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REGINA MARIA DE SOUZA

ANA PAULA DOS SANTOS PRADO


(Organizadoras)

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS
CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS A SERVIÇO
DA SOCIEDADE

Maringá – Paraná
2020
2020 Uniedusul Editora

Copyright da Uniedusul Editora


Editor Chefe: Profº Me. Welington Junior Jorge
Diagramação e Edição de Arte: André Oliveira Vaz
Revisão: Os autores

Conselho Editorial
Adriana Mello
Alexandre António Timbane
Aline Rodrigues Alves Rocha
Angelo Ferreira Monteiro
Carlos Antonio dos Santos
Cecilio Argolo Junior
Cleverson Gonçalves dos Santos
Delton Aparecido Felipe
Fábio Oliveira Vaz
Gilmara Belmiro da Silva
Izaque Pereira de Souza
José Antonio
Kelly Jackelini Jorge
Lucas Araujo Chagas
Marcio Antonio Jorge da Silva
Ricardo Jorge Silveira Gomes
Sandra Cristiane Rigatto
Thiago Coelho Silveira
Wilton Flávio Camoleze Augusto
Yohans De Oliveira Esteves

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responsabilidade exclusiva dos autores.

Permitido fazer download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos


créditos aos autores, mas sem de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais.
www.uniedusul.com.br
APRESENTAÇÃO

Os capítulos que formam este livro são resultado das pes-


quisas realizadas ao longo dos anos de 2019 e 2020, no âmbito
dos cursos de Administração, Direito e Psicologia do Centro Uni-
versitário de Santa Fé do Sul/UNIFUNEC.

As pesquisas realizadas no âmbito do Grupo de Pesquisas


em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas/UNIFUNEC também
contribuíram para a composição da obra.

Os capítulos tratam de temáticas de suma relevância para


a sociedade contemporânea e que contemplam as modificações
verificadas no campo das leis, da organização social, dos negócios
e do desenvolvimento humano.

Pode ser mencionada a discussão sobre as mudanças no


cenário ambiental e a iminente extinção dos recursos naturais, que
despertaram no homem a necessidade de preservação ambiental.

Discute-se também a questão da psicopatia, do estudo do


psicopata, do transtorno de conduta e de suas responsabilidades
penais no âmbito jurídico brasileiro. Cumpre mencionar ainda, a
análise das consequências jurídicas da embriaguez, a questão do
regime de separação total de bens, como obrigatório para idosos
com idade igual ou superior a 70 anos.

O livro discutiu a importância da Lei nº 13.445/2017 para


a preservação dos direitos fundamentais do migrante no Brasil e
os impactos das fake news na sociedade brasileira.

Outra questão de grande relevância apresentada no livro é a


compreensão dos direitos dos casais homoafetivos com relação ao
casamento e à adoção, assim como o estudo do instituto do femini-
cídio e a efetiva necessidade do registro do boletim de ocorrência,
dado o fato de que o Brasil é considerado um dos países com o
maior índice de violência contra a mulher e à grupos homoafetivos.

O fenômeno das moedas virtuais que, diariamente, con-


quistam novos espaços na economia nacional e mundial tam-
bém é temática tratada na obra, em vista de seu crescimento na
contemporaneidade.

Discussão de grande relevância, é a questão da diminuição


da maioridade penal dentro do ordenamento jurídico brasileiro, em
função do aumento do número de menores infratores.

Um dos capítulos é dedicada ao estudo da colaboração pre-


miada, conforme disposto na Lei 12.850/2013. Foi contemplada
também a questão da expropriação, que é um dos mais importan-
tes modos de interferência do Estado no imóvel particular, sendo
o proprietário compelido a ceder seu imóvel para o Estado, em
decorrência de uma necessidade pública.

Os direitos fundamentais da mulher e o papel que a mesma


desempenha em sociedade foram contemplados na obra. A ocor-
rência da Síndrome de Burnout em professores de uma escola da
rede pública e de uma da rede privada de ensino da cidade de Santa
Fé do Sul/SP foi descrita em um dos capítulos do livro.

A alienação Parental (AP) é um dos temas mais discutidos


da atualidade tendo em vista seus efeitos psicológicos e emocio-
nais negativos para as relações entre pais e filhos, de modo que a
temática também faz parte da obra.
Em um cenário empresarial cada vez mais globalizado e
dinâmico, as técnicas de auditoria devem acompanhar essas mudan-
ças e agregar valor às organizações, conforme discutido neste livro.

A inflação está associada ao aumento generalizado dos


preços, diminuindo o poder aquisitivo do cidadão. Deste modo,
existem inúmeros índices para a mensuração da inflação, cada qual
com sua metodologia. Dentre esses, a DIEESE, que a partir do cál-
culo da cesta básica determina o valor base para comercialização
da cesta básica, metodologia que foi utilizada em um dos capítulos
para o cálculo do valor da cesta básica em Santa Fé do Sul/SP.

A obra destacou também a importância das a importância


das startups e dos investidores anjo para o desenvolvimento de
novos negócios no mercado nacional.

Não pode ser desconsiderada, na atualidade, a influência


do feminismo no Direito brasileiro, impulsionando a quebra de
paradigmas relacionados à inserção da mulher em sociedade, assim
como as mudanças relevantes verificadas na legislação brasileira.

Esta obra é responsável por apresentar ao leitor temas


variados, mas que possuem em comum, o protagonismo no pro-
cesso de desenvolvimento da sociedade contemporânea, de modo
a fomentar o leitor a refletir, de modo crítico, sobre a convivência
em sociedade.

Regina Maria de Souza


Ana Paula dos Santos Prado
Organizadoras
PREFÁCIO

Com grande satisfação e honra, que acolhi o convite feito


pela Profa. Dra. Regina Maria de Souza, para prefaciar o livro: Diá-
logos interdisciplinares: as Ciências Humanas e Sociais a serviço
da sociedade, obra coletiva dos alunos e professores dos cursos de
Direito, Administração, Psicologia e dos pesquisadores do Grupo
de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Centro
Universitário de Santa Fé do Sul/UNIFUNEC.

É inexorável que diferentes ciências quando convergem


sobre objetivos específicos, possuem papel de grande relevância
no processo de construção de uma sociedade. Esta obra, de modo
peculiar apresenta temáticas como o papel da mulher na sociedade,
temáticas jurídicas fundantes tanto para pessoas jurídicas, quanto
a população; precificação de produtos da cesta básica e processos
de adoecimento que acometem o trabalhador brasileiro.

A pesquisa científica contempla uma dimensão filosófica,


sociológica e política, contudo não havendo sua aplicabilidade
na rotina dos processos evolutivos, perde totalmente seu sentido.
Sobre a outra perspectiva quando há funcionalidade, associadas e
fomentadas por outras ciências, produzem inovações tecnológicas
demandadas pela sociedade industrial, legislações necessárias para
a regulação dos processos sociais, gestão dos negócios, além de
promover uma maior compreensão do desenvolvimento humano,
potencializando a percepção dos caminhos evolutivos a serem
seguidos pela humanidade.
Ideias inovadoras em sua grande maioria, emergem do
âmago dos cursos de Graduação, Pós graduação e de programas
de iniciação científica; assim sendo o Centro Universitário de Santa
Fé do Sul/UNIFUNEC sempre que oportuno, estimula seus aca-
dêmicos ao desenvolvimento acadêmico por meio de pesquisas
científicas, práticas de extensão, pós graduações, proporcionando
ao mesmos benefícios pessoais, profissionais e às comunidades as
quais estarão inseridos.

Ao contemplar temáticas essenciais para os cursos de


Direito, Administração e Psicologia, esta obra aufere sua rele-
vância, com discussões objetivas, esclarecedoras, assertivas que
enriquecem o processo de ensino, pesquisa e extensão do Centro
Universitário de Santa Fé do Sul/UNIFUNEC. Parabéns aos idea-
lizadores e autores da obra.

Prof. Dr. Guilherme Hiroshi Yamanari


Reitor do Centro Universitário de Santa Fé do Sul/UNIFUNEC
CURRÍCULO DAS ORGANIZADORAS

Profa. Dra. Regina Maria de Souza

Mestre e Doutora em Serviço Social pela Universidade


Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Unesp/Franca. Espe-
cialista em Direito de Família e das Sucessões-UNIARA, Direito
Processual Civil-UNIARA, Direito Penal-UNIARA, Psicopedago-
gia-FACED/UFU, Gestão de Pessoas-UCDB, Psicologia Clínica
Terapia Cognitivo Comportamental, Aperfeiçoamento em Ciências
Econômicas-IE/UFU. Graduada em Ciências Econômicas pelo
Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia IE/
UFU. Graduada em Psicologia-UNIFUNEC.

Mestranda Ana Paula dos Santos Prado

Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do


Mato Grosso do Sul (UEMS). Especialista em Direito de Famí-
lia e das Sucessões e Direito Processual Civil pela Universidade
de Araraquara (UNIARA). Possui graduação em Direito pelo
Centro Universitário de Votuporanga (UNIFEV), graduação em
Tecnologia em Agronegócio pelo Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza (FATEC) e Graduação em Letras pelo
Instituto brasileiro de formação (IBF), Graduação em Psicologia
(em andamento) pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul
(UNIFUNEC). Especialista em Gestão estratégica de pessoas e
comportamento organizacional-UNIFUNEC.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1....................................................................................15
ANÁLISE DO CRÉDITO DE CARBONO COMO MEDIDA DE
SUSTENTABILIDADE
Laiz Ribeiro dos Santos
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 2....................................................................................41
RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA
Gabriela Lima Braguini
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 3....................................................................................61
A EMBRIAGUEZ E OS RESQUÍCIOS DA
RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA NO DIREITO
CONTEMPORÂNEO
Miriã Beio Duarte
Luciana Renata Rondina Stefanoni

CAPÍTULO 4....................................................................................79
A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPOSIÇÃO DO
REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS AOS MAIORES
DE SETENTA ANOS
Rosiane Barboza Marangão Machado
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 5....................................................................................99
A IMPORTÂNCIA DA LEI Nº 13.445/2017 PARA A
PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
MIGRANTE NO BRASIL
Ana Paula dos Santos Prado
Regina Maria de Souza
Ricardo Alexandre Rodrigues Garcia

CAPÍTULO 6..................................................................................127
A PRÁTICA DE FAKE NEWS FRENTE AO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Larissa Ribeiro de Almeida Viana
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 7..................................................................................147
A GARANTIA DE DIREITOS DE CASAIS HOMOAFETIVOS:
CASAMENTO E ADOÇÃO
Igor Rangel Alves Barbosa
Regina Maria de Souza
CAPÍTULO 8..................................................................................161
A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO DO BOLETIM DE
OCORRÊNCIA NO FEMINICÍDIO
Simone Cristina Caldas da Rocha
Luciana Renata Rondina Stefanoni

CAPÍTULO 9..................................................................................177
CRIPTOMOEDAS: CARACTERÍSTICAS E
REGULAMENTAÇÃO LEGAL NO BRASIL
Matheus Henrique Santos Poiati

CAPÍTULO 10................................................................................205
DIMINUIÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA
ABORDAGEM SOBRE SUA APLICAÇÃO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Pedro Manoel Cordeiro de Souza

CAPÍTULO 11................................................................................229
LEI 12.850/2013: APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA
COLABORAÇÃO PREMIADA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Leonardo Dantas Banho
Walter Martins Muller

CAPÍTULO 12................................................................................253
A DESAPRORIAÇÃO E A JUSTA INDENIZAÇÃO NO
PROCESSO EXPROPRIATÓRIO
Moisés Adão Machado
Giuliano Ivo Batista Ramos

CAPÍTULO 13................................................................................271
O DIREITO DOS REFUGIADOS E A PROTEÇÃO PELA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Camila Cristie da Silva Souza
Leticia Lourenço Sangaleto Terron

CAPÍTULO 14................................................................................289
FATORES PREDITORES DA SÍNDROME DE BURNOUT EM
PROFESSORES: ANÁLISE COMPARATIVA DE ESCOLAS DA
REDE PÚBLICA E PRIVADA DE SANTA FÉ DO SUL/SP
Francisco Augusto Alves de Oliveira
Pedro Henrique Oliveira Catelan da Silva
Regina Maria de Souza
CAPÍTULO 15................................................................................ 311
ALIENAÇÃO PARENTAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS
PSICOLÓGICAS PARA A CRIANÇA ENVOLVIDA
Maria Luiza Neris Silva
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 16................................................................................329
AUDIT ANALYTICS: A ANÁLISE ESTRATÉGICA DE DADOS
ELETRÔNICOS NO PROCESSO DE AUDITORIA INTERNA
Fernanda Alves Cezane
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 17................................................................................351
ANÁLISE DA VARIAÇÃO DOS PREÇOS DA CESTA BÁSICA
NA ESTÂNCIA TURÍSTICA DE SANTA FÉ DO SUL/SP
ENTRE MARÇO E AGOSTO DE 2019
Elias Oliveira Sanches
Fagner Agostini Barbosa
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 18................................................................................375
A INCORPORAÇÃO DE PROGRESSO TECNOLÓGICO E O
PROCESSO DE DINAMIZAÇÃO DO SETOR BANCÁRIO NO
BRASIL.
Luiz Felipe da Silveira Hidalgo
Wanderson Silva Ribas
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 19................................................................................391
A IMPORTÂNCIA DAS STARTUPS E DOS INVESTIDORES
ANJO PARA O DESENVOLVIMENTO DE NOVOS NEGÓCIOS
Alexandre Ferracini
André Estevo Araújo
Regina Maria de Souza

CAPÍTULO 20................................................................................421
O FEMINISMO FRENTE À LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: A
GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER
Nayra Ingrid Mesquita Ferreira Mattos
Regina Maria de Souza
CAPÍTULO 1

ANÁLISE DO CRÉDITO DE
CARBONO COMO MEDIDA DE
SUSTENTABILIDADE

Laiz Ribeiro dos Santos


Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

O estudo em análise aborda, inicialmente, o contexto


ambiental contemporâneo e sua desenfreada degradação, fruto
das mudanças climáticas que o globo terrestre vem enfrentando
desde o século XVIII.

As mudanças climáticas decorrem do aquecimento global


que tem se intensificado pelas emissões de gases de efeito estufa
como dióxido de carbono (CO2), gás metano (CH4), óxido nitroso
(N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6), hidrofluorcarbonos (HFCs) e
perfluorcarbonos (PFCs) que são lançados na atmosfera em decor-
rência das atividades humanas e industriais (MMA, 2019).

As consequências de uma expansão econômica a qualquer


custo por muitos anos degradaram o meio ambiente e seus recur-
sos naturais e, atualmente, seus efeitos se refletem nas catástrofes
causadas pelo aquecimento global no ecossistema terrestre, apon-
tado como o principal responsável por reduzir a oferta de água e

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 15


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 1

alimentos no mundo, além de atingir, diretamente, a saúde dos


seres humanos, colocando em risco toda vida existente no planeta.

As mudanças no cenário ambiental e a eminente extinção


dos recursos naturais despertaram no homem a consciência sobre
a necessidade de preservação ambiental como única forma de pre-
servação da própria espécie. Assim, tiveram início os primeiros
tratados e conferências internacionais para discutir, em nível global,
medidas de proteção ambiental.

A conscientização coletiva foi impulsionada com a reali-


zação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro, que
consagrou o meio ambiente como um direito humano fundamental,
dispondo que todos os seres humanos têm direito a uma vida saudá-
vel e produtiva em harmonia com o meio ambiente. A Conferência
consagrou ainda o princípio do desenvolvimento sustentável, tam-
bém conhecido como meio ambiente ecologicamente equilibrado
ou ecodesenvolvimento, como forma de conciliar a proteção do
meio ambiente e de seus recursos naturais não renováveis com o
desenvolvimento socioeconômico, objetivando uma melhor qua-
lidade de vida ao homem.

A busca pelo desenvolvimento sustentável levou, em


1997, à aprovação do Protocolo de Kyoto, que estabeleceu níveis
de redução de emissão de gases de efeito estufa para os países
desenvolvidos, enquanto os países em desenvolvimento também
se comprometeram a reduzir a emissão de seus gases. O Protocolo
previu ainda medidas de flexibilização como meios de auxiliar os
países a atingirem as metas estabelecidas, entre esses mecanismos
encontra-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, desenvol-

16
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

vido a partir de uma proposta brasileira, possibilitando a criação e


comercialização das Reduções Certificada de Emissão.

As Reduções Certificadas de Emissão, também conhecidas


como créditos de carbono, consistem na conversão em crédito das
reduções de gases de efeito estufa, portanto, quando um país reduz
a emissão de gases poluentes, essa redução pode ser convertida
em créditos negociáveis. Dessa forma, por meio do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo, os países desenvolvidos que não con-
seguirem atingir suas metas de redução definidas no Protocolo de
Kyoto podem adquirir os certificados de redução de outros países
que tenham diminuído as emissões e utilizá-los para abater suas
metas.

A Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima


(CIMGC), em 11/09/2003, por meio da Resolução CIMGC nº 1,
definiu formalmente a Redução Certificada de Emissão (RCE),
dispondo tratar de unidade emitida em conformidade com o Artigo
12 do Protocolo de Kyoto, bem como as disposições pertinentes
destas modalidades e procedimentos, correspondendo a uma tone-
lada métrica equivalente de dióxido de carbono, calculada com o
uso dos potenciais de aquecimento global, definidos de acordo com
o Artigo 5º da referida resolução (MCTIC, 2003).

O crédito de carbono é negociado no mercado internacional,


podendo ser comercializado no Brasil através da Bolsa de Merca-
dorias e Futuros (BM&F).

No tocante à titularidade jurídica dos créditos de carbono,


em que pesem os diversos entendimentos que se estabeleceram na
doutrina e projetos de lei quanto à natureza jurídica das Reduções
Certificadas de Emissão, a doutrina majoritária entende que as

17
Capítulo 1

reduções certificadas correspondem a bem incorpóreo ou intangí-


vel. Outras correntes doutrinárias defendem a tese de commodity,
prestação de serviço, título de crédito e valor mobiliário.

O crédito de carbono é considerado um promissor meca-


nismo de desenvolvimento sustentável que possibilita a redução
dos gases de efeito estufa, ao passo que viabiliza o crescimento
econômico através de meios ecologicamente saudáveis, decorren-
tes do investimento dos países desenvolvidos em economias que
priorizam o ecodesenvolvimento.

Nota-se, ainda, a aplicação do princípio do poluidor paga-


dor, sendo que aquele que não conseguir reduzir os danos causados
deve investir em países que busquem a reparação ambiental, de
tal forma que o poluidor deva arcar com o custo decorrente da sua
poluição. Essa média de caráter repressivo contempla a busca pela
reparação do mal causado.

Entretanto, vasta é a discussão sobre a possível deturpação


dos créditos de carbono, sustentando que tal medida consiste em
verdadeira precificação do direito de poluir, já que é permitida
aos países desenvolvidos a aquisição de certificados que atestem
a redução dos níveis de gases de efeito estufa, de forma que estes
países não sofram as sanções previstas pelo não cumprimento de
suas metas de redução. Alguns pesquisadores apontam que a pos-
sibilidade de comercializar os níveis de redução impede a criação
de uma verdadeira consciência ambiental nos países poluentes,
descaracterizando o princípio do poluidor pagador.

Neste ponto, é importante salientar que a aquisição dos cré-


ditos de carbono não ocorre de maneira ilimitada, os países que o
adquirirem devem prestar uma declaração frente aos demais países

18
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

integrantes do Protocolo justificando a aquisição, além de assumir


o compromisso de reduzir seus níveis de emissão por conta própria
e o fato de o poluidor ser obrigado a reparar os danos causados não
significa que ele poderá continuar a poluir.

CONTEXTO AMBIENTAL

Após a Revolução Industrial, com a mudança na economia


mundial e a consolidação da expansão capitalista, as agressões à
natureza se tornaram irreparáveis, no tocante à exploração des-
regrada dos recursos naturais e à emissão de gases poluentes na
atmosfera.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais –


INPE, as mudanças climáticas antropogênicas, aquelas causadas
pelo homem, estão associadas ao aumento da emissão de gases
de efeito estufa por queima de combustíveis fósseis, queimadas,
desmatamento, decomposição de lixo e outras atividades humanas.
Conforme projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC) e pesquisas elaboradas pelo INPE, são evidentes
os indícios que nos próximos 100 anos poderá haver um aumento
da temperatura média global entre 1,8°C e 4,0°C, afetando, signi-
ficativamente, as atividades humanas e os ecossistemas terrestres
(INPE, 2020).

Conforme demonstrado pelo monitoramento das mudanças


climáticas realizado pelo INPE, os efeitos nocivos de um desen-
volvimento a qualquer custo romperam o equilíbrio ecológico do
nosso planeta, de modo que a temperatura média global, registrada

19
Capítulo 1

no ano de 2018, foi de 0,79 graus acima da média do século XX.


Tratando-se da quarta maior temperatura desde 1880, conforme
os dados divulgados pela Administração Oceânica e Atmosférica
Nacional, em ação conjunta com a NASA (AGENCIA BRASIL,
2019).

Não restam dúvidas que priorizar apenas o desenvolvimento


econômico, sem planejamento ou proteção ao meio ambiente e seus
recursos finitos, culminaram para potencializar os catastróficos
efeitos do aquecimento global, causando profundos impactos no
planeta, como a extinção de espécies animais e vegetais, alteração
na frequência e intensidade de chuvas, além da elevação do nível
do mar e intensificação de fenômenos meteorológicos, entre outros
efeitos nocivos, observados pelos cientistas do IPCC (INPE, 2020).

As mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global


acarretado pela intensificação do efeito estufam na Terra refletem-
-se em todo ecossistema, atingindo diretamente a saúde do ser
humano, segundo informações do Laboratório de Demografia e
Estudos Populacionais da Universidade Federal de Juiz de Fora e
a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, entre os anos
de 2030 a 2050, as alterações climáticas poderão causar mais de
250 mil mortes por ano (MATHIAS, 2019).

Assim, tiveram início os debates no cenário internacional,


buscando a conscientização global sobre a necessidade de prote-
ção ambiental frente à eminência de catástrofes cada vez maiores
e à eventual escassez de recursos humanos. Em 1972, ocorreu a
primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, também conhecida como Conferência de Estocolmo,
com objetivo de discutir temas de interesse geral da humanidade,

20
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

relacionados ao meio ambiente, sendo, inclusive, considerada como


o ponto de partida do movimento ecológico.

Em 1992, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre


o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) ou Cúpula da
Terra, também conhecida como Rio-92 ou ECO 92, tratando-se da
maior conferência mundial sobre problemas ambientais, sediada
no Rio de Janeiro, com o objetivo de discutir medidas a serem
adotadas para promover a diminuição da degradação ambiental,
além de promover a implementação dos princípios da precaução
e do desenvolvimento sustentável, tendo sido assinado pelo Pre-
sidente no mesmo ano de sua concepção e referendado no Con-
gresso Nacional via Decreto Legislativo nº 01, de 03.02.1994,
promulgado pelo Decreto Presidencial nº 2.652, de 01.07.1998
(SANTOS, 2010).

A crescente preocupação com o aquecimento global e


mudanças climáticas, além da necessidade de formular mecanismos
mais efetivos de contenção dos gases de efeito estufa (CO2, CH4,
N2O, SF6, HFCs e PFCs) resultaram na elaboração do Protocolo
de Kyoto, em 1997, constituindo um tratado internacional de com-
bate ao aquecimento global. Com objetivo específico de reduzir a
quantidade de poluentes do ar atmosférico e combater a emissões
de gases de efeito estufa, os países desenvolvidos (arrolados no
Anexo I) assumiram a obrigação de reduzir pelo menos 5% dos
níveis de emissão desses gases em relação ao ano de 1990 até o
período entre 2008 e 2012. Já os países em desenvolvimento (não
arrolados no Anexo I) também se comprometeram a limitar suas
emissões. Contudo, a referida Cúpula do Clima não foi aderida
globalmente e os 194 Estados que a aderiram resolveram prorro-

21
Capítulo 1

gá-la até 2020, comprometendo-se a atingir as metas estabelecidas


(SIRVINSKAS, 2018).

Buscando viabilizar o efetivo cumprimento das metas esta-


belecidas, o Protocolo de Kyoto estabeleceu como mecanismos
de flexibilização: a) Implementação Conjunta, que prevê, em seu
artigo 6º, que qualquer Parte incluída no Anexo I pode transferir
ou adquirir de Partes, também arrolada no Anexo I, unidades de
redução de emissões que resultem de projetos de redução de gases
de efeito estufa; b) Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, dispõe
no artigo 12 sobre a possibilidade dos países em desenvolvimento
auxiliarem os países desenvolvidos (Anexo I) a cumprir suas metas
de redução, podendo os países desenvolvidos financiar projetos de
redução em troca dos certificados de reduções de emissões dos paí-
ses em desenvolvimento; c) Comércio de Emissões, estabelecido no
artigo 17 como medida suplementar para atender os compromissos
quantificados de limitação e redução de emissões.

Diante da necessidade de instituir normas processuais que


regulamentassem o Protocolo de Kyoto, estabelecendo a forma de
atuação dos países em desenvolvimento e viabilizando os instru-
mentos de flexibilização adotados, principalmente, em relação ao
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, foi realizado em 2001
o Acordo de Marrakesh, no Marrocos, trazendo maior segurança
jurídica ao Tratado, ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e
aos créditos de carbono (SANTOS, 2010).

O Brasil aderiu ao Protocolo de Kyoto através da assina-


tura do documento pelo Presidente da República, em 29.04.1998,
referendado no Congresso pelo Decreto-Legislativo nº 144/02 e
ratificado pelo governo brasileiro em 23.08.2002 e, finalmente,

22
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

promulgado através do Decreto nº 5.445, de 12.05.2005 (MEDEI-


ROS, 2012).

REDUÇÕES DE EMISSÃO CERTIFICADA (CRÉDITOS


DE CARBONO)

Embora o Protocolo de Kyoto tenha introduzido as premis-


sas básicas da Redução Certificada de Emissão, como Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo, o Protocolo e os acordos firmados
posteriormente deixaram de apresentar uma definição exata para
as Reduções de Emissão Certificada. Assim, doutrinadores e estu-
diosos têm buscado conceituar, de forma didática, o que seriam os
créditos de carbono.

Édis Milaré (2015, p. 1190) explica que os créditos de car-


bono foram desenhados no Protocolo de Kyoto, através de uma
proposta brasileira que buscava incentivar a produção mais limpa
e a redução dos gases de efeito estufa: “Segundo as normas, parte
da redução dos gases por quem polui menos pode ser convertida
em créditos negociáveis. Quem suja paga, quem não suja pode
ganhar dinheiro”.

Patrícia Maria Rodrigues dos Santos (2010) aponta que as


Reduções Certificadas de Emissão são popularmente denominadas
créditos de carbono pelo fato do gás carbônico, entre os gases de
efeito estufa, ser encontrado em maior abundância na atmosfera.

As Reduções de Emissão Certificada correspondem a uma


tonelada métrica de gás carbônico equivalente (CO2e) que deixou

23
Capítulo 1

de ser emitida na atmosfera. Outros gases que contribuem para o


efeito estufa, também podem ser convertidos em créditos de car-
bono, utilizando o conceito de carbono equivalente. Os certificados
ou créditos são calculados de acordo com o Potencial de Aqueci-
mento Global (Global WarmingPotential – GWP) e o certificado
de redução de emissão é autorizado pelo Conselho Executivo do
MDL, sediado em Bonn, na Alemanha (MEDEIROS, 2012).

Nesse sentido, conforme os conceitos apresentados, a


Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC),
em 11/09/2003, por meio da Resolução CIMGC nº 1, definiu, for-
malmente, a Redução Certificada de Emissão (RCE), dispondo
tratar de unidade emitida em conformidade com o Artigo 12 do
Protocolo de Kyoto, bem como as disposições pertinentes destas
modalidades e procedimentos, correspondendo a uma tonelada
métrica equivalente de dióxido de carbono, calculada com o uso
dos potenciais de aquecimento global, definidos de acordo com o
Artigo 5º da referida resolução (MCTIC, 2003).

Assim extrai-se do conceito de crédito de carbono, segundo


Sirvinskas (2018, p. 270), que “as reduções certificadas são docu-
mentos que ligam um projeto, certificado como válido no âmbito
do MDL, com o montante de reduções de emissão externado nas
RCEs”.

Para submeter um projeto no âmbito do MDL, é necessá-


rio elaborar um documento de concepção do projeto, atestando a
participação voluntária e a contribuição do projeto para o desen-
volvimento sustentável do país, descrevendo as atividades, a meto-
dologia utilizada, além de estabelecer um período de obtenção
dos créditos e o plano de monitoramento. Elaborado o projeto,

24
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

ele é submetido à Autoridade Nacional Designada (AND), que no


Brasil é a Coordenação-Geral do Clima, da Secretaria de Políticas
para Formação e Ações Estratégicas, sendo ela responsável pela
análise, validação e aprovação do projeto por meio da emissão de
carta de aprovação da atividade de projeto, para que então possa
ser remetido ao Conselho Executivo do MDL para ser registrado.
Após o registro, o projeto é colocado em prática, passando à fase
de monitoramento e, caso sejam constatadas efetivas reduções,
ocorre a emissão de reduções certificadas ou “Créditos de Carbono”
(MCTIC, 2020).

Quanto à participação no Mecanismo de Desenvolvimento


Limpo, esta possibilidade é aberta às entidades privadas e públicas,
ou seja, podem ser apresentados projetos tanto por organismos
públicos quanto privados, pessoas físicas ou jurídicas, conforme
determinado pelo Protocolo de Kyoto, em seu artigo 12, § 9º.

O crédito de Carbono é negociado no mercado interna-


cional, podendo ser comercializado no Brasil através da Bolsa de
Mercadorias e Futuros (BM&F).

TUTELA JURÍDICA DO CRÉDITO DE CARBONO

Conforme preceitua Medeiros Junior (2012), a natureza


jurídica do crédito de carbono deve ser contemplada desde a clas-
sificação mais ampla até chegar à sua identificação individual.

Inicialmente, a doutrina majoritária entende que as reduções


certificadas de emissão se tratam de bem incorpóreo ou intangí-

25
Capítulo 1

vel. Neste ponto, é importante salientar a explanação de Carlos


Roberto Gonçalves (2016, p. 285) sobre a classificação de bens
“como coisas materiais, úteis ao homem e de expressão econômica,
suscetíveis de apropriação, bem como as de existência imaterial
economicamente apreciável”. De modo que os bens intangíveis
são aqueles de “existência abstrata ou ideal, mas valor econômico,
como o direito autoral, o crédito, o fundo de comércio”.

A par destes conceitos, Medeiros (2012, não paginado)


aduz que as RCE’s consistem em um registro eletrônico, conforme
estipulado pela Decisão 17 da Conferência das Partes (COP 17),
estabelecendo que “O registro do MDL deve ter a forma de uma
base de dados eletrônica padronizada que contenha, entre outras
coisas, elementos de dados comuns pertinentes à emissão, titula-
ridade, transferência e aquisição de RCEs”.

Os registros eletrônicos são responsáveis por confirmarem


a real redução de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera,
conferindo o direito ao possuidor da redução certificada de nego-
ciá-la. Contudo, conforme exposto acima, embora não possua exis-
tência tangível, comporta estimação pecuniária, podendo ser objeto
de negociação entre partes. Assim, as reduções certificadas de emis-
sões se enquadram na categoria de bem incorpóreo ou intangível.

Para efeito legal, o crédito de carbono representa para seu


titular um bem móvel que, nos termos do art. 83, inciso III, do
Código Civil, são considerados para os efeitos legais, os direitos
pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. Isso ocorre
porque a RCE é um bem imaterial que exprime direitos e tem
representação pecuniária, assim como acontece com o fundo de

26
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

comércio, os direitos autorais, os créditos em geral, as ações, entre


outros.

Para Medeiros (2012, não paginado), “caracteriza-se ainda


por ser um bem singular (art. 89 CC), que são aqueles que, mesmo
reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais”.
Assim, o registro eletrônico do crédito de carbono, mesmo gerando
diversas RCE’s será considerado de forma individual, de maneira
que cada redução gerada possua valor próprio.

Para Hugo Netto Natrielli de Almeida (ALMEIDA, 2005),


trata-se de um bem incorpóreo, imaterial e um ativo intangível
puro, uma vez que seu valor não deriva de outro ativo, podendo ser
operacionado através de cessão de direitos, conforme entendimento
explanado também pela Superintendência da Receita Federal do
Brasil da 9ª Região, Paraná e Santa Catarina, publicado no Diário
Oficial da União em 07/04/2008, no qual se firmou o entendimento
que a comercialização da Redução Certificada de Emissão se dá
através de cessão de direito para o exterior.

Em que pese o entendimento majoritário, as controvérsias


levantadas quanto à natureza jurídica das Reduções Certificadas
de Emissão são diversas, chegando a ser considerada ora valor
mobiliário, ora uma commodity, ora uma prestação de serviço.

A definição da natureza jurídica dos créditos de carbono


como prestação de serviço ganhou respaldo após o Banco Central
do Brasil emitir a Circular nº 3.291, de 08.09.2005, que alterou o
Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais,
instituindo, expressamente, um código para a realização de ope-
rações de câmbio referentes às operações de mercado de carbono,
classificando a Redução Certificada de Emissões como opera-

27
Capítulo 1

ção “Serviços Diversos - Créditos de Carbono 29/(NR) 45500”


(PLAZA, 2009, p. 2574).

A definição jurídica de serviço encontra-se expressa no


Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, que prevê,
no art. 3º, § 2º, tratar-se de “qualquer atividade fornecida no mer-
cado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária” (BRASIL, 1990, não
paginado).

Plaza (2009) defende que a definição do crédito de carbono


como prestação de serviço somente poderia ocorrer na modalidade
Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), assumindo caracte-
rística essencialmente contratual, assim como as obrigações de
registrar, monitorar e manter um projeto ecológico envolvendo
produção de energia limpa a fim de obter aprovação para a sua
respectiva Redução Certificada de Emissão, pelo Comitê Execu-
tivo do MDL.

A crítica a esta classificação decorre do entendimento de


que o empreendedor não visa à prestação de um serviço, mas sim
à aquisição de certificação das suas reduções de emissão. A RCE,
conforme objeto visado pelo Projeto de MDL, não se encontra
relacionada ao serviço em si, mas sim ao produto gerado.

Outro conceito bastante difundido é a classificação com-


modity, palavra de origem inglesa que significa mercadoria e que,
na economia, é definido pelo produto em estado bruto, com preço
variável e importância comercial.

Contudo, a Comissão de Valores Mobiliários define como


mercadoria em geral a matéria-prima passível de padronização em

28
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

relação à quantidade, qualidade, ponto de entrega, prazo de entrega,


dentre outros. Assim, extrai-se do conceito de mercadoria que se
trata de bem com existência física, corpóreo e fungível.

Nesse sentindo o entendimento firmado pelo Supremo Tri-


bunal Federal, no julgamento do RE 203.705-SP, “à mercadoria
é atribuída a designação genérica de coisa móvel que possa ser
objeto de comércio por quem exerce mercancia com frequência e
habitualidade” (MEDEIROS, 2012, p. [não paginado]).

Dessa forma, a definição da natureza jurídica do crédito


de carbono como commodity ou commodity ambiental, ocorre de
maneira equivocada, vez que não estão presentes neste instituto os
requisitos de infungibilidade e intangibilidade. Saliente-se que para
o enquadramento jurídico no conceito de commodity se deve reco-
nhecer o objeto fungível e corpóreo, sujeito à mercancia, incompa-
tível com as reduções certificadas que mantêm dependência com
os projetos de MDL, tratando-se de bens de natureza infungível.

Alguns estudiosos apontam ainda uma confusão entre os


conceitos de commodity ambiental e créditos de carbono, susten-
tando que um conceito nada se relaciona com o outro.

Uma commodity visa o lucro imediato, portanto


é algo contrário ao meio ambiente, mais precisa-
mente a sua conservação [...]. O carbono não é
uma commodity porque as suas emissões têm de
ser reduzidas. Se fosse uma commodity, o carbono
teria de visar o lucro e, para tanto, sua emissão
deveria ser incentivada. Quanto mais toneladas de
carbono fossem emitidas, maior seria o seu preço
de mercado (PLAZA, 2009, p. 2573).

29
Capítulo 1

Quanto à classificação do crédito de carbono como título


de crédito, cártula que resulta em uma obrigação do emissor e um
direito do detentor, o advogado Gustavo Contrucci (2008) defende
não se tratar de um bem, mas um direito, um crédito, adquirido
através de um título, denominado na Redução Certificada de Emis-
são, que pode ser negociado mediante cessão ou endosso.

O artigo 887 do Código Civil define o título de crédito


como documento necessário ao exercício do direito literal e autô-
nomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os
requisitos da lei (BRASIL, 2002, não paginado).

Os princípios básicos do título de crédito encontram-se


delineados pela legalidade, cartularidade e autonomia, sendo deter-
minados pela legislação em virtude da força executiva conferida a
tal instrumento, ficando, ainda, a cargo da legislação a indicação
dos elementos necessários do título de crédito.

O título de crédito consiste em cártula, documento físico de


ordem ou promessa de pagamento, dispensável a origem negocial.
Por sua vez, o crédito de carbono resulta em registro eletrônico que
representa a redução da emissão de gases de efeito estufa, junto
ao organismo internacional que o controla, o Conselho Executivo
do MDL, sediado em Bonn, na Alemanha (MEDEIROS, 2012).

A crítica a esta posição denota-se do fato da RCE não ser


um título que pode ser repassado, mas sim um registro eletrônico,
com comercialização efetuada através de contrato, não havendo
que se falar em emitente de título negociável, devedor ou credor, de
forma que a autonomia e a literalidade exigidas não se encontram
preenchidas pela Redução Certificada de Emissão.

30
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

Importante salientar o posicionamento do crédito de car-


bono como valor mobiliário, conforme consideração da Bolsa de
Valores, Mercadorias e Futuros (BM&F) que atua intermediando a
compra e venda nos mercados à vista e a termo, através de leilões.

Os valores mobiliários encontram-se previstos em legisla-


ção própria, Lei nº 6.385/76 que dispõe sobre o mercado de valores
mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários, sujeitando-se
às regras e condições definidas pela Comissão de Valores Mobi-
liários (CVM), que disciplina sua circulação (BRASIL, 1976).

A crítica a esta classificação cingi-se na tipicidade, no que


se refere à inclusão de novo instituto em uma classificação especí-
fica. Assim, conforme posicionamento adotado pela CVM, através
de parecer, foi informado que a RCE “não é valor mobiliário,
derivativo ou título de investimento coletivo, não estando sujeita
à Lei nº 6.385/76, tratando-se sim de um ativo” (CVM, 2009).

Contudo, a Lei Federal nº 12.187, de 29.12.2009, que ins-


tituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, trouxe, em seu
artigo 9º, a instituição do Mercado Brasileiro de Redução de Emis-
sões (MBRE), aduzindo que tal mercado será operacionalizado em
bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de
balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobi-
liários (CVM), onde se dará a negociação de títulos mobiliários
representativos da redução certificada de emissões de gases de
efeito estufa (BRASIL, 2009).

Assim, com a publicação da Lei 12.187/2009, a Comis-


são de Valores Mobiliários tornou-se responsável por autorizar
as bolsas do mercado financeiro a negociarem títulos mobiliários

31
Capítulo 1

vinculados a créditos de carbono, resultando no Mercado Brasileiro


de Redução de Emissões.

Para Medeiros (2012), a inovação legal estabeleceu um


novo método de quantificar os créditos de carbono, desvinculada
com a RCE emitida pelo Conselho Executivo do MDL. Sustenta
que a legislação não se refere às emissões reduzidas quantificadas,
conforme o Protocolo de Kyoto, de forma que, se o legislador
tivesse a intenção de relacionar as emissões evitadas que geram
títulos mobiliários e são negociados no Mercado Brasileiro de
Redução de Emissões, o teria feito expressamente.

Esclarece, ainda, que a legislação pátria, no que tange aos


créditos de carbono gerados junto ao Conselho Executivo do MDL,
na Alemanha, não tem a obrigação de convertê-los em valor mone-
tário, uma vez que o Conselho Executivo apenas os emite, não os
compra nem os negocia.

MEDIDA DE SUSTENTABILIDADE OU DIREITO DE


POLUIR

Especialistas apontam que grande parte da problemática


global gira em torno da sustentabilidade, decorrente de inquietan-
tes questões como o destino de nosso ecossistema e a manutenção
de nossa espécie, frente à irreparável degradação ambiental que
atingimos.

A necessidade de preservação ambiental vem sendo cada


vez mais difundia em nossa sociedade, buscando conscientizar a

32
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

todos sobre a grave situação ecológica que estamos vivenciando,


despertando a busca de medidas que concilie o desenvolvimento
econômico, com a preservação ambiental em prol a uma sadia
qualidade de vida, uma vez que priorizar apenas o desenvolvimento
econômico, além de pouco, é desastroso.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente


e Desenvolvimento (Rio 92) estabeleceu que, “para alcançar o
desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte
integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser consi-
derada isoladamente deste”, enquanto a Comissão Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento define como desenvolvimento
sustentável “aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de gerações futuras atenderem suas
próprias necessidades” (MILARÉ, 2015, p. 66).

A Lei Paulista 13.798/2009, como forma de dar maior efe-


tividade ao desenvolvimento sustentável, prevê o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo como medida de geração de créditos por
Reduções Certificadas de Emissões.

Os Créditos de Carbono trazem em sua base conceitual


a ideia de sustentabilidade vez que as reduções proporcionam o
equilíbrio entre as novas emissões de poluentes no ar e a possibi-
lidade de desenvolvimento econômico.

No entanto, desde sua previsão pelo Protocolo de Kyoto


os créditos de carbono geram inúmeros debates quanto a sua real
eficácia como mecanismo de proteção ambiental.

A comercialização dos créditos vem sendo apontada,


principalmente pela mídia, como fator a promover o comércio do

33
Capítulo 1

“direito de poluir” aos países desenvolvidos, ou seja, o direito de


continuarem poluindo se pagarem pelos créditos vendidos pelos
países em desenvolvimento, consistindo em uma nova maneira de
exploração. Consoante é o entendimento de Paulo Affonso Leme
Machado (2016) que assevera que a proteção ambiental não deve
servir como álibi para o protecionismo comercial.

Lisa Song, jornalista especializada em meio ambiente, ener-


gia e mudanças climáticas, em recente estudo sobre os créditos de
carbono, relatou pela Pro Pública, organização americana de jor-
nalismo investigativo independente que “em última análise, os polui-
dores receberam um passe livre para continuar emitindo CO2 sem
culpa”, afirmando, ainda, que a “medida pode ser ainda pior do que
simplesmente não fazer nada sobre a questão” (BBC NEWS, 2019,
não paginado).

Dessa forma, os créditos de carbono são apontados como


um mercado para a redução de gases de efeito estufa, que atribui
valor monetário à poluição, de forma que os países mais desen-
volvidos não expressariam uma real preocupação em modificar
seus meios de produção e desenvolvimento, frente à possibilidade
de compensar sua emissão com o certificado gerado por um país
emergente.

Entretanto, insta salientar que tal posicionamento deriva,


principalmente, de uma distorção do princípio do poluidor pagador
e, para melhor compreender tais posicionamentos, é mister lançar
luz sobre o mencionado princípio, que estabelece que o causador
do dano ambiental ou da poluição deve ser responsável pelas conse-
quências de sua ação ou omissão, impondo a ele o dever de reparar
ou indenizar o dano causado. Dessa forma, aquele que polui deve

34
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

arcar com os custos sociais causados pela poluição, não apenas


quanto aos bens e pessoas, mas também quanto à natureza.

Segundo o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Anto-


nio Herman de Vasconcelos e Benjamin:

[…] O princípio poluidor-pagador não é um prin-


cípio de compensação dos danos causados pela
poluição. Seu alcance é mais amplo, incluídos
todos os custos da proteção ambiental, quaisquer
que eles sejam, abarcando, a nosso ver, os custos
de prevenção, de reparação e de repressão do dano
ambiental, assim como aqueles outros relacionados
com a própria utilização dos recursos ambientais,
particularmente os naturais, que têm sido historica-
mente encarados como dádivas da natureza, de uso
gratuito ou custo marginal zero (SANTOS, 2010,
não paginado).

Neste ponto, é importante esclarecer que o Protocolo de


Kyoto atribui a cada país uma cota máxima de créditos de carbono.
Assim, as aquisições dos certificados de reduções ocorrem de forma
limitada a título de incentivo à preservação do meio ambiente. A
limitação desses créditos tem por escopo desenvolver a consciência
de sustentabilidade nos países desenvolvidos de forma que não
busquem apenas compensar suas emissões, mas, de fato, reduzi-las.

Conforme esclarece Sirvinskas (2018, p. 270), a possi-


bilidade de aquisição dos créditos de carbono não significa que
as empresas compradoras de créditos poderão continuar a poluir.
“Como elas não conseguiram cumprir suas metas naquele ano,
poderão comprar os créditos de carbono de países pobres, ou
seja, de quem conseguiu reduzir suas emissões”. Aduzindo que as
empresas deverão assumir o compromisso de diminuir gradativa-
mente suas emissões nos próximos anos.

35
Capítulo 1

Para especialistas sobre o tema, os créditos de carbono têm


se revelado um mecanismo eficaz na redução dos gases de efeito
estufa, por meio do reflorestamento, redução de queima de com-
bustíveis fósseis ou sua substituição por outras fontes de energia
limpa e renovável, Assim, tem solidificado o entendimento daque-
les que consideram os créditos de carbono em harmonia com o
princípio do poluidor pagador, uma vez que os países poluentes,
como forma de reparação do mal causado, possibilitam aos países
menos poluidores o incentivo para que continuem o processo de
proteção ambiental, em troca de melhorar sua economia.

Em matéria divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente


(2018), conforme anúncio de Edson Duarte, em sessão plenária
da COP 24, “a redução brasileira foi de 1,28 bilhão de toneladas
de carbono no setor florestal. A meta era chegar, em 2020, com
redução de 564 milhões na Amazônia e 104 milhões, no Cerrado”
(MMA, 2018).

Evidente que, como os outros países em desenvolvimento,


o Brasil pode se beneficiar atraindo investimentos externos, com
a transferência de tecnologia de ponta, além de contribuir para o
imprescindível desenvolvimento sustentável.

CONCLUSÃO

Diante das informações explicitadas ao longo do artigo,


conclui-se que as Reduções de Emissão Certificada correspondem
a bem incorpóreo ou intangível, negociado no mercado interna-

36
Análise do Crédito de Carbono como Medida de Sustentabilidade

cional, podendo ser comercializado no Brasil através da Bolsa de


Mercadorias e Futuros (BM&F).

Trata-se de medida que possibilita a diminuição das emis-


sões de gases de efeito estufa na atmosfera, além de auxiliar os
países emergentes a se desenvolverem economicamente, promo-
vendo a modificação das condutas humanas e gerando uma cons-
cientização sobre a necessidade de preservação ambiental.

Os limites impostos aos consumidores de crédito de car-


bono demonstram o verdadeiro objetivo das Reduções de Emissão
Certificada, no sentido de proteger o meio ambiente, mitigando
o aquecimento global e buscando novos meios de desenvol-
vimento sustentável, desconstituindo os argumentos de que tal
mecanismo consiste em aquisição do direito de poluir pelos países
desenvolvidos.

Assim, tem-se solucionada a questão central do estudo, os


créditos de carbono não se traduzem na comercialização do direito
de poluir, vez que, segundo o princípio do poluidor pagador o ônus
da reparação dos danos causados ao meio ambiente recai sobre o
próprio causador do dano, que buscando reparar o mal causado,
investe em projetos de desenvolvimento sustentável de países em
desenvolvimento, permitindo que estes, além de diminuírem a
emissão de gases, tenham uma expansão de sua economia através
de meios ecológicos.

37
Capítulo 1

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39
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SIRVINSKAS, L. P. Manual de direito ambiental. 11. ed. São Paulo:


Saraiva, 2018.

40
CAPÍTULO 2

RESPONSABILIDADE PENAL DO
PSICOPATA

Gabriela Lima Braguini


Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

Os psicopatas são indivíduos diagnosticados com um trans-


torno de personalidade antissocial, considerado como um distúrbio
que afeta a parte emocional, sendo assim, os psicopatas apresentam
características distintas de outras doenças mentais, devido à ausên-
cia de remorso, sentimento, emoção, são mentirosos, manipulado-
res, megalomaníacos, frios e calculistas. Segundo Silva (2014), os
psicopatas apresentam uma capacidade de convencimento muito
alta, são charmosos ao extremo e não possuem remorso ou arre-
pendimento em relação aos seus atos. O transtorno de conduta é a
nomenclatura para as crianças e adolescentes com o transtorno de
personalidade, são crianças que apresentam características pare-
cidas com as dos adultos, porém costumam maltratar animais de
estimação, amigos e irmãos, além de fugirem com frequência de
suas casas e se ausentarem das aulas. Sua responsabilidade é esta-
belecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, responsável
por disciplinar todas as matérias referentes aos menores de 18 anos.

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 41


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 2

O presente estudo é voltado à compreensão da responsa-


bilidade penal do psicopata, que poderá ser considerado como
imputável, inimputável ou semi-inimputável. A psicologia jurídica
ajuda a esclarecer quais são os casos que se enquadram em cada
responsabilidade, logo, os imputáveis são as pessoas com total
capacidade de discernimento de seus atos; os semi-inimputáveis
são os indivíduos que possuem capacidade de entender, porém,
diminuída e, por fim, os inimputáveis são aqueles que no momento
do crime não possuem capacidade de entender o que estão fazendo.

No que se refere à responsabilidade penal do psicopata,


existem divergências entre os diversos doutrinadores brasileiros,
sendo que a corrente majoritária adota a semi-inimputabilidade,
tendo em vista que são indivíduos que não entendem totalmente o
que estão fazendo e as consequências dos seus atos. Existem duas
correntes minoritárias, a que considera o psicopata como imputá-
vel, pois são pessoas inteligentes, ardilosas, capazes de tudo para
alcançarem seus objetivos e há os doutrinadores que o consideram
inimputável, porque seria um doente mental, logo está elencado
no art. 26, do Código Penal, sendo isento da pena.

CONCEITO DE PSICOPATA

A psicopatia é um distúrbio de personalidade decorrente de


uma anomalia do desenvolvimento psicológico, afetando a capaci-
dade de sentir emoção, remorso ou compaixão com outras pessoas.
De acordo com Nascimento (2016), o transtorno de personalidade
antissocial é registrado pelo CID F60.2, diagnosticado por qualquer

42
Responsabilidade Penal do Psicopata

profissional da área da saúde mental, desde que esteja familiarizado


e treinado.

A palavra psicopata significa “mente doente”, porém os


indivíduos diagnosticados com esse distúrbio patológicos não são
dementes, pois possuem total consciência e controle do seu com-
portamento, diferente de um doente mental. O termo foi introdu-
zido na cultura popular por um psiquiatra norte-americano, Henry
Cleckley, em 1941, em seu trabalho “máscara da sanidade”, tendo
como objetivo ajudar a detectar e a diagnosticar um psicopata,
também foi o primeiro a diferenciá-los dos portadores de doenças
mentais (DAYNES; FELLOWES, 2012).

Além do termo psicopata existem outras nomenclaturas,


como: sociopatas, personalidades antissociais, psicopáticas ou
dissociais, entre outras, mas todos levam a um perfil transgressor-
-antissocial (CALEGARI, 2017).

Para Gaines (2020), o psicopata e o sociopata são indiví-


duos diferentes, em que o psicopata nasce com a personalidade
antissocial, sem intervenção de fatores externos, não se apegando
a ninguém e com ausência de empatia, diferente do sociopata,
que devido a fatores ambientais que afetaram sua mentalidade,
se torna uma pessoa violenta, com pouca empatia e que se apega
a grupos ou indivíduos, costumam ser mais agressivos e violen-
tos que os próprios psicopatas. Contudo, para Daynes e Fellowes
(2012), a palavra sociopata é sinônimo de psicopata, criada apenas
para diferenciar da palavra psicótico, pois são palavras parecidas
e muitas vezes confundidas na sociedade, como por exemplo o
caso do Norman Bates, que sofria de uma psicose e não da psico-

43
Capítulo 2

patia, porém, devido à semelhança das palavras, foi interpretado


de forma errônea.

Segundo Silva (2014), os psicopatas são como vampiros


da vida real, pois sugam a vida das pessoas que estão ao seu redor.
Já para o psicólogo canadense:

Os psicopatas são predadores sociais que conquis-


tam, manipulam e abrem caminho na vida cruel-
mente, deixando um longo rastro de corações parti-
dos, expectativas frustradas e carteiras vazias. Sem
nenhuma consciência ou sentimento, tomam tudo o
que querem do modo mais egoísta, fazem o que têm
vontade, violam as normas e expectativas sociais
sem a menor culpa ou arrependimento [...] (HARE,
2013, não paginado).

Diante disso, tem-se como psicopatas, indivíduos incapazes


de terem sentimentos, remorsos e emoções; capazes de dialogar
sobre qualquer assunto, superficialmente, sem aprofundar; são indi-
víduos mentirosos, manipuladores, megalomaníacos, narcisistas,
consideram-se melhores que as outras pessoas, sempre agindo para
alcançar seus objetivos, sem se preocupar com seus atos; as leis
para eles são apenas obstáculos que precisam enfrentar e vencer.

O psicopata apresenta três níveis de gravidade, são elas:


leve, moderado e grave. O nível leve apresenta pequenos proble-
mas de conduta, prática de crimes que causam um dano inferior às
pessoas ao seu redor, como furto, fraude, entre outros. No nível
moderado, já se percebe o aprimoramento das características, o
indivíduo oscila entre conduta de grau leve e gravíssimo e comete
todos os tipos de crimes. Já o nível grave encontra-se os indivíduos
mais perigosos, que cometem crimes de extrema frieza e crueldade,
sentindo prazer no momento dos seus atos, como por exemplo, OS

44
Responsabilidade Penal do Psicopata

SERIAL KILLERS, que cometem vários homicídios, um seguido do


outro, sem se importarem com as consequências causando grandes
danos para a sociedade (SILVA, 2014).

Segundo Stout (2010), 4% da população possui distúrbio


de personalidade antissocial, isto é, uma a cada vinte e cinco pes-
soas possui o distúrbio de personalidade antissocial, causando um
grande trauma psicológico no restante da sociedade, podendo ser no
relacionamento, nas contas bancárias, na autoestima e até na paz.
Para a autora, esses indivíduos formam um grupo único, podendo
ser tiranos homicidas até simples franco-atiradores sociais, tendo
como diferença entre eles o status, a disposição, o intuito, a sede
de sangue e a oportunidade, cada um agindo conforme planeja
para se beneficiar. Para Daynes e Followes (2012), desses 4% da
população psicopata, 3% são homens e apenas 1% é mulher, por
serem “bem-sucedidas” na maioria das vezes, passam desperce-
bidas pela sociedade.

Os psicólogos e psiquiatras utilizam um questionário ela-


borado por Robert Hare ao longo da sua vida, denominado escala
de Hare, também conhecida como psychopathy checklist revised
ou PCL-R. A escala de Hare é responsável por examinar as for-
mas e os diversos aspectos da psicopatia, detalhando as relações
interpessoais, o estilo de vida e seu comportamento e sentimento
(SILVA, 2014).

A PCL-R é um instrumento que mede o grau que o indi-


víduo demonstra às vinte qualidades fundamentais e a pontuação
baseia-se nas entrevistas e análises das informações encontradas
em arquivos. A escola contém um total de 40 pontos, as pessoas
que fazem 30 ou mais pontos já podem ser chamadas de psicopa-

45
Capítulo 2

tas, pois um criminoso comum costuma fazer entre 19 e 22 pontos


(DAYNES; FELLOWES, 2012).

Esse exame agrupa as características de acordo com dois


fatores: estilo de vida desviante e traços de personalidade. Os fato-
res relacionados ao estilo de vida são: vários relacionamentos con-
jugais de curta duração, delinquência juvenil, violação da liberdade
condicional, versatilidade criminal, necessidade de estimulação e
tendência ao tédio, estilo de vida parasitário, promiscuidade sexual,
problemas precoces de conduta e ausência de metas realistas de
longo prazo. Já os traços de personalidade são: loquacidade e
charme superficial, autoestima inflada, mentira patológica, enga-
nação e manipulação, ausência de remorso ou sentimento de culpa,
afetividade superficial, indiferença e falta de empatia, descontrole
comportamental, impulsividade, irresponsabilidade e incapacidade
de assumir a responsabilidade pelos próprios atos. Os psicopatas
possuem os dois fatores, porém com combinações diversas (DAY-
NES; FELLOWES, 2012).

A avaliação do PCL-R é muito complexa, sendo realizada


apenas por psicólogos altamente treinados e devidamente quali-
ficados, não podendo ser realizado por qualquer pessoa da área.

TRANSTORNO DE CONDUTA

O transtorno de conduta é um transtorno psiquiátrico diag-


nosticado em crianças e adolescentes, propensos a praticarem atos
repetitivos e persistentes, com gravidade inferior aos atos pratica-
dos pelos maiores de 18 anos. Na maioria das vezes, está associado

46
Responsabilidade Penal do Psicopata

ao transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou


transtornos de emoções, como: ansiedade, depressão, obsessão-
-compulsão. Os sintomas aparecem entre o início da infância e a
puberdade (BORDIN; OFFORD, 2000).

As características desse transtorno são: mentiras constantes,


manipulação, crueldade com animais ou irmãos, irresponsabilidade,
prática de pequenos delitos, envolvimento com bebidas alcoólicas
e drogas, ausência às aulas, fugas frequentes de casa, violação de
regras sociais, entre outros. É necessário que a criança apresente
mais de uma característica em um curto período de tempo para que
possa ser considerada com esse distúrbio, a presença de apenas
uma pode simbolizar que é apenas impertinente.

Existem diferenças entre o comportamento de uma menina


e de um menino com o transtorno, as meninas não são propensas a
serem violentas, costumam fugir de casa, mentir, manipular, fazem
uso de substâncias ilícitas e, em alguns casos, prostituam-se, já
os meninos são mais violentos, propícios a cometerem crimes de
agressão, furto e vandalismo (ELIA, 2017).

O diagnóstico diferencia-se em decorrência de situações de


estresse e comportamentos antissocial devido a quadros psicóti-
cos, no âmbito familiar repleto de maus reflexos, como os abusos,
violência contra a criança ou a mãe, viciados em drogas e bebidas
alcoólicas, fazem com que as características do transtorno de per-
sonalidade se tornem cada vez piores, deixando a criança violenta e
propensa a cometer crimes hediondos de extrema violência (POR-
TAL DA EDUCAÇÃO, 2012).

O tratamento para o transtorno de conduta é voltado à reti-


rada da criança do ambiente familiar desequilibrado e inserção em

47
Capítulo 2

um local rigidamente estruturado, realizando a psicoterapia, melho-


rando a autoestima e autocontrole. Pode ocorrer que as crianças
possuam outros transtornos que serão tratados juntamente com o
uso de medicamentos que amenizam o afloramento do distúrbio,
dando-lhes a possibilidade de viverem normalmente no meio social,
sem cometer delitos (ELIA, 2017).

CULPABILIDADE

A culpabilidade é um mero pressuposto para a aplicabili-


dade da pena, recaindo sobre a manifestação e vontade do agente,
analisando a possibilidade de discernimento na hora da conduta e
a possibilidade de evitar o fato.

O ordenamento jurídico adotou a teoria normativa pura,


que analisa o dolo e a culpa do agente. A culpabilidade nada mais
é do que uma reprovação que se faz ao autor, pois se espera que
ele haja de acordo com o direito.

Existem três elementos na culpabilidade: a imputabilidade,


potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta
diversa, isto é, pessoa que, no tempo da conduta, possui maturi-
dade para entender que seu ato está inserido no Código Penal, logo
é ilícita e, mesmo sabendo dessa informação, opta por cometer o
crime.

A imputabilidade, segundo Garcia (2010, não paginado),


“[..] só se pode imputar delito a alguém, quando dotado de livre
arbítrio, quando possua a liberdade de optar entre os motivos. Para

48
Responsabilidade Penal do Psicopata

tal, deve ser psiquicamente desenvolvido e mentalmente são[...].”.


Diante desse entendimento, extrai-se que a imputabilidade se atri-
bua aos indivíduos que escolheram por livre e espontânea vontade,
mesmo sabendo que é errado, praticar o delito, tendo consciência
que caso descoberto sofrerá uma sanção.

A inimputabilidade encontra-se no Art. 26, do Código Penal


Brasileiro (BRASIL, 1940) e traz a seguinte redação:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença


mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.

Diante do artigo, observa-se que nem todas as pessoas que


cometem crimes são consideradas imputáveis, pois é possível que
a culpabilidade seja excluída diante da incapacidade de discerni-
mento do agente no momento do fato, decorrente de uma doença
mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embria-
guez completa, devido a um caso fortuito ou de força maior, supri-
mindo a total capacidade do agente de entender o caráter ilícito.

A doença mental retira a total capacidade de entender ou


querer no momento, cometer um crime, exemplo: psicose, neurose,
esquizofrenia, paranoia, entre outros. No desenvolvimento mental
retardado, as pessoas possuem idade mental incompatível com a
idade na certidão de nascimento, como os oligofrênicos e os sur-
dos-mudos, que foram isolados da sociedade e não compreendem
os fatos. O desenvolvimento mental incompleto é a imaturidade
mental diante da idade, pois o desenvolvimento da compreen-
são não está totalmente completo devido a não ter atingido os 18

49
Capítulo 2

(dezoito) anos e os silvícolas, isto é, os índios que não foram inse-


ridos na sociedade e vivem isoladamente de outras pessoas, como
por exemplo: os índios que vivem dentro da floresta amazônica e
continuam com suas tradições.

A embriaguez completa por caso fortuito encontra-se no


art. 29, §1º, do Código Penal Brasileiro, sendo acontecimento raro,
por ser um acontecimento episódico. Já a embriaguez completa
por força maior, também presente na redação do art. 28, §1º, do
Código Penal, são os casos em que as pessoas são coagidas a
beberem ou que, devido ao seu serviço, precisam ingerir bebida
alcoólica. Porém, para ser considerado inimputável, precisa ter
sua capacidade de compreensão totalmente suprimida, se houver
apenas a diminuição da capacidade, será considerado semi-inim-
putável, podendo a pena ser reduzida de 1 a 2/3 (BRASIL, 1940).

A inimputabilidade possui 3 (três) sistemas de identificação,


o biológico, o psicológico e o biopsicológico. O sistema biológico
é adotado pelo ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), pois
decorre da simples presença de uma causa mental incompleta,
sendo os casos dos menores de 18 (dezoito) anos. Para o estatuto,
eles são inimputáveis, não podendo receber uma pena e sim uma
sanção, devido a sua condição (BRASIL, 1990).

Já o Código Penal adotou a teoria biopsicológica, isto é, não


basta ser portador de uma doença mental, precisa no momento do
fato não compreender a ilicitude da ação (BRASIL, 1940).

Os semi-inimputáveis, para Garcia (2010), são pessoas com


capacidade ou autodeterminação diminuída, diante da leitura do
parágrafo único do artigo 26 do código penal, a pena será reduzida
de 1 a 2/3, caso, na data dos fatos, o agente tenha uma perturbação

50
Responsabilidade Penal do Psicopata

de saúde mental ou possua desenvolvimento mental incompleto ou


retardado, não sendo possível de entender totalmente sua ação, com
o artigo 98, do CP, caso seja necessário um tratamento curativo, a
pena poderá ser reduzida ou substituída por medida de segurança.

RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA

A responsabilidade penal consiste no vínculo existente entre


o sujeito ativo e a consequência da conduta ilícita praticada pelo
agente. É a capacidade do indivíduo interligado com a possibilidade
de imputação da pena, sendo uma decorrência da imputabilidade
(ALMEIDA, 2012). Conforme entendimento do penalista Nucci
(2020, p. 223), “[...] responsabilidade é decorrência da culpabi-
lidade, ou seja, trata-se da relação entre o autor e o Estado, que
merece ser punido por ter cometido um delito”.

A responsabilidade do psicopata possui divergência entre


os diversos doutrinadores, considerando-os como: imputáveis,
semi-inimputáveis e inimputáveis.

O doutrinador Garcia (2010) denomina os psicopatas como


loucos morais ou psicopatas amorais, são considerados imputá-
veis, tendo em vista serem pessoas inteligentes, ausentes apenas
à afetividade com as outras pessoas. O autor argumenta que a
sociedade suplica por aplicação de penas, pagando pelos crimes
que cometeram, como qualquer outra pessoa.

Para a psicóloga Silva (2014), o comportamento desprezível


de um psicopata é resultado de sua escolha, que foi feita de forma

51
Capítulo 2

livre e sem nenhuma culpa, portando sabe perfeitamente o que


pode ou não fazer, logo deve ser considerado imputável.

Um exemplo de imputável é Suzane Von Richthofen, res-


ponsável por arquitetar a morte de seus pais juntamente com seu
namorado e o irmão dele. Eles planejaram o homicídio de Manfred
Albert Von Richthofen e Marísia Von Richthofen e os dois irmãos
tiveram acesso à mansão da família e, ao chegarem ao quarto do
casal, desferiram várias marretadas em sua cabeça, simulando um
latrocínio (BONUMÁ, 2016). Foram todos condenados, e, após
Suzane cumprir um sexto da pena, foi pedida a progressão do
regime, saindo do regime fechado para o semiaberto. Antes de
analisar o pedido, a juíza Sueli Armani, responsável pelo caso,
solicitou que fosse realizado o exame psicológico. Com o resultado
do exame, começou a haver divergências entre os psicólogos e
psiquiatras acerca da responsabilidade penal de Suzane e, por fim,
a juíza decidiu, com base nos laudos, que Suzane permaneceria
por um período maior no regime fechado, pois não conseguia lidar
com sua emoção, era extremamente manipuladora e poderia estar
se comportando bem dentro da penitenciária, por saber como agir
para receber os benefícios (PORTAL GLOBO, 2009).

No curso de Psicopatologia Forense, ministrado pelo


médico psiquiatra e especialista em psiquiatria forense Eça (2019),
este trouxe como exemplo clássico de psicopata Suzane, argumen-
tando que os seus atos, após o crime, não são ações de um filho
que perdeu seus pais recentemente, fugindo dos parâmetros da
normalidade.

Para Mirabete e Fabbrini (2016), o psicopata possui uma


capacidade diminuída de entender os seus atos, devido a sua enfer-

52
Responsabilidade Penal do Psicopata

midade mental, considerada como uma perturbação da conduta,


diante da anomalia psíquica presente nesses indivíduos e, tendo
em vista a incapacidade de sentirem emoções, são considerados
como enfermos mentais, logo, entendem apenas uma parcela de
seus atos, sendo submetidos ao art. 26, §1º, do Código Penal, por
se tratarem de semi-inimputáveis.

No caso de o agente ser portador da personalidade psicopá-


tica, o juiz submeterá o psicopata a medida de segurança e, devido
a sua periculosidade, é necessário o isolamento definitivo ou por
um longo período, porém, segundo os doutrinadores Mirabete e
Fabbrini, o indivíduo sofrerá as mesmas consequências de um
inimputável, pois só voltará para a sociedade caso a perícia médica
aponte a cessação da periculosidade.

Um exemplo brasileiro é o famoso Chico Picadinho, res-


ponsável pela morte de duas mulheres, que, pela primeira morte,
foi condenado e cumpriu a pena, já na segunda morte, causou
revolta, tendo em vista que seus atos estavam aperfeiçoados, pois
asfixiou e esquartejou o corpo da mulher com serrote e algumas
facas, colocando pedaços em malas de viagem, jogando alguns
órgãos no vaso sanitário e dando descarga. Foi condenado a 30
anos de prisão, porém, em seu exame psicológico, foi diagnosticado
com transtorno de psicopata e, como consequência, considerado
semi-inimputável, como mostra o laudo:

Como personalidade Psicopática que é, F...... deve


ser considerado como SEMI-IMPUTÁVEL frente
ao delito cometido; ressaltamos porém, que apre-
senta prognóstico bastante desfavorável, pois como
já ficou demonstrado, congênita que é a personali-
dade psicopática manifesta-se cedo na vida, e não
é suscetível a nenhuma espécie de influência pela

53
Capítulo 2

terapêutica, conferindo no presente caso, alto índice


de periculosidade latente (EÇA, 2008, p. 244).

Chico Picadinho, como já cumpriu os 30 anos de sua


pena, foi interditado civilmente com cumulação de internação,
hoje encontra-se em um estabelecimento psiquiátrico, recebendo
tratamento psicológico, psiquiátrico e medicamentoso.

