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Estudo preliminar por meio do teste de habilidade matemática (THM) ............................................... 181
30
ANOS
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de Psicopedagogia
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de Psicopedagogia
Quadrimestral
ISSN 0103-8486
CDD 370.15
diretoria da assoCiação
Brasileira de PsiCoPedagogia
2008/2010
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Presidente diretora Científica adjunta
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queziabombonatto@abpp.com.br marciasimoes@abpp.com.br
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Beatriz Judith Lima Scoz SP Maria Irene Maluf SP
Edith Rubinstein SP Mônica H. Mendes SP
Leda Maria Codeço Barone SP Neide de Aquino Noffs SP
Maria Cecília Castro Gasparian SP Nívea Maria de Carvalho Fabrício SP
Maria Célia Malta Campos SP
EDitOriAl / EDitOriAl
• Maria Irene Maluf ...............................................................................................................................................161
À
s vésperas do IV Simpósio Internacional de Psicopedagogia da ABPp
Nacional “Conhecer... Fazer... Compartilhar... Ser Psicopedagogo”, evento
de singular expressão que encerra as comemorações dos 30 anos desta
Associação, criada em São Paulo, em 1980, por Leda Barone e atualmente
presidida por Quézia Bombonatto, temos o prazer de trazer uma edição repleta
de artigos de notáveis educadores, pedagogos, psicopedagogos e pesquisadores.
Um assunto que desponta na atualidade como de importância em todo
mundo, a parceria entre a educação e a ciência, tem gerado importantes
pesquisas, como temos a honra de publicar na abertura deste número de
aniversário da ABPp: “Parceria saúde-educação na UFRJ: compartilhando
experiências”, escrito por Renata Mousinho, Claudia Tavares Ribeiro e Gláucia
M. M. Martins. Este trabalho aponta a necessidade de redução das diferenças
individuais no momento do ingresso à escola como fator decisivo para o
enfrentamento e a diminuição prática das dificuldades de aprendizagem, assim
como para a melhoria dos resultados dos processos envolvidos. O interesse
científico pela análise do desempenho estudantil de crianças dos 7 aos 12 anos
não se apresenta apenas nesse artigo, mas também na pesquisa “Comparação
do desempenho de estudantes em instrumentos de atenção e funções executivas”,
de Adriana Nobre de Paula Simão, Ricardo Franco de Lima, Juliane Cristhine
Natalin e Sylvia Maria Ciasca.
Poucos são os artigos que trazem uma análise do desempenho em matemática
com aprofundamento, linguagem clara e com resultados tão importantes para
a aplicação prática, como o que nos apresentam Sônia das Dores Rodrigues,
Adriana Regina Guassi e Sylvia Maria Ciasca, em “Avaliação do desempenho
em matemática de crianças do 5º ano do ensino fundamental. Estudo preliminar
por meio do Teste de Habilidade Matemática”, uma pesquisa que precede na
apresentação a outros dois artigos sobre temas correlatos a este, como se verá
mais adiante.
“Treinamento da correspondência grafema-fonema em escolares de risco
para a dislexia” é o artigo apresentado por Daniele de Campos Refundini,
Maíra Anelli Martins e Simone Aparecida Capellini, baseado na interessante e
esclarecedora pesquisa na qual as autoras concluem que quando é fornecida a
instrução formal do princípio alfabético da Língua Portuguesa, os escolares que
não apresentam o quadro de dislexia deixam de apresentar suas manifestações
como resposta à instrução formal do princípio alfabético. Já “Habilidades
de leitura e escrita de crianças na recuperação do ciclo I: divergências entre
avaliação de professores e resultados em testes padronizados”, artigo enviado
por Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira, Chi Kow Mei, Alessandra Gotuzo
Seabra, Deisy Ribas Emerich e Elizeu Coutinho de Macedo, constitui
um trabalho de pesquisa sobre um dos assuntos mais importantes e mais
controversos no nosso país: a eficácia das Classes de Recuperação de Ciclos,
destinadas a desenvolver habilidades deficitárias dos alunos do Ciclo I do
Ensino Fundamental da escola pública.
Não menos discutido e analisado por vários pesquisadores de renome é o
tema apresentado por Silvana Frota e Liliane Desgualdo Pereira, “Processamento
auditivo: estudo em crianças com distúrbios da leitura e da escrita”, no qual o
desempenho de crianças com distúrbios específicos de leitura e escrita, nos
Testes Verbais e Não Verbais de Processamento Auditivo, e o de crianças sem
o referido transtorno são comparados cientificamente.
8
A contribuição de Tais de Lima Ferreira, Amanda Bulbarelli Martinez e Sylvia
Maria Ciasca, com seu artigo “Avaliação psicomotora de escolares do 1º ano do
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EDiToriAL
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ArTiGo
ParCeria oriGiNAL
saúde-eduCação na uFrJ
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mousinho r et al
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ParCeria saúde-eduCação na uFrJ
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mousinho r et al
entrou na escola sem conhecimento do sistema Figura 1 - Evolução da velocidade, padrão, precisão
de escrita (G1), seguido dos resultados do grupo e compreensão de leitura em G1 e G2.
que iniciou no CAP-UFRJ já alfabetizado (G2).
Os valores das colunas subsequentes referem-
se à comparação entre ambos os grupos. As
linhas de velocidade, padrão, compreensão e
precisão seguidos do algarismo 1 referem-se à
análise realizada no início do 2° ano. Aquelas
seguidas pelo algarismo 2 dizem respeito aos
valores obtidos quando as crianças estavam no
fim do 2° ano.
A diferença entre G1 e G2 foi altamente
significativa na primeira avaliação, sobretudo
na velocidade, padrão e compreensão de textos.
A média da velocidade de leitura do G1 foi de
438,6 segundos (2 minutos e 92 segundos) em
contraste com a do G2, que leu todo o texto
em 175,5 segundos (7 minutos e 31 segundos).
Enquanto o G1 apresentou um padrão silabado/ ler no início do 1° ano, está representado pela
pausado, o G2 apresentou um padrão pausado/ cor azul. O G2, grupo formado por crianças
fluente. As respostas às perguntas que visavam que, na mesma época, já conseguiram ler 23
observar a compreensão, um total de 4, apre- das 24 palavras de uma lista, está representado
sentaram 2,47 de média em G1, contrastando pela cor vermelha. Cada uma das habilidades
com 3,72 em G2. Significativo, mas numa aparece com indicação de 1, quando realizada
escala menor, foi o número de palavras lidas no início do 2° ano, e com 2, quando realizada
corretamente (precisão), que foi de 40,4 e 46,5, no fim deste ano letivo.
respectivamente, para G1 e G2. Como se pode observar na Figura 1, a evo-
Na segunda avaliação, no fim do ano letivo, lução foi grande em ambos os grupos, mas o
somente a velocidade de leitura foi discreta- crescimento do G1 foi proporcionalmente muito
mente significativa, considerando-se testes superior. No que diz respeito à velocidade de
estatísticos. Os alunos do G1 puderam ler o leitura, a enorme discrepância observada no
texto todo em 199,5 segundos (3 minutos e 33 início do 2° ano foi minimizada na segunda
segundos), enquanto o G2 fez o mesmo em avaliação. Neste caso, quanto menor o valor,
135,6 segundos (2 minutos e 26 segundos). O melhor, já que o que se deseja é uma leitu-
padrão de leitura apresentou-se de pausado ra mais veloz, portanto, realizada em menor
a fluente em ambos os grupos. A precisão de tempo. Este resultado, associado ao padrão,
leitura foi praticamente idêntica, de um total desta vez igualado entre os grupos em pausado-
de 48 palavras, alunos do G1 acertaram 46,67, fluente, e à precisão, em que ambos os grupos
enquanto os do G2 leram corretamente 46,94. acertaram quase que integralmente a lista de
Assim como as demais habilidades, a compre- palavras propostas, possibilitam uma compre-
ensão apresentou-se bastante similar nos dois ensão adequada.
grupos (3,47 e 3,78, respectivamente), como Considerando-se que a compreensão é o
pode ser observado na Figura 1. objetivo final da leitura e que os atuais moldes
A fim de analisar melhor tais ganhos, os va- educacionais valorizam a compreensão não só
lores foram colocados em proporção. Na Figura na disciplina específica, mas em todas as de-
1, o G1, formado pelas crianças que não sabiam mais, pode-se pensar que a pouca solidez nesta
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ParCeria saúde-eduCação na uFrJ
área poderia prejudicar o início da escolarização condições de levar e trazê-los, seja para as ofi-
formal, trazendo reflexos ao longo dos anos. cinas coletivas ou para os atendimentos indivi-
Portanto, a possibilidade de reverter precoce- dualizados nas dependências da Universidade,
mente o cenário inicial, altamente diversificado significou receber uma atenção especial em
também no que diz respeito ao domínio sobre suas necessidades, gerando estímulo e autocon-
a leitura, mostrou que a instituição em questão fiança para o enfrentamento das dificuldades,
cumpriu um dos papéis cruciais da educação: fossem elas de velocidade, precisão ou compre-
permitir oportunidades iguais a despeito das ensão na leitura.
possibilidades iniciais de cada um. Mesmo para crianças que apresentam
É importante lembrar que há crianças que comprometimento em outras áreas de seu de-
ainda se mantêm defasadas em relação ao grupo senvolvimento, além do linguístico, participar
e que, portanto, precisarão de mais tempo para dos atendimentos e oficinas de linguagem ofe-
que tais habilidades se desenvolvam. Neste recidos pelo Setor de Fonoaudiologia fez dife-
contexto, a parceria com o serviço de fonoau- rença. Alunos com alguma dificuldade em seu
diologia, que já existia com o oferecimento de processo de escolarização costumam se retrair
oficinas de linguagem ao grupo de crianças diante das experiências escolares, e se colocam
menos hábil no aprendizado da leitura, torna-se à margem do processo do grupo em que estão
mais relevante. inseridos. Observamos nos alunos que conti-
nuaram participando do trabalho com a equipe
de Fonoaudiologia que eles se fortaleceram e
DISCUSSÃO
puderam viver sua escolaridade de forma mais
confiante e positiva.
Análise quantitativa: o ponto de vista da
No tocante ao desenvolvimento cognitivo,
escola
observamos que o trabalho de estímulo e inter-
Inicialmente, a possibilidade da parceria com
venção, nas habilidades cognitivas relacionadas
a Fonoaudiologia da UFRJ, por meio do proje-
à aquisição da leitura e da escrita, desenvolvido
to se configurou, primordialmente, como uma
com as crianças atendidas pelo Projeto tem
ótima oportunidade de avaliação e atendimento apresentado resultados importantes na interpre-
aos alunos que apresentam dificuldades no tação, compreensão, realização de inferências e
percurso de sua escolarização inicial. Contudo, estabelecimento de relações, em diferentes áre-
esta parceria vem ampliando resultados que as do conhecimento, por parte destas crianças.
se explicitam de formas específicas, nos três Embora ainda não tenhamos criado nenhum
principais segmentos envolvidos na parceria: instrumento para aferição objetiva destas ha-
alunos, famílias e corpo docente. bilidades, são observações também atestadas
Em relação às crianças, poderíamos pontuar pelas avaliações formais da escola.
alguns aspectos importantes relacionados ao Em relação às famílias, ressaltamos nos aten-
percurso do grupo em estudo, no tocante ao dimentos aos responsáveis que a maioria deles
desenvolvimento socioafetivo e cognitivo. Já compareceu às entrevistas agendadas pelo Setor
na primeira fase, quando da primeira avaliação, de Orientação Educacional na escola, e levou as
pudemos perceber que através da forma cuida- crianças às atividades indicadas, demonstrando
dosa com que as atividades de avaliação foram enorme interesse pelo processo. Mesmo as fa-
planejadas e realizadas com as crianças, as mílias que têm condições econômicas de arcar
mesmas se mostraram à vontade, sem constran- com um tratamento fonoaudiológico para seus
gimentos e até muito satisfeitas por participar! filhos, mantiveram a frequência nas atividades
A mobilização na escola para a realização oferecidas pelo Projeto por valorizarem a articu-
das avaliações e na família, que teve que criar lação dos profissionais da Fonoaudiologia com
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mousinho r et al
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ParCeria saúde-eduCação na uFrJ
SUMMARY
Health-education partnership at UFRJ: sharing experiences
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ArTiGo
atenção oriGiNAL
e Funções exeCutivas
ComParação do desemPenho de
estudantes em instrumentos de atenção
e Funções exeCutivas
Adriana Nobre de Paula simão; ricardo franco de Lima; juliane Cristhine Natalin; sylvia maria Ciasca
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simão anP et al.
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atenção e Funções exeCutivas
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simão anP et al.
cores correspondentes (situação congruente); c) mento e raciocínio lógico. É composta por uma
“Cartão Cor-Palavra” (CP): são apresentados base de madeira com três pinos verticais e
nomes de cores impressos em outras cores, por quatro discos coloridos do mesmo tamanho, com
exemplo, a palavra “Amarelo” impressa na furo no centro para o encaixe nos pinos. O obje-
cor “Vermelha” (condição incongruente) e a tivo é mover os discos para reproduzir, em um
criança deve nomear a cor e não ler a palavra. número determinado de movimentos, a posição
Foram obtidos escores de tempo (em segundos) de uma figura-alvo apresentada. Existem dez
e número de erros. Também foram calculados problemas com grau crescente de dificuldade,
os escores de facilitação (C-P) e interferência e a partir de uma posição inicial a criança deve
(CP-C) para tempo e erros. realizar a tarefa em uma quantidade específica
de movimentos. São permitidas três tentativas
Trail Making Test A/B - TMT-A/B14 para a resolução do problema e a resposta é
A parte A do TMT é um teste de atenção considerada correta quando a solução é alcan-
sustentada visual, composto por folha com çada com o correto de movimentos. Os escores
círculos numerados de 1 a 25, distribuídos de de cada item podem variar de 0 a 3 pontos e o
forma aleatória, na qual a criança deve traçar escore total é a soma dos escores de todos os
uma linha ligando a sequência numérica. Foram itens. O escore pode variar de 0 a 30 pontos.
obtidos escores de tempo (em segundos) e nú-
mero de erros de ligação. A parte B é um teste Procedimentos
de flexibilidade mental, composto por círculos A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
com números e letras. A criança deve ligar al- Ética da Faculdade de Ciências Médicas da
ternadamente os círculos com números e letras, Universidade Estadual de Campinas/UNI-
seguindo respectivamente as ordens numérica CAMP. As crianças do grupo com queixas foram
e alfabética. Também foram obtidos escores selecionadas dentre aquelas encaminhadas ao
de tempo (em segundos), número de erros de Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Apren-
sequência e erros de alternância. dizagem, localizado no Hospital de Clínicas da
UNICAMP, para avaliação e diagnóstico das
Testes de Cancelamento - TC14 dificuldades de aprendizagem e atenção. As
Constituem testes de atenção sustentada, crianças sem queixas foram selecionadas dentre
exigindo rápida seletividade visual e resposta as indicações de professores de uma escola na
motora repetitiva. Foram usadas duas versões: cidade de Campinas/SP, por não apresentarem
a) Figuras Geométricas (TC-FG): a criança deve dificuldades de aprendizagem e/ou atenção.
marcar os círculos encontrados o mais rápido Todas as crianças foram avaliadas individual-
que conseguir em uma folha com uma sequên- mente após a assinatura do TCLE pelos pais.
cia pseudo-randômica de figuras geométricas; O tempo de cada atendimento foi em torno de
b) Letras em Fileiras (TC-LF): a criança deve 50 minutos e o número de encontros com cada
marcar todas as letras “A” em uma folha com participante foi de três sessões.
letras distribuídas de forma pseudo-randômica. Os dados foram analisados estatisticamente
Em ambos foram obtidos os escores de tempo usando o SPSS v15. Foi adotado o nível de sig-
(em segundos), erros por omissão (número de nificância de 5%, isto é, valor de p<0,05.
estímulos-alvo que a criança não assinalou) e
erros por adição (número de estímulos-não alvo RESULTADOS
que a criança assinalou).
Caracterização da amostra
Torre de Londres – TOL14 Com relação à amostra total, participaram
Tarefa que avalia a habilidade de planeja- do estudo 40 crianças com idade média de
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atenção e Funções exeCutivas
9,48 (DP=1,46), sendo 23 (57,5%) do gênero tais critérios, as crianças do grupo propósito
masculino e 17 (42,5%) do feminino. Não houve também deveriam apresentar queixas referen-
diferenças (p=0,685) entre as idades médias do tes à atenção e à aprendizagem. A análise das
gênero masculino (9,77+0,43 anos) e feminino queixas deste grupo indicou maior frequência
(9,57+0,96 anos). daquelas referentes à atenção/concentração
A Tabela 1 mostra a frequência dos gêneros (33,9%), seguida por dificuldade na leitura e
em relação aos grupos de estudo. Não houve escrita (19,6%), conforme apresenta a Tabela 2.
diferenças na distribuição entre os grupos (Teste
de Fisher, p= 0,523). Comparação do desempenho
A média de idade do grupo com queixas foi A comparação do desempenho entre os
de 9,70 (DP=1,59) e do grupo sem queixas foi grupos nos instrumentos utilizados pode ser
de 9,25 (DP=1,06), sem diferenças significativas observada na Tabela 3.
entre elas (p=0,434). Também não houve dife- Os resultados indicaram que houve diferen-
renças entre os grupos em relação ao nível de ças significativas entre os grupos nos escores
escolaridade (Teste qui-quadrado; χ² =11,883, dos testes: Stroop Color Word Test (Cor-Erros
g.l.=6, p=0,06). e Tempo, Palavra-Erros e Tempo, Cor/Palavra-
Com relação ao grupo com queixas, a mé- Erros e Tempo, Interferência de Erros); Teste de
dia do QI total foi de 102,65 (DP=21,96), obtido Cancelamento – Figuras Geométricas (Erros de
por meio da Escala Wechsler de Inteligência Omissão e Tempo); Teste de Cancelamento – Le-
para Crianças (WISC-III), de modo que não tras em Fileira (Erros de Omissão); Trail Making
apresentavam rebaixamento intelectual, con- Test – Parte A (Erros e Tempo); Trail Making Test
forme os critérios de inclusão. De acordo com – Parte B (Erros de Alternância, de Sequência
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simão anP et al.
e Tempo) e Torre de Londres. O grupo com padrão já caracterizado em outros estudos de-
queixas apresentou escores de tempo e erros senvolvidos no Ambulatório como, por exemplo,
aumentados em relação ao grupo sem queixas. o estudo de Ciasca28, com frequência de 64%
No caso do escore da TOL, o grupo sem queixas de meninos. Posteriormente, os estudos de Lima
apresentou escore maior. et al.1, com 75%, e Lima et al.29, com 70% de
crianças do gênero masculino.
DISCUSSÃO Estudos realizados em outros serviços indi-
No que se refere às características da amos- cam resultados semelhantes no que se refere
tra, observou-se frequência maior de crianças ao encaminhamento para avaliação de crianças
do gênero masculino (57%), dentre aquelas com dificuldades de aprendizagem. Scorte-
encaminhadas ao Ambulatório de Neuro-Difi- gagna e Levandowski30, em estudo realizado
culdades de Aprendizagem e pertencentes ao no Serviço de Psicologia do Programa Vincu-
grupo com queixas. Este resultado segue um lação, de Caxias do Sul, observaram que, de
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atenção e Funções exeCutivas
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simão anP et al.
SUMMARY
Comparison of performance of students in instruments of attention
and executive function
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atenção e Funções exeCutivas
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simão anP et al.
26. Szobot CM, Stone IR. Transtorno de défi- xa escolar da rede municipal de ensino de
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180
ArTiGo
avaliação oriGiNAL
da haBilidade matemátiCa
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rodrigues sd et al
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avaliação da haBilidade matemátiCa
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rodrigues sd et al
Quadro 2 - Teste de habilidade matemática – THm (rodrigues e Ciasca). Descrição dos conteúdos
avaliados e respectiva pontuação.
Total 50
Porcentagem 100%
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avaliação da haBilidade matemátiCa
A esse respeito é interessante mencionar que facilidade com a matemática, enquanto que as
desde a Lei de Diretrizes e Bases6 a orientação é meninas teriam maior facilidade com a lingua-
que as crianças com dificuldades sejam subme- gem escrita.
tidas à intervenção e avancem nas séries iniciais Quando se fez a correlação entre desem-
continuamente. Ocorre que, em muitos casos, as penho no TDE e no THM, constatou-se que o
escolas não possuem estrutura adequada (física grupo de alunos classificados como tendo re-
e humana) para fazer o diagnóstico e proceder à sultado “inferior” em escrita e leitura também
solução, ou ao menos a minimização do proble- teve pior resultado no THM. Contrariamente,
ma, fato que acaba por resultar na progressão o grupo classificado com resultado “médio”
da dificuldade. No final do II ciclo, quando o ou “superior” em escrita e leitura teve melhor
aluno não atinge os critérios mínimos atingidos, desempenho no teste de matemática. Como
não é raro que o mesmo seja retido e só então se nota na Tabela 4, a comparação dos grupos
encaminhado para avaliação especializada7. demonstrou diferença estatisticamente signifi-
Pode-se considerar que esse tipo de atitude cativa no subteste de escrita. Nesse sentido, é
prejudica imensamente a criança. Isso porque se importante que o profissional que avalia as ha-
sabe hoje que não só existem períodos críticos bilidades matemáticas também avalie a escrita
para a plasticidade cerebral, como também essa e a leitura (codificação, decodificação, produção
é dependente da estimulação adequada8. Além e interpretação de textos). Por se tratar de es-
disso, se a criança começa a apresentar pro- tudo preliminar, neste estudo foram avaliados
blemas no início da escolarização e não recebe somente codificação e decodificação, por meio
a devida atenção (diagnóstico e intervenção), do teste mencionado.
corre-se o risco de se agravar a dificuldade, não Analisando-se o desempenho global do gru-
só pela ausência de providências, mas também po no THM, constata-se que:
pelos problemas de ordem emocional que po- • Todas as crianças demonstraram capa-
dem vir a se manifestar. cidade de diferenciar números de letras
Não há como afirmar se os aspectos ante- (questão 1);
riormente discutidos se aplicam às seis crianças • 2/22 crianças não conseguiram fazer cor-
deste estudo, já que não se procedeu à avaliação respondência termo-a-termo (questão 2);
psicopedagógica das mesmas. Sabe-se, porém, • 5/22 crianças tiveram diiculdade na se-
que duas delas (sujeitos 5 e 16) tiveram pior quenciação numérica e/ou contagem dos
desempenho no THM (28% e 37% de acerto, números de forma alternada (questão 3);
respectivamente) e desempenho inferior nos • 8/22 crianças tiveram diiculdade de pas-
três subtestes (escrita, aritmética e leitura) do sar números escritos na forma de palavra
TDE (Tabelas 1 e 2). Certamente, as dificuldades para a forma arábica (questão 5);
das crianças serão agravadas na etapa poste- • 12/22 crianças tiveram diiculdade de
rior de ensino (entre o 6º e 9º ano), se não for passar números escritos na forma arábica
feito o diagnóstico e a intervenção de maneira para a forma de palavras (questão 6);
adequada. • 14/22 crianças não conseguiram identii-
Comparando-se o desempenho dos sujeitos car o valor posicional do número (questão
em função do gênero, não se encontrou dife- 7);
rença estatisticamente significativa no TDE • 19/22 sujeitos não conseguiram compor
(Tabela 3) e no THM (p = 0,815 – Teste de Mann numerais, 2/22 acertaram parcialmente e
Whitney). Assim, meninos e meninas tiveram apenas 1/22 teve êxito (questão 8);
desempenho similar nos dois testes utilizados. • apenas 7/22 sujeitos conseguiram organizar
Tal dado contraria, pelo menos neste caso, o numerais em ordem crescente; 10/22 acerta-
senso comum de que meninos teriam maior ram parcialmente e 5/22 erraram (questão 9);
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rodrigues sd et al
• 4/22 crianças não tinham conhecimento so- envolvendo números naturais e racionais
bre conceito de unidade, dezena, centena, e interpretação de quadros e gráficos
milhar e dezena de milhar (questão 10); (questão 12);
• nenhuma criança conseguiu solucionar • nenhuma criança conseguiu solucionar
todas as contas aritméticas que envolviam todos os problemas que envolviam a ca-
operações de adição, subtração, multipli- pacidade de se localizar no tempo e no
cação e divisão (questão 11); espaço (questão 13);
• nenhuma criança conseguiu solucionar • apenas 5/22 sujeitos conseguiram reco-
todos os problemas que envolviam a ne- nhecer todas as formas geométricas pla-
cessidade de interpretar um enunciado, nas (questão 14).
186
avaliação da haBilidade matemátiCa
1 35 s 23 m 70 s 128 s
2 30 m 17 i 69 s 116 m
3 29 m 24 s 69 s 122 s
4 33 s 26 s 70 s 129 s
5 19 i 12 i 62 i 93 i
6 23 i 25 s 64 i 112 m
7 20 i 21 m 67 m 108 i
8 26 i 16 i 70 s 112 m
9 18 i 20 m 66 m 104 i
10 33 s 21 m 68 m 122 s
11 25 m 15 i 69 s 109 i
12 32 s 24 s 68 m 124 s
13 34 s 24 s 70 s 128 s
14 11 i 22 m 56 i 89 i
15 26 i 17 i 69 s 112 m
16 15 i 16 i 54 i 85 i
17 25 i 17 i 67 m 109 i
18 32 s 26 s 70 s 128 s
19 34 s 22 m 70 s 126 s
20 35 s 21 m 69 s 125 s
21 23 i 10 i 65 m 98 i
22 31 m 26 s 69 s 126 s
Legenda: Classif = classificação; i = inferior; m = média; s= superior.
Tabela 3 – Desempenho dos sujeitos no Teste de desempenho escolar (TDE) em função do gênero.
Gênero Pontuação média obtida
Escrita aritmética leitura Total
masculino (n=8) 23,5 20,7 65,2 109,5
feminino (n=14) 28,6 19,9 67,7 116,2
Valor de p(*) 0,946 0,116 0,418 0,378
*(Teste- T)
187
rodrigues sd et al
Tabela 4 – Comparação entre o desempenho nos subtestes de escrita e leitura no TDE com o desempenho no
THm.
Subteste do TDE Comparação Desempenho THM (Mean rank) Valor de p(*)
Escrita inferior (n=10) 5,50 0,000
superior (n=8) 14,50
188
avaliação da haBilidade matemátiCa
situações problemas que requerem a utili- uma série de fatores históricos associados.
zação das operações fundamentais (adição, Além disso, mais importante do que apontar
subtração, multiplicação, divisão). culpados é buscar soluções (a curto e mé-
A esse respeito, nota-se que neste estudo dio prazo) que minimizem os efeitos da não
nenhuma criança teve êxito total nas ques- aprendizagem.
tões 11 e 12, que exigiam o uso das operações O aprofundamento da discussão é uma das
fundamentais, sendo que pior desempenho medidas a ser colocada em prática, porém,
foi identificado na questão 12, que exigia a essa não pode se restringir a métodos de
capacidade de solucionar problemas mate- ensino. A compreensão da complexidade do
máticos a partir de interpretação de enun- desenvolvimento da criança, bem como os
ciado escrito e envolvimento de tabelas e fatores indicativos de que a mesma apresenta
gráficos. dificuldade na matemática, é essencial para
Por fim, embora se considere importante o diagnóstico e intervenção precoces.
algum tipo de classificação (inferior, médio, Em geral, o profissional que lida com o
superior, por exemplo) a partir do desempe- diagnóstico da dificuldade de matemática
nho das crianças no THM, nesse primeiro
carece de instrumentos validados e padro-
momento isso não foi realizado. Somente a
nizados para a nossa população. Embora
continuidade da aplicação do teste, com au-
haja testes disponíveis, geralmente esses se
mento da casuística, abrangendo crianças de
prendem à capacidade de a criança efetuar
diferentes níveis de ensino e em diferentes
contas aritméticas, que envolvem as quatro
escolas, possibilitará a identificação de um
operações básicas, e/ou atividades mnemô-
desempenho padrão e posterior classificação.
nicas. Não se leva em consideração, então,
os conteúdos de fato trabalhados pela escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O baixo rendimento escolar em matemá- No Brasil, os projetos pedagógicos para
tica no Brasil vem se mantendo inalterado o ensino da matemática obedecem, a priori,
com o passar dos anos2. Possivelmente, isso o que preconiza os PCN1. Nesse sentido, no
ocorre porque a matemática ensinada na es- presente estudo a ideia foi desenvolver um
cola geralmente é destituída de significado, teste para avaliar as habilidades matemáti-
havendo uma espécie de isolamento entre cas de crianças matriculadas nas séries ini-
essa e a realidade que ela representa. ciais do ensino fundamental, embasado no
Por conta disso, tende-se a culpar os pro- referido PCN. Optou-se, inicialmente, pela
fessores pelo fato de parte das crianças não aplicação do mesmo em uma classe do 5º
atingir os conhecimentos mínimos exigidos, ano do ensino fundamental e os resultados
após anos de escolarização. Entretanto, há preliminares foram aqui apresentados. Para
que se ter consciência de que não existe o futuro pretende-se padronizar e validar o
uma única explicação para o mau rendimen- THM e, adicionalmente, criar um protocolo
to acadêmico dos alunos, já que o sistema básico de identificação de discalculia do de-
educacional que temos hoje é resultado de senvolvimento.
