Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
25
dos de descrição e de constituição da subjetlvídad , sen o
da crítica que Bergson endereça à idéia de Nada?
27
26
elu rcv III ua dupla rue ': ti um lu do ionduz rul1. do , 1110 íruu, 1111 0111 I ti li! I 1111, 11111 duplo \I o
equívocos da filosofia tradicional, revelando-no qu, ti «111 11 I I 11 11I r 10 uflu. M ti I que I O duu cone pç
metafísica jamais alcançou o estatuto de universalidade cor- 111 'Ol11plltfV -I /I re p 1I du r lac cs ntrc a filosofia e a
rente nas ciências, foi por carência de precisão 4. De outro, história. De um lado, o filósofo, preocupado em revelar
1111
dá acesso à via real do Saber, instaurando um programa po- o d caminhos da inteligência incapaz de captar a cambian-
sitivo para a solução de problemas concretos: ela projeta o te rub tância do' real, faria da história da filosofia uma his-
ideal de uma explicação que componha corpo único com O ioria stultitiae, instaurando entre a filosofia e sua história o
explicado, de uma adesão ao objeto que elimina todo hiato mesmo abismo que separa a verdade do erro. A oposição
entre a consciência e o Ser, tornando caducos o relativismo stabelecida entre o conhecimento intuitivo, obediente às
ou o convencionalismo que multiplicam as teorias possíveis nervuras do real, com ele identificado, e o vazio saber inte-
ao lado da unicidade do reais. lectual, negligente diante das articulações naturais das coi-
sas e indiferente ao objeto, reproduz-se na oposição do berg-
As duas faces não mantêm, no interior do método, re- sonismo a toda tradição do pensamento ocidental. De outro,
lações de exterioridade: imbricam-se internamente, consti- o historiador fiel ao texto e à originalidade do pensamento
tuindo-lhe a estrutura secreta. Simétricas, cada uma traz em que o anima e que se recusa a dissolvê-lo em seu passado
si refletida a imagem inversa da outra, A destruição das ilu- mediante a investigação das influências e da repetição dos
sões da inteligência, das antinomias que lhe marcam essen- lemas. A recusa da causalidade histórica e a ênfase na inven-
cialmente o movimento, o reconhecimento, enfim, da vaida- ção individual conduzem-no a vislumbrar e a pesquisar, em
de da dialética dos conceitos, indicam já os caminhos da cada sistema, uma raiz intuitiva e viva, para além de sua
investigação positiva e esboçam a geografia da autêntica pro- formulação discursiva, que freqüentemente, pela inércia e
blemática da filosofia. A lógica da ilusão e a lógica da ver- pela exterioridade essenciais à linguagem. traem sua voca-
dade correspondem-se como o avesso e o direito. Mais tarde ção primeira. Neste segundo momento, a verdade se espraia
veremos como esse dualismo, descoberto no nível da refle- generosamente sobre todos os sistemas e passa a animâ-los,
xão metodológica e crítica, reproduz um dualismo mais pri- ugerindo a idéia, antes negada, da presença de uma philo-
mitivo, gravado no próprio Ser, e como nele encontra sua sophia perennis, como uma sombra projetada para além da
origem e seu fundamento. diversidade dos sistemas filosóficos 6.
Por ora, basta-nos reter essa simetria e os ensinamen- Não nos interessa retomar aqui a já longa discussão em
tos que ela nos pode fornecer para nosso itinerário. As teo- . torno da concepção bergsoniana da história da filosofia 7.
rias opostas, que constituem o acervo e a própria essência Negligenciamos intencionalmente a perspectiva inaugurada
do entendimento, são descartadas através de uma verifica- pela comunicação ao Congresso de Bolonha para cuidarmos
ção intuitiva no modo da precisão. Mas a consciência que tão-somente do emprego polêmico da história da filosofia,
verifica e rejeita, a consciência intuitiva é uma consciência tal como aparece de forma exemplar no último capítulo de
convertida que já passou pelas ilusões da dialética. Também t'évotution créatrice. É apenas nesse momento que a histó-
para Bergson o itinerário da investigação é aquele que vai ria da filosofia aparece integrada no método, como uma de
do mais claro para nós ao mais claro em si. Daí a neces- suas etapas fundamentais.
sidade, para nós, de começarmos pela investigação das tra-
vações internas da lógica da ilusão. E é na história da filo- De alguma maneira, esta etapa do método bergsoniano
sofia que o pensamento bergsoniano vai buscar os elementos nos remete a Aristóteles. Tanto para Bergson como para
e o campo natal da ilusão em forma de sistema.
6 Cf. M. GuérouIt, Bergson en face des philosophes, em Les études
bergsoniennes, v. V. p. 11·35.
4 P.M., p. 1; p. 1253: "Ce qui a le plus manqué à Ia philosophie, 7 Além do artigo de M. Guéroult, conferir a "Leçon inaugurale" do
c'est Ia précision". mesmo autor. no Collêge de France. A respeito do mesmo ass~~to,
5 Ibid., p. 1; p. 1253: "L'explication que nous devons juger satisfai- versam: A. Thibaudet Le bergsonisme, v. II, p. 172-81; E. Bréhier,
sante est celle qui adhere à son objet: point de vide entre eux, pas La philosophie et son passé, p. 40; L. Brunschvicg, Bcrits philosophi-
d'interstice ou une autre explication puisse aussi bien se loger; elle ques, v. I, p. 208; Lívio Teixeira. "Bergson e a história da filosofia",
ne convient qu'à lui, i1 ne se prête qu'à elle". Kriterion, p. 9-20.
28 29
AI'i tõtcl ti, u hl l riu du fll fi, 'Il[ I1(J <.lu.omo dlul •
ti I 11 IV IIt 111" I 111 I ,'li dt til li ti pllnt 'I. ru, 11 11 11
tlca. Em ambos os casos, a dtalética .I'CC bc m mo tu.
tuto e ganha o mesmo estilo. A dialética é o discurso que
,llIlIdll 11 '111 r I" ti LI tu ti untlgo livro 'I
desrespeita as fronteiras desenhadas pela incomunicabilidade AI O tu u esta qucst o nos conduz a uma segunda
I'
das categorias. E se a dialética pode degenerar em sofística ,li t c mais profunda,
1111111 11,:10, da dialética bergsoniana,
no universo aristotélico, quando o discurso não é mais regu- 111I IIh tnnclada 'agora, não mais por uma referência a Aris-
lado por aquilo que o transcende e que ele essencialmente 11 11 1 ,ma por uma referência a Kant. Se o campo da dia-
indica, a loquacidade nada mais é, na filosofia de Bergson 8, 1 ti 'li O universo do ilusório, há que distinguir modalida-
do que o desdobramento autônomo ela linguagem, indiferen- ,li do ilusório. Fundamentalmente, para além de uma ilu-
te às exigências da verificação: a figura do "homem inteli- t) 'lu' é deficiência do uso adequado do conhecimento,
gente" tende a degenerar na figura do homo loquax, Mas 11 qu reconhecer as ilusões que nascem da própria dispo-
a dialética não é necessariamente sofística e a inteligência 1 n nativa da consciência e da razão. A dialética transcen-
não é sempre "tagarela". Há ao menos um bom uso de am- dI 111111 não é obra puramente negativa na sua demolição das
bas e ele reside no exame do senso comum e da história 1'11 t nsões do dogmatismo; ela revela, ao mesmo tempo, "a
da filosofia, essa tradição do senso comum, Também para 11I' idade das metafísicas e a necessidade de seu malo-
Bergson, a solução positiva de qualquer problema exige uma 11)" Y. Compreender que há um bom uso da história da filo-
análise prévia em que são examinadas as soluções ofereci- IIr 11 é compreender essa necessidade da ilusão, é compreen-
das pelo senso comum e pela tradição filosófica, mesmo se 11\ I' que o domínio do erro não é o domínio do arbitrário
a solução acarretar uma radical reformulação dos próprios tllI do uma selvagem irracionalidade. Muito pelo contrário,
termos do problema. A história da filosofia não se apresen- 11 -ompreensão dos caminhos do equívoco indica a compreen-
ta, assim, como uma disciplina autônoma, paralela apenas II da própria estrutura do espírito. O erro não é o fruto
à filosofia e indiferente diante das opções fundamentais. Sen- d, lima subjetividade caprichosa: ele traduz uma vocação
do ela entendida como propedêutica, como introdução ao unta da inteligência.
Saber, este passa a ser a sua verdade e a iluminá-Ia retros-
Mas esta segunda instância da dialética bergsoniana
pectivamente. De algum modo, o Saber que se instaura reab-
11 lhe esgota o sentido último. Paradoxalmente, a ilusão
Sorve t?da a tradição, tornando-a matéria sua, corrigindo-lhe
necessária não somente porque reflete uma insopitável
os equrvocos e, ao mesmo tempo, revelando a necessidade
I ndência da subjetividade, como é o caso da ilusão trans-
de tais desvios. .
l' .ndental de Kant, mas porque também passa a ter, em
Mas aí pára, no entanto, a aproximação. No universo IIcrgson, o seu fundamentum in re. O associacionismo não
bergsoniano a tradição está mais radicalmente separada do traduz apenas uma ilusão que nasce de uma deformação da
Saber, e o senso comum, mais distante da verdade. Suas re- vida psicológica, quando recortada artificialmente segundo
ferências às filosofias clássicas são, as mais das vezes, o II estilo da inteligência reflexiva, que lhe aplica o esquema-
correlato simétrico de sua crítica da inteligência em seu uso tlsmo da justaposição. A hipótese associacionista só é falsa
especulativo. Mas, se assim é, se a história da filosofia é um quando generalizada para a totalidade da vida psíquica.
sistema de erros, onde a necessidade da referência ao passa- uando não incorre nesta hybris e se limita apenas ao eu
do? Já que se trata de opor o Saber, pela primeira vez ins- uperficial, à consciência perceptiva e social, ela reflete uma
taurado, à insistência secular no erro, por que levantar, co- verdade ontológica 10, Fundada numa experiência parcial, a
mo no último capítulo de L'évolution créatrice, um quadro
sistemático da história do pensamento filosófico? Se a rup- --.'--
9 Gérard Lebrun, Kant et Ia [in de Ia métaphysique, capo II, p. 67.
tura com o passado é da mesma ordem daquela instituída
(Na nossa tese, nós nos referíamos à versão manuscrita do livro de
pela filosofia de Descartes, por que não recomeçar, como G. Lebrun, na época ainda inacabado.)
10 E.D.I.C., p. 103-4; p. 92: "Une vie intérieure aux moments bien
8 P.M., p. 92; p. 1325: "Roma [aber, homo sapiens, devant l'un et distincts, aux états nettement caractérisés, répondra mieux aux exi-
l'autre, qui tendent d'ailleurs à se confondre ensemble nous nous gences de Ia vie sociale. Même, une psychologie superficielle pourra
incIinons. Le seul qui nous soit antipathique est Yhomo loquax, dont se contenter de Ia décrire sans tomber pour cela dans I'erreur, à
Ia pensée, quand il pense, n'est qu'une réflexion sur sa parole". condition toutefois de se restreindre à l'étude des faits une fois pro-
duits, et d'en négliger le mode de formation".
