
“deste delírio que participa o que ama os belos”, e que por Tipos de amante
isso se chama “amante” (249e).
A diversidade de modos pelos quais a natureza do aman­
Esta motivação mostra que não é propriamente pelo
te se exprime é então caracterizada segundo o exemplo que
amado que o amante se apaixona, mas pela memória da bele­
a sua alma colheu do deus que comandava a marcha do cor­
za que a visão daquele nele provoca (250d-e; 253a-b, 254b). tejo que a sua alma integrava, quando em procissão faziam
A tese pode ser interpretada quer como uma “perspectiva
o circuito do céu. Como na memória que guarda do seu deus
egoísta do “amor”” (G. Vlastos, 1972, p. 31), quer, na linha
tutelar — Zeus, Ares, Hera ou Apoio —, cada amante bus­
da philia de Empédocles (DK31B17.6-7, 20-4), entendendo
ca a figura do amado, é nele que consubstancia a suprema
qualquer inclinação amorosa como expressão “da luta do

li
I
universo por si próprio” (L. A. Kosman, 1976, pp. 65-7).
Enunciada a tese que consubstancia o “amor platôni­
co”, termina o mito. Findo este, a narrativa abordará outros
felicidade do delírio amoroso (252c-253c).

O cocheiro e os dois caualos


Só falta acrescentar uma derradeira explicação: de como
caminhos, mesclando uma descrição metaforizada da psico- o delírio pode atentar contra a divindade do Amor e a que I
fisiologia do amor físico com o contexto transcendente da
expectativas conduz cada um dos caminhos escolhidos pela
existência da alma, tanto antes de encarnar no corpo que alma do amante. Retomando a caracterização da alma tri-
terá de habitar, como depois de assumir a forma humana partida (253c), anteriormente deixada em suspenso (246a-c),
(250e-253c).
no subtexto, Sócrates implicitamente dirige a Fedro a conde­
nação do escandaloso tópico do discurso de Lísias, segundo
Dois amantes
quem o amante se traveste de não amante para obter o favor
A finalidade do passo, expressa logo no seu início, é de­ do corpo do amado, reduzindo a divindade do delírio erótico
nunciar a falta cometida pelo amante “não iniciado” ou à conquista do prazer corpóreo, levando-o a se lamentar de­
corrompido”. Confundindo “a própria beleza” — aquela pois das consequências da sua entrega.

li
cuja memória conserva na alma — com “o que aqui está sob São bem diversas as formas de cada um dos cavalos que
seu nome o corpo do amado —, este amante se rende ao puxam a carruagem da alma. Enquanto o bom e belo tem

220
221

í
cor branca e olhos negros, o outro “tem colo grosso, cerviz {
1 -se de amor (255c-d). Amam as almas de ambos, mas não
curta, rosto chato, cor negra, olhos turvos, e é sanguíneo”
sabem o quê. Envolvidas na recíproca corrente de amor e
(253e). Um é dócil e “sem violência”, sensível ao encoraja­ ■

contramor, poderiam até ceder ao desejo, mas os dois com­


mento da palavra; o outro é “surdo ao açoite e ao aguilhão
panheiros de jugo e o cocheiro a isso resistem “com respeito
dificilmente” cede (253e). Distinto será, portanto, o seu com­
e ponderação”, “conduzindo a um regime ordenado e ao
portamento perante a “vista do amoroso vulto”. Quando o amor à sabedoria” em que triunfa “o melhor da reflexão”
cocheiro sente a força do desejo, enquanto o cavalo dócil “se
(256a-b). Tendo escravizado “o que em suas almas fazia nas­
contém para não saltar sobre o amado”, o outro “os força
cer vício” e libertado “o que nela origina virtude”, podem
a ir ao namorado e lhe fazer menção das afrodisíacas delí-
os dois amantes chegar “ao termo da vida alígeros e leves”
cias” (254a).
(256b).
Em tremendo combate as três partes da alma se digla-
Após essa tripla vitória, é à contemplação da vida em
diam, pois o cocheiro, “transportado à essência da beleza”,
comum dos dois amantes, guiados por um amor correspon­
puxa as rédeas e senta os dois cavalos: um “a gosto por não
dido e ligados por profunda amizade, que são consagradas
resistir, mas o outro muito a contragosto” (254c). Violenta é
as últimas palavras do discurso proferido por Sócrates. Se,
a reação do cavalo negro. “Maltratando o cocheiro e o com­
sem renegar o apelo do desejo, o amante lhe antepuser afeto
panheiro de jugo”, este os insulta, “mal cedendo”, e de novo i
e benevolência, o seu amor é recompensado pela companhia 1
avança: “arqueando-se e esticando o rabo, mordendo o freio, que o outro lhe proporciona, de modo que, ao cabo de uma
com despudor ele puxa” (254d). Até que o cocheiro repuxa
vida feliz, as duas almas recuperam as asas. Mas, se à relação i
o freio dos dentes do insolente, o maltrata e “entrega-o à
faltar o amor à sabedoria e às honras e, ocasionalmente, o
dor”, até o momento em que “sofrendo muitas vezes o mes­
cavalo negro obtiver a satisfação do seu desejo, “serão feli­
mo tratamento, humilhado, desiste da insolência”, deixando zes” por terem viajado “um com o outro”, juntos criando
“a alma do amante seguir o namorado com recato e temor”
“asas por graça do amor, quando criarem” (256b-e). Fedro
(253c-254e).
deverá, pois, cultivar a amizade do amante. Quanto ao não
amante, o convívio com ele fará a sua alma “rolar irrefleti-
Paixão e amor
da”, “por nove mil anos em volta da terra e sob a terra”
Domada a influência do cavalo ruim, pode então a alma (256e-257a).
dar livre curso ao seu afeto. Desejando a companhia do ama­ Terminado o discurso, com uma nova prece dirigida ao
do, poderia solicitar que este lhe concedesse favores, mas é
Amor, Sócrates dirige mais uma crítica certeira a Lísias, pe­
da sua benevolência que o amante faz prova, pondo o outro dindo a Fedro que o faça “cessar tais discursos” — como
fora de si. Mas a finalidade que o anima é permitir que entre aquele que dedicou ao elogio do não amante — e “ao amor
ambos se gere uma amizade de que ninguém mais — amigos devote a vida com discursos de amor à sabedoria” (257b).
ou familiares — será capaz (255b).
Pode então o amante deixar que através dos olhos o flu­ Retórica e logografia
xo da beleza provoque a “vaga do desejo”, que lhe “irriga os Encantado com o discurso de Sócrates, Fedro reduziu o
condutos” das asas e as “impele a emplumar-se”, enchendo- mérito que inicialmente atribuira a Lísias e ao seu discurso. I

222
223
Refere a propósito a censura de um político ateniense, que
insultara o orador, apelidando-o de “logógrafo”1 (257b-d). Retórica e verdade
Mas Sócrates defende-o, alargando o âmbito da logografia a A primeira exigência que deve ser feita a um belo dis­
todos os legisladores, que nunca deixam de preceder os seus curso é que “o pensamento do que discorre saiba a verdade
decretos por preâmbulos que exprimem a aprovação das ins­ do que está para dizer” (259e). Fedro objeta referindo três
tituições em que participam (257e-258)^ Portanto, se todo pontos que, segundo ele, condensam o programa didático da
legislador carece do respeito geral, não será por ser escritor Retórica: 1) o futuro orador não precisa aprender o essencial
que Lísias deve ser censurado, mas por “discursar e escrever da justiça, mas o que pareceu à multidão; 2) nem o essencial
de um modo que não seja belo, mas feio e mau” (258d). Im­ bom ou belo, mas o que lhe parecer; 3) pois é destes que “de­
plicitamente, a objeção coloca uma nova questão: a de deter­ riva o persuadir, não da verdade” (260a).
minar o que torna bom um discurso. Todavia, a súbita mu­ Sócrates responde com um exemplo. Se Fedro tudo ig­
dança no enfoque aconselha uma pausa na argumentação. norasse sobre o cavalo e julgasse que era o animal doméstico
que tinha as maiores orelhas, não se deixaria persuadir por
O mito das cigarras quem lhe fizesse o elogio do asno? Ora, não é isso mesmo que
Sócrates alude então ao mito segundo o qual, antes de o orador faz quando persuade uma cidade a praticar o mal
nascerem as Musas, as cigarras eram homens. Ao ouvirem as em vez do bem? (260b-d).
Musas, alguns homens de tal modo se enlevaram de prazer Se então o orador respondesse que não ensinava a dis­
que, esquecendo comida e bebida, nem notaram que tinham cursar quem desconhecesse a verdade, poderia ainda contra-
morrido. -argumentar que aquele que “conhece o ser das coisas” nada
Por essa devoção ao canto, as Musas honraram-nos, fa­ ganhará, se não souber “persuadir com arte”. Sócrates, po­
zendo a raça das cigarras descendente deles; sendo por isso rém, não encara a retórica como uma arte, mas como “inerte
que cantam até morrer (259b-d). Para não se tornarem ridí­ rotina”, pois não há arte “sem o toque da verdade” (260d-e).
culos aos olhos delas, é, portanto, justo que os dois dialogan­
tes não cedam ao mormaço e conversem, com vista a “exa­
À caracterização da retórica como uma “‘psicagogia’,
um conduzir a alma por palavras”, em tribunais, conselhos I
minar por onde é belo discursar e por onde não” (259d-e). e em privado, em diversos assuntos (261a), corresponde Fe­
A inserção deste breve mito no centro do diálogo alerta Fedro dro distinguindo a sua utilização nos processos judiciários e
para a necessidade de não se deixar embriagar pelo seu amor na Assembléia (261b). Após algumas referências irônicas a
aos discursos, incitando-o a examinar criticamente o valor oradores famosos, Sócrates concentra-se no exame do que
daqueles que ouve (C. L. Griswold, 1986, pp. 165-8). acontece nos tribunais, onde as partes se contradizem sobre
o justo e o injusto (261 b-c), contendendo que o praticante da
retórica fará que “a mesma coisa pareça às mesmas pessoas
ora justa, ora injusta”, procedendo do mesmo modo na As­
1 Logógrafo é o compositor de discursos, geralmente para uso nos
tribunais. O cliente deverá memorizar a composição e recitá-la em defesa
sembléia (261c-d).
Sócrates refere então o costume do “Palamedes eleáti-
da sua posição. A acusação degrada Lísias, que já é um meteco, à condi­
ção de trabalhador assalariado. co” (Zenão), de “fazer as mesmas coisas parecerem seme-
I
224 225
lhantes e dessemelhantes, uma só e múltiplas, imotas e mo­ te diria ao namorado” (264a). Na sequência, os elementos
vidas” (261e; ver o exemplo desta prática em Parmênides, “parecem confusamente jogados”, sem nenhuma “necessi­
127d-128a), para concluir que “a arte da contradição” não dade discursiva” (264b). Ao contrário, Sócrates pensa: “que
deve todo discurso constituir-se como um ser animado, tendo
existe apenas nos tribunais, mas na capacidade de “assimilar
toda coisa a qualquer outra”, pois a ilusão se produz no que um corpo que seja o seu, de modo a não ficar sem pé nem
cabeça, mas ter partes centrais e extremas, escritas de modo
é pouco diferente, permitindo ao orador avançar, pouco a
. pouco, de algo ao seu contrário (261d-262a). Para tal, po­ a se ajustarem entre si e com o todo” (264c).
Longe disso, a peça composta por Lísias se assemelha
rém, é preciso “conhecer a semelhança e dessemelhança dos
ao epigrama atribuído a Midas, no qual “em nada difere que
seres”; o que não é possível ignorando a verdade de cada
uma frase dele se diga em primeiro ou último lugar” (264c-
ser e explorando certas semelhanças (262b). Por isso, tam­
e). Registrando o aborrecimento de Fedro, Sócrates observa
bém “a arte de transferir pouco a pouco, por semelhanças
então que os dois discursos são contrários: um dizendo que
fazendo em cada passo passar do ser ao seu contrário”, exi­
é ao não amante, o outro ao amante, que é preciso favorecer
ge “conhecimento do que é cada um dos seres”; mostran­
do que nenhuma arte dispensa o conhecimento da verdade (265a). É sobre essa oposição que irá desenvolver o seu ar­
(262b-c). gumento contra a Retórica.