189
rodrigues sd et al
SUMMARY
Performance in mathematics of primary school children using the Test
of Mathematics Ability: preliminary study
The aim of this study was to present the preliminary result of the Test
of Mathematical Ability (THM). Twenty one students were evaluated.
The average of correct answers was 34%. The children had difficulty in
basic concepts (number and ability to solve mathematical problems that
needed reading). It is necessary to continue the study with a larger number
of children.
190
ArTiGo oriGiNAL
intervenção na dislexia
treinamento da CorresPondênCia
graFema-Fonema em esColares de
risCo Para a dislexia
Daniele de Campos refundini; maíra Anelli martins; simone Aparecida Capellini
191
reFundini dC et al
192
intervenção na dislexia
Tabela 1 - Distribuição da média, desvio padrão, valor mínimo, valor máximo e significância (p) do desempe-
nho obtido e esperado dos escolares no teste para identificação precoce dos problemas de leitura.
193
reFundini dC et al
194
intervenção na dislexia
valor mínimo inferior a 51% do valor máximo em 3. Identificação de figuras pelo nome das
pelo menos 4 provas (conhecimento do alfabeto, letras: Foi apresentada aos escolares a imagem
consciência fonológica, nomeação rápida e lei- visual de uma letra para que identificassem as
tura de palavras e pseudopalavras) do teste para 2 figuras que tinham seus nomes iniciados com
identificação precoce dos problemas de leitura a letra.
em relação ao grupo-classe foram considerados 4. Identificação de figuras pelos sons das le-
de risco para a dislexia. tras: Foi apresentado aos escolares o som de uma
Dentre os 60 (100%) escolares submetidos letra e quatro figuras, estes deveriam apontar as
ao procedimento de identificação dos sinais da 2 figuras que iniciavam com o som apresentado.
dislexia, 18 (30%) apresentaram desempenho Depois do término do treinamento do progra-
inferior. A partir desse achado, os escolares ma correspondência grafema-fonema, os esco-
foram divididos em dois grupos: lares do GI e GII foram submetidos novamente
• Grupo I (GI): composto por 18 escolares à aplicação do Teste para identificação precoce
submetidos ao programa de treinamen- dos problemas de leitura, a fim de verificar o
to da correspondência grafema-fonema, impacto da realização deste programa nas habi-
sendo 61% do gênero masculino e 39% lidades avaliadas. Apenas 1 escolar do GII não
do gênero feminino; foi submetido à pós-testagem, pois foi transferido
• Grupo II (GII): composto por 42 escolares de escola.
não submetidos ao programa de treina- Ressalta-se que, em atenção aos aspectos
mento da correspondência grafema-fo- éticos em pesquisa com seres humanos, o es-
nema, sendo 45% do gênero masculino colar de risco para a dislexia identificado neste
e 55% do gênero feminino.
estudo, que não respondeu ao programa de
Após a distribuição dos escolares em dois
treinamento, foi encaminhado para diagnóstico
grupos, foi realizada a aplicação do procedi-
interdisciplinar e tratamento fonoaudiológico no
mento de intervenção com os escolares dis- Centro de Estudos da Educação e Saúde – CEES/
tribuídos em duplas. Da mesma forma que a FFC/UNESP.
avaliação utilizada anteriormente neste estudo, Para uma análise estatística, foi utilizado o
foram elaboradas estratégias para o programa teste de Friedman, com o intuito de verificar
de treinamento correspondência grafema-fone- possíveis diferenças entre os momentos de
ma a partir da descrição da pesquisa original5. intervenção, para as variáveis de interesse.
O programa de treinamento correspondên- Outro método de análise estatística utilizado foi
cia grafema-fonema utilizado neste estudo foi a aplicação do Teste dos Postos Sinalizados de
composto por 4 atividades trabalhadas em 18 Wilcoxon, com o objetivo de verificar possíveis
sessões de 50 minutos de duração realizadas diferenças entre os dois momentos, pré e pós-
em 2 sessões semanais na escola de origem das testagem, considerados na avaliação do grupo
crianças. As atividades desenvolvidas no pro- e possíveis diferenças entre o escore obtido e o
grama de treinamento estão descritas a seguir: escore esperado. O nível de significância ado-
1. Reconhecimento do alfabeto fonêmico: tado para a aplicação dos testes estatísticos foi
Foi apresentado o alfabeto para os escolares de 5% (0,050). A análise dos dados foi realizada
identificarem o nome da letra e o valor sonoro utilizando o programa SPSS (Statistical Package
de cada letra apresentada. for Social Sciences), em sua versão 17.0.
2. Combinação de letras para formação
de sílabas e palavras: Foram apresentadas 6 RESULTADOS
letras para que os escolares as combinassem As Tabelas 2 e 3 apresentam a distribuição da
e realizassem a formação de sílabas simples e média, desvio padrão e valor de p do desempe-
complexas, para posterior formação de palavras. nho obtido no teste para a identificação precoce
195
reFundini dC et al
Tabela 2 - Distribuição da média, desvio padrão, valor mínimo, valor máximo e valor p do desempenho dos
escolares do Gi em situação de pré e pós-testagem.
196
intervenção na dislexia
Tabela 3 - Distribuição da média, desvio padrão, valor mínimo, valor máximo e valor de p do desempenho
dos escolares do Gii em situação de pré e pós-testagem.
(ISI), memória de trabalho (MT), atenção visual diferença estatisticamente significante para as
(AV), leitura de palavras e não-palavras (L) e provas citadas, indicando que o conteúdo ofe-
compreensão de frases a partir de figuras (CF), recido pelo professor em sala de aula favoreceu
indicando melhora nas habilidades necessárias a melhora do desempenho dessas crianças nas
para a aquisição da leitura e correspondência provas descritas anteriormente.
grafema-fonema. O GII não submetido ao Na Tabela 4, pode-se observar que os escola-
programa de intervenção apresentou também res do GI e GII comparados em situação de pré-
197
reFundini dC et al
Tabela 4 - Distribuição da média, desvio padrão, valor mínimo, valor máximo e significância (p) do desempe-
nho dos escolares em situação de pré e pós-testagem no subteste de nomeação rápida de figuras (N.r)
198
intervenção na dislexia
199
reFundini dC et al
SUMMARY
Grapheme-phoneme correspondence training in students at risk for
dyslexia
200
intervenção na dislexia
201
ArTiGo
t oriGiNAL
eixeira mCtv et al.
maria Cristina Triguero Veloz Teixeira; Chi Kow mei; Alessandra Gotuzo seabra; Deisy ribas Emerich;
Elizeu Coutinho de macedo
202
haBilidades de leitura e esCrita de Crianças na reCuPeração do CiClo i
203
teixeira mCtv et al.
204
haBilidades de leitura e esCrita de Crianças na reCuPeração do CiClo i
das pelo governo para a Recuperação do Ciclo I Em relação aos desempenhos no Teste das
incluem método de ensino global, pressupondo Matrizes Progressivas de Raven, um teste de in-
que a criança comece por textos e frases forma- teligência não verbal, especificamente do fator
das por palavras conhecidas para desenvolver “g”, proposto por Spearman, os participantes
a estratégia de leitura baseada na tentativa de apresentavam uma média de 18,1 pontos, em
adivinhar o significado das palavras a partir do termos de escores brutos, com desvio padrão de
contexto, ou seja, uma focalização progressiva 6,7 pontos. Em termos de percentis, os desem-
em frases, palavras, sílabas até grafemas, dentre penhos no Teste Raven variaram do percentil
outras características18,47. Diante das evidências 5 ao percentil 25, com percentil médio de 15,9
já discutidas anteriormente, pode-se questionar a e desvio padrão de 9,8, conforme as normas do
eficácia desse procedimento para a alfabetização manual brasileiro48.
dos alunos já defasados dessas séries7,15,17,21.
Nesse contexto, o presente estudo teve como Instrumentos
objetivo verificar a relação entre dois proce- A avaliação do desempenho escolar foi feita
dimentos de avaliação de leitura e escrita em a partir de uma avaliação quantitativa e uma
um grupo de crianças com história de fracasso avaliação qualitativa. Na avaliação quantitativa,
escolar inseridas na Recuperação do Ciclo I. foram utilizados três dos sete testes computa-
Uma avaliação foi realizada com uso de testes dorizados da Bateria de Avaliação de Leitura e
Escrita BALE-On-line36 e o Teste de Matrizes
padronizados de habilidades de leitura e escrita
Progressivas de Raven – escala especial48.
baseados na psicologia cognitiva e no modelo
A Bateria de Avaliação de Leitura e escrita
de processamento da informação, e outra ava-
On-Line - BALE On-Line36 está formada por
liação de tipo qualitativa, baseada na obser-
um conjunto de testes computadorizados que
vação e descrição dos professores dos estágios
podem ser operados via Internet e avalia habi-
de alfabetização, seguindo os pressupostos do
lidades de leitura e escrita. Os testes utilizados
construtivismo adotados na abordagem global.
da bateria foram Teste de Competência de
Partiu-se das seguintes hipóteses: a) Apenas as
Leitura de Palavras, Teste de Compreensão de
primeiras avaliações confirmarão correlação en-
Sentenças Escritas e Teste de Nomeação de
tre os escores dos testes padronizados de leitura
Figuras por Escrita.
e escrita e avaliação qualitativa do professor, b) O Teste de Competência de Leitura de Pa-
Os testes padronizados identificarão com maior lavras e Pseudopalavras – TCLPP apresenta
especificidade possíveis problemas de leitura pares compostos por uma figura e um item es-
escrita em ambas as avaliações. crito (palavra ou pseudopalavra), bem como as
opções <CERTO-C> e <ERRADO-E>. A tarefa
MÉTODO do aluno é julgar se o item escrito corresponde
à figura apresentada, do ponto de vista gráfico
Participantes e semântico. O teste é composto por 78 itens,
Participaram do estudo 23 alunos de uma sendo que oito são de treino e 70 de teste, assim
mesma Classe de Recuperação do Ciclo I do a pontuação máxima a ser obtida é 70 pontos.
Ensino Fundamental de uma escola pública Há sete tipos de pares ordenados aleatoria-
estadual localizada em Parque das Nações, na mente, com dez itens de cada tipo. São estes
zona sul do Município de São Paulo. Destes, as palavras corretas regulares, como FADA sob
15 são do sexo masculino e 8 do sexo feminino. figura de fada; palavras corretas irregulares,
As idades dos participantes oscilaram entre 11 como TÁXI sob figura de táxi; palavras com
e 14 anos, com média de 11,4 anos e desvio incorreção semântica, como TREM sob figura
padrão de 0,84. de ônibus; pseudopalavras com trocas visuais,
205
teixeira mCtv et al.
como CAEBÇA sob figura de cabeça; pseudopala- descrever o estágio de alfabetização que cada
vras com trocas fonológicas, CANCURU sob figura aluno se encontrava e foi realizada ao longo
de canguru; 6) pseudopalavras homófonas, dos quatro bimestres do ano letivo: fevereiro-
PÁÇARU sob figura de pássaro; e pseudopalavras março (1), maio-junho (2), agosto-setembro (3) e
estranhas, como RASSUNO sob figura de mão. Os novembro-dezembro (4). No presente estudo são
pares corretos incluem as palavras corretas re- descritos apenas os resultados das avaliações ao
gulares (CR) e as palavras corretas irregulares final do 2o e do 4o bimestres. A avaliação consiste
(CI), e os pares incorretos incluem palavras com em uma observação que o professor realiza com
trocas semânticas (TS), pseudopalavras com seus alunos para atribuir ao aluno o estágio de
trocas visuais (TV), pseudopalavras com trocas alfabetização que a criança se encontra: estágio
fonológicas (TF), pseudopalavras homófonas pré-silábico; estágio silábico sem valor sonoro;
(PH) e pseudopalavras estranhas (PE). O teste estágio silábico com valor sonoro; estágio silábico
avalia o estágio de desenvolvimento da leitura alfabético e estágio alfabético. Os pressupostos
ao longo das etapas do desenvolvimento da dessa avaliação são construtivistas baseados
criança, sendo também utilizado para o diag- em Ferreiro49 sobre o processo de construção da
nóstico diferencial de distúrbios relacionados à escrita.
aquisição de leitura.
O Teste de Compreensão de Sentenças Escri- Procedimentos
tas – TCSE avalia a compreensão de leitura de O estudo foi conduzido em duas fases. A pri-
sentenças que variam em complexidade lexical meira foi realizada no final do primeiro semestre
e semântica. Consta de 46 telas, nas quais há do ano de Recuperação do Ciclo I, e a segunda
uma sentença e cinco figuras, sendo que o aluno fase foi executada no final do segundo semestre.
é solicitado a escolher a figura que corresponde Em ambas as fases, todos os participantes foram
à sentença escrita. Uma única alternativa é cor- avaliados com os instrumentos acima descritos da
reta, as quatro figuras restantes são distratoras. BALE On-Line, bem como foram registrados os
Dentre as 46 telas, 6 telas são de treino e 40 são resultados da avaliação do professor no bimestre
de teste. A pontuação máxima a ser obtida é de de acordo com o estágio de leitura. Além disso, na
40 pontos. Como há cinco figuras alternativas primeira avaliação, ao final do primeiro semestre,
para cada sentença, a probabilidade de acerto os alunos também foram avaliados nas Matrizes
acidental é de 20%. Pelo fato de existirem 40 Progressivas Coloridas de Raven – escala especial,
sentenças, a pontuação por acerto casual é de apenas para fins de caracterização dos participan-
8 pontos. tes, conforme anteriormente descrito.
Por último, o Teste de Nomeação de Figuras Todos os testes da BALE On-line foram apli-
por Escolha de Palavras – TNF contém 36 itens cados na sala de informática da escola. A sala
que permitem avaliar o desenvolvimento da constava de oito computadores que foram usados
competência de leitura em Português. Cada tela para efetuar as avaliações individualmente, isto
apresenta uma figura e o aluno deverá escolher, é, uma criança em cada computador. Todas as
dentre quatro palavras escritas, uma única op- crianças envolvidas no estudo já estavam familia-
ção que corresponda ao nome correto da figura. rizadas com o uso do computador antes de iniciar
Dentre as opções há distratores semânticos, as coletas de dados. Somente o Teste de Matrizes
ortográficos e quirêmicos. A pontuação máxima Progressivas Coloridas de Raven foi aplicado de
para o teste é 36 pontos. forma tradicional, com papel e lápis, em sala reser-
Na avaliação qualitativa utilizaram-se os vada da escola, com grupos de aproximadamente
resultados da avaliação de desempenho execu- oito alunos cada.
tada rotineiramente pelo professor da classe de Os escores brutos dos testes da BALE On-line
Recuperação do Ciclo I. A mesma consistiu em foram processados quantitativa e qualitativamen-
206
haBilidades de leitura e esCrita de Crianças na reCuPeração do CiClo i
Tabela 1 - Estatísticas descritivas, com média, desvio-padrão, mínimo e máximo, dos desempenhos nos 2o e
4o bimestres das avaliações conduzidas com uso do Teste de Competência em Leitura de Palavras (TCLP), Teste
de Compreensão de sentença Escrita (TCsE), Teste de Nomeação de figura por Escrita (TNf) e avaliação dos
professores (AP).
2o bimestre 4o bimestre
Avaliação média dp mín máx média dp mín máx
TCLP 47,20 48,20 31 64 48,20 9,059 30 61
TCsE 19,06 23,18 5 34 23,18 12,39 6 40
TNf 29,00 28,55 16 36 28,55 8,54 9 36
AP 4,96 5,43 2 6 5,43 0,90 3 6
207
teixeira mCtv et al.
Tabela 3 - matriz de correlação de Pearson e nível de significância entre a primeira e a segunda avaliação no
Teste de Competência em Leitura de Palavras (TCLP), Teste de Compreensão de sentença Escrita (TCsE), Teste
de Nomeação de figura por Escrita (TNf) e avaliação dos professores (AP).
TCLPP_1 TCSE_1 TNF_1 AP_1 TCLPP_2 TCSE_2 TNF_2
TCsE_1 r 0,706(**)
p 0,002
N 16
TNf_1 r 0,618(**) 0,790(**)
p 0,006 0,000
N 18 19
AP_1 r 0,531(*) 0,717(**) 0,742(**)
p 0,016 0,001 0,000
N 20 19 21
TCLPP_2 r 0,456(*) 0,598(**) 0,531(*) 0,691(**)
p 0,043 0,007 0,013 0,000
N 20 19 21 23
TCsE_2 r 0,370 0,408 0,448 0,332 0,550(**)
p 0,131 0,104 0,054 0,142 0,010
N 18 17 19 21 21
TNf_2 r 0,303 0,579(*) 0,692(**) 0,614(**) 0,646(**) 0,357
p 0,207 0,012 0,001 0,002 0,001 0,112
N 19 18 20 22 22 21
AP_2 r 0,410 0,536(*) 0,776(**) 0,816(**) 0,551(**) 0,558(**) 0,644(**)
p 0,072 0,018 0,000 0,000 0,006 0,009 0,001
N 20 19 21 23 23 21 22
208
haBilidades de leitura e esCrita de Crianças na reCuPeração do CiClo i
corresponde à classificação de estágio alfabético morfêmicas. Isto confirma uma vez mais que
não-ortográfico, subindo para 5,43 pontos na se- eles estavam lendo pela rota fonológica, ou
gunda avaliação, que corresponde a um estágio seja, pela decodificação grafofonêmica estrita,
intermediário entre o alfabético não-ortográfico sem fazer o uso da rota lexical. Há neste grupo
e o ortográfico. Entretanto, as médias nas duas ausência de processamento de leitura, leitura
avaliações em cada um dos testes da BALE no nível meramente logográfico, leitura no
On-line utilizados mostram que as pontuações nível perilexical com falta de acesso ao léxico
desses alunos encontram-se abaixo da média ortográfico e falta de acesso semântico, como
de acertos esperados para crianças da 4ª série, comprovado por outros autores36,52. Esses acha-
de acordo com Nikaedo et al.50 e Diana51. Es- dos confirmam a necessidade de programas de
tes escores médios obtidos nas três avaliações intervenção com uso de estimulação de cons-
padronizadas dos testes são compatíveis com ciência fonológica que facilitem a percepção
habilidades de desenvolvimento de linguagem fonêmica, assim como a compreensão básica de
escrita de crianças de 2ª série. Por exemplo, o princípios alfabéticos, como mostrado no estudo
TCSE foca habilidades de compreensão e de de Silva e Capellini54, realizado com crianças
leitura de sentenças e as médias de acertos entre 8 e 10 anos de idade.
nas avaliações inicial e final são plausíveis Independentemente deste resultado no tes-
de serem interpretadas como decorrentes de te, ao finalizar a recuperação do ciclo, todos os
um processamento de informações ainda não alunos são, inexoravelmente, promovidos para a
ortográfico, ou seja, uma leitura que, provavel- 5ª série, segundo a medida de Progressão Con-
mente, encontra-se entre o nível logográfico e tinuada deliberada no Conselho Estadual da
o nível alfabético36. Mas são crianças que serão Educação, a partir da Deliberação CEE 9/199740.
promovidas para a 5ª série independentemente Trata-se de uma promoção compulsória de
deste resultado. alunos para a 5ª série que não é efetiva em
De um lado é conhecida a estreita relação termos de melhoras de ensino nem de aprendi-
que existe entre o desenvolvimento de habilida- zagem43. Em 2001, provou-se que a própria me-
des de leitura e escrita e a sensibilidade que a dida é avaliada como negativa e contraditória
criança deve ter aos diferentes segmentos silábi- por 10.027 professores de ensino do estado de
cos e fonêmicos15,52,53. De outro, apresenta-se um São Paulo, como relatado no estudo de Almeida
conceito final nos estágios da leitura e escrita et al.55.
segundo critérios de professor que não parecem
refletir o aproveitamento das crianças. Os esco- CONCLUSÃO
res da BALE On-Line parecem ir à contramão O presente estudo permite uma reflexão
das avaliações do professor. Observou-se no es- sobre a eficácia da Classe de Recuperação de
tudo que os dois piores resultados obtidos pelos Ciclo I na promoção da competência de leitura
alunos foram nos subtestes pares de palavras e escrita. Como foi observado, os alunos da
Pseudopalavras Homófonas e Troca Fonológica presente amostra não apresentaram qualquer
do TCLP. Um dos principais erros cometidos pe- ganho significativo em testes padronizados
los alunos foi deixar de rejeitar pseudopalavras de leitura e escrita do segundo para o quatro
com trocas fonológicas e leituras incorretas de bimestre do ano escolar. Além disso, seu nível
palavras que se afetou pela irregularidade das de leitura caracterizou-se basicamente como
mesmas. Uma conclusão parcial é que os alunos logográfico, apesar de já terem cursado os pri-
que participaram do presente estudo ainda não meiros quatro anos do ensino fundamental e,
atingiram os estágios de leitura e escrita orto- adicionalmente, a classe de recuperação. Ou
gráficos e não são capazes de acessar o léxico seja, além desses alunos estarem com um nível
semântico a partir da identificação de unidades de leitura e escrita incipiente, eles em nada
209
teixeira mCtv et al.
melhoraram do segundo para o quarto semestre nizados com o passar dos bimestres. Sabendo
escolar e, apesar disso, foram todos aprovados que tais testes são padronizados no contexto
para a 5ª série do ensino fundamental. nacional36, infere-se que os estágios da leitu-
Tais achados, apesar de terem sido coleta- ra e escrita atribuídos pelos professores aos
dos com uma amostra pequena e proveniente alunos parecem seguir critérios variáveis, sem
de uma única classe, corroboram os resultados sistematização científica e, consequentemente,
de pesquisas prévias. Estudo anterior em que imprecisos. Assim, pode-se questionar o quan-
foram avaliadas habilidades de leitura, escrita to são capazes de refletir o real aproveitamento
e aritmética de alunos do ensino fundamental das crianças. Isto confirma o apontado por Car-
já havia revelado dificuldades na aquisição valho46 e Junior et al.31, quando colocam que os
das habilidades acadêmicas ao final do ciclo professores utilizam um procedimento de ava-
da progressão continuada. Gomes44, em estudo liação ambíguo e inconsistente ao outorgar um
de revisão sistemática sobre implementações ou outro conceito. Estas ambiguidades já foram
da progressão continuada em vários países do apontadas em outros sistemas de ensino, como
mundo, comenta que o sistema, em muitos paí- é o caso de Portugal. Neste sentido, Fernándes
ses, garantiu um bom aprendizado de discentes
critica a denominada avaliação sumativa uti-
quando se combinaram a promoção automática
lizada em Portugal, cuja função é classificar e
com a flexibilidade da organização e avaliações
certificar os alunos para estabelecer balanços
externas rigorosas. Entretanto, em muitos países
globais sobre o que o aluno sabe e é capaz
de América Latina, esta promoção automática
de fazer. O autor ainda assinala que este tipo
não assegurou melhor aprendizagem ou a eli-
de avaliação parece não ter contribuído para
minação da repetência. Por exemplo, Brasil que,
o desenvolvimento de práticas de avaliação
dentre outros efeitos negativos, a progressão
formativa orientadas para a melhoria do ensino
continuada tem servido apenas para transferir
e das aprendizagens.
os problemas para o fim do ciclo básico.
Desta forma, a medida da progressão conti- Pode-se sugerir, a partir dos dados obtidos,
nuada parece estar garantindo um alto índice a fragilidade do sistema de avaliação escolar
de aprovação sem o devido sucesso escolar que está sendo usado na escola que foi lócus da
propriamente dito46, e o sistema de classes de pesquisa. Ressalta-se, porém, a necessidade de
recuperação de ciclo não parece estar sendo que este estudo seja replicado em outros con-
eficaz. De fato, o presente estudo mostrou que textos escolares e com amostras mais amplas,
os participantes promovidos para a 5ª não de- com a finalidade de avaliar, mediante o uso de
senvolveram habilidades de leitura e escrita instrumentos padronizados, as habilidades de
conforme os testes da BALE On-Line que foram leitura e escrita de alunos da recuperação do
utilizados. ciclo I. Dados como estes poderão contribuir
Adicionalmente, observou-se, no presente com o questionamento não só do sistema de
estudo, que os conceitos atribuídos pelos pro- avaliação vigente, mas também com o ques-
fessores aos alunos tornaram-se menos corre- tionamento da própria medida de progressão
lacionados aos desempenhos nos testes padro- continuada.
210
haBilidades de leitura e esCrita de Crianças na reCuPeração do CiClo i
SUMMARY
Reading and writing skills of child into recovery cycle I: divergences
between assessment of teachers and results of standardized tests
211
teixeira mCtv et al.
212
haBilidades de leitura e esCrita de Crianças na reCuPeração do CiClo i
213
FArTiGo
rota s &oriGiNAL
Pereira ld
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ProCessamento auditivo: estudo em Crianças Com distúrBios da leitura e da esCrita
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Frota s & Pereira ld
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ProCessamento auditivo: estudo em Crianças Com distúrBios da leitura e da esCrita
Tabela 1 - medidas descritivas das identificações corretas dos itens obtidos pelos indivíduos do G1 e G2, nos
Testes Verbais de Processamento Auditivo.
SSW SSW SSW SSW SSW SSW SSW SSW MSV MSV F/R F/R F/R F/R
OD OD OE
DC DC EC EC total total INV. INV. OE%
% % %
Obser-
% % % % % %
vação
acer- acer- acer- acer- acer- acer-
tos tos tos tos tos tos
G1 G2 G1 G2 G1 G2 G1 G2 G1 G2 G1 G2 G1 G2
média 90,8 83,58 89,53 81,78 93,85 88,43 0,57 1,40 2,83 2,60 81,73 76,67 80,40 77,33
mediana 95 85,0 93,50 85,0 95,93 88,12 0,0 0,50 3 3 80,0 80,0 80,0 75,0
+ + + + + + + + + + + + + +
D.Padrão
9,55 10,39 9,85 15,40 5,69 7,25 1,43 1,83 0,37 0,67 6,78 10,35 9,35 9,30
mínimo 55,0 57,50 62,50 37,50 76,87 69,37 0,0 0,0 2,0 0 68,0 52 64,0 60,0
máximo 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 93,37 7,0 7,0 3,0 3 95,0 92 95,0 92,0
ssW: Teste de dissílabos alternados; DC e EC: Direita Competitiva e Esquerda Competitiva; inv: inversões; msV: memória se-
quencial Verbal; f/r: Teste de fala com ruído.
mente significantes entre os grupos analisados. No Teste de Memória Sequencial Não Verbal
No estudo das respostas do Teste Auditivo de (MSNV) e de Localização foi realizado o Teste
Fala com Ruído, o teste t-Student apontou p-va- qui-quadrado e não foram encontradas asso-
lores para a orelha direita de 0,029 e para orelha ciações estatisticamente significantes entre os
esquerda de 0,21. Esse índice indica diferenças grupos G1 e G2, com p-valores de 0,202 (MSNV)
estatisticamente significantes, apenas para a e de 0,166 (localização).
orelha direita, entre as respostas de cada grupo.
Na Tabela 2, encontram-se os resultados re- DISCUSSÃO
ferentes à estatística descritiva dos Testes Não A realização de testes que avaliam o proces-
Verbais de Processamento Auditivo. samento auditivo, em indivíduos com distúr-
Baseada na média das variáveis dos itens de bios de leitura e escrita, tem sido recomendada
acertos do Teste Dicótico Não Verbal, nas condi- por diversos autores4,5,9-12. Tal recomendação
ções atenção livre, atenção direcionada à direita se faz necessária, uma vez que o Distúrbio do
e à esquerda, foi utilizado o teste t-Student para Processamento Auditivo, quando presente,
a análise inferencial, o qual não apontou dife- requer treinamento auditivo específico, que
renças significantes entre as respostas observa- pode melhorar o desempenho para o proces-
das no G1 e G2. O teste apresentou p-valores de samento acústico rápido, aumentar a ativação
0,44 (condição atenção livre na orelha direita) e do cérebro e melhorar significativamente a
0,32 (condição atenção livre na orelha direita). linguagem e a leitura6.
