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Revisão técnica

Victor Luccas Nóbrega


Doutor e mestre em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito
da Universidade São Paulo (USP) e bacharel em Direito pela Escola
de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito
SP). Atua como professor e líder de projetos no Centro de Ensino e
Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP e como advogado em
São Paulo.
APRESENTAÇÃO DO CURSO ......................................................................................................................................... 1
OBJETIVOS ................................................................................................................................................................................................. 1
Objetivo geral ............................................................................................................................................................................. 1
Objetivos específicos............................................................................................................................................................ 2
AUTORES DA APOSTILA .................................................................................................................................................................. 2
ESTRUTURA DO CURSO ..................................................................................................................................................................3
BIBLIOGRAFIA COMENTADA ........................................................................................................................................................4

INICIANDO O ESTUDO ..................................................................................................................................................... 7

UNIDADE I – OFENSAS NA INTERNET....................................................................................................................... 9


DENÚNCIAS NAS PLATAFORMAS DA INTERNET ..................................................................................................... 10
MEDIDAS JUDICIAIS .......................................................................................................................................................................... 10
OS HATERS E O PROBLEMA DO ANONIMATO ............................................................................................................. 13

UNIDADE II – DISCURSOS DE ÓDIO ......................................................................................................................... 15


DENÚNCIA ............................................................................................................................................................................................... 19

RECAPITULANDO............................................................................................................................................................ 22

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................................................. 23

GLOSSÁRIO........................................................................................................................................................................ 26
APRESENTAÇÃO
DO CURSO
As agressões e outros atos motivados pelo ódio não acontecem apenas mediante violência
física, mas também por meio da violência verbal, no plano das palavras e dos discursos que são
proferidos contra indivíduos e grupos da população. A internet e os seus espaços mais utilizados,
como plataformas de vídeo e redes sociais, são um dos palcos desse comportamento, que pode ter
consequências perversas sobre o bem-estar e a segurança das vítimas. Sendo assim, entender como
essas práticas se dão na internet e quais são as modalidades por meio das quais se manifestam é
fundamental para o seu combate e prevenção.
Além disso, esse é um importante tema a ser trabalhado junto aos adolescentes, uma vez
que ofensas e fenômenos como o discurso de ódio esbarram em muitas das situações por eles
vivenciadas na internet, perpassando, por exemplo, o conteúdo presente naquilo que leem e a que
assistem na rede.
Por meio das categorias “ofensas na internet” e “discursos de ódio”, o presente curso propõe,
portanto, apresentar esse panorama da expressão do ódio na internet, mostrando algumas
ferramentas que podem ser usadas para prevenir e combater a sua ocorrência.

OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Identificar práticas de ódio que ocorrem na internet e buscar a forma mais adequada de lidar
com cada uma delas.

1
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
 diferenciar ofensas comuns de discursos de ódio;
 adotar comportamentos contra essas práticas e
 compreender as ferramentas fornecidas pelas redes sociais e pelo Direito para enfrentar a
questão.

AUTORES DA APOSTILA
Cesar André Machado de Morais

Mestrando em Direito e Desenvolvimento pela Faculdade de


Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV
Direito SP) e bacharel em Direito pela Universidade de São
Paulo (USP). Atua como pesquisador do Centro
Internacional de Direitos Humanos de São Paulo (CIDHSP)
da Academia Paulista de Direito (APD).

Guilherme Forma Klafke

Doutorando (2019) e mestre (2015) em Direito


Constitucional pela Universidade de São Paulo e bacharel
(2011) em Direito pela Universidade de São Paulo. Atua
como colaborador na Sociedade Brasileira de Direito Público
desde 2011, onde coordenou a Escola de Formação Pública
(2017), e também como líder de projetos e pesquisador no
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito
SP. Foi professor de Filosofia do Direito na Faculdade de
Direito de São Bernardo do Campo (2017-2018).
Atualmente, coordena e desenvolve pesquisas nas áreas de
Direito Constitucional, Jurisdição Constitucional, Ensino
Jurídico, Ensino Participativo, Direitos Humanos Digitais e
Filosofia do Direito.

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Stephane Hilda Barbosa Lima

Doutoranda (2019) em Teoria do Estado pela Universidade


de São Paulo, mestre (2018) em Direito Constitucional pela
Universidade Federal do Ceará, especialista (2016) em
Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola
Jurídica Juris e graduada (2014) em Direito pela
Universidade Federal do Ceará. Atua como pesquisadora no
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito
SP. Atualmente, desenvolve pesquisas e atividades de ensino
nas áreas de Ensino Jurídico, Metodologias Participativas,
Direitos Humanos Digitais, Direito Educacional, Educação
Digital e Regulação.

Tatiane Guimarães

Graduada (2019) em Direito pela Pontifícia Universidade


Católica de São Paulo e atua como pesquisadora no Centro
de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP.

ESTRUTURA DO CURSO
Neste curso, vamos abordar o conteúdo relativo a ofensas e discursos de ódio na internet por
meio da seguinte estrutura:

 Iniciando o estudo
Inicialmente, veremos como os atos motivados pelo ódio encontram espaço na internet e
passaremos, brevemente, pelas características que diferenciam as ofensas comuns dos chamados
discursos de ódio.

 Unidade 1: Ofensas na internet


Na unidade 1, mostraremos como as ofensas comuns se manifestam na internet e veremos
quais são as ferramentas disponibilizadas pelas plataformas sociais para combatê-las, assim como as
ferramentas jurídicas, para os casos mais graves.

3
 Unidade 2: Discursos de ódio
Na unidade 2, ressaltaremos as características específicas dos discursos de ódio e mostraremos
como tais discursos podem não só estar associados a grupos extremistas mas também estar presentes
no nosso dia a dia, sendo praticados por “indivíduos comuns”, inclusive do nosso convívio.