Crítica da Retórica A dialética


Partindo da caracterização do amor como delírio, depois
Sócrates propõe então avaliar a qualidade de um discur­
de distinguir “o que vem por doenças humanas do que vem
so a partir da análise do exemplo fornecido por Lísias (262c).
por divino transporte” (265a), Sócrates divide o segundo gê­
Antes de avançar, estabelece um ponto prévio: se o desacor­
nero em quatro partes: divinatório, místico, poético e eróti­
do entre falantes manifesta-se em relação a nomes como “jus­
co (265b). Seguindo a linha indicada em 249b-c, este proce­
to” ou “injusto”, e não como “ferro” ou “prata” (263a),
dimento observa a marcha para a unidade do que está dis­
I “estamos mais sujeitos à ilusão”, isto é, estamos mais sujeitos perso em multiplicidade: “para que definindo cada unidade
à ilusão naqueles tópicos “em que divagamos” (263b).
í Esta diferença deve ser notada pelo orador, que “sepa­
se ponha em claro aquilo que em cada caso se quer ensinar”

rando estes dois tipos, apreende alguns caracteres de cada (265d).


Na sequência, passa ao procedimento oposto: “por es­
um”, sentindo “a respeito do que vai falar, qual o gênero a
I
pécies poder recortar segundo as articulações naturais e ten­
I que pertence” (263c-d). tar não quebrar nenhuma parte, como faz um mau cozinhei­
I
Sendo o amor bom exemplo das coisas sujeitas a discor­
dância, logo aí os dois discursos se distinguem, pois, enquan­ ro” (265e).
O duplo procedimento registrado ilustrai como “de um
to Sócrates começou por defini-lo, Lísias “forçou-nos a con­
ceber o Amor como um dos seres que ele próprio quis”, assim só corpo nascem membros duplos e homônimos, chamados
desenvolvendo o discurso (263d-e). esquerdos e direitos” (266a). EL exemplifica distinguindo a
Repetindo o princípio do discurso, Sócrates nota que paranóia do delírio. Enquantoj 1_Lísias, cortando sempre pela
um certo amor esquerdo”, que
esquerda, acabou por achar “u._
começa do fim, “a partir do que, já cessado o amor, o aman-

227
226

4
1

justamente vilipendiou, Sócrates procedeu pelo braço direi­ Fedro acha a arte poderosa (268a), mas Sócrates abate-
to da dicotomia, a partir do delírio, “apresentando homôni­ -Ihe as pretensões esboçando algumas comparações da retó­
mo daquele um certo amor divino”, que elogiou “como res­ rica com outras artes. Começa pela medicina, objetando que
estaria louco aquele que se imaginasse médico por ter ouvido
ponsável para nós dos maiores bens” (266a-b). Aos que fa­
falar de algum livro, ou ter se deparado com alguns remédios
zem como ele, chama “dialéticos”; aos que fazem como Lí-
(268c). Estendendo a comparação à Tragédia, opina que Só-
sias, pergunta que nome lhes dará. Sem responder, Fedro
focles e Eurípides dariam risadas se alguém, por saber com­
aquiesce, mas considera necessário caracterizar a retórica
por longas frases sobre pequenas matérias, e frases bem cur­
(266b-c).
tas sobre grandes, se imaginasse capaz de ensinar a compo­
Os ensinamentos dos tratados de retórica sição trágica (268c-d); e dá exemplo análogo em relação à
música (268d-e). Mas o cúmulo da ofensiva contra a retórica
Perguntando pelos estudos dedicados à arte retórica, Só­
I é atingido quando a comparação é feita com a obra de ora­
crates refere Teodoro de Bizâncio, responsável pela articula­
dores famosos, como Adrasto ou Péricles. O juízo destes é
ção das partes constitutivas do discurso: “proêmio”, “expo­
severo para com aqueles que, incapazes de definir a Retórica,
sição” (apoiada em testemunhos), “comprovação”, “suple­
imaginaram tê-la descoberto por possuírem os conhecimen­
mento de comprovação” (266d-e). Prossegue introduzindo a
tos necessários antes da arte, e, ensinando-os, julgaram que
“refutação” e seu suplemento, na acusação e na defesa, ci­
o seu ensino é perfeito e que o falar sobre qualquer assunto
tando depois Eveno de Paros, que descobriu a “insinuação”
é trabalho de nada, “devendo os próprios discípulos por si
e, apoiado na mnemotecnia, os “elementos indiretos”. Mas
mesmos conseguir os seus discursos” (269a-c).
não esquece Tísias e Górgias, que, contra o verídico, “viram
o provável como o que mais se deve honrar”, fazendo o gran­ E o bom retórico?
ii
I de aparecer pequeno, e vice-versa, bem como o novo, arcai­
É então que, ao contrário do caminho que traça em Gór-
li gias, Sócrates passa a refletir sobre o que poderia ser uma boa
li co, “tanto na concisão discursiva, quanto no alongamento
I ! retórica. Começa por atribuir capacidade como “perfeito
indefinido sobre todo assunto”. E termina com Pródico, que
i í agonista”, lutador consumado, àquele que cultiva a arte
defende deverem os discursos “não ser breves, nem longos,
“com ciência e exercício”, pois, não é no caminho de Lísias
mas comedidos” (267a-b). e dos outros que “parece surgir o método” (269d). Talvez
Passa ainda por Hípias e Polos, com a definição de fór­ Péricles tenha sido o mais perfeito orador. Se é de “muita
mulas discursivas como a “expressão redobrada”, a “senten-
conversa e alta divagação sobre a natureza” que advêm “a
ciosa” e a “imagética” (267b-c), para de passagem fazer men­ sublimidade do pensamento e perfeição de trabalho”, além
ção do “vocabulário de Licínio”. Fedro pergunta então por do talento natural, foi do convívio com Anaxágoras e do seu
Protágoras, mas o filósofo responde-lhe referindo Trasímaco
ensino sobre a mente (nous) que Péricles “tirou para a arte
de Calcedônia, que considera ser capaz de enfurecer multi­ dos discursos o que era apropriado” (270a; ver uma análise
dões e, depois de as aplacar, de caluniar e destruir calúnias.
I detida do passo em L. Brisson, 1992, pp. 62-76).
Quanto ao modo de se acabar um discurso, todos convergem
! Na retórica e na medicina, cabe distinguir, numa, a na­
na “recapitulação”, embora alguns lhe deem o nome de “re­
tureza do corpo, noutra, a da alma. Esta, porém, há que con-
I sumo” (267b-e).

