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CLÁUDIO VAZ TORRES / ELAINE

RABELO
NEIVA E
COLABORADORE
S
PSICOLOGIA
SOCIAL PRINCIPAIS
TEMAS E VERTENTES
INDEX BOOKS GROUPS
P676 Psicologia social [recurso eletrônico] : principais temas e vertentes / Cláudio Vaz
Torres, Elaine Rabelo Neiva [organizadores]. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
Artmed, 2011.

Editado também como livro impresso em 2011. ISBN 978-85-363-2652-8

1. Psicologia social. I. Torres, Cláudio Vaz. II. Neiva, Elaine Rabelo.

CDU 316.6

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 INDEX BOOKS


GROUPS

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PSICOLOGIA
SOCIAL PRINCIPAIS TEMAS
E VERTENTES

CLÁUDIO VAZ TORRES / ELAINE RABELO


NEIVA E COLABORADORES

Versão impressa
desta obra: 2011
2011

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© Artmed Editora S.A., 2011

Capa
Tatiana Sperhacke
Ilustração da capa
©iStockphoto.com/Ace_Create
Preparação do original
Elisângela Rosa dos Santos
Editora Sênior – Ciências humanas
Mônica Ballejo Canto
Projeto e editoração
Armazém Digital® Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa,


à ARTMED® EDITORA S.A.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana
90040-340 Porto Alegre RS
Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,


sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico,
gravação, foto cópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa
da Editora.

SÃO PAULO
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IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL

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Autores

Cláudio Vaz Torres (org.). Ph.D. em Psicologia pela California School of Professional Psychology,
San Diego, Califórnia, EUA. Pós‑doutorado em Marketing pela Griffith University, Austrália. Pós‑
‑doutorado em Pesquisa e Psicologia Transcultural pela University of Sussex, Inglaterra. Professor do
Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia na Universidade de
Brasília, onde também atua como professor do Programa de Pós‑Graduação em Administra‑ ção. Um
dos fundadores do grupo de estudo e pesquisa em comportamento de consumo da Universidade de
Brasília – Consuma/UnB. É membro e contribui ativamente com a International Association for
Cross‑cultural Psychology, International Academy for Intercultural Research, The American
Psychological Association (Divisão 52) e Sociedade Interamericana de Psicologia.
Elaine Rabelo Neiva (org.). Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Professora do
Departamento de Administração da Universidade de Brasília. Atua no Programa de Pós‑graduação
em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações – PSTO. Fundadora do grupo de Pesquisa
Inovare da Universidade de Brasília. É membro da International Association of Applied Psychology
(Divisão 1) e da Sociedade Interamericana de Psicologia.

Amanda Zauli. Graduada em Desenho Indus‑


Amália Raquel Perez‑Nebra. Psicóloga e Dou‑ trial pela Escola Superior de Desenho Indus‑
tora em Psicologia Social, do Trabalho e das trial – ESDI, da UERJ. Atuou como tutora de
Organizações pela Universidade de Brasília. cursos de graduação e de pós‑graduação em
Estágio doutoral na Universidad Autónoma de educação a distância no Centro de Educação a
Madrid. Professora do Centro Universitário de Distância da Universidade de Brasília – CEAD/
Brasília – UniCEUB. Fundadora e coordenadora UnB. Especialista em Desenvolvimento Ge‑
do Grupo Consuma – Grupo de Estudo e Pes‑ rencial. Mestre em Gestão Social e Trabalho.
quisa em Comportamento do Consumidor. Doutoranda em Psicologia Social, do Trabalho
e das Organizações (PSTO) na Universidade de Descartes, Paris, França. Doutora em
Brasília. Sociologia pela Universi‑ dade de São Paulo.
Mestre em Antropologia Social pela
Ariane Agnes Corradi. Doutoranda no Interna‑ Universidade de Brasília. Psicóloga pela
tional Institute of Social Studies, Universidade Universidade Federal de Minas Gerais.
Erasmus Rotterdam, Países Baixos. Mestre em Professora Associada II no Programa de Pós‑
Psicologia pela Universidade de Brasília.Bacha‑ ‑Graduação em Psicologia Social do Trabalho e
rel em Psicologia e Psicóloga pela Universida‑ das Organizações, Universidade de Brasília.
de Federal de São Carlos. Tem experiência do‑
cente em cursos de graduação em Psicologia Angela Maria de Oliveira Almeida. Psicóloga
e Administração de Empresas. Pesquisadora e pela Universidade de São Paulo. Mestre em Psi‑
consultora em Psicologia do Trabalho e das cologia da Educação, pela PUC/SP. Mestre em
Organizações, incluindo tópicos relacionados a Psicologia do Desenvolvimento pela Université
Administração de Empresas. Catholique de Louvain. Doutorado em Psicolo‑
gia pela Université Catholique de Louvain. Pro‑
Ana Lúcia Galinkin. Pós‑Doutora em
Psicologia Social pela Universidade René

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vi Autores
Recebeu o prêmio German Study Award, Ham‑
burger Koerber Stiftung, por seu trabalho no
desenvolvimento de treinamento para gerentes
alemães que trabalham no Brasil.

Hartmut Günther. Estudou psicologia nas uni‑


fessora Associada I da Universidade de Brasí‑ versidades de Hamburg, Alemanha (1966‑67) e
lia. Coordenadora do Laboratório de Psicologia de Marburg, Alemanha. Psicólogo pelo Albion
Social do Desenvolvimento. Diretora do Centro College, Michigan, EUA. Mestre em Psicologia
Internacional de Pesquisa em Representações Experimental (AEC) pela Western Michigan
e Psicologia Sociais. University. Doutor em Psicologia Social pela
University of California at Davis. Professor Ti‑
Áurea de Fátima Oliveira. Professora do Insti‑
tular na Universidade de Brasília.
tuto de Psicologia da Universidade Federal de
Uberlândia. Doutora em Psicologia pela Uni‑ Helga Cristina Hedler. Doutora em Psicologia
versidade de Brasília (UnB). Leciona nos cursos Social, do Trabalho e das Organizações pelo
de graduação em Psicologia e Administração, e Instituto de Psicologia da Universidade de
pós‑graduação lato sensu e strito sensu. Brasília. Professora na Universidade Católica
de Brasília – UCB, no Curso de Mestrado em
Bartholomeu T. Tróccoli. Possui Licenciatura
Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da
em Psicologia pelo Instituto Paraibanos de Edu‑
Informação. Professora convidada do Curso de
cação. Psicólogo pelo Instituto Paraibanos de
Especialização em Gestão da Qualidade do
Educação. Mestre em Psicologia Social pela
Instituto de Educação Superior de Brasília.
Universidade Federal da Paraíba. Mestre e
Hugo Rodrigues. Psicólogo pela Universidade
Doutor em Personality and Social Psychology
de Brasília (bacharelado e licenciatura). Mestre
pela University of Wisconsin, Madison. Profes‑
em Psicologia Social, Organizacional e do Tra‑
sor Associado I da Universidade de Brasília.
balho. Doutorando pela mesma instituição.
Coordenador do Laboratório de Pesquisa em
Avaliação e Medida – LabPAM da UnB. Jaqueline Gomes de Jesus. Doutora em
Psico‑ logia Social, do Trabalho e das
Carlos Eduardo Pimentel. Psicólogo. Mestre Organizações pela Universidade de Brasília.
em Psicologia Social pela Universidade Federal Professora em diferentes instituições de ensino
da Paraíba. Doutorando em Psicologia Social, superior e in‑ tegrante do Conselho Nacional de
do Trabalho e das Organizações na Combate à Discriminação, vinculado à
Universidade de Brasília. Bolsista do CNPq. Presidência da Re‑ pública. Assessora Técnica
Christin‑Melanie Vauclair. Professor na Univer‑ da Secretaria Na‑ cional de Políticas sobre
sity of Kent, Canterbury, Inglaterra. Doutor pelo Drogas.
Centre for Applied Cross‑Cultural Research, Vic‑ José Augusto Dela Coleta. Psicólogo pela Uni‑
toria University of Wellington, Nova Zelândia. versidade de São Paulo, Ribeirão Preto. Doutor
em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas, sociation for Cross‑cultural Psychology, The
Rio de Janeiro. Foi professor da Universidade American Psychological Association e com a
Federal Fluminense e aposentou‑se como Pro‑ Sociedade Interamericana de Psicologia.
fessor Titular da Universidade Federal de Uber‑
Maria de Fátima de Souza Santos. Psicólo‑ ga
lândia. Professor em cursos e programas de
pela Universidade Federal de Pernambu‑ co.
graduação, Mestrado e Doutorado nas áreas de
Doutora em Psicologia pela Université de
Psicologia, Educação, Administração e Enfer‑
Toulouse le Mirail. Professora Associada II da
magem ministrando as disciplinas relacionadas
Universidade Federal de Pernambuco, no De‑
à Psicologia Social, Psicologia Organizacional e
partamento de Psicologia e da Pós‑Graduação
do Trabalho, metodologia de investigação cien‑
em Psicologia.
tífica. Professor na Universidade de Uberaba no
campus de Uberlândia, MG. Marilia Ferreira Dela Coleta. Psicóloga pela
Universidade Federal Fluminense. Mestre pela
Maria Cristina Ferreira. Doutora em Psicologia
Universidade de Brasília. Doutora em Psicolo‑
pela Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.
gia pela Universidade de Brasília. Professora do
Pós‑Doutora em Psicologia Transcultural pela
Instituto de Psicologia da Universidade Federal
Victoria University of Wellington, Nova Zelân‑
de Uberlândia, onde atua no programa de Pós‑
dia. Professora Titular da Universidade Sal‑
‑graduação em Psicologia e no curso de gra‑
gado de Oliveira. Coordenadora do Mestrado
duação em Psicologia. Membro Associado Ple‑
em Psicologia dessa instituição. É membro e
contribui ativamente com a International As‑

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Autores vii
do Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Hu‑
mano, Educacional e Social (NEDHES).
no da Sociedade Brasileira de Psicologia, tendo Membro da Sociedade Brasileira de
assumido cargo na Diretoria em duas gestões. Psicopedagogia.
Mirlene Maria Matias Siqueira. Psicóloga pela Ronald Fischer. Professor (Senior Lecturer) na
Universidade de Brasília. Mestre em Psicologia Victoria University of Wellington, Nova Ze‑
pela Universidade de Brasília. Doutora em lândia. Membro do Centre for Applied Cross‑
Psico‑ logia pela Universidade de Brasília. ‑Cultural Research. Doutor pela Universidade de
Pós‑doutora como docente visitante em 2010 Sussex, Inglaterra. Editor Associado do Journal
na Universida‑ de de Coimbra. Mestre em of Cross‑Cultural Psychology. Seu trabalho com
Psicologia Organi‑ zacional e do Trabalho valores e pacificação recebeu em 2010 o prê‑
(WOP‑P) do Programa Erasmus Mundus. mio Otto Klineberg Intercultural and Internatio‑
Presidente da Comissão Or‑ ganizadora do IV nal Relations Award agraciado pela Society for
CBPOT. Professora Titular na Universidade the Psychological Study of Social Issues.
Metodista de São Paulo. Sinésio Gomide Júnior. Psicólogo. Mestre e
Doutor em Psicologia pela Universidade de
Onofre Rodrigues de Miranda. Administrador
Brasília. Professor Associado na Universidade
de Empresas pela Universidade de Brasília.
Federal de Uberlândia.
Especialista em Gestão e Desenvolvimento da
Educação Profissional pelo SENAC e UnB. Solange Alfinito. Doutora em Psicologia So‑
Mestre em Psicologia Social e das Organiza‑ cial, do Trabalho e das Organizações pela Uni‑
ções pela UnB. Doutor em Psicologia Social, do versidade de Brasília. Mestre em Economia de
Trabalho e das Organizações pela UnB. Pro‑ Empresas pela Universidade Católica de Brasí‑
fessor Titular do Curso de Administração Geral lia. Professora no Departamento de Adminis‑
e MBA em Gestão Estratégica da Faculdade tração da UnB, onde também atua como pro‑
Cambury. fessora do Programa de Pós‑Graduação em
Administração. Membro do grupo de estudo e
Patrícia Nunes da Fonsêca. Doutora em Psico‑ pesquisa em comportamento do consumidor da
logia Social pela Universidade Federal da Paraí‑ Universidade de Brasília – Consuma/UnB.
ba. Professora do Departamento de Psicopeda‑
gogia da Universidade Federal da Paraíba. Taciano L. Milfont. Mestre em Psicologia Social
Líder pela Universidade Federal da Paraíba. Ph.D. em
Psicologia Social e Ambiental pela University of Desenvolvimento Organizacional. Professor do
Auckland, Nova Zelândia. Professor (Senior Departamento de Psicologia da Universida‑ de
Lecturer) na Victoria University of Wellington, Paulista – UNIP.
Nova Zelândia, onde também atua no Centre
Valdiney V. Gouveia. Doutor em Psicologia
for Applied Cross‑Cultural Research. Já rece‑
Social pela Universidad Complutense de Ma‑
beu prêmios internacionais por suas pesquisas
drid, Espanha. Professor Associado do Depar‑
e desde 2010 faz parte do corpo editorial do
tamento de Psicologia na Universidade Federal
Journal of Environmental Psychology.
da Paraíba, atuando como professor e orienta‑
Túlio Gomes da Silva Mauro. Mestre pelo De‑ dor na graduação e pós‑graduação (Mestrado e
partamento de Psicologia Social do Trabalho e Doutorado). Pesquisador 1B do CNPq. É fun‑
das Organizações da Universidade de Brasília. dador e membro do grupo de pesquisas Bases
Atua como consultor em Gestão de Pessoas e Normativas do Comportamento Social.

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Sumário

Parte I
Fundamentação
1. Breve história da moderna psicologia social ................................................ 13
Maria Cristina Ferreira

2. Psicologia social no Brasil: uma introdução ................................................. 31


Elaine Rabelo Neiva e Cláudio Vaz Torres

3. Métodos de pesquisa em psicologia social .................................................. 58


Hartmut Günther
Parte II
O indivíduo
4. Cognição social ..............................................................................................79
Bartholomeu T. Tróccoli
5. Normas sociais: conceito, mensuração e implicações para o Brasil ........ 100
Cláudio Vaz Torres e Hugo Rodrigues

6. Conhecendo a si e ao outro: percepção e atribuição de causalidade ....... 134


José Augusto Dela Coleta e Marilia Ferreira Dela Coleta

7. Influência social e poder .............................................................................. 153


Ronald Fischer e Christin‑Melanie Vauclair

8. Atitude e mudança de atitudes .................................................................... 171


Elaine Rabelo Neiva e Túlio Gomes Mauro

9. Estratégias de mensuração de atitudes em psicologia social ................... 204


Carlos Eduardo Pimentel, Cláudio Vaz Torres e Hartmut Günther

10. Preconceito, estereótipo e discriminação ................................................... 219


Amalia Raquel Pérez‑Nebra e Jaqueline Gomes de Jesus

11. Atração e repulsa interpessoal .................................................................... 238


Jaqueline Gomes de Jesus

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Parte III
10 Sumário INDEX BOOKS GROUPS

O grupo e o contato intergrupal


12. Identidade social e alteridade ......................................................................
253 Ana Lúcia Galinkin e Amanda Zauli
13. Contato intergrupal: conflito realístico, privação relativa e equidade .......
262 Solange Alfinito e Ariane Agnes Corradi
14. A teoria das representações sociais ............................................................
287 Angela Maria de Oliveira Almeida e Maria de Fátima de Souza Santos
15. Valores humanos: contribuições e perspectivas teóricas .........................
296 Valdiney V. Gouveia, Patrícia Nunes da Fonsêca, Taciano L. Milfont e Ronald
Fischer

16. Cultura, valores humanos e comunicação nas relações intergrupais .......


314 Onofre Rodrigues de Miranda e Helga Cristina Hedler
17. Aplicações da psicologia social às organizações .......................................
340 Sinésio Gomide Júnior, Áurea de Fátima Oliveira e Mirlene Maria Matias Siqueira
Índice
.......................................................................................................................356
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Parte I
Fundamentação INDEX BOOKS GROUPS

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1
Breve história da moderna psicologia social Maria Cristina
Ferreira

apenas no começo do século XX, razão


pela qual alguns dos que contribuíram
para a construção de seu passado ainda
estão vi vos e atuantes em suas
respectivas áreas de investigação. Um
rápido exame dessa curta história
Introdução evidencia que, desde o início, essa área
da psicologia social foi marcada por uma
A psicologia social é uma disciplina relati relativa falta de consenso acerca de seu
vamente recente, já que adquiriu tal status objeto de estudo. Ainda assim, é possível
ob servar que o binômio indivíduo pítulos dos Handbooks of Social
-sociedade, isto é, o estudo das relações Psychology, escritos por Gordon Allport e
que os indiví duos mantêm entre si e com a sucessiva mente publicados nos anos de
sociedade ou a cultura, esteve 1954, 1968 e 1985 com ligeiras
frequentemente no centro modificações. Contudo, o trabalho de
das preocupações dos psicólogos sociais. Allport tem sofrido críticas (Apfelbaum,
No entanto, a ênfase maior dada ao 1992) associadas ao fato de ser uma
indivíduo ou à sociedade irá acompanhar a história parcial, que ressalta ape nas as
evolução da teorização no campo da psico raízes da psicologia social psicológi ca,
logia social desde os seus primórdios, procurando assim legitimar tão somente os
levan do à caracterização de duas pressupostos teóricos e metodológicos de
diferentes mo dalidades da disciplina: a parte da comunidade científica que atua
psicologia social psicológica e a psicologia no âmbito dessa modalidade de psicologia
social sociológica. A psicologia social social. Publicações mais recentes (Álvaro e
psicológica, segundo a definição de Garrido, 2007; Farr, 1999; Jahoda, 2007;
Gordon Allport (1954), que se tornou Vala e Monteiro, 2004) têm procurado supe
clássica, procura explicar os senti mentos, rar tais limitações ao abordar as raízes não
pensamentos e comportamentos do apenas da psicologia social psicológica,
indivíduo na presença real ou imaginada de mas também da psicologia social
outras pessoas. Já a psicologia social socio sociológica e de outras vertentes que, ao
lógica, segundo Stephan e Stephan (1985), longo do tempo, fo ram desenvolvendo -se
tem como foco o estudo da experiência so em outras partes do mundo, de forma
cial que o indivíduo adquire a partir de sua independente da corrente dominante que
participação nos diferentes grupos sociais era praticada sobretudo nos Estados
com os quais convive. Em outras palavras, Unidos.
os psicólogos sociais da primeira vertente O presente capítulo tem como objetivo
tendem a enfatizar principalmente os pro realizar uma revisão descritiva e cronológi
cessos intraindividuais, enquanto os da se ca dos principais eventos apontados como
gunda tendem a privilegiar as coletividades marcantes no desenvolvimento das diferen
sociais. tes modalidades nas quais se desdobra a
A história “oficial” da psicologia social moderna psicologia social, como forma de
foi contada, durante muito tempo, nos ca

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14 Torres, neiva & cols.


da psicologia social. Cumpre ressaltar que
a excelente revisão histórica de ambas as
vertentes da psicologia social, realizada
por Álvaro e Garrido (2007), mostrou -se
funda mental à elaboração do presente
contextualizar suas origens, sem ter a pre capítulo.
tensão de esgotar o assunto. Nesse
sentido, inicia -se com a abordagem dos
autores que, na segunda metade do Os precursores
século XIX, desen volveram reflexões da psicologia social
sobre temas que exer cerão significativa
influência na construção da nova disciplina A expressão “psicologia social” foi utilizada
para, em seguida, tecer comentários sobre pela primeira vez em 1908, ou seja, no iní
as obras que assinalaram a sua fundação. cio do século XX, em dois diferentes livros,
Posteriormente, discutem- -se os razão pela qual esse ano é considerado
desdobramentos que ocorreram nos por muitos como a data de fundação da
Estados Unidos, na Europa e na América discipli na. Porém, ao longo do século XIX,
Latina, para, à guisa de conclusão, trazer quando os limites entre a sociologia e a
algumas reflexões acerca do estado atual psicologia ainda não eram muito claros,
foram publi cadas várias obras nas quais o às mudanças ambientais e sociais. Para
indivíduo e a sociedade já eram abordados ele, então, haveria uma continuidade
e discutidos. Seus autores eram entre as espécies humanas e não
pensadores oriundos de vários campos do humanas. Tempos depois, Herbert Spencer
saber, como, por exemplo, a filosofia, a (1820 -1903), fundamentando -se na teoria
antropologia, a biologia, etc., já que da seleção natural, converte -se em um
naquela época o papel profissional do dos principais líderes do movimento
psicólogo social ainda não havia sido insti conhecido como darwinismo social, sendo
tuído. Entre esses, merecem destaque os dele a ex pressão “sobrevivência do mais
es tudos de Darwin e Spencer, na adaptado”. No livro Princípios de
Inglaterra, os estudos de Wundt, na psicologia, publicado em 1870, ele aplica
Alemanha, e os estudos de Durkheim, as ideias de Darwin so bre o
Tarde e Le Bon, na França. desenvolvimento da espécie humana ao
desenvolvimento de grupos, socieda des e
culturas, enfatizando a existência de uma
Os precursores da psicologia continuidade entre ambos (Boeree,
social na Inglaterra 2006a). Seu principal argumento era o de
que as nações e os grupos étnicos podiam
A teoria da evolução de Charles Darwin ser classificados na escala evolucionista de
(1809 -1882) é considerada uma das mais acordo com o seu grau de
poderosas e populares inovações do desenvolvimento, organização, poder e
século capacidade de adap tação. Desse modo,
XIX, tendo exercido grande influência sobre os povos mais civiliza dos e avançados em
a psicologia. Em 1859, Darwin publica a termos culturais eram hierarquicamente
obra Origem das espécies, na qual superiores aos povos mais atrasados no
desenvolve a tese da seleção natural que tange à escala evolucio nista. As
(Boeree, 2006a). Segundo ela, na briga abordagens de Darwin e Spencer
pelos escassos recur exerceram forte influência na psicologia
sos da natureza, somente as espécies com dos instintos, praticada ao início do século
maior capacidade de adaptação às varia XX por alguns psicólogos sociais,
ções da natureza conseguiram sobreviver conforme se verá mais à frente.
e reproduzir -se. Darwin acreditava,
portanto, que o ser humano constitui -se
como o pro duto final de um processo O precursor da psicologia
evolucionista que envolveu todos os social na Alemanha
organismos vivos, ou seja, um animal
social que desenvolveu maior ca pacidade Wilhelm Wundt (1832 -1920) é o principal
de se adaptar física, social e men talmente representante da psicologia dos povos, que

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 15


estudo da mente, isto é, dos processos
mentais básicos (sensação, ima gem e
surgiu na esteira do movimento de reunifi
sentimentos). Para Wundt, esse tipo de
cação da Alemanha e que tinha como foco investigação deveria ser conduzido por
o estudo dos principais atributos em meio da introspecção, ou seja, mediante a
comum que definiam o caráter nacional ou auto -observação rigorosa e controlada do
o pensa mento coletivo do povo alemão modo pelo qual esses fenômenos ocorriam
(Mcgarty e Haslam, 1997). Suas ideias, (Álvaro e Garrido, 2007).
entretanto, so freram uma considerável
Em virtude dessas preocupações, Wundt
evolução ao longo de sua carreira. Assim
criou em 1879, na cidade de Leipizig, o pri
é que, inicialmente, ele defendia que a
meiro laboratório de psicologia do mundo,
psicologia científica de veria ser vista como
tendo ali realizado uma série de experimen
uma ciência natural que se ocupava do
tos com o objetivo de estudar os processos
mentais básicos, além de ter fundado o pri mente sobre a psicologia social
meiro periódico de psicologia experimental. sociológica, em virtude da ênfase atribuída
Tais ações levaram -no a ser considerado o à questão da determinação sócio -histórica
fundador da psicologia experimental. do indivíduo e ao uso da metodologia não
Com o passar do tempo, porém, experimental.
Wundt sentiu necessidade de estudar os
proces sos mentais mais complexos ou
superiores, como a memória e o Os precursores da psicologia
pensamento, tendo constatado que o social na França
método experimental não era adequado a
tal estudo. Assim, propôs uma distinção Conforme já mencionado, entre os pre
entre a psicologia experimen tal, cursores da psicologia social na França
responsável pelo estudo dos processos encontram -se Durkheim, Tarde e Le Bon.
mentais básicos, e a Völkerpsychologie Emile Durkheim (1858 -1917) é
(psi cologia dos povos), dedicada ao considerado um dos fundadores da
estudo dos processos mentais superiores sociologia, tendo publicado várias obras
por meio do método histórico nas quais aborda a evolução da
-comparativo. Com isso, ele estabelece sociedade, os métodos da socio logia e a
uma clara distinção entre os fenômenos vida religiosa. No livro intitulado
psicológicos mais externos, que estariam Representações individuais e
na periferia da mente, e os fenô menos representações coletivas, publicado em
mais profundos, que constituiriam a mente 1898, ele desenvolve o conceito de
propriamente dita (Álvaro e Garrido, 2007). representações coletivas (Melo Neto,
Em sua Völkerpsychologie, Wundt 2000), que exerceu significativa influ ência
toma a mente como um fenômeno sobre a psicologia social europeia. Para
histórico, um produto da cultura e da ele, as representações coletivas (como a re
linguagem de um determinado povo, que ligião, os mitos, etc.) constituem -se em um
não poderia ser ex fenômeno ao nível da sociedade e distinto
plicada em termos individuais, mas sim em das representações individuais, que estão
termos coletivos. Por essa razão, detém no nível do indivíduo. Nesse sentido,
-se no estudo da língua, da arte, dos mitos postula que os sentimentos privados só se
e dos costumes, como forma de tornam sociais quando extrapolam os
compreender a mente. Em síntese, indivíduos e associam -se, formando uma
haveria uma íntima relação entre a mente combinação que se perpetua no tempo,
humana e a cultura, entre o indivíduo e o transformando- -se na representação de
contexto cultural no qual ele se toda uma sociedade. As posições de
desenvolve. Desse modo, a psico Durkheim influenciarão so bretudo o
logia deveria estudar as produções mentais psicólogo social Serge Moscovici, que,
coletivas originadas das ações de muitos anos depois, desenvolve a teo ria
conjuntos de indivíduos se quisesse das representações sociais.
chegar à mente humana (Farr, 1999). A Gabriel Tarde (1843 -1904), na obra
psicologia dos po As leis da imitação, publicada em 1890, de
vos de Wundt exerceu influência principal

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16 Torres, neiva & cols.


da sob a forma de uma invenção ou desco
berta, propaga -se na vida social por meio
da imitação, uniformizando -a. Para ele, as
ini ciativas individuais constituem -se em
uma invenção, enquanto as uniformidades
fende que a vida social tem como mecanis da vida social associam -se à imitação,
mo básico a imitação (Karpf, 1932). Desse que con siste, portanto, em uma
modo, qualquer produção individual, surgi socialização da ino vação individual.
Avançando em suas pro posições, o autor cognitiva, surgida nos anos de 1970 (Farr,
ressalta que as pessoas de status inferior 1999). Por outro lado, a questão da
costumam imitar as de maior status, que o sugestão ou influência social, implícita na
processo de imitação começa lentamente psicologia das multidões, posteriormente
e com o tempo se acelera e que a cultura se converterá em objeto de atenção da
nacional é imitada antes da estran geira psicolo gia social psicológica de base
(Álvaro e Garrido, 2007). As ideias de experimental. No entanto, o estudo da
Tarde exercerão influência no trabalho de mente grupal e do comportamento das
Ross, que publicou um dos primeiros livros multidões propriamen te dito, foco central
de psicologia social. da obra de Le Bon, so mente será
Em 1895, Gustav Le Bon (1814 resgatado mais recentemente, por autores
-1931) publicou o livro Psicologia das como Moscovici e colaboradores (McGarty
multidões (Melo Neto, 2000), que exerceu e Haslam, 1997).
significa tiva influência nos trabalhos de
vários psi cólogos sociais posteriores.
Nesse livro, o autor defende a tese de que
as massas ou multidões constituem -se A fundação da psicologia social
em seres psíquicos de características
diferentes dos indivíduos que as No início do século XX, a psicologia social
compõem. Nesse sentido, quando eles se começa a adquirir o status de uma discipli
juntam às massas, perdem suas ca na independente, e seu centro de
racterísticas superiores e sua autonomia, gravidade começa a mudar da Europa
passando a ser regidos por uma alma cole para os Estados Unidos (Jahoda, 2007).
tiva, com características independentes Duas obras, publica das no ano de 1908,
das de seus membros, além de mais irão marcar a fundação oficial da
primitivas e inconscientes. As multidões psicologia social moderna: Uma
seriam, assim, as responsáveis pelo fato introdução à psicologia social, de William
de os sujeitos per derem sua McDougall, e Psicologia social: uma
individualidade e passarem a fazer parte resenha e um livro texto, de Edward Ross
de um todo com características totalmente (Pepitone, 1981). Cumpre registrar, porém,
distintas das partes que o com põem. que esses dois autores, embora fossem
Segundo Le Bon, ao se encontrar em uma contemporâne os e tivessem usado a
multidão, o indivíduo sufoca sua per expressão psicologia social nos títulos de
sonalidade consciente e passa a ser domi seus livros, não estavam falando do
nado pela mente coletiva da multidão, que mesmo assunto.
é capaz de levar seus membros a apresen Edward Ross (1866 -1951) era um so
tar comportamentos unânimes, emocionais ciólogo norte -americano que, influenciado
e desprovidos de racionalidade. Em outras pelas obras de Tarde e de Le Bon, caracte
palavras, as pessoas perdem sua rizou a psicologia social como o estudo das
capacidade de raciocínio e tornam -se uniformidades de pensamentos, crenças e
altamente suges tionáveis, o que as leva a ações decorrentes da interação entre os
cometer atos de seres humanos (Pepitone, 1981). Segundo
barbárie que não praticariam se Ross, os fenômenos subjacentes a essa
estivessem sozinhas. uniformi dade são a imitação, a sugestão e
Quando enfatiza a irracionalidade das o contá gio, o que explicaria a rápida
multidões, Le Bon estabelece um vínculo uniformidade verificada entre as emoções
en tre a psicologia social e a e as crenças das multidões. Embora Ross
psicopatologia, ao qual se contrapõe a tenha especificado
psicologia social psicoló gica de base