Capez (2012) apresenta o psicopata na lista dos inimpu-


táveis, considerando-o doente mental, diante da incapacidade de
entender e discernir o que é certo ou errado. Caso haja dúvida sobre
a integridade mental do acusado, é realizado um exame pericial,
chamado de incidente de insanidade mental, de acordo com o art.
149, do Código de Processo Penal: “Quando houver dúvida sobre
a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do
ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este
submetido a exame médico-legal” (BRASIL, 1940). O inimputável
é isento de pena, pois é excluída a sua culpabilidade, porém, de
acordo com sua periculosidade, fica a cargo do juiz analisar se é
necessária a internação para tratamento da doença. Nos casos dos
psicopatas que cometem homicídios, fica inviável o retorno para
a sociedade antes de um tratamento.

O grande exemplo de inimputável é o “Champinha” res-


ponsável por sequestrar, torturar e matar o casal de namorados
Luana Friedenbach de 16 anos e Felipe Caffé de 19 anos. Porém,
não praticou os crimes sozinho, mas, contou com a ajuda de 03
comparsas. Todos os companheiros do crime foram condenados a
penas altíssimas, mas Champinha por ter apenas 16 anos na data
dos fatos foi condenado a 03 anos de internação na Fundação

54
Responsabilidade Penal do Psicopata

Casa e, tendo em vista sua idade, foi considerado inimputável. Em


2006, chegando ao fim de sua internação, foi solicitado pelo juiz
o exame psicológico, diagnosticando o rapaz com transtorno de
personalidade e, através do diagnóstico e da periculosidade que
indivíduo apresentava para a sociedade, a medida socioeducativa
foi convertida em medida protetiva de tratamento psiquiátrico
com contenção e, posteriormente, foi convertida em interdição
civil cumulada com internação hospitalar compulsória. Foi criado
na mesma época um estabelecimento próprio para adolescentes e
jovens adultos diagnosticados com transtorno de personalidade e
de alta periculosidade e Champinha foi o primeiro a ser internado
nesse estabelecimento, em que se encontra até hoje (CARDOSO,
2016).

RESPONSABILIDADE PENAL DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

Nos casos do transtorno de conduta, as crianças e adoles-


centes são consideradas inimputáveis, tendo em vista que são pre-
sumidas com desenvolvimento mental incompleto, sendo aplicadas
medidas socioeducativas, estabelecidas pela legislação especial da
criança e do adolescente, o ECA (Lei nº 8.069/90) (LEITE, 2019).

O artigo 2º desta lei diferencia o adolescente da criança,


sendo adolescentes os de doze a dezoito anos de idade e crianças,
aquelas até doze anos incompletos. A penalidade para as crianças
encontra-se no art. 101 e, para os adolescentes, as medidas socioe-
ducativas estão previstas no art. 112, sendo elas: artigo 112 - presta-
ção de serviços à comunidade; advertência; inserção em regime de

55
Capítulo 2

semiliberdade; liberdade assistida; internação em estabelecimento


educacional e art. 101 - encaminhamento aos pais ou responsáveis;
matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento de ensino;
inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários; orien-
tação, apoio e acompanhamento; requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio; acolhi-
mento institucional; colocação em família substituta e inclusão em
programa de acolhimento familiar (BRASIL, 1990).

A aplicação da medida socioeducativa dependerá da infra-


ção cometida pelo adolescente, nos casos de grave ameaça ou
violência, reiteração de outras infrações graves e descumprimento
reiterado e injustificado de outras medidas aplicadas anteriormente,
será aplicada a internação, com período máximo de 03 anos,
podendo ficar internado até os seus 21 anos, após será liberado e,
a partir disso, qualquer crime cometido será penalizado conforme
o Código Penal (BRASIL, 1940).

Percebe-se que a aplicação da medida socioeducativa não


depende se a criança ou adolescente possui transtorno de conduta,
mas sim o tipo de infração e a idade dele na época dos fatos, pois
já são considerados inimputáveis, não havendo o que se discutir
sobre a responsabilidade penal.

Um caso que aconteceu recentemente é de Raíssa Eloá


Caparelli Dadona, de 9 anos de idade, morta asfixiada e estuprada
por um adolescente de 12 anos. Segunda a PORTAL GLOBO
(2019), o menino apresentava na escola um comportamento ina-
dequado, obsceno e agressivo, principalmente, com meninas, che-
gando a agredir fisicamente um colega de classe especial. O adoles-

56
Responsabilidade Penal do Psicopata

cente cumprirá a medida socioeducativa de internação, por período


determinando, sendo de 03 anos no máximo, conforme estabelece o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Mesmo o menino cometendo
um crime grave, é considerado inimputável, tendo em vista a sua
idade. Conforme características e pelo grau de agressividade, ele
possui transtorno de conduta (PORTAL GLOBO, 2019).

CONCLUSÃO

Diante das informações explicitadas ao longo do artigo,


conclui-se que o psicopata é uma pessoa com um distúrbio de
personalidade antissocial e suas principais características são a
ausência de emoção, empatia, manipulação e mentiras. Logo,
sem as pessoas perceberem, esses indivíduos vivem na sociedade
como se fossem normais, causando danos aos familiares e amigos.
Quando são crianças, ocorre o chamado transtorno de conduta em
que apresentam as mesmas características dos psicopatas, com a
diferença de serem de graus mais leves e de correrem maus tratos
aos animais, amigos e irmãos.

Há divergências entre os doutrinadores acerca da culpabi-


lidade do psicopata pois, percebe-se que o psicopata não possui a
total capacidade de discernimento dos seus atos, devido ao distúr-
bio, o que afeta as suas emoções, tornando-o uma pessoa despro-
vida de sentimentos ou remorso, logo, não é possível considerá-lo
como um indivíduo imputável, que entende todos os seus atos e
suas consequências.

57
Capítulo 2

Acredita-se que o meio mais eficaz de punir é imputando a


semi-inimputabilidade, podendo reduzir a pena do réu de 1 a 2/3
ou aplicando a medida de segurança. Nos casos dos psicopatas,
a melhor aplicação da pena seria o encaminhamento ao hospital
psiquiátrico, onde receberia cuidados especiais através dos trata-
mentos psicológico, psiquiátrico e com medicamentos, tudo para
que algum dia possa retornar à sociedade sem praticar os mesmos
atos criminosos.

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60
CAPÍTULO 3

A EMBRIAGUEZ E OS RESQUÍCIOS DA
RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA
NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

Miriã Beio Duarte


Luciana Renata Rondina Stefanoni

INTRODUÇÃO

Cabe considerar, inicialmente, que as bebidas alcoólicas,


como a cerveja e o vinho, estão presentes no seio social desde a
pré-história. Como consequência dessas invenções, o estado pro-
vocado pelo consumo excessivo dessas substâncias psicotrópicas,
a embriaguez, passou a necessitar de regulamentação ainda na
Idade Média.

Atualmente, o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 28,


II, preceitua que somente a embriaguez completa acidental, pro-
veniente de caso fortuito ou força maior, é capaz de eliminar a
imputabilidade do agente, sendo causa dirimente da culpabilidade.

Aos alcoolistas, indivíduos dependentes das substâncias


inebriantes, aplica-se o disposto no artigo 26 do Código Penal,
recebendo o mesmo tratamento conferido aos doentes mentais.

A legislação penal, instituindo justiça, adotou a teoria


actio libera in causa, ou seja, ações livres na causa, nos casos de

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 61


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 3

embriaguez voluntária, culposa ou preordenada. Tal teoria, a priori


deveria ser aplicada, apenas, quando o agente, conscientemente,
se coloca em estado de ebriedade, sendo previsível ou desejável o
cometimento de uma ação ou omissão criminosa.

No entanto, a problematização encontra-se na aplicabili-


dade dessa teoria uma vez que doutos e juristas divergem quanto
ao tema. Enquanto uns defendem a responsabilização sem culpa
latu sensu, objetiva, sustentando que, mesmo quando ausente dolo
ou culpa, haverá a vontade residual. Outros argúem que, em um
Estado Democrático de Direito, não devem prevalecer presunções,
exacerbando que é de todo necessária a comprovação da previsibi-
lidade para que o ébrio seja imputável. Alegam que presunções são
próprias de sistemas inquisitoriais e que são incompatíveis com o
princípio constitucional da presunção de inocência.

No transcorrer do presente estudo, a embriaguez será ana-


lisada sob variados aspectos como: fases, espécies, hipóteses de
inimputabilidade, também conhecida como causas dirimentes, as
formas de tratamento do alcoolismo, as discordâncias doutrinárias
acerca da aplicação da teoria actio libera in causa, assim como os
resquícios da responsabilidade penal objetiva.

BEBIDAS ALCOÓLICAS: CONTEXTO HISTÓRICO

A primeira manifestação da bebida alcoólica foi na pré-


-história mais precisamente no período Neolítico em que houve a
aparição da cerâmica e a criação da agricultura. “A partir de um
processo de fermentação natural ocorrido há aproximadamente

62
A Embriaguez e os Resquícios da Responsabilidade Penal Objetiva no
Direito Contemporâneo

10.000 anos, o ser humano passou a consumir e a atribuir diferentes


significados ao uso do álcool” (CISA, 2019, não paginado).

Há passagens até mesmo bíblicas que retratam o estado da


embriaguez. No primeiro livro da Bíblia, Noé desconhecendo os
efeitos do vinho, embriaga-se, deixando à mostra suas vergonhas
(CISA, 2019).

Na Roma e na Grécia, o vinho era a bebida mais dissemi-


nada entre os povos, já que o solo e o clima facilitavam o cultivo
da uva e a produção do vinho. Os romanos e os gregos conheceram,
inclusive, a fermentação da cevada e do mel, no entanto, a bebida
que se tornou mais popular entre os impérios fora o vinho. A partir
de então, a bebida alcoólica torna-se um marco social, religioso e
medicamentoso.

No Antigo Egito, os egípcios deixaram documentados os


processos de produção do vinho e da cerveja. Os egípcios acre-
ditavam nos efeitos medicinais das bebidas, crendo que seriam
capazes de eliminar vermes e parasitas dos organismos, oriundos
das águas do Nilo (CISA, 2019).

Na Idade Média, houve um crescimento na comercializa-


ção do vinho e da cerveja. Com base nesse desenvolvimento da
comercialização, a igreja passou a se preocupar com os efeitos
inebriantes provenientes da embriaguez e, por essa razão, torna-se
a conduta de se embriagar além de condenável pela instituição
religiosa, um pecado.

Na Idade Moderna, mais precisamente no período da


Renascença, passou-se a ter regulamentação acerca dos horários
de funcionamento das tabernas e cabarés, sendo esses locais desti-

63
Capítulo 3

nados à livre manifestação dos ocupantes, inclusive manifestações


políticas que ocasionaram na Revolução Francesa (CISA, 2019).

Na Idade Contemporânea, mais precisamente no início da


Revolução Industrial, o uso excessivo da bebida alcoólica passa
a ser considerado como uma desordem ou doença. Em 1920, o
Estado Americano decreta a Lei Seca consistente na proibição da
venda, exportação, importação, enfim quaisquer formas de manejo
sobre bebidas alcoólicas, no entanto, os resultados foram catastró-
ficos, gerando desastres para a economia e para a saúde pública
americana.

EMBRIAGUEZ: DISPOSIÇÕES GERAIS

A embriaguez é compreendida pela doutrina como uma


intoxicação aguda e transitória provocada pelo álcool ou qualquer
substância de efeito análogo, como substâncias de efeitos psico-
trópicos, quer sejam entorpecentes, estimulantes ou alucinógenos,
capazes de levar o agente à perda da capacidade de entendimento
e autodeterminação (CAPEZ, 2019).

Estimulantes ou alucinógenos são os efeitos provocados


pelo uso de substâncias entorpecentes, também conhecidas como
drogas. Os estimulantes aceleram a atividade do sistema nervoso
central, já os alucinógenos provocam alteração da noção de tempo
e espaço, além de alucinações e delírios (SENADO, 2019).

A ebriedade é classificada, quanto à espécie, em não aciden-


tal ou acidental. Ocorre a embriaguez acidental quando a pessoa se

64
A Embriaguez e os Resquícios da Responsabilidade Penal Objetiva no
Direito Contemporâneo

embriaga de maneira consciente. Já a não acidental é decorrente


de caso fortuito ou força maior e situações ocasionais.

Quanto à espécie não acidental, fragmenta-se em: volun-


tária (dolosa ou intencional) em que há intenção de embriagar-se;
culposa, quando o agente ingere a substância com teor alcoólico
sem ter ao menos a intenção de atingir o estado de ebriedade, no
entanto, consome, imprudentemente, doses excessivas e atinge, cul-
posamente, o estado de embriaguez; patológica, em que o alcoóla-
tra não consegue deixar de consumir a substância inebriante, sendo
refém da sua própria vontade e preordenada, na qual há a ingestão
da bebida alcoólica como um estímulo para cometer o crime.

Quanto às fases, classifica-se em três fases: excitação ou


fase do macaco, a qual provoca um estado eufórico, afastando a
autocensura; depressão ou fase do leão, em que passada a excita-
ção inicial, predomina confusão mental e irritabilidade, deixan-
do-o mais agressivo; sono ou letargia, sendo compreendida como
a última fase, ocorre somente quando grandes e excessivas doses
são ingeridas provocando dormência profunda e descontrole sobre
as funções fisiológicas. Nessa fase, o ébrio só poderá cometer cri-
mes omissivos ou comissivos por omissão. Na primeira fase, a
embriaguez é incompleta e, na segunda e terceira, a embriaguez é
considerada completa (CAPEZ, 2019).

De acordo com o artigo 28, II do Código Penal, não exclui


a imputabilidade a embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool
ou substância de efeitos análogos, pois o Código Penal adotou a
teoria actio libera in causa (ações livres na causa). Nos demais
casos, previstos em tal dispositivo legal, o ébrio não será culpável
ou punível pelos seus atos, desde que completa a embriaguez.

65
Capítulo 3

EMBRIAGUEZ E A IMPUTABILIDADE

A culpabilidade é compreendida como um juízo de repro-


vação aplicado ao infrator que cometeu um fato típico e ilícito, ou
seja, é a possibilidade de aplicar sanções penais ao homem causa-
dor de resultados lesivos que, de alguma forma, poderia evitá-los.
Há intimidação objetivando reprimi-lo com pena sobre o que fez,
mas poderia não ter feito ou não o fez, no entanto, deveria ter feito
para evitar lesão ao bem jurídico (CAPEZ, 2019).

Segundo Mirabete (2009 p. 181), para a aferição da culpa-


bilidade é “indispensável, verificar se no fato estavam presentes à
vontade e a previsibilidade” e, mesmo sendo previsível, o agente
prossegue com seu intento criminoso.

É certo que sem culpabilidade não pode haver pena (nulla


poena sine culpa), e sem dolo ou culpa não existe crime (nullum
crimen sine culpa) e é, inclusive por essas razões, que a responsa-
bilidade objetiva é insustentável no sistema penal vigente (CAPEZ,
2019).

A culpabilidade é, portanto, um pressuposto para a aplica-


ção da pena que recai sobre alguém que cometeu um fato ilícito e
tipificado e possui três elementos: imputabilidade, potencial cons-
ciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa (CAPEZ,
2019).

Imputável é toda e qualquer pessoa que tenha capacidade


de compreensão e determinação sobre o ato ilícito praticado por
ela e, por esse motivo, capaz de ser responsabilizada penalmente
pelos seus atos.

66
A Embriaguez e os Resquícios da Responsabilidade Penal Objetiva no
Direito Contemporâneo

É de suma importância que, no momento da prática do


crime, o agente tenha condições psicológicas, morais e físicas para
compreender que está realizando uma ação reprimível pela legis-
lação penal e, além disso, deve ter plenas condições de controle
sobre essa vontade. Portanto, para que o agente seja considerado
imputável, é necessário que tenha capacidade intelectiva, consis-
tente no entendimento e volitiva, que é a aptidão de liderar a própria
vontade (CAPEZ, 2019).

Diante do exposto, todos são considerados, a princípio,


imputáveis e, portanto, suscetíveis a sanções penais. Contudo, se
no momento do fato, tiver ocorrido uma das causas excludentes da
imputabilidade (dirimentes), o agente não será responsável pelas
suas ações.

São quatro as causas dirimentes da imputabilidade, pre-


sentes no Código Penal: doença mental, desenvolvimento mental
incompleto, desenvolvimento mental retardado e a embriaguez
completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

A embriaguez será acidental quando decorrente de caso


fortuito ou força maior. Nessas hipóteses, a embriaguez não foi
pretendida pelo agente, no entanto, em decorrência episódica ou
por força externa a sua vontade, embriaga-se. Sendo certo que não
há a pretensão de inebriar-se voluntariamente e o estado inebriante
não ocorre sequer por culpa.

Caso fortuito é toda ocorrência episódica, ocasio-


nal, rara, de difícil verificação, como o clássico
exemplo fornecido pela doutrina, de alguém que
tropeça e cai de cabeça em um tonel de vinho,
embriagando-se (CAPEZ, 2019, p. 424).

67
Capítulo 3

Presente estará o caso fortuito também quando houver o


desconhecimento do efeito inebriante da bebida ou substância
entorpecente que ingere ou quando, ignorando condição fisioló-
gica, consome álcool ou substância análoga capaz de levá-lo ao
estado de embriaguez.

Força maior é, segundo a doutrina, uma força externa


ao agente, ocorre coação moral irresistível ou física para que o
indivíduo coagido beba doses, por vezes excessivas, atingindo a
embriaguez.

Na embriaguez fortuita, a alcoolização decorre de


fatores imprevistos, enquanto na derivada de força
maior a intoxicação provém de força externa que
opera contra a vontade de uma pessoa, compelin-
do-a a ingerir a bebida (MARQUES, 1997, p. 246
apud CAPEZ, 2019, p. 424).

A embriaguez acidental pode, ainda, ser completa ou


incompleta. Será completa e, portanto, causa dirimente da impu-
tabilidade quando retirar, totalmente, no momento do cometimento
da infração, a capacidade intelectiva e volitiva do agente. Como
consequência, o embriagado será isento de pena, excluindo sua
imputabilidade, conforme previsto no artigo 28, II, §1º do Código
Penal.

No entanto, se no momento do cometimento da infração,


remanescer consciência e autodeterminação, subsistirá a imputabi-
lidade, porém, a pena será diminuída de um a dois terços, conforme
disposto no §2º, II, do artigo 28 do Código Penal.

É importante salientar que, na embriaguez acidental, quer


seja por caso fortuito ou força maior, não ocorrerá à aplicabilidade

68
A Embriaguez e os Resquícios da Responsabilidade Penal Objetiva no
Direito Contemporâneo

da teoria actio libera in causa, uma vez que o ébrio não teve esco-
lha para decidir consumir ou não a droga. A ação em sua origem
não foi pretendida (voluntária) ou culposa e, para que tal teoria seja
aplicada, é de todo necessário que, no momento do consumo da
bebida, o agente tivesse livre-arbítrio, embriagando-se, seguindo
seu próprio querer.

O ALCOOLISMO E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA COMO


DOENÇAS MENTAIS

O alcoolismo é reconhecido formalmente pela Organização


Mundial da Saúde como doença, em que as funções físicas e men-
tais são extremamente comprometidas pelo consumo frequente,
habitual das bebidas alcoólicas (BARBOSA, 2019).

Variados são os fatores que levam uma pessoa à depen-


dência alcoólica, entre os quais, a facilidade de acesso às bebidas
alcoólicas, a necessidade de se socializar e se sentir aceito por
um determinado grupo social, fatores genéticos, dificuldade de
enfrentar problemas e lidar com frustrações e o contato precoce
com o álcool.

O consumo repetitivo de álcool pode induzir à tolerân-


cia, o que significa que a quantidade necessária para produzir o
efeito desejado tem que ser progressivamente aumentada (GRUPO
CASOTO, 2019, não paginado).

Conforme preceitua o artigo 26 do Código Penal, haverá a


isenção de pena quando, em virtude de doença mental, desenvol-

69
Capítulo 3

vimento mental incompleto ou retardado, o agente, no momento


da prática do crime, era inteiramente incapaz de ter controle ou
vontade sobre suas ações (BRASIL, 1940).

A Lei de Drogas, mais precisamente em seu artigo 45, pre-


ceitua que aos toxicômanos, indivíduos que consomem habitual-
mente entorpecentes, haverá isenção de pena se, em decorrência de
caso fortuito ou força maior, era ao tempo do crime inteiramente
incapaz de compreender e querer o resultado lesivo aos bens jurí-
dicos penais tutelados (BRASIL, 2006).

Fora aprovada pelo Governo Federal a Lei 13.840/2019


que autoriza a internação compulsória dos dependentes químicos,
sem a necessidade de concordância judicial, no entanto, só poderá
ocorrer a internação quando os meios “extra-hospitalares” forem
insuficientes para o tratamento dos dependentes (CONSULTOR
JURÍDICO, 2019).

A Lei 13.840/2019, em seu artigo 23-A, §5º, II, precei-


tua que a internação involuntária perdurará somente até o prazo
máximo de 90 (noventa) dias, entendido como o tempo necessário
para a desintoxicação do indivíduo (BRASIL, 2019).

O alcoolismo e a dependência química tratam-se de verda-


deiras doenças, pois os ébrios e toxicômanos possuem uma vontade
invencível de consumir as substâncias entorpecentes e, por conse-
guinte, será aplicado a mesma regra que se aplica aos mentais aos
alcoolistas e toxicômanos quando, sendo incapazes de entender o
caráter ilícito do fato e determinar-se frente a esse entendimento,
cometerem crimes, isentando-os de pena.

70
A Embriaguez e os Resquícios da Responsabilidade Penal Objetiva no
Direito Contemporâneo

Se, no entanto, remanescer consciência e vontade, o alcoó-


latra será responsabilizado pelos seus atos, porém terá sua pena
diminuída de um a dois terços, respeitando o critério biopsicológico
adotado pelo Código Penal e pela Lei de Drogas. Esse sistema
define que será imputável aquele que, por uma causa prevista em
lei, no momento da infração, atue sem entender a ilicitude do fato
praticado e sem condições de autodeterminar-se.

O alcoolismo é uma doença que não possui cura, o que


significa dizer que o alcoolista não poderá tomar sequer uma gota
de álcool que terá uma vontade incontrolável de consumir a bebida
alcoólica.

Muitas são as formas de tratamento ao alcoolismo como


terapias em grupo, acompanhamento psicológico, farmacológico
e, em casos extremos, a internação compulsória.

A primeira etapa do tratamento é a desintoxicação em


que o paciente entrará em um estado de abstinência, nessa etapa
serão analisados os danos físicos e mentais gerados pelo consumo
excessivo do álcool (BARBOSA, 2019). Após a desintoxicação, é
imprescindível a psicoterapia, pois o psicoterapeuta buscará discu-
tir com o paciente os motivos que o levaram ao estado de depen-
dência ou alcoolismo. Essa etapa visa alcançar uma abstinência
satisfatória, buscando métodos e estratégias multidisciplinares para
que, em longo prazo, o alcoolista se livre do vício (CISA, 2019).

Outros meios de tratamento aos alcoolistas são as tera-


pias em grupo em que os indivíduos partilham suas experiências
com os demais adictos e o tratamento farmacológico por meio de
medicamentos que reduzam a compulsão e a vontade de beber,

71
Capítulo 3

provocando no individuo uma sensação desagradável ao ingerir


as substâncias inebriantes (BARBOSA, 2019).

No entanto, as formas de tratamento não atuam isolada-


mente, o que significa dizer que, se o adicto não tiver força de von-
tade para vencer o vício, será, eternamente, refém de sua vontade,
sofrendo recaídas e, por conseguinte, voltará a fazer a ingestão da
bebida alcoólica dando reinício ao ciclo vicioso.

A RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA NO CÓDIGO PENAL

Conforme previsão expressa do artigo 28, II do Código


Penal, a embriaguez voluntária ou culposa jamais exclui a impu-
tabilidade penal, pois o ordenamento jurídico adotou a teoria actio
libera in causa (ações livres na causa), isso devido ao fato de que,
no momento do consumo, o indivíduo era livre para decidir pros-
seguir ou não sorvendo a substância.

A teoria actio libera in causa leva em consideração o


momento da ingestão da bebida ou substância análoga e não da
prática criminosa, ou seja, o ébrio será, presumivelmente, consi-
derado sóbrio e, portanto, culpado pelos atos praticados, ainda que
em estado de inconsciência.

No entanto, o artigo 28, II do Código Penal, tem gerado na


doutrina opiniões divergentes, pois, enquanto alguns doutos defen-
dem a responsabilização sem culpa latu sensu, portanto objetiva,
outros defendem a ideia de que reprimir o ébrio que, no momento
da ingestão das substâncias não possuía condições de prever que

72
A Embriaguez e os Resquícios da Responsabilidade Penal Objetiva no
Direito Contemporâneo

o delito ocorreria, nem possuía intenção de delinquir, é inadmis-


sível, vez que, no direito penal contemporâneo, não mais se tolera
a responsabilização objetiva.

Capez (2019) defende a aplicabilidade da teoria actio libera


in causa, sustentando que é de todo necessário para não deixar o
bem jurídico sem proteção, ponderando que tal teoria é um resquí-
cio da responsabilidade objetiva no sistema penal.

Jesus (2010), por sua vez, sustenta que a teoria é perfeita-


mente cabível quando a embriaguez for preordenada, no entanto,
quando a conduta punível for praticada em situações de ebriedade
completa, voluntária ou culposa, é que reside a problematização.

Sustenta Jesus que a moderna doutrina penal não permite a


aplicabilidade da teoria ao agente que se embriaga voluntariamente
e não possui previsão que irá cometer um crime. Entretanto, argúi
que diferente é a hipótese do agente que se embriaga prevendo e
concordando com o resultado, pois responderá pelo crime na moda-
lidade dolosa. Contudo, se previsível, mas acreditando que não irá
acontecer ou não previu, mas devendo prevê-lo, responderá pelo
crime na modalidade culposa, sendo aceita, nesses casos, a teoria
actio libera in causa. Todavia nas hipóteses de imprevisibilidade
não há o que se falar em responsabilidade objetiva ou na aplicação
da teoria (JESUS, 2010).

Ainda, justifica Jesus (2010) que, com a entrada em vigor


da Constituição Federal de 1988, fora incluído em seu artigo 5º,
LVII, o princípio do estado de inocência e tal princípio é incompa-
tível com a presunção de dolo ou culpa e o artigo 28, II do Código
Penal deverá ser reanalisado de maneira a não admitir mais a res-
ponsabilização objetiva (JESUS, 2010).

73
Capítulo 3

Streck (2015), por sua vez, assegura que se existe um prin-


cípio de presunção de inocência, o judiciário não deve presumir
nada contra o réu, pois trata-se de um princípio constitucional que
não admite relativização. O jurista acredita que o direito penal
deve ser rígido, no entanto, sem atingir garantias constitucionais,
sustentando que presunções são próprias de sistemas inquisitoriais
e que presumir é impedir que o sujeito prove o contrário.

Mirabete (2009) reconhece que penalizar o ébrio, como


se sóbrio fosse, é compreensível somente nas hipóteses em que
ele assumiu o risco de, estando bêbado, cometer o crime ou que a
situação era ao menos previsível.

Argumenta Mirabete que a lei consagra uma hipótese de


responsabilidade objetiva que, quando na embriaguez completa em
que não resta consciência e vontade, permite que o ébrio responda
pelos seus atos sem culpa (Mirabete, 2009).

Há um dilema: de um lado, o imperativo da cul-


pabilidade, base do sistema, como pressuposto da
imputabilidade; de outro, a exigência de proteção
empírica e salvaguarda dos interesses sociais em
jogo, e o legislador pátrio tem se decidido por esse
(MIRABETE, 2009, p. 207).

Tal situação de responsabilização objetiva é recorrente nos


tribunais como o caso da comarca de Bauru em que um indivíduo,
em estado de ebriedade completa e voluntária, recolhido à cela
correcional, veio a lançar um pontapé em outro preso correcional,
lesionando-o, gravemente, na região dos olhos. Ele praticou a ação
em estado de inimputabilidade, no entanto fora considerado impu-
tável pelos seus atos (JESUS, 2010).

74
A Embriaguez e os Resquícios da Responsabilidade Penal Objetiva no
Direito Contemporâneo

Doutos defendem essa forma de responsabilização afir-


mando que é o necessário, se não quiserem aceitar a impunidade,
deixando os bens jurídicos sem proteção, assegurando, inclusive,
que raríssimos são os casos oriundos de embriaguez completa que
se apresentam nos tribunais.

CONCLUSÃO

A partir das informações apresentadas ao longo desse artigo,


é possível concluir que, desde os primórdios, mais precisamente
no período Neolítico em que houve a descoberta da cerâmica e a
apreciação da agricultura, combinando com a criação das bebidas
alcoólicas, essas vêm sendo difundidas em quaisquer celebrações
sociais.

Com o transcorrer dos tempos, houve a necessidade de


regulamentação e repreensão sobre o uso desenfreado das bebi-
das alcoólicas. Inclusive, a igreja passou a reprimir a conduta de
embebedar-se.

Atualmente, o Código Penal Brasileiro repreende não só


o momento da prática do crime, mas, como restou demonstrado,
repreende a ação de embriagar-se, presumindo sóbrio e, portanto,
imputável, sem admissão de prova em contrário, o agente que
se embriagou voluntária ou culposamente, ainda que completa-
mente não restando consciência ou vontade, desse modo, desres-
peitando o princípio constitucional da presunção de inocência e a
culpabilidade.

75
Capítulo 3

A adoção da teoria actio libera in causa é perfeitamente


plausível, desde que, nos casos em que transgressor beba tendo
em vista à prática delituosa, como um estímulo, um encorajamento
para delinquir (embriaguez preordenada), bem como nos casos em
que o agente ao embriagar-se previa a possibilidade de praticar o
delito e prosseguiu ingerindo a substância; ou se embriaga pre-
vendo a prática delituosa, mas esperando que não se concretize.
Nessas situações, não há o que falar em responsabilidade objetiva,
pois o malfeitor ora deu ensejo, ora possuía o desígnio à execução
criminosa, agindo com dolo ou culpa.

No entanto, nos casos em que a embriaguez for completa,


voluntária ou dolosa e for imprevisível, no momento da inges-
tão da bebida alcoólica, o cometimento do crime, reprimi-lo por
mera presunção de dolo ou culpa, embasando-se ao artigo 28, II
do Código Penal é inconstitucional, pois conflitante com o artigo
5º, LVII da Constituição Federal que claramente dispõe que todos
serão presumidos inocentes até o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória.

Logo, cabe salientar que, em um Estado Democrático de


Direito, os jurisconsultos não devem pautar suas interpretações
nos consequencialistas, mas sim, tendo em vista princípios que
não admitem relativizações.

É certo que o direito penal tem que ser rígido para a prote-
ção dos bens jurídicos necessários à convivência social harmônica,
mas não ao ponto de colocar em risco os direitos e garantias cons-
titucionais de quaisquer que sejam seus destinatários, de intelectual
a iletrado ou de sóbrio a ébrio.

76
A Embriaguez e os Resquícios da Responsabilidade Penal Objetiva no
Direito Contemporâneo

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78
CAPÍTULO 4
A INCONSTITUCIONALIDADE
DA IMPOSIÇÃO DO REGIME DE
SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS AOS
MAIORES DE SETENTA ANOS

Rosiane Barboza Marangão Machado


Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

O casamento é uma forte tradição com manifestações his-


tóricas que, apesar de todas as evoluções, encontra-se arraigado
no contexto da sociedade civil. Com o passar dos anos, se fez
necessário o regulamento do regime de bens para respaldar os
interesses materiais dos nubentes.

No Ordenamento Jurídico atual, conta-se com quatro dife-


rentes regimes de bens que podem ser escolhidos pelos nubentes
de acordo com seus interesses materiais. Entretanto, não são em
todos os casos que os nubentes poderão escolher o regime de bens,
sendo necessário casar, obrigatoriamente, sob o regime de sepa-
ração de bens.

No Código Civil de 1916, o Art. 258, inciso II, tratava


como obrigatório o regime da separação de bens no matrimônio
das pessoas com idade superior a sessenta anos, tendo em vista o
Estatuto do Idoso que regula os direitos que são assegurados às
pessoas com esta idade.

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 79


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 4

Contudo, tendo em vista as mudanças cotidianas, a expec-


tativa de vida tem aumentado e, consequentemente, o número de
matrimônio de idosos, portanto, em 2010, foi sancionada a Lei
12.344 que modificou o inciso II, do Art. 1641, alterando a idade
dos nubentes de sessenta para setenta anos.

No decorrer do trabalho, será tratada e debatida a grande


relevância do tema no contexto atual, tendo em vista a limitação
de direitos feita aos idosos, frente à apregoação dos princípios
relativos a um Estado Democrático de Direito fundamentado na
dignidade da pessoa humana.

CASAMENTO

No direito Romano, o casamento era considerado como


um consórcio entre o homem e sua mulher, para o resto da vida.
Com o passar dos anos, este conceito foi se aprimorando de forma
que passou a ser entendido como casamento a ideia de satisfação
das necessidades recíprocas dos cônjuges. Contudo, o casamento
medieval se realizava pela nobreza em um ato de repercussão polí-
tica e econômica, enquanto o casamento religioso era fundamen-
tado no amor e na influência católica (LISBOA, 2013).

No conceito contemporâneo, casamento nada mais é do


que um contrato entre duas pessoas que, por vontades próprias,
manifestam o consentimento em relação à união, formando uma
sociedade conjugal que possui reconhecimento governamental,
cultural, religioso ou social.

80
A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
aos Maiores de Setenta Anos

Para casar, é necessário preencher o requisito da capacidade


civil, qual seja, maior de 16 anos com o consentimento dos pais
ou de representantes legais enquanto não atingida a maioridade
civil. Com a maioridade, os nubentes são livres para se casar, no
entanto, há alguns impedimentos, elencados no artigo 1521 do
Código Civil, quer sejam:

Art. 1.521. Não podem casar:


I - os ascendentes com os descendentes, seja o
parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado
e o adotado com quem o foi do adotante;
IV- os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais
colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por
homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu
consorte (BRASIL, 2002, p. 561).

Além de tudo, o casamento não é um simples contrato como


muitos pensam, pois gera obrigações a ambos os cônjuges, quer
seja a fidelidade reciprocidade (amorosa, financeira e pessoal),
a vida em comum no domicílio conjugal, a mútua assistência
(aspectos pessoais e patrimoniais), o sustento, guarda e educação
dos filhos e, por fim, o respeito e consideração mútuos (tratar de
forma digna), conforme preceituado no artigo 1566 do Código
Civil (BRASIL, 2002).

Para regular os interesses materiais dos nubentes em um


eventual término da sociedade conjugal, surgiu o regime de bens,
em outras palavras, é chamado de regime de bens todo o conjunto
de regras que serão aplicadas aos bens dos nubentes, quer sejam

81
Capítulo 4

anteriores ao casamento, ou aos que forem adquiridos na constância


do matrimônio.

O Código Civil traz quatro tipos de regime de bens, quer


sejam eles, comunhão universal de bens, comunhão parcial de bens,
separação total de bens e comunhão final dos aquestos.

Na comunhão universal de bens, todos os bens dos nuben-


tes se comunicam, quer sejam os anteriores ao casamento ou os
quer forem adquiridos na sua constância, independentemente, do
nome registral em que esteja este bem. Para esse regime de bens,
é necessário fazer um pacto antenupcial (DANTAS, 2013).

Na comunhão parcial de bens, os bens que foram adquiridos


anteriormente ao casamento não se comunicam, já os bens que
forem adquiridos na constância do casamento, serão de ambos os
cônjuges. Na separação total de bens, os bens dos nubentes não se
comunicam, cada um tem seus bens separados do outro cônjuge.

Na comunhão final dos aquestos, durante a vigência do


casamento, é aplicada a regra do regime de separação total de
bens e, quando da dissolução da união, as regras são as do regime
de comunhão parcial de bens, ou seja, são somados todos os bens
que foram adquiridos na constância do casamento e repartidos pela
metade para cada cônjuge (DANTAS, 2013). Esse regime é comum
para as pessoas que possuem grandes patrimônios, pois, mediante
ele, é dispensada a outorga uxória do cônjuge virago.

82
A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
aos Maiores de Setenta Anos

ESTATUTO DO IDOSO

Em outubro de 2003, foi sancionada a lei 10.741 – Estatuto


do Idoso – a qual, conforme disposto em seu artigo 1º, visa “regular
os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a
60 (sessenta) anos”.

O Estatuto conta com 118 artigos, aos quais tratam de ques-


tões fundamentais, iniciando desde garantias prioritárias dos idosos
até os aspectos que são relativos ao transporte, além de apontar as
funções de entidades de atendimento para esta categoria, questões
de educação, cultura, esporte e lazer, direito à saúde por intermédio
do SUS (Sistema Único de Saúde), alimentos, profissionalização,
trabalho e previdência social (NETTO, 2018).

O estatuto, precisamente no Artigo 4, traz com bastante


clareza que nenhum idoso poderá ser objeto de discriminação:

Art. 4º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo


de negligência, discriminação, violência, crueldade
ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por
ação ou omissão, será punido na forma da lei. § 1º
É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos
direitos do idoso (BRASIL, 2003, p. 759).

No Artigo 10, o estatuto traz, expressamente, o direito à


liberdade, respeito e à dignidade: “É obrigação do estado e da
sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a
dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, polí-
ticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis”
(BRASIL, 2003, p. 759).

83
Capítulo 4

Tanto o Estatuto do Idoso como o ordenamento jurídico em


si são fartos no que diz respeito à proteção dos idosos, vedando
qualquer discriminação a esta classe, no entanto, apesar de todas
essas garantias expressas, há um confronto nas normas, pelas quais
o idoso com idade igual ou superior a 70 anos possui a liberdade
de escolha do regime de bens de seu casamento restrita, vez que
a Lei 12.344/10 estabeleceu a obrigatoriedade do regime de sepa-
ração total de bens.

Contudo, a ideia do legislador em proteger o idoso no que


diz respeito ao regime de bens matrimonial é falha, vez que, tal
lei protege apenas os bens patrimoniais, discriminando assim, esta
classe etária.

Portanto, é inconstitucional estabelecer a obrigatoriedade


do regime de separação de bens aos idosos, pois ter idade não sig-
nifica perder a consciência, ou seja, os idosos possuem capacidade
de discernimento para escolherem os atos de sua vida civil, entre
eles, o casamento, não necessitando de tal desprezo.

O princípio da autonomia privada trata acerca do direito


dos cônjuges de regulamentarem suas questões patrimoniais, como
por exemplo, definirem qual o regime de bens que seria adotado
em seu matrimônio, conforme melhor lhes aprouver.

Todavia, com o advento da lei 12.344/10, tal princípio fora


violado, tendo em vista que os nubentes são obrigados a se casarem
sob o regime de separação obrigatória de bens.

No Código Civil, com bastante clareza, dispõe o Art. 1639:


É licito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular,
quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

84
A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
aos Maiores de Setenta Anos

Portanto, é claro que o Art. 1641 do Código Civil extra-


polou limites, de forma que restringiu dos nubentes o direito de
escolha, conforme sua vontade, do regime de bens que vigorará
no matrimônio.

Como consagrado na Carta Magna, é dever da família, da


sociedade e do Estado o amparo às pessoas idosas, de forma a
assegurar sua participação na sociedade e a defesa da sua dignidade
e bem-estar, garantindo o direito à vida (BRASIL, 1988).

Contudo, o Artigo 1641 do Código Civil contradiz os prin-


cípios expressos na Constituição Federal, de forma que obriga
os idosos a se casarem sob o regime de separação total de bens
estipulado pelo legislador e a Lei infraconstitucional desobedece
a hierarquia das normas constitucionais (BRASIL, 2002).

O Direito à liberdade, como dito pelo próprio nome, con-


siste na escolha das possibilidades, na locomoção, na expressão, na
escolha, enfim, ele se subdivide e se classifica de diversas formas.

Portanto, teoricamente, os nubentes deveriam ser livres


para escolher o regime de bens que adotariam no matrimônio, no
entanto, não é bem dessa forma que acontece.

A escolha do regime de bens se dá por meio do pacto ante-


nupcial, o qual é feito por contrato solene e registrado no Cartório.
Ressalta-se que, quando não se fizer o pacto, vigorará o regime de
comunhão parcial de bens.

Entretanto, os idosos com idade igual ou superior a 70 anos


são restringidos de seu direito de escolha, adotando, obrigatoria-
mente, o regime de separação total de bens.

85
Capítulo 4

Ainda nesse sentido, dispõe o Código Civil que é licito


aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto
aos seus bens, o que lhes aprouver (BRASIL, 2002). Portanto, a
escolha do regime de bens, em regra, deve ser feita pelos nubentes,
pois estes sabem qual a melhor maneira de regular seus interesses
patrimoniais.

Ora, se a Carta Magna dispõe do princípio da liberdade,


tal princípio deve ser aplicado a todos, homens e mulheres, sem
nenhum tipo de distinção, contradizendo a verdade atual, ou seja,
o Art. 1641 fere tal princípio de forma que a Lei não dá ouvidos à
vontade dos nubentes maiores de 70 anos, apenas impõe o regime
que deverá ser adotado. Sendo, portanto, inconstitucional.

CASAMENTO DE IDOSOS E CONVERSÃO DE UNIÃO


ESTÁVEL EM CASAMENTO

O casamento de idosos ficou conhecido como o golpe do


baú, pois muitos jovens se casam com os idosos apenas de olho em
seus bens, vez que, com o casamento, a futura viúva teria parte da
herança do idoso, tendo em vista que a escolha do regime de bens
era livre entre os nubentes, independentemente, da idade.

Percebendo isso e com a intenção de poupar os idosos, o


Código Civil trouxe em seu artigo 1641 que os idosos de idade
igual ou superior a 60 anos, obrigatoriamente, teriam que se casar
sob o regime de separação total de bens (BRUNETI, 2019).

86
A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
aos Maiores de Setenta Anos

Entretanto, com o passar dos anos, os brasileiros começa-


ram a ter uma qualidade de vida melhor, o que aumentou a expec-
tativa de vida. Dessa forma, entrou em vigor a Lei 12.344/10 que
alterou o inciso II do art.1641, passando ser obrigatória a separação
total de bens após os 70 anos de idade.

A finalidade da Lei é bem clara, evitar que os idosos sejam


vítimas de interesseiros, conforme menciona Gisele Siqueira de
Moraes, presidente de Defesa dos Direitos dos Idosos da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) (JACINTO, 2016).

Contudo, obrigar o idoso a se casar pelo regime de bens


estipulado pela legislação é inconstitucional!

Contudo, os relacionamentos que são movidos a base de


interesses patrimoniais podem existir em qualquer fase da vida,
afinal, é possível enganar-se ou ser enganado, independentemente,
da idade.

A união estável, muito assemelhada ao casamento civil,


nada mais é do que um contrato entre duas pessoas, independente
de orientação sexual, que vivem em relação de convivência dura-
doura e estabilizada, a qual não altera o estado civil das partes.

Existem duas formas para se obter a união estável, quais


sejam através de escritura pública ou por contrato particular. O
primeiro, para obter a escritura pública de união estável, é fir-
mado no cartório, sob a presença do tabelião, sendo dispensáveis
as testemunhas.

O contrato particular é firmado pelo casal e deve ser feito


na presença de um advogado, estabelecendo as regras que serão
aplicadas no que tange ao regime de bens ou em uma futura dis-

87
Capítulo 4

solução. Para haver validade, este contrato deve ser assinado por
duas testemunhas, com firma reconhecida e deve ser apresentado
ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos para que seja
assim registrado. (Associados, 2014)

Os casais que vivem em união estável, a qualquer momento,


poderão converter sua união em casamento, alterando o Registro
Civil. Contudo, os direitos e deveres os quais regem ambos deve-
riam ser iguais.

Portanto, em uma união estável, em regra, é aplicado o


regime de separação parcial de bens, salvo quando feita escritura
pública que defina um regime de bens diverso, esta união pode ser
convertida em casamento, que poderá ser feita em cartório ou por
meio judicial (BRUNETTI, 2019).

Caso os idosos, antes de completarem os 70 anos, já viviam


em união estável, poderá ser requerida a conversão dessa união em
casamento (decisão unânime da Quarta Turma do Superior Tribu-
nal de Justiça – STJ), sendo que o regime de bens permanecerá o
mesmo que vigorava na união, ou seja, se a união era baseada no
regime de comunhão parcial de bens, com a conversão em casa-
mento, o regime de bens continuará o mesmo, dispensando a obri-
gatoriedade do regime de separação total de bens (MACHADO,
2017).

Sendo assim, resta evidente que o legislador deixou a dese-


jar, em outras palavras, o legislador apenas visa à proteção dos
bens do idoso e não à pessoa idosa em si.

88
A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
aos Maiores de Setenta Anos

DOAÇÃO DE BENS

A doação de bens nada mais é do que um contrato formal


em que uma pessoa capaz faz a doação de um objetivo lícito a
outrem, podendo ser móvel, imóvel, cessão ou remissão de cré-
ditos, de forma que não seja pleiteado nenhum valor em troca,
contudo, tal doação necessita do aval positivo de quem recebeu,
ou seja, é necessária a manifestação de aceite.

Para que a doação possa ser realizada, não somente o doa-


dor como também os beneficiários precisam preencher os requisi-
tos, quais sejam: capacidade das partes (ter discernimento); licitude
(o objeto deve ser lícito, possível e determinável); prescrito em lei
(formalizados por escrito, em regra, salvo exceções); aceitação (a
doação é vinculada ao aceite do beneficiário, quer seja, donatário).

O Artigo 548 do Código Civil de 2002 dispõe que será nula


quando for feita a doação de todos os bens do doador ou rendas
suficientes para a sua subsistência (BRASIL, 2002).

Na legislação Brasileira, é permitido que o concessor dis-


ponha de até no máximo 50% de todo o seu patrimônio, em vida,
pois, os outros 50% deverão ser transmitidos aos herdeiros, quer
sejam o cônjuge, filhos, netos, pais, avós, etc., variando em cada
caso concreto.

O Artigo 544 do Código Civil de 2002 trata de adianta-


mento de herança, nos casos de doação de bens aos filhos ou côn-
juge. Portanto, como são entendidas pela legislação, as doações
feitas aos filhos ou cônjuge são uma antecipação de herança, ou
seja, possuem viés totalmente diverso de uma doação aos chamados

89
Capítulo 4

terceiros. Dessa forma, quando do falecimento do doador, a ante-


cipação de herança, ora doação, deverá ser arrolada no inventário,
sendo compensada nas respectivas quotas relacionadas aos demais
herdeiros (SANTANA, 2008).

Para Gonçalves (2017), é necessária a existência do ani-


mus donandi para a caracterização de doação. Portanto, para que
seja efetivada a doação, depende apenas do doador ou de quem
recebeu aceitá-la.

No caso dos idosos nubentes, com idade igual ou superior


a 70 anos, estes são impedidos de exercer o direito de escolha do
regime de bens em seu matrimônio, pela afirmação do legislador
de proteção ao idoso, no entanto, o idoso pode dispor de parte de
seus bens (como já citado anteriormente, no máximo 50%), para
doar à então companheira, que, obedecendo os requisitos, poderá
aceitar a doação.

Contudo, na doação dos bens, nada impede que o (a) idoso


(a) doe ao seu cônjuge o 50% de direito, ou seja, qual é o direito
tutelado ao idoso, tendo em vista que o regime de bens deve, obri-
gatoriamente, ser o de separação total de bens, sendo que este
poderá doar parte de seu patrimônio ao seu cônjuge?

Tendo em vista esse ponto, é derrubada por terra a tese ale-


gada pela sociedade de que os idosos são vítimas do golpe do baú,
ou seja, se o regime de bens não dá o direito ao cônjuge receber
parte da herança do idoso, mas este poderá doar ao seu cônjuge os
bens, é vão o artigo 1641 do Código Civil, devendo ser decretada
a sua inconstitucionalidade.

90
A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
aos Maiores de Setenta Anos

INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 12.344/10

O legislador asseverou no Artigo 5º da Constituição Fede-


ral que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade”.

No artigo 230, caput, da Constituição Federal, o legisla-


dor assegura que os idosos também fazem jus a uma vida digna,
devendo ser incluídos na sociedade, bem como ter garantida sua
participação na comunidade.

Portanto, a constituição Federal traz princípios que devem


ser seguidos e observados pelas leis infraconstitucionais, pela qual
não deveria ser aceita uma norma com resquícios de inconstitu-
cionalidade, principalmente, no tocante a princípios fundamentais,
prevalecer frente a princípios expressos na Carta Maior, devendo
ser rigorosamente observados pelos legisladores.

O doutrinador Tartuce (2016) sustenta que a norma possui


o intuito de proteger os interesses patrimoniais de seus herdeiros,
que muitas vezes ficam aguardando a morte a fim do recebimento
do acervo patrimonial. Sustenta ainda que “o casamento, para o
idoso, não trará prejuízos afetivos, mas vantagens, ainda mais se
contraído com pessoa mais jovem”.

Portanto, “o regime da separação absoluta de bens em razão


da idade dos nubentes (qualquer que seja ela) é manifestamente
inconstitucional, malferindo o princípio da dignidade da pessoa

91
Capítulo 4

humana, um dos fundamentos da República, inscrito no pórtico


da Carta Magna (art. 1.º, inc. III, da CF) ” (BRASIL,1988, p. 31).

Assim também leciona Carlos Roberto Gonçalves (2017,


p. 639): “A imposição do regime da separação legal, nesses casos,
é de duvidosa constitucionalidade, por ofender o princípio da dig-
nidade humana”.

A norma introduz um preconceito no que tange à idade das


pessoas, sendo que, ao atingirem os 70 anos, “passam a gozar da
presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como con-
trair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus
interesses” (TARTUCE, 2016).

“A plena capacidade mental deve ser aferida em cada caso


concreto, não podendo a lei presumi-la, por mero capricho do legis-
lador que, simplesmente, reproduziu razões de política legislativa
fundadas no Brasil do início do século passado” (CHINELLATO,
2004, p. 290 apud TARTUCE, 2016).

Portanto, não é, simplesmente, generalizar todos os casos


e dizer que todos os idosos são presumidamente incapazes para os
atos de sua vida civil, ao contrário, tudo isso deve ser provado no
caso concreto, afinal, ter idade não significa ser doente.

“Vislumbramos aí dupla inconstitucionalidade, tanto sob o


prisma da violação da igualdade diante da possibilidade de qual-
quer adulto capaz poder se casar e ele não, quanto da discriminação
da idade como elemento de discriminação” (BRANDÃO, 2007, p.
128 apud TARTUCE, 2016).

Afinal, o legislador restringe, totalmente, a liberdade de


escolha do idoso, enquanto todas as demais idades podem escolher

92
A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
aos Maiores de Setenta Anos

qual regime de bens seria adotado em seu matrimônio, o idoso não


tem esta oportunidade, momento em que o legislador deixa incon-
testável o resguardo ao patrimônio dessa faixa etária, deixando de
lado todo o cuidado e respeito que se deveria ter para com o idoso.

Para Alexandre de Moraes (2003), a dignidade da pessoa


humana é tratada como um valor espiritual e moral inerente à
pessoa, devendo, portanto, ser respeitada pelas demais pessoas,
para assim constituir um mínimo que deve ser assegurado pelo
estatuto jurídico.

Contudo, ser herdeiro não é profissão, pois se querem juntar


um bom patrimônio, que o façam diante do seu trabalho (TAR-
TUCE, 2016).

CONCLUSÃO

A partir das informações apresentadas ao longo deste tra-


balho, é possível notar que apesar dos princípios trazidos pela
Constituição Federal, estes não foram seguidos e observados pelas
Leis infraconstitucionais.

Salienta-se que o regime de separação obrigatória de bens


tinha um cunho patrimonialista no código civil de 1916 e que este
entendimento fora trazido para o Código Civil de 2002, obrigando
que os idosos com idade igual ou superior a 70 anos se casem sob
o regime de separação total de bens.

Ressalta-se que essa norma é atentatória aos princípios


constitucionais, principalmente, ao princípio da dignidade da

93
Capítulo 4

pessoa humana, vez que reduz a autonomia da pessoa idosa e a


constrange a uma tutela reducionista, além de estabelecer restrição
à liberdade de contrair matrimônio, que a Constituição não faz.
Consequentemente, é inconstitucional esse ônus.

Ademais, em muitos casos, realmente, o idoso é incapaz


para realizar os atos da vida civil, todavia, neste caso, existe a
curatela, a qual é disciplinada pelo Código Civil. Contudo, caso
seja provada a incapacidade, poderia haver a imposição do regime
de separação total de bens, entretanto, com base nos princípios
constitucionais, os direitos dos idosos não devem ser suprimidos.

Ainda neste sentido, vale ressaltar que aplicar a obrigato-


riedade do regime de separação de bens aos idosos não protege
tanto como o intuito do legislador, tendo em vista que tal tutela
não possui sentido frente à doação de bens, ou seja, mesmo que o
legislador restrinja os nubentes de escolherem o regime de bens em
seu matrimônio, os bens não são tutelados, pois podem ser doados.
O cônjuge pode doar ao seu cônjuge virago até 50% de todo o seu
patrimônio, ou seja, qual o sentido da Lei 12.344/10 que diz tutelar
os bens de forma a proteger o idoso, sendo que este poderá doar
seus bens quando bem entender necessário?

Desta forma, conclui-se que o inciso II do Art. 1641 do


Código Civil (Lei nº 12.344/10) encontra-se eivado de vícios de
inconstitucionalidade e não reflete a atual realidade no Direito de
Família, para tanto, é necessário seu desarraigamento do ordena-
mento jurídico brasileiro, para que possa haver o reconhecimento
da capacidade, bem como a plena liberdade de escolha para este
grupo de pessoas que se encontra desamparado juridicamente.

94
A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
aos Maiores de Setenta Anos

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A Inconstitucionalidade da Imposição do Regime de Separação Total de Bens
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97
CAPÍTULO 5
A IMPORTÂNCIA DA LEI Nº 13.445/2017
PARA A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DO MIGRANTE NO
BRASIL

Ana Paula dos Santos Prado


Regina Maria de Souza
Ricardo Alexandre Rodrigues Garcia

INTRODUÇÃO

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGA-


NIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948) preconiza o entendi-
mento de que os indivíduos em sociedade precisam possuir direitos
que sejam garantidos pelas legislações dos respectivos países e que
os referidos direitos sejam iguais para todos.

Além disso, destaca que os seres humanos devem estar


a salvo de qualquer forma de opressão, violência e desrespeito,
podendo professar sua fé religiosa e suas opiniões políticas sem
que por isso recebam qualquer forma de ameaça ou agressão.

No que tange aos regimes políticos, por exemplo, os indi-


víduos devem gozar de todas as liberdades fundamentais, podendo
participar da vida política e das demandas da sociedade civil orga-
nizada, sem que se utilizem contra eles quaisquer formas de tirania
ou opressão.

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 99


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 5

Entretanto, nem sempre é assim que os povos se encontram


em seus países de origem geográfica, o que os fazem, em muitos
casos, buscar abrigo em outras nações por meio da migração, como
ocorre na atualidade com os sírios, bem como eritreus, afegãos e
nigerianos, que fogem das ações terroristas implementadas pelo
Estado Islâmico na região, fazendo do cotidiano desses povos uma
rotina de dor, privações de toda natureza e violência generalizada.

Diante desse contexto, vários países implementaram ações


no sentido de oferecer acolhida material, apoio psicológico, além
de propiciar-lhes a possibilidade de estarem a salvo em uma nova
pátria.

Países como Jordânia, Líbano e Turquia têm recebido


milhares de sírios que buscam no exílio o que não têm encontrado
em sua própria pátria. De forma efetiva, as rotas para a Europa são
cada vez mais escassas e restritas, tendo em vista que os países
se encontram sobrecarregados com o intenso fluxo migratório,
acabando por estabelecer restrições diversas.

Na América Latina e Caribe, o Brasil era em 2012, de acordo


com a Organização das Nações Unidas (2012), o quarto país que
mais recebia migrantes, mas nos últimos dez anos o número regis-
trado pela Polícia Federal expandiu-se em 160%, sendo que 117.745
estrangeiros adentraram as fronteiras nacionais em 2015, o que repre-
senta um aumento de 2,6 vezes em relação ao que ocorria em 2006.

Os indivíduos provenientes do Haiti são responsáveis pelo


maior fluxo de ingresso de estrangeiros no Brasil. De fato, os haitianos
somaram, em 2015, um total de 14.535 indivíduos que fizeram parte
dos registros da Polícia Federal. Nos anos de 2011, esse total era de
481 haitianos ingressando no Brasil, o que gerou um acréscimo de
mais de 30 vezes.

100
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

De modo efetivo, os bolivianos também ingressaram em


grande quantidade, somando 8.407 registros em 2015.

Cabe considerar ainda o registro da migração de colombianos


(7.653), argentinos (6.147), chineses (5.798), portugueses (4.861),
paraguaios (4.841) e norte-americanos (4.747) para o Brasil em 2015.
De acordo com Alves (2015), entre 2006 e 2014, é crescente o fluxo
de imigrantes em vista da relativa estabilidade econômica vivenciada
no período pelo Brasil. O fato de o Brasil ter se projetado internacio-
nalmente durante anos tornou o país polo de atração para as demais
nações do globo, fundamentalmente, as mais próximas, cujos habi-
tantes fogem de catástrofes e da pobreza.

Diante deste quadro, surge a demanda por uma nova legislação


capaz de abarcar as demandas contemporâneas e é nessa perspectiva
que foi editada a Lei nº 13.445, em 24 de maio de 2017, intitulada
Lei de Migração, cujo intuito é estabelecer parâmetros para o pro-
cesso migratório no Brasil, regulando os direitos e deveres que
cabem aos migrantes.

Ao longo deste capítulo, serão apresentados os fundamentos


da referida lei, bem como suas inovações, avanços, retrocessos e
demandas no campo jurídico e social.

DIREITOS E GARANTIAS DOS MIGRANTES NO BRASIL

O fenômeno recente da chegada de um grande número de


médicos cubanos, em 2013, trouxe à tona a questão da migração
no Brasil. De fato, o exemplo ressalta uma conjuntura antitética

101
Capítulo 5

em que a migração é escolhida e posta dentro de uma perspectiva


legalizada, em vista da demanda governamental por atendimento
médico no serviço de saúde público e gratuito. Os referidos médi-
cos migrantes, em sua maioria, negros e também provenientes de
um país periférico foram recebidos com desconfiança pela popu-
lação brasileira, bem como pelos meios de comunicação.

Em que pese sua permanência no contexto nacional e, em


consonância com o que já ocorria com os atletas, os médicos cuba-
nos entraram na justiça pelo direito de receber salários plenos e, em
2017, entendeu-se que os acordos firmados para eles descumpriam
as proteções de igualdade previstas na Constituição brasileira, sen-
do-lhes concedido, por meio de liminares, o direito de trabalharem
como profissionais autônomos. Um juiz considerou a condição a
que estavam submetidos análoga à da escravidão.

A Lei nº 13.445/2017 que dispõe sobre os direitos e os


deveres do migrante, bem como do visitante no Brasil, estabelece
que se constitui imigrante aquele indivíduo nacional de outro país
ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece de modo tempo-
rário ou em definitivo no Brasil. Já o emigrante, este se constitui
no brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no
exterior.

Há que se considerar ainda a situação do residente fron-


teiriço que é a pessoa nacional de país limítrofe ou apátrida que
conserva a sua residência habitual em município fronteiriço de
país vizinho, além do visitante, que se constitui no indivíduo pro-
veniente de outro país ou apátrida que vem ao Brasil para estadas
de curta duração sem pretensão de se estabelecer temporária ou
definitivamente no território nacional.

102
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

Quanto ao conceito de apátrida1, a Lei nº 13.445/2017 esta-


belece que é a pessoa que não seja considerada como nacional por
nenhum Estado.

De modo fundamental, cabe explicitar que a referida lei não


trata da aplicação de normas internas e internacionais concernentes
aos refugiados, asilados, agente e pessoal diplomático ou consular,
funcionários de organização internacional e seus familiares.

A fim de garantir o ingresso de migrantes no território


nacional, a política migratória brasileira contempla a universali-
dade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos,
bem como o repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a
quaisquer formas de discriminação.

Ressalte-se ainda a questão da não criminalização da migra-


ção, a não discriminação em razão dos critérios ou dos procedi-
mentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional e
promoção de entrada regular e de regularização documental.

Deve sempre ser observada a necessidade de acolhida


humanitária, a garantia do direito à reunião familiar, assim como
a igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus
familiares. Em solo estrangeiro, a migrante demanda, por meio
da aplicação de políticas públicas, a inclusão social, laboral e
produtiva.

Os benefícios sociais e programas de assistência não podem


ser negados ao migrante, entendendo-se que este possui acesso
igualitário e livre a esses benefícios, o que também vale para os
1 Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada pelo
Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002

103
Capítulo 5

bens públicos, a educação, a assistência jurídica integral pública,


o trabalho, a moradia, o serviço bancário e a seguridade social.

Quanto aos Estados de origem dos migrantes, a lei estabe-


lece que ocorra a cooperação internacional de trânsito e de destino
de movimentos migratórios, de modo a garantir a efetivação da
proteção aos direitos fundamentais do homem.

Uma questão fundamental para o migrante é reconheci-


mento do direito de exercício profissional no Brasil, para que possa
obter a renda necessária para garantir o seu sustento e o da sua
família.

A lei indica ainda que não devem ocorrer práticas de expul-


são ou de deportação coletivas, pois ao migrante se garante, em
condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-
dade, bem como são assegurados:

I - direitos e liberdades civis, sociais, culturais e


econômicos;
II - direito à liberdade de circulação em território
nacional;
III - direito à reunião familiar do migrante com seu
cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares
e dependentes;
IV - medidas de proteção a vítimas e testemunhas
de crimes e de violações de direitos;
V - direito de transferir recursos decorrentes de sua
renda e economias pessoais a outro país, observada
a legislação aplicável;
VI - direito de reunião para fins pacíficos;
VII - direito de associação, inclusive sindical, para
fins lícitos;
VIII - acesso a serviços públicos de saúde e de
assistência social e à previdência social, nos termos
da lei, sem discriminação em razão da nacionali-
dade e da condição migratória; (BRASIL, 2017,
não paginado).

104
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

Nesse contexto, o migrante possui o direito de acessar


livremente a justiça e tem direito a assistência jurídica integral
gratuita quando comprovar insuficiência de recursos, bem como
o direito à educação pública, vedada a discriminação em razão
da nacionalidade e da condição migratória e o cumprimento da
legislação trabalhista.

A lei em questão estabelece ainda que o migrante terá


direito às informações que demandar, sendo que os seus dados
deverão ser tratados com respeito, sigilo e confidencialidade.

É direito do migrante, estabelecido na Lei nº 13.445/2017,


ter acesso a todos os direitos que são próprios de qualquer cidadão,
tais como a abertura de conta bancária e desenvolver as suas ativi-
dades profissionais, sendo recebido nos distintos locais de interesse
comercial, tributário e financeiro, com civilidade e respeito, em
vista da demanda por promoção e proteção dos Direitos Humanos.

De modo efetivo, Moraes (2017) menciona que os Estado


que recebem migrantes, não raro, definem as condições para o
ingresso e permanência do estrangeiro migrante, observando os
interesses da própria estrutura estatal, desconsiderando Direito
Humano de Imigrar.

Para Sayad (1998), para o Estado, a função da migração


possui saldo positivo, caso comporte vantagens para sua economia
e basicamente nenhum custo, já que um estrangeiro se constitui
essencialmente em força de trabalho que possui caráter transitó-
rio, ao menos para o Estado. Este não é capaz de reconhecer as
necessidades e demandas provenientes do próprio sujeito-migrante,
considerando suas capacitações, escolaridade e bagagens culturais.

105
Capítulo 5

Para Redin (2013), demanda-se que o indivíduo aja de


modo consonante com as decisões do Estado a respeito de sua
vivência, eliminando as suas demandas e expectativas individuais
em função da migração, sendo o migrante enquadrado dentro de
categorias estruturais, como voluntário ou regular, e a vontade do
indivíduo migrante precisa adequar-se às necessidades do país de
destino (REDIN, 2013).

A Lei nº 13.445/2017 descreve que o migrante deve ter o


direito de sair, de permanecer e de reingressar em território nacio-
nal, mesmo enquanto pendente pedido de autorização de residência,
de prorrogação de estada ou de transformação de visto em autori-
zação de residência, bem como de ser informado sobre as garantias
que lhe são asseguradas para fins de regularização migratória.

É importante compreender que todos os direitos e as garan-


tias que estão preconizadas nessa lei devem ser exercidos com base
nos princípios constitucionais, sem que se considere a sua situação
migratória, não excluindo os direitos que sejam resultados de outros
pactos e tratados de que o Brasil faz parte.

Quanto à situação do documento do migrante, o artigo 5º


dispõe que são:
I - passaporte;
II - laissez-passer;
III - autorização de retorno;
IV - salvo-conduto;
V - carteira de identidade de marítimo;
VI - carteira de matrícula consular;
VII - documento de identidade civil ou documento
estrangeiro equivalente, quando admitidos em
tratado;
VIII - certificado de membro de tripulação de trans-
porte aéreo; e
IX - outros que vierem a ser reconhecidos pelo
Estado brasileiro em regulamento. (BRASIL, 2017,
não paginado).

106
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

Os referidos documentos serão emitidos pelo Estado brasi-


leiro, cabendo a seu titular a posse direta e o uso regular.

No que se refere aos vistos, o artigo 6º menciona que este


é o documento que dá a sua titular expectativa de ingresso em
território nacional, sendo concedidos por embaixadas, consula-
dos-gerais, consulados, vice-consulados e, quando habilitados pelo
órgão competente do Poder Executivo, por escritórios comerciais
e de representação do Brasil no exterior.

Cabe questionar o disposto no artigo 40 que trata da auto-


rização para ingresso no país de indivíduos que se encontrem sem
visto, que sejam titulares de visto emitido com erro ou omissão,
dos que tenham perdido a condição de residentes por terem per-
manecido ausentes do Brasil, mas que apresentem as condições
objetivas para a concessão de nova autorização de residência.

Quanto às crianças e adolescentes desacompanhados de


responsável legal e sem autorização, estes serão encaminhados ao
Conselho Tutelar ou, em caso de necessidade, a instituição indicada
pela autoridade competente.
Ou seja, a oportunidade de concessão de visto ainda
está à mercê do poder discricionário do Estado,
que mantém em prioridade sua conveniência em
aceitar ou não o imigrante. Isso acarreta no reforço
das travessias clandestinas que, em sua essência,
são um atentado à dignidade da pessoa humana
pelas situações a que são expostos os imigrantes.
Consequentemente, tem-se que a preocupação com
os direitos humanos é menos relevante caso com-
parado com os interesses nacionais, por exemplo.
Por conseguinte, pode-se perceber que essa preo-
cupação em implementar o cuidado aos direitos dos
imigrantes é superficial, pois não contempla total-
mente as demandas necessárias à efetivação de uma
vida digna aos imigrantes brasileiros (MORAES,
2017, p. 53).

107
Capítulo 5

Moraes (2017) discute que as modificações implementadas


representam um avanço para os migrantes, sendo que a abolição
do termo estrangeiro (que remete ao estranhamento) é um exemplo
do avanço rumo ao combate às discriminações, bem como à defesa
dos direitos humanos. No que se refere à concessão de vistos,
o autor reitera o interesse nacional prevalecendo em oposição à
necessidade de evolução da lei em favor dos mais fragilizados e
do direito do homem de imigrar.

De modo efetivo, estas são as condições postas para os


migrantes que se destinam ao território nacional, compreenden-
do-se que a categoria ainda é vitimada por uma série de vivências
de marginalidade e opressão, em vista de sua origem geográfica.

A QUESTÃO DA CONDIÇÃO JURÍDICA DO MIGRANTE


E DO VISITANTE

Na perspectiva dos interesses do Estado brasileiro, é ele-


mentar que os migrantes ofereçam alguma contribuição econômica
ao país, sendo considerados em muitos casos como pouco pro-
dutivos e responsáveis por utilizar os recursos que deveriam ser
disponibilizados aos nativos, o que fere a perspectiva dos direitos
humanos fundamentais.

Em vista do que preconiza a Declaração dos Direitos


Humanos, aqueles que fogem de suas fronteiras em decorrência
de situações de violência e opressão deveriam ser postos a salvo
de qualquer forma de violência, seja ela física ou psíquica. Dessa
forma, o Estado que os recebe deve assegurar os meios necessá-

108
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

rios para o desenvolvimento de uma vida digna, como a obtenção


dos direitos trabalhistas e vigilância ao desrespeito sofrido pelo
migrante no ambiente de trabalho e na vida em sociedade.

O que se torna inadmissível é que o migrante seja alvo de


qualquer modalidade de abusos ou que não possua os mecanismos
necessários para denunciá-los na condição de categoria organizada.

Moraes (2017) menciona que, numa situação como essa, os


direitos são suprimidos e a possibilidade de concessão de vistos e
permanência dificultados, prevalecendo a clandestinidade e a falta
de voz e possibilidade de mudança digna na sociedade.

