Você está na página 1de 124

MOVIMENTO

MOVIMENTO
MOVIMENTO Gunther Haetinger
Max Gü

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-3249- 5

31576
Max Günther Haetinger

Movimento

Edição revisada

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012
© 2006 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________________________
H157m

Haetinger, Max Gunther, 1964-


Movimento / Max Günther Haetinger. - 1. ed., rev.. - Curitiba, PR : IESDE Brasil,
2012.
120p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3249-5

1. Psicomotricidade. 2. Capacidade motora em crianças. I. Título.

12-7583. CDD: 613.7042


CDU: 613.71-053.2

18.10.12 25.10.12 039958


________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Shutterstock

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Sumário
O movimento e a criança......................................................................................................7
O corpo e o movimento na Educação Infantil..........................................................................................7
As dimensões da aprendizagem................................................................................................................13

Desenvolvimento motor I.....................................................................................................17


Fundamentos do desenvolvimento motor.................................................................................................17
Habilidades motoras básicas.....................................................................................................................19

Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil......................................29


Fatores físicos das atividades motoras infantis.........................................................................................29
A criança da atualidade.............................................................................................................................35

Psicomotricidade...................................................................................................................39
Entendendo a Psicomotricidade................................................................................................................39
A dimensão multidisciplinar da Psicomotricidade...................................................................................43
Sedentarismo e incapacidade motora........................................................................................................44

As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências.............................47


As múltiplas inteligências e o movimento................................................................................................47
Visão construtivista do desenvolvimento motor.......................................................................................53

A dança na Educação Infantil...............................................................................................57


A dança na escola......................................................................................................................................57
A música no universo infantil...................................................................................................................60
Retomando a dança na escola...................................................................................................................63

A expressão dramática na Educação Infantil........................................................................69


A imaginação e a expressão dramática infantil.........................................................................................69
O que é a expressão dramática escolar?...................................................................................................70
Técnicas de expressão dramática..............................................................................................................75

Recreação e lazer..................................................................................................................81
Recreação e lazer na Educação.................................................................................................................81
A escola contemporânea...........................................................................................................................85
O espaço físico para as atividades da Educação Infantil..........................................................................86

Educação e criatividade........................................................................................................93
A criatividade e o brincar..........................................................................................................................93
Criatividade: a revolução na sala de aula.................................................................................................96

A avaliação na Educação Infantil..........................................................................................105


Avaliação: um desafio à mudança.............................................................................................................105
Avaliação das habilidades motoras na infância........................................................................................107

Anexo: Diário do saber.........................................................................................................117


Dicas.........................................................................................................................................................117
Apresentação
Oi, amigos e colegas!

H
oje, iniciamos uma nova caminhada. Nossa meta é a compreensão do desenvolvimento motor
infantil e do modo como ele contribui para o desenvolvimento integral da criança. Vamos
estudar conceitos, realizar atividades e agregar nossas experiências de magistério para que
juntos possamos explorar o universo da criança e do movimento.
A cada passo de nosso percurso, aprofundaremos o tema por meio de textos específicos e ­práticas em
grupo. Também vamos abordar alguns assuntos relacionados à educação escolar na infância. Estaremos
sempre buscando entender que a sala de aula transcende o educar e representa um ­prolongamento do lar
das ­crianças, sendo uma experiência decisiva para o desenvolvimento de m
­ eninos e meninas.
Como educadores, precisamos ter em mente que a aprendizagem está fundamentada em um
processo de troca no qual todos os agentes da Educação (professores, alunos, funcionários, pais e
comunidade) devem compartilhar seus conhecimentos sem preconceitos, nem pré-conceitos, estabe-
lecendo uma “avenida de duas mãos”, destacada por Paulo Freire como a essência do ato de educar.
Assim, aprendemos e ensinamos ao mesmo tempo.
Portanto, vamos compartilhar nossos saberes e nos entregar à aventura de uma educação interativa,
que promove a integração, o conhecimento, o brincar e a alegria em todos os cantos da sala de aula.
Procurem aproveitar ao máximo as experiências proporcionadas por nossa disciplina, pois elas
­representam uma grande oportunidade para vocês construírem novos conhecimentos. Como diz
Edgar Morin, o aprender constante é um meio de percebermos os problemas do complexo mundo em
que vivemos.
Beijos e paz.
Prof. Max e colaboradores
O movimento e a criança
Vídeo
Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

O corpo e o movimento na Educação Infantil


Os desenvolvimentos físico e perceptivo têm uma grande importância
para a criança, já que o corpo constitui a base orgânica na qual se
assentará a personalidade infantil. O corpo é um instrumento que
permite realizar os processos básicos de adaptação ao meio exterior
e é o canal de comunicação com os demais seres humanos

Teresa Arribas et al.

S
em dúvida alguma, o ser humano é o cerne do ato educativo. Afinal, não desenvolvemos
metodologias, nem tampouco escolas e estruturas de ensino, para educar os peixes. Uma visão
educacional humanista e voltada à construção do conhecimento deve considerar o homem inte-
gralmente, priorizando não somente a cognição mas também a afetividade, o corpo e o movimento.
Homem, corpo e movimento. Essas três palavras conduzirão nossa reflexão ao longo desta dis-
ciplina justamente porque os aspectos físicos e motores, fundamentais para o desenvolvimento huma-
no, nem sempre são devidamente valorizados no cotidiano escolar. Sendo assim, enfatizaremos uma
visão global e integrada da Educação Infantil, considerando o corpo e o movimento como essenciais
para a aprendizagem da criança.
Como o corpo e o movimento têm sido tratados na escola? Que importância é dada a esses
aspectos humanos no processo ensino-aprendizagem?

Tratamos a pré-escola, berçário, creche, maternal ou qualquer espaço destinado à Educação


Infantil pelo nome de escola. Isso porque encaramos a escola como um ambiente voltado à inte-
ração, à troca de experiências e ao convívio, sendo estes mediados por metodologias e práticas
pedagógicas.
Portanto, a vida escolar não começa na primeira série do Ensino Fundamental, mas sim quan-
do os pais conduzem seus filhos às instituições de Educação Infantil em que trabalhamos. Elas
também são escolas, pois colaboram na formação e na aprendizagem das crianças, preparando-as
para a vida em sociedade.

Sobre isso, muitos educadores ainda pensam assim: “Não acredito que o movimento seja tão
importante na formação do homem.” Já outros podem afirmar que “claro que o movimento é funda-
mental ao desenvolvimento humano.”

7
O movimento e a criança

Mesmo encontrando opiniões contraditórias, observamos que a prática es-


colar prioriza as posturas estáticas. Isso pode ser ilustrado por meio da ênfase
dada ao ato de escrever e escutar durante as aulas, e pela disposição dos alunos em
cadeiras e mesas enfileiradas que não dão espaço para eles se mexerem, servindo
para disciplinar os educandos.
Sabemos que o desenvolvimento corporal e motor é muito importante para
a aprendizagem. No entanto, as ações educativas geralmente apontam em outra
direção. A escola tem tratado o corpo como uma mala que carrega o cérebro (algo
fundamental à educação racional), e o movimento como um simples acessório.
Na primeira fase escolar, também chamada de creche, maternal, berçário
ou pré-escola, o movimento está 100% presente na relação da criança com outros
sujeitos e com sua própria aprendizagem. Nessa etapa, as ações educativas são ne-
cessariamente corporais, lúdicas e motoras, pois as crianças dessa faixa etária não
leem, não escrevem, não refletem sobre textos e gráficos, e tampouco realizam
outros tipos de abstração. Elas ainda estão descobrindo os limites do querer e do
ter. O corpo e o movimento estão diretamente ligados ao cotidiano do educador
infantil e são o fundamento e o reflexo das práticas pedagógicas na infância.
A partir do Ensino Fundamental, as atividades corporais e motoras vão per-
dendo espaço a cada ano que passa. Ao chegarem no Ensino Médio, os alunos
acabam tendo somente um ou dois períodos semanais de atividades físicas, por
exemplo. O ambiente de aprendizagem torna-se progressivamente estático e os
educandos restringem-se a movimentar as mãos e os olhos – isto se eles não esti-
verem dormindo.
Ainda que a escola deixe de dar a devida importância à relação entre corpo,
movimento e aprendizagem, não podemos deixar de reconhecer que o homem é
um ser em movimento a cada instante de sua vida. Movemo-nos constantemente e,
mesmo quando estamos parados, o planeta e a galáxia em que vivemos se movem,
o sangue circula pelo nosso corpo, o coração bate, as veias e artérias se dilatam
e se contraem, o pensamento não para. Enfim, nossa existência física e mental é
puro movimento.
Mas como ressaltar a essência dinâmica do homem no contexto educacional?
O biólogo Humberto Maturana (2001) ajuda-nos a compreender as questões
sobre o corpo e o movimento por meio de uma metáfora que nos faz pensar sobre
a relação do movimento com as ações pedagógicas e a aprendizagem. Observem
abaixo a síntese desse pensamento de Maturana.
Ao vermos uma pessoa caminhando, podemos pensar que ela se desloca pela
estrada porque seus pés e pernas se movimentam. Correto?
Não necessariamente. Isso porque, se suspendermos essa pessoa pelos bra-
ços e pedirmos para ela continuar caminhando, ela não conseguirá sair do lugar.
Portanto, não é apenas o movimento que a faz se deslocar pelo caminho,
mas sim a relação entre o movimento realizado e o caminho a ser percorrido.
Na educação, o movimento funciona de modo semelhante. Não adianta ape-
nas solicitar que as crianças se desloquem, pulem ou joguem alegremente. É pre-
ciso associar seus movimentos aos objetivos educacionais, criando relações e situ-
8
O movimento e a criança

ações apropriadas ao favorecimento da aprendizagem. Dessa forma, estabelecemos uma sintonia


entre as potencialidades integrais do sujeito e a construção de seus conhecimentos.
Tratando-se da Educação In-

(FONSECA, 2004, p. 20)


fantil, esses aspectos tornam-se ainda A mente não seria o
que é se não existisse
mais relevantes, pois o desenvolvimen- uma interação entre
to cognitivo e integral da criança está o corpo e o cérebro
associado ao seu corpo e seus movi- durante o processo
mentos. Como comentamos anterior- evolutivo, o desen-
volvimento individu-
mente, o professor e a escola precisam al e a interação com
estar conscientes dessa interdependên- o ambiente.
cia se realmente desejam ampliar sua (DAMÁSIO apud
colaboração e seu compromisso com a FONSECA, 2004,
aprendizagem de seus alunos. p. 20)

A Educação Infantil deve sem-


pre valorizar o corpo e o movimento,
relacionando-os aos objetivos e ações
pedagógicas e promovendo o desenvolvimento das habilidades abaixo:
Habilidades motoras – força, equilíbrio, flexibilidade, coordenação fina e ampla, lateralidade,
entre outras.
Habilidades comportamentais – desinibição, socialização, conceito de saúde (qualidade de
vida, tempo livre, lazer), vivências emocionais etc.
Habilidades expressivas – fluência verbal, ritmo, expressão dramática, dicção e destreza
manual.

Neste espaço, vamos sempre propor um texto relacionado ao nosso tema de estudo, para valori-
zarmos a diversidade de ideias e os conceitos elaborados por outros autores. Nesta unidade destacamos
alguns trechos de um material produzido pelos professores Berry Brazelton e Joshua D. Sparrow.
Este escrito é muito interessante para refletirmos sobre as ações cotidianas e as relações sociais
das crianças. O cenário da narrativa é uma pracinha – um lugar que nem sempre é observado com
atenção pelos educadores. A história ilustra detalhadamente experiências cotidianas na infância.
“Na pracinha” foi extraído do livro 3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil
(Artmed, 2003, p. 21-26), de Brazelton e Sparrow.

Na pracinha
A pracinha estava cheia. Crianças correndo com seus cuidadores ou suas babás, e as mães
agrupadas nos bancos. Vários cães correndo em grupo voltavam ocasionalmente para cheirar os
pés de “suas” crianças antes de retornar para o grupo. As crianças tinham, na sua maioria, menos
de quatro anos. Seus irmãos estavam na escola – pré-escola e escola “de verdade”. Livres da pres-
são da dominação de seus irmãos, as crianças de dois e três anos corriam de uma atividade para
outra. Pais ou cuidadores atentos precisavam correr para cima e para baixo com elas para manter
as conversas. As crianças eram estimuladas a acompanhar as atividades umas das outras. As cai-

9
O movimento e a criança

xas de areia eram as áreas silenciosas. Os escorregadores e o carrossel eram locais ativos. Quatro
crianças, dois meninos e duas meninas – nossos quatro atores principais neste livro – faziam parte
dessa confusão. Um menino ativo e um menino tranquilo, Billy e Tim; uma menina persuasiva,
Minnie; e uma menina alegre e extrovertida, Marcy, brincavam com as outras crianças.
Billy, um menininho alegre, ativo, chegou nesse cenário com sua mãe. Seu rosto redondo
tinha uma aparência de querubim. Suas bochechas macias e cheias, seus olhos grandes, seu cabelo
revolto, sua tagarelice e dedo na boca – tudo parecia planejado para torná-lo cativante. Era difícil
não querer abraçar Billy. Quando ele estava disposto, tudo bem. Mas quando não estava, ele se es-
quivava. Ele queria ficar livre para perambular, indagar, descobrir seu mundo. Ele ainda parava com
os pés separados, embora mais firmemente agora. Ocasionalmente, tropeçava. Ele estava afobado.
Ainda não tinha dominado o planejamento motor, antecipando como seu corpo teria que se mover
a compasso para chegar aonde queria. Aos três anos, chegar lá é mais importante do que imaginar
como. Na maioria das vezes, contudo, seu desenvolvimento motor lhe permitia movimentar-se com
maior segurança e domínio. Como resultado, ele queria estar com todos, mas nem sempre com
pessoas que representassem abraços. Ele precisava explorar o mundo, e, para ele, a parte mais im-
portante do mundo eram as pessoas.
Billy era sempre sorridente e sociável. Ele se aproximou de um grupo de crianças de três
anos na caixa de areia. “Oi. Eu sou Billy.” Ninguém levantou a cabeça. Impávido, ele se sentou ao
lado de um menino que estava fazendo um castelo de areia. Imitando-o, começou a fazer um cas-
telo exatamente como o da outra criança. Sem se olharem, os meninos tornavam-se cada vez mais
conscientes dos movimentos um do outro. Billy pegou uma tigela, encheu-a com areia, e virou-a
no chão; quando ele a desvirou, a areia tomou a forma da tigela. A outra criança ficou claramente
impressionada. Os dois chegaram mais perto um do outro e começaram a construir juntos. A mãe
de Billy estava impressionada com a capacidade de Billy de se “entrosar”.
Assim que Billy fez uma amizade, as outras crianças pareceram reconhecer a força deles
como um par. “Billy, olhe aqui.” “Tommy, você me ajuda a construir?” Eles chegaram mais perto
uns dos outros. Uma outra criança, uma menina, reconheceu uma afinidade com Billy: “Você tem
cabelo encaracolado. A sua mãe faz isso?” “Faz o quê?” “Encrespa ele. Meu cabelo é encaracolado,
também, mas as crianças caçoam de mim.” Billy retornou a sua construção de areia como se isso
tivesse que ser ignorado. A menina chegou mais perto dele. “Quer andar na minha bicicleta?” Billy
olhou para ela, animado. “Claro.” Ela correu até seu triciclo. Billy seguiu-a o mais rápido que podia.
Ela segurou no guidão enquanto ele subia. Assim que se acomodou, ele tentou pedalar. A princípio,
seu pé escorregou. A menina riu. Billy olhou em volta, embaraçado. Colocando seu pé mais reto
sobre os pedais, ele começou a mover-se, mas para trás. Ela riu. “Assim não”, disse. Billy percebeu
seu erro e começou a pedalar para a frente. Orgulhoso de sua realização, ele começou a gritar:
“Olhem!” As outras crianças de três anos pararam para olhar com admiração.
Aprender a pedalar um triciclo é uma grande façanha. De caminhar a correr e a empurrar
um carrinho são marcos na vida de uma criança de dois anos. Então, um ano mais tarde, ser capaz
de dar impulso, de alternar os pés, de pedalar com suas próprias pernas e ser capaz de inverter o
movimento é uma vitória importante para uma criança de três anos. Não é de admirar que Billy
estivesse orgulhoso. Sua capacidade de controlar seu próprio comportamento para adaptar-se ao de
outras crianças, e ingressar em suas brincadeiras, é uma medida de sua capacidade de adaptação.
Ele está ansioso para conquistar essas crianças para brincar com elas. Sua persistência e determi-
nação em ter sucesso na interação social é uma amostra de seu temperamento.

10
O movimento e a criança

A mãe de Billy sentou-se no banco com as outras mães. Ela estava confiante de que Billy
poderia tomar conta de si mesmo. Ele já sabia como tranquilizá-la com sua habilidade? Enquanto
ela observava Billy com as outras crianças de sua idade, ela percebeu o quanto ele era carinhoso.
Um certo momento, uma criança atirou um punhado de terra nele. Billy olhou firme para o culpa-
do. “Não! Não atira.” A senhora Stone ficou fascinada com o fato de que ele tivesse assimilado sua
repreensão e estivesse agora pronto para usá-la para proteger-se. Em vez de atirar terra de volta,
ele tinha usado palavras que ouvira antes. As outras crianças olharam com surpresa, escutaram e
pararam.
Marcy já estava na área dos brinquedos. Embora ela ainda caminhasse, às vezes, com passo
incerto – movendo-se com seu andar de base larga, com passos bastante desajeitados, era bonito
observá-la. Se ela tropeçava, caía e levantava em um único movimento sem parar. Seus olhos
faiscavam. Seu sorriso era contagiante. Ela subia a escada com deliberada concentração, mas es-
corregava quando distraída. Subia e descia do escorregador. Andava em seu triciclo com destreza.
Em casa, conseguia colocar a chave na porta da frente, embora tateasse desajeitadamente, e podia
desamarrar seus próprios sapatos. Ela podia empilhar dez blocos um em cima do outro formando
uma torre, colocando cada canto precisamente em cima do topo do bloco de baixo. [...]
Cada novo objeto precisa ser examinado, ser experimentado. Uma grande folha deve ser de-
senterrada e virada para um exame minucioso. Uma pedra torna-se um objeto de curiosidade – “Ela
é pesada? É áspera? Está suja? O que há debaixo dela?” Aquela minhoca se contorcendo deve ser
pega e examinada. Uma admiração ativa marca cada experiência. Cada folha é a primeira.
Marcy corria para cada criança. “Estou aqui!” Ela esperava uma resposta antes de passar
para a próxima criança. Ao se aproximar de um menininho que estava sentado no colo de sua mãe,
ela o cumprimentou. Quando ele se retraiu e se virou para sua mãe, ela repetiu seu cumprimento
apelando para a mãe dele. Com sensibilidade, ela baixou sua voz para dizer: “Eu sou Marcy. Eu
também sou tímida.” Ela obviamente não era.
Naturalmente, as outras crianças começaram a dar-se conta de sua presença. Várias delas
começaram a segui-la. Ela rapidamente tornou-se a líder das crianças de sua idade. Ela levava seu
papel a sério. “Vamos para os brinquedos.” Os outros a seguiam. “Vamos atravessar o túnel.” Eles
a seguiam. “Vamos andar na minha bicicleta.” Eles a seguiam. Todos eles tentaram subir no triciclo
ao mesmo tempo. Ele virou. Ninguém conseguiu andar. [...]
Quando a senhora McCormick segurava Tim em seu colo na pracinha, ela se sentava sozinha
em um banco do lado oposto das outras mães como se tivesse vergonha do apego de Tim. Ela
sabia que se ela se sentasse com as outras mães, todas elas lhe dariam conselhos. “Simplesmente
coloque-o no chão e deixe-o chorar, ele vai superar isso.” “Minha filhinha era exatamente assim,
mas ela finalmente se acostumou com as outras crianças.” “Convide uma criança para brincar com
ele. Assim ele pode aprender sobre outras crianças.”
Eles observaram as outras crianças brincando, e, à medida que a senhora McCormick foi
relaxando, a vigilância de Tim começou a diminuir. Ele procurou seu cobertor. Ele ficara em
casa, então ele agarrou-se ao vestido da mãe, apertou-o em uma mão, e chupou seu polegar
com a outra. Enquanto fazia isso, ele começou a relaxar. Ele observava e observava. Ele até
começou a falar sobre as crianças que estava observando. “Ele não gosta daquele escorregador.
Ele não quer subir nele.” Ele não estava falando para ela, mas ela podia dizer que essa era uma
tentativa de Tim participar com as outras crianças.

11
O movimento e a criança

Algumas das outras crianças de três anos eram curiosas em relação a Tim e sua mãe. Elas os
observavam pelos cantos dos olhos. Após uma menininha ter se machucado em um brinquedo, ela
aninhou-se no colo da mãe; ela chupava seu polegar e manuseava o vestido de sua mãe como se es-
tivesse imitando Tim. Quando as outras crianças viram, elas olharam para Tim e para a menininha.
Elas tinham feito a associação. A completa dependência de Tim era uma ameaça a todas elas, por-
que elas apenas recentemente haviam começado a viver por conta própria. Um menininho correu
até a senhora McCormick: “Põe ele no chão! Faz ele brincar!” Nessa idade, todas as crianças ainda
estão elaborando sua independência. É assustador ver alguém representando sua própria luta.
Minnie entrou correndo na pracinha. Suas pernas e seus braços pareciam asas, seu rosto,
ansioso. Enquanto corria, ela se inclinava para a frente, como se suas pernas não fossem conseguir
levá-la até aonde ela queria ir. “Ei, estou aqui!”, gritou ela para ninguém em particular. Sua mãe ca-
minhava silenciosamente atrás dela. Ela não esperava acompanhá-la. Durante estes três anos, a mãe
de Minnie tinha se perguntado de onde Minnie tinha vindo. A doce, paciente e cativante irmã mais
velha de Minnie, May, não tinha preparado seus pais para Minnie. Ela era diferente de tudo o quan-
to a senhora Lee jamais havia vivenciado. Um rolo compressor, ela nunca parava de se movimentar.
Ela escalava, ela saltava, ela testava cada peça de mobília, cada pedra da calçada, cada brinquedo
da pracinha. Enquanto sua mãe a observava, seu coração palpitava a cada nova audácia da filha. A
advertência “Minnie, não suba até em cima até eu chegar ai!” foi ignorada. Minnie parecia ter sido
engolida pela excitação física do movimento. Ela tinha um tipo de imprudência que fazia sua mãe
exasperar-se ao observá-la. Quando a senhora Lee chegou ao “grande” escorregador, Minnie já ha-
via subido e descido do outro lado. Quanto mais a senhora Lee tentava acompanhá-la, mais Minnie
parecia acelerar-se. Quando Minnie voltou para subir, sua mãe segurou seu braço em uma tentativa
de fazê-la desacelerar; Minnie desvencilhou-se e continuou subindo. Sua imprudência, misturada
com sua capacidade de realizar essas proezas físicas, faziam sua mãe sentir-se desconectada e um
pouco inútil. [...]
A pracinha é frequentemente a primeira aventura de uma criança no mundo mais amplo.
Aqui, as crianças aprendem com e sobre outras crianças, sobre a individualidade de cada uma. Os
seres humanos são animais sociais desde o início. No começo, os bebês são “ligados” para procurar
e envolver-se em relacionamentos. Por volta dos três anos, eles não apenas aprenderam, mas po-
dem pensar sobre a importância da comunicação e das relações com os semelhantes. “Você é meu
melhor amigo.” Relacionamentos sustentadores com os pais estabelecem o tom. Uma criança sabe
o quanto pode ser recompensador olhar, falar, escutar, tocar e exigir atenção de um adulto impor-
tante. Os irmãos foram modelos para o aprendizado sobre relacionamentos ambivalentes – às vezes
rivais, às vezes carinhosos, mas sempre excitantes. Um irmão fornece os lados positivo e negativo
de um relacionamento apaixonado, bem como a oportunidade sedutora de envolver um pai, que
tentará acabar com a rivalidade!
O grupo de iguais oferece às crianças uma janela para dentro da qual elas podem olhar e ver
a si mesmas. Frequentemente elas estão no mesmo estágio de desenvolvimento, lutando com os
mesmos problemas, encarando as demandas dos próximos passos do desenvolvimento. Contudo,
elas também são diferentes. As diferenças oferecem um caleidoscópio de experiências, uma forma
de testar quais poderiam ser nossos próprios sentimentos. Uma criança pode ver-se em um espe-
lho, à medida que experimenta as reações de outra criança. A chance de brincar com seus iguais
e modelar-se a partir de suas reações e seus estilos de aprendizado oferece a oportunidade para
aprender sobre si mesma.

12
O movimento e a criança

As dimensões da aprendizagem
Há muitas escolas que não passam de jacarés. Devoram as crianças em nome do rigor,
do ensino apertado, da boa base, do preparo para o vestibular. É com essa propaganda
que elas convencem os pais e cobram mais caro... Mas, e a infância? E o dia que não se
repetirá nunca mais?
Rubem Alves
Durante muitos anos, os educadores estavam interessados em discutir a
capacidade de aprendizagem do ser humano. Nesse sentido, ainda escutamos al-
guns professores imprudentes dizerem: “Este aluno não aprende nada. Por mais
que eu fale, ele não aprende.” Hoje, as afirmações desse tipo estão ultrapassadas,
pois não restam dúvidas sobre o potencial da aprendizagem. Todos são capazes
de aprender.
Atualmente, uma discussão pertinente entre os educadores não questiona
se “o aluno aprende ou não aprende” ou “o quanto ele aprende”, mas está vol-
tada a questões mais amplas como: “De que modo podemos favorecer a apren-
dizagem?”, “Que ações pedagógicas adotaremos para facilitar a construção de
conhecimentos?”
Essa perspectiva qualitativa (e não quantitativa) do ato de aprender é de
extrema relevância para o educador infantil porque ele tem um papel de desta-
que nas descobertas e na aprendizagem de seus educandos. O caráter “quanti-
tativo” da aprendizagem, amplamente difundido na escola convencional, é um
equívoco na condução do processo educacional, como nos ilustra a afirmação de
Albert Einstein (1994, p. 36):
Por vezes, vemos na escola simplesmente o instrumento para a transmissão de certa quan-
tidade máxima de conhecimento para a geração em crescimento. Mas isto não é correto.
O conhecimento é morto; a escola, no entanto, serve aos vivos.
Ao analisar essas considerações, concluímos que o foco da educação atual
deve ser cada vez mais o processo e não o produto, porque o produto valoriza
a quantidade e não considera a qualidade da aprendizagem. Para efetivamente
colaborarmos com a construção de saberes por parte de nossos alunos, é preciso
conhecer as dimensões humanas envolvidas no processo de aprendizagem.
Os estudos na área da Psicologia e da Psicopedagogia geraram novos con-
ceitos sobre as dimensões da aprendizagem humana e fornecem dados impor-
tantes para qualificarmos as interações nos ambientes educacionais. Lembramos,
então, as quatro dimensões envolvidas na aprendizagem:
dimensão cognitiva;
dimensão afetiva;
dimensão psicomotora;
dimensão de fé e crenças.
A dimensão cognitiva é sem dúvida a mais cultuada na educação. Ela está
relacionada com a forma racional e estruturada do conhecimento. Por décadas, os
educadores só olharam para essa dimensão da aprendizagem e, muitas vezes, con-
fundiram-na com o próprio conteúdo das ações pedagógicas.
13
O movimento e a criança

Sabemos que a cognição é fundamental para a aprendizagem humana. No entanto, ela vai além
do conteúdo frio, racional e estanque proposto em diversas salas de aula de nosso país. Uma visão
mais atual e completa da dimensão cognitiva abarca as relações, as coordenações e as ações que o ser
humano realiza em sua vida. Os domínios cognitivos englobam as distinções, as operações, os com-
portamentos, os pensamentos e as reflexões. Por isso, a observação da cognição na prática educativa
deve incluir o domínio das ações (o saber fazer).
A dimensão afetiva da aprendizagem é a mais importante para a Educação Infantil. Ela é funda-
mental porque as emoções perpassam todo tipo de interação humana. Não possuímos um botão para
ligar ou desligar nossas emoções – elas estão sempre presentes em nossas vidas.
Sendo a emoção intrínseca a qualquer ação humana, seja de forma direta ou indireta, a dimen-
são afetiva permeia e estrutura as outras dimensões do nosso ser. Até mesmo a dimensão cognitiva
é permeada pela afetividade. Por causa desses fatores, precisamos valorizar a dimensão afetiva em
todas as nossas ações pedagógicas, a fim de favorecer as relações interpessoais e intrapessoais dos
alunos, enriquecer suas interações e, consequentemente, facilitar seus aprendizados.
A dimensão psicomotora abrange as relações corporais e motoras que o homem estabelece com
o ambiente e com outros seres. É um aspecto fundamental durante a infância porque, até os seis ou
sete anos de idade, ela representa a principal via de expressão da criança. Se não valorizamos a psico-
motricidade, interferimos negativamente no desenvolvimento das outras dimensões humanas.
A valorização da dimensão psicomotora, principalmente na infância, potencializa a aprendiza-
gem, o comportamento, a cognição e a afetividade. Sendo assim, a Educação Infantil fundamenta-se
em atividades psicomotoras e oferece as condições necessárias para que as outras dimensões possam
progredir. Nossa prática escolar diária reflete esse conceito. Quase todas as ações que propomos às
crianças envolvem o corpo, o movimento e a motricidade.
A dimensão de fé e crenças não é menos importante para a aprendizagem. No entanto, ela foi ne-
gada pela ciência clássica e pelos teóricos da Educação durante muito tempo. Esses estudiosos pareciam
desconsiderar que todo ser humano vive em uma cultura com crenças e valores morais e éticos.
Somos seres da mesma espécie, mas demonstramos grandes diferenças culturais. Os valores
culturais são transmitidos e transformados ao longo das gerações e constituem a nossa história. Sa-
bemos que a cultura engloba crenças, religiões, ideologias, valores, visões de mundo e do próprio ser,
influenciando nosso pensamento e nossa aprendizagem.
Devemos observar e respeitar a dimensão de fé e crenças sempre presente nas relações do indi-
víduo com sua aprendizagem. Valorizar e aceitar as diferenças culturais de cada educando significa
colaborar para sua aceitação social, suas interações e o seu aprender.
Apresentamos cada uma das dimensões da aprendizagem em separado para você visualizá-las
e compreendê-las mais facilmente. Porém, não fique com a falsa impressão de que elas são estanques.
Não é possível desenvolver a cognição sem trabalhar a afetividade, ou a psicomotricidade sem respei-
tar a cultura de cada comunidade. Uma Educação Infantil de qualidade valoriza todas as dimensões
humanas em sala de aula.

14
O movimento e a criança

Neste espaço, destacamos uma mensagem escrita por Leonardo Boff, que nos propõe uma
reflexão sobre a importância do ponto de vista das experiências individuais. A partir deste texto,
queremos também ressaltar o quanto o seu olhar e as suas vivências são fundamentais para o trabalho
do educador infantil. Por exemplo, sem a sua participação ativa nesta disciplina, ou sem a adequação
dos conteúdos aqui apresentados à realidade de seus alunos e de sua escola, sua atuação pedagógica
perderá o sentido.
O trecho a seguir pertence ao texto “Todo ponto de vista é a vista de um ponto”, extraído do livro
A Águia e a Galinha: uma metáfora da condição humana (Vozes, 1997, p. 9-10), de Leonardo Boff.

Todo ponto de vista é a vista de um ponto


Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta
a partir de onde os pés pisam.
Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber
como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.
A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar
de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos
alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da com-
preensão sempre uma interpretação. [...]
Sendo assim, fica evidente que cada leitor é um coautor. Porque cada um lê e relê com os olhos
que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita.

Agora, vamos propor um desafio importante para aprofundarmos nossos estudos desta aula.
Gostaríamos que vocês respondessem às questões a seguir.
Qual a relação entre a criança e o movimento?
Qual a influência do corpo e do movimento na aprendizagem?
Suas ações pedagógicas cotidianas costumam enfatizar qual das dimensões da aprendizagem
humana?
Formem pequenos grupos para discutir essas questões e formular respostas coletivas. Não es-
queçam de escutar seus colegas, respeitando suas opiniões e sabendo aceitar a diversidade. Não bus-
quem respostas fáceis – no cotidiano escolar, não há respostas nem tarefas fáceis.

15
O movimento e a criança

Ao terminar de responder às questões, cada grupo deve elaborar um cartaz bem criativo para
representar sua visão sobre o tema “a criança e o movimento”. Para isso, usem recortes, tintas, giz de
cera, lápis de cor, giz colorido ou outros materiais disponíveis. Quando todos concluírem, cada grupo
mostrará o seu cartaz aos demais colegas e comentará suas respostas.

ALVES, Rubem. A Alegria de Ensinar. 3. ed. São Paulo: Ars Poética, 1994.
______. Estórias de Quem Gosta de Ensinar: o fim dos vestibulares. 8. ed. Campinas: Papirus, 2003.
ARRIBAS, Teresa L. et al. Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar.
5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
BOFF, L. A Águia e a Galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Vozes, 1997.
BRAZELTON, T. Berry; SPARROW, Joshua D. 3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento
infantil. Porto Alegre: Artmed, 2003.
EINSTEIN, Albert. Escritos da Maturidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed,
2004.
HAETINGER, Max G. Criatividade, Criando Arte e Comportamento. 5. ed. Porto Alegre: Criar,
1998.
MATURANA, Humberto R. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Belo Horizonte: UFMG, 2001.
MATURAMA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas
da compreensão humana. 3. ed. São Paulo: Palas Athena, 2003.
PIAGET, Jean. O Nascimento da Inteligência na Criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
______. Epistemologia Genética. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

16
Desenvolvimento motor I
Vídeo
Autor: Prof. Max Gunther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

Fundamentos do desenvolvimento motor


A primeira linguagem que a criança compreende
é a linguagem do corpo, a linguagem da ação.
Jean Piaget

O
corpo e o movimento são elementos relevantes para a socialização e a aprendizagem das
crianças, desde seus primeiros anos de vida. O desenvolvimento motor infantil está vincu-
lado ao corpo, ao movimento e ao desenvolvimento integral do homem, podendo ser obser-
vado a partir das interações entre nossa biologia, nosso comportamento, as tarefas que realizamos e
as condições do ambiente em que vivemos.
Essas ideias talvez pareçam óbvias, mas, no passado, o estudo do desenvolvimento motor fun-
damentou-se nos processos cognitivos e afetivos do ser humano. Diversos autores e educadores enfa-
tizavam somente as dimensões cognitiva e afetiva da aprendizagem.
Nos anos 1970, as pesquisas voltadas para o desenvolvimento motor passaram a considerar as
atividades físicas, abarcando diferentes áreas do conhecimento, como a fisiologia do exercício, a bio-
mecânica, a psicologia desenvolvimentista e social, a aprendizagem e o controle motor. No entanto,
o desenvolvimento motor foi abordado a partir de modelos que separavam o corpo humano de sua
afetividade e de sua cognição.
Atualmente, entendemos o desenvolvimento motor como um processo dinâmico que se concre-
tiza ao longo de nossa vida, uma ecologia que relaciona o indivíduo, suas ações e seu ambiente, como
no quadro a seguir.
(GALLAHUE; OZMUN; 2001, p. 6)

Individual
Ambiente
Hereditariedade
Biologia Experiência
Natureza Aprendizado
Crença Encorajamento
Fatores intrínsecos Vivências

Tarefa
Fatores físicos
e mecânicos

17
Desenvolvimento motor I

Outro conceito importante para a abordagem do desenvolvimento motor é


a classificação das fases da vida humana, pois as habilidades motoras estão as-
sociadas à idade dos indivíduos. Segundo Gallahue e Ozmun (2001), existe uma
correspondência entre o período da vida e a idade cronológica, conceito destacado
pelos autores no quadro.