» 229
228
í
mas com “o convincente”, o “verossímil”. Por vezes, nem o
cebê-la como um todo; defendendo o mesmo os Asclepíadas ato cometido se deve mencionar, se não for praticado com
em relação ao corpo. Sustentava Hipócrates ser necessário verossimilhança, pois só esta interessa, na acusação ou na
perguntar se “é simples ou multiforme”. Se simples, deve-se defesa. Deve-se perseguir o verossímil, sendo este que, “for­
examinar a sua potência para agir e para sofrer ação, e de mando-se através de todo o discurso, constitui toda a arte”.
quê. Se multiforme, devem-se enumerar as suas formas e de í E Fedro não deixa de corroborar (272d-273a).
novo inquirir a sua potência de fazer ou de sofrer o quê, e
por ação de quê, pois, sem isso, o método avança às cegas Resposta de Sócrates
(270c-e). Mas de onde vem este “verossímil”? Será que não é se­
Portanto, Trasímaco, ou qualquer outro, terá de descre­ não “o parecer das massas”? Por exemplo, se um homem
ver e fazer ver a alma, e se é homogênea ou multiforme, por fraco e valente bateu num forte e covarde, nenhum deles de­
que age ou o que sofre, e por ação de quê, e, enfim, “tendo verá dizer a verdade. O covarde referirá ter havido mais
disposto os gêneros de discurso e de alma assim como as agressores; por sua vez, o valente perguntará: “como é que
suas afecções, ele percorrerá as causas, adaptando cada um eu, fraco, teria atacado um homem forte?”. Consiste então a
a cada uma, e ensinando qual sendo a alma sob o efeito de arte na troca de mentiras?
quais discursos, por que causa é esta persuadida e esta não” Sócrates dirá então a Tísias que “o verossímil se forma
(271b). na multidão por semelhança com o verídico” e que quem
i Enquanto não atenderem a estas exigências, “não dei­ acha melhor as semelhanças é quem sabe. Ora, quem não
xemos persuadir-nos que escrevem com arte”, pois não cai tiver levado em conta a singularidade de cada natureza en­
bem dizer as suas próprias frases (271 b-c). Se o poder da fa­ tre os que vão ouvir, e não distinguir os seres por espécies,
la vem do “direcionamento da alma”, há que saber quantas abrangendo-os numa ideia por cada espécie, nunca será téc­
formas a alma tem e qual sua natureza. nico de eloquência. E o sábio deverá se aplicar a falar com
1
É então a vez dos discursos e das suas formas; na práti­ os deuses, não com os homens. Pois não é a escravos que o
ca, quais agem sobre que almas. Só depois de realizadas estas que tem juízo deve agradar, mas a senhores bons, sendo em
tarefas chega o momento de aplicar a linguagem adequada, vista do que é grande que se deve fazer o circuito (273d-
I
falando ou se abstendo, com “fala concisa”, “piedosa” ou -274a). Restará então apenas falar da conveniência do escre­
I
“indignada”, distinguindo o “oportuno e o inoportuno de ver (274b).
tudo isso”. Todavia, se algum destes pontos faltar, sempre
prevalece “aquele que não se convencer” (271c-272b). Críticas à escrita:
í o mito de Theuth e Thamous
Fala um orador anônimo Sócrates conta então que no Antigo Egito viveu um ho­
I Não parece haver outro caminho melhor que este. Mas
Sócrates ouviu de um orador alguns conselhos que vai repro­
mem de grande engenho, descobridor do número, do cálculo,
da geometria e da astronomia, do gamão e dos dados, e tam­
c
duzir. Não há que subir tão alto, pois, um orador “nada com bém das letras. Questionado pelo rei Thamous sobre a utili­
a verdade deveria ter, tratando do justo e do bom nos negó­ dade das suas descobertas, mostrou cada uma delas, ouvindo
cios”. Nos tribunais, “nenhum cuidado há com a verdade”,
231
230 !
I plantados por brincadeira, que o agricultor inteligente seria­
do rei apreciações que seria longo referir. Vale, contudo, re­
gistrar o diálogo travado em torno das letras. Disse Theuth: mente cultiva, cuidando das sementes se quiser obter frutos.
“Eis, ó rei, o conhecimento que tornará os egípcios mais sá­ As que lhe interessam, ele as semeia em solo adequado, con­
bios e mais lembrados; pois de memória e de sabedoria foi tente se o que semeou chegar ao seu termo em oito meses
I
encontrado o medicamento” (274e). I (276b).
Do mesmo modo procederá “o que tem a ciência do jus­
E redarguiu-lhe Thamous: “Ó tecnicíssimo Theuth, um
to, do belo e do bom”. Quanto às sementes, “seriamente não
é o capaz de engendrar os elementos da arte, outro o de jul­
as escreverá em água negra [...] com discursos incapazes de
gar a parte de dano e de utilidade que ela tem para os que
ensinar suficientemente a verdade” (276c). Há de semeá-las
i vão usá-la [...]. Pois isto, nos que o aprenderam, esquecimen-
e escrevê-las, entesourando lembranças para a velhice, para
/ to em suas almas produzirá com o não exercício da memória,
si mesmo e para “quem siga a mesma pista” (276e).
porque na escrita confiando é de fora, por alheias impressões
Acima de tudo, “mais belo é o empenho”, quando é usa-
e não por eles mesmos, que se recordam; assim, não para a
ua
da aa anc
arte uia^uvu, ----- uma alma condigna, nela plan­
dialética, “pegando
memória mas para a recordação encontraste um medicamen­
tando e semeando com ciência discursos capazes de se assis­
I to” (275a).
tir”, dos quais outros brotarão, “fazendo no que os tem a

I
\
Conclui Thamous não ser a verdade da sabedoria, mas
a aparência dela, que é transmitida aos aprendizes. Estes pa­
recerão “informados sem ensino” e “avisados”, quando, pe­
lo contrário, o que são é desavisados, difíceis de conviver e

maior felicidade possível ao homem” (276e-277a).
A Lísias e Fedro haverá que lembrar que nada valerá es­
crever sem conhecimento da verdade, que o escritor deverá
ser capaz de tudo definir, seccionando por espécies até o in­
sábios só na aparência (275a-b).
divisível, distinguindo a natureza das espécies de alma, apre­
I Pensando que “palavras escritas [não] são mais que um sentando o discurso complexo a uma alma complexa, e sim­
meio para o que sabe relembrar o de que trata o escrito” ples a uma alma simples. Pois, sem isso não é possível usar
(275c-d), Sócrates aponta a semelhança da escrita com a pin­ o gênero discursivo nem para ensinar, nem para persuadir
j
tura: nesta, os seres engendrados parecem vivos; contudo, a
(277b-c). E haverá que censurá-lo, se julgar que escreveu,
qualquer pergunta respondem com o silêncio; também nos em público ou em privado, um tratado com grande solidez.
»
discursos, se um pensamento os anima, a quem quer apren­ Pois é censurável alguém escrever sobre o justo e o injusto, o
!

I der só uma e a mesma coisa indicam (275d), ficando o escri­


to a rolar entre estranhos, “sem saber a quem deve falar e a
quem não”, incapaz de se defender, nem de se assistir por si 1
mau e o bom, ignorando-os, mesmo que a multidão o louve

(277d-e).
Pelo contrário, Sócrates faz votos de que ele e Fedro ve­
mesmo” (275d-e). É, pois, necessário considerar um discurso í nham a ser como aquele homem que julga que há no escrito
legítimo: “que se escreve com ciência na alma do que apren- muito de lúdico, sabendo que nenhum discurso destinado a
/ de” e é capaz de se defender e falar ou calar a quem for pre- persuadir vale grande esforço; que os melhores, ensinados em
ciso; discurso do que sabe, “vivo e animado”, do qual o ou-
vista da aprendizagem, constituem um lembrete para os que
i tro é simulacro (276a). sabem; que são esses, escritos na alma e sobre o justo, o belo
i Bom exemplo desse último são os “jardins de Adônis”,
que se tornam belos em oito dias. Não são, porém, esses,
e o bom, os únicos em que há clareza e perfeição; que dele

233
232 J

Â
!

<
diálogo e a clarificação do lugar que ocupa no conjunto da
são filhos legítimos, primeiro, o que está nele mesmo quando obra escrita do filósofo.
o tiver descoberto, depois, seus irmãos, os que deste são re­
bentos, nascidos noutras almas (277e-278b). Alma
Ao terminar, Sócrates dirige-se ao compositor de discur­ O tema da “alma” mantém o seu protagonismo ao lon­
sos escritos, como Lísias, Homero e Sólon. Se foi conhecendo go de toda a obra, ficando apenas fora do discurso de Lí-
o verídico que compôs os seus discursos, podendo assistir- sias. Depois da pontual referência com a qual termina o seu
-Ihes no questionamento do escrito, com sua palavra mos­ primeiro discurso (241c), Sócrates introduz o tema através
trando o pouco que são, não é por eles que se deve chamar, do argumento que caracteriza a alma como “imortal” e “au­
mas por aqueles em que se empenhou que deverá ser chama­ tomotiva”. Os dois atributos acham-se intimamente liga­
do “amigo do saber” (278c-d). Aquele que, pelo contrário, dos, sendo ambos pressupostos da noção de “alma” (C. L.
nada mais valioso tem do que aquilo que escreveu, reviran­ Griswold, 1986, pp. 80-7; R. Bett, 1999, pp. 428-31). Sendo
do o escrito, colando e suprimindo trechos, deverá ser cha­ princípio de movimento (245c-246a), a alma não pode cessar
mado de “poeta” (278d-e). de se mover, porque então não haveria mais movimento, nem
Rematando o diálogo, após uma breve referência a Isó- de viver, porque não haveria mais vida (245d-e; Fédon, 72c-
crates, que considera ser superior a Lísias, Sócrates dirige uma d, 106c-107a; J. T. Santos, 2009, pp. 49-59).
comovente prece a Pã, pedindo que lhe seja concedida beleza O argumento é aceitável num contexto antepredicativo
interior, e por fora que tenha amizade ao que tem dentro; que — ou seja, “vida” e “movimento” não devem ser entendidos
considere rico o sábio e tenha de ouro tanto quanto o tem- predicados de uma outra natureza (a “alma”), na qual
como prcuicciuoo mv umi. »
perante, isto é, o homem de caráter moderado, possa levar “vida”” e- “ movimento”” se
“movimento se manifestariam.
i r — Sócrates deixa cla­
(279b-c). ro que a alma
alma éé aa própria
própria ““vida
vida”” ee o movimento ” em si
“movimento
o “
mesmo, e por isso afirma que “é” e “"é princípio”.
A alegação é incompreensível
eensível da perspectiva dos “mor­
Principais argumentos do Fedro tais”, para quem a vida e o movimento são, ou não, predica­
í
dos do conjunto “corpo/alma” (246b-d). É por essa razão
Para ler um diálogo platônico há que atender a duas que o argumento platônico insiste repetidamente na denún­
i
perspectivas complementares: de um lado, à sequência da cia dessa limitação (ver Fédon, 106e-107a; e Empédocles,
narrativa, que confere unidade literária ao texto, inserindo DK31B8), por exemplo, ao mostrar que o corpo é “aquilo”
i