BIBLIOGRAFIA COMENTADA
CARMO, C. M. do. Grupos minoritários, grupos vulneráveis e o problema da (in)tolerância: uma
relação linguístico-discursiva e ideológica entre o desrespeito e a manifestação do ódio no contexto
brasileiro. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 64, p. 201-223, ago. 2016.
Este artigo diferencia, detalhadamente, os conceitos relacionados a grupos minoritários e
grupos vulneráveis. Também questiona a ideia da tolerância, por um caminho etimológico,
como norte para o combate aos discursos de ódio. Conforme explicado no artigo, não é
adequado pensar que temos de “suportar ou tolerar” os semelhantes, mas sim que
devemos dar o “respeito que todos merecemos para uma vivência social sadia, equilibrada
e harmoniosa.”

CUNHA, J.; NEJM, R. Discriminação on-line entre crianças e adolescentes: desafios da educação
para promoção da diversidade na internet. In: NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E
COORDENAÇÃO DO PONTO BR (ed.). Pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes
no Brasil: TIC kids online Brasil 2017. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2018. p. 67-
74. Disponível em: https://cetic.br/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-da-internet-por-criancas-e-
adolescentes-no-brasil-tic-kids-online-brasil-2017/. Acesso em: 8 set. 2019.
A publicação disponibilizada, anualmente, pelo Núcleo de Informação e Coordenação do
Ponto Br conta com diversos artigos sobre o tema do uso consciente e responsável da
internet. Neste artigo específico, os autores trabalham com indicadores de discriminação
contra crianças e adolescentes na internet, mostrando os grupos mais vulneráveis e mais
afetados por episódios de racismo e preconceito nas redes.

O QUE é discurso de ódio. SaferLab, [201-?]. Disponível em: http://saferlab.org.br/o-que-e-


discurso-de-odio/index.html. Acesso em: 8 set. 2019.
O texto apresenta uma breve introdução ao tema do discurso de ódio, com auxílio de gráficos
referentes a denúncias desse tipo de crime. Apresenta também um infográfico para explicar
quando existe discurso de ódio e quando ocorre uma ofensa individual.

4
QUEIROZ, A. C. Politicamente correto e direitos humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, 2004.
Muitas vezes, não temos a intenção de reforçar preconceitos, mas, mesmo assim, ofendemos
outras pessoas. Pensando em reduzir problemas relativos à linguagem, a cartilha sugerida
aponta uma série de expressões (de A Z) que podem ofender grupos sociais. O objetivo é
despertar a reflexão, levando as pessoas a perceberem como diversas palavras podem
esconder discriminações ou conotações pejorativas.

SARMENTO, D. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. Daniel Sarmento


Advogados, Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: http://www.dsarmento.adv.br/content/3-
publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech/a-liberdade-de-expressao-
e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf.
Neste artigo de caráter técnico, o autor brasileiro traz um panorama completo da ideia de
discurso de ódio (hate speech), apresentando desde soluções estrangeiras até discussões
sobre repressão e dano. O capítulo 5 merece especial atenção: “O tratamento ao hate speech
no Direito Constitucional Brasileiro”.

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INICIANDO O ESTUDO

Imagine as seguintes situações hipotéticas:


Briga no WhatsApp – Você está participando de uma discussão em um grupo do
WhatsApp e, em determinado momento, um dos participantes começa a proferir
uma série de insultos contra você, chamando-o de “burro”, “idiota”, além utilizar
vários palavrões.
Ciúmes na rede – Você começou a namorar uma pessoa recentemente e, desde então,
passou a publicar fotos e conteúdos românticos junto a ela nas suas redes sociais. Acontece
que, por ressentimento, uma terceira pessoa começa a postar, em mais de uma rede social
e durante vários dias seguidos, comentários ofensivos nesses conteúdos e fotos.
Ataques contra aluna – Após protagonizar uma manifestação realizada em uma escola,
que foi gravada e divulgada na internet, uma aluna do ensino médio torna-se alvo de
uma série de ofensas racistas e misóginas nas suas redes sociais.
Ataque ao candidato – Durante as eleições municipais da sua cidade, o seu colega usa
o Twitter para ofender um candidato a vereador que é homossexual, fazendo
generalizações negativas que afetam não só o candidato mas também outros indivíduos
com a mesma orientação sexual.

As quatro situações hipotéticas apresentadas mostram como atos motivados por ódio
manifestam-se na internet. A verdade é que comportamentos assim sempre existiram, mas
ganharam características extremamente danosas a partir do advento da internet, como o anonimato
e o alcance elevado. Em alguns dos casos descritos, por exemplo, as agressões podem ter sido feitas
por meio de postagens anônimas ou perfis falsos (também chamados de perfis fake). Além disso,
em alguns desses casos, as ofensas podem ter sido vistas, compartilhadas e reiteradas por centenas
ou mesmo milhares de pessoas.

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A frequência com que esses atos ocorrem na internet é enorme, assim como os danos tanto
psicológicos quanto físicos (ainda que indiretos) por eles causados. Por conta disso, sobretudo nos
últimos anos, a mídia, as empresas donas de plataformas virtuais, as universidades e o poder público
passaram a dar certa atenção ao tema, lançando ferramentas de prevenção e combate ao ódio na
internet. Isso nos permite, inclusive, buscar sistematizar o tema, de modo a torná-lo de mais fácil
compreensão. Esse é o objetivo principal deste curso.
Desde já, devemos explicar dois termos a serem utilizados ao longo do curso: “ofensas na
internet” e “discursos de ódio”. As duas primeiras situações hipotéticas que descrevemos podem ser
entendidas como ofensas simples, enquanto as duas situações seguintes são casos de discurso de
ódio. Você consegue identificar o por quê?
Resumidamente, os discursos de ódio referem-se a situações em que não apenas a vítima
em questão é ofendida, mas todo o grupo social a que ela pertence. Em outras palavras, as
agressões que se enquadram como discurso de ódio fazem, geralmente, generalizações,
diminuindo tanto a vítima quanto os indivíduos que com ela compartilham alguma característica
social. Esses discursos atacam grupos vulneráveis, aqueles mais sujeitos à discriminação e à
violência, como mulheres, negros, LGBTI+, pessoas com deficiência e grupos religiosos, todos
frequentemente identificados como minorias.
No entanto, nem toda manifestação motivada pelo ódio pode ser considerada um discurso
de ódio. O que chamamos de “ofensas na internet” refere-se às ofensas comuns, dirigidas a um
único indivíduo ou, até mesmo, a mais um, mas que não chegam a formar um grupo social definido.
São, por exemplo, os xingamentos, os palavrões e as piadas ofensivas, que, não por isso, deixam de
ser danosos e intensificados pelas características da internet que descrevemos anteriormente.
Vamos, nas próximas unidades, tratar dessas categorias com mais profundidade.