(GALLAHUE; OZMUN, 2001, p. 15)


Período Escala aproximada de idade
1. Vida Pré-natal (da concepção ao nascimento)
a) período de zigoto concepção 1 semana
b) período embrionário 2 semanas 8 semanas
c) período fetal 8 semanas nascimento
2. Primeira Infância (nascimento aos 24 meses)
a) período neonatal nascimento 1 mês
b) início da infância 1 12 meses
c) infância posterior 12 24 meses
3. Infância (2 10 anos)
a) período de aprendizado 24 36 meses
b) infância precoce 3 5 anos
c) infância intermediária/avançada 6 10 anos
4. Adolescência (10 20 anos)
a) pré-pubescência 10 12 anos (f); 11 13 anos (m);
b) pós-pubescência 12 18 anos (f); 14 20 anos (m);
5. Idade Adulta Jovem (20 40 anos)
a) período de aprendizado 20 30 anos
b) período de fixação 30 40 anos
6. Meia-Idade (40 60 anos)
a) transição para a meia-idade 40 45 anos
b) meia-idade 45 60 anos
7. Idade Terciária (a partir dos 60 anos)
a) início da terceira idade 60 70 anos
b) período intermediário da terceira idade 70 80 anos
c) senilidade a partir dos 80 anos

O desenvolvimento motor pode ser tratado pelos educadores e pesquisa-


dores como um processo ou um produto. Como produto, ele é visto apenas sob
a perspectiva do desempenho das habilidades motoras do sujeito. Mas, visto sob
uma óptica mais ampla, como um processo, ele é definido pela observação das
aptidões humanas (relações entre o homem, seu ambiente, seu comportamento e
suas habilidades motoras). Esta última abordagem abrange, então, o desenvolvi-
mento integral do indivíduo.
O desenvolvimento motor é uma alteração contínua do comportamento motor ao longo do
ciclo da vida. Pode ser estudado tanto como processo quanto como produto. Como um pro-
cesso, o desenvolvimento motor envolve as necessidades biológicas subjacentes, ambientais

18
Desenvolvimento motor I

e ocupacionais, que influenciam o desenvolvimento motor e as habilidades motoras do


indivíduo desde o período neonatal até a velhice. Como produto, o desenvolvimento motor
pode ser considerado como descritivo ou normativo, sendo analisado por fases (período ne-
onatal, infância, adolescência e idade adulta), que refletem o real interesse do pesquisador.
(GALLAHUE; OZMUN, 2001, p. 22)

Ainda abordando conceitos básicos para o estudo do desenvolvimento mo-


tor infantil, destacamos alguns termos que precisam estar esclarecidos antes de
avançarmos nesse assunto.
Motor: aspectos biológicos e mecânicos que propiciam e influenciam os
movimentos.
Comportamento motor: expressão do desenvolvimento e do aprendiza-
do motor. Abrange a aprendizagem motora e os processos maturacionais
do indivíduo.
Controle motor: observação e análise dos mecanismos responsáveis
pelo movimento.
Desenvolvimento motor: variações do comportamento motor que ocorrem
ao longo da vida, conforme as relações entre indivíduo, ambiente e tarefas.
Aprendizado motor: variações do comportamento motor em função das
experiências vividas pelo indivíduo.
Movimento: alteração na(s) posição(ões) de quaisquer partes do corpo.
Padrão de movimento: série de movimentos correlacionados.
Habilidade motora: padrão de movimento baseado na precisão, no con-
trole e na acuidade do indivíduo.
Habilidades esportivas: habilidades motoras específicas, utilizadas para
a prática de um desporto.

Habilidades motoras básicas


O corpo é o meio para se conhecer a realidade.
Platão

Quando observamos os adultos praticando um esporte, dançando ou cami-


nhando, podemos fazer comentários como: “Olha como ele dança fora do ritmo”;
“O João não consegue nem chutar a bola em movimento”; “Veja como ela ca-
minha desajeitada.” Essas frases representam uma forma popular de análise das
habilidades motoras demonstradas em inúmeros atos cotidianos.
Estamos constantemente expressando nossas habilidades motoras, adqui-
rindo novas habilidades ou retomando algumas apreendidas durante a infância.
Por isso, um amplo desenvolvimento motor na infância acaba qualificando o com-
portamento motor do adulto e até mesmo influenciando a sua vida social.
Na Educação Infantil, devemos nos preocupar em colaborar com o desen-
volvimento de três habilidades motoras fundamentais.

19
Desenvolvimento motor I

Locomoção: quando a criança explora os potenciais motores de seu cor-


po, movimentando-se em relação aos espaços onde se encontra.
Estabilidade: é a batalha travada diariamente contra a força da gravida-
de. Essa habilidade dá maior controle sobre a musculatura e permite que
o indivíduo fique em pé, assim contrariando a força da gravidade.
Manipulação: engloba a progressão dos atos de alcançar, segurar e sol-
tar objetos, até que a criança atinja maior controle e precisão na manipu-
lação de objetos da vida cotidiana.
Habilidades básicas como correr, pular, arremessar, apanhar e chutar são
adquiridas na infância e determinarão as habilidades esportivas e a execução de
tantas outras tarefas na adolescência, na idade adulta e na terceira idade. O do-
mínio das habilidades motoras é um fator fundamental no desenvolvimento da
criança e de sua vida adulta. Portanto, desde os primeiros anos de vida, é preciso
explorar as habilidades motoras. O educador infantil tem um papel de destaque
nesse processo. Ele deve propiciar o ambiente e os estímulos necessários para que
a criança desenvolva seus potenciais motores.
Vejamos então, detalhadamente, as habilidades motoras básicas e seus respec-
tivos padrões de movimento. Assim, fica mais fácil identificarmos e entendermos as
ações motoras realizadas por crianças de seis meses a seis anos. Esses padrões são
classificados para fins de estudo e análise, indicando-se a idade aproximada em que
acontecem. No entanto, esse parâmetro da idade serve apenas como uma indicação e
não como regra – afinal, cada pessoa tem um ritmo de desenvolvimento.

Habilidades de estabilidade
A habilidade de estabilidade é expressa por três padrões de movimento.
Movimentos axiais: são os movimentos como inclinação, alongamento,
giros, rotações, entre outros, que a criança executa a partir da postura
corporal estática. Esses movimentos evoluem a partir dos dois meses de
idade e, posteriormente, influenciam os padrões de movimentos manipu-
lativos como lançar, aparar, chutar e bater.
Equilíbrio estático: engloba ações corporais de equilíbrio. A criança co-
meça a apresentar essa habilidade a partir dos dez meses, ao ficar em pé.
É também manifestado no equilíbrio em um pé (aproximadamente aos
cinco anos) ou nos apoios invertidos (equilíbrio com a cabeça virada
para baixo).
Equilíbrio dinâmico: compreende ações que a criança pratica para man-
ter o seu equilíbrio usando o próprio corpo ou um objeto. Engloba atos
como caminhar em linhas retas e circulares, equilibrar-se em cima de
objetos (traves ou cadeiras) ou alternar os pés sobre objetos – ações re-
alizadas por crianças a partir dos três anos. Já aos seis anos, inclui as
atividades de rolamento do corpo para a frente.

20
Desenvolvimento motor I

Habilidades locomotoras
As habilidades locomotoras aparecem dos 13 meses aos seis anos de idade
e estão distribuídas em seis padrões de movimento.
Caminhada: deslocamento de um pé e outro, alternadamente, mantendo-
-se sempre um deles em contato com o chão. Começa aos 13 meses, quan-
do a criança já fica em pé e dá os seus primeiros passos, progredindo para
a ação de andar para trás (18 meses), até subir e descer escadas (aos dois
anos).
Corrida: é uma caminhada veloz. A pessoa chega a perder o contato com
o chão durante seu deslocamento. A caminhada rápida surge por volta de
um ano e meio. Porém, a corrida começa aos dois ou três anos e fica mais
eficiente somente aos cinco.
Salto: movimento que envolve um impulso a partir de um ou dois pés,
mas o pouso final é feito necessariamente com os dois pés. Em termos
espaciais, os saltos podem ser em distância (horizontal), em altura (ver-
tical) e a partir de uma altura fixa (do alto de um objeto, por exemplo).
A criança apresenta esse comportamento a partir dos 18 meses, ao subir
e descer de objetos. O salto com os dois pés começa aos 28 meses. Aos
cinco e seis anos, a criança efetiva os saltos em distância e altura.
Saltito: é a ação de saltar e pousar com o mesmo pé. A criança apresen-
ta esse movimento a partir dos três anos. Nessa idade, geralmente ela
consegue saltar e cair até três vezes com o mesmo pé. Aos quatro anos,
amplia para até seis vezes. Aos cinco anos, já consegue alguma distância
em um saltito. Mas somente aos seis anos ela está apta a executar saltitos
com alternância rítmica.
Galope: movimento que as crianças executam quando alternam cami-
nhadas e saltos, traçando uma rota. Esse padrão motor demonstra-se a
partir dos quatro anos de idade, tornando-se eficiente aos seis anos.
Skipping: é a habilidade de executar movimentos alternando passadas e
saltos com a elevação dos joelhos, de modo ritmado. Essa combinação
de movimentos requer um grau de maturidade só alcançada aos quatro
anos e será eficiente somente aos seis.

Habilidades manipulativas
As habilidades manipulativas são fundamentais para o desenvolvimento
motor desde os primeiros momentos de vida, pois representam uma condição bá-
sica para a interação com os objetos (aqui se entendendo objeto como qualquer
coisa que não seja o próprio sujeito). Elas podem ser observadas desde os dois
meses de idade e estão classificadas nos padrões de movimento a seguir.
Alcançar, segurar e soltar objetos: a criança apresenta essa habilidade des-
de os dois meses, quando começa a segurar os dedos da mãe, por exemplo.

21
Desenvolvimento motor I

O ato de pegar com a mão inteira acontece aos cinco meses. Já o pegar e soltar com controle
ocorre somente depois de um ano.
Pegar: corresponde a receber um objeto em movimento com as mãos. Quando este domí-
nio motor evolui, a criança consegue receber e controlar objetos menores. Aos dois anos, a
criança tende a perseguir uma bola para pegá-la, por exemplo. Com dois e meio, responde
a bolas aéreas, mas ainda não coordena a ação do corpo para pegá-las. Por volta dos cinco
anos, consegue apanhar uma bola em movimento, usando somente as mãos.
Lançar: ato de imprimir força a um objeto, lançando-o na direção desejada. Essa é uma ação
mais elaborada e requer maior desenvolvimento motor. Por isso, apresenta-se geralmente a
partir dos dois ou três anos. Nessa idade, a criança consegue ficar parada e lançar algo em
direção de outro objeto (por exemplo, lançar uma bolinha na cabeça de um boneco). Entre
quatro e cinco anos, ela já pode realizar um lançamento combinado com o movimento de seu
corpo (por exemplo, dar um passo ou girar o corpo e lançar o objeto).
Chutar: significa imprimir força sobre um objeto com o pé para que ele se desloque. Essa
ação começa com a criança empurrando a bola com o pé, com 18 meses de idade. Aos dois
anos, ela chuta com a perna reta e poucos movimentos corporais. Com três anos, começam a
se esboçar movimentos mais elaborados (flexão da perna e balanço do corpo). Somente aos
cinco anos é realizado um chute mais definido e equilibrado.
Bater: ação realizada para efetivar um contato súbito do braço com objeto(s), ou entre obje-
tos, batendo-os com as mãos. A partir dos dois anos de idade, esse movimento acontece no
plano vertical. Aos quatro anos, a criança consegue mover os braços horizontalmente para
bater. Já aos cinco anos, gira o tronco e o quadril, projetando o peso de seu corpo.
Lembramos que os padrões motores descritos representam um potencial médio das crianças. O
desenvolvimento dessas habilidades depende das características físico-biológicas e biomecânicas do
indivíduo, das tarefas que realiza, do ambiente onde vive e dos aspectos afetivos e sociais vivenciados.
Os conceitos apresentados servem de referência para você observar e compreender a realidade
de seus alunos, sem avaliá-los por suas performances motoras ou cobrar padrões de habilidade incom-
patíveis com o nível de desenvolvimento dos educandos. Considerar o ser integralmente, sua cultura,
seu ambiente e suas experiências, é uma tarefa essencial para todo educador que pretende colaborar
na aprendizagem de seus alunos.

Destacamos o texto do professor João Luiz Martins, um educador preocupado com as relações entre
movimento e aprendizagem. Seu artigo aborda a importância do brinquedo no universo infantil e a rela-
ção da criança com ato de brincar.
O trecho aqui apresentado foi extraído de “O lúdico e o aprendizado”, publicado em Temas da edu-
cação II: livro das jornadas 2003 (Futuro Congressos e Eventos, 2003, p. 123-134), que reúne os trabalhos
de diversos autores e educadores e foi editado pela Futuro Congressos e Eventos em 2003.

22
Desenvolvimento motor I

O lúdico e o aprendizado
O brinquedo: a essência da infância
Brincar não constitui perda de tempo, nem é simplesmente uma forma de preencher o tem-
po. A criança que não tem oportunidade de brincar está como um peixe fora da água.
O brinquedo possibilita o desenvolvimento integral da criança, já que ela se envolve afetiva-
mente, convive socialmente e opera mentalmente; tudo isso de uma maneira envolvente, em que a
criança despende energia, imagina, constrói normas e cria alternativas para resolver os imprevis-
tos que surgem no ato de brincar.
O brinquedo facilita a apreensão da realidade e é muito mais um processo do que um pro-
duto. Não é o fim de uma atividade ou o resultado de uma experiência. É, ao mesmo, a atividade
e a experiência, envolvendo a participação total do indivíduo. Exige movimentação física, envol-
vimento emocional, além do desafio mental que provoca. E nesse contexto, a criança só, ou com
companheiros, integra-se ou volta-se contra o ambiente em que está.
Por ser essencialmente dinâmico, o brinquedo possibilita a emergência de comportamentos
espontâneos e improvisados. Os padrões de desempenho e as normas podem ser criados pelos
participantes; há liberdade para se tomar decisões.
A direção que o brinquedo assume é determinada pelas variáveis de personalidade da
criança, do grupo e do contexto social em que as crianças vivem.
O brinquedo é a essência da infância; é o veículo do crescimento, é um meio extremamente
natural que possibilita à criança explorar o mundo, tanto quanto o do adulto, possibilitando-lhe
descobrir-se e entender-se, conhecer os seus sentimentos, as suas ideias e a sua forma de reagir.
Através da atividade lúdica e do jogo, a criança forma conceitos, seleciona ideias, estabelece
relações lógicas, integra percepções, faz estimativas compatíveis com o seu crescimento físico e o
seu desenvolvimento. E, o fundamental, a criança vai se socializando.
Que fatores influenciam o comportamento de brincar?
Muitos seres vivos brincam, mas somente os seres humanos organizaram a brincadeira em
forma de jogo. A capacidade de jogar surgiu nas mais antigas civilizações, em todos os recantos
do globo. Os jogos e os brinquedos desempenham papéis relevantes no desenvolvimento infantil
e na transmissão da cultura, de geração em geração.
Originariamente, muitos jogos tinham um sentido religioso ou supersticioso. Jogos de azar,
de tabuleiro e dados tais como ludo remontam há pelo menos cinco mil anos. O xadrez da Índia, o
Go do Japão e o Wan da África são jogos de estratégia muito antigos que aguçam a capacidade de
planejar e de calcular. Faz de conta, vestir-se de gente grande, para imitar os adultos, fazer o que o
manda o mestre (mestre mandou), esconde-esconde, pegador, pique, e jogos de adivinhação estão
entre os muitos passatempos que desenvolvem a capacidade infantil em qualquer parte do mundo.
No que diz respeito a jogos e brinquedos, as crianças de famílias de recursos menores po-
dem, em certos casos, ser mais bem servidas do que as crianças privilegiadas. Os brinquedos que

23
Desenvolvimento motor I

elas próprias confeccionam com barro, palha, madeira, pregos e restos de materiais disponíveis
envolvem criatividade e destreza, ao passo que os jogos eletrônicos, de plástico, produzidos em
larga escala e comercializados de forma agressiva, muitas vezes promovem uma brincadeira soli-
tária e passiva. A obsessão com a violência em muitos desses jogos, por sua vez, tem despertado
preocupação em escala internacional.
De acordo com vários autores e pedagogos, que estudam o comportamento de brincar da
criança, o brinquedo é influenciado pela idade, sexo, presença de companheiros e de outras pessoas,
além dos aspectos ligados à novidade, surpresa, complexidade e variabilidade.
Portanto, cabe ao educador:
valorizar o brinquedo para encorajá-lo nos educandos, sem ter a sensação que está per-
dendo tempo;
reconhecer as limitações do elemento competitivo no brinquedo infantil;
equilibrar o brinquedo diretivo e espontâneo;
observar o brinquedo infantil para conhecer melhor as crianças e para que possa avaliar
até que ponto a atividade está oferecendo prazer à criança;
estimular os brinquedos sociais que favorecem os comportamentos interativos entre as
crianças.
A criança pode: brincar só, brincar perto de um companheiro, brincar sem conseguir um
grau elevado de cooperação e pode conseguir brincar a partir de uma divisão de tarefas para atin-
gir um objetivo comum. O brinquedo pode prever uma diferenciação de papéis, pode ser coopera-
tivo, competitivo ou impregnado de momentos de cooperação e de competição.
Muitas são as habilidades sociais reforçadas pelo brinquedo: cooperação, comunicação efi-
ciente, competição honesta, redução da agressividade. O brinquedo permite às crianças progredi-
rem até atingirem um nível de proficiência formidável.
As brincadeiras permitem às crianças: identificar, generalizar, classificar, agrupar, ordenar,
seriar, simbolizar, combinar e estimar. E, juntamente com essas operações, a atenção está sendo
desenvolvida, o mesmo ocorrendo com respeito às relações espaciais e temporais.
A expressão corporal e todo o desenvolvimento de gestos, posturas, a relação que se estabe-
lece entre o corpo e a mente da criança e o ambiente em que se encontra, tudo isso se reveste de
uma enorme importância ao desenvolvimento infantil.
Há uma infinidade de brinquedos e brincadeiras que seduzem a criança e a envolvem inte-
gralmente. Quanto mais o brinquedo possibilitar a exploração livre da criança, melhor. Quanto
menos isso ocorrer, mais a criança estará na condição de mera espectadora. Ela se envolve afeti-
vamente, com o mundo, tanto quanto o do adulto, possibilitando-lhe descobrir-se e entender-se,
conhecer os seus sentimentos e forma de reagir.
Através da atividade lúdica e do jogo, a criança forma conceitos, seleciona ideias, melhora a
sua parte motora e se prepara para o aprendizado futuro.
O esporte é em muitas ocasiões intensamente trabalhado, o que gera tanto interesse como a
apatia por parte daquelas crianças que não conseguem adquirir habilidades rapidamente e, conse-
quentemente, não se destacam como atletas, por isso devemos principalmente trabalhar atividades
interativas, que são atividades em que o papel do grupo e das habilidades individuais é ressaltado.
24
Desenvolvimento motor I

Vamos agora compartilhar um texto sobre o Tempo. Pode parecer que isso não importa para a
educação, mas lembre-se: o tempo está presente em tudo, em todos os processos de desenvolvimento
humano, no ensino e na aprendizagem. O aluno precisa de tempo, assim como o professor, a escola e
os pais.
O texto de Débora Dias Gomes sintetiza a importância do tempo em nosso cotidiano, com a pre-
cisão e a sensibilidade que só existe no coração dos poetas.

Tempo
Débora Dias Gomes

Imagine que você tenha uma conta corrente e a cada manhã você acorde com um saldo do
dia para o dia seguinte. Todas as noites o seu saldo é zerado. Mesmo que você não tenha consegui-
do gastá-lo durante o dia, o que você faz??? Irá gastar cada centavo, é claro!
Pois bem, todos nós somos clientes deste banco que estamos falando. Ele se chama tempo.
Todas as manhãs, é creditado (sic) na sua conta 86 400 segundos, porém todas as noites esse
saldo é debitado, como perda. Não é permitido acumular esse saldo para o dia seguinte.
Todas as manhãs a sua conta será reinventada e todas as noites as sobras do dia se evaporam.
Não há volta. Você precisa viver o momento presente, gastando o seu tempo com inteligên-
cia e vontade, selecionando apenas ações essenciais.
Utilize o seu depósito diário. Não desperdice.
Invista no que for melhor, na sua saúde, felicidade e sucesso e na daqueles que estiverem ao
seu alcance.
O relógio está correndo. Doe-se ao momento presente com entusiasmo. Faça o melhor para
o seu dia a dia e para o dos outros que estão ao seu redor.
Você acredita?
Para você perceber o valor de um Ano, pergunte a um estudante que repetiu a série.
Para você perceber o valor de um Mês, pergunte a uma mãe que teve o seu bebê prematu-
ramente. Para você perceber o valor de uma Semana, pergunte a um editor de um jornal semanal.
Para você perceber o valor de uma Hora, pergunte aos amantes que estão esperando um grande
encontro.
Para você perceber o valor de um Minuto, pergunte a uma pessoa que perdeu um trem.
Para você perceber o valor de um Segundo, pergunte a uma pessoa que conseguiu evitar um
acidente terrível.
Para você perceber o valor de um Milésimo de segundo, pergunte a quem venceu a medalha
de prata de uma olimpíada.
Valorize cada minuto de sua vida.
Que você possa dividir todos os momentos da sua vida com pessoas especiais o suficiente
para você gastar o seu tempo com sentimento de prazer por estar sendo útil.
25
Desenvolvimento motor I

Lembre-se: o tempo não espera por ninguém.


O ontem pertence a uma ciência chamada história.
O amanhã é um mistério que não deve causar ansiedade.
O hoje é dádiva. Por isso é chamado de presente!

A tarefa agora é explorar e refletir sobre o dia a dia com os alunos, sob a perspectiva
do desenvolvimento motor. Formulamos um quadro que relaciona as principais habilidades motoras,
seus respectivos padrões de movimento, as atividades abrangidas nesses movimentos e a idade da
criança que os realiza.
Reunidos em grupos de três, vocês deverão preencher a tabela a seguir. Descrevam uma ativi-
dade pedagógica para cada um dos padrões de habilidades motoras apresentados, indicando a idade
dos alunos que participaram dessas práticas propostas em sua sala de aula.

Habilidades de estabilidade Descrição da atividade Idade


Movimentos axiais

Equilíbrio estático

Equilíbrio dinâmico

Habilidades locomotoras Descrição da atividade Idade


Caminhada

Corrida

Salto

Saltito

Galope

Skipping

Habilidades manipulativas Descrição da atividade Idade


Alcançar, segurar e soltar

Pegar

Lançar

Chutar

Bater

26
Desenvolvimento motor I

BRAZELTON, T. Berry; SPARROW, Joshua D. 3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento


infantil. Porto Alegre: Artmed, 2003.
GALLAHUE, David L.; OZMUN, John C. Compreendendo o Desenvolvimento Motor: bebês,
crianças, adolescentes e adultos. São Paulo: Phorte, 2001.
MARTINS, João L. O lúdico e o aprendizado. In: Temas da Educação II: livro das jornadas 2003.
Curitiba: Futuro, 2003, p.123-34.
MATURANA, Humberto. R.; VARELA, Francisco J. A Árvore do Conhecimento: as bases biológi-
cas da compreensão humana. 3. ed. São Paulo: Palas Athena, 2003.
PIAGET, Jean. O Nascimento da Inteligência na Criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
_____. Epistemologia Genética. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
SEBER, Maria da G. Piaget: o diálogo com a criança e o desenvolvimento do raciocínio. São Paulo:
Scipione, 1997.

27
Desenvolvimento motor I

28
Desenvolvimento motor II:
compreendendo o movimento infantil
Vídeo
Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

Fatores físicos das atividades motoras infantis

A
s habilidades motoras e seus padrões são elementos fundamentais para o estudo do desenvol-
vimento motor infantil. Devemos sempre respeitar a progressão dessas habilidades quando
propomos atividades para nossos alunos.
Agora, vamos conhecer os fatores físicos e mecânicos relacionados com o desenvolvimento
motor. Os fatores mecânicos estão vinculados a três aspectos inter-relacionados: os fatores estabili-
zadores, os fornecedores de força e os receptores de força. O fator de estabilidade relaciona-se com o
fator força, pois todos estamos sujeitos à lei da gravidade. E isso representa uma influência no centro
e na linha de gravidade do corpo e na base de apoio do indivíduo.
Já os fornecedores de força são as leis da física que alteram os movimentos de pessoas e objetos,
como a inércia, a aceleração e a ação-reação. Por essa razão, os fatores mecânicos acabam relacionan-
do-se também com os espaços, as superfícies e as distâncias percorridas no meio ambiente, e variam
conforme a interação entre sujeitos, objetos e meio.
Para melhor compreensão desses conceitos, considerem as habilidades motoras (locomotoras,
de estabilidade e manipulativas) e observem o diagrama apresentado por Gaullahue e Ozmun.

(GAULLAHUE; OZMUN, 2001, p. 88)

29
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

Esse diagrama demonstra as relações existentes entre fatores mecânicos e


físicos e habilidades motoras. Os fatores físicos abrangem as propriedades neces-
sárias à execução das habilidades motoras. Eles influenciam os fatores mecânicos
e também são influenciados pelos mesmos.
Os fatores físicos agrupam as aptidões física e motora. A aptidão física inclui
a força muscular, a resistência aeróbia, a flexibilidade e a composição corporal do
indivíduo. Já a aptidão motora refere-se às seguintes características da execução
de movimentos: velocidade, agilidade, coordenação, equilíbrio e energia. Ou seja,
as aptidões motoras relacionam-se constantemente às físicas durante a realização
de um movimento.
Agora, vamos definir cada um dos fatores físicos, pois é preciso reconhecê--
-los para propor atividades adequadas às capacidades físicas e motoras do indiví-
duo, colaborando para um desenvolvimento sadio na infância.

Fatores de aptidão física


Força muscular: habilidade de nossos músculos para exercer força. As
crianças devem desenvolver este fator de forma natural, por meio de ati-
vidades rotineiras como andar de triciclo ou bicicleta, correr, caminhar,
balançar-se nas barras do parquinho, erguer objetos etc.
Resistência aeróbia: é a capacidade dos músculos para executar um
trabalho com numerosas repetições, fatigante, que requer amplo uso do
sistema circulatório e respiratório.
Flexibilidade: está relacionada às habilidades de movimento das articu-
lações do corpo. Divide-se em dois tipos: estática e dinâmica. A flexibi-
lidade estática ocorre quando alongamos lentamente uma articulação até
o seu limite. A flexibilidade dinâmica envolve o movimento rápido das
articulações. Os exercícios físicos de alongamento são recomendados
para trabalhar a flexibilidade. Durante a infância, o ser humano tende a
ser mais flexível, mas isso não significa que a criança deve praticar ativi-
dades físicas que sobrecarreguem suas articulações.
Composição corporal: refere-se à massa corporal magra e à massa cor-
poral adiposa. A análise deste fator depende de medições executadas por
profissionais da área da saúde (médicos, professores de Educação Física
e fisioterapeutas).

Fatores de aptidão motora


Velocidade: habilidade para o percurso de distâncias no menor tempo pos-
sível. A velocidade é impactada pelo tempo de reação (chamado também
de tempo motor), que é o tempo entre o início e o término de um movi-
mento corporal. E este tempo, por sua vez, relaciona-se à velocidade das
reações neurais (tempo que o cérebro leva para responder a um estímulo).

30
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

Agilidade: habilidade de movimentar o corpo com rapidez e precisão. É fundamental para vá-
rias ações cotidianas, como, por exemplo, atravessar uma rua movimentada, correr e desviar
de obstáculos. A agilidade das crianças pode ser aprimorada com atividades que envolvam
interação com objetos, desvio de obstáculos, subir e descer de objetos e carregar objetos.
Equilíbrio: habilidade de manter a postura corporal inalterada ao trocar de posição. O equi-
líbrio é um fator elementar para a execução dos movimentos e para a estabilidade. Os estí-
mulos visuais, cinéticos, táteis e vestibulares alteram o equilíbrio. Quando a criança apre-
senta continuamente problemas de equilíbrio, isso pode indicar alguma disfunção – oriente
os pais para um acompanhamento médico.
Coordenação: habilidade de reunir simultaneamente as ações de diferentes sistemas moto-
res (por exemplo, encostar o dedo polegar no indicador, mexer o braço e a perna ao mesmo
tempo). A coordenação vai aprimorando-se à medida que aumenta o grau de dificuldade das
tarefas executadas. Ou seja, quanto mais elaborado for o movimento executado, maior é o
nível de coordenação exigido. O equilíbrio, a velocidade e a agilidade são elementos relacio-
nados à coordenação. As crianças desenvolvem sua coordenação com movimentos sequen-
ciais, ritmados e simultâneos. Existem a coordenação fina (demonstrada em movimentos
de pouca amplitude, como escrever, desenhar, recortar, encostar os dedos ao ritmo de uma
música) e a coordenação ampla (engloba movimentos corporais mais amplos, como dançar,
bater palmas, jogar futebol).
Energia (ou força explosiva): habilidade de desempenho de um esforço físico e muscular
máximo, no menor tempo possível. Ela envolve a força, a velocidade e a coordenação dos
músculos. A criança desenvolve essa habilidade com práticas físicas como jogar, pular, bater,
rebater, arremessar etc.
A atividade física é sempre recomendada para o desenvolvimento integral da criança. Porém, não
vamos confundir atividade física com atividade formal e regrada. O desenvolvimento motor da criança
ocorre em função das práticas corporais usuais da infância, como brincar na pracinha, caminhar e jogar.

Hoje, nosso texto em destaque aborda as habilidades motoras estudadas até o momento sob
o ponto de vista prático. A autora, Gloria Medrano Mir, fornece-nos dicas muito interessantes sobre
como trabalhar estas habilidades na Educação Infantil.
O texto a seguir é um trecho do artigo “A criança e seu crescimento: aspectos motores, intelec-
tuais, afetivos e sociais”, extraído de Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização
escolar (Artmed, 2004, p. 33-52), de Arribas e colaboradores.

Aquisições-chave do desenvolvimento motor


Segundo McGraw, na atividade motora podem se diferenciar:
Um primeiro momento de atividade motora difusa e generalizada, que corresponde aos
primeiros meses da existência. A atividade está sob a orientação dos centros subcorticais.
A criança se move sem que seus movimentos respondam a um comportamento intencio-
nal, sem um objetivo concreto.

31
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

A partir do quarto mês, inicia-se a atividade motora coordenada, dado que já se põe em
marcha a intervenção da influência diretiva e inibidora do córtex cerebral. Por exemplo,
os movimentos de abrir e fechar as mãos, na criança, já não têm o caráter mecânico e
automático, mas mostram uma tentativa de utilização instrumental, embora sua eficácia
ainda não seja muito boa.
Até o final do primeiro ano, a participação ativa do córtex permite que a atividade motora
tenha coordenação suficiente para possibilitar atividades de manipulação e deslocamento
com uma eficácia adaptativa significativa. A criança é capaz de engatinhar, às vezes an-
dar, segurar objetos, pô-los e tirá-los de determinados recipientes.
Em torno dos dois anos, a atividade cortical alcança níveis de funcionamento conside-
ráveis e a criança já dispõe de seus mecanismos perceptivo-motores em possibilidades
de utilização plena. A precisão, a desenvoltura, a eficácia e a flexibilidade com que os
utiliza dependerá da influência ambiental e das oportunidades que seu meio lhe tenha
proporcionado para deslocar-se, manipular... Já é capaz de correr, subir e descer escadas,
por exemplo.

Desenvolvimento postural
Dentro desse item podemos distinguir:
sustentação da cabeça;
posição sentado;
posição de pé.

Sustentação da cabeça
Para analisar o avanço progressivo no desenvolvimento infantil em relação a esse aspecto,
apresentam-se três posturas como ponto de partida para a observação:
quando o tronco do bebê está em posição vertical porque ele se encontra nos braços de
um adulto;
posição prono, isto é, deitado de barriga, com a boca voltada para baixo;
posição supino, deitado de costas, com a boca voltada para cima.
a) Posição vertical: mantém a cabeça durante um período muito curto entre o final do pri-
meiro mês e o segundo. A partir dos três meses, mantém-se ereta, em hiperextensão.
b) Posição prono: até o final do primeiro mês, ergue ligeiramente a cabeça. Aos três ou qua-
tro meses, com os braços estendidos para a frente e utilizando-os como apoio, mantém a
cabeça em hiperextensão.
c) Posição supino: os movimentos iniciais de separação da cabeça da base de sustentação
aparecem até os quatro ou cinco meses. Embora se estenda os braços, sustentando-o com
uma tração suave, o bebê já é capaz de manter a cabeça por volta dos dois meses.