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 17


entre a psicologia
social psicológica e a psicologia social
algumas variáveis que interferem na suges
socio lógica que se avizinhava. A partir do
tão (como, por exemplo, o prestígio da fon início do século XX, ambas as correntes
te), sua análise da vida social humana não sofrerão grande impulso nos Estados
se reverteu no desenvolvimento de um mo Unidos, ainda que trilhando direções
delo teórico formal, tendo ele se limitado a distintas. Nesse sen tido,
organizar observações extraídas da acompanharemos inicialmente a evolu ção
história, da literatura e do trabalho de da psicologia social psicológica para, em
outros auto res. seguida, trilharmos os caminhos
McDougall (1871 -1938), por outro percorridos pela psicologia social
lado, era um psicólogo britânico que foi sociológica ao longo do século XX.
fortemente influenciado pelas concepções
de Darwin e Spencer sobre a evolução.
Sua obra gira em torno do conceito de
instinto, ressaltando a importância de O desenvolvimento da
certas carac psicologia social psicológica
terísticas inatas e instintivas para a vida so nos Estados Unidos
cial. Segundo ele, os instintos apresentam
três componentes: a percepção, que leva o Nas primeiras décadas do século XX, os
indivíduo a prestar atenção aos estímulos Estados Unidos assistem à ascensão do
relevantes a seus instintos; o comporta beha viorismo, segundo o qual uma
mento, responsável por levar o indivíduo a psicologia verdadeiramente científica
manifestar condutas destinadas a deveria estudar e explicar apenas o
satisfazer seus instintos; e a emoção, que comportamento humano observável, sem
faz com que os instintos estejam considerar construtos men tais não
associados a estados emocionais observáveis, como a mente, a cog nição e
positivos ou negativos (Boeree, 2006b). os sentimentos (McGarty e Haslam, 1997).
Propôs ainda uma classificação dos Com isso, os psicólogos sociais pro
instintos em primários, de segunda ordem gressivamente abandonam as explicações
e pseudoinstintos (Álvaro e Garrido, 2007). do comportamento social em termos de
Os instintos primários são em número de instintos, bem como o uso da introspecção,
sete e associam -se a emoções. Entre passando a adotar uma psicologia social
eles, es eminentemente experimental e focada no
tão, por exemplo, a fuga, associada ao in divíduo (Jahoda, 2007).
medo, e o combate, associado à raiva. Os Consequentemente, a divisão entre
instintos secundários são em número de psicologia social psicológica e sociológica
quatro e mostram -se importantes para a aprofunda -se na medida em que a
vida social, como, por exemplo, o instinto psicologia passa a ser vista muito mais
gregário. Já os pseudoinstintos são em como uma ciência natural do que como
número de três e interferem nas uma ciência social (Pepitone, 1986).
interações entre as pessoas, como no Cumpre registrar, porém, que o primei ro
caso da imitação, por exemplo. Os experimento em psicologia social ocorreu
estudos de McDougall são considerados ainda no século XIX, tendo sido conduzido
pre por Tripplett em 1897 (Rodrigues, 1972).
cursores das teorias motivacionais, que Esse experimento foi realizado com
pos teriormente se tornarão objeto de crianças que foram solicitadas a enrolar
investiga ção de alguns psicólogos sociais um anzol o mais rapidamente possível,
(McGarty e Haslam, 1997). sozinhas ou na presença de outras
No momento em que a psicologia co meça crianças que faziam a mesma tarefa. Os
a se definir como uma disciplina in resultados mostraram que elas agiam
dependente, a publicação concomitante muito mais rapidamente quan do estavam
das obras de Ross e McDougall, estando acompanhadas do que quando estavam
situadas uma no âmbito da psicologia e sozinhas, lançando assim as bases do
outra, no âm bito da sociologia, pode ser estudo do fenômeno de facilitação social,
vista como uma evidência da separação
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18 Torres, neiva & cols.

A Segunda Guerra Mundial


Com a escalada do nazismo na Europa e a
que ainda hoje é um dos temas de Segunda Guerra Mundial, muitos cientistas
interesse da psicologia social psicológica. imigraram para os Estados Unidos. Além
Entretanto, é somente em 1924 que dis so, os psicólogos sociais foram
surge o livro -texto de psicologia social de convocados a cooperar na resolução dos
Floyd Allport (1890 -1978), considerado um problemas sociais provocados pela guerra.
dos mais famosos psicólogos sociais beha Tais fatos influen ciarão sobremaneira os
vioristas da época (Pepitone, 1981). O novos rumos toma dos pela psicologia
autor contrapõe -se ao estudo da social psicológica no pe ríodo que vai da
consciência cole tiva ou mente grupal pela década de 1930 à década de 1950. Nesse
psicologia social, por acreditar não ser sentido, os psicólogos europeus trarão
possível a existência de uma mente para a psicologia norte -americana a
comum a várias pessoas, de modo similar perspectiva do gestaltismo, que substituirá
ao que ocorre com um indi víduo particular. o behaviorismo até então dominante. Para
Além disso, ele considera que a psicologia o gestaltismo, as propriedades perceptivas
social faz parte da psicolo gia do indivíduo de um objeto formavam uma gestalt, isto
e não da sociologia e, como tal, deve é, um todo que apresentava características
ocupar -se do estudo das influên cias do distintas da soma das partes que o consti
comportamento do indivíduo em ou tras tuem (McGarty e Haslam, 1997). Entre os
pessoas e das reações a tais influências psicólogos sociais europeus que, nos anos
(Karpf, 1932). 1940, desenvolveram trabalhos influencia
Allport desenvolve uma série de expe dos pelas ideias do gestaltismo destacam-
rimentos sobre facilitação social, demons -se Muzar Sheriff (1906 -1988), Kurt Lewin
trando que os grupos nos quais as pessoas (1890 -1947), Fritz Heider (1896 -1988) e
estavam juntas, mas trabalhando individual Solomon Asch (1907 -1996).
mente, em tarefas mentais ou perceptuais, Com o objetivo de explorar as
apresentavam melhor desempenho do que condições e os fatores que levam à
pessoas que estavam sozinhas realizando formação e à perma nência das normas
o mesmo tipo de tarefa. Com sua obra, ele sociais, Sheriff (1936) de senvolveu vários
de fine, portanto, os limites da psicologia experimentos. Neles, uma pessoa era
social psicológica como uma disciplina solicitada a fazer julgamentos de estímulos
objetiva e de base experimental (Jones, ambíguos (o quanto uma luz em um quarto
1985). escuro se movia, quando na rea lidade
Nos anos de 1920, inicia -se também estava parada), individualmente ou na
o estudo das atitudes, sob a coordenação presença de outras pessoas. Observou -se
de Thurstone e colaboradores, que desen que a pessoa, ao tomar conhecimento dos
volveram uma metodologia própria para a julgamentos feitos pelos demais (norma so
investigação do referido construto, toma do cial), antes ou depois do próprio
como um fenômeno mental (McGarty e julgamento, tendia a convergir para a
Haslam, 1997). Esse trabalho pioneiro sus norma do grupo e a desconsiderar a
citou o desenvolvimento de várias outras própria norma.
técnicas para a mensuração das atitudes. Lewin era um psicólogo judeu que
Tais técnicas, aliadas à sofisticação cada imigrou para os Estados Unidos em 1933
vez maior do método experimental, e, juntamente com seus colaboradores
garantirão o status científico da psicologia (Lewin, Lippitt e White, 1939), desenvolveu
social psico lógica ao longo das décadas pesqui
subsequentes (Graumann, 1996). sas sobre o clima grupal, nas quais
estudou experimentalmente, em grupos funcionamento do grupo, já que di ferentes
reais, a in fluência dos estilos de liderança estilos de liderança provocavam ní veis
no compor tamento do grupo. Os distintos de produtividade e agressão.
resultados levaram -no a concluir que o Lewin (1943) também propôs a teoria de
papel do líder era central para o campo, na qual o grupo era visto como um

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 19


da consistência cognitiva ao propor o princí
pio do equilíbrio cognitivo, segundo o qual
campo de forças que tinha primazia sobre
as pessoas tendem a manter sentimentos
suas partes, isto é, sobre seus membros. e cognições coerentes sobre um mesmo
Ele inaugurou ainda um programa a que objeto ou pessoa, de modo a obter uma
deno minou de pesquisa -ação, cujo situação de equilíbrio. Quando esse
objetivo era avaliar o comportamento dos equilíbrio se des faz, elas vivenciam uma
membros de grupos da comunidade e situação de tensão e procuram
colaborar com sua restabelecê -lo mediante a mu dança de
mudança de atitudes e comportamentos. algum dos elementos da situação.
Em contraste com a posição de Allport e Asch (1946) coloca -se contra a
de outros psicólogos sociais experimen posição adotada pelos psicólogos sociais
tais, para quem o grupo representava tão adeptos do behaviorismo, procurando
somente uma variável externa que exercia aplicar os princí pios gestaltistas no campo
influência sobre os indivíduos que dele par da percepção de pessoas, que até hoje
ticipavam, a concepção de Lewin de que o consiste em uma das áreas centrais de
grupo tem uma dinâmica própria, não re estudo da psicologia so cial psicológica.
dutível à soma das partes que o compõem, Segundo ele, ao formarmos uma
soou como bastante original e teve grande impressão sobre uma pessoa, construí
impacto nas discussões teóricas travadas mos um todo organizado sobre ela, uma im
na época (Pepitone, 1981). Seus pressão que difere do somatório de todas
engenhosos experimentos trouxeram a as suas características pessoais. Os
realidade social para dentro do laboratório trabalhos de Sheriff, Lewin, Heider e Asch
e converteram- -se em um modelo exerceram forte influência sobre toda uma
paradigmático de pesqui sas sobre geração de seguidores que fizeram a
processos e estruturas grupais que eram história da psico logia social psicológica
ao mesmo tempo empíricas e teóricas nas décadas subse quentes.
(Smith, 1961).
Os trabalhos seminais de Heider (1944,
1946, 1958) lançaram as bases con O período do pós‑guerra
ceituais de duas linhas de pesquisa que do
minarão as décadas subsequentes. Nas pu O período do pós -guerra constituiu -se em
blicações de 1944 e 1958, ele estabelece uma fase de intensa produção pelos psi
os fundamentos das teorias de atribuição, cólogos sociais da época, estimulada pela
ao defender a ideia de que, em suas continuação dos esforços de cooperação
relações interpessoais, o indivíduo empreendidos durante a guerra e pela cons
percebe o outro e suas ações como um tatação por parte das entidades militares e
todo organizado e, por essa razão, tende a governamentais de que as ciências sociais
procurar as causas do comportamento do e comportamentais estavam preparadas
outro, como forma de tornar o mundo para colaborar no gerenciamento dos
social mais organizado, estável e comple xos problemas humanos daquele
previsível. Para tanto, utiliza -se de fatores período. Desse modo, nas duas décadas
pessoais, internos (capacidade, esforço, seguintes à Segunda Guerra Mundial, a
etc.) ou de fatores impessoais, ex ternos psicologia so cial psicológica converte -se
(sorte, situação, etc.). Já no artigo de em um campo científico produtivo, com
1946, Heider constrói os pilares das teorias bases solidamen te estabelecidas, e torna
-se responsável por uma série de rores contra outros seres humanos durante
pesquisas inovadoras, talento sas e cada a guerra, Theodor Adorno (1903 -1969)
vez mais sofisticadas do ponto de vista dedica -se ao estudo dos tipos de persona
metodológico, as quais desencadearão o lidade. Ele pertencia à Escola de Frankfurt
surgimento de novas direções de pesquisa – nome utilizado para designar o Instituto
e teorização (Jackson, 1988). de Pesquisa que funcionava na
Com o intuito de melhor compreender as Universidade de Frankfurt – e, a exemplo
razões que levaram pessoas aparente de outros emi
mente normais e civilizadas a cometer hor

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20 Torres, neiva & cols.


características do comunicador (como, por
exemplo, seu prestígio, seu grau de
credibili dade, etc.), da mensagem (como,
por exem plo, seu conteúdo) e da
audiência (como, por exemplo, suas
nentes psicólogos já citados, também imi características de personalida de) na
grou para os Estados Unidos durante a mudança de atitudes. Esses estudos
guerra. Logo após o término do conflito, irá fizeram com que as atitudes tivessem um
publicar, juntamente com outros membros papel central na psicologia social psicológi
de sua equipe (Adorno, Frenkel-Brunswik, ca durante os anos de 1960, tendo
Levinson e Sanford, 1950), a obra A perso‑ ocupado maior espaço do que qualquer
nalidade autoritária, na qual defende a tese outro tópico nos livros -texto da época
de que o preconceito contra as minorias so (McGuire, 1968). Contudo, nos anos de
ciais em geral (bem como o 1970, esse interesse entrou em declínio
antissemitismo, em particular) está com a consequente ascen são do
associado a um tipo de personalidade cognitivismo.
autoritária, caracterizado por traços de Uma terceira consequência do pós-
rigidez de opiniões, adesão a valo res -guerra foi o impulso que as investigações
convencionais e intolerância. sobre grupos receberam, especialmente
Outra consequência do período do pe
pós -guerra foi o ressurgimento do las mãos de Solomon Asch (1907 -1996),
interesse pela pesquisa sobre atitudes. que anteriormente havia realizado estudos
Enquanto na primeira fase da pesquisa sobre a formação de impressões, e Leon
sobre o tema o foco era a mensuração das Festinger (1919 -1989). Tais pesquisas
atitudes, confor constituíram as bases da teorização sobre
me já apontado, nessa nova fase os influência social e processos intragrupais,
psicólo gos sociais se concentrarão na temas presentes na maior parte dos
investigação experimental da mudança de modernos manuais de psi
atitudes. cologia social psicológica.
Tais estudos iniciaram -se ainda nos Na sequência dos estudos iniciados
tempos de guerra, sob a liderança de Carl por Sheriff nos anos de 1930, Asch (1952)
Hovland (1912 -1961), com o objetivo de dedicou -se a pesquisas sobre a influência
verificar os efeitos de filmes bélicos e de social, procurando avaliar a influência da
programas de treinamento do exército pressão do grupo sobre o julgamento dos
norte- in
-americano sobre as atitudes dos soldados. divíduos. Em contraste com os experimen
Terminada a guerra, Hovland e colaborado tos de Sheriff, nos quais os estímulos eram
res (Hovland, Jonis e Kelley, 1953) ambíguos, ele usou estímulos sem
desenvol veram um extenso programa de nenhuma ambiguidade (comparação de
pesquisas ex perimentais sobre linhas de va riados tamanhos com uma
comunicação e persuasão, com o intuito linha de tama nho padrão). Ainda assim,
de elucidar as influências das seus experimen tos demonstraram que,
quando uma pessoa tem certeza de que Milgram (1965) sobre obediên cia à
seu julgamento está cor reto, mas é autoridade. Em tais experimentos, o autor
confrontada com uma maioria que fez um demonstra que os indivíduos sentem- -se
julgamento errado, ela tende a se tão submissos à autoridade do experi
conformar com essa maioria e mudar seu mentador que, atendendo às suas instru
julgamento, seja porque realmente passa a ções, são capazes de ministrar choques
acreditar que estava enganada em seu cada vez mais fortes em uma determinada
julga mento e que a maioria é que estava pessoa (por causa de erros que ela vai
correta, seja porque tem necessidade de simulando cometer durante o desempenho
ser aceita pelo grupo. de uma tarefa), apesar de ela demonstrar
Os estudos de Asch sobre conformida que está sentindo dores cada vez piores.
de suscitaram uma série de Festinger (1954) recebeu influências
desdobramentos posteriores, relacionados de Lewin, tendo publicado uma das
à investigação dos diferentes fatores que primeiras teorias formais em psicologia
influenciavam tal fe nômeno, além de social – a teoria da comparação social –,
inspirar os experimentos clássicos de com base nos resul

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 21


elas, merece destaque a teo ria da
dissonância cognitiva de Festinger (1919
tados de uma série de experimentos
-1989), que antes já havia desenvolvi do a
destina dos a testar hipóteses sobre as teoria da comparação social.
pressões para a uniformidade que ocorrem
De acordo com Festinger (1957), as
nos grupos. De acordo com essa teoria, as
pessoas tendem a buscar a harmonia ou a
pessoas, quando não têm um padrão
congruência entre suas crenças e atitudes.
objetivo de comparação, sentem
Desse modo, quando são induzidas a
necessidade de se comparar com os
emitir atitudes contrárias às suas crenças,
demais membros de seu grupo e confirmar
entram em dissonância cognitiva, o que
que eles têm crenças e habilidades seme
lhes causa desconforto e as leva a mudar
lhantes às suas, o que as faz se sentirem
suas crenças ou atitudes, de modo a
mais seguras. Quando, por outro lado,
alcançar novamente a congruência. Assim,
surge um membro com opinião divergente,
por exemplo, se uma pessoa fuma e sabe
o grupo faz pressão para que ele mude
que isso é prejudicial à saúde, ela poderá
essa opinião e conforme -se às regras
resolver essa dissonância parando de
grupais e, caso isso não aconteça, rejeita
fumar (mudança de atitude) ou buscando
-o, levando esse mem bro a escolher
informações de que fumar não é
outros grupos de comparação. A teoria de
prejudicial à saúde (mudança de crenças).
Festinger foi submetida a inú meros
A teoria da dissonância suscitou, nas
desdobramentos, especialmente por
décadas seguintes, um volume considerá
Shachter (1959), que desenvolveu uma sé
vel de pesquisas experimentais rigorosas,
rie de experimentos sobre a necessidade
destinadas a testar seus pressupostos
de
sobre as inconsistências, contradições,
comparação de experiências emocionais.
tensões ou perturbações da harmonia
No final dos anos de 1950 e ao longo dos
cognitiva que movem o comportamento
anos de 1960 e 1970, as pesquisas sobre
social, bem como sobre os diferentes
mudança de atitudes e sobre processos
fatores que interferiam na redução ou não
gru pais foram progressivamente sendo
da dissonância. Apesar de ter sido
substi tuídas pelas teorias de base
também alvo de críticas, ela foi a principal
cognitiva. Nesse sentido, as teorias da
responsável pelo desenvolvimento da
consistência domina ram a década de
psicologia social psicológica nas décadas
1960, sob a influência do princípio do
seguintes (Rodrigues, Assmar e Jablonski,
equilíbrio cognitivo de Heider (1946). Entre
2000).
À medida que o interesse pelas teo da psicologia social psi cológica.
rias da dissonância e do equilíbrio decaía, As teorias da atribuição representam
a pesquisa sobre as teorias da atribuição também a consolidação definitiva do cogni
au mentava, tendo marcado os anos de tivismo, que se tornou, a partir dos anos de
1970 e 1980. Essas teorias 1980, a perspectiva dominante na psicolo
desenvolveram -se a partir dos trabalhos gia social psicológica atual. Tal abordagem
de Heider (1944, 1958) sobre as relações focaliza -se na compreensão da cognição
interpessoais e têm como principal so cial, isto é, do processamento da
objetivo a investigação acerca do modo informa ção social, baseado no
pelo qual as pessoas inferem causas pressuposto de que o comportamento
sobre o próprio comportamento e sobre o social pode ser explicado por meio dos
comportamento das outras pessoas, isto é, processos cognitivos a ele sub jacentes
o que as leva a concluir que o responsável (Fiske e Taylor, 1984). Ela se volta para o
pelo comportamento é o próprio indivíduo estudo da categorização dos objetos
ou a situação. Tais preocupações foram in sociais, ou seja, para a análise das estraté
tensamente exploradas nas obras de gias que as pessoas utilizam para formar
Jones e Davis (1965), Kelley (1967), Ross impressões, crenças ou cognições sobre
(1977) e Weiner (1986), sendo as os estímulos sociais que as rodeiam (o
responsáveis pelo fato de, ainda hoje, as próprio indivíduo, bem como outras
teorias atribuicionais constituírem -se em pessoas, grupos
importante campo de estudo e pesquisa

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22 Torres, neiva & cols.


Tendo como meta última a investiga ção
das leis universais capazes de explicar o
comportamento social, a psicologia social
psicológica estrutura -se progressivamente
como uma ciência natural e empírica, que
e eventos sociais), e do modo pelo qual desconsidera o papel que as estruturas so
tais categorias afetam seu ciais e os sistemas culturais exercem sobre
comportamento. os indivíduos (Pepitone, 1981). É nesse
contexto que a década de 1970 assistirá ao
surgimento da chamada “crise da
A crise da psicologia social psicologia social”, que marcará em
definitivo os novos rumos tomados pela
O período que vai do pós -guerra aos anos psicologia social psico lógica a partir de
de 1970 é visto por alguns autores então.
(Apfelbaum, 1992) como a era de ouro da A crise da psicologia social ou “era
psicologia social, em função da grande das dúvidas” surgiu, portanto, em
evolução ob consequência da excessiva
servada na construção e na verificação de individualização da psicologia social
teorias, assim como na elaboração de pro psicológica e dos movimentos sociais
cedimentos metodológicos e estatísticos ocorridos nos anos de 1970 (como o femi
cada vez mais sofisticados. Com o passar nismo, por exemplo), tendo se caracteriza
do tempo, porém, o modelo de pesquisa do pelo questionamento das bases concei
-ação orientado para a comunidade e para tuais e metodológicas da psicologia social
o estu do dos grupos, introduzido por psicológica até então dominante, no que
Lewin ainda nos anos de 1930, foi sendo tange à sua validade, relevância e
paulatinamente abandonado e substituído capacida de de generalização (Apfelbaum,
pela investigação de fenômenos e 1992). Os questionamentos voltam -se
processos eminentemente principalmente à sua relevância social, isto
intraindividuais, de natureza cognitiva. é, ao fato de essa vertente da psicologia
social usar uma linguagem científica cada sociais estiveram entre as preocupações
vez mais neutra e afastada dos problemas de filósofos, sociólogos e psicólogos
sociais reais e, europeus e norte -americanos. No início
consequentemente, desenvolver modelos e do século XX, porém, os sociólogos
teorias que não são capazes de contribuir sentiram a necessida de de se diferenciar
para a explicação da nova realidade social dos psicólogos sociais que, no contexto da
que surgia. Além disso, criticava -se a artifi psicologia, passaram a adotar o
cialidade dos experimentos conduzidos em behaviorismo como paradigma e a praticar
laboratório, a falta de compromisso ético uma psicologia social psicológica que aos
de seus mentores e a excessiva poucos se tornava cada vez mais in
fragmentação dos modelos teóricos dividualista. Surge então a psicologia social
(Jones, 1985). sociológica, cuja principal vertente é o inte
Tais críticas suscitaram grande resis racionismo simbólico e que tem, nas
tência da comunidade científica estabeleci figuras de Charles Cooley (1864 -1929) e
da à época. No entanto, contribuíram para George Mead (1863 -1931) seus mais
o movimento de internacionalização da psi notáveis pre cursores.
cologia social, responsável pelo desenvolvi
mento de uma psicologia social europeia,
mais preocupada com o contexto social, e, Os precursores da psicologia
mais recentemente, de uma psicologia
latino -americana.
social sociológica

Cooley era um sociólogo que recebeu in


fluências de Spencer, tendo defendido uma
O desenvolvimento da concepção evolucionista da mente e da so
psicologia social sociológica ciedade. Em sua obra Natureza humana e
nos Estados Unidos

Durante o século XIX, as questões psicos

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 23


qual o indivíduo se vê.
Para Cooley, o desenvolvimento da
ordem social, datada de 1902, ele
identidade ocorre no contexto da intera ção
ressaltou a influência do ambiente social
com os outros e por meio do uso da
na configu ração da natureza humana e,
linguagem e da comunicação. Tais formula
consequen temente, da natureza da
ções serviram de base a desenvolvimentos
identidade ou self (Álvaro e Garrido, 2007).
posteriores, tendo influenciado Mead, que
Ao explicar a formação da identidade,
também adota a expressão “eu refletido no
Cooley usa a expressão “eu refletido no es espelho” ao discorrer sobre a identidade.
pelho” para designar o fato de que tal for
Mead era um filósofo norte
mação está eminentemente associada ao
-americano que estudou por algum tempo
modo pelo qual a pessoa imagina que apa
com Wundt em Leipizig, o que teve grande
rece diante das outras pessoas, assim
influência em sua obra. Posteriormente,
como ao modo pelo qual ela imagina que
ele passou a dar aulas de filosofia em
as outras pessoas reagem a ela e aos
Michigan, onde conviveu com Cooley, que
sentimentos daí decorrentes, que podem
na época estava escrevendo sua tese de
ser de orgulho ou de decepção. Em outras
doutorado, e depois em Chicago, onde
palavras, segundo o autor, o indivíduo, ao
permaneceu até a sua morte. Suas aulas
interagir com as ou tras pessoas, torna -se
de psicologia social foram posteriormente
consciente da imagem e dos sentimentos
compiladas no livro A men‑
que essas outras pessoas nutrem por ele,
te, o eu e a sociedade: do ponto de vista
isto é, elas atuam como um espelho no
de um behaviorista social, publicado após as pessoas a tomarem consciência de si
a sua morte, em 1934 (Farr, 1999). próprias, mediante a perspectiva dos de
A linguagem desempenha um papel mais membros de seu grupo social. Ele si
fundamental no pensamento de Mead, a tua, portanto, a formação da identidade no
ponto de ele considerar o ato comunicativo campo das relações interpessoais, da
como a unidade básica de análise da psi organi zação social e da cultura ao postular
cologia social. Segundo ele, a linguagem é que o sujeito apropria -se do conjunto de
um fenômeno inerentemente social e, con padrões comuns a diferentes grupos
sequentemente, as atitudes e os gestos só socioculturais para desenvolver seu
adquirem significado por meio da interação próprio eu (Stephan e Stephan, 1985).
simbólica. É, portanto, no contexto das rela Mead é considerado um behaviorista
ções sociais que a comunicação e a expres social, porque, ainda que defendesse o es
são tornam -se possíveis, bem como a tudo do comportamento observável, consi
possi bilidade de uma pessoa prever a derava que este era apenas um meio para
reação do outro a seus atos, isto é, de se chegar à experiência interna do
assumir o papel do outro (Jahoda, 2007). indivíduo (Álvaro e Garrido, 2007). Suas
Analisando a emergência desse pro cesso proposições, apesar de terem recebido
na infância, Mead enfatiza a impor tância várias críticas, exerceram forte influência
dos jogos infantis, em virtude de eles no desenvolvi mento da psicologia social
permitirem à criança assumir o papel dos sociológica, ten do dado origem a duas
outros (outro significativo) ou dos membros diferentes correntes teóricas: a escola de
da sociedade em que vive (eu generaliza Chicago e a escola de Iowa.
do). Com isso, ela passa a ter consciência
de si mesma, formando assim a sua
própria identidade, que reflete a A Escola de Chicago
internalização das normas e dos papéis
presentes em sua co munidade (Álvaro e Durante os anos de 1930 e 1940, as ideias
Garrido, 2007). de Mead não tiveram grande impacto.
Em síntese, para Mead, o indivíduo é Caberá, porém, a Herbert Blumer (1900
produto do desenvolvimento das pesso as -1987), em Chicago, nos anos de 1950, e
em sociedade e estrutura -se por meio do a Manford
processo de interação simbólica, que leva

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24 Torres, neiva & cols.