Nesse contexto, o artigo 23 da Lei nº 13.445/2017 estabe-


lece o direito do residente fronteiriço, com a intenção de facilitar
a sua livre circulação que poderá ser-lhe concedida por meio de
requerimento e autorização para a realização de atos da vida civil,
sendo indicado na autorização o Município fronteiriço no qual o
residente estará autorizado a exercer os seus direitos, bem como
o espaço geográfico de abrangência e de validade da autorização
será especificado no documento de residente fronteiriço (BRASIL,
2017).

O artigo 25 menciona que o documento de residente fron-


teiriço poderá ser cancelado, caso o titular venha a fraudar o docu-
mento ou utilizar documento falso para obtê-lo, ou ainda obtiver
outra condição migratória, sofrer condenação penal e exercer
direito fora dos limites previstos na autorização.

Em vista dos diferentes conflitos políticos e militares que


estão em curso ao longo do globo, muito indivíduos acabam não
sendo titulares de qualquer nacionalidade, ou seja, não são consi-

109
Capítulo 5

derados nacionais por qualquer Estado. Estes são enquadrados no


artigo 26 da Lei nº 13.445/2017 que estabelece o instituto protetivo
especial para o apátrida, consolidado em processo simplificado de
naturalização, que é iniciado tão logo seja reconhecida a situação
de apátrida.

§ 2º Durante a tramitação do processo de reconhe-


cimento da condição de apátrida, incidem todas as
garantias e mecanismos protetivos e de facilitação
da inclusão social relativos à Convenção sobre o
Estatuto dos Apátridas de 1954, promulgada pelo
Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002, à Con-
venção relativa ao Estatuto dos Refugiados, pro-
mulgada pelo Decreto no 50.215, de 28 de janeiro
de 1961, e à Lei no 9.474, de 22 de julho de 1997
(BRASIL, 2017, não paginado).

Dessa forma, entende-se que se aplicam ao apátrida resi-


dente todos os direitos atribuídos ao migrante relacionados no artigo
4º, sendo que o reconhecimento da condição de apátrida assegura
os direitos e garantias previstos na Convenção sobre o Estatuto dos
Apátridas, de 1954, promulgada pelo Decreto no 4.246, de 22 de
maio de 2002, bem como outros direitos e garantias reconhecidos
pelo Brasil. Nessa perspectiva, o processo de reconhecimento da
condição de apátrida tem como objetivo verificar se o solicitante
é considerado nacional pela legislação de algum Estado e poderá
considerar informações, documentos e declarações prestadas pelo
próprio solicitante e por órgãos e organismos nacionais e interna-
cionais (BRASIL, 2017).

Após reconhecida a condição de apátrida, o solicitante será


consultado sobre o desejo de adquirir a nacionalidade brasileira e,
caso opte por ela, cabe mencionar que a decisão sobre o reconheci-
mento será encaminhada ao órgão competente do Poder Executivo

110
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

para publicação dos atos necessários à efetivação da naturalização


no prazo de 30 (trinta) dias, em consonância com o artigo 65.

Já os que não optarem pela naturalização imediata gozarão


do direito de autorização de residência outorgada em caráter defi-
nitivo. Caso persista o reconhecimento da condição de apátrida,
é proibida a devolução do indivíduo para país de origem em vista
do risco que corre de ter atingida a sua integridade pessoal ou
liberdade. Além disso, é reconhecido o direito de reunião familiar
após o reconhecimento da condição de apátrida.

No que se refere ao asilado, o artigo 27 estabelece que o


asilo político, que constitui ato discricionário do Estado, poderá
ser diplomático ou territorial e será outorgado como instrumento
de proteção à pessoa, sendo que não poderá ser concedido asilo a
quem tenha cometido crime de genocídio, crime contra a humani-
dade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos do Estatuto
de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado
pelo Decreto no 4.388, de 25 de setembro de 2002:

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se


por “genocídio”, qualquer um dos atos que a seguir
se enumeram, praticado com intenção de destruir,
no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico,
racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de
membros do grupo; b) Ofensas graves à integri-
dade física ou mental de membros do grupo; c)
Sujeição intencional do grupo a condições de vida
com vista a provocar a sua destruição física, total
ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a
impedir nascimentos no seio do grupo; e) Trans-
ferência, à força, de crianças do grupo para outro
grupo (BRASIL, 2002, não paginado).

111
Capítulo 5

Há que se considerar ainda que a saída do asilado do país


sem prévia comunicação implica renúncia ao asilo.

Quanto à autorização de residência, o artigo 30 entende


que poderá ser autorizada, mediante registro, ao imigrante, ao resi-
dente fronteiriço ou ao visitante quando a referida residência tenha
como fins: pesquisa, ensino, extensão acadêmica, tratamento de
saúde, acolhida humanitária, estudo, trabalho, férias-trabalho,
prática de atividade religiosa ou serviço voluntário, realização de
investimento ou de atividade com relevância econômica, social,
científica, tecnológica ou cultural e reunião familiar.

A Lei nº 13.445/2017 destaca ainda que a autorização será


concedida para o indivíduo que seja beneficiário de tratado em
matéria de residência e livre circulação, bem como seja detentor de
oferta de trabalho. Além do que já tenha possuído a nacionalidade
brasileira e não deseje ou não reúna os requisitos para readquiri-la
o ainda seja beneficiário de refúgio, de asilo ou de proteção ao
apátrida. Existe ainda a situação em que seja menor nacional de
outro país ou apátrida, desacompanhado ou abandonado, que se
encontre nas fronteiras brasileiras ou em território nacional.

Além disso, existem situações extremas em que o indivíduo


é vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de violação
de direito agravada por sua condição migratória ou ainda esteja
em liberdade provisória ou em cumprimento de pena no Brasil.

Cabe considerar que não se concederá a autorização de resi-


dência a pessoa condenada criminalmente no Brasil ou no exterior
por sentença transitada em julgado, desde que a conduta esteja
tipificada na legislação penal brasileira, ressalvados os casos em
que a conduta caracterize infração de menor potencial ofensivo.

112
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

Observação importante a ser mencionada é que o solicitante


de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida fará jus à autorização
provisória de residência até a obtenção de resposta ao seu pedido,
podendo ser concedida autorização de residência, independente-
mente, da situação migratória.

Há que se mencionar a demanda por reunião familiar, esta-


belecendo a referida lei que o visto ou a autorização de residência
para fins de reunião familiar serão concedidos ao imigrante:

I - cônjuge ou companheiro, sem discriminação


alguma;
II - filho de imigrante beneficiário de autorização
de residência, ou que tenha filho brasileiro ou imi-
grante beneficiário de autorização de residência;
III - ascendente, descendente até o segundo grau
ou irmão de brasileiro ou de imigrante beneficiário
de autorização de residência; ou
IV - que tenha brasileiro sob sua tutela ou guarda
(BRASIL, 2017, não paginado).

O disposto no referido artigo visa garantir o direito à convi-


vência familiar que é estabelecido na Constituição brasileira, além
de constituir-se em uma prerrogativa dos direitos fundamentais
do indivíduo. Há que se garantir que os problemas decorrentes da
necessidade por buscar uma nova pátria não separem os integrantes
da mesma estrutura familiar ou deixem-nos em desabrigo ou con-
dições inadequadas, sem que possam gozar dos mesmos direitos
que seus entes fraternos.

Nas práticas xenofóbicas que se passam no


momento em que o migrante é identificado como
o “de fora” em um território, o (ir)raciocínio que
se desenvolve segue esse entendimento, guiado
pela razão metonímica, em que aquele que ocupa

113
Capítulo 5

a zona do ser entende que, naquele território que


ele denomina como seu, o migrante só pode estar
nele se aceitar subjugar-se frente à suas práticas,
normalmente ocidentais, que operam como domi-
nantes. Quando isso se quebra, ou seja, quando o
migrante começa a se estabelecer como um ser de
direitos, que, além de estar fisicamente presente
naquela comunidade, quer se fazer presente nas
decisões dela, no seu corpo político, na sua agenda
social, a parte dominante começa a se sentir inco-
modada, e busca nas práticas racistas e xenofóbicas
a maneira de se colocar frente a essa nova realidade
(POZZA, 2016, p. 5).

De acordo com Pozza (2016), o migrante e sua família


devem estar a salvo de qualquer prática de xenofobia por parte da
população, devendo-se desconstruir a compreensão secular de que
o migrante que chega ao território brasileiro é uma ameaça para o
trabalhador brasileiro no mercado de trabalho. Esta compreensão é
arraigada de senso comum e demonstra o afastamento da população
para com o sujeito dos processos de migração, explicitando ainda
mais a questão da estigmatização social.

Não se pode atrelar a migração a uma lógica de fuga da


pobreza, intensificando a marginalização a que o migrante está
sujeito.

A OPÇÃO DE NATURALIZAÇÃO E NACIONALIDADE

Uma questão importante a ser mencionada e que está dis-


posta no artigo 63 é a da naturalização e da nacionalidade, sendo
que o filho de pai ou de mãe brasileiros nascido no exterior e que

114
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

não tenha sido registrado em repartição consular poderá, a qualquer


tempo, promover ação de opção de nacionalidade, sendo que as
condições da naturalização podem ser: ordinária, extraordinária,
especial ou provisória.

No que se refere à sua concessão, esta poderá ser atribuída


a todos aqueles que apresentam capacidade civil, segundo a lei
brasileira, assim como asilados residentes em residência em ter-
ritório nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos. É requisito
que o indivíduo se comunique em língua portuguesa, além de não
possuir condenação penal.

De modo efetivo, o artigo 66 dispõe que o prazo de resi-


dência fixado no inciso II do caput do art. 65 será reduzido para,
no mínimo, 1 (um) ano se o naturalizando:

II - tiver filho brasileiro;


III – tiver cônjuge ou companheiro brasileiro e
não estiver dele separado legalmente ou de fato
no momento de concessão da naturalização;
V - houver prestado ou puder prestar serviço rele-
vante ao Brasil; ou
VI - recomendar-se por sua capacidade profissio-
nal, científica ou artística (BRASIL, 2017, não
paginado).

Existe ainda a possibilidade da naturalização extraordinária,


que será concedida a pessoa de qualquer nacionalidade fixada no
Brasil há mais de 15 (quinze) anos ininterruptos e sem condenação
penal, desde que requeira a nacionalidade brasileira. Já a natura-
lização especial, esta poderá ser concedida ao estrangeiro que se
encontre em uma das seguintes situações:

115
Capítulo 5

I - seja cônjuge ou companheiro, há mais de 5


(cinco) anos, de integrante do Serviço Exterior
Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do
Estado brasileiro no exterior; ou
II - seja ou tenha sido empregado em missão
diplomática ou em repartição consular do Brasil
por mais de 10 (dez) anos ininterruptos (BRASIL,
2017, não paginado).

A Lei nº 13.445/2017, em seu artigo 70 (BRASIL, 2017)


recomenda que a naturalização provisória poderá ser concedida à
migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em
território nacional antes de completar 10 (dez) anos de idade e
deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal,
sendo que poderá ser convertida em definitiva se o naturalizando,
expressamente, assim o requerer no prazo de 2 (dois) anos após
atingir a maioridade. No curso do processo de naturalização, o
naturalizando poderá requerer a tradução ou a adaptação de seu
nome à língua portuguesa.

Não se pode desconsiderar que o pedido de naturalização


será apresentado e processado na forma prevista pelo órgão com-
petente do Poder Executivo, sendo cabível recurso em caso de
denegação.

Quanto aos direitos e deveres eleitorais, o artigo 72 men-


ciona que, no prazo de até 1 (um) ano após a concessão da naturali-
zação, deverá o naturalizado comparecer perante a Justiça Eleitoral
para o devido cadastramento, a fim de exercer um dos aspectos
mais importantes da cidadania, que é o direito a eleger os seus
representantes.
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,
com valor igual para todos, e, nos termos da lei,

116
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito
anos.
§ 2º Não podem alistar-se como eleitores os estran-
geiros e, durante o período do serviço militar obri-
gatório, os conscritos (BRASIL, 1988, p. 27).

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) dedica atenção


especial à necessidade de que o cidadão brasileiro exerça os seus
direitos eleitorais, em vista de serem os representantes populares
nas Câmaras Municipais, Estaduais e Federais grandes responsá-
veis pela proposição de leis e também por zelarem pelo cumpri-
mento das legislações já existentes.

No que concerne à perda da nacionalidade, esta poderá


ocorrer quando ao naturalizado for atribuída condenação transitada
em julgado por atividade nociva ao interesse nacional. De modo
fundamental, a possibilidade de geração de situação de apátrida
será levada em consideração antes da efetivação da perda da nacio-
nalidade (BRASIL, 2017).

CARACTERIZAÇÃO DAS MEDIDAS DE COOPERAÇÃO


ENTRE PAÍSES

No que concerne à extradição, o artigo 81 destaca que esta


é a medida de cooperação internacional entre o Estado brasileiro e

117
Capítulo 5

outro Estado pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa


sobre quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de
instrução de processo penal em curso, sendo efetivada por meios
diplomáticos ou ainda através de autoridades centrais designadas
para tal finalidade.

Há que se mencionar que a extradição e sua rotina de comu-


nicação serão realizadas pelo órgão competente do Poder Executivo
em coordenação com as autoridades judiciárias e policiais compe-
tentes. Existem situações em que a extradição não será concedida,
conforme dispõe o artigo 82:

I - o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil


for brasileiro nato;
II - o fato que motivar o pedido não for considerado
crime no Brasil ou no Estado requerente;
III - o Brasil for competente, segundo suas leis,
para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV - a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão
inferior a 2 (dois) anos;
V - o extraditando estiver respondendo a processo
ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil
pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;
VI - a punibilidade estiver extinta pela prescrição,
segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
VII - o fato constituir crime político ou de opinião;
VIII - o extraditando tiver de responder, no Estado
requerente, perante tribunal ou juízo de exceção; ou
IX - o extraditando for beneficiário de refúgio, nos
termos da Lei no 9.474, de 22 de julho de 1997, ou
de asilo territorial (BRASIL, 2017, não paginado).

De acordo com Coelho e Spessotto (2017), a previsão que


consta do inciso VII do caput não impedirá a extradição quando
o fato constituir, principalmente, infração à lei penal comum ou
quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato

118
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

principal, sendo que caberá à autoridade judiciária competente a


apreciação do caráter da infração.

Pode-se mencionar o caso Cesare Battisti, que nos anos


1970 era integrante, na Itália do grupo guerrilheiro Proletários
Armados pelo Comunismo (PAC), sendo acusado de participar de
quatro assassinatos. Em fuga, desloca-se para a França em 1979,
sendo que, em 1988, a Justiça de Milão condena o ex-ativista (à
revelia) Battisti à prisão perpétua. O ex-ativista nega todas as
acusações, chegando ao Brasil em 2004.

Em 2007, é preso no Rio de Janeiro e transferido para a


Penitenciária da Papuda, em Brasília, detido preventivamente, rece-
bendo do Ministério da Justiça a condição de refugiado político.
No ano de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a
extradição de Battisti, mas há a recomendação de decisão final do
presidente da República. Este, em 31 de dezembro de 2010, negou
a extradição (GIRALDI, 2011).

Atualmente, vive no Brasil, pois foi beneficiado, em 2010,


por um decreto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que
negou à Itália o pedido de extradição.

Diante do exposto, cumpre ressalvar que o artigo 83 esta-


belece que são condições para concessão da extradição:

I - ter sido o crime cometido no território do Estado


requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as
leis penais desse Estado; e
II - estar o extraditando respondendo a processo
investigatório ou a processo penal ou ter sido con-
denado pelas autoridades judiciárias do Estado
requerente a pena privativa de liberdade (BRASIL,
2017, não paginado).

119
Capítulo 5

Cabe mencionar que o artigo 84 determina que, caso a


demanda seja urgente, o Estado interessado na extradição poderá,
previamente ou conjuntamente com a formalização do pedido
extradicional, requerer, por via diplomática ou por meio de auto-
ridade central do Poder Executivo, prisão cautelar com o objetivo
de assegurar a executoriedade da medida de extradição que, após
exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade
exigidos nesta Lei ou em tratado, deverá representar à autoridade
judicial competente, ouvido previamente o Ministério Público
Federal (BRASIL, 2017).

O artigo 86 retrata ainda que o Supremo Tribunal Federal,


ao ouvir o Ministério Público, poderá autorizar prisão albergue ou
domiciliar ou determinar que o extraditando responda ao processo
de extradição em liberdade, com retenção do documento de viagem
ou outras medidas cautelares necessárias, até o julgamento da extra-
dição ou a entrega do extraditando, se pertinente, considerando a
situação administrativa migratória, os antecedentes do extraditando
e as circunstâncias do caso (BRASIL, 2017).

Vieira (2017) menciona que a transferência de pessoa con-


denada poderá ser concedida quando o pedido se fundamentar
em tratado ou houver promessa de reciprocidade, sendo que o
condenado no território nacional poderá ser transferido para seu
país de nacionalidade ou país em que tiver residência habitual ou
vínculo pessoal, desde que expresse interesse nesse sentido, a fim
de cumprir pena a ele imposta pelo Estado brasileiro por sentença
transitada em julgado.

O autor afirma que a transferência de pessoa condenada no


Brasil pode ser concedida juntamente com a aplicação de medida

120
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

de impedimento de reingresso em território nacional, quando preen-


chidos os seguintes requisitos:

I - o condenado no território de uma das partes for


nacional ou tiver residência habitual ou vínculo
pessoal no território da outra parte que justifique
a transferência;
II - a sentença tiver transitado em julgado;
III - a duração da condenação a cumprir ou que
restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano,
na data de apresentação do pedido ao Estado da
condenação;
IV - o fato que originou a condenação constituir
infração penal perante a lei de ambos os Estados;
V - houver manifestação de vontade do condenado
ou, quando for o caso, de seu representante; e
VI - houver concordância de ambos os Estados
(BRASIL, 2017, não paginado).

Diante do exposto, compreende-se que a Lei nº 13.445/2017


é bastante precisa ao estabelecer os limites e as possiblidade para
o ingresso e permanência de estrangeiros no Brasil para garantir
que nenhuma injustiça e desrespeito aos direitos humanos funda-
mentais sejam cometidos. O migrante que demanda apoio logístico
e socieconômico em um país precisa se encontrar ao abrigo da
legislação pertinente, sendo atendido em suas múltiplas demandas
e necessidades fundamentais.

Oliveira (2017) discute que, apesar dos vetos, a Lei nº


13.445/2017 representa avanço fundamental no tratamento atri-
buído à questão migratória no Brasil, expandindo a compreensão
de que tanto os migrantes que estão no país, como os que estão para
ingressar, além dos brasileiros que emigraram para o exterior. De
modo efetivo, o maior avanço foi o fim do anacronismo do Estatuto
dos Estrangeiros, aparato jurídico inspirado na Ditadura, cuja base

121
Capítulo 5

se assentava na doutrina da segurança nacional e que vigorava


mesmo depois da aprovação da Constituição Democrática de 1988.

É importante mencionar ainda a mudança de enfoque desse


novo marco legal das migrações, agora com ênfase na garantia dos
direitos das pessoas migrantes, tanto dos estrangeiros que por aqui
aportam quanto dos brasileiros que vivem no exterior.

CONCLUSÃO

No que se refere aos avanços introduzidos pela Lei nº


13.445/2017, pode-se mencionar que ainda existem muitos desa-
fios a serem vencidos nesse campo, deixando claro que os desafios
imigratórios ainda existem e se intensificam à medida que os con-
flitos políticos e sociais crescem ao longo do globo.

Algumas situações complexas emergem quando, da


demanda por ingresso em nação estrangeira, reitere a questão da
dificuldade de concessão de visto, questão primordial para a estru-
turação do cotidiano em um novo país. A Lei nº 13.445/2017 intenta
transcender essa dificuldade, criando dispositivos que facilitam o
ingresso de estrangeiros no país.

Além disso, visa descontruir a ideia predominante de que


o estrangeiro é uma ameaça ao trabalhador brasileiro. A migração
deve ser entendida como uma questão humanitária, nos moldes
preconizados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Cumpre mencionar a demanda por modificação da cons-


ciência a respeito dos fluxos imigratórios e não somente a legisla-

122
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
Fundamentais do Migrante no Brasil

ção, pois os pequenos avanços na lei, infelizmente, não acompa-


nham a realidade direcionada aos imigrantes no Brasil.

De fato, a questão dos direitos humanos estrutura-se pelas


agendas internacionais e, assim, influenciam as condutas legislati-
vas referentes aos fluxos migratórios. Mas, não basta somente uma
lei para que as práticas se alterem, sendo urgente a transformação
da consciência social da população brasileira.

A Lei nº 13.445/2017 atende, parcialmente, a necessidade


por retirar o migrante da condição de marginais para a condição
de integrantes da sociedade civil organizada.

De fato, a demanda por melhores condições de vida tem


aumentado significativamente o fluxo migratório para o Brasil, mas a
conjuntura política atual impõe condições desfavoráveis ao migrante.

A análise da conjuntura global mostra que não é mais pos-


sível impedir os fluxos globais de deslocamentos populacionais,
o que demanda do Estado uma atuação contingente, no sentido de
encontrar soluções para esses migrantes que os integrem à vida em
sociedade e lhe garantam o exercício da cidadania.

De modo efetivo, verifica-se que as ações criadas para bar-


rar a imigração acabam, logicamente, dificultando a realização
da entrada desses imigrantes, obrigando-os a se submeterem aos
meios clandestinos e desumanos para obter êxito na travessia entre
os países, os quais possuem elevados riscos para os sujeitos do
processo migratório.

É elementar que a legislação dos diferentes países reco-


nheça o direito humano de migrar e de ser recebido com dignidade
e respeito pelo país que abriga.

123
Capítulo 5

REFERÊNCIAS

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civilizatórios” e a atual configuração polarizada. 2015. 284 f. Tese (Dou-
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ponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/
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COELHO, F. A.; SPESSOTTO, R. Z. (Org.) Lei de migração: lei nº


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GIRALDI, R. Entenda o caso Battisti. Carta Capital. 2011. Disponível


em: https://www.cartacapital.com.br/internacional/entenda-o-caso-bat-
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MORAES, M. W. Entre fronteiras e descasos: uma análise acerca dos


entraves normativos à efetivação dos direitos fundamentais ao imigrante
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124
A Importância da Lei nº 13.445/2017 para a Preservação dos Direitos
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POZZA, N. F. D. O racismo e a xenofobia no fenômeno migratório


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REDIN, G. Direito de imigrar: direitos humanos e espaço público.


Florianópolis: Conceito Editorial, 2013.

RODRIGUES, H. A pedofilia e suas narrativas: uma genealogia do


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SAYAD, A. A imigração e os paradoxos da alteridade. São Paulo:


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VIEIRA, J. L. Lei de migração e legislação complementar: lei nº


13.445, de 24 de maio de 2017. São Paulo: Edipro, 2017.

125
CAPÍTULO 6

A PRÁTICA DE FAKE NEWS FRENTE


AO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO

Larissa Ribeiro de Almeida Viana


Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

O termo Fake News é sinônimo de notícias falsas. Infor-


mações tendenciosas que divergem da verdade não deveriam
ser compartilhadas, entretanto, não é raro encontrá-las nas redes
sociais que utilizamos. Utiliza-se tal ferramenta ilícita para inú-
meras finalidades, desde enganar alguém, pregar má fama ou, em
vários casos, aplicar golpes e estelionatos.

A finalidade de uma Fake News é dar início a uma polêmica


ou a uma situação, de forma a trazer ônus para uma pessoa em
específico ou um grupo, por exemplo: uma empresa, desta forma
contribuindo para criar falsas ideias, informações, notícias etc.

Justamente por ter um teor que vai do drama à polêmica, as


Fake News tendem a chamar atenção de muitas pessoas, principal-
mente, quando estas estão desprovidas de senso crítico (PEREIRA,
2019). Desta forma, todos os conteúdos que sejam falsos têm
potencial para agir como uma “arma” ilegal.

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 127


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 6

Na política, por exemplo, as notícias falsas são usadas com


o objetivo de criar descrédito à reputação de algum candidato ou
partido, o que pode ser crucial em um processo eleitoral.

É válido colocar de uma maneira bastante sintética que


o fenômeno das Fake News gera desta forma, algo como uma
relativização da verdade, ao passo que as pessoas fundamentadas
em informações enganosas podem vir a cometer qualquer tipo de
desvario, como será elucidado mais adiante no corpo do trabalho.
Dessa forma, sejam essas informações dirigidas a pessoas famosas
ou desconhecidas, algum impacto daninho será gerado, pois tudo
aquilo que está fora da verdade real dos fatos, sendo assim con-
teúdo fantasioso deve ser tido como algo a ser desconsiderado e
não como base de atitudes que possam vir a destruir a carreira de
alguém, vir a gerar a falência de empresas (como se verifica em
casos de espionagem empresarial) ou mesmo, quando da detur-
pação de histórias da vida pessoal de alguém, como é o caso de
biografias que em sua narrativa compõem fatos inverossímeis da
vida do biografado (PEREIRA, 2019).

É impossível negar que o principal pano de fundo para o


surgimento e proliferação dos fenômenos explicitados nesse tra-
balho é o cenário político, ainda mais nos tempos atuais, haja
vista que diversos acontecimentos no campo político mundial têm
ganhado destaque.

[...] a Internet tornou-se um cenário propício para


que usuários, tanto jornalistas como leitores leigos,
sintam-se com liberdade de produzir, compartilhar
e expressar suas opiniões e conceitos sobre quais-
quer temas, sobretudo política. Já os profissionais
jornalistas e pesquisadores do campo acadêmico
observam uma tensão cada vez mais crescente, em

128
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

seus ambientes de trabalho e estudo, visto que esse


assunto acaba depondo contra os princípios jor-
nalísticos consagrados como os de agendamento,
apuração junto a uma diversidade de fontes, con-
fronto de versões contraditórias, etc. para a redação
de notícias (ROCHA, 2019, não paginado).

Cabe ressaltar, ainda uma vez mais, que todo humano é


falível, porém é preciso sempre se pautar pelo canal de divulgação
de informações e, no caso da área jornalística, o cuidado deve ser
redobrado, senão teríamos a verdade pessoal de cada jornalista ao
transmitir um fato para a população e não a profissão de informar
como um meio para que a população tenha garantido o seu direito
a informação fidedigna, como está descrito no artigo art. 5º, inciso
XXXIII, de que todo cidadão tem direito ao acesso à informação
(BRASIL, 1988).

É válido citar quando, por exemplo, determinado artista


ou político, em algum momento de confabulação, diz algo em um
contexto muito específico compatível com o evento em que se
encontra e, em momento posterior, as manchetes da “mídia” levam
ao ar algum excerto que, isoladamente, transforma-se em conteúdo
comprometedor e até mesmo criminoso.

A criação das redes sociais permite que façamos um ques-


tionamento ao trabalho jornalístico. Muitos grupos populares, os
famosos coletivos - como são denominados os grupos militantes
em movimentos sociais - têm vetado a colaboração com a atividade
profissional jornalística.

No entanto, as ameaças externas ao jornalismo vêm de


muito longe. Ao estudar as origens da atividade jornalística, iden-
tificam-se o jornalismo literário e sua deontologia impregnada dos

129
Capítulo 6

valores emancipacionistas da modernidade. Em oposição a ele,


destacam-se um jornalismo empresarial e valores de mercado inter-
nacional de bens e serviços, presentes na globalização. Na esteira
disso, surge o jornalismo colaborativo promovendo novas bases
para a credibilidade jornalística (PEREIRA, 2019).

CARACTERIZAÇÃO DA PRÁTICA DE FAKE NEWS

As fakes News são e serão, a cada dia que passa, fenôme-


nos com os quais se deve conviver, pois, em matéria de sociedade
informatizada, é perfeitamente plausível que do mesmo modo com
que se facilitou o acesso a conteúdo culturais, acadêmicos, infor-
mativos, científicos, históricos etc, a era da informação digital
traz em seu bojo pessoas de caráter duvidoso, que vão se valer da
publicidade e do fácil acesso aos meios digitais para fazer maldade
pela maldade, como é o caso de psicopatas, verdadeiros piratas da
era digital, ou mesmo como se saltam aos olhos instrumentos de
profissionais que, valendo-se de conteúdo manifestamente inglório,
valem-se, para lograr êxito em algum feito, de fatos que possam
vir a encaminhar os acontecimentos para o seu norte desejado,
manipulando as massas, transformando pessoas em instrumentos
de pressão para um ou outro fim espúrio.

A questão que assume fulcral importância reside no fato


empiricamente comprovado de que a criação e disseminação de
notícias falsas têm capacidade potencial de influenciar o resultado
de um pleito eleitoral, atingindo o Estado Democrático de Direito
em sua essência: a emanação do poder pelo povo, no exercício da

130
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

escolha de seus representantes políticos, que consiste em Cláusula


Constitucional Pétrea (parágrafo único do artigo 1.º, da Consti-
tuição Federal). Não por outro motivo, diversas instituições da
República vêm criando mecanismos de estudo e defesa contra a
possibilidade de haver influência indevida na escolha dos agentes
políticos. Nesse sentido, cita-se a criação pela Polícia Federal de
grupo de trabalho em conjunto com o Tribunal Superior Eleitoral
e a Procuradoria Geral da República, para coibir fake news nas
eleições de 2018. Vejamos:

Antes de penetrar na análise do tratamento jurí-


dico das notícias falsas, igualmente importante é
conhecer os parâmetros de identificação das mes-
mas, principalmente de maneira a manter intactos
os princípios da Liberdade de Imprensa e de Opi-
nião, mandamentos já há muito consagrados no
texto constitucional (art. 5.º, incisos IV e IX; art.
220 e ss. da CF).Nos últimos anos, tem-se obser-
vado diversas iniciativas de países, no sentido de
combater notícias falsas e artigos que promovam
a desinformação, evidenciando a importância da
questão para a comunidade mundial. A União Euro-
peia já sinalizou sua disposição em regulamentar
e combater o problema, monitorando as notícias
falsas e retirando-as de circulação o mais rápido
possível, porém sempre atenta à conciliação com
liberdades e direitos fundamentais. A primeira
iniciativa brasileira no combate à veiculação e
disseminação de notícias falsas encontrava-se na
Lei de Imprensa (Lei n. 5.250, de 09/02/1967)22,
declarada pelo Supremo Tribunal Federal como não
recepcionada pela Constituição de 88, nos termos
da ADPF 130-7/DF, da relatoria do Ministro Carlos
Ayres Britto (LOBO, 2018, não paginado).

Após evidenciar a importância desta discussão e prever


os impactos nas eleições vindouras, tal Ministro disse que criaria
uma força tarefa composta pelas agências de inteligência gover-

131
Capítulo 6

namentais com a participação das Forças Armadas, especialistas


nacionais e internacionais e que também contará com a presença
de representantes das grandes mídias sociais, também se farão
presentes o Ministério Público e a Polícia Federal, que buscarão
lutar pela liberdade de informação dos eleitores.

À sociedade caberá, através das instituições estabelecidas,


reprimir e punir a criação e disseminação de fake news, porém
preservando as garantias da liberdade de imprensa e livre mani-
festação do pensamento.

IMPACTOS DAS FAKE NEWS NA IMAGEM PÚBLICA E


REPUTAÇÃO DOS INDIVÍDUOS

O impacto de notícias falsas no contexto político e a veloci-


dade atual com que estas se espalham têm sido um dos mais impor-
tantes debates da comunicação social atualmente. Essa discussão
surgiu a partir do que foi vivenciado por eleitores e candidatos em
algumas das mais intrigantes disputas eleitorais dos últimos tempos
e tem trazido impacto também no ambiente legislativo.

Ao começar a análise sobre Fake News, optou-se por partir


da premissa, importante e válida, em especial no contexto de disse-
minação de informação, “que os homens só absorvem a informação
de que sentem necessidade e/ou lhe seja inteligível ” (PIGNATARI,
2002, p. 209).

O correto é que, ao saber da informação, esta seja analisada


com lisura e responsabilidade, vez que somos cidadãos com voz

132
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

e nossas vozes fazem eco. Isto é, somos multiplicadores do que


ouvimos, aprendemos e sabemos.

Ao colocar essa afirmação como premissa, busca-se reco-


nhecer que, mesmo sendo falsas, as Fake News representam, essen-
cialmente, uma informação necessária e inteligível para quem tem
interesse nelas.

Segundo CASTELS (2019), Donald Trump, candidato à


presidência dos Estados Unidos da América em 2016, usou, cons-
tantemente, o termo Fake News em sua campanha, o que acabou
popularizando tal palavra. Em 2017, a palavra Fake News foi eleita
a palavra do ano pelo dicionário conceituado “Collins”. Isso por-
que “a internet é o meio de comunicação local-global mais livre
que existe, permitindo descentralizar os meios de comunicação de
massa. A internet é fundamentalmente um espaço social cada vez
mais amplo e diversificado” (CASTELS, 2005, p. 348).

E é exatamente nesse meio que esse novo conceito de


notícia falsa ganha impacto. O próprio modelo de comunicação
adotado pela internet colabora sensivelmente com a propagação
das Fake News, que usam chamadas curtas e de grande impacto
(CAMPOS, 2019).

Cabe reforçar ainda que outra razão pela qual as antigas


notícias falsas preocupavam menos é a de que o foco delas se con-
centrava no valor notícia, ainda que falso. As atuais Fake News se
concentram na construção da mensagem tipicamente replicável e
de alto impacto. O objetivo deixa de ser o valor notícia e passa a
ser o potencial público a ser atingido pela mensagem proposita-
damente falsa e mentirosa.

133
Capítulo 6

Um ponto a ser analisado é que as Fake News são uma


estratégia e não um erro, fortalecendo a ideia de que “a comu-
nicação é intencional e tem por objetivo obter um determinado
efeito sistematicamente relacionado com o conteúdo da mensagem”
(WOLF, 1995, p. 98).

E o que mais se deve destacar é que, como as Fake News


estão causando transtornos ao jornalismo profissional, a credi-
bilidade não é mais incontestável, uma vez que muitos utilizam
dessa manobra de forma errônea e indisciplinada a fim de disparar
matérias nas mídias sociais.

O indivíduo, ao buscar uma matéria na internet, deve estar


atento às fontes e, sempre que achar a matéria duvidosa, ao invés de
compartilhar, buscar outras fontes como parâmetros o que é extre-
mamente importante para impedir a proliferação das Fakes News.

Merrill Wasser, diretora de negócios da revista


americana Atlantic 57, começou sua apresenta-
ção no SXSW, neste sábado, 11, com um número
impactante: quase 60% das pessoas comparti-
lham manchetes sem sequer clicar no link para
ler a história. A generalização tem como base um
estudo feito por pesquisadores da Universidade da
Columbia e da Microsoft, que concluiu que 59%
dos links compartilhados no Twitter seriam fruto de
“blindshares” (compartilhamento cego (DUARTE,
2019, p. 82).

Nota-se que o compartilhamento de manchetes irrespon-


sável por parte da população é extremamente assustador, influen-
ciando diversos setores de forma negativa, trazendo transtornos
econômicos e psicológicos aos envolvidos. Aqueles que com-
partilham Fake News, infelizmente, se tornam alvos fáceis da

134
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

manipulação, sendo induzidos a fazer escolhas errôneas e, conse-


quentemente, essas escolhas trarão prejuízos financeiros, sociais,
psicológicos, pessoais entre outros.

Como mencionado anteriormente, a proliferação das Fake


News resulta em consequências e a desinformação ou informação
manipulada para aqueles leigos nos setores atingidos são capazes
de implicar, por exemplo, na propagação do ódio, aumento da
intolerância contra homossexuais e movimentos antivacina, por
exemplo.

Em 2014, no Brasil, as Fake News foram responsáveis por


fazer uma vítima. Fabiane Maria de Jesus foi espancada por várias
pessoas por ter sido confundida com alguém que, supostamente,
praticava rituais de magia negra envolvendo crianças. É totalmente
possível visualizar a quão perigosa é a circulação de informações
distorcidas, pois os efeitos podem ser catastróficos. Nesse caso,
em especifico, a vítima veio a óbito e, por meio de um processo de
investigação judicial, ficou comprovado que Fabiane não possuía
ligação nenhuma com o caso dos rituais divulgados pela mídia
(PEREIRA, 2019).

Outro exemplo a ser citado, também ocasionado no Bra-


sil, foi o homicídio da ex-vereadora Marielle Franco, do Rio de
Janeiro/RJ, a qual foi brutalmente assassina em virtude de uma
notícia que a relacionava com um grupo de traficantes local. As
informações divulgadas sugeriam que Marielle Franco havia sido
eleita sob influência do Comando Vermelho, uma facção extrema-
mente perigosa e conhecida no Brasil todo, no entanto, no decorrer
das investigações, foi comprovada a inocência da vereadora em
relação às acusações, porém tarde demais, uma vez que a verea-

135
Capítulo 6

dora sofreu as consequências das Fake News, resultando em sua


morte. A repercussão se deu de maneira expressiva, principalmente,
nas redes sociais como, por exemplo, no Twitter, onde, segundo
a Fundação Getúlio Vargas, houve 567 mil menções ao nome da
vereadora, atingindo um pico cerca de duas horas depois do homi-
cídio, com 594 “tuítes” por minuto.

É impossível negar que o principal pano de fundo para o


surgimento e proliferação dos fenômenos explicitados nesse tra-
balho é o cenário político.

A PUNIÇÃO À PRÁTICA DE FAKE NEWS

O artigo 5 assegura que é garantida ao indivíduo a liberdade


de livre pensamento e expressão, desde que, com reservas, pois,
em nível de esfera punitiva, existem os crimes contra honra quais
sejam: calúnia, injúria e difamação.

Configura calúnia o ato de imputar falso crime a alguém, já


a difamação é a imputação de fato ofensivo à reputação, enquanto
que a injúria trata-se da ofensa à dignidade ou ao decoro, conforme
previsto nos artigos 138, 139 e 140, respectivamente, no Código
Penal.

Desse modo, os crimes que antes eram cometidos de manei-


ras mais simples entre os particulares, com a sofisticação dos meios
para expressar opinião, também podem ser crimes cometidos
remotamente.

136
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

Segundo o texto que integra o projeto de Lei 6.812/2017,


conceitua-se crime “divulgar ou compartilhar, por qualquer meio,
na rede mundial de computadores, informação falsa ou prejudi-
cialmente incompleta em detrimento de pessoa física ou jurídica”,
assim, tais informações geram tumultos e falta de organização em
diversos setores da sociedade afetando a todos.

Em relação às falsas notícias gerando desinformações que


se proliferam na velocidade dos compartilhamentos e que são capa-
zes de influenciar e conduzir pessoas a ações infundadas, preju-
diciais ou perigosas. Milhares de usuários desatentos acabam por
contribuir para a sua proliferação que é um total perigo e deve
ser combatido. Uma falsa notícia ou boato pode difamar caluniar,
denegrir ou prejudicar a imagem de alguém, ofendendo a sua pes-
soa. Pode acabar com empresas, causar danos às pessoas e o mais
perigoso está relacionado à saúde, por falta de orientação e pesquisa
por parte do usuário local (CAMPOS, 2019).

Caso deixem-se cada vez mais proliferar essas falsas notí-


cias, podem-se gerar vários problemas a nossa sociedade, como
falta de segurança em si e nossas imagens prejudicadas. Como
forma de combate, as pessoas deveriam se questionar mais sobre
tal assunto e pesquisar em fontes seguras, como o site de notícias
da Globo e Uol e conscientizarem as pessoas a terem uma educação
digital melhor e ampliada.

Em virtude da forma com que as Fake News impactam o


meio social brasileiro, o Ministério da Justiça deve se aprimorar
e buscar meios para combatê-las e leis e sanções punitivas mais
vigorosas são a solução para impedir a contínua criação de con-
teúdo manipulado.

137
Capítulo 6

Segundo a Lei de Contravenções Penais do Brasil, é crime


a propagação de notícias falsas que resultem em pânico ou pre-
juízos às pessoas e à sociedade. Em oposição à norma jurídica
recepcionada pela Constituição Federal de 1988, vê-se que alguns
brasileiros, em plena era da informação, utilizam a internet para
propagar, de forma perigosa, notícias inverídicas, as chamadas
Fake News. Nesse contexto, há dois fatores que não podem ser
negligenciados, como a falta de legislação específica atualizada e
a impunidade para esses casos.

Em primeiro lugar, é necessário pontuar que a sociedade


se modifica conforme a época e as necessidades da sua população,
já que falta de uma legislação atual, assim causando, contempora-
neamente, uma desordem social. Em suma, se faz necessário criar
um ordenamento que disponha sobre os crimes digitais de forma
específica. Para provar que é necessário, basta ter ciência de que
a Lei de Contravenções Penais foi promulgada em 1941, ou seja,
há mais de 70 anos.

Assim, é possível perceber que uma Lei específica e atual,


certamente, assistirá melhor os anseios da sociedade. Ademais, é
conveniente ressaltar que a impunidade nos casos de notícias fakes
é preocupante e que a atuação do Ministério Público e Polícia Civil
dos Estados se mostra insuficiente.

Diante disso, vê-se que a impunidade é uma via oposta


da atuação altiva e vívida do Poder Público e da Sociedade Civil,
diminuindo assim as ocorrências e notícias falsas e das suas conse-
quências temerárias. Portanto, medidas são necessárias para atenuar
a problemática. A punição dos que violam a lei e os investimentos
em estrutura investigatória é a meta a ser alcançada. Logo, toda

138
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

forma de sociedade organizada é essencial para o cumprimento da


Lei de Contravenções Penais ou outra lei mais atual a ser criada e
adaptada à Pátria Educadora (PEREIRA, 2019).

No tocante aos aspectos penais, a divulgação da notícia


falsa praticada com ciência do embuste e intenção de ofender
alguém poderá configurar crime contra a honra: calúnia, injúria
ou difamação, conforme previsão do Código Penal. A dissemina-
ção de informação capaz de gerar pânico ou desassossego público,
por sua vez, é tipificada pelo artigo 30 do Decreto-lei 4.766/42.
Provocar alarme, anunciar desastre, perigo inexistente ou praticar
qualquer ato apto a produzir pânico são condutas classificáveis
como contravenção penal, nos termos do artigo 41 da Lei de Con-
travenções Penais.

Entretanto, se as implicações penais atingem apenas os que,


dolosamente, espalham falsidades pela Internet, os efeitos civis
podem ser mais abrangentes, alcançando também aqueles que, de
forma imprudente, compartilham informações inverídicas. Isso
porque, de acordo com o Código Civil, qualquer pessoa que causar
prejuízos (materiais ou morais) a outro, ainda que por negligência
ou imprudência, comete ato ilícito, passível de responsabilização
(pagamento de indenização ou multa em caso descumprimento
e retratação). Os métodos dos disseminadores de notícias falsas
estão cada vez mais sofisticados e é preciso partir para o combate
(CAMPOS, 2019).

139
Capítulo 6

CASO MARIELLE FRANCO E AS FAKE NEWS

Em março deste ano a vereadora do Rio de Janeiro Marcelle


Franco foi assassinada, dentro de seu carro, no centro da cidade,
junto com ela estava seu motorista que também morreu no local.
A morte da vereadora causou fortes comoções na sociedade e a
maioria usou as redes sociais para falar sobre o assunto. Marielle
era defensora de negros, homosexuais e dos direitos das mulheres
e usava suas redes sociais para afirmar as causas que defendia.
Por ser uma pessoa pública, a sua morte gerou inúmeras notícias
e publicações feitas tanto por veículos de comunicação, como por
usuários da Internet e, a partir dessas publicações, começaram a
surgir e proliferar tanto notícias verídicas sobre o caso e a vida de
Marielle como também as fake news (G1, 2018).

Uma pesquisa do Laboratório de Estudos sobre Imagem e


Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes), divulgada pelo jornal O Globo, revelou que a notícia mais
compartilhada na internet sobre a morte de Marielle Franco era
uma fake news comprovada. O monitor do debate político da USP
também confirma o estudo. A notícia falsa saiu do site Ceticismo
Político, página ligada ao MBL, e associava Marielle ao traficante
Marcinho VP e à facção Comando Vermelho. Houve pelo menos
400 mil compartilhamentos, segundo o jornal O Globo, 2019:

O site Ceticismo Político publicou um texto que


teve papel fundamental na disseminação das falsas
acusações. O link foi divulgado no Facebook, e,
pouco depois, o Movimento Brasil Livre (MBL)
replicou a mensagem, ampliando ainda mais a
repercussão (O GLOBO, 2018).

140
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

Após a repercussão desses rumores, familiares e conhecidos


de Marielle desmentiram as notícias, assim como portais, sites e a
própria mídia de referência também tomaram a iniciativa de ajudar
informando que esses casos eram falsos. Já alguns perfis e portais
que produziram e disseminaram esses boatos foram excluídos da
Internet, saindo do ar.

Em reportagem do dia 23 de março de 2018, do mesmo


jornal, foi informado que a Delegacia de Repressão a Crimes de
Informática (DRCI) do Rio de Janeiro havia aberto uma investi-
gação para saber de onde partiram os vídeos contendo calúnias e
ofensas contra a vereadora e seu motorista. É possível observar que
todas as três reportagens citadas veiculadas no Jornal Nacional,
se ativeram, principalmente, ao valor-notícia dos acontecimen-
tos e sua importância para os desdobramentos do caso Marielle.
Porém, durante as matérias, foi possível constatar a utilização do
caso como “gancho” para falar das fake news, uma vez que foram
dedicados vários minutos das reportagens para falar, especifica-
mente, sobre o fenômeno de maneira bastante didática. Com a
repercussão do assassinato da vereadora Marielle, o assunto veio
a ser destaque no Fantástico, em reportagem veiculada no dia 18
de março de 2018, onde foram desmentidos os crescentes boatos
sobre a política, através de depoimentos de familiares e dados sobre
sua eleição, por exemplo.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso


Nacional, chamada CMPI, tem como finalidade a composição de
um colégio de Senadores e Deputados Federais para investigar, no
prazo de 180 dias, os ataques cibernéticos que atentam contra a
democracia e o debate público, a criação e utilização de perfis fal-
sos para tal finalidade, enfim, para investigar e tomar providências

141
Capítulo 6

quanto à propagação de tal conduta conhecida no meio político e


social como Fake News.

A CPMI foi instalada em 04 de setembro de 2019 e, atual-


mente, está com o prazo para encerramento suspenso, já que
seus trabalhos renderam investigações que se estendem até os
dias atuais. Segundo o site da Câmara dos Deputados (2020), “a
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News terá prazo
até outubro para concluir os trabalhos”, assim, as deliberações da
CPMI ocorrerão, remotamente, através de plataformas digitais,
buscando diminuir a aglomeração e o contágio pelo Covid-19.

A CPMI da Fake News vem gerando muita controvérsia


no mundo político, onde, por exemplo, segundo o site EXAME
(2020), o “Deputado Eduardo Bolsonaro, entrou (...) com uma
ação no Supremo Tribunal Federal pedindo que a Corte suspenda a
prorrogação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI)
das Fake News”, em tal pedido Eduardo Bolsonaro argumenta que,
no decorrer das sessões, os objetivos da CPMI foram desvirtuados.

Segundo ainda o site EXAME (2020), o Deputado Eduardo


Bolsonaro alega que a CPMI está sendo usada de forma orquestrada
pela atual líder do PSL, a Deputada Joice Hasselmann, pois esta
está perseguindo a família presidencial.

Segundo o Jornal Folha de São Paulo (2020), a Polícia


Federal identificou Carlos Bolsonaro como articulador em esquema
criminoso de fake news. Tal constatação chegou após uma inves-
tigação que acontece por ventura de um Inquérito aberto pelo
Supremo Tribunal Federal para investigar ataques à democracia e
criação de conteúdo falso.

142
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

Tal CPMI contou com grandes momentos como, por exem-


plo, depoimentos de Alexandre Frota – que declara ter ciência
de que Carlos Bolsonaro é líder de um grupo que controla perfis
falsos responsáveis por difundir mentiras e da Deputada Joice Has-
selmann, ex- aliada de Jair Bolsonaro, que declara ter ciência de
que os filhos do Presidente da República comandam o chamado
“gabinete do ódio”, grupo incumbido de atacar adversários com
fake news.

Foi nessa mesma CPMI que Hans River, ex-funcionário da


empresa Yacows, empresa de marketing digital, disse que a repórter
Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, havia se insinuado
a ele com a pretensão de obter informações para a reportagem,
entretanto, foi desmascarado pela própria repórter que revelou, na
verdade, que o declarante é quem se insinuara a ela. Hans é ligado à
família Bolsonaro e o Presidente, na ocasião das falsas declarações
envolvendo a Repórter Patrícia Mello, disse que ela “queria dar o
furo a qualquer preço” por uma informação contra o Presidente.

CONCLUSÃO

Foi explanado até aqui sobre a multiplicidade da globaliza-


ção tendo por afluentes muitos benefícios, porém grandes desvan-
tagens em matéria de coibição. Se formos por um caminho mais
intervencionista e legalista, diríamos que seria necessário elaborar
verdadeiro códice só para cuidar dos meios digitais de informação.

Seria necessária verdadeira cartilha de comportamento em


meios digitais correndo-se o risco de excessivo supervisionamento

143
Capítulo 6

de tudo aquilo que se faz, ou seja, tudo que se fosse colocado na


esfera digital deveria ser passado por verdadeira censura o que
poderia vir a ferir outras garantias constitucionais fundantes.

Por outro lado, outra via menos agressiva e menos incisiva


seria a educação desde a base, na formação própria do indivíduo
humano, a preparação para filtrar as informações e desse modo,
torná-lo mais consciente e dono das informações que expressa e
prolifera, o que seria uma saída mais viável e mais compatível com
o espírito do legislador constitucional que, ao elaborar a constitui-
ção cidadã de 1988, prezou pela primazia dos direitos humanos e
liberdades individuais.

A cobertura jornalística e a circulação de notícias falsas


no acontecimento referente ao assassinato da vereadora carioca
expõem, exemplarmente, as consequências do consumo de notícias
referentes ao âmbito periférico da sociedade brasileira, conforme os
diversos estudos do grupo de pesquisa “Comunicação, identidades
e fronteiras” vêm apontando.

O direito e a tecnologia possuem uma diferença abismal


em relação às velocidades de renovação e capacidades de lidar
com as inovações. O sistema judiciário brasileiro é defeituoso em
relação às Fake News, pois não tem ainda alicerces e ferramentas
para coibir e punir a disseminação de notícias falsas.

É possível perceber que tal assunto merece discussão, vez


que já chegou às mais altas casas de nosso país, como o STF e
o Congresso Nacional, onde o primeiro instaurou Inquérito e o
segundo, uma CPMI para investigarem ataques à democracia e a
criação de Fake News.

144
A Prática de Fake News frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

Acredita-se que o tema precise ser estudado com cautela e


observado a partir de outros ângulos, dado que esteja em grande
emergência e influência no campo político, refletindo assim nas
ações da sociedade. Concluímos então que o fenômeno ocorre em
meio a mudanças no jornalismo, que sai do patamar da objetivi-
dade para o da subjetividade ao estar descobrindo novas formas
de pensar-se a si mesmo.

REFERÊNCIAS

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Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet. Rio de Janeiro: Ed.
Brasport, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/cons-
tituicao.htm >. Acesso em: 09 de março de 2019.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código


Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
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BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de


Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princí-


pios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp105.
htm>. Acesso em: 09 mar. 2019.

CAMPOS, L. V. O que são Fake News?; Brasil Escola. Disponível em:


<https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/o-que-sao-fake-news.htm>.
Acesso em: 26 de novembro de 2019.

145
Capítulo 6

DUARTE, L. No SXSW: 60% das pessoas compartilham notícias sem


ler. Ed. Coletiva.net. 2018. Disponível em: http://coletiva.net/sxsw-2018/
no-sxsw-60p-das-pessoas-compartilham-noticias-sem-ler-,266601.jhtml.
Acesso em: 10 mar. 2019.

FENAJ. CÓDIGO DE ÉTICA DOS JORNALISTAS BRASILEIROS.


Brasília, 2007.

G1. Fantástico mostra como nascem e como viralizam as notícias


falsas. Disponível em: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2018/02/
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G1. Vereadora do PSOL, Marielle Franco é morta a tiros na Região


Central do Rio. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-
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KOVACH, B.; ROSENSTIEL, T. Os Elementos do Jornalismo ​/ tradu-


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PEREIRA, S. H. S. P. Fake News: ameaça à democracia humanística.


JUSBRASIL. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/71863/fake-
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146
CAPÍTULO 7

A GARANTIA DE DIREITOS DE CASAIS


HOMOAFETIVOS: CASAMENTO E
ADOÇÃO

Igor Rangel Alves Barbosa


Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

Segundo alguns historiadores, na pré-história, já existia essa


forma de se relacionar. De acordo com Chaves (2011, p. 46), em
seu livro, Homoafetividade e Direito, “Arqueólogos, investigando
as civilizações da Suméria, Mesopotâmia e Egito, descobriram
evidências de atividades homossexuais, assim como na China, na
Índia da antiguidade, bem como no Império Islâmico”.

O surgimento de relacionamento de pessoas do mesmo


sexo começou na antiguidade. Aos poucos, na Idade Média, por
influência do catolicismo e do temido Tribunal da Inquisição, a
prática homossexual foi tornando-se sigilosa.

Lucena (2014) ensina que na Idade Moderna, a sociedade


agia como se a homossexualidade não existisse. Não tocava no
assunto e, por isso, quando começaram a aparecer pares, assumi-
damente, de pessoas do mesmo sexo, a sociedade resolveu relevar
a orientação sexual.

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 147


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 7

Ante muitos embates em favor da descriminalização da


homossexualidade, da extinção dessa prática como patológica,
décadas transcorreram.

O poder judiciário juntamente com órgãos e organizações


que defendem o casamento homoafetivo criou ideias e soluções
para esse tipo de casal.

Em 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça


aprovou a resolução que permite o casamento homoafetivo (pes-
soas do mesmo sexo) em todos os cartórios civis do Brasil, dando
ao casal homoafetivo o mesmo direito que qualquer outro casal
constituído por pessoas de sexo diferente.

Os direitos que ambos os casais possuem são a adoção de


filhos, comunhão de bens e outros. Quando foi aprovado o projeto,
as notícias repercutiram em todo o mundo. No Brasil, não foi dife-
rente e muitos aderiram ao novo casamento, já outros não gostaram
e discordaram da Resolução de nº175 (CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA, 2013).

A visão histórica desse tipo de relacionamento aponta para


uma série de perseguições. Foram necessários anos de lutas para
que se possa ser o que se é.

A visão da sociedade com relação ao casamento homoafe-


tivo pode ser algo que ajude ou atrapalhe, uma vez que, como já
dito no contexto histórico, em cada período houve uma interpre-
tação diferente pela população, ou seja, em alguns casos, houve
aceitação e, em outros, casos não houve.

O casamento homoafetivo e, posteriormente, os outros


direitos adquiridos junto a ele, estão tendo uma evolução consi-

148
A Garantia de Direitos de Casais Homoafetivos: Casamento e Adoção

derável nos tempos de hoje em nosso país, entretanto, ainda há


muito preconceito vigente no meio de convívio desses casais, o que
muitas vezes se torna algo desconfortável para eles. O intuito das
manifestações que ocorrem pelo país e pelo mundo, promovidas
pelos movimentos LGBTS, é a inclusão desses casais na sociedade
de forma igualitária, sem distinção.

Diante de uma sociedade que, mesmo evoluída, possui


um grande percentual de preconceito, os casais homoafetivos têm
grande dificuldades no dia a dia, pois, em muitos casos ou em quase
todos, o preconceito torna-se um grande obstáculo para a concre-
tização de uma família e de um lar, como o direito da adoção por
esses casais, pois além de atrapalhar e incomodar, acaba que em
algumas situações o resultado final não seja satisfatório e certo,
não dando a esses casais a oportunidade de terem uma família.

A relevância desta pesquisa contribui, diretamente, para


estudos e mudanças na sociedade, para que haja uma inclusão des-
tes casais, podendo eles constituir uma família e ser vistos de forma
normal, sem que haja uma reação da população que os rebaixe.

A QUESTÃO DO DIREITO AO CASAMENTO HOMOAFETIVO

O casamento homoafetivo é um direito garantido a todos


os casais do mesmo sexo, permitindo a documentação da união e
também contribuindo com a possibilidade da adoção conjunta por
estes casais. A resolução de nº 175/CNJ permitiu a união estável e
realização do casamento civil por casais de pessoas do mesmo sexo.

149
Capítulo 7

A Constituição Federal de 1988 proclama, em seu artigo


5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade”. Dessa forma, a Magna Carta, desde
sua promulgação, externava o direito a uma sociedade livre de
distinções, inclusive de sexo (BRASIL, 1988).

No Brasil, não há uma lei específica que trate da união de


pessoas do mesmo sexo, dessa forma, a resolução 175/CNJ foi
fundamental para propiciar a efetivação do direito constitucional
à igualdade já existente. Além da citada resolução, estudiosos e
profissionais da área de direito utilizam-se de artigos para defender
suas teses sobre o tema.

Vale destacar que o avançado projeto do Estatuto das Famí-


lias (projeto de lei nº 2.285/2007), ainda em trâmite no Congresso
Nacional, reconhece expressamente a união homoafetiva como uma
entidade familiar, nos termos do seu art. 68, in verbis:

Art. 68. É reconhecida com entidade familiar a união


entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenha
convivência pública, contínua, duradora, com obje-
tivo de constituição de família, aplicando-se, no
que couber, as regras concernentes à união estável.
Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados,
incluem-se:
I – guarda e convivência com os filhos;
II – a adoção de filho;
III – direito previdenciário;
IV – direito à herança (BRASIL, 2007).

A jurisprudência brasileira tem procurado preencher o vazio


normativo infraconstitucional, atribuindo efeitos pessoais e familia-

150
A Garantia de Direitos de Casais Homoafetivos: Casamento e Adoção

res às relações entre essas pessoas. Ignorar essa realidade é negar


direitos às minorias, incompatível com o Estado Democrático.
Tratar essas relações cuja natureza familiar salta aos olhos como
meras sociedades de fato, como se as pessoas fossem sócios em
uma sociedade de fins lucrativos, é violência que se perpetra contra
os princípios da dignidade das pessoas humanas, consagrada no
art. 1º, III, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Apesar da realidade das uniões dos casais homoafetivos, os


Poderes Legislativo e Judiciário deixam a desejar, pois a adequa-
ção legislativa e a uniformidade das decisões poderiam garantir a
efetividade dos direitos destas pessoas.

Apesar de caminhar a passos lentos, em análise compara-


tiva, os direitos aplicados a esses casais tornaram-se mais eficazes,
graças a muitos anos de luta por igualdade e também à resolução
175/CNJ, responsável pela efetivação do direito à igualdade rela-
tivo à questão.

CARACTERIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE ADOÇÃO


NO BRASIL

A adoção é um ato que vai além de todos os procedimentos


jurídicos para a concretização de tal, ou seja, para obter o resultado
final deve haver um grande interesse pelas partes, bem como haver
um equilíbrio emocional, para que só assim possam ingressar com
o processo e, eventualmente, chegar ao resultado final.

151
Capítulo 7

A adoção, muitas vezes, tem como fim principal concretizar


o sonho de casais de construírem uma família. Porém, acaba se
tornando, em muitos casos, um destruidor de sonho, isso porque
no Brasil o sistema de adoção é conhecido como um dos mais buro-
cráticos, fazendo com que muitos casais desistam antes mesmo da
primeira fase do procedimento.

No Brasil, os casais que têm a intenção de adotar devem


procurar a vara da infância e juventude da comarca onde residem
para solicitar a lista de documentos, bem como, posteriormente,
encaminhar esses documentos. Após esse ato, inicia-se uma série
de cursos e palestras a fim de auxiliar e preparar as partes que irão
realizar o ato de adoção (FERREIRA, 2019).

Durante esse tempo, é realizada, por meio dos órgãos judi-


ciários e sociais da comarca, uma análise do perfil das partes inte-
ressadas e, assim que aprovada, são agendadas entrevistas e visitas,
realizadas por profissionais extremamente capacitados e prepa-
rados para esse procedimento. Feitos esses procedimentos, será
gerado um laudo dizendo se as partes estão realmente capacitadas
e se, posteriormente, irão ser cadastradas no cadastro nacional de
pretendentes.

Porém, após todo esse procedimento, as partes entrarão numa


fila de espera que, atualmente, encontra-se altamente numerosa,
fazendo com que o resultado final leve anos para ser concretizado.

Uma das fases mais importante do procedimento de adoção


é quando de fato o juiz concede às partes o chamado estágio de
convivência, que funciona como uma fase de teste, que tem como
fim assegurar a adaptação da família com a criança ou adolescente

152
A Garantia de Direitos de Casais Homoafetivos: Casamento e Adoção

que está sendo adotado, conforme assegura a página Normas Legais


com base na LEI 8.069­/90, que diz:

O estágio de convivência será acompanhado pela


equipe interprofissional a serviço da Justiça da
Infância e da Juventude, preferencialmente com
apoio dos técnicos responsáveis pela execução da
política de garantia do direito à convivência fami-
liar, que apresentarão relatório minucioso acerca da
conveniência do deferimento da medida. O vínculo
da adoção constitui-se por sentença judicial, que
será inscrita no registro civil mediante mandado
do qual não se fornecerá certidão (NORMAIS
LEGAIS, 2019).

Nessa fase, os relatórios feitos pelos profissionais nomea-


dos para essa tarefa de avaliar, bem como analisar a criança e
adolescente, são de extrema importância, pois é por eles que os
juízes responsáveis pelo caso irão dar posicionamento acerca do
caso a ser analisado e julgado. Válido ressaltar que, por ser um
documento importante, o profissional, ao redigi-lo, deve ter coe-
rência em narrar a adaptação da criança e adolescente, bem como
esclarecer com detalhes como foi esse período, para que só assim
a decisão possa ser tomada de maneira certa.

O estágio de convivência não tem um período certo a ser


seguido, o que se leva em conta nessa fase é a adaptação entre as
partes, o qual será de responsabilidade de um profissional represen-
tado pelo juiz que deverá afirmar se os pretendentes estão hábeis
para a adoção da criança ou adolescente. Após apresentados os
laudos e apresentados os resultados, poderá o juiz responsável
decretar a guarda para os pretendentes e só assim obter o resultado
final, momento mais esperado pelas partes.

153
Capítulo 7

O PRECONCEITO ENFRENTADO POR CASAIS HOMOAFE-


TIVOS NO PROCESSO DE ADOÇÃO

Como já mencionado acima, atualmente, os casais homoafe-


tivos têm mais motivos para comemorar, pois conquistaram o direito
ao casamento e à construção de uma nova família, entretanto, ainda
há barreiras a serem quebradas e uma dessas barreiras é o pre-
conceito, tornando-se um forte impasse para os procedimentos
realizados por casais homoafetivo, como, por exemplo, a adoção.

Antigamente, em decorrência dos impasses impostos pela


sociedade, os casais homoafetivos não concretizavam em conjunto
a adoção, ou seja, para obter o resultado final, somente um par-
ceiro ingressava com o procedimento e se cadastrava, individual-
mente, na fila de espera para adoção. Para as organizações LGBT,
os resultados obtidos são positivos e comprovam o avanço que vem
surgindo, porém há muitos pontos a serem revistos (PORTAL O
TEMPO, 2013).

Em entrevista ao portal O Tempo, o juiz Marcos Flávio


Lucas Padula reconhece que há setores mais conservadores no
âmbito judiciário e afirma que “É consenso que nenhum fator intrín-
seco da homoafetividade implique prejuízos para as crianças. Mas
é claro que existem posições contrárias, que divergem sobre pos-
síveis problemas e constrangimentos que a criança possa sofrer”.
Em complemento à palavra do juiz Marcos Flávio, o presidente da
ABGLT afirmou que o preconceito repercute em etapas da adoção
e muitas vezes por profissionais destinados para a realização de
entrevistas e visitas aos candidatos (PORTAL O TEMPO, 2013).

154
A Garantia de Direitos de Casais Homoafetivos: Casamento e Adoção

Conforme descrito nos parágrafos anteriores, é notório per-


ceber que o preconceito por muito tempo foi algo que fez com que
o caminho de adoção por casais homoafetivos fosse mais longo.
Vale ressaltar que, por mais que atualmente haja resultados positi-
vos comparados aos últimos anos, o preconceito ainda é algo que
atrapalha, sendo que em alguns casos é o motivo pelo qual casais
homoafetivos desistem do procedimento.

Com base no assunto, é de grande relevância ressaltar a


visão da Desembargadora Maria Berenice Dias que diz que:

A família não se define exclusivamente em razão


do vínculo entre um homem e uma mulher ou da
convivência dos ascendentes com seus descenden-
tes. Também pessoas do mesmo sexo ou de sexo
diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conota-
ção sexual, merecem ser reconhecidas como enti-
dades familiares. Assim, a prole ou a capacidade
pró criativa não são essenciais para que a convi-
vência de duas pessoas mereça a proteção legal,
descabendo deixar de fora do conceito de família
as relações homoafetivas (DIAS, 2001. p.102).

Portanto, é válido destacar que a adoção por casais homoafe-


tivos é muito importante, pois além de contribuir para a construção
de uma família, contribui com a sociedade, dando a uma criança ou
adolescente o direito de um lar e de uma estrutura familiar. Porém,
pode-se dizer que houve uma evolução positiva em favor dos casais
homoafetivos, mas como já dito nos tópicos acima, tem muito a
melhorar, a começar com a redução do preconceito e intolerância,
pois somente assim haverá uma inclusão social digna a todos e
resultados cada vez mais positivos.

155
Capítulo 7

Não é novidade alguma que as filas de adoção encontram-se


cada vez mais numerosas, uma vez que o Brasil é um dos países
em que mais se demora a dar uma decisão de guarda da criança
ou adolescente que se encontra em abrigos na esperança de uma
família e um lar.

Para muitos casais, inclusive para os casais homoafetivos, a


adoção tem como fim principal contribuir para a concretização da
constituição de uma família. Para a redução do preconceito, muitos
devem evitar, nesse sentido, a açodada afirmação de que o adotado,
necessariamente, tornar-se-ia homossexual por conta do modelo de
vida dos seus pais, uma vez que a própria homossexualidade é de
causa desconhecida, chegar-se a tal conclusão sem embasamento
cientifico é, sem dúvida, uma temeridade.

Com propriedade, lembram Marcelo Moreira e Amanda


Machado:

A associação Americana de Psicologia, em 1995,


terminou profunda pesquisa sobre a questão da
homoparentalidade, constituída de uma amostra-
gem muito densa e de observação regular, con-
cluindo que ‘as evidências sugerem que o ambiente
doméstico promovido por pais homossexuais é tão
favorável quanto os promovidos por pais heteros-
sexuais para apoiar e habilitar o crescimento ‘psi-
cológico das crianças’. A maioria das crianças, em
todos os estudos, funcionou bem intelectualmente
e não demonstraram também revelam isso nos ter-
mos que dizem respeito as relações com os pais,
autoestima, habilidade de liderança, egoconfiança,
flexibilidade interpessoal, como também o geral
bem-estar emocional das crianças que vivem com
pais homossexuais não demonstrava diferenças
daqueles encontrado com seus pais heterossexuais
(MOREIRA; MACHADO, 2009).

156
A Garantia de Direitos de Casais Homoafetivos: Casamento e Adoção

Para muitos especialistas, o direito à adoção para os casais


homoafetivos tem só a agregar e ajudar a sociedade, uma vez que
pode contribuir para a redução do grande tempo que os jovens
(crianças e adolescentes) encontram-se nas filas a espera de um lar,
entretanto, é válido relembrar que devem passar por todo o procedi-
mento judicial, da mesma forma que os casais heterossexuais, para
que ambos possam ter igualdade e concretizar o mesmo resultado.

Para o ministro Luís Felipe Salomão, a adoção é um ato


sagrado de amor, não cabendo ao judiciário, sob nenhum argu-
mento, se verificada a garantia do bem-estar da criança ou do
adolescente, impedir a sua concretização, pois, em assim agindo,
desrespeitaria a maior das leis, segundo a qual devemos sempre
amar o nosso semelhante como a nós mesmos.

Portanto, é válido ressaltar e complementar essas belíssimas


palavras do ministro Luís Felipe de que, se esses cidadãos brasi-
leiros trabalham, pagam impostos, contribuem para o progresso
do país, é inconcebível interditar-lhes direitos assegurados a todos,
em razão de suas orientações sexuais.

CONCLUSÃO

A partir das informações apresentadas ao longo deste tra-


balho, é possível concluir que o tema “O preconceito frente ao
direito do casamento e adoção por casais homoafetivos” é de total
grandeza para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa.
Os casais constituídos por pessoas do mesmo sexo conquistaram
a efetividade do direito à união formal, transpassando padrões

157
Capítulo 7

preconceituosos e recebem o tratamento dispensado aos casais


heterossexuais e que, sendo detentores de direito e obrigações e
como os demais cidadãos, devem ter seus direitos reconhecidos e
poder usufruir deles de fato.