Posição sentado
Aos cinco meses, senta-se por pouco tempo e com uma pequena ajuda. Aos seis, por bastante
tempo, mas com apoio. Aos sete, mantém-se sentado sem ajuda. Aos oito meses, é capaz de passar
da posição deitado à de sentado sozinho e manter-se sentado.
32
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

Posição de pé
Aos nove meses, é capaz de manter-se de pé com apoio. Aos dez meses, fica de pé sozinho.
Há uma grande variabilidade individual, especialmente devido à influência ambiental.
É importante que a circunstância ambiental ofereça à criança a oportunidade de utilizar suas
possibilidades motoras sem forçá-las.
Assim, em casa ou nas turmas das escolas infantis, deve-se procurar que a criança disponha
de espaço suficiente para seus deslocamentos. Desse modo, se tem apenas condições de engati-
nhar, se deslocará dessa forma. Se já está em condições de ficar de pé, procurará o ponto de apoio
que lhe permita fazê-lo. Permanecendo tempo demais no “cercado”, a criança ficará de pé talvez
antes do que seja oportuno, visto que não tem apoio suficiente para deslocar-se engatinhando. Seu
desejo de movimento a “empurrará” à busca da vertical.
Nesta, assim como em todas as aprendizagens que a criança deve realizar, é muito importante
dar-lhe o oportunidade de experimentar e vivenciar, sem forçar a aquisição. As escolas infantis
devem, entre uma de suas tarefas fundamentais, criar ambientes enriquecidos que proporcionem
a maior quantidade possível de oportunidades.

Formas de deslocamento anteriores à marcha


As crianças utilizam diversas formas de deslocamento antes de chegar à posição bípede e ao
domínio da marcha.
Primeiro arrastam-se sobre a barriga, dando impulso com os braços e as pernas, em um mo-
vimento de reptação, para depois, em torno dos oito ou nove meses, engatinhar ou deslocarem-se
sentadas com pequenos saltos, dando impulso com os braços. O passo intermediário entre en-
gatinhar e andar costuma ser caminhar como um urso, braços e pernas estendidos e mãos e pés
no chão.

Domínio da marcha
Sustentando-se com uma mão, é capaz de fazer os movimentos da marcha, para deslocar-se,
aos nove meses.
Aos 11, caminha com certa desenvoltura se tiver ajuda e entre os 12 e os 14 meses caminha
sozinha.

Manipulação
É de considerável importância, visto que está relacionada ao desenvolvimento afetivo e cog-
nitivo. Constituirá uma das condutas instrumentais básicas para a adaptação da criança ao meio e
à descoberta e estruturação do espaço.
Para que possa ser efetivada com orientação intencional e eficácia, é necessário um processo
de maturação e treinamento com relação a duas funções básicas, preensão e visão, e coordenação
entre ambas.
A preensão é, inicialmente, um contato com o objeto e ocorre em torno dos cinco meses, no
qual intervêm todos os dedos da mão.
Até os sete meses, é capaz de agarrar o objeto em uma posição chamada raio palmar, dado
que o objeto situa-se na palma da mão e todos os dedos se fecham sobre ele.
Por volta dos nove meses, a intervenção do polegar em oposição facilita a manipulação e, fi-
nalmente, o uso da pinça que o polegar forma com os diferentes dedos, de maneira particular com
o indicador, facilitará consideravelmente sua eficácia manipuladora.

33
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

Visão: o olhar fixa-se em torno da segunda e terceira semana, principalmente em relação ao


rosto da mãe ou das pessoas que cuidam dele. As mãos do bebê são objeto de interesse frequente
para o seu olhar nessas primeiras semanas.
Até os quatro meses se dá a exploração visual estática, mediante a qual percebe os objetos
que se encontram no raio de ação de seus olhos e é capaz de segui-los em seus deslocamentos.
Entre quatro e sete meses aparece a exploração visual ativa: ao mesmo tempo que olha um
objeto, inicia-se uma série de movimentos corporais que mostram uma tentativa de coordenar a
visão com a possibilidade de alcançar o objeto.
A partir dos sete meses, vai se aperfeiçoando a manipulação de objetos com o uso coordenado
de visão e preensão.
A passagem de um objeto de uma mão a outra e a possibilidade de soltar intencionalmente um
objeto e deixá-lo em um lugar determinado marcarão os alvos finais dessas aquisições motoras.
Ao longo da infância, a criança deverá adquirir o progressivo controle e o domínio de sua
capacidade de manipulação para realizar aprendizagens básicas como rasgar, cortar, desenhar,
escrever, entre outras.

Lateralidade
A base orgânica da motricidade e da percepção é constituída pelo sistema nervoso. Neste,
cada hemisfério cerebral é responsável pelo controle da atividade de uma parte do organismo. O
hemisfério esquerdo controla a atividade da parte direita do corpo e o direito, da parte esquerda.
Existe um hemisfério dominante. As pessoas cujo hemisfério dominante é o esquerdo são
destras e aquelas nas quais domina o direito são canhotas. Existem pessoas sem uma dominância
definida, que podem ser ambidestras. Parece, inclusive, que há diferenças sexuais quanto à domi-
nância hemisférica ou lateralidade: as mulheres são menos lateralizadas do que os homens.
Os estudos sobre dominância hemisférica vêm sendo realizados há bastante tempo. Há quase
cem anos os cientistas conhecem algumas das áreas responsáveis por atividades concretas em
cada hemisfério. Mas as novas técnicas de pesquisa que permitem estudar a atividade cerebral
sem recorrer a intervenções agressivas estão impulsionando fortemente este campo de pesquisa e
matizando cada vez mais os dados disponíveis a respeito.
No caso dos homens destros, a linguagem, o manejo dos números, a solução de problemas
lógicos, o processamento de materiais sequenciais, entre outros, dependem fundamentalmente da
atividade do hemisfério esquerdo. O desenho, a imaginação, o gosto musical, por exemplo, depen-
dem do direito. No caso dos homens canhotos e das mulheres, a especialização não está tão defini-
da. Entretanto, ainda não há um acordo entre os pesquisadores sobre se a dominância hemisférica
funciona também de maneira especializada com relação às emoções. Apesar da especialização, os
dois hemisférios atuam de maneira conjunta e complementar.
Também parece que as pessoas têm estilos hemisféricos, isto é, dão preferência a um ou a ou-
tro hemisfério em suas atuações. As analíticas e verbais parecem preferir o hemisfério dominante
e as intuitivas e globais, o hemisfério menor.
Importa conhecer a realidade da diferença hemisférica e da lateralidade para atuar adequa-
damente com as crianças, especialmente nas primeiras etapas da vida. É necessário respeitar a
lateralidade infantil. Deve-se observar as preferências da criança nesse sentido.
Como nas primeiras etapas da escola infantil é possível que algumas crianças não tenham
ainda definida sua lateralidade, convém preparar o acesso aos diversos materiais: massa de mode-
lar, tesoura, ou outros, de maneira neutra, ou seja, situá-los diante do eixo central de seu corpo.

34
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

Também é importante estar atento ao efeito de espelho da atividade da professora com re-
lação à criança e à influência de alguns colegas líderes que podem levá-la a imitar sua atividade.
Quando isso acontece, geralmente se corre o risco de criar falsos canhotos. Em épocas anterio-
res, forçava-se a utilização da mão direita. Em nossa época, tem-se muito clara a necessidade de
respeitar a lateralidade pessoal, mas teme-se, sobretudo, contrariar os canhotos e esquece-se que,
particularmente na escola infantil, podem surgir, por imitação, esses falsos canhotos.

A criança da atualidade
Na Educação Infantil, as crianças são o foco, a razão, a motivação, a causa
e o efeito de nosso trabalho. Por isso, é tão importante entendermos a criança que
faz parte da nossa realidade, reconhecendo-a em um sentido mais amplo, consi-
derando todas as nuances de seu universo.
As crianças da atualidade fazem parte de uma geração nascida em uma
época de intensa revisão de paradigmas. Na Educação, estamos reavaliando nos-
sas práticas pedagógicas e centrando o processo de aprendizagem no aluno (e não
mais no professor). No campo filosófico, revê-se o conceito de verdade (já não
existem certezas absolutas) e as relações entre homens, tempo e espaço, as quais
se encontram em plena transformação por causa do avanço tecnológico. No âm-
bito social, são adotados novos valores, comportamentos, meios de produção, de
informação e de comunicação.
Refletindo sobre esses aspectos, destacamos a relação das crianças com a
mídia. Mesmo com a crescente difusão das novas tecnologias de informação e co-
municação (computadores em rede, ferramentas digitais, realidades virtuais etc.),
a televisão ainda é a ferramenta comunicativa e informativa que mobiliza a maior
parte da população. Nas últimas décadas, a tevê foi responsável pela formação
cultural de milhares de pessoas, o que também afeta a Educação Infantil. Segundo
o professor José Manuel Moran,
A criança também é educada pela mídia, principalmente pela televisão. Aprende a in-
formar-se, a conhecer – os outros, o mundo, a si mesma –, a sentir, a fantasiar, a relaxar,
vendo, ouvindo, “tocando” as pessoas na tela, pessoas estas que lhe mostram como viver,
ser feliz e infeliz, amar e odiar. A relação com a mídia eletrônica é prazerosa – ninguém
obriga que ela ocorra; é uma relação feita através da sedução, da emoção, da exploração
sensorial, da narrativa – aprendemos vendo as histórias dos outros e as histórias que os
outros nos contam. Mesmo durante o período escolar a mídia mostra o mundo de outra
forma – mais fácil, agradável, compacta – sem precisar fazer esforço. Ela fala do coti-
diano, dos sentimentos, das novidades. A mídia continua educando como contraponto à
educação convencional, educa enquanto estamos entretidos. (MORAN, s.d.)

Das crianças que reproduziam pequenos adultos antigamente, hoje convive-


mos com crianças ativas e críticas, capazes de lidar com uma enorme quantidade
de informação – algo nunca sonhado pelas gerações anteriores. São meninos e
meninas que dominam os controles remotos e deslizam seus dedinhos sobre bo-
tões com maestria e coordenação inigualáveis. Elas já não se contentam em ser
meros espectadores sociais e cumpridores de ordens. Desde muito cedo, apresen-
tam uma postura ativa e seus questionamentos são cada vez mais constantes nas
salas de aula, desde o jardim de infância.
35
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

As crianças da atualidade são bem diferentes daquelas do passado. Em menos de dez anos, por
exemplo, elas mudaram seu comportamento em função do advento do uso do computador em casa e
na escola. Desse modo, ampliaram-se os objetos e meios para suas interações. Elas fazem suas pes-
quisas, contam com acesso a todo o tipo de informação e constroem conhecimentos a partir de seus
próprios interesses.
A criança já não compartimenta os conhecimentos em áreas estanques, nem atua de forma linear
com os conteúdos. Demonstra-se um ser complexo e multifacetado, com grande facilidade de relacio-
namento com seus semelhantes e com a tecnologia. Exige o seu lugar de agente na sociedade e, conse-
quentemente, requer uma nova postura dos pais, da escola e de seus educadores. Lembramos que
As crianças, e as crianças dentro de nós, preferem aprender pela excitação da descoberta e da participação [...]
os alunos aprendem da mesma maneira, por métodos tecnológicos menos sofisticados [...] a tecnologia por si não
acelera automaticamente o processo de aprendizagem por mais futurista que pareça. (DERTOUZOS, 1998)

Os educadores precisam se adequar ao novo contexto social, reconhecendo sua própria expe-
riência, sua capacidade de atuação e sua necessidade de mudança. Afinal, eles planejam atividades
pedagógicas embasados nessa avaliação. Para saber o que realmente motiva uma criança da atuali-
dade, devemos ingressar em seu universo, evitando os erros de julgamento e o distanciamento dos
conteúdos e das práticas de real interesse dos alunos. Também é preciso estar atento para não utilizar
como referencial um modelo de infância ultrapassado, nem propor práticas defasadas, antigas, quase
folclóricas em termos pedagógicos.
Mas como fazer isso? Como imergir nesse universo infantil e entender o que se passa na mente
de crianças tão diferentes das que fomos?
Com certeza, a resposta para essa pergunta está no ato de escutar as crianças. Escutá-las com
um ouvido atento e desarmado, sem usar o papel de educador como uma forma de dominação ou
imposição de ideias. Isso significa facilitar ao invés de dirigir, mediar ao invés de mandar, e prestar
atenção a tudo que se passa ao seu redor, de maneira aberta e madura.

Nosso pensamento de hoje homenageia um profissional brilhante, tão cheio de histórias enri-
quecedoras para contar: o professor Celso Antunes. No texto a seguir, ele aborda a importância da
Educação Física escolar, do corpo e do movimento no desenvolvimento integral do ser humano, tra-
çando um paralelo entre os atuais hábitos das pessoas e os defasados hábitos da escola.
O texto “A praça e a escola” foi extraído de Viagens ao Redor de uma Sala de Aula (livro técnico,
2003, p. 34-37), de Antunes.

A praça e a escola
A Educação Física, muitas vezes, é a mais desrespeitada entre as disciplinas escolares. Olha-
da como irmã enjeitada, o espaço de sua aula é invadido sem a menor cerimônia por qualquer
um a qualquer horário. Mas, será que uma parte desse descaso não cabe aos professores que se
aceitam submeter a um currículo antiquado que visa mais aos músculos que à mente?

36
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

Uma das mais significativas mudanças comportamentais entre os tempos de agora e a manei-
ra como se encarava o corpo humano e a saúde há cerca de 30 ou 40 anos pode ser percebida em
qualquer lugar. O hábito de correr, movimentar-se, fazer musculação, andar de bicicleta e princi-
palmente caminhar, que representava atitude exótica de alguns poucos, transformou-se em ver-
dadeira febre, incontestável paixão nacional. Não existe município brasileiro, por menor que seja,
no qual não se depare logo cedo ou ao entardecer com pessoas de todas as idades caminhando,
exercitando-se, “malhando” enfim. A ideologia desse movimento cresceu de tal forma a ponto de
transformar-se em verdadeiro valor, e os que ainda resistem a essa ação não o fazem sem um certo
sentimento de culpa. E é bom que assim seja. Sabemos hoje que reconectar a mente com o corpo é
essencial para a qualidade de vida e que buscar boa saúde corporal e mental passa necessariamen-
te pela atividade física. Pena que essas ideias da praça ainda não tenham chegado às escolas!
Nas escolas vigora com intensidade a visão convencional da aprendizagem, centrada no
estímulo e aplauso para os saberes lingüísticos, lógico-matemáticos ou eventualmente naturalistas.
A Educação Física está no currículo, mas poucas vezes valorizada pelo significado de sua imensa
dimensão. As aulas são vistas pelos demais como pausa no aprender, o sucesso do aluno em
seus desafios raramente são conectados à visão de progresso que se busca, e a “sala de aula” do
professor de Educação Física é invadida quase sem cerimônia e a todo instante pelos alunos de
outras séries, professores distraídos ou, quando não, pelos inspetores de alunos ou seguranças em
atividade ou até mesmo cachorros vadios à cata da preguiça. Talvez o involuntário responsável
pela contradição entre a praça e a escola seja mesmo Descartes, que, ao separar a alma do corpo,
criou duas realidades para a escola: a essencial, que combinava a mente com a alma, e a supérflua,
que via o corpo como máquina muscular. Devido a essa concepção, a educação não se volta para
ensinar a saúde do corpo e a validade dos sentimentos, quando muito admite que aquela necessita
de eventual descanso e estes de controle, ainda que sem plena compreensão disso.
Essa visão de educação se pode mudar?
É evidente que pode e, mais ainda, que deve ser mudada. O que hoje se sabe sobre o cérebro,
o corpo e o movimento impõe se rasgue literalmente a maior parte dos programas de Educação
Física vigentes, centrados na construção dos músculos e se produza outro que pense o desenvolvi-
mento integral da pessoa humana, incentivando tanto o crescimento intrapessoal como a valoriza-
ção do aluno inspirada na busca por um desenvolvimento integrado entre seus aspectos cognitivo
e espiritual, físico e psicológico, emocional e intelectual.
Esse novo currículo pode ser esperado inutilmente de um órgão diretivo central, emanando-
-se de Brasília para as escolas do país, ou criado pragmaticamente na própria escola por profes-
sores idealistas que se cercam de boas referências bibliográficas e não se importam em gastar
algumas horas em reflexões e reuniões. Basta para isso começar com o objetivo de considerar todo
aluno como fonte de aprendizagem integral e transformação e com o conceito de equilíbrio que
deve marcar a integração entre o corpo e a mente, cognição e emoção, entre o valor da razão e o
não menor valor da intuição.
A Educação Física poderia simbolizar nesse currículo o elo do aluno com a comunidade, com
o mundo dentro do qual necessita aprender a viver, com outras culturas que deve reverenciar e
admirar e com seu próprio corpo, que importa cada vez mais aprender a construir.

37
Desenvolvimento motor II: compreendendo o movimento infantil

Sabemos que o universo lúdico e as brincadeiras fundamentam as ações do educador infantil.


Nossa atividade propõe uma reflexão sobre o lúdico e a criança da atualidade.
Vamos trabalhar em grupos de cinco ou seis pessoas. Para realizar a tarefa, cada grupo usará
uma folha de cartolina ou um pedaço de papel kraft (pardo), um jogo de canetas hidrocor ou giz de
cera (aconselhamos este último).
Cada grupo vai fazer uma lista com dez características da criança contemporânea, consideran-
do a realidade de seus alunos. Procurem apontar os aspectos positivos em primeiro lugar. Depois, vão
desenhar essa criança ao seu modo. Ou seja, não precisa ser um desenho aprimorado ou uma repre-
sentação fiel do corpo físico – o importante é demonstrar as características levantadas.
Terminados os desenhos, os grupos apresentarão suas obras e explicarão para os demais colegas
as características apontadas em conjunto.

ANTUNES, Celso. Viagens ao Redor de uma Sala de Aula. Fortaleza: Livro Técnico, 2003.
ARRIBAS, Teresa L. et al. Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar.
5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
BRAZELTON, T. Berry; SPARROW, Joshua D. 3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento
infantil. Porto Alegre: Artmed, 2003.
DERTOUZOS, M. O que Será? Como o Novo Mundo da Informação Transformará nossa Vida?
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
FREIRE, Paulo. A Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2004.
GALLAHUE, David L.; OZMUN, John C. Compreendendo o Desenvolvimento Motor: bebês,
crianças, adolescentes e adultos. São Paulo: Phorte, 2001.
HAETINGER, Max G. Criatividade: criando arte e comportamento. 5. ed. Porto Alegre: Criar,
1998.
MIR, Gloria M. A Criança e seu Crescimento: aspectos motores, intelectuais, afetivos e sociais. In:
ARRIBAS et al. Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar. Porto Alegre:
Artmed, 2004, p. 33-52.
MORAN, José M. Ensino e Aprendizagem Inovadores com Tecnologias Audiovisuais e Telemáticas.
Disponível em: <www.vanzolini-ead.org.br/wwwescola/downloads/int01_material_de_apoio.doc.>
MORIN, Edgar. Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro. 8. ed. São Paulo: Cortez:
Unesco, 2003.
PIAGET, Jean. O Nascimento da Inteligência na Criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
______. Epistemologia Genética. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

38
Psicomotricidade
Vídeo Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

Entendendo a Psicomotricidade

N
esta disciplina visamos a um entendimento mais amplo do corpo e do movimento. Como estuda-
mos anteriormente, a aprendizagem humana é influenciada por aspectos motores, cognitivos, ex-
pressivos, afetivos e ambientais. E por isso não poderíamos deixar de falar da Psicomotricidade.
A Psicomotricidade estuda as habilidades motoras relacionadas aos fatores psicológicos e am-
bientais. Esse objeto de estudo passou a ser pesquisado na década de 1960, mas popularizou-se no
universo científico e acadêmico ao longo dos anos 1970 e 1980. Antes disso, o movimento humano
era analisado pelos pesquisadores apenas nos âmbitos físico e motor.
O desenvolvimento corporal e motor faz parte do desenvolvimento global da criança. Justamen-
te por isso, a Psicomotricidade passou a integrar o movimento aos aspectos psíquicos e sociais dos
indivíduos, dando um caráter holístico a sua abordagem e proporcionando novas descobertas para o
tratamento das dificuldades de aprendizagem. Assim, a Psicomotricidade e as práticas psicomotoras
passaram a ser valorizadas mundialmente.
A Psicomotricidade não prioriza ações motoras descontextualizadas. Considera as habilidades
e expressões corporais associadas às vivências do sujeito em determinado ambiente. Relaciona os
gestos, as atitudes, as atividades, os comportamentos e as posturas da criança.
A educação psicomotora tem grande relevância para a aprendizagem e a socialização. Também
facilita a aquisição da leitura e da escrita e o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático. Nos
primeiros anos de vida, é ainda mais importante, pois nessa fase da vida podemos perceber desvios
nas capacidades motoras da criança e evitar futuras dificuldades de aprendizagem.
A prática psicomotora respeita, então, as potencialidades de cada indivíduo e seu direito de ter um lugar na so-
ciedade. De acordo com esse marco, a criança pode se expressar por meio de uma grande variedade de canais
de comunicação, expressão e criação, entre os quais a motricidade é o principal. (SÁNCHEZ; MARTINEZ;
PEÑALVER, 2003, p. 14)

Imagem corporal
A imagem do corpo é um aspecto de destaque na relação do ser com o seu desenvolvimento
completo. É a partir da imagem corporal que reconhecemos nossa movimentação no tempo e no es-
paço, e aprendemos a lidar com objetos e pessoas que nos cercam, com o meio em que vivemos.
As relações psicomotoras contribuem com o esquema corporal, pois valorizam a percepção do
corpo, o equilíbrio, a lateralidade, a independência dos membros em sua relação com o tronco e entre
si, o controle muscular e o controle da respiração. No momento em que o indivíduo compreende e
controla seu corpo, sua consciência corporal se estrutura e ele passa a ampliar as possibilidades de
relação com o meio. 39
Psicomotricidade

Todas as experiências da criança (o prazer e a dor, o sucesso e o fracasso) são sempre vividas
corporalmente. Se acrescentarmos valores sociais que o meio dá ao corpo e a certas partes,
este corpo termina por ser investido de significações, sentimentos e de valores muito particu-
lares e absolutamente pessoais. (VAYER apud ALVES, 2003, p. 48)

O esquema corporal advém do desenvolvimento psicomotor na infância.


Wallon destaca-o como o “resultado e a condição da justa relação entre o indiví-
duo e o próprio ambiente” (apud ALVES, 2003, p. 47). Por meio de seu corpo e de
suas interações, a criança descobre o mundo, experimenta diferentes sensações e
situações e acaba conhecendo a si mesma e aos objetos e pessoas que fazem parte
de sua realidade.
Segundo Le Boulch (1988), um dos principais objetivos da Educação Psico-
motora é ajudar a criança a reconhecer seu corpo como um instrumento que serve
para ela se relacionar com seus semelhantes e com seu ambiente.

Fases do desenvolvimento psicomotor


O desenvolvimento psicomotor não deve ser analisado apenas em função da
maturação cronológica do ser mas também como um processo relacional e com-
plexo. Na infância, podemos caracterizar quatro grandes fases psicomotoras.
Primeira fase: ao nascer, o bebê já possui condições anatômicas e fisio-
lógicas de reflexos (modalidades assimiladoras). Mas para manifestá-los
ele precisa de um meio estimulador que provoque suas reações. Nesta
fase, destaca-se a organização da estrutura motora e da percepção.
Segunda fase: esse é um período de aperfeiçoamento das relações espa-
ciais e temporais. O ser desenvolve novas possibilidades de movimenta-
ção espacial, conhecimento e relacionamento social. A principal caracte-
rística dessa fase é a organização do plano motor.
Terceira fase: o desenvolvimento motor fica mais evidente, pois a crian-
ça começa a automatizar suas aquisições motoras e seus movimentos
tornam-se mais fluentes.
Quarta fase: essa é uma etapa de transição no desenvolvimento psico-
motor, passando de um estágio global para um estágio de diferenciação
e análise. É quando se aperfeiçoam as habilidades motoras. A criança
chega a essa fase a partir dos cinco anos (aproximadamente).
O desenvolvimento psicomotor revela a relação da criança com seu corpo e
o mundo à sua volta, não apenas o mundo físico mas também o universo das sen-
sações e significações, ampliando progressivamente sua percepção do ambiente,
dos objetos e dos seres com os quais interage.
No âmbito educacional, o trabalho psicomotor assume funções específicas.
Vitor da Fonseca (2003, p. 12) define algumas finalidades da Psicomotricidade na
Educação:
mobilizar e reorganizar as funções psíquicas emocionais e relacionais do
indivíduo em toda a sua dimensão experiencial, desde bebê até a velhice;

40
Psicomotricidade

aperfeiçoar a conduta consciente e o ato mental (input, elaboração e output) em que emerge
a elaboração e a execução do ato motor;
elevar as sensações e as percepções a níveis de conscientização, simbolização e conceituali-
zação (da ação aos símbolos e vice-versa, passando pela verbalização);
harmonizar e maximizar o potencial motor, afetivo-relacional e cognitivo, ou seja, o de-
senvolvimento global da personalidade, a capacidade de adaptação social e a modificação
estrutural do processamento da informação do indivíduo;
fazer do corpo uma síntese integradora da personalidade, reformulando a harmonia e o equi-
líbrio das relações entre a esfera do psíquico e a esfera do motor, por meio do qual a consci-
ência, aqui encarada como dado imediato e intuitivo do corpo, edifica-se e manifesta-se, com
a finalidade de promover a adaptação a novas situações.

Nesta unidade, indicamos um texto da professora Fátima Alves que ressalta os pensamentos de
Arnold Gesell sobre o desenvolvimento perceptivo e motor da criança, desde seu nascimento.
O trecho aqui apresentado foi extraído de Psicomotricidade: corpo, ação e emoção (Wak Edito-
ra, 2003, p. 27-30).

Desenvolvimento perceptivo e motor segundo Arnold Gesell


Até a quarta semana
Durante a vigília, o bebê apresenta uma atitude denominada de reflexo tônico-cervical, que
caracteriza por extensão do braço para onde está voltada a cabeça e flexão do outro braço.
Às vezes, o bebê apresenta reações bruscas levantando momentaneamente a cabeça. Algu-
mas vezes, pode mover os braços, mais ou menos simetricamente, porém a atitude assimétrica do
reflexo tônico-cervical é a base da maior parte de sua postura.
Visão
Permanece com a vista imóvel durante longos períodos. É capaz de acompanhar um estímulo
colocado em seu campo visual com um movimento combinado de olhos e cabeça. A apreensão
ocular precede a preensão manual.
Atividade manual
A preensão manual pode ser observada pelo toque da mão com um objeto; a atividade do
braço aumenta e a mão se fecha e se abre.

Até 16 semanas
A reação tônico-cervical começa a perder sua preponderância. A cabeça ocupa com maior
frequência a linha média. A musculatura do tronco vai se organizando; senta-se com apoio e le-
vanta a cabeça.
Visão
O desenvolvimento crescente de redes neuronais permite uma maior atuação da musculatura
ocular. É capaz de olhar um objeto colocado em seu redor; olha preferencialmente para as suas
mãos como, também, para as do adulto.

41
Psicomotricidade

Atividade manual
É capaz de tocar o objeto. Ante o estímulo visual, sua mão livre se aproxima do objeto como
se estivesse também envolvida na manipulação.

Até 28 semanas
Aperfeiçoamento da posição sentada. Somente necessita de um pequeno apoio dos braços da
cadeira ou do adulto.
Visão
A acomodação ocular é mais avançada que a manual. Segura uma bolinha que rola, mas
quando a quer apanhar coloca a mão levemente sobre ela e não consegue pegá-la. Olhos e mãos
funcionam em estreita relação, reforçando-se e guiando-se mutuamente.
Atividade manual
A criança inclina-se para o objeto, segurando-o com um movimento de preensão de toda a
mão, com o lado radial, que prepara a oposição do polegar.

Até 40 semanas
As pernas já sustentam o peso do corpo, mas ainda necessita de apoio. Domina o equilíbrio
na posição sentada.
Visão
Manifesta grande interesse tátil e visual pelos detalhes.
Atividade manual
É capaz de pegar uma bolinha em movimento de pinça, de tipo inferior.

Com um ano
Engatinha com grande agilidade, podendo fazê-lo de joelhos ou na planta dos pés. Pode
erguer-se e parar sem ajuda, mas ainda é falho o seu equilíbrio estático.

Com 18 meses
Caminha com maior facilidade e desenvoltura. Sobe uma cadeira, sobe escada com auxílio,
para descer o faz só, engatinhando ou sentando-se a cada degrau. Pode caminhar arrastando um
brinquedo de rodas (coordenação entre as condutas posturais e manuais).
Percepção
Alguns comportamentos já demonstram uma discriminação de espaço e forma. Sonda a ter-
ceira dimensão com o dedo indicador ou um objeto, isto é, introduzindo objetos em espaços. O
sentido da verticalidade é presente, já empilha dois ou três cubos.
Preensão
Seu “soltar” é exagerado, o que dificulta a manipulação de elementos consecutivos. É capaz
de arremessar uma bola. O cotovelo é mais livre, o que permite virar folhas de um livro, de duas
a três de uma só vez.

Com dois anos


Maior flexibilidade dos joelhos e calcanhar permite um equilíbrio superior. Pode andar mais
rapidamente sem perder o equilíbrio, mas não pode correr, efetuar voltas rápidas ou parar brus-
camente.

42
Psicomotricidade

Percepção
Pode-se, nessa ocasião, observar a estreita interdependência entre o desenvolvimento mental
e o motor. A criança parece pensar com seus músculos. Interpreta motoramente o que vê e ouve.
Preensão
Vira as páginas de um livro uma a uma. Constrói torre de seis cubos, corta com a tesoura,
enfia contas com uma agulha.

Com três anos


Gosta de atividade motora ampla, mas pode permanecer em uma brincadeira sentada por um
período maior. Demonstra uma maior capacidade de inibir e delimitar movimentos. Pode cons-
truir torres de até dez cubos.
Maior domínio da direção vertical, mas ainda grande inabilidade nos planos oblíquos.
Pode dobrar um papel ao largo e ao comprido, mas não o faz na diagonal, mesmo com
molde.
Maior coordenação na marcha e corrida, aumentando ou diminuindo a velocidade, dando
voltas ou parando, com maior facilidade.
Sobe escadas, alternando os pés; salta do último degrau com os dois pés. Salta com os
dois pés de uma altura de 30 centímetros. Pedala velocípede.

Com quatro anos


Pode manter-se sobre um pé durante segundos e aos seis é capaz de saltar em um só pé. Percebe-se
uma maior independência da musculatura das pernas e dos membros superiores. A criança já abotoa
roupas sozinha, dá laços em cordões de sapatos, além de outras atividades simples e habituais.

A dimensão multidisciplinar da Psicomotricidade


A Psicomotricidade está diretamente ligada ao desenvolvimento integral do ser, pois estuda o
movimento humano associado ao ambiente, à cognição, à emoção e às significações. Enfim, relaciona
cada movimento com o seu contexto. Por isso, é uma área de estudo multidisciplinar.
Quando pensamos em mediar as experiências de nossos educandos, devemos observar as múlti-
plas dimensões existentes em cada expressão, gesto, ato, movimento, em cada interação social, assim
abarcando o indivíduo de modo global:
Corpo + Mente + Movimento + Expressão + Afetividade
Essas múltiplas dimensões devem ser valorizadas nos ambientes escolares. Cabe ao educador
infantil promover a Educação Psicomotora (voltada ao movimento contextualizado) para colaborar
no desenvolvimento integral de seus alunos. Um bom trabalho nesse sentido facilitará futuramente a
aquisição das habilidades de leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático, e a formação de adultos
socialmente integrados, com boa autoestima e boa autoimagem.
A aquisição da escrita, por exemplo, começa quando a criança tem suficiente domínio motor
para segurar o lápis, coordenar a relação visomotora entre o lápis, o papel e as linhas e controlar as
relações de força e velocidade. Ou seja, a escrita é um aprendizado motor.

43
Psicomotricidade

A percepção espacial e a representação mental necessárias à escrita e à


leitura estão associadas à Psicomotricidade. Esses aspectos são responsáveis pela
visualização e a fixação de formas. As letras e os números escritos correspondem
a formas (ou símbolos) que visualizamos (imagem dos caracteres) e aos quais atri-
buímos significações (oriundas do plano social e individual).
A lateralidade também influencia a aquisição da leitura. Nas línguas oci-
dentais, por exemplo, lemos as palavras e frases da esquerda para a direita. O
texto pode ser visualizado de cima para baixo e vice-versa. Em função disso, o
desenvolvimento motor é muito importante na fluência da leitura.
A respeito das habilidades lógico-matemáticas, sabemos que a criança desde
cedo reproduz e cria imagens por meio de seus desenhos ou com o próprio corpo,
seja imitando animais e pessoas ou desenhando formas geométricas básicas. Sua
noção espacial (adquirida em virtude de seus movimentos e pela manipulação de
objetos) aprimora sua percepção. As relações psicomotoras infantis favorecem a
passagem da percepção à representação (sendo esta mais complexa, pois abrange
noções espaciais e temporais).
Todo educador infantil deve promover o desenvolvimento psicomotor de
seus educandos. Isso significa estabelecer uma prática escolar voltada para o mo-
vimento, os jogos e brincadeiras, a socialização e a afetividade, sempre adequada
às necessidades específicas de cada aluno para que ele sinta a segurança emocio-
nal necessária ao seu desenvolvimento.
Para que a escola possa criar esse clima, principalmente na etapa da educação infantil, é
necessário (e queremos insistir nisso) que os profissionais que nela trabalham sejam re-
ceptivos ao momento maturativo e psicoafetivo da criança. Essa capacidade de acolhida
requer uma formação que contemple a observação, a reflexão e a compreensão das neces-
sidades afetivas e dos comportamentos emocionais dos alunos, fundamentados nos prin-
cípios que sustentam a formação de adultos na prática psicomotora. A criança descobrirá
no educador formado nessa prática um adulto com disponibilidade para escutar e acolher
suas manifestações emocionais, aceitando-as, contendo-as e fazendo-as evoluir através de
sua tecnicidade. (SÁNCHEZ; MARTINEZ; PEÑALVER, 2003, p. 13)

Sedentarismo e incapacidade motora


Quando falamos em Psicomotricidade, outra questão que vem à tona é
a incapacidade motora, ou seja, a negação ou impossibilidade de movimento. O mo-
vimento faz parte da natureza humana. Andar, correr, pular, mexer os braços, as per-
nas, manipular objetos, escrever – enfim, atuar com o corpo é uma ação cotidiana.
Inclusive, o movimento vai muito além de nossas ações externas. A respira-
ção, o batimento cardíaco e a corrente sangüínea também envolvem movimentos
e ritmo. Do ponto de vista holístico, podemos considerar esses aspectos como o
ritmo vital do ser (o biorritmo).
Para se desenvolver integralmente, o homem precisa trabalhar com seu cor-
po, usá-lo como um instrumento de experimentação, vivência, descoberta, per-
cepção e relação com o mundo. A atividade motora deve estar presente ao longo
de toda a vida, desde a infância e a juventude, quando estamos cheios de energia,
até a terceira idade.
44
Psicomotricidade

Entender a importância do movimento é também ter consciência dos problemas causados pela
negação ou incapacidade motora. Quando não nos movimentamos, estamos contribuindo para a ocor-
rência de doenças ou sintomas como obesidade, sensações de preguiça, apatia, estresse e tristeza.
Quem opta pelo exercício das habilidades motoras se torna uma pessoa mais disposta e ativa.
As atividades físicas e desportivas sistemáticas são de grande importância para desenvolver as
relações do homem com seu corpo e seus movimentos. Por meio delas, ele constrói sua consciência
corporal, isto é, a forma como visualiza seu corpo e, consequentemente, o modo como percebe suas
habilidades e limitações.
O atual avanço tecnológico gera um modelo de vida sedentária. Controles remotos, computa-
dores, carros e máquinas automatizadas, entre tantos outros objetos, favorecem as posturas corporais
estáticas. Muitas vezes, as pessoas preferem ficar sentadas do que praticar esportes, jogar, correr e
caminhar. Acostumadas ao conforto, até mesmo as caminhadas curtas (uma ou duas quadras) torna-
ram-se saídas de carro.
Nesse contexto, o sedentarismo parece um mal comportamental, mas assume proporções complica-
doras para a saúde dos indivíduos. Os maiores problemas causados nesse sentido surgem pela associação
entre sedentarismo e hábitos alimentares desregulados e pouco saudáveis (refeições não balanceadas).
Diferente do sedentarismo, a incapacidade motora é definida por patologias ou limitações físicas
que causam a impossibilidade de vivências específicas. Em algumas pessoas, essas limitações não se
referem apenas aos aspectos físicos mas também propiciam desânimo, rancor, irritabilidade e inveja,
entre outros sentimentos. Já em outros indivíduos, a incapacidade motora leva-os a uma superação
extrema na busca de uma autoimagem positiva. Com tal esforço, eles conseguem ter um lugar em uma
sociedade que muito exclui essas pessoas.
A autoestima está relacionada às habilidades motoras. Ao se movimentar, o homem conhece
melhor a si mesmo, transgride seus limites, estipula e alcança objetivos e obtém prazer. Nossa socie-
dade tende a aceitar os indivíduos que se movimentam e se exercitam, pois isso demonstra que eles
podem ser socialmente produtivos.
Todos os aspectos aqui abordados servem para refletirmos sobre a função da escola na promo-
ção de um desenvolvimento integral dos educandos, abrangendo os fatores físicos, motores, cogniti-
vos e afetivos. Formar pessoas com autoestima positiva, e saudáveis em todos os sentidos, é também
um dever dos educadores infantis. Sendo assim, procure sempre desenvolver práticas pedagógicas
que trabalhem a Psicomotricidade e, além disso, inclua noções de saúde preventiva, alimentação sau-
dável, hábitos de higiene e práticas físicas.