Já para a etapa de atenção direcionada à Na pesquisa, observou-se que na avaliação
direita e à esquerda, o Teste t-Student apon- linguística o G1:
tou diferenças significantes entre as respostas • mostrou boa compreensão de narrativas ou-
dos grupos, havendo p-valores de 0, 015 para vidas, indicando bom desenvolvimento dos
atenção à direita e de 0, 019 para atenção à níveis semânticos e pragmáticos;
esquerda. • presença da habilidade de manipular os sons
217
Frota s & Pereira ld
Tabela 2 - medidas descritivas das identificações corretas dos itens obtidos pelos indivíduos do G1 e G2, nos testes não
verbais de Processamento Auditivo.
Lo- Lo-
TDNV TDNV TDNV TDNV TDNV TDNV TDNV TDNV TDNV TDNV MSNV
cal cal
da fala, revelando que a consciência fonológi- tória para o nível de escolaridade; baixo nível
ca estava adequada para a faixa etária; de compreensão de narrativas, principalmente
• boa capacidade de escrever palavras regula- para a leitura silenciosa; e um tipo de leitura
res e irregulares, sugerindo, de acordo com o pausada e silabada (alfabética), sinalizando ine-
autor2, o desempenho competente no uso da ficiência no uso da estratégia ortográfica (leitura
estratégia ortográfica na escrita, velocidade de lexical) e no duplo processo para a leitura, de
leitura satisfatória para o nível de escolarida- acordo com a literatura especializada2,15.
de, bom nível de compreensão de narrativas,
tanto para a leitura oral, quanto para a leitura TESTES VERBAIS DO PROCESSAMENTO
silenciosa e um tipo de leitura global (lexical). AUDITIVO
Para as crianças do G2, a análise do desem- Ao analisar os testes comportamentais do
penho nos testes linguísticos demonstrou: processamento auditivo (Tabela 1), observamos
• boa compreensão de narrativas ouvidas, pa- que, no Teste SSW, a quantidade de acertos to-
recendo ter bom desenvolvimento dos níveis tais em porcentagem foi de cerca de 90% para
semânticos e pragmáticos; G1, e de 80% para G2. Desta forma, o desem-
• inabilidade de manipular os sons da fala, penho de G2 foi pior no mecanismo fisiológico
apontando que a consciência fonológica está de discriminação de sons sobrepostos em escuta
inadequada para a faixa etária; dicótica, cuja habilidade é figura-fundo2,16. Tal
• diiculdades de escrever palavras regulares achado também é descrito na literatura12.
e principalmente irregulares, sugerindo que Os resultados do Teste SSW, em relação às
a criança apresenta desempenho compatível inversões da ordem das palavras, demonstraram
com a estratégia alfabética, não tendo atingido que o desempenho de G2 foi inferior a G1. A
o domínio da estratégia ortográfica na escrita. partir daí, é possível levantar a hipótese de que
Assim, os indivíduos que constituíram o a alteração, no mecanismo fisiológico de discri-
G2 apresentaram, de modo geral, resultados minação de sons em sequência, pode dificultar
insatisfatórios para a escrita de palavras reais a aprendizagem da leitura e escrita.
e inventadas; velocidade de leitura insatisfa- Neste estudo, analisou-se que 10 (33,3%)
218
ProCessamento auditivo: estudo em Crianças Com distúrBios da leitura e da esCrita
crianças de G1 apresentaram Distúrbio de Pro- isto não é a base destes problemas, podendo ser
cessamento Auditivo. Dentre estas, 4 (13,3%) simplesmente um agravante.
com alterações de processamento auditivo de Para o Teste de Memória Sequencial Verbal
grau leve; 5 (16,6%) com alterações de grau mo- não ocorreram diferenças estatisticamente sig-
derado; e 1 (3,3%) com alterações de grau grave. nificantes entre as médias de G1 e G2. Assim,
A partir destes dados, poderão ser feitos os indivíduos com distúrbios de leitura e escrita
diversos questionamentos. A alteração do pro- não apresentaram desempenho ruim nos meca-
cessamento auditivo puro, é suficiente para nismos fisiológicos auditivos, cuja habilidade é
causar dificuldades linguísticas? Os resultados memória sequencial para sons verbais.
anômalos, nos Testes Verbais de Processamento Um estudo7 buscou estabelecer a relação
Auditivo realizados, indicam que há risco dos das dificuldades de leitura e escrita com as
desenvolvimentos da linguagem e acadêmico alterações do processamento auditivo, avalia-
não continuarem a progredir adequadamente das por meio dos Testes Comportamentais de
naquelas crianças? Localização Sonora; Memória Sequencial Não
Como resultado de um estudo sobre a relação Verbal; e Memória Sequencial Verbal, também
entre os Distúrbios de Processamento Auditivo denominado Avaliação Simplificada do Proces-
e as alterações linguísticas17, os autores obser- samento Auditivo. As autoras não encontraram
varam que nem todas as crianças com proble- associação significante entre alteração na prova
mas linguísticos apresentaram dificuldades no de memória sequencial verbal e o desempenho
processamento auditivo temporal e vice-versa. rebaixado em tarefas de leitura e escrita7, o que
O déficit de processamento auditivo pode estar corrobora com os achados do presente estudo.
presente em crianças com linguagem normal. O presente trabalho mostra que a pesquisa
Segundo os autores17, são inúmeras as causas do desempenho em tarefa de sequencialização,
ou fatores de risco que agem sinergicamente e avaliada pelo Teste Diótico de Memória Se-
que levam a transtornos nos diferentes níveis quencial Verbal, talvez não seja eficiente como
linguísticos. O processamento auditivo puro único instrumento de pesquisa das alterações
não é fator suficiente para causar dificuldades de processamento auditivo, nos transtornos es-
de linguagem. pecíficos da leitura e da escrita. Isto porque não
Por outro lado, também é descrito na litera- houve diferença estatisticamente significante
tura que as alterações de processamento audi- entre G1 e G2. Assim, acreditamos que é impor-
tivo – processamento binaural; dificuldade de tante realizar testes auditivos comportamentais
perceber fala com ruído de fundo; déficit de dis- mais complexos como os de Escuta Dicótica.
criminação e ordenação temporal de sequências No Teste Fala com Ruído Branco, ocor-
rápidas, no sinal auditivo; e discriminação de reram diferenças estatisticamente signifi-
frequência – podem ser a base de inúmeros pro- cantes somente entre as respostas da orelha
blemas de linguagem18. Também é importante direita (Tabela 1).
ressaltar que alterações da ordenação temporal A média das porcentagens de acertos no
de sons, de diferentes frequências (alta/baixa) Teste Fala com Ruído, no qual a habilidade au-
e duração (longo/curto), ocorrem em crianças ditiva é o fechamento, houve diferenças de 5,06
com déficit de consciência fonológica5. e 3,07 nas orelhas direita e esquerda, respec-
No G2, é provável que as disfunções no me- tivamente. Isso demonstra que o desempenho
canismo fisiológico auditivo de discriminação de G2, na orelha direita, foi pior no mecanismo
de sons, sobrepostos em escuta dicótica (figura- fisiológico de discriminação de sons fisicamente
fundo) e discriminação de sons em sequência, distorcidos.
estejam associadas aos transtornos específicos Ao estudar a habilidade de compreender a
da leitura e da escrita; porém, acredita-se que fala com ruído em adultos com e sem dislexia11,
219
Frota s & Pereira ld
220
ProCessamento auditivo: estudo em Crianças Com distúrBios da leitura e da esCrita
SUMMARY
Auditory processing: study in children with specific reading and wri-
ting deficits
221
Frota s & Pereira ld
8. Pereira LD, Navas AL, Santos MTM. Pro- spectiva geral sobre leitura, escrita e
cessamento auditivo: uma abordagem de suas relações com consciência fonológi-
associação entre a audição e a linguagem. ca. In: Capovilla AGS, Capovilla FC,
In: Santos MTM; Navas AL, eds. Distúrbios eds. Problemas de leitura e escrita. São
de leitura e escrita - Teoria e prática. São Paulo:Memnon;2000. p.3-37.
Paulo:Manole;2002. p.75-93. 14. Capellini SA, Cavalheiro LG. Avaliação do
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with reading and spelling disorder. Z senvolvimento. 2000;97(2):95-15.
Kinder Jugendpsychiatr Psychother. 15. Mousinho R, Starosky P. Análise linguística
2004;32(2):77-84. de figura-fundo na compreensão de narra-
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H; Collet L. Auditory processing disor- Revista Fono-atual. 2002;5(21):40-6.
der in children with reading disabili- 16. Pereira LD, Schochat E. Processamento
ties: effect of audiovisual training. Brain. auditivo central: manual de avaliação. São
2007;130(11):2915-28. Paulo: Lovise;1997.
11. Hoen M, Grataloup C, Veuillet E, Thai- 17. Bishop DVM, Carlyon RP, Deeks JM,
Van H, Collet L, Meunier F. Evoluation of Bishop SP. Auditory temporal processing
auditory processing disorder and auditory impairment: neither necessary nor suf-
processing efferent system functional- ficient for causing language impairment
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2008;123(5):3566-72. and the development of language and litera-
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nootologie. 2007;86(1):22-6. sua natureza e tratamento. Porto Alegre:
13. Capovilla AGS, Capovilla FC. Uma per- Artes Médicas;1996. P.51-71.
222
avaliação PsiComotora deArTiGo oriGiNAL
esColares do 1º ano do ensino Fundamental
223
Ferreira tl et al.
224
avaliação PsiComotora de esColares do 1º ano do ensino Fundamental
As grandes causas funcionais nos problemas visão proporciona o modelo gráfico mais regu-
leitura-escrita são déficits cognitivo-linguísticos lar e rápido. A escrita consiste na organização
que podem ser observados nos atrasos ou nos de movimentos coordenados para reproduzir
transtornos de linguagem e nos problemas es- formas e modelos; constitui uma praxia motora.
sencialmente psicomotores4,7. A coordenação visomotora se elabora de modo
Morais8 relatou que crianças com problemas progressivo com a evolução motriz da criança e
de aprendizagem podem apresentar dominân- do aprendizado. Visão e feedback perceptivo-
cia lateral contrariada, cruzada ou indefinida, motor estão estruturados e coordenados para
porém não há relação causa-efeito direta entre produzir comportamento motor adaptado em
os problemas de lateralidade e os problemas de qualquer situação1.
aprendizagem. A leitura é a varredura ordenada feita com
Entretanto, em termos de processo de apren- os olhos sobre o material escrito. Para o desen-
dizagem, as dificuldades que ocorrem em crian- volvimento da leitura e da escrita faz-se ne-
ças com lateralidade cruzada e indefinida, se cessária, além da capacidade de simbolização,
referem ao tipo de grafia (disgrafia); às dificul- verbalização e desenvolvimento intelectual, a
dades de orientação espacial (quando utilizam a criança deve ter capacidade de memorização,
folha de papel) e às posturas inadequadas para acuidade visual, coordenação ocular, atenção
escrever. As dificuldades de orientação espacial dirigida e concentração, mínimo de vocabulário
e as posturas inadequadas, por sua vez, podem e compreensão, noção de lateralidade, orienta-
trazer implicações diretas sobre a produção ção espacial e temporal10.
escrita da criança. Além destes pré-requisitos já citados, Vallet
Assim como a linguagem oral, a escrita é apud Capellini11 referiu que para ler, a criança
essencialmente um modo de expressão e de também precisa ter habilidade para entender
comunicação. Entretanto, a linguagem oral é e interpretar a língua falada no cotidiano;
anterior ao grafismo e ao aprendizado da lei- memória auditiva e ordenação; habilidade no
tura e da escrita e apóia-se numa linguagem processamento das palavras; análise estrutural
expressiva em cujo nível a sucessão sonora e e contextual da língua; síntese lógica e interpre-
a qualidade dos sons emitidos não manifestam tação da língua; desenvolvimento e expansão
déficits patentes. Em outras palavras, antes do do vocabulário e fluência na leitura.
aprendizado da leitura, é preciso estimular a Com base no exposto, este trabalho teve por
criança a utilizar a linguagem oral de forma objetivo realizar a caracterização psicomotora
mais rica e correta possível4. em um grupo de escolares do 1º ano do ensino
Ferreiro9 afirma que a escrita pode ser consi- público fundamental.
derada como uma representação da linguagem
ou como um código de transcrição gráfica das MÉTODO
unidades sonoras. No caso da codificação, tanto O estudo foi realizado após aprovação
os elementos como as relações já estão prede- do Comitê de Ética em Pesquisa (parecer nº
terminados; porém na criação de uma represen- 1180/2009) da Faculdade de Ciências Médicas
tação, nem os elementos nem as relações estão da UNICAMP.
predeterminados. Participaram deste estudo 17 estudantes
A escrita representa uma atividade motriz matriculados no 1º ano do ensino fundamental,
usual que requer a atividade controlada de sendo 10 do gênero masculino e 7 do gênero
músculos e articulações de um membro superior feminino, com faixa etária de 6 anos e 1 mês a
associada à coordenação visomotora. Conside- 7 anos e 2 meses, com média etária de 6 anos e
rando que a coordenação óculo-manual não é 2 meses. Os critérios de inclusão para a partici-
indispensável, a escrita manual guiada pela pação deste estudo foram: assinatura do Termo
225
Ferreira tl et al.
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), meses, média etária de 6 anos e 2 meses e sem
apresentar desenvolvimento neuropsicomotor diferença estatisticamente significante entre os
dentro da normalidade, apresentar acuidade grupos. Em relação à idade, foram avaliados 13
auditiva e visual e ter freqüentado, no mínimo, (76,5%) escolares com 6 anos e 4 (23,5%) com
três anos do ensino infantil. Foram critérios 7 anos. Houve predomínio de escolares do sexo
de exclusão: alteração do desenvolvimento masculino na faixa etária de 6 anos, conforme
neuropsicomotor, alteração sensório-motora, Tabela 2.
apresentar diagnóstico e/ou comorbidade de Entre os sujeitos, a idade média do gênero
outras origens neurológicas ou psiquiátricas masculino foi de 6,20 anos e do gênero feminino
e não ter freqüentado, no mínimo, 3 anos de foi de 6,29 anos (+ 0,49), sem diferenças signifi-
ensino infantil. cativas (p = 0,704), conforme Tabela 3.
O trabalho foi desenvolvido na escola públi-
ca na cidade de Mairinque-SP, que atende alu- Estatística descritiva do instrumento
nos desde o maternal até o 1º ano, nos períodos Na Tabela 4, encontra-se a descrição de
matutino e vespertino. desempenho mínimo, máximo, médio e desvio
Para a realização deste trabalho, os sujei- padrão nos testes citados.
tos foram submetidos à avaliação por meio da No teste de reconhecimento de esquerda e
bateria psicomotora proposta por Mattos & Ka- direita em si e no outro, os sujeitos avaliados de-
barite7, que propõem a análise da tonicidade, monstraram mais facilidade de reconhecimento
equilíbrio, conhecimento do corpo, organização de esquerda e direita em si.
perceptiva e estruturação espacial, lateraliza- Não houve diferença significante estatisti-
ção, praxia global e praxia fina, por meio de camente em nenhum dos testes.
protocolo padronizado. Finalizada a avaliação, A Tabela 5 demonstra que em relação à do-
os professores e pais de crianças que apresen- minância lateral, a maior freqüência foi de uso
taram desempenho aquém do esperado foram de mão, pé e olho direito, com exceção da frequ-
orientados e encaminhados para intervenção. ência referente à dominância manual e ocular.
A bateria de avaliação proposta por Mattos Não houve diferença estatisticamente signi-
e Kabarite7 é subdividida em 3 etapas organi- ficante entre os gêneros na maioria das provas
zadas de acordo com os pressupostos teóricos (Tabela 6), porém apenas o teste de dissociação
das 3 unidades funcionais de Lúria12. A Tabela de movimentos apresentou diferença significa-
1 ilustra a bateria de avaliação psicomotora7 tiva (p=0,024*) entre os gêneros, sendo a média
utilizada neste estudo e a organização proposta de acertos dos meninos de 5,00 pontos e das
pelas autoras de acordo com o modelo funcional meninas 1,14 pontos.
Luriano. Foi realizado o teste qui-quadrado para ve-
Para a análise estatística foi utilizado o rificar a existência de associação entre as variá-
programa SPSS - Statistical Package for Social veis categóricas entre os gêneros. Os resultados
Sciences e adotado nível de significância de indicam que não houve diferenças entre os
5%, ou seja p <0,05. gêneros na dominância manual (qui-quadrado
= 0,580, g.l.= 2, p = 0,748) e dominância ocular
RESULTADOS (qui-quadrado = 5,499, g.l.= 3, p = 0,139). Na
prova de dominância lateral dos pés, a análise
Caracterização da amostra das frequências entre os gêneros também não
Foram avaliados 17 escolares, sendo 10 mostrou diferenças estatisticamente significati-
(58,8%) do sexo masculino e 7 (41,2%) do sexo vas (Teste Exato de Fisher, p > 0,05) (Tabela 7).
feminino do 1º ano do ensino fundamental, A Tabela 8 demonstra que desempenho mé-
com idade entre 6 anos e 1 mês a 7 anos e 2 dio dos sujeitos se encontra aquém do esperado,
226
avaliação PsiComotora de esColares do 1º ano do ensino Fundamental
Em si Avaliar reconhecimento de
lateralidade em si
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avaliação PsiComotora de esColares do 1º ano do ensino Fundamental
masculino 8,00 -
Cinestesia 0,244
feminino 9,43 3,78
masculino 13,40 4,20
imitação 0,598
feminino 14,57 4,72
masculino 21,50 1,58
mostrar outro 0,644
feminino 21,86 1,46
231
Ferreira tl et al.
232
avaliação PsiComotora de esColares do 1º ano do ensino Fundamental
noções de tempo e espaço, e a combinação dos plexa dos sistemas piramidais, extrapiramidais
dois dá origem ao movimento. e cerebelosos, coordenados em função de um
Nas provas de Praxia Global, o grupo estuda- plano estruturado das aquisições aprendidas7.
do apresentou desempenho inferior ao esperado A diferença estatisticamente significante
no subteste de dissociação de movimentos, que é entre os gêneros em dissociação de movimentos,
a capacidade de individualizar vários segmentos com melhor desempenho dos sujeitos do sexo
corporais em um gesto ou gestos sequenciais e masculino em detrimento do outro gênero, não
exige a capacidade de planificação e generali- apresenta referências na literatura pesquisada.
zação motora, demandando uma interação com- Em relação à velocidade e precisão motora,
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Ferreira tl et al.
SUMMARY
Psychomotor evaluation with students of 1st grade
234
avaliação PsiComotora de esColares do 1º ano do ensino Fundamental
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ArTiGo
Pedro-silva noriGiNAL
& simili mFC
236
Jogos regrados e eduCação
237
Pedro-silva n & simili mFC
rado. Porém, ocorreu o aumento de matrículas Tal constatação decorreu de revisão de li-
para quase 97% em 2003, a permanência de teratura realizada por nós, durante o período
crianças das classes menos favorecidas na es- de 2005 a 2008, nas bases de dados eletrônicas
cola e o tratamento do educando como cidadão. DEDALUS, Athena e Acervus, por meio das
Outro aspecto referiu-se à formação de tais palavras-chaves ”concepção do professor”,
alunos, pois se nota mudança considerável nos “jogos educativos”, “psicologia genética” e
índices de reprovação e evasão, se os comparar- “desenvolvimento psicológico”.
mos com os da década de 1970. Em oito anos, Pereira10 e Lombardi11, por exemplo, con-
a porcentagem de alunos que frequentavam as cluíram que os jogos educativos constituem-se
aulas passou de 88% para 97%, inclusão essa em recurso pedagógico na construção da lecto-
que ocorreu principalmente entre os sujeitos das escrita. Costa12, Amate13 e Baptista14 verificaram
camadas populares. Em se tratando do Ensino que os jogos eletrônicos a) são considerados
Médio, no período de 1996 a 2002, chegou-se a lúdicos pelas crianças, b) influenciam nas ativi-
três milhões de matrículas. No Ensino Superior, dades desempenhadas habitualmente por elas,
em 2009, havia quatro milhões de matriculados, c) auxiliam no desenvolvimento de habilidades,
sendo que, em 1960, era de 95 mil. estratégias e atitudes cooperativas e d) podem
Assim, se quase 50% das crianças fracassa-
ser empregados para avaliar crianças que apre-
vam ou eram expulsas anualmente na década
sentam dificuldades de aprendizagem. Montei-
de 1960 e 1970, verificamos que hoje esse fenô-
ro15 e Medeiros16 confirmaram que as atividades
meno não ultrapassa um terço desse percentual.
lúdicas possibilitam o desenvolvimento global
Esses dados, por si só, justificam o esforço de
dos alunos. Marquezini3, Afonso17 e Blanco18
toda a sociedade, sobretudo do Estado e do
concluíram que as docentes do Ensino Infantil
Ministério Público para manter as crianças na
avaliaram o brincar como necessário ao desen-
escola.
volvimento psicológico, apesar de não terem
É certo que nem todos os estudantes apren-
derão na íntegra os conteúdos dos currículos ciência sobre a psicologia infantil.
ideais, ingressando na 5ª série do Ensino Fun- Em síntese, tais estudos nos levaram a in-
damental alfabetizados. Contudo, não é prer- ferir que há uma lacuna a preencher sobre a
rogativa desse nível de ensino a presença de concepção de professores que ministram aulas
analfabetos funcionais. Segundo levantamento no Ensino Fundamental acerca do uso de jogos.
feito de maneira assistemática, encontramos
tais alunos também em outros níveis de ensino OBJETIVOS
e vêm aumentando rápida e substancialmente Considerando tais aspectos, foi nosso objeti-
de ano para ano. vo principal analisar a concepção do docente so-
Pois bem, tal cenário só fez nossas indaga- bre o emprego dos jogos de regras como recurso
ções se tornarem mais incisivas, já que com para o processo de ensino-aprendizagem e de
todas as mudanças no plano macro educativo, desenvolvimento psicológico do corpo discente
ainda o analfabetismo se fazia presente nas es- do Ensino Fundamental.
colas. Diante disso, passamos a nos perguntar: Secundariamente, visamos: a) analisar a
será que eles estão fazendo uso de estratégias importância dada pelo docente para o emprego
diferentes das tradicionais, como jogos de re- dos jogos de regras na escola; b) contribuir para
gras, a fim de facilitarem e “motivarem” os alu- a discussão acerca do seu uso como instrumento
nos para o processo de ensino-aprendizagem? auxiliar do processo educativo e de superação
Infelizmente, estudos científicos demonstram do analfabetismo funcional; e c) investigar a
que os docentes pouco empregam os jogos de eficácia dos referidos jogos como instrumento
regras e de construção, como recurso pedagó- facilitador à ocorrência do desenvolvimento
gico e de desenvolvimento psicológico. psicológico.
238
Jogos regrados e eduCação
239
Pedro-silva n & simili mFC
240
Jogos regrados e eduCação
de que o “comportamento humano, muitas ve- dadas por seus filhos. Sua atenção, ao contrário,
zes, tem mais significados do que os fatos pelos estava voltada para a análise da forma como
quais ele se manifesta”. Acrescente-se que a resolviam situações julgadas problemáticas por
designação “qualitativa” é compreendida como eles próprios.
sinônimo de “etnográfico” e decorre da ciência Outra crítica refere-se ao fato de eles conside-
antropológica, pois “muitas informações sobre rarem a linguagem, entre outros aspectos, como
a vida dos povos não podem ser quantificadas e objeto de estudo.
precisavam ser interpretadas de forma mais am- A esse propósito, o próprio Piaget19 não é par-
pla que circunscrita ao simples dado objetivo”29. tidário de uma possível relação visceral entre a
Ludke e André30 salientam, porém, a existên- fala e a ação, a ponto de se poder afirmar que um
cia de inúmeras dúvidas que ainda caracteriza a docente que se diz fazer uso dos jogos, mesmo
cientificidade da pesquisa qualitativa. Por exem- considerando-os eficientes, o fará realmente.
plo, “não há possibilidade de se estabelecer uma Assim, acreditamos que a fala é reveladora de um
separação nítida e asséptica entre o pesquisador raciocínio que tende a se fazer presente quando
e o que ele estuda e também os resultados do uma ação é executada, a ponto de influenciar,
que ele estuda”. mas não de determinar as condutas abertas.
Para Minayo31, a pesquisa qualitativa diz res- Sobre a preparação do pesquisador, para
peito a situações particulares: “ela trabalha com Triviños29, ela está em perfeita consonância com
o universo de significados, motivos, aspirações, a maneira defendida por Piaget e pode ser resu-
crenças, valores e atitudes, o que corresponde mida da seguinte forma:
a um espaço mais profundo das relações, dos “[...] não se pode iniciar um estudo de uma
processos e dos fenômenos que não podem ser situação sem bases refletidas em relação à te-
reduzidos à operacionalização de variáveis”. oria e ao contexto. Os inquéritos precisam ser
Dessa maneira, tal tipo de pesquisa busca pensados com algumas perguntas fundamentais
explicar os motivos que levam os sujeitos a re- e a atitude vigilante do pesquisador durante o
alizarem determinado ato ou a terem certa opi- encontro, conservando a clareza, a simplicidade
nião, sem se preocuparem com a quantidade e e a concisão que permitam ser compreendida
tampouco com a colocação à prova dos fatos. “A sem explicações complexas.”
abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo Tendo como parâmetro tais advertências,
dos significados das ações e das relações huma- estruturamos o nosso roteiro de entrevista.
nas, um lado não perceptível e não captável em
equações, medidas e estatísticas”31. Informantes1
Embora Piaget não tenha feito considerações Os sujeitos foram docentes que lecionam no
a esse respeito, várias de suas pesquisas, como Ensino Fundamental do Ciclo I (antiga 1ª a 3ª
as compelidas em La formation du sýmbole chez série) de Escolas Municipais localizadas numa
l’enfant20, demonstraram que ele empregou esta cidade da Região Sudoeste de São Paulo, com
metodologia. idade média de 40 anos, a maioria do sexo fe-
Em razão disso, o método clínico-crítico de minino, casados, com dois filhos, concursados,
Piaget32, ao analisar a maneira como os sujeitos com mais de 10 anos de exercício no Magistério,
raciocinam, pode e deve ser considerado como de com carga de trabalho de 30 horas semanais,
natureza qualitativa, pois ele não se preocupou formados em Pedagogia e com especialização
em medir a quantidade de respostas corretas em Matemática ou Psicopedagogia.
1
o presente estudo, que aqui apresentamos breve relato, obedeceu aos critérios da realização de pesquisa com seres humanos,
conforme parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da faculdade de Ciências e Letras da unesp – Campus de Assis, Processo nº
1381/2008, registro no CEP nº 025/2008.
241
Pedro-silva n & simili mFC
242
Jogos regrados e eduCação
Elucidamos que, dos 11 entrevistados, des- Nota-se nesse depoimento que os jogos
cartamos cinco deles, pois não se dispuseram a de regras “impedem” a ocorrência de um dos
se submeterem a uma segunda entrevista, com a maiores obstáculos à aprendizagem: o receio
intenção de aprofundar depoimentos apresenta- de errar. Como a docente disse, a criança re-
dos na primeira, ou, quando – ao comparecermos aliza as atividades sem medo de errar. A esse
ao encontro agendado – apresentavam todo o respeito, Castorina27, Macedo23 e Piaget33 são
tipo de justificativa (falta de tempo, cansaço, mu- unânimes ao afirmarem que – em determinadas
dança de opinião quanto a submeter-se a outra situações – o erro é mais frutífero do que um
entrevista e receio de ter a sua identidade reve- acerto imediato. Isso ocorre porque o fracasso
lada). Quanto aos seis restantes, prontificaram-se num jogo, por exemplo, leva a criança a refletir
a serem entrevistados novamente. sobre a estratégia empregada, possibilitando a
construção de novos conhecimentos.