30
31
Int IIg n 'lu, conflrrnudu Jll lIU XI' ctutlvu , J vudu I .111I 1" I III li, I', 'OIlH) 1 ti, ('lIqllllllo p\l' 1 (lp "U'; I 'I),
uma totalização que a induz ao univcr o d llu 61'1 I l • I til ti ti I IId 1 de todu V !'ir! .uçuo, 11 I ) SUO su 'ccplfvci de
mático. Ela se quer mathesis universalis e, à primeira sug . 1111111 '1I11p1'UVII';1I0 lnlultlvn c precisa: sao insolúveis. O de-
tão da experiência, ela lhe volta as costas e desdobra coe- nvulv 111 '1110 do método filos6fico exige, como primeira
rentemente sua fantasmagoria. IlIpll IndiHp'., 'ável, a dissolução desses falsos problemas;
A dialética traz, portanto, na filosofia de Bergson, uma III r 'ito através de um novo equacionamento 11, que.
tripla determinação. Ela é: a) referência inicial, propedêuti- "111luud pura a experiência precisa da intuição ou da ciên-
ca e crítica, da investigação em seu itinerário; b) desvenda- 111 1'0 ltlva, transforma-os em autênticos problemas, alte-
mento das falsas soluções apresentadas pela tradição, como 1I111e1 »lh 'S os termos e tornando-os solúveis.
resultado de uma tendência insopitável do entendimento e A dissolução dos falsos problemas dá-se sob forma de
c) genealogia dessa ilusão necessária a partir de uma confu- 111 'I da inteligência em geral ou sob forma de crítica de
são, também típica da inteligência, entre parte e todo, expe- 111l1H filosofia em particular. Mas se a solução sempre apela
riência regional e matemática universal. Esta tríplice deter- 11111'/1 pluralisrno da experiência, o falso problema é sem-
minação da dialética nos revela agora o elo secreto que une, ti' • r 'metido ao monismo das ilusões, que, finitas e ordena-
na empresa bergsoniana, os projetos de uma história da filo- 1111, c repetem em sistema. Se a história da filosofia revela
sofia sistemática e de uma, também sistemática, crítica do 111111I proliferação de falsos problemas, essa proliferação não
entendimento. nnãrquica e dá lugar a um inventário unificante. Mais do
De um lado, a simples análise da função da inteligên- Ijll isso, tal inventário se organiza de maneira genealógica,
1I que lhe permite remontar, na série das ilusões, a uma ilu-
cia - e a partir dela, de sua estrutura - nos dá a chave
o fundamental e originária. Em última instância, o enten-
de seus desencontros em seu uso teórico: a análise genética
cI 11) nto se define através de duas ilusões originárias: a da
da inteligência, a descrição de sua progressiva constituição
plI agem do Nada ao Ser e a do Caos ao Cosmo. Se a se-
no interior da evolução da vida em geral, nô-la revela como
unda origina os falsos problemas em que a filosofia se enre-
instrumento de adaptação, como limitada a esta sua destina-
tllI na teoria do conhecimento, a primeira é a matriz das
ção primitiva. A sua transformação em órgão de conheci- unttnomías em que se perde a ontologia tradicional.
mento especulativo dá nascimento a um sistema de ilusões
cada vez mais rico. A teoria genética do entendimento des- ~ a crítica bergsoniana da raiz dos equívocos da onto-
dobra-se, portanto, numa teoria geral e sistemática das ilu- lo~ia tradicional que nos servirá de ponto de partida e fio
sões. De outro, a história da filosofia mostra como o siste- condutor na organização de nosso estudo.
ma das ilusões, inscrito já na própria estrutura da inteligên-
cia, se realiza concretamente através das obras dos filóso-
fos. Compreende-se, assim, que o capítulo quarto de Ilévo- 11
lution créatrice não procure captar a intuição original que
anima cada filosofia em particular: o seu propósito é dese- § 4. Procurou-se reduzir o alcance da crítica bergso-
nhar a epopéia da inteligência às voltas com a fantasmago- niana da idéia do Nada, mostrando como seria ela o resul-
ria que produz e que a fascina. tado de um estreito empirísmo, incapaz de reconhecer o po-
der e os recursos do espírito 12. Com efeito, Bergson supõe
§ 3. A dialética é, portanto, história e sistema das
ilusões. E o ponto de conexão entre história e sistema é 1I P.M., p. 79; p. 1314-5: "Inutile de raconter ici comment le pro-
dado através da noção de falso problema. Falsos são os pro- blêrne traditionnel de 'Ia relation de l'esprit au corps' se resserra
blemas encontrados pela inteligência, e aos quais ela atribui devant nous au point de n'être plus que celui de Ia localisation céré-
brale de Ia mémoire, et comment cette derniêre question, beaucoup
caráter teórico. Eles são: a) o resultado de uma confusão Irop vaste elle-même, en vint peu à peu à ne plus concerner que Ia
entre dificuldade prática e problema de conhecimento, b) fru- mémoire des mots, plus spécialement encore les maladies de cette
to de uma imprecisão fundamental, nascida da indiferença mémoire particuliêre, les aphasies".
12 Cf. F. d'Hautefeuille, "Henri Bergson, critique de I'idée de néant",
da inteligência às linhas de fato e às articulações regionais Revue de Métaphvsique et de Morale, p. 212-24.
32 33
111 111 1111111'11111111 I III! bll 11 dll 1I0VII IIllfoh 1\qUI I ti 'Vl'
li ficção de um entendimento puramente passivo, Isto " <.I ' I I 1\ I'" Ik" "qll 1\ I'H Ol! uhm 1\ 11 III lu dI' Nndn,
pojado de linguagem e de qualquer referência à Intcrsubjc-
tividade. E o faz justamente para mostrar que tal entendi- o
'upltulo quarto dc Uévoluüon créatrice abre-
mento jamais se afastaria da linha móvel da experiência, I II !tIl 11 ' I d problema. A história da filosofia, nele
CUÇlO
sem totalizá-la no tempo e sem dela se afastar através da hllt;lIdll, precedida pelo exame direto de "duas ilusões
negação. À ficção vazia de um entendimento passivo, Fran- fi lI!' 'fi lU' ncontrarnos constantemente em nosso caminho
çois d'Hautefeuille opõe a ficção eficaz do negativo: '111 .onsldcramos, até agora, antes em suas conseqüências
Para libertar-se do "fio da experiência" o espírito possui um ins- '111' em H 'LI princípio" 1$
trumento duma eficácia maravilhosa: a-linguagem que lhe permite
fabricar-se um mundo de objetos fictícios sobre os quais se apóia ) que é necessário reter, em primeiro lugar, é esta
para erguer-se acima dos dados 13, "1"1 1'0 da crítica no nível das conseqüências à crítica no
ntv I d s princípios. As ilusões do entendimento (priorida-
Esta objeção encerra uma dupla incompreensão da crí- 111 do Nada, da Desordem, do Imóvel, do Possível) são
tica bergsoniana da idéia de Nada: uma se refere ao con- 111 uuncladas ao longo de toda a obra de Bergson. Mas esta
teúdo da crítica, e a outra, ao procedimento metódico a di núncla é feita sempre, exceto neste capítulo e em La pen-
que obedece. A primeira faz supor que Bergson pretende , t' '/ te mouvant, no nível das conseqüências, isto é, da
negar a eficácia da negação, justamente quando ele a define .,11 llse de problemas particulares. As soluções tradicionais
como mola secreta de toda atividade humana eficaz. Mais 1111 I' cldas aos problemas da liberdade, da relação psicofi-
do que isso, quando ele a define como condição de possi- 01 glca, da evolução das espécies, fundavam-se em propo-
bilidade da instauração de um universo humano enquanto 1,' , e teses ontológicas inconscientes. A recusa do deter-
tal. O homo faber, que define, a um só tempo, o estilo pró- 11I1111 mo e do livre-arbítrio em sua forma tradicional, do
prio da espécie humana e o estilo do pensamento científi- pll1'11 lclismce do epifenomenismo, do mecanicismo e do fina-
co 14, constituindo-se como tal exatamente à medida que 111110, era ao mesmo tempo crítica e recusa dessa ontologia
enquadra o dado nos esquematismos da negação, isto é, no 1111 ntc. Mas ela não era patenteada e diretamente tematiza-
interior de seus projetos práticos. A segunda faz supor que !l1I I ela crítica bergsoniana. Era recusada como horizonte
Bergson realiza a ficção de um entendimento passivo, quan- ti lima explicação que não dava conta do explicado e que
do essa ficção é apenas uma etapa, meramente hipotética, I Ilha contra si os dados e o testemunho irrecusável da
de um processo demonstrativo e que não pode, sem contra- 1 "I criência.
senso, ser dele isolada. Ela corresponde a algo como uma
8 portanto depois da crítica das conseqüências que se
condição ideal e parcial da experiência e que, por defini-
opera a crítica dos princípios, segundo exige o ideal da
ção, não pode dar-se, tal e qual, na própria experiência. O
precisão. De alguma maneira, a crítica da idéia do Nada
entendimento real, tal como ele se dá às várias formas de retira seu vigor da crítica bergsoniana à psicologia, à psi-
experiência, é justamente aquele que se põe como distância , fisiologia e à biologia tradicionais. Isto revela o caráter
em relação à linha móvel da experiência, como órgão de sscncialmente regressivo do método bergsoniano, que sem-
negação. prc procede por uma volta do fato à sua condição, e jamais
Os dois equívocos, quanto à forma e quanto à matéria, inteticamente, da condição ao condicionado. A experiência
remetem a uma leitura inadequada do texto bergsoniano: jamais pode ser circunscrita ao campo fechado das suas pos-
uma leitura que busca no texto uma reflexão sobre o co- ibilidades, pelo simples fato de que o possível sucede ao
nhecimento e sobre suas condições, e não, como pede o pró- real, e não o precede. Este caráter essencialmente regressivo
prio Bergson, uma leitura que nele busca a fonte da pro- do método bergsoniano nos fornece já preciosos ensinamen-
blemática ontológica. É na expectativa da crítica da onto- tos, pois não só: a) nos indica o caráter peculiar do realis-
mo da filosofia de Bergson em sua recusa de construir a
experiência, como também b) patenteia que a nova ontolo-
13Id., ibid., p. 218.
14A respeito da fusão entre homo [aber e homo sapiens, cf. nota 8 IS E.C., p. 272; p, 725.
deste capítulo,
35
34
gia, nascida da critica à idéia d Nada, c p c c mo hOI" di I 1111 ,1/1 I
'IIH 'lIud,,,, I til /I d,' 1111111 ud I' "'11
t /I ' li,
zonte e fundamento retrospectivo de um pensamento que 11 1111 tllIh d" 111, ('
IIII\, qu 1I
ti '111 dúvklu 11 vulldudc
se pretende positivo. Não é outro o sentido da afirmação dll plIl!l'lo d" tllllll gUl '1I1oAIII. MUI) I) fluidez traduz, na VCI'.
de H. Gouhier, segundo a qual Bergson teria uma concep- iludi, 111 IIIIlWI1I ' O rOle) de haver uma metamorfose das ilu-
ção da filosofia idêntica àquela que encontramos em Des- , um 'Iü subterrâneo que as unifica e permite a paSSH-
cartes: para um e para outro, a filosofia não tira de si mes- 1111 dt' 1111111 11 outru.
ma a sua substância; ela está sempre referida a algo de· Nu Introdução de La pensée et le mouvant 19, limita-se
outro, a algo de exterior a ela mesma, à ciência. Num caso 11 luv I1tlrio às idéias de Nada e de Desordem, apresenta-
a metafísica é o fundamento absoluto da ciência segura. No ti 11 ')!TIO ilusões simétricas e complementares. Elas vêm aí
outro, é o horizonte indispensável do pensamento experi- IIPO t"lI ti idéia da filosofia intuitiva, que dissolve as anti-
mental. A diferença reside no estilo do pensamento cientí- 1111111111 da filosofia tradicional no esquematismo da duração.
fico tomado como modelo, jamais na sua relação com a me- I I'III/sal' em duração participa interiormente da geração do
tafísica que o fundamenta 16. Uma vez que a duração se re- 1111 I), operando uma superação da própria condição huma-
velou o campo em que se dissolvem as antinomias do pen- 1111 (que na sua finidade é separação e exterioridade em re-
samento tradicional, uma vez dado o fato, resta, através da ItIl; 10 ao Ser). Mais do que um pensar o objeto, este ato
crítica da idéia de Nada, descobrir-lhe retrospectivamente o dllltifica-se, de alguma maneira, com o próprio ato que cria
direito, mostrando a possibilidade de um monismo em que ti objeto. Pensar em duração é identificar-se com a tempora-
não há contradição entre o Absoluto e a ação livre e em I dllu' do próprio surgimento do objeto enquanto objeto. E
que a duração se transforma na própria substância do real. ti til perspectiva "divina" dissipam-se as angústias ligadas
A idéia de duração, provada na explicação do psíquico e do 11 .oudição humana e que, no nível da consciência filosô-
orgânico (e mesmo do mundo material enquanto totalida- 11 '/I, assume a forma de uma interrogação pelo fundamento
de 17, torna-se .• em si mesma, objeto de investigação. p 'llI origem do próprio Ser. Como para Heidegger 20, para
1\ I'Rson a significação do Nada se esboça e se oferece na
§ 6. Qual o lugar da ilusão do Nada na constelação xp iriência da angústia. Mas, para Bergson, esse estado afe-
de ilusões que constitui o acervo de idéias da inteligência? I vo não indica nenhuma transcendência, nenhuma supera-
Goza ela, dentro do sistema, de uma posição privilegiada, ~' o possível de sua imanência psicológica. Pelo ~~ntrário,
ou é, apenas, a manifestação marginal de outras mais pri- II ixperiência da angústia aparece como uma regressão à
mitivas? Os textos relativos ao problema encontram-se em
L'évolution créatrice e em La pensée et le mouvant 18. De
pura subjetividade e
como perda de contato com o real. É
11 ulegria que, como aceitação do real e colaboração em seu
texto a texto, notamos variações no estabelecimento da cons- l'"~cndramento, desempenha o papel de uma verdadeira trans-
telação das miragens. Ora apresenta-se, apenas, o par Nada ccndência, indicando para além de si mesma uma superação
e Desordem, ora a ele se acrescentam as ilusões da imobi-
lidade, da possibilidade, da divisão, etc. Daí uma certa flui- I~ P.M., p. 67-71; p. 1305-8.