Apresentamos agora um escrito do educador e psicólogo Eduardo Simonini Lopes, que demonstra
grande interesse e preocupação com a construção de um ambiente escolar que valorize a diversidade.
Este trecho foi extraído da apostila do curso “A vez do mestre a distância”, de Simonini, pela
Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 1999.

Ah! A cada passo uma incerteza. A cada momento um medo, uma confusão.
Mas que cada um construa sua própria embarcação.
O mar é sempre igual aos olhos dos que comungam a mesma percepção.
45
Psicomotricidade

Mas ele é muito mais amplo, profundo e surpreendente do que se pode imaginar...
A percepção do oceano é mutante para quem se atreve a navegar.
Mas use modelos apenas como referência para o seu barco...
Mas construa sua própria nau sem medo de ela não ser igual...
Igual à estética das outras embarcações.
A diferença tem todo o direito de navegar.
Cada um de nós tem amplo direito de possuir seu próprio meio de expressar.
O barco da diferença corta o oceano...
Podendo reinventar o próprio mar.

Teremos um trabalho em grupo bem lúdico e agradável. Para realizar a tarefa, reúnam-se em
grupos de cinco ou seis integrantes e discutam as questões.

1. Como estamos trabalhando nosso próprio corpo no dia a dia?

2. Como temos colaborado para o desenvolvimento psicomotor de nossos alunos?


Depois de conversar sobre essas questões, façam um cartaz (com papel kraft ou cartolina e giz
de cera) sintetizando as ideias levantadas. Explorem sua criatividade – incluam desenhos, figuras e
outros elementos que lhes pareçam interessantes!
A seguir, todos os grupos apresentarão seus cartazes e suas ideias aos demais colegas.

ALVES, Fátima. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Wak, 2003.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed,
2004.
GALLAHUE, David L.; OZMUN, John C. Compreendendo o Desenvolvimento Motor: bebês,
crianças, adolescentes e adultos. São Paulo: Phorte, 2001.
LE BOULCH, Jean. Educação Psicomotora: a psicocinética na idade escolar. 2. ed. Porto Alegre:
Artmed, 1988.
MARTIN, Miguel C.; JÁUREGUI, Maria V. G.; LÓPEZ, Maria L. S. Incapacidade Motora: orien-
tações para adaptar a escola. Porto Alegre: Artmed, 2004.
SÁNCHEZ, Pilar A.; MARTINEZ, Marta R.; PEÑALVER, Iolanda V. A Psicomotricidade na Edu-
cação Infantil: uma prática preventiva e educativa. Porto Alegre: Artmed, 2003.
46
As atividades motoras
e o desenvolvimento
das múltiplas inteligências
Vídeo
Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

As múltiplas inteligências e o movimento

F
oi na Grécia Antiga que o homem começou a cultuar o corpo e a mente. A civilização grega
preocupava-se em ocupar o tempo e o espaço de forma graciosa e inteligente. Por isso, buscou
desenvolver a forma física, o equilíbrio, a simetria e os diferentes aspectos da inteligência. As
artes, as ciências e os esportes foram manifestações que confirmaram esse desejo de harmonia entre
o corpo e a mente.
Alguns séculos mais tarde, os romanos retomaram essas preocupações e manifestaram a cultura
da “mente sadia em um corpo sadio”: não basta sermos apenas inteligentes ou dotados de boa forma
e coordenação física – é preciso conjugar as habilidades do corpo e da mente.
Isso nos faz pensar sobre as relações existentes entre as inteligências humanas e o desenvolvi-
mento motor. Sabemos que o ser humano possui qualidades muito específicas, chamadas de habilida-
des, competências ou inteligências. Cada indivíduo desenvolve essas habilidades de maneira diferente,
aprimorando mais umas que outras ao longo de sua vida.
No universo escolar, também percebemos que cada aluno tem certas habilidades mais desenvol-
vidas do que outras. Vejam os exemplos.
Viu como o Roberto tem facilidade para manipular objetos?
O filho do Carlos tem um ouvido! Já sabe até tocar violão sem nunca ter estudado música.
A Cláudia tem grande desenvoltura com as palavras.
O João parece uma calculadora: faz todas as contas de cabeça.
Quando observamos essas considerações, percebemos a manifestação de diferentes tipos de
inteligência. Essas distintas capacidades de aprendizagem são caracterizadas por Howard Gardner
(2002) como inteligências múltiplas. Esse autor define sete tipos de inteligência que são usados para a
realização de ações específicas. Vejamos quais são elas no diagrama apresentado a seguir.

47
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

(GARDNER apud FONSECA, 2004, p. 27)


Apesar de ter caracterizado essas sete inteligências, Gardner destaca que
podem existir muitos outros tipos ainda não estudados. O autor também reitera
que não podemos encará-las como entidades isoladas: é preciso considerar o con-
junto das inteligências de um indivíduo e observar como umas se sobrepõem às
outras em função das vivências experimentadas.
A inteligência quinestésico-corporal (cinestésico-corporal ou simplesmente
corporal), identificada no diagrama de Gardner, fundamenta-se nas relações entre
o corpo e o movimento. Ela é requerida para a realização de tarefas que conju-
gam habilidades motoras e corporais. Um bailarino ou um atleta, por exemplo,
são indivíduos com a inteligência cinestésico-corporal altamente desenvolvida.
Também um cirurgião e um piloto de automóveis precisam da inteligência corpo-
ral para, respectivamente, manusear com habilidade os instrumentos cirúrgicos e
dirigir um veículo.
Para ampliar essa perspectiva de Gardner, apresentamos um importante
conceito do cientista e educador Sternberg (apud FONSECA, 2004), relacionado à
Psicomotricidade. Sternberg destaca a motricidade humana como a base das rela-
ções psicomotoras e do indivíduo com o seu contexto. Também define um inten-
so intercâmbio entre a subteoria multicomponencial (que corresponde ao mundo
interior do homem), a subteoria multiexperiencial (socialização e vivências) e a
subteoria multicontextual (o contexto em que o homem está inserido), conforme
o quadro a seguir.

48
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

(FONSECA, 2004, p. 29)


Frente a esses argumentos, entendemos que a escola deve enfatizar o desenvolvimento psico-
motor de seus alunos. A fala, a escrita, as relações sociais e o deslocamento do corpo e de objetos no
espaço são fatores que dependem de uma educação motora continuada.
Nesse sentido, o educador infantil precisa qualificar-se para lidar com o desenvolvimento psi-
comotor e propor aos alunos um trabalho corporal e motor de forma consciente e fundamentada em
parâmetros científicos. Isso porque “A psicomotricidade na sua essência não é só a chave da sobre-
vivência, como se observa no animal e na espécie humana, mas é, igualmente, a chave da criação
cultural. Em síntese, é a primeira e a última manifestação da inteligência” (FONSECA, 2004, p. 25).

Hoje, destacamos um artigo da professora Tânia Ramos Fortuna. O seu texto ressalta o jogo e
o brincar como atividades que contribuem para o desenvolvimento motor e, consequentemente, para
as inteligências humanas.
Selecionamos a seguir alguns trechos do artigo “O jogo”, publicado por Tânia Fortuna em Te-
mas da Educação II: livro das jornadas 2003 (Futuro Congressos e Eventos, 2003, p. 397-406).

O jogo
Diz Kishimoto que brincadeira é a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras
do jogo, ao mergulhar na ação lúdica, é o lúdico em ação. Já o brinquedo supõe uma relação íntima
com a criança e uma indeterminação quanto ao uso, portanto sem regras fixas; sendo suporte da
brincadeira, pode ser entendida segundo a dimensão material, cultural ou técnica. O jogo, por sua

49
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

vez, inclui uma intenção lúdica do jogador e caracteriza-se pela não literalidade (por exemplo, urso
não é, literalmente, o filho, mas é “como se” fosse), efeito positivo (alegria, prazer), flexibilidade
(ensaio de novas ideias e combinações mais do que em atividades, não recreativas), prioridade do
processo (mais importante do que os efeitos dos resultados do jogo é o fato de estar jogando), livre
escolha (adesão livre espontaneamente à proposta) e controle interno (são os próprios jogadores que
determinam o desenvolvimento dos acontecimentos). Apesar de não dizermos “brincar de cartas” ou
xadrez e sim jogar cartas ou xadrez, tampouco falarmos “jogar de pegar” ou boneca, e sim brincar de
pegar ou boneca, essa caracterização do jogo bem pode ser atribuída à brincadeira, pois em ambas
as situações percebemos uma ação livre, improdutiva, imprevisível, simbólica, regulamentada e bem
definida em termos de espaço e tempo de realização, como identificou Caillois a atividade lúdica.
[...] Como se joga? Vários autores tentaram estabelecer uma “tipologia do jogo”, da qual ex-
traímos aqui algumas categorias, considerando os diferentes aspectos por eles salientados.
Para Piaget, os jogos dividem-se em jogos de exercício, simbólicos e de regras, além dos jogos
de construção, presentes ao longo do desenvolvimento. A finalidade dos jogos de exercício é o pró-
prio prazer do funcionamento. Dividem-se em sensório-motores e de exercício do pensamento. Em-
bora típicos dos primeiros 18 meses, reaparecem durante toda a infância e acham-se presentes em
muitas atividades lúdicas praticadas por adultos. Os jogos simbólicos têm como função a compen-
sação, realização de desejos e liquidação de conflitos, e expressam-se no “faz de conta” e na ficção.
São característicos da fase que vai do aparecimento da linguagem até aproximadamente os seis, sete
anos. Os jogos de regras são aqueles cuja regularidade é imposta pelo grupo, resultado da organiza-
ção coletiva das atividades lúdicas. As regras podem ser transmitidas ou espontâneas e passam de
uma condição inicial motora e individual, depois egocêntrica, de cooperação até a codificação.
Caillois, por sua vez, classifica os jogos em jogos de azar (envolvem a ideia de acaso), com-
petição (fazem intervir uma situação de competição ou de desafio contra o adversário ou para si
mesmo, em uma situação que supõe igualdade de oportunidades no começo), vertigem (preten-
dem destruir, ainda que por um instante, a estabilidade da percepção e impor à consciência uma
espécie de pânico voluptuoso) e simulacro (ou jogos dramáticos ou de ficção, em que o jogador, os
objetos ou a situação de jogo aparenta ser outra coisa do que é na realidade).
Maudry e Nekula estipulam os jogos segundo o tipo de interação que oportunizam, identi-
ficando jogos solitários, paralelos, de cooperação e de grupo. Nos jogos solitários a criança brinca
sozinha, sendo típicos do primeiro ano. Os contatos entre as crianças dessa idade são permeados
por curiosidade e explosões agressivas. Os jogos paralelos surgem em geral entre o segundo e
terceiro ano, caracterizando-se pelo fato de as crianças brincarem “lado a lado”. Os jogos de co-
operação manifestam-se nas atividades lúdicas envolvendo outras crianças de forma organizada,
com definição de papéis e, por isso, com reconhecimento e disputa da liderança. São cooperativos
porque esses papéis, muitas vezes, significam uma “participação especial” no brinquedo paralelo,
sem que haja estabilidade nessa participação. Os jogos de grupo, onde quatro ou cinco crianças já
conseguem brincar juntas, supõe objetivos comuns, são mais duradouros – podem se estender por
vários dias, repetirem-se em várias ocasiões – e não implicam somente empréstimo de brinquedos,
mas também troca de fantasias, isto é, identificação dos elementos do grupo entre si.
Já Margoulis salienta o aspecto material do brinquedo, dividindo-o em brinquedo comple-
tamente pronto, simples ou mecânico, (p. ex., carrinho, boneca), feito aos poucos (p. ex., loteria,
quebra-cabeça) e material de jogo (p. ex., argila, ligue-ligue).

50
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

Erikson vislumbra o espaço e a interação através do jogo, através de conceitos como autos-
fera (jogo consigo mesmo, no domínio do próprio corpo), microsfera (jogos solitários envolvendo
objetos) e macrosfera (jogos que implicam relações interpessoais).
Contudo, para quem brinca/joga, brinca-se por brincar, brinca-se por prazer, brinca-se por-
que de que outro modo far-se-ia amigos (e inimigos)? E para o educador, quais os efeitos dessa
tomada de consciência sobre o brincar em seu trabalho?
Em princípio todos os adultos, de algum modo e em algum momento de suas vidas, brinca-
ram. Porém muitos parecem “esquecidos” disso, mantendo divorciadas suas lembranças de brin-
cadeiras infantis da realidade escolar que protagonizam diariamente. Muito poderia ser dito sobre
essa “amnésia” e o destino do brincar infantil quando nos tornamos “gente grande”, mas aqui
basta que saibamos que para ser educador a reconciliação com essas e outras lembranças relativas
à infância é necessária, como condição e expressão de nossa capacidade de compreender os alunos
e assim intervir pedagogicamente [...]
O problema é que mesmo nas classes de Educação Infantil o brincar costuma estar ausente,
ainda que quanto maiores as crianças, menos brinquedos, espaço e horário para brincar exista nas
escolas. Quando aparece, é no pátio ou em sítios bem definidos da sala de aula, não “se misturan-
do” com as atividades denominadas escolares.
Na verdade, os adultos parecem sentir-se ameaçados pelo jogo devido à sua aleatoriedade
e aos novos possíveis que constantemente se abrem. Seu papel no brincar foge à habitual centrali-
zação onipotente e o professor não sabe o que fazer enquanto seus alunos brincam. Alguns, bem
intencionados, entendem o brincar como atividade espontânea que cumpre seus fins por si mesma.
Isso, mais a tensão decorrente da atividade lúdica, com toda a pujança de significados que vimos
acima, talvez explique por que não se envolvem com o brincar, deixando as crianças sozinhas
enquanto brincam.
Por outro lado, os brinquedos e jogos podem experimentar uma existência perversa na sala de
aula, isto é, ao mesmo tempo muito perto e muito longe. É o que se vê em salas de aula cuja visuali-
dade lúdica é excessiva, chegando ao ponto de ser invasiva, distanciando as crianças do brincar. Com
tantas ofertas de brinquedos e situações lúdicas as crianças não conseguem assimilar as propostas
aí contidas, e acabam não interagindo com esse material. Quem não recorda a caixa de papelão ou a
embalagem do brinquedo que fez mais sucesso que o próprio objeto que continha? [...]
Em linhas gerais, é necessário que o educador insira o brincar em um projeto educativo, o
que supõe intencionalidade, ou seja, ter objetivos e consciência da importância de sua ação em re-
lação ao desenvolvimento e à aprendizagem infantil. Contudo, é preciso renunciar ao controle e à
centralização e onisciência do que ocorre com as crianças em sala de aula. De um lado, o professor
deve desejar – a dimensão mais subjetiva de “ter objetivos” – e, ao mesmo tempo, deve abdicar de
seus desejos – no sentido de permitir que as crianças, tais como são na realidade, advenham, reco-
nhecendo que elas são elas mesmas, e não aquilo que ele, educador, deseja que elas sejam. Será a
ação educativa sobre o brincar infantil contraditória, paradoxal? Sim, tal como o brincar!
Na escolha e proposição de jogos, brinquedos e brincadeiras o educador coloca o seu desejo,
suas convicções e suas hipóteses acerca da infância e do brincar.
A simples oferta de certos brinquedos já é o começo do projeto educativo. O Guia dos Brin-
quedos e do Brincar (Abrinq, s.d.) sugere brinquedos em função dos aspectos do desenvolvimento
e da aprendizagem estimulados.

51
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

(Guia dos Brinquedos e do Brincar, Fundação Abrinq. Adaptado.)


Faixa etária Atividade principal Brinquedos sugeridos
Chocalhos, brinquedos para martelar e empilhar, brinquedos
Manipular objetos (atividade oral ou
flutuantes, blocos com ilustrações, brinquedos com guizo
manual)
interno.

Explorar (apertar botões e mover Móbiles, brinquedos de puxar e empurrar, quadro colorido e
alavancas) sonoro de engrenagens com botões e manivelas.
0 a 18 meses
Copos e caixar que se encaixar umas nas outras, blocos e
Encaixar objetos
argolas para empilhar.

Livros de rima, ilustrações e estribilhos, brinquedos musicais


Compreender situações
e com guizo. Telefone de brinquedo.

Cavalinho de pau, triciclos, carrinho de mão, carrinho de


Dirigir veículos
boneca

Objetos para caixa de areia (baldes, pás, formas etc.), blocos


Manipular objetos
de formas e tamanhos diferentes, bolas.

Organizar cenários para as Caixa de areia, água, mobiliário e utensílios domésticos


brincadeiras proporcionais ao tamanho da criança.

Imitar outros seres ou


18 a 36 meses Fantasias, animais de pelúcia, fantoches.
pessoas

Quebra-cabeças simples, jogos de construção com peças


Solucionar problemas
grandes.

Argila e massa de modelar, giz de cera grande, quadro-negro e


Representar
giz, tinta para pintar com os dedos, instrumentos musicais.

Construir objetos/relacionar objetos


Trens, carrinhos, serviços de chá, blocos.
semelhantes

Fantasias, fantoches e teatrinhos. Telefone e relógio de


brinquedo. Casinha de brinquedo e brinquedos para brincar
Cenários para brincar e ambientes
de casinha. “Homenzinhos” (soldados, heróis etc.). Garagem,
autorama e ferrorama simples. Lego.
3 a 6 anos
Movimentar-se no espaço Triciclos maiores, equipamentos de ginástica para playground.

Compreender os meio de Discos e toca-discos, livros para cobrir, cadernos de desenho,


comunicação livros de história.

52
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

Visão construtivista do desenvolvimento motor


Após destacarmos os conceitos apresentados por Gardner, Sternberg e Tâ-
nia R. Fortuna, abordaremos a contribuição da escola construtivista para o desen-
volvimento motor e da inteligência.
Jean Piaget (1971) dedicou a maior parte de sua obra à pesquisa do desenvol-
vimento da inteligência na criança. A partir de suas experiências, classificou esse
desenvolvimento em quatro estágios: sensório-motor, pré-operatório, operatório-
concreto e operatório formal. Mesmo que o autor tenha enfatizado os aspectos
cognitivos da inteligência, ele também considerou os fatores ambientais, sociais e
afetivos que envolvem a aprendizagem.
Nesse sentido, observamos a importância das ações educacionais voltadas para
jogos e brincadeiras, pois elas funcionam como elementos facilitadores do desenvol-
vimento da inteligência. A partir da perspectiva de Piaget, Maria G. Seber (2002)
destaca os tipos de atividades a serem usadas pelos educadores infantis para facili-
tar a aprendizagem de seus educandos. Considerando as contribuições dessa autora,
apresentamos algumas práticas que promovem as vivências corporais e motoras:
Brincadeira simbólica – são atividades que usam os objetos como
suporte para o diálogo da criança. Acontecem quando a criança brinca
livremente, dramatiza histórias, constrói narrativas para depois expressá-
-las, conversa com seus colegas.
Imitação de sons e gestos – imitar significa expressar um modelo
visualizado ou interiorizado. As atividades de imitação expressam-se em
brincadeiras como estátua, caminhadas imitando os animais e seus sons,
mímica, coreografias, rodas cantadas, entre outras.
Imitação de arranjos feitos com objetos – é a imitação de composições
de objetos. Essas imitações incluem atividades como reproduzir compo-
sições de objetos com o corpo, ou criar e representar movimentos para
objetos estáticos.
Brincadeira sensório-motora – esse tipo de brincadeira ajuda na forma-
ção dos modelos necessários à fase sensório-motora do desenvolvimento
da inteligência. São atividades como bater, pular, acertar em alvos, asso-
prar, pegar e soltar objetos, fazer recortes, pinturas, desenhos, e trabalhos
com sucatas, massa de modelar e colagem, brincar com cordas e bolas,
amassar papéis, entre outras.
Classificação e seriação – é a capacidade de classificar, ordenar e seriar
diferentes objetos e ações em função de suas características comuns. As
atividades motoras que colaboram com esse aspecto da inteligência são
o desporto, os jogos que trabalham movimentos em grupos distintos, e
todo tipo de atividade que requer a inter-relação de gestos, falas, grupos
ou objetos em função de suas diferenças ou semelhanças.
Quantificação – expressa a relação entre elementos, quantidades e/ou pro-
porções. Entre as atividades psicomotoras que destacam essa capacidade,
indicamos os jogos e brincadeiras com contagem, atividades em circuitos
(pois preveem fases inter-relacionadas), dança, ritmo e coreografias.

53
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

Apresentamos hoje neste espaço uma homenagem que o escritor, médico e professor gaúcho
Moacyr Scliar fez a todos os mestres e educadores. Em seu texto, o autor fala-nos sobre a sabedoria e
a importância dos mestres na vida de seus alunos e discípulos.
O texto “Aos mestres, com carinho” foi extraído do jornal Zero Hora, edição de 13 de outubro
de 2004.

Aos mestres, com carinho


Queridos alunos, leiam com atenção o texto que segue.
“Ah, o nosso Mestre. É impossível esquecer o nosso Mestre. Nós, os seus discípulos, o
adorávamos. O nosso Mestre era sábio, mas não usava a sabedoria como sinal de superioridade.
O nosso Mestre tinha autoridade, mas não era autoritário. O nosso Mestre era enérgico, mas era
generoso também. Sobretudo, o nosso Mestre sabia como nos ensinar. Nós bebíamos suas pala-
vras, porque sentíamos que nasciam da experiência – da experiência dele próprio e da experiência
dos Mestres que o haviam precedido. O nosso Mestre podia ser retórico, mas também podia nos
ensinar contando uma boa história, uma simples e curta narrativa que, no entanto, fazia com que
pensássemos. O nosso Mestre às vezes era categórico; mas muitas vezes substituía as afirmações
por interrogações: perguntas cujas respostas deveríamos encontrar em nós mesmos. Um grande
mestre, o nosso Mestre.”
Leram? Então respondam: de quem fala esse emocionado discípulo?
a) De Sócrates, que fazia do diálogo um método de ensino?
b) De Jesus, que com suas parábolas expressava verdades fundamentais sob a forma de
historietas?
c) De Confúcio, o expoente da sabedoria oriental?
Qualquer uma das respostas acima serviria: estamos falando de mestres que marcaram nosso
mundo. Mas eu aconselharia vocês, caros alunos, a lembrar outros mestres, mestres que estão mais
próximos de vocês no espaço e no tempo: os anônimos professores e professoras, que, em condições
muitas vezes precárias e com baixos salários, dão o melhor de si por seus alunos. Mestres que são
sábios, mas que não usam a sabedoria como sinal de superioridade; mestres que têm autoridade
mas não são autoritários. Mestres que sabem ensinar seja explicando, seja contando histórias, seja
desafiando os alunos com perguntas adequadas. Mestres cuja importância às vezes não é reconhe-
cida, mas que nem por isso fica menor: graças a eles, aquilo que a humanidade aprendeu através
dos tempos, as lições dos grandes mestres – e dos grandes artistas, e grandes cientistas – chega a
vocês. Pensem nisso, queridos alunos...

54
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

A tarefa em grupo de hoje vai ser um pouco diferente, pois vamos trabalhar com a mímica,
uma atividade que representa o uso simultâneo de diversas inteligências. Para realizá-la, reúnam-se
em grupos de cinco ou seis integrantes. Procurem trabalhar em novos grupos, evitando a formação
de “panelinhas”.
Cada grupo terá de escolher três títulos de filmes famosos. Depois, os integrantes criarão uma
mímica para representar cada um dos títulos escolhidos. Quando todos estiverem prontos, cada grupo
apresentará suas mímicas aos demais colegas, contando com 30 segundos por título. A turma deverá
adivinhar o título do filme em questão. Com o auxílio de um relógio, o professor vai coordenar essa
atividade.
Ao final das apresentações, levantem as dificuldades de comunicação que acontecem quando
usamos somente nosso corpo para expressar ideias e conceitos. Para orientar o debate, indicamos
algumas questões como quais as ideias que conseguimos efetivamente expressar por meio de nossos
corpos? Como cada um se sentiu ao usar somente o corpo para se comunicar? Como o grupo recebeu
as apresentações? Todos conseguiram decifrar os títulos dos filmes? As relações existentes entre os
integrantes da turma colaboraram na expressão pela mímica? Quais os aspectos que facilitaram o
entendimento dos títulos?

ALVES, Fátima. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2003.
BRAZELTON, T. Berry; SPARROW, Joshua D. 3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento
infantil. Porto Alegre: Artmed, 2003.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed, 2004.
FORTUNA, Tânia. O jogo. In: Temas da Educação II: livro das jornadas 2003. Curitiba: Futuro,
2003. p. 397-406.
GADNER, Howard. Estruturas da Mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Art-
med, 2002.
PIAGET, Jean. A Formação do Símbolo na Criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representa-
ção. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
______. O Nascimento da Inteligência na Criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
______. Epistemologia Genética. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
SEBER, Maria da Glória. Piaget: o diálogo com a criança e o desenvolvimento do raciocínio. São
Paulo: Scipione, 1997.
______. Construção da Inteligência pela Criança. São Paulo: Scipione, 2002.

55
As atividades motoras e o desenvolvimento das múltiplas inteligências

56
A dança na Educação Infantil
Vídeo Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

A dança na escola
Eu só acredito num Deus que dança.
Nietzsche

D
urante muito tempo, a dança escolar esteve relacionada a dois estereótipos: a apresentação
de coreografias (executadas principalmente por meninas) e a dança folclórica. No entanto, fora
do ambiente escolar, poucos estilos de dança valorizam mais as mulheres em detrimento dos
homens – veja-se o exemplo de famosos bailarinos conhecidos mundialmente.
Diversos tipos de dança estão presentes no cotidiano de diferentes sociedades. A dança é uma
manifestação cultural e social. Especialmente entre nós, brasileiros, com a marcante característica do
“saber gingar”, ela representa um importante modo de expressão.
A dança na escola e na vida deve ser uma atividade para ambos os sexos, pois visa à promoção
de vivências corporais e experimentações com o ritmo. O ato de dançar também é muito positivo no
ambiente escolar, porque requer o uso de diferentes habilidades motoras, contribuindo para o desen-
volvimento integral das crianças.
A música, naturalmente associada à dança, é um elemento constantemente inserido no contexto
da escola infantil. Vocês devem conhecer algumas canções como “Bom dia” e tantas outras com as
quais trabalhamos diariamente em sala de aula. É por meio desse tipo de prática que inserimos a
dança no universo infantil. Então, parece-nos evidente a exploração desse estímulo quando buscamos
facilitar o desenvolvimento das capacidades motoras e da criatividade de nossas crianças.
A dança é uma das formas de expressão fundamentais para o desenvolvimento psicomotor. Isso
porque, quando alguém dança, está necessariamente controlando e coordenando seus movimentos
corporais associados ao pensamento. O resultado dessa atividade é o exercício físico e mental relacio-
nado ao prazer e à alegria.
Na escola infantil, podemos trabalhar com quatro tipos de dança:
dança criativa;
dança figurativa;
iniciação na dança folclórica;
rodas cantadas.

Dança criativa
A dança criativa está presente em muitas circunstâncias da realidade escolar. As próprias crian-
ças, em suas brincadeiras no pátio da escola, inventam “coreografias” e dançam as músicas da moda
ao seu jeito. Naquele momento, elas estão dançando livremente e explorando sua criatividade. A
57
A dança na Educação Infantil

observação do universo infantil é sempre a maior fonte de dados para um educa-


dor consciente de sua função.
No mundo ocidental, a “dança criativa” ao lado da “dança educativa” ou da “dança-
-educação”, são quase que consensualmente aceitas como modalidades similares de edu-
cação para crianças na área de dança no contexto escolar. (MARQUES, 2003, p. 130)
A dança criativa é uma dança não coreográfica, realizada a partir de estí-
mulos sonoros (músicas e/ou ruídos). Ao praticá-la, a criança cria movimentos li-
vremente ou a partir da provocação de um mediador. Deste modo, a dança criativa
parte de uma brincadeira infantil e se manifesta quando a criança usa seu próprio
corpo para brincar e se movimentar ao ritmo de uma música ou som.
Nos ambientes de Educação Infantil, o educador pode trabalhar a dança
criativa provocando reações e interpretações por parte das crianças. Por meio de
brincadeiras que envolvam situações e sons específicos, o professor estimula a
criança a dançar e usar sua imaginação. Por exemplo: “Estamos agora no circo
e cada um vai dançar como um personagem deste circo”, ou “Agora somos uma
tribo de índios e cada um se movimenta como um índio.”
Segundo Marques, a dança criativa “sugere que as aulas de dança devem
permitir e incentivar os alunos a experimentar, explorar, expandir, colocar seu
eu no processo de configurações de gestos e movimentos” (MARQUES, 2003, p.
140). Assim, essa prática representa um meio para a criança manifestar e explorar
suas habilidades motoras, sua afetividade e sua cognição.
Entretanto, para propor a dança na escola infantil, o educador precisa sempre
considerar as fases do desenvolvimento motor relacionadas a esse tipo de atividade.
Primeira Fase (dos primeiros passos até os dois anos): o corpo se movi-
menta no ritmo que a música sugere, de modo mais agitado ou mais lento.
Segunda Fase (dos dois aos três anos): o corpo imitativo começa a fa-
zer movimentos a partir de referências visuais.
Terceira Fase (após os três anos): a criança já domina algumas habili-
dades motoras básicas e pode trabalhar a dança criativa.

Dança figurativa
As danças figurativas ou com imagens estão presentes no universo infantil
a partir dos dois anos de idade. São aquelas que integram ritmos e imagens às
habilidades motoras. A criança pratica esse tipo de dança ao usar seu corpo para
expressar imagens e ações indicadas na letra de uma música.
Um exemplo de dança figurativa é quando a criança escova seus dentes
com o seguinte estímulo musical: “O ursinho pequenino pega a escova e escova
assim, assim, assim...” Ou quando o dia começa na escola e os pequenos alunos
movimentam-se ao som de “Bom dia, bom dia, espreguiça o corpo todo, gira e
diz bom dia... Agora mexe a perna, mexe o braço e diz bom dia...” Esse tipo de
música que orienta a dança figurativa é também bastante usado nas apresentações
infantis em datas comemorativas do calendário escolar (Dia das Mães, Dia dos
Pais, Páscoa, Natal etc.).
58
A dança na Educação Infantil

Na Educação Infantil, a dança figurativa é muito importante não somente


para promover a relação do corpo com o ritmo mas também para trabalhar a ima-
ginação, as associações mentais, a coordenação, o controle corporal, a lateralidade,
a dicção e a vocalização. Sendo assim, essa atividade abrange as quatro dimensões
da aprendizagem (lembram quais são elas?) e deve ser valorizada sempre.
Porém, cabe aos educadores ter o devido cuidado para não transformar a dan-
ça figurativa em uma prática regrada e com movimentos predefinidos. É preciso dei-
xar a criança criar seus próprios movimentos e expressar livremente as associações
feitas a partir das imagens sugeridas pela música. No universo infantil, toda dança
deve desconsiderar os estereótipos e ser tratada com alegria, descontração e sem a
rigidez que inibe, exclui, desestimula e desagrega as crianças.

Iniciação na dança folclórica


A diversidade cultural presente em nosso país oferece a todos os educadores
grandes possibilidades de trabalhar os aspectos culturais e regionais na escola.
Nos ambientes educacionais, as atividades de dança folclórica geralmente estão
ligadas a datas comemorativas do calendário escolar e variam conforme a região
do país. São as danças típicas das festas de São João, da Semana Farroupilha, da
Folia de Reis, entre outras comemorações.
Na Educação Infantil, sugerimos a iniciação na dança folclórica. Dizemos
iniciação porque as crianças pequenas ainda não conseguem assimilar coreografias
complexas e regradas. Por isso, na infância as danças folclóricas sempre devem ter
um caráter lúdico e motivador, assim como devem ser coreografias bem simples,
que permitam uma expressão mais autêntica da criança e o entendimento dos
aspectos culturais envolvidos em sua dança.
Nesse sentido, o educador não deve transformar a dança folclórica escolar
em uma apresentação formal, em que os alunos não podem cometer erros nem
fugir de uma coreografia imposta. Lembrem que só a alegria, a descontração e a
espontaneidade fazem a criança ter prazer em dançar.