os argumentos no plano dramático; de outro, à diversidade que ora vive, com a alma, ora morre e está morto, sem ela (é
das temáticas abordadas, que potencialmente remete cada isso “a separação da alma do corpo”: Fédon, 64c, 67d; Fe­
!
obra para a unidade do corpus (H. Joly, 1980, p. 375). No dro, 246c).
que diz respeito ao Fedro, como vimos anteriormente, essa Quanto à questão da “imortalidade” da alma, deve ain­
tarefa é particularmente complexa, dada a variedade e abran­ da ser referida uma aparente incongruência entre diversos
gência dos temas que o diálogo percorre. A circunstância su­ textos platônicos. Além de algumas referências no Banquete
gere a oportunidade de uma abordagem unitária daqueles o sugerirem (206e7-8, 208B2 ss., 212a5; ver S. Rosen, 1987,

I que são mais relevantes, pois dela depende a compreensão do


235
234 /
*
p. 230), ao fazer a descrição da “construção” da alma pelo
deus, o Timeu (34b ss.) aparentemente rejeita o postulado tido, o Fedro articula a concepção unitária da alma indivi­
da “imortalidade”, e com ele a caracterização da alma co­ dual, sede da personalidade, da inteligência e das consciên­
cias ética e psicológica, exposta no Fédon, com a concepção
mo “princípio do movimento”. Entre diversas tentativas de
“salvação” da coerência da concepção platônica (associada tripartida, comum à República e ao Timeu, recorrendo ao
à questão da “tripartição”, ver T. M. Robinson, 2007, pp. mito para articular uma com a outra.
165-8), é possível invocar o expediente de, considerando que Um último traço deverá ser mencionado: a “transmigra-
ção das almas”. Em diversas passagens, Platão associa a tese
a construção da alma antecede a do Tempo (Timeu, 37d ss.),
se poder encará-la como “imortal”, enquanto “princípio de da imortalidade à da transmigração. Segundo esta, a alma,
depois de uma primeira entrada no “sêmen de um homem”
movimento do cosmos”, o qual é criado pela sua expansão
(“varão”: 248d; Timeu, 42b-c, 90e), estaria sujeita a um nú­
a partir do centro, delimitando a extensão do “corpo do vi­
sível” (34b). mero indefinido de reencarnações. Apesar de referir a con­
cepção como se fosse corrente, pelo menos entre os interlo­
Quanto ao mito do “lugar supraceleste”, este deve ser
entendido como a descrição da verdadeira vida: o incessante cutores de Sócrates, Platão frequentemente remete para tex­
tos arcaicos ou para a palavra de poetas tocados pela inspi­
movimento das almas nos céus, que o Timeu insere na estru­
ração divina (ver A. Bernabé, 2011, pp. 155-229; L. Brisson,
tura da alma cósmica (30c-46b; ver Fedro, 245e-246a). No
Fedro, a narrativa mítica é necessária, no contexto da narra­ 1999, pp. 23-46). Em relação com o mito do Fedro, é rele­
vante referir o passo do Mênon, 81a (ao qual voltaremos a
tiva dramática, para permitir a Sócrates argumentar, contra
propósito da “reminiscência”), em relação com a transmigra­
Lísias e Fedro, a favor da tese da divindade do Amor. Se o
ção e a etiologia dos destinos impostos às almas (248d-249b).
Amor é a causa do desejo que intimamente expressa a asso­
É também importante lembrar o mito de Er, na República X
ciação da alma ao movimento, é possível, analisando a fe-
(614b-621b), bem como o menos referido final do Timeu,
nomenologia associada ao “cavalo negro”, “de insolência e
que alude à possibilidade de reencarnação da alma em cor­
jactância companheiro” (253e), distinguir um amor “direi­
pos de animais (90e-92c; República, X, 617e-620e).
i to” de outro “esquerdo” (266a-b), criticando um e louvando
o outro (“dois sentidos de ‘loucura’”: L. Brisson, 1992, pp. Amor
t 61-2).
I Perfeita é a complementaridade que o tratamento do te­
I Noutro registro, complementando o Timeu, a vivida
ma do “amor” recebe no Fedro e no Banquete. Em ambos os
descrição da procissão dos deuses nos céus, ascendendo “até
diálogos, o amor é a força que anima o desejo do amante e
ao ápice da abóbada infraceleste” (246e-247a), metaforiza o
f o dirige para aquilo que lhe falta (O Banquete, 2.QGc9‘, Lisis,
análogo relato da implantação e disposição dos “órgãos do
221d-222a), embora seja totalmente distinta a caracteriza­
Tempo” na alma cósmica (Timeu, 38c-e, 39c-41a).
ção que recebe em cada um deles. No Banquete, nenhuma

íI A luta que o “cavalo negro” trava contra a aliança do


cocheiro com o outro cavalo descreve metaforicamente o
combate da ira, apoiada no raciocínio, contra o desejo, no
atenção é prestada ao “amor esquerdo”, que — por causa da
censura ao elogio do “não amante” — o Fedro coloca no
foco da narrativa. Por outro lado, o culminar da scala amo-
episódio de Leôncio (República, IV, 439e-440b). Nesse sen-
ris (O Banquete, 211a-212a) — a contemplação do “ ocea-
(

236
237
í
no da beleza” (21 Od) —, correspondido no Fedro pela re­ a) Os argumentos
compensa expressa na imagem da “recuperação das asas” O Mênon defende a tese da reminiscência a partir da
? (256b-c), torna explícita a marcha que o par amoroso deve­ análise de uma experiência cognitiva, levada a cabo por Só­
i
rá empreender. crates com um escravo inculto, na presença de Mênon. De­
Quando o amante atinge a compreensão de que “a be­ pois de construir um quadrado no chão e instruir o jovem
leza de cada corpo é irmã da beleza de qualquer outro”, e sobre algumas propriedades geométricas básicas da figura
daí chega a perceber que “a beleza de todos os corpos é uma desenhada (lados, ângulos, área), Sócrates pergunta-lhe so­
e idêntica” (O Banquete, 210a-b), a experiência do amor bre que linha se construirá um outro quadrado, de área du­
não mais o escravizará, tornando-se libertadora (Fedro, pla do dado. Tendo esgotado as duas possibilidades de en­
255a-257a). No Banquete, permitida a ascensão aos misté­ contrar as respostas que, a partir da exploração do esquema
rios supremos do amor, iluminada pelo brilho da beleza, a esboçado no chão, lhe são consentidas (o dobro do lado e o
alma pode promover os discursos que visam a reta educação lado mais metade), o rapaz desiste, reconhecendo que não
do amado, passando das ações às leis até ganhar a com­ sabe (84a).
preensão da unidade da ideia (O Banquete, 210b-d; ver Fe­ Depois de comentar com Mênon quanto este reconheci­
dro, 249b-c). Só então, se abeirando do termo do trajeto mento implica um avanço na reminiscência (84a), Sócrates
amoroso, enfim livre das cadeias que o prendiam às vicissi- acrescenta uma diagonal à figura e a partir dela constrói um
tudes da existência visível, que condenavam as almas à mu- outro quadrado, sobre cuja área interroga o rapaz. Contan­
tabilidade das visões particulares, pode o amante contemplar do o número de triângulos retângulos isósceles inscritos nos
a beleza. Até que — terminada a iniciação —, uma vez alcan­ dois quadrados desenhados, o escravo pode concluir que a
çada a visão de conjunto do todo da beleza (210d-211e), lhe área do segundo é dupla da do primeiro, confirmando que
é “subitamente” (exaiphnês: 210e4) consentida a contem­ este último se constrói sobre a diagonal do outro (J. T. San­
plação que supera a discursividade da experiência cognitiva tos, 2008,1, pp. 100-8).
(211a-212a). No Fédon, Sócrates começa por definir a reminiscência
1 como “o que acontece a alguém” quando o conhecimento de
I Reminiscência das idéias algo pela sensopercepção é acompanhado pela concepção na
A circunstância de o tema da “reminiscência” ser trata­ mente de um saber diferente (73c, 74c-d). Tentando explici­
i tar a definição dada, depois de referir alguns casos de remi­
do em três diálogos distintos, sendo-lhe em todos eles confe­
rido grande protagonismo, suscita ao intérprete a interroga­ niscência, frequentemente ocorridos (73d-e), avança o exem­
ção sobre a possibilidade de, a partir do Fedro, esboçar uma plo dos “iguais”, captados a partir das percepções sensoriais,
leitura unitária do tema. Nesse sentido, não levando em con­ e do “igual em si”, concebido na mente (74b8-c3). “Assimi­
ta algumas possíveis remissões para o tema noutros diálogos, lando” um ao outro (76e; “comparando-os”: 74b-75c), Sí­
esboçaremos em linhas muito gerais uma leitura unitária da mias concede que, embora “o igual seja concebido [na men­
“reminiscência” em Mênon, Fédon e Fedro (J. T. Santos, te] a partir [da visão] dos iguais” (74b, c, 75a, a-b, 75b, c),
2008, pp. 42-9). “o ser” de um é diferente do ser do outro (74c, d), pois en­
quanto “o igual nunca é desigual”, “os próprios iguais apa-