Procedimento geral para a análise das in- Outro aspecto apontado, principalmente
formações por João (sexo masculino, 43 anos), referiu-se
Obtidas as informações, procedemos da se- à importância dos jogos como pré-requisito ao
guinte forma: 1º fizemos leitura minuciosa dos desenvolvimento do raciocínio.
protocolos; 2º quando as justificativas mostra- [Para o aprendizado de] todo conhecimento
vam-se insuficientes, com vistas aos objetivos abstrato é necessário sempre partir de algo con-
creto, lúdico, para que o educando possa obser-
propostos, entramos novamente em contato
var os caminhos percorridos. Na matemática, o
com os sujeitos, a fim de que eles prestassem
professor tem que partir de dados da realidade
novas explicações; 3º com isso, completamos as
que é o concreto, para que haja compreensão
respectivas entrevistas e demos início à catego-
daquilo que é trabalhado e ensinado, que possa
rização das justificativas emitidas, tendo por pa-
agir como facilitador do conhecimento proposto.
râmetro os objetivos do estudo. De acordo com
Maria (sexo feminino, 48 anos) mencio-
Minayo31, “as categorias são empregadas para
nou que, quando os alunos jogam, sentem-se
se estabelecer classificações. Nesse sentido,
motivados, demonstrando prazer em jogar:
trabalhar com elas significa agrupar elementos
participam com prazer, pois para eles falar em
[...] em torno de um conceito”.
jogo traz motivação, quer fazer, participar e
A análise foi feita tendo como parâmetro a principalmente ganhar.
teoria psicológica de Piaget21 e de estudiosos Vê-se, porém, que não foi explicitado se tal
da epistemologia e psicologia genéticas4,26,27. motivação é transferida para o aprendizado
formal. A propósito: muito se fala em motivar os
ANÁLISE DOS DADOS alunos. Fundamentado em Piaget, não podemos
considerar essa possibilidade. Afinal, é o sujeito
A concepção dos docentes sobre os jogos que constrói o seu próprio conhecimento, a par-
de regras tir da relação com o meio físico e social, e desde
Os docentes argumentaram que os jogos de que ele queira, tenha os esquemas adequados à
regras contribuem para a maneira como os alu- construção proposta e as institucionais. Logo, é
nos lidam com o erro. Leiamos o que Iris (sexo um processo que depende do meio e do sujeito.
feminino, 36 anos) disse: Se for por meio do jogo, Em outros termos, é necessário que o estímulo
a criança se sente mais livre e segura sem medo (fato físico) seja concebido pelo aluno como
de errar. É um jeito dela pensar sem estar meca- significativo.
nizada. Comparo com a educação do meu filho. Eles afirmam, ainda, que os citados jogos de-
Ele sai jogando, descobrindo soluções, enquanto senvolvem a conduta de liderança. Por exemplo,
que na escola, ele demonstra insegurança. Lia afirma que muitas crianças que, às vezes,
243
Pedro-silva n & simili mFC
tem dificuldade na aprendizagem, através dos ainda, que no discurso trazem uma visão tradi-
jogos conseguem demonstrar liderança, espírito cional, como jogar perde tempo, jogar é brincar
de equipe. e não estudar.
Maria (sexo feminino, 48 anos) disse que, ao
jogar, o aluno busca desenvolver estratégias. O uso dos jogos em sala de aula
Contudo, ela não explicitou quais são essas Sobre o uso dos jogos de regras em sala de
táticas e se elas são transferidas para o pro- aula, eis a posição de Maria (sexo feminino, 48
cesso ensino-aprendizagem: O jogo desafia o anos), que o utiliza pouco: Não utilizo muito [os
raciocínio lógico, busca estratégias e os alunos jogos], porque depende do conteúdo estudado
participam com prazer. [E] buscar estratégia é e o resultado que o aluno apresentou. Pois, se
quando o aluno está pensando em soluções que ainda há dificuldade, o jogo será outro recurso
resolvam as situações em questão. que posso utilizar, pois, se o aluno não assimilou
Lia (sexo feminino, 43 anos) afirmou que – ao o conteúdo exposto, será necessário recorrer aos
jogar – os alunos desenvolvem a competitivida- jogos, que é uma atividade mais concreta. Existe
de: No trabalho em equipe, vai destacar o líder conteúdo que dá para fazer essa adaptação e
e todos têm que chegar ao objetivo do jogo. É outros conteúdos que não dá.
uma competição. Fica evidente na fala de Maria que o empre-
Contudo, a natureza de tal competitividade go dos jogos de regras depende do conteúdo a
não é explicada. Com isso, ficamos a nos indagar ser ensinado. Essa opinião é – de certa forma
se eles a estão compreendendo com um aspecto – contrária ao que apregoa os PCNs34. Lá é
positivo e se independe dos meios empregados sugerido que os jogos sejam utilizados como
para o seu êxito. facilitador do processo educativo e do trabalho
Apenas Jack (sexo feminino, 38 anos) disse com os temas transversais.
que, ao jogar, há mais socialização. Além disso, Continuemos com os depoimentos dos pro-
ela atentou para o fato de que os jogos auxiliam fessores sobre o uso dos jogos em sala de aula.
no aumento da resistência à frustração: porque Carol (sexo feminino, 35 anos): Utilizo pouco,
há mais socialização das crianças, aprendem devido ao tempo, a infantilidade de trabalhar
as regras e a competição do perder e ganhar; em grupo. [Os alunos] discutem muito para a
ajuda a refletir sobre as perdas. escolha dos colegas e o foco maior está em con-
João (sexo masculino, 43 anos) concebeu o cluir o conteúdo programático. Devido também
jogo, além de uma atividade lúdica, como faci- à grade curricular que eles têm aulas de Inglês,
litador da compreensão de conteúdos abstratos. Informática, sem contar outras atividades extras
Neste sentido, ele o vê como uma espécie de [datas comemorativas].
organizador prévio: na matemática, o professor Notamos, nessas falas, que as docentes estão
tem que partir de dados da realidade que é o mais preocupadas com os conteúdos progra-
concreto, para que haja compreensão daquilo máticos. Todavia, cremos que o problema está
que é ensinado, que tenha significado, que possa relacionado, como dissemos, à dificuldade em
agir como facilitador do conhecimento proposto. relacionar os jogos com o conteúdo programáti-
As falas desses docentes indicam a impor- co. Além disso, subjaz a ideia de que os jogos de
tância que dão aos jogos de regras, sobretudo regras devem ser desenvolvidos, sobremaneira,
o fato de eles o conceberem como recurso para nas aulas de Educação Física, Informática e
desenvolver o raciocínio, criar estratégias e Robótica – assumindo, assim, posicionamento
motivar os alunos. contrário ao defendido pelos PCNs34 e conce-
Entretanto, não é explicitado se tais recursos, bendo tais disciplinas como espaço para o de-
que os jogos proporcionam, são “transferidos” senvolvimento do lúdico, ou seja, daquilo que
para o dia-a-dia da sala de aula. Notamos, não é julgado “sério”.
244
Jogos regrados e eduCação
Há outros professores que até gostariam de certos alunos, dessa forma, nos leva a inferir
fazer uso dos jogos de regras. Contudo, eles que a sua demanda era por um aprendiz plena-
alegam – como Íris (sexo feminino, 36 anos) – a mente desenvolvido. Essa visão é equivocada,
falta de tempo para empregá-los: É muito es- pois – se for assim – qual o sentido de se existir
porádico o uso do jogo pela questão da falta de educadores? Certamente alguns dirão que é o
tempo. [...] Caso contrário, não consigo concluir de ensinar. Acontece que, segundo Piaget33, a
o conteúdo proposto. escolarização é apenas um dos fatores respon-
Lia (sexo feminino, 43 anos) foi a única que sáveis pelo desenvolvimento.
disse utilizar bastante os jogos de regras, dei-
xando em evidência que tal objeto estimula o A importância dos jogos para o desenvol-
desenvolvimento do raciocínio de seus alunos, vimento psicológico dos alunos
propicia a interação e o confronto entre dife- Eis a fala de uma docente sobre a relevância
rentes pontos de vista. Penso que tem que ter que dá aos jogos de regras para o desenvolvi-
o concreto, que seria o jogo, e se imaginar na mento psicológico dos seus alunos. Íris (sexo
condição de jogador com a intenção de alcançar feminino, 36 anos): Eu acredito que o amadu-
o objetivo proposto e assim jogar para efetivar recimento psicológico vem através do desen-
uma aprendizagem. Os jogos estimulam não só volvimento do raciocínio, porque a criança que
o desenvolvimento do raciocínio lógico, também raciocina desenvolve estratégia e desenvolve
propicia a interação e o confronto entre diferen- a autonomia. Uma criança autônoma é mais
tes formas de pensar. segura, não depende tanto da mãe. Quando
Em resumo, notamos que a quase totalidade perde, ela compreende que no jogo e na vida
dos docentes entrevistados: a) não fazem uso não é só ganhar, lidam melhor com a situação.
dos jogos de regras ou os emprega de maneira A primeira feição desse depoimento, empre-
aquém do desejável; b) está preocupada – pro- gado aqui como exemplo, é que os docentes
vavelmente por pressões dos órgãos educativos reduzem o desenvolvimento psicológico, à di-
superiores – em “vencer” os conteúdos progra- mensão cognitiva. É como se eles não compre-
máticos, sem levar em consideração se os alunos endessem, desconsiderassem ou não dessem a
estão aprendendo de modo significativo; c) devida importância às dimensões afetiva e a
delega a atividade dos jogos para outras disci- moral como parte do “psicológico”.
plinas, vistas amiúde sem importância ou como É indicador também de que há problemas na
utensílio de diversão; d) não busca dialogar e formação de tais docentes. Não queremos, com
estabelecer parcerias como os docentes de ou- isso, responsabilizar as instituições de formação
tras áreas, como a de Educação Física. em si, pois sabemos que o conhecimento é re-
Outro dado é que, se temos, por um lado, construído e apenas só atentamos para aquilo
salas de aulas com 30 a 40 alunos, geralmente que faz parte do nosso horizonte significativo.
com problemas de várias ordens, por outro, há Insistimos, todavia, que – a despeito de tais
docentes com pouco tempo e falta de formação aspectos – os docentes apresentam problemas
para se dedicar a um tipo ensino que tenha o graves de compreensão dos conteúdos psicoló-
desenvolvimento global do aluno como foco. A gicos e pedagógicos; provavelmente, decorren-
esse respeito, Carol (sexo feminino, 35 anos) tes da formação que tiveram, mesmo a maioria
chega a dizer que os seus alunos são tão infantis, tendo feito curso de pós-graduação. Nesse
que apresentam dificuldades até para escolher sentido, faz-se urgente pensar e intervir junto
os colegas que comporão os grupos. aos cursos de graduação e de pós-graduação
Ora, conforme explicita os PCNs34, é tarefa frequentado por tais docentes. Afinal, sabe-
do docente contribuir para que o desenvolvi- mos que muitos deles são oferecidos, apenas,
mento ocorra. Queixar da “infantilidade” de formalmente.
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Pedro-silva n & simili mFC
246
Jogos regrados e eduCação
nos, pois a impressão é que eles se esqueceram eles se queixam. A maioria deles – salvo, me-
de sua infância. lhor juízo – a) não gosta de ler, b) tem medo
Não se pode desconsiderar, todavia, que de ser avaliado, c) considera a teoria descar-
os docentes estão sendo produzidos por um tável, d) é extremamente indisciplinada e e)
caldo de cultura que incita o individualismo, o acredita que está sempre com a razão. Em
hedonismo, o consumismo e a desconsideração síntese, emitem um discurso e apresentam
pelo conhecimento. Bruckner38 afirma, a esse uma prática completamente diversa e, a nosso
respeito, que o interesse hoje é por outros valo- ver, lamentável.
res, como o sucesso e o dinheiro, aspectos que Salientamos que tal diagnóstico não é si-
não podem ser obtidos por meios acadêmicos. nônimo de descrença em relação aos educa-
A propósito: observamos em cursos de espe- dores e à educação, pois temos nos deparado
cialização destinados aos docentes do Ensino com professores sérios, comprometidos e que,
Fundamental e Médio que eles se comportam apesar de todas as adversidades, têm o conhe-
de maneira semelhante aos alunos, que tanto cimento como um valor.
SUMMARY
The rules games and education: teachers conceptions of primary edu-
cation
The rules games have been a target of researches, mainly related to its
influence in the teaching-learning process. For that reason, this research
was developed with the aim, among others, to analyze the academic
conception about the contributions of the application of rules games in
the education process and in the psychological development. For such,
there was used the theory of Jean Piaget about the relations among the
genetic psychology, the teaching and learning processes and the rules
games. The participants were teachers, randomly chosen, teaching in the
primary schooling of municipal colleges in the state of São Paulo. For the
data collection, there were used a questionnaire and a half-structured
interview. The results demonstrated that: a) Teachers consider the rules
games as an important tool to help the teaching and learning processes; b)
they do not associate them to the psychological development; c) although
considering the games positive, most of them do not use them in class,
even researches demonstrating its value to the educational process and
psychological development.
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Pedro-silva n & simili mFC
248
Jogos regrados e eduCação
In: Piaget J, ed. Os pensadores. São Paulo: escolas. Petrópolis: Vozes; 2004.
Abril Cultural; 1983. p.209-25. 36. Becker F. Educação e construção do co-
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porto. Secretaria de Educação Funda- 37. Moscovici S. Social representations: ex-
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nais. Brasília: Ministério da Educação e York: Polity Press; 2000.
do Desporto; 1997. 38. Bruckner P. La tentation de l’innocence.
35. Silva NP. Ética, indisciplina & violência nas Paris: Grasser; 1995.
249
rELATo DE EXPEriÊNCiA
montenegro Cam et al.
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Construindo e Construindo-se
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montenegro Cam et al.
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Construindo e Construindo-se
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montenegro Cam et al.
terminada maneira. É uma estrutura dinâmica de Flicts (Dina Lúcia Fraga e Mara Lima, 2009).
em continuo movimento”. Portanto, o vínculo O grupo Forte nasceu com a característica
estabelece a comunicação e orienta a conduta, marcante da curiosidade e da vontade de brin-
daí a necessidade da positividade em relação car, mas com a determinação de aprender a
ao objeto do conhecimento e com tudo o que ler e a escrever. Ao final de cada encontro ou
envolve o processo do aprender, para que o enquanto um esperava a vez de ser atendido, as
encontro seja o espaço de se descobrir capaz brincadeiras e exploração de jogos foram libera-
e potente, autor de suas próprias construções. das (Marieta Messina e Janine Barboza, 2009).
Percebemos os movimentos dos grupos sob
a ótica do Paradigma Luz Borges, quando as OS PRIMEIROS ENCONTROS
etapas de indiferenciação, diferenciação, sepa- Os primeiros encontros foram de ajustes e
ração e integração foram vividas, alcançando de revelações impactantes, mas, sobretudo, de
estruturas que permitiram não só encontrar o investimento na construção de vínculos impor-
outro – pessoa e objeto do conhecimento – como tantes. O perfil da dupla e do grupo determinou
integrar-se num novo patamar de relação com metas e definições de atuação diferenciadas.
o Mundo. As caixas de grupo, a escolha das dinâmicas, a
Borges10 explica como os primeiros momen- interação entre as crianças/adolescentes e entre
tos são essenciais para a construção de vínculos as crianças/adolescentes e a dupla de psicope-
bem sucedidos, por meio da estrutura espiral dagogas foram construídas em tempos próprios,
que o sujeito tem diante do novo, a partir do com estilos de atendimento e possibilidades de
indiferenciado até chegar à integração do co- escuta diferentes. As psicopedagogas ficaram
nhecimento ao seu saber. envolvidas, atentas e cuidadosas, aprendendo
Os relatos dos grupos explicitarão esses a “ler” desejos e possibilidades, que se expres-
momentos e facilitarão a identificação dos prin- savam pela postura do corpo, pelo pensamento
cípios ligados ao ato de aprender: atividade, dito, pelo olhar curioso, pelo envolvimento nas
criatividade, autoridade, liberdade. atividades, abrindo espaços para que esses de-
Para o grupo Força, recorremos a um plane- sejos se transformassem em palavras e ações.
jamento onde a Contação de Histórias entraria Os grupos foram definindo os seus rumos,
como material estratégico que viabilizaria o com sinais para o que deveria ser o “motif” do
acesso das crianças/adolescentes ao simbólico. trabalho... Um, com as questões da relação entre
De acordo com Bettelheim11, a criança precisa eles e o início do trabalho de regras.
que lhe sejam oferecidas sugestões em forma “Sentimos que no início tinham muita difi-
simbólica sobre como ela pode agir em relação culdade de expressar suas ideias, mas no final
a suas próprias questões existenciais, amadu- do encontro verbalizaram com mais liberdade.
recendo de forma mais saudável. Sentimos necessidade de elaborar combina-
As crianças/adolescentes do grupo, por dos do grupo. E aproveitamos para trabalhar a
exemplo, logo no segundo encontro, passaram a construção da identidade grupal, escolhendo
se apoiar no personagem Flicts12 para expressar um nome para o grupo... Enfim, estamos anima-
alguns sentimentos ainda não verbalizados por díssimas com as possibilidades que se abrem”
carência de espaços de escuta. E, a partir da (Iara Feldman, 2009).
apropriação do material significativo da história Outro, com um desejo muito bem definido
de uma cor muito rara e triste, incorporaram de “aprender a ler”, e com isso o desafio de
Flicts12 ao discurso interno do grupo. Washing- descobrir de onde vem a impossibilidade de ler
ton experimentava a elaboração de discursos em alguém que tem tanto desejo.
simbólicos: Flicts tem a cor de pele ou, ainda, a “O encontro foi muito importante pelo desejo
expressão de desejos: O bolo tem que ser da cor expresso no olhar, fala e movimentos de nossa
254
Construindo e Construindo-se
criança. Veio fortalecer a riqueza necessária sobre um incidente que envolvia as crianças/
de projetos como esse. Desejo explicitado: adolescentes que atendíamos. Verificamos que
“Aprender a ler e a escrever”. Desejo não dito um dos crianças/adolescentes havia molhado e
pela fala, mas pelas suas atitudes durante o sujado o banheiro de uso coletivo. Voltamos ao
atendimento: Fazer parte de um contexto, não grupo de crianças/adolescentes e solicitamos
se sentir excluída, diminuída. Poder se expres- que o autor do “incidente” se apresentasse.
sar e compreender como tantas pessoas fazem Para a nossa surpresa, Antonio (com queixa
e delas se espera. Grande responsabilidade a familiar de mentira) se apresentou. Era uma
nossa: instrumentalizar para que o desejo acon- criança que revelava grandes necessidades de
teça, para que essa criança se perceba potente, reconhecimento e aceitação no grupo familiar
capaz, autora” (Cheila Montenegro, 2009). e escolar. Além de sérios problemas cutâneos,
As atividades eram planejadas, porém rees- que por si só, contribuíam para uma autoes-
truturadas a partir do posicionamento do grupo: tima negativa no grupo social inserido, a de-
o que desejava, quais seriam as demandas “li- sorganização familiar provocava em Antonio
das” a partir da interpretação do que estavam uma espécie de “fragmentação” de si mesmo.
pedindo. O material de trabalho era compar- Antonio vivia em um estado infantil de despro-
tilhado pelos grupos e, com isso, estabelece- teção: não interagia com os outros membros
mos um convívio na cidadania, onde as coisas do grupo, tinha grandes dificuldades em lidar
comuns precisam ser preservadas para o outro. com a frustração, chupava o dedo, não cumpria
acordos, buscava sempre a atenção individual
Outra preocupação discutida e comparti-
das psicopedagogas, fazia “birra” e até chorava
lhada por algumas duplas era a de reconhecer
quando contrariado. Tinha onze anos, cursava a
que as crianças/adolescentes chegam com pe-
quarta-série e não estava alfabetizado. Quando
didos e carências. A discussão sobre o lanche
recebia atenção individual dentro do grupo,
resultou na sua ressignificação como estratégia
manifestava grande desejo de aprender e fazer.
de construção de vínculos. A tarefa seria usar
Não fizemos alarde da situação, e em conversa
o espaço-tempo do lanche como acolhimento,
individual com a criança, descobrimos que, ao
alimentando corpo e alma.
chegar para o atendimento, ele havia lavado
“Gostei do lanche antes da história... Segun-
sua cabeça dentro da pia com sabonete líquido.
do Costa13, da Pedagogia da Presença, antes de
Esta operação havia deixado o banheiro sujo
alimentar a alma, vem o corpo e sua urgência. A
e molhado. Depois de conversa com o grupo,
história/alimento é a volta as primeiras apren-
ficou acertado que Antonio, com auxílio de uma
dizagens, que nos remete a Winnicott14, quando psicopedagoga, limparia o banheiro. O que An-
diz que a mãe enquanto alimenta o bebê, fala tonio fez prontamente e sem resistências. Nesta
com ele, o toca e o conforta. Isso cria o espaço tarde, ele não chupou o dedo. Pudemos inferir
de criação e segurança, necessárias para o nosso que a criança, sentindo-se acolhida e acompa-
propósito” (Mara Lima, 2009). nhada em uma nova situação de proximidade
com o adulto, sem a esperada penalização
INTERVENÇÕES que ocorreria no ambiente familiar/escolar,
Atividades diversificadas foram propostas e descobriu-se um ser aprendente - como dizem
elaboradas nos grupos de trabalho, buscando Carmo e Souza15, “fazer-se um ser aprendente
fortalecer o desenvolvimento da possibilidade é conhecer os limites e transgredi-los” (Mara
de autoria. Lima e Iara Feldman, 2009).
Em uma ocasião, o atendimento de segun- Uma das atividades realizadas foi a constru-
da-feira foi interrompido pela funcionária do ção de uma maquete representando o caminho
Centro Cultural onde atuávamos, para informar percorrido pelas crianças/adolescentes de suas
255
montenegro Cam et al.
casas até o local dos atendimentos. A partir “... pedir que registrem suas ideias no papel
do percurso descrito e desenhado, a maquete (cortado como pensamento). Aí, marcaríamos
foi construída, contendo em seu relevo toda a um tempo (tenho uma ampulheta de um jogo
leitura do espaço geográfico, social e emocio- que poderia levar) Isso para limitar um pouco,
nal percorrido pelas crianças/adolescentes, já que o Daniel necessita dessa contenção, o que
contemplando a topografia, a vegetação, as acha? - colocar essas ideias como ornamentação
edificações e as ruas pelas quais andam. “As- da caixa. Poderíamos depois acrescentar com
sim, cada criança pode recriar o que vive, no gravuras dos animais escolhidos no primeiro
imaginário (quantas dimensões são usadas em encontro (com os quais se identificaram) (Dina
sua elaboração?), na folha de papel e no qua- Lucia Fraga, 2009).
dro, em duas dimensões e depois, na maquete, “A Clínica Social é muito envolvente. É muito
em três dimensões” (Marieta Messina e Janine bom estar trabalhando com o desejo.” (Sonia
Barboza, 2009). Volpini, 2009).
“... foi a primeira a chegar. Conversamos um “... abertura de espaço para a possibilidade
pouco e ela começou a explorar o que havia na de autoria. O grupo vem transformando o con-
sala. Em seguida, chegou o Eduardo, e a Joana ceito e a maneira de atendimento. É claro que
o convidou para montar o quebra-cabeça com temos o nosso foco, mas o formato é dado pelas
o nome dos animais. Ele já teve uma atitude crianças/adolescentes. A leitura realizada pelas
diferente da semana anterior, quando traba- crianças/adolescentes continua tendo seu lugar
lhou com o mesmo jogo. Organizou de forma de destaque e sendo instrumento para a per-
diferente, o que facilitou a procura das peças. cepção do “eu sei” (Cheila Montenegro, 2009).
Eliana foi a última a chegar. Sentou-se em volta A formação dos grupos de trabalho não se
da mesa e olhou para mim, como que pedisse deu como imaginávamos. Havia uma grande
permissão para participar. Perguntei-lhe o demanda, indicada pela escola, mas nem todas
que ela formaria e ela já começou o trabalho” as famílias compareceram para a entrevista ini-
(Cheila Montenegro, 2009). cial e formação dos grupos. Durante o período
“Telefonei para a Carla e disse que as coisas de atendimento, algumas crianças/adolescentes
dela na “Caixa de Trabalho” estavam esperando que faziam parte da indicação, influenciados pe-
por ela e que nós também estávamos esperando los colegas de escola, vinham para o atendimen-
por ela e com saudade. Ela prontamente disse to, e outras que iniciaram o trabalho deixaram
que ia e foi. A caixa de Trabalho está ficando de comparecer. A energia e o entusiasmo que
recheada e eles estão ficando “loucos”, no existia nos grupos foram determinantes para
bom sentido, para levar para casa, mas sabem administrar as constantes entradas e saídas das
que só vão poder levar em dezembro” (Janine crianças/adolescentes nos mesmos, por motivos
Barboza, 2009). diversos. Tivemos, então, que tomar cuidado com
essas situações e, muitas vezes foi necessário o
A MOBILIDADE DOS GRUPOS E OS ESTI- estabelecimento de novos limites.
LOS DE ATENDIMENTO “...bem, essa era mesmo a nossa intenção:
Correções de rota muitas vezes foram neces- remanejar os “agregados” para as outras du-
sárias. Em muitos momentos necessitávamos, plas. Joana necessita mesmo de um acompa-
como diz Fernandez16, “desmontar o estabele- nhamento afetivo e psicopedagógico, pois na
cido e transformar nosso modo de pensar como segunda-feira ela não quis aceitar de maneira
psicopedagogos.” A diversidade nos atendi- nenhuma a negativa. E não queria ir para casa.
mentos foram experiências cheias de “amoro- Chorou. Como minha intuição apitou, resol-
sidade” e de doação dos conhecimentos que vemos deixá-la na antesala desenhando...”
cada uma trouxe e que enriqueceu os trabalhos. (Mara Lima, 2009).
256
Construindo e Construindo-se
257
montenegro Cam et al.
espaço da escola. Alguns professores falavam muitas atividades para ler e escrever e houve
de mais envolvimento, de maior interesse, de resistências. Lúcia, como sempre resistiu, re-
demonstrações de autoestima elevada e de re- sistiu e no fim, escreveu mais. Lúcia disse que
conhecimento de potencialidades de aprender. pensava estar indo lá para ter “aulas”...” (Mara
Outros, porém, continuaram sem perceber dife- Lima, 2009).
rença nas crianças/adolescentes. Acreditamos Utilizamos várias histórias que pudessem
que, pela dificuldade intrínseca da dinâmica da reforçar os nossos objetivos para esse grupo: A
sala de aula, é preciso de um tempo maior para ideia de que temos um lugar único e especial e
que a observação seja consistente”. que somos fortes à medida que juntamos nos-
sas potencialidades veio com “Os Músicos de
RESULTADOS APARECENDO Bremen”19. Com “Nicolau Tinha Uma Idéia”20,
“As dificuldades de aprendizagem e de evidenciamos o quanto ter ideias e socializá-las
comportamento relacional que as crianças/ é importante para nos fortalecer e crescer. Mas,
adolescentes mostram em sua vida escolar não foi Flicts (Ziraldo) que provocou uma verdadeira
são de índole intelectual nem relativa às suas “revolução” no grupo. Tudo passou a girar em
características intrínsecas de personalidade, torno dessa história. Tivemos que contá-la vá-
mas surgem da negação do amor como espaço rias vezes. Tudo remetia a Flicts e, acreditamos
de convivência e são corrigidas restituindo-se ter sido esse o momento da “virada”, pois como
o dito espaço.”18 diz Maria Vitória Mamede21, “...essas crianças/
As experiências de colaboração incenti- adolescentes são crianças/adolescentes Flicts,
vadas pelas duplas de psicopedagogas foram sejam porque agridem, sejam porque não
se tornando mais frequentes e os retornos dos aprendem, sejam porque são agredidas. Elas,
comentários realizados se reverteram em par- iguais a esse lápis de cor, não têm lugar na caixa
ticipação e demonstração de crescente autoes- de lápis tão supostamente arrumada da nossa
tima, garantindo ao grupo o primeiro passo da sociedade” (Dina Lucia Fraga, 2009).
autonomia responsável a partir da experiência
de um espaço de convivência reconstruído sob MOMENTOS DE PREPARAÇÃO PARA O
novas bases de vinculo positivo com o conhe- ENCERRAMENTO DO ANO
cimento. “Como sábios marinheiros, era preciso traçar
Mesmo com momentos de regressão, al- a rota de volta, ancorar nossos sentimentos ao
gumas crianças/adolescentes mostravam que fechamento do trabalho e assim organizamos
poderiam avançar. As psicopedagogas apresen- nossos últimos encontros, iniciando um resgate
taram outros formatos e organização de ativida- da memória histórica, tanto nossa, como do Cen-
des, surpreendendo as crianças/adolescentes e tro de Vitória, local que os abriga socialmente.
fazendo planejamentos com mais mobilidade. Impressionante perceber a dificuldade de reco-
Os contos sempre presentes trabalharam com nhecer os lugares que vêem todos os dias, por
a dimensão do imaginário, trazendo os perso- onde passam para ir ao local dos atendimentos.
nagens que poderiam ser convocados nas horas Trabalhamos também com fotos antigas, tanto
que se faziam necessários e começaram a fazer nossas como deles. Percebemos que o tempo
parte do imaginário do grupo. passou, a cidade se modificou, assim como nós e
“Fizemos o planejamento, li a estória que que o tempo nos traz a certeza de que podemos
escolheram e levaram um tempo boooommm fazer história, assim como as histórias que foram
para planejar a rua deles. Fiz como se fosse um contadas” (Dina Lucia Fraga, 2009).
livro, para organização e planejamento. Ficou Com a aproximação do fim do ano nos orga-
legal, cada um fazendo um pouco e na próxima nizamos para uma parada, que seria necessária
todos irão falar da “escola” da rua deles. Foram em função da reforma do espaço que ocupáva-
258
Construindo e Construindo-se
259
montenegro Cam et al.
traduzir a cor de certas falas, certas emoções, a o envolvimento de todo o grupo nas atividades,
mensagem de certos silêncios...” a sensibilidade de perceber a experiência e a
As características de trabalho de cada dupla oportunidade de construir e valorizar a diferen-
de psicopedagogas enriqueceu e aprofundou ça na semelhança, numa riqueza de percepções
relações e conhecimentos: a organização tra- e a abertura de canais de comunicação.
zendo uma nova perspectiva ao atendimento, as Como Alícia Fernandez sempre fala, não há
flexibilizações e adaptações, atendendo o dese- como se fazer um trabalho psicopedagógico
jo das crianças/adolescentes, as múltiplas ativi- sem que se reverta positivamente para quem
dades pensadas e sugeridas, o cuidado em fazer está atuando.