Rodas cantadas
As rodas cantadas são uma variação da dança figurativa. Caracterizam-se
pela expressão de movimentos coletivos associados às imagens musicais, sendo o
grande grupo mais importante que a manifestação individual. Além de promove-
rem as relações entre movimento, ritmo e imagens, as rodas cantadas favorecem a
coordenação, a observação, a lateralidade, o equilíbrio, a dicção, a fluência verbal
e a vocalização.
A professora Lu Chamusca (2004), uma grande amiga e defensora das rodas
cantadas, afirma que o brinquedo cantado na infância é como o leite materno para
o recém-nascido: é algo fundamental para o desenvolvimento das relações inter-
pessoais das crianças, valorizando a descoberta individual e a descoberta coletiva,
a imaginação, a fantasia e o potencial criativo.

59
A dança na Educação Infantil

Indicamos alguns passos a serem seguidos pelos educadores que pretendem


usar as rodas cantadas na sala de aula infantil:
1.o – selecione músicas conhecidas pelos alunos, ou, caso eles desconhe-
çam, trabalhe a música com as crianças antes de propor a dança;
2.o – para brincar de roda cantada, proponha que as crianças posicionem-se
em um grande círculo – assim, umas poderão ver as ações das outras;
3.o – explique lentamente cada movimento ou gesto a ser realizado em fun-
ção da música, combinando a coreografia, mas não exija demais – as
crianças pequenas têm condições de fazer poucos movimentos dife-
renciados;
4.o – repasse a coreografia com a música, bem devagar, promovendo uma
brincadeira alegre;
5.o – inicie a roda cantada pra valer e agora é só brincar, cantar, dançar e se
divertir.
Finalmente, lembramos que a dança faz parte das nossas vidas, o ritmo
está sempre presente em nosso cotidiano. Na escola, isso não é diferente, prin-
cipalmente na Educação Infantil, durante a qual as crianças estão fazendo suas
primeiras descobertas e desenvolvendo suas habilidades motoras e, felizmente,
ainda não possuem certos condicionamentos que as impeçam de participar dessas
atividades.

A música no universo infantil


Ao falar sobre a dança, não podemos deixar de considerar a música, pois as
atividades de dança partem de estímulos sonoros. Na Educação Infantil, a dança
conjugada à música colabora para um desenvolvimento integrado da mente e do
corpo, facilitando a aprendizagem e o desenvolvimento motor. E quem não se
emociona ao ver uma criança, que acabou de aprender a caminhar, embalando-se
ao ritmo de uma música?
Gardner (2002) define que a primeira inteligência humana demonstrada na
vida social é a inteligência musical, pois, ao sairmos do útero materno, descobrimos
o mundo pelos sons do ambiente em que vivemos, pela voz da mãe e demais familia-
res. Em função disso, a educação usa a música como estímulo ao desenvolvimento
de várias habilidades e competências humanas.
O educador infantil não deve abrir mão dos jogos musicais, das rodas canta-
das, da exploração e produção de ritmos – enfim, da presença da música nas ações
pedagógicas diárias. A música tem sido amplamente utilizada na escola como um
objeto lúdico e expressivo e também por representar um meio de estabelecermos
vínculos interpessoais e fomentar a socialização.
Ao cantar em grupo, por exemplo, as crianças compartilham sua energia,
sua expressão, sua espontaneidade e sua alegria. O ato de cantar ou produzir sons
com instrumentos, coletivamente, potencializa a integração do ritmo às habilida-
des psicomotoras individuais, assim como promove a sociabilidade.
60
A dança na Educação Infantil

Toda ação musical (seja cantar, bater palmas com ritmo ou produzir sons por meio de instrumen-
tos improvisados e sucatas) colabora para o desenvolvimento infantil. São práticas muito simples, porém
de grande valor, pois possibilitam a descoberta do ritmo e o exercício da coordenação motora.
As atividades musicais são sempre bem-vindas em sala de aula. Mas às vezes ficamos em dúvi-
da sobre o tipo de música a ser utilizada nas brincadeiras infantis. Se usarmos somente as músicas de
roda, podemos nos afastar da realidade das crianças porque hoje elas escutam os mais variados gêne-
ros musicais. E se adotamos apenas as músicas veiculadas na mídia, corremos o risco de introduzir
temas inadequados para as crianças (em função do conteúdo das letras).
Esse dilema só pode ser administrado por meio do bom senso. Para tomar uma decisão em re-
lação às músicas destinadas a práticas pedagógicas, o educador deve considerar o gosto das crianças,
os hábitos e valores vigentes em sua formação e os propósitos e objetivos da ação escolar.

Nesta unidade, destacamos as palavras da professora Dionísia Nanni, que aborda as relações
existentes entre movimento, dança, história da humanidade e ritos. O texto “O movimento na dança”
foi extraído de Dança Educação: princípios, métodos e técnicas (Sprint, 1998, p. 14-17).

O movimento na dança
A evolução dos comportamentos motores, desde os primórdios da existência do homem,
teve seu aporte a partir dos movimentos naturais, hoje padrões básicos essenciais à existência do
homem. Hoje eles são determinados por motivos vários, desde o mais simples impulso orgânico
aos estados frenéticos e emocionais com níveis que variam em estágios do mais simples ato de
andar, correr, saltar, trepar, levantar, transportar, arremessar, agarrar, aos gestos e movimentos mais
eficientes ou perfeitos a nível de habilidade e destreza ou chegam ao máximo de desempenho com
as performances; no caso da dança, a perfeição na execução de uma técnica.
Desenhos, gravuras, esculturas, pinturas em diferentes épocas materializaram e delinearam
a intencionalidade de práticas corporais (gestos e movimentos) nos diferentes ciclos da existência
do homem com gestos e ideias específicas de cada cultura.
Sachs afirma que
muitos dos desportos atuais tiveram, em tempos remotos, significado “religioso ou animista”, e que estavam rela-
cionados à adivinhação ou à propiciação do mundo espiritual. Assim, muitas das atividades recreativas contempo-
râneas seriam vestígios remanescentes de atividades que se perpetuaram e que foram outrora de utilidade.

O movimento, em sua gênese, caracterizou-se em caráter puramente emocional – permitir


ao homem ter experiências de êxtase e comunhão com os deuses em suas danças onde a essência
das mesmas possibilitou a comunicação do homem consigo ou com entidades superiores.
A partir de dado momento o movimento evolui de descarga emocional involuntária para os esta-
dos frenéticos e codificados durante os ritos cerimoniais; passa a dança para o domínio ritualístico.
Portanto, o homem primitivo na luta pela sobrevivência dançou para aplacar a fúria dos deu-
ses ou para homenageá-los; expressava e se comunicava por gestos e movimentos estruturados em
sua experiência consciente e utilitária – nasce a dança ritual.

61
A dança na Educação Infantil

Nas Danças rituais, afirma Ramos:


as sociedades primitivas viviam aterrorizadas por tudo que as cercava, considerando a sua sobrevivência como
favor dos deuses, dando à sua vida por conseguinte um sentido ritual de várias formas que empregando a
dança manifestava o seu misticismo. Desde os tempos mais remotos, os exercícios corporais rudimentarmente
sistematizados constituíam atos respeitosos nas grandes festividades, inclusive no culto dos mortos.

Harrow analisa a importância do movimento ao reconhecer que a utilização eficaz e eficiente


da motricidade humana depende de tomada de consciência do corpo instrumental, de compreensão
do valor significado e do efeito de uma diferenciação gestual através do jogo dinâmico do movimento,
do equilíbrio estabelecido entre o corpo e as relações espaciais. Esses parâmetros estabelecem para o
homem a apreensão e utilização de suas necessidades básicas necessárias ao ser “aqui e agora”.
Isso porque o homem no desempenho de seus movimentos intencionais coordena durante
o desempenho de uma habilidade motora a inter-relação de movimentos dos domínios psicomo-
tores, cognitivos e socioafetivos. Esse consenso é explicado pela autora devido a fatores internos
e externos do movimento. A explicação dada por ela é a seguinte: internamente o movimento é
contínuo, e externamente sofre uma constante modificação provocada pela aprendizagem anterior,
pelo meio ambiente, e pela situação imediata em que o indivíduo se encontra.
Essa perspectiva ressalta a importância da dança/educação nas escolas de 1.º e 2.º graus
(principalmente) como responsável pelo desenvolvimento desses domínios no processo ensino--
-aprendizagem e confirma a importância de uma efetiva e eficaz estratégia metodológica para a
ação inter e multidisciplinar.
Dois fatores exerceram e exercem total e efetiva importância à dimensão histórica do homem
em seu processo de desenvolvimento: o tempo e o espaço.

Espaço e tempo
Desde os primórdios da existência do homem que os fatores “tempo e espaço” expressavam
as diferentes dimensões socioculturais e os diferentes aspectos políticos da evolução dos estágios
de civilização em que ele se encontrava.
Diagrama de Expressividade
Humana Domínio do Movimento

[...]

62
A dança na Educação Infantil

O domínio do movimento pesquisado por Laban e auxiliares, a princípio, voltou-se para as


manifestações simples dos esforços em animais selecionados e escolhidos dentre os milhões de
combinações de esforço ao longo de muitas gerações. Laban selecionou uma série restrita de com-
binações de esforço cujos componentes constituintes (sic) das qualidades e diferenças de esforço
resultam de uma atitude interior (consciente ou inconsciente) em relação aos seguintes fatores do
movimento: peso, espaço, tempo e fluência.
Esses fatores básicos do movimento, entretanto, no homem primitivo ou civilizado, têm a
capacidade de compreender a natureza das qualidades e de reconhecer nos ritmos e nas estruturas
de suas sequências a possibilidade e vantagem de treinamento consciente. Isso permite ao homem
alterar e enriquecer condições positivas ou desfavoráveis.
Só ao homem é dado o poder de acrescentar quantitativa e qualitativamente características
intrínsecas do esforço aos seus gestos e movimentos pela energia nervosa liberada pelas diferentes
qualidades do esforço.
Segundo Laban, as qualidades dos movimentos introduzem a ideia de pensar por movimentos.
Isso faculta ao homem modificar sua conduta de esforço tornando-os mais humanos e refinar seus
hábitos de movimentos ao desenvolvimento de modalidades diferentes de configurações de esforço
selecionadas e aprimoradas durante os períodos da história até finalmente se tornarem expressivas; a
partir daí se transfomam em atividades rítmicas orientadas pelos impulsos interiores se constituindo
em dança.

Retomando a dança na escola


Durante muito tempo, as instituições de ensino desconsideraram a dança, mantendo-a reservada
às apresentações em datas comemorativas e às atividades lúdicas dos anos iniciais. Por preconceito ou
ignorância, a dança foi distanciada das práticas pedagógicas ao longo da vida escolar.
Como educadores, precisamos considerar a dança em todos os seus aspectos. O ato de dançar
abarca a relação do homem com seu corpo; a coordenação de habilidades motoras; a expressão de
sentimentos, sensações, códigos e conhecimentos internalizados; a ativação da memória.
A dança também promove a autoestima e a criatividade ao proporcionar um trabalho de consciên-
cia corporal. A qualidade dinâmica da dança beneficia o corpo do indivíduo na medida em que requer
movimentos e esforços múltiplos, os quais variam conforme o uso da flexibilidade, da coordenação, da
força e da amplitude físicas.
A consciência corporal engloba a respiração consciente, a percepção dos gestos, o equilíbrio, a
coordenação dos membros e a noção espacial. Dançar é fazer o corpo e a mente explorarem o ritmo,
as habilidades motoras e as associações mentais, é transformar emoções e pensamentos em formas.
Extrapolando o âmbito individual, a dança também é capaz de reunir as pessoas, fazendo com
que elas se sintam mais integradas e aceitas socialmente. Em todas as sociedades, as danças expres-
sam a cultura vigente e as inter-relações dos indivíduos, representando uma forma de comunhão.
Em função dos fatores citados, a dança pode ser usada na Educação Infantil para colaborar no
desenvolvimento psicomotor, pois engloba as expressões físicas, motoras, afetivas e cognitivas das
crianças. Dançando, os pequenos experimentam novas descobertas, ações e gestos, combinando-os,
revendo-os, aprimorando-os, sem medo de errar. Por outro lado, juntos eles vivenciam as primeiras
experiências socializadoras.
63
A dança na Educação Infantil

A dança ainda pode ser vista pela escola como um jogo que mobiliza as crianças e suas diferen-
tes inteligências. Dançar diverte, relaxa e alegra, assim como estimula a cognição, a operação mental
com símbolos e figuras e o exercício da imaginação.
Retomar a dança na escola e contemplar todas suas nuances e implicações no processo de ensino--
-aprendizagem são atitudes fundamentais para os educadores da atualidade. A dança é um antigo meio
de expressão humana que só tende a enriquecer as práticas pedagógicas contemporâneas.

Destacamos um texto em que o professor Rubem Alves aborda uma nova concepção de escola em
função de uma visita feita a Escola da Ponte (inovadora e renomada instituição de ensino portuguesa).
Mesmo não tratando especificamente da dança, as brilhantes ideias desse educador proporcio-
nam uma importante reflexão sobre as práticas diariamente difundidas nos ambientes educacionais.
Muitas vezes, acreditamos que nossa escola não é capaz de mudar para melhor. E, em função
desse pensamento, acomodamos-nos e não buscamos saídas mais eficientes para resolver os proble-
mas enfrentados no cotidiano escolar, inclusive os que dizem respeito às ações pedagógicas.
“A Escola da Ponte (3)” vem justamente ilustrar como é possível adotarmos novas posturas e
métodos para qualificar o processo de ensino-aprendizagem. Esse texto foi extraído do livro A Escola
que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir (Papirus, 2003, p. 51-55), de Rubem Alves.

A Escola da Ponte (3)


Contei sobre a escola com que sempre sonhei, sem imaginar que pudesse existir. Mas existia,
em Portugal... Quando a vi, fiquei alegre e repeti, para ela, o que Fernando Pessoa havia dito para
uma mulher amada: “Quando te vi, amei-te já muito antes...”
Gente de boa memória jamais entenderá aquela escola. Para entender é preciso esquecer quase
tudo o que sabemos. A sabedoria precisa de esquecimento. Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que
se sedimentaram em nós, e que nos levam a crer que as coisas têm de ser do jeito como são. Não.
Não é preciso que as coisas continuem a ser do jeito como sempre foram.
Como são e têm sido as escolas? Que nos diz a memória? A imagem: uma casa, várias salas,
crianças separadas em grupos chamados turmas. Nas salas, os professores ensinam saberes. Toca
uma campainha. Terminou o tempo da aula. Os professores saem.
Outros entram. Começa uma nova aula. Novos saberes são ensinados. O que os professores
estão fazendo? Estão cumprindo um programa. Programa é um cardápio de saberes organizados em
sequência lógica, estabelecido por uma autoridade superior invisível, que nunca está com as crianças.
Os saberes do cardápio “programas” não são “respostas” às perguntas que as crianças fazem. Por isso
as crianças não entendem por que têm de aprender o que lhes está sendo ensinado.
Nunca vi uma criança questionar a aprendizagem do falar. Uma criancinha de oito meses já
está doidinha para aprender a falar. Ela vê os grandes falando entre si, falando com ela, sente que falar
é uma coisa divertida e útil, e logo começa a ensaiar a fala, por conta própria. Faz de conta que está
falando. Balbucia. Brinca com os sons. E quando consegue falar a primeira palavra, sente a alegria
dos que a cercam. E vai aprendendo, sem que ninguém lhe diga que ela tem de aprender a falar e sem
64
A dança na Educação Infantil

que o misterioso processo de ensino e aprendizagem da fala esteja submetido a um programa estabe-
lecido por autoridades invisíveis. Ela aprende a falar porque o falar é parte da vida.
Nunca ninguém me disse que eu deveria aprender a descascar laranjas. Aprendi porque via
meu pai descascando laranjas com uma mestria ímpar, sem arrebentar a casca e sem ferir a laranja, e
eu queria fazer aquilo que ele fazia. Aprendi sem que me fosse ensinado. A arte de descascar laranjas
não se encontra em programas de escola. O corpo tem uma precisa filosofia de aprendizagem: ele
aprende os saberes que o ajudam a resolver os problemas com que está se defrontando. Os programas
são uma violência que se faz com o jeito que o corpo tem de aprender. Não admira que as crianças
e os adolescentes se revoltem contra aquilo que os programas os obrigam a aprender. Ainda ontem
uma amiga me contava que sua filha, de dez anos, dizia-lhe: “Mãe, por que tenho de ir à escola? As
coisas que tenho de aprender não servem para nada. Que me adianta saber o que significa oxítona?
Pra que serve essa palavra?” A menina sabia mais que aqueles que fizeram os programas.
Vamos começar do começo. Imagine o homem primitivo, exposto à chuva, ao frio, ao vento,
ao Sol. O corpo sofre. O sofrimento faz pensar: “Preciso de abrigo”, ele diz... Aí, forçada pelo
sofrimento, a inteligência entra em ação. Pensa para deixar de sofrer. Pensando, conclui: “Uma
caverna seria um bom abrigo contra a chuva, o frio, o vento, o Sol...” Instruídos pela inteligência,
os homens procuram uma caverna e passam a morar nela. Resolvido o sofrimento, a inteligência
volta a dormir.
Mas aí, forçados ou pela fome ou por um grupo armado que lhes toma a caverna, eles são
obrigados a se mudar para uma planície onde não há cavernas. O corpo volta a sofrer. O sofrimen-
to acorda a inteligência e faz com que ela trabalhe de novo. A solução original não serve mais: não
há cavernas.
A inteligência pensa e conclui: “É preciso construir uma coisa que faça as vezes de caverna.
Essa coisa tem de ter um teto, para proteger do Sol e da chuva. Tem de ter paredes, para proteger do
vento e do frio. Com que se pode fazer um teto?” A inteligência se põe então a procurar um material
que sirva para fazer o teto. Folhas de palmeira? Capim? Pedaços de pau? Mas o teto não flutua no
ar. Tem de haver algo que o sustente. Paus fincados? Sim. Mas para fincar um pau é preciso des-
cobrir uma ferramenta para cortar o pau. Depois, uma ferramenta para fazer o buraco na terra. E
assim vai a inteligência, inventando ferramentas e técnicas, à medida que o corpo se defronta com
necessidades práticas.
A inteligência, entre os esquimós, jamais pensaria uma casa de pau a pique. Entre eles não
há nem madeira nem barro. Produziu o iglu. E a inteligência do homem que vive na floresta jamais
pensaria um iglu — porque nas florestas não há gelo. Produziu a casa de pau a pique. A inteligên-
cia é essencialmente prática. Está a serviço da vida.
Um exercício fascinante a se fazer com as crianças seria provocá-las para que elas imagi-
nassem o nascimento dos vários objetos que existem numa casa. Todos os objetos, os mais humil-
des, têm uma história para contar. Que necessidade fez com que se inventassem panelas, facas,
vassouras, o fósforo, a lâmpada, as garrafas, o fio dental? Quais poderiam ter sido os passos da
inteligência, no processo de inventá-los? Quem é capaz de, na fantasia, reconstruir a história da
invenção desses objetos fica mais inteligente.
Depois de inventados, eles não precisam ser inventados de novo. Quem inventou passa a possuir
a receita para sua fabricação. E é assim que as gerações mais velhas passam para seus filhos as receitas
de técnicas que tornam possível a sobrevivência. Esse é o seu mais valioso testamento: um saber que
torna possível viver.
65
A dança na Educação Infantil

As gerações mais novas, assim, são poupadas do trabalho de inventar tudo de novo. E os jo-
vens aprendem com alegria as lições dos mais velhos: porque suas lições os fazem participantes do
processo de vida que une a todos. A aprendizagem da linguagem se dá de forma tão eficaz porque
a linguagem torna a criança um membro do grupo: ela participa da conversa, fala e os outros ou-
vem, ri das coisas engraçadas que se dizem. O mesmo pode ser dito da aprendizagem de técnicas:
o indiozinho que aprende a fabricar e a usar o arco e a flecha, a construir canoas e a pescar, a andar
sem se perder na floresta, a construir ocas está se tornando num membro do seu grupo, reconhecido
por suas habilidades e por sua contribuição à sobrevivência da tribo. O que ele aprende e sabe faz
sentido. Ele sabe o uso dos seus saberes.
(A menininha não sabia o uso da palavra oxítona. Nem eu. Sei o que ela quer dizer. Não
sei para que serve. Quando eu escrevo nunca penso em oxítona. Ninguém que fale a língua, por
ignorar o sentido de oxítona, vai falar cáfe, em vez de café, ou chúle, em vez de chulé... A palavra
oxítona não me ensina a falar melhor. É, portanto, inútil...)
Disse, numa outra crônica, que quero escola retrógrada. Retrógrado quer dizer “que vai
para trás”. Quero uma escola que vá mais para trás dos “programas” científicos e abstratamente
elaborados e impostos. Uma escola que compreenda como os saberes são gerados e nascem. Uma
escola em que o saber vá nascendo das perguntas que o corpo faz. Uma escola em que o ponto de
referência não seja o programa oficial a ser cumprido (inutilmente!), mas o corpo da criança que
vive, admira, encanta-se, espanta-se, pergunta, enfia o dedo, prova com a boca, erra, machuca-se,
brinca. Uma escola que seja iluminada pelo brilho dos inícios.
Mas, repentinamente, desfaz-se o encanto da perda da memória e nos lembramos da pergunta:
“Mas, e o programa? Ele é cumprido?”
Depois eu respondo.

Esperamos que os trabalhos em grupo propostos nesta disciplina representem uma oportuni-
dade para todos realmente compartilharem seus saberes e experiências. Às vezes, o trabalho cola-
borativo pode parecer chato ou mesmo difícil de ser equacionado em certos grupos. Mas isso é um
bom pretexto para desconsiderarmos o grande valor desse tipo de atividade. Lembrem que é preciso
vivenciar os conteúdos para um aprendizado significativo e duradouro.
Portanto, reúnam-se em grupos de cinco ou seis integrantes e mãos à obra! Nossa tarefa de hoje
é sobre a dança na escola. Cada grupo deverá produzir uma coreografia figurativa a partir de uma
música infantil. Vocês escreverão a letra da música em um cartaz (para que todos os colegas possam
ver) e ensaiarão os movimentos de suas coreografias.
Quando todos estiverem prontos, cada grupo vai mostrar o seu cartaz aos colegas, descrever os
passos da coreografia criada e colocar toda a turma para dançá-la. Assim, todos conhecerão diferen-
tes opções de coreografia e música para trabalharem com seus alunos.

66
A dança na Educação Infantil

ALVES, Rubem. A Escola que Sempre sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir. 5. ed. São Paulo:
Papirus, 2003.
BEAUDOT, Alain. A Criatividade na Escola. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
CALAZANS, Julieta; CASTILHO, Jacyan; GOMES, Simone. (Coords.). Dança e Educação em mo-
vimento. São Paulo: Cortez, 2003.
CAMINADA, Eliana. História da Dança: evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999.
CHAMUSCA, Lu. Por que e para que brincar de cantar na Infância. In: Congresso Internacional de
Educação Infantil e Séries Iniciais. Fortaleza: Futuro Congressos e Eventos, 2004.
GARDNER, Howard. Estruturas da Mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Art-
med, 2002.
HAETINGER, Max G. Criatividade: criando arte e comportamento. 5. ed. Porto Alegre: Criar,
1998.
MARQUES, Isabel A. Dançando na Escola. São Paulo: Cortez, 2003.
MCLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. 14. ed. São Paulo:
Cultrix, 2001.
NANNI, Dionísia. Dança Educação: princípios, métodos e técnicas. Rio de Janeiro: Sprint, 1998.

67
A dança na Educação Infantil

68
A expressão dramática
na Educação Infantil
Vídeo
Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

A imaginação e a expressão dramática infantil

A
ntes de falarmos sobre a expressão dramática, propomos uma reflexão a partir da seguinte
pergunta:
O que tem a ver o teatro ou a expressão dramática com o estudo do movimento?
Durante muito tempo, a educação motora tratou o movimento de modo descontextualizado.
Da mesma forma, o teatro ressaltou a importância do texto e minimizou a relevância do movimento
corporal na expressão dramática. Mas hoje sabemos que o desenvolvimento motor é essencial tanto
para o teatro quanto para a educação.
Na Educação Infantil, a motricidade relaciona-se intensamente com a expressão dramática,
pois, quando está desenvolvendo suas habilidades, a criança conjuga ações com seu corpo, sua ima-
ginação, seu poder de imitação e de representação. Essas práticas consistem em formas de expressão
fundamentais para seu desenvolvimento.
Considerando esses aspectos, vamos agora falar sobre os jogos. Talvez você se pergunte: “Mas
por que jogos?” Porque o jogo é um tipo de atividade capaz de facilitar tanto o desenvolvimento das
habilidades psicomotoras como a expressão dramática. E se queremos proporcionar as condições
necessárias ao desenvolvimento integral de nossos alunos (englobando cognição, afetividade, motri-
cidade e expressão), devemos sempre adotar os jogos no cotidiano escolar.
Os jogos fundamentam o trabalho de expressão dramática na escola infantil. É brincando de
faz de conta, imitando gestos e expressões faciais e representando situações que a criança explora sua
imaginação e sua expressão corporal. O poder imaginativo da criança faz com que ela crie e recrie
constantemente o seu universo, traçando relações entre a realidade e a fantasia.
Esse elo entre o real e o imaginário é muito importante para as vivências infantis. Peter Slade
(1978, p. 17), renomado pesquisador da expressão dramática na infância e no universo escolar, afirma:
“O jogo dramático infantil é uma forma de arte por direito próprio; não é uma atividade inventada por
alguém, mas sim o comportamento real dos seres humanos”.
É nesse tipo de atividade que a criança se expressa espontaneamente. Por meio do jogo dramáti-
co, ela inventa, pensa, lembra, ousa, experimenta, comprova, relaxa e faz relações com o mundo que
a cerca. Em função de suas potencialidades, os jogos dramáticos são recomendados como práticas
pedagógicas infantis.

69
A expressão dramática na Educação Infantil

A expressão dramática deve ser valorizada e correlacionada com as ativi-


dades de desenvolvimento motor. Isso pode ser feito, por exemplo, quando propo-
mos caminhadas imaginativas ou brincadeiras com fantoches e máscaras. Todos
os jogos que trabalham com a fantasia são importantíssimos para as descobertas
infantis. E para aplicá-los basta providenciarmos alguns materiais que estimulam
a imaginação, como fantasias improvisadas, feitas de papel ou qualquer outro
material disponível. Até mesmo o simples ato de vestir roupas velhas e coloridas
em frente a um espelho e improvisar livremente um personagem é algo capaz de
mobilizar o poder imaginativo da criança e, simultaneamente, fazê-la conhecer o
seu corpo e os seus movimentos.
Viola Spolin é outra autora que contribuiu para o entendimento da expressão
dramática e da improvisação teatral na educação escolar como procedimentos que
estimulam a aprendizagem. Segundo a autora, “aprendemos através de experiên-
cia, e ninguém ensina nada a ninguém. Isso é válido tanto para a criança que se
movimenta inicialmente chutando o ar, engatinhando e depois andando, como para
o cientista com as equações” (SPOLIN, 1982, p. 5).
Ao destacarmos a expressão dramática na Educação Infantil, proporcionamos
meios para a criança vivenciar diferentes papéis e ampliar sua imaginação e sua cria-
tividade de modo prazeroso e alegre. E, indo além do momento presente, a ela damos
oportunidade de se tornar, futuramente, um adulto com iniciativa e autonomia.

O que é a expressão dramática escolar?


Teatro, arte cênica, improvisação teatral ou expressão dramática são deno-
minações muitas vezes mal-entendidas no ambiente escolar. Vamos então esclarecer
esses conceitos. Diversos autores expõem uma ampla literatura sobre o assunto. En-
tre eles, destacamos Fanny Abramovich, que tratou muito bem do tema em seu artigo
“Teatro na Educação: o que é afinal?” (disponível em <www.wooz.org.br/teatroe-
ducacao.htm>.
A autora levanta algumas hipóteses para esclarecer o que são as atividades
dramáticas na escola (também chamadas de teatro na educação, improvisação
teatral ou expressão dramática). Será que elas são as atividades realizadas nas
festinhas escolares?
Normalmente, as apresentações comemorativas nada têm a ver com a ex-
pressão livre e espontânea da criança ou do adolescente, pois, além de girarem em
torno de uma data específica, elas impõem uma temática para os alunos se expres-
sarem. Portanto, não restrinja o trabalho da expressão dramática às apresentações
solenes, porque esse tipo de situação tende a reproduzir padrões estereotipados.
Então, seria melhor formarmos um grupo dramático na escola? O cami-
nho também não é por aí, pois a seleção de integrantes determinada pelo critério
“ele(a) tem jeito para” não é pertinente ao processo de ensino-aprendizagem. A
expressão é uma forma de contato humano e não um dom.
Talvez a formação de grupos de “atividade teatral” seja uma saída recomen-
dável depois da introdução das práticas dramáticas na escola. Mas ainda assim
é fundamental cuidar do tipo de critério utilizado para a participação nesses grupos.
70
A expressão dramática na Educação Infantil

E quanto ao tratamento de temas e conceitos específicos por meio dos jogos dramáticos? Essa é
uma possibilidade. No entanto, os educadores devem estar atentos para não menosprezarem a expres-
são dramática nem torná-la um mero recurso audiovisual.
Seria possível utilizar essas atividades para trabalharmos as dificuldades, os problemas e as
inquietações de nossos alunos? Não, porque geralmente não possuímos formação profissional (a
menos que fôssemos psicólogos) para provocar emoções com as quais não sabemos lidar.
Para sabermos como propor atividades dramáticas escolares, é preciso encará-las não como
um espetáculo formal a ser apresentado, mas como um meio de expressão livre. Na verdade, quando
trabalhamos a expressão dramática na escola, devemos proporcionar ao aluno a oportunidade de
se expressar livremente, de contar suas próprias histórias e de decidir sobre o modo como ele vai
compartilhá-las com seus colegas.
A função do educador infantil no jogo dramático é observar as situações criadas pelos alunos e
enriquecer a prática, sem podar ou restringir a capacidade de imaginação dos participantes. O profes-
sor deve apenas fomentar os estímulos para que o jogo não cesse. A expressão dramática infantil não
precisa ser conduzida: ela acontece naturalmente. Basta observarmos as brincadeiras no playground:
as crianças estão constantemente imaginando, invertendo seus papéis, criando e recriando situações.
O teatro na educação abrange a utilização de determinadas técnicas de exercício dramático
para que crianças e jovens possam ter um conhecimento mais amplo de si mesmos e do mundo que
os cerca. Ele é um veículo de autoexpressão espontânea que desenvolve a acuidade espacial e senso-
rial e o trabalho motor, estimula a curiosidade, fortalece o espírito de equipe e, consequentemente, a
identidade do aluno como ser social.
Teatro na educação é educar divertindo.
Teatro infantil é divertir educando.

Hoje, destacamos um texto de Peter Slade, um dos principais teóricos da expressão dramática
infantil. O professor Slade sempre considera a importância do jogo dramático na relação da criança
com sua aprendizagem. No texto que segue, o autor oferece dicas aos pais e professores sobre como
colaborar para a expressão dramática infantil.
Os trechos do texto “O que os pais podem fazer para ajudar” foram extraídos do livro O Jogo
Dramático Infantil (Summus, 1978, p. 25-31).