Com a aprovação da resolução 175/CNJ, não foi dado


somente o direito ao casamento, mas também o direito de cons-
tituírem uma família, podendo ser felizes sem barreiras. Mesmo
sabendo que muitos na sociedade os veem como diferentes, o
direito ao casamento foi para os casais homoafetivos uma vitória,
fruto de anos e anos lutando por direitos iguais.

Todavia, é importante ressaltar que ainda há um grande


percentual de preconceito na sociedade em decorrência da homo-
parentalidade por muitos que acreditam que crianças e adolescentes
não estejam preparados psicologicamente para serem adotados por
casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. Para os movimen-
tos LGBT, a luta é diária, porém não irão cessar até conseguirem
serem reconhecidos de forma igualitária em todos os sentidos.

Por isso, é de extrema importância um conjunto legislativo


que defenda essas pessoas, dando efetividade aos seus direitos,
combatendo a discriminação e o preconceito. Por fim, podemos
dizer que o casamento homoafetivo e o direito à adoção por casais
do mesmo sexo ainda é uma minoria, podendo esta realidade cres-
cer a cada dia. Por outro lado, é importante lembrar que uma parte
da sociedade está aceitando, pouco a pouco, e aprovando estas
uniões, levando sempre em consideração a liberdade que ambos
têm de se expressar e agir. Há muito a ser mudado e melhorado em
favor destes casais, o importante é que algo já foi iniciado, pois
nada evolui sem que haja um movimento inicial.

158
A Garantia de Direitos de Casais Homoafetivos: Casamento e Adoção

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2005. Rio de Janeiro: CEPESC/CLAM, 2006.

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“corpo lésbico” na cena brasileira face à possibilidade de infecção por
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159
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ção. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documen-
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de Família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MOREIRA, M. A. H. P.; MACHADO, A. F. Adoção conjunta por


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Teresina, ano 14, n. 2170, 10 jun. 2009. Disponível em: <https://jus.
com.br/artigos/12958>. Acesso em: 1 mai. 2020.

160
CAPÍTULO 8

A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO
DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA NO
FEMINICÍDIO

Simone Cristina Caldas da Rocha


Luciana Renata Rondina Stefanoni

INTRODUÇÃO

O tema deste artigo visa contribuir com um estudo abor-


dando a figura do feminicídio e a importância de se realizar o
boletim de ocorrência, uma vez que o assunto é recorrente, haja
vista, o Brasil ser considerado um dos países com o maior índice
de violência contra a mulher.

Segundo pesquisa realizada em 2015 pela OMS - Organi-


zação Mundial da Saúde, o número de assassinatos no país chega
a 4,8 para cada 100 mil mulheres, colocando o Brasil em 5º lugar
no ranking mundial, perdendo apenas para El Salvador, Colômbia,
Guatemala e Rússia. Tal dado apresentado é extremamente assus-
tador, uma vez que o país possui legislação reguladora que busca
proteger e assegurar o direito da mulher.

Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Maria da


Penha que tem como objetivo coibir a violência doméstica e fami-
liar contra a mulher, tal Lei se destacou em âmbito internacional,
visto que foi reconhecida pela ONU como uma das três melho-

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 161


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 8

res legislações do mundo com o intuito de proteger a mulher.


Logo mais, em 2015, a Lei 13.104 foi integrada ao Código Penal,
incluindo o feminicídio como uma modalidade de homicídio qua-
lificado e, por conseguinte, entrando no rol dos crimes hediondos.

No entanto, mesmo com todos os ajustes legislativos, a


diminuição da taxa de violência contra a mulher foi muito abaixo
do esperado e não correspondeu às expectativas. Infelizmente,
culturalmente, há muito que se fazer, pois há uma sociedade que
precisa ser reeducada, que precisa aprender a enxergar a figura
feminina com igualdade.

PRECEDENTES HISTÓRICOS DA SITUAÇÃO DA MULHER

Antes mesmo de discorrer sobre a origem da Lei Maria


da Penha, é relevante compreender que não era tarefa fácil ser
mulher no século XVI, quando o Brasil era colônia. Quando os
portugueses colonizaram o Brasil, estes se assustaram com o que
viram. Uma sociedade que parecia confusa aos olhos dos portugue-
ses, um nível altíssimo de concubinatos. Apenas entre as classes
mais abastadas havia casamento convencional, para assim manter
intocável o patrimônio da família e garantir as filhas quando estas
saíam da casa paterna.

Basicamente, as mulheres tinham o papel de cuidar dos


filhos e o marido partia em busca de trabalho. Os portugueses não
compreendiam os costumes e muito menos as normas encontradas
pelos índios que habitavam nesse território, e pretendiam incor-

162
A Importância do Registro do Boletim de Ocorrência no Feminicídio

porar seu próprio padrão de conduta sob aqueles que já haviam


encontrado um modo peculiar de viver (GORENSTEIN, 2005).

O primeiro passo foi instituir o casamento. Posterior a esse


fenômeno, a Igreja e o Estado passaram a remodelar o papel da
mulher na sociedade, convencendo os indivíduos das vantagens
do casamento. Não se nega o fato de que existam coerências e que
seja uma ação positiva se casar, mas da maneira como era imposta,
o casamento tinha por trás um caráter fundamentado para sustentar
as vontades dos portugueses e eliminar a vontade dos índios.

Inicialmente, “começaram a instituir proibições em todos


os sentidos, determinando o “certo” e o “errado” para o compor-
tamento delas. Um mecanismo utilizado era as altas multas que
o Estado cobrava pelo concubinato, em contraposição aos preços
baixos dos casamentos celebrados pela Igreja” (ALVES, 2016, p.
94).

Naquela época a mulher precisava provar ao homem que


era fértil, engravidando antes do compromisso, regra esta con-
sentida por toda a comunidade, inclusive pela Igreja desde que
tudo terminasse em casamento. Nesse momento, não existia pro-
blema com a virgindade. A questão de ser obrigatória veio a surgir
supervenientemente.

É notório o tratamento desigual entre homens e mulheres


nos séculos que se passaram. No passado, a ciência médica ava-
liava, cabalmente, a opinião errada, no sentido de que a infecun-
didade jamais decorria do homem. Tinha-se a ideia de que a falta
de filhos era problema exclusivo da mulher.

163
Capítulo 8

A literatura foi outro fator que contribuiu para a mudança


de costumes, uma vez que a Igreja popularizou o conceito de certo
e de errado através de folhetins, os quais mais tarde deram origem
à literatura de cordel.

Além disso, “a igreja classificava os beijos. Havia os beijos


aceitáveis e os inaceitáveis pelos religiosos. Os inaceitáveis eram
punidos por um amplo rol de orações. A igreja definiu o que era
pecado. Amor deveria ser um sentimento que somente se devotava
a Deus, ao marido, a mulher devia mera obediência, reverência e
temor” (GORENSTEIN, 2005, p. 207). O casamento sem afeto
era considerado o ideal.

Desses fatos se extrai o quanto as normas e costumes foram


se alterando na linha do tempo. Durante todos esses anos, a mulher
tem um posicionamento diverso daquele arcaico, porém há muito
que refletir sobre igualdade e outros aspectos diante da moderni-
dade. Anos se passaram, mas alguns costumes continuam impreg-
nados no atual molde social.

CARACTERIZAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

Maria Da Penha Maia Fernandes, nascida no dia 1 de feve-


reiro de 1945, natural de Fortaleza – CE, formada em Farmácia e
Bioquímica pela Universidade do Ceará em 1966, ficou conhecida
por sua luta e trajetória em busca de justiça, por ser vítima de seu
marido na época em que ocorreram os fatos de agressões partindo
dele, Marco Antônio Heredia Viveros.

164
A Importância do Registro do Boletim de Ocorrência no Feminicídio

Em 1983, Maria Da Penha foi vítima de uma tentativa de


feminicídio, seu companheiro lhe atingiu com um tiro nas costas
enquanto ela dormia e, como resultado desse ocorrido, Maria Da
Penha ficou paraplégica (BEZERRA, 2006, p. 65).

Logo, Marco Antônio relatou para os policiais que teria


acontecido uma tentativa de assalto em sua residência, mas após,
a perícia constatou uma nova versão, embora muito diferente da
que ele havia contado para os agentes.

Depois de permanecer por quatro meses no hospital, Maria


Da Penha voltou para sua casa e, mais uma vez, foi vítima do seu
agressor, quando este atentou novamente contra sua vida, deixan-
do-a, por 15 dias, em cárcere privado e, certo dia, durante seu
banho, tentou eletrocutá-la (BEZERRA, 2006, p. 67).

Maria Da Penha foi compreendendo que os fatos que esta-


vam acontecendo com ela não seriam por um simples acaso, mas
que seu próprio marido estava tentando provocar a sua morte,
embora ele transparecesse que tudo o que estava acontecendo com
ela não passava de uma fatalidade.

Ao perceber o ocorrido, Maria Da Penha começou uma


luta constante em busca de justiça, assim conseguiu, com a ajuda
de amigos e familiares, sair da sua casa sem que configurasse
abandono de lar e, consequentemente, a perda da guarda das filhas.

Diante da sua luta, aconteceu o primeiro julgamento de


Marco Antônio em 1991 e ele foi sentenciado a 15 anos de prisão,
mas, devido a recurso, ficou em liberdade. Passados 5 anos, ocor-
reu o segundo julgamento, em que ele foi sentenciado por 10 anos
de prisão, porém, mais uma vez, sua sentença não foi executada.

165
Capítulo 8

No ano de 1998, o caso ganhou uma dimensão internacio-


nal e o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o
Comitê Latino-americano e do Caribe para a defesa dos Direitos
da Mulher (CLADEM) abriram denúncia do caso para a Comissão
Internacional de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (CIDH/OEA).

O Estado assinou um documento que trazia a violação de


direitos humanos e deveres protegidos, diante de um litígio inter-
nacional (Convenção Americana sobre Direitos Humanos-Pacto
de San Jose da Costa Rica; Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do homem; Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher-Convenção de Belém
do Pará; Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher), porém o nosso Estado brasileiro
ficou omisso e não se pronunciou perante o processo.

Em 2001, ao receber quatro oficiais da CIDH/OEA por ter


ficado em silêncio diante das denúncias, o Estado teve que repli-
car por negligência, omissão e tolerância em relação à violência
doméstica.

Após toda essa luta e trajetória, no ano de 2002, surgiu um


Consórcio de ONGs Feministas para organizar e elaborar uma lei
que serviria para combater a violência doméstica e familiar contra
a mulher (ALVES, 2018, p. 34).

Diante de vários debates com o Legislativo, o Executivo


e a Sociedade, veio o projeto de Lei n° 4.559/2004 da Câmara
dos Deputados chegando até o Senado Federal (Projeto de Lei de
Câmara n° 37/2006) e foi aprovado. Desse modo, em 7 de agosto
de 2006, na época, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva

166
A Importância do Registro do Boletim de Ocorrência no Feminicídio

sancionou a Lei n° 11.340 que ficou mais conhecida como a Lei


Maria Da Penha, ficando assim dessa forma como uma homenagem
elaborada pelo Governo Federal a Maria Da Penha Maia Fernandes
pela sua ação e luta contra a Violação dos Direitos Humanos das
Mulheres.

FEMINICÍDIO

A palavra feminicído, apesar de ser conhecida há décadas,


criou forças nos últimos tempos e passou a ganhar mais visibilidade
e, consequentemente, tornou-se um tema corriqueiro em debates
políticos, jurídicos e sociais. O feminicído é o crime praticado
contra mulher de forma dolosa, exclusivamente, por pertencer ao
sexo feminino, ou seja, é a discriminação à condição de mulher. A
desigualdade em relação ao sexo feminino:

Resumindo, a categoria do feminicídio permite tor-


nar patente que muitos casos de mortes não naturais
em que as vítimas são mulheres não são fatos neu-
tros nos quais o sexo do sujeito passivo é indife-
rente, mas ocorre com mulheres precisamente por
que são mulheres, como consequência da posição
de discriminação estrutural que a sociedade patriar-
cal atribui aos papéis femininos (COPELLO, 2012,
p. 122).

Com a inclusão do crime de feminicídio no Código Penal,


pela Lei 13.104 de março de 2015, tal delito tornou-se uma qua-
lificadora do artigo 121 e, consequentemente, passou a integrar o
rol taxativo de crimes hediondos, com pena prevista de reclusão
de 12 a 30 anos.

167
Capítulo 8

Antes da inclusão da Lei 13.104/15 de feminicídio, os crimes


contra a mulher, por discriminação, eram punidos de acordo com o
artigo 121 do Código Penal e, em sua forma simples, a pena prevista
para esse tipo de crime é de reclusão de 06 a 20 anos, percebe-se a
diferença na dosagem da pena que, atualmente, é muito mais severa,
o que ainda não é o bastante, vistos os altos índices de violência.

Inicialmente, houve muita discussão em relação à neces-


sidade da criação da Lei 13.104 de feminicídio, posta a existência
da Lei Maria da Penha, criada em 2006, no entanto, vale ressaltar
que a Lei Maria da Penha não traz em seu texto definições de
pena, mas sim medidas protetivas à vítima para que permaneça em
segurança, longe de seu agressor. É importante destacar que tais
medidas protetivas podem ser aplicadas aos crimes de feminicídio
na forma tentada.

Para configurar o feminicídio, devem ser observados alguns


requisitos, o sujeito passivo deverá ser do sexo feminino, indepen-
dentemente de idade, enquanto que o sujeito ativo é indiferente,
pode ser homem ou mulher, sendo, em regra, homens. No que diz
respeito ao homossexual e ao travesti que não realizou cirurgia de
mudança de sexo, esses não se enquadram como vítimas do femi-
nicídio. Já o transexual que, através de cirurgia, fez a mudança de
sexo e alteração do registro civil, pode ser sim considerado vítima
do feminicídio por algumas correntes doutrinárias.

Sabe-se que no Direito tudo que é construído se forma a


partir de dois pilares, de correntes diversas dividindo argumentos
sobre assuntos relevantes bem como a possibilidade ou não de
figurar o transexual como sendo vítima da qualificadora do femi-
nicídio (SANTOS 2016). Temos uma legislação que sofreu altera-

168
A Importância do Registro do Boletim de Ocorrência no Feminicídio

ções rígidas para diminuir os índices de ocorrência de tal fato, no


entanto, não é cabal para minimizar os danos. Apesar de ter sido
aumentada a pena e determinadas as condições para enquadrar as
vítimas, essas medidas contribuem, mas não solucionam a ques-
tão. Há outros elementos que devem ser observados, como o meio
social, a cultura e os hábitos que propiciam a prática desses atos.

DIFICULDADES CULTURAIS E AFETIVAS PARA LAVRA-


TURA DO B.O.

O ciclo do homem agressor vem sob o pretexto de cuidar,


proteger e ser galanteador, ele tem um discurso provedor, que se
encaixa no tipo de homem que todas as mulheres procuram, porque
afinal elas buscam uma segurança. A cada dia que passa tendo essas
atitudes, ele conquista sua companheira fazendo com que ela vá
entregando parcelas de sua autonomia para ele.

Esse tipo de homem consegue, facilmente, manipular sua


parceira, fazendo com que ela se torne sua vítima que já se encon-
tra em um estado de dependência emocional dele, através dessa
manipulação, o homem começa a controlar todos os seus passos,
com quem ela se relaciona, seus atos, suas amizades, seu compor-
tamento e suas decisões.

Por conta de tal comportamento, a relação entre


ambos vai ficando intensa, a mulher começa a
perceber que todos os atos e comportamentos do
seu companheiro não passam de meros abusos e se
culpa ao tentar o rompimento do relacionamento,
idealizando que ela mesma foi culpada, já que estão
juntos há muito tempo (PRÓTON, 2018, p. 216).

169
Capítulo 8

Nesse momento, ela até pensa em fazer um boletim de ocor-


rência contra ele, mas embora ela queira deixar o parceiro, ele por
sua vez joga mais um de seus discursos galanteadores, aproveitando
assim o momento frágil dessa situação para se declarar e é quando
ele acaba manipulando sua vítima que, por também amá-lo, acaba
voltando atrás e dá mais uma chance para ele na busca de tentar
ver a mudança que ele tanto promete, só que isso nunca acontece.
Diante desse fato, o homem verifica que tem total controle sobre
sua companheira e começa a exigir mais da mulher, como mãe,
esposa, amante, colocando-a em uma posição isolada do mundo.

A mulher, por sua vez, perde o controle da sua própria


vida e da sua liberdade, ficando em um relacionamento dominado
pelo seu parceiro, perdendo a própria confiança em si mesma e
sua autonomia, o homem passa a decidir tudo, ficando ele como o
lado mais forte do casal.

A vítima vem a ficar dependente do seu companheiro finan-


ceiramente e emocionalmente, os abusos psicológicos que tanto
sofre fazem com que ela acredite que, ao pedir a separação, não
conseguirá manter sua casa sozinha, a educação dos seus filhos, a
convivência em sociedade, tudo isso faz com que a mulher fique
idealizando vários obstáculos à sua frente, mas na verdade seu
companheiro usa essa estratégia de manipulação, fazendo com
que ela acredite em sua própria derrota (NASCIMENTO, 2017).

Infelizmente, sabe-se que, no Brasil, o índice de agressão


registrado contra a mulher é altíssimo e, se levarmos em considera-
ção que tais dados são oriundos de casos registrados, é assustador,
visto que milhares de mulheres deixam de registrar o boletim de
ocorrência contra seus agressores, seja por medo ou desinforma-

170
A Importância do Registro do Boletim de Ocorrência no Feminicídio

ção, o fato é que muitas deixam de praticar esse ato de enorme


importância.

A mulher vítima de agressões físicas ou psicológicas que


registra o boletim de ocorrência contra seu agressor possui seu
direito resguardado e assegurado e é a partir desse instrumento
lavrado pela Polícia Judiciária (civil, estadual ou federal) que a
vítima pode requerer uma medida protetiva de urgência contra
seu agressor.

De acordo com a Polícia Civil (Estado de SP), o boletim


de ocorrência (BO) “é o documento utilizado pelos órgãos da
Polícia Civil para o registro da notícia do crime, ou seja, aqueles
fatos que devem ser apurados através do exercício da atividade
de Polícia Judiciária” (Manual de Polícia Judiciária da Polícia
Civil, 2000, p. 73).

É a partir da confecção do boletim de ocorrência que são


feitas as apurações das infrações penais e a sua autoria, é através
desse instrumento que se inicia toda uma fase de investigação,
sequestros de objetos do crime, coligação de indícios e prova. O
boletim de ocorrência, mesmo com sua característica unilateral,
por ser ato administrativo que possui presunção de veracidade,
tornando-o mais importante ainda para a vítima.

Há feminicídio quando o Estado não dá garantias


para as mulheres e não cria condições de segurança
para suas vidas na comunidade, em suas casas, nos
espaços de trabalho e de lazer. Mais ainda quando
as autoridades não realizam com eficiência suas
funções. Por isso o feminicídio é um crime de
Estado (LAGARDE, 2004, p. 6).

171
Capítulo 8

Outro ponto importante a ser destacado é a possibilidade de


a autoridade judicial decretar medida protetiva de urgência quando
verificada a existência de risco iminente à vítima, conforme a Lei
13.827, sancionada em 13 de maio de 2019.

Vale ressaltar que, em 2018, foi tipificado o crime de deso-


bediência a medidas protetivas, sob pena de detenção de 3 (três)
meses a 2 (dois) anos. Ou seja, em caso de descumprimento, a
vítima deve acionar o mais rápido possível a polícia, para que
tenha sua segurança preservada, enquanto que o agressor arcará
com sua pena.

Por isso, é importante para a mulher vítima de agressão,


desde o início, registrar o boletim de ocorrência, narrar os fatos
como aconteceram, sem poupar o agressor e, por menor que seja a
agressão, ela deve fazer constar em suas declarações. Como men-
cionado anteriormente, os antecedentes também podem ser uma
forma de identificar a discriminação pela condição de mulher e, por
conseguinte, evitar um provável crime de feminicídio consumado.

CONCLUSÃO

A partir das informações apresentadas ao longo deste tra-


balho, é possível concluir que os índices de mortes por violência
doméstica são alarmantes e que medidas precisam ser tomadas,
mesmo com a criação de legislação com o intuito de proteger a
mulher, esta acaba abdicando de sua proteção e, em muitos casos,
por falta de instrução. É necessário que a iniciativa da efetivação
do registro do Boletim de Ocorrência esteja presente. Assim, as

172
A Importância do Registro do Boletim de Ocorrência no Feminicídio

estatísticas poderão diminuir. Com o Boletim de Ocorrência regis-


trado, deve haver uma participação mais ampla do Estado frente
a essas circunstâncias e medidas mais eficazes surgirão. A infor-
mação precisa chegar aos órgãos que têm o dever de prevenir e
evitar a violência. Para isso, é necessária a devida instrução. Uma
mulher instruída, uma vez que toma a iniciativa, busca ferramentas
que vão proporcionar solução para seu problema. As autoridades
vão preservar, por intermédio de medidas disponíveis, a inibição
da atitude do agressor.

O Estado de direito tem como obrigação o controle de vio-


lência na sociedade. São vistas com muita facilidade a desigualdade
e a descriminação no Brasil, um país com cultura diversificada e
abrangente, solidificado sobre raízes de puro preconceito e con-
ceitos primitivos, onde a mulher ainda é vista como uma figura
fragilizada e inferior ao homem.

Ao procurar ajuda, a mulher vítima da violência doméstica


familiar, seja qual for, deve ser recebida pelas autoridades judi-
ciais e instruída de seus direitos. A autoridade judicial, seja ele o
policial civil ou não, deve estar preparada para orientar aquelas
que não possuem conhecimento das medidas protetivas. O boletim
de ocorrência deve transcrever exatamente o que a vítima diz à
autoridade e não se deve levar pela sua interpretação, devendo ser
fiel aos fatos narrados.

É importante salientar que a medida protetiva, em mui-


tos casos, acaba sendo revogada, uma vez que pela existência de
sentimentos por parte da vítima para com o agressor, esta faz o
pedido para revogação da medida. Infelizmente, nesses casos, a
vítima deve ser alertada, pois as chances de as agressões voltarem
são enormes e podem ser fatais.

173
Capítulo 8

REFERÊNCIAS

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COPELLO, P. L. Apuntes sobre elfeminicídio. Revista de Derecho


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nível em: http://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-
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LAGARDE, M. Por la vida y laliberdad de lasmujeres: fin al femi-


cídio. El dia, fev. 2004. Disponível em: http://www.cimacnoticias.com.
mx/especiales/comision/diavlagarde.htm. Acesso em: 14 jun. 2019.

175
CAPÍTULO 9

CRIPTOMOEDAS: CARACTERÍSTICAS
E REGULAMENTAÇÃO LEGAL NO
BRASIL

Matheus Henrique Santos Poiati

INTRODUÇÃO

As moedas virtuais têm alcançado cada vez mais dimen-


sões, assim como têm conquistado mais adeptos. Os indivíduos que
se tornaram adeptos da utilização das criptomoedas têm buscado,
por meio delas, maneiras mais seguras e eficazes de investimen-
tos e, mesmo sendo uma forma inovadora de investimentos, os
indivíduos adeptos encontram nas moedas virtuais uma forma de
armazenar suas riquezas.

Os criptoativos detêm valor econômico, assim cada espé-


cie de ativo apresenta um valor e o valor de cada moeda varia de
acordo com sua alta e movimentação. Assim, como as moedas
de cada país, como por exemplo, o dólar, o real e o euro sofrem
alterações de acordo com a variação de investimentos.

Atualmente, alguns países não apresentam boa aceitação


no que tange ao uso e aos investimentos realizados por meio das
moedas virtuais e, em virtude disso, existem países que proíbem
a utilização, contudo existem países que possuem regulamenta-

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 177


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 9

ção legislativa permissiva quanto à utilização de moedas virtuais.


Nesse contexto, é fundamental nos atermos ao fato de que alguns
países ao efetivar a legalização das moedas virtuais acabaram por
incluí-las como forma de pagamento, vez que estas podem ser
transacionadas sem que seja necessária a intermediação por ter-
ceiros, como nos casos onde ocorre a intervenção de instituições
financeiras.

Podem ser negociadas as moedas virtuais, entre os próprios


indivíduos, sem que terceiros precisem intervir, vale destacar que
se entendem como terceiros, as instituições financeiras e empresas
que se assemelham, não havendo a necessidade que essas ajam
como intermediadoras, cabendo às instituições financeiras somente
validar as transações realizadas por meio das moedas virtuais, com
a finalidade de atribuir valor real às transações efetivadas.

Para que um determinado indivíduo tenha como parte de


seu patrimônio valores em moedas virtuais, existem dois meios,
sendo: (a) a mineração ou (b) receber de um indivíduo que já as
detenha.

A mineração consiste em um procedimento computacional,


onde são gerados os dados que serão incorporados a uma cadeia
de blocos, que são incorporados a cadeias já existentes em um
processo infinito, o que possibilita a verificação das respectivas
transações, conferindo segurança a estas. A transação entre indi-
víduos se dá por meio de transferências.

Entretanto, com as moedas digitais atraindo cada vez mais


a atenção, os adeptos da utilização das moedas virtuais passaram
a avaliá-las como uma forma vantajosa de investimento e arma-
zenamento de riquezas, visando ao aumento de capital financeiro.

178
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

Fundamental ainda ressaltar que não são muitos indivíduos


que possuem informações e conhecimento para realizarem o pro-
cesso de mineração de criptomoedas, ademais, atualmente, não
são muitos os indivíduos adeptos da prática da mineração, cabe
mencionar que tal processo demanda tempo e que nem todos os
indivíduos possuem o tempo necessário, para isso foram criadas,
atualmente, as casas de câmbio de criptomoedas, as quais operam
como instituições que efetuam a conversão de dinheiro em moeda
corrente para criptomoedas, entretanto, como as moedas virtuais
podem possuir valores diferentes, a troca é muito subjetiva.

A troca de moeda corrente por moedas virtuais, quando rea-


lizada junto às casas de câmbio, é realizada por meio de depósitos
bancários ou por outras formas de pagamento, onde o indivíduo que
efetua o pagamento objetiva receber uma quantia determinada de
criptomoedas. Algumas das casas de câmbio possuem as mesmas
características e funcionamento semelhante ao mercado de valores
mobiliários, o que possibilita a alteração dos valores, podendo as
moedas virtuais sofrer aumento ou queda do valor inicialmente
investido pelo indivíduo o qual opta pelo investimento em ativos
de criptomoedas.

A possibilidade de sofrer diferença significativa entre o


valor investido e o valor obtido pode ser justificada pela vola-
tilidade das moedas virtuais, vez que existe a possibilidade do
indivíduo que as possui realizar diversas operações de compra e
venda dos ativos, analisando os riscos, aumentos e quedas de cada
espécie de criptomoeda. O indivíduo que possui investimentos em
criptomoeda pode escolher pela forma de armazenamento dos ati-
vos, sendo: armazenamento em carteiras virtuais, as quais somente
podem ser acessadas com o uso de uma senha privada também

179
Capítulo 9

chamada de chave de acesso, a qual é combinada de forma direta


com uma chave pública que é reconhecida pela rede. Assim é a
feita a configuração das duas formas de senhas, tornando possível
conferir segurança às carteiras virtuais e impossibilitando que ter-
ceiros acessem a carteira virtual.

O Brasil possui uma legislação não muito específica quanto


à natureza jurídica das criptomoedas, dificultando por vezes que
seja determinada a real incidência de seu valor econômico, no
momento da conversão em moeda corrente no país, pois inexiste
órgão que regulamente e promova a fixação de valores específicos
às moedas virtuais em moeda nacional, além do mais, a inexistência
de regulamentação específica se dá em virtude da impossibilidade
de enquadrar as moedas virtuais com o que é definido e atribuído
à União pela legislação, pois, legalmente, somente a União possui
o poder de expedir a moeda monetária, contudo a moeda virtual
por não ser emitida e nem controlada pela União não se enquadra
no art. 43 do CTN, o que dificulta de maneira contundente sua
regulação.

O VALOR ECÔNOMICO DOS ATIVOS DIGITAIS

Com o aparecimento dessa plataforma chamada de plano


digital, que tem inteligência para enviar ou coletar informações e
tem a capacidade de armazenar informações como quaisquer meios
físicos, tendo como diferencial, não o teor final das informações,
e sim no formato de visualização e leitura desse conhecimento
de modo direto dos bits, o questionamento dominante acerca dos

180
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

ativos digitais é compreender sua estrutura jurídica, com intuito


de definir sua valoração econômica. Suas especificações têm como
finalidade definir quais os conceitos que devem ser aplicados na
normatização dos bens conforme sua categorização (PEREIRA,
2002).

Para elucidar essa indagação, é fundamental relembrar o


conceito de bem. Dentro do Direito Civil, os bens são compreen-
didos como todos os pertences materiais e imateriais que podem
ser utilizados economicamente, tanto por pessoas físicas como
jurídicas (LÔBO, 2010, p. 204).

Os bens digitais são considerados softwares podendo ser


comercializados e ter reconhecimento econômico, isto é, podem ser
considerados como bens dentro do ordenamento jurídico e, mesmo
não possuindo uma existência física, dispõem de uma valoração
econômica (EMERENCIANO, 2003).

Possuímos também os bens corpóreos e incorpóreos. Os bens


corpóreos são aqueles que apresentam existência física, enquanto os
bens incorpóreos são totalmente destituídos dessa existência, sendo
exclusivamente conceituais. Para Diniz (2005), bens incorpóreos
são aqueles que não possuem uma existência concreta. São bens de
direito de uma determinada pessoa física ou jurídica que possuem
valor econômico, como por exemplo, os direitos autorais.

O interesse prático da distinção das coisas em corpó-


reas e incorpóreas, que no direito romano se situava
na forma de transmissão, de vez que as corpolures
res deviam obedecer ao ritual da mancipatio ou da
traditio, enquanto que as res incorporales eram
transferidas por outras formas, como a in iureces-
sio, no direito moderno reduziu-se, embora ainda
se possa indicar. Assim é que as coisas corpóreas se

181
Capítulo 9

transferem pela compra e venda, pela doação, etc.,


enquanto as incorpóreas pela cessão (PEREIRA,
2002, p. 258).

No que tange aos bens digitais, a classificação doutrinária se


direciona para entender a tipificação destes bens como incorpóreos
(SANTOS, 2014). Dado ao fato do recente surgimento desse tipo
de bem, a discussão se centraliza inicialmente na seara do Direito
Tributário, devido à necessidade de compreender se bens digitais
são passíveis de determinada tributação ou não.

A classificação doutrinária visa entender tais bens como os


incorpóreos. Devido ao recente surgimento desse tipo de bem, a
discussão se concentra primeiramente na área do Direito Tributário,
devido à necessidade de entender se bens digitais são suscetíveis
de determinada tributação ou não. A importação de bens virtuais
não pode ter a ocorrência de Imposto de Importações, pois estes
bens são incorpóreos e, prontamente, impedem a existência de tal
tributo (MACHADO, 2001).

Isso acontece justamente pela impossibilidade de existência


física desses bens. Pode também ocorrer a possibilidade de um
bem caracterizado como corpóreo vir a se tornar um bem incor-
póreo, como ocorre, por exemplo, quando um livro físico se torna
digitalizado.

A Primeira Turma do Supremo Federal, em julgamento do


Recurso Extraordinário 176626-3-SP, também tratando de matéria
tributária, se posicionou da seguinte forma:

[...]Programa de computador (“software”): trata-


mento tributário: distinção necessária. Não tendo
por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpó-

182
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

reo, sobre as operações de “licenciamento ou ces-


são do direito de uso deprogramas de computador”
– matéria exclusiva da lide –, efetivamente não
podem os Estados instituir ICMS: dessa impos-
sibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se
esteja também a subtrair do campo constitucional
de incidência do ICMS a circulação de cópias ou
exemplares dos programas de computador produ-
zidos em série e comercializados no varejo – como
a do chamado ‘software de prateleira’ (off theshelf)
– os quais, materializando o corpus mechanicum da
criação intelectual do programa, constituem mer-
cadorias postas no comércio (BRASIL, Supremo
Tribunal Federal, 1998).

Um software, ante sua natureza, é definido como bem incor-


póreo, de acordo com Acórdão, mas pode ocorrer a qualificação
para bem corpóreo, como no caso dos conhecidos “softwares de
prateleira” que são vendidos no varejo, normalmente, em forma de
CD’s. Os bens digitais, basicamente, por poderem ser classificados
como bens incorpóreos, podem ser valorados economicamente,
assim possuindo proteção jurídica condizente com essa condição
e, portanto, reflexos no campo jurídico.

Considerando os ativos digitais e sua caracterização, ini-


cialmente, em bens incorpóreos que podem ser alterados para bens
corpóreos, a contar de sua utilização, faz-se necessário que, por
muito tempo, existisse uma lacuna no mercado dos ativos digitais,
uma vez que inexistia plataforma que pudesse corresponder às
expectativas de traders brasileiros que iniciavam investimentos
em moedas digitais.

As criptomoedas como já mencionado são os bens de empre-


sas ou pessoas em se tratando de investimentos, assim os ativos
de uma maneira direta podem ser divididos em ativos tangíveis e

183
Capítulo 9

intangíveis, sendo os tangíveis aqueles que podem ser facilmente


quantificáveis e os intangíveis são aqueles que apresentam uma
maior complexidade na quantificação, assim as moedas digitais
encontram adequação nos ativos intangíveis enquanto digitais.

As criptomoedas têm sua origem datada do ano de 2009,


quando se tornaram conhecidas e conquistaram novos espaços,
tendo seu funcionamento a partir de seu ambiente virtual descen-
tralizado o que torna possível sua movimentação e transferência
entre os indivíduos sem que seja necessária a intermediação de
alguma instituição financeira, o que faz com que as moedas vir-
tuais não sejam submetidas às mesmas regulamentações do sistema
financeiro monetário tradicional.

As moedas virtuais ou criptomoedas atuam como uma


forma de dinheiro digital, entretanto, é fundamental ressaltar que
as moedas passaram, recentemente, a serem aceitas e, em virtude
disso, passaram a ser regulamentadas.

Para Fernando Ulrich, assim como o dólar, o real e o euro,


o Bitcoin é uma maneira de dinheiro, com a diferença de ser exclu-
sivamente digital e não ser emitida por governo nenhum. É o modo
mais barato, rápido e seguro para movimentações online e o seu
valor é definido livremente pelos indivíduos no mercado. Para o
autor, o Bitcoin é uma tecnologia inovadora, é a maior inovação
tecnológica desde a internet, tendo o potencial de mudar o mundo
de uma forma nunca vista.

De forma simplificada e efetiva, as criptomoedas são enca-


radas como um novo ambiente de efetuar transações financeiras de
forma virtual sem haver a necessidade de intervenção de terceiros,
como bancos e instituições semelhantes ou até mesmo operadoras

184
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

de cartões de crédito que, por vezes, terão a atribuição de assegurar


a realização da transação financeira realizada por meio de moedas
virtuais.

Fundamental ressaltar que, em decorrência de não exis-


tir uma relação das moedas virtuais com os bancos e instituições
financeiras de forma direta, as criptomoedas não estão sujeitas a
todas alterações de valores como a moeda corrente de cada país em
que é utilizada, pois, ao inexistir a relação com as instituições, não
recai sobre elas o controle governamental, assim as criptomoedas
não podem ser consideradas como uma moeda de determinado
país, exclusivamente, não se sujeitando ao controle e à cotação
do dinheiro real.

As criptomoedas, por não estarem diretamente ligadas a


instituições financeiras, possuem cotação própria, o que possibilita
que o dinheiro real seja trocado por moedas virtuais e, para isso,
existem casas de câmbio onde podem ser realizadas as trocas.

Imprescindível citar que, quando se tratam de moedas vir-


tuais, não estamos tratando de uma forma em específico, vez que
existem formas distintas dessas moedas, onde cada uma está sujeita
a um processo específico para utilização e, dentre as moedas vir-
tuais atualmente conhecidas, tem-se: o Bitcoin, Litecoin, Terracoin,
Peercoin, Namecoin, Primecoin, Zcash, Ethereum e a Feathercoin.
Cada uma dessas moedas possui características específicas para a
sua utilização e a forma de transação.

De forma ampla, as moedas virtuais possuem a facilidade


consistida em realizar transações sem a obrigatoriedade da inter-
venção de terceiros, o que tem colaborado para a disseminação
de sua utilização, o que também torna mais fácil sua aceitação

185
Capítulo 9

no mercado. Contudo, vale ressaltar que, para a utilização das


criptomoedas, é necessária a utilização de um sistema tecnológico
denominado como ‘blockchain’, onde são formalizadas as tran-
sações efetuadas, tornando-as públicas, impedindo que a mesma
moeda virtual seja utilizada posteriormente em nova transação,
garantindo maior segurança, bem como a utilização das moedas
virtuais permite que as transações sejam efetuadas de maneira mais
rápida e que gerem menos custos.

Quando se trata de moedas virtuais, é necessário atermo-nos


a que tais mecanismos são finitos, ou seja, possuem uma quantidade
predefinida, o que faz com que sejam mais limitadas e controladas,
além de gerar restrições quanto à velocidade de negociações que
variam de acordo com os valores pré-estipulados.

O armazenamento das moedas virtuais ocorre de forma


descentralizada e independente, sendo estas armazenadas junto a
endereços eletrônicos que são criados de maneira direta para essa
finalidade e, em alguns casos, as carteiras digitais são criadas e
registradas de modo a garantir o anonimato de usuários que visam
impossibilitar o rastreamento das transações, o que, em tese, se
julga ser mais seguro, pois torna impossível a identificação da
quantidade de moedas virtuais esses indivíduos possuem.

Com relação às carteiras virtuais onde são armazenadas as


moedas virtuais, é necessário mencionar que tais carteiras apre-
sentam benefícios e malefícios, melhor dizendo, ao mesmo tempo
que as carteiras virtuais podem favorecer uma pessoa com o “ano-
nimato” de investimento, podem ocorrer fatos que façam com que
este mesmo indivíduo apresente uma perda em seus ativos. Assim,
tem-se como situações que podem acarretar tal perda, por exem-

186
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

plo: (I) a ocorrência de vazamentos de informações das bases de


dados dos usuários de determinados provedores que são utilizados
para armazenamento de moedas virtuais, assim, há chances de que
parem em locais estranhos, como por exemplo: a deepweb, abrindo
espaço para que sejam adquiridas por estranhos, vez que, através
da utilização de softwares específicos, torna-se possível ter acesso
às moedas virtuais, cujas autorizações se dão por meio deste deter-
minado servidor; outro meio recorrente de perda de ativos digitais
voltados às moedas virtuais é (II) indivíduos que prestam serviços
para provedores, por meio de ações mal-intencionadas, funcio-
nários estes que possuem cadastros de administradores e contam
com ferramentas mais avançadas conseguem acessar as carteiras
virtuais e roubar criptomoedas das contas dos usuários, de forma
imperceptível, em um primeiro momento; (III) a ocorrência de ata-
ques e problemas em exchanges de criptomoedas, que pode causa
perda total ou parcialmente dos clientes/investidores que confiam
em tais plataformas; e (IV) a criptografia dos arquivos existentes no
disco rígido do computador utilizado para investimentos, através
da instalação de cavalos de troia que possibilitam a identificação
dos links de acesso às carteiras virtuais.

Alguns usuários de criptomoedas adotam o armazenamento


frio, ou seja, armazenam em locais que não podem ser acessados
pela rede de internet, a fim de se resguardarem dos “imprevis-
tos” acima mencionados. Uma boa forma de armazenamento frio
encontrada pelos adeptos das criptomoedas é seu armazenamento
em dispositivos HD’s externos e similares aos pendrives que são
desenvolvidos de forma exclusiva para o armazenamento desses
ativos, o que garante uma maior proteção contra fraudes e vaza-
mentos como pode ocorrer em carteiras virtuais dos seus usuários.

187
Capítulo 9

Alguns usuários optam ainda pelo resgate de moedas físicas


como alternativa de garantir a manutenção dos investimentos, evi-
tando-se assim ficarem expostos a risco que julgam desnecessários.

Tendo conhecimento da existência de 3 (três) meios de


‘armazenamentos’, alguns dos usuários das criptomoedas optam
pelo armazenamento frio, já descrito anteriormente, pois o arma-
zenamento frio não está sujeito a ataques via internet, garantindo
mais segurança aos usuários, assim oferendo menos riscos e uma
possibilidade de maior rendimento dos ativos investidos.

O MUNDO E A RELAÇÃO COM AS CRIPTOMOEDAS

Os criptoativos estão sendo comercializados desde meados


de 2009 e algumas das criptomoedas, atualmente, utilizadas têm
o nascimento datado de antes, como é o caso do Bitcoin que teve
seu início no ano de 2008, após a instituição financeira Lehman
Brothers declarar falência.

Apesar de, atualmente, estarem se tornando um grande


atrativo para investimentos considerando o valor que possuem, é
visível e nítido que, a cada dia, as moedas virtuais vêm conquis-
tando cada vez mais espaço e atraindo cada vez mais a atenção
de investidores, vez que é compreendida como um novo meio de
realizar transações sem que seja necessária a intermediação, tendo
como base de sustentação a blockchain.

Com a criação das moedas virtuais e sua descentralização,


o que faz com que estas não sejam dependentes de terceiros e ins-

188
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

tituições financeiros, tem-se que as movimentações e transações


financeiras realizadas por meio de criptoativos apresentem maiores
riscos, o que fez com que alguns países se apressassem a editar leis
que visam regulamentar as transações financeiras, assim, diante da
existência de riscos, alguns países começam a desenvolver medidas
jurídicas de proteção, bem como começam a analisar formas de
controlar as movimentações.

As criptomoedas, por serem utilizadas junto à rede de inter-


net, têm circulado em diferentes países e, de certa forma, vêm
desafiando os monopólios monetários vez que não são reguladas
por bancos centrais, dessa forma, alguns países possuem regu-
lamentação sobre o tráfego das moedas virtuais e, nesse caso, a
regulamentação pode incidir desde a circulação na rede até a inci-
dência de tributos.

Cada país apresenta uma posição sobre a circulação e a


tributação das moedas virtuais, ou seja, há países que optaram
pela regulamentação, outros deixaram de legislar e ainda há os
que decidiram pela proibição da utilização das moedas virtuais,
entretanto, ao se considerar o volume e a movimentação comercial,
é impossível que as nações deixem de se importar ou observar o
crescimento e a utilização das moedas virtuais, vez que a movi-
mentação destas pode chegar e até mesmo ultrapassar a quantia
de 10 Bilhões de dólares mensais.

Atualmente, existem países que proíbem a utilização da


criptomoedas, impondo penas severas para aqueles que forem
pegos negociando ou transacionando, como é o caso de Bangladesh
que aplica pena de até 12 anos de prisão, pois entende que a nego-
ciação e as transações realizadas por meio de moedas virtuais em

189
Capítulo 9

seu limite territorial possuem enquadramento no crime de lavagem


de dinheiro, o que faz com que tais transações sejam proibidas com
imposição de penas severas aos que realizarem transações com o
uso de moedas virtuais.

Enquanto Bangladesh proíbe o uso e comércio das moedas


virtuais, o Japão permite a utilização destas, reconhecendo-as como
um tipo de ‘moeda estrangeira’, permitindo o uso, a negociação e,
inclusive, estipulando a tributação sobre as movimentações reali-
zadas por meio das moedas virtuais.

Faz-se necessário ressaltar que cada país é responsável por


decidir se concorda ou discorda e decidir se regulamenta ou não o
uso de moedas virtuais, cabendo aos chefes de Estado de cada país
definir se haverá ou não a tributação sobre o uso e as transações,
bem como se fixará proibição do uso.

Como exemplo de países que já regulamentaram e aceitam


bem as moedas virtuais, têm-se os Estados Unidos que já defini-
ram de forma tributária deixando estabelecido que, para o sistema
tributário norte-americano, as criptomoedas devem ser tratadas
como propriedade, não cabendo a adoção da definição de moeda
estrangeira, dessa forma, nos casos em que um indivíduo receber
como pagamento valores em moedas virtuais, este deve declarar a
tributação, indicando como forma de pagamento o realizado com
bens. Já nos casos de mineração, os Estados Unidos reconhecem
a renda obtida como rendimento de trabalho autônomo, cabendo
à tributação correspondente.

Enquanto isso, a União Europeia definiu que as transa-


ções realizadas envolvendo o uso de moedas virtuais devem ser
tratadas de forma semelhante às transações efetuadas com moe-

190
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

das estrangeiras, incidindo a mesma tributação, sendo assim, tal


entendimento fixa a ideia de que as criptomoedas são equivalentes
ao dinheiro real.

O mesmo entendimento valorativo há onde se equiparam


as moedas virtuais com o dinheiro real, no caso, o Reino Unido
e a Alemanha passaram a reconhecer as criptomoedas como um
modelo privado de dinheiro, devendo ser aplicado aos usuários e
aos criadores uma forma própria do tipo de tributação.

Outros países também aderiram ao uso das moedas vir-


tuais e, considerando a aderência, decidiram pela regulamentação,
garantindo mais segurança aos usuários tornando as criptomoedas
um meio de transação financeira que colabora de forma direta com
o desenvolvimento de cada país, como é o caso do Japão, Coreia
do Sul e Hong Kong.

Sendo que o Japão, atualmente, é compreendido como o


país sede das principais exchanges responsáveis pelas movimen-
tações de criptomoedas no mundo, assim já efetivou a regulamen-
tação do assunto. A principal regulamentação do Japão quanto às
moedas virtuais é o marco de serviços de pagamentos que passou
a vigorar em 2017, onde deixa expressos os requisitos necessários
para as empresas fazerem uso das moedas virtuais, estando entre
os requisitos: (a) ter representante da empresa residindo no Japão;
(b) manter, dentro do país, um escritório da referida empresa; (c)
a empresa deve se cadastrar em departamento financeiro local;
(d) deve realizar a entrega anual dos registros das transações rea-
lizadas; e (e) administrar ativos ou companhia que administrem
moedas virtuais estrangeiras. A regulamentação japonesa determina
que todos os investidores devam ser identificados.

191
Capítulo 9

Já a Coreia do Sul, ao permitir o uso das moedas virtuais,


optou por criar condições para a realização de transações por insti-
tuições financeiras, ou seja, as transações devem ocorrer por meio
de instituições bancárias, além de existirem regras previstas no
ordenamento, sendo: (a) usuários devem ter conta em instituições
bancárias que atuem junto às transações de moedas virtuais; (b) as
instituições financeiras coreanas têm o papel de verificar a ciber-se-
gurança das transações financeiras realizadas entre os indivíduos;
(c) os indivíduos que realizam as negociações devem ter conta
bancária nas mesmas instituições bancárias em que as exchanges
possuem conta, com a finalidade de facilitar a negociação de crip-
tomoedas; (d) restrição quanto à realização de transações virtuais
em caso de pessoas estrangeiras; (e) todas as transações financeiras
realizadas com o uso de criptoativos são fiscalizadas pela Comissão
de Serviços Financeiros; e (f) em caso de movimentações financei-
ras suspeitas, estas devem ser reportadas às autoridades policiais
para averiguação.

Hong Kong sempre foi vista como uma boa alternativa


para os investidores, mas, com o decorrer do tempo, tem deixado
de ser uma das melhores opções de investimentos, uma vez que a
Comissão de Títulos e Futuros limitou moedas virtuais para comer-
cialização por exchanges que possuem sede ou relação direta com
o país.

Atualmente, o Brasil tem buscado meios de regulamentar


a utilização de criptomoedas, tornando mais fácil sua aceitação e
movimentação dentro do território nacional.

No Brasil, por não haver regulamentação legislativa sobre


o uso, a negociação ou até mesmo sobre o armazenamento, é pos-

192
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

sível que estas sejam utilizadas, pois a inexistência de Lei que as


defina, seja a definição pela legalização ou por proibir, pode tornar
impossível que o indivíduo sofra algum tipo de punição.

Toda via, cabe ressaltar que no Brasil já existe um Projeto


de Lei n. 2.303/2015 visando à regulamentação do uso das cripto-
moedas, bem como a incidência de impostos sobre as transações
realizadas dentro do território nacional.

O Projeto de Lei n. 2.303/2015 visa inserir as moedas vir-


tuais e também os programas de milhagens aéreas junto à categoria
de transações e arranjos que visam efetuar pagamentos que pas-
sem a ser supervisionados pelo Banco Central. Até que o projeto
seja julgado, passando a haver a regulamentação necessária, os
cidadãos brasileiros não estão obrigados a efetivar o recolhimento
dos impostos sobre as transações realizadas com o uso de moedas
virtuais, dessa forma não podendo ser aplicada a estas por não
serem reconhecidas como dinheiro.

A criação da moeda virtual se fez necessária diante da


evolução e do advento da internet que fez com que o controle do
mercado financeiro fosse deslocado, saindo das mãos do governo
e passando a ser exercido de forma global.

Considerando a legislação vigente no Brasil atualmente, as


moedas virtuais são classificadas como uma das formas de padrão
de valor monetário, assim passando a possuir natureza liberatória
de obrigação patrimonial.

Atualmente, somente 8,3% de toda a movimentação finan-


ceira mundial são feitos por meio de moeda em espécie, enquanto
o restante das movimentações é feito de maneira virtual/eletrônica

193
Capítulo 9

e, nesse mesmo sentido, tem andado o sistema financeiro nacio-


nal, sendo a maior parte das transações financeiras realizadas de
maneira virtual, por meio de empréstimos bancários e movimen-
tações financeiras que não envolvem moedas físicas.

Com o advento da regulamentação nacional das moedas vir-


tuais, estas podem também ser tributadas, influindo diretamente no
imposto de renda do cidadão que utiliza a moeda virtual, contudo,
a tributação não ocorre de maneira correta, seguindo o patrimônio
e os rendimentos, não considerando os dividendos. Atualmente,
mais da metade da arrecadação nacional é decorrente dos tributos
incidentes sobre os serviços e os bens, sendo considerada baixa a
tributação sobre os patrimônios do indivíduo.

No que compete às moedas virtuais, pode ser aplicado o


artigo 43 do Código Tributário Nacional que dispõe:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre


a renda e proventos de qualquer natureza tem como
fato gerador a aquisição da disponibilidade econô-
mica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital,
do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim enten-
didos os acréscimos patrimoniais não compreendidos
no inciso anterior. (BRASIL, 1966, não paginado).

De acordo com o trecho transcrito acima, é notório que as


criptomoedas devem ser tributadas, considerando que as moedas
virtuais podem ser enquadradas em ambas as alternativas acima
descritas.

Atualmente, no Brasil, estima-se que circulem cerca de R$


40,5 bilhões em criptoativos, sendo que o maior número de tran-

194
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

sações nacionais ocorreu em 2015, quando foram contabilizadas


cerca de 10 mil criptomoedas movimentadas.

Cabe nesse momento mencionar que a análise de regula-


rização das moedas virtuais iniciou-se no ano de 2017, quando já
havia, aproximadamente, 15 mil comerciantes fazendo uso das
moedas virtuais, com o debate do projeto de lei n. 2.303/15, em
que foi identificada como um dos maiores empecilhos para a sua
regulamentação a descentralização das movimentações.

Mesmo as moedas virtuais tendo sua movimentação des-


centralizada, o Banco Central do Brasil apresentou seu posicio-
namento por meio do Comunicado n. 25.306/2014 que esclarece
a respeito dos riscos existentes na aquisição das criptomoedas,
bem como na realização de transações que as envolvam, em que
declarou:

O Banco Central do Brasil esclarece, inicialmente,


que as chamadas moedas virtuais não se confun-
dem com a “moeda eletrônica” de que tratam a Lei
nº 12.865/2013, e sua regulamentação infralegal.
Moedas eletrônicas, conforme disciplinadas por
esses atos normativos, são recursos armazenados
em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem
ao usuário final efetuar transação de pagamentos
denominada em moeda nacional. Por sua vez, as
chamadas moedas virtuais possuem forma própria
de denominação, ou seja, são denominadas em
unidade de conta distinta das moedas emitidas por
governos soberanos, e não se caracterizam dispo-
sitivo ou sistema eletrônico para armazenamento
em reais.
2. A utilização das chamadas moedas virtuais e a
incidência, sobre elas, de normas aplicáveis aos
sistemas financeiros e de pagamentos têm sido
temas de debate internacional e de manifestações
de autoridades monetárias e de outras autoridades
públicas, com poucas conclusões até o momento.
3. As moedas virtuais não são emitidas nem garan-
tidas por uma autoridade monetária. Algumas são

195
Capítulo 9

emitidas e intermediadas por entidades não finan-


ceiras e outras não têm sequer uma entidade res-
ponsável por sua emissão. Em ambos os casos, as
entidades e pessoas que emitem ou fazem a inter-
mediação desses ativos virtuais não são reguladas
nem supervisionadas por autoridades monetárias
de qualquer país.
4. Essas chamadas moedas virtuais não têm garan-
tia de conversão para a moeda oficial, tampouco
são garantidos por ativo real de qualquer espécie.
O valor de conversão de um ativo conhecido como
moeda virtual para moedas emitidas por autori-
dades monetárias depende da credibilidade e da
confiança que os agentes de mercado possuam na
aceitação da chamada moeda virtual como meio de
troca e das expectativas de sua valorização. Não há,
portanto, nenhum mecanismo governamental que
garanta o valor em moeda oficial dos instrumentos
conhecidos como moedas virtuais, ficando todo o
risco de sua aceitação nas mãos dos usuários.
5. Em função do baixo volume de transações, de
sua baixa aceitação como meio de troca e da falta
de percepção clara sobre sua fidedignidade, a varia-
ção dos preços das chamadas moedas virtuais pode
ser muito grande e rápida, podendo até mesmo
levar à perda total de seu valor.
6. Na mesma linha, a eventual aplicação, por auto-
ridades monetárias de quaisquer países, de medi-
das prudenciais, coercitivas ou punitivas sobre o
uso desses ativos, pode afetar significativamente
o preço de tais moedas ou mesmo a capacidade de
sua negociação.
7. Além disso, esses instrumentos virtuais podem
ser utilizados em atividades ilícitas, o que pode dar
ensejo a investigações conduzidas pelas autorida-
des públicas. Dessa forma, o usuário desses ativos
virtuais, ainda que realize transações de boa-fé,
pode se ver envolvido nas referidas investigações.
8. Por fim, o armazenamento das chamadas moe-
das virtuais nas denominadas carteiras eletrônicas
apresenta o risco de que o detentor desses ativos
sofra perdas patrimoniais decorrentes de ataques de
criminosos que atuam no espaço da rede mundial
de computadores (BANCO CENTRAL, 2014, não
paginado).

196
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

Considerando a declaração do Banco Nacional, é notório


que existem empecilhos quanto ao enquadramento das moedas
virtuais nos conceitos já existentes na legislação nacional, pois as
categorias preexistentes na legislação nacional determinam que
somente a União pode expedir moedas financeiras, diante disso,
torna-se notória a dificuldade em enquadrar a moeda virtual no
conceito atualmente existente, tendo em vista que as moedas vir-
tuais não são emitidas e nem reguladas pela União.

Diante de tal fato, compreende-se que a melhor maneira de


enquadrar as criptomoedas até o momento é atribuir-lhes a função
de objeto de permuta e troca, pois os objetos de troca funcionam
por meio da obrigação de um indivíduo com o outro, que firmam
entre si a obrigação de entregar um ao outro objeto determinado
que pode ser nesse contexto a criptomoeda a qual será tratada como
objeto e mercadoria.

TRIBUTAÇÃO DAS CRIPTOMOEDAS

Como já demonstrado, cada país escolhe como será feita a


sistemática em se tratando de criptomoedas no mercado corrente,
tomando por base a política monetária já existente na legislação,
além das estruturas legais que sejam diretamente ligadas ao sis-
tema financeiro de cada país. Assim, como já bem demonstrado
anteriormente, no Brasil, as autoridades competentes analisam
meios de regulamentar a utilização e a tributação das criptomoe-
das, contudo ressalta-se que, como demonstrado, o Brasil emitiu
avisos e diretrizes a fim de nortear a utilização e a tributação das
moedas virtuais.

197
Capítulo 9

Apesar de ainda não serem completamente regulamentadas,


a Receita Federal tem ficado de olho em movimentações realizadas
por meio de moedas virtuais, entretanto é necessário mencionar
que, devido à inexistência da completa regulamentação dos ati-
vos digitais, estas não são compreendidas como movimentações
financeiras, dessa forma, a declaração no imposto de renda deve
qualificar as moedas virtuais como outros bens e que assim estarão
sujeitas a tributação pertinente nessa modalidade.

Como já mencionado, a Receita Federal possui entendi-


mento e encara as moedas virtuais como bens, devendo ser indicado
qual tipo da moeda virtual o indivíduo possui, informando ainda a
quantidade e a exchange que realizou a operação.

A tributação das moedas virtuais ocorre em cima do lucro


obtido pela venda assim como ocorre com outros bens declarados
pelos indivíduos no imposto de renda. À Receita Federal, cabe
mencionar que assim como ocorre nas vendas de outros bens, as
movimentações (vendas) de criptoativos, que sejam inferiores ao
valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), não serão tributadas, con-
tudo, existe a necessidade de realizar a declaração.

As alíquotas de imposto e tributos irão variar de acordo


com o montante que for movimentado e declarado pelo indivíduo
no momento da realização da declaração do imposto de renda.
Ressalta-se que os impostos/tributos devidos com a venda e tran-
sações realizadas por meio de criptomoedas devem ser recolhidos
nos 30 (trinta) dias subsequentes à venda e, caso não realizada, o
indivíduo fica sujeito à aplicação de multa e juros de mora.

Ademais, para que sejam devidamente tributados, o indi-


víduo deve declarar o rendimento obtido por meio da venda das

198
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

moedas virtuais na ficha de rendimentos que está sujeito à tributa-


ção exclusiva, devendo este incluir o ganho obtido e a fonte, seja
uma exchange ou terceiro indivíduo, sendo necessário informar o
CNPJ no caso de exchanges ou o CPF nos casos em que for um
terceiro envolvido.

Assim como demonstrado, a tributação das moedas vir-


tuais, atualmente, ocorre somente no momento em que se efetiva
a declaração do imposto de renda, momento no qual o indivíduo
deverá declarar a venda das criptomoedas, informando o ganho
de capital com a alienação de bens, direitos ou conjuntos de bens,
ressalta-se que deverão ser declarados os bens alienados de um
mesmo mês que, ao se somarem os ganhos, devem totalizar mais
que R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil) reais.

A tributação somente ocorre no momento da declaração do


imposto de rende, pois se considera tributável somente o ganho
efetivo, ou seja, a diferença levantada entre o valor da compra e da
venda, sendo assim, somente será tributado do contribuinte o ganho
de capital e é fundamental mencionar que a alíquota atribuída irá
variar de acordo com o valor movimentado, bem como que o valor
devido será recolhido por meio da guia de recolhimento emitida
pela Receita Federal.

CONCLUSÃO

Com base em todo o exposto no presente artigo, é possível


identificar algumas características das criptomoedas desde a forma

199
Capítulo 9

como são conquistadas, negociadas, reconhecidas em alguns países


até como são regulamentadas no Brasil atualmente.

As moedas virtuais, a cada dia, têm conquistado mais


espaço e conquistado mais adeptos e, no Brasil, não foi diferente,
sendo que, em 2015, foi identificado seu maior recorde em terras
nacionais, o que garantiu ao Brasil um aumento em seus inves-
timentos financeiros envolvendo as moedas virtuais e garantindo
assim cada vez mais adeptos que veem nessa nova forma de inves-
timento uma segurança que não gira entorno de entidade e insti-
tuições financeiras.

De forma direta, é possível identificar que, dentre os países


que se manifestaram quanto à utilização das criptomoedas, estes
têm se posicionado, principalmente, em três alicerces distintos,
sendo (a) os que rejeitam a tecnologia e a adoção da criptomoeda,
proibindo sua utilização; (b) alguns autorizam a utilização de crip-
tomoedas e tentam se adequar, no que se mostra possível, à legisla-
ção local; e (c) a que é adotada pelo Brasil que visa tentar adequar à
regulamentação, buscando, de maneira incisiva, evitar a ocorrência
de fraudes, deixando um campo limpo não as regulamentando de
maneira completa e nem mesmo as banindo.

Considerando que as moedas digitais são representadas


somente pelas transações realizadas, não sendo de total maneira
palpáveis, sendo essas moedas controladas de maneira separada
por cada indivíduo/usuário, o qual possui criptochaves pessoais
negociando entre os indivíduos interessados.

De mais a mais, por todo o exposto, verifica-se que ainda


é necessário que sejam desenvolvidos maiores estudos, bem como
sejam elaboradas leis que visem à regulamentação de maneira com-

200
Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

pleta e que permitam a utilização de maneira correta e segura das


moedas virtuais, tornando possível seu reconhecimento e trazendo
mais segurança aos usuários das moedas virtuais. Atualmente, a
regulamentação das moedas virtuais no Brasil se mostra insufi-
ciente, contudo, oferece a oportunidade de maiores saltos no sis-
tema financeiro nacional.

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Criptomoedas: Características e Regulamentação Legal no Brasil

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203
CAPÍTULO 10
DIMINUIÇÃO DA MAIORIDADE
PENAL: UMA ABORDAGEM SOBRE
SUA APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO

Pedro Manoel Cordeiro de Souza

INTRODUÇÃO

O sistema jurídico brasileiro, em sua atual redação, como a


encontrada no art. 228 da Constituição Federal, aponta que impu-
tabilidade se aplica aos maiores de 18 anos e sendo aos menores
de 18 e maiores de 16 regidos pela legislação especial imposta
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em que o menor
infrator não é apenado com uma pena descrita no Código Penal e
sim por medidas socioeducativas.

O presente trabalho tem como objetivo abordar a redução


da maioridade penal, analisando as óticas positiva de sua redu-
ção e realizar uma sintética abordagem da corrente contrária sua
aplicação.

Ao analisar o contexto atual brasileiro, nota-se o ingresso


cada vez mais precoce de jovens no crime, isso se dá por diver-
sos fatores que vão desde o fato de querer ajudar financeiramente
suas famílias, como também pelo motivo de conseguir dinheiro

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 205


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 10

mais facilmente, sendo que, em alguns casos, recebem valores até


elevados.

Dado ao grande questionamento midiático e da população


em geral, o presente artigo apresenta os principais argumentos da
corrente que defende a redução da imputabilidade penal para 16
anos de idade.

Será realizada uma abordagem sobre a constitucionalidade


em caso de realização de emenda que altere a idade mínima para
a responsabilidade penal do agente, observando que esta não se
mostra inconstitucional, uma vez que o art. 60, em seu parágrafo
quarto, quando analisado a fundo, fica evidente que a realização
de uma emenda alterando a idade para 16 anos é constitucional,
uma vez que, no referido parágrafo, fica demonstrado que só serão
inconstitucionais casos de emenda que tenham o intuito de abolir
os direitos e garantias, nada se diz a respeito a uma readequação
do texto diante da realidade social presente no país.

HISTÓRICO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL

Ao analisar o contexto histórico brasileiro, pode-se notar


que até então só existiram três códigos penais em nossa legislação.
O primeiro diploma que regrava o direito penal no Brasil foi reco-
nhecido como Código Penal da América Latina, promulgado em
16 de dezembro de 1830. O segundo levou o nome de Código da
República, datado de 11 de outubro de 1890 e o mais recente que
rege até os dias atuais, o Código Penal Brasileiro, promulgado no
dia 07 de dezembro do ano de 1940.

206
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

O Código Criminal do Império, promulgado em 1830, foi


criado tendo como inspiração o Código Penal Francês, este criado
em 1810, que tinha como critério para definir e atribuir impu-
tabilidade ao indivíduo a capacidade de discernir seus próprios
atos praticados na esfera penal e assim era considerado o critério
biopsicológico. Para ilustrar tal situação, Lopes (2015, p. 233) traz
o art. 13 deste diploma que dispõe que: “Se provar que os meno-
res de catorze anos, que tiverem cometido crimes, abraram com
discernimento, estes deverão ser recolhidos às casas de correção,
pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não
exceda a idade de dezessete anos”.

Assim, ao analisar este artigo, quando um adolescente


maior de quatorze anos de idade cometia um ato ilícito relevante
ao direito penal, era avaliado, de forma grotesca, o seu grau de
discernimento diante do ato praticado. Caso condenado e ficasse
evidenciado que possuía o conhecimento do ato no momento da
ação, responderia penalmente como se adulto fosse.

Lopes (2015) salienta que os menores de catorze anos não


poderiam ser punidos penalmente, independentemente de conseguir
discernir ou não seus atos praticados, e se encontrava disposto no
art. 10 do Código Imperial que estabelecia que: “Art. 10. Também
não se julgarão criminosos: 1º Os menores de catorze anos”.

Segundo Cury et al. (2002), no Código do Império, o juiz


tinha a faculdade de aplicar a então conhecida pena de cumplici-
dade aos menores que possuíssem entre catorze e dezessete anos,
assim teriam uma redução de 1/3 quando comparadas a uma pena
aplicada aos maiores de idade.

207
Capítulo 10

Vale mencionar que, neste período imperial, o adolescente


que era condenado era encaminhado para prisões comuns, onde
dividia o mesmo espaço com os adultos no sistema prisional no
momento da execução da pena. E a maioridade penal neste período
era regulado exclusivamente pelo Código Imperial.

No ano de 1890, entrou em vigência o segundo diploma


penal brasileiro, o famigerado Código Penal da República, que
trouxe o critério do discernimento do indivíduo como base para
aplicação de sanções aos jovens que cometiam algum tipo de infra-
ção. Lopes (2015) traz o art. 30 do Código Penal da República,
disposto como: Os maiores de 9 anos e menores de 14 que tiverem
abrado com discernimento serão recolhidos a estabelecimentos
disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz parecer, com tanto
que o recolhimento não exceda à idade de 17 anos”. De forma
que maiores de 9 anos já poderiam ser recolhidos em caso de
infrações penais para serem disciplinados. Porém, no art. 27 do
mesmo código, fica ressalvado que menores de 9 anos são imputá-
veis, mesmo que estes tivessem plena consciência do que estavam
praticando, ficando disposto o seguinte texto: “Art. 27. Não são
criminosos: §1º Os menores de 9 anos completos; §2º Os maiores
de 9 anos e menores de 14, que abrarem sem discernimento.

Analisando o contexto acima, verifica-se que o Código


Penal da República atribuía a imputabilidade aos menores de nove
anos de idade, a característica de semi-imputabilidade para crianças
maiores de 9 anos e menores de 14, sendo imputáveis os maiores
de 14 anos.

Porém, no dia 20 de dezembro do ano de 1923, foi realizada


uma edição do Decreto 16.272, em que foi alterada a maioridade

208
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

penal, assim sendo maior aquele que tivesse mais de 14 anos e a


alteração dispunha que:

Art. 24. O menor de 14 anos, indigitado autor ou


cúmplice de facto qualificado crime ou contraven-
ção, não será submetido a processo penal de espécie
alguma; a autoridade competente tomará somente
as informações precisas, registrando-as, sobre o
facto punível e seus agentes, o estado physico,
mental e moral do menor, e a situação social,
moral e econômica dos pais, ou tutor ou pessoa
cuja guarda viva (CAMARA DOS DEPUTADOS,
1923, não paginado).

Fica assim verificado que, posteriormente ao advento do


Código Penal da República, os legisladores do período entenderam
necessária a realização de alterações, modificando a maioridade
penal para 14 anos.

No ano de 1940, foi sancionado o Código Penal Brasileiro,


este que se encontra vigente até a atualidade e foi idealizado e
criado sob molde do projeto de Alcântara de Machado. Porém, dado
a evolução social e as várias mudanças que ocorram neste lapso
temporal, algumas ferramentas se mantiveram tão efetivas como
era em seu advento, não possuindo o efeito prático que deveriam
ter.

No então atual Código Penal, o legislador adotou, para esta-


belecer a maioridade penal, o caráter biológico e, segundo Nucci
(2013, p. 315), “No Brasil, em lugar de se permitir a verificação
da maturidade, caso a caso, optou-se pelo caráter cronológico, isto
é, ter mais de 18 anos”.

Em contrapartida Mirabete (2001, p. 216) leciona que:

209
Capítulo 10

Adotou-se no dispositivo um critério puramente


biológico (idade do autor do fato) não se levando
em conta o desenvolvimento mental do menor, que
não está sujeito à sanção penal ainda que plena-
mente capaz de entender o caráter ilícito do fato e
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Trata-se de uma presunção absoluta de imputabi-
lidade que faz com que o menor seja considerado
como tendo desenvolvimento mental incompleto
em decorrência de um critério de política criminal.
Implicitamente, a lei estabelece que o menor de 18
anos é incapaz de entender as normas da vida social
e agir conforme esse entendimento.

Verifica-se assim que o Código Penal atual presume a impu-


tabilidade ao menor de 18 anos, deixando a entender que este não
tem a condição mínima de entender o ato ilícito praticado por ele
e, sobre esta maioridade, o art. 27 estabelece que: “Os menores
de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeito
às normas estabelecidas pela legislação especial”. Dessa forma, o
menor que praticar algum ilícito penal, deverá responder pela lei
especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e assim,
tecnicamente, o menor não realiza a prática de um crime, de forma
que o ato fica definido como um ato infracional, este que foi esta-
belecido pelo ECA.