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UNIDADE I – OFENSAS NA INTERNET

Na situação Briga no WhatsApp, apresentada há pouco, você está participando de uma


discussão em um grupo do WhatsApp e começa a ser ofendido por um dos participantes, por meio
de palavras de baixo calão e palavrões. Esse é um caso típico de ofensa na internet, uma situação
mais comum, na qual um indivíduo dirige ofensas genéricas a outro, como xingamentos, palavrões
e termos pejorativos de um modo geral.
No contexto do tema que estamos tratando, o termo “ofensa” é, muitas vezes, usado como
um "guarda-chuva" que abrange também o ciberbullying e os discursos de ódio. No debate em geral,
não há, portanto, uma diferenciação precisa entre esses termos, sobretudo por serem assuntos
recentes no País. Apesar disso, preferimos não colocar tudo no mesmo pacote. Entendemos que o
ciberbullying refere-se às agressões sistemáticas e recorrentes cometidas por e contra crianças e
adolescentes na internet (conforme tratamos em um curso específico sobre o tema). Já os discursos
de ódio, conforme mencionamos no tópico anterior, ocorrem quando as ofensas envolvem não só
um indivíduo, mas o grupo social a que ele pertence. Por fim, as “ofensas comuns” estão mais
ligadas à violação da honra dos indivíduos.
Feitas essas ressalvas, devemos prosseguir dizendo que, justamente por esses casos de ofensa
serem tão corriqueiros, a melhor forma de lidar com eles é no nível da conversa, usando estratégias
que já conhecemos, como ignorar o insulto ou, simplesmente, mudar de assunto. Por outro lado,
algumas situações são graves, a ponto de a vítima sentir a necessidade de dar um passo adiante,
principalmente na internet, onde muitas discussões são travadas de maneira pública, e o agressor
ainda pode utilizar-se do anonimato para fazer a ofensa. A seguir, vamos explorar algumas das
medidas que podem ser tomadas nesses casos.

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Denúncias nas plataformas da internet
As redes sociais mais usadas hoje em dia, como Facebook, Instagram e Twitter, apresentam
uma funcionalidade por meio da qual é possível denunciar comentários, publicações ou quaisquer
conteúdos ofensivos ao usuário ou a terceiros.
Essa é uma forma eficiente de lidar com o problema, pois, ao contrário das medidas judiciais,
que veremos no próximo tópico, levar o problema à própria plataforma pode ser extremamente
rápido e simples. No tópico Para saber mais, selecionamos alguns tutoriais para que você aprenda,
detalhadamente, a fazer uma denúncia em cada uma das principais redes sociais mencionadas. Além
disso, com base Prass (2018), destacamos a seguir dois passos gerais passíveis de uso em quaisquer
situações que envolvam ofensas na internet, independentemente da rede ou plataforma social que
você esteja usando. Vejamos:

Reunir o máximo de provas que você puder:


É muito importante salvar o link ou URL da página (geralmente, começa com http://,
seguido por “www” ou pelo nome do site) em que ocorreu a ofensa ou o perfil do usuário ofensor.
Também é essencial realizar capturas de tela (por meio de um print screen, por exemplo, o que pode
ser feito pelo atalho “PrtScn” da maioria dos teclados de computador), imagens, áudios, vídeos,
bem como qualquer material que seja útil para visualizar o ocorrido.

Solicitar a remoção do conteúdo ofensivo:


Depois de verificar exatamente onde o conteúdo foi publicado, é necessário entrar em contato
com a plataforma onde o conteúdo está. Como já afirmamos, as principais redes sociais têm um
canal de atendimento para tais denúncias. Caso esse canal não exista, você pode entrar em contato
com a equipe que administra o site por meio do “Fale conosco” ou por algum e-mail disponibilizado.
Na mensagem a ser enviada, é importante detalhar todo o ocorrido e anexar as provas (URLs,
capturas de tela, etc.) que você colheu na etapa anterior.

Medidas judiciais
No caso de as ofensas serem graves e suscitarem a necessidade de a vítima tomar medidas mais
severas, é possível ajuizar uma ação na Justiça. Talvez, nesse caso, você se pergunte: “Como vou
saber quando devo ou não entrar com uma medida judicial?"
Não existe, na verdade, uma única resposta correta para essa pergunta. Trata-se de uma
questão subjetiva, ou seja, é a vítima quem deve avaliar o impacto gerado pela ofensa. Nesse sentido,
o que estamos chamando de casos graves são aqueles nos quais a pessoa ofendida sente-se devastada
após a agressão, vindo a sofrer, em alguns casos, problemas psicológicos, como depressão, ansiedade,

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medo de sair de casa, etc. Além disso, as medidas judicias também podem ser eficazes nos casos de
ofensas continuadas, que podem assumir, inclusive, a forma de perseguição. Isso acontece, por
exemplo, quando uma pessoa começa a xingar a outra reiteradamente na internet, podendo fazer
isso em mais de uma rede social e durante vários dias seguidos. Vamos falar sobre esses casos de
forma mais detalhada adiante.
Antes disso, porém, cabe ressaltarmos que, nessas situações mais graves, podem ser tomadas
medidas judiciais de dois tipos:
 na esfera cível – podendo resultar na condenação do ofensor à indenização por danos
morais e
 na esfera penal – podendo levar o ofensor ao pagamento de multa e/ou à detenção.