O que os pais podem fazer para ajudar


Drama infantil (jogo dramático – child drama) é uma forma de expressão que diz respeito
à natureza humana inteira. As crianças tornam-se confiantes e obedientes usando o drama e os
adultos, sábios, observando-os, podem ver até onde uma criança chegou na vida. Pois é com a
própria vida – com todo o crescimento mental e físico dos seres jovens – que essa forma de arte
se preocupa na realidade. Conhecendo o drama infantil, nossa atitude para com as pessoas pode
mudar e nossa compreensão pode se aprofundar. Ele é, portanto, de grande importância para todos
os pais, bem como para os professores, de modo que começamos com algumas observações sobre
a atitude dos pais e as necessidades da criança pequenina.
71
A expressão dramática na Educação Infantil

Atitude geral dos pais


A coisa mais importante na vida de um bebê é o amor. Isso pode soar óbvio demais. Mas
o amor pode ser enganoso ou de espécie errada. Um bebê tem que ser querido antes e depois de
nascer. As coisas feitas em favor da criança devem ser feitas para as suas necessidades reais e não
por algum capricho sentimental dos pais. É preciso encontrar um equilíbrio de afeição, para que a
criança não seja avassalada pela emoção em dado momento e militantemente repelida no momento
seguinte. Exatamente como o professor na vida subsequente da criança, o pai ou a mãe não devem
tentar ser santos, mas precisam descobrir cedo como estabelecer um padrão constante e equilibrado
de personalidade-comportamento para com as crianças, uma mistura de paciência e afeição.
Não tenham receio da psicologia. Só porque os aconselham a dar afeição e vocês podem ter
receio de causar bloqueios, isso não significa que não é preciso conseguir obediência. Permitir
mal-entendidos quanto à obediência na idade mais tenra é falta de bondade. Não ajuda a criança.
Estabeleça poucas regras, mas assegure-se de que elas sejam obedecidas, bondosa mas firmemen-
te. Deixe que elas se transformem em hábitos. [...]
Lembre-se que a linguagem falada é uma coisa emocional para a criança. “Sim” e “Não”
são aprendidos não só pelo seu sentido, mas como música emocional. Há algo profundamente
gerador de incerteza quando essas palavras significam uma coisa num dado momento, e outra no
momento seguinte. Essa é a simples insegurança que está na raiz de algumas dificuldades na vida
posterior. Não tenha medo. Sim quer dizer sim e não quer dizer não. Faça com que suas crianças
entendam isso. Corrige-se melhor pelo tom de voz do que por palmadas. Mas não berre o tempo
todo. Guarde os seus trunfos para o momento necessário.
Não espere que as crianças estejam limpas o tempo todo. Elas precisam se sujar em algumas
formas de jogo, como irão se sujar em certos tipos de trabalho quando adultas. O lavar-se vem
depois. Tudo e todos estarem tinindo de limpeza o tempo todo pode ser uma autossatisfação para
a dona de casa zelosa, mas pode ser uma tirania malsã para as crianças. Aprenda a decidir sobre
as horas apropriadas para a limpeza.
Não exerça superproteção sobre as crianças, ficando nervosa demais para deixá-las sair da
sua vista. Repare que elas estão crescendo. Não faça as coisas por elas continuamente. Diga muitas
vezes: “Experimente fazer sozinho.” Encoraje a criança, mas não a deixe desamparada e só. Existe
um equilíbrio para cada pessoazinha. Todas são diferentes. Mas o equilíbrio não é tão difícil de
ser encontrado, de modo geral, uma vez que se tome conhecimento da sua existência. [...]
Em todos os nossos relacionamentos com crianças, devemos continuamente dizer a nós
mesmos: “Se eu fosse realmente esta pessoazinha, nesta situação, o que eu faria, o que pensaria, o
que diria?” Quanto maior a sua capacidade de percepção nessa linha de pensamento, mais desin-
teressado será o seu amor, e mais compreensivo você se tornará.
As crianças aplicam exatamente essa atitude no seu jogar. Elas começam com a mesma ho-
nestidade de pensamento, mas com elas isso é mais simples, mais direto, porque são novas. Elas
pensam: “Se eu fosse realmente esse dragão voador, aquele cosmonauta ou essa salsicha atômica,
eu faria isso ou diria aquilo.” Elas o fazem, e isso é o jogo dramático, o drama infantil. Sua manei-
ra de “realizar” o pensamento é a sua forma de arte. Devemos observá-la e encorajá-la, pois existe
aí um padrão de comportamento humano em desdobramento, por meio do qual o homem descobre
a si mesmo e aprende a pensar nos outros.
Já vimos que existem duas espécies principais de jogo: uma na qual as crianças brincam
com objetos e os fazem criar vida (jogo projetado), e a outra na qual as próprias crianças se tornam
as pessoas imaginadas, animais ou coisas (jogo pessoal).
72
A expressão dramática na Educação Infantil

O jogo projetado é mais comum nos anos mais precoces. Mais tarde, dependendo da quan-
tidade de absorção permitida pelos pais, esse jogo pode ser guiado por professores sensatos em
direção a um estudo cuidadoso na hora da aula. Por essa época, o jogo já se erigiu num hábito de
concentração. (Nota: classes do secundário “adiantadas” dependem tanto desses primeiros anos
formativos quanto do estudo intensivo final e mais cansativo.) Parte da formação da concentração
por meios imaginativos continua na escola também.
O jogo pessoal tem recebido menos cuidados. Seus começos muitas vezes não são notados,
ou são mesmo desencorajados, porque necessitam de espaço e geralmente incluem a declamação.
Ambas essas formas de jogo podem ser drama, mas não necessariamente teatro como ele é en-
tendido pelos adultos. O drama é menos óbvio no jogo projetado do que no pessoal, embora haja
momentos de drama, claramente definidos em andamento quando paus e pedras ou bonecas criam
vida e voz. Esses objetos muitas vezes são abandonados em forma de um padrão primitivo depois
do jogo. O padrão é uma espécie de símbolo da história viva que se desenrolou na mente da crian-
ça, quer a fala tenha saído, quer não. É o que acontece também com a pintura de quadros.
O jogo pessoal se desenvolve à medida que as crianças atingem maior controle sobre o pró-
prio corpo e mestria sobre os objetos com os quais brincam. Para as crianças, seu próprio tipo de
drama significa toda a ação da vida e isso é a sua melhor e mais natural maneira de desenvolver
movimento e linguagem falada. A qualidade que elas desenvolvem nesse tipo de jogo é a sinceri-
dade. É uma qualidade profunda de caráter e se destaca já nos anos mais precoces. Muitas vezes é
nesse exato momento, quando uma confiança completa em realmente viver a vida com plenitude
poderia ser atingida dessa forma, que as crianças são esmagadas por causa de um mundo orde-
nado pelos adultos. Tantos de nós, por isso, sem saber, causamos justamente aqueles problemas
que mais tarde deploramos nas crianças. Pois elas encontrarão outras maneiras de se expressarem,
maneiras que podem ser menos desejáveis, e isso muitas vezes longe da supervisão adulta. Às
vezes a forma pública dessa expressão é a formação de uma atitude negativa para com a vida,
lamentavelmente demasiado comum entre gente jovem no presente momento.

Algumas sugestões detalhadas para ajudar o drama infantil em casa


Permita: ruídos estrepitosos de vez em quando (desde a fase de bebê em diante). Procure
interessar-se pelos diversos tipos de ruídos. Apenas retire o que for perigoso, ou puder ser es-
tragado, desviando a atenção da criança para outra coisa. Não lhe arranque nada das mãos.
Razão: as crianças gostam de som. Elas o dividem em cadência, ritmo e clímax. Elas desco-
brem muita coisa sobre a fala, música e drama, coisas que você não sabe, experimentando
com sons, à sua própria moda.
O que o adulto pode fazer: dar prazer ao associar-se à criança uma vez ou outra. Use outros
ruídos. Não irrite a criança, tomando o seu brinquedo e mostrando como deve ser tocado ou usado.
Guie-a lentamente para uma diferenciação entre sons altos e sons suaves, sons longos e sons de
percussão.
Exemplos: pedaços de metal pendentes de um cordão; pedaços de madeira ou cartolina para
bater; ruído de elástico esticado; arroz numa lata.
Pense em termos de perguntas e respostas. Responda à “declaração” da criança por meio de
som. Faça-o simplesmente, não fale disso. Divirta-se com isso e descobrirá que as crianças não só
o seguem para a civilização, como o guiam para um mundo que você não conhecia. À medida que
as crianças vão crescendo, deixe-as perceber que existem horas em que você precisa de sossego.
Deve haver compromisso e consideração pelos outros, especialmente em lares pequenos. Você
73
A expressão dramática na Educação Infantil

pode treinar as crianças, mas não as destrua. Não é preciso ser músico para tudo isso. Seja apenas
humano e divirta-se com seriedade.
Permita: pular e ficar de pé de vez em quando (desde a fase de bebê em diante). Permita correr
pelo recinto. Não impeça qualquer correria de medo que a criança caia; ela cairá, mas tem que
aprender a não cair. Console-a se o desastre ocorrer e procure arrumar lugares macios para as
quedas, se puder, ou fique perto, pronto para apará-la. Mas não previna sempre. Não force uma
criancinha a andar mais tempo do que ela quer ou antes de ela querer. Encoraje-a.
Razão: pular e sapatear levam ao interesse pelo atletismo mais tarde e são a base da dança
infantil. São os primeiros passos para um estilo pessoal e a descoberta do ritmo corporal pes-
soal, que ajuda a poupar energia pela vida afora e pode afetar a potencialidade para o críquete,
tênis, futebol etc., nos anos subsequentes. Forçar traz a repulsa e às vezes pode causar dano
físico.
O adulto pode interessar-se pelos tipos de pulos e sapateados. Associar-se de vez em quando,
na mesma cadência, por vezes em cadência diferente. Não pressuponha que a criança esteja erra-
da. Pense às vezes em termos de pergunta, afirmação e resposta. Sapateie “de volta”. A criança
geralmente baterá os pés de novo (isso faz paralelo, em jogo pessoal, com o produzir ruídos com
objetos). Use objetos você mesmo algumas vezes e misture os dois tipos de jogo. Inspire a criança
para outros movimentos pelos sons que você faz. Isso é o “código Morse” de batidas das mensa-
gens sonoras. É mais importante do que o piano, para um começo. Sentenças sonoras mais longas
deverão vir mais tarde.
Permita: gritar, cuspir e o tatibitatear de bebês e criancinhas novas ocasionalmente.
Razão: isso faz parte do descobrimento da força dos pulmões, sensibilidade do palato, pro-
cura da dicção e avanço da linguagem falada.
O adulto pode responder às vezes em tatibitate. Pode-se manter dessa maneira conversas
emocionais de suprema alegria ou densa seriedade até mesmo com bebês, e um forte elo de com-
preensão se forma por breves momentos. Inclua ocasionalmente uma palavra verdadeira. Repita-a.
A criança a usará mais tarde, aumentando seu vocabulário. Baseie toda a fala, música e comunica-
ção num profundo amor pelo som. É isso que leva a um gosto realmente inteligente em literatura,
mais tarde. É o verdadeiro caminho para a genuína apreciação da poesia. O excesso de pulos e do
uso de cantilenas sentimentais rimadas leva à “versificação”, que é diferente, e a alguma compre-
ensão de marcação de tempo e cadência. Não conduz à apreciação do ritmo vivo e da verdadeira
percepção poética.
Permita: a criação de estranhas palavras novas. Não as chame de bobagens.
Razão: essa criação começa por causa do interesse pela linguagem. Palavras “verdadeiras”
virão a ser igualmente amadas mais tarde.
O adulto deve aceitar as palavras novas. Aprender a reconhecer as boas. Algumas são muito
descritivas. Conserve algumas como palavras da família e use-as. Elas formam um elo de “lar”
entre os membros da família.
Permita: jogos dramáticos sobre caubóis e bandidos e um pouco de vestuário de fantasia (à
medida em que as crianças vão saindo da idade mais tenra). Não as hostilize em casa nem
caçoe delas diante das visitas.
Razão: isso é a coisa verdadeira. Isso é o drama por meio do qual se vai desenvolvendo uma
extensão do vocabulário para expressar ideias, por meio do qual as emoções são exteriorizadas

74
A expressão dramática na Educação Infantil

e no qual a criança experimenta toda sorte de personalidades até encontrar a sua própria.
Ela faz experiências com a vida e encontra a si mesma. E cria também uma grande forma de
atuar, representar, tão divertida quanto bela.
O adulto deve compreender que o seu filho não é um delinquente em potencial só porque
uma porção de mortes ocorrem durante o seu jogo. A criança, ele ou ela, está sobrepujando um
adversário imaginário. Você quer que seu filho vença as batalhas da vida, não quer? Isso é treino
e preparação para essa meta. Que vençam sempre! Leve isso a sério. Se a criança se dirige a você
como se você fosse um súdito do seu reino, ela lhe oferece sua confiança. Responda como deve
responder um cortesão e seja sincero nisso; quanto melhor você se comportar, tanto melhor poderá
ensinar o comportamento certo nos momentos apropriados da vida real, o qual está sendo treinado
muito profundamente nesses momentos.
Se você tiver um toca-discos, coloque uma música com ritmo pronunciado ou passagens
estimulantes durante a representação. A música as inspirará. Não se aborreça se as crianças fa-
larem durante a música. Elas devem falar no seu drama. No começo elas só se servem do som
numa base emocional. Mais tarde você pode guiá-las para uma seleção mais adiantada e pode se
tornar companheiro suficiente para sugerir uma melodia do tipo marcha para servir de parte de
uma parada geral etc. Melhor ainda, simplesmente coloque o disco durante a marcha das crianças
e esteja pronto para tirá-lo quando elas terminarem. Você adquirirá cada vez mais habilidade nisso
com a prática e, à medida em que for conhecendo melhor o jogo dramático infantil, aprenderá a
adivinhar antecipadamente as necessidades das crianças. É útil ter à mão esses tipos de música:
alegres, estimulantes, tristes e calmas.
Termine com “alegre”, se as crianças parecem moderadamente exaustas, ou se você consegue
ainda continuar dando-lhes o seu tempo e a si mesmo depois do jogo. Se não, use música “calma”.
Isso muitas vezes as aquietará e o mais provável será que elas se afastem para brincar sossegadamente
entre si. Você estará ajudando o professor na escola, também. Pois um professor sensato sempre
terminará uma sessão de drama infantil com uma sensação de calma, a fim de preparar as crianças
para a atividade projetada em forma de aulas de leitura, escrita e aritmética. Você estará preparando
as crianças para essa experiência, ou ajudando a estabelecer um bom hábito.
Permita: que outras crianças se reúnam às suas no drama infantil, se quiserem, e se você
achar que pode controlá-las.
Razão: as crianças aprendem tolerância brincando juntas. Pelo uso apropriado do jogo dramático
infantil, você as ensinará a serem obedientes também, fazendo com que a sua atividade emocional
tenha lugar de um modo legítimo, sob supervisão simpática, em vez de tentar dominá-las. Tantas
crianças anelam por isso sem o saberem. Todas necessitam disso. Muitas têm lares ou pais que
tornam tudo isso difícil. Às vezes toda a atmosfera de uma rua ou aldeia pode ser modificada por
um único adulto bondoso e imaginoso, arranjando tempo e hora para drama dessa espécie. Se
você ficar interessado nesse tipo de jogo, uma regra de ouro é: se houver necessidade, o adulto
pode sugerir o que fazer; mas não deve mostrar como fazê-lo.

Técnicas de expressão dramática


A seguir, destacamos algumas técnicas de expressão dramática que poderão ajudá-los a promo-
verem as atividades dramáticas na escola infantil.
75
A expressão dramática na Educação Infantil

Dramatização com ruídos, sons e ritmos


As crianças poderão se sentir um pouco inibidas para participar de ativida-
des teatrais. Mas essa resistência pode ser superada com práticas que envolvem
sons, ruídos e ritmos, fomentando a participação espontânea dos alunos.
Exemplos:
Conte histórias e peça para os alunos emitirem os sons e ruídos das per-
sonagens e situações apresentadas, por meio de movimentos com os pés,
mãos, boca, objetos etc.
Solicite que os alunos deitem de costas e prestem atenção no som de seus
batimentos cardíacos. Posteriormente, eles deverão reproduzir o ritmo
do coração por meio de movimentos.
Proponha a livre movimentação a partir da audição de uma música.
Organize a gravação de sons realizados pelas crianças. Isso poderá ser
feito em aparelhos de som ou no computador. Depois, ponha para tocar as
gravações e peça para os alunos se movimentarem à vontade, seguindo o
que os sons sugerem.

Dramatização com bonecos


Neste tipo de atividade podem ser utilizados materiais diversos, como suca-
tas, madeira, plástico, diferentes tipos de papel, espuma, isopor, giz de cera, restos
de tecidos, entre outros. Dependendo da idade, a própria criança terá condições de
criar os seus bonecos – mesmo que para os adultos eles não pareçam reais.
Se as crianças ainda não possuírem coordenação para produzir seus bonecos,
disponibilize bonecos previamente confeccionados, convidando-as a brincarem com
seus “personagens”, reproduzindo suas vozes e inventando os diálogos ao seu modo.

Dramatização com máscaras e fantasias


O uso de máscaras, fantasias e adereços (chapéus, óculos, cintos etc.) incita
a imaginação infantil e permite que a criança “visualize” um personagem e atue
conforme as características que ela inventa para esse personagem.
Se você não conta com fantasias disponíveis no ambiente escolar, improvise:
confeccione roupas e adereços de papel ou solicite aos pais que tragam algumas
roupas velhas, fora de uso e coloridas para incrementar o jogo dramático. Depois,
é só vestir as crianças e deixá-las brincarem à vontade.

Dramatização com as mãos


As mãos são um recurso estimulante para as dramatizações. Elas podem ser
caracterizadas como um personagem. Também luvas ou meias servem para isso.
Por exemplo: pinte a mão de cada aluno representando um animal ou uma expres-
são facial. Depois, convide a turma a brincar e atuar conforme esses personagens,
reproduzindo seus sons, gestos e falas livremente.
76
A expressão dramática na Educação Infantil

Dramatização com movimentos expressivos e mímica


Neste tipo de técnica, trabalha-se estritamente com expressões gestuais e movimentos. Você
pode propor essas dramatizações dando uma referência para seus alunos soltarem a imaginação.
Exemplo: primeiramente, peça que cada aluno represente os movimentos de um animal (como anda,
como come etc.). A seguir, deixe que todos brinquem juntos, cada um vivenciando o seu personagem
do jeito que quiser.
A dramatização com movimentos expressivos e mímica abrange as relações entre expressão
corporal e imaginação. Sendo assim, colabora para o desenvolvimento psicomotor.

Esses são alguns tipos de atividade dramática que podem ser executados por crianças pequenas.
Lembre: essas práticas representam a expressão livre dos alunos e não devem ser conduzidas de
modo formal ou visando à realização de um espetáculo.

O pensamento brilhante de hoje resgata a trajetória das crianças que protagonizam a história do
texto apresentado na unidade 1 – “Na pracinha”, de Berry Brazelton e Joshua Sparrow. No texto a seguir,
as mesmas crianças estão descobrindo o mundo do faz de conta e explorando a própria imaginação.
“Faz de conta” foi extraído do livro 3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil
(Artmed, 2003, p. 96-98), de Brazelton e Sparrow.

Faz de conta
Os dias de Billy eram compostos de mudanças de uma fantasia para outra. Quando colocava
um lenço em volta do rosto, tornava-se um ladrão. “Mãos ao alto”, dizia, com uma voz de homem
mau. Se você não obedecesse, seus dedos já estavam em suas costelas. “Eu disse mãos ao alto e
avisei. Você está morto!” Uma velha capa de sua avó e um par de óculos o tornavam um vampiro.
“Onde você aprendeu sobre vampiros?” “Na tevê.” “O que é um vampiro?” “Eles voam e pousam
nas pessoas. Se você chora, está perdido. Se os enfrenta, eles fogem.” Isso seguiu-se a um episódio
na escola de ele ter enfrentado um valentão e brigado com ele.
Muitas das fantasias de Billy eram de super-heróis. “Quem é o mais forte? Quem é o mais
rápido? Eu posso derrubá-lo com tanta força que você não vai poder se levantar.” Um dia, queria
tentar pintar as unhas, “como a mamãe”. Quando sua mãe deixou-o tentar, ele olhou para o esmal-
te, depois para ela e disse: “Não conte para o papai.” A senhora Stone perguntou-se de onde tinha
vindo sua percepção de coisas de “garota”.
Seu primo de seis anos, Tom, veio para brincar. Eles vestiram capas, chapéus e máscaras.
Eram piratas em um oceano, prontos para afundar qualquer navio à vista. No quintal, procuraram
gravetos para fazer de espadas. Eles lutaram um pouco com elas, mas Tom era muito mais compe-
tente; após algum tempo, era óbvio que o brinquedo de espadas não funcionaria. Então, duelaram
no ar com um espadachim imaginário. “Estamos tentando salvar Abby de outros piratas.” Abby,
com um ano de idade, estava aterrorizada. Ela gritou, fugindo desses dois homens maus. “Abby,
se você não deixar salvá-la, nós nunca mais vamos brincar com você.” Abby se acalmou, olhou
para eles seriamente. Billy e Tom atiraram-se sobre o sofá e se rolaram sobre as almofadas. “É um
77
A expressão dramática na Educação Infantil

navio balançando na água. Nós fugimos dos outros piratas c salvamos Abby.” A menina, agora
rolando sobre o sofá, olhava tranquilamente para esses dois garotões valentes.
Os pais de Minnie lhe deram uma porquinha-da-índia de Natal, porque eles achavam que ela
poderia interessar-se por um animal pequeno. Não demorou muito para a mãe sentir que Minnie
falava mais com Agula do que com ela. Agula tornou-se o alvo das brincadeiras da menina e de
seus sonhos. Mais de uma vez, sua mãe espiou Minnie planando pela casa com Agula, murmuran-
do para ela que “podemos voar para a Lua juntas”. Um dia, Minnie deixou a porquinha-da-índia
cair. Depois disso, o animal assustado se encolhia no canto de sua gaiola sempre que ela se apro-
ximava. A mãe de Minnie lhe fez um discurso sério sobre tratar bem os animais. Então, a menina
correu de volta até a gaiola e disse: “Agula má. Astronauta de meia-tigela.”
Marcy estava fascinada por bebês. Ela e sua mãe foram visitar sua tia, que tinha dado à luz
um bebê duas semanas antes. Marcy observava tudo o que o bebê fazia. “Olhe as pernas dele se
mexendo. Ele tem mãos e punhos como nós!” Ela queria segurar o bebê. Sentou-se em uma cadei-
ra e lhe deram o priminho. Ela ficou imóvel e extasiada por 30 minutos, como se sentisse o quanto
ele era frágil. Quando a fralda foi mudada, os olhos de Marcy ficaram atentos ao processo. Ela
perguntou sobre sua “salsicha”. Ela não ousou tocar nela. Mas, mais que tudo, parecia consciente
e inquisitiva sobre de onde vinham a urina e as fezes do bebê. “É dali que sai? Eu queria poder
ver – apenas uma vez. Posso, mamãe? Olhe o cocô dele, é tão mole. É o mesmo que o meu? Ele
vem da barriga dele ou o dos meninos vem das salsichas deles?” “Eu posso ter um bebê como
ele?” Nas semanas seguintes, Marcy empurrava a barriga para fora, enquanto andava pela casa.
Ela sonhava em ter um bebê. Vestia suas bonecas e colocava fraldas nelas. Colocava-as no peito e
as amamentava. Falava com uma voz gentil e aguda com cada uma delas. Ela desejava tanto que
seu sonho pudesse se tornar realidade: ser um bebê novamente. Ela poderia facilmente abalar-se
se alguém desvalorizasse seus esforços. “Você não pode ter um bebê até crescer.” O pensamento
desejoso de Marcy era muito importante para ela.
Os contos de fadas sempre foram uma forma em que pais e filhos puderam compartilhar
esse maravilhoso mundo de magia. Os temas da vida de uma criança nessa época – sentimentos
de raiva, diferenças entre meninos e meninas, desejos em relação aos pais – são todos tratados nos
contos de fada. Cinderela e o príncipe, as malvadas meias-irmãs e a madrasta revelam as fantasias
latentes que todas as crianças compartilham. Quando os pais leem esses contos para seus filhos de
quatro, cinco e seis anos, eles também entregam-se às fantasias, ao horror, aos sentimentos mais
profundos refletidos neles. As histórias livres de conflito e as personagens leves e carinhosas de
muitas histórias contemporâneas não conseguem alcançar esses sentimentos mais profundos, e as
fitas de vídeo repletas de ação sobrecarregam a imaginação de crianças dessa idade.
Cinderela pode tornar-se uma princesa, em vez da criada que deve ajudar seus pais. A ma-
drasta malvada de Cinderela pode ser o lado mais sombrio da própria mãe da criança. Ou ela pode
ser a mãe prejudicada a quem Cinderela espera que seu pai rejeite. Cinderela pode, então, tornar-se
a fêmea triunfante que supera todos os seus adversários. As meias-irmãs malvadas representam
todos os problemas de irmãos e sua rivalidade. A história de Cinderela torna seguro tanto o ódio
quanto a competição entre eles. Sentimentos ambivalentes ou aparentemente contraditórios são
universais, mas são perturbadores e difíceis de conciliar. Na medida em que triunfa como princesa,
Cinderela pode até perdoar suas meias-irmãs e torná-las princesas. Que mundo se abre para uma
criança que compartilha essa história com seus pais! É importante para nós como pais compartilhar
dessas histórias, mas também é importante que permitamos às crianças saboreá-las à sua própria
maneira – e com total privacidade. Nós podemos muito facilmente retirar a segurança, quando tor-
78
A expressão dramática na Educação Infantil

namos os temas das histórias das crianças explícitos demais. Com a proteção do faz de conta, uma
criança pode ousar sonhar.
Polícia e ladrão. Bruxas e rainhas. A menina boa e a má. Na fantasia e no brinquedo, tudo
isso pode ser conciliado.

Nesta unidade, nosso trabalho em grupo envolve a prática da expressão dramática na Educação
Infantil. A arte de contar histórias é fundamental para um educador de crianças. E ela pode ser conju-
gada com a expressão dramática, ampliando a percepção, a imaginação, o desenvolvimento psicomotor
dos alunos.
Então, vamos ver se realmente sabemos contar uma boa história infantil. Formem grupos de
cinco ou seis integrantes. Cada um escolhe uma historinha bem conhecida. Cuidem para que as his-
tórias não se repitam.
Depois, cada grupo vai preparar uma apresentação da história eleita e contá-la aos demais co-
legas, valorizando a expressão dramática (inclusive o uso de diferentes vozes) e corporal. Os grupos
vão ensaiar suas apresentações.
Quando todos estiverem prontos, a turma sentará em círculo e vocês começarão uma sessão de
“contação de histórias”. Todos devem participar. Ao final de cada apresentação, avaliem se o grupo
conseguiu contar a história de forma dinâmica, atraente e divertida.

ABRAMOVICH, Fanny. Teatro na Educação: o que é afinal? (s.d.) Disponível em: <www.wooz.org.
br/teatroeducacao.htm>. Acessado em: 15 nov. 2004.
BEAUDOT, Alain. A Criatividade na Escola. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
BOAL, Augusto. 200 exercícios e Jogos para o Ator e o não – Ator com Vontade de Dizer algo
através do Teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
BRAZELTON, T. Berry; SPARROW, Joshua D. 3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento
infantil. Porto Alegre: Artmed, 2003.
HAETINGER, Max G. Criatividade: criando arte e comportamento. 5. ed. Porto Alegre: Criar,
1998.
SLADE, Peter. O Jogo Dramático Infantil. São Paulo: Summus, 1978.
SPOLIN, Viola. Improvisação Teatral. São Paulo: Perspectiva, 1982.
STOKOE, Patrícia; HARF, Ruth. Expressão Corporal na Escola. São Paulo: Summus, 1987.

79
A expressão dramática na Educação Infantil

80
Recreação e lazer
Vídeo Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

Recreação e lazer na Educação


Não é do trabalho que nasce a civilização: ela nasce do tempo livre e dos jogos.
Alexandre Koyré

A
gora vamos conversar sobre duas palavras fundamentais para a educação: a recreação e o lazer. A
primeira está diretamente ligada ao processo de ensino-aprendizagem infantil. Já a segunda refere-
se a uma prática voltada à qualidade de vida ou, como alguns chamam, qualidade na vida.
Durante muito tempo, pensava-se que a recreação e o lazer eram praticamente a mesma coisa.
Talvez porque, popularmente, esses termos estejam relacionados ao período em que não se trabalha,
quando as pessoas podem fazer “o que bem entendem”.
A palavra lazer tem origem latina e significa “ser permitido”, referindo-se à oposição ao traba-
lho. No entanto, a literatura educacional apresenta uma certa confusão entre essas palavras, veiculan-
do-as como sinônimos. Então, o primeiro passo para nosso estudo é resgatarmos algumas referências
sobre o lazer e a recreação, a fim de definir tais conceitos.
A professora Lenea Gaelzer (1979), que foi uma das grandes pioneiras e incentivadoras do desen-
volvimento da recreação e da promoção do lazer na escola, fornece algumas definições importantes.
Recreação: uma experiência na qual o indivíduo participa por escolha, pelo prazer e pela
satisfação pessoal que dela obtém diretamente.
Atividade recreativa: aquela que não é conscientemente executada com o propósito de
obter recompensa além dela mesma, proporcionando ao homem um escape para as forças
físicas, criadoras, e na qual ele participa por desejo íntimo e não por compulsão.
Lazer: é a harmonia individual entre a atitude, o desenvolvimento integral e a disponibi-
lidade de si mesmo. É um estado mental ativo associado a uma situação de liberdade, de
habilidade e de prazer.
Analisando esses conceitos, podemos destacar alguns pontos que nos ajudam a entender a re-
creação e o lazer como práticas da escola infantil.
A recreação é uma atividade de lazer, ou seja, está dentro do lazer.
As atividades recreativas são ações práticas da recreação.
Tanto a recreação quanto o lazer relacionam-se ao ato de ter prazer.
Os dois estão ligados à liberdade de expressão e à escolha do ser humano.
Sem dúvida, os conceitos são semelhantes. Mas observe que o lazer contém a recreação e esta
engloba as atividades recreativas.
81
Recreação e lazer

Na realidade escolar, esses termos adquirem significados mais específicos.


As atividades recreativas e de lazer têm enfoques e diferenças muito importantes,
apesar de as principais teorias sobre o assunto não demonstrarem isso. Sem dú-
vida, esses conceitos são alterados em virtude das práticas pedagógicas e de suas
distintas circunstâncias.
A recreação na escola abrange as atividades lúdicas de cunho divertido e
prazeroso, possibilitando o desenvolvimento de fatores como socialização, cola-
boração, vivências corporais e emocionais para crianças e jovens, além de apri-
morar as competências e habilidades dos educandos.
As práticas de recreação escolar podem ser livres (justamente como expressam
os conceitos vistos anteriormente), ou dirigidas – o que geralmente acontece nos am-
bientes de ensino. A recreação é uma atividade mediada pelos professores e recreacio-
nistas, os quais não costumam permitir a participação livre ou opcional do aluno.
Então, isso significa que a recreação escolar não é recreação?
O cotidiano escolar não é tão rígido como as palavras e os conceitos teóricos.
A recreação escolar pode ser definida como atividades e brincadeiras desenvolvi-
das dentro de um ambiente escolar, mediadas por professores ou recreacionistas e
voltadas para a expressão humana com prazer e alegria, para o desenvolvimento
de habilidades motoras e para a promoção da afetividade e das trocas sociais. No-
tem que esse conceito inclui uma palavra muito importante: alegria. A recreação
escolar deve sempre promover a alegria e gerar o prazer, a motivação e a integra-
ção dos participantes.
A recreação fundamenta-se em atividades ou jogos recreativos. Você já sabe
como os jogos são importantes para as ações educacionais, não é mesmo? O jogo
recreativo tem um caráter essencial na Educação Infantil. Ele trabalha a cognição,
a afetividade, a motricidade e a criatividade da criança, colaborando para seu
desenvolvimento integral.
Em virtude dessa abrangência, as atividades recreativas devem embasar as
práticas pedagógicas na escola infantil. Esse tipo de atividade não apenas contribui
para um desenvolvimento sadio na infância como também pode ser usado em
todas as fases do processo educativo.

Curiosidade 1: nos Estados Unidos, as primeiras iniciativas no sentido da re-


creação surgiram em 1853, quando o Poder Público de Nova York adquiriu uma
grande área verde, chamada hoje de Central Park.
82
Recreação e lazer

Curiosidade 2: segundo Butler, em 1886 surgia o primeiro jardim de infância, no qual a doutora
Zakrzorvska trabalhava com crianças em um jardim com uma caixa de areia, baseando-se nas
ideias alemãs do “jardim de crianças”.

Educação para o lazer


Como vimos anteriormente, o lazer expressa uma situação de liberdade e prazer. Mas não é
uma atividade mediada – isto é recreação escolar! Mesmo que os professores não devam interferir
diretamente no lazer de seus alunos, eles precisam educá-los para o lazer.
O lazer amplia a qualidade de vida, gera prazer e alegria, corresponde ao bom uso do tempo
livre. Além disso, os momentos de lazer colaboram para o desenvolvimento do senso crítico, da criati-
vidade e da autonomia para a tomada de decisão. Nesse sentido, as experiências recreativas escolares
podem proporcionar uma educação para o lazer.
Educar as crianças para o lazer é prepará-las para o melhor aproveitamento de seu tempo livre
durante a infância – o que também servirá de base para suas escolhas na vida adulta. É mostrar parâ-
metros de atividade que podem ser interessantes nos momentos de lazer, quando as ações dos alunos
não estão sendo mediadas por seus professores.
Atualmente, a escola deve justamente ressaltar a importância do tempo livre, pois todo ser
humano necessita de lazer para ser mais feliz e criativo. É preciso desmistificar a ideia industrial e
positivista de que o ócio é um pecado ou mesmo um sinônimo de vagabundagem. Modernamente,
essa visão é ultrapassada. Sabemos o quanto o tempo livre é necessário para qualificar o trabalho, a
aprendizagem e tantas outras atividades humanas. Segundo Camargo (1999, p. 33),
Vivemos em uma civilização do tempo livre, em que este já é quase igual, às vezes maior do que o tempo de tra-
balho. Mas ainda estamos longe de uma civilização do Lazer, em que as pessoas saibam ocupar esse tempo livre
com atividades que efetivamente lhes divirtam e contribuam para o seu desenvolvimento pessoal.

Esse pensamento é a mais pura verdade. Não fomos educados para entender o nosso tempo li-
vre. Geralmente, os adultos andam do trabalho para casa. E, ao chegarem em casa, tendem a continu-
ar trabalhando, mesmo quando não estão executando tarefas profissionais. Essa falta de momentos de
pausa, de escape, de livre movimentação, eleva o nível de estresse do organismo (um mal tipicamente
moderno) e dificulta o desenvolvimento pessoal, a vida afetiva e o convívio social.
Por esses motivos, faz-se necessária uma ocupação adequada e prazerosa do tempo livre, seja
por parte das crianças ou dos adultos. O mundo contemporâneo, além de demonstrar significativos
avanços tecnológicos, propõe a evolução pessoal do homem, a qual requer a consciência e a educação
para o uso do tempo livre dentro e fora da escola.

Hoje, escolhemos um trecho da entrevista concedida a Maria Serena Palieri pelo professor e
sociólogo Domenico de Masi. Durante essa conversa, Masi expõe suas ideias sobre o ócio, o trabalho
e o tempo livre.
O trecho apresentado a seguir foi extraído do livro O Ócio Criativo (Sextante, 2000, p. 15-17),
de De Masi.
83
Recreação e lazer

Professor De Masi, há quem fale do senhor como “profeta do ócio”. E há quem chegue a
dizer que preconiza o advento de um mundo parecido com o “país do chocolate”, do famoso
filme com Gene Wilder. Rótulos irritantes, imagino. Que relação têm com o seu verdadeiro
modo de pensar?
Eu me limito a sustentar, com base em dados estatísticos, que nós, que partimos de uma
sociedade onde uma grande parte da vida das pessoas adultas era dedicada ao trabalho, estamos
caminhando em direção a uma sociedade na qual grande parte do tempo será, e em parte já é,
dedicada a outra coisa. Esta é uma observação empírica, como a que foi feita pelo sociólogo americano
Daniel Bell quando, em 1956, nos Estados Unidos, ao constatar que o número de colarinhos brancos
ultrapassava o de operários, advertiu: “Que poder operário que nada! A sociedade caminha em
direção à predominância do setor de serviços.” Aquela ultrapassagem foi registrada por Bell. Ele não
a adivinhou ou profetizou. Da mesma maneira, eu me limito a registrar que estamos caminhando
em direção a uma sociedade fundada não mais no trabalho, mas no tempo vago.
Além disso, sempre com base nas estatísticas, constato que, tanto no tempo em que se trabalha
quanto no tempo vago, nós, seres humanos, fazemos hoje sempre menos coisas com as mãos e sempre
mais coisas com o cérebro, ao contrário do que acontecia até agora, por milhões de anos.
Mas aqui se dá mais uma passagem: entre as atividades que realizamos com o cérebro, as mais
apreciadas e mais valorizadas no mercado de trabalho são as atividades criativas. Porque mesmo as
atividades intelectuais, como as manuais, quando são repetitivas, podem ser delegadas às máquinas.
A principal característica da atividade criativa é que ela praticamente não se distingue do
jogo e do aprendizado, ficando cada vez mais difícil separar essas três dimensões que antes, em
nossa vida, tinham sido separadas de uma maneira clara e artificial. Quando trabalho, estudo e
jogo coincidem, estamos diante daquela síntese exaltante que eu chamo de ócio criativo.
Assim sendo, acredito que o foco dessa nossa conversa deva ser esta tríplice passagem da
espécie humana: da atividade física para a intelectual, da atividade intelectual de tipo repetitivo à
atividade intelectual criativa, do trabalho-labuta nitidamente separado do tempo livre e do estudo
ao ócio criativo, no qual estudo, trabalho e jogo acabam coincidindo cada vez mais.
Essas três trajetórias conotam a passagem de uma sociedade que foi chamada de industrial a uma
sociedade nova. Podemos defini-la como quisermos. Eu, por comodidade, a chamo de pós-industrial.
Quer uma imagem física dessa mudança? Nós, nestes milhões de anos, desenvolvemos um
corpo grande e uma cabeça pequena. Nos próximos séculos, provavelmente reduziremos o corpo
ao mínimo e expandiremos o cérebro. Um pouco como já acontece através do rádio, da televisão,
do computador – a extraordinária série de próteses com as quais aumentamos o poder da nossa
cabeça e ampliamos o seu raio de ação.
O resultado disso tudo não é o dolce far niente. Com frequência, não fazer nada é menos
doce do que um trabalho criativo.
O ócio é um capítulo importante nisso tudo, mas para nós é um conceito que tem um sentido
sobretudo negativo. Em síntese, o ócio pode ser muito bom, mas somente se nos colocamos de
acordo com o sentido da palavra. Para os gregos, por exemplo, tinha uma conotação estritamente
física: trabalho era tudo aquilo que fazia suar, com exceção do esporte. Quem trabalhava, isto é,
suava, ou era um escravo ou era um cidadão de segunda classe. As atividades não físicas (a polí-
tica, o estudo, a poesia, a filosofia) eram “ociosas”, ou seja, expressões mentais, dignas somente
dos cidadãos de primeira classe.