iniciada em Chicago por Blumer, a partir de
sua interpretação da obra de Mead.
Segundo Blumer (1969), os principais
pressupostos do interacionismo simbóli co
são os seguintes: a pessoa interpreta o
Kuhn (1911 -1963), em Iowa, nos de 1960, mundo para si própria, atribuindo -lhe sig
reacenderem o interesse pela temática. nificado; o comportamento não é uma re
Blumer era um sociólogo que, após a ação automática a um dado estímulo, mas
morte de Mead, assumiu seu curso anual sim uma construção criativa derivada da
de aulas de psicologia social, tendo interpretação da situação e das pessoas
cunhado de in que nela se encontram; a conduta humana
teracionismo simbólico a posição defendida é im previsível porque os significados e as
por Mead. Segundo ele, o uso da ações dependem de cada situação,
expressão derivou -se da ênfase na enquanto a in terpretação das situações e
compreensão do modo pelo qual as a construção do comportamento são
pessoas interagem com as outras usando processos que ocorrem durante a
símbolos. Desse modo, o in interação social.
teracionismo simbólico pode ser visto como A escola de Chicago costuma ser
uma forma sociológica de psicologia social iden tificada com a abordagem qualitativa
de pes quisa, talvez porque Blumer fosse um dos principais representantes da esco
da opinião que o estudo do la de Iowa, responsável pela continuidade
comportamento humano deveria ser do interacionismo simbólico ao longo dos
conduzido por meio de métodos próprios anos de 1960. Ele, no entanto, distancia
que, em vez de impor estruturas ao -se mais das ideias de Mead do que a
indivíduo, fossem capazes de captar as escola de Chicago. Nesse sentido,
realidades subjetivas construídas em cada defendia a utiliza ção dos mesmos
situação (Stephan e Stephan, 1985). Na métodos de pesquisa das ci ências
rea lidade, porém, a escola de Chicago naturais, tendo testado algumas das
primou pelo ecletismo metodológico, tendo proposições de Mead e abandonado
usado abordagens quantitativas e outras, por considerá -las não passíveis de
qualitativas na tentativa de estudar serem
cientificamente a rea lidade social e submetidas à verificação empírica. Além
resolver os problemas sociais que a disso, ele postulava que o self e a
cidade de Chicago enfrentou nos anos de sociedade dependiam da estrutura social.
1930 e 1940, tais como o aumento da Desse modo, afirmava que as expectativas
imigração, da criminalidade e da violência da sociedade a respeito do desempenho
(Álvaro e Garrido, 2007). de determinados papéis limitavam as
A esse respeito, vale destacar a pes quisa intera ções sociais ao exercer influência
realizada por Thomas e Znaniecki (1918), sobre as concepções que as pessoas
com o objetivo de analisar as ati tudes de desenvolviam acerca de si próprias e dos
imigrantes poloneses, na qual uti outros, sobre as definições das situações
lizaram a análise de documentos, cartas e e sobre os sig nificados que as pessoas
histórias de vida para traçar um perfil da construíam. Kuhn (1964) destaca, porém,
situação social desses imigrantes, segundo o papel ativo do in divíduo nesse processo,
a sua própria perspectiva (Álvaro e na medida em que é ele quem escolhe os
Garrido, 2007). Em contrapartida, papéis a desempenhar, podendo também
Bogardus (1925), outro membro da escola modificá -los.
de Chicago, desen Orientados predominantemente pela
volveu a primeira escala para a medida de perspectiva do interacionismo simbólico, e
atitudes, numa evidência de que ambos os usando primordialmente a observação par
tipos de metodologia ali conviviam (Álvaro ticipante como método, aliada ao uso de
e Garrido, 2007). entrevistas, os psicólogos sociais adeptos
da corrente sociológica prosseguiram, nos
anos subsequentes, investigando temas
A Escola de Iowa e a psicologia como a interação face a face, os
social sociológica na atualidade processos de socia lização, a formação e o
desenvolvimento da
Conforme já mencionado, Kuhn (1964) é

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 25


eficazes no desempenho de seus papéis.
Stryker, por sua vez, propõe que a
identidade, o comportamento desviante e o
identidade apresen ta múltiplos
comportamento coletivo. componentes, os quais se en contram
Novos desdobramentos teóricos tam associados aos diferentes papéis
bém foram surgindo com o tempo, entre os desempenhados pelo indivíduo, sendo que
quais podem ser citadas a escola dramatúr alguns componentes são mais salientes e,
gica de Goffman (1985) e a teoria da identi por essa razão, mais evocados nas
dade de Stryker (1980). Goffman deteve situações. Esses desdobramentos
-se na análise da interação face a face, contribuíram para a revitalização da
consi derando seus participantes como psicologia social sociológi ca que, durante
atores que podem ser mais ou menos certo tempo, permaneceu à margem da
psicologia social psicológica, dominante crescendo progressiva mente em tamanho
no cenário acadêmico da psi cologia. e influência.
Apesar de ela ter caminhado inicial
mente lado a lado com a psicologia social
O desenvolvimento da psicológica, começou rapidamente a adqui
psicologia social na Europa rir sua própria identidade e a demonstrar
maior preocupação com a estrutura social.
No ano de 1964, quando a psicologia so Nesse sentido, os temas de estudo mais
cial psicológica já estava firmemente esta fre quentes entre os psicólogos sociais
belecida nos Estados Unidos, foi criado no europeus são as relações intergrupais, a
país um Comitê Transnacional, sob o patro identidade social e a influência social, que
cínio do Social Science Research Council, remetem a uma psicologia dos grupos
com o objetivo de promover a internacio (Graumann, 1996). Entre os principais
nalização da psicologia social (Moscovici e representantes dessa moderna psicologia
Marková, 2006). Em sua formação inicial, social europeia, destacam -se Henri Tajfel
o comitê era composto por seis psicólogos (1919 -1982) e Serge Moscovici.
norte -americanos e dois europeus, sob a Tajfel (1981) procurou enfatizar a
presidência de Leon Festinger. Suas primei dimensão social do comportamento indivi
ras iniciativas foram no sentido de fomen dual e grupal, postulando que o indivíduo é
tar o desenvolvimento da psicologia social moldado pela sociedade e pela cultura.
na Europa, razão pela qual promoveu a Apoiando -se em tal perspectiva, desenvol
realização de vários encontros científicos e veu a teoria da identidade social, por meio
treinamentos para os psicólogos sociais eu da qual defende que as relações
ropeus, nos quais os conhecimentos por intergrupais estão intimamente
eles produzidos começaram a ser relacionadas a processos de identificação
divulgados. O Comitê Transnacional grupal e de comparação so cial.
exerceu também um papel ativo na Moscovici (1976), retomando os estu dos
construção e na consolida ção da sobre influência social, que até então se
Associação Europeia de Psicologia preocupavam exclusivamente com os
Experimental. efeitos da maioria dos membros do grupo,
Nos anos de 1960, em vários países isto é, com as pressões para a
eu ropeus, os psicólogos já realizavam conformidade, intro duz na área o conceito
pesquisas psicossociais, mas foi ao final de influência das mi norias, tendo realizado
da década que começaram a ser investigações com o intuito de averiguar a
realizados esforços mais sis temáticos, não inovação e a mudança social introduzida
apenas por parte do Comitê por essas minorias. Outro campo de
Transnacional, mas também por meio de estudos a que ele se dedicou (Moscovici,
ou tras iniciativas mais isoladas, dirigidas à 1981) foi o das representações sociais,
in tegração dos psicólogos sociais derivado do conceito de representa ções
europeus em uma comunidade científica coletivas de Durkheim e caracterizado
atuante. Assim é que, desde os anos de como modos de compreensão da realidade
1970, a psicologia social europeia vem

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26 Torres, neiva & cols.


caracterizando -se hoje como uma das
principais tendências da psicologia social
europeia.

compartilhados por diferentes grupos so


O desenvolvimento da psicologia
ciais. A teoria das representações sociais
foi amplamente difundida nas décadas social na América Latina
seguin tes, inclusive no Brasil,
pela arbitrariedade dos regimes militares e
A psicologia social praticada na América pela grande desigualda de social do
Latina, até a década de 1970, esteve for continente, esses psicólogos so ciais
temente influenciada pelo paradigma da defendem uma ruptura radical com a
psicologia social psicológica de natureza ex psicologia social tradicional (Spink e Spink,
perimental, dominante à época nos 2005).
Estados Unidos. Ao final dos anos de Então, passam a praticar o que tem
1960, de modo similar ao que já havia sido designado como psicologia social crí
ocorrido na Europa, o Comitê tica (Álvaro e Garrido, 2007) ou psicologia
Transnacional, fundado com o ob jetivo de social histórico -crítica (Mancebo e Jacó-
promover a internacionalização da -Vilela, 2004), expressões que abarcam,
psicologia social, procurou também atuar na realidade, diferentes posturas teóricas,
na América Latina (Moscovici e Marková, como, por exemplo, o socioconstrucionis
2006). Nesse sentido, três de seus mo (Gergen, 1997), a análise do discurso
membros mantiveram contatos com vários (Potter e Wetherell, 1987) e a psicologia
psicólogos sociais latino -americanos e, marxista, entre outras. Em que pesem as
em seguida, o Comitê Transnacional diferenças observadas entre essas corren
estimulou a criação de um comitê local, tes, a psicologia social crítica, grosso
além de patrocinar al guns encontros com modo, caracteriza -se por romper com o
esse grupo e um primei ro treinamento modelo neopositivista de ciência e, em
para os psicólogos sociais latino consequên cia, com seus postulados sobre
-americanos, no qual foi amplamente a necessida de de o conhecimento
discutida a necessidade de a psicologia so científico apoiar -se na verificação
cial estar mais diretamente vinculada aos empírica de relações causais entre
problemas sociais da América Latina. fenômenos. Em contraposição a tal
Alguns dos psicólogos desse comitê lo cal modelo, defende o caráter relacional da
fundam, em 1973, a Associação Latino- linguagem e a importância das práticas dis
-Americana de Psicologia Social cursivas para a compreensão da vida
(ALAPSO), que nos anos seguintes social (Álvaro e Garrido, 2007).
continuará a fomen tar o desenvolvimento Na esteira da psicologia social críti ca, irão
de atividades na área da psicologia social. surgir, na América Latina, diversos
Contudo, os proble mas políticos que manuais de psicologia social organizados
muitos dos países latino- -americanos segundo tal perspectiva crítica (como, por
vivenciaram naquele período, aliados a exemplo, Aguilar e Reid, 2007; Cordero,
dissidências entre os membros do comitê Dobles e Pérez, 1996; Montero, 1991),
local, acabaram por inviabilizar a con bem como algumas associações de psico
tinuação da ação do Comitê Transnacional logia social que se contrapõem à ALAPSO,
em prol da internacionalização da psicolo como é o caso, por exemplo, da
gia social psicológica na América Latina. Associação Venezuelana de Psicologia
Ao final da década de 1970, porém, muitos Social (AVEPSO). Um autor
dos psicólogos sociais latino -america nos frequentemente citado como legíti mo
iniciam um forte movimento de ques representante dessa nova perspectiva na
tionamento à psicologia social psicológica psicologia social latino -americana é
norte -americana, marcada pelo experimen Martin- -Baró (1942 -1989), psicólogo e
talismo e pelo individualismo, em prol de padre jesuí ta espanhol, radicado em El
uma psicologia social mais Salvador, que defendeu em suas obras o
contextualizada, isto é, mais voltada para desenvolvimento
os problemas po líticos e sociais que a
região vinha enfren tando. Estimulados

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 27


contribuir para a construção de um referen
cial teórico orientado pela concepção de
de uma psicologia social comprometida
que o ser humano constitui -se em um
com a realidade social latino -americana. produto histórico -social, de que indivíduo
Para ele (1989), a construção teórica em e socieda de implicam -se mutuamente
psicologia social deve emergir dos (Jacques et al., 1998).
problemas e confli
No que tange à breve história da psi
tos vivenciados pelo povo latino
cologia social brasileira, cabe registrar, por
-americano, de forma contextualizada com fim, o desenvolvimento dos cursos de pós-
sua história. No Brasil, as primeiras -graduação stricto‑sensu no país a partir da
publicações com foco na análise de década de 1980. Esses cursos exerceram
questões psicosso ciais começaram a im portante papel na estruturação de
surgir na década de 1930 (Bomfim, 2003). diferen tes linhas de pesquisa na área de
Contudo, a instituciona lização da psicologia social, orientadas por
psicologia social ocorre apenas em 1962, paradigmas e tendên cias diversificadas,
quando o Conselho Federal de Psicologia, bem como no incremen to da produção
por meio do Parecer no 403/62, criou o científica brasileira em psi cologia social.
currículo mínimo para os cursos de
psicologia, estabelecendo, assim, a obriga
toriedade do ensino da psicologia social. A Considerações finais
partir de então, e até os anos de 1970, a
psicologia social psicológica norte- A revisão dos eventos que marcaram a his
-americana foi a dominante, tal como ocor tória da psicologia social contemporânea re
reu no restante da América Latina. Uma vela que, no século XIX, as reflexões sobre
das obras adotadas nos cursos de o indivíduo e a sociedade desenvolveram
psicologia social durante esse período, -se no contexto da psicologia e da
que expressa tal tendência, é o livro sociologia, sem que houvesse a
Psicologia social, de Aroldo Rodrigues, preocupação com o estabelecimento de
publicado pela primeira vez em 1972. Seu limites sobre a nature za do conhecimento
autor também foi o res ponsável pelo psicossocial. No início do século XX,
desenvolvimento de uma pro fícua linha de ocorre uma nítida separação entre esses
pesquisa em psicologia social psicológica dois campos do conhecimento, com a
no país, a qual foi divulgada em uma série subdivisão da psicologia social, que se
de artigos publicados em perió dicos situava na interface dos dois, em psico
nacionais e estrangeiros ao longo dos logia social psicológica e psicologia social
anos de 1970 e 1980. sociológica, que passam a ter suas
A partir do final da década de 1970, próprias questões centrais, suas teorias e
os psicólogos sociais brasileiros também seus méto dos (House, 1977).
parti cipam ativamente do movimento de No contexto da psicologia social psico
ruptura com a psicologia social tradicional lógica que se desenvolveu a partir de
ocorrido na América Latina. Assim, a partir então, o indivíduo sempre esteve no
da publica ção, em 1984, do livro centro das principais perspectivas teóricas
organizado por Silvia Lane e Vanderley e dos temas de pesquisa. Desse modo, as
Codo, intitulado Psicologia social: o teorias e os programas de pesquisa que
homem em movimento, sucederam- -se lidavam com os fenômenos grupais ou
vários outros manuais brasileiros de psi coletivos, trabalhan do com conceitos
cologia social (Campos e Guareschi, 2000; relacionais, acabaram por sofrer uma
Jacques et al., 1998; Lane e Sawaia, 1994; solução de descontinuidade e ti veram
Mancebo e Jacó -Vilela, 2004) na perspecti pouco impacto na área. Tal tendência
va da psicologia crítica. individuocêntrica amparou -se na
Outra importante contribuição a tal concepção da psicologia como uma
movimento foi a fundação, em 1980, da ciência natural em pírica e, com o passar
Associação Brasileira de Psicologia Social do tempo, revelou- -se incapaz por si só de
(ABRAPSO), estabelecida com o propósito explicar o compor
de redefinir o campo da psicologia social e

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28 Torres, neiva & cols.


A psicologia social contemporânea
pode ser assim considerada uma disciplina
plural que convive com várias tendências.
Nesse sentido, DeLamater (2003) enfatiza
que a psicologia social consiste hoje em
tamento social em todas as suas nuances um campo que se situa na interface da
(Pepitone, 1981). psicolo gia e da sociologia, buscando
Ainda assim, durante muito tempo, os compreender a natureza e as causas do
livros de psicologia social adotados nos cur comportamento social humano, partindo
sos de psicologia abordavam, em sua maio do pressuposto de que o contexto
ria, apenas a psicologia social psicológica, intraindividual e o social in teragem
o que fez com que a psicologia social mutuamente, influenciando e sendo
socioló gica tenha permanecido, ao longo influenciado pelo comportamento individu
de várias décadas, com menos peso do al. Orientados por tal perspectiva, os manu
que a psicolo gia social psicológica no ais de psicologia social mais recentes têm
âmbito da psicolo gia (Jackson, 1988). procurado contemplar as várias vertentes
Entretanto, a crise por que passou a nas quais a disciplina atualmente se desdo
psicologia social psicológica nos anos de bra, na tentativa de contribuir para a cons
1970 contribuiu para modificar trução de um conhecimento psicossocial de
substancialmente esse quadro. natureza científica e capaz de ser aplicado
Devido a isso, a psicologia social à realidade social dos novos tempos.
psico lógica, sem abandonar os temas
tradicional mente estudados, passou por
uma correção de rumos e prosseguiu na
Referências
expansão de seu corpo de conhecimentos.
Paralelamente, fo ram surgindo novos
olhares sobre antigos tópicos (como, por ADORNO, T.W.; FRENKEL-BRUNSWIK, E.; LE
exemplo, no caso do estudo da identidade VINSON, D.J.; SANFORD, R.N. The autoritarin
e das relações inter grupais), novos tópicos personality. New York: Harper, 1950.
de estudo (como, por exemplo, a análise AGUILAR, M.A.; REID, A. (orgs.). Tratado de
das influências da cultura sobre o psico‑ logia social: perspectivas socioculturales.
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transcultural) e um maior esforço de ÁLVARO, J.L.; GARRIDO, A. Psicologia social:
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Acrescente -se a isso o fato de que a mo dern social psychology. In: LINDZEY, G.
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psicossociológicos como estrutura de refe E. (orgs.). Handbook of social psychology. 2.ed.
rência teórica de suas pesquisas. Além Reading, M.A.: Addison-Wesley, 1968.
disso, novos e diversificados paradigmas ALLPORT, G.W. The historical background of
teóricos e metodológicos, que têm como social psychology. In: LINDZEY, G.; ARONSON,
traço em co mum a crítica aos E. (orgs.). Handbook of social psychology. 3.ed.
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tradicional, desenvolveram -se e vêm APFELBAUM, E. Some teachings from the
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Garrido, 2007). Por fim, as últimas ASCH, S. Forming impressions of personality.
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2
Psicologia social no Brasil: uma introdução
Elaine Rabelo Neiva
Cláudio Vaz Torres
pesquisas realizadas nos últimos 60 anos.
O campo ainda apresenta microteorias,
não desenvolvendo algo mais global e
pretensio so na explicação do
comportamento huma no no contexto
social. Contudo, vários fe nômenos
psicossociais foram identificados e
analisados, enfatizando -se os fatores que
O objetivo deste livro é apresentar a diver os influenciam. Nas últimas quatro
sidade de estudos e abordagens que carac décadas, a psicologia social tem sido
terizam a psicologia social brasileira, mos totalmente domi nada pela psicologia social
trando seus enfoques divergentes, -cognitiva, com preponderância de
algumas estudos que avaliem os fenômenos sociais
vezes complementares, que foram construí sob a perspectiva indivi dual. Em uma das
dos a partir de posições teóricas e políticas chamadas “crises da psi cologia social”,
que procuram gerar conhecimentos nos anos de 1960 e 1970, os estudos se
bastante aplicáveis à realidade nacional, envolveram mais com fenô menos que
sem descon siderar os temas clássicos da abarcassem a interação e a rela ção entre
psicologia so cial e possibilidades de os indivíduos. Essa crise consistiu em uma
estudos ainda pouco explorados no Brasil. crítica e autocrítica dos psicólogos
A psicologia social se beneficia de sociais acerca da validade dos métodos uti
teorizações oriundas dos grandes sistemas lizados em suas pesquisas, preponderante
psicológicos (behaviorismo, gestalt, psica mente experimentais, da relevância social
nálise, etc.), mas também apresenta teori de seus resultados, além da ética envolvi
zações próprias, desenvolvidas a partir das da em alguns de seus experimentos. Essas
críticas permanecem até hoje, envolvendo, dessa área no Brasil. Ao final do capítulo,
inclusive, movimentos dissidentes no há uma discussão mais acurada sobre os
Brasil, como a psicologia social crítica. objetos da psicologia social, bem como
Este livro tem por objetivo, além de dos objetivos do livro, ressaltando a
apresentar os te mas da psicologia social diversidade de obje tos que são
clássicos, abordar outras vertentes de motivadores de pesquisa e as teorizações
estudo que envolvem os fenômenos que fundamentam as pesquisas
grupal e cultural e, dessa forma, mostrar realizadas.
como a psicologia social tem con tribuído
para a compreensão do homem no
contexto social. A psicologia social no Brasil:
Como forma de realizar tal empreendi um pouco de história
mento, este capítulo foi construído para
apresentar a psicologia social no Brasil, rea Segundo Bomfim (2004), o curso pioneiro
lizando uma retrospectiva histórica e apre em psicologia social no Brasil foi ministrado
sentando dados sobre a situação atual

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32 Torres, neiva & cols.


a psicologia social era uma disciplina entre
a psicologia e a sociologia que necessitava
de maiores delimitações de seu campo,
com crescente importância, embora seus
métodos e objetivos ainda não estivessem
por Raul Briquet (1935), seguido pelo tra claros. Na sua visão, caberia à psicologia
balho de Arthur Ramos. Na década de social estudar as bases psicológicas do
1930, surgiram os primeiros cursos comportamento so cial, as inter -relações
superiores em psicologia social, cabendo a psicológicas dos indi
Raul Carlos Briquet o pioneirismo docente. víduos na vida social e a influência total do
Médico, nas cido em São Paulo em 1887, grupo sobre a personalidade. Vale notar
foi responsável pela cadeira de psicologia que tal diferenciação ainda é discutida por
social na Escola Livre de Sociologia e auto res mais atuais, como Sampson
Política de São Paulo. Desse curso, (1985), que defende a psicologia social
resultou uma publicação do primeiro livro como área que se localiza entre um
acadêmico em psicologia so cial, editado contínuo bipolar de para digmas do
em 1935. O livro foi estrutura do em duas conhecimento, cujos polos foram por ele
partes: a primeira versa sobre as denominados como Individualismo
contribuições da sociologia, da biologia e Autocontido e Individualismo Abrangente.
da psicologia; a segunda, denominada de A diferenciação entre eles é feita com base
especial, traz temáticas específicas acerca nos critérios de:
da psicologia social, tendo o autor
realizado uma análise dos fatores 1. compreensão do limite entre o self e o
psíquicos que moti vam o comportamento “outro”;
social, o instinto, o hábito, as três formas 2. crença sobre o grau de controle do am
de identidade social (sugestão, imitação e biente sobre o comportamento humano; 3.
simpatia), a inteligên cia e a vida social. visão excludente versus visão includente
O segundo curso de psicologia social do self.
foi ministrado em 1935, por Arthur Ramos
– médico, nascido em Alagoas em 1903 –, Talvez pelas influências da impreci
e resultou na edição do livro Introdução à são do objeto sofrida em outros países, à
Psychologia Social, publicado em 1936, na psicologia social caberia o estudo das
Escola de Economia e Direito da extinta bases psicológicas do comportamento
Universidade do Distrito Federal. Para ele, social, das inter -relações psicológicas dos
indivíduos na vida social e da influência perspectiva cultu ralista, originária da
dos grupos sobre o indivíduo. Para antropologia cultural, e em função de seu
Ramos, a psicologia social, uma disciplina ponto de vista cultural, complementaria e
entre a psicologia e a sociologia, estava questionaria o critério evolucionista linear,
em crescente importân cia, embora não explicando a evolução psicológica dentro
tivesse seus métodos e ob jetivos ainda de suas culturas.
claros. A imprecisão no objeto refletia, e Segundo Bomfim (2004), Briquet e
era reflexo, da imprecisão em sua própria Ramos forneceram um panorama geral da
nomeação, sendo denominada como psicologia, acentuando as contribuições do
interpsicologia, psicologia social, psicologia behaviorismo, da psicanálise e do gestaltis
coletiva, psicologia das raças, psicologia mo, tratando de forma semelhante temas
dos povos, psicologia das massas ou como a sugestão, a imitação, a simpatia, a
psicologia das seitas. O próprio Ramos opinião pública, a censura e a propaganda,
nomeava o pro fissional da área ora como os dois últimos pontos claramente influen
psicossociólogo, ora como sociopsicólogo. ciados pelo zeitgeist da época. A fundamen
A articulação entre a psicologia social tação de Ramos para a psicologia social se
e antropologia social configurou -se como pautava na motivação biológica, no hábi to,
uma contribuição do curso de Ramos, na aprendizagem social, nas estruturas
fundamen tada nos escritos de Malinowski instintivo -afetivas, nas reações da persona
(1917), Franz Boas (1932) e Lévy -Bruhl lidade, na interação mental, na interferên
(1922). Sua visão se pautava na ideia de
psicologia so cial comparada, com uma

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 33


artigos sobre sociologia e ecologia humana
(Bomfim, 2004).
cia, no conflito e nos desajustamentos psi
Segundo Bomfim (2003a), três fatores
cossociais, sem relegar temas como a vida
fazem parte do contexto de evolução da psi
dos grupos, a relação entre o individual e o
cologia social no Brasil: os relacionados
social, a psicologia da cultura, a estrutura
com os avanços de áreas afins, como a
da mentalidade primitiva, a lógica afetiva e
sociologia, a antropologia, a educação, a
sua relação com o pensamento mágico-
história social e a própria psicologia; o
-simbólico, as esferas primitivas da
progresso da psicolo gia social em países
realidade
da Europa, nos Estados Unidos e na
e a sobrevivência das estruturas primitivas.
América Latina, e, ainda, as con dições
Metodologicamente, Ramos também históricas e econômicas mundiais, es
propunha a utilização de várias formas de pecialmente, as condições nacionais, que
coleta de dados, tais como medidas fisioló se caracterizavam por demandas sociais
gicas e morfológicas, os métodos biográfi de co munidades, grupos e movimentos
cos, os métodos de autorrelato e sociais, ofe receram rumos para a
impressão pessoal, os questionários e teorização e as pesqui sas no campo do
entrevistas e os testes. Entre os vários conhecimento psicossocial.
pontos de congruên cia dos dois cursos,
Na década de 1950, as demandas de
ressalta -se a visão pa norâmica da
senvolvimentistas tornam -se mais premen
psicologia social presente tanto no curso
tes no país, sustentadas por crenças de
de Ramos como no de Briquet. Essa
que um parque industrial forte
abordagem abrangente seria con trastada,
proporcionaria a qualidade de vida do
na década de 1940, em um tercei ro curso,
Brasil, de que a indus trialização e a
ministrado por Donald Pierson, na Escola
urbanização levariam à qua lificação dos
Livre de Sociologia e Política da
recursos humanos, construin do um país
Universidade de São Paulo. O referido cur
moderno e desenvolvido, com maior
so foi registrado no livro Teoria e Pesquisa
ênfase no setor educacional. Assim,
em Sociologia (1945), uma coletânea de
foram criados órgãos como o “Conselho
Nacional de Pesquisas” (CNPq), em 1951, não havia desenvolvido uma base sólida
a “Campanha de Aperfeiçoamento e de co nhecimentos estruturada na
Difusão do Ensino Secundário” (CADES), realidade social e nas vivências cotidianas.
em 1954, e o “Serviço de Educação de Sua teorização era centrada, segundo
Adultos”, em 1957. Segundo Bomfim Krüger (1986), no cognitivismo (relevo aos
(2004), esse mo fatores cognitivos do indivíduo), no
mento foi importante para a psicologia experimentalismo como método de
social, pois possibilitou as primeiras teses pesquisa, no individualismo (ou seja, na
de doutorado com temáticas comprometi análise dos fenômenos sociais a par tir da
das com essa perspectiva, como a tese de perspectiva do indivíduo), no etnocen
Carolina Bori, que versava sobre a Análise trismo (já que este modelo de indivíduo era
dos Experimentos de Interrupção de o estabelecido na cultura norte
Tarefas e da Teoria da Motivação na obra -americana), no uso de microteorias (ou
de Kurt Lewin (1943), e a tese de Dante seja, na inves tigação de microespaços do
Moreira Leite, sob o título de Caráter social) e, final mente, na perspectiva a
Nacional do Brasileiro (1954), que analisou -histórica, já que o “homem” considerado
a visão do que seja o “brasileiro” em nesses estudos seria um ser humano
diferentes obras representativas do presente em todos os tem pos e espaços.
chamado “pensamento social brasileiro”, Essa crise teórica, de caráter
apontando, nelas, caracte internacional, residiu principalmente nas
rísticas conservadoras ou progressistas. A dúvidas sobre o método experimental e so
psicologia social, no início dos anos de bre sua adequação à complexidade e às
1960, foi atravessada por uma crise que exi gências do objeto de estudo, pois as
questionava seu caráter teórico e ideológi regras do comportamento humano,
co, colocando em cheque tanto sua meto contrariamen te às das ciências naturais,
dologia como as teorizações utilizadas, não podem ser estabelecidas
pois muitos consideravam que a psicologia definitivamente, uma vez que

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34 Torres, neiva & cols.