239
238
/
/

i
recem por vezes desiguais” (74b), “aparecem como o igual”.
Todavia, embora a ele “se refiram” (75b, 76d), por dele “se­ do, produzindo opiniões verdadeiras (85b-86b), pois, “sendo
imortal” (85e-86a), a sua alma aprendeu o tempo todo (86a).
rem próximos” (76a), “falta-lhes ser como ele” (74d-e, 75a-
I No mito do Pedro, a descrição da queda da alma do “lu­
b, b). Daqui resulta haver, ínsito na alma (73a), logo, “neces­
gar supraceleste” confere ao esquecimento (248a-d) uma car­
sariamente” (74d2, e2, 9, 75d4, 76e2), um “conhecimento
ga ética de todo ausente do argumento do Fédon. Impedida
anterior” (do igual e de “o que é”: 75b, c-d), conhecimento
de se nutrir “do belo, do sábio, do bom e tudo o mais” (246e,
esse que é esquecido depois da encarnação num corpo (75d,
d-e, 76a, d, e). Ora, como usamos os sentidos desde o mo­ 247d), pelo contrário, obrigada a se “nutrir do alimento da
opinião” (248b), “cheia de esquecimento e maldade”, a alma
mento ao qual chamamos “nascer” (75b-c), esse saber (“do
belo, do bom e todos os outros”: 76d, 78d; ver 75c-d) só po­ perde as asas e cai sobre a terra (248c), entrando na roda dos
nascimentos (248d-e).
derá ser anterior ao nascimento da alma no corpo (73a, 74e-
-75a, b, c, d, e, 76a, c, d-e, e). Conclui-se então que “assim
c) Amor à beleza
como essas [idéias] existem, as nossas almas existem antes de
Duas consequências decorrem desta narrativa: 1) se a
nascermos” (76e).
causa da queda da alma foi o esquecimento, a sua salvação
só pode se conseguir pela recuperação do saber perdido; 2)
b) Os mitos
achando-se a alma encarnada e vivendo neste mundo (Tz-
As constantes repetições das referências acima notadas
meu, 42a-e), é nele que a recuperação do saber deve ser em­
I mostram que, ao invés da leitura aí esboçada, o argumento preendida (TimeU) 44b-d). Para mostrar como ela é possível,
é tudo menos linear. Acrescendo as dificuldades motivadas
é invocada a reminiscência, a qual, consistindo na tarefa de
pela ambiguidade de algumas expressões-chave (por exem-
pio, ““os próprios iguais” [Auta ta isa, 74b] manifestam-se “ir das muitas sensações à unidade da ideia, por raciocínio
• concebida”, proporciona a “iniciação nos perfeitos misté­
nas percepções sensoriais ou são concebidos na mente?), só
rios” (Fedro, 249b-c).
5 é possível propor uma leitura do argumento aproveitando
Não é, porém, possível iniciar esta empresa sem que a
dados retirados, no Mênon, da referência mitopoética que
alma possa ter, ao menos, uma recordação vaga da sua exis­
serve de preâmbulo (81a-d) à teoria segundo a qual “apren­
tência anterior. Como, devido ao seu brilho (250b) e à acui­
der é recordar” (81d), e, no Fedro, dos passos relevantes do
mito. dade da visão (250d), de entre todas as idéias só da beleza
a alma pode reter memória, é pela contemplação das ima­
No Mênon, é dito que a alma imortal — “congênita com
congênita com gens de belos corpos que se inicia o caminho da reminiscên­
toda a natureza” (81c9-dl) —, muitas vezes renascida, tendo
I cia. “Amor” é, pois, o nome dado à força que dirige a alma
contemplado “todas as coisas” neste mundo e antes de en­
! para a recuperação da beleza outrora contemplada (249d-
carnar num corpo, é capaz de, a partir de uma única recor­ -250c).
dação, recuperar tudo aquilo que antes viu (81c-d). Comen­
Ao contrário de Aristóteles, para quem “todos os ho­
tando com Mênon o diálogo travado com o escravo, depois
mens desejam por natureza o saber” (Metafísica^ Al, 980a
de ter mostrado como “as opiniões vieram à tona” (85c9-10)
21), Platão não atribui a todos o desejo do saber, reservando-
nele, Sócrates sustenta que o interrogatório pode ser repeti-
-o àqueles a quem chama “filósofos” (248c, 249c-d), que são

240
241
muito poucos (Timeu, 51e, 53c). Porém, tanto o escravo de analisa o caso específico da reminiscência de idéias relacio­ •í
Mênon quanto os tebanos Símias e Cebes, ou qualquer outro nais (igual, grande, justo, belo etc.). Por sua vez, o Fedro
amante da beleza, são capazes de recordar a porção que lhes complementa as duas visões anteriores, integrando num con­
caberá da ideia, partindo de uma imagem desta: seja do qua­ texto metafísico amplo a teoria sobre a cognição e a prática
drado construído por Sócrates, dos “próprios iguais”, ou do dialética que se serve do discurso para refinar as imagens per­
corpo de um belo jovem. cebidas, potencialmente permitindo a gradual recuperação
do saber (C. H. Kahn, 1996, pp. 366-8; J. T. Santos, 2008,
d) “O igual” e “os iguais” II, pp. 23-50).
Esta ligação das imagens àquilo de que são imagens (So-
fista, 240b; Timeu, 52c) lança luz sobre o “argumento da re- Retórica
miniscência”, no Fédon. Se “ os iguais” são imagens do “igual Terminada a retratação, Sócrates aproveita uma referên­
em si” — e não predicados atribuídos a “paus e pedras” cia a Lísias para voltar-se para a retórica. A sua finalidade é
(74a-b) —, não só se percebe por que se “referem” ao igual distinguir um discurso “belo de um feio e mau” (258d, 259e).
em si, do qual “são próximos” (76a), como fica clara a razão Começa a sua denúncia da retórica criticando o desinteresse
pela qual “são vistos iguais” (74b). da “persuasão” pelo “bom e o mau” (260c-d) e rematando
Os dois episódios cognitivos simultâneos, recebidos por com a definição da Retórica como “‘psicagogia’, um condu­
vias diferentes — um, “a partir das sensopercepções”, outro, zir da alma por palavras” (261a-b). Apesar de se achar pró­
“concebido na mente” (73c) —, mostram afinal ser apenas xima das definições da arte retórica, concedidas por Górgias
um, embora de diferentes naturezas. Quer isto dizer que al­ (Górgias, 452e, 454b), a referência à “condução da alma”
gumas percepções sensoriais, nas quais se acham fundidas a inicia uma nova via exploratória do tema, associando o que
“competência” cognitiva (República, 477b), o seu exercício separara, pelo fato de renunciar à argumentação antilógica.
e o produto obtido (por exemplo, a visão, o ver e o visto), Com a utilização do termo “psicagogia”, Sócrates desliga a
“tomam como modelo” (76e) a ideia à qual “se referem” retórica das práticas políticas e forenses, conferindo à per­
(75b, 76d), “querem ser como ela”, “desejam-na” (75a, b), suasão a possibilidade de ser entendida como parceira da in­
mas “falta-lhes” (74d), “são deficientes” (75b), são “mais vestigação da verdade (A. Kélessidou, 1992, pp. 267-8), des­
1 te modo preparando Fedro para aceitar a série de críticas que
ii grosseiras” (75b) que ela. É para mostrar essa deficiência a
h Mênon que Sócrates recorre ao diálogo com o escravo; leva vai lhe apontar.
í Símias a conceder a superioridade de “o igual” a “os iguais”;
tal como, no Fedro, é por causa dela que “o não recentemen­ A estratégia do orador
i O cerne da crítica de Sócrates acha-se na sutileza com
te iniciado ou corrompido [...], rendido ao prazer, põe-se a
andar na lei do quadrúpede” (250e). que aborda a “contradição sobre o justo e o injusto” (261c)
num tribunal. A estratégia pela qual cada um opta para de­
Na leitura acima, os quatro passos convergem, embora fender a sua posição consiste em fazer que “à cidade pareçam
as mesmas coisas ora boas, ora o contrário” (261d), “não só
proponham perspectivas distintas sobre a reminiscência. O
Mênon mostra-a como teoria cognitiva englobante e o Fédon assimilando toda coisa a qualquer outra”, como “trazendo