Outrossim, verificando as condições dadas pelo Código


Penal, a norma aponta que o menor de dezoito anos não poderá
ser julgado da mesma maneira que uma pessoa adulta, sendo a sua
menoridade o suficiente para escusá-lo da condenação que seria
aplicada a um maior de 18 anos.

A princípio, a ideia de que o menor de 18 anos, analisando


seu caráter biológico frente ao diploma penal, não poderia ser
imputável, idealizando a tentativa de reintegrar o menor infrator

210
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

novamente à sociedade, por meio de aplicação de medidas socioe-


ducativas, porém, como a legislação penal foi criada em 1940,
esse mecanismo não se mostra efetivo não alcançando o efeito
almejado pela legislação.

Seguindo esta problemática, Costa Junior (2000, p.119)


menciona que:

É notório que as condições sociais de 1940, quando


se fixou o limite mínimo da imputabilidade penal
aos dezoito anos, já não são as de hoje. Tudo
mudou, de forma radical e sensível: as condições
sociais, que possibilitam condutas permissivas,
ensejam ao jovem conhecer amplamente o mundo;
e assim por diante. Por via de consequência, o
pressuposto biológico não será mais o mesmo. O
jovem de hoje, aos dezesseis anos, costuma ter ele
capacidade para entender o caráter ilícito do fato
e determinar-se de acordo com seu entendimento.
Como então insistir em estabelecer aos dezoito
anos o limite mínimo da imputabilidade penal?

Entretanto, destoante à menção acima, o diploma atual ado-


tou, exclusivamente, o critério biológico e não o biopsicológico.
Assim, o menor de dezoito anos não poderá ser julgado como se
adulto fosse, já que, segundo a legislação, ele não possui total
discernimento de seus atos praticados não podendo ser penalizado
pelo ocorrido, mesmo que esse tenha total e plena consciência do
que está realizando.

211
Capítulo 10

MAIORIDADE PENAL NAS CARTAS MAGNAS BRASILEIRAS

Analisando as cartas magnas brasileiras, nenhuma abor-


dou sobre a inimputabilidade penal com exceção da Constituição
Federal de 1988, que por sua vez está vigente até os dias de hoje,
dispondo e definindo que a maioridade penal não seria aplicada aos
menores de 18 anos, respeitando e acolhendo a teoria biológica.

O que trazia a Constituição Federal de 1934 era a respeito


da criança e adolescente, estabelecendo em seu art. 121, §1º, alínea
d, a proibição da atividade laboral de menores de catorze anos.
Vedando também a realização de trabalhos noturnos de adoles-
centes menores de dezesseis anos, como também proibindo que
menores de dezoito anos trabalhassem em indústrias consideradas
insalubres, assim o art. 121 da Constituição de 1934 dispõe que:

Art. 121. A lei promoverá amparo da produção e


estabelecerá as condições do trabalho, na cidade
e no campo, tendo em vista a proteção social do
trabalhador e os interesses econômico do País.
§1º - A legislação do trabalho observará os seguin-
tes preceitos, além de outro que colimem melhorar
a condição do trabalhador:
d) proibição de trabalho a menores de 14 anos;
de trabalho noturno a menores de 16 e em indús-
trias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres
(BRASIL, 1988, não paginado).

Porém, a Constituição de 1988, a que trouxe a maioridade


penal em seu texto, se mostrou mais aguda no que diz respeito à
proteção do direito da criança e do adolescente e traz em seu texto
que é dever da família, do Estado e da sociedade protegê-lo. Tal
fundamento está elencado no art. 228 da CF/88 e diz que:

212
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do


Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à pro-
fissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negli-
gência, discriminação, exploração, violência, cruel-
dade e opressão (BRASIL, 1988, não paginado).

Outrossim, o seu artigo 228 estabelece a inimputabilidade


do menor de dezoito anos, dispondo que “São penalmente inimpu-
táveis os menores de dezoito anos, sujeitos à normas da legislação
especial”.

Ao verificar a Constituição atual, o legislador trouxe em seu


texto uma referência sobre a maioridade penal que, anteriormente,
foi disposta no Código Penal Brasileiro de 1940, atribuindo a esta
o critério biológico para caracterizar a imputabilidade do agente
que, quando no cometimento de algum ato ilícito que seja tipificado
como crime este possua menos de 18 anos, será ele considerado
inimputável.

POSICIONAMENTOS SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORI-


DADE PENAL

Segundo Odon (2013), a definição de maioridade penal se


mostra como um instrumento de política criminal. Entretanto, ao
se falar em sua redução, o principal obstáculo está demonstrado
na Constituição Federal, em seu art. 228: “São penalmente inim-
putáveis os menores de dezoito anos, sujeito às novas da legisla-

213
Capítulo 10

ção especial”, neste sentido, os menores de 18 (dezoito) anos são


considerados inimputáveis de forma que, na ocorrência de delitos
praticados por estes, se faz necessária a aplicação da legislação
especial através do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ricardo Costa Brandão et al. (2019), ao relacionarem a


parte da doutrina contrária a redução de pena, afirmam que para
a promulgação do ECA mostrou-se um grande avanço diante do
ordenamento jurídico brasileiro. Dessa maneira, os operadores do
direito e doutrinadores que seguem essa linha contra a maioridade
penal apontam que o ECA exerce um papel de extrema importância
para os jovens, representando a garantia de direitos à liberdade,
dignidade e cidadania. Os apoiadores desta corrente afirmam que a
solução não está na redução da maioridade penal e sim na aplicação
de políticas públicas que sejam capazes de combater e prevenir a
marginalidade infanto-juvenil e também aplicações de medidas
socioeducativas.

Segundo o Instituto Fazendo História (2019), trazendo


uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
com sua divulgação em 2018, no Brasil existem cerca de 22.640
jovens privados de liberdade, internados nos 451 estabelecimentos
socioeducativos existentes no país, acusados de realizar algum ato
infracional.

A criminalidade entre menores está aumentando cada vez


mais e muitos acreditam que estes, embora caracterizados como
inimputáveis, têm consciência dos atos que estão praticando e, em
muitos casos, tendo ciência da não aplicação de pena na esfera
penal, o menor acaba utilizando deste fator para cometer delitos.

214
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Outro pronto que a corrente favorável à redução da maiori-


dade aponta é que o maior de 16 anos e menor de 18 tem o direito
de escolher a pessoa que irá representar o seu país assumindo o
cargo de Presidente de República, possuindo assim o seu direito
de voto, porque não poderia se responsabilizar por seus atos infra-
cionais dentro do âmbito penal? É um questionamento realizado
por muitos porque, uma vez que o jovem tem todo discernimento
para escolher seu representante, então também tem o conhecimento
das suas próprias condutas.

Uma pesquisa realizada pela Data Folha no início do ano


de 2019 apontou que a maioria dos brasileiros adultos é favorável
à redução da maioridade penal, chegando a um percentual de 84%
dos entrevistados. E, dentre esse percentual, 67% dos entrevistados
a favor abordam que essa redução deva ser aplicada a qualquer tipo
de crime e a outra parcela de 33% aponta que a redução deva ser
aplicada para determinados tipos de crimes.

Assim, tem se verificado nos últimos anos um aumento


crescente de jovens inseridos no crime, entretanto nos deparamos
com o art. 228 da Constituição Federal que aborda a inimputabi-
lidade e que diz que são inimputáveis menores de 16 a 18 anos.
Mirabete (2006) aborda a imputabilidade como:

[...] De acordo com a teoria da imputabilidade


moral (livre arbítrio), o homem é um ser inteligente
e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre
o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir
a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou.
Essa atribuição é chamada de imputação, de onde
provém o termo imputabilidade, elemento (pressu-
posto) da culpabilidade. Imputabilidade é, assim, a
aptidão para ser culpável (Mirabete, 2006, p. 207).

215
Capítulo 10

Dessa forma, para a corrente apoiadora da diminuição da


maioridade penal, os menores infratores não recebem a punição
condizente aos seus atos praticados e afirmam que as punições
quando aplicadas se mostram de forma branda não conseguindo coi-
bir o menor infrator a vir a cometer outros delitos posteriormente.

O art. 112 do ECA traz o seguinte texto sobre as medidas


socioeducativas aplicadas:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a


autoridade competente poderá aplicar ao adoles-
cente as seguintes medidas socioeducativas:
I – advertência;
II – obrigação de reparo do dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção de regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional
(BRASIL, 1991, não paginado).

Porém, no contexto atual, essa forma de punição que se dá


através das medidas socioeducativas não está conseguindo coibir
a prática de delitos por menores, uma vez que eles mesmos perce-
bem o teor brando da sanção. Fica evidenciado assim, que muitos
adolescentes infratores têm o total conhecimento sobre a conduta
ilícita praticada por eles, não podendo afirmar um não conheci-
mento mínimo em relação à ilicitude do fato.

Assim, no que diz respeito ao grau de consciência do


menor infrator, a vice coordenadora do Departamento de Ética e
Psiquiatria Legal da Associação Brasileira de psiquiatria, Kátia
Mecler (2013), aborda que ao se falar sobre a redução da maio-
ridade penal, esta é uma tendência que está ocorrendo entre os
países mais desenvolvidos, uma vez que estes baseiam-se apenas

216
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

no elemento cognitivo do menor infrator, ou seja, na capacidade


que tem o menor em compreender se um ato tem o caráter ilícito
ou não. Assim, Kátia explana que “No próprio Brasil, em códigos
anteriores, eram imputáveis jovens a partir de 14 anos. Já tivemos
uma maioridade menor, elevamos o patamar e, talvez, seja a hora
de reduzir um pouco”.

Nesse tocante, a psicóloga Kátia Mecler realiza uma abor-


dagem de que talvez seja necessária essa redução na maioridade
penal, uma vez que, com o processo evolutivo social, os jovens
estão conseguindo assimilar cada vez mais rapidamente as coisas,
tendo assim a plena consciência do que é lícito e ilícito, assim, a
partir desse discernimento devem ser aplicadas penas condizentes
ao ato praticado, ato que, em muitas vezes, se mostram semelhan-
tes aos descritos no Código Penal, por isso a autora reforça essa
diminuição da idade.

CORRENTE CONTRÁRIA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE


PENAL

Para a corrente que se mostra não adepta da redução da


maioridade penal, os jovens devem ser punidos, entretanto com
sabedoria, de maneira que estes se encontrem aptos para regres-
sar à sociedade sem provocar nenhum risco, através de medidas
socioeducativas e não alocando crianças e adolescentes em mesmas
celas que os adultos.

Tal corrente se baseia no art. 228 da Constituição Federal,


que considera inimputáveis jovens de idade entre 16 a 18 anos, não

217
Capítulo 10

podendo estes ser apenados na seara penal e sim por uma legislação
especial, no caso o ECA.

Para demonstrar seu posicionamento sobre esta corrente


Mirabete (2012, p. 202) aponta que:

Ninguém pode negar que o jovem de 16 a 17 anos,


de qualquer meio social, tem amplo conhecimento
do mundo e condições de discernimento sobre a
ilicitude de seus atos. Entretanto, a redução do
limite de idade no direito penal comum represen-
taria um retrocesso na política penal e penitenciária
brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com
delinquentes contumazes. O Estatuto da Criança e
do Adolescente prevê, aliás, instrumentos eficazes
para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por
pessoas com menos de 18 anos, sem os inconve-
nientes mencionados.

Assim, vários doutrinadores, ao abordarem o art. 228 da


Constituição Federal, apontam a impossibilidade de promover uma
alteração em seu texto via emenda constitucional, por se tratar
de uma cláusula pétrea, sabendo que esta é um direito individual
inerente à pessoa e é defendido na própria constituição.

Outro ponto abordado por parcela dos doutrinadores é que,


atualmente, quando um menor é inserido no sistema carcerário
brasileiro, analisando sua estrutura deficitária, seria grande a pos-
sibilidade de sair de lá mais corruptível pelo fato de ter um contato
maior e direto com o meio criminal.

Um ponto a ressaltar é que, dado a esta falta de estrutura,


o sistema carcerário brasileiro não comportaria uma separação
dos menores, tonando-se assim mais difícil a aplicação da lei no

218
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

que concerne à dignidade da pessoa humana, tutelando a vida do


menor, que é o bem maior e mais valioso que o ser humano possui.

Para Cunha (2009), a capacidade de compreender com


discernimento a prática de atos ilícitos é caracterizada com um
dos mais relevantes argumentos que estimula a discussão sobre a
redução da maioridade penal no Brasil. Visto que a previsão legal
que versa sobre a imputabilidade penal estabelece que está só será
atingida quando o indivíduo completar 18 anos e abordando que
ao menor de 18 anos possui apenas um discernimento parcial dos
fatos e condutas, apontando que a pessoa ainda se encontra em
desenvolvimento e não possui uma personalidade completa.

Entretanto, os adeptos da ideia da redução da maioridade


defendem a tese de que os jovens da atualidade são mais maduros
que os jovens de 1940, ano em que o Código Penal Brasileiro
entrou em vigor, e abordam que possuem o total discernimento
de seus atos, devido à rápida evolução social e ao extenso alcance
dos meios de comunicação, devendo assim ser punidos da mesma
forma que os adultos.

Nucci (2009) aborda que os menores de 18 anos têm o


total discernimento dos seus atos e realiza a seguinte abordagem:

[...] há uma tendência mundial na redução da maio-


ridade penal, pois não mais é crível que os meno-
res de 16 ou 17 anos, por exemplo, não tenham
condições de compreender o caráter ilícito do que
praticam, tendo em vista que o desenvolvimento
mental acompanha, como é natural, a evolução dos
tempos, tornando a pessoa mais precocemente pre-
parada para uma compreensão integral dos fatos da
sua vida (NUCCI, 2009, p. 243).

219
Capítulo 10

Seguindo este mesmo entendimento, Capez (2007) indaga


que:

Estamos “vendados” os olhos para uma realidade


que se descortina: o Estado concedendo uma carta
branca para indivíduos de 16, 17 anos, com plena
capacidade de entendimento e volição, pratiquem
atos atrozes, bárbaros. Ora, no momento em que
não se propicia a devida punição, garante-se o
direito de matar, de estuprar, de traficar, de ser
bárbaro, de ser atroz (CAPEZ, 2007, p. 95).

Outro fato inegável é que o amplo acesso às mídias como,


por exemplo, o uso da TV, aparelho celulares, computadores, inter-
net, entre outros acelera o poder de discernimento das crianças e
adolescente, fazendo com que cada vez mais cedo tenham a capa-
cidade de compreender seus próprios atos.

Assim, seguindo a ótica de um amadurecimento cada vez


mais rápido das crianças e adolescente, em 2003, foi proposta
pelo Senador Magno Malta a PEC n. 90/2003, defendendo a tese e
fundamentando a proposta no sentido de que o jovem a partir dos
13 anos já possui plenamente sua capacidade de discernimento.
Para um melhor entendimento, a proposta segue de seguinte forma:

Alinhamo-nos entre aqueles que acreditam que o


jovem de 13 anos de idade é perfeitamente capaz
de reconhecer a gravidade de certas condutas
delituosas, especialmente as mais graves. Não é
factível que no atual estágio da civilização, com
as informações disponível, nos diversos meios de
comunicação de massa, uma pessoa de 13 anos
não tenha consciência do sofrimento que se abate
sobre uma vítima de estupro ou da dor suportada
por uma família cujo pai, mãe ou filho tenha sido
assassinado.

220
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Assim, fica demonstrado entre as pessoas adeptas dessa


ideologia que não existe uma inteligência anormal entre os jovens,
porém, há um amadurecimento e uma inteligência mediana que,
consequentemente, mostra-se suficiente para que o adolescente
saiba diferenciar o certo do errado e para que sejam verificadas as
capacidades de discernimento.

Entretanto, para Bandeira (2006), somente o fato do fácil


acesso à informação não é o suficiente para que o adolescente
adquira um total discernimento e aposta que tal fato está ligado à
sua formação. Diante de tal abordagem, o Magistrado da Vara da
Infância e da Juventude traz a seguinte reflexão:

[...] a questão não é só de informação, mas de


formação; não é só de razão, mas de equilíbrio
emocional; não apenas de compreensão, mas de
entendimento.
Indaga-se: será que o adolescente de 15 ou 16 anos
age refletidamente? Será que pensa, antes de agir?
Ou é, por excelência, inconsequentemente, por
força mesmo de sua incompletude, de sua imatu-
ridade? Somente o tempo é capaz de edificar meca-
nismos que habitam o homem a refletir, a ponderar,
a mensurar suas ações (CAPEZ, 2007, p. 239).

Desta forma, as opiniões se mantêm divididas, há o grupo


favorável à diminuição da idade penal que entende que o ado-
lescente tenha evoluído e cada vez mais cedo tem a capacidade
de discernimento dada à facilidade de acesso às informações. Já
para o grupo que se opõe a essa corrente, somente a capacidade
de entendimento não basta, devendo se atentar à capacidade de
autodeterminação e à formação completa da pessoa.

221
Capítulo 10

REDUÇÃO DA MAIORIDADE, UMA NOVA ÓTICA PENAL

Pureza (2015) afirma que o fato de que o menor delin-


quente pratique a mesma conduta que um maior imputável e tem
o total discernimento do ato praticado e, dessa forma, deva ele
ser penalizado proporcionalmente ao delito praticado, pois com o
aumento da criminalidade e o aliciamento de menores, as medidas
socioeducativas do ECA acabaram perdendo sua efetividade, não
conseguindo coibir as ações realizadas por menores.

Assim, a deficiência encontrada no Estatuto da Criança e


do Adolescente fica evidente tanto no fato da insuficiência de sua
aplicação, não conseguindo reprimir a prática de crimes realizados
por menores, quanto na incompatibilidade e desproporcionalidade
da aplicação das medidas socioeducativas em casos mais gravosos,
como por exemplo, a participação do menor como partícipe em
crimes hediondos.

Dada as modalidades brandas de aplicação das medidas


estabelecidas pelo ECA para os menores infratores, quando estes
realizam um crime de maior potencial ofensivo ou de maior gra-
vidade, acabam gerando um sentimento de impunidade, causando
uma certa revolta e indignação na população. Diante ao exposto,
Greco (2013) explica que:

O argumento de que ao inimputável por imaturi-


dade natural que pratica um ato infracional será
aplicada medida socioeducativa, nos termos pre-
vistos no Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei nº 8.069/90), não tem condão de convencer a
sociedade, que cada dia mais pugna pela redução
da maioridade penal para os 16 anos (GRECO,
2013, p. 390).

222
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Fica demonstrada, através da não efetividade do ECA para


casos mais graves, que a aplicação de medidas socioeducativa não
teria eficácia alguma para um jovem de 16 a 18 anos, quando este
age com dolo, ilustrando com o exemplo de um menor que realiza
a prática de estupro ou realiza um homicídio com dolo direto, ou
seja, este sabia o que estava fazendo.

Para os defensores desta corrente, realizam uma abordagem


que, nos casos mais graves, a solução mais eficaz seria a pena
privativa de liberdade que se encontra prevista no Código Penal,
que por vez se mostra, em sua proporcionalidade, a medida capaz
de reprimir tal selvageria, como também a possiblidade de ter um
maior alcance no que diz respeito à prevenção geral, coibindo a
prática de delito por menores infratores, algo que, atualmente, não
tem surtido efeito com a aplicação das medidas socioeducativas
aplicadas.

Outro ponto a ser respeitado está relacionado à criação de


outros estabelecimentos prisionais para estar alocando essa popu-
lação de menores infratores, pois existe o jargão popular que diz
que as cadeias e/ou penitenciárias são as verdadeiras escolas de
bandidos.

Desta maneira, para os defensores da diminuição da maio-


ridade penal, no caso de os menores terem que se responsabilizar
penalmente por seus atos, estes não seriam alocados em um esta-
belecimento prisional juntamente com adultos e esse novo sistema
deveria resguardar a integridade física e psicológica do menor
infrator para que se torne apto a retornar para sociedade.

E quanto à inconstitucionalidade que, possivelmente, seria


um objeto a ser discutido, para essa parcela considerável da dou-

223
Capítulo 10

trina que defende a diminuição da maioridade pena, fica demons-


trado por Diego Pureza (2015) que não seria inconstitucional, pois
ao analisar a fundo o art. 60, §4º, da Constituição Federal Brasi-
leira, esta proíbe apenas emenda que procure abolir os direitos e
garantias individuais, porém, no ato da redução, esses direitos e
garantias não seriam extinguidos e sim readequados à realidade
atual do Brasil.

Pode-se afirmar que uma emenda realizando uma modi-


ficação no art. 228 da Constituição Federal Brasileira não seria
inconstitucional, pois o §4º do art. 50 do mesmo diploma normativo
atesta “não será objeto de deliberação a proposta de emenda cons-
titucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais”, pois
nesse tocante, não seriam extinguidos os direitos e garantias, mas
sim readequados, inserindo no Ordenamento Jurídico Brasileiro
uma maneira de maior efetividade no que diz respeito à aplicação
de pena para menores infratores, entre idades de 16 a 18 anos
incompletos, analisando o caráter biopsicológico e verificando o
seu total discernimento diante do ato praticado possuindo a capa-
cidade de entendimento e autodeterminação.

CONCLUSÃO

Conforme exposto, fica demonstrado que com o grande


desenvolvimento social, as crianças e os adolescentes passaram a
saber cada vez mais cedo o que é o certo e o errado, possuindo o
discernimento dos atos. Nesse tocante, é importante ressaltar que o
grupo infanto-juvenil está sim mais maduro que os jovens de 1940,

224
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

quando entrou em vigência o Código Penal. Assim, para garantir


uma maior segurança jurídica, o direito deve ater-se a acompanhar
as mudanças sociais para manter um bom convívio em sociedade.

Conclui-se, que com o aumento crescente da criminalidade,


a taxa de menores ingressos na vida criminosa também aumentou e
a legislação atual mostra- se branda ao aplicar medidas socioeduca-
tivas a determinados delitos, trazendo a população um sentimento
de impunidade.

Ao analisar o Brasil em um ótica geral, observa-se que é


um pais que não aplica um subsídio realmente efetivo no setor
educacional e, dada sua vasta extensão territorial, quanto à diver-
sidade étnica, gera-se uma enorme desigualdade social que é uma
potencial causa do aumento de jovens infratores e, com a falta de
efetividade do ECA e uma legislação mais rigorosa para regrar a
prática de crime por menores, surge um ambiente em que estes
realizam práticas delituosas por acreditar na impunidade do Estado,
por serem considerado inimputáveis.

Porém, devem ser realizadas algumas modificações na polí-


tica criminal brasileira, realizando a construção de estabelecimen-
tos prisionais exclusivamente para essa população carcerária, como
também, dentro desse sistema, aplicando medidas que garantam a
integridade física e mental do jovem infrator, realizando a implan-
tação de programas que promovam uma ressocialização, tornando
este indivíduo apto para retornar à sociedade.

E, analisando a fundo o art. 60, §4º, da Constituição Fede-


ral, fica demonstrado que a realização de uma emenda constitu-
cional para realizar a alteração em seu texto diminuindo a maiori-
dade penal não se mostra inconstitucional, uma vez que esta não

225
Capítulo 10

irá abolir os direitos e garantias individuais e sim readequá-los à


realidade social que o Brasil está passando atualmente, porque
cada vez mais cedo os jovens estão ingressando no crime e esse
ingresso precoce faz com que eles tenham o total conhecimento
das práticas ilícitas que estão realizando, assim, estes devam ser
responsabilizados, proporcionalmente, aos seus atos praticados de
acordo com a sua capacidade de entendimento.

REFERÊNCIAS

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16.272, de 20 de dezembro de 1923 - Publicação original. Disponível
em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decre-
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viabilidade. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exi-
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Acesso em: 03 ago. 2019.

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Acesso em: 21 mar. 2020.

GRECO, R. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 15. ed. Rio de


Janeiro: Impetus, 2013, p. 390.

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<http://memoria.ebc.com .br/agenciabrasil/noticia/2013-04-22/para-psi-
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226
Diminuição da Maioridade Penal: Uma Abordagem sobre sua Aplicação no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

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03 ago. 2019.

227
CAPÍTULO 11
LEI 12.850/2013: APLICABILIDADE
DO INSTITUTO DA COLABORAÇÃO
PREMIADA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO

Leonardo Dantas Banho


Walter Martins Muller

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o intuito de realizar uma aborda-


gem sobre a colaboração premiada e o seu cabimento dentro do
ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente a Lei nº
12.850/2013, se tratando da lei contra organizações criminosas.
Assim, será analisada a previsão do instituto da colaboração pre-
miada verificando sua previsão legal e as consequências de sua
aplicabilidade, como também realizando um apontamento ético
e as benesses recebidas pelo colaborador, caso esse preencha os
requisitos para ser beneficiado. Assim, enfatizando também a efe-
tividade da colaboração e como esta está auxiliando no combate
à criminalidade no Brasil.

A colaboração premiada é um instituto que se encontra


presente no Direito Penal brasileiro e tem como objetivo auxiliar
o Estado na persecução criminal, em que são concedidas algumas
benesses ao colaborador que, com a sua delação narrando os fatos
e expondo possíveis comparsas e proventos dos crimes, propi-

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 229


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 11

cia a aplicação da justiça criminal pelo Estado. Vale ressaltar que


a aplicação deste instituto, após a criação da Lei 12.850/2013,
vem sendo muito utilizada para o combate ao crime organizado,
pois, atualmente, estas organizações encontram-se mais estrutura-
das, evoluíram juntamente com a tecnologia, política, economia,
etc. E esse meio é um dos métodos utilizados pelo Estado para,
além de prevenir futuros crimes, aplicar justiça aos integrantes da
organização.

Pode-se dizer que a colaboração aborda dois sentidos: um


em que aquele que colaborou ganhará benefícios na aplicação de
sua pena ou até mesmo o perdão judicial e o outro em que o Estado
e o Ministério Público ganharão informações que possam auxi-
liar e ajudar na obtenção de provas e indícios, sendo que, pelo
lado do colaborador, ela, geralmente, é usada como estratégia de
defesa, pois, normalmente, é utilizada quando a probabilidade de
condenação é maior do que a probabilidade de absolvição, mas a
colaboração por si só não pode ser utilizada como prova concreta,
ela deve ser confrontada com outros meios de provas presentes no
processo para analisar a veracidade dos fatos narrados.

Entretanto, podem ser vislumbradas algumas controvérsias


acerca de sua aplicação, pois existem alguns posicionamentos que
demonstram ser contrários ao instituto. Ainda existe certa des-
confiança por parte dos brasileiros, visto que o fato da delação
é caracterizado como uma modalidade de dedurar utilizada pelo
criminoso contra seus comparsas.

É evidente o interesse público por informações provindas


de colaboração, ainda mais quando esta se encontra relacionada
à violência e a crimes. A prática da colaboração premiada está

230
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

disposta na legislação brasileira, tanto na esfera dos crimes orga-


nizados, quanto na esfera econômica, na lavagem de dinheiro e
na lei de tóxicos.

BREVE HISTÓRICO

Seródio (2017) traz a definição de delação em seu sentido


literal, esta que, atualmente, foi substituída por colaboração, dis-
pondo que:

[...] o vocábulo delação, no sentido literal, é empre-


gado para indicar a denúncia ou acusação feita por
uma das próprias pessoas que participaram da cons-
piração, revelando uma traição aos próprios com-
panheiros. Logo, se alguém que não participou de
o delito indicar seus autores, não será delator, mas
testemunha. Em contrapartida, a delação premiada
deixa seu instituto com um aspecto pejorativo por
onde passa a diante da acepção da traição que con-
tém, e tanto é verdade que a massa carcerária o
define como cacoete (SERÓDIO, 2017, p. 114).

O instituto da colaboração premiada tem amparo em


vários textos do Ordenamento Jurídico Brasileiro como na Lei
nº 7.492/1996, Lei de crimes contra o sistema financeiro; Lei nº
8.137/1990, Lei de crimes contra a ordem tributária, economia
e relação de consumo; Lei nº 9.613/1998, Lavagem de dinheiro;
Lei nº 9.807/99, Lei de proteção à vítima; Lei nº 11.343/06, Lei de
drogas; e a mais recente, a Lei nº 12.850/13, Lei das Organizações
Criminosas, tendo está um detalhado regramento sobre a realização

231
Capítulo 11

da colaboração premiada e seus efeitos, lei que será abordada no


trabalho em questão.

Segundo Guilherme Nucci (2017), com o advento da Lei


nº 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas) autorizou-se
como um dos meios de obtenção de provas para apurar os crimes
realizados por organizações criminosas e correlatos, o instituto da
colaboração premiada e, para tal, pode ser atribuído segundo os
termos desta Lei, três opções distintas como: a) perdão judicial
(sem punição alguma); b) redução da pena em até 2/3 da pena
que, posteriormente, possa ser aplicada; c) substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Além disso, a colaboração também pode ocorrer após a


sentença, sendo que, nesse caso, a pena poderá ser reduzida até à
metade ou será admitida a progressão de regime, ainda que ausen-
tes os requisitos objetivos. Portanto, se o apenado não cumpriu o
tempo necessário para progredir de regime, poderá se beneficiar
da progressão, independentemente, do tempo de pena já cumprido,
em razão da colaboração premiada.

A colaboração premiada está presente na Lei 12.850, de 02


de agosto de 2013, localizada entre os artigos 4º e 7º da referida lei,
que, em seu artigo quarto, caput e incisos seguintes, dispõe que:

Art. 4º O juiz deverá, a requerimento das partes,


conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois
terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la
por restritiva de direito daquele que tenha colabo-
rado efetiva e voluntariamente com a investigação
e com o processo criminal, desde que dessa cola-
boração advenha um ou mais requisitos seguintes:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes
da organização criminosa e das infrações penais

232
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

por eles praticados;


II – a revelação da estrutura hierárquica e da divi-
são de tarefas das organizações criminosas;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes
das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou
do proveito das infrações penais praticadas pela
organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua
integridade física preservada (BRASIL, 2013, não
paginado).

Além das situações impostas no artigo 4º, buscando a efi-


cácia e a justiça no emprego da colaboração premiada, parte da
doutrina entende que o benefício adquirido em decorrência da cola-
boração deve ser proporcional à participação do colaborador na
prática do crime. Ao realizar o acordo, deverão ser consideradas,
conforme o parágrafo primeiro deste mesmo artigo, a personali-
dade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade, a
relevância das informações obtidas, a repercussão social do fato
criminoso e a eficácia da colaboração, esta última, em alguns casos,
pode ser manipulada de forma a atrasar o processo, fato que será
verificado posteriormente.

Para Nucci (2017, p. 354), “um desses benefícios valerá


para quem colaborar efetiva e voluntariamente para permitir a iden-
tificação dos integrantes da organização criminosa, revelar a sua
estrutura e a divisão de tarefas, prevenir outras infrações, recuperar
bens e valores ou localizar a vítima”, nesse último caso, ele realiza
uma abordagem válida para o crime de sequestro.

A Lei 12.850/2013, em seu artigo 4°, § 15, diz que todos os


atos da negociação ou execução da colaboração devem ser assisti-

233
Capítulo 11

dos pelo defensor, trazendo assim uma maior proteção aos direitos
do colaborador.

Porém, deve se tomar atenção ao fato de que, às vezes,


essas delações se mostram inverídicas, com a finalidade de atrasar
o andamento do processo ou das investigações, dessa forma, Cunha
(2019) explana que:
[...] segundo o disposto no § 16 do art. 4º, “Nenhuma
sentença condenatória será proferida com funda-
mento apenas nas declarações de agente colabora-
dor”. O dispositivo exige, para embasar a conde-
nação, em outras provas além da palavra do agente
colaborador. É diz: se a declaração se mostra iso-
lada, sem correspondência em alguma outra prova,
ela não prestará, por si só, para justificar o édito
condenatório. E é pertinente a limitação, pois, se
até mesmo a confissão perdeu seu caráter absoluto,
não sendo mais considerada a rainha entre as pro-
vas, devendo, por isso, ser confrontada com outros
elementos de prova, com muito mais razão a cola-
boração premiada merece esse status (CUNHA,
2019, p. 365).

Analisando a situação descrita pelo promotor Rogério S.


Cunha, não deve ser levada em consideração apenas a confissão
do colaborador, uma vez que esta pode não ser verídica e, como
mencionado no trecho, a confissão que, anteriormente, era a rainha
das provas passou a perder o seu caráter absoluto, uma vez que o
confesso pode estar usando deste instituto para finalidades diversas,
que pode ter pensando em se beneficiar com a utilização de infor-
mações inverídicas ou até mesmo atrasar a situação processual.
Diante disso, antes de ser aplicado o benefício da colaboração
premiada, a narrativa do colaborador deve ser confrontada com
outros tipos de provas, para que dessa forma seja comprovada a
existência de uma ligação, um nexo entre ambas.

234
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Assim, no boletim criminal disponibilizado pelo CAO-


-Crim. (2019. p.5), é realizado um apontamento onde a denúncia
não pode ser fundamentada exclusivamente em colaboração pre-
miada, dessa forma “O STJ, no HC 98.062/PR, deu provimento a
recurso para trancar ação penal ajuizada com lastro exclusivo em
colaboração premiada promovida por um dos agentes. De acordo
com o entendimento da Corte, a denúncia-crime não pode ser fun-
damentada exclusivamente em colaboração premiada”.

LEI 12.850 /2013 – LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

A famosa lei das organizações criminosas, Lei 12.850/2013,


tratou de definir organização criminosa, como também dispôs sobre
a investigação criminal, os meios para obtenção de provas, pro-
cedimentos criminais, dentre outras medidas, valendo frisar que
foi a primeira legislação que abordou o instituto da colaboração
premiada de forma mais ampla e precisa.

Vale ressalvar que, em 2019, entrou em vigor a Lei 13.964,


conhecida como Lei Anticrime, a qual, em seu art. 3º- A, trouxe
uma abordagem sobre a colaboração premiada, sendo estipulado
que “O acordo de colaboração premiada é um negócio jurídico
processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade
e interesse público”.

Dessa forma, a colaboração premiada está diretamente


ligada a atos volitivos contratuais, de forma que não restam dúvidas
de que este acordo seja uma forma de contrato, com o objetivo de
alcançar uma aproximação entre os Direitos Penal e Constitucional.

235
Capítulo 11

Trata-se assim de um negócio jurídico processual, pois


através deste deve ser realizado um acordo entre o acusado e o
investigador, sendo assim utilizado como um meio de obtenção de
provas, pois as informações colhidas em uma colaboração poderão
ser utilizadas para comprovar fatos ou reforçar teses já existentes.

Anteriormente, o legislador brasileiro não havia se preocu-


pado em estabelecer diretrizes e regramentos para a realização da
colaboração premiada, de forma que surgiam diversas incertezas
e dificuldades relacionadas a este procedimento no momento da
colheita de informações na realização da colaboração. De forma
que o Parquet e o magistrado acabavam preenchendo as lacunas
existentes na legislação, porém o colaborador ficava com a incer-
teza sobre o tratamento valorativo que seria aplicado no momento
da verificação das provas trazidas nos autos.

Nesse tocante, Vasconcelos (2017, p. 180) leciona que:

Em regra, não havia a formalização de um acordo


escrito, mas somente a realização da colaboração
pelo imputado, que, ao final, no sentenciamento,
seria valorada pelo julgador. Consequentemente,
reinavam a insegurança e a imprevisibilidade, o que
prejudicava a sistemática do instituto negocial e
acarretava consequências prejudiciais aos acusados
colaboradores delatados.

Outrossim, como mencionado anteriormente, a Lei


12.850/2013 foi a primeira lei a abordar de forma mais ampla a
aplicação da colaboração premiada, na qual fica estabelecida em
seu art. 3º, inciso I que “Em qualquer fase da persecução penal,
serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os
seguintes meios de obtenção da prova: I - colaboração premiada...”.

236
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Já em seu art. 4º, a referida lei passa a regulamentar este


instituto, apresentando seus benefícios concedidos legalmente ao
acusado, como uma forma de incentivo para que este colabore de
forma voluntária e efetiva com a investigação, como também no
processo criminal, com a ressalva de que, através desta delação,
advenham um ou mais dos seguintes resultados, estes apontados
por Simões (2019, p. 46) como sendo:

[...] a identificação dos demais coautores e par-


tícipes da organização criminosa e das infrações
penais por eles praticadas; a revelação da estrutura
hierárquica e da divisão de tarefas da organização
criminosa; a prevenção de infrações penais decor-
rentes das atividades da organização criminosa;
a recuperação total ou parcial do produto ou do
proveito das infrações penais praticadas pela orga-
nização criminosa; a localização de eventual vítima
com a sua integridade física preservada.

Pode-se verificar que este instituto possui requisitos subje-


tivos encontrados nos elementos espontaneidade e voluntariedade
do acusado no momento da colaboração, como também no que diz
respeito à efetividade das informações apresentadas, pois o Estado
somente irá conceder o benefício da colaboração caso a contribui-
ção se mostre satisfatória para a persecução penal.

Já em relação aos direitos do colaborador, o art. 5º desta


referida lei enumerou as seguintes disposições trazidas por Simões
(2019, p.48):

[...] usufruir das medidas de proteção previstas na


legislação específica; ter nome, qualificação, ima-
gem e demais informações pessoais preservados;
ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais
coautores e partícipes; participar das audiências

237
Capítulo 11

sem contato visual com os outros acusados; não


ter sua identidade revelada pelos meios de comu-
nicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua
prévia autorização por escrito; cumprir pena em
estabelecimento penal diverso dos demais corréus
ou condenados.

Pode-se observar que a Lei 12.850/2013 revogou, expressa-


mente, a Lei 9.034/95, definindo assim o que é organização crimi-
nosa e disciplinando de forma abrangente o instituto da colaboração
premiada, abordando todos os requisitos para a sua execução, como
também os direitos conferidos ao colaborador.

Por fim, foi incluído na Lei que define as organizações


criminosas, através da Lei 13.964/2019 em seu art. 3-B, que:

O recebimento da proposta para formalização de


acordo de colaboração demarca o início das nego-
ciações e constitui também marco de confidencia-
lidade, configurando violação e sigilo e quebra da
confiança e da boa-fé a divulgação de tais tentati-
vas iniciais ou de documento que formalize, até o
levantamento de sigilo por decisão judicial.

Dessa forma, cria-se um acordo de confidencialidade entre


o órgão responsável pela colaboração premiada com o investi-
gado, de forma que, com a elaboração deste termo, fica vedada a
divulgação de tratativas iniciais, impedindo que o órgão público
se utilize das provas apresentadas pelo colaborador, caso este não
assine o acordo de colaboração.

Por fim, firmando o acordo promovido pelo Poder Público,


será firmado um termo de confidencialidade, porém não se sus-
pende, automaticamente, a investigação. Sendo assim, é possí-
vel que as informações a serem colhidas através da colaboração

238
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

premiada possam ser obtidas através de investigações comuns


no período de negociações. Porém, caso seja definido no acordo,
poderá ser aplicada a suspenção e outras medidas processuais
penais.

Com o advento da lei 12.850/2013, foram delimitados


métodos e meios necessários para que assim o poder coercitivo
chegasse até as organizações criminosas, que estão cada vez mais
estruturadas. Desta forma, a criação dessa lei se mostrou de suma
importância, o que possibilitou a colheita de informações que,
possivelmente, não poderiam ser obtidas por outros meios, con-
seguindo assim desestruturar várias organizações, até mesmo as
de alto escalão.

Porém, além da falta de procedimento para dar início a um


acordo de colaboração, abriram-se outras lacunas com o decorrer
do tempo. É fato que os tribunais têm se esforçado para solucionar
os problemas que surgem, mas ainda está longe de ser uma apli-
cação concreta e efetiva da lei.

Rodrigues (2019) aborda e explica duas situações onde


podem ser encontrados problemas na utilização do instituto da
colaboração premiada, que em primeiro lugar aborda o pacto fir-
mado e a credibilidade do delator.

Dessa forma, fica evidente que, em alguns casos, para se


beneficiar de alguma maneira, o colaborador pode estar, realmente,
passando as informações de forma verídica, entretanto, em outros
casos, pode estar entregando os integrantes da organização ou pro-
ventos arrecadados pela organização criminosa, pertinentes a ele,
para que dessa forma esteja se beneficiando pelo instituto. Porém,
deve-se atentar que em alguns casos, a delação do colaborador se

239
Capítulo 11

mostra apenas para proporcionar um desvio proposital no rumo


das investigações e, mesmo que este venha a ser temporário, pode
provocar reflexos negativos à apuração da verdade.

Diante desta situação, Rodrigues (2019, p. 116) traz seu


posicionamento sobre o processo penal brasileiro, elucidando que:

Infelizmente, o processo penal brasileiro, de longa


data se acostumou com a palavra das testemunhas
para configurar decretos condenatórios. Isso ocorre,
por conta da ineficiência do Estado em não buscar,
ou até mesmo, se limitar com a sua real função de
investigar, não exercendo outros aparatos investi-
gatórios disponíveis, se contendo com pouca infor-
mação ali existente, formando, inclusive a própria
convicção.

Outro problema apontado por Rodrigues (2019) está em


casos que a colaboração premiada envolve pessoas de alto escalão
ou de crime que teve uma grande repercussão social, o assédio da
mídia e a exposição dos fatos antes mesmo destes serem apurados
e, assim, aponta que:

Se o processo penal não atendesse aos anseios


midiáticos, como quem quer um show a cada dia,
mas do contrário, buscasse nas mínimas minúcias
das investigações primeiro, para depois lançar
as informações, assim como depois de realizado
o primeiro juízo condenatório (ou absolutório)
quanto ao enredo dos fatos exercidos, seria de
melhor empenho para o processo. Assim agindo,
não estaria impedido o conhecimento dos fatos da
população, haja vista que a publicidade dos atos
seria realizada de maneira idêntica, porém, com
cautela e segurança (RODRIGUES, 2019, p. 120).

240
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Ou seja, a Lei 12.850/2013 pretendia ter um caráter sigiloso


no acordo de colaboração após estabelecer que só se torne público
o acordo após o recebimento da denúncia.

Porém, mostra que, com o assédio da mídia e muitas vezes


o excesso de informações repassadas para estes meios de dissemi-
nação de notícias, estaria violando a imagem daquele que vem a ser
investigado, como também, em alguns casos, reprime o colaborador
ao narrar os fatos, pois, com o vazamento de informações, ele se
sente comprometido.

APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA

Assim, não se deve levar apenas em consideração a narra-


tiva do colaborador, uma vez que este está procurando subterfúgios
para estar se beneficiando de alguma forma. Para isso, além do
depoimento colhido do colaborador, este deve ser confrontado
com outras provas colhidas no decorrer da investigação para assim
verificar a veracidade do fato narrado, como também verificar se
tal depoimento não foi utilizado para ocultar, por exemplo, o líder
ou o real provento arrecadado pela organização criminosa, assim
dirigindo as autoridades para lugares onde haja algum indício dei-
xado pela organização, para que seja utilizado de forma a mudar
o rumo da investigação, já que o lugar pode ter sido manipulado
para esta finalidade.

Dessa forma, para sua aplicação, não se deve utilizar a cola-


boração premiada como meio exclusivo de obtenção de provas, mas

241
Capítulo 11

sim como um meio pelo qual seja possível alcançar elementos pro-
batórios baseados nas negociações realizadas com o colaborador.

Assim, conforme o entendimento do STF, o colaborador


além de realizar a confissão dos crimes que foram realizados,
deverá também contribuir na constituição de meio de provas para
receber tal benefício, como exposto a seguir:

a) a delação premiada é válida e compatível com


a Constituição; b) a negociação é ampla em rela-
ção às penas, regimes e modo de cumprimento,
podendo incluir imunidade e perdão judicial aos
delatores e familiares; c) compete ao Estado e ao
delator, necessariamente acompanhado de advo-
gado, negociar as cláusulas contratuais do termo,
cabendo ao Judiciário o papel de controle formal
das cláusulas e da manifestação da vontade; d) a
delação não é meio de prova e sim instrumento de
obtenção de prova, sendo incabível a condenação
com base exclusivamente no depoimento do dela-
tor; e) falta legitimidade para que terceiros possam
impugnar os termos da delação, por se tratar de
negócio personalíssimo; f) os delatados podem
confrontar os delatores nos respectivos processos
que forem denunciados; g) ao relator nos Tribunais
[...] cabe à homologação dos termos de acordo, sem
necessidade de manifestação do plenário; h) o con-
trole de autonomia privada pode/deve ser realizado
pelo juiz-homologador.

Segundo o texto do entendimento do STF, a colaboração


premiada não se mostra inconstitucional, mas apresenta-se como
um recurso pelo qual é realizada uma negociação, podendo esta
beneficiar o colaborador e, quando confirmada a veracidade dos
fatos narrados ou se confrontada com outros meios de provas, de
forma também que no mesmo processo pode realizar o confronto

242
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

entre delator e delatado, para assim chegar o mais próximo possível


da verdade real.

De outra forma, o Supremo Tribunal Federal (2018) dis-


pôs sobre a aplicação da colaboração premiada pelo delegado de
polícia e ficou demonstrado que mesmo que o Ministério Público
não necessite estar presente em todas as fases da elaboração do
acordo de colaboração entre a autoridade policial e o colaborador,
o Ministério Público, obrigatoriamente, deve opinar a respeito.
Entretanto cabe, exclusivamente, ao juiz homologador dar ou não
procedência ao acordo, depois de realizar uma análise e efetuar
um controle das cláusulas, verificando se não possuem despropor-
cionalidade, são abusivas ou ilegais.

Entretanto, meio a essa decisão, existem algumas diver-


gências como vislumbrada pelo Ministro Dias Toffoli (2018, 276)
que entende que:

[...] o delegado de polícia pode submeter ao juiz o


acordo firmado com o colaborador desde que a pro-
posta traga, de forma genérica, comente as sanções
premiais prevista no artigo 4º, caput e parágrafo
5º, da Lei 12.850/2013, com manifestação do MP
sem caráter vinculante. Ficaria a critério do juiz a
concessão dos benefícios previstos na lei, levando
em consideração a efetividade da colaboração.

Assim, fica vislumbrado que ainda que a autoridade policial


possa estabelecer um acordo de colaboração premiada, diante da
relevância desta, pode representar ao juiz ou ser apresentada, nos
autos do inquérito policial, a proposta de perdão judicial, desde que,
previamente, sejam ouvidas as indagações do Ministério Público.

243
Capítulo 11

Assim, para que seja válida a colaboração, esta deve ser


homologada e, segundo Paula Y. Abiko que cita Vasconcelos (2017,
p. 182), “a formalização e a homologação nos acordos de colabora-
ção premiada são fundamentais para garantir a segurança jurídica
nos fatos mencionados”. Reforçando que, na fase de homologação,
cabe ao magistrado realizar audiência para ouvir o colaborador,
analisando os requisitos essenciais para que seja realizada a homo-
logação do acordo, verificando a legalidade e a voluntariedade,
como também analisando se houve ou não algum vício processual.

Ao se falar em colaboração premiada, é imprescindível a


realização de uma abordagem no que diz respeito às suas compa-
tibilidades constitucionais e, para um melhor entendimento, vê-se
necessário o estudo de alguns princípios constitucionais acerca
do assunto.

No texto da Constituição Federal de 1988, são encontrados


princípios que preveem a garantia da jurisdição penal a qual esta-
belece e garante os limites inerentes ao poder punitivo do estado
como, por exemplo, o princípio do devido processo legal, do con-
traditório, da ampla defesa, da inadmissibilidade de provas ilícitas,
dentre outros. Sendo assim, serão abordados alguns pontos a res-
peito da compatibilidade constitucional relacionados ao instituto
da colaboração premiada.

A princípio, todo colaborador que se encontra preso possui


o direito de permanecer em silêncio, como regrado pelo art. 5º,
inciso LXIII, da Constituição Federal Brasileira. Sendo assim, esse
direito permite não só que o acusado mantenha seu silêncio, como
também omita determinados fatos durante toda a investigação ou

244
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

até mesmo em juízo, pois este não pode ser forçado a produzir
provas contra si próprio.

Neste sentido, Pacelli (2014, p. 41) leciona de forma a


entender que:

O direito ao silêncio, ou a garantia contra a autoin-


criminação, não só permite que o acusado ou apri-
sionado permaneça em silêncio durante toda a
investigação e mesmo em Juízo, como impede que
ele seja compelido – compulsoriamente, portanto –
a produzir ou a contribuir com a formação da prova
contrária ao seu interesse. Nesta última hipótese,
a participação do réu somente poderá ocorrer em
casos excepcionalíssimos, em que, além da previ-
são expressa na lei, não haja risco de afetação aos
direitos fundamentais da pessoa.

Entretanto, ao analisar o parágrafo 14, do art. 4º, da Lei


12.850/2013, fica estabelecido que “Nos depoimentos que prestar,
o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao
silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”.
Dessa forma, como previsto em lei, para que seja aceita a delação
do colaborador, o réu deverá renunciar ao seu direito ao silêncio,
que em tese seria claramente inconstitucional.

Visto isso sobre o art. 4º, parágrafo 14, da Lei 12.850/2013,


incidiu a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 5.567 – DF,
promovida pelo Partido Social Liberal, pelo qual a Procuradoria
Geral da República (PGR) apresentou o seguinte parecer:

As exigências de não exercício do direito consti-


tucional ao silêncio e de compromisso em dizer a
verdade para celebração de acordo de colaboração
premiada (art. 4º, § 14, da Lei 12.850/2013) não
ferem o direito ao silêncio como garantia constitu-

245
Capítulo 11

cional de não autoincriminação (CR, art. 5º, LIV e


LXIII). Trata-se de condição inerente ao acordo de
colaboração premiada, porquanto não faria sentido
nem seria compatível com a dinâmica e a teleologia
do instituto que o colaborador invocasse direito ao
silêncio quando chamado a dizer o que soubesse
dos fatos sob investigação, concernentes a si e a
outras pessoas. Isso frustraria por completo a ati-
tude de colaboração que deve governar o colabo-
rador e justificar as vantagens previstas em lei para
sua pessoa. De resto, nem todo direito fundamental
é indisponível e irrenunciável. O direito à proprie-
dade, por exemplo, é tido como fundamental, e
nada impede que seu titular a ele renuncie. No
caso do direito a não autoincriminação, importa
considerar que a colaboração premiada é, antes de
tudo, direito do réu ou investigado, que a ela adere
se convier a seus interesses. Abrir mão episodica-
mente ao direito a silêncio será estratégia da defesa
para consumar o acordo, nunca imposição estatal
(BRASIL, 2013, não paginado).

Dessa forma, como se pode observar no parecer, o direito


constitucional de se manter em silêncio, bem como o compromisso
de dizer a verdade para que seja celebrado o acordo que verse
sobre a colaboração premiada não fere o direito ao silêncio, uma
vez que se trata de uma condição inerente a este instituto. Sendo
assim, vale ressaltar que o instituto da colaboração premiada é
considerado como um direito do réu ou investigado, cabendo a
ele aderir ou não.

Outro ponto a ser discutido está relacionado ao princípio


da obrigatoriedade da ação penal, pelo qual o Ministério Público
possui o dever legal de promover a persecução penal, não podendo
ele utilizar qualquer critério de oportunidade ou conivência diante
do exercício da ação.

246
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Porém, quanto à realização da colaboração premiada, Lima


(2014, p. 2018) aponta a existência de exceções ao princípio da
obrigatoriedade e explica que:

[...] se da colaboração do agente resultar um ou


mais dos seguintes resultados – identificação dos
demais coautores e partícipes da organização cri-
minosa e das infrações penais por eles praticadas,
a revelação da estrutura hierárquica e da divisão
de tarefas da organização criminosa, a prevenção
de infrações penais decorrentes das atividades da
organização criminosa, a recuperação total ou par-
cial do produto ou do proveito das infrações penais
praticadas pela organização criminosa ou a locali-
zação de eventual vítima com sua integridade física
preservada -, o Ministério Público poderá deixar
de oferecer denúncia se preenchidos os requisitos
concomitantemente: I – o colaborador não for o
líder da organização criminosa; II – o colaborador
for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos
termos deste artigo. Como se percebe, o legislador
aí inseriu mais uma exceção ao princípio da obri-
gatoriedade, porquanto o órgão ministerial poderá
deixar de oferecer denúncia se a colaboração levar
à consecução de um dos resultados constantes dos
incisos do art. 4º da Lei nº 12.850/13.

Portanto, quando verificada a necessidade de adequação à


medida, o Parquet poderá deixar de oferecer a denúncia. Sendo
assim, o magistrado poderá realizar apenas uma análise sobre a
legalidade, regularidade e voluntariedade da medida.

Assim, o crime organizado está se tornando cada vez mais


complexo e, nesta incessante busca de combate a estas organi-
zações, restou necessário o rompimento de alguns dogmas que,
anteriormente, eram reinantes em nosso ordenamento jurídico.
De forma que o Parquet deva realizar uma avaliação sobre a real
necessidade da realização da colaboração premiada com os crimi-

247
Capítulo 11

nosos, para que assim possibilite a apuração de outros crimes, como


também facilitar a identificação dos demais integrantes, punindo
assim seus integrantes e almejando prevenir a prática de novas
infrações.

CONCLUSÃO

Diante ao exposto, fica evidenciado que, com o aumento


crescente da criminalidade e como esta vem cada vez mais se
estruturando, viu-se necessária a utilização de outros meios para
obtenção de provas, em que uma dessas ferramentas é a colabo-
ração premiada, disposta na Lei 12.850/2013, lei contra o crime
organizado.

Entretanto, deve ser levado em consideração que a mera


narrativa dos fatos através da colaboração não deve ser utilizada
como meio de prova propriamente dita, uma vez que esta deva ser
confrontada com outros tipos de provas levantadas no andamento
do processo para que se verifique a sua veracidade.

A necessidade da verificação da veracidade dos fatos nar-


rados é motivada pelo fato de o colaborador ficar taxado como
dedo duro, pois este traiu a confiança de seus comparsas e acabou
delatando-os. Entretanto, vale verificar se esta delação, realmente,
aborda a verdade, por isso deve ser confrontada com outros tipos de
provas, uma vez que ela possa ser utilizada como meio de mudar
os rumos do processo e da investigação.

248
Lei 12.850/2013: Aplicabilidade do Instituto da Colaboração Premiada no
Ordenamento Jurídico Brasileiro

Não se pode desconsiderar que, com o aumento de benesses


concedidas pelo Ministério Público em acordos de colaboração pre-
miada, surgem alguns questionamentos sobre a segurança jurídica
nas informações passadas pelos colaboradores, pois estes podem
se utilizar da colaboração em uma busca desesperada pelo perdão
judicial, assim devendo verificar se são legítimas as narrativas dos
fatos e as posteriores provas colhidas após a sua delação. Entre-
tanto, mesmo estando regulamentada na Lei 12.850/2013, existem
algumas questões controvertidas, como também a presença de lacu-
nas que, em tese, violam os direitos constitucionais. Sendo assim,
o instituto da colaboração premiada será legitimado somente em
persecução penal contemporânea, devendo adotar todas as normas
de interpretação relacionadas à hermenêutica constitucional.

Dessa forma, a Suprema Corte já decidiu sobre a consti-


tucionalidade da aplicação da colaboração premiada e a sua natu-
reza jurídica como meio de obtenção de provas e esta não pode
ser utilizada, exclusivamente, pelo juiz de forma a decidir pela
condenação do réu.

Mesmo apresentando diversas adversidades em sua aplica-


ção, está sendo cada vez mais utilizado pelo Ministério Público,
demonstrando ser uma ferramenta efetiva e trazendo eficácia a
pretensão punitiva do direito penal aplicada pelo Estado. Assim,
mostra-se de suma importância a aplicação deste instituto, tendo
em vista que os fatos narrados na colaboração daquele que foi autor
ou partícipe do crime são uma ferramenta, em grande parte dos
casos, esclarecedora de muitas dúvidas que pairavam no processo.

Por fim, é incumbido aos aplicadores da lei realizar a cor-


reção das falhas apresentadas, com a finalidade de impedir arbitra-

249
Capítulo 11

riedade durante a realização da investigação e o processo, frisando


sempre a correlação entre os direitos e as garantias constitucionais,
almejando uma negociação mais clara e respeitando também o
princípio da dignidade humana.

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251
CAPÍTULO 12

A DESAPRORIAÇÃO E A JUSTA
INDENIZAÇÃO NO PROCESSO
EXPROPRIATÓRIO

Moisés Adão Machado


Giuliano Ivo Batista Ramos

INTRODUÇÃO

A desapropriação é um procedimento pelo qual o Estado


transfere para si mesmo a propriedade de terceiro, considerando a
necessidade pública, visando ao interesse coletivo, mediante o paga-
mento de justa e prévia reparação indenizatória. Diante de vários
conceitos sobre desapropriação ou expropriação, o principal é de
que constitui em uma transferência de propriedade particular ou
até mesmo pública de graus inferiores, para o Estado, por utilidade/
necessidade pública, ou interesse social, através de prévia e justa
indenização em dinheiro, com ressalva nas exceções constitucionais.

Ademais, é um procedimento que o Estado, respaldado em


necessidade pública, de maneira compulsória, despoja alguém de
um certo bem, exercendo o direito aquisitivo, em caráter originário,
diante de uma reparação em dinheiro. De outra forma, em alguns
casos de certos imóveis urbanos ou rurais os quais não acordados
com a função social, a indenização será feita na forma de títulos
da dívida pública, com resgate através de parcelas anuais, maneira
esta morosa.

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 253


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 12

Assim, considera-se o ato mais gravoso intervencionista


do Estado no imóvel particular, efetivando a mudança do domínio
particular para o Estado. Para tanto, o objetivo abordado consiste na
alienação do bem desapropriado para o montante do expropriante.
A desapropriação é um procedimento administrativo, de caráter
público, iniciando a sua primeira fase quando o Estado manifesta
seu interesse pelo imóvel, dando início às medidas para sua alie-
nação através de um Decreto, o qual tem a intenção de permitir a
posse direta sob a propriedade interessada, visando proceder ao
cadastro da área, edificações ou benfeitorias, bem como avaliação,
visando à valoração da reparação administrativa ou judicial a ser
oferecida aos proprietários.

Importante informar também que dificilmente ocorre acordo


entre o Estado e proprietário do imóvel, o que geralmente resultaria
no encerramento da fase inicial. Porém, não ocorrendo o acordo, o
processo administrativo sofre uma transição, sendo essa responsá-
vel pelo ingresso na fase judicial, diante da tal ação de desapropria-
ção, momento em que o magistrado então resolve a controvérsia.

BREVE PERSPECTIVA HISTÓRICA E EVOLUTIVA

Nos primórdios, as propriedades eram classificadas como


sendo coletivas, alterando essa ideia no período neolítico, se trans-
formando de forma progressiva em propriedade privada.

Diante da evolução na Revolução Francesa, a ideia que


perdurava era de que a propriedade privada era restrita, uma vez
que contrariava a ideia do feudalismo. Em 1789, a “Declaração

254
A Desaproriação e a Justa Indenização no Processo Expropriatório

Universal dos Direitos do Homem” abordava a propriedade na


questão da proteção, tratando essa como sendo inviolável. Nesse
contexto, em meados 1821, foi consagrado no Brasil que a pro-
priedade não seria retirada do particular nem pelo Estado, salvo
se fosse pactuado o valor a ser pago por este.

Portanto, em 1824, na primeira Constituição, este tema


questão ganhou respaldo legal, ressalvando que, caso o Estado
tenha interesse, deverá, inicialmente, indenizar o valor da proprie-
dade. Assim, as Constituições seguintes deram sequência a este
tema, exigindo, portanto, indenização prévia e justa por parte do
Estado, sendo editado inclusive o Decreto-Lei nº 3.365/41, disci-
plinando as relações de desapropriação até hoje.

No dia 9 de novembro de 1964, foi instituída a questão da


desapropriação por interesse social, visando à reforma agrária,
quando a propriedade a ser desapropriada versar-se de latifún-
dio, sendo pago em títulos da dívida pública e as benfeitorias, em
dinheiro.

Ainda, em nossa Constituição atual, foi consagrado que


a propriedade deverá atender a função social, assim criando este
instrumento intervencionista na propriedade privada, chamado de
desapropriação.

A JUSTA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Diante dessa questão, o art. 5º, Inciso XXIV, da CF, é


expresso no sentido de que a desapropriação por utilidade ou neces-

255
Capítulo 12

sidade pública está interligada ao pagamento de indenização prévia,


justa, em dinheiro.

A “prévia indenização” consiste no pagamento realizado


anteriormente à concretização da alienação do imóvel ao Estado.
De outra maneira, considera-se justa a indenização que busca o
verdadeiro valor do imóvel, valor este condizente a deixar o pro-
prietário sem quaisquer prejuízos.

Em ação de desapropriação tramitada no município de


Palmas/TO, o ente público deixou de realizar o depósito do valor
indenizatório, sendo extinta a presente ação pelo juízo de primeira
instância, sem resolução do mérito. Com isso, o município apre-
sentou apelação, tendo o tribunal de origem mantido a sentença.

É importante demonstrar que o referido ministro abordou


a questão da justa e prévia indenização como mandamento cons-
titucional, ou seja, requisito essencial para haver o processo da
desapropriação, porém, caso não fosse realizado, resultaria em
confisco e não desapropriação expressamente dita.

Com fundamento nesses raciocínios, Carvalho Filho, possui


o seguinte entendimento ao destacar que:

Para que se configure a justiça no pagamento da


indenização, deve esta abranger não só o valor
real e atual do bem expropriado, como também os
danos emergentes e os lucros cessantes decorrentes
da perda da propriedade. Incluem-se também os
juros moratórios e compensatórios, a atualização
monetária, as despesas judiciais e os honorários
advocatícios (CARVALHO FILHO, 2009, p. 325).

256
A Desaproriação e a Justa Indenização no Processo Expropriatório

O ato da desapropriação pode firmar, através da via admi-


nistrativa, quando o proprietário do imóvel aceita o valor oferecido
pelo expropriante ou, através da via judicial, quando o dono não
concorda com o valor oferecido através da indenização do imóvel.
Então, ocorrerá na via judicial a ação de desapropriação, ocorrendo
todos os requisitos legais, bem como determinação de perícias
em ambos os lados, competindo ao perito nomeado apresentar
laudos comprobatórios de maneira a consubstanciar o livre con-
vencimento para impor a quantificação do valor da indenização.
Considerando ser uma questão jurídica, a fundamentação ocorrerá
através de elementos probatórios e outras alegações juntadas ao
juízo, observando os princípios constitucionais do devido processo
legal, contraditório e ampla defesa.

Por ora, a indenização será justa quando forem observadas


características técnicas e, quanto aos valores de terrenos, benfei-
torias e até mesmo plantações existentes, comportando, portanto,
a perda da propriedade e seus complementos. Assim, considerará
os lucros cessantes e os danos emergentes, além dos juros mora-
tórios, da atualização monetária, despesas judiciais e até mesmo
honorários advocatícios.

DA PERÍCIA TÉCNICA E DO LAUDO DE AVALIAÇÃO

No decorrer do processo de desapropriação, o maior desa-


cordo norteia-se na falta de composição da administração com o
Estado. Diante da possibilidade de mensuração do valor, resta ao

257
Capítulo 12

juiz imparcial arbitrar a indenização. Contudo, diante da lide, faz


se necessária a perícia técnica, nomeada pelo juízo do feito.

Em alguns casos de “urgência”, feito o depósito da quantia


em oferta, poderá o magistrado deferir, inicialmente, a imissão da
posse imediata do imóvel ao ente público, independentemente, da
citação o proprietário.

Para tanto, em caso que se discutia a urgência na desapro-


priação do imóvel, o STJ tem adotado o seguinte entendimento:

Processual. Desapropriação. Imissão Provisória


Na Posse. Urgência. Avaliação Provisória. Des-
necessidade. Decreto – Lei Nº 3.365/41, Art. 15
§1º. Imposição De Multa Nos Termos Do Art. 538,
Parágrafo Único Do Cpc. Não Cabimento. 1. A
jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que
a imissão provisória na posse do imóvel objeto de
desapropriação, caracterizada pela urgência, pres-
cinde de citação do réu, tampouco de avaliação
prévia ou de pagamento integral. In casu, o autor-
-expropriante agravou da decisão que indeferiu o
seu pedido de imissão provisória na posse sem a
realização de avaliação pericial provisória. 2. Mal-
grado o não acolhimento dos argumentos expen-
didos pela recorrente, uma vez não vislumbrado
o caráter protelatório dos embargos declaratórios,
forçoso se revela a exclusão da multa de 1% sobre
o valor da causa, imposta pelo Tribunal de origem
com supedâneo no art. 538, parágrafo único do
CPC. 3. Recurso especial provido (SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2010, não paginado).

Todavia, em diversos processos nos quais os entes públicos


requerem a tutela imediata da posse, o maior conflito se amolda
no tocante à dependência ou não de perícia técnica.

258
A Desaproriação e a Justa Indenização no Processo Expropriatório

Diante de todos esses fundamentos, diversos juízos adota-


ram o seguinte entendimento de conceder a imissão imediata da
posse após uma perícia preliminar. Nesse contexto, essa medida
tem sido o motivo pela grande controvérsia da quantificação do
valor de indenização, propiciando duas avaliações, uma prévia e
outra definitiva, em diversos momentos do litígio. Acontece que
diversos fatores temporais podem alterar o ponto de vista da men-
suração do valor indenizatório.

Ademais, com relação à ênfase na morosidade procedimen-


tal, principalmente no tocante às perícias, tanto preliminares quanto
definitivas, é importante demonstrar que este decurso de tempo será
objeto de discussão judicial, visto que as obras que serão realizadas
podem influenciar na quantificação do valor indenizatório. Diante
disso, os personagens jurídicos, especialmente os peritos, terão
que se atentar ao fator tempo. No tocante ao valor indenizatório,
na concepção do perito, corresponderá aos valores de terrenos,
benfeitorias e, ainda, plantações ou outros objetos existentes.

Com relação ao valor do terreno, a avaliação deverá incidir


na perda da propriedade, visto que o proprietário não poderá mais
usufruir e/ou exercer seus direitos concebidos.

Na valoração das benfeitorias, somente serão avaliadas as


benfeitorias existentes quando no momento do decreto de utili-
dade pública. Caso aparecerem outras benfeitorias posteriores ao
decreto, essas somente serão indenizadas caso forem consideradas
úteis ou necessárias, através de autorização do expropriante.

Com relação às perícias definitivas que ocorrem sob o crivo


do contraditório e da ampla defesa, quando os peritos ou assistentes
constatarem erros ou omissões, deverá esclarecer os mesmos e

259
Capítulo 12

até mesmo corrigi-los e, ocorrendo requerimento de outra perícia,


retificá-las visando alterar o valor. Ocorre que há uma real impor-
tância em, quando da realização da avaliação, tomar por base, fatos
e elementos que não retratam a verdadeira situação do imóvel.

Nesse sentido, diante da contemporaneidade, prevalecerá


a avaliação que trate realmente o valor do bem quando da perda
do imóvel.

Assim, diante desses fundamentos, em acordo com os prin-


cípios constitucionais, torna-se indispensável que a prova pericial
definitiva se trate, verdadeiramente, na data da posse, do real valor
do estado e das condições do bem expropriado.

DA FIXAÇÃO DO VALOR

Considerando que neste procedimento o juiz da causa deverá


levar em consideração vários fatores, utilizando como base as perí-
cias, é notório que a quantificação do valor a ser pago cause conflito
entre as partes.

Abordado anteriormente, para ser justo, o valor a ser inde-


nizado deverá cobrir não somente o real valor do imóvel, mas
também quaisquer danos e lucros decorrentes da perda do imóvel,
ainda juros compensatórios e moratórios e eventuais despesas em
fase processual.

De certa forma, resta então explorar de qual modo deverá


ser estipulado o valor, para tanto, a dúvida que causa é de que a
fixação deste valor se baseará no valor de mercado ou valor venal.

260
A Desaproriação e a Justa Indenização no Processo Expropriatório

Em ação de desapropriação que se discutia a mensuração


do valor para fins de indenização, o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais julgou da seguinte maneira:

Ementa: Apelação Cível - Ação De Desapropriação


- Valor Da Indenização - Laudo Pericial Funda-
mentado - Valor De Mercado Do Bem À Época
Da Desapropriação - Metodologia Aplicada - Fator
De Comercialização - Incidência - Obediência Às
Normas Da Abnt - Sentença Mantida. - A justa
indenização, respaldada pelo art. 5º, inciso XXIV,
da CR/88, é aquela que toma por base não apenas
o valor de mercado, mas, outrossim, as particulari-
dades do imóvel expropriado, os fatores que pode-
riam influenciar, de forma positiva ou negativa, a
valoração do bem em questão e o efetivo prejuízo
suportado pelo proprietário com a desapropriação
- A utilização do fator de comercialização é reco-
mendada pela própria norma da ABNT, a fim de
contemplar o valor real do imóvel (TJ/MG, 2020,
não paginado).