84
Recreação e lazer

A escola contemporânea
Nos últimos 20 anos, temos presenciado mudanças lentas, mas constantes,
nos ambientes escolares. Antes disso, as instituições de ensino encaravam o ato de
aprender como um sinônimo de memorização. Hoje, elas percebem que a trans-
formação é fundamental.
Felizmente, significativas mudanças podem ser observadas atualmente,
como a preocupação dos educadores em se manterem continuamente reciclados,
aprimorando seus métodos e ações pedagógicas. O educador já sabe que, se não
buscar sua reciclagem, terá cada vez mais dificuldades para se comunicar com
seus alunos e para qualificar o processo de ensino-aprendizagem.
Nesse contexto, também percebemos uma sensível evolução da recreação.
As atividades e jogos recreativos estão evoluindo na Educação Infantil, sendo
cada vez mais valorizados. De brincadeiras ultrapassadas, como “atirei o pau no
gato” e “escravos de Jó”, estamos promovendo práticas que possibilitam vivências
específicas para facilitar o desenvolvimento psicomotor dos educandos.
Já em relação ao lazer, talvez as instituições de ensino ainda precisem se dedi-
car mais à promoção da educação para o lazer. O ambiente escolar é um lugar propí-
cio para as crianças aprenderem a fazer boas escolhas para os momentos de ócio.
O uso qualitativo do tempo livre não está associado ao nível socioeconômi-
co do indivíduo, mas à educação para tal. Como alguém, criança, jovem ou adulto,
poderá aproveitar conscientemente e criticamente o seu tempo de folga quando
não é educado para isso?
Algumas pesquisas revelam que os executivos, por exemplo, têm dificuldade
para separar a atividade profissional do tempo livre, assim prolongando a jornada
de trabalho em todos os momentos de suas vidas. Apesar de a atual sociedade ofe-
recer mais tempo livre (férias remuneradas, direito ao descanso semanal etc.) do que
no passado, e inúmeras opções de lazer, nem sempre sabemos identificar a melhor
forma de aproveitar esses períodos. E assim a vida torna-se um círculo vicioso de
trabalho. Camargo (1999, p. 87) ilustra os problemas ocasionados pela opção de um
estilo de vida com pouco espaço para os verdadeiros momentos de lazer:
O custo desse estilo de vida é alto e será cobrado a longo e a curto prazo. A curto prazo,
ele pagará com a própria mutilação cultural e com a diminuição da variedade de interesses
existenciais, além do sacrifício do necessário equilíbrio entre família, trabalho e lazer.
A longo prazo, ele pagará o preço, quem sabe, com o estresse e, certamente, com um sen-
timento indefinível de perda existencial ao constatar que os filhos cresceram sem que ele
sequer percebesse, ao ver os problemas do lar que o trabalho o impediu de cuidar.

Nós, educadores, devemos oportunizar uma educação abrangente, voltada


para o desenvolvimento pessoal e social. Educar não é fazer o aluno decorar, re-
produzir ou imitar, nem somente estimular a cognição ou a psicomotricidade: é
também educar para o lazer e para a vida.

Educar é preparar o indivíduo para a vida!


Educar para o lazer é colaborar para a felicidade das pessoas!

85
Recreação e lazer

Os projetos de aprendizagem
Uma ótima prática pedagógica que tem sido difundida na educação contem-
porânea é o desenvolvimento de projetos de aprendizagem. Esse tipo de atividade
baseia-se nos interesses e na curiosidade dos alunos e requer uma intensa nego-
ciação entre os atores do processo educacional.
Atualmente, muitas escolas estão valorizando os projetos de aprendizagem
porque constituem uma metodologia eficiente para a abordagem de conteúdos de
forma lúdica, instigadora, multidisciplinar e integrada à vida cotidiana.
Um trabalho pedagógico baseado em projetos serve para estimular o espí-
rito investigativo e colaborativo, a descoberta em grupo, a autonomia e a atitude
para a tomada de decisão e a busca de respostas, sempre aproximando os objetos
de conhecimento da realidade vigente na comunidade.
Ao incitar a atitude crítica e investigadora, esse tipo de atividade acaba
colaborando para a educação em todos os sentidos. Os projetos de aprendizagem
contribuem inclusive na educação para o lazer, pois os educandos aprendem a
investigar diferentes hipóteses e fazer determinadas escolhas – atitudes que serão
colocadas em prática nas diversas situações do cotidiano.
Para desenvolver projetos de aprendizagem em sua escola, é preciso adotar
procedimentos fundamentais para que eles integrem não somente os conteúdos,
mas também vivências múltiplas e enriquecedoras para os alunos. Observe as
dicas a seguir.
Todo projeto deve nascer de um tema relevante e aceito por toda a comu-
nidade escolar, não só pelos professores.
Devemos elaborar os projetos de forma multidisciplinar e interdisciplinar,
integrando professores e conteúdos das mais diversas áreas do
conhecimento.
Os projetos devem ter começo, meio e fim bem determinados.
Na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, os projetos devem estar
embasados em atividades lúdicas.
Qualquer projeto requer o gosto pela inovação, pela pesquisa e pelo
trabalho.

O espaço físico para


as atividades da Educação Infantil
Quando falamos de crianças e movimento, uma das coisas mais importantes
a ser discutida e pensada é o espaço físico disponível para suas atividades,
convivência e aprendizagem. A escola de Educação Infantil deve ter espaços
funcionais, a fim de atender à diversidade de ações pedagógicas e às necessidades
do seu público-alvo.
O ideal seria que toda escola infantil tivesse salas-dormitório, salas de estar,
refeitório, locais fechados e abertos para jogos e brincadeiras que exigem espaços
86
Recreação e lazer

mais amplos, salas para o trabalho com brinquedos e livros, salas para as atividades
artísticas, áreas verdes, horta e playground. No entanto, nem todas as instituições
possuem esses ambientes. Por sinal, o espaço da escola parece estar diminuindo ao
invés de aumentar.
A minimização do espaço escolar afeta o desenvolvimento integral das
crianças à medida que implica a restrição de movimentos físicos e de certas ativi-
dades pedagógicas. Na infância, o movimento é fundamental para o desenvolvi-
mento da inteligência e de habilidades motoras específicas.
Outro aspecto a ser destacado é a segurança dos ambientes da escola in-
fantil. São espaços realmente apropriados às crianças? São seguros? Possuem
escadas? O chão é desnivelado ou feito de materiais muito rígidos? As janelas
têm redes de proteção?
Esses são alguns questionamentos pertinentes para o devido preparo dos
espaços escolares. Lembrem que um lugar inseguro limita a atuação e a movi-
mentação das crianças. Mas também não deixe que o cuidado excessivo passe a
ser um elemento limitador das explorações do ambiente por parte dos alunos.
Quando organizamos os espaços da escola infantil, também é preciso pen-
sar na saúde dos educandos. As atividades ao ar livre e as áreas verdes são bas-
tante saudáveis. Porém, devem ser evitadas as plantas venenosas, exóticas ou com
espinhos e folhas e galhos pontiagudos. A famosa caixa de areia do playground
requer cuidado e higienização constantes. Na dúvida, procure o auxílio de órgãos
municipais e estaduais responsáveis pela defesa sanitária.
Além de todos esses cuidados, os espaços da escola infantil devem ser ne-
cessariamente lúdicos. Os objetos, as paredes e as áreas de circulação podem ter
uma proposta decorativa que estimule a imaginação e a criatividade das crianças.
Inclusive, é muito importante que os próprios alunos contribuam para a decoração
e a manutenção dos espaços, pintando painéis, murais, cuidando de flores etc.
Enfim, devemos pensar com muito carinho e atenção sobre como distribuir
e otimizar os espaços da escola infantil. Não existem fórmulas prontas para isso,
pois todas as estratégias e ações pedagógicas requerem uma adequação às reali-
dades locais. No entanto, contamos com interessantes sugestões de pesquisadores
deste assunto.
Neste sentido, destacamos as ideias da professora Maria Jaume (In: ARRI-
BAS et al., 2004) sobre a configuração e a distribuição dos espaços destinados às
atividades pedagógicas e recreativas na infância. A autora indica a organização
dos espaços conforme a idade do público escolar, com ambientes distintos para o
atendimento de crianças de 0 a 3 anos e de 3 a 6 anos.
Complementando essa sugestão e considerando o desenvolvimento motor
infantil e o tipo de atividade apropriada a cada fase, indicamos a criação de dife-
rentes espaços para as seguintes faixas etárias: 0 a 2 anos, 2 a 4 anos, 5 e 6 anos.
Por exemplo: as crianças deslocam-se pouco na primeira fase. Já na última, elas
correm, conversam e se agitam fisicamente, exigindo áreas mais amplas.
A professora Maria Jaume também ressalta algumas necessidades específi-
cas da criança, as quais devem ser consideradas durante a organização dos espa-
ços da escola. Cada necessidade requer um tipo de ambiente.
87
Recreação e lazer

Necessidades afetivas: ambientes interligados que sugiram segurança e


estabilidade para a criança.
Necessidade de autonomia: ambientes onde a criança possa interagir
livremente.
Necessidade de movimento: espaços apropriados às atividades corpo-
rais, que proponham desafios para o desenvolvimento de habilidades
motoras.
Necessidade de socialização: ambientes para a convivência, a comuni-
cação e o relacionamento entre as crianças.
Necessidades fisiológicas: locais específicos para dormir e comer, ba-
nheiros adequados a cada faixa etária.
Necessidades de descoberta e exploração: espaços ricos em estímulos
e objetos.
Finalmente, selecionamos dois tipos de distribuição de ambientes para ilus-
trar a adequação do espaço físico da escola infantil. As plantas apresentadas a
seguir são indicadas por Maria Jaume (In: ARRIBAS et al., 2004, p. 378-379).

(ARRIBAS et al., 2004, p. 378)


Tipologia A: os espaços são organizados a partir de um eixo longitudinal

88
Recreação e lazer

(ARRIBAS et al., 2004, p. 379)


Tipologia B: os espaços são organizados de forma radial
a partir de um espaço central

Hoje, nossa mensagem está voltada para algumas reflexões pessoais. A partir do poema “Ins-
tantes”, de Jorge Luis Borges, esperamos que você reflita sobre o seu estilo de vida, os seus valores e
as suas escolhas.

Instantes
Anônimo

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,


na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais,
seria mais tolo ainda do que tenho sido.
Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria em montanhas, nadaria mais em rios.

89
Recreação e lazer

Iria a mais lugares onde nunca fui,


tomaria mais sorvetes e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas
que viveu sensata e profundamente cada minuto de sua vida;
claro que tive momentos de alegria.
Mas se pudesse voltar atrás,
trataria de ter somente bons momentos.
Porque se não sabem,
disso é feita a vida,
só de momentos,
não percas o agora.
Eu era um desses que não ia a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuvas e um paraquedas.
Se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até terminar o outono.
Daria mais voltas em ruelas,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez a vida pela frente.
Mas já tenho 85 anos e sei que estou morrendo.
(Disponível em: <www.hum.au.dk/romansk/borges/bsol/iainst.htm>. Acesso em: 30 nov. 2004. Tradução nossa.)

Agora, vamos propor um desafio muito importante para que vocês aprofundem os estudos desta
unidade: criar uma paródia (música conhecida com letra adaptada) para falar sobre o lazer e a recre-
ação de forma descontraída.
Reúnam-se em grupos de cinco ou seis integrantes para realizar a tarefa proposta. Após a con-
clusão, todos os grupos vão apresentar aos colegas suas produções criativas. Posteriormente, cada
grupo encaminhará uma cópia escrita da sua paródia aos tutores, indicando o nome dos participantes
e da música original.
Organização, colaboração, cooperação e criatividade são elementos fundamentais para a reali-
zação desse trabalho.
90
Recreação e lazer

CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Educação para o Lazer. São Paulo: Moderna, 1999.
GAELZER, Lenea. Lazer, Bênção ou Maldição? Porto Alegre: Sulina, 1979.
HAETINGER, Max G. Criatividade: criando arte e comportamento. 5. ed. Porto Alegre: Criar,
1998.
JAUME, Maria A. R. O ambiente e a distribuição de espaços. In: ARRIBAS, Teresa L. et al. Edu-
cação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar. Porto Alegre: Artmed, 2004. p.
363-377.
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 6. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
MORIN, Edgar. Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro. 8. ed. São Paulo: Cortez:
Unesco, 2003.
ROGERS, Carl. Tornar-se Pessoa. Lisboa: Moraes Editores, 1970.

91
Recreação e lazer

92
Educação e criatividade
Vídeo
Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

A criatividade e o brincar

C
riatividade é a capacidade humana de gerar novas ideias ou ações, o que independe do nível ou
classe social, mas depende do meio no qual o sujeito está inserido. Esse conceito pode ser mais
bem entendido a partir das quatro categorias definidas por Rodhes (apud KNELLER, 1978).
Do ponto de vista da pessoa que está criando, a ação criativa é fisiológica e tem como base
os temperamentos humanos, os hábitos e as atitudes criativas.
Os processos mentais criativos englobam a percepção, a motivação, o pensamento, a apren-
dizagem e a comunicação.
A criatividade está associada com as relações entre os homens e com os fatores ambientais e
culturais. Portanto, é fruto da interação entre homens, objetos e meio.
A criatividade pode ser definida em virtude de seus produtos: pinturas, conceitos, teorias, inven-
ções, esculturas, poemas, filmes etc. Mas essas são as formas estereotipadas das ações criativas.
Kneller lembra ainda que as distintas definições de criatividade estão sempre relacionadas com
o conceito de novidade ou inovação. Assim, a ação criativa é a própria essência da transformação e
das mudanças, tanto exteriores ao ser quanto internas. Mas também é possível compreender a cria-
tividade como a base do ato de liberdade, ou melhor, da ação libertadora, pois a criação associa-se à
formação do senso crítico.
No contexto escolar, a criatividade pode transformar a relação do sujeito com o conhecimento.
As atitudes e as ações criativas correspondem a meios para a compreensão e a alteração da realidade.
Todo ato criativo expressa a percepção que alguém tem acerca do mundo, acerca de uma ideia ou si-
tuação. O indivíduo necessariamente usa o seu entendimento da dimensão real para criar algo novo.
A criatividade potencializa a imaginação humana e, consequentemente, modifica o método pelo
qual as pessoas lidam com a informação e o processamento da informação. A importância da criativi-
dade como método é ressaltada por Rogers quando afirma que: “A sobrevivência dos povos depende
da capacidade criadora do homem” (apud KNELLER, 1978, p. 19).
Analisando a criatividade sob o ponto de vista educacional e considerando o processo ensino--
-aprendizagem, observamos distintas formas para a abordagem desse fenômeno. Nesse sentido, as
professoras Dinah Campos e Mirian Weber (1987) classificaram alguns conceitos de criatividade de
acordo com diferentes escolas.
Escola Behaviorista: vê a criatividade como o ato de produzir novas ideias a partir de ou-
tras pregressas, caracterizando as associações por ensaio e erro e dando a impressão de que
quanto mais associações um sujeito faz, mais criativo será. Desse modo, a criatividade está
associada à quantidade de informação e ao seu processamento. Modernamente, os behavio-
ristas relacionam o ato criador com os processos de estímulo e resposta.
93
Educação e criatividade

Gestalt: conceitua a criatividade como uma reorganização das estruturas


cognitivas. Para Wertheimer, o criador da Gestalt, uma descoberta não
significa necessariamente algo novo, mas representa uma situação perce-
bida de maneira diferente, implicando a ampliação do campo perceptivo
do indivíduo.
Escola Psicanalítica: destaca o desempenho do inconsciente como base
do pensamento criativo. O consciente e o ego são aspectos secundários.
Determina o caráter criador e criativo ao inconsciente. Muitos psicana-
listas se opõem a essas ideias. Kneller, por exemplo, afirma que “a pes-
soa cria apesar da neurose e não por causa dela”.
Humanistas ou Fenomenologistas: como Rogers, outros teóricos des-
sa corrente pensam que o indivíduo cria por estar aberto a todo tipo de
experiência. Um sujeito pode confiar na sua criatividade como essência
construtiva.
Nos ambientes educacionais, a criatividade deve ser potencializada pelas
ações pedagógicas. Como define Novaes, é fundamental favorecer “a mobilização
do potencial criativo em todas as disciplinas e assuntos, dando valor ao pensa-
mento produtivo, uma vez que a criatividade estará presente em várias situações
e diversidade de assuntos” (1980, p. 13).

O brincar
O brincar é a essência do pensamento lúdico e caracteriza as atividades execu-
tadas na infância. As brincadeiras são uma forma de expressão cultural e um modo
de interagir com diferentes objetos de conhecimento, implicando o processo de apren-
dizagem. Tendo em vista esse conceito, percebemos que o ato de brincar acompanha
o desenvolvimento da inteligência, do ser humano, das sociedades e da cultura.
De acordo com o psicanalista Winnicott (1975), a criança, quando brinca, ma-
nipula fenômenos externos que estão a serviço do sonho. Ela veste esses fenômenos
com significados e sentimentos oníricos e isso representa uma operação do imaginá-
rio e a exploração da criatividade. De acordo com o autor, “é no brincar, e somente no
brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personali-
dade integral; e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o seu eu”.
Essa citação demonstra a relação imprescindível entre o criar e o brincar.
É fundamental para entendermos que a criatividade está associada às atividades
lúdicas e às brincadeiras e não às tarefas formais e racionais. A brincadeira pos-
sibilita a livre associação de ideias, pensamentos, impulsos e sensações. Brincar
também tem a ver com o prazer. Uma brincadeira, sendo ou não criativa, deve
sempre proporcionar prazer ao participante.
As experiências do brincar na escola auxiliam a formação de vínculos entre
alunos e professores e certamente facilitam a aprendizagem. Brincar faz parte do
desenvolvimento sadio e pleno dos indivíduos. Na educação, a brincadeira fun-
ciona como uma vivência ou uma simulação de experiências e conteúdos, apro-
ximando-os do universo dos alunos. Independente da idade dos participantes, as
brincadeiras criativas resgatam o caráter lúdico, o prazer, a alegria, o poder de
imaginar e criar próprios do ser humano.
94
Educação e criatividade

Para ampliar nossa visão sobre a criatividade, selecionamos uma importante contribuição de
Jean Piaget a respeito do tema.
O texto “Criatividade”, de Jean Piaget, foi extraído de Criatividade: psicologia, educação e
conhecimento do novo (Moderna, 2001, p. 11-20), organizado por Mário S. Vasconcelos.

Criatividade
Existem dois problemas envolvidos em uma discussão sobre a criatividade. O primeiro pro-
blema é o das origens ou causas da criatividade. O segundo é o do mecanismo: como ela acontece?
Qual o processo de um ato criativo? Como alguém cria algo novo? Sem existir antes, como algo
novo pode surgir?
Gostaria primeiramente de dizer algumas palavras sobre as origens ou causas da criatividade.
Está muito claro que a sua origem ainda é coberta de mistérios. De fato, alguns indivíduos são visivel-
mente mais criativos do que outros, mas isso com certeza não é apenas uma questão de genialidade. Na
verdade, a origem da criatividade permanece misteriosa, mesmo que esteja presente em todos nós.
Agora é moda entre alguns psicólogos, quando eles se deparam com algo que é difícil de
explicar, chamá-lo de inato ou hereditário, como se essa fosse uma explicação. Mas absolutamen-
te não é uma explicação, e desse modo só transferem o problema para o campo da biologia. E, na
biologia, estamos muito longe de ser capazes de explicar qualquer tipo de atitude mental, que dirá
a criatividade. Criatividade não é apenas uma questão de precocidade em indivíduos que se torna-
ram muito criativos. Os indivíduos não são sempre precoces. Mozart, é claro, é um dos melhores
exemplos de uma alma precoce e criativa. Mas muitos outros se tornaram criativos muito mais
tarde em suas vidas, foi bem mais tarde que tiveram as ideias mais originais.
O melhor exemplo disso é Kant. Por muitos anos, ele não foi um kantiano. A maior parte de
sua vida passou como um discípulo de Wolf, e foi só nos seus últimos anos que sua própria origi-
nalidade emergiu. Então, a princípio, a origem da criatividade para mim permanece um mistério
e não é explicável. Mas, como disse um momento atrás, todo indivíduo que realiza um trabalho e
tem ideias novas, mesmo que modestas, cria-as no curso de seus esforços.
Algumas palavras a mais sobre a origem da criatividade. No percurso da minha vida, tenho
criado uma ou duas ideias e quando reflito sobre suas origens penso que existem três condições.
A primeira é trabalhar sozinho, ignorar qualquer um e suspeitar de qualquer influência de fora.
Quando era estudante, tive um professor de física que dizia: “Sempre que você começar a trabalhar
em um novo problema, não leia nada. Em vez disso, vá tão longe quanto puder por conta própria.
Depois de, sozinho, ter ido tão longe quanto pôde e ter chegado à sua solução, então leia e leve em
conta o que tem sido escrito sobre o assunto, fazendo as correções que julgar necessárias.” Temo ter
levado o conselho muito a sério, isto é, devo ter lido muito pouco. Mas para me consolar, ou deixar
de lado qualquer sentimento de culpa que possa ter, gosto de pensar na fala de Freud: “A maior
punição que a divindade envia para alguém que escreve é ter de ler os trabalhos de outros.”
A segunda condição que acho necessária é ler uma grande quantidade de coisas em outras
áreas, e não apenas ler trabalhos da própria área. Para um psicólogo, por exemplo, é importante
95
Educação e criatividade

ler biologia, epistemologia, lógica, para que se possa promover uma visão interdisciplinar. Não ler
somente no seu próprio campo, mas ler muito nas áreas próximas e relacionadas.
E um terceiro aspecto, e aí penso em meu caso, é que sempre tive na cabeça um adversário,
isto é, uma escola de pensamentos cujas ideias algumas pessoas consideram erradas. Talvez co-
meta injustiças e as deforme tornando-as adversárias, mas sempre tomo as ideias de alguém como
um contraste [...].
Agora gostaria de continuar com o segundo aspecto que mencionei, que é o mecanismo da
criatividade. Acho que o estudo da psicologia da inteligência pode nos ensinar muito sobre essa
questão. O desenvolvimento da inteligência é uma criação contínua. Cada estágio do desenvolvi-
mento produz algo radicalmente novo, muito diferente do que existia antes. Desse modo, todo o
desenvolvimento é caracterizado pelo aparecimento de estruturas totalmente novas.
Inteligência não é uma cópia da realidade, não está representada nos objetos. É uma constru-
ção do sujeito que enriquece os objetos externos. O sujeito “adiciona” essa dimensão aos objetos
externos ao invés de extrair essa dimensão dos objetos. Consideremos, por exemplo, a noção de
número ou a noção de grupo. Elas nos possibilitam entender os objetos de diferentes modos, mas
não são extraídas dos objetos. São adicionadas aos objetos. Isso revela que a inteligência é de fato
um ato de assimilação num sentido realmente biológico. O externo é incorporado às estruturas
do sujeito do conhecimento, isto é, nos termos das estruturas do sujeito é que o mundo externo
é entendido. Essa criação da novidade acontece, é claro, em cada geração, mas também em cada
indivíduo. Cada criança reconstrói a sua própria inteligência e o seu próprio conhecimento. Por
exemplo, contar ou recitar os nomes dos números, certamente, para a criança, vem do mundo ex-
terno. Porém aprender a noção de número é algo muito diferente de aprender a recitar os nomes
dos números. A noção do número é construída pela criança como um ato criativo, como uma
multiplicidade de atos criativos [...].
Só gostaria de terminar repetindo as palavras de um pesquisador que trabalha conosco em
Genebra fazendo experiências sobre o pensamento das crianças na área da física. Ele disse o que
distingue o físico criativo do não criativo: o físico criativo, apesar do seu conhecimento, em uma
parte de si tem uma criança com a curiosidade e a candura da descoberta que caracterizam a maio-
ria das crianças até serem deformadas pela sociedade adulta.

Criatividade: a revolução na sala de aula


A importância de uma educação mais abrangente tem mobilizado os edu-
cadores à busca de alternativas que supram as carências encontradas em alguns
métodos de ensino. Atualmente, buscamos um ensino mais humano, voltado para
os reais interesses dos alunos e propício para a atuação dos educandos como ver-
dadeiros agentes do processo educacional.
Considerando esse contexto, propomos as atividades e jogos criativos como
uma das saídas viáveis para a qualificação do processo ensino-aprendizagem, a
maior integração entre as diferentes áreas do conhecimento e para o desenvolvi-
mento de algumas valências comumente esquecidas pela escola.
O processo criativo está intimamente relacionado com o exercício da ima-
ginação. Os jogos e brincadeiras que estimulam a autoexpressão, a descoberta e o
96
Educação e criatividade

poder de imaginação exploram a criatividade e permitem que alunos e professores


se expressem de modo global e potencializem suas habilidades e capacidades. Ao
desenvolver sua própria criatividade, o educador também passa a compreendê-la e
adquire parâmetros para proporcionar experiências criativas aos seus educandos.

A importância da expressão criativa para a educação


Um dos instrumentos da atividade criativa é a relação entre as pessoas.
Quando trabalhamos em grupo, a imaginação e a curiosidade de cada participante
é ressaltada e compartilhada. E quem consegue se expressar junto aos outros se
adapta melhor às circunstâncias e à troca de experiências.
Por isso, é muito importante possibilitarmos vivências coletivas na escola.
Elas oportunizam que o educando revele-se aos outros e a si mesmo. Com a expres-
são criativa em grupo, o aluno conta com um meio de expressão espontânea e refor-
mula constantemente seus pensamentos, o que possibilita novas atitudes e ideias.
Tanto o mundo do faz de conta das crianças quanto o poder imaginativo dos
jovens e adultos vêm à tona com os jogos criativos. Essas práticas incentivam o
interesse pelo conhecimento de toda e qualquer natureza e favorecem o aprimora-
mento da coordenação motora e da expressão verbal.
Quando são aproveitadas as potencialidades dos jogos criativos por meio de
diferentes atividades, todos participam para o mesmo fim criativo. Particularmen-
te nos jogos que englobam a dramatização, o educando experimenta personagens
sem deixar de ser ele mesmo. O exercício da flexibilidade para atuar como outra
pessoa e em grupo colabora para a adaptação do aluno às contingências da vida
em sociedade.
Dentro do universo escolar, a prática de jogos criativos leva professores e
alunos a compreenderem e aceitarem as formas e os padrões de comportamento
pessoal e social; a terem autoconfiança; a resolverem situações inéditas, aplicando
conhecimentos e habilidades adquiridas anteriormente; a analisarem, avaliarem e
reavaliarem seu comportamento como indivíduos em um grupo.

Retomando a criatividade
A criatividade está presente em cada um de nós. Todos temos a mesma
capacidade criadora. Mas essa capacidade é potencializada ou minimizada de
acordo com nossas interações com o meio cultural, que pode ou não oferecer es-
tímulos às atitudes e aos atos criativos.
E a idade é um fator de influência? O que potencializa a criatividade são as
nossas vivências. Geralmente, um indivíduo mais velho possui maior bagagem de
vida, mas isso não é uma regra. Nem sempre a passagem do tempo fornece um feed-
back criativo. Sendo assim, o modo e a qualidade de nossas interações são bem mais
relevantes que o percurso de tempo transcorrido. Nesse sentido, um sujeito pode re-
agir a estímulos de maneira criativa ou apenas ficar reproduzindo velhos padrões.
Os processos criativos estão relacionados com a inteligência. Mais especi-
ficamente, eles se originam nos pensamentos divergentes. Para entendermos esse
97
Educação e criatividade

conceito, é preciso analisar o pensamento humano. Segundo Guilford, “é possí-


vel organizar os fatores psicomotores que conhecemos numa espécie de sistema.
Torna-se cada vez mais claro que as dimensões do intelecto também podem ser
organizadas numa estrutura significativa” (apud CUNHA, 1977, p. 20). O dia-
grama a seguir reproduz a caracterização das principais habilidades intelectuais,
conforme elaboração de Guilford.

(HAETINGER, 1998, p. 14)


Esse diagrama ilustra o funcionamento da inteligência humana. Nosso in-
telecto abrange o pensamento (uma ideia em si) e o seu backup, ou seja, a memó-
ria que armazena experiências, informações e conceitos registrados desde a vida
intrauterina. O pensamento abrange a cognição (o entendimento de uma ideia), a
produção (ideia global e sua execução prática), e a avaliação (que reúne parâme-
tros críticos que influenciam nossa autoimagem e nossa autoestima).
A cada exercício do pensamento, o ser humano está sempre se avaliando
– um processo permanente, quer a gente queira ou não. No entanto, as constan-
tes avaliações podem às vezes nos prejudicar ao invés de ajudar, principalmente
quando são negativas, tendendo a inibir a ação e a expressão.
A produção intelectual é feita por meio de pensamentos convergentes e
divergentes. Convergente é o pensamento direto, é a saída lógica e padrão para os
problemas com os quais nos deparamos. Já o pensamento divergente ou lateral é
um modo único e criativo de pensar. A criatividade surge justamente no âmbito
do pensamento divergente e se desenvolve a cada vez que procuramos saídas
alternativas e inovadoras para determinadas ações.

98
Educação e criatividade

A imagem a seguir sugere a necessidade de equilíbrio para o desenvolvi-


mento do pensamento lateral. Ela representa a dinâmica formada pela relação
entre pensamento divergente, avaliação (senso crítico) e criatividade.

(HAETINGER, 1998, p. 16)


Senso crítico Criatividade

Pensamento Lateral ou divergente

O pensamento divergente, a criatividade e o senso crítico estão associados


sob a forma de um triângulo equilátero (todos os lados são iguais e de igual res-
ponsabilidade perante o todo). Assim, a criatividade só se aprimora quando explo-
ramos nosso pensamento lateral e nosso senso crítico simultaneamente. Portanto,
ser criativo requer o discernimento da realidade e daquilo que é importante para
cada um de nós. Também é preciso olhar o mundo a nossa volta com muito inte-
resse e curiosidade, levantando novas ideias e possibilidades.
Em virtude desses fatores, é muito importante proporcionar experiências
criativas aos alunos. As práticas que associam arte, elementos lúdicos, movimen-
to e vivências coletivas contribuem para a criatividade e o desenvolvimento do
senso crítico. Os jogos criativos e suas sistemáticas lúdicas recriam a realidade,
aproximam-nos e fazem-nos reagir perante novas situações.
Todo tipo de atividade criativa só acontece em um ambiente de liberdade,
no qual todos têm as condições ideais para se expressarem autenticamente, sem
restrições ou imposições. Sobre esse aspecto e também destacando a postura da
escola frente ao processo de desenvolvimento da criatividade, Maria H. Novaes
(1980, p. 118) afirma:
É preciso reforçar a certeza de que a formação integral da personalidade do educando será
incompleta sempre que se relegar a um segundo plano a expressão criadora, portanto, é
preciso que a escola esteja aparelhada ideologicamente e materialmente para proporcionar
aos alunos técnicas, meios e ambientes de liberdade, onde possam desenvolver sua capa-
cidade expressiva, construtiva e criadora.
99
Educação e criatividade

Aos educadores infantis cabe lembrar: a criança não aprende nem cria por imitação. Promover
práticas criativas não significa estabelecer regras para a realização de brincadeiras ou tarefas. Você
pode colaborar para o processo criativo de seus educandos oferecendo um ambiente de aceitação,
integração e liberdade, deixando-os realizarem livremente suas atividades e brincadeiras e permitindo
que eles sempre expressem sua imaginação e o seu próprio mundo de faz de conta.
Sua função é organizar o meio, os recursos e os instrumentos didáticos para a criação; é criar
um ambiente favorável em que a criança sinta-se segura e acolhida para atuar; é estimular a expressão
da subjetividade dos alunos, sem indicar-lhes possíveis erros ou o melhor modo de fazer as coisas.
Eles descobrirão por si mesmos, explorando objetos e vivendo diferentes situações.

O importante é deixar o aluno brincar, imaginar, relacionar-se, expressar-se e divertir-se.

Nesta unidade, destacamos, do famoso livro O Pequeno Príncipe, um excelente trecho que
destaca a importância dos vínculos interpessoais, da amizade e de “cativar” o outro. Por certo, temos
muito que aprender e refletir com as palavras de Antoine Saint-Exupéry.
O trecho foi extraído do capítulo XXI, p. 95-97, de O Pequeno Príncipe, Saint-Exupéry, co-
edição Ediouro/Agir, 2002.