Nessas situações, devemos seguir os mesmos passos descritos no tópico anterior, com a
inclusão de mais dois: a realização de Boletim de Ocorrência, que deve ser feito logo após serem
recolhidas as provas encontradas, e a apresentação do caso a um advogado especializado. Nesse
sentido, temos a seguintes providências a serem tomadas:
reunir o máximo de provas que você puder;
realizar o Boletim de Ocorrência;
solicitar a remoção do conteúdo ofensivo e
levar o caso a um advogado especializado.

O passo 2 é muito importante, pois o Boletim de Ocorrência é um meio de formalizar os


fatos ocorridos junto à autoridade policial. Também é por meio dele que poderá ser instaurado o
inquérito para apuração dos crimes noticiados.
O passo 4 tem igual importância, pois é o advogado quem deve analisar o caso concreto e
ajudar a pessoa a refletir sobre o todo ocorrido, aconselhando-a a tomar a medida judicial cabível.
Resumidamente, tal medida judicial pode ser de dois tipos:

Indenização por danos morais e/ou materiais (ação cível):


Sempre que alguém se sentir moral ou economicamente lesado pela conduta de outra pessoa,
poderá buscar reparação por meio de uma ação de danos morais e/ou materiais. O dano moral
compreende as situações em que a ofensa de uma pessoa faz a outra se sentir profundamente
angustiada, levando a desgastes emocionais, ou problemas de ansiedade e depressão. Já o dano
material refere-se, basicamente, a casos em que a ofensa leva a vítima a ter alguma espécie de prejuízo
econômico. Por exemplo, se uma pessoa que usa o próprio perfil nas redes sociais para comercializar
ou fazer propaganda de um serviço ou produto vier a sofrer ofensas on-line, pode ser que haja
impacto no seu número de seguidores e, consequentemente, nas suas vendas. Em casos como esse,
a indenização por danos materiais compensará a vítima pela perda econômica sofrida.

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Nesse sentido, e semelhante à situação Briga no WhatsApp, que apresentamos em
introdução a este curso, o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu uma decisão na qual dois
moradores foram condenados a indenizar os seus vizinhos por tê-los ofendido em um grupo do
WhatsApp. No episódio, em um grupo que continha cerca de 100 pessoas, os diretores de uma
associação de moradores foram acusados de corrupção, e os agressores proferiram frases como:
“Estão levando por fora, e muito.” Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, um dos
desembargadores que julgou o caso, afirmou o seguinte:

"[É] incontroversa a ofensa difamatória inserida pelos requeridos através


de comentários em grupo de WhatsApp por eles criado, causando
repercussão na esfera íntima dos apelados (moradores ofendidos), ademais
por se tratar de veículo de grande visibilidade entre amigos, familiares e
clientes do autor" (JUSBRASIL, 2018).

Ainda nesse sentido, o desembargador concluiu:

“[É] certo que agredir alguém, sobretudo em grupo de WhatsApp com


vizinhos, é tido como conduta reprovável pela sociedade, sendo razoável
conceder uma satisfação de ordem pecuniária ao ofendido"
(JUSBRASIL, 2018).

Para saber mais sobre o caso em que moradores foram condenados a indenizar os seus
vizinhos por ofensa, acesse: https://aasp.jusbrasil.com.br/noticias/644000182/tjsp-
moradores-ofendidos-em-grupo-de-vizinhos-no-whatsapp-serao-indenizados?ref=serp.

Veremos, a seguir, que essa conduta difamatória mencionada pelo desembargador pode
originar também um processo penal. Dependendo do resultado, tal processo pode levar o ofensor
ao pagamento de multa e/ou à detenção.

Crimes contra honra (ação penal):


Os “crimes contra honra” são, basicamente, aqueles por meio dos quais a respeitabilidade de
alguém é afetada em um certo meio social, inclusive na internet. Entre esses crimes estão a calúnia,
a difamação e a injúria. Vejamos, resumidamente, cada um deles:
 calúnia – ocorre quando se acusa, falsamente, alguém de ter cometido algum crime. Isso
ocorre, por exemplo, quando alguém diz, expressamente, na página do Facebook de um
político que ele cometeu determinado crime, sem haver nenhuma prova disso.
Diferentemente dos outros tipos de crime contra a honra, se não houver provas de que a
pessoa acusada cometeu de fato o crime, não há condenação;

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 difamação – ocorre quando se espalha uma notícia sobre um ato desonroso supostamente
cometido por alguém. Isso ocorre, por exemplo, quando uma pessoa compartilha nas
redes sociais que determinado conhecido traiu a esposa e
 injúria – ocorre quando se ofende alguém “na cara”, ou seja, quando uma pessoa diz a
outra algo que esta considera prejudicial. Ocorre, por exemplo, como na situação Briga
no WhatsApp, quando uma pessoa começa a xingar a outra de “burro” ou “idiota” em
um grupo do WhatsApp.

Conforme mencionamos, esses crimes podem levar, até mesmo, o ofensor à detenção. No
entanto, vale destacar que, na maior parte dos casos, os juízes acabam substituindo essa sanção por
outra mais branda, como o pagamento de multa ou a prestação de serviços comunitários. Esse foi
o caso, por exemplo, de um parlamentar condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 295
mil pelo crime de injúria e difamação que cometeu ao atribuir a outro parlamentar falsos dizeres
relacionados ao tema da pedofilia. Mais especificamente, o ofensor compartilhou uma foto em que
o parlamentar ofendido aparecia atrelado à seguinte fala: “A pedofilia é uma prática normal em
diversas espécies de animal, anormal é o seu preconceito.” Nesse episódio, a juíza que julgou o caso
entendeu que, ao exercer-se o direito de livre manifestação de pensamento, foram excedidos os
limites constitucionais, afetando-se a honra e imagem do parlamentar ofendido.

Para saber mais sobre o caso em que determinado parlamentar foi condenado ao pagamento
de multa pelo crime de injúria e difamação, acesse:
https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2018/12/alexandre-frota-e-condenado-por-injuria-
e-difamacao-em-processo-movido-por-jean-wyllys.shtml

Os haters e o problema do anonimato


Um fenômeno bastante característico da internet e com o qual, muito provavelmente, você
já teve contato, envolve os chamados haters. Você já ouviu essa expressão? E o seus alunos?
Se você e os seus alunos estão acostumados a lidar com estrangeirismos, é bem possível que
já tenham ouvido essa expressão e saibam o que ela significa. Também é possível que você já a tenha
ouvido, mas não saiba ou não recorde, exatamente, o seu significado.