111 r. M. Heidegger, Ou'est-ce que La métaphysique?, p. 33: "O Nada
, revela na angústia mas não como um existente. Não é tampouco
16 Henri Gouhier, na "Introduction" à Edição do Centenário, Oeuvres, dado como um objeto. A angústia não é o ato de conceber o Nada.
p. XVI: "Nous disions: Bergson a de Ia philosophie comme science Todavia, o Nada é revelado por ela e nela; não, repitamo-lo, que o
Ia même idée que Descartes, mais il n'a plus Ia même idée de Ia Nada nela se mostre, em estado separado, 'ao lado' do existente em
science", A diferença começa a existir, segundo H. Gouhier, apenas SI.lU conjunto, o qual é presa da opressão que se experimenta. Prefe-
na definição do modelo do pensamento científico: ciência da matéria rlrfarnos dizer que, na angústia, o Nada se apresenta, de um único
ou da vida, da extensão ou da duração. fl,o/pe, com o existente". Curiosamente, Heidegger reproduz o itine-
17 E.P. Il, p. 303: "Pour prouver qu'une connaissance limitée est rário de Bergson no texto citado. Mas, pelo fato de que o Nada não
nécessairement une connaissance relative, iI faudrait établir qu'on pode ser pensado como objeto, ele não expulsa a idéia do Nada da
altere Ia nature du moi par exemple, quand on l'isole du Tout. Or, filosofia. Pelo contrário, essa impossibilidade é fundada no fato de
un des obiets de L'évolution créatrice est de montrer que le Tout que o Nada se revela como desempenhando uma função transcenden-
est, au contraire, de même nature que le moi, et qu'on te saisit par tal. Se ele não pode ser pensado como objeto, é porque ele é a con-
un approfondissement de plus en plus complet de soí-même". dição da relação entre o sujeito e o objeto. Cf., no mesmo livro, a
18 E.C., p. 275-95; p. 72844 P.M., p. 105-10; p. 1336-9. cr., também, p.35: "O Nada é a condição que torna possível a revelação do
D.S.M.R., p. 266-7; p. 1188-9. existente como tal para a realidade humana".
36 37
da subjetividade. Retomando ti CXpl'CSSUO d J. Vulllemln,
poderíamos dizer que Bergsôn opõe a dialética da ulcgrlu 111111111 IIU pl' ('111', d um \ pIO , ti 11 'lu <.10 1'0 ív 'I, "lá
às antinornias da angústia 21 IlIlIcllIllI 1111 til'. 'oh ,,'111 de 'lu \ O possível menos tio que
Ii 1"ld,
Em Le possible et le rêel, repete-se a classificação. O::;
problemas "angustiantes" da meta física 22 são reduzidos aos V '1110, asslm, que o sistema das ilusões não é abso-
dois problemas fundamentais já referidos. Um na origem das 111111111 '111 fechado e definido. admitindo uma relativa mo-
teorias do Ser, outro na fonte dos "problemas" do conhe- 1IIIItI/le!· m seus termos. E isto porque cada uma de suas
cimento. Mas acrescenta, agora, Bergson: "As duas ilusões I jJ.1"·II~ particulariza apenas e localiza uma única ilusão fun-
que acabo de assinalar reduzem-se, realmente, a uma s6" 23. dlllll 'nlttl, permitindo, então, o levantamento da genealogia
Em ambos os casos (Nada, Desordem), os termos privile- ti tiA figuras e a descoberta de sua forma mais primitiva.
giados são considerados mais primitivos à medida que exi-
gem menos do que os termos derivados (Ser, Ordem). Este ~ 7. Em L' évolution créatrice, a configuração das ilu-
esquema, que permite transformar °
par de ilusões em uma I elementares apresenta-se diversamente. Ao lado da fa-
única ilusão, permite também incluir em si uma outra ilu- 11111111 já estudada, e que tem na idéia de Nada o seu ante-
são, a ilusão da precedência do possível sobre o real. Na IH ssado fundador, está presente uma outra ilusão, que con-
realidade, trata-se da mesma ilusão. Aqui também a desco- I t em "pensar o instável através do estável, o que se move
berta de uma preexistência do presente no passado e do ulruvés de imóvel" 24. De um lado, a miragem da Ausência,
I outro, os prestígios do imóvel e da eternidade. Embora
li \ de início seja claro que as duas famílias encontram ori-
21 J. Vuillemin, Essai sur Ia signitication de Ia morto Neste livro, par- '111. comum na mesma confusão - a mobilização dos esque-
te-se da oposição entre sentimento, definido como comportamento de IllOS da práxis no exercício da contemplação -, elas pare-
adaptação, e emoção, como comportamento de regressão ou queda
no automatismo. Ao primeiro é atribuída uma estrutura dialética, de o m rebelar-se ante a empresa de uma unificação estilística.
integração da existência humana no Mundus. À segunda, é atribuída Rccoloca-se, portanto, em novos termos, o problema da hie-
uma estrutura antinõmica, onde a existência se perde no Aevum. rurquia das ilusões: de que modo comunicam-se os prestí-
Isto porque se: "L'amour et Ia joie sont les signes du monde, non Ia
révélation du Moi" (p. 99), esses sentimentos abrem a possibilidade Ias do entendimento e como se organizam no interior de
de uma dialética que garante "l'unité de I'opposition et de Ia réali- 1111')8 unitária processão?
sation, de I'effort et de Ia liberté, du monde et du moi" (p. 301).
E, por outro lado, se "I'humanisme existentialiste réduit l'homme tour No interior de sua família. a ilusão do Nada é incon-
entier au corps, vécu, non pas dans Ia dialectique du sentiment, mais I .srãvelmente mais primitiva: a circularidade que une essas
dans I'antinomie de l'angoisse" (p_ 305), é porque a emoção da an- Ilusões internamente não as coloca em plano de igualdade.
gústia "sépare enfin et substantifie les moments que l'unité dialectique
du sentiment avait si profondément unis, l'ãme et le corps, le concept À circularidade, que permite a passagem do Nada à Desor-
et l'intuition du temps, Ia communication et Ia solitude" (p. 191). dem, é a exigida por Bergson na conexão que se deve esta-
Mas, curiosamente, é o próprio Bergson que J. Vuillemin, em belecer entre a teoria do conhecimento e a teoria da vida,
outro livro: L'être et te travail, apresenta como autor de uma filo-
isto é, a própria ontologia. O reconhecimento da dialética
sofia que não se liberta das antinomias da emoção. De sua perspectiva,
Bergson não se oporia ao existencialismo, mas pertenceria a uma que une as duas formas de ilusão - e que é já o desmas-
mesma linhagem intelectual: "La peur passe ainsi contradictoirernent caramento dessas ilusões - alude à regra da correção recí-
dans Ia colêre, et, à travers Ia philosophie bergsonienne, I'organicisme proca a ser instituída entre o pensamento do Ser e o pensa-
trouve sa vérité dans son opposé, dans le nihilisme moderne, dans Ia
philosophie de I'existence" (p. 80)_ Mas, a "emoção", tal como Berg- mento reflexivo, que mede seu próprio alcance, sua relação
son a define, em nada se distingue do "sentimento", tal como o define com o Ser e a distância que os separa. Mas, nessa dialéti-
J. Vuillemin. Com efeito, se "C'est elle [a emoção] qui pousse ca, o pensamento do Ser goza de incontestável privilégio, e
l'intelligence en avant, malgré les obstacles" (D.S.M.R., p. 43; p.
1013), não é porque ela está voltada para o mundo, não é porque a circularidade estabelecida entre os dois termos - a perene
ela serve de motor para uma integração laboriosa na realidade obje- referência de uma ao outro - não os qualifica de maneira
tiva? idêntica. Como observou -Merleau-Ponty, o movimento da
12 P.M., p. 105; p. 1336: "Ie dis qu'il y L- des pseudo-problêmes, et
que ce sont les problêrnes angoissants de Ia métaphysique".
23 Ibid., p. 109; p. 1339: "Les deux illusions que je viens de signaler 24 E.C., p. 273; p. 726: "Telle est Ia plus frappante des deux illusions
n'en font réellement qu'une", que nous voulons examiner. Elle consiste à croire qu'on pourra penser
l'ínstable par l'intcrmédiaire du stable, le mouvant par l'immobile".
38
39
M/I 11111 I IIJlIIIII dll I l' lI'tI '111 que I slm
reflexão bergsoniana marca-se por .uma recusa i~lciul de \I tllIl vcl, '111 11111111/1 111 mlrugcm dn Aus nela. To-
emprestar ao mundo o caráter de um sistema de objetos que .1/1 /I li -111/11 llus ,. I' 'P li 'um também sobre o esquema
se desata diante de um impassível sujeito teórico, transrnun- ti 11 pu 11 m d Nada a Ser. A ilusão da redutibilidade
dano e "não situado" 25. A finidade da consciência e a pos-
.I" 111( v 'I rei usa na suposição de que o móvel é dotado
tura "realista" conduzem a retirar da teoria do conhecimen- ti, 1/l1'1I0S ser do que o imóvel. E é esta carência de ser
to o privilégio de peça mestra do Saber. B o próprio eixo til". [usturncntc. corrói internamente - como um Nada im-
central da filosofia que se desloca para o campo da ontolo-
11 'I ' '1 uvcl em seu seio - o móvel e lhe empresta a sua
gia entendida como retorno à imediação da Presença: E, no mohilldadc, Ou, melhor ainda, que lhe rouba a imobilidade
interior da Presença, a ciência é definida antes de mais nada
U I(Ul' aspira. O movimento é o resultado de uma corrup-
como um modo de ser. É o esforço inverso ao da filosofia \ o, lc lima moléstia do próprio Ser, varado pelo Nada;
do conhecimento, que tende a definir o ser, a Presença, co- , 1I1~ como uma inata impotência de atingir a "plenitude"
mo correia to objetivo do saber científico. Daí o fato de Berg- .111 lrn bilidade. Podemos dizer que o movimento é a tenta-
son recusar a interpretação de sua filosofia como filosofia
I VII do móvel de sanar uma fratura interna que o separa
da intuição, tal como foi oferecida por Hóffding. Tal inter- dI' /li mesmo e da imobilidade. O ser imóvel é, portanto,
pretação desloca o centro gravitacional do sistema para a U'IU le que se impõe como tal a um Nada prévio, que lhe
esfera do conhecimento, alterando-lhe o sentido global. O ('I'V de horizonte e que sempre o espreita, como se pre-
fato de o conceito de intuição, em seu significado plenamen- I ndcsse reabsorvê-lo, dissolvendo-o em si mesmo. E é de
te novo, aparecer tardiamente no interior do itinerário de I mesmo, de sua plenitude própria, que o imóvel retira a
Bergson é, já de si, amplamente signif~cativo 26. B ~penas Illllidade com que se impõe ao Nada originário e o vence.
depois de esboçado e preenchido o sentido do conceito de 1'01'0 de si mesmo, nada encontra que pudesse mantê-lo no
duração que se determina o sentido da intuição. Esta ante- CI'. O ser imóvel é, portanto, aquele que, desde toda a
rioridade cronológica é também, aqui, uma anterioridade 1'1 .ruidade, é capaz de uma autoprodução, de uma sorte de
lógica: 'prova ontológica" da imobilidade. E é assim que, da pers-
A teoria da intuição, sobre a qual insistis muito mais do que li .ctiva bergsoniana, a idéia do Nada se apresenta como fru-
sobre aquela de duração, apenas esboçou-se a meus olhos muito lu de um pecado original da consciência em sua postura
tempo depois desta: deriva dela e sem ela não pode ser com-
1\' rica e gera toda a linhagem teratológica das pseudo-idéias
preendida 27
tllI inteligência fabricadora.