Portanto, extraímos o entendimento de que não se pode


levar em consideração somente o valor de mercado, uma vez que
este deverá ser utilizado apenas como base, porém não se pode
deixar de analisar outros fatores que colaboraram com a valoriza-
ção ou até mesmo a desvalorização do imóvel.

Da mesma forma, o Tribunal de Justiça do Estado de São


Paulo julgou da seguinte maneira:

Recurso Ex Officio Em Ação De Desapropriação.


1. Justa Indenização. Inexistência de controvérsia
quanto ao método utilizado para a aferição do justo
valor da indenização. Valor da indenização cor-
retamente fixado em laudo pericial em consonân-
cia com a área expropriada e o preço de mercado.
Laudo pericial bem fundamentado e que adotou

261
Capítulo 12

critério técnico que demonstra o efetivo valor de


mercado do imóvel. 2. Honorários Advocatícios.
Fixação que se deu de acordo com o Decreto
3.365/41. 3. Sentença de procedência mantida.
Recurso desprovido (TJ/SP, 2019).

Assim, concluímos que, para haver a mensuração do valor a


ser pago, deverão ser levados em consideração vários fatores, tanto
de aspectos positivos quanto negativos, porém sempre deverá ser
utilizado como norte o valor comercializado no momento da perí-
cia, ou seja, o valor de mercado. Destarte, este valor será utilizado
como fundamento, porém não deixando de lado outras questões
fundamentais, como benfeitorias, vegetação, produtividade e apro-
veitamento citados anteriormente.

DOS JUROS DE MORA NO VALOR DA INDENIZAÇÃO

Diante do processo expropriatório, os juros compensatórios


são aqueles devidos pelo desapropriante ao desapropriado, visando
compensar a perda antecipada da posse provisória do bem. Assim,
tem em vista compensar o valor que o expropriado não ganhou
com a perda do imóvel, motivo este justificado pela incidência
dos juros a contar da data da imissão da posse até a expedição do
precatório, conforme julgado do Tribunal do Estado de São Paulo:

Ação de desapropriação julgada procedente em


parte pelo juízo de 1º grau. Condenação da expro-
priante a complementar o montante depositado da
oferta inicial até o valor apurado pelo perito judicial
referente à terra nua, acrescido da avaliação feita
da cultura de cana de açúcar, com atualização pelo
IPCA-E desde a data do laudo, juros compensa-

262
A Desaproriação e a Justa Indenização no Processo Expropriatório

tórios de 6% ao ano desde a ocupação da área


pela expropriante (Súmulas 69 e 114 do STJ) e até
a expedição do precatório, e juros moratórios de
0,5% ao mês a partir do trânsito em julgado da sen-
tença (Súmula 70 do STJ), consoante o artigo 15-B
do Decreto-Lei nº 3.365/1941, na redação dada pela
Medida Provisória nº 2.183-56/2001. Em virtude
da sucumbência parcial, a autora foi condenada no
pagamento de honorários advocatícios, tendo por
base de cálculo a diferença entre o valor ofertado
e o total da condenação, em percentual que deverá
ser fixado na liquidação de conformidade ao artigo
85 do CPC. A ré também foi condenada ao paga-
mento de verba honorária, fixados em 10% da dife-
rença entre o valor postulado quando se manifestou
sobre o laudo pericial e o valor da indenização, pelo
não acolhimento da sua pretensão indenizatória.
Sentença mantida (TJ/SP, 2019).

Com relação aos juros de mora, os quais possuem natureza


diversa dos compensatórios que, conforme a Súmula 69 do STJ,
incidem a partir do trânsito em julgado da sentença que fixa a
indenização, portanto não há que se falar em cumulação de juros
moratórios com compensatórios.

Por final, ficou consagrado que os juros compensatórios


são devidos após a imissão na posse pelo ente público, sendo no
montante de 6% ao ano. Ademais, como citado anteriormente, será
devido sobre 80% do valor oferecido e a diferença do valor fixado
na sentença judicial.

Importante também demonstrar que, tendo como base esses


julgados, para haver essa compensação, o referido imóvel deverá
estar produtivo, sendo também requisito a comprovação de perda
do rendimento por parte do expropriado.

263
Capítulo 12

DA TRANSFERÊNCIA DO BEM

Tendo como base os entendimentos predominantes em


algumas doutrinas, é possível extrair que estas abordam a desa-
propriação, tratando como uma forma originária de aquisição do
bem, uma vez que não provém de quaisquer títulos antecedentes,
tornando-se o bem desapropriado impossível de reinvindicação.

Portanto, é de suma relevância abordarmos quando ocorre


a transferência do bem desapropriado. Como foi destacado ante-
riormente, a desapropriação possui a esfera administrativa e via
judicial.

Com relação à esfera administrativa, caso for acordado


entre as partes, no tocante ao proprietário transferir o bem e o
ente público manifestando a concordância ao valor indenizado,
não haverá que se falar em fase judicial, uma vez que esse acordo
é bilateral, simulando um contrato de alienação conhecido como
uma forma consensual. Havendo consenso na fase administrativa,
este acordo será então formalizado, podendo ser lavrada escritura
pública. Como foi abordado anteriormente, caso este acordo restar
infrutífero, será então proposta ação judicial visando solucionar
esta lide.

Via de regra, a posse do ente público somente poderá ser


efetivada quando tiver sido finalizado todo o processo de desa-
propriação, sendo realizado o pagamento da indenização e, em
seguida, a transferência do bem, sendo a sentença título hábil para
a inscrição da propriedade do imóvel no registro imobiliário.

264
A Desaproriação e a Justa Indenização no Processo Expropriatório

Porém, havendo declaração de urgência e o depósito prévio,


há possiblidade de ocorrer a posse provisoriamente, ocorrendo
antes da finalização do processo, conforme estipula o art. 15 do
Decreto-Lei 3.365/1941: “Art. 15. Se o expropriante alegar urgên-
cia e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do
Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo, provisoriamente,
na posse dos bens. ”

Assim, nos casos de regime de urgência na desapropriação,


o TRF tem julgado da seguinte maneira:

Consoante o disposto no artigo 15 do Decreto-Lei


n.º 3.365/1941, se o expropriante alegar urgência e
depositar quantia arbitrada de conformidade com o
art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz man-
dará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens.
2. Em se tratando de desapropriação por utilidade
pública (Portaria n.º 963, de 14 de outubro de 2013,
do Diretor-Executivo do DNIT, publicada no DOU
de 15/10/2013, seção 01, pág. 141), disciplinada
pelo referido diploma legal, e demonstradas a
necessidade da área expropriada (para ampliação da
faixa de domínio) e a urgência no prosseguimento
das obras que se encontram em fase de execução,
para ampliação da capacidade e restauração, onde
houver necessidade de alargamento da faixa de
domínio preexistente da Rodovia BR-470/SC (tre-
cho: Navegantes-Div. SC/RS, subtrecho: Acesso a
Gaspar-Entr. BR477 (B)(p/Timbó), segmento: Km
44,87 - Km 57,78, extensão: 12,91 Km - LOTE
03), não há ilegalidade na imissão provisória do
DNIT na área expropriada, ante o depósito do valor
ofertado a título de indenização (TRF-4, 2019).

Ademais, é importante demonstrar que o princípio da justa


e prévia indenização não será utilizado na imissão provisória na
posse do bem e sim somente na transferência da propriedade de
maneira definitiva.

265
Capítulo 12

Como abordado anteriormente, há necessidade de perí-


cia judicial provisória visando à fixação do valor para imissão
provisória.

CONCLUSÃO

O presente trabalho apurou que a desapropriação é uma


importante forma de intervenção do Estado na propriedade particu-
lar, pela qual o dono é compelido a transferir sua propriedade para
o ente público, sendo compensado por uma reparação indenizatória
prévia e justa. Ocorre que, no tocante à mensuração do valor há
uma certa discrepância com relação ao valor devido a ser pago.
Nesse sentido, este artigo buscou analisar a justa indenização e seus
pontos a serem observados e, ainda, a avaliação judicial de bens.

Considerando a avaliação do bem a ser expropriado, foi


evidenciado neste artigo o papel fundamental do perito, o qual
deverá analisar vários fatores para arbitrar um valor condizente. De
certo modo, é mais que importante observar fatores como tempo,
execução de obras e diferenças do mercado. Para tanto, os sujeitos
processuais devem ater-se mais à justeza do valor do bem para que
não cause prejuízo a nenhuma das partes processuais.

Assim, este instituto visa ao interesse e à utilidade pública,


ou seja, o ente público possui a competência para expropriar. De
certo modo, na fase declaratória, o Poder Público manifesta o seu
interesse através da Lei ou decreto também chamado de procedi-
mento ou fase administrativa. Após esses procedimentos, inicia-se
a fase executória, buscando a transferência da propriedade.

266
A Desaproriação e a Justa Indenização no Processo Expropriatório

Nessa linha de estudo, esses procedimentos poderão seguir


a esfera administrativa, através de acordos, ou até mesmo pela
esfera judicial. Diante da esfera judicial, também chamada de exe-
cução judicial, essa ocorrerá por meio de Ação de Desapropriação,
quando o acordo restar inviável.

Ocorre que, diante a fase judicial, somente será possível


discutir no mérito o valor da indenização, estudado anterior-
mente. Portanto, o expropriado não poderá defender a justeza da
desapropriação.

Ora, diante dos princípios e fundamentos constitucionais, a


desapropriação visa utilizar o bem com o fim de interesse público,
ou seja, melhorando as condições de serviços voltados à sociedade.
De certo modo, a desapropriação de bens para fins públicos vem
casada com uma justa e prévia indenização. Assim, o expropriado
que tem o seu bem desapropriado faz jus a uma indenização que
corresponda de maneira justa ao valor de sua propriedade. Ocorre
que, na maioria dos casos, é necessário que um juiz imparcial
resolva a lide, com o intuito de não prejudicar nenhuma das partes.

Ficou consagrado também com relação à fixação do valor


indenizatório que, no processo de desapropriação, o perito apon-
tará um valor aproximado, podendo o juiz da causa utilizar como
fundamento para a fixação do valor.

Foi abordada também a questão da justa indenização, uma


vez que é tratada como um mandamento constitucional, ou seja,
caso não for considerada, não será desapropriação e sim confisco.

Também ficou explícita a questão da mensuração do valor


a ser indenizado, quais fundamentos deverão ser analisados, em

267
Capítulo 12

se tratando de valor venal ou de mercado, chegando à conclusão


de que deverá sempre analisar a base do valor de comercialização,
ou seja, valor de mercado.

Tratou-se também a importância da imissão provisória da


posse, quando é possível e quais os requisitos necessários, com-
plementando com julgados posicionando-se que é primordial a
demonstração da necessidade do depósito prévio.

Nesse sentido, é de importante valia ressaltar ainda que o


desapropriado, ao ter seu imóvel declarado como utilidade pública,
tem a faculdade de obter outra propriedade equivalente à sua.

REFERÊNCIAS

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Paulo : Atlas, 2009.

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de 1998 e Leis Ordinárias. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

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A Desaproriação e a Justa Indenização no Processo Expropriatório

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269
Capítulo 12

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Cândido Alfredo Silva Leal Junior. DJ: 25/09/2019. JusBrasil, 2019.
Disponível em: <https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/762479
434/agravo-de-instrumento-ag-50274163920194040000-5027416-
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SALLES, J. C. M. A desapropriação a luz da doutrina e da jurisprudên-


cia. 6. Ed., Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2009

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. Agravo de Instrumento : AI


15956851 PR 1595685-1 (Acórdão). Relator: Nelson Mizuta. DJ:
04/04/2017. JusBrasil, 2017. Disponivel em: < https://tj-pr.jusbrasil.
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15956851-pr-1595685-1-acordao>. Acesso em: 15 jul. 2019.

270
CAPÍTULO 13

O DIREITO DOS REFUGIADOS E


A PROTEÇÃO PELA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA

Camila Cristie da Silva Souza


Leticia Lourenço Sangaleto Terron

INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais remotos as pessoas se movem pelo


planeta. Atualmente, mais do que em qualquer outro momento da
história, as pessoas estão se movendo mais e por uma teia de razões.
A história da imigração no Brasil começou cedo, em 1530, com a
vinda dos camponeses portugueses com o interesse no plantio de
cana-de-açúcar. No século XIX, os imigrantes europeus chegaram
ao Brasil à procura de melhores condições de trabalho e de vida.

Em 1820, os imigrantes suíços se fixaram no Brasil com


o intuito de dedicar-se a afazeres ligados à agricultura e pecuária.
Já os imigrantes italianos chegaram ao Brasil para trabalhar no
comércio, na indústria e no plantio de café que vinha começando
a se expandir. O Brasil, na época, era considerado na Europa e
na Ásia um país de inúmeras oportunidades, logo, os indivíduos
que enfrentavam problemas econômicos enxergavam no país uma
chance de prosperar. Nessa fase, o governo brasileiro incentivava

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 271


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 13

a imigração, chegando a criar até campanhas para trazer europeus


para o Brasil.

Outras situações que trouxeram muitos imigrantes para o


Brasil foram as grandes guerras mundiais e o perigo que essas tra-
ziam consigo, muitas famílias que queriam fugir das guerras vieram
se refugiar no Brasil, essa situação foi um marco na história. Entre-
tanto, atualmente, deixou de ser somente uma referência histórica
e passou a ser uma situação recorrente, a qual, nos últimos anos,
vem chamando a atenção pelo número crescente de refugiados em
busca de asilo. Diante da crise dos refugiados, é importante salien-
tar que há muitos termos que emergem, podendo gerar confusões.
Para tanto, é necessário fazer algumas distinções conceituais, tais
como: o imigrante é qualquer pessoa que muda de região ou país.

O imigrante econômico é a pessoa que muda de região ou


país por vontade própria para escapar da pobreza e em busca de
melhores condições de vida. O refugiado é qualquer pessoa que
muda de região ou país tentando fugir de guerras, conflitos internos,
perseguição (política, étnica e religiosa etc.) e violação de direitos
humanos. E por fim, o solicitante de asilo é aquele indivíduo que
pede proteção internacional e aguarda a concessão de status de
refugiado.

É importante salientar que o refugiado é aquela pessoa que,


por medo de ser perseguida, seja por motivos raciais, religiosos ou
por pertencer a um determinado grupo social ou ter determinada
opinião política, busca em outros países a oportunidade de melho-
rias e uma vida digna.

É importante salientar que o refúgio se desenvolveu de


forma independente, embora seja tão antigo quanto a própria his-

272
O Direito dos Refugiados e a Proteção pela Legislação Brasileira

tória e, somente no século XX, ganhou efetiva proteção com a


Sociedade de Nações. Em 1960, o Brasil aderiu à Convenção de
1951, mas só em 1997 editou uma Lei sobre refugiados, a Lei
nº 9.474, contendo 49 artigos, sendo assim, o mecanismo para a
execução do Estatuto dos Refugiados. Essa lei é vista atualmente
pela própria ONU como uma das mais modernas, mais inclusivas,
mais nobres e humanitárias do mundo. Promovendo mecanismos de
proteção internacional de refugiados e criando um órgão nacional
– o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), com a fina-
lidade de estabelecer a política pública e resolver de que maneira
serão analisados os pedidos de refúgio ao Brasil.

O TRATAMENTO AO REFUGIADO E AS DIFICULDADES


NO ACOLHIMENTO

Obtiveram-se no passado imigrações em uma intensa quan-


tidade, resultado de inúmeros problemas e talvez o principal fossem
as crises econômicas da época, na qual as pessoas fugiam de seus
países em busca de melhores condições de vida.

Já, atualmente, a imigração ocorre por diversas causas,


como sendo as guerras, pobreza, perseguições políticas, religiosas,
conflitos internos e violação dos direitos humanos. A grande parte
dos refugiados vem da África e do Oriente Médio e, consequente-
mente, a Guerra da Síria é a maior responsável pelo crescimento
neste atual fluxo. A agência da ONU para refugiados divulgou
o número de indivíduos que foram obrigados a se retirar de seus
países de origem por conflitos em massa, alcançando, surpreenden-
temente, os 65 milhões ao final de 2016 (ACNUR), o que carac-

273
Capítulo 13

teriza um lamentável recorde, ultrapassando os registros feitos na


Segunda Guerra Mundial.

Consideram-se refugiados todas as pessoas que abandonam


os seus países de origem devido a fundados medos e receios ou
devido à ocorrência de grandes acontecimentos, resultando em uma
preocupante situação de violação dos direitos humanos. De acordo
com os dados do relatório em Números do Comitê Nacional para
os Refugiados (CONARE), realizado em 2018, encontram-se 86
mil ações de refúgio em trâmite.

Uma das grandes questões envolvendo as pessoas em situa-


ção de refúgio é a xenofobia que, infelizmente, é uma barreira a
ser vencida. Segundo o Dicionário Online (2019), a “xenofobia
se caracteriza em: aversão a estrangeiros; repugnância a pessoas
e/ou coisas provenientes de países estrangeiros”. Ela se baseia
em qualquer forma de violência fundada nas diferenças, sejam de
origem linguística, étnica ou geográfica, em suma, ela se define
como sendo repúdio ou medo do desconhecido. Deve-se desta-
car que, quando no Brasil, a xenofobia toma forma de agressão é
considerada crime. A Lei nº 7.716, de janeiro de 1989, define em
seu artigo 1º:

Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resul-


tantes de discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional. Já as ofen-
sas verbais direcionadas a imigrantes podem ser
caracterizadas como crime de injúria (BRASIL,
1989, não paginado).

Em 2016, com a chegada em massa de refugiados, as


denúncias de xenofobia, aumentaram em 600%, no entanto, o país

274
O Direito dos Refugiados e a Proteção pela Legislação Brasileira

é visto até então como um dos mais evoluídos no quesito proteção


aos asilados.

O país conta com o mecanismo da Lei 9.474/1997, a Lei


de Refugiados, que é considerada uma das mais desenvolvidas
no planeta e trata sobre o processo para a resolução, suspensão e
perda do estado de refugiado, os direitos e deveres dos demandan-
tes de refúgio e refugiados e as soluções permanentes para esses
indivíduos.

Há dois pontos nesta Lei que requerem atenção especial,


a de Andrade (2002) e a de Marcolini (2002), e é apontada na pri-
meira análise a definição do conceito de refugiado. Além de exibir
a interpretação clássica da Convenção de 1951, no seu Artigo 1º
(III), declarando que um indivíduo deve ser caracterizado como
refugiado se “devido à grave e generalizada violação de direitos
humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para bus-
car refúgio em outro país”. Esta descrição é essencial, principal-
mente, como causa dos recentes deslocamentos involuntários ao
redor do mundo. Ainda, a definição vai ao encontro da aplicação
pelo governo brasileiro desde o início da década de 1990. A outra
análise é estabelecida com a criação do Comitê Nacional para os
Refugiados (CONARE), um órgão composto por sete membros,
que se configuram em ministérios da Justiça, Relações Exteriores,
Trabalho, Saúde, Educação e Esporte, o Departamento de Polícia
Federal e a Caritas, instituição não governamental da igreja cató-
lica parceira do ACNUR no Brasil, que disponibiliza assistência e
programas de integração aos refugiados. O ACNUR está sempre
autorizado a comparecer às reuniões do CONARE, com voz, mas
sem direito a voto.

275
Capítulo 13

A PROTEÇÃO AO REFUGIADO

A mobilidade humana é um acontecimento pertencente à


história da humanidade, porém vem sofrendo riscos relevantes no
mundo hoje, frente aos resultados da globalização. Diante dessa
situação, é necessário entender qual é o dever dos países no amparo
e proteção dos direitos dos indivíduos.

O refugiado é uma pessoa que devido a motivados medos


advindos de perseguição, sejam religiosas ou sociais, encontram-se
fora de seu país de origem e que, por receio e medo, não podem
ou não querem retornar ao seu Estado. Dentre os direitos assegu-
rados aos refugiados, é fundamental salientar o direito de não ser
devolvido ao país em que sua vida ou autonomia encontram-se
ameaçadas.

O Brasil é um dos países que possui um legado na permis-


são de acolhimento e asilo às pessoas perseguidas por motivos
sociais e raciais e, apesar das dificuldades econômicas, tem capa-
cidade para receber e oferecer oportunidades àqueles que desejam
aqui residir. A sociedade brasileira multiétnica é o resultado de uma
combinação de pessoas com diferentes ascendências nacionais,
que a torna aberta e tolerante em relação à chegada de refugia-
dos e imigrantes em geral. Além disso, durante a ditadura militar
(1964-1985), parte da elite brasileira (intelectuais, professores,
políticos) foi exilada, sendo, portanto, simpática à necessidade
de se receberem e protegerem aqueles que fogem de perseguição
e à transformação de nosso território num espaço humanitário. A
unidade jurídica do refúgio é comedida pela Lei 9.474/1997. A Lei
permite aos refugiados direitos e responsabilidades particulares.

276
O Direito dos Refugiados e a Proteção pela Legislação Brasileira

O artigo 14 da Declaração Universal dos Diretos do Homem


de 1948 promove o direito de todo indivíduo, vítima de opressão,
buscar e receber asilo em outros países.

Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito


de procurar e de beneficiar de asilo em outros paí-
ses. Este direito não pode, porém, ser invocado
no caso de processo realmente existente por crime
de direito comum ou por atividades contrárias aos
fins e aos princípios das Nações Unidas (BRASIL,
1948, não paginado).

Sob o amparo do mencionado artigo, milhares de pessoas


tiveram, no decorrer de décadas, a proteção como refugiados, tendo
a chance de recomeçarem suas vidas com dignidade. Além da pro-
teção legal, os refugiados contam com o amparo na proteção de
seus direitos com o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR).

A agência é um órgão criado pela Assembleia Geral da


ONU, em 14 de dezembro de 1950, e visa à proteção e assistência
dos refugiados e das massas deslocadas por guerras, conflitos e
perseguições, assegurando os direitos humanos e a integridade
física ou mental, com base nas suas necessidades e sem distinção
de raça, sexo, religião ou opinião política e independentemente de
estarem ou não em seus países de origem. A ACNUR dá atenção
especial à necessidade das crianças, idosos e procura promover a
igualdade de direitos das mulheres, logo seus objetivos básicos
são: proteger homens, mulheres e crianças refugiadas e buscar
soluções duradouras para que possam reconstruir suas vidas em
um ambiente digno e pacífico.

277
Capítulo 13

Em 2016, o Brasil amparava em torno de 9.000 refugiados


admitidos, sendo que a maior parte reside nos grandes centros
urbanos (ACNUR, 2016). O trabalho do ACNUR é de extrema
importância, pois consiste em garantir que o refugiado possa ter
um trabalho digno como qualquer outra pessoa, que possa ter a
oportunidade de estudar e ter um futuro promissor, exercendo os
mesmos direitos e deveres civis que quaisquer outros cidadãos
estrangeiros que se encontram em uma situação regular. Além do
mais, o ACNUR auxilia no desenvolvimento das políticas sobre
refúgio, para garantir assistência humanitária para os refugiados
e o seu bem-estar.

OS ASPECTOS DA DEPORTAÇÃO

A deportação, a expulsão e a extradição, são chamadas


Medidas Compulsórias e estão previstas na Lei 13.445/2017, Lei
da Imigração, e são as modalidades de remoção involuntária do
estrangeiro do Território Nacional.

A deportação ocorre no momento em que o estrangeiro é


apanhado em condições irregulares. O procedimento de deporta-
ção, expulsão e extradição são autônomos e específicos, segundo
o doutrinador Francisco Guimarães:

Enquanto a deportação se dirige às hipóteses de


entrada ou estada irregular, a expulsão se volta
contra o estrangeiro nocivo ou indesejável ao con-
vívio social, sendo a extradição a forma processual
admitida, de colaboração internacional, para fazer
com que um infrator da lei penal, refugiado em
um país, se apresente ao juízo competente de outro
país onde o crime foi cometido (GUIMARÃES,
2002. p. 68).

278
O Direito dos Refugiados e a Proteção pela Legislação Brasileira

É notável que a deportação represente a irregularidade


do estrangeiro, logo se caracteriza em sua expulsão do território
nacional causada pelo seu acesso ou estadia irregular, devido ao
não cumprimento das condições legais descritas em lei para a per-
manência no país, a mesma não apresenta ligação com a prática de
crimes. É importante destacar que a deportação não se aplica em
hipótese alguma ao brasileiro nato ou naturalizado.

Ao estrangeiro que se encontre em condição irregular é


emitido um comunicado lhe é oferecido um prazo para a sua reti-
rada do país, caso relute, o indivíduo poderá ser preso, com o fim
de deportação, essa prisão ocorrerá através de uma ordem judicial,
não se admitindo mais a prisão administrativa. Na deportação, o
estrangeiro pode reingressar no país estando em situação regular.

É importante salientar que a deportação obteve um Capí-


tulo Único na Lei da Imigração, em seu Art. 50. A deportação é
medida decorrente de procedimento administrativo que consiste
na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação
migratória irregular em território nacional (BRASIL, 1997). Dessa
forma, a deportação prevista na Lei de Migração é instrumento
jurídico de âmbito administrativo para retirada compulsória do ter-
ritório nacional apenas de indivíduos que se encontrem em situação
migratória irregular.

No entanto, a publicação da Portaria nº 666/19 do Minis-


tério da Justiça e Segurança Pública, em 26 de julho de 2019,
despertou grande preocupação, pois os direitos dos imigrantes e
refugiados estão sendo colocados em risco pela ilegalidade dessa
portaria. A Portaria contraria o espírito de vigência da Lei de
Migração (13.445/17): construída com profundo e maduro diá-

279
Capítulo 13

logo com sociedade civil e concebida conforme os parâmetros de


direitos humanos oriundos da Constituição Federal e do direito
internacional.

A Portaria nº 666 pretende regulares hipóteses para impedi-


mento do ingresso em território nacional, a repatriação e a depor-
tação sumária de imigrantes e visitantes. Para tanto e buscando dar
legitimidade a seu texto, utilizou-se de instrumentos previstos na
Lei de Migração, ignorando, no entanto, seus princípios e diretrizes
pautados no respeito aos direitos humanos, na não criminalização
da imigração e na garantia de respeito ao contraditório e à ampla
defesa nos procedimentos de retirada compulsória.

A referida Portaria ignora a presunção de inocência ao


impedir o ingresso no país, inclusive para fins de solicitação de
refúgio, e ao determinar a repatriação e mesmo a deportação sumá-
ria com base em mera suspeita de envolvimento em crimes, pau-
tando-se em informações ainda não comprovadas. Vale-se, ainda,
de termo vago e inexistente no ordenamento jurídico interno de
“pessoa perigosa” para implementar tais medidas e coloca sob
o manto do sigilo os processos nesse contexto, inviabilizando o
controle social.

Ainda, a portaria ignora o artigo 51 da Lei de Migração


que garante o direito ao contraditório e à ampla defesa nos proce-
dimentos de deportação ao permitir a retirada compulsória do país
sem o respeito ao devido processo legal, pois reduz o prazo para a
apresentação de defesa que, na Lei, é de 60 dias prorrogáveis, para
meras 48 horas. Na prática, esse direito fundamental a qualquer
cidadão (brasileiro ou não) tem seu exercício impedido, já que

280
O Direito dos Refugiados e a Proteção pela Legislação Brasileira

não haverá tempo hábil para reunião e produção de provas e, em


muitos casos, sequer para que se constitua advogado.

É inadmissível, também, que a portaria impeça o ingresso


no país de qualquer migrante diante de mera suspeita do cometi-
mento ou de envolvimento com atividades ilícitas, afinal, a Consti-
tuição não autoriza que um cidadão brasileiro não seja considerado
culpado antes de formada sua culpa, isto é, sem o trânsito em
julgado da sentença condenatória (art. 5º, LVII da CF).

ASPECTOS DA EXTRADIÇÃO

A extradição ocorre quando um Estado entrega a outro


estado um indivíduo suspeito de praticar crime grave ou se este já
se encontre condenado, após ter se certificado de que os direitos
humanos foram assegurados. Na maioria dos casos, a extradição é
concedida através de um tratado bilateral ou multilateral que vin-
cule as partes. Na falta desse tratado, pode ocorrer à extradição por
meio de declaração de reciprocidade, ou seja, um estado autoriza
a extradição de um sujeito em troca de outro que foi requerido.

Destaca-se, até então, que um dos principais documentos


históricos a cuidar da extradição foi um tratado de paz, promovido
em Ramsés II e Hattisul, rei dos hititas, no século XIV A.C., estabe-
lecendo cláusulas de transferência recíproca de refugiados e extra-
dição de criminosos políticos (KADESH, 2019). Dessa maneira,
observa-se que, desse modo, o instituto dá-se a uma cooperação
internacional, de forma que necessita do apoio do presidente da

281
Capítulo 13

república para assentir tal sistema. Na resolução desse mecanismo


jurídico, o doutrinador Nucci conceitua:

A extradição é um instrumento de cooperação


internacional para a entrega de pessoa acusada da
prática de um crime a Estado estrangeiro, seja para
responder ao processo seja para cumprir a pena
(NUCCI, 2013. p. 106).

O Ministério da Justiça editou o Guia para estrangeiros no


Brasil no qual diz-se que a extradição é um ato de defesa interna-
cional, forma de contribuição na contenção do crime, dispondo de
um infrator da lei penal, que se encontra no país neste momento,
para que o mesmo indivíduo venha a ser julgado e punido por
juiz ou tribunal qualificado do país solicitante, no qual o crime foi
praticado. Observa-se, dessa forma, que tal instituto trata-se de
um ato com fundamento na cooperação internacional no combate
e repressão e à criminalidade existente.

Para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Francisco


Rezek, a extradição:

É a entrega por um Estado a outro, e a pedido deste,


de pessoa que em seu território deva responder a
processo penal ou cumprir pena. Cuida-se de uma
relação executiva, com envolvimento judiciário de
ambos os lados: o governo requerente da extradição
só toma essa iniciativa em razão da existência do
processo penal. Findo ou em curso – ante sua Jus-
tiça; e o governo do Estado requerido (...) não goza,
em geral, de uma prerrogativa de decidir sobre o
atendimento do pedido senão depois de um pronun-
ciamento da Justiça local (REZEK, 2010, p. 202).

282
O Direito dos Refugiados e a Proteção pela Legislação Brasileira

A extradição é uma responsabilidade entre os Estados, cons-


tituindo-se em uma ajuda mútua para com o interesse de quaisquer
pessoas, com a finalidade de reprimir e prevenir a delinquência.

EXPULSÃO A ESTRANGEIROS

O instituto da expulsão de estrangeiros acontece no momento


em que o indivíduo é condenado por delito penal ou no período em
que sua existência é vista como atentatória aos interesses nacionais.
Dessa maneira, dá-se por meio de decreto presidencial. A expulsão
do estrangeiro que se encontra em território brasileiro está disci-
plinada na lei da Migração, em seu Art. 54:

Art. 54. A expulsão consiste em medida adminis-


trativa de retirada compulsória de migrante ou
visitante do território nacional, conjugada com o
impedimento de reingresso por prazo determinado
(BRASIL, 2017, não paginado).

A expulsão se dá por meio de um decreto de competência


particular do Presidente da República, na qual o mesmo tende a
analisar sobre a oportunidade da expulsão e de sua revogação.
Decretada e realizada a expulsão, uma das graves consequências é
a impossibilidade de o estrangeiro retornar ao Brasil. É importante
salientar que não é permitida a expulsão do estrangeiro que possua
cônjuge brasileiro, de quem não se encontra separado de direito ou
de fato, ou filho brasileiro sob guarda e dependência econômica.

A expulsão é um instituto que tem como base a medida


coercitiva e esta tem caráter discriminatório para o Estado em

283
Capítulo 13

prol do estrangeiro que atenta contra a segurança nacional, logo, a


expulsão do refugiado que ostente essa condição não pode ocorrer
sem a regular perda desta.

CONCLUSÃO

Dado o exposto, é imprescindível que todos se conscien-


tizem de que a discussão acerca dos refugiados tem ganhado um
grande destaque nos últimos anos na esfera internacional pela sig-
nificativa proporção do deslocamento de refugiados devido aos
conflitos existentes em seus países de origem, obrigando-os dessa
forma a pedir asilo em outros Estados. É importante salientar que
isso ocorre porque os indivíduos são submetidos a situações extre-
mas de tormenta, insegurança e vulnerabilidade colocando em
risco a dignidade humana, um dos direitos mais respeitáveis para
conosco, a qual não deve ser exposta a essa situação.

Ao longo da história, os fatores bem como conflitos e opres-


sões acarretaram migrações forçadas, mas, na atualidade, a quanti-
dade de fatores envolvidos nas deslocações forçadas torna difícil a
realidade dos refugiados. Nos dias que correm, os conflitos acerca
dos refugiados e direitos dos demais migrantes têm como início o
desrespeito e a vulnerabilidade.

Com base nos fundamentos doutrinários e leis consultadas,


é de possível compreensão concluir que, para a solicitação de refú-
gio no Brasil, é necessário que o individuo encontre-se presente
em territorio nacional em seguida a sua vinda ao Brasil.

284
O Direito dos Refugiados e a Proteção pela Legislação Brasileira

O estrangeiro que solicita refúgio no Brasil não pode


ser deportado para território onde sua vida ou liberdade estejam
ameaçados.

Observa-se ainda que o Brasil protege a questão de que


os motivos migratórios sejam cuidados de forma relacionada aos
direitos humanos. Todavia, vale frizar que os países têm direito
absoluto de consolidar normas de controle para admissão, estadia e
saída de estrangeiros, contudo nenhum país está livre de responder,
na presença da população internacional, por atentados aos direitos
dos imigrantes.

Em 2015, o contexto retratado como “a crise dos refugia-


dos” apresentou grandes desafios impostos aos direitos humanos,
causando instabilidades consideráveis não somente nas questões
socioeconômicos, mas também nas questões ambientais.

O Brasil concede sua colaboração à proteção desses indi-


víduos, recebendo milhares de refugiados e solicitantes de refúgio
em nossos territórios e meios de proteção complementar foram
determinados pelo Brasil para a realização em uma sequência de
migrações que requisitavam resultados humanitários, como por
exemplo, haitianos e venezuelanos.

Conclui-se, portanto, que o Brasil vem desempenhando seu


papel no acolhimento dos refugiados e, atualmente, a Lei de Refú-
gio brasileira (Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997) é vista como
uma das leis mais desenvolvidas do mundo. Há pouco, a introdução
em vigor da recente Lei de Migração brasileira (Lei nº 13.445, de
24 de maio de 2017) estabeleceu a concepção dos direitos humanos
na esfera da política migratória nacional, colocando o país à frente
no acolhimento do assunto e transformando o Brasil em um país

285
Capítulo 13

modelo na então discussão global sobre as migrações, em concor-


dância com as normas e padrões internacionais mais importantes.

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VEJA, 2015. Qual a diferença entre imigrantes e refugiados? Dispo-


nível em <https://veja.abril.com.br/mundo/qual-a-diferenca- entre-imi-
grantes-e-refugiados/>. Acesso em: 15 mai. 2019.

287
CAPÍTULO 14
FATORES PREDITORES DA SÍNDROME
DE BURNOUT EM PROFESSORES:
ANÁLISE COMPARATIVA DE ESCOLAS
DA REDE PÚBLICA E PRIVADA DE
SANTA FÉ DO SUL/SP

Francisco Augusto Alves de Oliveira


Pedro Henrique Oliveira Catelan da Silva
Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

A ideia de saúde está atrelada à integridade física e psí-


quica do trabalhador, uma vez que a pessoa deve ser considerada
um ser único, não sendo possível distinguir-se o aspecto físico do
psíquico. Além disso, não se pode distinguir o corpo da pessoa
como ser. Nesse sentido, conclui-se que a integridade psicofísica
não só constitui a pessoa, fazendo parte de sua personalidade, mas
também se constitui em um conjunto de aspectos que lhe permitem
desenvolver-se e realizar-se plenamente em sociedade.

Nalini (1997) destaca que por saúde entende-se a integral


higidez física e mental da pessoa. É o estado de incolumidade
perante doença ou mal-estar, de modo que a saúde integral é a
ausência de qualquer desconforto.

Na contemporaneidade, em vista do processo de globaliza-


ção engendrada no meio social, ocorreram inúmeras consequên-
cias à saúde do trabalhador, muitas vezes este tentando superar

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 289


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 14

a máquina acaba por, de tanto laborar, levar-se à exaustão por


completo.

Thomaz (2019) afirma que se antes com apenas o uso de


máquinas o homem utilizava expressões ligadas a esta, na era con-
temporânea com o uso massificado dos computadores observa-se
uma mudança na nomenclatura de seus agravos.

Rifkin (1995) destaca que na era industrial, os trabalhado-


res ficaram tão emaranhados nos ritmos da maquinaria mecânica
que, frequentemente, descreviam sua própria fadiga em termos de
máquina queixando-se de estarem desgastados ou passando por um
esgotamento. Agora, um número crescente de trabalhadores está
tomando-se tão integrado aos ritmos da nova cultura do compu-
tador, que quando se sente estressado, sente sobrecarga e quando
sente-se incapaz de enfrentar a situação, se apaga e dá uma parada,
refletindo a proximidade com que os trabalhadores se identificam
com o ritmo imposto pela tecnologia do computador.

De modo efetivo, ocorre um processo de coisificação do ser


humano no processo produtivo que faz com que passe a aceitar a
teoria do homo sacer1 transposta para o trabalho humano na con-
temporaneidade. O processo globalizante tem imposto ao homem
contemporâneo a coisificação sem precedentes, sendo tratado como
se nada fosse, ou como se prefere neste estudo como, verdadeira-
mente, homo sacer.

Thomaz (2019) aponta que a Síndrome de Burnout pode ser


explicada sob acepção clínica como sendo caracterizada como um
1 A expressão remete à condição de quem cometia um delito contra a divin-
dade, colocando em risco a amizade entre a coletividade e os deuses. É uma
metáfora para enfatizar a condição deletéria do homem no âmbito do trabalho,
na sociedade contemporânea.

290
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

conjunto de sintomas (fadiga física e mental, falta de entusiasmo


pelo trabalho e pela vida, sentimento de impotência e inutilidade e
baixa autoestima), podendo levar o profissional à depressão e até
mesmo ao suicídio. É uma síndrome causada pelo estresse extremo
no trabalho. Esta doença caracterizada pelo esgotamento físico,
psíquico e emocional, em decorrência de trabalho em condições
muito estressantes, provoca distúrbios mentais e psíquicos que
têm como efeitos: stress, hipertensão arterial, perda de memória,
ganho de peso e depressão.

Cataldi (2002) afirma que, quando o profissional está diante


de uma intensa carga emocional, sente-se esgotado, com pouca
energia para fazer frente ao dia seguinte de trabalho e a impressão
que ele tem é que não terá como recuperar as suas energias.

Os profissionais passam a ser pessoas pouco tolerantes,


facilmente irritáveis e as suas relações com o trabalho e com a vida
ficam insatisfatórias e pessimistas. A despersonalização também
está presente, materializando-se no desenvolvimento do distan-
ciamento emocional que se exacerba, da frieza, insensibilidade e
postura desumanizada. Nessa fase, o profissional perde a capaci-
dade de identificação e empatia com as outras pessoas, passando
a ver cada questão relacionada ao trabalho como um transtorno.

Ocorre também que a realização pessoal e profissional fica


extremamente comprometida. Pode-se entender que surgiu outro
tipo de pessoa, diferente, bem mais fria e descuidada, podendo
acarretar a queda da autoestima, que às vezes chega à depressão.

291
Capítulo 14

METODOLOGIA

Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é investigar


fatores preditores da presença da Síndrome de Burnout em pro-
fessores de duas escolas da rede de ensino de Santa Fé do Sul/SP,
sendo uma pertencente à rede pública de ensino e uma que faz
parte da rede privada. Foram entrevistados 34 professores da rede
pública e 23 professores da rede particular. A abordagem adotada
para análise dos dados é a qualitativa, com vistas à necessidade
de conhecer os sujeitos em suas especificidades. A técnica para a
obtenção dos dados foi a aplicação de entrevista semiestruturada
por meio de formulário online da Plataforma Google, tendo em
vista que a pandemia da Covid-19 impediu a aplicação presencial
dos instrumentos que possibilitariam uma análise detalhada e com-
pleta da ocorrência da Síndrome de Burnout.

Foi solicitado a todos o consentimento para o uso com fins


acadêmicos dos resultados, sendo que apenas os que consentiram
e se sentiram confortáveis com os questionamentos responderam
à entrevista, preservando-se o anonimato dos participantes, em
atenção ao disposto na Resolução n. 466 (BRASIL, 2012).

A escolha dos participantes justifica-se em função das car-


gas horárias excessivas e o alto nível de variáveis estressantes
vivenciadas no cotidiano dos docentes, o que se intensificou em
função do atual momento de saúde pública mundial, acarretada
pela pandemia da Covid-19.

As escolas que foram alvo da aplicação das entrevistas


semiestruturadas não autorizaram a divulgação de seus nomes

292
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

e serão denominadas, neste trabalho de escola A (rede pública)


e escola B (rede privada). Além dos instrumentos descritos na
introdução, para a obtenção de dados empíricos, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica que deu suporte para a análise dos dados
obtidos.

Os dados presentes na literatura que tratam da temática


saúde do trabalhador justificam a relevância da temática em ques-
tão, o que pode ser ilustrado pelo aporte teórico de referência,
apresentado na sequência.

Justificada a abrangência e importância da temática no con-


texto atual, serão apresentados, na sequência, os dados obtidos por
meio da aplicação da entrevista semiestruturada e que denotam os
indícios de ocorrência de Síndrome de Burnout em professores
das redes pública e privada de ensino de Santa Fé do Sul/SP, com
base nos resultados apresentados nas duas escolas que foram alvo
da pesquisa empírica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme mencionado, a pesquisa foi realizada em duas


escolas de Santa Fé do Sul, sendo que uma das escolas é deno-
minada, neste trabalho, de escola A (rede pública) e a outra de
escola B (rede privada), em vista da demanda por manutenção do
anonimato.

De acordo com os dados obtidos, é possível observar que


38, 2% dos professores da escola A estão entre a faixa etária de 25

293
Capítulo 14

a 35 anos, sendo que os que apresentam idade entre 46 e 60 anos


também contabilizam 38,2%. Na escola B, os professores com 36 a
45 anos de idade representam 30,4%, havendo também professores
com idade superior a 60 anos de idade. Os entrevistados são pre-
ponderantemente do gênero feminino, sendo que na escola A é de
61,8% e na escola B é de 78,3%. O número de professores do sexo
masculino é de 35,30% na escola A e de 17,4% na escola B, sendo
ainda que alguns professores optaram por não informar o gênero.

Quanto ao nível de escolaridade dos professores das duas


escolas, é possível observar que os professores, tanto da escola A
quanto da escola B, possuem um nível de escolaridade que trans-
cende a graduação, apresentando um nível de formação próximo,
sem grande disparidade. A escola A possui um total de 41,2% dos
professores com graduação, 52,9% com especialização, enquanto a
escola B conta com 34,8% de professores com graduação e 34,8%
com especialização. Porém, quando se trata de mestrado, a escola B
possui maior número de docentes em relação à escola A, que conta
com 21,7%. No que concerne ao doutorado, a escola B conta com
5,9%, não se verificando nenhum doutor na rede pública de ensino.

O gráfico 1, este trata da questão salarial dos docentes,


realizando uma comparação entre os professores da rede pública
e privada de ensino:

294
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

Gráfico 1 – Salário médio, referente aos professores das escolas A e B, Santa


Fé do Sul, SP, 2020

Fonte: Dos próprios autores.

No gráfico 1, observa-se que os professores que recebem a


média de 1 a 2 salários mínimos concentram-se na escola B, que
contabiliza 43,5% contra 23,5% dos professores da escola A. O
que chama atenção é que os professores que ganham entre 3 a 4
salários mínimos somam 55,9% na escola A e 43,5% na escola B,
denotando melhores salários médios na rede pública de ensino de
Santa Fé do Sul/SP.

No que diz respeito aos que ganham entre 5 a 6 salários


mínimos, as porcentagens são de 14,7% para os professores da
escola A e de 8,7% para dos da escola B, o que também explicita
um salário médio mais elevado na rede pública. Já os que recebem
mais que 7 salários mínimos somam 5,9% para os da escola A e
de 4,3% para a escola B.

É importante mencionar que o fator remuneração é de


grande relevância para o trabalhador, tendo em vista que é res-
ponsável por garantir sua autodeterminação, subsistência e con-
dições de atender às demandas de saúde, habitação, alimentação,
educação, cultura e lazer da família. Salários incondizentes com

295
Capítulo 14

as demandas cotidianas do trabalhador implicam em intensificação


do processo de adoecimento do trabalhador.

O gráfico 2 apresenta informações referentes à quantidade


de escolas em que trabalham os professores entrevistados. Este
dado denota o nível de precariedade do trabalho do professor, que
o obriga a executar jornadas em mais de uma escola, o que tam-
bém implica em um grau de exigência maior, tendo em vista que
cada instituição apresenta suas regras e condutas, que precisam ser
seguidas pelos docentes.

Gráfico 2 – Número de escolas em que trabalham, referente aos professores


das escolas A e B, Santa Fé do Sul, SP, 2020

Fonte: Dos próprios autores.

Com base no gráfico 2, observa-se que 41,2% dos professo-


res da rede pública trabalham em somente uma escola, 41,2% tra-
balham em duas escolas e 17,6% em três ou mais escolas. Quanto
aos professores da rede privada, 43,5% trabalham em somente uma
escola, 30,4%, em duas escolas e 26,1% trabalham em três ou mais.

Ao se considerar o total de professores da rede pública


que trabalham em duas ou mais escolas, tem-se 58,8% do total de
entrevistados. Na rede pública, esse total é de 56,5%. Ou seja, há

296
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

um número considerável de docentes das duas escolas, quase 60%


do total, que são obrigados a completar sua carga horária em mais
de uma escola para obtenção dos recursos financeiros necessá-
rios para sua manutenção e da sua família. Este indicador mostra
um aspecto do processo de precarização do trabalho no Brasil e,
conforme Benevides-Pereira (2002), a precarização do trabalho
advinda da ocorrência da Síndrome de Burnout pode desenca-
dear sintomas comportamentais, como negligência ou escrúpulo
excessivo, irritabilidade, agressividade, incapacidade para relaxar,
dificuldade na aceitação de mudanças, perda de iniciativa, aumento
de consumo de algumas substâncias dentre as quais chás, cafés,
bebidas alcoólicas, comportamento de alto risco e suicídio.

O gráfico 3 apresenta dados mais específicos do quadro de


Burnout, referentes à questão da pressão no ambiente de trabalho.

Gráfico 3 – Pressão no trabalho para professores das escolas A e B

Fonte: Dos próprios autores.

No gráfico 3, é possível observar que os professores de


ambas as escolas relatam que sofrem algum tipo de pressão oriun-
das do trabalho. Observa-se também uma correlação com os dados
mencionados anteriormente, já que o sentimento de pressão rela-
tado pode ser relacionado ao trabalho realizado em mais de uma
escola. É preponderante a percepção, por parte dos professores, de

297
Capítulo 14

que o trabalho os pressiona, podendo se observar que a pressão é


maior entre os professores da rede particular de ensino.

De acordo com Jacinto et al (2020), os fenômenos psicosso-


ciais relacionados ao trabalho integram variáveis relacionadas aos
fatores de riscos psicossociais (aqueles que podem ser considerados
prejudiciais à saúde dos trabalhadores), mas também os fenômenos
psicossociais englobam esses elementos de proteção. Assim, riscos
e proteção alternam-se: são favoráveis quando contribuem para
o desenvolvimento da atividade laboral e favorecem a qualidade
de vida das pessoas, as relações de trabalho e a produtividade
ou, ao contrário, podem ter um poder destrutivo e impeditivo de
positividade.

Uma cultura organizacional focada, exclusivamente, em


produtividade e em lucros, sem considerar a influência desses
aspectos no bem-estar de seus trabalhadores facilitará a ocorrência
e a potencialização desses riscos psicossociais e contribuirá forte-
mente para o adoecimento, o absenteísmo, o turnover, a diminuição
da motivação, da satisfação e da produção, além do afastamento
do trabalho por incapacidade (JACINTO et al, 2020).

Não obstante, os fatores de riscos podem ser enfrentados


quando há o reconhecimento do trabalho e, assim, todo o investi-
mento pessoal demandado e que, de certo modo, está carregado de
sofrimento, adquire um sentido, contribuindo com algo, geralmente
novo, para a organização: a prevenção dos agravos mediante os
riscos psicossociais.

O gráfico destaca a frequência com que os professores se


sentem pressionados no ambiente de trabalho:

298
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

Gráfico 4 - professores das escolas A e B, Santa Fé do Sul, SP, 2020

Fonte: Dos próprios autores.

Com base nos dados apresentados no gráfico 4, pode-se


observar que 20% dos professores da escola A relatam que sentem
pressão no trabalho de 1 a 2 vezes por semana, já os que sentem
diariamente são em maior número chegando a 36,7% do total.
No que se refere aos professores da escola B, 27,3% afirmam que
sentem pressão no ambiente de trabalho de 1 a 2 vezes por semana,
27,3% de 3 a 4 vezes por semana e 22,7% todos os dias.

Esses dados são de grande relevância e apresentam uma


condição de trabalho em que a maioria dos professores das duas
escolas se sente pressionada por conta das demandas do trabalho e
da chefia imediata, na maior parte dos dias da semana, preenchendo
os critérios para a ocorrência da Síndrome de Burnout.

Reitera-se a possibilidade de ocorrência de exaustão emo-


cional, que é representada pela profunda sensação de esgotamento
tanto mental quanto físico, pelo sentimento de não poder dar mais
de si mesmo, de haver atingido o limite de suas possibilidades, com
redução da eficiência e da realização pessoal, o que se exprime pela
sensação de perda de sentido nas atividades laborais que vem (ou

299
Capítulo 14

vinha) desenvolvendo, pelo gradativo declínio da satisfação e da


competência no trabalho (GLINA; ROCHA, 2010).

O gráfico anterior retrata a presença de exaustão física ao


longo da semana de trabalho, cabendo considerar que o adoeci-
mento físico também é uma dimensão importante da caracteriza-
ção da Síndrome de Burnout. Cumpre mencionar a ocorrência de
cefaleias frequentes ou, até mesmo, enxaquecas, insônia, dores
cervicais ou musculares, fadiga constante, transtornos gastroin-
testinais, como constipação intestinal, diarreia, gastrite que pode
evoluir para úlcera (GLINA; ROCHA, 2010).

Gráfico 5 – Sentimento de exaustão física durante a semana, referente aos


professores das escolas A e B, Santa Fé do Sul, SP, 2020

Fonte: Dos próprios autores.

No gráfico 5, pode ser observado que os professores da


escola A possuem um sentimento de exaustão física superior ao
dos professores da escola B, já que muitos trabalham em mais
de uma escola, intensificando os fatores estressores relacionados

300
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

ao corpo. Há uma especificidade a ser destacada que é o fato de


professores da escola B, apesar de também trabalharem em mais
de uma escola, não possuírem, de modo tão intenso, a queixa de
exaustão física como ocorre na escola A. Tal distinção pode estar
relacionada às condições de trabalho, no contexto da pandemia,
que são mais adequadas, com maior presença de recursos tecno-
lógicos do que ocorre na rede pública de ensino. De todo modo,
os professores de ambas as redes de ensino apresentam sinais de
esgotamento em função do trabalho.

Os gráficos apresentados na sequência explicitam dados


referentes a sintomas que fazem parte dos critérios a serem preen-
chidos para a constatação de indicadores de Síndrome de Burnout.

Gráfico 6 – Sentimento de exaustão psicológica durante a semana, referente


aos professores das escolas A e B, Santa Fé do Sul, SP, 2020

Fonte: Dos próprios autores.

No gráfico 6, observa-se que os sentimentos de exaustão


emocional nos professores da escola A é mais frequente, visto que
relatam, assim como no gráfico 8, que o sintoma se verifica com
muita frequência, explicitando que existe não apenas um, mas dois
sintomas de adoecimento no trabalho. Os professores da escola

301
Capítulo 14

B somam a maioria no que diz respeito à presença do sintoma de


exaustão psicológica todo o tempo, dado que explicita que os referi-
dos professores sofrem mais psicologicamente do que fisicamente.

Gráfico 7 – Irritabilidade com pequenas coisas, alunos, colegas de trabalho


durante a semana, referente aos professores das escolas A e B, Santa Fé do
Sul, SP, 2020

Fonte: Dos próprios autores.

No gráfico 7, observa-se que os professores da escola A


irritam-se poucas vezes durante a semana com os alunos, colegas
de trabalho ou pequenas coisas, já os professores da escola B assu-
miram sentir irritabilidade com maior frequência, o que pode ser
correlacionado ao gráfico anterior, já que apresentam uma maior
taxa de exaustão psicológica, o que pode gerar uma maior irrita-
bilidade e descontrole emocional.

302
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

Gráfico 8 – Sentimento de incômodo com a pressão no trabalho

Fonte: Dos próprios autores.

No gráfico 8, observa-se que os professores da escola A


tendem a se sentir pressionados no trabalho algumas vezes durante
a semana, o que pode ser correlacionado aos gráficos anteriores,
já que é possível observar que a porcentagem desses professores
que trabalham em mais de uma escola é de 82,4%.

Os professores da escola B se sentem pressionados no tra-


balho diariamente, diferentemente, do que ocorre na escola A. Ao
se relacionar esse dado com os dos gráficos anteriores, é possível
observar que eles trabalham em 3 ou mais escolas, desse modo, é
esperado que apresentem um maior sintoma de pressão no trabalho.

Outro dado importante, é a constatação de que a maio-


ria dos professores não possuem dificuldades para interagir com
outras pessoas. De toda forma, existe uma parcela de professores
que possui a referida dificuldade. Nesse contexto, os professo-
res da escola A relataram que apresentam problemas relacionados
à divergência de pensamentos, timidez e, em alguns casos, não
sabiam relatar quais seriam os problemas, o que denota confusão
e dificuldade de externar emoções e, inclusive, sintomas de embo-
tamento emocional.

Os professores da escola B relataram que sentem elevada


irritabilidade, falta de paciência e estresse elevado por não supor-

303
Capítulo 14

tarem pessoas que, segundo eles, eram desleixadas no ambiente


de trabalho.

É possível observar que os professores de ambas as esco-


las, em sua grande maioria, sentem que o próprio trabalho foi
realizado de modo satisfatório, o que indica que as obrigações
não são as causadoras da pressão sentidas e sim o ambiente ou a
rotina de trabalho que apresenta potencial de adoecimento, o que
se configura em um dos sintomas relacionados ao aparecimento
da Síndrome de Burnout.

Gráfico 9 - Sentimento de realização ao efetuar o trabalho

Fonte: Dos próprios autores.

No gráfico 9, pode-se observar que os professores de ambas


as escolas, em sua maioria, sentem-se realizados ao efetuar o pró-
prio trabalho. O confronto dos dados dos gráficos anteriores mostra
que sentem que executam seu trabalho de forma satisfatória, sendo
que o realizam de forma mais efetiva e eficaz, em sua concepção.

Some-se a estes dados, a constatação de que os profes-


sores da escola A informam que seu tempo destinado ao lazer é
classificado, em sua maioria, como de regular a ruim, desse modo,

304
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

é possível descrever o tempo disponível para o lazer como insu-


ficiente para eles. Confrontados com os dados dos gráficos ante-
riores, verifica-se que os docentes, em sua maioria, trabalham em
mais de uma escola e, provavelmente, desenvolvem trabalhos e
atividades em casa, utilizando seu horário de lazer na preparação
de aulas e atividades. No contexto da pandemia, o trabalho remoto
pode ter intensificado as exigências e carga horária de trabalho que
se estende pelo período de acesso a lazer e cultura.

Para os professores da escola B, a rotina não é muito dife-


rente, já que possuem alta carga horária de trabalho. Pode-se afir-
mar que sofrem com o escasso tempo de lazer, durante a semana,
fortalecendo os indicadores de esgotamento físico e psíquico em
função do trabalho, o que pode resultar no aparecimento de várias
doenças, sendo uma delas a Síndrome de Burnout.

Observa-se também que a qualidade de sono dos professo-


res da escola A varia, em sua maioria, de regular a boa, o que agrava
os seus sintomas de adoecimento em função do trabalho. Cabe
considerar que possuem uma carga horária excessiva, não possuem
uma adequada relação com o trabalho, não possuem tempo de lazer
e não são adequadamente remunerados, o que os faz preencherem
o diagnóstico para a Síndrome de Burnout.

Os professores da escola B também apresentam uma qua-


lidade de sono que varia de regular a ruim, o que intensifica os
problemas advindos da pressão que eles sofrem no ambiente de tra-
balho, o que é um forte indicativo de que já estão em fase de esgo-
tamento em função das demandas ou características do ambiente
de trabalho.

305
Capítulo 14

O gráfico 10 é de suma importância para a predição da


Síndrome de Burnout em professores das redes pública e privada
de Santa Fé do Sul/SP, pois apresenta os sintomas apresentados
no último mês.

Krausz (2005) menciona que são típicos da ocorrência da


Síndrome de Burnout sintomas como: dificuldade de atenção, de
concentração, redução da capacidade de memória, impaciência,
habilidade emocional, sentimento de solidão, baixa autoestima,
desconfiança que pode chegar à paranoia, o desânimo capaz de
evoluir para disforia e depressão.

Gráfico 10 – Sintomas sentidos no último mês

Fonte: Dos próprios autores.

Ao analisar o gráfico 10, é possível notar que ficam eviden-


tes vários sintomas de adoecimento nos professores da escola A que

306
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

externalizam altas taxas de cansaço tanto físico quanto mental, alte-


rações repentinas de humor, dificuldades de concentração, insônias,
dores musculares e problemas gastrointestinais. Destaque-se que,
para ser enquadrado como adoecimento por Síndrome de Burnout,
é necessária a presença de pelo menos 3 desses sintomas, o que de
fato se verifica na rotina dos entrevistados.

Os professores da escola B também apresentam sinais de


adoecimento, tais como, dores musculares, cansaço excessivo tanto
mental quanto físico, dificuldades de concentração, sentimento
de fracasso e insegurança, dores de cabeça frequentes, fadigas e
insônia, que seguem como fortes indicativos de que já estejam com
um processo do aparecimento da Síndrome de Burnout.

CONCLUSÃO

Ao combinar todos os dados e informações coletadas e


mencionados no artigo, pode-se concluir que os professores das
escolas A e B de Santa Fé do Sul sofrem altas taxas de pressão
decorrentes do trabalho e, desse modo, aumentam as chances de
desenvolvimento de problemas como os sintomas de fadiga mental
e física, dores de cabeças constantes, insônia e alterações de humor.

É possível perceber a ausência de tempo disponível para


o lazer, além da baixa qualidade de sono, ampla jornada de tra-
balho, o que é frequente tanto em professores tanto da escola A
quanto da B. De modo efetivo, ambos os docentes preenchem os
critérios necessários para a caracterização do quadro de Burnout,
em vista de manifestarem mais de 3 dos sintomas previamente

307
Capítulo 14

descritos, sofrendo riscos graves e prejudiciais à sua condição


biopsicossocial.

Os professores de ambas as escolas trabalham em mais de


uma escola, configurando uma prática que os ocupa por muitas
horas durante o dia e a noite e também acabam gerando maiores
preocupações e responsabilidades. Em consonância com os resul-
tados obtidos, é possível concluir que os professores de ambas
as escolas sofrem muita pressão advinda do trabalho, o que se
materializa em um agravante que leva ao aparecimento de diversas
doenças, preenchendo os critérios para predisposição à ocorrência
da Síndrome de Burnout.

Apesar de qualquer trabalhador estar sujeito a sofrer da


Síndrome de Burnout, há que se ponderar sobre as características da
atividade desempenhada pelos professores que são alvo desta pes-
quisa. O tipo de trabalho realizado, o fato de lidarem com clientes
difíceis, que variam de reivindicativos a agressivos e desinteressa-
dos, a questão de desempenharem uma profissão pouco valorizada
socialmente, atividades que envolvem grande responsabilidade,
principalmente, quando há pouca autonomia para a tomada de
decisões, e um trabalho rotineiro fazem com que a ocorrência da
Síndrome de Burnout seja uma realidade a ser considerada.

Por fim, cumpre ressaltar que, no caso em questão, a Sín-


drome de Burnout pode surgir também em função da falta de
perspectivas, pelo sentimento de impotência diante das condições
ocupacionais.

Diante do exposto, pode-se afirmar que os fatores predi-


tores da Síndrome de Burnout em professores de escolas da rede
pública e privada de Santa Fé do Sul/SP são altíssimos. Para a

308
Fatores Preditores da Síndrome de Burnout em Professores: Análise
Comparativa de Escolas da Rede Pública e Privada de Santa Fé do Sul/SP

caracterização exata da síndrome, é necessário um estudo mais


detalhado, capaz de abranger um número maior de escolas e uma
amostragem superior de professores, o que se materializará em
um próximo estudo.

REFERÊNCIAS

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trabalho. In: BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. (org.) Burnout: O pro-
cesso de adoecer pelo trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.

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www.saude.gov.br/saude-de-a-z/saude-mental/sindrome-de-burnout.
Acesso em: 29 out. 2019.

BRASIL. Resolução n. 466. Brasília, DF, 2012. Disponível em: https://


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Acesso em: 25 out. 2020.

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GLINA, D. M. R. e ROCHA, L. E. Saúde mental no trabalho. São


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Alínea. 2001.

JACINTO, A. et al. Fenômenos psicossociais relacionados ao trabalho.


In: TOLFO, S. (org.) Gestão de pessoas e saúde mental do trabalha-
dor: fundamentos e intervenções com base na psicologia. São Paulo:
Vetor, 2020.

KRAUSZ, R. R. Compartilhando o poder nas organizações. São Paulo:


Nobel, 2005.

309
Capítulo 14

LEVY, G. C. T. M; SOBRINHO, F. P; SOUZA, C. A. A. Síndrome de


Burnout em professores da rede pública. São Paulo, v. 19, n. 3, p.
458-465, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?scrip-
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Acesso em: 10 mai. 2020.

NALINI, J. R. Constituição e estado democrático. São Paulo: FTD,


1997.

RIFKIN, J. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos em-
pregos e a redução da força global de trabalho. São Paulo: MakronBooks,
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SALOMON D. V. Como fazer uma monografia. 11 ed. São Paulo:


Martins Fontes, 2004.

THOMAZ, T. J. Síndrome de Burnout: uma involução do trabalho


humano que pode ser indenizado. Londrina: Thoth, 2019.

310
CAPÍTULO 15

ALIENAÇÃO PARENTAL E SUAS


CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS
PARA A CRIANÇA ENVOLVIDA

Maria Luiza Neris Silva


Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

Alienação Parental (AP) é um dos temas mais discutidos da


atualidade tendo em vista seus efeitos psicológicos e emocionais
negativos para as relações entre pais e filhos. O processo conhe-
cido como alienação parental (A.P.) é conceituado por Gardner
(2002), professor de psiquiatria infantil da Universidade de Colum-
bia (EUA), como um distúrbio infantil que ocorria especialmente
em crianças expostas a pais que enfrentavam o litígio conjugal e
através da AP surgiria a SAP Síndrome da Alienação parental, que
seriam os efeitos da Alienação Parental.

Na visão do autor, a síndrome se desenvolve a partir de


programação ou “lavagem cerebral” realizada por um dos genitores
para que o filho rejeite o outro responsável. O termo foi muito dis-
cutido nos anos 1980 e volta a ser assunto atual devido ao aumento
de litígios mal resolvidos reincidindo sobre os filhos, o que lhes
causa aflições e inflige um sofrimento psicológico.

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 311


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 15

Dias (2011) segue a mesma linha de pensamento, concei-


tuando a AP como uma “lavagem cerebral” de um tutor para dani-
ficar a imagem do cônjuge, descrevendo maliciosamente situações
inexistentes ou que não ocorreram de acordo com a descrição do
alienador. De acordo com a jurista, a criança, gradualmente, se
convence da versão contada por um dos familiares e começa a
reproduzir atitudes como se de fato algumas histórias tivessem
acontecido, criando conflitos emocionais e destruindo o vínculo
entre o pai alienado e a criança. O resultado disso é que a criança
se torna um órfão do genitor alienado, por meio da identificação
com o responsável alienador patológico e se convence de que tudo
o que lhe foi dito é verdade.

De acordo com Silva (2016), a alienação parental pode ser


praticada não apenas pelos cônjuges, mas também por terceiros
como: avós, tias, amigos da família que fazem sugestões insensatas,
profissionais antiéticos (psicólogos, advogados, assistentes sociais,
médicos, entre outros) visando à destruição do vínculo familiar
com um dos pais.

Para Dias (2012), o conceito de alienação parental e a SAP


se assemelham. Porém, as técnicas utilizadas pelo alienador têm
uma vasta diversificação, levando em consideração sua organização
concentrada na avaliação da nocividade negativa, não qualificada
e prejudicial para outro genitor.

Atualmente os casos de divórcios e separações litigiosas


têm se ampliado, sendo percebidos e debatidos nos âmbitos da
psicologia e do direito. De acordo com Dias (2010), a família
carrega a idealização e a crença de que todos no casamento serão

312
Alienação Parental e suas Consequências Psicológicas
para a Criança Envolvida

muito felizes, não permitindo a elaboração de uma hipótese de


separação e/ou fim do amor.

Quando acontece o litígio conjugal, todos os membros da


família precisam se adaptar às novas condições estruturais, apren-
der a viver em novas formas familiares e redefinir papéis e funções.
Em razão disso, os sentimentos presentes podem ser de tristeza e
ressentimento, tornando a separação, para um dos genitores, uma
situação complexa, difícil de ser elaborada, não sendo este capaz de
lidar com a frustração causada por esse relacionamento quebrado.
Dessa forma, em alguns casos, ao perceber a importância do outro
genitor em conservar seu vínculo com o filho e a vida familiar,
procura satisfazer seu desejo de vingança, mesmo que para isso
necessite recorrer a práticas prejudiciais ao filho, o que geralmente
se manifesta como alienação parental.

De acordo com Oliven (2010), quando a separação não é


bem elaborada por ambos os cônjuges e um dos dois não aceita a
separação, a situação torna-se mais complexa, visto que o processo
de litígio é criado quando uma das partes começa a demonstrar ati-
tude hostil diante do outro genitor, visando impossibilitar o contato
do outro com os filhos. Ou seja, se um dos pais não ressignificar a
perda sofrida, existe o desejo de punir o sujeito amado, utilizando
como meio de vingança a destruição e deturpação da imagem do
outro genitor perante a criança.

De acordo com Carvalho (2010), não é algo simples iden-


tificar o perfil de um genitor alienador, porém, há alguns com-
portamentos característicos, capazes de evidenciar a tendência à
alienação, como cita:

313
Capítulo 15

A auto-estima baixa, instabilidade emocional ten-


dente a depressão, valorização do desamparo afe-
tivo, desrespeito às regras, manutenção do conflito
aceso atacando as decisões judiciais, sempre quei-
xosa, recusa tratamento, coloca-se sempre como
vítima, manipulador, dominador, histórico de pro-
pagação de animosidade aos familiares e 45 ami-
gos sendo que para a configuração da SAP não são
necessários a presença de todas estas características
(CARVALHO, 2011, p. 125).

Segundo Costa (2010), o alienador conduz um jogo pato-


lógico como um método agradável, moderado e sutil, que pode
ser comparado a um conta-gotas em declínio (esse processo pode
levar até anos) e, finalmente, elimina os sentimentos entre o genitor
não residente e o filho, porque a pessoa alienada está conduzindo
um acesso gradual ao menor alienado de acordo com as ordens de
seu cérebro doente.

Um dos efeitos da alienação parental é a perda de um con-


tato, que antes se apresentava como um grande referencial. De
acordo com Pinto (2011), para algumas crianças, esse sentimento
se compara à morte de um familiar próximo (como pai, tio, avós).
Essa perda gera várias consequências na criança que pode desen-
volver problemas psicológicos e até mesmo psiquiátricos.

Nesse contexto, Dias (2011) afirma:

[...] crianças submetidas à alienação parental demons-


tram indivíduos que tendem ter atitudes Antissociais,
violentas ou criminosas; depressão, suicídio e, na
maturidade - quando atingida -, revelasse o remorso
de ter alienado e desprezado um genitor ou parente,
assim padecendo de forma crônica de desvio com-
portamental ou moléstia mental, por ambivalência
de afetos [...] (DIAS, 2011, p. 909).

314
Alienação Parental e suas Consequências Psicológicas
para a Criança Envolvida

Além disso, outra consequência é que a criança pode desen-


volver uma visão distorcida dos acontecimentos, enxergando a
realidade conforme lhe convém. De acordo, com Dias (2011), a
criança, passa a repetir algumas atitudes do alienador no modo de
descrever os acontecimentos do dia a dia. A jurista exemplifica
com casos de crianças que relatam abusos como se fossem reais,
expressando sofrimentos reais, mas que, após investigados, perce-
be-se que se tratam de relatos distorcidos da realidade.