Hater é um termo em inglês que,


literalmente, significa “odiador”.

Trata-se da postura assumida por certos usuários da internet que focam determinado assunto
ou pessoa específica e passam a fazer ataques. Tais ataques podem ocorrer de várias formas, mas,
geralmente, acontecem por meio de comentários públicos ou mensagens privadas. Outra

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característica desse comportamento é que ele, normalmente, ocorre em grupo. Nesse caso, a vítima
recebe mensagens de diferentes haters acerca de algum comentário, foto ou vídeo publicado, ou
qualquer outro tipo de conteúdo que chegue ao seu alcance. Entende-se também que a atitude dos
haters canaliza esforços voltados para grupos da internet ou perfis isolados que pensam diferente
deles. É, portanto, um comportamento de intolerância, que pode tanto vir revestido de “ofensas
comuns" quanto estar atrelado a discursos de ódio, como veremos adiante.

Para saber mais sobre as características dos haters, acesse:


https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/haters-saiba-tudo-sobre-os-inimigos-da-
internet-16082014.

É bastante comum ver ataques de haters a pessoas famosas, principalmente aquelas que costumam
divulgar opiniões tidas como polêmicas ou mesmo aquelas celebridades que têm um perfil autêntico e,
por isso, acabam por atrair uma multidão não só de fãs mas também de “odiadores”.
Tudo o que foi apontado até aqui como estratégia para lidar com ofensas na internet também
vale para o caso dos haters. Nesse caso, contudo, há um desafio adicional: por conta de os haters,
geralmente, atuarem em "bando" e serem totalmente desconhecidos da vítima, é mais difícil
identificá-los. Além disso, é muito comum que eles façam uso do anonimato, principalmente por
meio da criação de perfis falsos (fakes) em redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter, e
também em portais de notícia.

Com base em tudo o que vimos até aqui, podemos concluir que discutir com haters via
internet não é a melhor forma de lidar com o problema, pois isso acaba dando-lhes ainda mais
visibilidade. O ideal é denunciar os perfis dessas pessoas, conforme mostramos, sobretudo quando
se trata de perfis falsos, criados com o propósito único de servir de disfarce para a disseminação de
conteúdo de ódio na internet. Já em casos mais graves, pode haver a necessidade de pedir, na Justiça,
a identificação dos sujeitos por trás dos fakes responsáveis pelos ataques.

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UNIDADE II – DISCURSOS DE ÓDIO

Talvez você tenha reparado que as situações Ataques contra aluna e Ataque ao candidato,
apresentadas em introdução a este curso, envolvem agressões virtuais que se deram não só contra
um único sujeito, mas contra todos os membros de um grupo social específico: na primeira situação,
a agressão ocorreu contra as mulheres e também contra os indivíduos com a mesma raça/cor que a
da aluna do ensino médio ofendida; na segunda situação, a agressão ocorreu contra indivíduos com
a mesma orientação sexual que a do candidato a vereador. Entendemos que ataques como esses
devem ser considerados discursos de ódio.

Discursos de ódio são manifestações


sociais que atacam e incitam ódio contra
grupos sociais vulneráveis pelas suas
características distintivas, como raça, etnia,
gênero, orientação sexual, orientação
religiosa ou origem nacional.

A verdade é que os discursos de ódio na internet reproduzem um comportamento que já é


observado há bastante tempo nas ruas: minorias sociais são, frequentemente, vítimas de agressões
físicas e verbais. Tais agressões violam não só os direitos individuais da vítima que é ofendida mas
também os direitos de toda a categoria populacional de que essa vítima faz parte.

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Para saber mais sobre como as manifestações de ódio na internet refletem as interações
cotidianas, acesse: https://jornal.usp.br/atualidades/violencia-das-ruas-se-repete-em-
discurso-de-odio-na-internet/.

Nesse sentido, é imprescindível enfatizar que os discursos de ódio têm alvos bastante comuns:
mulheres, pessoas negras e LGBTI+ estão entre as principais vítimas, além de outras minorias e
outros grupos sociais historicamente definidos. Os dados do SaferLab (201-?), que possui um canal
de atendimento a vítimas de agressão na internet, mostram que 28% das denúncias recebidas nos
últimos anos estavam relacionadas a racismo. Além disso, 69% das pessoas que procuram o canal
são mulheres.
Ainda nesse sentido, em recente tese de doutorado, o pesquisador brasileiro Luiz Valério
Trindade (2018) constatou que 81% das vítimas de discurso depreciativo nas redes sociais são
mulheres negras entre 20 e 35 anos, sendo elas as principais vítimas de discursos de ódio no País.
O pesquisador também constatou que 65% dos usuários que disseminam intolerância racial na
internet são homens na faixa etária de 20 e 25 anos. Esses dados são muito importantes para mostrar
que os discursos de ódio não são um fenômeno aleatório, mas apresentam um padrão bastante
perceptível, ligado aos preconceitos arraigados na nossa sociedade.

Para saber mais sobre o estudo de Trindade, acesse: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-


humanos/noticia/2018-08/discurso-de-odio-na-internet-tem-mulheres-negras-como-
principal.

Ao lado dos agressores, pessoas dão vazão a preconceitos diversos e encontram, na internet,
grupos com os quais se identificam – grupos esses que podem ser, inclusive, extremistas.
Normalmente, grupos extremistas encontram-se em fóruns que podem ou não estar na
chamada deep web: parte da internet que não pode ser encontrada por buscadores e que, por isso,
favorece o surgimento de sites anônimos. Esses sites fornecem um ambiente no qual as pessoas
podem discutir, anonimamente, sobre assuntos de cunho racista, sexista, incitando o ódio e a
violência contra grupos sociais historicamente vulneráveis. Um ponto ainda mais preocupante é
que esses espaços estão atrelados não só à disseminação do ódio na internet mas também a ataques
no mundo real.
Por exemplo, há alguns anos, foi determinada a remoção de um fórum americano, também
existente no Brasil, que é considerado um dos sites neonazistas mais antigos e conhecidos do mundo:
o Stormfront. O comitê que solicitou a remoção desse fórum apontou que os respectivos membros
foram responsáveis pelos crimes de ódio mais letais já ocorridos desde que o site veio ao ar pela
primeira vez, em 1995.