243
242
à luz” a assimilação que outro litigante esconde (261e). Jo­
gando com “a semelhança e dessemelhança dos seres” e a ig­ Retórica e outras artes
norância “da verdade de cada ser”, característica das au­ De todas essas inovações, cuja potência de produzir efei­
diências (262a), o orador argumenta “transferindo pouco a tos os retóricos enaltecem, médicos (268a-c), tragediógrafos
pouco, por semelhança fazendo em cada passo passar do ser (268c-d), músicos (268d-e), e até oradores, como Péricles ou
ao seu contrário” (262b). Foi precisamente isso que Lísias Adrasto (“os mais dotados”: L. Brisson, 1992, pp. 64-5; ver
conseguiu com o discurso que fez a Fedro (262c), ao susten­ contra Péricles: Menêxeno, 235e), se ririam, por aqueles “jul­
tar que o amor é um dano para amado e amante, em vez de garem que por eles foi ensinada com perfeição a retórica”
o maior dos bens (263c). (269c). Pois, tal como a arte médica distingue “a natureza do
corpo”, na retórica haverá que distinguir “a natureza da al­
Dialética e verdade ma” para poder transmitir “convicção e virtude” (269e).
Contra esta estratégia, desordenada e confusa (264c-e), Na medicina, seguindo Hipócrates, que sustenta que se
que instaura a impotência ética do discurso, a alternativa é deve refletir sobre a natureza das coisas, é preciso inquirir se
assumir à partida a contradição entre os discursos de Lísias é simples ou multiforme. No caso de ser simples, deve-se exa­
e o de Sócrates. Essa posição permite, encarando o amor co­ minar a sua potência; se, pelo contrário, se apresentar com
mo um delírio, começar por distinguir duas espécies deste: muitas formas, deve-se enumerá-las, de modo a poder, como
aquele que vem “por doenças humanas” e o que é gerado na forma única, ver em cada uma o que faz ou sofre e por
“por divino transporte” (265a). Tendo então dividido o de­ ação de quê, sob pena de o método se assemelhar ao cami­
lírio divino em quatro partes (265b-c), Sócrates pode exaltar nhar de um cego (270c-d). Do mesmo modo, na retórica, de­
a “emoção amorosa”, desse modo passando da censura ao verá se mostrar que discursos devem se aplicar à essência e
elogio (265b). natureza da alma (270e) e, dispondo os gêneros de discurso
e de alma, “adaptar cada um a cada uma”, considerando o
Depois de ter definido o amor, trazendo-o a uma só
ideia, “recortando pelas articulações naturais”, opõe o amor efeito produtor da persuasão (271b). Se o poder da fala é di­
divino ao humano, apontando para a sua divisão em duas recionar a alma, haverá que conhecer quantas são as formas
i de alma, a elas adequando os discursos (271 d). Só depois dis­
partes: uma boa, outra má (265e-266b). Esta estratégia de
“divisões e conjunções” (ver a análise da metodologia em C. so o orador poderá recorrer às formas de discurso que lhe cor­
respondem, distinguindo o oportuno e o inoportuno no dis­
L. Griswold, 1986, pp. 173-86), caracterizada como a dos
curso, falando ou escrevendo com vista ao ensino (272a-b).
dialéticos, diferentemente das dicotomias praticadas no So­
fista e no Político, visa a “tornar possível o discurso e o pen­ Quanto às práticas seguidas em tribunal por aqueles que
opõem “o verossímil” e “o convincente” à verdade, haverá
samento” (M. I. Santa Cruz, 1992, p. 255). Mas a estratégia
que superar a preocupação com a eficácia junto das audiên­
oposta, seguida pela retórica, ainda escapa a Fedro (266b-c).
Por isso, Sócrates terá de promover a sua retratação, pela cias, considerando que se deve agradar “a senhores que são
bons e bons constituintes” que, portanto, conhecem a verda­
enumeração de uma série de inovações e distinções formais,
de, e não a companheiros escravos, que a ignoram (273e-
pelas quais foram responsáveis diversos cultores dessa arte
(266e-268a). -274a).

245
244
I

damentar estas críticas, é logo a seguir caracterizado um ou­


Crítica da escrita e louvor da dialética tro discurso: “que se escreve com ciência na alma do que
O debate sobre a escrita, que serve de epílogo ao con­ aprende e que se pode defender e sabe falar e calar diante de
junto de argumentos apresentados contra a retórica, tem sido quem é preciso” (276a).
objeto de um longo debate, que opõe os intérpretes da filo­ A contraposição é na sequência aprofundada pela com­
sofia dos diálogos (J. T. Santos, 2009, pp. 62-70) aos plato- paração com o comportamento de um “agricultor inteligen­
nistas que defendem a relevância da “tradição indireta” para te”, que se serve da “técnica agrícola” e “semeia num solo
o estudo da filosofia de Platão. adequado”, esperando colher no tempo próprio (ver a ana­
Trata-se de uma questão muito debatida, por um lado, logia com “a prova” a que foi submetido Dionísio: Carta VII,
porque quem limita o estudo de Platão ao da sua produção 340b-341b). Será que “seriamente” plantaria “nos jardins de
escrita não pode levar à letra algumas críticas que o Mestre Adônis”, “por brincadeira” vendo a semente florescer e mor­
da Academia dirige à produção e utilização de discursos es­ rer em oito dias? (276b).
critos (M. Narcy, 1992, p. 275), no Fedro e no excurso filo­ A segunda e mais importante objeção aos escritos diz res­
sófico da Carta VII. Por outro, porque assinalar as limitações peito à verdade (ver Carta VII, 344a-d). Tão inteligente co­
da escrita para a investigação da verdade — comuns às da mo o agricultor sério é o que “tem a ciência do justo e a do
linguagem, em geral (Carta VII, 342a-343e; em particular, belo e bom”, que “não seriamente” usará caniço e tinta para
342e-343a) — não redunda automaticamente na desvalori­ semear: “discursos incapazes de assistir-se a si mesmos pela
zação dos diálogos, para mais, em benefício de uma “doutri­ fala, incapazes de ensinar suficientemente a verdade” (276c).
na de princípios” nunca escrita (“os primeiros e supremos da Será, enfim, admissível o compromisso entre uma e ou­
natureza”: Carta VII, 344d), porém, eventualmente debati­ tra atitude, naquele que “escreve para si mesmo”, “entesou-
da na Academia. rando lembranças para a velhice” (276d; C. H. Kahn, 1996,
Começamos por notar que, ao serem postas na boca da pp. 376-80). Mas será mais belo usar a arte dialética para
personagem “Sócrates” — que nunca escreveu —, as críticas semear “com ciência discursos que a si mesmos e ao que
ganham uma legitimidade que perderíam se saíssem das mãos plantou” se assistem e “têm uma semente da qual outros bro­
de um escritor, como Platão é (M. Narcy, 1992, p. 276). Dis- tarão”, dando ao homem “a maior felicidade” (276e-277a).
tinguimos depois, entre os argumentos desenvolvidos no Fe­ As duas objeções são então associadas. Para atingir es­
dro, os que são dirigidos às “letras” (grammata) e à “escrita” tes objetivos, há que, retomando as exigências expressas
(graphê), dos que visam os escritos (gegrammena, graphome- anteriormente: 1) conhecer a verdade sobre o que se fala ou
na, syngrammata), vistos ora da perspectiva do produtor, ora escreve; 2) ser capaz de “tudo definir”; 3) de “seccionar [o
da do utilizador. definido] por espécies até o indivisível”; 4) de distinguir a
Deixando as “letras e a escrita” para o final, notamos natureza da alma — simples ou complexa —, a ela dirigindo
duas críticas mais relevantes dirigidas aos escritos. A primei­ o discurso adequado (ver 271b-272b); não podendo, até es­
ra é de que os discursos escritos não respondem a perguntas, tas condições serem preenchidas, o discurso ser manipulado
que dizem sempre o mesmo e não são capazes de se defender “com arte”, para ensinar ou persuadir (277b-c).
nem de se assistir (275d-e; ver Protágoras, 329a-b). Para fun- Em suma, é censurável quem ignora “sobre o justo e o