-1989), psicólogo e padre jesuíta espanhol,
radicado em El Salvador, que defende em
suas obras o desenvolvimento de uma
psico logia social comprometida com a
realidade social latino -americana. Para
elas se alteram em função das circunstân Martin -Baró (1989), a teorização em
cias culturais e históricas. psicologia social deveria ser
Ao final da década de 1970, esse mo contextualizada na história da região,
vimento se intensifica na América Latina, marcada por problemas e conflitos
em oposição à psicologia social psicológica vivenciados pelo povo latino -americano.
norte -americana, marcada pelo experimen Assim, nasce uma tendência
talismo e pela perspectiva individual, em designada como uma psicologia social
busca de uma psicologia social mais crítica (Álvaro e Garrido, 2007) ou
voltada para os problemas políticos e psicologia social histórico- -crítica
sociais que a região vinha enfrentando. (Mancebo e Jacó -Vilela, 2004), que
Estimulados pela arbitrariedade dos aglutina diferentes posturas teóricas, como
regimes militares e pela grande o socioconstrucionismo (Gergen, 1997), a
desigualdade social do continente, esses análise do discurso (Potter e Wetherell,
psicólogos sociais iriam defender uma 1987) e a psicologia marxista, entre outras.
ruptura radical com a psicologia social tra Na esteira desse movimento, surgem, na
dicional (Spink e Spink, 2005). América Latina, diversos manuais de psico
Um autor considerado representante logia social organizados segundo a
dessa nova perspectiva na psicologia so perspec tiva crítica (como, por exemplo,
cial latino -americana é Martin -Baró (1942- Aguilar e Reid, 2007; Cordero, Dobles e
Pérez, 1996; Montero, 1991), bem como produção literária também aumentava, com
algumas asso ciações de psicologia social. uma grande ênfase nas traduções dos
No Brasil, até os anos de 1970, a psi livros estrangeiros.
cologia social psicológica norte -americana No Brasil, outros psicólogos aderiram
também esteve dominante, de modo seme ao movimento da psicologia social crítica,
lhante ao que ocorreu no resto da América segundo Bonfim (2003a), discutindo e ana
Latina. Uma das obras bastante adotada lisando as diferenças individuais, grupais e
nos cursos de psicologia social durante das comunidades e questionando seu
esse período, e que expressa tal papel político. Os argumentos principais
tendência, é o livro Psicologia social, de afirma vam que as investigações deveriam
autoria de Aroldo se esten der do individual para o social e
Rodrigues, publicado pela primeira vez em levar em conta o político e o econômico,
1972. Aroldo Rodrigues foi o responsável no sentido de se obter uma compreensão
pelo desenvolvimento de inúmeras pesqui apropriada da evolução da psicologia
sas, publicadas em periódicos nacionais e contemporânea e da vida social.
estrangeiros entre 1970 e 1980, em psico Segundo Bomfim (2003b), pelo fato de a
logia social psicológica no país. No psicologia social no Brasil crescer em
restante da América Latina, contudo, surge meio às conturbações políticas e sociais in
a obra Psicología Social de las Américas ternas, houve também uma preocupação
(Kimble, Hirt, Díaz -Loving, Hosch, Lucker com o caráter aplicado da psicologia so cial
e Zárate, 2002), que faz uma união entre a com ações pautadas em intervenções em
psicolo gia social psicológica e a psicologia comunidades e em organizações com e
social crítica ou histórico -crítica, sob um sem fins lucrativos. Cresceram, também,
diferente enfoque. nas empresas e nas instituições brasileiras,
A partir da década de 1970, o campo as práticas de dinâmica de grupo e de inter
da psicologia continuava crescendo, com a venção psicossociológica, que
implantação dos primeiros cursos de mes privilegiavam as relações interpessoais,
trado específicos em psicologia social na empresariais e/ou terapêuticas. Houve,
Pontifícia Universidade Católica de São ainda, um crescente aumento no número
Paulo, os quais geraram dissertações com de cursos de psicologia criados no país.
temáticas voltadas à realidade brasileira. A Nesses cursos, as produções

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 35


2004, entre outros). De acordo com
Bomfim (2003), Lane fez seguidores e
como Relações Humanas: psicologia das
iniciou teorizações características de
re‑ lações interpessoais (1978), de psicólogos sociais sócio- -históricos, que
Agostinho Minicucci, e Psicosociologia das produzem artigos criticando o Estado e o
Relações Públicas (1975), de Cândido de modo neo -liberal de produção que tem
Andrade, podem ser citados como outras um forte impacto na construção de
obras nacio nais da área. subjetividades. Segundo Lane e Codo
O movimento de ruptura com a Psi (1984), a psicologia deve assumir um ca
cologia Social tradicional se tornou forte ráter de compromisso com a criação da
no Brasil a partir do final da década de consciência entre os atores sociais, consi
1970, com a publicação, em 1984, do livro derando principalmente o contexto da luta
organizado por Silvia Lane e Wanderley de classes.
Codo intitulado Psicologia Social: o homem Silvia Tatiana Maurer Lane e Aniela
em movimento. A partir dele, outros manu Ginsberg foram professoras fundadoras do
ais brasileiros de psicologia social tiveram Programa de Estudos Pós -Graduados em
o mesmo enfoque (Campos e Guareschi, psicologia social da PUC -SP, o primeiro
2000; Jacques, Strey, Bernardes, cur
Guareschi, Carlos e Fonseca, 1998; Lane
so de mestrado e doutorado da área a fun
e Sawaia, 1994; Mancebo e Jacó -Vilela,
cionar no Brasil, entre 1972 e 1983, em
que a psicologia social tornou -se uma cria ção das associações científicas
disciplina (teórica/prática) referendada em promoveu o debate científico de modo
pesquisas empíricas sobre os problemas sistemático, por meio de encontros com a
sociais brasi leiros. Segundo Bomfim categoria em dife rentes eventos
(2003), os textos desenvolvidos por científicos.
professores e autores es colhidos são Nesse período, a psicologia social no
adotados como bibliografia bá sica em Brasil, de acordo com Bomfim (2003b),
muitos cursos de psicologia do Brasil e, buscou autonomia científica, por meio de
também, em concursos públicos na área um conjunto de atividades: crescimento
da saúde e educação. Receberam o expressivo da produção publicada, detalha
prêmio outorgado pela Sociedade mento das temáticas como educação,
Interamericana saúde, comunidade, trabalho, etc.,
de Psicologia (SIP), em julho de 2001. inclusão de ou tras perspectivas teóricas e
Outro evento importante para a psi cologia de objeto como (representações sociais,
social foi a fundação da Associação relações de gêne ro, movimentos sociais,
Brasileira de Psicologia Social etc.) inseridos em estudos
(ABRAPSO), contextualizados em comunidades
que se ocupa, em especial, da vinculação carentes, além de publicação de estudos e
científica de pesquisas desenvolvidas com de ampliação da divulgação de aplicações
base na perspectiva da psicologia social da psicologia social.
crítica. A ABRAPSO foi estabelecida em ju Segundo Bomfim (2004), Pinel (2005),
lho de 1980 com o propósito de redefinir o Camino (2006) e Lima (2009), a psicolo gia
campo da psicologia social e de contribuir social brasileira foi marcada por duas
para a construção de um referencial teórico tendências em oposição, representadas
orientado pela concepção de que o ser hu por Aroldo Rodrigues e José Augusto Dela
mano se constitui em um produto histórico- Coleta (empirista, adotando uma aborda
-social, de que indivíduo e sociedade se im gem mais de experimental -cognitiva, pre
plicam mutuamente (Jacques et al., 1998), ocupada com processos individuais que se
o que contribuiu para a consolidação do relacionam com o contexto social) e Silvia
mo vimento. Lane (marxista e sócio -histórica). As
Além do aumento da produção de ar discor dâncias teóricas e metodológicas
tigos e de dissertações de mestrado, foram presentes neste campo evidenciaram não
criados os primeiros cursos de doutorado apenas posi ções antagônicas em relação
específicos nessa área e defendidas as pri a temas impor tantes no campo da
meiras teses nos cursos instituídos, e a psicologia social, mas

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36 Torres, neiva & cols.


fatual. É uma psicologia que organiza,
dá nome aos processos observáveis
dos encontros sociais.
b) Tem seu desenvolvimento
comprometido com os objetivos da
também deram visibilidade a alguns sociedade norte- -americana do pós
autores que representavam essas -guerra, que precisava de
rivalidades. De maneira geral, alguns conhecimentos e de instrumentos que
argumentos que resumem as críticas e possibilitassem a intervenção na
posições de am bos os lados podem ser realida de, de forma a obter resultados
levantados: imedia tos, com a intenção de
recuperar a nação, garantindo o
a) A psicologia social baseia -se em um mé aumento da produtividade econômica.
todo descritivo e experimental, ou seja, Os temas mais desenvolvidos
um método que se propõe a descrever estiveram centrados na compreensão
e relacionar aquilo que é observável, do indivíduo, desconsiderando fatores
que sejam característicos da relação tornando uma repetição de discursos.
interpes soal e social.
c) Os métodos experimentais trazem pers Segundo Camino (2006), um olhar
pectivas reduzidas do contexto social, mais apurado a respeito desse aspecto de
o que gera um conhecimento centrado monstrará que, no cerne deste problema,
no indivíduo, nos processos encontra -se a questão do tipo de
sociocognitivos, partindo de uma explicação mais adequado ao
noção estreita do social. Este é comportamento humano. Esse debate tem
considerado apenas como a relação tomado a forma de dua lismos, como, por
entre pessoas – a interação pessoal – exemplo, subjetividade- -objetividade,
e não como um conjunto de produções natureza -cultura, explicação-
hu manas capazes de, ao mesmo -compreensão, individual -social, quanti
tempo em que vai construindo a tativo -qualitativo, etc. Nesse debate, esco
realidade social, construir também o lher um polo dos dualismos significa neces
indivíduo. sariamente negar a relevância ou o poder
d) Por outro lado, a psicologia social crítica heurístico do outro. Ainda para Camino
tornou esse debate relacionado a toma das (2006), a primeira dessas concepções tem
de posições políticas, o que produziu uma como ponto de partida o lugar central ocu
psicologia social comprometida com as pado pelo indivíduo e seus processos intra
lutas sociais, engajada com as mu danças psíquicos para a explicação dos
sociais que seriam resultantes do fenômenos sociais. Essa concepção,
empoderamento das classes populares e, denominada na atualidade de psicologia
ao mesmo tempo, um tanto quanto mani social psicológica, coloca a psicologia
queísta e dicotomizada, sobretudo no que social como um ramo da psicologia geral.
se refere aos aportes metodológicos. A segunda, denominada de psicologia
e) Além do maniqueísmo, existem os ar social sociológica, tem suas ori gens no
gumentos que consideram as pensamento psicossocial presente na
pesquisas sociologia e preconiza, como objeto de
“qualitativas como frouxas estudo da psicologia social, o social. Dito
metodologica mente e sem validade” em outros temos, na primeira, o social
(Bauer e Gaskell, 2004, p. 35), além seria o adjetivo, e, na segunda, o social
da impossibilidade de estipular seria o pró prio substantivo.
explicações causais sobre o Enfim, envolvida em discussões
comportamento humano. sobre a natureza do objeto, definido por
f) Outro argumento se fundamenta nas te uns como societal, ou, por outros, como a
orizações com pouco respaldo empírico, introjeção do social no indivíduo, o campo
de caráter metateórico, que se sustentam específico da psicologia social é o campo
em visões ideológicas de mundo e de ser da articula
humano. Essas teorizações se tornam ção de diferentes níveis de análise, desde
difíceis de serem transformadas em os processos cognitivos até os níveis
problemas científicos, muitas vezes se culturais.

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 37


realizada por Neiva e Corradi (2008).
Serão apresentados e discutidos os dados
A psicologia social no Brasil hoje
sobre a pesquisa no que tange aos
pesquisadores da área de psicologia social.
Para que seja desenhado um retrato da psi A classificação dos pesquisadores por área
cologia social no Brasil, serão foi feita por meio da análise do Currículo
apresentados os dados da pesquisa de Lattes dos pesquisadores. A partir da clas
redes sociais de pesquisadores da pós sificação, foi traçada uma rede com os pes
-graduação em psicolo gia no Brasil, quisadores que foram classificados na área
de psicologia social, demonstrando as cone constituída por:
xões da área.
A pesquisa foi realizada em 2007, por • 395 pesquisadores que responderam à
meio de um questionário eletrônico, que foi pesquisa, sendo que 350 responderam
respondido por vários pesquisadores que completamente.
se encontram vinculados a programas de • 2.787 indicações de pesquisadores entre
pós- membros de Grupos de Trabalho (GTs) de
-graduação no Brasil na área de 2006 da ANPEPP, outros pesquisadores
Psicologia. A base de dados para no Brasil e pesquisadores estrangeiros.
identificar os respon dentes dos • 1.344 pesquisadores foram indicados
questionários foi elaborada a partir dos no bojo das 2.787 indicações totais.
dados disponíveis nas bases do CNPq, da
CAPES e da Associação Nacional de Para separar os pesquisadores
Pesquisa e Pós -graduação em Psicologia perten centes a essa rede social, foi
no Brasil – ANPEPP. Os dados dos respon elaborada uma classificação dos
dentes foram validados pelos pesquisadores por meio do Currículo
Coordenadores dos Programas de pós Lattes. A classificação, por meio do
-graduação em psico logia vinculados a autorrelato, indicado pelo Lattes,
ANPEPP. Novos nomes de pesquisadores demonstra uma ampla possibilidade de ob
poderiam ser inseridos no banco de dados jetos que são classificados como objetos
a partir dos vínculos indica dos pelos da psicologia social, enfatizando desde
pesquisadores que respondiam ao temas bastante aplicados como
questionário. comportamentos do consumidor, violência,
A pesquisa teve por objetivo caracte rizar pesquisa transcul tural e construção da
as redes de pesquisadores brasileiros e subjetividade até estu dos com temas de
estrangeiros (com conexões com brasilei aplicação menos visível, como atribuição
ros) envolvidos com a pós -graduação em de causalidade e erros de julgamento, etc.
psicologia. O questionário online usado A rede de psicologia social possui ca
para a pesquisa envolveu questões sobre racterísticas muito peculiares. Trata -se de
as ca racterísticas das redes sociais sob o uma rede com 403 atores (dos 1.344
ponto de vista dos atores (pesquisadores). atores participantes da pesquisa),
Os temas do questionário foram relações constituindo a rede com maior número de
existentes entre os pesquisadores, tipo de atores dentre as subáreas da psicologia.
conteúdo transacionado nas relações Os 403 atores envol veram 522 indicações
entre pesquisa dores, tais como de relacionamentos realizados entre os
participação em bancas, publicações pesquisadores da rede social.
conjuntas, realização de pesqui sas ou Considerando o número de relações
apresentações de trabalhos, etc. existentes sobre as relações possíveis, a
A pesquisa contou com o apoio da den sidade da rede é de 0,4%,
ANPEPP (Associação Nacional de considerando -se seus 403 atores. O
Pesquisa e Pós -graduação em índice de coesão da rede está em torno de
Psicologia) para realizar o contato com os 0,8%, enquanto que a dis tância média
pesquisadores e divulga entre os atores (distância geo désica) é de
ção da pesquisa. 2,3 atores. Ou seja, cada pes quisador da
De forma resumida, pode -se conside rede precisa, em média, de 2,3
rar que a amostra da pesquisa foi

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38 Torres, neiva & cols.


Neiva e Corradi, 2008). Existiram redes
com distância geodésica em torno de 3
atores e diâmetro em torno de 9 atores,
com número de atores ligeiramente inferior
ao da rede de psicologia social (em torno
contatos intermediários para se relacionar de 220 e 280 atores).
com qualquer ator da rede social. O diâme Não se trata de uma rede social com
tro (maior distância entre atores) da rede subgrupos dispersos, voltados para redes
de psicologia social é de 9 atores. Mais da sociais com pesquisadores estrangeiros
me tade da rede apresenta uma distância (net‑ working internacional) e pouca
entre 2 e 5 atores, conforme mostra a imersão na rede nacional. Na rede de
Tabela 2.1. A densidade diz respeito à psicologia social, há uma distribuição de
proporção entre os vínculos possíveis e os pesquisadores es trangeiros (76
vínculos existen tes na rede social. A estrangeiros para 307 atores nacionais, o
coesão aborda o grau de fragmentação da que caracteriza 19% dos 403
rede que permite des conexões ou quebras pesquisadores da rede social). Os
entre relacionamentos possíveis. A conteúdos mais trocados pelos atores
distância geodésica aborda as distâncias seguem a ten dência predominante em
entre os atores que podem exigir todas as subáreas da psicologia, pois os
intermediários para que as conexões entre conteúdos trocados pelos autores, em sua
as pessoas ocorram, ou seja, a distância maioria, são partici pação em bancas de
geo désica aborda quantas pessoas são dissertações e teses e participação em
necessá rias para que um ator acesse simpósios e mesas redondas em
outros atores. O diâmetro é formado pela congressos. Há uma tendência pequena
maior distância geodésica da rede social. para realização de pesquisas conjuntas e
De maneira geral, pode -se avaliar que é pu blicações em coautoria.
uma rede satisfatoriamente conecta da, Verificou -se a presença de 35
considerando -se seu tamanho, com um cliques. Os cliques constituem subgrupos
conjunto de relações consideráveis, não se na rede que se caracterizam por relações
tratando das redes com maiores índices de recíprocas entre os pesquisadores. Trata
fragmentação, ou menores índices de coe -se de uma rede com um conjunto
são e densidade. Há uma distância média relativamente inferior de subgrupos ou
entre atores relativamente baixa para o ta panelinhas, o que abre espaço para uma
manho da rede, e o diâmetro também não endogenia menor dos subgrupos quando
é alto, para uma rede com tais proporções, consideradas as demais redes das
principalmente se levarmos em conside subáreas da psicologia (existem redes com
ração os resultados das outras redes (ver 38 ou 37 cliques e 220 a 300 atores).
A Figura 2.1 apresenta uma ilustração
das relações entre os pesquisadores
classifi cados como psicólogos sociais,
Tabela 2.1 além de es pecificar os tipos de papéis
Frequências da distância geodésica apresentados pe los pesquisadores e o
formato geral da rede social. É uma rede
Frequência Proporção
que apresenta quatro pesquisadores
1 402.000 0,182 totalmente desconectados da rede social.
2 449.000 0,203 Alguns atores indicados como conectores
3 465.000 0,211 centrais, estabelecendo elos den tro dos
4 329.000 0,149 subgrupos (marcados em cinza cla ro),
5 245.000 0,111 outros atores que desempenham o pa pel
6 156.000 0,071 de expansores de fronteiras, conectando
7 98.000 0,044 subgrupos diferentes (marcados em
8 48.000 0,022 branco) e atores que atuam em função
9 17.000 0,008 dupla (conec tores e expansores,
simultaneamente, mar cados em preto).
Fonte: UCINET.

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 39

559
1336
1516 1060 1349

833
1545
940 1853
1513 729 752 859
957 1867
633 485 504 537
840 740 1074
603
1203 111 1426 1151
583 1134 1769 1646 1607
874 927 872 12501664
1993 637
1807 1287 89
1726 585 1500 862 596
802 889 1624 644
1606
800 1802
1233 1691 1515
681 500 1006 973 512
1637
490 792
824
1445 1138
297
922
84
1265
781

1242

923 938 877

1805

470
1108
904
1327
974
1230
1114
934
1835 837
1519 1133 1456 2126 1679 738
1670 777 1000
896 1522 10 793
1062 1070 566
773 958 883 548
166
1843
1551 1134 1238
1765 1665 1814 909 1592
750 642 965 782 975 902 1030
666 475 000 1713
1620 1065 1055 1061 1073 1797 558 720
1766 1047 628
623 757 569 899 1371
962 1009 878
772 5555 1602 1728
1085

1775
1059
853
1689
907
1071
1106
480
901
1739
1605

1319
953
1596
1716 1767
608 1465 1469 575
1775 929 507 512
926 1124 1325
560 596 1037 932 697
526 1660 1262 1040 1799 1295
978 1614
950 8 938
1798
1836
1719 1146 735
1112
707 1368
915 1469
578 1902 1816 1479
511 809 1789 1027 1269 1279 279
979 1787 1341
1661 667
1036 1118 1010 778 1023
1348 1857 578 1855 1708 1029
1707
95 884 968 1361
1692 1804 967 963 946 1137
918 503
1011 667
1367 1899 951 813 696
464
986 1839
1779 1888 1554 1476 1169
519 1588 1347
1328 1107 1608
1475
855

1361 1770
1770
1018
1362 1590

715 1109
1291 766
799 976

19011115 854
1107 1417

1117
1172 906

1224 1084
856

Figura 2.1

Representação da rede de psicologia social e os papéis de seus atores.


representam tendências diferenciadas na
rede social. Outros três atores (0,74%, mar
cados em branco) realizam o papel de
Uma análise preocupante ocorre quan do conec tores centrais, que se encarregam
são consideradas as características da de manter conectados os membros dos
rede social de pesquisadores em subgrupos da rede. O conector central
psicologia social no que diz respeito aos repassa conteúdos transacionados entre
papéis desem penhados pelos atores na os próprios membros do subgrupo. Alguns
rede social. atores atuam em ambos os papéis
A rede apresentada pela Figura 2.1 ilus tra (conectores e expansores). No caso da
a divisão desses atores no que diz respeito psicologia social, são 11 atores, ou 2, 73%
aos papéis que eles representam na rede (cinza escuro), do grupo de pesquisadores.
so cial. Desses 403 atores, apenas 22 Considerando -se os dados apresenta dos
(5,46%, marcados em preto) atuam como no parágrafo anterior, a rede de psico logia
expansores de fronteiras, responsáveis social possui mais possibilidades de
por realizar a co nexão entre os subgrupos crescimento do que possibilidades de forta
diferentes das re des sociais. São atores lecimento das relações internas. São
que mostram a possi bilidade de muitos
intercâmbio entre os vários atores que

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40 Torres, neiva & cols.


Considerando -se também os papéis
representados por esses atores, apenas
11,17% (45) deles são bolsistas do CNPq,
o que se traduz no menor índice de bolsis
tas quando comparadas todas as subáreas
atores (33 ao todo) realizando as da psicologia. Outro questionamento bas
atividades de conexão entre as partes tante pertinente a área de psicologia social
mais diferen ciadas da rede, enquanto que diz respeito ao menor número de bolsistas
um número bem menor (14 ao todo) presentes na área. Tendo em vista que os
realiza as ativida des de repasse de bolsistas são escolhidos por critérios de
conteúdos, de materiais e de informações pro dutividade científica, pode existir uma
entre os membros de seus subgrupos. Os baixa produção nas pesquisas em
conectores centrais são extre mamente psicologia social no país.
importantes, porque estão preo cupados A Figura 2.2 ilustra a distribuição dos
com a manutenção das conexões internas, psicólogos sociais pelo território nacional.
e não com a expansão delas. Outro fator De acordo com Neiva e Corradi (2008), um
mais preocupante diz respeito ao fato de dos fatores que interferem no
que a maioria dos conectores centrais aproveitamen
realiza duplo papel como expansores e co to e na produção da rede está relacionado à
nectores ao mesmo tempo.
1008 1607
1000 1426 1653

559
833 957 537 1115 766
1172
151 1117 1364
906 1362 1291 915
934 644 637 973
1203 1417 1102
1646 1770 1053
1807 738 799
1347 966 963 1061
1114 1107
837 1764 1735
1606 1367
512 1901 586
1341 493 740 504 500
696 976 1500 884
720 971 1728 1888
1839 1775 526
974 1476
548 1899 1074 1059
1047 1665 1116
985 1779
1030
883 1739 809
1169 550 1835
1716 1767 1009 792 492 946 951 1265
958 519 922
813 1602 773 511
465 888 778
112 1456 1836
15231857
1269
575 697
1596
503
1343
95
556
1327
1554
1475
1361
464
103
1768 466

560880
771 882 1279

1797
1166
1713
1006
1262

757
1469
1031
1551
938 1230 1803 1037 1465
642 628
904 907 1445
1323 903 902 907 996 666 1824
1027 1769 1139 905 878 1689
1040 1238
1018 1867 1070 1242 896
1108 1124 457 551 16671126 1130 1287
771 569
861
965
925 667 558 1057 877
1123 988 608 923 681
978 1069 1106
1023 909 1679 927
1592 793
1224
729
859 1029 1664 470 1071
1593 1112 782 1670 489 1660 781
854 1583 979 1591 1661 583
901
856
752
1319
1119
911
1110 1118
480
678
475
1515
647
638
1787
1805
889
1545
603
585
872
518
1084 1014 1141 1368 797
855 1799 1109 1637 1519
1531 531 1798 1146 1134 843
1608 1765 899 929 957 840 1702 1328 485 926
1624
1233 952 578 1588 633
1348
507
1121
1667
1789
918
1590

1816
1295

707
1063
1513
1804
1336
495
1692
967
940
1620

874
802
800
1138
1726 824
1902 1479 750
1614 1516
1665 1855 1719
1349
1133
Legenda: 1065

Pesquisadores de outras áreas do


conhecimento Pesquisadores do Sul
Pesquisadores estrangeiros
Pesquisadores de São Paulo
Pesquisadores do Rio de Janeiro
Pesquisadores do Centro‑Oeste
Pesquisadores de Minas Gerais
Figura 2.2 Pesquisadores do Espírito Santo
Distribuição dos pesquisadores por Pesquisadores do Norte
Estado/Região.
Pesquisadores do Nordeste

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 41


produção em grupo, tão necessária à
construção do conhecimento.
proximidade geográfica e à distribuição de
De acordo com Neiva e Corradi
recursos.
(2008), os fatores que mais influenciam o
Os 403 atores estão distribuídos entre
desenvol vimento de parcerias entre os
6 pesquisadores da região norte, 44 do nor pesquisadores brasileiros são a
deste, 46 de São Paulo, 20 de Minas abordagem teórica, a abor dagem
Gerais, 46 do Rio de Janeiro, 3 do Espírito metodológica e as afinidades pesso ais, o
Santo, 34 da região centro -oeste e 42 da que parece se reproduzir na área de
região sul. A região sudeste precisou ser psicologia social.
dividida na pesquisa em função da alta
Existem algumas razões a serem con
concentração de pesquisadores. Ainda
sideradas para que não ocorra colaboração
entre esses 403 atores, 96 (ou 23,82%)
entre os pesquisadores ou para que a
são pesquisadores estrangei ros e 76 (ou
colabo ração não se transforme em
18,86%) de outras áreas do co nhecimento
produtos cien tíficos. Essas razões podem
(sociologia, antropologia, etc.). Trata -se
se concretizar em interesses
de uma rede com índices medianos de
aparentemente similares que
presença de pesquisadores estrangeiros e
não se mostram como tais na prática; dife
de pesquisadores de outras áreas, quando
rentes abordagens teóricas e
a rede é comparada com outras subáreas
metodológicas que não permitem que a
da psicologia. A Figura 2.2 ilustra essa
parceria se efetive na prática, pois a
distribui ção por estados/regiões
colaboração requer tempo e energia
brasileiras.
(recursos individuais escassos),
É uma rede com pesquisadores dis
especialmente entre estranhos (mérito/
tribuídos em todo o território nacional, reconhecimento) e depende de condições
realidade diferente de outras áreas da psi geográficas que tornam a colaboraçao
cologia como Desenvolvimento, Processos mais difícil quando potenciais
Psicológicos Básicos e Escolar e colaboradores são geograficamente muito
Educacional, que possuem uma distribuídos, como é o caso da rede de
quantidade maior de pes quisadores entre psicologia social.
os estados de São Paulo e o sul do país
O nível de cooperação também pode
(Neiva; Corradi, 2008). A loca lização
ser definido pela área à qual o pesquisador
geográfica pode ser mais importante que
pertence. Estudos de Storer, Carpenter e
as atividades de networking para se ter
Frame, Gordon e Lodahl (Balancieri et al,
acesso a recursos de pesquisa (concentra
2005) mostram que as ciências básicas e
ções de pesquisadores por Estado).
na
Contudo, considerando -se as inferências
turais apresentam um índice maior de
sobre produ ção feitas a partir do número
coope ração do que as ciências aplicadas
de bolsistas na rede, a rede de psicologia
e sociais. Katz e Martin (1997) mostram
social pode estar mais preocupada em
que expe rimentalistas tendem a colaborar
realizar networking do que em fomentar
mais do que teóricos. Alguns trabalhos
demonstram que os trabalhos individuais
predominam na área de humanidades, Dos 58 programas de pós -graduação em
como Poclación e funcionamento atualmente no Brasil, 9
Noronha (2002) e Newman (2004). Enfim, adotam o termo psicologia social em sua
essa dispersão de objetos e essa nomenclatura formal. Os programas que se
distribuição geográfica pode se concretizar dedicam ao estudo de temas da psicologia
em uma rede social da área que mantém social foram agrupados no Quadro 2.1. É
um potencial considerável de contatos para importante ressaltar que todas as regiões
uma rede com tal tamanho, mas a brasileiras possuem algum programa que
produção nacional pode ficar se dedica aos temas da psicologia social,
comprometida. além de envolver importantes
universidades bra sileiras no Rio de
Janeiro, em São Paulo, no Distrito Federal
e no nordeste.
Temas de pesquisa e pós‑graduação Os 307 pesquisadores brasileiros clas
em psicologia social no Brasil sificados como pertencentes à subárea da

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Quadro 2.1

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42 Torres, neiva & cols.

Relação dos programas de pós‑graduação em psicologia social no Brasil Programa

Universidade

Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Psicologia Social Universidade
Estadual do Rio de Janeiro Psicologia Clínica e Social Universidade Federal do Pará Psicologia
Social Universidade Federal da Paraíba Psicologia Social e Institucional Universidade Federal do
Rio Grande do Sul Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações Universidade de Brasília
Psicologia Social Universidade de São Paulo Psicologia Social FUF
Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social Universidade Federal do Rio de Janeiro
dos pesquisadores, foram: construção
social da subjetividade; atividade,
consciência, identidade, afetividade,
emoções, lingua gem e pensamento sob a
perspectiva sócio- -histórica; história,
representações sociais e cultura e
psicologia social foram objeto de uma aná construção da cidadania e inclu são social.
lise de conteúdo quanto a seus temas de Dentre os temas mais frequentes, dois
pesquisa e uma classificação desses dizem respeito a fenômenos no nível
temas, realizadas por três pesquisadores. individual sob a perspectiva social, e os
Os temas encontrados e classificados se dois últimos dizem respeito a fenômenos
encontram na Tabela 2.2. que ocorrem mais no nível social.
Os temas mais frequentes, de acor Quando se olha para essa
do com as classificações dos currículos diversidade de temas e para a
ambivalência entre temas que ora retratam do ao fenômeno psicológico, por outro
aspectos individuais, ora retratam lado, Floyd Allport (1920, 1924) definiu a
aspectos mais coletivos, retorna -se à psicolo gia social como uma ciência dos
questão sobre qual é o objeto da psicologia indivíduos, e Gordon Allport (1954), seu
social. irmão, definiu a psicologia social como o
Enfim, o que é o social da psicologia estudo de como os pensamentos, os
social? A psicologia tenta explicar compor sentimentos e os comporta mentos dos
tamento. Comportamento é algo indivíduos são influenciados pela
observável. presença de outros imaginários ou atuais.
Para onde olhar quando se quer A ideia das causas dos comportamen tos
compreender os mecanismos usados para serem originárias nas mentes dos indi
explicar o com portamento manifesto? A víduos tornou -se especialmente prevalente
psicologia sempre teve uma relação depois da revolução cognitiva, e o social
ambivalente com o social. Essa divisão passou a ser visto como fonte de
entre psicologia e as outras ci ências informação (Baerveldt, 2004). Alguns
sociais possui origens remotas e leva ram fatores compli cadores, como cultura e
à dessocialização da psicologia social e a fatores históricos, foram completamente
despsicologização das demais ciências so negligenciados ou transformados em
ciais. Emile Durkeim (2002) afirma que o processos cognitivos co letivos (Gardner,
fenômeno sociológico não pode ser reduzi 1985).