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Para saber mais sobre a remoção do fórum neonazista Stormfront, acesse:
https://oglobo.globo.com/sociedade/forum-neonazista-stormfront-retirado-da-internet-
21759498.

Semelhantemente, no Brasil, o massacre de Suzano, que levou à morte de 10 pessoas, chamou


atenção para um grupo por meio do qual parte desse ataque foi planejado: o Dogolachan, que é
considerado o maior grupo de propagação de ódio existente na internet brasileira. Desde o início,
esse grupo se propunha a ser uma referência para usuários machistas, de ideologia ultradireitista e
que pautassem o ataque e a degradação de mulheres, bem como de outras minorias sociais. Sabe-
se, por exemplo, que esse mesmo grupo também apoiou o massacre de Realengo, ocorrido em 2011.

Para saber mais sobre fóruns extremistas existentes na internet brasileira, acesse:
https://oglobo.globo.com/brasil/frequentadores-de-foruns-extremistas-na-internet-
comemoram-ataque-em-suzano-23522564.

Pois bem, apesar da existência desses fatos, não são apenas os grupos extremistas que veiculam
discurso de ódio na internet. Na verdade, os discursos de ódio podem estar mais próximos do que
imaginamos, pois explicitam preconceitos arraigados na nossa sociedade que, muitas vezes, "passam
batidos", sendo interpretados como simples piadas ou brincadeiras.
É importante ter isso em mente para saber que pessoas “normais”, inclusive queridas e
próximas, podem veicular discursos de ódio na internet. Nesse sentido, a situação Ataque ao
candidato pode muito bem estar caracterizada na realidade cotidiana, em que colegas nossos(as)
manifestam preconceitos nas redes sociais, ofendendo todo um grupo da população.
Semelhantemente aos casos de ofensas na internet, essa conduta pode ter consequências graves, que
vão desde “bloqueios” nas redes sociais até condenações penais que podem levar à prisão.
Ainda nesse viés, devemos acrescentar que os adolescentes são especialmente suscetíveis a
veicular discursos de ódio, uma vez que estão em fase de formação intelectual e, por isso, ainda não
sabem ao certo o que pensam sobre o mundo nem quais podem ser as consequências de certas atitudes.

Os adolescentes estão muito propensos a


reproduzir discursos sobres os quais não
refletiram e com os quais nem sequer
sabem se, de fato, concordam.

Para piorar, existe ainda a conduta irresponsável de influencers que são seguidos por um amplo
número de adolescentes nas redes sociais e que veiculam conteúdo imbuído de discurso de ódio.
Nesse contexto, um caso chamou bastante a atenção da mídia recentemente: determinado youtuber,

17
dono de um dos maiores canais do Brasil e bastante conhecido pelo público adolescente, fez uma
declaração racista na internet sobre um jogador de futebol, o que lhe rendeu a perda de patrocínios
e de milhares de seguidores nas redes. Após o escândalo, usuários foram investigar as publicações
antigas do youtuber e descobriram uma série de outros comentários racistas feitos por ele quando
ainda era adolescente.

Para saber mais sobre o caso do youtuber que foi acusado de racismo, acesse:
https://oglobo.globo.com/brasil/frequentadores-de-foruns-extremistas-na-internet-
comemoram-ataque-em-suzano-23522564.

Se tem discurso de ódio, não tem patrocínio

Atualmente, o site de vídeos YouTube conta com uma política segundo a qual deixam de ser
monetizados (patrocinados) os vídeos que se encaixem no chamado “conteúdo odioso”,
entendidos como aqueles vídeos que promovem discriminação ou depreciação, ou humilham
um indivíduo ou grupo de pessoas com base na sua raça, origem étnica, nacionalidade,
religião, doença, idade, orientação sexual, identidade de gênero ou quaisquer outras
características associadas à discriminação ou marginalização sistemática.

Para conhecer as diretrizes de conteúdo adequado para publicidade no YouTube, acesse:


https://support.google.com/youtube/answer/6162278?hl=pt-BR.

É interessante percebermos como essa pode ser uma medida eficiente de desincentivo à
publicação desse tipo de conteúdo, uma vez que os patrocínios são um benefício bastante
importante e esperado por youtubers profissionais e outros influencers existentes na internet.

Justamente por esse motivo é tão importante entender o tema do discurso de ódio e pautá-lo
junto às pessoas que estão à nossa volta, principalmente quando se trata de alunos adolescentes.
Como enfatizamos ao longo do curso, é essencial diferenciar, adequadamente, os discursos de ódio
de outras modalidades de agressão virtual, como o ciberbullying e as ofensas comuns, ainda que essas
práticas estejam, às vezes, conectadas e que muitas das características da internet também se
apliquem a elas, como:
 o anonimato – a falta de identificação traz ao ofensor uma sensação de impunidade, o
que lhe permite manifestar-se de modo mais agressivo ao longo de uma discussão e
 o potencial de difusão – até que a vítima faça o pedido de remoção à plataforma, as ofensas
proferidas ficam, muitas vezes, registradas durante um tempo considerável, e isso
potencializa a sua visibilidade, uma vez que elas pode ser mais facilmente “apreciadas” e
também compartilhadas por outros usuários.