Por outro lado, segundo Nüske (2015), diante dos efei-


tos apresentados e reconhecendo suas falhas durante seu desen-
volvimento, é possível que a criança alienada se revolte contra o
alienador, percebendo o dano que lhe foi causado. Sob condições
satisfatórias, dependendo da qualidade da experiência inicial de
vivência da criança, a neurose pode ser desenvolvida. Porém, a
razão para realizar esse diagnóstico raramente ocorrerá visto que
os pais se afastaram e as funções parentais parecem fornecer um
recurso instável para investir nos filhos.

O autor ainda acrescenta que se sua consciência narcísica


não for boa o suficiente, essa situação pode ameaçar a organi-
zação psíquica e esse fenômeno pode levar a uma psicose e, no
intuito de se defender da realidade imposta, a criança cria uma nova
realidade, permeada por alucinações e delírios, para resolver sua
própria dor psíquica. Da mesma forma, poderão ocorrer também
repetições do padrão de comportamento dividido entre bem e o
mal no decorrer de sua vida pautado no que foi captado através da
conduta de seus genitores.

De acordo com Silva (2009), o alienador, propositada-


mente, modifica a percepção da criança, pois ela sente que o pai

315
Capítulo 15

gosta dela, mas a mãe só o condena e isso fomenta, na criança,


angústias, ansiedades e depressão. A criança se desenvolve em uma
bolha de inverdades, ocasionando desvios de caráter e de conduta.

Conforme o que foi mencionado anteriormente, é possível


compreender que tanto a criança, como o genitor alienado são afe-
tados diretamente e indiretamente pela AP praticada pelo genitor
alienador. Consequentemente, ambos estão sujeitos a sequelas,
pois, o genitor alienado acabará tornando-se um desconhecido
para a vida da criança, sendo capaz de gerar inúmeros sintomas e
transtornos psicológicos (ROSA, 2008).

De acordo com Oliven (2010), crianças que, frequente-


mente, sofrem com os impactos da alienação parental iniciam um
processo de esquivar-se do genitor alienado. E a recusa de encon-
trar-se com o alienado, geralmente, é oriunda da fidelidade e devo-
ção ao alienador, que se torna suficiente para evitar a presença do
outro responsável. A luta entre os genitores desestabiliza a criança
visto que sua formação depende da relação com ambos os genito-
res. Quando o genitor alienante transforma suas pulsões originárias,
direcionando-as ao seu desejo de vingança ao ex-cônjuge, fazendo
com que se livre do relacionamento filial a fim de ganhar o que
deseja, a criança pode internalizar as palavras do alienador, a ponto
de destruir o papel do outro, ainda que simbólico.

Diante do exposto, pode-se afirmar que o presente trabalho


procura compreender a dinâmica da alienação parental, com des-
taque para os mecanismos que a desencadeiam, caracterizando o
fluxo de acontecimentos e as consequências mais comuns para os
afetados, que são os genitores, alienados e alienantes, assim como
para a prole. Destaca-se como problemática central a compreensão

316
Alienação Parental e suas Consequências Psicológicas
para a Criança Envolvida

do papel desempenhado pelo profissional psicólogo na minimiza-


ção de sua ocorrência, bem como na adoção de práticas capazes
de minimização, no contexto jurídico e clínico.

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma análise dos


documentários “A morte inventada” e o filme “Traças”.

O documentário “A morte inventada” foi produzida em


2009, dirigido por Alan Minas e produzido por Aniela Vitorino. O
documentário descreve, através da apresentação de sete histórias
familiares, os problemas enfrentados por pais e filhos vítimas da
alienação parental. O aspecto central destacado é como a alienação
parental pode gerar efeitos psíquicos negativos tanto para quem
aliena, quanto para quem é alienado, sobretudo para os filhos que
são as vítimas principais desse processo.

Dentre os casos apresentados, alguns se destacam,


seja pela forte emoção transmitida pelos depoentes,
seja pelos inimagináveis recursos utilizados pelos
alienadores, seja ainda pelo grau de desgaste das
relações familiares (COSTA, 2011).

Para a compreensão das informações apresentadas no docu-


mentário, foram analisados relatos escolhidos de pais e filhos víti-
mas de alienação parental.

No que se referem ao contexto em que estão inseridos


os pais vítimas de alienação, cabe mencionar o depoimento de
Alexandre:

No início da separação antes de conhecer a Daniela


(atual mulher), eu pegava meus filhos normal-
mente, ia para onde morávamos anteriormente,
fazia comida lá do meu jeito, fazia tudo normal

317
Capítulo 15

né. Eles dormiam lá em casa, levava para o par-


que, tudo o que fazia antes. E ele sempre me per-
guntavam pai você está namorando com alguém,
eu falava “to”, Ai falavam como é o nome dela
e eu inventava o nome fictício, Victor brincava a
Mariana não [...] Enfim, aí a mãe ficou sabendo e
a partir daí já foi o começo das dificuldades pra
começar ver meus filhos. Então em inúmeras vezes
começava com dificuldade de telefone, ligava pra
lá tinha até uma secretária eletrônica e eu deixava
recado pra fale com eles e eles não atendiam o tele-
fone, ia lá como estava indo no início da separação
e aí eles não queriam ir comigo e mencionavam a
atual companheira (ALEXANDRE).

O relato de Alexandre deixa clara a ideia implantada pela


mãe aos filhos após novo relacionamento do pai. Como mencio-
nado por Oliven (2010), quando o genitor vitimado pelo aban-
dono não elabora o luto, restando-lhe mágoas e rancores, ele cria
artifícios para impossibilitar encontros, não permitindo a criação
de laços estreitos entre os filhos e o ex-parceiro – como acontecia
antes entre Alexandre e seus filhos. O autor ainda acrescenta que
sentimentos como ciúmes, inveja, ressentimento e vingança entre
os pais obscurecem a vitalidade da vida psíquica de uma criança.

Eu sou realmente taxado com essas coisas de aban-


dono, é muito ruim ouvir do filho da gente “Você
me abandonou, você isso ou aquilo sem saber a ver-
dade, é diferente você trocar uma pessoa por outro,
o abandono é cruel, mas não foi isso” (ROBERTO).

Roberto relatou suas tentativas de estar perto de seus filhos


e sobre o que ouvia deles. Ele afirmava que tais argumentos eram
provenientes do que as crianças escutavam da mãe. Baseado no
exposto pelo autor Nüske (2015), a criança torna-se um defensor
do alienador, replicando, de maneira descabida, discursos agressi-

318
Alienação Parental e suas Consequências Psicológicas
para a Criança Envolvida

vos sobre o outro genitor, contribuindo para a desmoralização do


alienado, acreditando em suas próprias falas e passando a odiar e
desprezar o outro genitor que antes amava e respeitava.

Dormia com meu filho e durante dois anos, eu tran-


cava a porta porque tinha medo, ele brigou comigo
pegou meu filho e levou, largou a escola da criança
[…]. Foi o estopim para que eu fosse pra Defenso-
ria pública para abrir o processo de divórcio, mas
ele assediava muito a criança, eu ficava a semana
toda mas todos os finais de semana ele passava com
o pai, nas férias o pai pegava na porta da escola e
só devolvia no dia que iam começar as aulas […].
No dia das mães eu telefonava para ele e o pai dizia
que eu era uma “merda de mãe” perto do meu filho
e quando a criança voltava das férias nem olhava
para minha cara, ele ficava travado e agressivo, só
fui conseguir dar um beijo nele quando ele tinha
18 anos, tamanha o descrédito que ele dava a mim
(GIOVANA).

É interessante observar que a maioria dos depoentes são


homens e, no documentário, por exemplo, há apenas uma mulher
que relata ter sofrido alienação parental. Apesar disso, no depoi-
mento exposto acima, é possível perceber que não são apenas
os homens que sofrem dessa articulação, apesar de ser comum
deparar-se com casos de mulheres responsáveis pela alienação,
tendo em vista que o percentual de mais de 90% das guardas são
concedidas às genitoras.

Algo também mencionado por Silva (2009) é o descrédito


de seu filho para com ela e sobre isso o autor Rosa (2008) declara
que a criança que sofre da alienação parental, geralmente, irá negar
contato com o outro genitor, sem ao menos ter um motivo evidente
para isso, podendo ocorrer por muitos anos, causando à criança
diversas consequências de ordem comportamental e psíquica.

319
Capítulo 15

“Tranças” também é um documentário que contém depoi-


mentos a respeito da alienação parental. Lançado nos cinemas de
Salvador (BA), com direção de Lívia Sampaio, roteiro de Angelo
Tortelly, Douglas Tourinho e Lívia Sampaio e montagem de Julia
Gutmann, o documentário reuniu diversas entrevistas com pais,
psicólogos, juízes de família e amigos próximos aos alienados.

Lívia produziu o documentário a fim de demonstrar a difi-


culdade de pessoas que, assim como ela, tiveram de enfrentar a
alienação parental. Seu filho se casou com uma argentina e juntos
geraram sua neta, algum tempo depois veio a notícia da separação,
ela percebeu que tudo ficaria mais difícil, porém, economizou a
fim de ver sua neta durante férias e feriados e assim se iniciava o
processo de alienação relatado por Lívia.

O que estava complicado? O que eu tinha feito


para passar da condição de avó presente para uma
estranha? Não tive resposta (GABRIELA).

A alienação parental torna-se um sério obstáculo ao vínculo


do outro genitor - ou seu familiar, como no caso de Lívia - preci-
samente, porque condiciona a criança/adolescente a desenvolver
sentimentos e comportamentos contra o outro genitor, diferente
de antes, tudo sob a influência daqueles com interesse direto na
destruição do vínculo parental (SILVA, 2016).

A separação aconteceu eu estava vendo o meu filho


e depois de um ano e seis meses eu parei de ver
meu filho, simplesmente a mãe não quis mais que
eu visse. Sempre fui atrás dele, como não podia
vê-lo eu ia para a escola, depois de um tempo eu
ia para escola e ele não tinha ido, eu ia no final da
aula e ele tinha ido embora mais cedo, dificultaram
o acesso com troca de endereço, troca de escola,
denúncias falsas, aos poucos tudo isso foi aconte-
cendo (ANTONIO).

320
Alienação Parental e suas Consequências Psicológicas
para a Criança Envolvida

No jogo de manipulação operado pelos alienadores, todas as


armas são aproveitadas, inclusive as falsas denúncias. A narrativa
de um episódio é o que basta para implementar falsas memórias na
criança, que acaba por acreditar no que lhe fora, reiteradamente,
afirmado. Quanto maior for a lentidão para identificar a alienação,
maior será a vantagem do alienador. Com o passar do tempo, nem
mesmo o alienador consegue discernir o que é verdade e o que é
mentira e sua verdade se torna real para o seu filho, que vive com
personagens falsos e inexistentes (DIAS, 2012).

Seis anos sem conviver com sua filha depois de


atrasar o processo por três anos a juíza saiu do
caso, declarando-se impedida por questões de foro
íntimo (LÚCIO).

Há um hiato na convivência entre pai e filha que é irrepa-


rável. De acordo com Próchno (2011), ainda que haja esforços do
trabalho multidisciplinar que requer a alienação parental no poder
judiciário, há fatores que coexistem em oposição. Além do repu-
tado problema judiciário moroso, ocorrem também as artimanhas
dos alienadores que promovem impedimentos, desrespeitando,
constantemente, as ordens judiciais à corrigenda dessa aplicação.

Ao final do documentário, é acrescentada a história de Oscar


que lutou durante oito anos para ver seu filho e faleceu no dia
30/01/2014. Apesar de ter conseguido por duas vezes, através da
justiça, assegurar seu direito de visitas e, pouco antes de morrer,
conseguir a guarda compartilhada do menino, ele nunca conseguiu
encontrar seu filho. Atualmente com 18 anos, o rapaz não tem
contato com a família paterna nem com seus irmãos por parte de
pai. As partes estão abrindo caminho para que quatro irmãos se
encontrem em um futuro próximo.

321
Capítulo 15

Os filhos na condição de vítimas preferenciais no processo


de alienação parental também sofrem a ausência do genitor alie-
nado e apresentam uma série de efeitos psíquicos negativos.

Filhas de Fernando:

Só se falava mal dele a ponto de não falar nem o


nome do nosso pai, a gente não sabia o nome do
nosso pai. O que contava pra gente é que ele era
um bandido, que tinha traído a nossa mãe, batido
nela, e tentado matá-la, falavam que ele não tinha
nenhum interesse em nos ver. Quando ele marcou
de nos encontrar, nossa mãe marcou um lugar dife-
rente para esperarmos ele e falou outro lugar para
ele [...] depois disso dizia que ele não queria saber
de nós, que ele já estava com outra, em outro casa-
mento [...] (MARCELA E MARINA).

Com o passar do tempo as filhas de Fernando – Marcela


e Marina – aceitaram tudo o que lhe fora dito como verdade, já
que elas não conseguiam ter contato claro com o que era real/
verdadeiro e a única relação que poderia fornecer esclarecimentos
promovia manobras para afastá-las do outro genitor. Este conjunto
de manobras destinadas a destruir um dos genitores é chamado de
alienação parental, o filho se identifica com o genitor patológico –
que no exposto acima é a mãe - e se torna órfão de um pai alienado
que passa a ser um invasor, um intruso que deve ser distanciado a
qualquer custo (DIAS, 2012)

A respeito do assunto, Silva (2009) declara que o alienador


modifica a percepção da criança e, dessa forma, ela até sente que o
alienado gosta dela, porém seu alienador só o critica, levando-a a
pensar que seu genitor guardião está correto. O autor ainda acres-
centa que isso desperta na criança angústias, ansiedade e depressão,

322
Alienação Parental e suas Consequências Psicológicas
para a Criança Envolvida

fazendo com que ela cresça em uma bolha de inverdades, cansan-


do-lhe um desvio de conduta e caráter.

Filha de Roberto:

Faziam 11 anos que eu não a via, E quando cheguei


no aeroporto era normal, era meu pai. É estranho
porque apesar de tanto buraco, tanta coisa era meu
pai e eu estava ali com meu pai […]. Eu tive uma
mãe muito maravilhosa, desde bebezinha até sei lá,
minha adolescência toda, minha mãe era tudo pra
mim, mas lembro também que essa mãe maravi-
lhosa falava muito mal do meu pai, então eu cresci
com esse ódio do meu pai e quando comecei a ter
consciência, olhando para traz, agora percebo que
ela atrapalhou muito dessa relação com o meu pai,
se ela tivesse percebido que meu pai não deu certo
como homem e que isso não interferiria nele como
pai, poderia ter sido tão mais saudável, sabe? A
vida toda, não precisaria nem ter esse buraco que
eu tenho de não ter essa presença [...] (BEATRIZ).

Beatriz, até o dia em que apresentou seu depoimento, havia


rompido seus vínculos com a mãe, pois percebeu que esta havia
lhe machucado muito, porém declarou também que sente falta de
tê-la por perto. Diante disso, é possível que, futuramente, a criança
se revolte – como no caso exposto – com o alienador, conforme
compreende os danos que lhe fora causado (SILVA, 2009).

METODOLOGIA

O presente estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa


documental. Inicialmente, foram selecionados os documentários a
serem utilizados. Após a pesquisa dos documentários, estes foram

323
Capítulo 15

assistidos e, a partir disso, foram selecionados os aspectos centrais


dos documentários, bem como foi feita a transcrição dos relatos.
A pesquisa também baseou-se em artigos periódicos do Google
Acadêmico e BSV/Scielo de acordo com a temática. Com base
nos artigos, foi realizada uma breve análise dos relatos feitos nos
documentários.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nas situações analisadas, nos documentários citados, é


nítido que os sentimentos relacionados ao fim da relação conjugal
recaem, na maioria das vezes, sobre os filhos e, nesse contexto,
analisa-se o desenvolvimento comum de algumas características
nas crianças envolvidas. Geralmente, após o divórcio, essas crian-
ças começam a desenvolver sentimentos como medo de perder o
amor de um dos pais, tristeza por não os ter diariamente e acaba
criando até uma certa confusão em relação aos fatos. Na verdade,
conforme citado por Gardner (2002), tratam-se de consequências da
alienação parental na saúde psicológica e o comportamento futuro
dessas crianças, por isso, ressalta-se a importância do trabalho de
psicólogos e demais profissionais para que os efeitos do divórcio
sejam amenizados.

Tendo em vista que o alienador tende a tornar a relação da


criança e do genitor alienado mais difícil e distante, em algumas
situações, a criança, como forma de autodefesa, passa a agir de
maneira agressiva contra o genitor alienado, o que contribui para
o real afastamento dele. Por outro lado, na maioria das vezes, o

324
Alienação Parental e suas Consequências Psicológicas
para a Criança Envolvida

alienador não age dessa maneira propositalmente, mas motivado,


exclusivamente, por seus sentimentos de perda e tristeza e não
percebe o que está causando à criança.

Outra característica decorrente da alienação parental rela-


tada no documentário é a falta de confiança em si mesmo e nos
outros. A criança desenvolve um sentimento de medo de confiar no
alienado e também no alienador devido às atitudes ou argumentos
contraditórios utilizados para descrever os ex-companheiros. A
criança se sente forçada a esconder seu sofrimento decorrente da
separação do pai ou da mãe. Nesse contexto, a criança traz isso para
si e começa a temer confiar nas pessoas e nos próprios sentimentos
por não conseguir distinguir o que é correto.

Em meio a essas condições, a intervenção de um psicólogo


é fundamental para que, através da utilização de seus conhecimen-
tos técnicos e teóricos sobre as relações pessoais, possa propiciar
um ambiente em que na família que sofreu um processo de divórcio
haja respeito mútuo e desenvolvimento de vínculos saudáveis,
pois isso poderá auxiliar no bom desenvolvimento infanto-juvenil.

É necessário que haja acompanhamento psicológico de


todas as partes envolvidas no processo de alienação parental. O
psicólogo precisa explicitar aos pais as consequências concretas
que afetam a saúde e o comportamento de seus filhos. Afinal, se os
pais tivessem ideia do quanto seus comportamentos são destrutivos
para a psique da criança, grande parte deles buscaria auxílio para
melhorar e, provavelmente, a psique infantil estaria mais protegida
e preservada.

Este trabalho não pretendeu explorar, profundamente, os


aspectos emocionais dos envolvidos, mas compreender a dinâmica

325
Capítulo 15

da alienação parental e o fator que desencadeia tal distúrbio, além


de explanar sobre as consequências mais comuns para a criança
envolvida e sobre o papel desempenhado pelo profissional da psi-
cologia nesse contexto.

Embora a revisão bibliográfica tenha ampliado a visão


sobre os efeitos da Alienação Parental em crianças e destacado
o comportamento dos alienados e dos alienadores, durante a pes-
quisa, tornou-se evidente a escassez de estudos da Psicologia rela-
cionada à SAP. Ressalta-se a necessidade de que haja mais estudos
específicos para que profissionais da psicologia tenham condições
de propor intervenções que consigam, além de identificar os efei-
tos da SAP, intervir no processo de desenvolvimento psíquica das
crianças, minimizando os efeitos da alienação parental e auxiliando
um melhor desenvolvimento das relações familiares.

REFERÊNCIAS

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326
Alienação Parental e suas Consequências Psicológicas
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des despertadas no âmbito familiar. 2015. Disponível em: http://pepsic.
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3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

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em: https://www.fdsm.edu.br/graduacao/arquivos/nucleo-de-pesquisa/
iniciacao-cientifica/anais-2014/artigos/05.pdf. Acesso em: 27 abr. 2020.

327
CAPÍTULO 16
AUDIT ANALYTICS: A ANÁLISE
ESTRATÉGICA DE DADOS
ELETRÔNICOS NO PROCESSO DE
AUDITORIA INTERNA

Fernanda Alves Cezane


Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

Este estudo trata da análise estratégica de dados eletrônicos


no processo de auditoria interna, denominado por alguns autores
como audit analytics. Apesar de ser comumente correlacionada à
área financeira, somente o processo de auditoria estende-se para as
demais operações da empresa. Em maior abrangência, é utilizado
para determinar sistematicamente a fidedignidade das informações
contábeis, tais quais das demais operações correlacionadas, de
forma a verificar e certificar a aderência às normas, legislações,
políticas e práticas da organização (IMONIANA, 2019).

Em um cenário empresarial cada vez mais globalizado


e dinâmico, as técnicas de auditoria devem acompanhar essas
mudanças e agregar valor cada vez mais. Uma das tendências na
área é a utilização de data analytics em todos os processos de
auditoria interna. Apesar da atual valorização da auditoria interna,
muitas organizações não conseguem obter os resultados esperados
por enfrentarem barreiras de orçamento, tanto para aquisição de

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 329


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 16

novas tecnologias quanto para manutenção, o que pode gerar baixa


qualidade na origem dos dados. Partindo dessas considerações, o
problema de pesquisa envolve a possibilidade de otimizar os pro-
cessos de auditoria interna e tomadas de decisões utilizando-se da
tecnologia data analytics de modo assertivo. Para decisões mais
assertivas, é necessário utilizar fontes atualizadas e números reais,
analisando-os de forma qualitativa para elaboração de pareceres e
relatórios, de forma a detalhar todos os elementos envolvidos no
processo e minimizar os riscos iminentes de tal ato (PICOLI, 2017).

Nesse sentido, o trabalho tem como objetivo geral demons-


trar de que forma a incorporação da tecnologia data analytics pode
otimizar os processos de auditoria interna bem como auxiliar no
processo de tomada de decisão estratégica, além de abordar os
desafios de implementação desse sistema. Para atender a essa
proposta, pretende-se dissertar sobre a origem, evolução e desen-
volvimento da auditoria, abordar o conceito do data analytics e o
modo como pode otimizar os processos organizacionais; definir os
aspectos estratégicos e as etapas para um processo de tomada de
decisão com base em dados extraídos eletronicamente. Ainda, pro-
põe-se a realização de um estudo de caso em uma empresa que faz
uso das técnicas de auditoria analítica em seus processos internos.

Para seu desenvolvimento, serão utilizados o levantamento


bibliográfico sobre o tema e um estudo de caso em uma empresa
que faz uso da tecnologia data analytics em seu processo de con-
trole interno. Dessa forma, espera-se, a partir desta pesquisa, veri-
ficar também quais são as contribuições para o profissional de
auditoria e benefícios para a organização advindos dessa prática.

330
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

METODOLOGIA

Este estudo foi realizado a partir de uma pesquisa biblio-


gráfica e estudo de caso, sendo a pesquisa bibliográfica definida
por Gil (2002, p. 44) como:

[...] desenvolvida com base em material já elabo-


rado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos. Embora em quase todos os estudos seja
exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há
pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir
de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos
exploratórios pode ser definida como pesquisas
bibliográficas.

O estudo de caso, por sua vez, é abordado por Lakatos e


Marconi (2017) como uma metodologia qualitativa, que salienta
o estudo perspicaz de questões relacionadas a alguma situação
específica ou a algum grupo em particular, não podendo ser
universalizado.

A partir dessas fundamentações, as informações da pesquisa


bibliográfica tiveram como fonte livros, artigos científicos, perió-
dicos, e-books, revistas e outros documentos pertinentes ao tema.

Em relação ao estudo de caso, foi aplicado um questionário


a uma equipe de auditores internos de uma empresa, cujo nome não
foi divulgado, composta por cinco profissionais, em que somente
quatro deles responderam à pesquisa. O contato com os auditores
ocorreu por intermédio da rede social LinkedIn, em que o critério de
seleção foi a atuação de auditores internos em uma mesma empresa.
O questionário foi elaborado na plataforma Google Forms, com

331
Capítulo 16

o intuito de identificar ferramentas, experiências e melhorias no


processo de auditoria interna.

As questões foram formuladas com foco no exercício prá-


tico da função de auditor interno, buscando identificar o nível de
formação dos respondentes, bem como seu tempo de experiência
na área, conforme apresentado no apêndice A. Ainda, as questões
pretendiam identificar as ferramentas mais utilizadas no decorrer
de sua carreira e os benefícios e desafios que eles visualizavam
na utilização da tecnologia data analytics nos processos de audi-
toria interna, além de um espaço em que pudessem relatar alguma
experiência ou comentário sobre sua área.

O questionário que, de acordo com Matias-Pereira (2019),


pode ser definido como um instrumento de coleta de dados com-
posto por uma sequência sistemática e objetiva de questões que
devem ser respondidas por escrito, contém quatro questões fecha-
das, três questões abertas e três questões mistas, em que o entre-
vistado pode optar por escolher dentre as opções já elencadas ou
mencionar outra opção que julgar cabível, totalizando, assim, dez
questões.

Posteriormente, o link do questionário foi enviado aos audi-


tores internos de uma determinada empresa via LinkedIn, sendo
respondidos sem que lhes fosse solicitado nenhum dado, preser-
vando a identidade dos profissionais bem como da empresa em
que atuam.

332
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

O CONCEITO DE AUDITORIA E OS CONTRAPONTOS


DA AUDITORIA INTERNA E EXTERNA

Conforme citado por Costa e Dutra (2014), a origem do


termo auditoria, em latim, deriva-se de audire, que significa “ouvir”.
Assim sendo, como em todas as ciências, a auditoria consiste em
um processo complexo de encontrar respostas acerca de informa-
ções registradas e análises realizadas (IMONIANA, 2019).

Como ponto de partida numa visão global, pode-se


dizer que a auditoria significa: examinar, investi-
gar, periciar, comparecer como ouvinte, dar suporte
em casos judiciais, ajustar ou balancear as contas.
Outro significado é o de apontar as discrepâncias
entre ativos e passivos ao apresentar balanços
(IMONIANA, 2019, p. 03)

Para Hoog (2007), a auditoria consiste em um método sis-


temático e científico de análise do patrimônio de uma empresa e
das pessoas que o administram, de modo a endossar a credibilidade
das informações e reduzir os riscos ao mínimo possível.

Apesar de ser comumente correlacionada à área financeira,


somente o processo de auditoria estende-se para as demais opera-
ções da empresa. Em maior abrangência, é utilizado para determi-
nar sistematicamente a fidedignidade das informações contábeis, tal
como das demais operações correlacionadas, de forma a verificar
e certificar a aderência às normas, legislações, políticas e práticas
da organização (IMONIANA, 2019).

Assim como reforçam Gramling, Rittenberg e Johnstone


(2012), a auditoria é um processo que pode ser utilizado em diver-

333
Capítulo 16

sas situações empresariais, não somente na examinação de demons-


trativos financeiros. Em uma definição mais ampla, é um método de
reunir indícios que comprovem afirmações dos gestores, além de
um confronto posterior dessas informações adquiridas com alguns
princípios, para que seja emitida uma conclusão às partes interes-
sadas, tanto externas quanto internas à organização.

Há dois tipos de auditoria: interna e externa. Com o cresci-


mento das empresas e, por vezes, expansões até em âmbito inter-
nacional, o administrador viu-se impossibilitado de supervisio-
nar, diretamente, todas as atividades concernentes à sua atuação.
Apesar da existência do auditor externo, notou-se a necessidade
de uma avaliação com maior periodicidade e profundidade, visto
que esse era contratado somente por um período e com análises
voltadas ao departamento contábil. Para suprir essas lacunas na
gestão empresarial, surge, então, o auditor interno. Caracterizado
por sua independência, tem como função auditar contábil e ope-
racionalmente, verificando a congruência com as normas e, ape-
sar de ser um colaborador contratado da empresa, não deve estar
subordinado àqueles que audita, nem realizar tarefas que possam
ser, potencialmente, examinadas por eles (ALMEIDA, 2019).

Em um cenário atual, no qual se busca combater a cor-


rupção e em que as práticas de governança corporativa crescem
cada vez mais nas organizações, a auditoria interna pode assumir
uma função estratégica e importante nesse movimento, visto que
colabora com a agregação de valor e mitigação de riscos. As fun-
ções da área de auditoria interna podem ser adaptadas à realidade
de cada empresa que a adote, entretanto, em todas, há em comum
a conformidade com as normas e leis e a transparência em seus
resultados (DELLOITE, 2015).

334
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

Para que o auditor interno tenha sucesso em seu trabalho,


é importante seguir algumas etapas, que se iniciam com um plane-
jamento e verificação da demanda, visando a uma situação futura
com base nas ações do presente. Após esse estágio, deve-se colo-
car em prática a auditoria, analisando, inspecionando, revisando
e examinando todas as informações disponíveis e sua veracidade.
Além disso, o controle deve estar presente, concomitantemente e
continuamente, nas etapas de auditoria. Por fim, podem-se obter
relatórios conclusivos que contribuem para a tomada de decisões
(SILVA; VIEIRA, 2015).

A TECNOLOGIA DATA ANALYTICS NO PROCESSO DE


AUDITORIA INTERNA

De acordo com uma pesquisa da DOMO (2018), os dados


criados, diariamente, são inúmeros e complexos de mensurar,
chegando a, aproximadamente, 2,5 quintilhões de bytes por dia,
com uma previsão de crescimento exponencial. A possibilidade
de obter esses dados, bem como interpretá-los, é de grande valia
para os gestores das organizações, visto que devem estar em cons-
tante atualização e antenados às tendências do mercado. Conforme
abordado em uma pesquisa do Business-Higher Education Forum
- BHEF (2017), possuir know-how em análise e interpretação de
dados, transformando-os em informações relevantes, possibilitará
maior sucesso na atuação dos gestores, contadores e auditores.

A tecnologia data analytics, ainda vista como uma ten-


dência, dedica-se ao desenvolvimento de métodos de extração,
processamento, organização e controle de um grande volume de

335
Capítulo 16

dados que supera a capacidade de sistemas tradicionais de tecno-


logia da informação, que pode, posteriormente, ser exportado em
sua totalidade em forma de relatório para análise, otimizando o
fluxo de informações (SOARES, 2019).

Uma das funções dos auditores internos consiste na detec-


ção e prevenção de fraudes. Esse procedimento é de extrema
importância, visto que além de um problema econômico, pode ser
considerado também um problema social. Concomitantemente aos
avanços nas tecnologias para descobertas, há o desenvolvimento
de novas técnicas para cometer fraudes, o que dificulta o processo.
Com o atual crescimento do compliance dentro das empresas, faz-
-se necessária a atuação conjunta das técnicas já existentes com as
ferramentas de análise de dados internos e externos (AZEVEDO,
2018).

O principal objetivo do Big Data Analytics é con-


tribuir para que as empresas tomem melhores deci-
sões de negócio. Ao transpor esse conceito para o
contexto do controle, pode-se dizer que a aplicação
dos mesmos métodos estatísticos e técnicas ana-
líticas às atividades de auditoria – o que alguns
autores denominam Audit Analytics – tem como
objetivo contribuir para que os auditores tomem
melhores decisões sobre as entidades auditadas.
Em termos mais específicos, torna-se possível
compreender e quantificar riscos, testar controles
e avaliar processos de negócio de forma rápida e
eficiente (COSTA; DUTRA, 2014).

Algumas das inúmeras vantagens da utilização de audit


analytics no campo de auditoria interna, abordadas por autores
como Marques (2018), decorrem dos benefícios advindos da Indús-
tria 4.0, em que indivíduos e maquinários integram-se em proveito
da agilidade e produtividade. Dentre essas vantagens, pode-se des-

336
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

tacar a transformação de dados “perdidos” em informações vanta-


josas; aumentar a efetividade nas tomadas de decisões; correlacio-
nar acontecimentos; constatar padrões de comportamentos; notar
insights mercadológicos que não poderiam ser notados por técnicas
comuns; e dispor de indicadores que embasem as consultorias e
pareceres sobre situações devido à grande variedade de dados.

O big data analytics é uma tecnologia com o intuito princi-


pal de auxiliar as empresas na assertividade da tomada de decisão,
aplicando metodologias estatísticas e analíticas no processo de
auditoria das organizações. Com essa utilização, subtrai-se a neces-
sidade de amostragem, pois é possível aplicar as técnicas a todos os
dados que serão auditados. Ainda, com o acompanhamento desses
dados, é alcançado um tempo mais curto entre a aplicação dos tes-
tes, o que acaba constituindo-se como uma auditoria contínua, que
consiste na produção de conclusões simultâneas ou com intervalos
reduzidos após a ocorrência do fato, além de permitir um moni-
toramento contínuo desses. O audit analytics, assim denominado
por alguns autores, envolve três âmbitos de análise: as transações,
os resultados e os controles, ou seja, a auditoria analítica acontece
quando se auditam tanto os atos quanto os riscos, desempenhos
e os métodos de controle empregados pelo gestor, diferente dos
métodos tradicionais em que, anualmente, eram realizadas audi-
torias, baseando-se somente nos riscos e com limitação de dados
(COSTA; DUTRA, 2014).

Conforme a abordagem de Delloite (2016, p. 03), o êxito


na utilização da auditoria interna com base em analytics “está
ligado aos riscos empresariais e aos resultados demonstrados que
podem transformar a organização, particularmente quando eles se
traduzem em benefícios financeiros. ”

337
Capítulo 16

De acordo com Reis (2016), há algumas barreiras que


impedem a adoção do analytics nos processos de auditoria por
mais empresas. Os principais obstáculos envolvem a questão do
baixo investimento em tecnologia da informação. Diante disso,
podem surgir problemas como a ineficiente obtenção de dados,
visto que os profissionais de auditoria não têm essa habilidade
como principal para executar sua função. Sobre essa questão, é
comum que empresas insiram nos requisitos do cargo de auditor
analista conhecimentos de ferramentas de data analytics.

O processo de analisar dados pode ser auxiliado com a apli-


cação de sistemas informatizados para um grande volume de dados,
que serão apurados, examinados, analisados e, posteriormente,
expostos. Logo, faz-se uso de algumas ferramentas para que esse
processo aconteça, continuamente, e permita rapidez na identifica-
ção de irregularidades e fraudes. As técnicas de auditoria auxiliadas
por computador, também chamado pela sigla CAAT (Computer-
-Assisted Audit Tools), surgiu para colaborar com a automatização
do trabalho dos auditores, possibilitando a análise de informações
de diversas fontes, garantindo a probidade dos dados e o registro
dos procedimentos desenvolvidos. Os softwares são de fácil uti-
lização, desobrigando conhecimentos específicos de linguagens
de pesquisa, como exemplo a SQL (Structured Query Language).
São inúmeros os sistemas de CAAT disponíveis, os principais são:
ACL (Audit Command Language), Caseware IDEA, SAP e Pen-
tana, para análises mais simples (BERNARDINO; PEDROSA;
LAUREANO, 2018).

Além das exigências de conhecimentos em ferramentas de


CAAT, podem surgir alguns desafios para a auditoria interna na
utilização do data analytics. O conceito de big data aborda 3 Vs:

338
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

velocidade, variedade e volume, em que velocidade indica a rapidez


na geração dos dados, variedade envolve a diversidade dos tipos de
dados e volume refere-se ao tamanho do conjunto de dados. Devido
ao grande volume de dados ao alcance do profissional, cabe a ele
filtrar quais informações serão úteis e, principalmente, fidedignas,
de forma a mitigar os riscos de utilização desses dados. Ainda,
diante da vastidão de ferramentas disponíveis, é preciso escolher
quais serão viáveis para o porte da empresa no processamento dos
dados, para que as informações que serão extraídas agreguem valor
às operações, sendo oriundas de fontes confiáveis e que possam
ser armazenadas de forma segura (NEVES, 2019).

Derivada do latim, a palavra decisão tem como significado


“deixar fluir”. Para que uma decisão precise ser tomada, há uma
situação-problema que possua mais de uma opção de solução. Para
conduzir corretamente esse processo de tomada de decisão, é pre-
ciso analisar as diversas informações organizacionais e ambientais
para ter embasamento (GOMES; GOMES, 2014).

De acordo com Secaf (2018), um processo de tomada de


decisão segue algumas etapas, a saber: constatar o problema, rea-
lizar um diagnóstico do cenário, elencar as possibilidades, efetivar
a decisão e avaliar os resultados.

Sabendo disso e diante de um cenário globalizado, é impor-


tante ressaltar que a tecnologia se constitui em uma grande ajuda
para coletar e transformar dados de forma analítica, além de pos-
sibilitar o desenvolvimento de vantagens competitivas nas organi-
zações, superando as expectativas dos clientes. Para decisões mais
assertivas, é necessário utilizar fontes atualizadas e números reais,
analisando-os de forma qualitativa para elaboração de pareceres e

339
Capítulo 16

relatórios, de forma a detalhar todos os elementos envolvidos no


processo e minimizar os riscos iminentes de tal ato (PICOLI, 2017).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Tendo em vista que o objetivo deste estudo é demonstrar,


com base em uma pesquisa bibliográfica e um estudo de caso com
auditores internos de uma determinada empresa, de que forma a
incorporação da tecnologia data analytics pode otimizar os proces-
sos de auditoria interna, bem como os desafios de implementação e
os benefícios no processo de tomada de decisão estratégica, neste
tópico são apresentados os resultados da pesquisa.

Para tal, foi aplicado um questionário a uma equipe de


auditores internos de uma empresa, da qual o nome não foi divul-
gado, composta por cinco profissionais, para que pudessem rela-
tar suas experiências profissionais utilizando a ferramenta data
analytics. Cabe mencionar que apenas quatro deles responderam
ao questionário.

Seguem, na sequência, os gráficos gerados pela ferramenta


Google Forms, plataforma na qual foi aplicado o questionário,
referente às perguntas elaboradas.

O gráfico 1, logo abaixo, refere-se à pergunta relacionada


à formação acadêmica dos auditores, dando opções entre ensino
médio incompleto/completo, ensino técnico, ensino superior com-
pleto/incompleto, especialista, mestre, doutor e pós-doutor.

340
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

Gráfico 1 - Formação acadêmica dos profissionais em auditoria

Fonte: Elaborado pelo autor.

Como é possível notar no gráfico acima, dois auditores


são especialistas na área, enquanto os outros dois possuem ensino
superior completo. A pergunta seguinte buscou identificar quanto
tempo os profissionais entrevistados possuem de experiência pro-
fissional na área de auditoria interna. As respostas variaram entre
12 anos, 7 anos, 2 anos e 9 anos.

A partir da terceira pergunta, o objetivo consistiu em des-


cobrir a opinião do profissional de auditoria interna, de acordo
com a sua experiência. Dessa forma, foi dito que analytics pode
ser definida como a possibilidade de utilizar dados e análises para
atingir um processo de tomada de decisão efetiva, questionando
se o auditor já se utilizou de ferramentas para analytics em sua
carreira. As respostas seguem no gráfico 2, a saber.

341
Capítulo 16

Gráfico 2 – A utilização de ferramentas para analytics pelos auditores


internos entrevistados

Fonte: Elaborado pelo autor.

Como observado, todos os auditores internos entrevista-


dos responderam, unanimemente, que já fizeram uso de alguma
ferramenta para analytics em sua atuação. Em sequência, foram
questionadas quais ferramentas poderiam apontar como as mais
utilizadas no processo de auditoria interna. O tradicional Excel foi
o que recebeu 4 votos, juntamente com os softwares SAP e Audit
Command Language (ACL). O Access foi mencionado apenas duas
vezes, seguido por uma única menção ao Interactive Data Extrac-
tion & Analisys (IDEA). A última opção de escolha oferecida, o
software Pentana, não foi votada por nenhum dos auditores.

As questões 5, 6 e 7 objetivaram identificar os benefícios da


utilização da tecnologia data analytics nos processos de auditoria
interna. Diante disso, foi solicitado que os auditores apontassem
quais aspectos consideravam como benefícios dentre os já elenca-
dos ou, ainda, citassem outros que julgassem importantes. Assim,
a rapidez no processo de auditoria foi mencionada quatro vezes,
assim como a geração de insights e o aprimoramento da análise
de dados. A melhoria na gerência dos riscos foi escolhida por dois

342
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

profissionais. Um deles acrescentou, também, o direcionamento


dos testes para um cenário específico, citando como exemplo um
conjunto de transações que saíram do padrão. A próxima questão
indagava aos auditores se, de acordo com suas experiências, acredi-
tavam que o big data poderia auxiliar a auditoria interna. Três deles
responderam que sim, enquanto um respondeu negativamente. O
profissional que respondeu “não” a essa questão possui apenas dois
anos de experiência na área, sendo o mais novo dos profissionais
entrevistados, o que é passível de interpretar que, provavelmente,
ainda não tenha vivenciado nenhum acontecimento notável que o
faça acreditar no auxílio dessa tecnologia às suas funções. Os out-
ros profissionais que responderam positivamente justificaram suas
respostas dizendo que: auxilia no entendimento do comportamento
de determinadas áreas e de como a auditoria pode otimizar seu
trabalho, focando em comportamentos que se desviem do padrão
esperado; auxilia na assertividade e previsibilidade dos fatos; aux-
ilia na obtenção de dados de mercado como benchmark e também
no cruzamento de informações, dando como exemplo o parentesco
de funcionários com fornecedores/clientes.

A questão 8 abordava quais desafios podem ser indicados


como os principais na utilização da tecnologia data analytics nos
processos de auditoria interna. As respostas estão demonstradas
no gráfico 3 abaixo.

343
Capítulo 16

Gráfico 3 – Desafios na utilização da tecnologia data analytics nos processos


de auditoria interna.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Conforme demonstra o gráfico acima exposto, o principal


desafio elencado são os conhecimentos em tecnologia da informa-
ção para aplicar, efetivamente, a tecnologia data analytics, cor-
roborando com a bibliografia descrita no item “3.3 Desafios da
adoção de um sistema baseado na tecnologia data analytics” deste
estudo, que aborda o baixo investimento em tecnologia da infor-
mação como uma das principais barreiras que impedem a adoção
do analytics nos processos de auditoria por mais empresas. Um
ponto importante a ser observado são os custos que, inicialmente,
era presumido pelo autor desse artigo como um dos principais
desafios, devido tanto à aquisição de novas tecnologias quanto
à manutenção. Entretanto, foi atribuído pelos auditores como o
menor dos desafios.

A nona questão perguntava aos auditores qual o grau de


confiança depositado no processamento das informações por
intermédio de sistemas digitais, em uma escala de baixo-médio-
-alto. Apenas um dos profissionais entrevistados optou pelo grau
“médio”, enquanto os demais selecionaram o grau “alto”. O respon-
dente que definiu o grau de confiança como médio, curiosamente,

344
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

é o profissional com mais tempo de experiência na área que os


demais, possuindo doze anos de atuação como auditor interno.
Sua resposta pode estar relacionada com algum infortúnio ocorrido
durante sua atuação.

Por fim, foi solicitado aos auditores que dissertassem sobre


alguma experiência que considerassem importante, alguma curio-
sidade que pudesse contribuir para esse estudo ou alguma suges-
tão acerca do tema. Entretanto, por não ser um questionamento
definido como obrigatório, somente dois responderam. Um dos
auditores disse que “data analytics ainda é um tema novo, por
mais que se fale nele há alguns anos. Porém, sua execução ainda
precisa ser aprimorada. Por exemplo, se utilizam as equipes de data
analytics apenas para a extração de dados, sendo que essas equipes
poderiam estar gerando análises que fariam com que auditores de
processo atuem de forma mais assertiva.

Entendo como o tema do futuro, mas que ainda é muito


subaproveitado nas companhias”. O outro profissional que se dis-
pôs a relatar sua experiência informou que “a principal contribuição
de data analytics para a auditoria é possibilitar a metodologia de
auditoria contínua (assurance, direcionando os testes de auditoria)
e monitoramento contínuo (advisory, acompanhamento dos pro-
cessos por meio de KRIs), às vezes, considerada como a auditoria
do futuro”. Diante desses relatos, é notável que, apesar de ser uma
tendência na área de auditoria, alcança a otimização na análise dos
dados e gera subsídios para a tomada de decisão estratégica devido
ao volume e abrangência das informações obtidas.

345
Capítulo 16

CONCLUSÃO

Este estudo teve como proposta demonstrar, com base em


uma pesquisa bibliográfica e em um estudo de caso com auditores
internos de uma determinada empresa, de que forma a incorpo-
ração da tecnologia data analytics pode otimizar os processos de
auditoria interna, bem como os desafios e benefícios dessa imple-
mentação. Para tal, foi aplicado um questionário a uma equipe de
auditores internos de uma empresa, da qual o nome não foi divul-
gado, para que pudessem relatar suas experiências profissionais.

Os resultados demonstram que, a partir dos gráficos e rela-


tos, apesar de ser uma tendência na área de auditoria, proporciona
inúmeras vantagens, como rapidez, geração de insights e o apri-
moramento na análise de dados devido ao volume e abrangência
de informações que podem ser auditadas, o que não seria possível
com a utilização de técnicas tradicionais, reduzindo a margem de
erro nas análises.

Respondendo ao problema de pesquisa proposto, referente


à otimização dos processos de auditoria interna e tomadas de deci-
sões utilizando-se da tecnologia data analytics de modo assertivo,
torna-se notório que é possível alcançar esses resultados. Diante
dos relatos e opiniões dos profissionais, nota-se que é uma ten-
dência na área e fazer uso de ferramentas de analytics, até mesmo
as mais tradicionais como o Excel, pode ser fundamental para a
tomada de decisões efetivas, visto que proporciona a previsibili-
dade mercadológica e cruzamento de informações já obtidas.

346
Audit Analytics: A Análise Estratégica de Dados Eletrônicos
no Processo de Auditoria Interna

Para pesquisas futuras, sugere-se que a pesquisa seja apro-


fundada com enfoque em aspectos jurídicos na captação e análise
dos dados, bem como ferramentas voltadas para a gestão dos dados,
principalmente, no quesito segurança, contribuindo para a propa-
gação de um tema ainda pouco abordado e conhecido.

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349
CAPÍTULO 17
ANÁLISE DA VARIAÇÃO DOS PREÇOS
DA CESTA BÁSICA NA ESTÂNCIA
TURÍSTICA DE SANTA FÉ DO SUL/SP
ENTRE MARÇO E AGOSTO DE 2019

Elias Oliveira Sanches


Fagner Agostini Barbosa
Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

No atual cenário econômico brasileiro, a política de preços


representa uma questão importante para a sociedade, fundamen-
talmente, para o trabalhador, já que as elevações dos preços dos
produtos básicos, essenciais para a sobrevivência do trabalhador,
impactam diretamente na capacidade de consumo. Nessa perspec-
tiva, a humanidade, para sua sobrevivência, sempre buscou sanar
suas necessidades e uma delas é a alimentação e preocupação com
seu bem-estar. Em virtude disso, o DIEESE (2016) ressalta que
a cesta básica será suficiente para a sobrevivência do trabalhador
adulto e de sua família, contendo nutrientes, ferro, cálcio, proteínas,
fósforo e calorias necessárias.

A realidade moderna proporcionou inúmeras facilidades


para obtenção da conquista dos alimentos, sendo obtidas moneta-
riamente, ou seja, a partir do dinheiro e trabalho do cidadão. Em
virtude disso, a renda do trabalhador é consideravelmente impor-

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 351


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 17

tante para aquisição dos alimentos, assim o preço dos itens que
compõem a cesta básica possui volatilidade e precisa ser entendido
com vigor.

Segundo Kotler e Armstrong (2007), preço é o volume


empregado em dinheiro cobrado sobre o insumo ou a soma dos
valores de um determinado produto ou serviço que o consumidor
deseja como benefício, fazendo, assim, uma troca entre eles. Desse
modo, o preço é determinante nas escolhas do consumidor e possui
impacto relevante nos itens que compõem a cesta básica.

Segundo Araújo, Lages e Barbosa (2007, p. 100), “o termo


cesta básica significa um conjunto de produtos alimentícios que
um trabalhador adulto necessita consumir para se manter biolo-
gicamente e socialmente em condições normais”. Dessa maneira,
Dieese (2016) especifica que a cesta básica é composta por 13
itens, sendo o necessário para o sustento do cidadão.

Para Gaio e Carrer (2011), a cesta básica pode ser estabele-


cida como uma dieta das necessidades alimentares de um indivíduo.
Devido à variação dos itens que acompanham a cesta básica em
algumas regiões do país, fazendo com que o custo seja diferente e
necessário, a formulação de políticas públicas específicas que aten-
dam aquela determinada região. Dentre a importância na escolha
ideal da política pública e o interesse social, a cesta básica e sua
variação de preço exercem um forte poder influenciador na vida
da população e no salário das famílias brasileiras.

Nessa perspectiva, aponta-se qual a importância da varia-


ção dos produtos da cesta básica em uma estância turística e se
seus valores aplicados são superiores ou inferiores aos das capitais
brasileiras, apontando-se a caracterização de um cartel? A pes-

352
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

quisa cujo intuito é levantar dados e analisar a evolução dos preços


dos produtos da cesta básica adotados em Santa Fé do Sul/SP e
compreender o avanço dos preços nos principais supermercados
da cidade, em comparação com os valores sugeridos nas capitais
do Sudeste, Norte, Nordeste e Centro Oeste do Brasil, e sanar a
dúvida sobre o custo de vida em uma estância turística e se os
preços sugeridos são prática de cartel, servindo como um estudo
utilitário para consumidores que pretendem realizar suas compras
de produtos de consumo básico no município e para acadêmicos
em virtude do conteúdo e índices pesquisados, uma vez que podem
tomar decisões mais racionais e conscientes devido às informações
fornecidas nessa pesquisa.

Logo, o objetivo deste trabalho é analisar a variação dos


preços dos produtos da cesta básica na estância turística de Santa
Fé do Sul/SP no período de 6 meses, sendo de março a agosto de
2019, realizando uma análise entre os quatros principais super-
mercados do município e comparando os valores com os preços
praticados nas capitais.

O trabalho de pesquisa teve que ser separado em três fases.


Na primeira fase, foram coletados os dados e analisados, semanal-
mente, tendo como principal fundamento a identificação das mar-
cas dos produtos que compõem a cesta básica que mais possuem
afinidades pelos consumidores, a partir da observação realizada
no período em questão.

Na segunda fase, foi realizada a comparação dos dados


coletados de acordo com a metodologia de pesquisa e o referencial
teórico apresentado no trabalho e seus conceitos.

353
Capítulo 17

Na terceira fase, já com os dados levantados e compara-


dos, é utilizada a análise dos dados a partir da pesquisa de campo
realizada para determinação do custo de vida na estância turística
de Santa Fé do Sul/SP e se, realmente, a precificação dos produtos
está embasada a partir do cartelização.

METODOLOGIA

Para elaboração do trabalho, foram utilizados conceitos de


revisões literárias que buscaram evidenciar a fundamentação teó-
rica da cesta básica, inflação, preço, consumo e conceito de cartel.
Além disso, o estudo utilizou a abordagem de pesquisa quantitativa,
que considera a relevância da utilização da técnica de coleta de
dados quantitativos, de modo a fazer uso deles em sua análise, a
fim de produzir informações estatísticas, por meio da quantificação
de informações (CRESWELL, 2010).

No que diz respeito à pesquisa de campo, Gil (2010) define


que a pesquisa de campo ou exploratória é um conjunto de variá-
veis que possibilitam buscar dados propostos, inicialmente, na
pesquisa, de maneira familiarizada com o problema no qual o autor
consiga maiores explicações e resoluções hipotéticas.

Para estabelecer resultados da pesquisa, usou-se a metodo-


logia de coleta de preços do DIEESE, tendo em vista sua adaptação
para a elaboração do estudo, a pesquisa de campo levantou, sema-
nalmente, os preços de alguns itens referentes à cesta básica do
DIEESE, assim, facilitando a coleta, elaborada a partir dos dados
referente a Região Sudeste, Centro Oeste, Nordeste e Norte do

354
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

Brasil, sendo a carne bovina: tipo ponta de peito 6,0kg, batata 6kg,
tomate 9kg, maçã nacional 1,0kg (adaptado), feijão 4,5kg, arroz
3,0kg, farinha 1,5kg, açúcar 3kg, óleo de soja 900ml (adaptado) e
manteiga 500gr (adaptado), coletados em quatros supermercados
do município, e foram excluídos da pesquisa os seguintes alimen-
tos: pão francês, leite e café em pó.

A metodologia de Pesquisa Nacional da Cesta Básica de


alimentos é executada pelo DIEESE sob o Decreto Lei nº 399 de
1938, que pondera a média dos preços da cesta básica nas capitais
brasileiras e regulamenta o salário mínimo brasileiro (DIEESE,
2016). A pesquisa é realizada em 27 capitais do Brasil e acompa-
nha, mensalmente, a evolução dos preços dos produtos estabele-
cidos, sendo de 12 a 13 itens compondo a cesta básica, outro dado
importante analisado é o gasto mensal que um trabalhador teria
para comprar a cesta básica em cada região, mensurando o salário
mínimo como indicador para este índice (DIEESE, 2016).

A pesquisa buscou levantar, semanalmente, dados no período


de março a agosto de 2019, sendo realizada às 2ª feiras de cada
semana, no período das 15:00 horas às 17:00 horas nos quatros
principais supermercados de Santa Fé do Sul/ SP, buscando coletar
os preços dos itens que compõem a cesta básica estabelecidos nesta
pesquisa e analisar sua oscilação frente ao salário mínimo vigente,
sendo de R$998,00.

Para apoiar a teorização e fundamentação deste trabalho,


foram realizadas tabulações dos preços, sendo uma somatória dos
valores coletados dos itens nas semanas subsequentes de cada mês,
chegando ao valor da cesta básica mensal, calculando sua média
ponderada sobre o custo mensal da cesta básica no município,

355
Capítulo 17

assim, analisando-os e confrontando-os com o referencial teórico,


sendo produzido o texto final deste trabalho.

REFERENCIAL TEÓRICO

A inflação no Brasil sempre esteve presente e influenciando


os preços, principalmente, os utensílios e itens alimentícios bási-
cos. De acordo com Silva (2015, p. 31), “Como, por definição, a
inflação é o aumento generalizado no nível de preços, o resultado
deste aumento é a perda de poder aquisitivo da moeda, ou perda do
poder de compra [...].” Ainda, Silva (2015) ressalta que a inflação é
um mecanismo de movimentação da economia, mesmo que dimi-
nua o poder aquisitivo da população, sua volatilidade apresenta de
forma direta o impacto ao desenvolvimento no país, pois a inflação
sinaliza o desiquilíbrio entre a oferta e a demanda.

A ocorrência de inflação pode ser determinada como a


excedência da demanda, ou seja, quando a oferta não conseguir
suprir as necessidades da demanda ou, quando a produção não
conseguir entregar o desejado pela demanda. Sendo um dos efeitos
conhecidos como inflação de demanda, outro efeito conhecido
é a inflação por oferta ocorrente quando os produtos sobem de
preço, gradativamente, em um curto período de tempo, aumentando
seu valor monetário e diminuindo o poder aquisitivo do cidadão
(SILVA, 2015).

Silva (2015) disserta que são vários os índices para deter-


minar a inflação no Brasil, sendo alguns deles: Índice Nacional
de Preços ao Consumidor (INPC), Índice Geral de Preços (IGP) e

356
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

suas variantes (IGP-M e IGP-DI), Índice de Preços do Consumi-


dor Amplo (IPCA), Índice de Preços ao Consumidor (IPC). São
alguns índices cruciais para determinação da inflação e seu impacto
direto ou indireto no poder aquisitivo populacional. A cesta básica
também é um índice importante para se levar em consideração
para medir a inflação, pois é um dos estudos fundamentais para
medição do poder aquisitivo das famílias brasileiras, sobrepondo
a necessidade de alimentação e consumo dos itens básicos para
sobrevivência humana. O estudo do salário mínimo também se
torna crucial para levantamento de dados sobre o poder aquisitivo
da população, sendo também um índice de inflação.

Nessa perspectiva, aponta-se a importância do cálculo das


variações da cesta básica no Brasil, sobrepondo o salário mínimo
como medida, tanto sob os aspectos econômicos como sociais que
começaram com a instituição da Lei do Salário Mínimo Nacional,
ainda no Governo Getúlio Vargas, na década de 1930. Tornan-
do-se um importante instrumento de análise econômica no país,
promovendo dados relevantes sobre as práticas mercadológicas e
a política de preço adotada na cesta básica nacional, o cálculo da
variação também pode ser considerado como um parâmetro ou
índice informativo da inflação do mercado (ROCHA; ROCHA,
2008).

Os produtos da cesta básica e suas respectivas quantidades


mensais são diferentes por região e foram definidos pelo Decreto
Lei nº 399 de 1938, que continua em vigor (DIEESE, 2016). A sua
estrutura encontra-se na tabela a seguir:

357
Capítulo 17

Tabela 1 – Provisões mensais mínimas estipuladas pelo Decreto Lei nº 399


ALIMENTOS REGIÃO 1 REGIÃO 2 REGIÃO 3 NACIONAL
CARNE 6,0kg 4,5kg 6,6kg 6,0kg
LEITE 7,5 l 6,0 l 7,5 l 15,0 l
FEIJÃO 4,5kg 4,5kg 4,5kg 4,5kg
ARROZ 3,0kg 3,6kg 3,0kg 3,0kg
FARINHA 1,5kg 3,0kg 1,5kg 1,5kg
BATATA 6,0kg - 6,0kg 6,0kg
LEGUMES
9,0kg 12,0kg 9,0kg 9,0kg
(TOMATE)
PÃO FRANCÊS 6,0kg 6,0kg 6,0kg 6,0kg
CAFÉ EM PÓ 600gr 300gr 600gr 600gr
FRUTAS
90unid 90unid 90unid 90unid
(BANANA)
AÇÚCAR 3,0kg 3,0kg 3,0 kg 3,0kg
BANHA/ ÓLEO 750gr 750gr 900gr 1,5kg
MANTEIGA 750gr 750gr 750gr 900gr
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados da DIEESE e Decreto
nº399, 2016.

Tabela 2 – Regiões estipuladas pelo Decreto Lei nº 399


Região 1: SP, MG, ES, RJ, GO e DF
PE, BA, CE, RN, AL, SE, AM, PA, PI, TO, AC, PB, RO, AM, RR e
Região 2:
MA
Região 3: PR, SC, RS, MT e MS
Cesta normal média para a massa trabalhadora em atividades diversas
Nacional:
e para todo o território nacional.
Fonte: DIEESE, 2016.

O DIEESE para a realização da coleta de dados leva em


consideração os locais de circulação alimentar, utilizando a POF
2008/2009 do IBGE para mensuração. Considerando os gastos
médios mensais das famílias de um a três salários mínimos e seus
respectivos locais de aquisição em todas as capitais do Brasil
(DIEESE, 2016).

Ainda, o DIEESE (2016) define que o salário mínimo defi-


nido pelo Decreto nº 399 de 1968 é considerado o mínimo para

358
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

a sobrevivência do cidadão adulto e sua família, sem nenhuma


discriminação.

Para o DIEESE (2016), no estado de São Paulo, a cesta


básica sugerida é composta por treze itens, sendo carne, leite, fei-
jão, arroz, farinha, batata, tomate, pão francês, café em pó, frutas
(banana, maçã), açúcar, óleo e manteiga.

De acordo com o DIEESE (2016), os locais principais para


coletas dos dados são: supermercado, hipermercado, mercearia,
armazém, empório, feira, mercado municipal, hortifruti, sacolão,
quitanda, frutaria, fruteiro, verdureiro, feira de frutas, açougue,
casa de carne, padaria, confeitaria, casa de pães, casa de doce,
panificadora, depósito de pão e outros. Ainda, a análise fornecida
pela Dieese enquadra a variação do peso que os produtos podem
sofrer mediante as variações dos estabelecimentos.

O cálculo da cesta básica nacional é apresentado pelo


DIEESE, com base no Decreto Lei nº 399, que regulamenta o Salário
Mínimo no Brasil. Mensalmente, após as coletas de dados, é rea-
lizado o cálculo para mensurar o gasto mensal da cesta básica nas
regiões definidas, tendo como cálculo o preço médio de cada produto
multiplicado pelas quantidades definidas no Decreto Lei nº 399.

Aplica-se, então, a seguinte fórmula:

Salário Mínimo = Custo da Cesta


220 X
X = Custo da Cesta x 220
Salário Mínimo

Fonte: DIEESE, 2016.

359
Capítulo 17

Dessa forma, “X” é o número de horas necessárias para o


trabalhador comum formal conseguir adquirir a cesta básica, com
apenas um salário mínimo, dados mostrados apenas para expla-
nação da metodologia aplicada pelo DIEESE para elaboração da
cesta básica. Dessa forma, como definição de cesta básica deve
se entender que todo seu conteúdo e processo é fundamentado
para sanar as necessidades nutricionais de uma família composta,
geralmente, por quatro indivíduos, levando em consideração seu
preço e a inflação vigente (GONÇALVES, 2006).

Para Oliveira (2012), o preço divide-se entre o custo e o


mercado. Sendo analisados os fatores relacionados ao custo que
são: os objetivos definidos, os níveis de produção, vendas preten-
didas, custos e as despesas de fabricação, gerenciamento e comer-
cialização do produto/serviço, mão de obra e a logística de entrega
dos produtos. Já os fatores relacionados ao mercado são: clientes,
concorrência, produtos similares, preços competitivos, mercado de
atuação do produto, fatores políticos e legais, qualidade/tecnologia,
atender às necessidades do mercado consumidor, marketing, ciclo
de vida do produto e informações, são alguns fatores que determi-
nam a precificação de um determinado produto. Para Las Casas
(2007, p. 104), “Os preços são determinados para cobrir custos
operacionais e também proporcionar lucro, além de afetar as expec-
tativas dos clientes e atender a demanda [...]”. Dessa forma, Kotler
e Keller (2006) declaram que o preço é um dos principais fatores
determinante na escolha dos consumidores e que é um dos elemen-
tos fundamentais na elaboração do planejamento mercadológico.

Observa-se que o preço é uma das principais variáveis deci-


sórias na tomada de decisão dos consumidores, sendo também um
dos influenciadores sobre a escolha do local onde comprar. Desta

360
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

maneira, o preço sugerido deve estar de acordo com o mercado


alvo, além de conseguir suprir as necessidades dos consumidores
e manter a economia circulando, promovendo desenvolvimento e
lucratividade (DIAS, 2011).

O preço além de ser importante para determinar o poder


aquisitivo do consumidor frente aos produtos de utilidade básica
também é determinante para identificação da variação dos preços
e práticas ilícitas decorrente de carteis. De acordo com os estudos
realizados recentemente pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico - OCDE (2019), a utilização de cartel
leva ao produto final um acréscimo de, aproximadamente, 20% de
seu real valor, sendo considerado um dos pontos negativos para
precificação de produtos e determinação de preços.

Segundo o Conselho Administrativo de Defesa Econô-


mica CADE (2009), cartel é um acordo entre partes atuante de um
mesmo cenário econômico, fixando preços ou quotas de produtos.
Ainda o CADE afirma que os cartéis possuem maior volatilidade do
que o monopólio, pois os preceitos de um empresário, raramente,
são equiparados ao seu concorrente, ou seja, na maioria dos casos,
os ideais não coincidem, se separando dos cumprimentos adotados
na pactuação dos preços e se sobrepondo aos seus concorrentes,
se beneficiando de uma parcela maior de mercado.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Tendo em vista que o objetivo deste estudo é apresentar


dados verídicos abstraídos no período de março a agosto de 2019,

361
Capítulo 17

analisando-os e comparando os valores sugeridos dos 4 maiores


supermercados do município de Santa Fé do Sul/SP, coletando
os preços dos itens que compõem a cesta básica estipulada pela
DIEESE e tendo como efeito de constituição de série histórica e
comparação com as regiões brasileiras, com base em dados teóricos
e explanação de dúvidas sobre a variação dos preços e teorização
de cartelização, neste tópico são apresentados os resultados da
pesquisa.

Assim, de acordo com a pesquisa de campo e os dados


coletados, identificaram-se os valores adotados dos itens que com-
põem a cesta básica no município, para cada mês de acordo com a
metodologia e período pesquisado. Os itens coletados no período
de 2019, conforme o quadro 1.

Quadro 1 – Produtos da cesta básica determinados


PRODUTOS DA CESTA BÁSICA PARA O MUNICÍPIO DE
SANTA FÉ DO SUL/SP
CARNE PONTA DE PEITO BOVINA 6,0 kg
BATATA 6,0 kg
TOMATE 9,0 kg
MAÇÃ NACIONAL 1,0 kg
FEIJÃO 4,5 kg
ARROZ 3,0 kg
FARINHA DE TRIGO 1,5 kg
AÇÚCAR CRISTAL 3 kg
ÓLEO DE SOJA 900 ml
MARGARINA 500 g
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados da DIEESE, 2019

Os dados do quadro 1 são os itens pesquisados durante o


período de estudo, sendo adaptados para a sua realização, para que

362
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

dessa maneira facilitassem a tabulação e respeitassem a metodo-


logia estabelecida.

O quadro 2 apresenta os valores mensais da cesta básica


nos 4 supermercados do município, tendo em vista sua variação
mês a mês.

Quadro 2 – Valores da cesta básica em Santa Fé do Sul/SP, período de março


a agosto de 2019
Supermercado Março Abril Maio Junho Julho Agosto
A R$366,40 R$458,17 R$342,84 R$299,80 R$283,74 R$260,92
B R$389,41 R$463,57 R$343,79 R$300,92 R$282,37 R$259,75
C R$388,06 R$461,55 R$348,53 R$316,10 R$308,54 R$265,69
D R$387,19 R$472,39 R$351,64 R$324,85 R$319,36 R$271,75
Fonte: Elaborado pelo autor

Analisando o quadro 2, identificou-se que o valor adotado


da cesta básica no município de Santa Fé do Sul/SP oscilou, con-
sideravelmente, mês a mês, tendo como pico março e abril, nesse
mesmo período, percebe-se que o supermercado D possui o maior
valor para aquisição dos itens básicos ao sustento de um traba-
lhador brasileiro e sua família de acordo com o DIEESE (2016).
Entretanto, evidencia-se que o supermercado de maior valor aqui-
sitivo possui características de supermercado de centro, ou seja, os
valores são maiores, pois possuí diversificações de produtos que
nos outros supermercados não são encontradas, além de benefícios
como o espaço geográfico maior e estacionamento coberto.

De acordo com a coletada de dados e os resultados obtidos,


identificou-se que o custo médio da cesta básica, mensalmente, nos
4 supermercados pesquisados no período em questão foram, res-
pectivamente, supermercado A custo mensal médio de R$335,31,

363
Capítulo 17

supermercado B custo mensal médio de R$339,97, supermercado C


custo mensal médio de R$348,08 e supermercado D custo mensal
médio de R$354,53. Assim, os dados das médias mensais confron-
tados ao valor do salário mínimo nacional vigente em 2019, sendo
de R$998,00, o cidadão que sobrevive com o salário mínimo terá
sua renda comprometida caso opte pelo supermercado A em (março
36,71%, abril 45,91%, maio 34,35%, junho 30,04%, julho 28,43%
e agosto 26,14%), supermercado B (março 39,02%, abril 46,45%,
maio 34,45%, junho 30,15%, julho 28,29% e agosto 26,03%),
supermercado C (março 38,88%, abril 46,25%, maio 34,92%,
junho 31,67%, julho 30,92% e agosto 26,62%), supermercado D
(março 38,80%, abril 47,33%, maio 35,23%, junho 32,55%, julho
32% e agosto 27,23%).

Nessa perspectiva, identifica-se uma aproximação dos pre-


ços adotados nos supermercados, tendo em vista que a variação
é mínima entre ambos no decorrer dos meses pesquisados, tendo
como característica a concorrência direta sobre os preços e tabula-
ção, de modo que o consumidor se submeta aos valores praticados,
já que as diferenças são mínimas entre eles.

Ainda, é notável destacar que os itens destacados são ape-


nas produtos de alimentação básica e a pesquisa excluiu pão, café e
leite da análise. É importante também ressaltar que, para a parame-
trização dos produtos, foram utilizadas as diretrizes estabelecidas
pelo DIEESE de modo que ele não considera produtos de higiene
pessoais e produtos de limpeza, ou seja, o trabalhador que sobre-
vive com apenas um salário mínimo teve seu capital reduzido em,
aproximadamente, 1/3 apenas com a alimentação básica.

364
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

O quadro 3 apresenta a somatória dos preços dos itens que


compõem a cesta básica no período de março a agosto, identifi-
cando os produtos de maior valor aquisitivo.

Quadro 3 – Somatória dos itens da cesta básica, período de março a agosto


de 2019
ITENS DA
SUPERMER- SUPERMER- SUPERMER- SUPERMER-
CESTA
CADO A CADO B CADO C CADO D
BÁSICA
CARNE R$553,37 R$566,59 R$569,24 R$570,84
BATATA R$142,04 R$152,18 R$165,83 R$161,82
TOMATE R$323,08 R$336,60 R$326,29 R$343,40
MAÇÃ
R$85,21 R$95,25 R$106,55 R$102,03
NACIONAL
FEIJÃO R$145,55 R$142,75 R$162,20 R$142,45
ARROZ R$295,39 R$290,91 R$282,11 R$305,23
FARINHA DE
R$73,99 R$72,45 R$77,21 R$81,21
TRIGO
AÇÚCAR
R$200,63 R$193,21 R$197,61 R$215,11
CRISTAL
ÓLEO DE SOJA R$74,15 R$68,85 R$76,87 R$76,63
MARGARINA R$118,46 R$121,01 R$124,55 R$128,45
TOTAL R$2.011,87 R$2.039,81 R$2.088,47 R$2.127,18
Fonte: Elaborado pelo autor

Verificou-se que a somatória dos produtos que compõem


a cesta básica neste período que teve maior impacto no bolso do
cidadão foi carne bovina, tomate e arroz. Dessa forma, ambos os
itens colaboraram para a redução do poder aquisitivo do cidadão,
levando em conta o salário mínimo nacional vigente do ano. Desse
modo, o supermercado que apresentou maior custo no período de
pesquisa foi o D, devido às características já levantadas anterior-
mente e, assim, influenciando no preço final do produto e tendo
um percentual elevado em relação aos outros supermercados de
aproximadamente 5%.