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 43

Tabela 2.2
Relação de temas indicados pelos pesquisadores da área de psicologia social Temas

Nº de pesquisadores

Construção da cidadania e inclusão social 31 Estudos sobre gênero, raça e


idade 22 Cotidiano e participação social 15 Cultura e diversidade 12
Construção social da subjetividade 49 Comportamento, relacionamento e
interação social 11 Atividade, consciência, identidade, afetividade,
emoções, linguagem e pensamento sob as perspectivas
antropológica e sócio‑histórica 37 Aspectos teóricos e metodológicos
ligados à psicologia social 11 Psicologia política e movimentos sociais 13
Estudos sobre a violência 23 Trabalho e ação social 14 Processos
sociocognitivos e psicossociais (atribuição de
causalidade, erros de julgamento, etc.) 9 História, representações sociais e
cultura 33 Valores humanos e cultura 12 Psicologia ambiental 7 Estudos
sobre justiça social 8
na psicologia social, principalmente nos es
tudos norte -americanos, há também os
estu dos correlacionais, especialmente na
forma da psicologia transcultural
Quando a psicologia social e a cogni (abordada mais adiante), que transforma a
ção social definem o “social”, há uma cultura como uma fonte de variáveis
indica ção usual do social como variável independentes para compreender
indepen dente e do comportamento como comportamentos, atitudes, sentimentos ou
variável características individuais (Gardner, 1985).
dependente. Além da tradição experimental Contudo, quais são as vari áveis
dependentes e independentes quando o nição mais psicológica de psicologia social,
pesquisador está interessado no que ocor era restritivo quanto aos métodos e aborda
re “entre as pessoas” em um determinado gens metodológicas do fenômeno psicosso
contexto? Como estudar e compreender o cial (Nicholson, 2000). Conforme
que ocorre em uma conversa ou diálogo? ressaltado anteriormente, Allport (1954)
Os métodos experimentais ou define que a psicologia social tenta
correlacionais conseguem cobrir essa entender e explicar como os
dimensão específica do social? pensamentos, os sentimentos e os
O próprio Gordon Allport (1937), en tre comportamentos dos indivíduos são influen
suas diversas aproximações inovativas ao ciados pela presença atual, imaginada ou
estudo da psicologia humana, utilizava- -se implícita dos outros. Todavia, na realidade,
de escritas pessoais e das criações artís a psicologia social não se interessa apenas
ticas dos indivíduos. Nem ele, autor da defi

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44 Torres, neiva & cols.


individuais (a introjeção do outro) e so ciais
(compartilhamento, o que forma e de fine o
grupal e o coletivo) possuem origem,
natureza e repercussão no indivíduo, embo
ra não se resuma ao psicológico. A integra
em como o indivíduo é influenciado por ou ção possui foco na interação entre o social
tros ou por seu meio. Fica clara a preocupa e o psicológico. Isso está relacionado às
ção dos psicólogos sociais atuais sobre pes soas e seus ambientes sociais. Esse
como o meio (e os outros!) são tipo de psicologia social é vital às ciências
influenciados pelo indivíduo. A psicologia sociais, porque a natureza de ambos,
social é, de fato, uma via de mão -dupla. indivíduos e ambiente social, depende
De acordo com Markus e Zajonc fortemente desse encontro. Segundo Gold
(1985), no Handbook of Social Psychology, e Douvan (1997), os psicólogos sociais
o definidor do social é a reciprocidade e a estiveram perdidos, e a crise continua em
intersubjetividade, ou seja, o social não é função das frequentes posições
somente um fator de certo estímulo, mas é antagônicas presentes entre pes
alguma coisa que acontece entre pessoas, quisadores. Segundo esses mesmos
na interação. Isso coloca diversos desafios autores (1997), a psicologia social não
para a tradição empírica individualista da pode aspirar à descoberta de leis
psico universais devido à na tureza dessa
logia social, o que coloca questionamentos ciência. A psicologia social é o estudo das
sobre o fato de a psicologia experimental influências recíprocas das pesso
colocar indivíduos separados em algumas as e de seus ambientes sociais, com
condições experimentais e isso trazer gran ênfase nas relações entre os eventos e
des explicações sobre o que acontece “entre” as pessoas e seus ambientes
entre as pessoas. Por outro lado, os sociais. Em função desse foco dualístico
estudos cor relacionais precisam avançar (pessoas e ambiente social), torna -se
nas formas de estudo sobre o que as difícil encontrar leis uni
pessoas compartilham e quais pessoas versais, pois as disciplinas limítrofes dificil
compartilham certos arran jos, convenções mente alcançam leis universais. A missão
e acordos. da psicologia social de explicar a influência
Gold e Douvan (1997) propõem uma recíproca do psicológico e do contexto
integração nos estudos da psicologia social das realidades coloca as leis
social, destacando uma integração de universais em cheque.
teorias e da dos empíricos e uma
integração de objetos. Não se trata de
considerar que a psicologia social tenha Em busca de conclusões...
um único objeto, mas seus obje tos
Contudo, o rápido desenvolvimento no
A maioria dos modelos estudados pela ambiente or ganizacional e a globalização
psico logia social foi desenvolvida do mercado de trabalho não podem mais
principalmente nos Estados Unidos e em ser ignorados (Earley e Erez, 1997). Tais
países da Europa Ocidental, processos têm um impacto direto na vida
destacadamente o Reino Unido. Tais de indivíduos co muns, em sua motivação,
modelos enfocam prioritariamente o comportamento, desempenho e demais
indivíduo em diversos contextos, tais como resultados. Logo, é necessário confrontar
organização, escola, família ou convívio so as diferenças cultu rais de necessidades
cial, inserido em um contexto nacional ou pessoais, normas para comportamento e
cultural, e tentam explicar o valores, para citar alguns. O que parece
comportamento por meio dos valores e estar faltando é uma literatura que integre
das metas individu ais (Triandis, 1994). os contextos culturais e nacio nais nos
Como resultado dessa ênfase no quais diferentes pessoas vivem com
indivíduo, boa parte da pesquisa em modelos teóricos desenvolvidos em países
psicologia social realizada nas últimas três muito específicos nos quais a ênfase no in
décadas tem ignorado as diferenças divíduo é clara. As pesquisas
culturais e nacionais nos valores e crenças desenvolvidas nesses países – que
das pessoas, e como essas diferenças representam menos de
afetam seu comportamento cotidiano.

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 45


psicologia social que merecem destaque,
especialmen
um quinto da população mundial quando
te por serem considerados “clássicos” na
levamos em consideração sua orientação
área. Dentre eles, vemos a proliferação de
in dividualista, comparados aos outros
pesquisas em estudos sobre a percepção
quatro quintos da população que têm uma
da pessoa; a influência social; o
orienta ção coletivista – podem não estar
preconceito e a discriminação; e a
refletindo com adequação as preferências
atribuição de causa. Diversas dessas
culturais e, consequentemente, podem
tradições de pesquisas serão
estar propondo modelos de explicação da
exaustivamente abordadas neste livro, com
realidade que têm sua eficácia reduzida.
especial enfoque em trabalhos realizados
A proposta deste livro é trazer uma
no país.
perspectiva integradora para o objeto da
De acordo com o levantamento de temas
psi cologia social, considerando -se a
dos pesquisadores, esses processos
produção de pesquisa nacional e outras
cognitivos têm recebido uma atenção res
possibilidades de estudo não presentes na
trita dos pesquisadores, pois somente nove
realidade brasi leira, sem ignorar as
pesquisadores se dedicam a tal empreendi
contribuições clássicas da psicologia
mento na literatura brasileira, em contrapo
social. Portanto, aqui serão abordados
sição, a literatura internacional oferece uma
vários temas que foram tangen ciados pela
vasta gama de descobertas nessa área. É
literatura científica brasileira. Afinal, o que
mister relembrar diretamente algumas des
você irá encontrar neste livro?
sas pesquisas clássicas, sobretudo pelo
fato de que todas, embora tratem de
fenômenos distintos, trazem consigo uma
O que você irá similaridade.
Essa similaridade é a base de um argumen
encontrar neste livro?
to que será desenvolvido mais adiante nos
próximos capítulos sobre relacionamentos
Como poderemos notar no decorrer do entre grupos e contatos intergrupais.
livro, de uma forma geral, os psicólogos
Dentre esses temas já tradicionais de
sociais investigam alguns fenômenos da
pesquisa, os psicólogos sociais tipicamente prestam mais atenção às
interessados na percepção da pessoa evidências que confirmam os
buscam determinar a maneira pela qual as esquemas que já existem: elas
pessoas fazem julga mentos sobre os interpretam a informação e os eventos
outros e como elas contro lam o de uma forma consistente com seus
julgamento que os outros fazem delas. O esquemas e também tendem a se
primeiro caso é conhecido como formação lembrarem mais daquelas in formações
da impressão, e o segundo, como que são consistentes com seus
gerencia‑ mento de impressão. A formação esquemas (p. ex., Cohen, 1981;
de impres são e outros tipos de julgamento Rothbart, Evans e Fulero, 1979). Já os
social são afetados por processos e protótipos re
estruturas cogni tivas. Dentre elas, presentam outro tipo de estrutura
algumas são ressaltadas a seguir, aliadas mental e se referem a modelos que
a uma breve apresentação dos pontos criamos sobre as qualidades típicas de
mais pesquisados: certos grupos ou categorias (p. ex.,
líderes, criminosos, idosos).
1. Os “esquemas” (ou schemata) e 2. A heurística. Para facilitar o processa
protótipos. As pessoas desenvolvem mento e uso das grandes quantidades de
esquemas, ou redes de informação que informação a que as pessoas estão
são organizadas e mentalmente expostas no cotidiano de suas vidas, elas
interconectadas, basea desenvolvem “regras de conduta”, ou
das nas experiências pessoais e sociais heurística. Tversky e Kahneman (1974)
anteriores e, então, usam tais fizeram a distinção entre dois tipos de
esquemas para julgar situações atuais. heurística, ambos os quais podem enviesar
As pesquisas sobre os esquemas a formação de impressão e outros julga
demonstraram que as pessoas

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46 Torres, neiva & cols.


situação. Embora a heurística nos
auxilie em nossa convivência diária, ela
também pode levar a erros de
julgamento, uma vez que faz com que
as pessoas ignorem informações
mentos sociais. Quando estamos importantes. Por exemplo, a falácia do
usando a heurística representativa, o comum (base rate fallacy) é a
julgamento que fazemos sobre alguém tendência a ignorar informações que se
é baseado na similaridade que essa relacionam a características ou eventos
pessoa tem com um membro “típico” de que ocorrem com frequência na
um grupo (p. ex., “ela se veste e se população (p. ex., crianças de rua).
parece como uma advogada; logo, ela 3. Exemplares e abstrações. O estudo da
deve ser uma advogada”). A heu formação de impressão sob uma perspec
rística de disponibilidade é a tendência tiva cognitiva revelou que exemplares e
de se utilizar aquela informação que é abstrações são contribuintes importantes
mais facilmente acessada na memória. às impressões que formamos dos outros
Por exemplo, Srull e Wyer (1980) (Sherman e Klein, 1994). Exemplares são
encontra comportamentos concretos que são apre
ram que os participantes de sua sentados por uma pessoa. Eles são particu
pesquisa tinham uma maior tendência a larmente importantes durante os estágios
interpretar situações sociais ambíguas iniciais da formação de impressão. À
como uma “situação hostil” quando medida que cresce nossa experiência com
eram expostos a palavras que uma pessoa, nossas impressões são mais
sugeriam hostilidade (p. ex., briga, determinadas por abstrações mentais, as
discussão) antes de analisarem a quais são derivadas de observações repeti
das do comportamento daquela pessoa. impressão.
4. Traços centrais. As principais pesquisas 6. Atração física. A aparência física tem
sobre o tema foram desenvolvidas por um impacto poderoso na formação da
Asch (1946), que notou que certos impressão. Por exemplo, há maior ten
traços centrais influenciam a impressão dência a se perdoar crianças atrativas
dos outros. Uma pessoa descrita como por uma transgressão do que crianças
“inte pouco atrativas (Dion, 1972). Crianças
ligente, habilidosa, determinada, prática atrativas também são julgadas mais
e cuidadosa” tende a ser percebida favoravelmente em termos de QI e de
mais positivamente do que uma sucesso acadêmico futuro (Clifford e
descrita como Walster, 1973).
“inteligente, habilidosa, fria, 7. Estigma. Indivíduos estigmatizados são
determinada, prática e cuidadosa”. De aqueles que possuem características
acordo com Asch, isso ocorre porque o que não são valorizadas por um grupo
termo “fria” é um traço central, que social. Hoje em dia, os estigmas
carrega mais peso do que outros incluem algumas deficiências físicas e
traços, uma vez que ele fornece uma mentais, além de fatores como pobreza
informação única, que é associada a ou obesidade. As respostas às pessoas
um grande número de características. estigmatizadas são afetadas por fatores
5. Efeito de primazia. Quando alguém se como a visibilidade do estigma e
confronta com informações discrepan crenças sobre a habilidade da pessoa
tes sobre uma pessoa, sua impressão é em controlar o estigma. Por exem plo,
normalmente mais influenciada pela in as reações a pessoas infectadas com
formação que é apresentada em HIV tendem a ser mais negativas
primeiro lugar, e tal fenômeno foi quando a aquisição do vírus se deu em
chamado “efeito de primazia”. Contudo, decorrên
sob certas circuns tâncias, o “efeito cia de comportamento sexual promíscuo
recente” pode acontecer. Se uma do que quando o vírus foi adquirido por
atividade irrelevante acontece entre a transfusão sanguínea.
apresentação de duas informações 8. Contexto social. A formação de
conflituosas sobre uma pessoa, ou se o impressão também é influenciada pelo
indivíduo é avisado para não fazer um contexto social. Essa influência foi
julgamento imediato, a informação mais demonstrada
recente sobre a pessoa terá maior
impacto sobre a formação da

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 47


apenas um dos pseudopacientes,
foram diagnostica
por Rosenhan (1973), que utilizou, em
dos com esquizofrenia. Os resultados
sua pesquisa, oito “pseudopacientes”,
do estudo de Rosenham indicaram que
que se internavam em instituições para
os comportamentos tendem a ser
tratamento mental com a queixa de que
percebi dos de forma consistente com o
estavam ouvindo vozes. Uma vez admi
contexto social no qual eles aparecem.
tidos nos hospitais, os pseudopacientes
paravam imediatamente com os
Já os psicólogos sociais interessados
supostos sintomas e agiam
em gerenciamento de impressão (ou auto
normalmente quando interagindo como
apresentação) identificaram várias estra
outros pacientes ou com os
tégias (ou táticas comportamentais) que
empregados do hospital. Embora mais
são usadas pelas pessoas para criarem
de um terço dos verdadeiros pacientes
uma imagem ou identidade aceita
afirmavam que os pseudopacientes
socialmente. Um dos métodos mais
eram sãos, todos, com a exceção de
comuns de gerencia mento de impressão
ficou conhecido como engraçamento pessoas são guiadas principalmente por
(Snyder, 1987). Esse método refere -se a suas pró prias crenças e valores.
táticas que pessoas com pouco po der Outro tema bastante pesquisado, mas
social usam para aumentar ou melhorar com pouca investigação no Brasil, de
sua imagem aos olhos de outra pessoa que acordo com o levantamento de temas (11
tem mais poder social do que elas e, pesqui sadores se dedicam a investigar o
assim, reduzir a diferença de poder entre compor tamento, o relacionamento e a
as duas. Engraçamento inclui as técnicas interação social), se refere à influência
de “melho ramento” ou “aumento”, tanto de social. Tal número se mostra ainda mais
si mesmo como dos outros. Exemplos reduzido se focarmos somente na
dessa técnica são o elogio e a influência social. Esta ocorre quando as
concordância. Outros métodos de atitudes ou comportamen tos de uma
gerenciamento de impressão são a inti pessoa são o resultado direto ou indireto
midação, a autopromoção, a de pressão social. As respostas mais
exemplificação (convencer os outros de comuns à pressão social são a conformida
que o indivíduo é uma boa pessoa) e de, a concordância e a obediência. A
suplicação (convencer os outros de que o confor midade, por exemplo, ocorre
indivíduo merece ou tem necessidade de quando uma pessoa muda suas ações
algo). para corresponder às ações de outras
Segundo Snyder (1987), as pessoas pessoas como resposta à pressão social
também se diferenciam em termos de auto‑ indireta real ou imaginada. Ela pode
monitoramento, ou quanto a sua habilidade envolver a aceitação pública ou privada de
ou necessidade de gerenciar a impressão comportamentos, de atitudes ou de
que outras pessoas formam delas. crenças. Em outras palavras, os compor
Indivíduos com alto automonitoramento tamentos aparentes de uma pessoa podem
analisam a si refletir ou não suas atitudes e crenças inter
tuação social através de seu “self público” nas. A conformidade começou a ser pesqui
e então se esforçam para adequá -lo à sada por Sherif (1935), que usou o efeito
situa ção. Essas pessoas são autocinético, ou fenômeno da percepção
excepcionalmente boas em determinar no qual um ponto estacionário de luz
quais comportamentos, atitudes, etc. são parece mover -se em uma sala escura.
desejáveis socialmente ou esperadas em Sherif pediu aos participantes esua
situações diferentes. Elas tam bém são pesquisa que dessem estimativas de
extremamente sensíveis às técnicas de quanto o ponto de luz tinha se movido.
gerenciamento de impressão utilizadas Quando eles faziam estimativas sozinhos,
pelos outros e, consequentemente, usam encontrou -se uma grande variân cia na
essas mesmas técnicas em seu favor. Por posição do ponto de luz. Contudo, quando
outro lado, indivíduos com baixo automo esses participantes eram colocados em
nitoramento tentam alterar a situação para um grupo, observou -se um “efeito de
adequá -la a seu self público. Essas convergência”, ou seja, depois de escutar

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48 Torres, neiva & cols.


bígua. Foi pedido aos participantes de seu
experimento que julgassem qual de um con
junto de três linhas tinha o mesmo tamanho
de uma quarta. Embora não houvesse uma
resposta correta, Asch notou que, quando
a estimativa dos outros membros do grupo os participantes eram colocados junto com
(na verdade, assistentes de pesquisa), os um grupo de confederados, a maioria de
participantes se conformavam com relação suas respostas se conformava com as
à norma imposta pelo grupo. Asch (1958) respostas dos assistentes de pesquisa,
fez uma pesquisa similar, mas substituiu o mesmo quan do essas respostas estava
efeito autocinético por uma tarefa não am claramente incor retas.
Já a concordância ocorre como uma ser visto, mas de onde podia ser ouvido.
resposta a um pedido direto de um grupo Para avaliar o efeito de fatores
ou pessoa em particular. Pesquisas sobre situacionais, Milgram fez alterações
os “profissionais da concordância” posteriores nas condições expe rimentais.
mostram que essas pessoas usam, Ele aumentou, por exemplo, a proximidade
basicamente, seis estratégias (Cialdini, entre o aluno e o professor, e observou
1993): reciprocida que, quanto mais próximo o alu no estava
de, consistência, validação social, do professor, menor a tendência do
amizade, autoridade e criação de limites. professor em obedecer ao pesquisador.
Segundo Cialdini, alguns estudos Contudo, na maioria das condições, os pro
mostraram que os vendedores tendem a fessores concordavam em dar choques elé
obter mais concordân tricos nos alunos, mesmo quando eles grita
cia ao enfatizarem as consequências vam em desespero. O mais interessante foi
negati vas de não se comprar o produto. que, em resposta a um questionário que foi
Outro tema investigado no campo da mandado meses depois aos participantes,
influência social diz respeito à obediência. 84% deles disseram que estavam extrema
Ela acontece quando uma pessoa se mente felizes em terem participado da pes
subme te à demanda de uma autoridade. quisa.
Os expe rimentos conduzidos por Milgram Como serão apresentados neste livro,
(1963) tornaram -se pesquisas clássicas diversos outros temas investigados na psi
na área da obediência. Embora os estudos cologia social se tornaram clássicos na
de Milgram tenham sido criticados por área. Dentre eles, outra tradição de
problemas éti cos e metodológicos, eles pesquisa des tacada neste capítulo diz
continuam sendo vistos como uma respeito ao precon‑ ceito e à discriminação.
demonstração poderosa da influencia O tema do preconcei to e da discriminação
social. Neles, os participantes foram possui uma dedicação maior dos
informados que seriam os “professo res”, pesquisadores brasileiros, na medida em
enquanto que outra pessoa (na verda de, que 22 pesquisadores indicam que
um assistente de pesquisa) seria o “alu estudam gênero, raça e idade, objetos
no”. A tarefa do professor seria a de fazer diretamente relacionados ao preconceito e
com que o aluno se lembrasse de uma lista à discriminação.
de palavras. Contudo, toda vez que o aluno O preconceito refere -se a atitudes into
cometesse um erro, o pesquisador lerantes, injustas ou negativas com relação
ordenava ao professor que desse uma a um indivíduo simplesmente por que esse
descarga elétri ca no aluno, sendo que in divíduo pertence a um grupo, enquanto
cada choque subse quente tinha uma que a discriminação refere -se a
descarga elétrica maior. O comportamentos negativos, injustos ou
objetivo da pesquisa de Milgram era saber agressivos com rela ção a membros de um
se os participantes concordariam em grupo em particular. Vários conceitos se
obede cer à autoridade (o pesquisador), relacionam à explicação dos preconceitos
mesmo se essa obediência resultasse em e da discriminação.
dor a outra pessoa. Dentre esses conceitos, destaca -se a
No início dos experimentos, o profes es‑ tereotipia. Estereótipos são “esquemas”
sor e o pesquisador estavam juntos em diri gidos a grupos inteiros e contêm
uma sala, enquanto que o aluno era impressões
colocado em outra sala, da qual não podia

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 49


pela qual a informação social é
processada: a informação relacionada a
simplificadas, rígidas e generalizadas com
um estereótipo que foi ativado é
relação aos membros de tais grupos. Os es processada mais rapida mente; as pessoas
tereótipos têm um forte efeito na maneira prestam mais atenção às informações que
são consistentes com seus estereótipos; social e um clima de família que enfatiza
informações que são inconsis tentes com uma ideologia tradicional.
um estereótipo são normalmente negadas O preconceito e a discriminação tam
ou refutadas. Embora o estereótipo possa bém estão associados à crença de que um
ser considerado como um processo grupo representa uma ameaça direta ao
natural que previne contra uma sobrecarga bem -estar de um indivíduo. Essa
cognitiva, por meio da redução de grandes explicação é reforçada pelo fato de que,
quantidades de informação para um núme historicamente, os incidentes de violência
ro maneável de categorias, ele torna -se racial aumentam durante períodos de
pro blemático – ou seja, leva ao depressão econômica. Sears (1988)
preconceito e à discriminação – quando os desenvolveu a ideia de racismo simbólico
traços atribuídos a um grupo são (ou moderno). Essa noção propõe que o
predominantemente negati vos, quando a preconceito e a discriminação estão
pessoa que está estereotipan do é menos fortes e presentes do que costuma
dogmática e não acomoda suas crenças a vam estar, que eles realmente representam
novas informações, ou quando o estereóti uma forma de resistência às mudanças ra
po gera uma profecia autorrealizadora. Os ciais, e que estão baseados em um
estereótipos podem ser mantidos por sentimen to moral de que negros e outras
vários processos, incluindo a correlação minorias violam valores tradicionais como
ilusória, que é uma tendência a perceber a ética do trabalho. Os racistas simbólicos
uma forte relação entre duas variáveis, negam seus preconceitos e atribuem os
normalmente distintas. A correlação ilusó problemas so ciais e econômicos dos
ria contribui para a estereotipia quando se grupos minoritários a fatores internos (p.
supõe que uma característica negativa se ex., pouco esforço ou disciplina).
aplica a todos ou a grande parte dos mem Recentemente, a noção de racis mo
bros de um grupo, porque essa característi moderno também tem sido aplicada ao
ca foi exibida por um ou poucos membros gênero. Segundo Swim (1995), o sexismo
do grupo. moderno é caracterizado pela negação da
Já o conceito de personalidade auto‑ ritária discriminação contra a mulher e pelo res
foi introduzido após a Segunda Guerra, sentimento com relação às demandas por
por um grupo de cientistas inte ressados igualdade social.
em antissemitismo (Adorno et al., 1950). Finalmente, em seu livro A Natureza
Segundo Adorno, o preconceito e a do Preconceito, Allport (1954) argumenta
discriminação estão relacionados a certas que o preconceito intergrupal cresce de
características de personalidade, especial uma combinação de fatores históricos,
mente com o autoritarismo. Esses culturais, econômicos, cognitivos e de
cientistas criaram uma Escala F, ou escala personalidade, e propõe que, uma vez que
de fascismo (F Scale), que avalia nove o preconceito tem determinantes múltiplos,
componentes do autoritarismo (p. ex., o enfoque em apenas um deles não vai
agressão autoritaris mo, superstição, levar a uma com
estereótipos, etc.), sendo que cada um preensão ou resolução total do problema.
desses componentes corres ponde a uma Allport nota, contudo, que as várias causas
das funções do ego, superego ou id. do preconceito são internalizadas pelo indi
Segundo Adorno, altos níveis de auto víduo e, consequentemente, é o indivíduo
ritarismo refletem um ego fraco, um supere que se engaja em práticas discriminatórias,
go rígido e externalizado, e um id primitivo podendo este aprender a agir de maneiras
e forte. Observou -se que um alto escore mais igualitárias e não discriminatórias. Em
na Escala F está associado ao termos de intervenções, Allport sugere que
preconceito, as sim como a intolerância por
ambiguidade, o conservadorismo político e

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50 Torres, neiva & cols.


tendem a superestimar o papel dos fatores
disposicionais e ignorar o papel dos fatores
situacionais quando eles estão inferindo a
causa do comportamento de um indivíduo.
Por exemplo, um observador tende a atri
nem sempre o “senso comum” deve buir o fracasso de um indivíduo na
preceder o “senso de direito”, e que leis execução de uma tarefa mais como um
que proíbam a discriminação podem ser resultado da falta de inteligência ou
eficazes mesmo quando não refletem o habilidade do indiví duo do que como um
consenso público. resultado de uma ca racterística da tarefa
Além do preconceito e da discrimina ção, em si (isto é, da dificul dade). Essa falha na
outro tema bastante investigado e que atribuição é conhecida como erro
será bem detalhado no presente livro são fundamental de atribuição, e tem sido
os estudos sobre atribuição de causa. O usada na explicação de vários fenôme nos,
termo atribuição se refere ao processo de tais como as atribuições defensivas da
deter minar ou inferir a razão pela qual um crença em um mundo justo – tendência
com portamento ocorre. Uma importante que as pessoas têm em considerar a
parte do trabalho sobre atribuição foi feita vítima como a causa de seu próprio
por Heider (1958), cuja teoria sugere que infortúnio (Lerner, 1966).
nós naturalmente desenvolvemos teorias Notem, porém, que as pesquisas na
sobre as causas do comportamento. A perspectiva da psicologia transcultural so
pesquisa desenvolvida por Heider e outros bre atribuição de causa sugerem que a ten
acadê micos mostrou que as atribuições de dência a superestimar o papel dos fatores
causa podem ser descritas em termos de disposicionais é uma característica limitada
algumas dimensões. Essas dimensões a culturas individualistas (p. ex., países do
formam de fato uma taxonomia, que pode Norte Europeu, Estados Unidos).
ser utilizada para entender ou atribuir Pesquisas desenvolvidas com culturas
causas do comporta mento. Assim, o mais coletivis tas (p. ex., China, Índia)
comportamento pode ser atribuído a encontraram que os membros dessas
características disposicionais (internas) do culturas tendem a fa zer atribuições mais
indivíduo, assim como o hu mor, as situacionais. Segundo Morris e Peng
habilidades ou o desejo, ou também pode (1994), essas diferenças se relacionam às
ser atribuído a fatores situacionais (ex teorias implícitas sobre o comportamento
ternos), tais como características da tarefa, social: enquanto as culturas individualistas
da situação social ou do ambiente físico. adotam uma teoria sobre o
As reações humanas podem ser, ainda, o comportamento social centrada na pessoa,
resul tado de fatores percebidos como as culturas coletivistas tendem a aderir a
estáveis ou constantes, ou de fatores uma teoria centrada na situação.
instáveis ou tem porários. Além disso, os Assim, é importante agora elaborar
indivíduos perce bem que alguns um pouco mais sobre o conceito de
comportamentos têm efei tos específicos culturas individualistas e coletivistas, além
(que envolvem um número limitado de do papel da psicologia transcultural na
eventos, condições ou outros fe nômenos), explicação desses termos. A presença de
enquanto que outros têm conse quências temas como cultura e diversidade (12
globais (ou seja, afetam uma gran de pesquisadores) e valores humanos e
variedade de fenômenos). Finalmente, as cultura (12 pesquisado
pessoas entendem que algumas causas do res) mostram que os pesquisadores estão
comportamento estão sob o controle do in descobrindo essa perspectiva de pesquisa
divíduo (p. ex., esforço, atenção), enquanto no Brasil. Tal perspectiva reflete uma
que outras são incontroláveis (p. ex., apti tendên cia internacional de realização de
dão, sorte). Esses critérios, segundo pesquisas transculturais.
Heider, são responsáveis por atribuições Conforme dito anteriormente, todas (e
de culpa aos atores do comportamento, ou outras) pesquisas clássicas da psicologia
então à alocação de recompensas aos so cial trazem em si uma similaridade: a
mesmos. maio ria delas foi originalmente
Um achado consistente da pesquisa so bre desenvolvida em
atribuição de causa é que observadores
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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 51