18
Para saber mais sobre práticas de ódio na internet, acesse:
http://www.internetlab.org.br/pt/desigualdades-e-identidades/odio-na-internet-entrevista-
com-natalia-neris/

Devemos ressaltar ainda que, além do dano psicológico causado às vítimas, os discursos de
ódio também prejudicam a liberdade de expressão dessas pessoas, uma vez que contribuem para
calar as suas vozes por meio da intimidação e da ameaça. E isso é ainda mais preocupante quando
levamos em consideração alguns períodos específicos, como o de eleições presidenciais, quando os
discursos de ódio costumam aumentar na internet. Segundo dados divulgados pela SaferNet (apud
MESQUITA, 2018), as denúncias de discurso de ódio na internet aumentaram assustadoramente
durante os 21 dias que antecederam o segundo turno das eleições presidenciais de 2018 no Brasil.
Veja alguns dados sobre esse período:

Figura 1 - Aumento (%) das denúncias de discurso de ódio durante a campanha


de segundo turno das eleições presidenciais de 2018

Fonte: Mesquita, 2018. Dados extraídos da ONG SaferNet.

Denúncia
Os procedimentos para denúncia das situações envolvendo discurso de ódio na internet são,
basicamente, os mesmos que vimos para os casos das ofensas comuns. Inclusive, várias das plataformas
e redes sociais têm a opção de categorizar o conteúdo denunciado como discurso de ódio. Ademais,
segundo o Google, “os padrões daquilo que constitui um discurso de ódio variam de um país para
outro, assim como a linguagem e o jargão que utilizam” (apud GÓMEZ, 2019), o que é natural
quando comparamos os preconceitos sociais existentes no Brasil e na Índia, por exemplo.
Na imagem a seguir, podemos observar uma mensagem do Facebook notificando que
determinado grupo foi excluído por ter conteúdo que viola os padrões do site sobre discurso do
ódio (o nome verdadeiro do grupo foi suprimido).

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Figura 2 - Mensagem de desativação de grupo enviada pelo Facebook

Fonte: Facebook.

No que se refere a medidas judiciais, o Brasil não tem uma lei específica que verse sobre
discursos de ódio. Esses casos são, geralmente, cobertos pela Lei n° 7.716/1989, que define o que
vêm a ser crimes de discriminação.

A Lei n° 7.716/1989 estabelece pena de


dois a cinco anos de reclusão e multa para
as situações em que for constatada a
prática ou incitação à discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.

Além disso, no Brasil, a Lei também tipifica como discriminação a fabricação ou distribuição
de símbolos, emblemas ou propagandas que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de
divulgação do nazismo. Percebe-se, com isso, que a divulgação do ódio nem sempre precisa ocorrer
por meio de palavras.
Sendo assim, ainda que não haja uma tipificação para crimes de ódio, qualquer discurso que
se enquadre nas situações apresentadas é considerado crime e pode, portanto, ser denunciado junto
ao Ministério Público.
Já no caso de discursos de ódio proferidos contra mulheres, cabe ressaltarmos que,
recentemente, foi publicada a Lei 13.642/2018, que adicionou às atribuições da Polícia Federal a
investigação de crimes praticados na internet que tenham conteúdo misógino. Isso representa um
grande avanço, pois a Polícia Federal dispõe dos meios necessários para investigar tais crimes. No
entanto, segundo a blogueira Lola Aronovich, uma das inspiradoras da legislação sobre misoginia

20
na internet, “há uma distância grande entre você aprovar uma lei e aplicar uma lei" (BRASIL, 2018).
Para Aronovich, portanto, o desafio agora consiste em tornar a lei conhecida.

Para saber mais sobre o desafio de tornar a Lei 13.642/2018 conhecida, acesse:
https://www.camara.leg.br/noticias/540214-desafio-e-tornar-lei-conhecida-diz-blogueira-que-
inspirou-legislacao-sobre-misoginia-na-internet/#comentario.

Pois bem, apesar de todas essas informações quanto às leis que criminalizam discursos racistas,
homofóbicos e misóginos na internet, você ainda pode ter mente a seguinte dúvida:

Como identificar se, de fato, determinada


situação pode ser classificada
como discurso de ódio?

Sendo assim, a seguir, listamos algumas características que podem ser bastante eficientes para
identificar discursos de ódio. Fique atento a mensagens que:
 forem ofensivas e tenham como alvo algum grupo, gênero, orientação sexual, raça, etnia
ou religião;
 desumanizem ou ofendam mais de uma pessoa pertencente a um mesmo grupo social
(por exemplo, mulheres, LGBTI+ ou negros) e
 tentem restringir direitos desses grupos, incitar a violência e a discriminação, propagar
ideias de superioridade racial ou fazer com que esse tipo de manifestação pareça aceitável.

Se uma ou mais dessas características forem encontradas em uma mensagem, há grandes


chances de tratar-se de um conteúdo em que está sendo propagado um discurso de ódio.

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Neste curso, vimos que:
 a definição exata de uma discurso de ódio, nos casos concretos, especialmente para fins
de aplicação de punições, é complexa e muito controvertida. Devem-se levar em
consideração a liberdade de expressão e diversos elementos contextuais, como aqueles
relativos ao discurso político, ao discurso religioso, etc.;
 as “ofensas comuns” existentes na internet estão relacionadas à violação da honra dos
indivíduos;
 a denúncia desse tipo de violação pode ser feita na própria plataforma social, reunindo-se
o máximo de provas possível e solicitando a remoção do conteúdo;
 em situações mais graves, pode ser necessário entrar com uma ação judicial, caso em que
é importante fazer, o quanto antes, um Boletim de Ocorrência e entrar em contato com
um advogado;
 os processos judiciais podem levar à condenação do ofensor, que poderá ter de indenizar
a vítima (cível), pagar uma multa ou, até mesmo, ser preso (penal);
 os discursos de ódio são manifestações sociais que atacam determinados grupos sociais,
incitando o ódio com base nas suas características distintivas, como raça, etnia, gênero,
orientação sexual, orientação religiosa ou origem nacional;
 os haters são usuários que concentram os seus esforços no ataque a uma ou mais pessoas
na internet, geralmente aquelas que pensam diferente deles, e
 os discursos de ódio podem ser denunciados às próprias plataformas sociais (no caso de
ofensas comuns) ou ao Ministério Público (nos casos mais graves).