SUMMARY
Building and building yourself: an experience of the ABPp-ES Social
Clinic
260
Construindo e Construindo-se
261
rELAToCDE EXPEriÊNCiA
ândido FF
262
PrátiCas PedagógiCas e inovação na instituição de ensino
263
Cândido FF
saber escolar não pode se isolar desse meio, de Psicologia Genética” (1972, p. 339)4, a qual
mas, sim, nutrir-se das possibilidades que ele fornece alguns dados para a compreensão do
oferece”1. desenvolvimento intelectual da criança.
Com visão semelhante, Oliveira2 assegura Nessa concepção, cujo resumo encontra-
que é no espaço escolar, dentro e fora da sala de se descrito por Cândido & Ferreira5, quando
aula, que o professor encontra a melhor possibi- o indivíduo ainda é um bebê, suas ações são
lidade de observar a postura e o comportamento automáticas e necessitam do objeto para imitar,
das crianças e adolescentes, pois é na interação usa o próprio corpo, brinca com as mãos e com
entre esses sujeitos que a expressão corporal, a os pés, e os seus atos são repetitivos.
linguagem oral e a escrita se manifestam mais À medida que vai crescendo (2 a 7 anos), a
naturalmente, com ou sem dificuldades. criança passa a fazer maior uso da linguagem,
Na concepção interacionista, o desenvolvi- começa a imitar sem modelo, faz uso da fantasia,
mento do pensamento e o conhecimento são do mágico, da ficção e da dramatização. Nesta
construídos na relação de interdependência fase, o mundo da criança é um mundo lúdico,
entre o sujeito e o meio. Nessa perspectiva, a do imaginário, do “como se fosse”, ou do “faz
teoria de desenvolvimento da criança, formu- de conta”.
lada por Henri Wallon1, sustenta que criança Por volta dos 7 anos, a criança atinge uma
precisa de um adulto socializado, para ser in- fase mais prática do pensamento, subordina-se
serida no social. Complementa essa corrente o a regras a que todos devem obedecer, sabe o
construtivismo, que é uma teoria cognitivista, que é seu e o que é do outro, reconta histórias,
tendo sua base na psicogênese da inteligência descreve cenas, trabalha com jogos e brincadei-
e dos conhecimentos. ras que envolvem alguns objetos, distingue a
Piaget (1896-1980), Vygotsky (1896-1934) fantasia da realidade e se interessa pelas causas
e Wallon (1879-1962), teóricos interacionistas dos fenômenos.
e construtivistas, estudaram o como e o por- Dos 7 aos 11 anos, a criança passa a fazer
quê as pessoas aprendem, como acontece o uso das operações lógico-concretas, trabalha
desenvolvimento cognitivo e quais os fatores com jogos mais complexos, como futebol, adivi-
que estimulam a aprendizagem, empregando nhações, enigmas e charadas, vê uma situação
fundamentos realistas, com maior objetividade por diferentes ângulos, é capaz de organizar
e melhor adequação à evolução dos alunos e do elementos de acordo com suas características
próprio professor, os quais poderão favorecer (cor, tamanho, forma, comprimento, volume,
a interpretação e orientação para uma prática etc), usando critérios de conjunto, mantém di-
educativa inovadora. álogo e cria histórias com enredo.
Dos estudos das teorias construtivistas, rea- Nesse estágio, a criança ainda não é capaz
lizados por Fino3, podem-se extrair os seguintes de discutir diferentes pontos de vista, sua lógi-
postulados: a) o mundo e o conhecimento que ca também não é igual à lógica do adulto, os
cada um tem é construído histórico e socialmen- enunciados verbais podem não ser suficientes
te e conforme seu entendimento de realidade; b) e as operações lógicas desta idade dependem,
os cenários espaço-temporais moldam a nature- sem dúvida, de sua esfera concreta de aplicação.
za das construções de mundo; c) criamos a nós Para Piaget, a faculdade de pensar logicamen-
mesmos como ferramentas; d) o conhecimento te nem é congênita, nem está pré-formada no
é pessoal, intransferível e não auto-suficientes. psiquismo humano.
Com essa visão, não há como pensar a edu- O último estágio de desenvolvimento cogni-
cação e as inovações pedagógicas sem con- tivo do homem, segundo Piaget4, a partir dos 12
siderar os conhecimentos teóricos de Piaget, anos, é o operatório formal. Nesta fase, a criança
encontrados na sua obra literária “Problemas liberta-se inteiramente do objeto, apresenta pen-
264
PrátiCas PedagógiCas e inovação na instituição de ensino
265
Cândido FF
numeração etc.) são criados pela sociedade e agarrar, segurar, manipular, apontar, sentar,
mudam com o seu grau de desenvolvimento. andar, auxiliada pela fala e por gestos do
Esta concepção mostra que a construção do sensório-motor e projetivo, preparando o
real e do simbólico, pela criança, se dá na sua afetivo e o cognitivo para o próximo estágio
interação com pessoas mais experientes, ou de desenvolvimento;
seja, ao imitar o adulto e por ele ser orientada, • Personalismo (3 a 6 anos) – a criança já se
internaliza, paulatinamente, a realidade do seu diferencia de outros seres pela auto-explo-
meio, do seu contexto social, os significados, os rarão, começando aí, por meio de atividades
conceitos, símbolos e signos que a representam. de oposição (expulsão do outro) e, ao mesmo
Complementarmente às demais teorias tempo, de sedução (assimilação do outro) e
construtivistas, o estudo de Henri Wallon sobre da imitação, o processo de construção da sua
o desenvolvimento da criança compreende o subjetividade e da discriminação entre o Eu
indivíduo em sua totalidade, na sua gênese e o Outro, que se revela no uso insistente de
(origem biológica da consciência), por meio da expressões, como: eu, meu, não, etc;
qual se tem uma “visão integrada do aluno”, • Categorial (6 a 11 anos) – a nítida diferencia-
conforme ressalta Mahoney1. ção entre o Eu e o Outro oferece condições
A teoria de Wallon aponta que a pessoa para a exploração cognitiva do mundo físi-
é constituída das dimensões motora, afetiva co (atividades de agrupamentos, seriação,
e cognitiva, que se revelam em atividades classificação), em nível de abstração, até
vinculadas entre si e nas suas interações em chegar ao pensamento categorial, ou seja, a
constante movimento, sendo que, a cada con- organização do mundo físico em categorias
figuração resultante (estágio), completa-se uma mais bem definidas;
totalidade responsável pelos comportamentos • Puberdade e Adolescência (11 anos e mais)
daquela pessoa naquele momento, naquelas – neste estágio, o sujeito explora a si mesmo
circunstâncias, e que preparam as mudanças como uma entidade autônoma, mediante
para o estágio seguinte. atividades de confronto, autoafirmação,
Os estágios de desenvolvimento sequencial questionamentos, porém se submete e se
da criança propostos por Wallon, enquadrados apoia nos grupos de pares, contrapondo-
na existência social de sua época, bem como as se aos valores dos adultos, com os quais
características atribuídas a cada um, são: convive, dominando categorias cognitivas
• Impulsivo-emocional (0 a 1 ano) – na primeira de maiores níveis de abstração, nas quais a
fase (0 − 3 meses) predominam movimentos dimensão temporal toma relevo, tendo uma
bruscos e desordenados da tensão muscular, noção mais clara dos limites de sua autono-
ora enrijecidos ora relaxados, orientados à mia e dependência.
exploração do próprio corpo em relação às
suas sensibilidades internas e externas e que METODO
chamam a atenção do outro para cuidar da A metodologia trabalhada na supervisão
satisfação de suas necessidades, funcionando das práticas pedagógicas é composta de uma
como instrumentos que expressam estados sondagem qualitativa junto às professoras,
de bem-estar e mal-estar. Na segunda fase feita por meio de um questionário aberto, com-
(3 – 12 meses), é possível reconhecer padrões plementada posteriormente em um encontro
emocionais diferenciados para medo, alegria, dialógico, onde as informações descritas no
raiva, etc; questionário foram apresentadas e enrique-
• Sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) – cidas em debate pelo grupo, culminado com
com atividade motora exuberante, a criança nossas orientações, fundamentadas nas con-
explora concretamente o espaço físico pelo cepções interacionistas e construtivistas.
266
PrátiCas PedagógiCas e inovação na instituição de ensino
Por meio do questionário, obtiveram-se di- que suas falas e opiniões são valorizadas, após
versas informações, como a discriminação das o que a direção relembra aos pais as normas de
práticas pedagógicas internas e extraclasses, funcionamento do estabelecimento de ensino
envolvendo as crianças aprendizes e os pais, a (horários, fardamento, atividades extraclasses)
metodologia de trabalho no atendimento peda- e informa sobre suas práticas educativas.
gógico às crianças com demandas escolares dife- Contando, geralmente, com a parceria da
rentes (escolas de origem), o relacionamento das Associação de Apoio aos Pais e Alunos do
professoras e da instituição com as famílias dos Estado do Ceará - AAPAECE, vários temas de
alunos, a compreensão das pedagogas quanto interesse das famílias são abordados, dentre os
às queixas das famílias com relação aos filhos/ quais: violência contra criança e adolescente;
alunos e destes com relação aos pais, e as práticas drogas; educação sexual; amor, limite e inte-
educativas no tocante às questões disciplinares. gração família-escola ingredientes da aprendi-
O encontro com as professoras teve início zagem; acompanhamento da vida escolar dos
com uma dinâmica de sensibilização, por meio filhos, em casa, na escola e em outros contextos
da qual se procurou evidenciar o contraditório e sociais.
o desafio da prática profissional diária, no pro- As questões disciplinares, ou de dificuldade
cesso ensino-aprendizagem, ante a diversidade de aprendizagem dos alunos, são tratadas pelas
de subjetividades de crianças envolvidas no pro- professoras e, dependendo do caso, pela dire-
cesso em sala de aula e dos fatores interferentes tora, diretamente com os pais ou responsáveis.
na vida cotidiana de cada uma. Outra forma de aproximação com a família ou
A dinâmica iniciava-se com movimentos len- responsável acontece no momento da acolhida
tos e desordenados sob a mediação de uma músi- (chegada) e da saída da criança no portão, uma
ca rápida e, depois, continuava com movimentos função diária desempenhada pelas professoras.
rápidos, usando uma música instrumental lenta,
seguida de uma reflexão na abordagem dialógica 2. Relacionamento com as escolas de origem
freireana10 sobre a vivência e, posteriormente, Embora o Lar da Criança ainda não tenha
sobre as questões contempladas no questionário. mantido diretamente qualquer relacionamento
com as escolas de origem dos seus alunos, há
PRÁTICAS EDUCATIVAS E INOVAÇÃO tempo, segundo a fala das professoras, a insti-
PEDAGÓGICA tuição percebe a importância e a necessidade
Neste item, estão contempladas as principais dessa aproximação, seja para discutir estraté-
práticas educativas e pedagógicas desenvolvi- gias pedagógicas de aprendizagem, seja para
das no Lar da Criança, como: discutir questões disciplinares.
Nesse sentido, uma professora enfatizou:
1. Relacionamento com os pais “aqui temos alunos do 2º ano que não sabem
Anualmente, após as matrículas, as professoras ler, nem escrever”; outra professora acrescen-
visitam os lares de todas as crianças, procurando tou: “temos criança que não faz letra cursiva, só
estabelecer um vínculo inicial positivo entre a letra de forma; a gente tenta ajeitar a letra dela”.
escola e a família, especialmente entre a profes-
sora, a família e o aluno. Nessa visita, percebem 3. O olhar das professoras com relação às
as condições socioeconômicas das famílias (esco- queixas das famílias sobre os filhos
laridade, ocupação, trabalho, aposentadoria), as O comportamento indisciplinar das crianças,
condições de moradia, como vivem e se relacio- a falta de interesse pelos estudos e a falta de
nam no contexto familiar e no seu entorno. atenção e concentração em sala de aula são as
Mensalmente, a instituição promove reunião principais queixas das mães com relação aos
ou palestra de formação para os pais, ocasião em filhos, segundo as professoras.
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Cândido FF
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PrátiCas PedagógiCas e inovação na instituição de ensino
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Cândido FF
prevalecendo ainda a “fila indiana”, uma inva- Quanto à participação dos pais nas reuniões,
riante cultural, conforme Fino11. há um consenso de que esta tem melhorado
Quanto às demais atividades pedagógicas, bastante: “estão mais desinibidos e opinam mais
como jogos, brincadeiras, dramatização, leitu- sobre diferentes temas”, porém se recomenda
ra de palavras, frases e textos, contos infantis, a adoção de estratégias que promovam mais
pintura e desenho, recreação, oficina de músi- ainda a escuta, a narração das histórias de vida
ca, coral e dança, são desenvolvidas em grupo e a escolha temática com reflexão dialógica nas
e também individualmente, na modalidade reuniões. É necessário que se discuta com toda
semidiretiva e conforme o planejamento da a comunidade escolar o projeto “Educação pela
professora, embora se perceba uma abertura e Paz e pela Cidadania”, lançado recentemente
uma grande vontade de aprender e inovar no pela AAPAECE.
processo do ensino-aprendizagem. Também se recomenda que se estabeleça
um ritual diário de acolhida e sensibilização
CONSIDERAÇÕES FINAIS com os pais, na entrega dos filhos, levando-os a
Ante a evidência da necessidade de apro- compreender a importância de acompanharem
ximação do Lar da Criança com as escolas de a vida escolar dos filhos e participarem dela
origem, recomenda-se que estas sejam visitadas mais de perto, além de ampliarem os vínculos
pela diretora do Lar da Criança, acompanhada positivos na relação escola-família: ambos são
da psicopedagoga do Projeto Lumiar – Núcleo II, imprescindíveis à aprendizagem significativa
que realiza o trabalho de supervisão pedagógica da criança.
na instituição. Sobre os postulados teóricos referentes ao
A ideia é articular e programar reunião ou en- interacionismo e construtivismo necessário à
contro com a participação dos professores dessas compreensão do desenvolvimento humano, se
instituições de ensino para discutir os problemas o professor não os leva em conta na sua prática
comuns, como dificuldades de aprendizagem das pedagógica, a criança pode até ampliar suas
crianças em leitura, escrita e matemática e ques- dificuldades de aprendizagem, implicando
tões disciplinares, bem como estabelecer estraté- muito provavelmente numa defasagem escolar
gias de práticas pedagógicas educativas focadas (reprovação), em função de vínculos negativos
na aprendizagem das crianças, especialmente no seu processo de aprendizagem significativa.
daquelas que apresentam mais dificuldades. Assim, é importante ter sempre em conta
No Lar, as atividades pedagógicas de reforço a fase em que a criança se encontra para se
escolar, em sala de aula, devem atender, priorita- propor a atividade adequada ao seu processo
riamente, as crianças com mais dificuldades, até de aprendizagem e desenvolvimento, além de
que consigam elevar seu nível de aprendizagem valorizar como se processa a aprendizagem na
e sua autoestima. Para tanto, recomendam-se criança, pois cada criança tem um jeito de ser
práticas que favoreçam a interação da criança e de aprender, tem uma subjetividade própria.
com mais dificuldade com outras mais expe- Portanto, considerar estas fases e a forma
rientes, principalmente no momento em que a como o professor trabalha a informação para
professora volta sua atenção para a turma como transformá-la em conhecimento, em sala de
um todo. aula, é de suma importância para o desenvol-
Nunca é demais lembrar que as crianças vimento intelectual da criança. A maturação de
com dificuldades mais graves devem ser enca- uma fase é fundamental para o desenvolvimen-
minhadas para uma avaliação psicopedagógica, to da fase seguinte.
com o consentimento dos pais, se possível junto Além de considerar os postulados das teorias
ao Projeto Lumiar, como vem acontecendo nos construtivistas nas suas práxis, recomenda-se,
últimos seis anos. ainda, que as professoras considerem a impor-
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PrátiCas PedagógiCas e inovação na instituição de ensino
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Cândido FF
SUMMARY
Pedagogical practices and innovations in the teaching institution: a
psychopedagogic approach with focus in the apprenticeship
This paper, result of a work of supervision, has the purpose to study the
educative practices developed in the Lar da Criança Domingos Sávio, in
Fortaleza/Ceará, from a qualitative sounding near by the woman teachers
and their assistants, considering, on one side, the challenges faced by
them, day by day, in class rooms, and, on the other side, the necessity to
value, in their praxis, the Piaget’s, Vygotsky’s, Wallon’s and others’ inter-
actionist and constructivist theoretical conceptions, whose approaches, in
the psychopedagogic perspective, suggest innovations of the pedagogical
practices, so that favor the student meaningful apprenticeship.
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rELATo DE EXPEriÊNCiA
disCurso Paterno
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Perazzolo ao et al
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disCurso Paterno
para o fortalecimento do individualismo e do “vai e vem” dos discursos circulantes nas três
consumismo como prática ativadora do delírio dimensões, assim como na configuração dos
social compartilhado - cujo conteúdo pode ser discursos intradimensionais. Nesse processo, é
sintetizado na expressão “é possível ter tudo”. necessário pensar a família, e a relação paterna
Esse processo, ao invés de educar, corromperia em particular (considerando sua importância
ou dificultaria a constituição dos sujeitos, anu- na constituição do psiquismo humano), tendo
lando o sentido e a experiência de privação4, em conta a profunda interdependência com as
disso resultando uma caótica e primária fusão demais instâncias sociais.
ser/ter. Mas, além disso, o cenário desenhado na in-
No processo de anulação de seu papel, e trodução do presente artigo tem pertinência na
sem condições e forças para a retomada de sua medida em que os pais, cujos sinais no discurso
função, a escola acaba atuando como núcleo foram associados a dificuldades encontradas
de fomento ao império do efêmero, à era do em seus filhos, apresentam, justamente, os ele-
vazio, tomando por empréstimo as expressões mentos que marcam, a cultura nessa nova era.
e o sentido atribuído por Lepovetsky5,6, no que
tange ao enfraquecimento, ou à puerilidade do PAI: SIGNIFICADO, FUNÇÃO, COMPRO-
coletivo, e à hipervalorização das demandas in- MISSO
dividuais, particularmente expressas pelo furor O conceito de pai e de paternidade vem
consumista contemporâneo. sofrendo alterações importantes, sobretudo
Por fim, as instituições sociais, guardiãs, nos últimos cem anos, como consequência das
propagadoras e asseguradoras dos valores efetivas transformações pelas qual o mundo,
construídos no processo de culturalização, tais especialmente no campo político, econômico,
como as instituições políticas, religiosas, es- científico e cultural, vem passando. Por centenas
portivas, dentre outras, integrariam o terceiro de anos, a cultura assentou um lugar paterno
eixo do tripé de sustentação de autorregulação associado à função de prover a família de suas
das sociedades. No âmbito de suas ações, essas necessidades materiais, de assegurar a ordem
atuam como a fonte necessária à transcendência no sistema microfamiliar - de acordo com os
constitutiva da subjetividade humana, e como padrões ético-morais da cultura vigente, - e
amplificadora do discurso social, dando sentido de definir a base religiosa norteadora e propa-
aos elementos valorados e significados também gadora dos princípios a serem observados. A
pela família e pela escola. No entanto, o que partir da revolução industrial, no entanto, um
se constata é que essas instituições desabam novo ritmo e uma nova dinâmica foram sendo
em avalanches de práticas ilícitas e de trans- estabelecidos no mundo das relações de pro-
gressões aos princípios que lhes são próprios e dução, redimensionando os papéis do homem
característicos. e da mulher, assim como as responsabilidades
Por fim, o descompasso no cumprimento das nos cuidados com os filhos7.
leis, assim como o desmoronamento de valores Com a mudança do cenário social e das
transcendentes e ideais e as concepções subje- relações, uma gama importante de novas
tivas de vida e futuro (substituídos por valores configurações familiares passou a integrar a
circunscritos a ganhos pessoais), comprome- rotina social (famílias monoparentais, famílias
teriam a qualidade dos laços que amarram o homossexuais/homo-afetivas, famílias desfeitas,
tripé social. famílias reconstituídas, etc). Esta nova realidade
De qualquer forma, independentemente de passou a requerer olhares acurados por parte,
julgamentos sobre as bases político-econômicas especialmente, dos estudiosos das áreas huma-
e de outros fatores intervenientes na crise social nas e sociais, exigindo reflexões que permitis-
do mundo globalizado, é necessário pensar o sem interpretar a lógica da unidade familiar,
275
Perazzolo ao et al
sua função para os sujeitos e para a sociedade. se a unidade da ligação mãe-filho. Esta nova
No entanto, apesar da diversidade consti- configuração permite multiplicar as perspecti-
tutiva de agrupamentos familiares, ainda não vas, as habilidades, as cognições, e os ensaios
está desenhado um modelo consistente de de- de independência constitutiva dos sujeitos.
senvolvimento humano que permita excluir ou Conforme a autora8, o pai se insere num
descaracterizar qualquer um dos três eixos da cenário infantil marcado pela angústia e pela
triangulação psíquica/familiar (pai, mãe, filho), depressão, decorrente da traumática experi-
no processo de constituição dos sujeitos e de ência de integração da figura materna, antes
sua identidade. fragmentada e mobilizada por movimentos
As publicações didáticas sobre o desen- de introjeção e projeção de objetos “bons” e
volvimento humano tendem a apresentar as “maus”. A origem da representação do pai esta-
mudanças e as fases do ciclo vital de forma es- ria sustentada no suposto de um conhecimento
sencialmente descritiva, nem sempre assentada inato dos genitais, e no deslocamento do objeto
sobre escopos teóricos explicativos das origens mau para o pênis, marcando o cunho persecu-
dos fenômenos observados. tório da origem do complexo de castração da
Mas dentre as escolas psicológicas contem- fase fálica na concepção freudiana.
porâneas, a psicanálise se destaca na apresenta- Na obra freudiana9, por outro lado, a teori-
ção de um expressivo conjunto de contributivos zação sobre o lugar paterno é construída em
que abordam, direta e indiretamente, aspectos alguns textos fundamentais. O primeiro refere-
sobre a importância do pai, em diferentes se ao caso do pequeno Hans (1909), marco no
momentos e publicações. Nessa perspectiva, avanço de conhecimentos sobre o papel que o
a figura do pai tende a ser percebida como pai desempenha no processo de desenvolvi-
de importância indireta no início da vida. Nas mento humano. Ali já estão sedimentadas as
etapas iniciais, é a mãe que se estabelece como bases do entendimento de que à paternidade
soma que engloba o bebê e o mundo, fundando está conferida a função de proibir, de ser o
modelos relacionais decisivos na organização ganhador na disputa a ser travada com o filho,
do pensamento, dos padrões de crescimento. de ser indutor da transformação dos objetos
A ideia de fusão psíquica é fortemente con- de desejo. Posteriormente, em A Organização
templada na obra freudiana, e retomada por Genital Infantil10, se consolidou a estrutura de
inúmeros autores que, no conjunto de suas um dos mais importantes corpos teóricos sobre
obras, desdobram o conceito de unidade fusio- a linha do desenvolvimento psicossexual, no
nal, como Margareth Malher, Donald Winnicott, qual a fase fálica, o complexo de Édipo, e o
John Bowlby, Melaine Klein, e, particularmente, complexo de castração compõem um núcleo
Jacques Lacan, que reconstrói a leitura da fusão marcado pela “presença” do pai como protago-
original enfatizando a condição do filho como nista fundamental da história de vida de cada
expressão do desejo do falo, processo caudatário um. Outro texto a destacar é Totem e Tabu11,
da inveja do pênis. em que apresenta uma proposta de teorização
O conceito de complexo de Édipo precoce, sobre os mecanismos de estabelecimento da
apresentado por Melaine Klein8, por exemplo, ordem social, inspirado nas rígidas práticas
explicita as razões pelas quais os primeiros aborígines. Neste texto, a culpa e o remorso pelo
indicadores factuais da existência do pai no assassinato e canibalização de um pai tirano e
universo mental da criança costumam surgir por déspota conduzem à instituição simbólica da
volta dos seis a oito meses de vida, por meio de proibição do incesto.
sinais de reconhecimento e de mudança. Com Da releitura do texto freudiano, Lacan12 pro-
a inserção progressiva do pai em seu mundo, põe que o simbólico paterno deriva da experi-
triangula-se um “corpo relacional”, rompendo- ência original de interdição do incesto, sendo o
276
disCurso Paterno
porta voz “legítimo” do que não é possível, do de manutenção do próprio eu. Nesse sentido, o
que não se pode ter/fazer. Na metáfora paterna, desejo de paternidade e os cuidados paternos
Lacan dimensiona o pai como herdeiro e fiel de- seriam expressões da competência da espécie
positário da lei, como um significante que subs- para manter-se, pois a precocidade humana
titui o desejo da mãe, barrando o gozo obsceno não suportaria a vida sem vínculos capazes
entre ela e o filho, viabilizando a estruturação de assegurar proteção, processo acionado por
do sujeito, na sua condição humana/social. afetos e ações imaginativas que, no conjunto,
A função paterna, assim, remete a alguma constituem a subjetividade, fundam o simbólico.
forma de inauguração do sentido do limite, da
experimentação intrínseca e genuína da finitu- O MONÓLOGO NARCÍSICO DO DISCUR-
de como cerne do nascimento da humanização. SO PATERNO DISFUNCIONAL
Desse processo resultam infinitas cadeias de A clínica psicanalítica vem sendo concebi-
sentidos/significados, e novas competências da como espaço privilegiado de investigação.
para a sobrevivência do corpo físico e de tra- Achados casuais da prática terapêutica per-
jetórias para desejo. Não há, pois, constituição mitem desencadear reflexões importantes e
psíquica efetiva, nem humanização, sem a ex- geradoras de hipóteses que, eventualmente,
periência de relação com um pai. Na ausência culminam na elaboração de produtos teóricos
de um corpo paterno real, seu discurso deve contributivos à compreensão da dinâmica
que ser ouvido de algum lugar, e, na ordem mental.
dinâmica das teias sociais, há também que ser É nesse contexto que está sendo proposta
replicado e reconhecido na fala da família, da reflexão sobre elementos do discurso paterno,
escola, e das instituições. potencialmente indicadores de padrões carac-
O arcabouço teórico acerca da origem do terísticos de disfunções relacionais associadas
desejo de ser pai é restrito e, comumente, inte- a dificuldades de aprendizagem e de compor-
gra perifericamente estudos cuja tônica aborda tamento de seus filhos.
outras temáticas. Mesmo na vertente lacaniana Com base na análise de achados clínicos,
da psicanálise, que se excede na exposição da em processo de sistematização, estão sendo
origem do desejo da mãe/maternidade, há des- construídas hipóteses de que em, pelo menos,
taque sobre a função do pai, mas não está clara quatro aspectos, há pontos comuns no discurso
a natureza, ou mesmo o suposto da existência, de pais proferido em situação de entrevista
do desejo do homem de ser pai, para além da diagnóstica. As dificuldades apresentadas pelas
concepção de que o nascimento de um filho crianças, foco da avaliação, estão relacionadas,
se dá sob a égide do narcisismo dos pais, e é a mais comumente, ao controle dos impulsos;
metáfora do casal. a práticas transgressoras, envolvendo acolhi-
Outras perspectivas da psicanálise, e o mo- mento de normas legais/morais e disciplinares,
delo sistêmico, abordam aspectos da dinâmica assim como de rotinas; e à aprendizagem de
familiar como um todo, sem menções à distinção conteúdos escolares.
dos desejos. Para Eiguer13, por exemplo, os filhos Os aspectos comuns referem-se a: a) o en-
integram projetos de futuro desenhados à luz do cadeamento de ideações tende a ser circular,
ideal de ego familiar. Já numa perspectiva evo- (re) colocando a figura do locutor (pai) no lugar
lucionista14, calcada em supostos darwinianos, central do conteúdo descritivo / narrativo /
a paternidade, ou a geração de descendentes dissertativo-argumentativo; b) os componentes
com os genes do pai e a sobrevivência dos filhos, discursivos sobre o problema da criança indicam
ocuparia posição prioritária na hierarquia das o locutor como principal sujeito vitimizado; c) a
necessidades humanas, em situação de igual- estrutura argumentativa das práticas educativas
dade ou imediatamente após as necessidades cotidianas assenta-se na lógica da submissão;
277
Perazzolo ao et al
d) as referências acerca de desejos, demandas, vítima do(s) problema(s) do filho, embora isso
e projetos/imagens futuras de vida apresentam não exclua o reconhecimento de que outros
o locutor, e não a criança de quem se fala como membros, eventualmente a própria criança,
sujeito. possam também experienciar sofrimentos.