Há uma imbricação incontestável entre a reflexão metódica A. crítica da idéia do Nada tem como propósito fun-
e a descrição do real, mas a descoberta da duração do pen- darnental desmascarar a ontologia, cujo módulo fundamen-
sar (intuição = pensar em duração) é posterior ao pensa- 1111 é a Repetição, para desvendar os fundamentos da dura-
mento da duração e nele encontra seu fundamento e sua çuo como argumento de uma Ontologia da Presença. À Au-
origem. Isto é tanto mais claro quanto a filosofia de Berg- sência, que é a miragem instaurada pela práxis e que insti-
son é uma filosofia em que a descoberta do fundamento tui a Ontologia da Repetição, é possível opor o campo lumi-
é a manifestação da fonte. A teoria do conhecimento é per- 110S0 da Presença, como condição de possibilidade de uma
filada somente sobre o fundo de uma ontologia em vias de descrição da história do real enquanto contínua criação de
constituição. E a mesma relação revelada na face positiv~ novidade, enquanto ponto de confluência entre liberdade e
do conhecimento filosófico reproduz-se em sua face negatí- inteligibilidade: isto é, duração. Após determinar o lugar e
va: as ilusões que velam ou obscurecem a experiência d? <I importância da crítica da idéia do Nada, resta pôr em
Ser abrigam e fundamentam as ilusões que deformam a di- leia o estilo que a governa. os procedimentos que a levam
nâmica do conhecer. 1\ efeito.
40
outru l se. Nüo " tratu d demonstrar {I vucuidud de 11111
dogma através da demonstração da positividadc do do ma ",Idll I' '0111 111. ('Olll r I l, III t.a pl'l"~ /' 'I «' /IIUII·
oposto. O bergsonismo propõe-se, justamente, ultrapa sar 1'111I/ ", I' IIl'" '111' /I OIOsiçllo mtrc li dúvida e 11 aceitação
esta fase dia/ética da filosofia e desiste da eterna e estéril 11111111 tio dud I'CC brc H posição entre o patológico e o
oposição dos conceitos. Trata-se, pelo contrário, de expliei- 11111/11111. A dúvida e a exigência de fundamentação são aí
I I,u 1011 «lu C m a hesitação quanto à efetividade de um
[ar os pressupostos da tese criticada. E esse exame dos pres-
III pus mdo c com a reiteração obsessiva da verificação.
supostos obedece a um estilo que poderíamos chamar pslca-
'nalítico (e que poderia ser comparado àquele desenvolvido nlltudc teórica é, então, desqualificada enquanto tal, à
111 t1ld 1 que passa a ser julgada à luz de critérios psicoló-
por Gaston Bachelard no exame da história do pensamento
111 • Elo não traduz uma exigência puramente teórica, mas
científico 28). Para além da tese, a análise vai buscar um con-
li , 'nexo, no nível da vida teórica, de uma lesão no nível
teúdo latente que não aflora à consciência tética. Essa raiz
inconsciente é tematizada e nela se encontram os devaneios .I" vida prática. B uma moléstia da vontade que ocasiona
de uma imaginação irresponsável. A idéia do Nada é, assim, 11 IIl'CC idade obsessiva de confirmação e que se sublima e
1 I I 'matiza no exercício metódico e generalizado da dúvida.
submetida ao mesmo tipo de análise que denunciava, sob a
idéia de quantidade intensiva, a infra-estrutura de uma ima- Não se trata, apenas, como se poderia acreditar, da
gem espúria. Lá, aquela idéia era reduzida a uma imagem 111 r ação, pura e simples, de algum "sólido sentido da rea-
cujo fundamento ilusório era patenteado pela -análise: I dudc" contra as hipóteses fantásticas da filosofia. Não esta-
Nós nos representamos uma maior intensidade de esforço, por 11111 , enfim, diante de uma reivindicação do senso comum
exemplo, como um maior comprimento de fio enrolado, como IUI de spontaneo quodam impetu 33 que se insurge contra a
uma mola que, ao se distender, ocupará maior espaço. Na idéia \I ,p nsão do juízo e contra as "frágeis razões da metafísi-
de intensidade, e mesmo na palavra que a traduz, encontramos a
imagem de uma contração presente e, por conseguinte, de uma I 11". € bem verdade que há a recusa em demonstrar a tese
dilatação, futura, a imagem de uma extensão virtual e, se se pode 1110 ua: "E agora, o problema que este homem se formula,
assim falar. de um espaço comprimido 29. 11 resolvemos? Evidentemente não, mas nós não o for-
mulamos, eis nossa superioridade" 34. Mas esta recusa não
Aqui a análise começa também por interrogar a respeito da
nifica um voltar as costas à questão. O filósofo, se não
infra-estrutura imaginária da idéia de Nada.
demonstra positivamente a vacuidade da dúvida, pode mos-
Que universo imaginário se desata ante a interrogação ttur que a pretensa suspensão do juízo e a neutralidade quan-
que pergunta pelos bastidores inconscientes da idéia de I I à existência do mundo escondem, na filosofia da refle-
Nada? Desde início, esta idéia supõe que a existência é 11 • a aceitação tácita e dogmática de teses que, contraditó-
uma conquista sobre o Nada 30. A força da argumentação rins, só encontram fundamento no universo imaginário do
bergsoniana repousa no fato de pôr a nu a falsa radicalida- 1101710 [aber. E eis que, por uma estranha inversão, a crítica
de da pergunta pela razão última da realidade. Talvez reen- . faz dogmática e a ausência da preocupação crítica se
contremos aqui algo de semelhante à restrição schopenhaue- transforma na autêntica crítica, liberta de todo dogmatismo.
riana do uso do princípio de razão no interior do mundo
ta vraie critique se moque de Ia critique. E se há, assim,
fenomenal e a interdição de sua extensão à totalidade do
uma recuperação do senso comum, ela não se apóia na argu-
Real 31, Não nos devem induzir em erro os textos que pa-
mentação do próprio senso comum, mas é oblíqua ou indi-
recem emprestar à recusa bergsoniana da dúvida um con-
reta, revelando as potencialidades críticas da atitude natu-
ral e a ingenuidade da atitude crítica. A argumentação é
28 G. Bachelard, La formation de l'esprit scientijique; contribution
à une psychanalisc de Ia connaissance objective. O progresso do co· oblíqua, já que essencialmente é revelação da metafísica im-
nhecimen to é feito sempre contra as "evidências naturais", que exi- plícita nessa atitude: metafísica que consiste em perceber
gem, como obstáculo epistemológico, uma verdadeira caiarse. uma contemporaneidade, ao menos, entre o Ser e o Nada.
29 E.D.l.C., p. 3; p. 7.
.\0 E.C., p. 276; p. 728. .
31 O princípio de razão estrutura o universo do', objetos. Isto significa
2 P.M., p. 66; p. 1304·5.
que ele não pode aspirar a refletir o em-si. Schopenhauer. Le monde
comme volonté et comme réprésentation, v. I; § 2, p. 5. 33 Descartes, Meditationes de prima philosophla, p. 38.
34 P.Mo, p. 66: p. 1304-5.
43
Com efeito, a pergunta pelo fundamento do Ser 6011- l). 'l'u] o, di /111I. " I' IVII dn que
1111/1110
dária à suposição de uma Ausência possível. Mais do que dll IlIlId 11l\(1110do S 'I': ,lu 11110 UI1U1 qucsll O radical
isto, a pergunta supõe que a Presença é escândalo para ti li UPOSiÇl cs m ,ltlf(sicas. Pelo contrário, re-
razão e dela exige todo um esforço de assimilação, em con- 'ignifjcad em uma suposição inconfessa e
traposição à evidência do Nada. Em última análise, a Pre- cr surge sobre o fundo do Nada. Todo o
sença introduz, no interior dessa evidência do Nada e de em última instância, sua auréola negativa 39.
sua pura transparência, a irracionalidade do Ser, como som- 1\0 mesmo tempo, a descoberta desse pressuposto nos
bra, obstáculo, opacidade. O Nada não é aquele "mínimo I1l1du1.li lima consciência mais nítida de toda a história da
de sombra necessário ao aparecimento da luz" 35, mas a tlhl ollu, amo Heidegger, Bergson esboça a possibilidade
própria luz e, nela, o Ser aparece como núcleo de obscuri- I umn história da tradição filosófica que ilumina toda sua
dade, mácula. Há como que uma apodicticidade do Nada 1'11I111 rnática e seu desenvolvimento através da manifesta-
que confere ao Ser uma irremediável contingência. E toda I! de ruas molas latentes: as pressuposições que a tradição
a meta física tradicional - a filosofia da reflexão aparece I 1101'11 e que lhe governam as aspirações e as conquistas.
aqui como a forma mais acabada dessa meta física e como 1',,11ríamcs dizer aqui que o princípio da prioridade do Na-
a sua verdade - consiste na tentativa de ligar esses dois .lu princípio latente que atravessa a história da filosofia
termos, transferindo para o Ser a própria necessidade do I(u permite a compreensão de seus limites. B a crítica
Nada, roubando-o à sua secreta enfermidade. De qualquer 1111Idéia do Nada que termina o período de "incubação" 40
maneira, a Presença se dá sempre no horizonte de uma d 'princípio e que liberta a reflexão de seu fascínio,
Ausência prévia, e toda realidade aparece como que esten- '1llIludo campo para a filosofia nova. Pois é este princípio
dida sobre o Nada como sobre um tapete. "O pleno é um '1\1 justifica o desprezo pelo temporal e pelo empírico, esse
bordado sobre tela do nada" 36. A noção de Nada é mais uuço distintivo da filosofia através de toda a sua história.
primitiva do que a noção de algo. E o é a duplo título: I LI filosofia sempre se propõe como ideal uma contempla-
subjetivamente é a mais simples, não exigindo nada além li do real sub specie aeternitatis, é porque o que vem ao
de si mesma em sua concepção. E, sendo mais simples o li' (isto é, que do Nada vem à Presença) parece guardar
ato subjetivo que a concebe, é ela mais primitiva objeti- 111 de sua origem, uma insuficiência ontológica que se con-
vamente, sendo o ponto zero ou o limite mínimo na produ- I nna em seu desaparecimento, isto é, em sua volta ao Nada.
ção do próprio real. Assim como na ordem cartesiana das devir é o esquema do advento de um ser que não conse-
razões 37 o pensamento é inicialmente concebível em si mes- 11 por completo emergir do Nada e que é, por ele, reab-
mo apenas, átomo de evidência em minha ciência, para trans- orvido. Para essa filosofia, a realidade temporal "não pare-
formar-se, no interior da ratio essendi, em substância, rea- I t' suficientemente forte para vencer a inexistência e afir-
Iidade auto-suficiente, a idéia do Nada passa de idéia mais IIlUI'-se a si mesma" 41.
simples a épura de toda Presença possível, a priori onto-
lógico 38. \'I A crítica da idéia de Nada começa por uma descida aos funda-
mentes imaginários da negação. Encontramos, nos seg1;lintes ~er~os d~
35 Merleau-Ponty, Signes, op. cit., p. 188. lernando Pessoa, uma formulação exemplar dessa dissolução imagr-
36 E.C., p. 276; p. 729: "Enfin je ne puis me défaire de l'idée que le lI{.ria do pleno em seu "fundo" vazio: "Nothing with nothing around
plein est une broderie sirr le canevas du vide, que I'être est superposé II / And a few trees in between ... ". Cit. em João Gaspar Simões.
au néant, et que dans Ia répresentation de 'rien' il y a motns que Vida e obra de Fernando Pessoa, v. I, p. 95.
dans celle de 'quelque chose' ". 10 Heidegger realiza, em suas análises da história da metafísica, uma
37 M. Guéroult, Descartes selon l'ordre des raisons, v. I, p. 54: "L'or- "volta" aos fundamentos semelhantes à efetuada por Bergson. Cf. Le
dre des raisons autorise donc Descartes à tirer, dês Ia Il" Méditation, príncipe de raison, p. 248·9: "É somente no século XVII que Leibniz
à partir du moi pensant affirmé cotnme substance, toutes les consé- reconheceu como princípio fundamental a idéia, há muito tempo
quences requises pour Ia marche de Ia science, à condition "de s'en I; rrente, de que nada existe sem razão. Nesse pequeno princípio,
tenir au sens épistémologique de ce mot substance, sans empíéter sur nessa proposição geral, haveria algo de grande e de único a surgir?
le sens ontologique, qui pourra seule lui conférer ultérieurement Ia Durante esse tempo de incubação inabitualmente longo, era um des-
véracité divine, à laquelle est réservé le privilêge" d'investir nos idées pertar inabitual que se preparava, não admitindo, o pleno dia de uma
claires et distinctes d'une valeur objective". vigília, nenhum sono mais, menos ainda uma incubação, um sono
38 Ou a priori "objetivo" no sentido utilizado por M. Dufrenne, em no templo?
La notion d":a priori", p. 67. li E.C .. p, 276; p. 729.