246 247
.<—
!
injusto, o mau e o bom”, por mais que a multidão o louve. Esta é a mais devastadora das críticas apresentadas con­
Pelo contrário, o varão que Sócrates e Fedro desejariam ser tra a retórica, não menos demolidora do que aquela que re­
é o que julga: haver “muito de lúdico” no discurso escrito, mata a refutação a que é submetido Górgias (Górgias, 460e-
não valendo o esforço escrever ou recitar senão para ensinar; -461b). Em ambos os textos, a crítica à retórica denuncia a
que os melhores discursos “constituem um lembrete para os impotência ética — a incapacidade de distinguir entre o jus­
que sabem” (278a), enquanto os ensinados em vista da apren­ to e o injusto — que a argumentação retórica promove nas
dizagem — “escritos na alma sobre o justo e o injusto, o be­ audiências (261c-262b), e a cegueira que provoca nos discí­
lo e o bom” (“o mais valioso”: 278d8) — são os mais claros pulos a cuja formação visa (Górgias, 460a-d; 460e-461b).
e perfeitos; que dele são filhos legítimos o que ele descobriu
e os irmãos deste, plantados em outras almas (277e-278b).
Em resumo, podemos dizer que, associando a este pro­ Unidade do Fedro
grama as críticas de Thamous às “letras e à escrita”, nota­
mos a referência pontual à reminiscência (275a: anamim- Dissemos anteriormente que a unidade do Fedro é um
nêskomenous}, elaborada pela dupla distinção entre “memó­ problema que cada novo intérprete do diálogo tem de afron­
ria” e “lembrança”, “recordação por eles mesmos” e “por tar (M. Heath, 1989, pp. 151-74, 189-91; C. J. Rowe, 1989,
alheias impressões” (274e-275a). Distinção que será, por um pp. 175-88; para C. L. Griswold, a unidade é conferida pelo
lado, reativada e contextualizada nas críticas que Sócrates tema do autoconhecimento: 1986, pp. 2-9, 157-65; para L.
Brisson, a unidade deriva da adoção de uma perspectiva am­
apresenta contra os escritos dos retóricos e, por outro, desen­
volvida no projeto que casa retórica e filosofia, persuasão e pla sobre a retórica: 1999, p. 61). Mas também aí sugerimos
dialética (277b-c, 277e-278b); se, na verdade, “escrever na que essa dificuldade será largamente compensada pela rele­
vância filosófica e pela abrangência dos temas que o diálogo
alma” (276a, e, 277b-c) não for mais que levar a alma do
amado a recordar, fazendo depender a função didática do percorre.
Do nosso ponto de vista, a unidade do diálogo é estru­
“simulacro escrito” (276a), do prévio “conhecimento da ver­
dade” (275c-d, 278c) pela parte do seu “pai” (278a-b; F. Tra- turada dramática e argumentativamente a partir da intenção
de criticar e subsequentemente rejeitar cada uma das teses
battoni, 1994, pp. 69-70).
avançada por Lísias no discurso, por ele próprio escrito e por
Que significa “ensinar suficientemente a verdade” (276c)
Fedro recitado; e depois disso, atingir a própria arte de que
e “conhecer a verdade” (277b)? Significa antes de tudo saber
um e outro se consideram cultores. De resto, o texto dá indi­
que o poder do discurso não se esgota na reação que provo­
cações bastantes de que Sócrates visava a ambos: “já que Lí­
ca nas audiências, mas que o discurso sempre se refere a algo;
sias está presente, absolutamente não estou decidido a me
algo “que é”, cuja natureza deve ser conhecida (tôi ta onta
eidoti: 260d) e estudada através do procedimento dialético prestar ao teu exercício” (228d-e).
Só é possível captar a sutileza deste jogo voltando atrás
(265c-266b), para que o discurso possa atingir a verdade. Sig­
no diálogo. Segundo Sócrates, que, a abrir o diálogo, o inter­
nifica ainda que, para poder utilizá-lo como veículo de ensi­
pelou sobre de onde vinha e aonde ia (227a), Fedro não só
no, o “pai do discurso” (275e) deve identificar o tipo de alma
tinha ouvido muitas vezes o discurso (228a), como o “tomou
ao qual é destinado (271a-272a; L. Brisson, 1992, pp. 62-3).

249
248
|
do outro” e, “sabendo de cor já todo o discurso”, saiu a pas­
seio para se exercitar na memorização dele (228b). Referências bibliográficas
O texto insiste em obrigar Fedro a confirmar as dedu­
ções do filósofo desocultando as suas intenções (228d). Mas BERNABÉ, Alberto (2011). Platão e o orfismo: diálogos entre religião e
o filósofo não deixa de explorar o pretexto concedido para filosofia. Tradução de D. G. Xavier. São Paulo: Annablume.
BETT, Richard (1999). “Immortality and the Nature of the Soul in Plato’s
recusar ser cúmplice do exercício que o outro confessa ter ti­ Phaedrus”. In: Plato — 2, G. Fine (org.). Oxford: Oxford Universi­
do em mente (228d-e). De modo que, só após um breve pre­ ty Press, pp. 425-50.
lúdio dramático à recitação (229a-230e), no qual, como ob­ BRISSON, Luc (1999). “La Réminiscence dans le Ménon (80E-81E) etson
servamos anteriormente, é inserida uma possível, porém, arrière plan religieux”. In: Anamnese e saber, J. T. Santos (org.). Lis­
muito relevante referência a Platão (229a, 230b: R. Zasla- boa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, pp. 23-47.
vsky, 1981, pp. 115-6), Sócrates pede a Fedro que comece a (1992). “L’Unité du Phèdre de Platon: rhétorique et philoso-
leitura (230e). phie dans le Phèdre”. In: Understanding the Phaedrus, L. Rossetti
(org.). Sankt Augustin: Academia Verlag, pp. 61-76.
nenhum lugar o texto confirma a relevância desta
Em ncnnum
DILLON, John (1973). “Comments on John Moore’s Paper”. In: Patterns
elaborada apresentação
ciaDorada apresentação dodo diálogo. No entanto,
diálogo. No entanto, ela reforça
ela reforça in Plato’s Thought, J. Moravcsik (org.). Dordrecht/Boston: D. Rei-
uma série de suspeitas. Enquanto o discurso de Lísias se mos mos-­ del, pp. 72-7.
tra como
--- um paradigi
” ;ma arte retórica, os dois de Sócrates GRISWOLD JR., Charles L. (1986). Self-Knotuledge in Plato’s Phaedrus.
criticam-no, visando à < ~ * _____ New Haven/Londres: Yale University Press.
correção da vivência da relação amo­
rosa nele proposta
proposta pelo
pelo orador.
orador. Mas não basta.
Mas não basta. Depois do GUTHRIE, W. K. C. (1975). A History ofGreek Philosophy — IV. Cam-
termo do seu segundo discurso, bridge: Cambridge University Press.
í„jrso, o longo passo
o longo passo dedicado z:: ­
dedicado àà ex
posição de um <conjunto
—; de críticas formais e materiais à re-
HEATH, Malcolm (1989). “The Unity of Plato’s Phaedrus”. In: Oxford
Studies in Ancient Philosophy— VII. Oxford: Clarendon Press, pp.
tórica (257c-274b) — como é [
perceptível pelas referências 151-74; “A PostScript”, pp. 189-92.
feitas a Lísias no seu início e termo — é i
aos oradores. _ inteiramente dirigido JOLY, Henri (1980). Le Renuersement platonicien: logos, épistémè, polis.
Paris: Vrin, 2a ed.
Por consequência, para restituir ao texto a alegada uni­ KAHN, Charles H. (1996). Plato and the Socratic Dialogue: The Philoso-
dade, restará apenas dar conta do sentido das críticas à “con­ phical Use of a Literary Form. Cambridge: Cambridge University
veniência e inconveniência do escrever” (274b). E é aí que o Press.
mito de Theuth e Thamous revela a intenção de usar, a par KÉLESSIDOU, Anna (1992). “La Psychagogie du Phèdre et le long labeur
de Lísias, o interlocutor de Sócrates para denunciar o equí­ philosophique”. In: Understanding the Phaedrus, L. Rossetti (org.).
Sankt Augustin: Academia Verlag, pp. 265-8.
voco a que se prestou pela utilização acrítica do escrito do KOSMAN, L. Aryeh (1976). “Platonic Love”, in Facets of Plato’s Philo­
outro, ao intentar memorizá-lo. sophy, \V. H. Werkmeister (org.). Assen: Van Gorcum, pp. 53-69.
O “informado sem ensino” e “desavisad MOORE, John D. (1973). “The Relation between Plato’s Syrnposium and
vo da crítica aos escritos será ei„L o” (275a-b) al-
Phaedrus”. In: Patterns in Plato’s Thought, J. Moravcsik (org.).
ntão
dócil aquiescência com que acolheu o próprio Fedro, que, na
Dordrecht/Boston: D. Reidel, pp. 52-71.
os argumentos de Sócra-
tes, evidenciou as limitações de NARCY, Michel (1992). “Platon, 1’écriture et les transformations de Ia
rência, e que o "concnm*" um ensino, que o é só na apa-
i•
rhétorique”. In: Understanding the Phaedrus, L. Rossetti (org.).
COnSUI^2^Ldiícursos escritos constitui. Sankt Augustin: Academia Verlag, pp. 275-9.
. í --- SBD/FFLCH/USP
; Blb. Florostan Fornandos
Tombo: 411033
250 Aquisição: Doação
Vorba: FAPESP
! Proc. 2014/18486-0 251
ANA CAROLINA SA
| N.F. 763998 RS 54 00 09/07/901« /
1
i