XXI
E foi então que apareceu a raposa:
– Bom dia – disse a raposa.
– Bom dia – respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
– Eu estou aqui – disse a voz debaixo da macieira...
– Quem és tu? – perguntou o principezinho. – Tu és bem bonita...
– Sou uma raposa – disse a raposa.
– Vem brincar comigo – propôs o principezinho. – Estou tão triste...
– Eu não posso brincar contigo – disse a raposa. – Não me cativaram ainda.
– Ah! Desculpa – disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
– Que quer dizer cativar?
– Tu não és daqui – disse a raposa. – Que procuras?
– Procuro os homens – disse o principezinho. – Que quer dizer cativar?
– Os homens – disse a raposa – têm fuzis e caçam. É bem opressor! Criam galinhas
também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?
– Não – disse o principezinho. – Eu procuro amigos. Que quer dizer cativar?
– É uma coisa muito esquecida – disse a raposa. – Significa “criar laços...”
– Criar laços?
100
Educação e criatividade

– Exatamente – disse a raposa. – Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente
igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também
necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mun-
do. E eu serei para ti única no mundo...
– Começo a compreender – disse o principezinho. – Existe uma flor... eu creio que ela me
cativou...
– É possível – disse a raposa. – Vê-se tanta coisa na Terra...
– Oh! Não foi na Terra – disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
– Num outro planeta?
– Sim.
– Há caçadores nesse planeta?
– Não.
– Que bom! E galinhas?
– Também não.
– Nada é perfeito – suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua ideia.
– Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas
se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco.
Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de Sol. Conhecerei um barulho de
passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra.
O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe,
os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não
me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será
maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti.
E eu amarei o barulho do vento no trigo.
(SAINT-EXUPÉRY, 2002, p. 97)

101
Educação e criatividade

A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:


– Por favor... cativa-me! – disse ela.
– Bem quisera – disse o principezinho – mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a
descobrir e muitas coisas a conhecer.
– A gente só conhece bem as coisas que cativou – disse a raposa. – Os homens não têm mais
tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não exis-
tem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
– Que é preciso fazer? – perguntou o principezinho.
– É preciso ser paciente – respondeu a raposa. – Tu te sentarás primeiro um pouco longe de
mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem
é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
– Teria sido melhor voltares à mesma hora – disse a raposa. – Se tu vens, por exemplo,
às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Às quatro horas, então, estarei
inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento,
nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.

(SAINT-EXUPÉRY, 2002, p. 99)

102
Educação e criatividade

Nossa proposta é que vocês desenvolvam um projeto pedagógico para a Educação Infantil no
qual o movimento e os jogos lúdicos sejam fatores relevantes para a aprendizagem.
O conteúdo desta disciplina e os exemplos práticos de sua realidade escolar fornecerão os subsí-
dios necessários para o desenvolvimento de seus projetos. Vejam alguns passos a serem seguidos.
1. Reúnam-se em grupos de, no máximo, quatro integrantes.
2. Escolham um tema gerador e, a partir dele, desenvolvam um projeto, utilizando o movimento
e os jogos lúdicos nas ações pedagógicas previstas.
3. Não se esqueçam dos itens que geralmente constam em todos os projetos:
capa – identifica a instituição, a disciplina, o título do projeto, os criadores, o local e a data;
introdução – introduz o assunto e descreve a relevância do tema para a Educação Infantil
e para a comunidade em que o projeto será aplicado;
objetivos – descreve os objetivos (metas) a serem alcançados com a aplicação do projeto;
público-alvo – especifica as características do público que será atingido;
fundamentação teórica – apresenta os conceitos teóricos e os autores que fundamentam as
ações pedagógicas previstas no projeto;
descrição do projeto – detalha cada etapa ou fase do projeto para que o leitor possa entender
as ações a serem implementadas;
plano de aula – descreve as atividades previstas para cada aula;
resultados da aplicação (opcional) – caso o grupo consiga aplicar seu projeto em alguma
escola infantil, deverá descrever o resultado obtido;
conclusão – relevância do trabalho realizado e considerações finais;
bibliografia;
anexos – tabelas, fotos, materiais produzidos pelas crianças etc.;
entregar para o monitor em 30 dias.
É muito importante que vocês realmente planejem e discutam coletivamente os objetivos, a
fundamentação teórica e as ações de seu projeto. Procurem elaborar um projeto que possa ser aplicado
em sua realidade escolar e que seja relevante para o seu trabalho diário de educador infantil.

103
Educação e criatividade

BARRON, Frank. Creativity and Psychological Health. Nova York: Syracuse University Press,
1961.
CAMPOS, Dinah M. de S.; WEBER, Mirian G. Criatividade. Rio de Janeiro: Sprint, 1987.
CUNHA, Rose M. da. Criatividade e Processos Cognitivos. Petrópolis: Vozes, 1977.
HAETINGER, Max G. Criatividade: criando arte e comportamento. 5. ed. Porto Alegre: Criar,
1998.
______. Informática na Educação: um olhar criativo. Porto Alegre: Criar, 2003.
KNELLER, George F. Arte e Ciência da Criatividade. 5. ed. Rio de Janeiro: Ibrasa, 1978.
LOWENFELD, Viktor; BRITTAIN, W. L. Desenvolvimento da Capacidade Criadora. São Paulo:
Mestre, 1977.
NOVAES, Maria H. Psicologia da Criatividade. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1980.
PIAGET, Jean. Criatividade. In: VASCONCELOS, Mário S. (Org.). Criatividade: psicologia, educa-
ção e conhecimento do novo. São Paulo: Moderna, 2001, p. 11-20.
RIVIÉRE, Enrique P. O Processo de Criação. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O Pequeno Príncipe. Rio de Janeiro: Ediouro: Agir, 2002.
TAYLOR, Calvin W. Criatividade: progresso e potencial. 2. ed. São Paulo: Ibrasa, 1976.
VASCONCELOS, Mário S. (Org.). Criatividade: psicologia, educação e conhecimento do novo. São
Paulo: Moderna, 2001.
WINNICOTT, Donald W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

104
A avaliação na Educação
Infantil
Vídeo
Autor: Prof. Max Günther Haetinger
Colaboradores: Prof.a Daniela Haetinger
Prof. Luis Lucini

Avaliação: um desafio à mudança


Uma ideia a ser explorada: para educar bem-te-vi preciso gostar de bem-te-vi,
respeitar seu gosto, não ter projeto de transformá-lo em urubu.
Rubem Alves

O
processo de avaliação não faz parte somente da realidade escolar: é algo presente em diver-
sas dimensões de nossas vidas. Avaliar é uma ação que praticamos continuamente. Cons-
ciente ou inconscientemente, estamos sempre avaliando gestos, ações, escolhas, pensamen-
tos e valores, sejam nossos ou de outros.
Naturalmente, as atividades humanas são permeadas pelos processos avaliativos. A avaliação
levanta dados para o planejamento e a qualificação das ações, dos comportamentos, das performances
e das produções individuais e coletivas. Nas corporações e instituições, na Educação e também na
vida social, a prática da avaliação é necessária e indispensável para que melhor se conheçam as
pessoas, suas capacidades e habilidades, e os processos nos quais elas estão inseridas. Portanto, a vida
em sociedade pressupõe atitudes avaliativas.
Na Educação, a avaliação é um tema constantemente levantado e discutido, pois esse procedi-
mento fornece os subsídios necessários para a compreensão do resultado e da eficácia do processo
ensino-aprendizagem. Esse tipo de avaliação abrange a análise dos conteúdos, as metodologias peda-
gógicas utilizadas e a performance dos atores educacionais.
Assim como os métodos e instrumentos de ensino, a avaliação escolar também evoluiu. Atual-
mente, muitas instituições têm adotado formas mais eficientes e participativas para avaliar os proces-
sos de ensino e aprendizagem. Segundo Maria T. P. Silva (1991), uma avaliação eficaz usa critérios
voltados para a inclusão e a participação do aluno e representa um processo de cooperação que en-
volve todos os “beneficiários”.
A função do educador no processo avaliativo não é a de um juiz que prescreve sentenças como
“o aluno acertou ou errou”, “sabe ou não sabe”. Não existe uma verdade absoluta em termos de
observação e avaliação de ações ou pessoas. Isso porque a avaliação e a aprendizagem são processos
tão dinâmicos e adaptáveis como os próprios seres humanos.
Atualmente, a discussão sobre a avaliação escolar gira em torno de uma questão elementar: como
podemos fazer avaliações que deem preferência a uma análise mais ampla de cada sujeito envolvido
no processo?
Na prática, a resposta para essa pergunta corresponde a uma avaliação que observa e inclui cada
educando, destaca suas qualidades e respeita seu ritmo individual. Porém, usar esse tipo de parâmetro
105
A avaliação na Educação Infantil

é algo mais complexo do que adotar avaliações padronizadas por meio de provas
e testes ou traçar padrões de performance a serem alcançados por todos os alunos
de uma mesma série.
Uma avaliação mais ampla valoriza as experiências e a caminhada de cada
indivíduo, pois são os educandos que fornecem os dados para a descoberta de
novos métodos de ensino e aprendizagem. Em qualquer processo avaliativo, deve-
mos considerar o aluno, suas necessidades, qualidades e limitações. O principal
objetivo não é atribuir uma nota ao educando, mas sim descobrir o modo pelo qual
ele aprende e os fatores e estímulos necessários para facilitar sua aprendizagem.
Na Educação Infantil, a avaliação está basicamente vinculada à observação do
educador. O educando ainda não tem condições de participar ativamente do processo
avaliativo. E, felizmente, também não há provas, testes ou trabalhos a serem realizados
para a obtenção de uma nota. Justamente por essa razão, o professor deve estar ainda
mais atento e organizar relatórios que acompanhem o desenvolvimento da criança.
A avaliação é extremamente importante, seja na escola infantil ou em outros
níveis de ensino. É um processo tão relevante quanto o planejamento e a execução
das atividades pedagógicas. Nossa tarefa como educadores é estruturar métodos e
ações que possam revelar e valorizar o nível de desenvolvimento de cada criança.
Uma avaliação adequada desde a Educação Infantil auxilia na formação
global do indivíduo porque contribui para a identificação de problemas que futu-
ramente poderão influenciar a aprendizagem do educando.
Avaliar uma criança requer respeito por seus limites, sua idade, suas condi-
ções para realizar determinadas atividades. Exige também a proposição de ações
que, vindas do educador, forneçam dados e parâmetros relevantes para o processo
avaliativo, não servindo como um modo de inibir ou castrar o aluno.
O educador infantil deve sempre potencializar as habilidades e as experiên-
cias da criança e desenvolver práticas pedagógicas que não priorizem a negação.
Usar o não como resposta – “não faça isto, não pegue aquilo, não corra, não fale,
não é hora” – torna a criança muito dependente da avaliação do adulto e cria um
clima desfavorável à iniciativa e à autonomia.
A avaliação é um processo de compreensão do indivíduo, da sua relação
com seus semelhantes e com o conhecimento. Portanto, valorize seus alunos e
observe atentamente o progresso de cada um deles, sempre evitando a provocação
de sentimentos de derrota, incapacidade ou rejeição entre os educandos.

Avaliar é acompanhar o ser humano integralmente.


É ouvir, ver, sentir, tocar, interagir.

Como canta Caetano Veloso, “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”.
Na Educação, essa frase serve de metáfora para ressaltar o quanto precisamos nos
concentrar na verdadeira descoberta e valorização do ser humano, de suas qualidades
individuais, de suas interações com seus semelhantes e o meio que o cerca.
Claro que há respostas certas e erradas. O equívoco está em ensinar ao aluno que é disto
que a ciência, o saber, a vida são feitos. E com isto, ao aprender as respostas certas, os
alunos desaprendem a arte de se aventurar e de errar, sem saber que, para uma resposta
certa, milhares de tentativas erradas devem ser feitas. Espero que haverá um dia em que
106
A avaliação na Educação Infantil

os alunos serão avaliados também pela sua ousadia de seus voos!... Pois isto também é
conhecimento. (ALVES, R., 1994, p. 29)

Avaliação das habilidades motoras na infância


Foi pelo movimento (como aprendizagem) que o homem atingiu o bipedismo para libertar
as mãos para o trabalho, terreno concreto onde veio a descobrir e edificar a linguagem,
com a qual, por sua vez, pode assimilar o saber teórico e prático da própria sociedade.
Wallon

Agora vamos tratar da sistematização para a observação e a avaliação do mo-


vimento infantil. O primeiro passo é preparar o seu olhar. Quando observamos algo,
a primeira tendência é realizarmos um juízo de valor a partir de nossas expectativas.
Portanto, esteja atento e não crie expectativas que vão além das possibilidades de
cada aluno. O educador infantil deve observar a criança integralmente, consideran-
do suas habilidades e competências, seu meio, sua história, suas relações.
No âmbito do desenvolvimento motor (o principal objeto de estudo desta
disciplina), o processo avaliativo requer muita atenção para o nível de maturação
orgânica da criança. Wallon (apud ALVES, F., 2003) destaca alguns estados que
relacionam a maturação infantil e os aspectos motores:
Estado de impulsividade motora – as ações da criança são fruto de reflexos
ou impulsos.
Estados emocionais – a criança demonstra sua emoção por meio do tônus
muscular. Sendo assim, suas emoções são expressas pela agitação corporal.
Estado sensitivo-motor – envolve a coordenação perceptiva, tipicamente
veiculada em atos como caminhar e falar.
Estado projetivo – a criança possui intencionalidade em seus movimentos.
Fátima Alves (2003) destaca a função do educador infantil no desenvolvi-
mento motor dos educandos. Ao proporcionar a vivência de atividades motoras, o
educador auxilia a criança a descobrir o seu corpo e suas possibilidades de movi-
mento, a aprimorar sua imagem corporal e percepção rítmica, a experimentar as
trocas afetivas e a explorar formas de expressão e comunicação.
Mas como sistematizar a avaliação na escola infantil? Para ajudá-lo nessa
tarefa, elaboramos duas fichas que poderão orientar uma observação mais apura-
da de seus educandos. A primeira destina-se à obtenção de dados de identificação
e a segunda serve para levantar informações específicas sobre o desenvolvimento
motor da criança.
Ficha de identificação
Nome
Idade
Data de nascimento
Sexo
Nacionalidade
Endereço
107
A avaliação na Educação Infantil

Ficha de identificação
Telefone e e-mail dos pais
Nome do pai
Nome da mãe
Nome dos irmãos
Profissão do pai
Profissão da mãe
Tem algum problema de saúde?
Faz algum tipo de tramento clínico?
Toma alguma medicação sistemática?
Observações gerais sobre a saúde e os hábitos da criança
Até que idade mamou?
Com que idade engatinhou?
Com que idade começou a caminhar?
Com que idade começou a falar?
Qual a mão predominante usada (peça para a criança pegar um lápis e desenhar)
Qual o pé predominante usado (peça para chutar uma bola)

A ficha apresentada a seguir deve ser usada continuamente, a fim de observarmos a progressão
do desenvolvimento motor da criança por meio das ações que ela executa na escola. Essa tabela con-
sidera três faixas etárias, que geralmente correspondem aos momentos de avanços significativos no
desenvolvimento motor.
Os valores de 1 a 3 servem para vocês identificarem o quanto a criança domina cada uma das
habilidades motoras elencadas.
1 = domínio mínimo
2 = domínio médio
3 = domínio máximo
Habilidade motora Linha da criança
6 meses - 2 anos 2 - 4 anos 5 e 6 anos
1 2 3 1 2 3 1 2 3
Movimentos axiais
Equilíbrio estático
Equilíbrio dinâmico
Caminhada
Corrida
Salto
Saltito
Galope
Skipping
Alcançar, segurar e soltar
Lançar
Pegar
Chutar
Bater
108
A avaliação na Educação Infantil

Destacamos algumas considerações de Pilar Sánchez, Marta Martinez e Iolanda Peñalver (2003)
relativas aos parâmetros para a avaliação psicomotora infantil. Como nessa unidade estamos estudan-
do a avaliação, certamente as contribuições dessas pesquisadoras serão muito úteis nesse sentido e
contribuirão para a observação de nossas crianças.
O texto “A observação dos parâmetros psicomotores” foi extraído do livro A Psicomotricidade
na Educação Infantil: uma prática preventiva e educativa (Artmed, 2003, p. 45-54), de Sánchez,
Martinez e Peñalver.

A observação dos parâmetros psicomotores


A observação é um exercício complexo, que requer do observador uma série de competên-
cias, de estratégias, de condições e de ferramentas que deverá experimentar e praticar para torná-
las operativas. Converteu-se em uma atividade prioritária no sistema educativo e a utilizamos
para projetar, analisar e avaliar os processos de aprendizagem. Na formação do psicomotricista é
atribuído um lugar prioritário ao exercício da observação, entendido como um treinamento, um
adestramento, uma aprendizagem dentro do processo formativo.
Segundo García Olalla,
a observação é um processo de seleção e estruturação dos dados, das experiências, cujo objeto é construir
redes de significação a partir de um modelo interno ou marco de interpretação. Esse modelo interno atuará
como o filtro interpretativo graças ao qual daremos sentido aos acontecimentos, a partir de nosso universo de
teorias e crenças. Sempre observamos e interpretamos a partir de algum lugar e esse é o primeiro limite à ob-
jetividade de nossa observação. Por isso, será preciso explicar o marco teórico de nossa análise e do sistema
de representações do qual partimos, caso contrário, os marcos de referência serão totalmente pessoais.

Nosso marco de referência é constituído pelos princípios da prática psicomotora, pelo ca-
minho maturativo da criança e pelos parâmetros da expressividade motora que detalhamos ante-
riormente. [...] São salientados três aspectos importantes a serem levados em consideração antes
de iniciar a observação:
1. Aprender a ter um olhar tranquilo e não muito direto sobre as produções da criança; poder vê-
-la em sua globalidade e anotar aqueles aspectos de sua ação que forem mais significativos.
2. Colocar-se com empatia, isto é, descentrar-se de suas próprias emoções e tentar captar
sua afetividade, não se deixando invadir por ela. A partir desse posicionamento, não ha-
verá juízos de valor, mas uma atitude de compreensão do outro.
3. Deriva-se do ponto anterior e consiste em tentar controlar as próprias projeções e não
colocar no outro os próprios sentimentos ou emoções. Por exemplo: “Juan está triste
porque ficou sozinho brincando de pirata.” É primordial tomar consciência das possíveis
projeções que depositamos sobre as crianças e reconhecer os possíveis sentimentos de
simpatia ou rechaço que algumas atitudes ou comportamentos provocam no observador.
Sabemos que observar sempre supõe um filtro cognitivo e também afetivo; costumamos
observar “aquilo que já temos dentro” e, em algumas ocasiões, nossas valorações estão em função
das expectativas que formamos, expectativas que, às vezes, atuam como “sentenças”. E muito
importante conhecer a influência dessas expectativas, uma vez que contribuem na configuração
da imagem que a criança terá de si mesma.
109
A avaliação na Educação Infantil

A partir do progressivo estabelecimento dessas competências por parte do observador, cons-


truiremos os materiais mais adequados para poder realizar um registro, um modelo de observação
sistemático. Esses materiais ou instrumentos de registro serão elaborados a partir daquilo que vamos
observar, de como vamos fazê-lo e para quê, entre outros fatores a serem levados em consideração.
De acordo com García Olalla, a observação psicomotora tem alguns desafios pendentes
quanto aos níveis de observação e unidades ou formatos para proceder à observação da interação,
como por exemplo:
como captar a bidirecionalidade adulto-criança que caracteriza os processos interativos
e repensar os parâmetros psicomotores com os quais trabalhamos habitualmente, a partir
dessa perspectiva bidirecional;
encontrar unidades de análise capazes de dar conta da mútua interdependência das
contribuições da criança e do adulto à construção conjunta da interação a partir de uma
perspectiva de cogestão e de coparticipação;
analisar dimensões referentes ao tipo de participação que a criança e o adulto trazem para
a interação;
criar um marco para a metodologia observacional, coerente com o marco da prática psi-
comotora como uma prática interativa.
Por todo o exposto anteriormente, fica explícito que a metodologia observacional tem
princípios dinâmicos que devem estar expostos à revisão e à atualização permanente em prol de
uma melhora e de um enriquecimento da mesma. Como em qualquer outro aspecto educativo, a
pesquisa e a formação são permanentes. [...]
Movimento
Os itens através dos quais podem ser estudadas as características do movimento são:
Tipos de movimentos que a criança realiza
Esse aspecto nos informa, entre outros, sobre o nível evolutivo da criança, sobre o conhecimento
que tem de suas possibilidades de se mover e de sua capacidade de superação.
Balanceios: trata-se de um movimento de ir e vir no espaço, que a criança realiza em di-
ferentes posições, sem que haja deslocamento. Os balanceios podem ser provocados pelo
próprio corpo (estereotipias, autoestimulação), realizados com outra pessoa (balanceio-
-sono), ou com um objeto que o permita (balanços), sendo de amplitude limitada.
Giros: movimentos verticais sobre o corpo ou sobre objetos (em um eixo) em que a criança
não experimenta qualquer tipo de deslocamento.
Quedas: desnivelamento do corpo sob efeito do peso produzido por uma perda voluntária
do equilíbrio, referente a “se deixar cair”.
Volteio: volta rápida dada no solo que aparece, aproximadamente, aos cinco anos.
Caminhadas: andar e se mover dando passos.
Corridas: mover-se ou deslocar-se com velocidade.
Saltos: movimentos nos quais está implicado um descolamento do corpo (realizado por um
ou ambos pés) que fica suspenso no ar e logo volta a tocar o solo (Ortega e Blázquez).

110
A avaliação na Educação Infantil

Rolagens: movimentos que implicam deslocamento horizontal do sujeito, tanto sobre um


eixo como sobre si mesmo, não sendo estática a atividade provocada pela criança.
Reptações: deslocar-se tocando o solo com o ventre.
Engatinhamentos: movimento de deslocamento sobre as mãos e com as pernas flexionadas
recolhidas sob os quadris.
Subidas: passar de um lugar a outro superior ou mais alto.
Qualidade dos movimentos
Refere-se à capacidade de contrair grupos musculares diferentes e inibir outros, em ordem,
na execução de uma ação ou de um movimento. Portanto, indica-nos uma boa maturação neuro-
lógica, assim como um bom controle sobre os movimentos. As diferentes categorias que podem
ser observadas são:
Coordenados – um movimento bem coordenado implica o conhecimento dos diferentes
segmentos corporais e sua colocação em ação para realizar um movimento previamente
representado, evitando a interrupção do movimento antes de começá-lo.
Harmônicos – combinação de movimentos coordenados e “agradáveis”, que denotam um
controle elevado sobre o corpo.
Abertos – movimentos amplos, que denotam soltura.
Circulares – movimentos estruturais, que se repetem dentro de ações maiores.
Rápidos – movimentos velozes e impetuosos, de hábil execução.
Nível de mobilidade das diferentes partes do corpo
Uma característica humana é possuir órgãos simétricos, mas que manifestam uma assime-
tria funcional. Por esse motivo, convém observar a mobilidade de cada uma das partes do corpo
e a mobilidade global.
Postura e tônus muscular
O tônus sempre está na base da relação e na comunicação com os demais, permitindo que,
através de sua observação, se possa obter informação relativa à vida instintiva e afetiva da criança.
Tipos de posturas mais frequentes
A postura está diretamente relacionada com o tônus, constituindo uma unidade tônico-pos-
tural, cujo controle facilita a possibilidade de canalizar a energia tônica necessária para realizar os
gestos, prolongar uma ação ou levar o corpo a uma posição determinada. Destacaremos aquelas
que as crianças utilizam com mais frequência.
Aberta: é uma postura que indica abertura corporal, extremidades estendidas que permi-
tem à criança controlar seus gestos e suas ações.
Em pé: é a postura na qual a criança alcança a verticalidade e a possibilidade de se manter
em pé; garante as primeiras tentativas de andar.
Deitada: nessa posição, a criança permanece com seu corpo sobre o solo.
De cócoras: agachada sobre os calcanhares.
Sentada: apoiada e descansando sobre as nádegas, sem perder o equilíbrio.

111
A avaliação na Educação Infantil

De joelhos: postura de apoio sobre os joelhos.


Em um pé só: jogo motor de equilíbrio que consiste em permanecer sobre um pé, sem
ajuda.
Em equilíbrio: é a capacidade de vencer a ação da gravidade e manter o corpo na postura
que desejamos (Comellas e Perpinyá).
Simétricas: atividades que as crianças realizam com as duas partes de seu corpo, o que im-
plica a integração do eixo corporal, isto é, a linha média que representa a coluna vertebral.
Qualidade do tônus
Tônus é o grau de tensão dos músculos de nosso corpo. É uma função que não se pode con-
ceber como algo estático, mas como algo dinâmico. Mesmo em estado de repouso, o tônus reflete
um estado de vigilância, de disponibilidade para executar, em um dado momento, um movimento,
um gesto, ou manter uma postura. Como dissemos anteriormente, tônus, emoção e relaxamento
andam juntos. As diferentes qualidades do tônus podem ser
relaxado – distensão voluntária do tônus muscular acompanhada de uma sensação de
repouso;
elástico – capacidade de movimentar uma articulação até a máxima amplitude;
hipotônico – diminuição do tônus muscular que dá um aspecto de flacidez e preguiça.

O sujeito em relação aos objetos


A criança joga com todo o seu corpo e, através desse jogo corporal, mediante manipulações,
construções, deslocamentos etc., entra em contato com os objetos do mundo exterior e com suas
qualidades perceptivas de cor, tamanho, forma, peso, textura, volume etc. Observar como a criança
utiliza os objetos e como o faz quando se relaciona com os outros (crianças e adultos) é altamente in-
formativo sobre sua maneira de ser. Assim sendo, nos mostra se os objetos que utiliza estão de acordo
ou não com sua idade, se são adequados ao jogo que realiza, quais são seus objetos preferidos, de que
forma os utiliza, se os compartilha ou não com os outros.
Consequentemente, tais dados nos ajudam a conhecer a etapa evolutiva ou a idade de desen-
volvimento em que a criança se encontra. Portanto, de acordo com o exposto, as questões a serem
observadas dentro desse parâmetro podem ser:
Objetos que utiliza
Tipos de objetos que utiliza
Interessa-nos observar as preferências que as crianças têm nas atividades lúdicas espontâneas,
porque estas nos informam sobre o conhecimento, o controle e o domínio que têm dos objetos,
sem esquecer que o jogo possui um desenvolvimento paralelo ao desenvolvimento evolutivo.
Como utiliza os objetos
Este item nos indica o nível maturativo da criança, uma vez que, através do jogo e do uso
que faz dos objetos, podemos avaliar seu desenvolvimento neurológico, o controle de seus movi-
mentos, a coordenação destes e o conhecimento que tem acerca do mundo dos objetos.
Tem: possessão de objetos sem dar-lhes um uso; não os utiliza nem brinca com eles.
Olha: observa como os demais brincam e utilizam os objetos; também se refere a quando
as crianças fixam a vista nos objetos, explorando-os.
112
A avaliação na Educação Infantil

Toca: exercita o sentido do tato. Apalpa.


Explora: reconhece um objeto, averigua, sonda. Nessa atividade, o sujeito está dotado de
certa intencionalidade, diferente da simples atividade de tocar objetos.
Guarda: acumula objetos sem qualquer finalidade.
Ignora: não conhece os objetos, nenhum lhe interessa e não os utiliza.
Lança: sensação de movimentos que impliquem jogar um objeto no espaço com um ou
ambos os braços (Wickstrom).
Uso comum: uso apropriado de cada objeto. Uso dos objetos como o que realmente são.
Uso criativo: utilização de um objeto com um fim diferente daquele para o qual foi cria-
do. Uso dos objetos como outros objetos com elementos parecidos, como objetos com
elementos vagamente relacionados e como outros totalmente diferentes.
Habilmente: disposição habitual para fazer as coisas. Executa uma coisa com destreza e
graça.
Agressivamente: acomete, ataca violentamente alguém.
Obsessivamente (preocupação ou ideia obstinada que influi moralmente em uma pessoa):
utiliza o objeto continuamente.
Difícil abandono: tem dificuldade em cessar alguma atividade.
Como os emprega com os outros
Fornece informações sobre o nível de respeito que a criança tem em relação aos demais.
Compartilha: participarem duas ou mais crianças de uma brincadeira com o mesmo ob-
jeto. Usa os objetos cooperativamente com um ou vários companheiros, com a finalidade
de se relacionar com eles.
Tira: pegar um objeto de outra criança. Os objetos se apresentam como uma propriedade
de prestígio diante dos outros.
Rechaça: retrocesso de uma criança diante de outra.
Agride: ataca um companheiro. Utiliza os objetos para agredir os outros.

O sujeito e o espaço
Os aspectos a serem considerados na observação do espaço podem ser:
Ocupação do espaço
Observar os espaços que a criança utiliza e o modo como os explora nos fornece aspectos
importantes de sua personalidade, tais como inibição, timidez, abertura ao mundo exterior e aos
outros, capacidade de delimitar, de construir etc.
Os trajetos, os deslocamentos, a manipulação dos objetos, das construções etc., que a sessão
de psicomotricidade permite, fazem com que a criança possa descobrir e assimilar as diversas
orientações e as relações espaciais. Concluindo, a criança é capaz de transpor essas noções gerais
para um plano reduzido e abstrato: o grafismo.
113
A avaliação na Educação Infantil

Tipos de espaço que ocupa


O tipo de espaço que a criança ocupa nos informa sobre suas preferências espaciais na sala
de psicomotricidade. Nesse item, interessa-nos conhecer que tipo de espaço utiliza, se o utiliza
todo, que partes não utiliza etc.
Definido: escolha física de um lugar.
Visível: espaço à vista, que se pode ver.
Aberto: espaço não fechado.
Maneiras de ocupar o espaço
Indica como a criança explora e controla o espaço, além de também indicar seu nível maturativo, já
que as maneiras de ocupar o espaço estão diretamente relacionadas com ela mesma. Com o corpo, com
a voz, com o olhar são itens que nos informam sobre os elementos expressivos da criança, elementos
não verbais (olhar, gesto) e verbais (voz, palavra, fala expressiva, comunicativa e funcional).
Objetos: os objetos nos ajudam a conhecer como é seu lugar de brincar.
Construção: fabrica, edifica com objetos.
Delimitação: além da escolha física de um lugar, implica a sua definição no espaço.

Nesta unidade, propomos uma mensagem do poeta Mario Quintana. Seu texto (disponível em
<www.paralerepensar.com.br/m_quintana.htm/>) fala sobre viver o momento presente e estar sempre
aberto para superar os desafios que a vida nos propõe. Escolhemos este poema porque acreditamos
que nossa existência só vale a pena se nos entregarmos diariamente à aventura da descoberta, do
crescimento, da aprendizagem colaborativa.

A idade de ser feliz


Mario Quintana

Existe somente uma idade para a gente ser feliz, somente uma época na vida de cada pessoa
em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-los a despeito de todas
as dificuldades e obstáculos.
Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo
com toda intensidade sem medo nem culpa de sentir prazer.
Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à nossa própria imagem e semelhança
e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores sem
preconceito nem pudor.
Tempo de entusiasmo e coragem em que todo desafio é mais um convite à luta que a gente
enfrenta com toda disposição de tentar algo novo, de novo e de novo, e quantas vezes for preciso.
Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se presente e tem a duração do instante que passa.

114
A avaliação na Educação Infantil

Vamos continuar o trabalho em grupo iniciado na unidade anterior. Então, dediquem-se à for-
matação de seus projetos de aprendizagem.
Trabalhem realmente em equipe, escutando e considerando cada um de seus colegas de grupo.
Aproveitem essa oportunidade para experimentar, errar e acertar. Afinal, a aprendizagem requer in-
teração, experimentação, erros e acertos.

ALVES, Fátima. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Wak, 2003.
ALVES, Rubem. A Alegria de Ensinar. 3. ed. São Paulo: Ars Poética, 1994.
_____. Estórias de quem Gosta de Ensinar: o fim dos vestibulares. 8. ed. Campinas: Papirus,
2003.
ANTUNES, Celso. Jogos para a Estimulação das Inteligências Múltiplas. Petrópolis: Vozes,
1998.
ARRIBAS, Teresa L. et al. Educação Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar. 5.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
HAETINGER, Max G. Criatividade: criando arte e comportamento. Porto Alegre: Criar, 1998.
SÁNCHEZ, Pilar A.; MARTINEZ, Marta R.; PEÑALVER, Iolanda V. A Psicomotricidade na Edu-
cação Infantil: uma prática preventiva e educativa. Porto Alegre: Artmed, 2003.
SEBER, Maria da G. Construção da Inteligência pela Criança. São Paulo: Scipione, 2002.
_____. Piaget: o diálogo com a criança e o desenvolvimento do raciocínio. São Paulo: Scipione,
1997.
SILVA, Maria T. P. A Avaliação do Ensino a Distância. In: BALLALAI, Roberto (Org.). Educação a
Distância. Rio de Janeiro: Grafcen, 1991.

115
A avaliação na Educação Infantil

116
Anexo: Diário do saber

A
presentamos a seguir um modelo para o registro de suas impressões e dúvidas.
Neste espaço, você vai anotar cada momento significativo para a construção de conheci-
mentos ao longo de seu percurso na disciplina Movimento. Este diário é o seu instrumento de
reflexão e autoavaliação constante. Aqui você vai registrar e organizar suas impressões e pensamentos,
bem como as descobertas feitas a partir da vivência do conteúdo proposto na disciplina.
Na condição de educador, você sabe que refletir e avaliar são ações fundamentais no processo
de aprendizagem. Portanto, faça deste diário um espaço dinâmico, no qual você anotará o seu pro-
gresso em relação a sua própria aprendizagem.

Dicas
Depois de cada encontro, reserve um tempo para a realização dessa autoavaliação, fora dos
horários de aula.
Use o livro da disciplina para relembrar os conteúdos propostos em cada unidade.
Registre suas dúvidas e descobertas em relação aos conteúdos. Também escreva como você
se sente em relação a cada aprendizado e suas impressões sobre o grupo. Não tenha medo de
escrever, pois este diário é seu e você vai decidir se quer compartilhá-lo com os outros.
Procure compartilhar suas dúvidas com os colegas e o professor em cada aula.
Aproveite este momento para contextualizar os conhecimentos teóricos adquiridos em situ-
ações práticas de sua vida.
Utilize este espaço para pensar, escrever, falar, gritar, reclamar, avaliar... Para finalmente amar...

117
Anexo: Diário do saber

Principais conceitos abordados.

Conceitos e temas que ainda não entendi.

Como me senti na aula (aspectos emocionais).

Qual a relação desses conhecimentos com a minha vida?

Como foram minha participação e meu envolvimento com o conteúdo e as ativi-


dades?

118
Anotações
MOVIMENTO

MOVIMENTO
MOVIMENTO Gunther Haetinger
Max Gü

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-3249- 5

31576

Você também pode gostar