44 45
'" 11 IIIU' 1 111 I '111111 llll qlll' o lIJ II() du 11\101<; o
Esta é a primeira característica da filosofiu trudl ilouul
1111 III 111\1 1'1\11'0 /lIIVlJ ' I,' IVü," iehc • engendra O seu
que se acha agora ligada ao princípio latente que a g VOI"
1111 10, «11'mo scnuo ele mesmo, Todo o pensar
001"0
na. E dela uma segunda, e não menos essencial, pode /:lCI'
I 10 (f 'o pu se,' aquela forma de pensamento em que
'li ti
inferida. O privilégio do eterno e a desqualificação do tem-
, d nttf'lcam verdade e certeza, consciência do objeto e
poral tornam-se privilégio do ser ideal e desqualificação do
'"11 'j n 'lu de i.
que se dá na experiência. Mais precisamente, o privilégio
da "realidade" não é atribuído ao objeto dado na experiên- ~ usslm que o ser passa a assumir, na metafísica tra-
cia, condenado a ser menos efetivo, mas àquele que, por dlrlon/ll, um estatuto lógico. Essa filosofia deve recusar as
definição, não pode dar-se a experiência alguma. :e na re- d, tcrmlnaçõcs físicas e psicológicas, já que não contam com
gião dos seres matemáticos e das proposições lógicas que " \ I rnldade e a autoprodutividade encontradas no nível do
111 I 'o, No vocabulário bergsoniano, psicológico, como mos-
se encontrará essa condição privilegiada, liberta das deter-
11111' 'mos adiante (capítulo IV, § 5), significa essencialmente
minações do tempo. Daí a inclusão da filosofia grega e da
filosofia moderna numa mesma categoria: quer se trate da Illllldode-no-tempo, realidade experimentada no seio da con-
I IIK ncia por oposição a essa realidade absoluta em que se
ontologia do gênero, quer se trate da ontologia da lei, em
d\ I Ilficam o ser-em-si e o ser-para-si:
ambos os casos encontramos a mesma oposição do ideal como
real ao experimentado como ilusório. Tudo se passa, enfim, S' me pergunto por que existem corpos ou espíritos antes que
utilizando a linguagem de Sartre 42, como se o ser presente, lindo. não encontro resposta. Mas que um princípio lógico como
;\ - A tenha a virtude de criar-se a si mesmo, triunfando sobre o
em seu projeto de tornar-se absolutamente necessário, isto ""da em toda a eternidade, isto me parece natural 44
é, indiferente às tentativas de reabsorção pelo Nada, se me-
tamorfoseasse em ser lógico, inteiramente autodeterminado. o mesmo tempo, compreendemos como a vocação de toda
Já que fora de si o real nada encontra, senão o Nada e seu 111 'Iof(sicaé a de estabelecer-se segundo os cânones da ne-
próprio nada virtual, é de si mesmo que deve retirar a sua I' sidade matemática e como, no espinosismo, são indisso-
necessidade. ecom suas próprias forças que deve contar d vcis o método geométrico e o conteúdo da metafísica. Essa
para emergir do não-ser. Neste sentido, uma das formas mais nrtlculaçâo entre a forma e a matéria se dá à medida que
puras dessa tendência em toda a filosofia se encontraria na 11 própria idéia do ens causa sui nasce de uma expansão ili-
recuperação hegeliana da prova ontológica. A recuperação mlrada do pensamento de estilo geométrico. A necessidade
da prova, contra a argumentação kantiana, exige a distinção I ica do pensamento matemático se desdobra e passa a pro-
seguinte: a relação entre existência e essência não se formu- [orar-se na necessidade do Ser absoluto, que se produz a si
la da mesma maneira no nível do finito e do infinito. Se '11 ismo para além do tempo e sobre o fundo do Nada.
no nível do finito há uma fissura entre ambas, ela deixa E:, portanto, a crítica da idéia do Nada ao mesmo tem-
de existir no nível do infinito e, nele, os termos se identi- pu uma crítica do argumento ontológico. :e a própria noção
ficam. O argumento kantiano é, diz Hegel, válido para os 11" necessidade que é posta em jogo, e não é a toa que Ma-
cem táleres, mas não para Deus: rltain 45 se volta vivamente contra o texto bergsoniano, pois
Pertence à definição das coisas finitas que nela se distinguem o II( vê o início de uma absorção de Deus pelo ser temporal
conceito e o ser, que conceito e realidade, alma e corpo são se- , a inscrição em sua essência de uma inaceitável contingên-
paráveis e que, assim, são cambiantes e mortais. A definição de
'ia. Ele aí vislumbra uma confusão entre duas questões: uma
Deus, contudo, é justamente que seu conceito e seu ser são in-
separados e inseparáveis 4~. legítima - que interroga pela causa do mundo, em si mes-
mo contingente; outra ilegítima - que rouba a Deus sua
O Ser é essa pura atividade, e absoluta, de que proce- necessidade e que culmina em sua inserção no contingente,
dem, e em que se identificam inteligibilídade e intempora-
lidade, idealidade e realidade. E este ato puro não é apenas 44 E.C., p. 276; p. 729.
um puro pensar-se, mas um produzir-se desde toda eterni- 1.\ r.
Maritain, La philosophie bergsonienne, p. 36-49. CL, em parti-
dade. Toda esta metafísica tende, como a seu fim natural, cular, p. 41: "Dês Je début de Ia discussion on confond deux problê-
mes, dont l'un esr légitime el nécessaire et l'autre absurde. TI est
ubsurde de chercher une cause à l'être de Dieu, íl est légitime et
42 Ver Conclusão, § 3.
nécessaire de chercher une cause à I'être du monde".
43 Hegel, Wissenschaft der Logik, p. 75.
47
46
E pode-se dizer que Marltaln tem l'OZ o: 1)1' I 10 de 11/1 1111dltth «111 I vuluc li dll Vdn, 1 tl l'OIl) I IIJlUI' 'l' 1111 f 10
Bergson é justamente compor urna ontologla livre da po- liI 11 d IIll' 011, I 111 I hl/ld ulc dll exllll n 'lu humunu
sição necessário-contingente. Como Merleau-Ponty, ele quer ti 11 trulurn cultural ( "lnt .rmundc' de Mcr] au-Pon-
descobrir uma região onde esses termos passem um pelo I ) li I I ilv z um I ubtcrrãnco para além das oposições
outro, compondo a noção mais larga de inteligibilidade 46. 1111( "11 I IlII'U Ii mo" e "cxistencialismo": a noção de estru-
A necessidade é fruto da ilusão retrospectiva, mas nem por 111111 ti" .ornp rtarncnto ou do organismo 48. Talvez haja uma
isso impera uma contingência absoluta no universo; há uma 1'" IRem que nos conduza daquela "longa camaradagem"
passagem inteligível, embora imprevisível, do passado ao 11111' ti natureza e os homens, de que nos fala Bergson 49,
presente. Toda antecipação é "aposta", mas o futuro, embo- 111111'I' "lrrelatívo" que não é a natureza em si nem a sub-
ra "novo", apresenta um "ar de família" em relação ao pas- II I vldadc pura, mas "aquela 'teleologia' de que fala Husserl
sado donde emerge. A existência humana 47 reformula, para III se escreve e se pensa entre parênteses - juntura e
Merleau-Ponty, em termos absolutamente novos, a oposição IIllkulação do Ser que se realiza através do homem" 50.
necessidade-contingência, pois nela a necessidade se faz con- Vemos assim a solidariedade íntima que une a pressu-
tingência e a contingência, necessidade. A experiência do 1'11 lç o do Nada e a totalidade da metafísica. Ao revelar-
homem revela a necessidade de tal configuração corpórea 1If() que a pergunta pela fundamentação do Ser não é radi-
determinada, isto é, sua inseparabilidade do sentido da aven- I 11 c traz em si apenas a ilusão de um começo absoluto, con-
tura humana global: e, assim, a contingência do "ter mãos, iI nundo a metafísica às antinomias do necessária e do con-
braços etc." é reabsorvida no quadro da antropologia com- I 1\ ente, do eterno e do temporal, abrimos, ao mesmo tem-
preensiva. Ao mesmo tempo, a necessidade e a inteligibi- po, passo a uma revolução na história da ontologia. Estabe-
lidade dessa aventura está suspensa apenas ao fato irredutí- h',' 'I' o caráter ilusório da idéia do Nada será destruir a
vel do surgimento deste homem neste mundo, e do surgi- muologia tradicional em seu fundamento derradeiro, trans-
mento deste mundo para este homem, já que o homem (e 1111 mando todos os problemas que constituíram sua matéria
mesmo o mundo que por ele se revela) é uma idéia histó- rru [alsos problemas, Ao absoluto "separado" da metafísica
rica, sempre aberta e inacabada. Da mesma maneira, para trndicional, que expulsa do seu interior o temporal e o vísí-
Bergson, tal estrutura da vida animal não é o fruto de uma ve], que se põe como necessidade absoluta, desqualificando
necessidade que a precede, mas a solução original encon- roda experiência de liberdade e contingência, contrapõe-se
trada pela vida em resposta ao desafio da matéria. Mas as ugora a hipótese de "um absoluto que agiria livremente, que
escolhas têm de ser viáveis e derivam de um impulso co- duraria eminentemente" e de uma filosofia que, reencon-
mum: a coerção da viabilidade, assim como a comunidade uundo o infinito presente no próprio seio do finito, poderia
da origem, faz com que elas convirjam, introduzindo uma li iscobri-Io na intuição e "que não mais exigiria os mesmos
ordem inteligível na evolução das espécies. Entre essa inte- ucrifícios do senso comum" 51.
Uma vez revelado o fundamento da metafísica tradicio-
nul em sua pressuposição inconfessa, resta agora tematizá-la,
46 Em especial quando assume a perspectiva marxista na interpretação
da história. Merleau-Ponty insiste que essa filosofia encontra a
inteligibilidade do processo, sem reduzi-Io, por isso, a um evolver IK A noção de "estrutura do comportamento" permite a passagem, na
determinado causalmente. A própria contingência é como que "recupe- l'iIosofia de Merleau-Ponty, da existência à vida: "La 'structure' est
111 vérité philosophique du naturalisme et du réalisme" tLa structure
rada" na totalização histórica e passa a ser por ela iluminada e a
iluminá-Ia. Cf., especialmente, Les aventures de Ia dialectique, "Le riu comportement, p. 241). De alguma maneira, a "estrutura" precede
marxisme occidental"; reencontramos a mesma idéia na obra de Sartre, 11 cisão entre o em-si e o para-si, entre o homem e a natureza. E é,
Cf. Critique de Ia raison dialectique, p. 116: "le hasard s'intêgre dans também, a noção bergsoniana de "organização" que lhe permite passar
ces véritables machines à [eed-back que sont les événements de do natural ao espiritual. Cf. V. [ankélévitch, Henri Bergson, p. 5-27.
I'Histoire ... ". 1'1 E.D.1.C., p. 12; p. 14-5: "La nature procede par suggestion comme
l'arr, mais ne dispose pas du rythme. Elle y supplée par cette longue
47 Merleau-Ponty, Phénoménologie de Ia perception, p. 199: "L'homme
curnaraderie que Ia communauté des influences subies a créé entre
este une idée historique et non pas une espêce naturelle. En d'autres
clle et nous. et qui fait qu'à Ia moindre indication d'un sentiment
termes, i1 n'y a dans l'expérience humaine aucune possession incondi-
nous sympathisons avec elle. commeun sujet habitué obéit au geste
tionnée et pourtant aucun attribut fortuito L'existence humaine nous du magnériseur".
obligera à reviser notre notion usuelle de Ia necessité et de Ia contin-
gence, parce qu'elle est 1e changement de Ia contingence en necessité 10 Merleau-Ponry. Signes. p. 228.
par l'acte de reprise". II E.C .. p. 277: p. 730.