PLATÃO. Carta VII (2008). Introdução de T. Irwin, tradução e notas de


J. Maia Jr. e J. T. Santos. São Paulo: Loyola.
. Fedro (1997). Introdução, tradução e notas de J. Ribeiro Fer­
reira. Lisboa: Edições 70. Sobre o autor
_________ . Platonis Opera — I-V (1900-1907). Oxford Classical Texts,
J. Burnet (org.). Oxford: Clarendon Press.
ROBINSON, Thomas M. (1992), “The Relative Dating of the Timaeus i
and Phaedrus”. In: Understanding the Phaedrus, L. Rossetti (org.).
Sankt Augustin: Academia Verlag, pp. 23-30.
(2007). A psicologia de Platão. Tradução de M. Marques. São
Paulo: Loyola. I
Platão nasceu em Atenas, em 428 a.C. Descendente de famí­
ROSEN, Stanley (1987). Plato*s Symposium. New Haven/Londres: Yale
lias aristocráticas, viveu num período conturbado da história ate­
University Press, 2a ed.
niense. Assistiu à derrota da cidade na guerra do Peloponeso (431-
ROWE, Christopher J. (1992). “La data relativa dei Fedro”. In: Under­
404) e viveu sob duas tiranias: a dos “quatrocentos” (411) e a dos
standing the Phaedrus, L. Rossetti (org.). Sankt Augustin: Academia
Verlag, pp. 31-9. “trinta” (404-403), imposta por Esparta. Restabelecida a demo­
cracia, acompanhou o julgamento, condenação e execução do seu
_________ (1989). “The Unity of the Phaedrus”. In: Oxford Studies in
Ancient Philosophy— VII. Oxford: Clarendon Press, pp. 175-88. mestre Sócrates (399), à qual reagiu exilando-se em Mégara. Visi­
SANTA CRUZ, Maria Isabel (1992). “Division et dialectique dans le tou a Sicília (387), onde conheceu o tirano Dionísio I, de Siracusa,
Phèdre”. In: Understanding the Phaedrus, L. Rossetti (org.), Sankt tendo mais tarde regressado a convite de Dionísio II (ver Carta
Augustin: Academia Verlag, pp. 253-6. VII). Tinha, entretanto (por volta de 385), fundado a Academia,
SANTOS, José Trindade (1999). “Nota sobre a anamnese no Fedro”. In: da qual foi escolarca até sua morte, em 347 a.C.
Anamnese e saber, J. T. Santos (org.). Lisboa: Imprensa Nacional/ É atribuída a Platão a composição de mais de trinta diálogos
Casa da Moeda, pp. 243-55. (alguns considerados duvidosos, outros espúrios), versando sobre
_________ (2008-2009). Para ler Platão — I-III. São Paulo: Loyola. todas as questões relativas ao saber da época. Habitualmente os
SCHLE1ERMACHER, Friedrich (1973). Introductions to the Dialogues autênticos são divididos em três períodos: juventude (Apologia de
of Plato. Tradução de W. Dobson. Nova York: Arno Press. Sócrates, Críton, Alcibíades I e II, Cármides, Eutidemo, Eutífron,
TRABATTONI, Franco (1994). Scrivere nelPanima: uerità, dialettica e Górgias, Hípias menor, Hípias maior, íon, Laques, Lísis, Menêxe-
persuasione in Platone. Florença: La Nuova Italia. no e Protágoras); maturidade (Mênon, Fédon, República, O Ban­
VLASTOS, Gregory (1972). “The Individual as Object of Love in Plato”. quete, Crátilo e Fedro); e velhice (Parmênides, Teeteto, Sofista, Po­
In: Platonic Studies. Princeton: Princeton University Press, pp. 3-42. lítico, Timeu, Crítias, Leis e Filebo). São-lhe atribuídas treze Car­
ZASLAVSKY, Robert (1981). “A Hitherto Unremarked Pun in the Phae­ tas, consensualmente tidas como espúrias, havendo dúvidas sobre
drus”. Apeiron, vol. 15, n° 2, pp. 115-6.
a VII e a VIII.
Apesar de sempre ter sido considerado um grande filósofo,
nunca houve, entre os seus intérpretes, acordo sobre a gênese e es­
trutura da sua filosofia. O fato pode ser justificado, entre outras
3 p, n razões, por não ser possível lhe atribuir uma doutrina definida a
partir do conjunto dos diálogos que compôs, nos quais nunca fi­
gurou como personagem.

252
I 253
í de 1970, também com os departamentos de História e Filosofia
Antiga). Em 1961, defende o primeiro doutoramento na área de
Sobre o tradutor Língua e Literatura Grega, com uma tese sobre o Banquete de Pla­
í tão, orientada pelo professor Aubreton. Em 1964, ano do retorno
de Aubreton à França, apresenta o trabalho A caracterização dos
■■
sofistas nos primeiros diálogos de Platão, que lhe concede a Cáte­
dra da Língua e Literatura Grega. Em 1976, volta a Paris, traba­
I lhando junto à equipe do professor Jean-Pierre Vernant, no Collè-
ge de France; dedica-se à tradução de Píndaro e inicia suas pesqui­
José Cavalcante de Souza nasceu em 1925, em Cariús, inte­ sas sobre Aristóteles.

i
rior do Ceará, onde fez a escola primária, e iniciou os estudos de
francês, inglês e latim no Ginásio do Grato. Em Fortaleza, cursa
Letras Clássicas na Faculdade Católica de Filosofia ao mesmo tem­
I No final dos anos 1980, aposenta-se da Universidade de São
Paulo para ingressar no IFCH da Unicamp, onde estrutura o cur­
so de Filosofia Grega Antiga, associado ao curso de Língua e Lite­
po em que trabalha como professor da Aliança Francesa. í ratura Grega.
Em 1951, com uma bolsa dessa instituição, viaja para Mar­ Publicou, entre outros: Platão, O Banquete: tradução, intro­
selha; aproveitando a oportunidade para aprofundar seus estudos dução e notas (São Paulo, Difel, 1966; tradução republicada em
de língua e literatura grega, muda-se para uma residência de estu­
dantes pertencente ao filósofo Jacques Maritain, em Soisy-sur-Sei-
i Platão: Diálogos, Coleção Os Pensadores, vol. 3, São Paulo, Abril
Cultural, 1972); A caracterização dos sofistas nos primeiros diálo­
ne, onde permanece por seis meses. Em seguida vai a Paris, onde gos de Platão (São Paulo, USP, 1969); além de ter organizado e fei­
i
assiste como ouvinte a um curso de Merleau-Ponty e algumas au­ to traduções para o volume Os pré-socráticos (Coleção Os Pensa­
las de Jean-Paul Sartre. dores, vol. 1, São Paulo, Abril Cultural, 1972).
De volta ao Brasil em 1953, termina a faculdade e assume o
posto de professor de francês e latim no Colégio Sete de Setembro,
em Fortaleza. Interessado em lecionar grego antigo, o que não
conseguia no Ceará, escreve para a Faculdade de Filosofia, Ciên­
cias e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL da USP), inda­
gando sobre a possibilidade de trabalhar como professor de grego
antigo em São Paulo. Informado por Eurípedes Simões de Paula
que o professor Robert Henri Aubreton estava empenhado em for­
mar uma equipe de professores para a cadeira de Língua e Litera­
tura Grega, Cavalcante muda-se para São Paulo no final de 1953
e começa a dar aulas de latim no Colégio São Luís. No ano seguin­
te, ingressa por concurso público no ensino secundário em Guaru-
Ihos, passa a ensinar latim no Colégio Mackenzie e casa-se com
Maria da Conceição Martins.
Em 1956 é contratado como professor do Departamento de
Letras Clássicas da FFCL da USP (passando a colaborar, a partir
i
255
254
Contraste violento também se verifica entre
o primeiro discurso dé Sócrates — em que, por
emulação de Lísias, o amor é condenado*como
um distúrbio perverso — e o seu segundo dis­
curso — em que o amor é louvado como subli­
me loucura e dom divino, cuja experiência se
identifica com a própria filosofia e consequente
perfeição da alma. Dom divino, o amor se rea­
liza na vida filosófica ao despertar a reminiscên-
cia da beleza contemplada outrora, quando a
alma imortal participou do séquito dos Deuses
além do céu visível e sobrevoou a planície da
verdade.
I O que, então, falta ao discurso de Lísias?
I
Qual a contribuição dos mestres de retórica, an­
teriores e contemporâneos? Por que as contri­
buições deles não constituem verdadeiramente
arte retórica, mas conhecimentos necessários
preliminares à aquisição da verdadeira arte re­
tórica? É possível ser um orador competente
sem conhecer a verdade? O que Sócrates cha­
ma de “arte dialética”? Por que e como a dialé­
tica funda e integra a verdadeira arte retórica?
Quem, afinal, é o orador competente, e para
que serve a arte retórica?
Com a presente tradução do Fedro, o leitor
se encontrará na maior proximidade do pensa­
mento platônico, contemporâneo dos antigos
mitos tradicionais e da fundação conceituai e
reflexiva da filosofia. Publicada agora pela pri­
meira vez, esta tradução resulta de longo con­
vívio do professor José Cavalcante de Souza
com os textos sobre os quais refletiu e lecionou
I a vida inteira. E para guiá-lo nos meandros fas­

L
Este livro foi composto em Sabon e
Cardo, pela Bracher & Malta, com
cinantes do pensamento platônico, o leitor terá
CTP da New Print e impressão da Gra- no final deste volume a baliza segura e experien­
PH1UM EM PAPEL PÓLEN SOFT 8o G/m‘ DA te do posfácio de José Trindade Santos.
Cia. Suzano de Papel e Celulose para
a Editora 34, em novembro de 1016.
]aa Torrano
Em Fedro, Platão (428-347 a.C.) nos
coloca diante de três discursos sobre
o Amor — o do orador Lísias, retomado
por Fedro, e os dois de Sócrates —,
proferidos durante uma caminhada
fora dos muros de Atenas.
Numa ambientação diversa da
do Banquete, outro diálogo que explora
o tema amoroso, o Fedro discute não
apenas a natureza de Eros (tratado
l por Sócrates, a certa altura, como
“delírio divino"), mas a natureza da
própria arte retórica, da memória e da
escrita, constituindo assim uma excelente
porta de entrada para os principais
temas da filosofia de Platão.
Com tradução inédita de José Cavalcante
de Souza, um dos fundadores da área
de Estudos Clássicos no Brasil,
o diálogo Fedro conta, na presente
edição bilíngue, com um texto de
apresentação do próprio tradutor, além
de ensaio e notas do helenista português
José Trindade Santos, professor
livre-docente de Filosofia Antiga
da Universidade de Lisboa e atuante
em diversos programas de pós-graduação
em universidades brasileiras.

ISBN 978-85-7326-648-1

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editoraB34

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