Kluckhohn (1962), de que a variável
cultura pode ser dividida entre elementos
países individualistas. É interessante notar,
objetivos (expresso nos artefatos
contudo, que o simples fato de essas produzidos por grupos sociais) e subjetivos
pesqui sas terem sido originadas em (valores, crenças e normas desses
países indivi dualistas faz com que elas grupos).
tragam consigo um viés também Seguindo a proposta de Kluckhohn, parece
individualista, que se refle te nos sujeitos claro que o maior interesse da psicologia
recrutados para as pesquisas, na escolha social esteja nos elementos subjetivos da
de método utilizado, e até mes mo no cultura. Todavia, vários são esses
próprio fenômeno estudado. O que talvez elementos subjetivos, o que acaba por
seja mais interessante de se observar é tornar o concei
que tudo isso ocorre pelo simples fato de
to muito amplo para a utilização científica.
que esses pesquisadores também
Esse ponto tem sido discutido por diversos
carregam consigo características
autores (p. ex., Smith, Bond e Kagitçibasi,
individualistas! Ora, é claro que todas as
2006), que defendem o “desempacotamen
manifestações culturais desse tipo (como,
to” do conceito de cultura, ou seja, a ne
por exemplo, o individu alismo) são parte
cessidade de se identificar, precisar e isolar
de um fenômeno social maior, a cultura.
esses elementos subjetivos para que,
Se a cultura pode ser en tendida como
então, eles possam ser utilizados como
lentes que distorcem a reali dade e nossa
variáveis de pesquisa.
compreensão do mundo, então é
Em um esforço para “desempacotar”
importante perguntarmos até que ponto
essas pesquisas e seus resultados têm apli (Smith e Bond, 1999) a cultura, além de
cação direta a outros grupos, assim como identificar estruturas valorativas que permi
as culturas coletivistas, das quais o Brasil tam o estabelecimento de uma
é um exemplo citado na literatura (p. ex., diferenciação entre as culturas, Geert
Triandis, 1995). Hofstede coletou dados em mais de 50
países, investigando a experiência de
Mas, afinal, o que são essas “mani
trabalho, a estabilidade, a formação de
festações culturais” citadas anteriormente?
equipes e outras variáveis li gadas ao
Para que possamos discuti -las, é
contexto organizacional. Uma das mais
necessário antes entender o que está por
importantes descobertas de seu estu do é
trás do con ceito de cultura. O conceito de
que a cultura pode ser utilizada como uma
cultura vem sendo profundamente
variável causal e preditora. Sua pesqui sa
discutido por mui tos autores (p. ex.,
demonstrou que os povos têm intenções
Hofstede, 1993; Smith e Bond, 1999;
diferentes, dão atribuições diferentes para
Triandis, 1994) que acabam por defini -lo
a mesma situação e até mesmo se
de forma diferente e, em al guns casos,
comportam de maneira diferente por
complementar. O dicionário da Língua
causa do grupo cultural do qual fazem
Portuguesa de Aurélio Buarque de
parte. Para Triandis (1994), as pesquisas
Holanda apresenta uma definição de cul
de Hofstede fornecem um conjunto de
tura bastante geral e que, de certo modo,
padrões de comparação por meio dos
representa uma síntese das diversas defi
quais outros estudos podem ser
nições existentes na literatura científica.
organizados conceitualmente. Smith, Bond
Nele, a cultura é apresentada como “com
e Kagitçibasi (2006) também ressaltam
plexo dos padrões de comportamento, das
que, no trabalho de Hofstede, a cultura
crenças, das instituições e de outros
nacional é conceituada em termos de seu
valores espirituais e materiais transmitidos
significado, o que tornou apropriado o
coletiva mente e característicos de uma
estudo das cultu ras por meio do
sociedade”. Essa noção parece ser
levantamento dos valores em amostras
complementar àquela apresentada por
representativas dos membros de cada
uma dessas culturas. -femininidade, evitação das incertezas,
Em seu trabalho, Hofstede (1980, 1983, distância do poder e individualismo
1984, 1991, 1993) identificou a variação de -coletivismo. Discussões extensas e
quatro dimensões culturais. Essas quatro revisões sobre essas dimensões são
di mensões são: masculinidade apresentadas por Smith e Bond (1999),

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52 Torres, neiva & cols.


gras e as normas sociais são construídas
pe los superiores e determinadas pelos
líderes. Em culturas com baixa distância
do poder, as regras tendem a ser
consensuais, e, logo, os subordinados
Smith, Bond e Kagitçibasi (2006) e Torres estão mais diretamente en volvidos em sua
(2009), dentre outros. Aqui, nós nos limi elaboração. É interessan te notar que,
taremos a apresentar uma breve descrição quanto maior a distância do poder, maior a
dessas dimensões, relacionando -as aos conformidade em torno de uma norma
obje tivos deste capítulo. social (Smith, Dugan, Peterson e Leung,
A masculinidade é encontrada em so 1998).
ciedades que têm uma grande Finalmente, o individualismo -coleti vismo,
diferenciação sexual, enquanto a a outra dimensão identificada por
feminilidade é uma ca racterística de Hofstede, reflete a extensão na qual os gru
culturas em que a diferen ciação sexual é pos enfatizam metas pessoais ou grupais.
mínima. Hofstede (1980) também Hofstede (1983) observou que membros
encontrou que países femininos en fatizam de culturas individualistas tendem a se fo
mais a qualidade de vida do que o car “em seu próprio trabalho”, enquanto
investimento em uma carreira ou no traba que membros de culturas coletivistas dão
lho, enquanto que o contrário é verdadeiro preferência às metas grupais. Para
para culturas masculinas. Já a evitação Singelis, Triandis, Bhawuk e Gelfand
das incertezas, a segunda dimensão, é (1995), o com portamento social em
refletida em uma ênfase nos culturas coletivistas é mais bem predito
comportamentos rituais, nas regras e na por normas sociais e obrigações,
estabilidade no emprego. O autor enquanto que, em culturas indi vidualistas,
observou altos índices de evitação das o comportamento social é mais bem
incertezas em culturas que apresentam predito por atitudes e outros proces sos
altos níveis de estresse, e que se internos. Smith e Schwartz (1997) en
correlacionam negativamente com a contraram evidências empíricas para essa
necessidade de alcan ce de metas. afirmação. Alguns autores (p. ex., Triandis,
Hofstede observou que países com alta 1995) propõem que a dimensão cultural
evitação das incertezas tendem a ser mais individualismo -coletivismo é essencial
ideológicos e menos pragmáticos no que para a análise de uma cultura, e um
se refere à tomada de decisão do que grande nú mero de pesquisas (p. ex., Egri
países com baixa evitação das incertezas. e Herman, 2000; Triandis e Gelfand, 1988)
A distância do poder, sua terceira di demonstra ram a influência dessa
mensão, se refere à extensão em que mem dimensão no compor tamento de membros
bros de uma cultura aceitam a desigualda de um grupo cultural.
de de poder e o quanto eles percebem a Outro esforço de desempacotamento da
distância entre aqueles com poder (p. ex., cultura foi realizado por uma série de es
chefes) e aqueles com pouco poder (p. ex., tudos desenvolvidos por Shalom Schwartz
subordinados). A distância do poder reflete e colaboradores. Esses estudos (p. ex.,
a base sobre a qual o líder tem poder Schwartz, 1994) identificaram 56 valores e
sobre o subordinado (Smith e Bond, construíram um questionário no qual os res
1999). Em culturas com alta distância do pondentes devem indicar o quanto cada
poder, as re um desses valores age como um princípio
guia de suas vidas. Até esta data, autonomia afetiva e autonomia intelectual.
respostas indi viduais foram obtidas em É importante notar, ainda, que os estudos
mais de 80 paí ses, incluindo todas as dessas dimensões de monstraram que sua
regiões do mundo. Quando analisados em estrutura é consistente em diferentes
termos de culturas nacionais, os culturas, ou seja, que a mes ma relação
resultados demonstram, com notável estrutural dos valores se repete nas
consistência, que as relações espa ciais diferentes culturas pesquisadas.
das médias dos itens podem ser suma Estudos como o de Hofstede e
rizadas como pertencentes a 7 domínios Schwartz nos dizem que as culturas podem
ou dimensões. Schwartz nomeou essas ser entendidas em termos de significados e
dimen sões como: igualitarismo,
conservadorismo, hierarquia, domínio,

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 53


individualista quando comparado à nossa
vizinha Colômbia (Hofstede, 1984). Já na
que, por isso, é apropriado estudá -las por
teoria de Schwartz, quando comparado à
meio da avaliação dos valores de amostras Europa Ocidental, o Brasil tem altos
representativas de membros de cada cultu escores em hierarquia e baixos em
ra. Vale reforçar, porém, que, pelo fato de autonomia in
duas nações se diferirem em termos de
telectual. Quando comparado aos Estados
uma dada dimensão de valores, não é
Unidos, o Brasil também apresenta maio
lógico se inferir que, porque essas duas
res escores em autonomia intelectual, com
culturas se diferenciam dessa forma,
os EUA apresentando maiores escores em
então quaisquer dois membros dessas
autonomia afetiva. A dimensão de domínio
culturas também irão se diferenciar da
parece ser maior para os EUA, enquanto o
mesma maneira. O nível de análise
Brasil apresenta maior escore para harmo
cultural não pode ser perpassa
nia. Todavia, quando comparado a países
do para o nível de análise individual. Além
da Ásia, da África e do Oriente Médio, o
disso, as pesquisas de Hofstede e Brasil apresenta uma posição praticamente
Schwartz também demonstraram que há inversa!
significados consistentes entre culturas. Esse tipo de comparação e estudo é
As polaridades que emergiram do estudo o mote da psicologia transcultural, que,
de Schwartz (con conforme citado anteriormente, é uma das
servadorismo versus autonomia; domínio e abordagens da psicologia social que vem
hierarquia versus igualitarismo) podem ser ganhando reconhecimento na comunidade
entendidas como fortes reminiscentes das acadêmica brasileira. Os psicólogos trans
dimensões de Hofstede de individualismo- culturais, tradicionalmente, trabalham com
-coletivismo e distância do poder, respecti ferramentas como questionários, escalas e
vamente. entrevista/observação estruturada e têm
Todavia, talvez um dos pontos mais uma predominância quantitativa em suas
importantes a ser frisado sobre todas análises e opções metodológicas, as quais,
essas dimensões é que elas não são com uma orientação empírica, objetivam a
absolutas. Em outras palavras, nenhuma testagem de diferenças entre amostras de
cultura pode ser classificada simplesmente nações e/ou grupos étnicos. Assim como
como individua outros representantes da psicologia trans
lista ou hierárquica. Uma cultura tem alto cultural no restante do mundo, os pesqui
grau de individualismo ou de hierarquia em sadores brasileiros (ou seja, Alvaro
relação a outra cultura. Tais manifestações Tamayo, Valdiney Gouveia, Maria Cristina
culturais são, dessa forma, puramente re Ferreira, Cláudio Torres, dentre outros)
lacionais. O Brasil, por exemplo, pode ser que têm interesse nessa abordagem da
considerado como coletivista em relação psicologia social, procuram tipicamente o
aos Estados Unidos, mas, seguramente, é estabeleci mento da variância explicada
por valores culturais. Também como seus relação interpessoal entre membros de di
colegas de outros países, esses ferentes grupos culturais. Já os pesquisado
pesquisadores tendem a publicar em res voltados para a psicologia cultural têm
revistas como o Journal of Cross‑Cultural uma preocupação maior com os processos
Psychology da International Association for por meio dos quais a cultura é transmitida
Cross‑Cultural Psychology, embora entre os membros do grupo.
revistas nacionais (p. ex., Brazilian Finalmente, vale uma nota de alerta:
Administration Review – ANPAD; Revista conforme destacado, grande parte da psi
Psicologia: Organizações e Trabalho, da cologia social foi originalmente desenvol
SBPOT) também têm publicado artigos vida principalmente nos Estados Unidos e
com essa ênfase. Vale notar que os no Reino Unido. Isso se reflete nos
pesquisadores representantes da manuais de psicologia social utilizados em
psicologia transcultural se diferenciam diversos cursos introdutórios em grandes
daqueles da psicologia inter cultural, uma centros acadêmicos no mundo. O Manual
vez que os representantes do segundo de Baron
grupo estão mais preocupados com a

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54 Torres, neiva & cols.


aos quatro quintos restantes do mundo,
que é coletivista.
Além da perspectiva da psicologia
transcultural, a perspectiva sociológica e
antropológica e dos estudos que se funda
e Byrne (1994), talvez um dos livros -texto mentam sobre a teoria das representações
mais utilizados nos Estados Unidos, sociais serão abordados neste livro, pois
contém por volta de 1.700 citações. são objeto de atenção de vários
Todavia, ape nas um pouco mais de 100 pesquisadores sociais brasileiros,
delas se referem a estudos desenvolvidos principalmente com uma interface grande
fora dos Estados Unidos. Já o livro -texto com a psicologia escolar e educacional.
de Hogg e Vaughan (1995), um dos mais Conforme retratado pelo levantamento de
conhecidos e utiliza dos na Europa, contém temas, os temas história, representações
mais de 500 citações de estudos feitos sociais e cultura (abordados por 33
fora dos Estados Unidos, de um total de 2 pesquisadores), estudos sobre vio
mil referências utilizadas na obra. lência (23 pesquisadores), construção
Contudo, a maioria dessas 500 citações se social da subjetividade (49 pesquisadores)
refere a estudos conduzidos na Europa e ativi dade, consciência, identidade,
Ocidental, na Austrália e na Nova afetividade, emoções, linguagem e
Zelândia, ou seja, todos países individua pensamento sob a perspectiva
listas, pelo menos quando comparados à antropológica e sócio -histórica (37
América Latina! Esses dados demonstram pesquisadores) são preponderantes no
a urgente necessidade de que o leitor, ao contexto brasileiro.
bus car os conhecimentos da psicologia Enfim, o objetivo deste livro é mostrar
social, também exercite a habilidade da as diversas tendências e temas presentes
tradução. Mas não a tradução da língua na psicologia social no Brasil, alguns
inglesa, que, afinal de contas, pode ser bastante explorados, outros com
considerada como a Língua Franca da possibilidades de exploração ainda não
área, ou o Latim dos nossos tempos. O tomadas por psicólo
que é necessário é uma tradução cultural. gos da área. Outra vocação do livro está
Nem tudo o que lemos e estudamos pode na apresentação das várias formas de
ser diretamente aplicado a nossa estudo da influência recíproca dos
realidade. Nem tudo que é produzido no, indivíduos e dos ambientes sociais. Tal
aproximadamente, um quinto do mundo estudo muitas vezes requer abordagens
que é individualista é diretamente aplicável diferenciadas e respeito ao conhecimento
produzido pelo outro di ÁLVARO, J. L.; GARRIDO, A. Psicologia social:
ferente. Esperamos que os leitores Perspectivas psicológicas e sociológicas. São
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3
Métodos de pesquisa em psicologia social1 Hartmut
Günther

Não é distante, somente parece como se fosse.


(Berra, 1998, p. 100)2
para estas situações;
3. perguntar às pessoas sobre o que
fazem, pensam ou experienciam acerca
de algo no passado, no presente ou no
futuro.
A psicologia social estuda a relação recípro
ca entre o indivíduo e seu meio social: de Cada uma dessas três famílias de téc nicas
um lado, trata do impacto que as pessoas para conduzir estudos empíricos – ob
exercem em seus amigos, familiares, servação, experimento e levantamento de
colegas e até em desconhecidos. Por dados – apresenta vantagens e
outro, estuda a maneira como cada um de desvantagens distintas (Kish, 1987). Tais
nos é influencia do pelos outros no que diz vantagens estão ligadas à qualidade e à
respeito a nossos sentimentos, utilização dos dados obtidos e devem ser
experiências e comportamen tos. Essa consideradas pelo pes quisador quando
relação recíproca entre o indivíduo e um este for escolher o método mais
dado meio social sempre diz respeito a apropriado para um determinado obje tivo
algum objeto, espaço, ideia, pessoa (a si de pesquisa. Não obstante as variações
próprio, ao meio social ou a terceiros) so dentro de cada uma dessas três grandes
bre os quais se tem atitudes, experiências áreas, podemos afirmar que o ponto forte
ou disposições comportamentais. Este da observação é o realismo da situação
capítulo trata de algumas das maneiras de estu dada; que o experimento possibilita
se estudar esse triângulo e de se chegar a tanto a randomização de características
explicações e compreensões dos das pessoas estudadas quanto inferências
fenômenos da interação social. causais; e que o levantamento de dados,
Como o conteúdo deste livro sugere, a especialmente por amostragem, isto é
psicologia social estuda um grande nú survey, assegura melhor
mero de assuntos e envolve um número di representatividade e permite generalização
versificado de abordagens metodológicas. para uma população além da estudada.
Entretanto, podemos afirmar que são três No presente capítulo, apresentamos um
os caminhos principais para se estudar e tour d’horizon dessas principais manei ras
se compreender o comportamento de estudar a relação recíproca entre o in
humano3 no contexto da psicologia social divíduo e o meio social. Como fio condutor,
empírica: consideramos uma série de pesquisas
sobre um mesmo tema – comportamento
1. observar o comportamento que ocorre pró‑social – para demonstrar o uso de
naturalmente no âmbito da vida real; 2. diferentes mé todos dentro da psicologia
criar situações artificiais e registrar o com social, bem como
portamento diante de tarefas definidas

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 59

seus pontos fortes e fracos. Após delimitar


o fio condutor, comportamento pró -social, O fio condutor:
ini ciamos com observações gerais sobre comportamento pró‑social
pesqui sa social e tecemos algumas enquanto objeto de estudo
considerações sobre procedimentos
qualitativos e quanti tativos. A seguir, – O que faria se encontrasse um milhão
trataremos de análise de conteúdo, de de dólares?
observações, de experimentos e de – Procurava encontrar a pessoa que
levantamento de dados. Concluímos o perdeu o dinheiro e, caso fosse
capítulo com algumas considerações sobre pobre, devolveria.
a divulgação dos resultados de pesquisa. (Berra, 1998, p. 59)
colegas sem che
O comportamento pró -social assume garmos a conclusões que possam nos
muitas variantes. Pode ser material ou espi permi tir entender, predizer e controlar o
ritual, pode basear -se em altruísmo, egoís compor tamento em questão. Para realizar
mo, reciprocidade ou aprendizagem de pesquisa de maneira sistemática na
normas sociais (Aronson, Wilson e Akert, psicologia social, devemos delimitar nosso
2002). É fácil verificar que as pessoas va assunto e chegar a perguntas mais
riam quanto a sua disposição para ajudar específicas. O processo de delimitação
o outro. A variação está no ato em si: pas implica que escolhemos entre as possíveis
sar o sal na mesa fora do alcance do outro, razões mencionadas anteriormen te para
entregar um objeto que caiu despercebido, realizar uma pesquisa sistemática. Por
oferecer o assento no ônibus lotado, deixar exemplo, qual a relação entre gênero e
um pedestre passar, desviar o caminho ajuda, levando em conta o esforço neces
para dar carona a alguém, doar sangue, sário, as circunstâncias e o esforço
dar con forto ao próximo, interferir em uma exigido? Importante, como primeiro passo,
briga para proteger aquele que parece ser será uma
o mais fraco, para citar apenas alguns revisão da literatura sobre o tema. Uma
atos de aju da. Mas a variabilidade também busca realizada em janeiro de 2008,
está na ra pidez da resposta, na disposição usando somente a palavra -chave helping
de ajudar a “qualquer” pessoa, ou behavior, produziu 2.286 referên cias a
somente determi nados indivíduos, na artigos em revistas científicas no site
disposição de ajudar sob “qualquer” www.scirus.com; aproximadamente 11 mil
circunstância, ou somente em referências diversas no site Google scholar;
determinadas situações. Além do mais, a 934 referências a artigos no PsychInfo da
decisão de ajudar dependerá American Psychological Association e 16
no site www.scielo.org, neste caso, com o
1. de fatores individuais: gênero, idade, ter mo equivalente em Português. Esse
educação; exemplo aponta que o uso do termo
2. de fatores circunstanciais: hora, local, -chave relacio nado ao conceito global de
tempo disponível; comportamento pró -social já nos rende
3. de fatores sociais: a presença de outras muitas indicações. Repetir a busca com
pessoas, isto é, alternativas de ajuda; 4. da outros termos, tais como pro‑social
avaliação do custo pessoal, por exem plo, behavior ou altruism, deverá resultar em
no caso da interferência em uma briga, mais referências, além de dupli catas.
qual a chance de ser bem -sucedido ou de Antes e além de delimitar as referên cias
apanhar por sua vez, ou, até a ex pectativa assim obtidas, seja em termos do tipo de
de retribuição futura? ajuda, do contexto, das pessoas
envolvidas, entre outros aspectos, é
Até este ponto, fizemos uma reflexão importante escolher os termos -chave com
em nível de senso comum a respeito do cuidado: embora, nes te exemplo, ajuda,
tópico em questão. Podemos prosseguir caridade, cortesia, apoio
discutindo o assunto com amigos ou

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60 Torres, neiva & cols.


enca minhar em direções bastante
distintas. Cabe salientar que não é
aconselhável limitar a busca a estudos em
um determinado inter valo de tempo (p. ex.,
os últimos 10 anos) e rotular o que foi
e seus correspondentes em outras línguas publicado antes de uma de terminada data
façam parte do conceito mais amplo chama de “velho” ou superado. No caso concreto,
do comportamento pró‑social, começar ao usar o limite de 10 anos estar -se -ia
com um termo em vez de outro pode nos ignorando estudos importantes realizados
na década de 1960, como, por exemplo, sociologia, no que se refere ao comporta
os estudos de Berkowitz e Daniels (1964), mento cooperativo entre grupos, ou, ainda,
Bryan e Test (1967), Darley e Latané à ciência política no contexto de assistên
(1968), Epstein e Hornstein (1969) ou cia internacional. Entretanto, não apenas
Latané e Darley (1968). resultados encontrados em áreas de conhe
cimentos correlatos acerca de um mesmo
tema contribuem para uma compreensão
mais aprofundada. Igualmente importan te
Algumas observações gerais
é estar aberto para abordagens teóricas e
sobre pesquisa social metodológicas diversas de uma mesma
área.
Você deve ter cuidado quando não sabe Duas palavras -chave caracterizam a
para onde vai, porque pode ser que não abordagem metodológica implícita no es
chegue lá. (Berra, 1998, p. 102) tudo de Lazarsfeld e colaboradores: multi
método e triangulação. O primeiro termo
Fenômenos sociais podem ser estuda dos dispensa definição, e o segundo é definido
a partir do referencial teórico e com mé por Vogt como “usando mais do que um
todos de diferentes áreas do mé todo para estudar a mesma coisa”
conhecimento. A pesquisa social baseada (1993, p. 234). Podemos acrescentar, com
em múltiplos mé todos tem uma longa Sommer e Sommer (2002, p. 6), que usar
tradição nas ciências sociais. Em 1933, procedimen tos múltiplos é melhor do que
Lazarsfeld, Jahoda e Zeisel publicaram um usar apenas um, que múltiplos olhares
estudo sobre os desempre gados de dentro de uma área como a psicologia
Marienthal, um vilarejo perto de Viena, social não somente são desejáveis, mas
Áustria. Os autores, respectivamente, se fazem necessários, vez que constituem
sociólogo com doutorado em matemática operações convergen tes (Webb,
aplicada, psicóloga social com doutorado Campbell, Schwartz e Sechrest, 2000).
em psicologia geral e cientista social com Começamos o capítulo com uma refe
um doutorado em ciências sociais e outro rência a Kish (1987) e a seu alerta de que,
em direito, faziam parte do centro de pes ao escolher um ou outro método de pesqui
quisa em psicologia econômica. Neurath sa, o pesquisador estará,
(1983) observa que o que tornou esse tra necessariamente, fazendo um
balho um clássico “foi a então compromisso em relação ao re sultado final
relativamente nova combinação entre de seu trabalho: aceita as van tagens e as
observação quali tativa e análise de dados desvantagens de um método em vez
qualitativos” (p. 124). Enquanto Mayring destas de outro método. Implícito nessa
(2002) cita partes do estudo de Lazarsfeld constatação é a recomendação de se utili
e colaboradores como exemplos de zar mais de um método ao estudar um
diferentes vertentes da abordagem tema qualquer, visto que, por si só, cada
qualitativa, o próprio Lazarsfeld uma das abordagens se mostra
insistiu na combinação de vários métodos incompleta. Brewer e Hunter (1989)
(vide Lazarsfeld, 1944, p. 60). afirmam que pesquisa de campo,
O conceito exemplar deste capítulo, levantamento de dados, experimen tação e
comportamento pró‑social, interessa tanto pesquisa não reativa constituem os
à psicologia, pelo viés do comportamento principais métodos das ciências sociais.
em nível individual, quanto, por exemplo, à Indicando a possibilidade de, sempre que

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 61


interpretar os resultados de qualquer
possível, adotar -se uma estratégia de pes um desses métodos é tarefa incerta na
quisa multimétodos, estes autores – como melhor das hipóteses. A maior fonte de
Kish – apontam que: incerteza é que qualquer estudo que
utiliza apenas um único tipo de método comum que precisam ser levados em
de pesquisa [...] deixa de lado conta para se aumentar a probabilidade de
hipóteses rivais não testadas [...] que se chegar a re sultados úteis. Agregando
colocam em questão a validade dos as considerações de Grunenberg (2001),
achados do estudo. (p. 14) de Mayring (2002), de Miles e Huberman
(1994), bem como as de Steinke (2000)
Sommer e Sommer resumem diferen tes acerca de critérios de qualidade de
abordagens (veja Quadro 3.1) e apon tam, pesquisa social, seguem algu mas
ainda, as seguintes vantagens de se exigências – formuladas em termos de
utilizar de mais de um método como pesqui perguntas – para uma análise sobre até
sador: quando um procedimento não pode que ponto uma pesquisa pode ser
ser utilizado por razões fora do controle do considerada de boa qualidade (Günther,
pesquisador, ou por falta de recursos, em 2006).
termos de tempo, dinheiro ou número de
pessoas para realizar um determinado estu
do, a utilização de mais de um método ofe As perguntas da pesquisa
rece flexibilidade ao lidar com dificuldades.
são claramente formuladas?