48 49
II
traz -Iu do llmbo du 10[ nela b luz du un 11 XI U' tu, 1'11 111111 11qtH pu 11 IlIlI 111111' () 111\111110
u<llI'I()f' .omo 111?1 t'~1
sando-a pelo crivo da verificação -lntuitiva. Evldcnt mente
1 . u Cjlli' pod '1'11\ 1'VIII' I 'onvle~a o de que essa CXIS~ncra
não se pode esperar uma demonstração conceítual, pois li 11 \1 11'111.im /lI m ismu o S '10 ti, sua própria necessidade.
idéia do Nada é a suposição que está na raiz de todo pen-
Mil 'o 11111nd .xtcrior dissolveu-se. assim, numa espécie
samento conceitual, Trata-se de mostrar como ela não COI'-
ti 11111.1110 insondável, nem por isso deixa de subsistir o su-
responde nem a uma experiência pura, nem está implicada
l' Itl li '11" ato imaginário de destruição. A consciênc~a sobr~-
em qualquer experiência possível. Mais precisamente, há que
v VI 11 'S81:1destruição universal. E. com ela, sobrevive, a tt-
operar uma análise genética mostrando a origem da idéia do
IltllI de rcprescnração fndissociãvel, a experiência do corpo
Nada numa experiência no nível do misto, isto é, de uma
IlIlIpl'i . E, com ela, todo o passado dessa consciência. e o
quase-experiência que ignora suas insuficiências próprias. A
1IIIIv'I'SO que se abre como correIa to de suas expectativas.
quase-experiência do misto é uma antecipação que se toma
tl'IIVÓSdessa referência ao passado, ao tempo em geral, e
por experiência pura, que projeta, sem sabê-lo, seus esque-
111 corpo próprio, o mundo suprimido ameaça ress~rgir. de
mas no real, pensando aí encontrá-los pela primeira vez, reu-
1111 cinzas. Mas não pára aí a argumentação da imagina-
nindo numa unidade espúria o que em si é separado e desar-
no: 6 possível ainda imaginar um empobreci~ento voluntá-
ticulando organismos "naturais". Na impossibilidade de de-
I () progressivo da consciência, que dela retire toda ref~-
monstrar o sem-sentido da idéia do Nada, resta mostrar-lhe
I 1\'lu à. temporalidade. Esta consciência reduzida à mais
a vacuidade essencial.
\' trema penúria, isto é, circunscrita a uma realidade p~ra-
111IHC instantânea, não é ainda carente de todo conteudo.
§ 10. E incontestável que se fala do Nada. E os dis- I{~sta-Ihe ainda a consciência, extenuada embora, do estado
cursos sobre o Nada parecem supor uma experiência do Na- IIIIIUIdo corpo. Um passo a mais, e a imaginação suprime
da. Mais do que isso, o falar em geral postula o Nada como li tênue conteúdo dessa consciência instantânea: desapare-
horizonte do Ser. Como sistema instrumental, a linguagem ,', ndo deste modo todas as sensações do corpo próprio, mes-
- que tem como missão básica interromper o rio de Herá- mo no exíguo limite do instante. As sensações "desaparecem
clito, e nele recortar figuras de perfil nítido, permitindo a • "53 M'
1111noite em que já se perderam todas as coisas : ~IS
ação em geral e o comércio inter-humano - projeta o Nada lima vez, no entanto, é a imaginação vítima de uma ilusão:
para além do Presente e o reconstrói a partir desse fundo li advento do Nada absoluto imaginário a que se chega atra-
imaginário. Mas a filosofia passa a ser crítica e não mais v ~s da supressão da consciência dá-se em espetáculo .. Há al-
serva da linguagem. Seu esforço próprio é de procurar ver, uém que assiste a essa supressão total e que nos informa
para além do dito, o que é efetivamente pensado, isto é, 1\ respeito dela. O espetáculo exige o seu espectador e .:po~-
diretamente experimentado pela consciência. Resta, portanto, IfI para ele: o desaparecimento do mundo e da consc~:nc~a
saber se o vocabulário do negativo nasce de uma experiên- ~ contemporâneo do nascimento de uma nova consciencia
cia do próprio negativo. Para fazê-lo, examinamos uma expe- ou de uma consciência de segundo grau.
riência possível do negativo nos níveis sucessivos da imagi-
nação e da concepção propriamente intelectual: e este exa- A imaginação termina por encontrar um obstáculo insu-
me é o aprofundamento de uma discussão. Ela solapa os perável: esperando constituir a imagem de um Nada abso:
argumentos em favor da significação da Ausência, desde suas luto vê-se ela obrigada a reconhecer que seu alcance var
formas mais ingênuas, desde a simples supressão imaginária apenas até os limites do Nada parcial. Aprisionada no inte-
do dado. rior da Presença, não pode a imaginação extravasar os seus
limites. Ela reinterpreta os dados da experiência, mas não
A imaginação pretende chegar a uma experiência do pode jamais deixar de contar com eles. Ela pode esquema-
Nada através de uma série de eliminações: ele seria o resí- tizar dinamicamente o dado, no sentido de acentuar-lhe as
duo último de uma série de supressões imaginárias. Assim, tendências essenciais donde o seu uso filosófico não só pos-
num primeiro momento, posso, eliminando meu acesso sen- sível como também indispensável. Há um bom uso da ima-
sorial ao mundo, diluí-Io "no silêncio e na noite" 52. Isto sig- ginação, quando esta se corrige a si mesma através do mo-
50 51
vlrncnt da c n cl nela entre li dlv r 'U lmu 11 .: 11 di] Nu 11111 111 dll N 11111 III 011110, li (o l'oUll' I li,
rença entre as imagens lhes rouba a prctcn li r ipr '~(mta- 11101 1:1.11 1IU11l ponto 11 utro llu rlo '1111'
ttva dogmática e aponta para a possibilidade de uma pre: 1111 'I . nfl~lll'uÇ ., p ltivas:
sentação futura a ser efetuada, para além do imaginário, no
Nt' c vul- -vcm de ~lOSSO espírito entre o interior e o exterior,
contato intuitivo. O mau uso da imaginação tem seu exem- 11 um pont , situado a igual distância entre eles, onde parece
plo em seu emprego na elaboração da ilusão da Ausência. que jll 11 o percebemos um e que ainda não percebemos o outro:
Neste caso, é o contrário que acontece: não é o movimento 111 que se forma a imagem do nada 56
52 53
11111 III 1 ti 11ti , lu ,ti/li
1>11111111111 'O/ll! 1I1/lIJt 111'11 ilu
engendrar uma regra p ra t61'1ti , jitrav s de cujn I'It 'l'lIÇ "II/,I/II/d(/i/", I lu porqu 11 11 'j.(lIçttO IIJll > 'xp 'et ulvu c u
se constituísse - no limite - fi idéia do Nada absoluto: P' '1IIIlv, sup , I' ,t nçu a Idéill do Nada constitui-se,
Não há um único objeto de nossa experiência, com efeito, qu 1'1111111110, Ilr'UV de uma substituição inesperada. Ela sur-
não possamos supor abolido. Estendamos essa abolição de um I. assim. enquanto idéia, sobre o fundo de uma estrutura
primeiro objeto a um segundo, depois a um terceiro e assim por nmplcxa: ela supõe, de um lado, uma subjetividade que
diante, por quanto tempo se quiser: o nada não será outra coisa
nno puramente teórica, já que espera, prefere e valoriza
senão o limite a que tende a operação 57.
I to é, que projeta, para além da Presença, o universo real
Mas, para que a série das operações possa tender ã
1111lU nte dos valores -, e, de outro lado, uma objetivi-
idéia do Nada absoluto como para seu limite, é necessário .lndc plena e positiva em fluxo: e, nesta objetividade, a con-
que a reiteração da operação conserve o seu passado. É pre- tlnuldade sem falhas nem hiatos da duração, O Nada surge,
ciso que haja, de algum modo, uma acumulação de opera- pOl'tanto. da contraposição entre o dado e o desejado, entre
ções, que elas coexistam uma vez tornadas passado. Isto é, 11s 'r e o valor que é instaurado pela práxis: ele é a asso-
para que a série tenda ao seu limite absoluto, é preciso que duçõo entre "esse sentimento de preferência e essa idéia de
as operações não sejam contraditórias e não se eliminem re- ub tituição" 59. Este esquema dá conta da negação, tanto
ciprocamente, E toda a argumentação bergsoniana consiste du objeto do mundo exterior como do estado de consciên-
em mostrar como a passagem das operações finitas ao seu '11. Também a trama da duração psicológica não admite
limite infinito é justamente contraditória. Se o equívoco da hiatos em seu interior: a aparência do não-ser de um estado
imaginação consistia em tomar o Nada parcial pelo absolu- ti' consciência nasce da comparação com o passado ou com
to, o entendimento se equivoca ao levar ao limite o Nada t) futuro. O Nada, ainda no nível psicológico, reduz-se a um
relativo que, apenas, é capaz de gerar. Ao passar da aboli- 'não-mais" ou a um "ainda-não". E, nessas expressões, há
ção deste objeto à abolição de todos os objetos, incorre numa que sublinhar o ainda e o mais. Quer se trate do interior,
contradição de que se não apercebe. quer se trate do exterior,
Com efeito, o ato intelectual que abole um existente não C/ representação do vazio é sempre uma representação plena que
se resolve, pela análise. em dois elementos positivos: a idéia, dis-
cria um Nada, falha no interior da plenitude do real. A su- tinta ou confusa, de uma substituição .. e o sentimento, experi-
pressão, quer de uma coisa, quer de um estado de consciên- montado ou imaginado. de um desejo ou de uma nostalgia 60.
cia, corresponde à posição de um outro existente. Um "na-
da" de algo é, de alguma maneira, o "avesso" do ser de Se assim é, se a representação do negativo é a organi-
outra coisa. De tal maneira que esse nada vem ao mundo zação das várias representações cujo conteúdo é plena posi-
por obra e graça de uma subjetividade expectante, sem en- t ividade, torna-se inadmissível a sua generalização. Pois, nes-
contrar qualquer fundamento no real anterior ao advento 'e caso, a generalização da negação não "esvazia" a repre-
dessa subjetividade. sentaçâo do universo. Cada negação, em particular, dará
nascimento - como que "às suas costas" - a uma afirma-
Um ser que não fosse dotado de memona ou previsao jamais
pronunciaria as palavras "vazio" ou "nada"; exprimiria simples- ção simétrica. Mais precisamente, ela dá nascimento a um
:nente o que é e o que percebe; ora, o que é e o que percebe istema infinito de afirmações. Se pudéssemos pensar a abo-
e a presença de uma coisa ou de outra, jamais a ausência do lição levada ao seu limite, o seu resultado não seria a instau-
que quer que seja 58,
ração do Nada absoluto, mas a descrição do mundo real
em toda a sua riqueza, em todas as suas determinações.
A subjetividade da consciência é dada pela referência ao
Essa passagem ao limite é, porém, em si mesma, contradi-
tempo: uma consciência puramente instantânea (que corres-
tória: sendo sempre a negação uma afirmação do outro, ela
ponderia ao que Bergson chama de "percepção pura") seria
a adesão total ou a completa fidelidade ao objeto. Nela, dei-
59 lbid .. p. 282: p. 733: "Elle implique du côté subjectif une préfé-
xaria de haver qualquer distância, por mínima que fosse, rence, du côté objectif une substitution, et n'est point autre chose
entre o sujeito e o objeto. A negação supõe um mínimo de qu'une combinaison, Oll plutôt une intcrfércnce. entre ce sentiment de.
préfércnce et cette idée de suhsrltution".