O primeiro aspecto destaca a estruturação Por meio de provocações indagativas, como
do discurso caracterizada pela tendência de “Porque vieram buscar ajuda?”, o discurso do
adequar as temáticas abordadas na entrevista grupo dos pais sobre os quais se fala apresenta
de modo a manter a figura do locutor (pai) como conteúdos descritivos ou narrativos indicadores
sujeito principal do conteúdo, apresentado quer de que a função precípua da intervenção diag-
sob forma de descrição, narração, ou argumento nóstica é cessar a fonte dos problemas causados
dissertativo. As estratégias cognitivas de orga- ao locutor. Os conteúdos exemplificativos de tais
nização do pensamento incluem desde a eleição processos podem ser extraídos de expressões
formal da temática discursiva, até a perversão como: a) Porque tenho vergonha...; Porque eu
dos elos lógicos de ligação pergunta – resposta, não aguento mais essa história de ser chamado
deformando a relação locutor/enunciador – in- na escola...; Porque tudo isso acaba me deixan-
terlocutor/enunciatário por meio da constituição do muito nervoso e nem trabalho direito...
da relação interlocutor/enunciador, em que há O terceiro aspecto refere-se à estrutura argu-
um rompimento do processo interlocutório, e a mentativa característica dos conteúdos relativos
criação de um novo enunciado. Num contexto às práticas cotidianas de educação. No encade-
de prática diagnóstica, esse fenômeno se ex- amento ideativo do discurso desses pais, fica
pressa, por exemplo, quando em situações de explicitado semanticamente que a submissão
questionamentos abertos, como “O que está do filho deve ocorrer pela pertinência da obe-
acontecendo?”. Nestes casos, as respostas ten- diência em si, sem qualquer elo com a situação
dem a ser já formuladas na primeira pessoa: específica, ou espaço para relativizações, ainda
Eu estou preocupado, e isso não me faz bem...; que a ideia da obediência pela obediência seja
Preciso dar um jeito na minha vida...; Não vim acompanhada por argumentos adicionais que
antes porque precisava resolver outras coisas, remetam a supostos educativo-morais de qual-
mas agora quero resolver isso... Em outras quer ordem. Expressões tais como Eu deixei
situações, perguntas tais como: a) “Como de castigo porque não me obedeceu... e se não
descreveria seu filho?”, ou b) “O que seu filho obedece agora, depois será bem pior; Se uma
entende por ‘comportamento correto’?”, podem criança não atende ordens é preciso fazer com
ser pervertidas na sua organização compreen- que atenda ...; Toda vez que eu falo ele tem
siva – responsiva e originar pararespostas, ao que respeitar, porque eu sou o pai dele. A im-
mesmo tempo em que recolocam o falante no portância da relação hierárquica, portanto, não
eixo do discurso. Assim, respostas como: a) Ele está amparada no processo educativo, tampouco
é um pouco como eu, mas nem sempre. Sou na pretensão de proteger, ou de fomentar com-
uma pessoa que...; Quando se descreve alguém preensões sobre a lógica da ação-reação, ou de
tem que se levar em conta muitos aspectos. Eu, antecipar o reconhecimento de riscos para si e
por exemplo, tenho que ser descrito como pai, terceiros, dentre outros aspectos. A natureza do
profissional...; e b) Sempre expliquei o que é papel hierarquicamente elevado da paternida-
ser correto. Meus pais também sempre me en- de está, nesse caso, enunciado de forma clara:
sinaram...; Eu sei que nem sempre há consenso “Quero ser obedecido.”, ao invés de “É preciso
sobre isso (...), todas as vezes que tive dúvidas que você entenda e respeite limites”.
procurei ver pelos dois lados... O último aspecto comum diz respeito a ex-
O segundo aspecto refere o suposto de que pressões que indicam processos de construções
o pai é percebido, por si próprio, como principal de planos, de imagens de futuro, do próprio
278
disCurso Paterno
pai, e ausência de referências de “sonhos” para o Ao retirar o filho do centro de seu discurso, e
filho. Nas situações em que são provocados a falar ao inserir-se neste, recursivamente; ao se colo-
sobre como vêem a criança no futuro, há ausência car no lugar de quem se fala, ocupando o lugar
de especificidades e tendência a replicar com de quem é olhado; ao impor a submissão como
displicência os mesmos elementos que integram prática em si; ao referir sonhos e planos pessoais,
os “sonhos” do locutor. Esse aspecto pode ser apresentando um conjunto vazio onde deveria
exemplificado por meio de trechos extraídos de haver elementos “sonhados” pelos pais, o sujeito
narrações, como: Eu pretendo ser dono de meu que discursa parece explicitar o que “quer” e o
próprio negócio...; Se eu aprender inglês com rapi- que “pode” fazer. Esse processo pode ser enten-
dez poderei...; Tenho certeza que posso assumir a dido como um gozo gerado pela prática do poder
liderança...; Meu filho? Ele vai fazer as metas dele.; sem restrições, marcado pela similaridade com a
Há! Ele vai querer essas coisas também, como eu... tirania e perversidade características do pai da
Um estudo sobre percepção de mães de crian- horda primitiva, teoria darwiniana na qual Freud
ças com problemas de aprendizagem15 apresentou se apoia para teorizar acerca da constituição da
resultados semelhantes, no que tange às práticas lei e da fraternidade.
educativas e à construção imaginativa de futuro A origem da disfunção relacional pode ter elos
para os filhos. No entanto, o conteúdo do discurso em diferentes dimensões e processos da história
materno se caracteriza pela natureza fusionada das singular e familiar, como, por exemplo, no conflito
relações, ao invés da base narcísica que marca o competitivo ativado por vivências edipianas; na
discurso dos pais. submissão à demanda da família; no transborda-
Há um dado importante e curioso dos achados mento de conteúdos delirantes persecutórios, den-
comuns encontrados nos discursos desse grupo tre outros. No entanto, é pertinente ressaltar que
de pais. Trata-se do fato de que não parece haver o discurso desses pais reflete a situação de desali-
constância tipológica, do ponto de vista da estru- nhamento das estruturas de sustentação social. Se
tura constitucional, ou do funcionamento de base, retomados os aspectos introdutórios apresentados,
de qualquer ordem ou vertente teórica. Tampouco pode-se argumentar que a fragilidade dos víncu-
parece que as marcas do discurso, identificadas nas los familiares está, neste caso, dramaticamente
falas que “envolvem” o filho, estejam presentes exposta no discurso do pai, mas também no dos
em falas que abordem outras relações. Esses pais demais membros da família nuclear e estendida,
parecem poder falar, por exemplo, da mulher, da na medida em que não constituem interlocuções
família, e de amigos, como quem pode habitar de confronto que interfiram na prática perversa
o espaço empático que permite pensar e sentir de exclusão do filho do universo de seus sonhos.
o que o outro pensa e sente. No entanto, nestes A escola, da mesma forma, parece não conseguir
casos, a natureza polifônica do discurso de sujeitos lidar com as dificuldades que a priori lhe estariam
em adequadas condições funcionais, expressão afetas, devolvendo aos pais a tarefa exclusiva
da experiência genuína de tramas vinculativas e de conter, educar e ensinar o aluno. E, ainda, as
evidência do desdobramento da consciência em instituições, que deveriam estar ecoando valores,
vozes que ecoam no universo histórico de cada um, fortalecendo e orientando os fazeres da família e
parece alterar-se numa direção monofônica, onde da escola, não integram, em nenhum momento,
apenas uma voz fala e é escutada, como narciso o discurso parental.
falando a si próprio.
O que há, então, na base de uma relação onde CONCLUSÃO
o outro é empurrado para a sombra, para fora do A análise do discurso de um grupo de pais
âmbito do olhar, mantendo-o encarcerado num de crianças que apresentam problemas de
espaço onde também outros não possam vê-lo e comportamento e de aprendizagem, ainda em
ouvi-lo? processo de sistematização, já oferece dados
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Perazzolo ao et al
SUMMARY
Paternal discourse: signs of relational dysfunctions
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disCurso Paterno
281
PoNTo
alves l & BDE VisTA
ianChin ma
282
o Jogo Como reCurso de aPrendizagem
O JOGO E A APRENDIZAGEM
De início é importante explicar que a palavra
“jogo” se origina do vocábulo latino ludus, que
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alves l & BianChin ma
284
o Jogo Como reCurso de aPrendizagem
Sendo assim, pode-se afirmar que o jogo bitual de sua idade, além de seu comportamento
enquanto promotor da capacidade e potenciali- diário. A criança vivencia uma experiência no
dade da criança não só pode como deve ocupar brinquedo como se ela fosse maior do que é
um lugar especial na prática pedagógica, privi- na realidade... o brinquedo fornece estrutura
legiando o espaço da sala de aula. básica para mudanças das necessidades e da
Dinello6 indica que “pelo jogo, a psicomotri- consciência da criança”9.
cidade da criança se desenvolve num processo Assim que as crianças vão crescendo e se
prático de maturação e de descobrimento do desenvolvendo emocional e cognitivamente,
mundo circundante.” elas começam a colocar outras pessoas em suas
Dessa maneira, pode-se dizer que no jogo brincadeiras, e é percebendo a presença do
há uma importância do desenvolvimento psico- outro que começam a ser respeitadas as regras
motor para aquisições mais elaboradas, como as e os limites. Os jogos com regras exigem racio-
intelectuais. Oliveira7 valida esse entendimento, cínio e estratégia.
ao afirmar que: Muitas das dificuldades apre- Dessa maneira, quando uma criança se
sentadas pelos alunos podem ser facilmente sa- mostra capaz de seguir uma regra, nota-se que
nadas no âmbito da sala de aula, bastando para seu relacionamento com outras crianças e até
isto que o professor esteja mais atento e mais mesmo com adultos melhora, reforçando a ideia
consciente de sua responsabilidade como edu- de que os jogos influenciam no processo de
cador e despenda mais esforço e energia para aprendizagem das crianças, ainda que algumas
ajudar a aumentar o potencial motor, cognitivo caminhem de forma mais rápida e outras, de
e afetivo do aluno. Assim sendo, devemos esti- forma mais devagar.
mular os jogos como fonte de aprendizagem7. Jogando, as crianças podem colocar desafios
Em educação, a utilização de um programa e questões para serem por elas mesmas resolvi-
que estimule a atividade psicomotora, espe- das, dando margem para que criem hipóteses
cialmente por meio do jogo, permite que o de soluções para os problemas colocados.
desempenho psicomotor da criança enquanto Isso acontece porque o pensamento da crian-
joga alcance níveis que só mesmo a motivação ça evolui a partir de suas ações. Assim, por meio
intrínseca consegue. Ao mesmo tempo, favo- do jogo o indivíduo pode brincar naturalmente,
rece a concentração, a atenção, o engajamento testar hipóteses, explorar toda a sua espontanei-
e a imaginação. Como consequência a criança dade criativa. Os jogos não são apenas uma for-
fica mais calma, relaxada, e aprende a pensar, ma de divertimento: são meios que contribuem
estimulando sua inteligência. e enriquecem o desenvolvimento intelectual.
Segundo Bettelhein8, os jogos mudam à Para manter seu equilíbrio com o mundo, a
medida que as crianças crescem. Então, muda- criança precisa brincar, criar e inventar. Com
se a compreensão em relação aos problemas jogos e brincadeiras, a criança desenvolve o
diversos que começam a ocupar suas mentes. É seu raciocínio e conduz o seu conhecimento
jogando que as crianças descobrem o que está de forma descontraída e espontânea: no jogar,
a sua volta, começando a se relacionar com a ela constrói um espaço de experimentação, de
vida, percebendo os objetos e o espaço que seu transição entre o mundo interno e externo.
corpo ocupa no mundo em que vivem. Por meio As possibilidades não se limitam a estas,
de brincadeiras, como o faz de conta, o jogo sim- servindo ainda para agilizar a astúcia e o ta-
bólico, a vivência de papeis, criando e recriando lento, estabelecer e revisar valores e estimular
situações agradáveis ou não; a criança pode as habilidades manuais. Além disso, os jogos
realizar atividades próprias do mundo adulto. não podem ser tidos apenas como uma fonte
Para Vygotsky, “... é na brincadeira que a de aprendizado para os alunos, mas também
criança se comporta além do comportamento ha- para professores e pais, pois quando se trata
285
alves l & BianChin ma
da educação formal, os jogos podem ajudar a se profissional trabalhar com a criança de forma
incentivar o respeito às demais pessoas e cul- prazerosa. Ou seja, a formação lúdica possibilita
turas, estimular a melhor aceitação de regras, ao educador conhecer-se como pessoa, saber de
agilizar o raciocínio verbal, numérico, visual e suas possibilidades, desbloquear resistências e
abstrato e, por último, mas não necessariamente ter uma visão clara sobre a importância do jogo
o fim, possibilitar ao aluno o aprendizado acer- e do brinquedo para a vida da criança, do jovem
ca da resolução de problemas ou dificuldades, e do adulto10,11.
estimulando-o a procurar alternativas. Ademais, um aspecto relevante nos jogos é o
desafio que eles provocam no aluno, o que gera
CONSIDERAÇÕES FINAIS interesse e prazer. Por isso é importante que a
Diante do exposto neste artigo, é importante criança explore livremente o jogo, mesmo que o
ressaltar que o lúdico é de fundamental impor- resultado não seja a que esperávamos. Não nos
tância para o desenvolvimento físico e mental cabe interromper o pensamento da criança ou
da criança, auxiliando na construção do seu co- atrapalhar a simbolização do que está fazendo.
nhecimento e na sua socialização, englobando Devemos nos limitar a sugerir, a estimular, a
aspectos cognitivos e afetivos. O lúdico também explicar, sem impor nossa forma de agir para
é um importante instrumento pedagógico que que a criança aprenda descobrindo e compre-
tem o poder de melhorar a auto-estima e au- endendo, e não por simples imitação.
mentar os conhecimentos da criança, quando Ao professor, cabe analisar e avaliar a po-
utilizados com objetivos definidos. O ensino tencialidade educativa dos diferentes jogos,
utilizando meios lúdicos cria um ambiente grati- permitindo assim um trabalho pedagógico mais
ficante e atraente, servindo como estímulo para envolvente.
o desenvolvimento integral da criança. Por último, vale ressaltar que os profissionais,
Assim, é importante que o professor busque ligados ou não a áreas educacionais, não estão
sempre ampliar seus conhecimentos sobre o aproveitando as situações prazerosas que os
lúdico e que utilize com mais frequência téc- jogos e brincadeiras lhes dão. Tais profissionais
nicas que envolvam jogos, proporcionando o se esquecem de que os jogos e as brincadeiras
desenvolvimento integral de seus alunos. são considerados excelentes auxiliares para
Vale ressaltar que quanto mais o adulto vi- fornecer limites, estabelecer liberdade, conviver
venciar sua ludicidade, maior será a chance des- com regras, tornar-se um cidadão.
286
o Jogo Como reCurso de aPrendizagem
SUMMARY
The game as a learning resource
Facing the fact that the games are frequently ignored by the educators
and by the teaching institutions in general, we aim to punctuate the
importance of the ludic aspect for the child’s cognitive and emotional
development. Inside this context we aim to demonstrate that by using ludic
activities we may develop several abilities, we explore and reflect upon
reality, upon the culture in which we are inserted, which we absorb and at
the same time makes us questioning rules and social roles. This article aims
to highlight the role of the game as a facilitating resource in the learning
process, recognizing this as an important pedagogical instrument in the
learner’s intellectual and social development. We conclude as showing the
main ideas from the different roles the game operates in the pedagogical
work wishing to stimulate on the teaching professional, the reflection upon
the using of the ludic resource in the learning process.
287
ArTiGo DE rEVisÃo
tiggemann is
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sistemas alFaBétiCo e numériCo
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tiggemann is
290
sistemas alFaBétiCo e numériCo
baseando-se em eixos de diferenciação quali- numeroso, o mais velho. Para Ferreiro3, esse pro-
tativo e quantitativo; c) fonetização da escrita. cedimento não mostra a dificuldade da criança
O primeiro período caracteriza-se pela busca em se desprender do desenho ou objeto a ser
de diferenciações no universo das marcas grá- representado, mas consiste numa busca formal
ficas. Até então, desenhos, letras, algarismos que dirige as explorações da criança. A autora
numéricos faziam parte de um mesmo conjunto ainda acrescenta que a busca de uma corres-
sem que isso chamasse a atenção da criança. pondência entre os aspectos da representação
Agora a criança preocupa-se em diferenciar e os aspectos do referido objeto leva em conta
formas icônicas e não-icônicas: tudo que não é exclusivamente os aspectos quantificáveis, já
desenho é reconhecido como escrita, inclusive que a criança não pensa em utilizar letras arren-
numerais e pseudo-letras. Nesta etapa, a crian- dodadas para representar objetos redondos, ou
ça também passa a perceber que a escrita pode mesmo letras quadradas ou pontiagudas para
substituir os desenhos. Ou seja, por meio do representar objetos com estas formas.
estabelecimento de relações entre texto e figura, Outras situações mostram a possibilidade de
a criança pressupõe que no texto está o nome do a criança utilizar o mesmo número de letras ou
objeto desenhado. A escrita, portanto, deixa de caracteres quantos forem os objetos que deseja
ser uma mera sequência de letras organizadas representar. Nessa perspectiva, cada letra conta
para se tornar em objetos-substitutos. para um objeto e a sequência de letras forma-
No segundo período, as propriedades especí- da representa a palavra no plural. Importante
ficas do texto passam a ser observadas, produto salientar que essa hipótese que se funda na
de uma nova centração cognitiva, oferecendo correspondência termo a termo não é genera-
novas condições de interpretabilidade e legi- lizável, tampouco estável, porque a criança não
bilidade. Se no período precedente um texto consegue desprender-se da exigência mínima
poderia ser “lido” com a ajuda do desenho, de três letras para que algo possa ser escrito
nesse momento são construídas novas relações. ou lido. Diante dessa exigência, a criança não
A criança nessa etapa releva os aspectos poderia representar quantidades inferiores a
intrafigurais e interfigurais da escrita que se três elementos.
expressam sobre os eixos quantitativo e qua- Interessante notar que quando a criança é
litativo. A variação intrafigural apoia-se em solicitada a escrever primeiro uma palavra no
critérios absolutos que não permitem comparar plural, representando um conjunto de elemen-
as escritas entre si, mas estabelecer quais são tos, ela pode utilizar uma letra ou caracter para
interpretáveis. Assim, para que algo possa ser cada objeto, como citamos acima. No entanto,
escrito/lido é preciso que tenha, no mínimo, quando instigada a escrever primeiro a palavra
três caracteres e que haja uma variação entre no singular, na palavra no plural a criança ten-
estes. A variação interfigural, por sua vez, derá a repetir a sequência de letras tantas vezes
apoia-se em critérios relativos, o que possibilita quantos forem os objetos a serem representados.
a comparação entre uma palavra escrita e outra. Se a criança utiliza “Oai” para representar a
Nessa linha de entendimento, nenhuma palavra palavra gato, poderá utilizar “OaiOaiOai” para
diferente será escrita da mesma forma. representar três gatos, por exemplo1.
Outro procedimento utilizado é a tentativa Para que a criança avance em direção ao
de corresponder as variações quantitativas das terceiro período de conceitualização da escrita,
representações e as variações quantitativas no é preciso que compreenda a palavra enquanto
objetivo referido. Dessa forma, os nomes dos sequência de sons. Esta compreensão inicia
objetos grandes são escritos com mais letras do ainda no segundo período, quando a criança
que os objetos pequenos, sendo que o mesmo estabelece relações entre a palavra falada e
procedimento ocorre para o mais pesado, o mais palavra escrita, sem que isso demande de uma
291
tiggemann is
hipótese silábica. A criança continua utilizando entender que a criança tenha problemas quanto
o critério de variação intrafigural, mas compre- à escrita propriamente dita.
ende que cada letra corresponde a uma parte O caminho traçado pela criança em direção
da palavra falada e não a uma parte do referido ao entendimento da estruturação da língua
objeto. De acordo com Ferreiro3, estabelece-se escrita inicia com noções gerais que vão se
uma nova correspondência termo a termo entre especificando, na medida em que novas cen-
dois conjuntos ordenados. Assim, a ideia de que trações cognitivas são feitas. As descobertas
o nome pronunciado pode ser decomposto em realizadas não se perdem, mas se integram às
partes que podem ser associadas às porções do novas construções, ampliando e enriquecendo
nome escrito dá início à fonetização da escrita. as estruturas que, por sua vez, dão suporte às
O terceiro período, que se caracteriza pelo novas intervenções da criança. De acordo com
estabelecimento da relação fonema/grafema, Dorneles5: “... uma aprendizagem nunca se dá
inicia com a hipótese silábica e culmina com a no vazio: é resultado de outras aprendizagens
hipótese alfabética. A hipótese silábica consiste anteriores, reintegradas e reorganizadas cons-
na presença de uma correspondência termo a tantemente”. Esse entendimento não se res-
termo, onde a série de letras é ordenada com a tringe à construção da escrita, mas se constitui
série de sílabas da palavra falada. A hipótese em um princípio geral na construção de outros
silábica tem uma importância enorme na evo- conhecimentos. Apresento, a seguir, a evolução
lução na escrita: pela primeira vez a criança das notações numéricas para que possa, pos-
encontra um recurso que lhe permite regular teriormente, traçar algumas ideias comuns às
o número de letras e pode, inclusive, antecipar representações dos dois sistemas.
essa quantidade antes mesmo de sua produção.
Nessa etapa, a criança pode compreender A EVOLUÇÃO DAS NOTAÇÕES NUMÉRI-
a sua maneira de escrever, mas tem grande CAS NA CRIANÇA
dificuldade em compreender a escrita que a O entendimento de que a criança, por meio
cerca. Cada vez que ela tenta aplicar a hipótese de suas explorações com o meio, é capaz de
silábica às escritas produzidas pelos adultos, representar a linguagem oral de diferentes
encontra um excedente de letras. Dessa forma, maneiras até conceitualizá-la da forma conven-
certas escritas como o seu nome próprio terão cional é compartilhado por Sinclair2 quando se
importância decisiva na desiquilibração dessa refere à evolução das notações numéricas. Em
hipótese. É preciso então encontrar um meio suas pesquisas, tomou como objeto de estudo
de analisar a palavra de forma diferente, de a notação de pequenas quantidades discretas e
modo a absorver o excedente de letras que se verificou que a criança pode utilizar diferentes
formam com a hipótese silábica. O nível de formas de representá-las, de maneira coerente,
construção da escrita que caracteriza o avanço antes de empregar a forma convencional. Por
dessa hipótese para outra constitui-se no nível meio da análise dos procedimentos utilizados
intermediário denominado silábico-alfabético. pelas crianças quando solicitadas a anotar uma
No nível silábico-alfabético, a criança utili- determinada quantidade de objetos, a autora
za escritas que ora caracterizam-se ainda pela sinaliza para uma construção progressiva de
hipótese-silábica, ora avançam em direção à nosso sistema de numeração escrita.
hipótese alfabética, onde cada letra representa Tal como a evolução das conceitualizações
um som e não uma sílaba. da escrita, a evolução das notações numéricas
Finalmente, ao chegar à hipótese alfabética, também relaciona-se com as experiências e in-
a criança terá compreendido os princípios da terações concretas que a criança tem com esse
língua escrita. Os problemas de ortografia po- sistema. Mas, como já assinalei, desde muito
dem ainda permanecer, o que não implica em cedo a criança defronta-se com a possibilidade
292
sistemas alFaBétiCo e numériCo
1
Embora não seja alvo de meu interesse traçar paralelos entre a psicogênese e a sociogênese dos sistemas notacionais, a forma de re-
presentar as quantidades um, dois e mais unidades nos chama a atenção e nos remete aos estudos de Ifrah7. O autor, em sua obra, resgata a
pré-história dos números, apontando que um e dois são os primeiros conceitos numéricos inteligíveis pelo ser humano. E assim, em épocas
mais remotas de nossa história, o máximo de relações que se podia estabelecer entre as quantidades residia na possibilidade em diferenciar a
unidade, o par e a pluralidade tal como vimos na notação acima descrita.
293
tiggemann is
usar uma única letra para representar a coleção buscando procedimentos cada vez mais exatos
(cinco “A” para cinco lápis – AAAAA) ou usar e específicos, mas não mais ou menos coeren-
uma letra diferente para cada objeto (XBAEL). tes com suas hipóteses. Um dado que chama
Em crianças pequenas, essa correspondên- atenção diz respeito à “súbita aparição” dos
cia nem sempre é exata, todavia, percebe-se algarismos numéricos que, tão logo apareçam,
uma clara intenção em relacionar o número representam a cardinalidade de maneira corre-
de objetos ao número de grafias. Interessante ta. Segundo as proposições de Sinclair2, conhe-
notar que, em ambos os tipos dessa categoria cer a grafia e o nome dos numerais não implica,
de notação, as grafias são ordenadas em linha necessariamente, em saber sua aplicação. Com
(da direita para a esquerda, da esquerda para isso podemos entender que a criança não utiliza
direita ou de cima para baixo), ainda que os os algarismos numéricos nas notações anteriores
objetos das coleções estejam dispostos de forma por ainda não compreender sua utilização e fun-
desordenada sobre a superfície. ção, mas não por desconhecer sua simbologia
Na quarta categoria de notação, embora se oral e escrita.
mantenha a ideia de correspondência termo a Mas não seria evidente que a criança utili-
termo, aparecem os algarismos numéricos. A zasse algarismos numéricos (ainda que escritos
criança utilizando esse tipo de notação registra de forma inexata) ao invés de iniciar com letras
uma algarismo para cada elemento da coleção. na correspondência termo a termo, tal como
A criança pode utilizar a sequência dos algaris- vimos na terceira categoria de notações? Não
mos (1,2,3,4,5 para cinco objetos; 123456 para me parece tão claro quanto parece para Ferrei-
6 objetos), como pode utilizar o algarismo que ro1 que a criança desde muito cedo diferencia
representa a cardinalidade tantas vezes quantos natureza e função de letras e numerais.
forem os objetos a serem representados (333 O que pretendi mostrar nesta análise é de
para três objetos; 55555 para cinco objetos). que em dois campos do conhecimento, epis-
Em ambos os casos, os algarismos são sempre temologicamente diferentes, a criança pode
escritos de maneira correta. utilizar procedimentos similares e apoiar-se,
Na quinta categoria de notação, o cardinal possivelmente, em semelhantes estruturas cog-
aparece sozinho, representando de forma exata nitivas na compreensão desses conhecimentos.
a quantidade de objetos das coleções. Final- Se analisarmos a evolução de cada sistema
mente, na sexta categoria de notação, a criança notacional, perceberemos que a criança parte
escreve o algarismo numérico acompanhado de uma percepção e representação global para
de letras, representando tanto a cardinalidade, uma progressiva atenção aos aspectos espe-
quanto a natureza dos objetos. cíficos e particulares dos objetos conceituais.