O primeiro passo para conduzir uma pes


Quadro 3.1 quisa é definir e delimitar a pergunta de
Opções de pesquisa social pesquisa. Quanto maior a clareza sobre o
Mesmo havendo diferentes maneiras que se quer saber, maior a chance de se
de se usar os métodos para pesquisar fenô
menos sociais, há alguns pontos em

Problema Abordagem Técnica de pesquisa

Obter informação confiável sob condições Estudar pessoas em Experimento laboratorial, controladas
um laboratório simulação
Descobrir como as pessoas se comportam Observá‑las Observação sistemática em público
Descobrir como as pessoas se comportam Solicitar que Documentos pessoas na sua vida
privada mantenham um diário
Descobrir o que as pessoas pensam Perguntar às pessoas Entrevista, questionário, escalas de
atitudes
Identificar traços de personalidade ou Administrar um teste Testes psicológicos habilidades
mentais estandardizado
Identificar padrões em material escrito Tabulação sistemática Análise de conteúdo ou visual
Compreender um evento não usual Investigação detalhada Estudo de caso e demorada
Descobrir o que as pessoas fizeram Avaliar documentos Pesquisa de arquivos no passado
públicos

Referência: Sommer e Sommer (2002, p. 6)

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62 Torres, neiva & cols.


emergências – agressão física, aci
dente, desorientação, agressão verbal? No
caso de adesivos religiosos, que forma de
cordialidade seria esperada?

obter êxito em uma pesquisa. Uma revi são


de literatura sobre o assunto em ques tão Explicitou‑se a teoria que
ajuda no início de qualquer pesquisa. pode ser derivada dos dados
Considerando -se nosso exemplo de com
portamento pró -social, uma pergunta ge e utilizada em outros
ral poderia ser: quem ajuda quem, como e contextos?
sob quais circunstâncias? Para chegar a
perguntas mais específicas, pesquisáveis, Uma distinção importante entre pesquisa
é necessário operacionalizar as quatro de natureza qualitativa e exploratória ver‑
partes dessa pergunta geral: o quem ajuda sus pesquisa quantitativa e inferencial é
pode se referir a pessoas de determinado que um objetivo central da primeira
gênero, idade, educação ou nível consiste na tentativa de se chegar a uma
socioeconômico. O quem recebe ajuda, teoria por meio de um processo indutivo.
idem. O como pode variar em termos de Uma pesquisa de cunho quantitativo e
prontidão, isto é, aju dar de maneira inferencial visa confir mar uma teoria já
espontânea versus solicita do, generosa existente, representando, assim, um
versus de forma avarenta. Já as processo dedutivo. Seja qual for a
circunstâncias podem variar em termos de natureza da pesquisa, é importante espe
ambiente ou do tipo de ajuda necessá ria. cificar qual a teoria que orienta nossa pes
Desta maneira, podemos chegar a per quisa, no caso de investigação quantitativa.
guntas do tipo: “Os jovens ajudam mais No caso de pesquisa qualitativa, é mais im
aos jovens do que aos idosos em portante, ainda, deixar explícito para o lei
situações de emergência de rua?”, “Sob tor onde esperamos chegar ao realizar uma
quais condições, desconhecidos intervêm pesquisa exploratória.
em um assalto?”, “Os motoristas com
carros com adesivos re ligiosos se
mostram mais cordiais no trân sito?” O delineamento da pesquisa
é consistente com o objetivo
e as perguntas?
Operacionalizar variáveis
Como apontado acima, a escolha do
Após ter -se delimitado a pergunta, será ne delinea mento de pesquisa, isto é, a opção
cessário operacionalizar as variáveis por por uma abordagem observacional,
meio das quais os conceitos serão pesqui experimental, de levantamento de dados
sados. No exemplo anterior, os termos jo ou uma análise de conteúdo deve ser
vens e idosos se referem a faixas etárias, e consequência da pergun ta de pesquisa a
podem ser operacionalizadas em termos ser respondida. Não cabe modificar uma
de idade em anos. O conceito ajudar é pergunta para que esta se adapte a um
que pre cisa de uma definição e método preferido.
operacionalização mais detalhada. O nível
de ajuda, no caso de um assalto, pode
variar, por exemplo, en tre: gritar para Os construtos analíticos
chamar atenção de qualquer um por perto,
chamar alguém competente, como a
foram bem explicitados?
polícia, intervir pessoalmente. Outra Conceitos como altruísmo ou disposição
variável a definir seria a rapidez, isto é, o para ajudar são chamados construtos
tempo em segundos após a verificação da hipotéticos, isto é, algo que existe
existência de uma emergência. Outras teoricamente, mas não é observável
variá veis que precisam ser diretamente. Que alguém pode
operacionalizadas são “situação de
emergência!”: estamos falando de quais
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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 63


mento: ficha de observação, check‑list,
esca la de atitudes, testes de competência,
ser considerado altruísta ou ter disposição
para mencionar as mais importantes.
para ajudar é inferido a partir de observa Esses ins trumentos têm em comum o
ções de comportamento diretos – no caso, objetivo de re gistrar e, assim, refletir de
vendo este alguém concretamente maneira mais fiel o comportamento sob
ajudando alguém, ou indiretos – investigação. Nesse
analisando as respos tas numa escala de sentido, precisam satisfazer dois critérios
atitudes, por exemplo. Assim, a questão de qualidade: fidedignidade e validade,
que se coloca é: o compor tamento sendo que o segundo não existe sem o
observado ou as atitudes expressas primeiro.
permitem inferências acerca do altruísmo
ou da disposição de ajudar?
Fidedignidade
Os procedimentos Fidedignidade diz respeito à consistência
metodológicos são bem da medição repetida de um mesmo objeto
documentados? sob circunstâncias semelhantes (Vogt,
1993; Yarenko, Harari, Harrison e Lynn,
Todos os passos de uma pesquisa 1986). Uma balança poderia ser
precisam ser descritos e explicitados. considerada fide
Quem foram as pessoas observadas, digna se, pesando um mesmo objeto várias
entrevistadas, partici pantes dos vezes, indicasse o mesmo peso. Medidas
experimentos? Quais foram os psicológicas, que, por parte do medidor, exi
instrumentos e equipamentos utilizados? gem interpretação de eventos, como seria
Quais foram os procedimentos para a cole o caso de uma observação, ou que, por
ta de dados? A descrição dos participantes parte da pessoa avaliada, permitem um
precisa ser suficientemente completa para processo de aprendizagem, como seria o
que se possa saber como foram recrutadas caso de um teste de conhecimento,
e quais suas características. O correm o risco de ser menos fidedignas.
detalhamento dos instrumentos e dos Medidas psicológicas cuja aplicação e
procedimentos deve permitir que outros interpretação não dependem da
pesquisadores possam replicar o estudo. competência do aplicador e que contêm re
Há de se observar, en tretanto, que gistros (perguntas, itens, observações) es
estudos fora do laboratório sempre tandardizados tendem a ser mais
sofrerão do fator “circunstâncias sócio fidedignas – veja Pasquali (1999) para
-históricas”, razão pela qual não são to maiores deta lhes, inclusive maneiras de
talmente replicáveis (Gergen, 1973). Ainda como calcular o índex de fidedignidade
assim, descrever o método usado em uma que varia entre zero e um.
pesquisa permite ao leitor avaliar as inter
pretações dos dados oferecidas pelo autor
e considerar possíveis explicações Validade
alternativas – veja “A discussão dos
resultados” a seguir. Mesmo sendo fidedigno, um instrumento
não é, necessariamente, válido. Validade
trata da correspondência entre o que um
Os instrumentos instrumento pretende medir e do constru
são fidedignos e válidos? to hipotético que está sendo investigado.
Mesmo se o balanço mencionado registre
Há várias maneiras de registrar comporta de maneira fidedigna o peso em libra, não
seria um instrumento válido se o objetivo salientar que, enquanto existem medidas
fosse verificar o peso em quilogramas. Um quantitativas e genéricas do grau de fide
teste de conhecimento não seria válido dignidade de um instrumento, a validade
como instrumento para averiguar inteligên de um instrumento representa um
cia – (Campbell e Stanley, 1963). Há de se julgamento

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64 Torres, neiva & cols.


cias acerca de outros ou “todos” os demais
contextos ou pessoas, devemos selecionar
alguns eventos ou pessoas que podem ser
considerados representativos. Como foi
feita tal seleção – randomicamente,
essencialmente qualitativo e específico sistematica mente, aleatoriamente, “a
para cada situação estudada. dedo”? Somente quando tal seleção é feita
randomicamente podemos argumentar
que nossos resultados podem permitir
Adotaram‑se regras inferências para outros con textos, tempos,
pessoas além dos estudados. Caso
explícitas nos contrário, sempre fica a pergunta, “será
procedimentos que o que foi encontrado não é um simples
analíticos? Os reflexo daquela situação, daquele tempo,
daqueles participantes?” Se o procedimen
procedimentos analíticos
to que tivermos selecionado der margem a
são bem documentados? essa pergunta, a utilidade de nossos
resulta dos de pesquisa estará
Os procedimentos de análise de dados comprometida.
preci sam ser, igualmente, explícitos e
explicitados. No caso de procedimentos
quantitativos, tal detalhamento
Randomização
frequentemente está implí cito no
procedimento estatístico escolhido.
Assim sendo, uma questão fundamental de
Entretanto, especialmente no caso de
qualquer pesquisa empírica é se os resulta
proce dimentos qualitativos, como, por
dos poderiam ter sido alcançados por
exemplo, uma análise de conteúdo, a
acaso ou se são consequência de algum
explicitação e a documentação de
artefato de seleção. O livro clássico de
procedimentos analíticos são
Campbell e Stanley (1963) continua sendo
indispensáveis. Novamente, tais explica
a referência para verificar até que ponto
ções fazem -se necessárias para que o
um determina do delineamento,
leitor possa acompanhar, compreender e,
especialmente experimen‑ tal, pode ser
se for o caso, replicar os passos analíticos.
considerado verdadeiramente randômico
ou não, e quais as implicações de violar as
pressuposições da randomização. No
Os dados foram coletados em caso de levantamento de dados, diferen
todos os contextos e tempos e tes planos de amostragem (Kish, 1965) po
com todas as pessoas sugeridas dem ajudar a tratar o problema da rando
mização. No caso de estudos de
pelo delineamento? observação, bem como que utilizar
técnicas de análise de conteúdo, existem
A preocupação subjacente é a randomiza possibilidades de rando mizar situações,
ção de contextos, tempos e pessoas. Espe segmentos de observações ou de textos.
cialmente no caso de pesquisa “exemplar”,
a partir da qual queremos realizar inferên
frequentemente resulta em pesquisa “artifi
cial”, faz -se um contraste com a
O detalhamento da análise abordagem observacional, que inclui
explicitamente “to das” as variáveis de uma
leva em conta resultados não pesquisa (Günther, 2006). Mas, mesmo no
esperados e contrários ao caso de experimen tos, é necessário
esperado? mostrar flexibilidade e re gistrar eventos
inesperados. O exemplo pri mordial para
A vantagem da abordagem experimental é tal flexibilidade é a pesquisa de Pavlov,
a de permitir maior controle sobre os pro pesquisador de fisiologia que es tudou a
cedimentos e as circunstâncias da pesqui salivação em cachorros. Quando se
sa, excluindo, assim, variáveis estranhas e deparou com reações inesperadas nos ani
indesejáveis. Uma vez que tal delimitação mais, mudou o rumo de suas investigações

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 65


Sem querer alongar essa temática neste
momento, cabe citar a observação de
e chegou a estudar o condicionamento con
Lewin acerca do as sunto:
dicional, que seria chamado, posteriormen
te, de condicionamento clássico (Boring, O maior calcanhar -de -aquiles da psico
1957). logia aplicada tem sido o fato de que,
sem ajuda teórica apropriada, ela teve
de seguir o método dispendioso, inefi
A discussão dos resultados ciente e limitado de ensaio e erro.
considera possíveis Muitos psicólogos que trabalham hoje
em dia em um campo aplicado têm
alternativas de interpretação?
consciência aguçada de uma
cooperação estreita en tre a psicologia
Foi afirmado anteriormente que, quanto
teórica e a aplicada. Isto pode ser
mais específica a pergunta, quanto mais
conseguido na psicologia, como
detalhada a hipótese sob estudo, mais ex
aconteceu na física, se o teórico não
pectativas para uma determinada classe de
trata dos problemas aplicados com
resultados. Mesmo assim, é importante
pretensiosa antipatia ou com medo de
não fechar os olhos para explicações
problemas
alternati vas, especialmente quando os
sociais; e se o psicólogo aplicado se der
resultados encontrados não correspondem
conta de que não existe nada mais
ao espera do. Por outro lado, é importante
prático do que uma boa teoria. (1997,
precaver -se contra resultados
p. 288)
incongruentes em termos das teorias
conhecidas. Não vale argumen tar que a
ciência “tradicional” ou os méto dos
positivistas não conseguem dar conta dos
Participantes da pesquisa
resultados não usuais encontrados.
Definida a pergunta da pesquisa e especi
ficadas as características dos participantes,
precisa -se refletir sobre o acesso à
Os resultados estimulam amostra de pessoas. Onde e como serão
ações – básicas e aplicadas recrutados? No caso de observação do
– futuras? comportamento, em que locais serão
feitas as observações? As pessoas vão
Existe uma longa discussão acadêmica saber que estão sendo obser vadas? No
sobre a importância relativa da pesquisa caso de um experimento, onde serão
dita apli cada versus a pesquisa básica. recrutados os participantes? No caso de
entrevistas, questionários ou aplicação de instrumentos que diferenciam as técnicas
escalas e testes, onde e como as pessoas de pesquisa que se rão apresentadas a
serão abordadas ou recrutadas: na rua, em seguir. Não somente pre cisam ser
locais como shoppings, escolas, escolhidas em função da pergunta
rodoviárias, em seus locais de trabalho ou específica de uma pesquisa, mas também
em suas ca sas? Caso as características do que é factível, e do tipo de inferência
pessoais – como gênero, idade, educação, que almejamos. O tipo de análise de
natureza do traba lho – sejam parte da dados, por sua vez, é consequência direta
pergunta de pesquisa, é necessário ter da pergunta, dos participantes e dos
acesso a participantes com determinadas procedimentos.
características.

Análise dos resultados


Procedimentos, instrumentos
e análise de dados O escopo deste capítulo não permite abor
dar, em qualquer nível de profundidade, a
Mais do que simplesmente os análise dos dados coletados durante a pes
participantes, são os procedimentos e os

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66 Torres, neiva & cols.


Siegel e Castellan, 2006).

Abordagem quantitativa
quisa. Cabe fazer, inicialmente, uma distin versus qualitativa
ção entre estatística descritiva e inferencial.
A estatística descritiva relata a distribuição Noventa por cento do jogo é 50%
dos dados por meio de tabelas e gráficos. mental. (Berra, 1998, p. 69)
Tabelas apresentam frequências e percen
tagens em termos numéricos, enquanto Apontamos acima três caminhos prin cipais
gráficos permitem visualizar a distribuição para realizar pesquisa no contexto das
dos dados (Nicol e Pexman, 1999, 2003). ciências sociais: observação, experimen
Entretanto, a distribuição de frequências, tos e levantamento de dados. Antes de tra
as aparentes diferenças entre grupos ou tar cada um deles individualmente, convém
even tuais relações estabelecidas por meio ressaltar o que eles têm em comum. O que
de ta belas e gráficos necessitam de uma une os mais diversos métodos e técnicas
resposta à seguinte pergunta: aqueles de pesquisa incluídos nessas três grandes
resultados são sistemáticos ou se chegou famí lias de abordagem é o fato de todos
a eles por acaso? Realizando poucas partirem de perguntas essencialmente
observações em um úni co local, qualitativas (Günther, 2006). Qualquer
dificilmente será possível fazer afir mações pesquisa parte da constatação de que as
sobre o comportamento das pessoas em pessoas variam, se comportam de
geral. O mesmo ocorre se entrevistamos maneira diferente. Isso traz à tona a
apenas nossos amigos ou pessoas que pergunta a respeito da razão pela qual
estão convenientemente disponíveis. É por existe esta variabilidade. Como lidar com
meio de estatísticas inferenciais que ela? Quais as suas implicações? Estas
podemos sa ber até que ponto os perguntas exigem, por sua vez, respostas
resultados são sistemá ticos ou foram qualitativas. A variabilidade existe por essa
obtidos por acaso (Bisquerra, Sarriera e ou aquela razão. Tem essas ou aquelas im
Martínez, 2004; Dancy e Reidy, 2006; plicações. Na tentativa de se partir de uma
pergunta qualitativa e de se chegar a uma qualitativos recorrem, frequentemente, à
resposta qualitativa, há dois caminhos, não clássica afirmação de Dilthey (1894) “expli
necessária e mutuamente excludentes: o camos a natureza, compreendemos a vida
de procedimentos qualitativos e o de mental” (Hofstätter, 1957, p. 315). Querem
procedi mentos quantitativos. salientar que visam compreender a vida
mental e, portanto, utilizam métodos – qua
litativos – apropriados para a psicologia. Já
Procedimentos qualitativos os pesquisadores que usam métodos quan
titativos, argumentam que explicar e com
Procedimentos qualitativos tendem a ser in preender não são processos antagônicos,
dutivos e exploratórios: sem partir de hipó e que a vida mental faz parte dos
teses formais e explícitas, tenta -se fenômenos naturais.
construir um referencial teórico a partir de
dados coletados essencialmente por meio
de ob servações, incluindo, aqui, registros Procedimentos quantitativos
de com portamento, tais como
documentos, diários, filmes e gravações Para explicar o comportamento humano no
que registrem manifes tações humanas contexto da psicologia social, a abordagem
observáveis. Em segundo lugar, a análise quantitativa tende a ser dedutiva e confir
desses dados costuma ser interpretativa, matória, partindo de uma teoria. Parte de
usando -se técnicas de análise de expectativas explícitas ou hipóteses
discurso e de análise de conteúdo (Bauer formais para verificar a existência de
e Gaskell, 2002). diferenças ou relações nos fenômenos
Os pesquisadores que usam métodos sociais, para testá

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 67


de dados.
-las desta maneira. Em segundo lugar, não
se restringe a métodos observacionais,
mas tenta, sempre que possível, realizar a Análise de conteúdo
coleta de dados, em qualquer dado
contexto, de maneira sistemática, e de tal Na realidade, não falei tudo aquilo que
forma que seja possível recorrer a eu disse. (Berra, 1998, p. 9)
técnicas da estatística in‑
ferencial para questionar se os dados cole
A análise de conteúdo é uma entre vá
tados e analisados, bem como os rias técnicas de pesquisa usadas para des
resultados aos quais se chegou dessa crever e sistematizar o conteúdo de comuni
maneira são, de fato, sistemáticos ou se cações pictóricas, escritas ou verbais
poderiam ter sido encontrados por acaso. (Vogt,
Para chegarmos a conclusões científicas,
1993). A técnica pode ser utilizada com
é desejável, se não necessário, que
material visual (filme, vídeo, desenhos, ilus
possamos apontar a contri buição dos
trações, obras de artes plásticas), com ma
diferentes antecedentes ao com
terial impresso (jornais, revistas, livros, do
portamento de nosso interesse e eliminar
cumentos pessoais) e com registros
os acontecimentos randômicos e os
verbais (entrevistas e questionários).
obtidos por acaso como possíveis
Idealmente, nos dois primeiros casos, a
explicações.
seleção do ma terial é randômica, embora
A seguir, apresentam -se quatro abor
frequentemente sejam usadas amostras
dagens de pesquisa, sendo duas de nature de conveniência, isto
za mais descritiva – a análise de conteúdo
é, material ao alcance do pesquisador. No
e a observação – e duas de natureza mais
caso de nosso projeto hipotético/ ilustrativo
inferencial – experimento e levantamento
sobre comportamento de aju da, imagine
que colecionamos relatos de ocorrências desenhos ou ima gens de maneira
de ajuda nos jornais desde que sistemática.
começamos a pensar em um estudo sobre
esse assunto, mesmo antes de efetuar
uma revisão sistemática da literatura Procedimentos
especia lizada. Recortamos artigos sobre
pessoas que prestaram ajuda, avisamos a Os sujeitos nesta modalidade de pesquisa
nossos amigos que estávamos não são pessoas propriamente ditas, mas
interessados no as sunto. Pedimos a eles material produzido por ou sobre elas. Por
que, sempre que en contrassem algo exemplo, no caso de relatos na imprensa
interessante, recortassem tal notícia. es
Colecionamos não somente ar tigos sobre crita sobre eventos de ajuda prestada ou
ajuda prestada, mas também sobre ajuda ne gada, os recortes constituem as
negada. Quando chegamos a um número unidades de análise. Cada recorte
razoável de artigos, decidimos começar descreve uma situação e fala das pessoas
com a análise do conteúdo desses artigos. envolvidas, do local, das circunstâncias do
Ressaltamos anteriormente que, quanto evento. Assim, cada relato pode ser
maior clareza sobre o que queremos classificado em termos de atribu tos, tais
saber, mais chance de êxito obteremos em como fonte (nome do jornal), data,
uma pesquisa. Entretanto, em um primeiro confiabilidade da fonte e detalhamentos do
momento de coleta de material documen conteúdo.
tal, podemos coletar “qualquer” material O procedimento em si consiste na análi se
que encontramos, o que nos encaminharia do conteúdo dos artigos. Günther (2006)
para procedimentos mais qualitativos, ou, apresenta uma sistematização dos procedi
pelo menos, sem formular hipóteses especí mentos de uma pesquisa qualitativa.
ficas. Já em um segundo momento, O instrumento para uma análise de
quando sabemos de fontes confiáveis para conteúdo pode ser um programa de com
material documental, é possível formular putação por meio do qual se sistematize e
hipóteses e buscar trechos de textos,

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68 Torres, neiva & cols.


distinção feita por Kidder e Fine (1987) en
tre a pesquisa qualitativa com a letra Q mai
úscula, que envolve observação
participante e pesquisa de campo
etnográfica. Pesquisa qualitativa com a
analise o material coletado (p. ex., AtlasTI letra q minúscula, por ou tro lado, refere
ou MAXqda). -se à coleta de dados aberta, mas que faz
parte de uma pesquisa estrutu rada em
termos de objetivo e procedimento. Em
Vantagens desse método outras palavras, a vantagem da pesqui sa
inicial, aberta, é a de dar apoio inicial a
ideias para pesquisas subsequentes.
Observamos anteriormente que, “quanto
maior clareza sobre o que queremos saber,
mais chance de êxito em uma pesquisa”.
Entretanto, e especialmente no início de Desvantagens
um conjunto de pesquisas, existe menos
clareza sobre o que pode ser investigado Como frisamos anteriormente, ao tentar
no decor chegar a explicações sobre fenômenos so
rer do projeto. Assim, nesse momento ini ciais, deve -se atentar à pergunta “mas
cial, uma abordagem mais aberta, especu será que os resultados foram obtidos na
lativa, pode ser mais útil para se começar a base de eventos não randômicos?”
entender um dado assunto. Cabe aqui uma Quanto maior o número de eventos
arquivais usados para a análise de importantes na fase inicial de qualquer
conteúdo, maior será a dificulda de de pesquisa e constituem a base para
responder a essa pergunta de maneira formular perguntas sistemáticas acerca de
convincente. determina do comportamento.
Em estudos de observação sistemática,
utiliza -se algum esquema de categorias
para classificar os comportamentos de
Observação
interesse. Os comportamentos podem ser
enumerados em termos de frequência, de
Você pode observar muito coisa só
intensidade, de pessoas envolvidas (só,
olhan do. (Berra, 1998, p. 95)
em díade ou grupo), das características
das pessoas, etc. Os re gistros podem ser
A vantagem da observação é estar
realizados em planilhas, check‑lists,
diante do comportamento que interessa, gravados ou filmados. Havendo dois
não observadores, é possível verificar até que
precisando falar com as pessoas sobre ponto há concordância entre ambos.
seus pensamentos ou intenções. Além do
Enquanto que em estudos de obser vações
mais, não sendo um intruso, você não
informais e sistemáticas as pessoas
interfere no comportamento, nem provoca
observadas podem nem saber que são ob
reatância nas pessoas observadas (Webb,
jetos de estudo, a observação participante
Campbell, Schwartz, Sechrest e Grove,
explicita que os sujeitos fazem parte de um
1981). Em ge
estudo e que estão sendo observados. O
ral, os estudos de observação não exigem
pes quisador torna -se parte da vida dos
muito equipamento, mas sim tempo, já que obser vados. Quando tal delineamento é
pode demorar até que surja o factível, o estudo se torna mais ético, à
comportamen to de interesse. A seguir, medida que as pessoas do estudo sabem
comentaremos três tipos de observação: que estão sendo observadas e por quem
informal, sistemática e participante. estão sendo observa das. Entretanto, a
É por meio de observações informais presença explícita de um observador pode
que registramos o que acontece em torno provocar reatância entre os sujeitos da
de nosso meio social e ambiental. Sem pesquisa, ficando a dúvida de até que
catego rias preestabelecidas nem ponto as pessoas observadas estão se
hipóteses formais, esse tipo de comportando de maneira autêntica e não
observação se aproxima mais dos estudos encenando algum comportamento que acre
qualitativos. Tais observações são

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 69


Conforme comentado anteriormente, os
ditam ser o esperado por parte do pesquisa estudos observacionais são custosos em
dor. Especialmente no caso de uma termos de tempo, já que podem demorar
observa ção de duração mais longa, até que o comportamento de interesse pos
recomenda -se a observação participante, sa surgir. Diante desse problema, Silva e
já que a presença demorada de um Günther (2001) criaram “oportunidades de
estranho desconhecido pode provocar ajudar” em um ônibus lotado, no sentido
desconfiança e reatância, pois os de verificar quem entre os passageiros sen
observados tendem a se acostumar com o tados se ofereceria para segurar um
a presença do pesquisador conhecido e o pacote de um passageiro em pé. Outros
ignorarem mais facilmente. estudos que criaram “oportunidades de
ajudar” para poder observar mais
sistematicamen
Exemplos de estudos te eventuais comportamentos pró -sociais
observacionais são os de Levine e colaboradores (Levine
e Norenzayan, 1999; Levine, Norenzayan e estu dos observacionais é o realismo da
Philbrick, 2001). situação estudada, algo não alcançável
em estudos experimentais, de
levantamento de dados ou aqueles que
Um estudo hipotético utilizam material arquival. Há de se
destacar, ainda, que comporta mento não
No caso de um estudo hipotético sobre acontece em um vazio, isto é, depende
com portamento pró -social, podemos não somente de fatores internos,
pensar em observar o comportamento dos subjetivos, mas do contexto social e físico,
pedestres em um determinado trecho que o que Barker e colaboradores (Barker,
apresenta irregularidades, talvez buracos, 1968; Schoggen, 1989; Sommer e Wicker,
impedi mentos por causa de uma 1991) chamaram de behavior setting.
construção ou de carros mal estacionados. Entre as des‑ vantagens, deve -se
Qual seria o comportamento de ajuda no mencionar o alto custo de tempo,
sentido de dar preferência a pessoas com especialmente, em se tratando de
problemas de lo comoção, ajudar mães comportamentos de pouca frequência. Em
com carinho de bebê e situações segundo lugar, a falta de controle sobre o
semelhantes? Será que existem surgimento da situação de interesse signifi
alguns padrões de cortesia ou ajuda? ca ausência de randomização e generaliza
Procedimentos. Os sujeitos desta pesqui ção. Além do mais, quanto mais complexo
sa seriam as situações de encontro e de o comportamento e/ou a situação dentro
inte ração de pessoas estranhas entre si da qual o comportamento acontece, mais
no ponto problemático. O registro consiste trabalhoso serão o registro e a análise dos
em anotar o número de pessoas, suas dados (Scott, 2005).
características Cabe ainda mencionar alguns livros que
(sexo, idade aproximada) e seu comporta tratam especificamente de técnicas ob
mento na situação. Para tanto, uma ficha servacionais. Fagundes (1993) apresenta
de observação que permita anotar os um texto didático de observação
dados relevantes de uma maneira que não sistemática, en quanto Danna e Matos
chame atenção será preparada. (1996) se propõem a ensinar, de maneira
Preferencialmente, haverá dois básica, como observar o comportamento
observadores independentes, o que humano. Esses dois livros concentram sua
permitirá estabelecer a fidedignidade das atenção no comportamento imediato das
observações pelo estabelecimento do grau pessoas sendo observadas, já o artigo de
de concordância entre as observações dos Pinheiro, Elali e Fernandes (2008),
dois pesquisadores. considera a interação entre as pessoas e o
ambiente, inclusive os resquícios do com
portamento das pessoas no ambiente.
Vantagens e desvantagens
Como apontado acima, a vantagem de

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Não sei qual o melhor jeito, mas
nenhum é ruim. (Berra, 1998, p. 84)

70 Torres, neiva & cols. Experimento O experimento, especialmente em


sua modalidade laboratorial, é um
INDEX BOOKS GROUPS delineamen to no qual o pesquisador tem
controle so bre algumas das condições sob
as quais a pesquisa está sendo realizada,
bem como controle sobre algumas das
variáveis que acredita que possam causar
o fenômeno estudado. As variáveis sob
controle do ex perimentador são chamadas
aleatória, não há como assegurar que foi a variáveis inde pendentes (VI). O fenômeno
exposição à situação experimental que cau sob estudo é definido como variável
dependente (VD).4 Uma distribuição cabe tentar reduzir a variabilidade externa
randômica dos sujeitos da pesquisa entre e in desejada. Em outras palavras, se o
as condições experimentais e de controle objetivo de uma pesquisa for verificar a
de uma pesquisa é o requisito mínimo diferença entre jovens de sexo masculino
para uma pesquisa ser considera da um e feminino no que diz respeito a
experimento verdadeiro (Campbell e determinado compor tamento, convém
Stanley, 1963). Uma importante variante é manter outras variáveis, como, por
o experimento natural, situação na qual as exemplo, classe social, nível edu cacional
condições experimentais e de controle não ou idade, o mais homogêneo possí vel. Isto
foram preparadas pelo experimentador, quer dizer, dever -se -ia chamar para
mas por condições alheias e, desta manei participar do experimento apenas jovens de
ra, não estão sob o controle do uma mesma classe social, de um mesmo
pesquisador. Silbereisen (2005) relata uma nível educacional e de uma mesma idade,
série de ex perimentos naturais sobre já que uma variabilidade não controlada
mudanças sociais e desenvolvimento em tais fatores poderia influenciar o
humano em decorrência da reunificação comportamento em questão.
alemã. Este acontecimento permitiu aos
psicólogos comparar, em for ma de
experimento natural, comportamen tos e Especificar/limitar o
expectativas de vida entre os cidadãos de comportamento
um mesmo país após ter vivido sob dois
regimes políticos distintos durante 40 anos. Da mesma maneira como a variabilidade
Campbell e Stanley apontam uma série de entre os fatores antecedentes deve ser con
aspectos que afetam a qualidade de um ex trolada, é importante especificar e delimi
perimento. Entre eles, cabe mencionar aqui tar bem o comportamento sob estudo. Por
os seguintes. exemplo, em vez de falar simplesmente em
“comportamento de ajuda”, convém opera
cionalizar tal comportamento: comporta
Randomizar sujeitos mento de abrir a porta para uma senhora
(Moser e Corroyer, 2001), levantar -se e
ofe recer um assento em um ônibus, etc.
O controle sobre a distribuição aleatória de
participantes da pesquisa entre as
diferentes condições experimentais é
crucial para que se possa atribuir a essas Reatância à situação
eventuais causas o fenômeno sob estudo. experimental e ética de pesquisa
Sem essa distribuição
sou determinado comportamento, e não al Uma diferença importante entre
guma circunstância alheia a ele. observação e levantamento de dados por
questionário ou entrevista é que a
observação garante maior validade
Reduzir variabilidade externa ecológica do comportamen
to, enquanto entrevistas e questionários
À medida que o experimentador tem con
trole sobre as condições experimentais,