57 Ibid., p. 280; p. 732. 60 Ibid .. p. 283; p. 734.
58 Ibid., p. 281; p. 733.
55
54
I I
c scmpr CS ncl 11m nt to '(li, p I' li 1111 diz 1', III (J ndml- 1111 I I 111 11 1111111 '" lU; lu, 1IIIIl' It11l11,II<1I1, "'11 1I111b ' I
te a conservação das negações antcri rcs no interl I' do '. I 1111111 I cc • ti I 11111I 1110(,:110; 'Iu 111' 'I1US ucrcsccntu uo uni
rie contínua constituída peja reiteração da operação, De al- VI I () li IH I' 'pr's '11111(,:O'S l\1~() como um simples .inal 11L'
guma maneira, podemos dizer que a tarefa de constituir ti 1\1 vn,
idéia do Nada absoluto pela série das negações parciais 6
Mas, que significa este "acrescentar um sinal negativo"?
um trabalho de Sísifo: sempre a recomeçar e jamais termi-
l)1I' modificação sofre a representação ao ser assinalada pelo
nado; a negação é sempre, no caso, relativa, De maneira
11 HutivO? Não há, é evidente, uma transformação do conteú-
que a miragem da Ausência retira sua substância da pleni- 1- .,., - ,
tude da Presença global. O Nada é uma miragem em vários
I representação. é a mesma representaçao, com seus pro-
IIli UI
56
IlIldll 11111' til" di 111 111111 qru I 11 1'1 111 tllld 11 II I I' '1'I()dll~
rtuca da razao pura, onc ito do 11111I1 11 gatlvun, upnr 't:l' 1111 1I vel du II Il'lI 1I1 111111110 1111.
c?mo u,m conceito que se destrói a si mesmo, 6 porque ele Mus 'slu almctrlu nu organlzaçuo d s conceitos dc Nada
nao mais se coloca no nível puramente lógico mas no transccn-
dl''I' do rcp US/;lnuma suposição até agora não examinada:
dental, que i~clui a referência do discurso no nível dos obje-
I11 scrã verdadeira se a afirmação e a negação forem ope-
tos, A bem dizer, Bergson não distingue as várias modalidades 111,'( ., também simétricas, E toda a argumentação bergsoniana
do negativo, ens rationis, nihil privativum, ens imaginarium
rOI) 'j uc cm revelar O caráter ilusório desta simetria, Mas, para
e nihil negativum, reduzindo a um mesmo nível todos os
I I~ -10, Bergson deverá reintroduzir a referência ao mundo
diferentes estratos separados pela crítica de Kant. Mais adian-
dos bjetos. Pois o caminho para romper a simetria entre a
te (capítulo 11, § 8), examinaremos, em seus fundamentos,
uflrmação e a negação é o caminho esboçado na lógica de
esta simplificação da crítica na obra de Bergson. ri uóteles 66, em que jamais a análise das estruturas do dis-
Torna-se, assim, possível, ainda neste nível, demonstrar (111' 'o é feita sem a referência aos objetos do discurso. Nem
que o n,egativo surge como derivado do positivo, como som- poderia deixar de sê-lo, pois para Bergson a lógica é, sempre,
bra projetada em seu interior pela subjetividade, Ele não o descrição de uma região da realidade; os princípios lógicos
precede, como o Caos ao Cosmo, ele é um subproduto da SI! ,antes de mais nada. princípios sintéticos que definem um
rlêncla direta e pré-prcdlcatlva, com "c! prlmltlv 11111111<111, II I I' 'I -rmln 11':110 ~ 111 'lu 1qu • nrlo Ih
111 1It1 I ermlt •
cioso com a Presença, que se esboçam as estruturas d dis- 11 ptrnr 111' m 1 condlçuo ti' uf'Irm 1<,:110. Atravé dessa análise
curso e é nela que deve começar a análise do juízo. Ú por d" 1If1I'I11U<,:1 c da negação, chegamos portanto a uma conclu-
isso que para Bergson, assim como para Husserl, o problema I ) que nos proíbe pensar na possibilidade de uma constru-
da negação aparece como problema de "genealogia". Tant çuo ímétrica das' idéias de Todo e de Nada:
um como outro procuram determinar o "nascimento" da ne- " portanto. em vão que se atribuiria à negação o poder de criar
gação numa esfera mais primitiva do que a da lógica consti- idéias sui generis, simétricas àquelas criadas pela afirmação e diri-
tuída. Para Husserl, é no interior do campo definido pela gldas em sentido contrário. Nenhuma idéia sairá dela, pois ela
não tem outro conteúdo senão o do juizo afirmativo que ela
experiência receptiva, pela percepção "normal", que nasce julga 71,
o negativo como ruptura das expectativas da percepção. A
negação é "sempre limitação parcial sobre o solo de uma per- Poderíamos dizer que as idéias de Todo e de Nada não pos-
manente certeza de crença e finalmente sobre o solo de uma iuem a mesma extensão, e que a idéia de Nada é sempre
universal crença no mundo" 69, à medida que a decepção da lima sombra fugidia e parcial no interior do Todo. Não é o
percepção supõe o horizonte da percepção. E, assim, a negação Nada que serve de fundo para o Ser que dele surge, mas é
aparece como derivada da afirmação universal de que ela é o Nada que sempre surge sobre o fundo do Ser.
modificação sempre parcial. Mas Bergson vai além de Husserl.
Não lhe basta mostrar o nascimento da negação no interior § 14. Toda esta análise dos pressupostos da imagina-
do sistema da crença ou da Presença, Já que o juízo negativo ção e da concepção do Nada procura responder à seguinte
não descreve um estado de coisas, mas marca uma "surpresa" questão: Em que pensamos nós quando falamos do Nada?
ou um "aviso", ele deixa de estabelecer uma relação mera- Efetivamente nada pensamos, não pensamos ao falar do Nada.
mente especulativa entre o sujeito e o objeto, Ele introduz Mais precisamente, pensar o Nada é uma forma equivocada
um terceiro elemento entre o sujeito e seu objeto: um inter- c insuficiente - em todo caso, oblíqua - de pensar o próprio
locutor. A negação transforma-se, assim, num instrumento cuja Ser. A negação visa, as mais das vezes sem sabê-lo, vacua-
função é a função pedagógica e social de povoar o campo da mente o próprio Ser.
experiência de sinais que orientam o comportamento do outro,
Uma vez reconhecido o caráter subjetivo e prático da
poupando-lhe a decepção e o erro. A sua reflexidade - juízo
idéia de Nada, resta descobrir, ou explicitar, as razões da
sobre o juízo - é de natureza afetiva e prática: "Ela é de
permanência e da solidez com que se instaura a miragem da
essência pedagógica e social" 70. Mola secreta do diálogo, com-
Ausência, isto é, a pretensão do uso teórico do negativo.
preendemos por que a negação está nas origens da dialética
Como, com efeito, pode a inteligência, em sua depuração e
conceitual qUe afasta a consciência do acesso solitário à posi-
objetivação progressivas, deixar de pôr a nu o caráter extra-
tividade do Ser e a faz perder-se nos iâola tribus da metafísica
intelectual da idéia do Nada? Se assim nos pudermos expri-
tradicional.
mir, a razão da insistência na ilusão reside no caráter extra-
Ao mesmo tempo que demonstramos o caráter reflexivo- intelectual da própria inteligência. O paradoxo é apenas
prático da negação, abrimos a possibilidade de mostrar como aparente: a inteligência é marcada por uma vocação essencial-
ela não corresponde a um ato completo do espírito, como mente prática, E esta vocação se inscreve em sua própria
ocorre com a afirmação. Prevenindo um erro possível, isto é, estrutura, definindo o esquema de suas categorias fundamen-
uma afirmação inadequada, ela nada mais faz do que apontar tais. Bergson dissera, formulando a ficção de uma inteligência
a necessidade de substituí-Ia e substituir-se por uma segunda puramente especulativa. que
afirmação, agora integralmente adequada ao estado de coisas
U pleno sucede sempre o pleno e uma inteligência que fosse ape-
visado. Se, portanto, nega uma afirmação inadequada, ela nas inteligência. que não tivesse nostalgias nem desejos, que regu-
lasse seu movimento sobre o movimento de seu objeto, nem se
quer conceberia uma ausência ou um vazio n
69 E. Husserl, Erjahrung und Urteil, Untersuchungen zur Genealogie
der Logik, "Der Ursprung der Negation", p, 98. 71 Ibid., p. 289; p. 740.
70 E.C., p. 288; p_ 739. n Ibid .. p, 282: p. 734,
60 61
MWI umu IIj fAli '111, 11 111 ti purtuln 1\
dll Nlldll 11,,,tllI:I. ('OIlUl I,,, IId, rlu 111 11 11 '111:' (
de ser lntcligôncla pura l !'11M- 11'\11Ilçuo. O ellJ'6j I' nclul- /I 'dlkll du 1"1 11 "'111 dn 1111 til! em que P rmll dcsmus-
mente "cinematográfico" da inteligência consiste [ustam nt de prlorldnd . tio possível. S6 ela revela que:
em não seguir o movimento do objeto, em não obedecer a
"fio da experiência" e de reconstituí-lo no campo do descon- Whlll mlRhl hnvc bccn is 1111 abstractíon
R mldnll1!1 tI pcrpetual possíbility
tínuo, introduzindo um intervalo entre as suas pulsações tor- Only In II world of speculation 7>,
nadas "fases". A sua essência consiste, justamente, em tecer
a positividade sobre a tela de um Nada originário. ~ a mira- 8 s6 no interior da linguagem que a negação se apresenta
gem da Ausência uma miragem que prolonga suas raízes na -omo simétrica da afirmação. Mas todas essas simetrias, todos
própria estrutura do entendimento e que se objetiva como a scs dualismos inscritos na estrutura da linguagem, esse arse-
sua vocação essencial: nul da inteligência, limitam-se a ela e não traduzem a pulsação
A razão [da obstinada afirmação da simetria entre afirmação e ti real: elas são, antes de mais nada, significativas do abismo
negação] é sem dúvida que a afirmação e a negação se exprimem, que existe entre o que é dito e o que é. Ao retomar a uma
uma e outra, através de proposições. e que toda proposição, sendo 'xpcriência silenciosa ou pré-predicativa de coincidência com
formada de palavras que simbolizam conceitos, é coisa relativa à
vida social e à inteligência humana 73, O Ser, a consciência descobre a inadequação nativa da lin-
uagem,
.E a volta ao pré-predicativo que revela as raízes da miragem. Esta descoberta do pré-predicativo ou do "pensamento de
Mas o imperativo da volta ao pré-predicatívo tem um sentido contato" pode ser feita em dois níveis diferentes: aquém e
diverso daquele que assume na fenomenologia e no existen- nlérn da linguagem, no instinto e na intuição, no pré-humano
cialismo. ~ que para Bergson o movimento que oculta e reco- , no sobre-humano. Se o instinto é uma forma de consciência
bre a experiência imediata - o "esquecimento" da Presença fascinada - em que a consciência do objeto não é acompa-
~ é já obra da própria linguagem. Para os existencialistas e nhada pela consciência de si - que, no entanto, apreende
para os fenomenólogos, a coincidência com o imediato não O Ser par le dedans, e a inteligência uma consciência desperta
suprime toda distância - já que toda consciência é distância que o manipula par le dehors, a intuição, guardando a solércia
- e a linguagem é capaz de veicular a "verdade" do imedia- tia inteligência, recupera a interioridade do instinto. A lingua-
to. Daí Merleau-Ponty dizer, em parte contra Bergson: gem é a estreita faixa que circunscreve o domínio da experiên-
cia humana. Mas ela não -a condena a permanecer para sem-
E preciso portanto crer que a linguagem não é simplesmente o
contrário da verdade, da coincidência que há ou que poderia haver pre dentro de seus limites. É como se a linguagem fosse dada
- e que é o que ele [o filósofo] procura - uma linguagem da ao homem para que, por ela libertado do imediato enquanto
coincidência, uma maneira de fazer falar as próprias coisas 74-. objeto de uma consciência em torpor, pudesse ao imediato ser
restituído através de uma espécie de supra-silêncio, pleno de
Pois, para Bergson, a coincidência com a Presença é, de algu- consciência e de conteúdo. Para essa consciência reconduzida
ma maneira, supressão da linguagem, já que a linguagem nada
à Presença, a miragem da Ausência se esfuma e cede lugar à
mais é do que o "meio de descontinuidade" que permite à
mais plena posirividade.
inteligência destruir a continuidade do real. :É assim a lingua-
Mas, no seu momento polêmico, não é o céu da intuição
gem uma das raízes da secreção do negativo e das demais
que pode ser oposto à miragem da Ausência e à sua obstinada
miragens do entendimento. Através do seu funcionamento são
dialética. Toda polêmica é por definição, na filosofia de
fabricados os dualismos não apenas do Ser e do Nada, mas
Bergson, uma preparação dialética para a experiência direta
também do móvel e do imóvel, do real e do possível, em que
do Ser: não há um demonstrar, há uma introdução ao mostrar.
cada termo reivindica a prioridade sobre o outro. O possível
Há portanto que descer aos infernos do instinto para sugerir
passa a ser uma espécie de "espelho" do real, a ele simétrico,
o que poderia ser uma experiência pré-lingüística do Ser e
instaurando-se assim o dualismo entre o que é e o que "pode-
revelar como aí não se daria nenhuma significação negativa.
ria" ser. Esta ilusão da mesma natureza e derivada da ilusão
73 Ibid., p. 291; p. 741. 7ST.S. Elliot , Four Ouartets, p. 7. Na tradução portuguesa de Maria
Amélia Neto: "0 que podia ter sido é uma abstração / Permanecendo
74 Merleau-Ponty, Li! vislble et Z'invisibZe, p. 167,
possibllidade perpétua / Apenas num mundo de especulação".