Entretanto, uma análise ainda mais cuidadosa
RELAÇÕES INICIAIS ENTRE PSICOGÊ- pode nos levar a outras constatações.
NESE DOS SISTEMAS NOTACIONAIS A correspondência termo a termo parece
ALFABÉTICO E NUMÉRICO guiar os procedimentos das crianças tanto em
Com essa breve revisão à evolução do siste- suas representações dos números quanto da
ma notacional numérico e alfabético algumas linguagem oral. Na numeração escrita, a cor-
relações podem ser tecidas. respondência termo a termo aparece de forma
Observando a progressão das notações clara na terceira categoria de notações, em que
numéricas podemos perceber que existe uma a criança relaciona a quantidade de elementos
relação entre estas e a idade das crianças. Ainda ao número de grafias correspondentes.
que as notações não se excluam mutuamente, Na conceitualização da linguagem escrita, a
a criança com o avanço de sua idade tende a correspondência um a um aparece de diferentes
deixar de produzir as notações mais primitivas, formas e em dois períodos diferentes. Antes de
294
sistemas alFaBétiCo e numériCo
tentar representar a linguagem oral, a criança que parece associar-se aos conceitos numéricos.
representa os objetos explorando diferentes Trata-se de uma hipótese construída pela crian-
meios. Um deles consiste na tentativa de rela- ça, em que o número de letras utilizado para
cionar o número de elementos ao número de representar um determinado objeto relaciona-se
grafias. Como já destaquei anteriormente, essa com os aspectos quantificáveis do mesmo. Ora,
hipótese não se estabiliza, pois rapidamente é utilizar mais letras para o maior objeto, e menos
precedida pelo critério de quantidade mínima letras para o menor, implica na compreensão
de letras para composição das palavras. Sob de um conjunto de relações matemáticas que
outra forma, mas de maneira inexata, a cor- envolvem a seriação. Assim, para que a crian-
respondência biunívoca permite que a criança ça possa diferenciar suas escritas baseando-se
estabeleça primeiras relações entre palavra nesse critério, precisa, inicialmente, arranjar os
escrita e falada, o que lhe possibilita o avanço objetos em uma ordem crescente, captando uma
ao terceiro período. Nesse período, caracteriza- regra lógica básica denominada transitividade2.
do pela fonetização da escrita, a criança passa Parece-me bastante claro que nessa hipótese
a ordenar uma letra a cada sílaba emitida, estão imbricados conceitos de natureza lógica-
avançando em direção à compreensão da escrita matemática na construção da linguagem escrita.
convencional. Parece-me que esse procedimento
consegue organizar o pensamento da criança de CONSIDERAÇÕES FINAIS
maneira lógica, permitindo que a mesma avance Apresentei nessa revisão, de forma bastante
em seus modos de construção em ambos os sis- resumida, a evolução de dois sistemas notacio-
temas aqui analisados. nais. Em ambos, a progressão de um nível a outro
A noção de variação intrafigural que se evi- posterior relaciona-se com as diferentes interações
dencia na psicogênese da escrita parece também que a criança mantém com esses objetos simbóli-
acompanhar o raciocínio da criança em momento cos. Nesse artigo, procurei mostrar que a criança,
específico da construção numérica. Na terceira ca- no início de suas conceitualizações, organiza seu
tegoria de notação, a criança registra as quantida- pensamento, utilizando alguns esquemas que
des utilizando diferentes formas gráficas – icônicas se ajustam aos dois campos do conhecimento.
ou abstratas, mantendo a possibilidade de não Não me parece claro que as operações lógico-
repeti-las em uma das variações dessa categoria aritméticas sejam exclusivas na conceitualização
de notação. Sinclair2 descreve esse procedimen- numérica. Da mesma forma, não entendo que
to dizendo que “... a criança toma o cuidado de a escrita alfabética possa utilizar-se somente
variar as formas empregadas; por vezes, ela pára das relações espaciais para consolidar-se como
e reflete para encontrar uma ‘diferente’. Seu sistema simbólico. Parece-me, isso sim, que no
estoque de ‘letras’ é ainda restrito e, para uma início dessas construções, antes que sejam com-
cardinalidade de 6, por exemplo, ela tem dificul- preendidas as particularidades de cada sistema,
dade de desenhar o mesmo tanto em formas dife- a criança utiliza procedimentos que se integram
rentes”. Questiono, portanto, se a criança utiliza a uma estrutura cognitiva mais ou menos comum.
diferentes formas para distinguir cada um dos Mesmo quando a criança, por volta dos quatro
elementos registrados ou se, possivelmente, os anos, parece imprimir uma clara diferenciação
critérios utilizados na construção da escrita são entre letras e números, isso não parece suficiente
estendidos na construção dos números. para que passe também, desde já, a estruturar seu
Finalizando, trago para reflexão um procedi- pensamento de modo diferenciado na construção
mento comum na construção da língua escrita desses dois objetos conceituais.
2
sobre transitividade, ver Nunes & Bryant4.
295
tiggemann is
296
sistemas alFaBétiCo e numériCo
SUMMARY
Points of meeting between the systems notacionais alphabetical and
numerical
The present text proceeds from the assumption that, in the construction
of the notational alphabetical and numerical systems, there are some
understandings in children’s first conceptualizations which are common
to both systems, though they are traditionally seen as being different
from each other. This bibliographical research, rested on the genetic
epistemology, brings basic characteristics between the ways of structuring
of the alphabetical and numerical systems, advancing then to the indication
of points of meeting between the psychogenesis of these two symbolic
systems. In this way, the study points to an interdisciplinary methodology
in the initial years of the schooling, considering that little children use
proceedings that belong to a more or less common cognitive structure.
297
CArTiGo DEdrEVisÃo
orso lv & orneles Bv
298
senso numériCo e diFiCuldades de aPrendizagem na matemátiCa
1
Conceito apresentado por stanovich (1986) em que o autor destaca que se o aluno lê pouco, desenvolverá em menor grau as
habilidades necessárias e, em decorrência disso, tenderá a ler menos, acentuando-se, assim, os problemas iniciais.
299
Corso lv & dorneles Bv
O senso numérico dá vida aos números ao indivíduo lidar com as situações diárias que
que usamos e às relações entre eles. Um senso incluem quantificações e o desenvolvimento
pouco desenvolvido sobre o que os números de estratégias eficientes (incluindo cálculo
representam torna uma tarefa do tipo aprender mental e estimativa) para lidar com problemas
multiplicação um puro exercício de memoriza- numéricos.
ção. Apoiar-se na memória para lembrar que os
múltiplos de cinco terminarão em 0 ou 5 pode ORIGEM DO SENSO NUMÉRICO
ser útil. Melhor será, no entanto, se o aluno com- Com relação à origem do senso numérico,
preender que 6 x 8 resulta em uma quantidade encontramos duas explicações distintas. A cor-
maior do que 6 x 6, ou que o produto de 7 e 9 rente construtivista propõe o senso numérico
é um pouco menor do que 70 (que é 7 x 10), ou como um constructo que a criança adquire ou
seja, que deve ser 60 e alguma coisa. atinge, ao invés de, simplesmente, possuir e
A ideia de propriedade comutativa também considera que seu desenvolvimento é influen-
pode ser melhor compreendida quando alguém ciado pela dinâmica do ambiente5,8. Este desen-
se apoia no senso numérico. Um aluno pode ser volvimento ocorre por meio de interações sociais
ensinado que 3 x 4 = 4 x 3 porque a lei comuta- com adultos e a partir de jogos e brincadeiras
tiva da multiplicação diz que a x b = b x a. No com outras crianças. Deste modo, as interações
entanto, ele pode ter a compreensão de que informais são um canal para o desenvolvimento
aquelas afirmações tratam de um reagrupamen- do senso numérico da mesma forma que as inte-
to da mesma quantidade. Se um conjunto de 12 rações espontâneas da criança com a linguagem
itens é agrupado em 3 subconjuntos de 4 itens podem auxiliá-la, desde cedo, a desenvolver
ou em 4 subconjuntos de 3 itens é irrelevante - habilidades verbais do tipo vocabulário e cons-
os 12 itens originais permanecem. ciência fonológica.
Neste sentido, o conceito de senso numéri- A corrente inatista defende a ideia de que
co aproxima-se do conceito de numeralização existe algum tipo de predisposição inata que nos
apresentado por Nunes & Bryant9 em que ser possibilita sermos numericamente competentes.
numeralizado significa uma familiaridade com Para esta corrente, as habilidades numéricas
números e uma capacidade de usar habilidades iniciais são o resultado de uma capacidade
matemáticas que permitam enfrentar as neces- inata de “abstração numérica das crianças”,
sidades diárias. Significa, também, uma habi- isto é, a capacidade que as crianças têm para
lidade de apreciar e compreender informações formar representações sobre a numerosidade
que são apresentadas em termos matemáticos, de conjuntos10.
como gráficos, tabelas e mapas, por exemplo. Tal corrente defende a ideia de que os be-
Juntos, estes aspectos indicam que a pessoa bês, quando nascem, dispõem de competências
numeralizada deveria ser capaz de entender as necessárias para resolver com êxito distintas
formas por meio das quais a matemática pode tarefas numéricas do tipo: habilidades para
ser usada como um meio de comunicação. representar e usar conceitos cardinais (proprie-
Com base nas definições citadas anterior- dade que regula se dois conjuntos são ou não do
mente, a compreensão de senso numérico que mesmo tamanho), representar e usar conceitos
caracteriza esse artigo é a de que este é um ordinais (qual a relação existente entre dois
constructo geral, que engloba um conjunto conjuntos maior do que/menor do que) e reali-
de conceitos bastante amplo, o qual o aluno zar cálculos numéricos de adição e subtração.
desenvolve gradativamente, a partir de suas As pesquisas que investigam as habilidades
interações com o meio social. O senso numérico numéricas nos bebês utilizam como instrumento
é uma forma de interagir com os números, com de medida a preferência que eles demonstram
seus vários usos e interpretações, possibilitando por fixar o olhar em situações não-familiares.
300
senso numériCo e diFiCuldades de aPrendizagem na matemátiCa
2
Dowker (2005) refere tais programas: Nos Estados unidos – Big math for Little Kids (GiNsBurG et al., 1999), Head start (Ar-
NoLD; fisHEr; DoCToroff; DoBBs, 2002), Berkeley maths readiness Project (sTArKEY; KLEiN, 2000), right start (GriffiN;
CAsE; siEGLEr, 1994). Na Holanda – Additional Early mathematics Program (VAN DE rijT; VAN LuiT, 1998). Na inglaterra
– family Numeracy (roBErTs, 2001).
301
Corso lv & dorneles Bv
3
A autora traduz o termo number sense por sentido de número.
302
senso numériCo e diFiCuldades de aPrendizagem na matemátiCa
4
instrumento traduzido por Luciana Vellinho Corso e utilizado em seu trabalho de tese de doutorado (Corso, 2008)24.
303
Corso lv & dorneles Bv
ANEXo 1
Compreende questões estruturadas em quatro níveis de complexidade, das mais simples às mais complexas,
que são apresentadas aos alunos para avaliar o conhecimento de contagem, os procedimentos de contagem,
a compreensão de magnitude, o conceito de “maior do que”, a noção de estimativa e as estratégias que usam
durante a contagem.
Nível 1 - É esperado que o aluno possa contar oralmente e quantificar, mas não relacionar o número à
quantidade. os alunos são apresentados com as seguintes propostas:
“Eu vou te mostrar algumas fichas. [mostrar uma variedade de fichas misturadas sendo 3 vermelhas e 4
azuis]. Conte as fichas azuis e me diga quantas têm.”
“Aqui temos alguns círculos e triângulos. [mostrar uma variedade misturada de 7 círculos e 8 triângulos].
Conte somente os triângulos e me diga quantos têm”.
“Eu vou te dar 1 bombom e depois vou te dar mais 2 bombons [realize a ação]. Quantos bombons tens
ao todo?”
“Eu vou te dar duas pilhas de fichas. [mostre um empilhado com 5 fichas vermelhas e um empilhado com
2 fichas azuis]. Qual pilha tem mais?”
Você preferiria ter 5 bombons ou 2 bombons? Por que?
Nível 2 - Para verificar se os alunos construíram uma série de contagem mental que requer a compreensão
de números e quantidades, realizaremos as seguintes perguntas:
“se tu tens 4 chocolates e alguém te dá mais 3, com quantos chocolates tu ficarias ao todo?”
2a. “Que número vem logo depois do 7?”.
2b. “Que número vem 2 números depois do 7?”
3a. ”Qual é o maior 5 ou 4?”.
3b. “Qual é o maior 7 ou 9?”
3c. “Qual é o menor 8 ou 6?”
3d. “Qual é o menor 5 ou 7?”
4a. [Apresentar visualmente uma variedade de triângulos contendo os números 5, 6, 2.] “Qual número
é mais perto do 5? É o 6 ou o 2?”.
4b. [Apresentar visualmente uma variedade de triângulos contendo os números 7, 4 e 9] “Qual número
está mais perto do 7? É o 4 ou 9?”.
5. “Quanto é 2 mais 4?”.
6. “Quanto é 8 menos 6?”.
7. [mostrar visualmente cartões com os números 8, 5, 2 e 6, e pedir a criança para nomear cada nume-
ral] “Quando tu estás contando, qual destes números tu dizes primeiro? Quando tu estás contando,
qual destes números tu dizes por último?”.
8a. [mostrar visualmente cartões com os números 6, 4, 2 e 9; e então perguntar:] “Quando tu estás
contando de trás para a frente, qual destes números tu dizes por último?”.
Nível 3 - Para verificar se as crianças são capazes de trabalhar simultaneamente com duas séries de con-
tagem mental, realizaremos as tarefas do Nível 3. Estas tarefas exigem que as crianças possam seguir a pista
dos “uns” e “dezes” enquanto adicionam ou subtraem e possam entender a relação entre eles. Também requer
que os alunos usem uma série de contagem para computar a distância entre dois pontos em outra linha de
contagem, e então construir a noção de uma “diferença” matemática.
“Quanto é 12 mais 54?”
“Quanto é 47 menos 21”?
3a. “Qual é o maior 69 ou 71?”.
3b. “Qual é o maior 32 ou 28?”
4a. “Qual é o menor 27 ou 32?”.
304
senso numériCo e diFiCuldades de aPrendizagem na matemátiCa
CoNTiNuAÇÃo Do ANEXo 1
Nível 4 – Pretende verificar se os alunos podem estender a sua compreensão de “dezes” e “uns” para todo o
sistema numérico. As tarefas deste nível nos possibilitam, também, observar se os alunos são capazes de integrar o
“pedir emprestado” e o “adicionar com transporte” com a adição e subtração mental, podendo compreender a forma
na qual duas diferenças podem ser relacionadas.
“Qual número vem 10 números depois do 99?”
“Qual número vem 9 números depois do 999?”
3a. “Qual diferença é maior, a diferença entre 9 e 6 ou a diferença entre 8 e 3?”
3b. “Qual diferença é maior, a diferença entre 6 e 2 ou a diferença entre 8 e 5?”
4a. “Qual a diferença é menor, a diferença entre 96 e 92 ou a diferença entre 25 e 11?”
4b. “Qual a diferença é menor, a diferença entre 48 e 36 ou a diferença entre 84 e 73?”
5. “Quanto é 13 mais 39?” [mostrar o cartão].
6. “Quanto é 36 menos 18?” [mostrar o cartão].
7. “Eu te perguntei antes sobre números de dois dígitos. Agora, eu quero te perguntar sobre números de 5
dígitos. Qual é o maior número de 5 dígitos?”
8. “Quanto é 301 menos 7?”.
9. “o joão levou 90 minutos para ir de casa à escola. Ele levou somente uma hora e meia para voltar da escola
para casa. Podes explicar por quê?”
10a. “Qual está mais perto de r$ 25,35, r$20,00 ou r$30,00?”
10b. “Qual está mais perto de r$ 46,45, r$ 46,00 ou r$ 47,00?”
10c. “Qual está mais perto de r$ 40,00, r$ 29,95 ou r$ 68,05?”
10d. “Qual está mais perto r$ 15,00, r$ 9,95 ou r$ 19,95?”
o teste é interrompido no momento em que as crianças apresentam dificuldades para resolver mais da metade
das questões de um determinado nível. As respostas são avaliadas como corretas ou incorretas, obtendo-se um
escore médio de desempenho para cada aluno.
305
Corso lv & dorneles Bv
com DLM, em relação àqueles com problemas (< 5th ou 10th percentil) ou mais lenientes (<
exclusivamente na matemática ou na leitura26. 30th percentil), acabam por produzir grupos de
Isto pode ocorrer em função de diferentes tipos alunos com dificuldades que diferem substan-
de dificuldades subjacentes às habilidades de cialmente em seu perfil de desempenho em
domínio geral associadas com a co-ocorrência matemática e nas habilidades relacionadas
de dificuldades na leitura e na matemática e a ela28,29.
reflete dificuldades que podem abranger várias Outra possibilidade seria a de que as di-
áreas do desenvolvimento, ou seja, problemas ficuldades na aritmética apresentadas pelos
que não são específicos somente à leitura ou à alunos que compuseram nosso grupo com DM
matemática27,28. estariam menos relacionadas aos aspectos de
Embora os alunos com dificuldades na senso numérico referentes à compreensão de
matemática tenham apresentado desempe- magnitude, ao senso de quantidade, ao uso
nho inferior na tarefa de senso numérico, de linha numérica mental, e à compreensão
em relação ao grupo de controle e ao grupo de conceitos tais como “maior do que” e sim
com dificuldades na leitura, tal diferença não estariam mais voltadas para os procedimentos
alcançou nível de ignificância estatística. e estratégias de contagem já que este grupo
Possíveis justificativas para tal resultado in- evidenciou defasagem específica nesta vari-
cluem questões metodológicas e conceituais. ável, avaliada no estudo de Corso24, que não
A primeira diz respeito ao tamanho reduzido nos deteremos aqui. É importante lembrar que
da amostra de alunos que compôs o grupo com as estratégias e os procedimentos de conta-
dificuldades na matemática (n=13). Amostras gem também são aspectos que englobam o
deste tipo podem diminuir o poder de detectar conceito de senso numérico. No entanto, o
diferenças significativas nas variáveis sendo escore do Teste de Conhecimento Numérico
avaliadas e, assim, reduzir a possibilidade de reflete o desempenho dos alunos naquele con-
generalização dos resultados obtidos. junto de habilidades citadas anteriormente.
A segunda se refere ao ponto de corte, Estamos retomando aqui a idéia de que o
neste caso mais leniente, que caracterizou o senso numérico refere-se a um conjunto bas-
instrumento utilizado nesta pesquisa para for- tante amplo de habilidades, conforme vimos
mar a amostra de alunos com dificuldades na anteriormente, e que o desempenho do grupo
matemática. Estudos recentes têm chamado com DM no Teste de Conhecimento Numérico
atenção de pesquisadores da área de dificul- (sem diferença significativa em relação aos
dades de aprendizagem para o fato de que demais grupos) sugere que alguns elemen-
diferentes pontos de corte para os escores de tos de senso numérico podem estar intactos
desempenho em matemática, mais restritivos nestes alunos, enquanto outros (estratégias
306
senso numériCo e diFiCuldades de aPrendizagem na matemátiCa
307
Corso lv & dorneles Bv
SUMMARY
Number sense and learning difficulties in mathematics
308
senso numériCo e diFiCuldades de aPrendizagem na matemátiCa
Developing math automaticity in learning 25. Dorneles BV, Corso LV, Costa AC. The
handicapped children: the role of computer- search for the relationship between the
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deral do Rio Grande do Sul;2008. 1986;21:360-406.
309
EsTuDo DEetCAso
Bonini Fv al.
flávia Vianna Bonini; raquel regina mari; sandra Aparecida dos Anjos; Viviane joveliano; sueli Cristina de Pauli Teixeira
310
ProBlemas emoCionais em um adulto Com dislexia
311
Bonini Fv et al.
nível esperado, considerando a idade cronológi- assim, possíveis prejuízos emocionais e, con-
ca, a inteligência medida e a escolaridade apro- sequentemente, sociais e profissionais. Quando
priada à idade do indivíduo. A alteração nesse não há um acompanhamento adequado na
critério interfere nitidamente no rendimento fase escolar, estes aspectos afetivos emocionais
escolar ou atividades da vida diária que exigem tornam-se prejudicados e poderão se manifes-
habilidades de leitura, levando em conta que a tar em forma de depressão, ansiedade, baixa
criança também deve estar livre de distúrbios auto-estima e, em alguns casos, o ingresso nas
sensoriais ou neurológicos6. drogas e no álcool.
No entanto, para a confirmação deste dis- A dislexia é causa ainda ignorada de evasão
túrbio de aprendizagem (dislexia), conforme escolar em nosso país, e uma das causas do
cita a ABD1, o indivíduo deve ser submetido à chamado ‘analfabetismo funcional’, que, por
avaliação realizada por uma equipe multidis- permanecer envolta no desconhecimento ou na
ciplinar, formada por psicóloga, fonoaudióloga informação imprecisa, não é considerada como
e psicopedagoga clínica. Deve-se iniciar minu- desencadeante de insucessos no aprendizado.
ciosa investigação. Essa equipe deve garantir De acordo com diversos pesquisadores, como
maior abrangência do processo de avaliação, Minervino9, podem estar incluídas no grupo de
verificando a necessidade do parecer de outros risco para a dislexia as crianças que apresentam
profissionais, como neurologista, oftalmologista sinais indicando dificuldades para entender
e outros, conforme o caso. Os autores Valle e instruções; pouco vocabulário para a produção
Valle7 também concordam com estes procedi- de frases; dificuldades em lembrar sentenças
mentos e acrescentam, ainda, que o diagnóstico ou estórias, levando sempre em consideração
eficaz da dislexia permite uma correta inter- as condições pedagógicas a que essas crianças
venção nas dificuldades apresentadas, além de são submetidas. Sugere ainda que, problemas
descartar a possibilidade de outros distúrbios relacionados à linguagem em crianças com
correlacionados. seis anos são fortes preditores de dificuldades
Além dessas preocupações, a equipe de pro- na leitura.
fissionais deve verificar todas as possibilidades Em relação à linguagem, Minervino9 des-
diagnósticas antes de confirmar ou descartar um taca que aspectos relacionados à memória
quadro de dislexia. Este processo é chamado de estão subentendidos e acredita que crianças
Avaliação Multidisciplinar e de Exclusão. Con- com dificuldades de aprendizagem acusam
tudo, é importante levar em conta o parecer da frequentemente problemas de memorização,
escola, dos pais e levantar o histórico familiar conservação, consolidação, retenção, rememori-
e de evolução do paciente. zação, e retomada da informação anteriormente
O processo da leitura é individual, variável, recebida, pois a memória e a aprendizagem são
dependendo da idade, maturação, de experi- indissociáveis, considerando que a aprendiza-
ências culturais, de motivação e integridade do gem da leitura requer a integridade mínima de
Sistema Nervoso Central (SNC) e do Sistema processos psiconeurológicos e psicomotores.
Nervoso Periférico (SNP), e de todo o desen- Segundo Frank10, o sentimento de frustração
volvimento global8. e fracasso que o indivíduo vivencia, enquanto
Levando-se em conta os aspectos aqui cita- negocia sua vida com a dislexia, pode aparecer
dos, nota-se a importância de um diagnóstico de várias formas, sentimentos comuns que vão
claro e preciso sobre a dislexia, pois, com estas reaflorar de tempos em tempos, seja ao abordar
informações, pode-se iniciar um acompanha- seus trabalhos escolares ou ao se interagir com
mento adequado enquanto o indivíduo ainda for colegas e familiares.
criança. Caso contrário, os sintomas persistirão Um dos aspectos emocionais que podem ser
e irão permear a fase adulta, acrescentando, desenvolvidos com a ajuda dos pais é a auto-
312
ProBlemas emoCionais em um adulto Com dislexia
estima. Segundo Selikowitz11, as crianças com úteis para nortear outros estudos semelhantes,
dislexia percebem que enfrentam obstáculos já que um estudo de caso permite o conheci-
que outras crianças não enfrentam. Muitas mento mais amplo e profundo da realidade
criam mecanismos bem-sucedidos para manter que enfoca.
sua auto-estima, apesar das dificuldades; mas
algumas desenvolvem mecanismos inadequa- O DISLÉXICO: VIDA EMOCIONAL
dos para enfrentar o problema. Segundo Frank10, os lados emocional e cog-
Neste estudo, pretende-se descrever, anali- nitivo da dislexia estão sempre entrelaçados,
sar e discutir as questões referentes exclusiva- por isso que para o disléxico é importante o
mente aos aspectos emocionais presentes em apoio, a compreensão, a paciência e a dedicação
um indivíduo adulto com diagnóstico de disle- daqueles que o cercam, pois o fato da criança
xia. Trata-se de um tema de grande relevância, se sentir diferente dos demais já é um grande
visto que existem pouquíssimas publicações que desafio, uma vez que este indivíduo terá de vi-
abordam a dislexia na vida adulta. venciar os efeitos da dislexia, que é uma questão
E, de acordo com os dados levantados, para a vida toda.
pretende-se com esta pesquisa esclarecer e Educar a criança segundo a natureza do
ajudar não só as pessoas com dislexia, mas seu distúrbio, valorizando suas qualidades e
também profissionais e pais que convivem dia- ressaltando seu bom desempenho em diferen-
riamente com todas as implicações emocionais tes áreas, é um meio sábio de torná-la ativa,
que atrapalham o desenvolvimento pessoal e interessada e responsável em melhorar o seu
intelectual desse indivíduo, e também por meio desempenho.
deste assunto, enfatizar que a dislexia necessita Alvarez et al.12 citam autores que trabalha-
de um tratamento apropriado, pois não se trata ram com comunidades que sofreram de priva-
de um problema que é superado com o tempo; ção cultural; tais comunidades representavam
a dislexia não pode passar despercebida. Pais e o espelho da população. Perceberam cada um
professores devem se esforçar para identificar a no seu caminho de pesquisa que, em alguns
possibilidade de seus filhos ou alunos sofrerem anos, essa população poderia assumir a posição
de dislexia. de culturalmente atuante. Portanto, devem-se
Contudo, a finalidade desta pesquisa é abor- ressaltar as habilidades e não as limitações do
dar especificamente os problemas emocionais indivíduo, propondo, assim, uma educação
que ocorrem no disléxico e suas implicações apropriada, pensada, planejada e elaborada,
no processo de aprendizagem, destacar as levando-se em conta as necessidades do indiví-
características, causas e processos envolvidos duo e da sociedade na qual está inserido.
na dislexia. A auto-estima é fundamental para crianças
A preocupação em desenvolver este estudo com dificuldades específicas de aprendizagem,
foi a de ter uma melhor compreensão dos sen- porque ela as habilita a entrar no ciclo do êxito.
timentos que ocorrem em um indivíduo com Se elas acreditarem na sua capacidade, reagirão
dislexia; confirmar, por meio de um relato real, mais intensamente e passaram a se autovalo-
os ‘danos’ que uma dificuldade de leitura e es- rizar. Em contraste, a baixa auto-estima pode
crita causa em um ser quando em processo de causar um ciclo vicioso de fracasso. A criança
aprendizagem, além de mostrar as estratégias tenta fugir do fracasso, evitando os desafios.
que o sujeito pode desenvolver na tentativa de Para o autor Selikowitz11, o desenvolvimento
mascarar o problema. da auto-estima tem importantes implicações
Não se pretende fazer generalizações, em- no futuro da criança. Se uma criança não tiver
bora seja importante destacar que este estudo adquirido boa auto-estima até a idade adulta,
permite tirar conclusões que possam vir a ser o resultado será o pouco proveito de suas habi-
313
Bonini Fv et al.
lidades acadêmicas. Se tiver boa auto-estima, e quando fica mais velha, sua incapacidade de
ela provavelmente enfrentará bem a vida, evocar palavras (a chamada disnomia) pode
mesmo que suas habilidades acadêmicas sejam causar embaraço ou sentimento de inadequa-
limitadas. ção, aumentando o sentimento de frustração e
Por isso, os pais devem aceitar a insegurança de inferioridade dos disléxicos. O fato de tanta
de seu filho, seus sentimentos, sem crítica, pro- pressão emocional em dar o melhor de si, pode
curando enfatizar as suas qualidades positivas e torná-los agressivos.
mostrar o quanto é valorizado não pelos acertos Com base nos pontos abordados nesta pes-
(resultados) obtidos por ele, mas pelo esforço em quisa, é importante salientar que a dislexia é um
tentar superar as suas dificuldades. problema neurológico e não pode ser ignorado,
De acordo com Frank10, especialista na área pois nenhum disléxico deixará de ser disléxico,
de Psicologia Educacional, a dislexia é muito mas com o consistente apoio e encorajamento
mais que um problema de leitura, pois esta por parte de familiares e compreensão dos
dificuldade se estende na escrita, nas relações amigos vão ajudar este indivíduo a se conhecer
espaciais, nas direções, na administração do melhor e aprender a viver com seu transtorno e
tempo, na lembrança de palavras e na memória. ser bem-sucedido.