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 71


para se observar comportamento, mesmo
que a situação não tenha validade ecoló
permitem explorar melhor as razões para
gica. Por outro lado, sendo uma situação
determinadas ações. Qual a situação do artificial, os experimentos provocam re
experimento nessa distinção? Muitos ex atância semelhante a dos levantamentos
perimentos constituem uma oportunidade de dados nos participantes, que se per
guntam: “o que é que o experimentador interferência da presença de outras
quer de mim, realmente?” Dependendo da pessoas na decisão indi vidual de prestar
questão de pesquisa, o experimento pode ajuda, sendo a hipótese de que, quanto
incluir o engano do participante. Embora o maior o número de transeuntes, menor a
exemplo mais famoso para iludir os par probabilidade de ajuda por parte de
ticipantes seja o experimento de Milgram qualquer pessoa. A variável independente
(1963), muitos estudos experimentais im em ambos os estudos foi o número de
plicam em alguma forma de encenação pesso as presentes além do sujeito da
para esconder o verdadeiro objetivo do pesquisa. No caso do estudo de Darley e
estudo. Adair, Dushenko e Lindsay (1985) Latané, uma pes soa invisível precisava de
relatam que 81% dos autores de estudos ajuda, e o sujeito fez parte de um grupo
publicados em 1979 na mais prestigiosa formado entre uma e quatro outras
revista da psi cologia social, o Journal of pessoas. Já no experimento de Latané e
Personality and Social Psychology, Darley, a emergência estava visível, e o
relataram alguma forma de esclarecimento sujeito estava ou sozinho ou na presença
pós -experimental para os participantes de de duas outras pessoas.
um estudo envolvendo alguma forma de
encenação e engano. O argumento
principal em favor de tal proce dimento é Pergunta/hipótese da pesquisa
que os experimentos tratam de
comportamentos socialmente normatizados O número e as características de outras
(seja positivamente, por exemplo, de ajuda, pes soas influenciam a probabilidade de
ou negativamente, por exemplo, de agres prestar ajuda por parte de uma pessoa do
são). Assim, não seriam viáveis se o parti sexo femi nino versus do sexo masculino?
cipante soubesse o verdadeiro objetivo da
pesquisa. Neste sentido, os estudos experi
mentais de ajuda de Darley e Latané Procedimentos
(1968; Latané; Darley, 1968) ou de Silva e
Günther (1999) somente puderam ser Os sujeitos dessa pesquisa imaginária
realizados por meio de encenação. Por serão convidados para uma entrevista
outro lado, há de se tomar cuidado em sobre a vida no campus da universidade.
respeitar a dignidade e a integridade física A entrevista será realizada ou de forma
e psicológica dos par ticipantes de individual ou em for
qualquer pesquisa: na medida do possível, ma de grupo focal, isto é, na presença de
deve -se fornecer explicações aos mais dois ou quatro confederados. Os
participantes sobre a pesquisa, se não sujeitos va riam de gênero. No caso de
antes do início, sem dúvida, após sua con grupo focal, os membros variam
clusão, além de não expor os participantes igualmente, de tal manei ra a ter grupos do
a qualquer desconforto desnecessário – o mesmo sexo e grupos nos quais o sujeito
fim científico não justiça os meios – veja é homem (ou mulher) e os
Artigo 16 do Código de Ética do Conselho confederados são mulheres (ou homens).
Federal de Psicologia (2005). Quanto ao procedimento. A entrevista será
Um estudo hipotético realizada ao ar livre e a certa distância dos
prédios da universidade para se asse gurar
No caso de nosso estudo imaginário de um ambiente tranquilo. No decorrer da
ajuda, idealizamos uma réplica de experi entrevista, acontecerá uma emergência a
mentos clássicos de Darley e Latané poucos metros dali.
(1968; Latané e Darley, 1968). A questão
em ambos os estudos foi a potencial

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72 Torres, neiva & cols.


momento, quanto no passado e no futuro.
A entrevista foi caracterizada por Bingham
e Moore (1959) como uma conversa com
objetivo. Essa consideração aplica -se,
igualmente, ao questionário, definido com
O registro da variável dependente “um conjunto de perguntas sobre um de
será feito por um observador alheio e terminado tópico que não testa a habilida
aparen temente desassociado da de do respondente, mas mede sua opinião,
entrevista, ano tando o tempo que levou seus interesses, aspectos de
para o sujeito notar a emergência, bem personalidade e informação biográfica”
como seu compor tamento. (Yaremko, Harari, Harrison e Lynn, 1986,
p. 186). A definição do questionário deixa
aberta a forma da interação entre
pesquisador e participante – pode ser
Vantagens desse método
individual ou em grupo, face a face, via
correio ou via internet, sendo que a
O procedimento nesta pesquisa supõe cin
aplicação individual e face a face de um
co condições randômicas: sujeito sozinho,
questionário pode se tornar uma entrevis
sujeito com dois confederados do mesmo
ta estruturada. Entretanto, a observação
sexo, com dois confederados do sexo opos
de Bingham e Moore é fundamental – seja
to, com quatro confederados do mesmo
qual for a forma da interação, o pesquisa
sexo e com quatro confederados do sexo
dor deve lembrar que está conversando
aposto. À medida que os sujeitos são
com outro ser humano, ele não está
distribuídos randomicamente entre as
“extraindo” informação de maneira
cinco condições, será possível estabelecer
impessoal. Uma vez que não há muito
uma relação causal entre a condição da
controle sobre os par ticipantes de um
entrevista e a proporção de sujeitos em
experimento ou de uma situação de
cada condição de ter presta do ajuda.
observação, técnicas de amos tragem
podem ser utilizadas de tal manei ra a se
obter amostras de participantes de uma
Desvantagens população determinada. Por exemplo, em
um estudo observacional, a pesquisa se
Bons experimentos em psicologia social de limita às pessoas que circulam em um
pendem do grau em que os cenários experi determinado local; em um estudo experi
mentais controlados são plausíveis para os mental, a pesquisa se limita às pessoas
sujeitos, especialmente a medida que preci que concordam em participar do
sam de certo grau de engano. No caso experimento. Tendo informação sobre as
desse exemplo, o engano consistirá de características de uma população (p. ex.,
fazer o su jeito acreditar que faz parte de todas as matrí culas de alunos ou todos os
uma entre vista e que a emergência foi endereços de um bairro), é possível obter
suficientemente crítica para merecer uma uma amostra randômica de participantes a
possível interven ção de sua parte. serem en trevistados ou para os quais se
envia um questionário. Além do mais, por
meio de questionários e entrevistas, é
possível saber dos estados subjetivos, das
Levantamento de dados atitudes, das opiniões, das justificativas
das ações toma das por parte dos
Nunca responda a uma carta anônima. participantes de uma pes quisa. Entretanto,
(Berra, 1998, p. 93) da mesma maneira que a reatância ao
processo de pesquisa cons titui um
Entrevistas (Günther, I., 2008) e ques problema no caso do experimen to,
tionários (Günther, H., 2008) constituem perguntas, especialmente a respeito de
maneiras de perguntar às pessoas sobre o assuntos sensíveis, nem sempre produzem
que elas fazem, pensam, sentem, tanto no respostas autênticas.

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O instrumento de pesquisa consiste em
um questionário com perguntas sobre a
qua lidade de vida em geral, a qualidade
de vida no campus da universidade e a
disposição da pessoa de se engajar em
uma atividade vo luntária na universidade,
Um estudo hipotético por exemplo, doar sangue durante a
INDEX BOOKS GROUPS semana universitária.
do levantamento de dados

Psicologia Social: Principais temas e vertentes 73 A principal vantagem do uso de questioná


rios e entrevistas consiste na possibilidade
de explorar atitudes, opiniões, razões para
Vantagens e desvantagens fazer ou não fazer determinadas coisas,
algo impossível no caso de observação
Pergunta/hipótese da pesquisa. No ou méto dos não intrusivos, já que estes,
caso de nosso estudo imaginário de por defini ção, excluem o contato com os
ajuda, con sideramos um estudo sobre a participantes da pesquisa.
participação em organizações voluntárias.
Quais são as características, quais são as
motivações para que uma pessoa se
engaje em uma ação de solidariedade? Considerações finais
Além do mais, será que a oportunidade de
ajudar aumenta a atitude favorável de se O jogo não terminou até que tenha
engajar em uma ação de aju da termi nado. (Berra, 1998, p. 121)
voluntária?
Procedimentos. Os sujeitos dessa Há de se enfatizar que pesquisar e
pes quisa, alunos universitários de ambos pu blicar na ciência são as duas faces da
os sexos e de cursos humanistas mes ma moeda; uma não vale sem a
(psicologia e serviço social), técnico outra. Cabe lembrar que publicar uma
(engenharia mecâ nica e matemática) e da pesquisa quer dizer “torná -la pública”.
saúde (médicos, enfermeiras) serão Uma pesquisa que não for publicada, não
convidados para uma entrevista sobre a contribuirá para a ciência, sequer existirá.
vida no campus da uni versidade. A pesquisa e a pu blicação são
interdependentes da concep ção da
pesquisa como processo cíclico, que
Procedimentos passa pelas seguintes fases (Tavares e
Diniz, 1993):
A entrevista será realizada de forma indivi
dual, em um espaço reservado para tal ati 1. Selecionar um objeto de pesquisa e
vidade. No caminho para sala de definir a problemática, considerando
entrevista, parte dos alunos passa por -se resulta dos de pesquisas anteriores.
uma situação que implica em ajuda, por 2. Relacionar a problemática a teorias e a
exemplo, uma pessoa deixa cair um pesquisas anteriores.
objeto. Desta maneira, criam- -se três 3. Formular hipóteses.
grupos de sujeitos: 4. Identificar os elementos do método (vari
áveis, relações, medidas,
a) encontrar uma oportunidade para procedimentos, população, critérios,
ajudar, sendo que o participante da estatística a utili zar).
pesquisa, de fato, ajuda; 5. Implementar o estudo e coletar os da
b) encontrar uma oportunidade para dos.
ajudar, sendo que o participante da 6. Analisar os dados.
pesquisa, de fato, não ajuda; 7. Interpretar e relacionar os resultados à
c) não encontrar uma situação de ajuda. problemática original, às teorias e às
pesquisas referidas.
Os grupos (a) e (b) constituem uma mani 8. Apresentar resultados, sugerir estudos,
pulação experimental, o grupo (c) constitui receber retroalimentação da
um grupo de controle. comunidade científica.
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74 Torres, neiva & cols.

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pesquisa, e o próprio relato tem caráter Autor, 2010.
cíclico. O ter
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genericamente para incluir desde trabalhos Técnicos e Científicos Editora, 2002.
em nível de graduação até teses de
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doutora do e publicações em revistas
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especializadas; aplica -se a trabalhos
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baseados em dados em píricos, em dados environment of human behavior. Stanford, CA:
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BAUER, M. W.; GASKELL, G. (Ed.). Pesquisa
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sobre o assunto, apontamos apenas duas:
BERKOWITZ, L.; DANIELS, L. R. Affecting the
algu mas dicas preparadas por Günther (no
salience of the social responsability norm:
pre lo) e o Manual de Publicação Effects of past help on the response to
preparado pela American Psychological dependency re lationships. The Journal of
Association (2001; 2010). Abnormal and Social Psychology, v. 68, p.
275-281, 1964.
BERRA, Y. The Yogi book: I didn’t really say
Notas everything I said. New York: Workman
Publishing, 1998.
1. A elaboração deste trabalho teve apoio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento BINGHAM, W. V.; MOORE, B. V. How to
Cien tífico e Tecnológico (CNPq). interview. New York: Harper, 1959.
2. As citações ilustrativas no início das seções BISQUERRA, R.; SARRIERA, J. C.;
deste capítulo são oriundas de um livro de MARTÍNEZ, F. Introdução à estatística: enfoque
Yogi Berra, jogador de beisebol conhecido informático com o pacote estatístico SPSS.
por suas observações pouco Porto Alegre, RS: Artmed, 2004.
convencionais. BORING, E. G. A history of experimental
3. Usamos o termo comportamento de maneira psycho‑ logy. 2nd ed. New York:
genérica para nos referir tanto a comporta Appleton-Century-Crofts, 1957.
mentos quanto a experiências subjetivas, tais
como atitudes, sentimentos e emoções. BREWER, J.; HUNTER, A. Multimethod
4. Esta nomenclatura – VI e VD – persiste research: A synthesis of styles. Thousand Oaks,
mesmo no contexto de experimentos naturais Califórnia: Sage, 1989.
e de levantamento de dados, mesmo BRYAN, J. H.; TEST, M. A. Models and helping:
considerando- -se que estas são situações em Naturalistic studies in aiding behavior. Journal
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Parte
II O
indivíduo

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4
Cognição social
Bartholomeu T. Tróccoli

truturas de conhecimentos armazenados


Cognição social refere -se aos proces na memória) de nossa cognição social. As
sos cognitivos por meio dos quais as atri buições são respostas às indagações
pessoas compreendem e explicam as das cau sas dos comportamentos que
outras pessoas e a si mesmas. Essa observamos e tentamos compreender.
compreensão ocorre de forma instantânea, Na segunda parte do capítulo, analisa
quase automática, mas também pode remos os diferentes processos da cognição
envolver considerações e aná lises social: atenção, memória e inferência.
detalhadas e lentas. Quando considera Cada um desses componentes é
mos a complexidade das pessoas, a analisado em ou tras áreas da psicologia,
primeira característica que chama a tais como a psicolo gia cognitiva, mas
atenção na cogni ção social é a rapidez também são, com ajustes e adaptações,
com a qual compreen demos e julgamos os fundamentais para nossa au
outros. Essa rapidez de julgamento tem tocompreensão e para nossa compreensão
seu preço: embora sejamos bons dos outros.
avaliadores em geral, também comete mos
inúmeros erros quando julgamos o que
são os outros e o que somos nós. Talvez o Cognição social:
estudo da cognição social possa ajudar
-nos a diminuir esses erros melhorando compreendendo os outros
nosso autoconhecimento e nossa
capacidade per ceptiva e interpretativa dos De uma forma direta e simples, a cognição
outros. social pode ser definida como o pensar do
indivíduo a respeito de si próprio e dos ou
tros. Entretanto, embora a ênfase inicial
tenha sido no pensar (cognição), os psicó
Plano do capítulo logos sociais também procuram associar
sentimentos e comportamentos à cognição
Este capítulo começa pela definição e evo social. O estudo das relações entre nossos
lução da inteligência social humana e intro pensamentos a respeito dos outros e de
dução aos componentes básicos (schemas nos sos sentimentos, avaliações, emoções
e atribuições) dos processos da cognição e com portamentos deu origem à distinção
social. A inteligência social humana surgiu entre a “cognição quente” versus
junto com o aumento do número de mem “cognição fria”, bem como à visão
bros dos primeiros grupos de hominídeos. pragmática que relaciona a cognição ao
Os humanos desenvolveram “teorias da comportamento: as ações são causadas
mente” para que pudessem julgar os com pelos processos mentais envolvi dos no
portamentos dos outros, especialmente os pensamento.
comportamentos de reciprocidade. Os
schemas dizem respeito aos conteúdos (es
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80 Torres, neiva & cols.


• Comunicar‑se com os outros
• Selecionar parceiros sexuais

Todos esses problemas colocaram


obstáculos cruciais para a sobrevivência de
Pensar sobre os outros é a atividade nossa espécie, e o modelo predominante
central de nossas vidas. Todos nós somos na
psicólogos amadores, pois estamos psicologia evolucionista atual defende que
constan temente explicando nossas ações a seleção natural provocou o surgimento
e as ações dos outros. Quando, por de módulos mentais responsáveis pela
exemplo, alguém nos agride verbalmente supera ção desses obstáculos (Cosmides e
em resposta a uma observação qualquer Tooby, 1992; Buss, 2005). O modelo da
que acabamos de fazer, entendemos mente modular propõe que a mente é
imediatamente que essa pessoa “pode ter composta de vários módulos que se
se sentido ofendida ou ameaçada pela comunicam e in teragem como uma
minha posição”. Estamos apenas reco estrutura inata que se desenvolveu
nhecendo que o outro possui uma crença naturalmente e de forma se melhante aos
(acredita que tenho alguma intenção) e um órgãos biológicos. Para a psi cologia
desejo (quer evitar algo que considera evolucionista, os diversos módulos
nega tivo). A explicação das ações como mentais são adaptações que surgiram para
resulta dos das crenças e desejos é o que resolver problemas adaptativos, permitindo
define a chamada “psicologia senso a sobrevivência e a reprodução de nossa
comum” ou “psi cologia leiga”. es pécie. Alguns módulos surgiram já nos
A psicologia leiga é produto do perío an cestrais de nossos ancestrais e são
do formativo da espécie humana, período comparti lhados com outros animais; outros
que começou depois da separação da linha são bem mais recentes e resultaram de
gem humana da linhagem dos chipanzés adaptações a ambientes radicalmente
há cerca de 6 milhões de anos1. Ambientes diferentes dos ambientes de outras
diferentes colocam problemas adaptativos espécies. De qualquer maneira, os
diferentes, exigindo diferentes adaptações. módulos não param de evoluir e todos
Para compreender a evolução da mente hu foram se modificando durante o pe
mana, o ambiente social da espécie é mais ríodo formativo da espécie humana. Os
importante do que o ambiente físico. Como problemas colocados pelo ambien te social
os outros primatas, nossos ancestrais foram inicialmente compartilhados pelos
viviam inicialmente em pequenos grupos – humanos assim como por todos os ou tros
mas que foram ficando maiores com as primatas. A luta por recursos escassos
consequentes estruturas sociais cada vez poderia ser enfrentada com o surgimento
mais complexas –, nos quais as questões de coalizões formadas por dois ou três
colocadas pelas interações eram tão mem bros da espécie. No entanto, após a
importantes quanto a sobrevivência aos sepa ração de nossa linhagem da linhagem
predadores. Quais os pro blemas dos chipanzés, o tamanho dos grupos
adaptativos enfrentados por nossos humanos foi aumentando cada vez mais,
ancestrais? Vários autores (p. ex., Evans e criando um valor também cada vez maior
Zarate, 1999; Buss, 2005) sugerem os se para a estra tégia de formação de alianças
guintes: e coalizões. A associação com outros em
busca de for mação de amizades passou a
• Evitar predadores ser tão im portante quanto saber escolher a
• Achar a comida certa comida certa ou possuir a habilidade para
• Formar alianças e amizades detectar predadores. Mas a formação de
• Ajudar crianças e parentes alianças é uma tarefa difícil, porque
• Entender a mente dos outros envolve questões de altruísmo recíproco: a
troca de favores só funciona se forem buir com nenhum dos custos envolvidos. O
observadas regras do tipo “ajudo você problema da não reciprocidade é tão grave
agora e você me ajuda depois”. Existe que a espécie que não desenvolver
sempre o risco de que um membro da mecanismos para enfrentá -lo não
aliança fique com os benefícios sem contri sobrevive.

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 81


existência desses grupos só era possível
porque a evo lução tinha projetado tanto
A questão é simples: o membro da espécie
módulos sofisti cados de reconhecimento
que não colabora com o pacto do altruísmo facial quanto uma boa memória para
recíproco tem mais chances de sobreviver interações sociais. Todos nós somos
e reproduzir do que os que são facilmente extremamente sensíveis ao altru ísmo
enganados. Genes que favorecem esse recíproco e mantemos uma espécie de
tipo de comportamento vão ficar cada vez “contabilidade social” para cada conhecido
mais frequentes no pool genético da ou amigo. Se nossos registros indicam que
espécie e, eventualmente, todos serão alguém tem feito menos bem por nós (ou
egoístas e não altruístas. Como ninguém nossos amigos de alianças cooperativas)
mais vai ajudar ninguém, as alianças se do que o fazemos por ele, então, na
desfazem, ficando impossível viver em próxima vez que houver uma solicitação
grupos. de ajuda, nos sentiremos bem menos
Não surpreende, portanto, que todas inclinados – ou mesmo nos recusaremos –
as espécies que vivem em grupos descobri a ajudar. Essa contabilidade social
ram mecanismos para enfrentar a questão também envolve me
dos membros egoístas e aproveitadores. canismos mentais complexos, porque
Ao analisar as soluções encontradas por exige que, de alguma maneira, sejam
diver sas espécies, Axelrod propôs, na atribuídos diferentes valores para
década de 1980 (p. ex., Axelrod, 1984), a diferentes ações. Quando uma pessoa
existência de três condições, que, quando doa seu bem para outra que está
implemen tadas, neutralizam o problema necessitada, os valores associados a essa
dos apro veitadores: (1) organismos ação de cooperação e a consequente
encontram os mesmos organismos retribuição vão depender de outros fatores
repetidas vezes; (2) organismos podem contextuais. Neste caso, a contabilidade so
reconhecer aqueles que já encontraram
cial levará em conta, por exemplo, a situa
antes, diferenciando -os dos que são
ção econômica de quem fez a doação ou
totalmente estranhos; e (3) orga nismos
empréstimo: a bondade de uma pessoa
possuem memória suficiente para lembrar
rica é valorizada de uma forma bem
de como aqueles que já encontra ram os
diferente da bondade de quem tem muito
trataram nesses encontros prévios. Por
pouco e faz um grande sacrifício em favor
que a existência dessas três condições
do outro. O valor da ação também vai
elimina o risco do altruísmo não correspon
depender do custo para o doador e do
dido? Porque os aproveitadores podem ser
benefício para o receptor da ação, mas os
punidos e os cooperadores podem ser re
custos e benefícios de qualquer ato de
compensados. Quem se recusou a retornar
bondade não podem ser fixados pre
os favores pode ser punido com a expulsão
viamente, pois dependem do contexto no
do grupo ou com a recusa de qualquer
ajuda posterior. Quem cooperou e retribuiu qual ocorrem2.
pode ser recompensado com ajuda Esse é o ponto principal para a apre
contínua na hora da necessidade. sentação da cognição social. Nós humanos
Todas as três condições foram surgindo desenvolvemos sistemas sociais
em nossos ancestrais hominídeos ao longo complexos que só podem funcionar – no
de seu período formativo. A interação contí sentido do sucesso reprodutivo e da
nua entre eles demonstrava que a sobrevivência da espécie – se alicerçados
em sistemas cogni tivos igualmente
complexos que se manifes tam em nossa atrás, o tamanho médio dos grupos hominí
inteligência social. deos saltou de cerca de 50 para 150 mem
bros. Como já abordamos anteriormente, à
medida que os grupos foram aumentando,
vários módulos dedicados às trocas sociais
Crescimento dos grupos
foram evoluindo, favorecendo a formação
humanos e o surgimento de alianças estáveis que mantiveram os
da inteligência social gru

No período entre 6 milhões a 150 mil anos

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82 Torres, neiva & cols.


inata, herdada, da mente humana, que se
desenvolve nos primeiros anos de vida até
estar completa por volta dos 4 anos e meio.
Nessa idade, a criança já consegue passar
nos “testes de falsa crença”:
pos sociais coesos (o que também pode
ser observado nos vários tipos de Uma psicóloga apresenta dois bonecos
primatas). No caso dos humanos, à criança. Os bonecos, chamados Sally
entretanto, a evolução fez surgir um e Ana, estão em um quarto de uma
módulo bastante complexo e sofisticado: o casa de brinquedo, junto de uma cama
“módulo de leitura da mente”, isto é, o onde há almofadas. Primeiro, a criança
módulo mental que permitiu que observa Sally colocar alguns doces
fizéssemos suposições ou inferências debaixo de uma almofada para logo em
sobre o que as outras pessoas estão seguida sair do quarto. Enquanto Sally
pensando, tendo por base suas ações, está fora, Ana tira os doces debaixo da
palavras e comporta almofada e os coloca em seu bolso.
mentos3. Quando Sally volta ao quarto, a
Grupos maiores exigem mais capa cidade psicóloga pergunta à criança
de memória para acompanhar os “Onde Sally pensa que os doces
comportamentos dos outros, bem como estão?”. Antes dos 4 anos e meio, a
capacidades de raciocínio social bem mais criança respon de “no bolso da Ana” o
sofisticadas, que possibilitem manter equi que é uma resposta típica de quem
líbrios delicados entre lealdades e amiza ainda não desenvolveu uma teoria da
des conflitantes. Nesse ponto, já estamos mente. A criança não tem a noção de
considerando estratégias e jogos políticos que os outros podem ter crenças
bastante sofisticados, nos quais mentiras, diferentes de suas próprias crenças. Ela
promessas, jogos de cena e até mesmo sin acha que todas as outras pessoas
ceridade e franqueza, ajudam -nos a acredi tam no que ela acredita. E ela
manter nossos amigos e a enganar nossos acredita no que ela viu: Ana colocou os
inimigos. Aos poucos, surgem os doces no bol so. Portanto, Sally
psicólogos amadores armados com uma também tem a mesma crença. Após os
“teoria da mente”: uma teoria sobre como 4 anos e meio, a resposta muda
a mente humana funcio na. O principal radicalmente: “Sally acredita que os
axioma dessa teoria afirma que as ações doces estão debaixo da almofada”.
são causadas por processos mentais, tais
como crenças e desejos. Com o surgimento da teoria da
A explicação do surgimento da teoria mente, a criança já compreende que
da mente dentro de uma perspectiva evo outras pesso as podem manter crenças
lucionista de adaptação à seleção natural que são diferen tes das suas e que
e sexual implica que a psicologia leiga não também podem manter crenças que são
é uma invenção cultural. Ela é uma parte falsas. Só então a criança pode tentar
manipular outras pessoas por meio da tão rápida apenas com os estímulos dados
indução de falsas crenças, isto é, só então pelos pais e pelo ambiente cultural. A
a criança aprende a mentir. E sem a criança só aprende uma língua porque ela
capacidade para mentir, não é possível nasce pré -programada para este tipo de
jogar os jogos políticos necessários para a aprendizagem. Por que então nossos
vida em grupos sociais. ances
trais desenvolveram mais essa capacidade
inata? Qual o problema adaptativo supera
Linguagem e altruísmo recíproco do com o uso da linguagem?
A teoria mais comum sugeria que a lin
Nossos ancestrais adquiriram a guagem é um sistema de comunicação que
capacidade para usar linguagens evoluiu para ajudar nossos ancestrais na
complexas e sofisti cadas antes de deixar a caça e na defesa contra os predadores.
África há cerca de 100 mil anos. Na De acordo com essa teoria, a função da
década de 1950, Noam Chomsky linguagem era a de troca de informações
demonstrou que seria impossível para as sobre o ambiente
crianças aprenderem uma língua de forma

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Psicologia Social: Principais temas e vertentes 83


reciprocidade indireta, o indivíduo é altruís
ta com outra pessoa na esperança de esta
físico e ecológico, uma vez que sons são
belecer sua reputação como generoso e de
bem mais eficazes do que sinais visuais confiança. Esse é um bom exemplo em
na escuri dão da noite e através de longas que a linguagem ajuda na troca de
distâncias. Essa teoria, entretanto, foi informações sociais, permitindo que os
contestada por Robin Dunbar (2004), humanos usufru am das vantagens de se
quando propôs que a função básica da viver em grandes grupos. Daí o fascínio
linguagem é a troca de informações sobre humano pela fofoca: ela é a forma mais
o ambiente social. Mais uma vez, a eficaz de comunicação para se obter
questão do altruísmo recíproco está na informações sobre a confiabili dade dos
raiz de uma nova proposição para um outros.
mecanismo inato. Em grandes grupos, o
altruísmo recíproco só funciona quando
existe informação suficiente sobre quem é
ou não é de confiança. Com grupos cada Características gerais
vez maiores, não é possível distinguir – da cognição social
apenas por meio da experiência direta,
pessoal – entre os aproveitadores e os Até agora, estabelecemos as bases evoluti
que cooperam. Sem a linguagem, isto é, vas de algumas das características do fun
sem um sistema de comunicação cionamento do cérebro humano, que surgi
sofisticado, os grupos não po ram como adaptações às primeiras
deriam crescer, ficando bastante limitados questões
no número possível de membros. Existe colocadas pelas interações sociais de nos
um limite no número de pessoas que um sos ancestrais. Agora, descrevemos alguns
indi víduo pode manter relações físicas dos princípios que norteiam os estudos da
diretas e constantes para que possa cognição social: (1) o indivíduo como um
estimar qual a avarento cognitivo; (2) orientação para os
probabilidade de cooperação futura4. Para processos; (3) pessoas como agentes cau
Dunbar (2004), a linguagem evo luiu para sais; (4) percepção mútua; (5) centralida de
ajudar nossos ancestrais na ob tenção de do eu; (6) qualidade da percepção; (7)
informações sobre quem merece ou não orientação pragmática (tático - motivada); e
confiança, principalmente quando não predominância dos processos automáticos
ocorre uma reciprocidade direta. Na (indivíduo como ator -ativado).
processos que serão analisados mais
1. O indivíduo como um avarento cognitivo. adiante estão relacionados com a
As pessoas não gostam de pensar “sovinice cognitiva” das pessoas.
muito, exceto quando acham que é 2. Orientação para processos. A
necessário. Elas procuram fazer render abordagem da cognição social sempre
ao máximo o pouco do esforço utilizou a abor dagem predominante na
cognitivo que conse psicologia cogni tiva, na qual os processos
guem exercer. Devido a essa tendência, cognitivos são descritos como processos
Fiske e Taylor (1991; 2008) definiram as computacionais: as pessoas recebem
pessoas como “avarentas” no uso de informações (input), codificam o que
seus recursos cognitivos. Não que as receberam, armazenam na memória,
pessoas não consigam realizar recuperam da memória para realizar
trabalhos cogniti inferências e para gerar produtos (output).
vos complexos. Elas o fazem quando A psicologia cognitiva tende a definir os
eles são importantes e necessários. processos cognitivos como for mados por
Mas o mun do é muito complicado, estágios sequenciais. O mesmo ocorre na
especialmente as outras pessoas e, cognição social. A sequência atenção →
frente a essa realidade, é melhor memória → julgamento, bem como outras
utilizar “atalhos cognitivos”, buscar sequências paralelas (atenção →
simplificações e aproximações, em vez julgamento ou atenção → memória) são
de proceder com análises minuciosas e alguns dos principais referenciais
bem fundamentadas. Vários dos

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