22
ANDORFATO, João Jacinto Anhê. Redes sociais: liberdade de expressão não é direito à ofensa.
Estadão, Política, 17 ago. 2018. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/redes-sociais-liberdade-de-expressao-nao-e-direito-a-ofensa/. Acesso em: 21 maio 2019.

BRASIL. Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça
ou de cor. Brasília, DF, 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l7716.htm. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Lei n° 13.642, de 3 de abril de 2018. Altera a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, para
acrescentar atribuição à Polícia Federal no que concerne à investigação de crimes praticados por
meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles
que propagam o ódio ou a aversão às mulheres. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13642.htm. Acesso em: 10 jun. 2019.

BROCHADO, Solon. Qual a diferença entre calúnia, injúria e difamação? Super Interessante,
Comportamento, 7 jun. 2019. Disponível em: https://super.abril.com.br/comportamento/qual-a-
diferenca-entre-calunia-injuria-e-difamacao/. Acesso em: 8 set. 2019.

DISSENSO.ORG. Caso: Jean Wyllys vs. Alexandre Frota. Dissenso.org. Disponível em:
http://dissenso.org/casoteca/jean-wyllys-vs-alexandre-frota/ Acesso em: 21 maio 2019.

DIRETRIZES de conteúdo adequado para publicidade. YouTube, jun. 2019. Disponível em:
https://support.google.com/youtube/answer/6162278?hl=pt-BR. Acesso em: 10 jun. 2019.

FÓRUM neonazista Stormfront é retirada da internet. O Globo, Sociedade, 29 ago. 2017.


Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/forum-neonazista-stormfront-retirado-da-
internet-21759498. Acesso em: 23 maio 2019.

FREQUENTADORES de fóruns extremistas na internet comemoram ataque em Suzano. O Globo,


Brasil, 14 mar. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/frequentadores-de-foruns-
extremistas-na-internet-comemoram-ataque-em-suzano-23522564. Acesso em: 23 maio 2019.

GÓMEZ, Rosario G. Um exército para rastrear o ódio nas redes. El País, Tecnologia, 24 mar.
2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/22/tecnologia/1553279547
_294211.html. Acesso em: 23 maio 2019.

23
HATERS: saiba tudo sobre os inimigos da internet. Portal R7, Tecnologia e Ciência, 16 ago. 2014.
Disponível em: https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/haters-saiba-tudo-sobre-os-inimigos-
da-internet-16082014. Acesso em: 22 maio 2019.

JÚLIO Cocielo pede desculpas por comentário racista: 'Sem querer espalhei o ódio'. O Globo,
Cultura, 5 jul. 2018. Acesso em 16 de abril de 2019. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/cultura/julio-cocielo-pede-desculpas-por-comentario-racista-sem-
querer-espalhei-odio-22853670. Acesso em: 16 abr. 2019.

MESQUITA, Lígia. Denúncias de discurso de ódio online disparam no 2º turno das eleições, diz
ONG. BBC News Brasil, 9 nov. 2018. Acesso em: 15 abr. 2019.

MORADORES ofendidos em grupo de vizinhos no WhatsApp serão indenizados. Associação dos


Advogados de São Paulo; Jusbrasil, nov. 2018. Disponível em:
https://aasp.jusbrasil.com.br/noticias/644000182/tjsp-moradores-ofendidos-em-grupo-de-
vizinhos-no-whatsapp-serao-indenizados?ref=serp. Acesso em: 21 maio 2019.

NUNES, Juliana Cézar. Discurso de ódio na internet tem mulheres negras como principal alvo.
Agência Brasil, 7 ago. 2018. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-
humanos/noticia/2018-08/discurso-de-odio-na-internet-tem-mulheres-negras-como-principal.
Acesso em: 15 abr. 2019.

RONCOLATO, Murilo. Ódio na internet: entrevista com Natália Neris. InternetLAB: pesquisa em
direito e tecnologia, Desigualdades e identidades, 25 maio 2019. Disponível em:
http://www.internetlab.org.br/pt/desigualdades-e-identidades/odio-na-internet-entrevista-com-
natalia-neris/ Acesso em: 26 maio 2019.

O QUE é discurso de ódio. SaferLab, [201-?]. Disponível em: http://saferlab.org.br/o-que-e-


discurso-de-odio/. Acesso em: 23 maio 2019.

VIOLÊNCIA das ruas se repete em discurso de ódio na internet. Jornal da USP, 16 ago. 2018.
Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/violencia-das-ruas-se-repete-em-discurso-de-
odio-na-internet/. Acesso em: 15 abr. 2019.

PRASS, Ronaldo. Facebook: saiba como denunciar ofensas e abusos ocorridos nas redes sociais.
Portal G1, 22 abr. 2018. Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/blog/tira-duvidas-de-
tecnologia/post/facebook-saiba-como-denunciar-ofensas-e-abusos-ocorridos-na-rede-social.html.
Acesso em: 19 maio 2019.

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TRINDADE, Luiz Valério de Paula. It is not that funny. Critical analysis of racial ideologies
embedded in racialized humour discourses on social media in Brazil. Tese (doutorado em
Sociologia) – University of Southampton, Southampton, 2018.

25
Caso concreto – no vocabulário jurídico, refere-se a uma situação ou a um caso específico que já
ocorreu e que se está analisando.

Influencer – personalidade da internet que influencia os seus seguidores. Pessoa com muita
visibilidade e que, geralmente, faz uso de redes como Facebook, Instagram, YouTube e Twitter.

Sanção – pena que se aplica a quem viola determinada regra.

Tipificação – no vocabulário jurídico, refere-se à categorização de um fato, fenômeno ou conduta


que passa a ser expressamente previsto em lei.

Tutorial – consiste num guia de execução de alguma tarefa, um passo-a-passo. Pode ser apresentado
no formato de texto ou audiovisual. Exemplo: vídeos que explicam como cozinhar algo podem ser
considerados tutoriais. São mais utilizados para tarefas virtuais, como jogos ou programação.

Youtuber – pessoa que publica conteúdos gerais ou específicos, geralmente autorais, na plataforma
de vídeos YouTube.

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