É a incapacidade de lembrar, por um instante,
o sobrenome do seu melhor amigo; é o pânico SUJEITO EM ESTUDO E O PERCURSO
de saber que a qualquer momento, a confusão METODOLÓGICO
mental pode aparecer e esta carga emocional O sujeito em foco é do sexo masculino, que
que se origina da perda da memória, em espe- atualmente tem 42 anos de idade. Casado há
cial, pode ser enorme. 21 anos e pai de uma filha, hoje com 11 anos,
E para salientar há evidências de que as também com o diagnóstico de dislexia. É de
crianças disléxicas possuem problemas com a uma família classe média e sempre estudou em
aprendizagem verbal de longo prazo, como, por escola pública. Atualmente, é dono de uma em-
exemplo, a memorização dos meses do ano ou as presa de caminhões guincho e presta serviços
tabelas de multiplicação. Também apresentam para várias empresas de sua cidade e região.
dificuldades para encontrar palavras (nomear), O indivíduo em estudo sempre lidou com o
pois esta tarefa exige a recuperação de infor- fracasso escolar. Fez três vezes a primeira série,
mações fonológicas da memória de curto prazo. duas vezes a segunda e três vezes a terceira
Fato comprovado em estudos experimentais (atualmente denominada como segundo, tercei-
que usam tarefas de nomeação rápida, os quais ro e quarto ano). Parou de estudar no meio da
relatam deficiências nos disléxicos5. quarta série (quinto ano), aos 15 anos de idade.
Outra característica muito frequente da Começou a trabalhar aos 12 anos, horário
dislexia é a dificuldade com a memória, tanto alternado ao da escola. Aos 15 anos, optou por
a curto como a longo prazo. Segundo Frank10, só trabalhar. Aos 20 anos, se casou e permanece
este é um dos aspectos, emocionalmente, mais com esta pessoa até hoje.
doloroso, pois, às vezes, é impossível lembrar- Voltou a estudar aos 18 anos para tirar Car-
se de certas experiências do passado. Este fato teira Nacional de Habilitação. E, durante este
pode levar os indivíduos disléxicos a se esquivar período, frequentou por dois meses aulas de
e se isolar para não serem descobertos ou por supletivo em um espaço cedido pela Prefeitura
não saber lidar com essa dificuldade, sentindo Municipal na cidade onde mora, e mais tarde
vergonha e medo de ser diferente dos demais. tentou realizar trabalhos (aulas ministradas)
Frank10 ressalta que, se para uma criança com professora particular, mas sem sucesso.
disléxica o tempo levado para lembrar uma sim- Em 2005, sua filha teve diagnóstico de dis-
ples palavra pode ser extremamente frustrante, lexia. No final de 2006, ele submeteu-se a exa-
314
ProBlemas emoCionais em um adulto Com dislexia
mes e avaliações para confirmar o seu próprio e comuns, causadas pela frustração em tentar
diagnóstico. Em 2007, iniciou tratamento fono- vencer as inúmeras dificuldades apresentadas
audiológico, interrompido em agosto de 2008. por este distúrbio.
O material empírico deste estudo, base para O sentimento de baixa-estima merece uma
o estudo de caso, é o conteúdo do depoimento atenção cuidadosa, pois quando o disléxico con-
pessoal de um sujeito que conta a sua história segue acreditar no seu potencial, mesmo diante
de vida referente à sua aprendizagem. O dis- das dificuldades, ele pode, de forma positiva,
curso coletado via entrevista, realizado em 2007, superar e desenvolver habilidades que podem
acompanhado de um roteiro que foi previamen- livrá-lo do fracasso.
te elaborado para a realização da mesma, o qual O sujeito em estudo relatou que em vários
não foi rigidamente utilizado, já que algumas momentos de sua vida se deparou com o senti-
perguntas feitas pela entrevistadora ocorreram mento de fracasso e, consequentemente, baixa-
em função do que o sujeito relatava. estima, e isto é o que mostra o recorte abaixo:
Este processo foi realizado em dois dias, com [...] eu mesmo me condenando pela pre-
duração de 50 minutos cada, com a permissão do guiça, pela safadeza, né. Esse ato meu de se
sujeito, que assinou o Termo de Consentimento esconder e não ir na escola.
Livre e Esclarecido, executada por uma das Segundo Frank10, é viável estar a par dos
pesquisadoras que atendeu o sujeito por apro- efeitos emocionais da dislexia e procurar de-
ximadamente 1 ano e 2 meses, a fim de realizar senvolver maneiras de diminuir esses efeitos
um trabalho fonoaudiológico. A entrevista foi negativos, favorecendo a confiança e o sucesso,
transcrita na íntegra e foi base para a análise, desse modo é possível tranquilizar o disléxi-
uma vez que a linguagem reflete o mundo in- co quando se esclarece que todas as pessoas
terno do sujeito. podem ser boas em algumas coisas, mas apre-
O presente estudo de caso partiu de um relato sentar dificuldades em outras, a fim de que ele
em que o sujeito discorreu sobre sua história de saiba que pontos fortes e fracos fazem parte da
vida, desde o início da vida acadêmica, seus fra- vida de todas as pessoas. Este aspecto, apesar de
cassos enquanto aprendiz; suas vitórias enquanto ter acontecido depois de um período significa-
profissional; a descoberta da dislexia; seus senti- tivo de fracasso escolar, também foi observado
mentos; os caminhos em busca da melhor leitura. quando o sujeito disse estar entusiasmado e
A análise dos dados foi realizada a partir do orgulhoso:
levantamento dos significados atribuídos pelo [...] a profissão de mecânico que era mais
sujeito a sua história escolar, sua trajetória, fácil é uma profissão que eu gostava demais,
seus medos, sentimentos. Foram selecionados [...] eu procurei me aperfeiçoar [...] que não tem
os recortes mais significativos de seu discurso muita leitura... é mais prática.
e estes foram interpretados à luz dos aspectos Estes pontos, abordados por Frank10, podem
teóricos apontados pelos estudiosos da dislexia. diminuir o sentimento de inferioridade dos dis-
léxicos, mas para a ABD1 é preciso que pais e
ANÁLISE DA ENTREVISTA DO SUJEITO: professores compreendam, exatamente, quais
RESULTADOS E DISCUSSÃO são as dificuldades que uma criança com disle-
De acordo com o discurso do sujeito, foram xia apresenta, o importante é que o obstáculo
encontrados alguns aspectos específicos com apresentado pela dislexia seja reconhecido, pois
relação ao seu comportamento, ou seja, alguns estas pessoas (pais e professores) podem ser
pontos emocionais característicos de pessoas úteis, não apenas no sentido de mostrar simpatia
que são disléxicas. e encorajamento, mas principalmente na busca
Durante a entrevista, observou-se a baixa- de uma didática mais adequada e eficaz.
estima, uma das características mais frequentes Pois, segundo Franchi13, o professor alfabe-
315
Bonini Fv et al.
tizador é quem enfrenta os maiores problemas podem levar o indivíduo ao desânimo, perda de
linguísticos, e todos de uma vez, por isso deve interesse e a falta de prazer de ir à escola, e des-
aliar o seu trabalho a uma tendência de pes- se modo aumentando o sentimento de frustração
quisador da linguagem, a fim de tomar conhe- e de inferioridade do disléxico. Sentimentos
cimento do assunto, tendo este, além de outros estes também presentes no sujeito quando diz:
profissionais, papel importante no desenvol- “[...] nunca... tinha aquele prazer para ir na
vimento de habilidades de leitura e escrita do escola, né... a realidade seria essa, né [...] tinha
disléxico. Por isso, o professor não deve deixar que ir, mais a dificuldade era maior [...] A situ-
de recorrer às fontes de que disponha para ação era difícil, né...”
compreender os fenômenos de linguagem que Para Scapinelli et al.3, pessoas com história
ocorrem diante dele e as propriedades linguís- de dislexia na infância podem apresentar me-
ticas envolvidas. lhora no conhecimento fonológico, mas conti-
Segundo Ianhez e Nico14, o fenômeno da lin- nuam com deficiências na leitura, quando são
guagem escrita é uma transição da linguagem comparadas a pessoas que não tiveram história
oral, ou seja, há modificações na passagem de de dislexia na infância, pois se observa perma-
uma para outra. E este processo de aquisição nência da falta de automatismo (velocidade)
da escrita se dá por conta de aspectos semân- da leitura.
ticos e sintáticos, ou melhor, os códigos e as De acordo com Zorzi8, a leitura corresponde
regras da língua escrita e a própria codificação a um ato de compreensão, da relação entre
e decodificação, isto é, os sons, seus símbolos e símbolos/letras (significantes) e aquilo que
seus significantes e significados, que requerem eles simbolizam (significado), assim, pode-se
síntese e análise auditiva e visual, assim como concluir que uma criança que seja capaz ape-
discriminação temporoespacial. Estes aspectos nas de decodificar, ou seja, capaz somente de
linguísticos não são características dominantes pronunciar as palavras sem conseguir obter o
nos disléxicos e, consequentemente, a aquisição entendimento das ideias nelas contidas, não
da escrita (para os disléxicos) não poderá ser pode ser considerada como alguém que real-
adquirida da forma convencional, como é feito mente lê.
na escola, pois deste modo o disléxico pode não O disléxico diante dessa inabilidade de
responder às expectativas esperadas, o que lhe leitura pode desenvolver um sentimento de fo-
acarretará frustrações. Fato evidente no relato bia, aspecto relacionado ao fato de sair de casa
do sujeito: do que ansiedade relacionada à escola, o que
“...eu vou aprender ler, mas assim,... eu ali ocasionalmente provocará rejeição pela escola.
sozinho ou, então com uma pessoa,... se eu lê Segundo Selikowitz11, esta rejeição à escola é
para mais pessoas eu já não vou... eu vou ter decorrente da pressão causada por dificuldades
dificuldade... não tenho confiança...” acadêmicas ou sociais enfrentadas pelo dislé-
O medo que descubram o seu problema, de xico. Ele pode ficar com medo de errar, ou de
acordo com Frank10, é, talvez, o elemento mais ser importunado e rejeitado pelos que estão a
significativo da vida secreta do disléxico, pois, sua volta.
geralmente, vai tentar manter seu transtorno em Estes aspectos também foram encontrados
segredo, inclusive atos que envolvam ler, escre- no relato do sujeito, quando ele fala da inse-
ver, soletrar, falar em voz alta ou lembrar, mas gurança apavorante e do medo que parecia
isto é algo quase impossível na nossa sociedade, dominá-lo diante da dificuldade não só da lei-
porém, há alguns disléxicos que conseguem ser tura, mas da escrita também. É o que mostra o
bem criativos para escapar dessas tarefas. recorte a seguir:
A falta dessas habilidades e as inúmeras di- “[...] Eu com a minha dificuldade [...] Era
ficuldades apresentadas pela dislexia também uma tensão muito forte... era feio você levar
316
ProBlemas emoCionais em um adulto Com dislexia
um nome para a pessoa assinar e escrito tudo ajudá-lo diante desta situação. Pois, esses ex-
errado”. cessos costumam ocorrer nas horas em que o
Muitas vezes, é constrangedor para o dislé- disléxico se sente falho ou sob ameaça de falha.
xico admitir que sente medo e, consequente- Quando estas situações são identificadas com
mente, este sentimento pode aflorar na forma de antecedência, é possível evitar ou modificar as
baixa-estima, estimulando o indivíduo a desistir coisas para que ele não se sinta inapto. Ensi-
de ser perseverante, e este ato de desistência nar certas estratégias ao disléxico, como pular
pode ser também uma forma de enfrentar ou de de um trampolim ou ouvir música, são tarefas
se entregar diante das dificuldades apresenta- prazerosas onde ele poderá descarregar toda
das pela dislexia. a sua raiva.
Pode-se observar este fato quando o sujeito Mas, se apesar de todas estas medidas, os
viu-se sem alternativa e desistiu de ir à escola, excessos agressivos permanecerem, é aconse-
convencido de que esta tentativa era perca de lhável procurar ajuda médica ou psicológica,
tempo. pois se este hábito se tornar crônico, pode
“[...] na escola não teve mesmo jeito de ir ser difícil erradicá-lo mais tarde e com possi-
mesmo... eu tava perdendo tempo.” bilidade de agravar-se na fase adulta. Outro
Outro aspecto encontrado, de acordo com aspecto importante, segundo Selikowitz11, é a
a literatura, é a agressividade reprimida que depressão que pode se manifestar por meio de
os disléxicos podem apresentar, pois segundo outros sintomas como dor de cabeça, distúrbio
Frank10 este fato pode ser decorrente da pressão de alimentação, comportamento agressivo e
emocional vivida pelo indivíduo e isto pode ser revoltado, regressão no desempenho escolar e
constatado quando o sujeito afirma que, apesar abuso de droga ou álcool.
de brincalhão, era também nervoso. Os sintomas acima citados são difíceis de
“[...] Ah, eu era brincalhão e ao mesmo tem- serem identificados como depressão, pois,
po era, como diria... nervoso...” segundo o autor, os sintomas mais comuns da
Contudo, alguns disléxicos podem ser saga- depressão são sentimento de tristeza, solidão e
zes com relação à estratégia para escapar de isolamento, declarações autodepreciativas, dis-
alguma situação indesejável, como, por exem- túrbio do sono e reclamações de aborrecimento.
plo, na escola podem tentar arrumar alguma Estes sintomas podem ocorrer transitoriamente
confusão só para fugir da dificuldade de leitura no disléxico que não esteja sofrendo de de-
ou de algum exercício não compreendido. As- pressão, pois estes sinais de depressão podem
sim, é o que mostra o recorte a seguir: surgir devido às dificuldades enfrentadas pelo
[...] já arrumava uma “encrenquinha” com disléxico.
o vizinho de carteira, [...], ela punha para fora Todos esses fatores podem se agravar se
da sala de aula, aí ficava no corredor... Ficava não forem diagnosticados adequadamente ou
desfilando até acabar o exercício.” descobertos a tempo, pois podem tornar a vida
De maneira precisa, Selikowitz11 afirma que do disléxico mais complexa, contudo é preciso
o comportamento agressivo é normalmente não apresentar um diagnóstico precipitado e
uma “capa” para a baixa auto-estima, pois ao superficial de uma criança quando esta se en-
sentir que falhou, o disléxico pode descarregar contra no início de seu aprendizado, por isso
sua raiva nos outros, pois exercer poder sobre o diagnóstico deve ser realizado apor meio de
as pessoas, como impor sua força física, fazer uma avaliação profunda e específica.
comentários críticos sobre os outros, pode lhes Segundo Ianhez e Nico14, apoiados na opi-
trazer satisfação. nião da ABD1, definir a causa das dificuldades
Para esse mesmo autor, é importante iden- do disléxico provoca mais sensação de alívio do
tificar o que provoca tal comportamento para que sentimento de angústia, pois este indivíduo
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Bonini Fv et al.
não ficará mais exposto ao rótulo de preguiçoso, vilegiada, pois ele ficará aliviado porque seu
desatento, bagunceiro. Ambos, pais e crianças, problema de há longo tempo será “nomeado”,
serão liberados da suspeita de deficiência in- e consequentemente, indicará o caminho a per-
telectual. correr, proporcionando-lhe confiança e entendi-
O sujeito em estudo sofreu com estes pre- mento do seu problema, pois é o que demonstra
conceitos inculcados por parte de profissionais o sujeito em estudo quando diz:
e familiares, pois a avaliação superficial e “[...] Sempre fui alegre e hoje to melhor ain-
precipitada impediu que o levasse a encami- da porque já descobri, né o que era o problema;
nhamentos adequados e específicos para o seu tô bem já, lendo bem, se entendeu? [...] não
caso. Observe o relato do sujeito quando diz: pode deixar se levar pela dislexia...”
“[...] a psicóloga olhou tudo e falou... ó isso Com a descoberta e o tratamento (fez acom-
aqui é mais malandragem do que problema panhamento fonoaudiológico por algum tempo),
[...] pro pessoal, pra professora, pra minha o sujeito passou a ter uma vida menos dolorosa,
mãe, né... “pros outros” ao redor da gente tava livre de preconceitos (rótulo) e imposições, pois
como eu... preguiçoso; não era esforçado na agora ele sabe como lidar com as dificuldades
escola, né.” apresentadas pela dislexia e todo sofrimento
O sujeito descobriu que era disléxico aos 40 enfrentado por ele foi identificado e nomeado
anos de idade, pois a falta de uma visão mais ‘dislexia’. Isto ocasionou uma sensação de alívio
sensível, por parte dos profissionais, impediu o e liberdade, é o que demonstra quando diz:
seu tratamento quando ainda era criança. Du- “[...] Para mim foi uma vitória porque era
rante o relato, o próprio sujeito disse, ou seja, uma coisa que eu procurava assim... desde
mostrou que é preciso se ter conhecimento do moço, né, desde a escola. Por que os meus
que é a dislexia para depois procurar enfrentar amigos tudo é... pega um papel e lê, [...] e eu
e entender as dificuldades por ela apresentadas. não consigo ler?”
Observe o recorte a seguir: O próprio sujeito confirmou que o tratamento
“[...] com 40 anos que eu descobri a dislexia surtiu resultado e que hoje consegue ler e es-
que para mim ela não afetou nada, eu acho crever, se for o caso, embora ele esteja ciente
que [...] tem que procurar [...] se informar mais, de que não vai ficar 100% curado, mas se sente
não ter vergonha de... falar, de comentar com feliz e realizado diante do problema. Demons-
as pessoas, ... que tem a dislexia, que tem uma trando isto em seu relato a seguir:
dificuldade de ler. “[...] Hoje até se precisa até escrevo. Hoje, tô
Neste relato, o sujeito afirma que a dislexia bem melhor mesmo; tô bem contente...”
não o afetou em nada, isto porque adultos dislé- Por isso que, para Zorzi8, a dislexia tem sido
xicos, segundo Ianhez e Nico14, podem parecer vista como uma deficiência de caráter linguís-
ótimos memorizadores, mas paradoxalmente tico e deve ser abordada terapeuticamente com
são capazes de desenvolver essa habilidade a finalidade de desenvolver habilidades de
porque sua memória é pobre. Isto acontece de- linguagem, principalmente aquelas ligadas ao
vido aos problemas de memória imediata que é processamento fonológico.
prejudicada para as tarefas diárias, e por conta Capovilla e Capovilla15 citam a importância
deste fato, alguns adultos procuram caminhos do processamento fonológico para a aquisição
efetivos para desenvolvê-la. É o que aponta o de leitura e escrita. E, de acordo com estes
relato do sujeito a seguir: autores, as melhores medidas para se adquirir
“[...] Eu tinha sonhos, sabe? Sempre sonho consciência fonológica são as tarefas que re-
e sempre procurando novidade...” querem a manipulação de segmentos no nível
Para os autores citados acima, o diagnóstico fonêmico. Tais tarefas incluem habilidades de
para um adulto pode ser uma experiência pri- identificar, isolar, contar, adicionar, subtrair e
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ProBlemas emoCionais em um adulto Com dislexia
combinar fonemas. Além dessas habilidades dos inúmeros obstáculos apresentados por ela,
fonológicas, há também outras variáveis que também pode ser considerada um caso de in-
são igualmente importantes para tal aquisição, clusão, isto é, considerando que este indivíduo
como o nível socioeconômico, a escolaridade não se desenvolverá intelectualmente da forma
dos pais e o tipo de escola que o indivíduo está convencional, ou seja, da maneira como é apli-
sendo submetido. cada na escola.
Com base em tudo que foi abordado neste Portanto de acordo com o Decreto Federal nº
trabalho e de acordo com as inúmeras dificul- 3298, publicado em 20 de dezembro de 1999,
dades enfrentadas, o sujeito demonstrou que que regulamenta a Lei nº 7853, de 24 de outubro
tinha potencial como qualquer outra pessoa, de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para
pois mesmo não tendo habilidade com a lei- Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
tura e escrita não se mostrou indiferente a e consolida as normas de proteção.
essas dificuldades e aos aspectos emocionais De acordo com Oliveira16, é importante citar
aqui levantados e observados durante o seu as definições do que é deficiência, a qual é clas-
relato. O sujeito não permitiu que a dislexia sificada como: “toda perda ou anormalidade de
o abatesse e partiu para a conquista dos seus uma estrutura ou função psicológica, fisiológica
sonhos, mas sem se descuidar do tratamento, ou anatômica que gera incapacidade para o de-
o que colaborou para o entendimento do seu sempenho de atividade, dentro do padrão con-
problema, proporcionando meios para vencer os siderado normal para o ser humano”, também
obstáculos, quanto para que alcançasse sucesso há a deficiência permanente que é “aquela que
profissional. ocorreu ou se estabilizou durante o período de
Isto ficou evidente quando ele, satisfeito, tempo suficiente para não permitir recuperação
disse: ou ter probabilidade de que se altere, apesar
“[...] minha empresa... [...] eu comecei do de novos tratamentos”. Estas definições foram
nada... [...] Isso foi uma grande vitória, foi uma estabelecidas pelo Decreto nº 3298/99, em seu
grande batalha de suor mesmo, meu pai não art. 3º.
deixou herança...” Considerando o fato de que a dislexia afeta
Para finalizar, fica claro que o diagnóstico e a capacidade de leitura, uma vez que este é
o tratamento adequado, profissionais qualifica- um instrumento cultural que dá acesso a outros
dos, o apoio, a dedicação dos familiares e a co- conhecimentos e desenvolvimento de outras
laboração dos que estão a sua volta, pode fazer capacidades, na maioria dos casos, pode causar
com que o disléxico supere suas dificuldades. prejuízos, não só no plano afetivo, mas, con-
Deste modo, elevando a sua auto-estima e sequentemente, ocasionando exclusão social.
confiança a ponto de sentir prazer em lutar pelos Neste sentido, fica evidente considerar a
seus objetivos e atingi-los, assim como mostra a dislexia como um caso de inclusão, pois este é
grande satisfação do sujeito quando relata que um distúrbio persistente, o qual deve ser tratado
é um vitorioso e que uma pessoa disléxica pode, cuidadosamente e, consequentemente, compre-
apesar das dificuldades, ter o devido reconhe- endido e aceito pela sociedade.
cimento e ser visto com respeito e admiração. Masini17, quanto ao processo de integração,
relata no artigo 2º, que “a educação é direito
O DISLÉXICO NO PROCESSO DE INCLU- de todos...” e, no artigo 88, que “a educação
SÃO de excepcionais deve, no que for possível,
Baseando-se no que foi exposto e observado enquadrar-se no sistema geral de educação, a
neste trabalho é importante levantar alguns fim de integrá-los na comunidade”. Fato esta-
aspectos sobre os direitos das pessoas com belecido de acordo com a Lei Federal 4.024/61,
deficiência, uma vez que a dislexia, dentro que firmou as bases da Educação Nacional.
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Bonini Fv et al.
Com base neste pressuposto, os disléxicos cada vez mais graves, levando-os à depressão,
também devem ter o direito assegurado de ansiedade, baixa auto-estima, ou até mesmo,
serem recebidos por profissionais capacitados às drogas e ao álcool.
da escola ou por especialistas de outras áreas, Estes sentimentos precisam ser encarados
uma vez que a dislexia deve ser acompanhada pelos disléxicos e pelos que estão a sua vol-
ou descoberta por uma equipe multidisciplinar, ta, pois sentimentos de frustração e fracasso
que os acolham com objetivo de propiciarem surgem como desafios diários na vida destes
sua integração social. indivíduos, sejam eles sociais ou acadêmicos.
Masini17 relata que grande parte dos proble- Porém, como mostra o sujeito em estudo,
mas de deficiência encontrados na escolariza- muitos disléxicos podem desenvolver mecanis-
ção formal não se dá somente nas capacidades mos bem-sucedidos para manter a auto-estima,
linguísticas e psíquicas gerais do aluno, mas e isto pode ocorrer mesmo estando diante da
se somam a um ato mecânico e simplificador insistência das dificuldades. No caso do sujeito
da linguagem. estudado, o fato de ele ter enveredado por uma
Sendo assim, segundo Oliveira16, a inclusão escolha profissional que não dependia expres-
social significa permitir que as pessoas com samente das habilidades de escrita e leitura,
qualquer deficiência se tornem participantes da parece ter feito toda a diferença.
vida social, econômica e política, e desse modo Daí a importância de pais e professores es-
assegurar o respeito aos direitos no âmbito da tarem atentos para o reconhecimento ou iden-
Sociedade e pelo Estado, pelo poder público. tificação da dislexia, pois conforme diz Frank10,
citado nesta pesquisa, os lados emocional e
CONCLUSÃO cognitivo da dislexia estão sempre entrelaçados
Com base no assunto e pesquisa abordados e, nem sempre, é possível fazer uma escolha
neste trabalho, a dislexia afeta a capacidade profissional tão feliz, como a do sujeito deste
de leitura. Uma vez que este é um instrumento estudo.
cultural de extrema importância social, pois dá Baseando-se nos pressupostos levantados
acesso a outros conhecimentos historicamente nesta pesquisa, também fica evidente a impor-
construídos e ao desenvolvimento de outras tância do apoio, da compreensão, da paciência
capacidades, tais dificuldades podem causar e da dedicação das pessoas que o cercam, pois o
nítidos problemas, tanto no plano afetivo quanto disléxico pode se sentir incompetente ou menos
social. inteligente que os demais. Superar esse senti-
No decorrer do trabalho e também de acor- mento parece ser um desafio para a vida toda.
do com a literatura, observou-se claramente A auto-estima é parte fundamental para
a importância do diagnóstico preciso e eficaz tornar o disléxico confiante, pois quando ele
da dislexia para se obter uma intervenção e acredita na sua capacidade, a chance de al-
acompanhamento ajustado a cada caso e para se cançar o êxito diante das dificuldades é maior.
prevenir que se instalem dificuldades de ordem Isto pode ser observado no relato do sujeito em
emocional no sujeito disléxico. estudo, o qual, apesar de todas as dificuldades,
Outro aspecto importante é o indivíduo ter mesmo apresentando limitações acadêmicas,
conhecimento a respeito do que está acontecen- conseguiu se sobressair e alcançar o sucesso
do consigo, pois quando se tem conhecimento desejado, não só na profissão, mas também na
da dislexia pode-se iniciar um acompanha- vida pessoal e relação social.
mento adequado, principalmente, quando se Contudo, os disléxicos podem apresentar
é criança. Pode-se dizer, também, que quando comportamento agressivo, o qual nada mais é que
este processo não é realizado, os prejuízos emo- um mecanismo de defesa contra a percepção de
cionais, sociais e profissionais podem se tornar suas dificuldades. A dislexia os ‘torna’ agressivos
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ProBlemas emoCionais em um adulto Com dislexia
devido à pressão emocional por eles vivenciada, assim ao fortalecimento e à compensação das
mas quando as qualidades positivas são colocadas deficiências da pessoa disléxica.
em evidência, pode livrá-los de confusão ou de Em suma, pode-se concluir que os disléxicos,
algum constrangimento indesejado.
apesar de suas dificuldades de leitura/escrita,
Sendo assim, de acordo com todos os aspec-
são pessoas que, como muitas outras com ne-
tos levantados neste trabalho, é preciso deixar
que outros potenciais do disléxico tornem-se cessidades educacionais especiais, possuem
evidentes para ele e para os que o cercam. E criatividade, alegria e espontaneidade, sem
neste processo a informação é essencial. Quan- contar que eles podem ser ótimos estrategistas
do se sabe a respeito da dislexia e se realiza o em determinadas situações, como mostra o
acompanhamento adequado com especialistas,
sujeito em estudo aqui, que, hoje, consegue
dando respaldo à família e à escola, pode-se
lidar com diversas situações apresentadas pela
alcançar os resultados desejados. Cientes do
problema, além do esclarecimento de muitas dislexia, e com isto conquistou o lugar desejado
dúvidas e perturbações, pode-se prepará-los e esperado por ele, tornando-se, portanto, um
para direcionar seus esforços e levando-os vitorioso diante da dislexia.
SUMMARY
Emotional problems in an adult with dyslexia: a case study
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Bonini Fv et al.
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ASSOCIADOS TITULARES PARA REVISTA Nº 83 – 2010