62 63
E, para Iazê-lo, 1'1' cI o P I'UI' UI11U I' -,. ti l'Il1pohl' '. lI/li'" n II 111 "", J) 'o lu JlIII'/1 ) I' 111. 11
rnento ideal da inteligência. O tratamento o qu uqul uh- 1111111 I lIlPt;.'uf dudo luv rtldu m qu LI "con-
metida a inteligência é paralelo àquele que lhe r UbAI'A O 11 vldadc" ccd lugar u destino: ela capta
interesse prático e que, de algum modo, a transformara em
intuição. Agora, empobrecida de seus instrumentos lingüísti- , mo veria o trajeto de uma viatura um viajante que olhasse para
cos e dos recursos da reflexão, tornada pura passividade dian- Irás não quisesse conhecer a cada instante senão o ponto em
te da experiência, ela se aproxima do instinto como de seu que ele deixou de estar; ele não determinaria jamais sua posição
atual senão em relação àquela que acaba de abandonar em lugar
termo ideal: no seu "torpor" - o mesmo vocábulo empre- de exprimi-Ia em função dela mesma 78.
gado para a definição da vida vegetativa - ela acompanharia
o curso de seu objeto sem desdobrá-Io no possível, sem des- tempo deixa de ser criação para tornar-se destino à medida
cobrir-lhe o mínimo hiato, a mínima fissura de negatividade: que o presente é sempre algo que já estava escrito no passado.
Para que uma inteligência semelhante chegue a negar, será pre- A ficção de uma inteligência puramente passiva ter-nos-á,
ciso que ela desperte de seu torpor, que formule a decepção de 11sim, levado à descoberta da plena positividade da experiên-
uma expectativa real ou possível, que corrija um erro atual ou
eventual. que se proponha, enfim, dar lição a si mesma e aos
cia e do presente vivo, isto é, do presente fluido que não se
outros 76 opõe ao futuro nem ao passado, mas que é a Presença do
real à consciência. O presente bergsoniano não é nem o ins-
Depurando o dado de tudo o que é sobre ele depositado tante cartesiano nem o instante aristotélico: ele é o horizonte
por uma inteligência demiúrgica - pela práxis humana em que permite que a consciência tenha acesso ao Ser. O êxtase
geral -, a consciência abre caminho para uma nova onto- da consciência que se perde no torpor do puramente atual
logia, em que não há lugar para o negativo, A negação nada desenha já a possibilidade dessa forma de consciência que é
tem que ver com a diferença, ou seja, a feição peculiar do sempre contato e absoluta adequação: a consciência intuitiva.
experimentado. O seco e o úmido são apreensíveis em si mes- c o presente é o horizonte dentro do qual é possível que
mos e jamais a apreensão de um indica a apreensão do outro. algo apareça a uma consciência, é porque nele esse algo se
O seco somente pode aparecer como não-úmido para uma produz para essa consciência, que é a consciência da lei inter-
consciência que não adere à experiência, que não vê o dado na de sua produção, Essa adequação absoluta é que é chamada
com olhos virgens e que o decifra segundo um vocabulário por Bergson de simpatia e que caracteriza tanto o instinto
ideal a priori dirigindo sua leitura. O dado passa a ser perce- quanto a intuição: é o próprio espírito que se torna transpa-
bido na sua distância em relação ao esperado e é, assim, rente para si mesmo. Mas ao mesmo tempo vemos, na dis-
internamente desqualifícado. O "não é isto que eu esperava" tinção existente entre intuição e instinto, que a intuição sim-
transforma-se, através dos sofismas da inteligência, em não- pática não é uma fusão sentimental com o objeto: ela é re-
ser puro e simples. O que "deveria ser", o seu texto a priori, reflexão 79 que se aproxima do máximo de clareza possível,
torna a consciência cega para o efetivamente dado e a torna a clareza de um "pensamento divinamente criador" 80.
incapaz de uma efetiva leitura, isto é, de uma leitura que a Se retomarmos a ficção da inteligência puramente passiva
transporte para além de si mesma, para o próprio seio da que nos levou à descoberta da plena positividade do Ser e
realidade. Como o poliglota maníaco que inverte a relação começarmos a reintroduzir nela os recursos que dela retira-
significante-significado - procurando a comunicação para
aprender a língua e não aprendendo a língua para ter acesso 77 lbid., p. 293; p. 743.
à comunicação -, a consciência intelectual vai à experiência 78 lbid., p. 293; p. 743.
para encontrar a confirmação de suas expectativas e jamais 79 P.M., p. 95; p. 1328: "Nous ne dirons rien de celui qui voudrait
que notre 'intuition' füt instinct ou sentiment. Pas une ligne de ce-que
para reformular suas antecipações à luz do que se torna nela nous avons écrit ne se prête à une telle interprétation. Et dans tout
presente, Para que a negação seja possível, para que se efetive ce que nous avons écrit il y a l'affirmation du contraire: notre
esse desprezo do dado em função do antecipado, é preciso intuition est réflexion",
"voltar as costas à realidade, que corre do passado para o 80 Ibid., p. 66; 1304: "Car nous sentons qu'une volonté ou une
pensée divinement créatrice est trop pleine d'elle-même dans son
imensité de realité, pour que l'idée d'un manque d'ord~e ou d'un
76 E,C., p. 292; p. 742. manque d'être puisse seulement l'effleurer".
64 65
!TI S asslstlrcmo n ou LI I1U ilm 111) d I 11 11'
1111111 I" I "fi /I I" 11111/1 (\lllq\l 111
Dotado de memória e de dlsccmlmcnto, cnt ndlm nto co- IIhll 11 Nudn, A 1111 , c du 1111/1 111m; o tio Nudu I v 11110
meça por apreender o presente à luz do passad e, de se con-
tI\l '011' 110 do NlIdu do Ju(zo negallvo, e em lodos os
traste nasce também a noção do possível. A gênese da nega-
1110111 nl lIC '!lsivos dCSlll v Ita às fontes, a negação revelou-
ção é: ao mesmo tempo, gênese do possível. A pr~je~~o do 'OU) lIIl1L1 afirmação indireta ou indeterminada. E, final-
negativo e do possível é portanto obra ~e, uma sub]etlv!?ade 111I111 " u ilusão da Ausência, analisada em si mesma, condu-
que, já liberta do imediato, tenta dominá-lo em função de
I \I IlO l ua raiz antropol6gica essencial: a práxis como
valores, E, no centro desses valores, o valor d~ interesse vital. fi/'( dut ra do negativo, como experiência de uma Carência,
Neste sentido a descrição bergsoniana do surgímento do nega- 1111 I 'no mundo.
tivo é correlata da descrição sartriana em L'être et Ie néant.
Lá também a análise do negativo levava à descoberta da sub- Mas, desde seu início, esta análise destrutiva, esta disso-
jetividade (o ser-para-si), e a descoberta da subjetividade com? 1111,: contínua dos preconceitos mais arraigados nos arcanos
secreção de negatividade permitia funda~ as noções d~ POSSl- do 'ntendimento, apontava para seu propósito fundamental e
bilidade e valor na negação, Sartre aproxlma-~e mal~ amd,a da 11( ltivo: a constituição de uma ontologia da Presença, Ela
descrição bergsoniana na Critique de Ia r~ls~n. dlaIeetlq~e, 110 permite a descoberta de que "uma realidade que se basta
quando é o besoin, definido como forma pnmana ~e relacio- 1/ I mesma não é uma realidade estranha à duração" &3, e que
namento do organismo com seu meio, que faz surgir o nega- oruologia tradicional que pensa o Ser sub specie aeternitatis
tivo como manque 81, possível opor uma filosofia que mergulha o absoluto no
rmplrico, no tempo, e em que as essências banham-se na
A genealogia da negação culmina, portanto, na sua defi- /11 lomorfose contínua do mundo visível, em que o Ser não
nição como forma humana de comportamento e na su~ ex~ul- I I eparado dos entes, E que é, portanto, necessário
são do arsenal de conceitos do pensamento especulativo, Isto
é, do pensamento que pretende captar o un~verso objetivo sem hnbituar-se a pensar o Ser diretamente, sem fazer uma volta sem
fuzer uma volta, sem se endereçar inicialmente ao fantasma do
as mediações dos instrumentos e sem o veu do antropomor- nnda que se interpõe entre ele e nós. É preciso, aqui, procurar
físmo, Posto que essencial à constituição do univer~o hu~ano, ver por ver e não mais ver para agir. Então o Absoluto revela-se
o seu conteúdo não é diverso do conteúdo da afirmação: a muito próximo a nós e, em certa medida, em nós, Ele é de essên-
ela psicológica, e não matemática ou lógica. Ele vive conosco.
idéia do Nada absoluto nada mais é do que a idéia do Todo orno nós, mas, de certos lados, infinitamente mais concentrado e
mais recolhido em si mesmo, ele dura 84.
mais um movimento do espírito que salta indefinidamente
com, a , eu lugar
de uma coisa à outra, que se recusa a permanecer em s, d'
e concentra sua atenção sobre esta re:us~, nao determinan o Mas que é este Absoluto presente? Inicialmente, podemos
jamais sua posição atual senão em relação aquela que acaba de rllzer que a crítica do emprego especulativo da negação abre
abandonar 82
li ISSO a uma crítica da filosofia crítica em termos semelhantes
I ruela que é efetuada por Hegel, na sua introdução à Feno-
11/ snologia do espírito, Como o Hegel desse texto, Bergson
111
I' icusa-se a estabelecer um abismo entre a consciência e o
dans le besoin: c'est le premier rapport t?tali~ant de. cet etre matériel, crição direta do real. O Furcht vor dem Irrtume (medo do
l'homme, avec I'ensemble matériel dont li fait partte. Ce r~pport est »ro) que está na origem da reflexão prévia sobre o limite
univoque et d'intériorité. Par le besoin, en effet, lI:1?para1t ~an~ Ia
matiêre Ia premiêre négation de négation et I~ preml~r~ totah~atlOn, o alcance do conhecimento é, na realidade, um Fureht vor
Le besoin est négation de négation dans l~ mes~re ou u ~~ ~:nonce der Wahrheit (medo da verdade), O medo do erro ou da ver-
comme un manque à I'intérieur de l'orgamsme: II est posítívíté dans
Ia mesure ou par lui Ia totalité organique tend a se conserver comme Kl Ibid., p. 298; p. 747.
telle". "" Ibid., p. 298; p. 747.
82 E.C., p, 295; p, 745.
K~ Hege!, Phiínomenologie des Geistes, p. 64-5.
66
67
dade funda-se num equívoco u I' p It du tatureza do A o· MI rülc lei lu d Nnd I 11> I1U P rmltlu
I LI I
luto: funda-se na suposição de que a consciência pode ar I III 01 ti dlvl r c.I ti lIU ntr O sub] tlvo e o obje-
U/1l
exterior ao próprio Absoluto. E, assim, a consciência' que rlvo, m clnrccer a própria noção da Presença que lhe dá
interroga colocada no próprio interior do Absoluto; ela pos- níld como télos a que tende toda a crítica. Resta agora
sui uma espécie de familiaridade primitiva com o Ser. A con- IIlU (r'm' como a subjetividade e a objetividade se organizam
versão 110 Saber não é um salto absoluto; a aporia de Menão comunicam. Se a subjetividade é sinônimo de negatíví-
é um falso problema. O Saber é desde início possível, já que dlld , resta agora revelar o seu surgimento no interior do cam-
a subjetividade participa do próprio Ser. Se esta consciência po da P~esença. O nosso próximo passo será a determinação
se liberta dos fantasmas do negativo, nenhum véu a separa <lu maneira pela qual a própria subjetividade se torna presente
mais da verdade e ela se torna capaz da plenitude de um l'III'a si mesma através da liberdade. A presença interna é o
conhecimento desinteressado. De um conhecimento que, sendo Iunto de partida natural da exploração da Presença em geral.
desinteressado, não deixa de ser acompanhado pela plenitude
afetiva da alegria.
Mas, se assim é, é porque este Absoluto se revela na
proximidade de nosso ser e em nosso próprio ser. E a própria
consciência que se descobre, agora não mais nas "imediações"
do Absoluto, mas identificada com ele mesmo, participante;
Ela não se separa dele nem por aquela distância infinitamente
pequena que separa o sujeito do objeto, ela é o Absoluto e
ele é de "essência psicológica". Há entre o Absoluto e a cons-
ciência apenas uma diferença de grau, e não de natureza;
ele a transcende apenas à medida que, durando com e como
ela, a sua duração é "infinitamente mais concentrada",
68 69