365
Capítulo 17

O quadro 4 expõe os preços mensais da cesta básica nas


capitais Sudeste no Brasil levantados pelo DIEESE no período de
março a agosto de 2019, tendo como intuito comparativo e ana-
lítico a variação dos preços das capitais e os valores adotados no
município de Santa Fé do Sul/ SP.

Quadro 4 – Dados das capitais do Sudeste brasileiro, DIEESE do período de


2019
Capitais Março Abril Maio Junho Julho Agosto
SÃO PAULO R$509,11 R$522,05 R$507,07 R$501,68 R$493,16 R$481,44
RIO DE
R$496,33 R$515,58 R$492,93 R$498,67 R$479,28 R$462,24
JANEIRO
VITÓRIA R$475,84 R$498,54 R$484,84 R$485,34 R$466,93 R$441,50
BELO
R$443,26 R$456,91 R$424,85 R$429,30 R$415,03 R$401,14
HORIZONTE
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados da DIEESE, 2019

Analisando o quadro 4 e comparando com o quadro 2,


verificou-se que os valores sugeridos nas capitais do Sudeste bra-
sileiro, em relação aos valores adotados no município de Santa Fé
do Sul/ SP, são mais elevados, ou seja, o valor da cesta básica no
período pesquisado nas capitais possui grau de redução frente ao
salário mínimo de, aproximadamente, 50%, deduzido a partir da
média mensal.

Ainda, o quadro apresenta as oscilações dos preços mês


a mês e, consideravelmente, apresenta os meses de março e abril
como pico do valor da cesta básica, em via de regra, se equiparando
as oscilações apresentadas no quadro 1.

De acordo com a pesquisa, as capitais do Sudeste apre-


sentaram as seguintes médias da cesta básica em São Paulo/ SP

366
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

o custo mensal médio é de R$502,42, Rio de Janeiro/ RJ custo


mensal médio de R$490,84, Vitória/ ES custo mensal médio de
R$475,50 e Belo Horizonte/ MG custo mensal médio de R$428,42.
Apresentando um custo de vida elevado em relação a Santa Fé
do Sul/ SP, tendo como base a comparação dos valores sugeridos
em média da cesta básica no período. Para tal, identificou-se que
o município se localiza em uma posição geográfica privilegiada,
próximo aos grandes centros produtores, ao grande ABC paulista e
outras regiões produtoras de bens industriais, facilitando o acesso
a bens do setor agrícola provenientes da região Centro Oeste e de
Minas Gerais, caracterizando-se o valor médio baixo adotado em
relação aos preços praticados nas capitais Sudeste do país.

O quadro 5 apresenta a comparação entre as regiões Norte,


Nordeste e Centro Oeste do Brasil, confrontando com os valores
adotados em Santa Fé do Sul/ SP, evidenciando a oscilação entre
as localidades.

Quadro 5 – Dados das capitais DIEESE do período de 2019


Capitais Março Abril Maio Junho Julho Agosto
CAMPO GRANDE
R$447,50 R$492,55 R$423,97 R$428,33 R$420,07 R$408,11
- MS
BELÉM – PA R$408,67 R$423,17 R$418,05 R$407,67 R$403,35 R$393,94
FORTALEZA - CE R$445,12 R$459,20 R$444,44 R$448,73 R$432,96 R$402,84
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados da DIEESE, 2019

Analisando-se o quadro 5, identificou-se que a região Cen-


tro Oeste, precisamente Campo Grande/ MS, possui a maior oscila-
ção dos valores da cesta básica confrontados aos preços sugeridos
em Santa Fé do Sul/ SP, tendo como média o valor da cesta básica
de R$436,76, reduzindo o salário mínimo em, aproximadamente,

367
Capítulo 17

43%, deduzido a partir da média mensal. O custo de vida na região


Centro Oeste do país é, aproximadamente, 9% maior em relação
aos preços do supermercado A e B, já para os supermercados C e
D, possui uma diferença de 8%.

A região Norte do país, especificamente Belém/ PA, possui


o valor médio da cesta básica de R$409,14, impactando o salário
mínimo em 41% aproximadamente e, em comparação aos valores
sugeridos em Santa Fé do Sul/ SP, teve um aumento em 7% para
os supermercados A e B, já para os supermercados C e D, uma
alta de 6%. A região Nordeste, abordada pela capital Fortaleza/
CE, apresenta uma média da cesta básica de R$438,88 reduzindo
o capital do trabalhador brasileiro que sobrevive com um salário
mínimo em, aproximadamente, 44%, já em comparação aos valores
praticados nos supermercados do município, teve um aumento em
10% para os supermercados A e B, já para os supermercados C e
D são 9%.

Analisando o quadro 5 e suas oscilações, verificou-se, a


partir da comparação dos preços adotados em Santa Fé do Sul,
que o custo de vida nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste
são maiores, dado o fato que, para tal, leva-se o salário mínimo
vigente como base. Entretanto, como ressaltado anteriormente, o
município encontra-se em um local geográfico privilegiado e possui
uma inflação econômica menor em relação às outras regiões. Silva
(2015) aponta que o custo de vida e a inflação são vias de mão
única, no qual inúmeros fatores corroboram para determinação
do grau inflacionário e qualidade de vida do cidadão, levando em
conta suas características geográficas, políticas e culturais.

368
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

Diante dos dados apresentados, verifica-se que o município


de Santa Fé do Sul/ SP apresenta índices menores que os praticados
nas capitais do Norte, Nordeste, Centro Oeste e Sudeste do país.
No entanto, levou-se apenas em conformidade o salário mínimo
como base de cálculo, dessa maneira, identifica-se que os preços
sugeridos nos supermercados não estão, necessariamente, enqua-
drados em cartel, pois entende-se que, para tal, os valores deve-
riam ser maiores que os praticados nas capitais mesmo possuindo
benefícios geográficos, logísticos e industriais. Contudo, não é
possível afirmar que não possuem um cartelização, mesmo levando
em conta a pesquisa, visto que seja necessário coletar dados com
maior rigor, levantando informações com fornecedores, clientes,
funcionários dos supermercados e variedades de produtos, bem
como o cenário econômico atual.

CONCLUSÃO

Em relação ao estudo realizado e apresentado, verificou-se


que os preços sugeridos no município de Santa Fé do Sul/ SP, no
período de março a agosto de 2019, são menores em relação às
capitais estudadas, tendo como base o salário mínimo vigente no
período para mensuração da pesquisa.

O preço dos itens é determinante para a precificação da


cesta básica e verificou-se que os itens que possuem maior volati-
lidade e impacto no bolso do consumidor são: carne bovina, tomate
e o arroz, colaborando para a diminuição do poder aquisitivo do
consumidor em, aproximadamente, 1/3 do salário mínimo.

369
Capítulo 17

Os resultados analisados demonstram que, em Santa Fé


do Sul/ SP, a variação dos preços nos supermercados abordados
são, relativamente, iguais e tal fato se sustenta devido ao forneci-
mento dos produtos e sua região favorecida, devido à proximidade
com zonas agrícolas. Desse modo, as variantes para cada super-
mercado em custo médio mensal são, respectivamente, R$335,31
para o supermercado A, R$339,97, supermercado B, R$348,08,
supermercado C e R$354,53, supermercado D. Assim, tendo como
parametrização o custo médio aquisitivo da cesta básica nos super-
mercados do município.

Com base no estudo, a comparação entre as capitais se


mostrou coerente ao cenário econômico inflacionário do período,
de forma que se evidenciam os privilégios de se morar em uma
região favorecida pelo agronegócio. Dessa forma, verifica-se que
as capitais do Sudeste, Norte, Nordeste e Centro Oeste do país
possuem variações significativas em relação aos preços adotados
no município, sendo mais acessível adquirir a cesta básica em
Santa Fé do Sul/SP.

Ao analisar o cenário e os dados, verificou-se que, em Santa


Fé do Sul, a prática de cartelização não se mostra efetiva, tendo
como fundamento a comparação com as capitais estudadas e a
premissa dos benefícios agroeconômicos da região. Entretanto,
constata-se que, para mensuração de cartel, é necessária uma pes-
quisa com maior rigor, levantando dados com fornecedores, clien-
tes, funcionários, coleta de produtos diversos e estudo do cenário
econômico como um todo.

A análise dos dados conseguiu atingir os objetivos da pes-


quisa, apresentando a variação dos preços dos produtos da cesta

370
Análise da Variação dos Preços da Cesta Básica na Estância Turística de
Santa Fé do Sul/SP entre março e agosto de 2019

básica no período citado, levantando os dados nos 4 supermercados


principais do município e compará-los com os preços praticados
nas capitais estipuladas na metodologia. Além disso, sanar a dúvida
sobre a prática de cartelização e enrijecimento dos preços dos itens
que compõem a cesta básica. O estudo pode ser continuado tendo
em vista a média do custo da cesta básica adotado em Santa Fé
do Sul/SP e servindo como base para futuros estudos acadêmicos,
como auxílio informativo populacional e grupos afins.

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371
Capítulo 17

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373
CAPÍTULO 18
A INCORPORAÇÃO DE PROGRESSO
TECNOLÓGICO E O PROCESSO DE
DINAMIZAÇÃO DO SETOR BANCÁRIO
NO BRASIL.

Luiz Felipe da Silveira Hidalgo


Wanderson Silva Ribas
Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

A área tecnológica cresce dia após dia, inovando e propor-


cionando alternativas de facilidade e otimização de tempo. O setor
bancário não fica de fora dessa estatística como mostram os dados
da FENABAN (2017) a qual aponta que 57% das operações finan-
ceiras no Brasil realizaram-se por meios digitais e somente 8%, nas
agências físicas. As transações com celular passaram de 4,7 bilhões,
em 2014 para 21,9 bilhões, em 2016, isto é, quintuplicaram.

Fonseca; Meirelles e Diniz (2010) afirmam que, nos setores


da economia, o sistema bancário é quem mais investe no quesito
tecnologia e modernização, liderando a utilização de tecnologia
da informação (TI) no mundo. O Brasil é reconhecido mundial-
mente por se destacar como o percursor em TI nas organizações
financeiras entre os países do planeta nessa área de atuação. Esse
investimento em inovação se iniciou nas instituições bancárias
brasileiras na década de 60 no momento em que os bancos, em

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 375


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 18

especial o Banco do Brasil, precursor na automação tecnológica


bancária, adquiriram os primeiros computadores, progredindo,
posteriormente, para os sistemas de informação.

Segundo a FEBRABAN (2014), as organizações do setor


bancário estão firmando a integração eletrônica, desde a aplicação
de TI tradicional até o atual uso de TI com o comércio eletrônico,
visando diminuição de custo, melhoria de processo, novos papéis
nos processos de negócio e aproveitamento de novas oportunida-
des. Dessa forma, a TI conquistou lugar de destaque nas instituições
financeiras preparando e colaborando para o aparecimento de uma
nova realidade mundial, a economia digital.

Com a tecnologia ao alcance dos dedos, é possível otimizar


o tempo nas operações, proporcionar maior conforto e flexibilidade
para o cliente e desafogar o caótico atendimento ao público nas
agências.

A partir das considerações anteriores, podemos entender


que a utilização e o aprimoramento da tecnologia oferecida pelos
serviços prestados pelas instituições bancárias são cada dia mais
fundamentais e indispensáveis. O fantástico avanço da TI (tec-
nologia da informação) oferece um leque de opções de serviços
com segurança de ponta para otimizar o tempo dos consumidores
e promover-lhes agilidade e conforto, além das vantagens obser-
vadas nas instituições como o aumento na lucratividade e retração
de custos nas unidades físicas.

Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar os impactos da


utilização de meios tecnológicos no setor bancário brasileiro.

376
A Incorporação de Progresso Tecnológico e o Processo de Dinamização do
Setor Bancário no Brasil.

Este trabalho está separado em três partes. Na primeira


parte, é abordada a metodologia utilizada para sua elaboração,
verificando instrumentos e técnicas a serem aplicadas de acordo
com as necessidades e proposta do artigo.

Na segunda parte, são apresentadas, no referencial teórico,


as vantagens obtidas pelos consumidores através da implementação
de novas tecnologias no setor bancário e a retração, custos e valor
agregado pelos bancos no processo de modernização tecnológica.

Já na terceira etapa, são explanadas as considerações finais


deste estudo, através de uma análise das informações coletadas.

CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS TECNOLOGIAS


UTILIZADAS PELO SETOR BANCÁRIO NA ATUALIDADE

Open Banking são APIs (Interface de Programação de


Aplicativo) oferecidos através de uma instituição financeira para
aplicativos e empresas a fim de guarnecer serviços integrados às
cartas de seus consumidores (Banco do Brasil).

Segundo Pereira (2019), esse sistema permite o acesso dos


dados dos clientes, com sua nítida autorização, por empresas e
serviços, tendo o open banking como um dos princípios de que
os dados bancários são pertencentes aos clientes e não às institui-
ções financeiras, assim, a utilização dessa tecnologia permite que
o usuário movimente sua conta, não só pelo site ou aplicativo do
banco, mas por diferentes plataformas.

377
Capítulo 18

“A ideia é deixar o sistema financeiro mais transparente e


competitivo, além de empoderar o cliente, que passa a ser dono
de deus dados e pode transacionar isso da forma que lhe for mais
conveniente” (PEREIRA, 2019, p. não paginado).

Para Júnior e Carvalho (2018), chat significa bate-papo e


bots é a abreviação de robot, ou seja, chatbots são softwares cria-
dos com objetivo de reproduzir ações humanas por várias vezes,
imitando a relação humano-computador.

Mowbray (2012) diz que os bots são pessoas que atuam de


acordo com um programa de software em vez de serem contro-
lados diretamente por um usuário humano. Observa-se então que
são sistemas criados com a finalidade de promover a interação
com pessoas de forma clara, adaptando-se ao contexto proposto
a partir de respostas a perguntas, concedendo informações e/ou
dando sugestões.

A primeira chatbot conhecida por sua aplicação nesse con-


texto foi a Eliza, criada por Joseph Weizenbaum, em 1976, e que,
segundo Gunkel (2017):

Para o futuro, buscam-se pesquisas que possam ana-


lisar as interfaces das aplicações inteligentes, com
um comparativo de usabilidade e comunicabilidade
entre as principais aplicações no ramo dos “cha-
tbots” ou assistentes virtuais de conversação, enu-
merando suas vantagens e desvantagens e sugerindo
melhorias, como contribuição. Espera-se que em
aplicações futuras também haja interfaces multimo-
dais focadas no usuário, inclusive com interações
por gestos (JUNIOR; CARVALHO, 2018, p. 83).

A RPA (automação de processos robóticos) tem por objetivo


a automatização dos processos de negócios através da aplicação

378
A Incorporação de Progresso Tecnológico e o Processo de Dinamização do
Setor Bancário no Brasil.

de tecnologia comandada pela lógica de negócios e capitais estru-


turados. Através dessa tecnologia, uma empresa pode utilizar um
software ou robot com finalidade de captação e interpretação de
aplicativos para o processamento de uma transação, manipulação
de dados, oferecimento de respostas e comunicação com outros
sistemas digitais (Data Science Academy, 2019).

Segundo a Data Science Academy (2019), a utilização da


RPA pode se destinar a situações simples, como gerar uma res-
posta automática ou para inserir diversos bota programados um a
um para automatizar atividades em um sistema ERP (Enterprise
Resource Planning).

Cada vez mais empresas estão se voltando para a


Automação Robótica de Processos para agilizar
as operações da empresa e reduzir custos. Com
RPA, as empresas podem automatizar os proces-
sos de negócios com base em regras, permitindo
que os usuários de negócios dediquem mais tempo
para atender os clientes ou outras atividades igual-
mente de maior valor. Outros vêem RPA como um
ponto intermediário a caminho da automação inte-
ligente via ferramentas de aprendizado de máquina
(machine learning) e inteligência artificial (IA), que
podem ser treinadas para fazer julgamentos sobre
as saídas futuras (DATA SCIENCE ACADEMY,
2019, não paginado).

Sendo assim, é possível observar que a utilização do RPA


otimiza a mão de obra e diminui as tarefas repetitivas, aumentando
o tempo livre que será destinado a outras atividades.

A biometria são nossas características físicas (e comportamen-


tais) mais exclusivas que podem, de forma prática, ser detectadas por
dispositivos e interpretadas por computadores, assim, elas podem ser
usadas como nossa representação no mundo digital. Dessa maneira,

379
Capítulo 18

podemos associar dados digitais a nossa identidade com permanência,


consistência e unicidade, e recuperar esses dados usando computadores
de modo rápido e automatizado (AWARE, 2014, p.1.).

Para Barbosa et. al. (2011), a utilização do sistema biomé-


trico é dividida em três etapas, sendo elas:

Registro: etapa onde são inseridas informações básicas na


primeira vez em que se utilizará o sistema, como nome ou número
de identificação seguidos da captura de imagem ou registro de uma
outra característica específica da pessoa, como a digital, a íris, a
voz, entre outras;

Armazenamento: é a etapa onde se analisa o registro obtido


e o traduz em um tipo de código ou gráfico;

Comparação: confronta a identificação obtida com as infor-


mações salvas no registro e, se o sistema entender que os dados
coincidem, é liberada a utilização do sistema em questão, caso
contrário, o acesso é rejeitado.

A biometria é uma chave de acesso segura e individual e


sua implantação e utilização vêm sendo aderidas de forma ampla
em diversos setores.

Segundo a Motorola (2015), através da segurança ciber-


nética, é possível a implementação de políticas, procedimentos
e mecanismos técnicos a fim de proteger, identificar e corrigir
possíveis problemas que possam ameaçar a seguridade da sua rede.

Com uma implementação correta, a Segurança


Cibernética permite gerenciar os riscos de maneira
proativa. Protege os ativos de informação críti-
cos, garante a integridade dos dados e resguarda

380
A Incorporação de Progresso Tecnológico e o Processo de Dinamização do
Setor Bancário no Brasil.

a confidencialidade da informação. Além disso,


oferece à sua organização a possibilidade de reter
provas e iniciar ações judiciais de maneira efetiva
(MOTOROLA, 2015, p. 2).

O conceito de segurança cibernética parte da proteção de


sistemas ligados à internet, entre eles estão inclusos hardwares,
softwares e dados de armazenamentos de possíveis ataques ciber-
néticos e crime digital com objetivo de roubar informações para
diversos fins (Minuto da Segurança, 2019).

Segundo Nist (2009), cloud computing ou computação em


nuvem pode ser definida como um modelo de acesso a um conjunto
compartilhado de recursos de computação, como redes, serviços,
armazenamento e aplicações nas quais são rapidamente disponi-
bilizados com o mínimo ou nenhum esforço no gerenciamento e
interação com o provedor.

PRINCIPAIS VANTAGENS PARA OS USUÁRIOS DA IMPLE-


MENTAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS PELO SETOR
BANCÁRIO

O salto na quantidade de transações realizadas através do


internet banking aponta um maior acolhimento dessa tecnologia
pelos usuários dos bancos. Assim, a situação indica que a dispo-
sição é que os bancos sigam estimulando e investindo no uso da
internet banking, propiciando ao cliente uma experiência cada vez
mais benéfica, aprimorando a oferta de produtos e serviços para as
particularidades do cliente (FEBRABAN, 2014).

381
Capítulo 18

De forma resumida, os smartphones e computadores se


tornaram ferramentas de utilização e interação importantes e cres-
centes para os bancos e seus clientes, pois proporcionam fácil
acesso às atividades bancárias com conforto, agilidade, segurança
e menores custos (FONSECA; MEIRELLES; DINIZ, 2010).

De acordo com Abbade e Noro (2012), o mobile banking


aponta uma ampla eficiência, pois oferece uma grande utilidade e
portabilidade, visto que os serviços bancários podem ser conec-
tados de qualquer local a qualquer momento, ou seja, o mobile
banking é entendido popularmente como o acesso rápido de um
aparelho eletrônico móvel aos serviços bancários oferecidos nas
agências bancárias físicas.

Verificam-se assim diversas vantagens para os usuários


desse modelo de serviço como:

Processo de inclusão social de parte da população que reside


em municípios onde não há agências bancárias. Além disso, propi-
cia o processo de cidadania, pois facilita a transferência direta aos
cidadãos de diversos benefícios governamentais gerando condições
para melhoria da qualidade de vida;

Redução do tempo médio de atendimento, pois o cliente


escolhe de forma rápida e fácil o serviço desejado, economizando
assim o tempo que seria gasto para se locomover até a agência;

Funciona 24 horas por dia, além de estar disponível a qual-


quer hora do dia e também pode ser utilizado todos os dias da
semana, promovendo maior conforto, pois o usuário pode executar
o serviço desejado no melhor momento no conforto da sua casa,
trabalho e afins.

382
A Incorporação de Progresso Tecnológico e o Processo de Dinamização do
Setor Bancário no Brasil.

As organizações do setor bancário apontam que investi-


mentos realizados em TIC –Tecnologia da Informação e Comu-
nicação - propiciam segmento de lucratividade e uma vantagem
competitiva, com um avançado padrão de estrutura de serviços e
custos (FONSECA; MEIRELLES; DINIZ, 2010).

A Internet Banking tem sua importância comprovada por


dados concedidos pela FEBRABAN (Federação Brasileira de Ban-
cos), onde é possível observar que, em média, a cada doze transa-
ções de atividades não financeiras nas contas correntes, executadas
em Internet Banking, apenas uma transação é feita em agências
bancárias e, quando a transação implicava atividade financeira, a
Internet Banking já declarava uma quantidade de transações maior
comparada à das agências bancárias (FEBRABAN, 2014).

No sistema bancário, o investir em TIC (Tecnologia da


Informação e Comunicação) é um caminho sem volta, visto que
são evidentes suas principais vantagens e comprova-se que o inves-
timento em TIC apresenta: desobstrução no atendimento, redução
do fluxo dos clientes às agências bancárias físicas; diminuição de
custos operacionais; vinculação da notabilidade de banco moderno
e automatizado à instituição e acréscimo da receita de tarifa que
é concedida em seu total para as agências bancárias (RAMOS;
COSTA, 2000).

A capacidade de aplicação do mobile banking é elevada,


pois sua inserção acontece de forma rápida nos modernos aparelhos
de telefonia móvel, os smartphones. Como aponta a pesquisa do
IBOPE (2016), a taxa de implementação de smartphones no país
duplicou em dois anos com o aumento de 19% da população em
2014, para 40% em 2016. Assim, observa-se que a implementação

383
Capítulo 18

e o aprimoramento de novas tecnologias trazem alguns benefícios


às instituições financeiras, como:

Aumento da produtividade da equipe, visto que a dimi-


nuição no atendimento presencial oferece mais tempo para que os
colaboradores prestem um serviço de maior qualidade e o aumento
na lucratividade e retração dos custos nas unidades físicas, pois o
cliente continuará utilizando seus serviços sem que sejam neces-
sários um espaço físico e um funcionário para esse atendimento.

ANÁLISE DO CASO DAS FINTECHS NO PROCESSO DE


MODERNIZAÇÃO DOS SERVIÇOS BANCÁRIOS

Fintech (do inglês: finance and technology) são, em sua


maioria, startups criadas com o objetivo de facilitar o uso de ser-
viços financeiros oferecidos. Essa expressão é empregada para
evidenciar inovações e a utilização de novas tecnologias em utili-
zação de serviços oferecidos por organizações financeiras.

Segundo Report Fintechlab: Fintechs são resoluções que


associam tecnologia e serviços financeiros oferecendo novos ser-
viços para clientes e organizações. Isso ecoa em: melhores meios
de uso dos produtos e serviços que proporcionam excelentes expe-
riências em sua utilização; formação de inteligência em base de
quantidades inimagináveis de dados e do aprendizado coletivo para
melhorar as tomadas de decisões e inclusão das diversas conexões
do mercado de uma forma mais eficaz, com uma quantidade menor
de erros operacionais, elevando a rapidez dos processos operacio-
nais e diminuindo custos (FINTECHLAB, 2016).

384
A Incorporação de Progresso Tecnológico e o Processo de Dinamização do
Setor Bancário no Brasil.

Para a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), as


fintechs são “[...] aquelas empresas que usam tecnologia de forma
intensiva para oferecer produtos na área de serviços financeiros de
uma forma inovadora, sempre focada na experiência e necessidade
do usuário” (ABFINTECH, 2016, não paginado).

Apesar de recente no país, as fintechs vêm crescendo e


ganhando visibilidade nos últimos anos, desconstruindo o sistema
conservador e concentrado dos serviços que as instituições finan-
ceiras brasileiras ofereciam a seus usuários.

As fintechs atingiam uma porção de mercado não interes-


sante às instituições financeiras até então, assim deu-se espaço
para que elas avançassem rapidamente e sem um enfrentamento
com as grandes organizações, entretanto, esse sucesso exacerbado
evidenciou os lapsos do modo de trabalhar das tradicionais ins-
tituições financeiras, como a falta de consideração e indiferença
com o cliente, a lentidão do sistema e a falta de investimento em
inovação (KATORI, 2017 apud TAUHATA; PINHEIRO, 2017).

Com esse perfil, as fintechs atingiram, principalmente, o


público jovem que se sentiu acolhido por elas por conta do seu
tratamento e serviços diferenciados, que se encaixam na sua rea-
lidade, diferentemente das instituições financeiras tradicionais. .

Para o Radar Fintechlab, que faz parte da maior iniciativa


de monitoramento de pesquisa e integração do ecossistema de finte-
chs nacional, existem diversas categorias de fintechs, como: Paga-
mentos, Gerenciamento Financeiro, Empréstimos e Negociação de
Dívidas, Investimento, Funding, Seguros, Eficiência Financeira,
Segurança, Conectividade e Bitcoin/Blockchain (FINTECHLAB,
2016).

385
Capítulo 18

As fintechs mais conhecidas no cotidiano da nossa região


são o Nubank (banco online); PicPay (aplicativo de pagamento e
recebimento); Creditas (empréstimos); Neon (banco online); Banco
Original (banco online); PagSeguro (pagamento e recebimento);
Banco Inter (banco online), além dessas, existe ainda uma vasta
lista de fintechs que se adéquam à realidade e à necessidade do
cliente.

Dessa forma, a mudança e migração dos consumidores das


organizações financeiras tradicionais para as fintechs se dão como
um todo e de maneira a suprir as necessidades de quem as pro-
cura, oferecendo formas diversificadas de soluções. Seu ritmo de
crescimento é alto, diversificado e de ampla atuação no mercado.

CONCLUSÃO

Este estudo teve como proposta apresentar a incorporação


de progresso tecnológico e o processo de dinamização do setor
bancário no Brasil. Para tal, foi analisada a caracterização das
principais tecnologias utilizadas pelo setor bancário na atualidade,
pontuando as vantagens trazidas a seus usuários e a retração e
custos e valor agregado pelos bancos, além de explorar o caso
das fintechs no processo de modernização dos serviços bancários.

Num contexto geral, observa-se que a tecnologia é indis-


pensável e seu avanço e inovação são fundamentais para o apri-
moramento e melhoria dos serviços oferecidos pelas instituições
financeiras do Brasil, sendo esse um benefício de via de mão dupla,
visto que traz benefícios para o usuário como: processo de inclusão

386
A Incorporação de Progresso Tecnológico e o Processo de Dinamização do
Setor Bancário no Brasil.

social de parte da população, redução do tempo médio de atendi-


mento e estar disponível 24 horas por dia e em qualquer lugar e,
para as organizações: aumento da produtividade da equipe e da
lucratividade e retração dos custos nas unidades físicas.

Além disso, vê-se que as fintechs conseguem oferecer


melhores serviços a seus usuários, trazendo comodidade, ótimo
custo benefício, simplificação nos serviços oferecidos por insti-
tuições financeiras, atingindo todos os tipos de público, principal-
mente, os jovens.

Portanto, conclui-se que a incorporação de progresso tec-


nológico e o processo de dinamização do setor bancário no Brasil,
de maneira geral, impactam o segmento de forma positiva, que
obrigam as organizações financeiras a estarem sempre em mudança
e aperfeiçoamento trazendo benefícios não só a si como a seus
usuários.

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389
CAPÍTULO 19
A IMPORTÂNCIA DAS STARTUPS
E DOS INVESTIDORES ANJO PARA
O DESENVOLVIMENTO DE NOVOS
NEGÓCIOS

Alexandre Ferracini
André Estevo Araújo
Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

Cabe considerar inicialmente que as startups, se carac-


terizarem por serem negócios rentáveis, em vista de sua missão
que é oferecer soluções criativas para problemas complexos e
inexplorados.

De modo efetivo, não se constitui em tentativas de procurar


soluções inimagináveis, mas organizar estratégias simples mas
ainda não colocadas em prática.

Em alguns casos, as soluções já foram pensadas, mas não


do modo adequados às necessidades do cliente. Existem no mer-
cado uma série de startup que oferecem soluções para problemas
do cotidiano, tais como a oferta de serviço de transporte particular,
que não se enquadre na modalidade táxi. A empresa Uber, por
exemplo, executa uma inovação em um nicho saturado, fidelizando
um grande número de consumidores. Por meio de mudanças sim-

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 391


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 19

ples, a empresa torna o transporte particular mais atraente para o


consumidor.

Nesse contexto, pode-se afirmar que o estudo das startups é


de grande importância para os empreendedores de distintos setores
da atividade produtiva, pois se materializam em soluções para as
empresas e pessoas físicas, além de representarem uma opção de
investimento. É fundamental destacar que o empreendedor, pre-
cisa optar por soluções que tenham um forte potencial de cresci-
mento e que sejam capazes de aumentar os lucros e a renda sem
a necessidade de reinvestir em infraestrutura. E uma situação que
demande o desenvolvimento de um aplicativo para smartphones,
este pode ser encomendado par uma empresa que ofereça soluções
em tecnologia, sem que seja necessário investir mais dinheiro ou
trabalho, o que pode ser realizado por uma empresa especializada.

Destaque-se as soluções encontradas pelas startups podem


ser aproveitadas para outras empresas. As soluções encontradas
pelas mesmas podem ser aplicadas em distintos segmentos da
atividade produtiva. A estruturação de uma startup demanda um
domínio abrangente de empreendedorismo. É fundamental pen-
sar a empresa a partir de uma visão e conceito, desenvolvimento
de produto, marketing e vendas, aumento de escala, parcerias e
distribuição, e estrutura e desenho organizacional. Ressalte-se a
relevância de se estruturar um método para mensurar o progresso
em um contexto de incerteza, por exemplo.

O empreendedor precisa ter uma orientação clara sobre


como tomar decisões, tais como investir ou não em processo e
quando investir, a formulação, planejamento e criação de infraes-
trutura; quando fazer sozinho e quando fazer com uma parceria;

392
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

quando responder ao feedback e quando persistir na visão; e como


e quando investir na expansão da capacidade da empresa.

É nesse cenário que a startup será capaz de atrair inves-


tidores, tal qual ocorre com o investidor anjo, que nos teatros da
Broadway, nos Estados Unidos, em que as produções das mundial-
mente famosas peças de teatro e musicais eram viabilizadas através
de investimentos realizados por multimilionários.

A expressão foi utilizada pela primeira vez na Universidade


de New Hampshire por William Wetzel, fundador do Center for
Venture Research, que realiza estudos de como empreendedores
conseguem capital para seus negócios.

Com a estratégia correta de investimento, ou seja, cons-


truindo um portfólio de startups e empresas em expansão, é pos-
sível que os investimentos sejam benéficos para o investimento
anjo. Entretanto, o investimento anjo ainda assim, é de alto risco,
tendo em vista que o investidor está colocando seu capital em uma
empresa que ainda não está consolidada, correndo o risco de perder
a totalidade do valor investido caso a empresa fracasse.

Nesta modalidade de investimento, o investidor recebe par-


ticipação societária da empresa investida em troca do seu inves-
timento. O investidor possui participação no sucesso futuro da
empresa, assim como os próprios sócios e fundadores do negócio.
Essa é a razão de ser chamado de investimento anjo. Na situação
em que o negócio fracasse, tanto os sócios quanto o investidor
perdem o capital investido.

393
Capítulo 19

A EMERGÊNCIA DAS STARTUPS

Cabe considerar inicialmente que a expressão startup nas-


ceu nos Estados Unidos há algumas décadas, mas só se popularizou
no meio empreendedor brasileiro entre os anos de 1996 e 2001.
Para muitas pessoas ligadas à área, como os empreendedores e
investidores, toda empresa no seu estágio inicial pode ser conside-
rada uma startup. De acordo com a ABStartups (2019) constitui-se
em um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repe-
tível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza.

A definição em questão possibilita a exploração de deta-


lhada do universo ao redor de uma startup, que organiza as suas
atividades em torno da busca de um modelo de negócios que seja
lucrativo como principal objetivo do negócio, independentemente
da sua indústria. Entenda-se que quando uma empresa busca por
um modelo que seja repetível e escalável quer dizer que também
está buscando por uma espécie de automação do seu modelo. Ou
seja, independentemente do número de clientes que ela conquiste,
o custo da operação não se eleva na mesma proporção.

Cabe considerar como exemplo, uma agência de marke-


ting digital, em que o atendimento de dez clientes demanda vinte
funcionários. Se a mesma conseguir dobrar o número de clientes
precisará dobrar o número de funcionários. Entretanto, ao se con-
siderar uma empresa que vende Software as a Service (SaaS),
esta consegue executar o mesmo serviço para dez ou vinte outras
empresas sem dobrar o número de pessoas envolvidas. Ou seja,
a proporção entre o número de funcionários e o de clientes, ao

394
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

longo do tempo, deve diminuir para que um modelo de negócios


seja caracterizado como repetível e escalável.

Cabe mencionar que a criação de modelos disruptivos é


uma das funções de uma startup. Entenda-se que muitos negócios
simplesmente não poderão ser encaixados em conceitos e terão
que criar suas próprias definições. Machado (2017) menciona que
as startups constituem-se em empresas em fase inicial que desen-
volvem produtos ou serviços inovadores, com potencial de rápido
crescimento em distintos mercados.

De acordo com Perin (2015) este representa uma fase na


vida de uma empresa, em que uma equipe multidisciplinar, busca
desenvolver um produto/serviço inovador, de base tecnológica,
que tenha um modelo de negócio facilmente replicado e possível
de escalar sem aumento proporcional dos seus custos. Ressalte-se
que uma das características mais importantes de uma startup está
em sua capacidade de ganhar escala rapidamente, ou seja, de ter
seus produtos utilizados por um número grande de pessoas em
pouco tempo.

Destaque-se que uma startup também costuma apresentar


baixo esforço de replicação de seus produtos, isto é, custos de
operação que cresçam proporcionalmente a taxas menores que sua
receita, na medida em que a empresa ganha escala. Desta forma,
preconiza-se a utilização intensiva de tecnologia, em especial as
tecnologias da informação e a Internet. Há que se considerar ainda,
como uma característica de relevo de uma, o ambiente de incerteza
no qual ela está inserida. Em sua fase inicial, muitos elementos
que compõe seu modelo de negócio estão ainda incertos e pouco
definidos (PERIN, 2015).

395
Capítulo 19

Segundo o mesmo autor, no que concerne às principais


características que diferenciam e definem uma startup, pode-se
mencionar a inovação, a escalabilidade, repetibilidade, a flexibi-
lidade e rapidez.

Quanto à inovação, a startup apresenta um produto ou ser-


viço novo ou com aspectos novos em seu modelo de negócio,
direcionado ao para o mercado a que se destina, como elementos
de diferenciação.

No que se refere à escalabilidade, pode-se afirmar que o


modelo de negócio de uma startup precisa ser escalável, isto é,
poder atingir rapidamente um grande número de usuários a custos
relativamente baixos.

Cabe mencionar a repetibilidade, uma vez que o modelo


de negócios de uma startup deve ser repetível, ou seja, deve ser
possível replicar ou reproduzir a experiência de consumo de seu
produto ou serviço de forma relativamente simples, sem exigir o
crescimento na mesma proporção de recursos humanos ou finan-
ceiros (PERIN, 2015).

E por fim, existe a flexibilidade e rapidez, já que em fun-


ção de sua característica inovadora, do ambiente incerto e alta-
mente competitivo, a startup deve ser capaz de atender e se adaptar
rapidamente às demandas do mercado. De modo efetivo, existem
estruturas enxutas, com equipes formadas por poucas pessoas, com
flexibilidade e autonomia.

396
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

O MODELO DE NEGÓCIOS EM UMA STARTUPS

No que tange ao modelo de negócio, este materializa-se na


descrição dos principais elementos que explicam o funcionamento
de um negócio. Geralmente, apresenta informações como clientes,
custos, fontes de receita e atividades principais da empresa. No
planejamento de negócios clássico, é necessária a confecção de
um plano de negócios, que detalha por escrito, em várias páginas,
os diversos aspectos de um modelo de negócio.

No âmbito das startups, é comum o uso da ferramenta Qua-


dro de Modelo de Negócios (ou Business Model Canvas-BMC),
que apresenta de forma bastante resumida e visual um Modelo de
Negócios descrito na forma de nove blocos, cada um deles com-
pondo visualmente um mesmo quadro. Cada bloco representa um
elemento do Modelo de Negócio e é preenchido com papel adesivo.
Esse formato permite a rápida montagem e modificação de um
modelo de negócio, o que é bastante adequado para as fases iniciais
de uma startup, quando muitos desses elementos estão indefinidos
e se modificam com frequência (PEREIRA, 2016).

O BMC não substituiu o Plano de Negócios, mas se apre-


senta como uma ferramenta muito útil na fase inicial de construção
e validação do Modelo de Negócios, quando os elementos que o
compõe não estão claros ou não foram testados e validados no
mercado.

De modo efetivo, um Business Model Canvas permite que


todo o negócio seja visualizado em uma única página (ou slide). O
que significa que não é mais necessário percorrer um documento

397
Capítulo 19

cheio de texto e alguns números, passando página por página para


compreender as diferentes estratégias definidas.

O Business Model Canvas permite que o empresário visua-


lize o “encaixe estratégico” que existe entre diferentes áreas, o
que documentos textuais não permitem que se analise. De modo
efetivo, com menos texto, é possível criar em conjunto de ideias,
em vista de uma facilidade de prototipação que permite que novos
negócios sejam analisados mais rapidamente e em várias versões
diferentes.

À primeira vista o Business Model Canvas parece um


simples diagrama. A facilidade de análise que ele traz só passa a
ser realmente compreendida à medida que se começa a visualizar
exemplos e a utilizá-lo em no dia-a-dia.

Um Business Model Canvas permite que todo o negócio


seja visualizado em uma única página (PEREIRA, 2016).

Isso significa que não é mais necessário percorrer um docu-


mento cheio de texto e alguns números, passando página por página
para compreender as diferentes estratégias definidas. É necessário
realizar a escolha de uma fatia do mercado, delimitar um nicho de
clientes. Na sequência é necessário estabelecer a oferta de valor do
negócio, sendo necessário explicitar quais são estes benefícios que
os produtos (ou serviços) ofertados pela startup oferecem para os
clientes. Cabe considerar ainda a demanda por delimitação dos
canais de oferta, que são representados pelos mecanismos por
meio dos quais a empresa comunica e entrega valor para o cliente
(PEREIRA, 2016).

398
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

Os canais podem ser de comunicação, vendas e distribui-


ção do produto. Ou seja, qualquer tipo de interface da empresa
com o cliente. Servem para que o segmento definido possa tomar
conhecimento e avaliar a proposição de valor do produto, efetuar
a compra e uso do mesmo.

O bloco do relacionamento descreve estratégias que evitam


que seus clientes corram para o concorrente por questões como
“preço mais baixo”. Definir boas estratégias de relacionamento é
difícil, porém fundamental para a retenção de clientes.

Muitas empresas startups adotam um relacionamento


baseado em “auto-atendimento”, pelo qual o cliente resolve quase
tudo sozinho. No entanto, algumas empresas já perceberam que
investir num alto nível de atendimento garante destaque e maior
lucratividade (PEREIRA, 2016).

Para fechar o lado direito do Business Model Canvas, as


fontes de renda é o bloco que determina a maneira como o cliente
pagará pelos benefícios recebidos.

Há uma série de modelos de receita que podem ser adota-


dos. Alguns exemplos são: venda de produtos, assinatura, aluguel,
licença e leilão.

O primeiro bloco do lado esquerdo é o de recursos-chave,


que são os ativos fundamentais para fazer o negócio funcionar.
Aliás, todo o lado esquerdo está relacionado à parte operacional
do negócio (PEREIRA, 2016).

Esse bloco deve ser limitado a descrever o que realmente


importa dentro dos ativos de sua empresa. Por exemplo, em uma
siderúrgica os recursos-chave são o forno (caldeira) e o laminador.

399
Capítulo 19

Alguns exemplos de recursos são: ativos físicos, como máquinas ou


instalações, intelectuais, como patentes, recursos humanos, como
equipe de programadores ou atendimento. De forma complementar
ao recursos-chave, as atividades-chave devem tratar das atividades
mais importantes que a empresa deve fazer de forma constante para
que o negócio funcione corretamente. Se uma empresa possui uma
plataforma web como recurso-chave, muito provavelmente terá
como atividade-chave a manutenção desta plataforma (PEREIRA,
2016).

Alguns exemplos de atividades são: produção de bens, reso-


lução de problemas, gestão de plataformas, vendas Consultivas e
Desenvolvimento de produtos.

Os parceiros-chave no Business Model Canvas refere-se


primordialmente a terceirizações (fornecedores). Como dito ante-
riormente, o lado esquerdo trata de quesitos operacionais, portanto
o bloco parcerias lista outras empresas que ajudam seu negócio a
entregar a oferta de valor.

Qualquer tipo de tarefa ou matéria-prima essencial forne-


cida por outra empresa e que garante o funcionamento do negó-
cio deve ser listada neste bloco.

O último bloco do modelo descreve todos os principais cus-


tos que têm peso no financeiro e são derivados da operacionalização
do negócio (PEREIRA, 2016).

Eles serão provavelmente oriundos dos blocos de recursos,


atividades e parcerias-chave. Porém, também será possível que
custos de canais sejam considerados como, por exemplo, comissão
de vendedores.

400
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

MODALIDADES DE INVESTIMENTOS EM STARTUPS

Quanto ao primeiro passo para os investimentos, deve-se


considerar o bootstrapping, em que o empreendedor, ou o grupo
de empreendedores, tira dinheiro do próprio bolso para investir na
empresa. Praticamente os startups criados começam com o sistema
bootstrapping até conseguirem investimentos maiores.

Há que se considera o investimento-anjo, em que o inves-


timento é efetuado por pessoas físicas com seu capital próprio em
empresas nascentes com alto potencial de crescimento.

Dessa formar o investidor-anjo tem a função de aplicar em


negócios com alto potencial de retorno, sendo que a expressão anjo
caracteriza um investidor que não é exclusivamente financeiro e
que fornece não apenas o capital necessário para o negócio, mas
apoia ao empreendedor, aplicando seus conhecimentos, experiência
e rede de relacionamento para orientá-lo e aumentar suas chances
de sucesso (MACHADO, 2017).

Considere-se ainda a capital semente, que se materializa


em uma boa fonte de recursos para empresas que ainda não estou-
raram, mas que já tem produtos ou serviços lançados no mercado
e algum faturamento.

De modo efetivo, a capital semente apoia startups em fase


de implementação e organização de operações, muitos deles con-
cebidos no seio das incubadoras de empresas (MACHADO, 2017).

Neste estágio inicial, os aportes financeiros ajudam, entre


outras funções, na capacitação gerencial e financeira do negócio.

401
Capítulo 19

Cabe considerar as incubadoras que se materializam no


modelo mais tradicional de investimento a partir de um projeto ou
uma empresa que apresenta como proposta, a criação ou o desen-
volvimento de pequenas empresas ou microempresas, apoiando-as
nas primeiras etapas de suas vidas. O processo de incubação inclui
ajuda com a modelagem básica do negócio, ajuda com técnicas de
apresentação, acesso a recursos de ensino superior, entre outros
(MACHADO, 2017).

As aceleradoras por sua vez, apesar de serem um tipo


moderno de incubadoras de empresas, já que o processo para parti-
cipar das aceleradoras é aberto, e as mesmas procuram por startups
consistindo de um time para apoiá-los financeiramente, oferecer
consultoria, treinamento e participação em eventos durante um
período específico, que pode ser de três a oito meses. Em troca, as
aceleradoras recebem uma participação acionária.

Ressalte-se a relevância do venture capital que se constitui


em uma modalidade de investimento utilizada para apoiar negócios
por meio da compra de uma participação acionária, geralmente
minoritária, com objetivo de ter as ações valorizadas para posterior
saída da operação. O risco se dá pela aposta em empresas cujo
potencial de valorização é elevado e o retorno esperado é idêntico
ao risco que os investidores querem correr (MACHADO, 2017).

O venture building representa um modelo que mescla


características das incubadoras, aceleradoras e venture capital,
sendo que fornece todo o planejamento estratégico, a captação de
recursos financeiros e humanos e estrutura física. O objetivo de
uma venture builder não é apenas criar um produto, mas construir
um negócio. De modo geral, a participação de uma venture builder

402
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

numa startup é grande, chegando a até 80% da estrutura acionária


na fase inicial (RIES, 2011).

A opção por uma das estratégias em destaque neste item, é


elementar para o processo de aceleração, crescimento e inovação
no interior das startups, assunto que é alvo de discussão no item
apresentado na sequência.

O processo pode ser dividido em duas partes: estruturação


do negócio e captação de investimento. O processo de obtenção de
investimento-anjo para criação de uma nova empresa (chamada de
startup) pode ser divido em duas etapas: a primeira de estruturação
do negócio e a segunda de captação do investimento. Assim, o
empreendedor que necessita dele para criação e desenvolvimento
de sua startup deve começar pela preparação e modelamento de
seu negócio.

Em primeiro lugar o empreendedor deve conhecer o que é o


investimento-anjo, para compreender no que poderá ajudar no seu
negócio, como deverá ser preparar, quais os requisitos e principais
termos da negociação, bem como o que ele deverá oferecer para o
investidor-anjo para se interessar pela startup dele (SPINA, 2015).

Na sequência é necessário contratar um Conselheiro (tam-


bém chamado de advisor), profissional experiente que possa orien-
tá-lo no desenvolvimento de todas estas etapas em troca de uma
pequena participação no negócio; o Conselheiro pode ser inclusive
um investidor-anjo, que posteriormente pode até se tornar o inves-
tidor-líder da sua startup.

Em uma fase seguinte existe a demanda por pesquisar o


mercado em que irá atuar, conversando com potenciais clientes

403
Capítulo 19

e principalmente testando e validando se suas ideias realmente


atendem às expectativas e necessidades deles, bem como que con-
correntes já atuam em seu segmento, para comparar suas vantagens
competitivas (SPINA, 2015).

Além disso, é necessário montar o time certo, isto é, ava-


liar quais competências (ex.: técnicas, de negócios, operacionais,
etc.) são essenciais para o seu negócio, se os fundadores têm as
mesmas e assim se será necessário buscar novos colaboradores
para complementarem.

Existe ainda a necessidade de desenvolver um protótipo ou


prova de conceito do principal produto/serviço que irá ofertar com
objetivo tanto de apresentar para os consumidores potenciais para
sua validação, quanto para o investidor-anjo, a fim de dar maior
clareza da sua proposta, bem como demonstrar sua capacidade de
execução (SPINA, 2015).

Cabe considerar ainda a elaboração de um pitch e uma


apresentação de seu modelo de negócio, que contenham os itens
mais relevantes dele, como qual necessidade seu produto/serviço
atende, como irá atender esta necessidade, qual o mercado-alvo/
perfil do cliente, como irá divulgar/comercializar, como/quanto
espera faturar e qual valor de investimento precisa e para que será
utilizado (SPINA, 2015).

O fato de ter uma ideia inovadora de negócio, mas estar


sem dinheiro para colocá-la em prática, demanda, por exemplo,
a prospecção de investidores-anjo. Este, constituem-se em finan-
ciadores que investem seu patrimônio pessoal em propostas de
negócios que não têm capital para serem implementadas.

404
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

O termo surgiu nos Estados Unidos e denominava financia-


dores que patrocinavam artistas da Broadway. Mas logo ganhou
o mercado e passou a identificar empresários e executivos que
investem e orientam a execução de novos negócios.

Essa forma de financiamento é recente no Brasil, mas


tem ganhado espaço, principalmente na incubação de pequenas e
médias empresas. A depender do seu tipo de projeto, o empreende-
dor pode encontrar o investidor-anjo na figura de um empresário ou
executivo interessado no seu segmento de negócios ou até mesmo
durante participação em eventos. De maneira geral, a apresentação
de sua ideia pode ser feita em rodadas de investimento, por meio
de plataformas online especializadas em negociações desse tipo
ou de convites feitos pelos próprios investidores.

As áreas de investimentos-anjo mais frequentes no país são


startups (ideias ou projetos embrionários que precisam de inves-
timentos), empresas já consolidadas que desejam inovar em sua
área de atuação, projetos imobiliários, franquias, atletas e artistas.

De modo fundamental, para ser financiado por um inves-


tidor-anjo, é necessário que a ideia de negócio atenda a critérios
como: seja inovadora e executável, apresente grande potencial
competitivo no mercado, demonstre perspectivas reais de con-
solidação e de crescimento e apresente limites de investimentos,
preferencialmente, entre R$ 100 mil e R$ 500 mil (SPINA, 2015).

O primeiro passo para atrair um investidor-anjo é elaborar


projeto detalhado, apresentando a ideia da empresa, o panorama
do mercado e as perspectivas de crescimento e consolidação do
empreendimento. Nesse sentido, é importante que nesse projeto
esteja desenvolvido um modelo de negócio. Feito isso, o projeto

405
Capítulo 19

deve ser apresentado para avaliação dos possíveis investidores. Eles


vão analisar as propostas e escolher aquelas que tenham interesse
em financiar.

Caso o investidor-anjo tenha interesse no projeto, serão


marcadas reuniões para debatê-lo. Essa fase é fundamental para
concretizar a transação, pois o investidor pode tirar dúvidas ou
solicitar alterações na proposta.

Se as etapas anteriores forem bem-sucedidas, é acordado


um contrato para definir as condições desse “casamento”. São esta-
belecidos direitos e deveres para ambas as partes, dando início à
implementação da proposta. Com o investimento-anjo, haverá o
financiamento total ou parcial da proposta de negócio. Isso possi-
bilita que novos empreendedores ousem na concretização de suas
ideias e não precisem recorrer a empréstimos ou a muitos sócios.

Para quem recebe esse tipo de investimento, outra vanta-


gem é o fato de esse financiador ser alguém com experiência de
mercado.

A experiência do investidor-anjo é importante para auxiliar


na implementação do negócio, pois ele poderá dar sugestões de
mudanças na proposta ou orientações sobre como aumentar os
investimentos e buscar novos parceiros (SPINA, 2015).

O empreendedor pode ser auxiliado por um ou mais inves-


tidores-anjo, isso dependerá da complexidade da proposta ou da
necessidade de mais investimentos.

Além do retorno direto para o empreendedor, a ação do


investidor-anjo desdobra-se com benefícios à economia, pois a

406
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

implementação de uma nova empresa abrirá vagas no mercado de


trabalho, gerando emprego e renda.

O empreendedor precisará ser capaz de explicar de forma


detalhada quanto dinheiro vai precisar (e neste sentido deve pergun-
tar-se se há como reduzir o valor necessário reduzindo, por exem-
plo, o ritmo de crescimento inicial) (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL
DE PRAIA GRANDE, 2019).

O empreendedor também precisará dizer como esse


dinheiro será empregado e quando ele deverá estar disponível,
assim como em quanto tempo se espera que este investimento seja
recuperado e uma estimativa de taxa de retorno (ASSOCIAÇÃO
COMERCIAL DE PRAIA GRANDE, 2019).

Além disso, existem seis variáveis que devem ser avaliadas


para fazer a escolha que seja mais vantajosa para o empreende-
dor diante da necessidade de precisar dinheiro de terceiros para o
investimento inicial (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE PRAIA
GRANDE, 2019):

a) Tempo: quando vai precisar dele; por quanto


tempo precisará dele;
b) Quantia: o valor a ser investido;
c) Utilização: é diferente pedir dinheiro para finan-
ciar investimento do que para financiar, por exem-
plo, capital de giro;
d) Custo: o preço do dinheiro é a taxa de juros.
O dinheiro brasileiro, o Real, é o dinheiro mais
caro do mundo. Procure ter que financiar o mínimo
possível.
e) Controle: muitas vezes parte das condições
impostas pelo investidor envolve a interferência
deste nas operações da empresa, seja por meio de
participação na empresa, seja pela imposição de
disposições transitórias enquanto o dinheiro não é
devolvido ou outros meios;
f) Consequências: o preço a pagar para cada alter-

407
Capítulo 19

nativa. O que pode acontecer se alguma condição


não for respeitada pelo empreendedor (por exem-
plo, atrasar um pagamento; ou não crescer como
esperado) (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE
PRAIA GRANDE, 2019, não paginado).

Ou seja, não é apenas o valor e o custo que importam. É


o conjunto das condições enumeradas acima que devem orientar
a decisão.

O financiamento envolve duas questões: avaliar as opções à


disposição do empreendedor e avaliar os meios para poder acessar
tais fontes de financiamento, entre opções como: recursos próprios,
família e amigos, clientes, fornecedores (veja se aceitam uma par-
ceria; empresas de leasing; microcrédito; financiamento coletivo
pela internet (crowdfunding); investidores anjos; capital semente;
incubadoras (lhe fornecem suporte e serviços administrativos bási-
cos, assim com assessoria e acesso a outras fontes de financia-
mento; programas Estaduais de fomento (Agências governamen-
tais); sócios capitalistas (muitas vezes o empreendedor encontrará
pessoas que, em troca do dinheiro necessário para o investimento
sem exigir garantias, exigem tornar-se sócios, com participação
elevada, e a devolução do dinheiro em um prazo pré-determinado
com juros de mercado – ou seja, o dinheiro não se torna parte do
capital da empresa se tornando apenas um empréstimo); bancos
oficiais (BNDES); bancos privados; fundos de Investimento; facto-
ring (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE PRAIA GRANDE, 2019).

Em todos os casos o empreendedor precisará ter desenvol-


vido um bom Plano de Negócios e fortes argumentos que sustentem
a resposta a qualquer pergunta que venha a ser feita pelo potencial
investidor, que envolvem não apenas as questões financeiras do
empreendimento, mas, também, os seus diferenciais competitivos

408
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

e os fatores críticos de sucesso (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE


PRAIA GRANDE, 2019).

No que concerne ao investimento anjo, conforme já men-


cionado, este constitui-se em uma forma de financiamento de
startups feito por pessoas físicas. Em geral, esses investidores são
ex-executivos que reservam uma parte de suas economias para
incentivar e apoiar o empreendedorismo.

Portanto, a sua ação não se limita ao financiamento, mas


também envolve um acompanhamento da evolução do negócio e
uma mentoria aos empreendedores

Em geral, os investidores anjos tornam-se sócios da startup


durante o tempo em que dure a sua ação, revendendo a sua par-
ticipação para os sócios originais após o empreendimento atingir
um certo grau de maturidade.

Devido ao grande interesse de empreendedores por esse


tipo de financiamento, os investidores anjos criam algumas regras
para poder selecionar periodicamente empreendimentos com alto
potencial de sucesso (MIGUENS, 2017).

Por último, se tiver um bom projeto em mãos e estiver


precisando de investimento, recomendo o investimento anjo
como forma de financiamento. É uma ótima opção, em função
da sua simplicidade, se comparada com outros mecanismos de
financiamento.

O fato de os investidores anjo serem pessoas físicas os


diferencia de incubadoras e aceleradoras, que são representadas
geralmente por pessoas jurídicas (MIGUENS, 2017).

409
Capítulo 19

Há outra forma de financiamento de startups feito também


por pessoas físicas: o crowdfunding, ou financiamento coletivo. Sua
característica principal é que ele é operacionalizado pela internet.
É basicamente uma série de pequenas “doações” ou contribuições.
Normalmente, é estabelecida uma meta de arrecadação em um
determinado prazo que, se não for atingida, gera a devolução dos
valores arrecadados.

Já o investimento anjo é feito por poucas pessoas físicas


(em geral entre 2 e 5 pessoas, com o objetivo de diluir o risco) que
se dispõem a financiar startups em valores relativamente pequenos
(até 1 milhão de reais) (MIGUENS, 2017).

Cabe ressaltar que o funcionamento desses instrumentos


de financiamento de startups pode mudar de país para país, em
função das respectivas legislações tributárias, fiscais e societárias
(RIES, 2011).

Apenas uma ideia não é suficiente para atrair um investidor.


Será necessário então preparar um plano de negócio e fazer pesqui-
sas que forneçam sustentação à sua ideia. Envolve também fazer
projeções financeiras para ao menos cinco anos de funcionamento
do novo empreendimento, explicando claramente as premissas
que sustentam tais projeções (vendas, receitas, custos e despesas).

Os investidores anjos também são cobrados no mercado, o


que demanda que executem suas ações e práticas de investimentos
por meio de boas práticas.

410
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

BOAS PRÁTICAS PARA INVESTIMENTO ANJO

Cabe considerar inicialmente que investimentos em startups


são de alto risco. Em média 50% das novas empresas fecham após
um ano, por isso estes investimentos deveriam representar apenas
uma pequena parcela do seu portfólio (MIGUENS, 2018).

A redução do risco implica em compreender que a maioria


das startups vai falhar, por isso os investidores não devem investir
mais do que estão confortáveis em perder.

É fundamental começar pequeno e só aumentar os investi-


mentos à medida em que a empresa tenha adquirido conhecimento
suficiente sobre capital de risco, respeitando o limite de 5% do
patrimônio em investimentos em startups (MIGUENS, 2018).

Há que se considerar a importância de co-investir com


investidores experientes. Entretanto ter um Investidor Líder não
é de forma alguma garantia de que a empresa será bem-sucedida
(MIGUENS, 2017).

Ao contrário de ações negociadas em bolsa, investimentos


em startups têm baixíssima liquidez e não poderão ser resgatados
a qualquer momento. Investidores podem transferir seus Títulos a
terceiros, desde que estes atendam a qualificação mínima informada
no momento da oferta.

Startups mudam de planos constantemente e, por vezes,


acabam entrando em mercados não previstos com novos produtos.
Previsões e orçamentos não garantem, portanto, fiel execução.

411
Capítulo 19

Invista em uma startup porque você ama a sua missão, e não apenas
pelo possível retorno financeiro.

No que concerne aos critérios utilizados para avaliar star-


tups, cabe considerar o comprometimento do empreendedor, a
constatação de uma ideia inovadora, com diferencial claro frente
aos concorrentes, além de uma equipe formada por pessoas com
habilidades complementares e a capacidade de execução da ideia
(MIGUENS, 2018).

Depois de identificar o estágio em que se encontra seu pro-


jeto e conseguir o domínio do negócio, o empreendedor consegue
avaliar se está pronto para buscar investimento. Se você já chegou
nesse momento tão importante, saber como os investidores avaliam
os projetos aumentará suas chances de sucesso.

Os avaliadores de projetos recebem centenas de propostas


todos os meses e, geralmente, têm pouco tempo para avaliar todas
elas. Para transformar sua ideia em negócio, você deve estar pronto
para fornecer e explicar ao futuro investidor algumas informações
essenciais sobre o seu empreendimento, que são:

- Proposta de valor: qual é o diferencial do seu


projeto, aquilo que só você oferece e que torna o
seu negócio inovador.
- Produto ou serviço: o que você oferece ao mercado.
- Modelo de negócio: como você e o investidor
ganharão dinheiro, ou seja, quais são as fontes de
receita da sua empresa e como o consumidor pagará
pelo seu produto ou serviço.
- Potencial de desenvolvimento: qual é o tamanho
do mercado, como sua empresa está posicionada
em relação às concorrentes e qual é o potencial de
crescimento de seu negócio.
- Time: qual é o perfil da sua equipe e qual é a exper-
tise de seus membros, ou seja, qual colaborador sabe

412
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

vender, qual sabe administrar etc. Se seu projeto


já conta com uma equipe, esse é um ponto a seu
favor, pois um empreendedor sozinho dificilmente
consegue investidor para sua ideia.
- Saúde financeira: quais são as projeções de fatura-
mento para os próximos meses e para os próximos
anos.
Se sua empresa está no vermelho, isso não é um
problema para o investidor. Nesse momento, o mais
importante é que você saiba a real situação de seu
caixa.
- Recursos necessários: de quanto dinheiro cada
fase do projeto precisará e onde o dinheiro será
aplicado (MIGUENS, 2018, p. 6).

A saúde financeira da empresa é um ponto muito anali-


sado pelos investidores, porque eles querem alocar recurso para
a mesma crescer.

Para chamar a atenção do investidor, é bom você conhecer


também os pontos negativos, aqueles que desestimulam o investi-
mento, que levam os investidores a decidirem por não alocar seus
recursos em um projeto. Um deles é o empreendedor dono da ver-
dade, que não aceita opiniões e críticas de outras pessoas porque
tem um apego muito forte pelo projeto. Pessoas com esse perfil
dificilmente conseguem investidores porque tornam o desenvolvi-
mento do projeto muito longo. Muitas vezes, quando o produto vai
para o mercado, ele precisa de ajustes – a fase de pivotagem, da
qual os investidores tanto gostam, mesmo que seja preciso mudar
o foco do projeto, o formato do produto ou o mercado de atuação
(MIGUENS, 2018).

Um empreendedor dono da verdade fica muito preso à sua


ideia original e pode não fazer a pivotagem necessária. Por isso,

413
Capítulo 19

os investidores se afastam, não colocam recursos no projeto ou


demoram muito para fazer isso.

Um ponto negativo é ter mercado de baixa escala ou de


baixa densidade. Os investidores não veem no empreendimento o
potencial de crescimento necessário para terem retorno do recurso
investido.

Todo investidor tem um tempo de investimento definido,


um período que ele determina como ideal para acontecerem os pro-
cessos de investimento e de desinvestimento. Este último é aquele
em que se espera o retorno do recurso empregado. Se o mercado
não é atrativo, então será preciso muito mais tempo para o recurso
retornar para o investidor, por isso ele se afasta.

O valor do investimento também pode se tornar um ponto


negativo. Buscar um volume de recursos muito grande logo no
início pode restringir os investidores, ou seja, pode diminuir o
número de pessoas com disponibilidade para oferecer o recurso
necessário. Se você buscar valores altos, encontrará dificuldade
para obter financiamento e viabilizar seu projeto. Esse não é um
fator decisivo: se o projeto for muito bom, pode haver investidores
dispostos a alocar recursos altos, mas, em linhas gerais, isso não
é comum, nem fácil (MIGUENS, 2018).

CONCLUSÃO

As startups constituem-se em empresas cujo foco é sempre


o crescimento para trazer resultados excelentes no médio e longo

414
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

prazo. Dessa forma, quando passam a ser lucrativas nos primeiros


anos, reinvestem todo o capital para continuar acelerando esse
crescimento.

O referido crescimento depende, em grande medida do


investidor anjo. Este, ao investir nas fases inicias do desenvolvi-
mento de startups, pode conseguir retornos expressivos, medidos
em múltiplos do capital investido, no caso de sucesso da empresa.

O tamanho desses retornos potenciais acabam compen-


sando e permitindo que o investidor fique confortável com o fato
de que a maioria das startups de seu portfólio pode não dar certo.
Isso é natural e faz parte da estratégia de investir em startups.

O que importa, de modo efetivo, são os retornos do seu


portfólio de investimento anjo como um todo.

No Brasil, geralmente, o investimento anjo era restrito a


investimentos individuais entre R$ 30 mil e R$ 300 mil. Mas o
surgimento de plataformas de investimento anjo, como a EqSeed,
permitiu que grupos maiores de investidores-anjo participem em
rodadas de investimento anjo juntos. Assim, os mesmos investi-
dores-anjo hoje conseguem participar em rodadas de investimento
com valores de até R$ 2,4 milhões.

Esse desenvolvimento no mercado é importante para os


investidores-anjo do país, pois permite não somente participar das
fases bem iniciais das empresas, mas também das fases seguintes,
quando a empresa tem mais tração, usuários e até faturamento
como provas do conceito de seu modelo de negócios.

O investidor anjo está disposto a correr esse tipo de risco


porque sabe que, se diversificar seu portfólio de investimentos com

415
Capítulo 19

outros ativos financeiros e construir uma carteira de boas startups


com enorme potencial, pode atingir resultados muito superiores a
qualquer outro ativo financeiro disponível no mercado. Dessa
forma, você como investidor anjo utiliza da melhor estratégia para
diminuir os riscos e buscar altos retornos.

Quanto ao retorno do investimento anjo, pode-se afirmar


que as startups e empresas em expansão geralmente passam
por várias rodadas de investimento para que possam atingir seus
objetivos de crescimento acelerado. A cada rodada de investimento
o valor da empresa (valuation) geralmente aumenta, valorizando
o investimento anjo.

Caso a empresa seja bem-sucedida, ela terá destaque e con-


quistará uma parcela importante de seu mercado. Assim, se tornará
potencialmente muito interessante para uma fusão ou aquisição por
parte de uma grande corporação.

É nesse momento que a empresa pode ser vendida, e o


investidor também realiza a venda de sua participação. Potencial-
mente o valor da venda da participação é muito maior do que o
investimento anjo realizado quando a empresa ainda era menor.

O conceito de investimento anjo é baseado em investir


quando a empresa ainda é enxuta, uma pequena e excelente equipe
com um produto ou serviço escalável. Essas startups de grande
potencial buscarão várias rodadas de investimento futuros para
decolar. Isso permite um crescimento exponencial da empresa e,
consequentemente, do valor de sua participação.

No Brasil, a venda da empresa para uma grande corpora-


ção é a forma mais comum de trazer retornos significativos para o

416
A Importância das Startups e dos Investidores Anjo para o Desenvolvimento
de Novos Negócios

investidor anjo. Mas, também pode-se negociar suas ações na bolsa


de valores, o chamado IPO, que também representa um evento de
liquidez para você como investidor.

A empresa também pode tomar a decisão de distribuir seus


lucros para seus acionistas, os chamados dividendos.

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419
CAPÍTULO 20
O FEMINISMO FRENTE À LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA: A GARANTIA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS DA
MULHER

Nayra Ingrid Mesquita Ferreira Mattos


Regina Maria de Souza

INTRODUÇÃO

Pretende-se estudar a evolução dos direitos e garantias das


mulheres. A forma que o feminismo influenciou esse progresso
e a razão que leva a sociedade a resistir em aceitar os avanços
na legislação. A problemática encontrada no referido tema, é a
resistência das pessoas em aceitar as mudanças no comportamento
feminino contemporâneo e a constante refutação nas alterações
da legislação que as protegem e resguardam os mesmos direito e
deveres que os homens.

Ao longo da história, as mulheres travaram árduas lutas


para conseguirem alcançar liberdades e garantias. Entretanto,
mesmo com todas as conquistas no decorrer dos anos, há uma
enorme desigualdade de gênero, desencadeando ainda vários tipos
de violência.

A ideia de hierarquia do homem é uma questão histórica.


A figura feminina é vista há muito como objeto, para satisfazer
as necessidades masculinas, desempenhando o papel de esposa e

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: AS CIÊNCIAS HUMANAS E 421


SOCIAIS A SERVIÇO DA SOCIEDADE
Capítulo 20

mãe, sendo posse privada do marido e do pai. Na questão sexual, a


cultura do estupro no Brasil basicamente iniciou-se com a chegada
dos colonizadores, que forçavam as nativas a se relacionarem com
eles. É a partir desse momento que começa o processo de misci-
genação. Os livros de história muitas vezes deixam de mencionar
essa situação de degradação feminina, que foi uma violação contra
seu corpo e sua cultura.

Nas primeiras leis que regiam a ordem pública do Brasil, a


mulher dependia da aprovação do pai, ou marido se fosse casada,
para exercer sua vontade em algumas atividades civis, no entanto,
caso sua vontade fosse concernente a assuntos familiares ou divór-
cio, a título de exemplo, elas não tinham direito de opinar, pois
esse era um assunto exclusivamente masculino.

É notório, que a cultura dos antepassados interfere no


século atual, gerando violências e discriminações contra mulhe-
res no ambiente familiar, social, no trabalho e em várias outras
situações. A perseverança dos grupos feministas foi e é de extrema
importância para a evolução das leis que as protegem. A principal
caraterística desses movimentos é a busca pela igualdade e conse-
quentemente por uma maior participação na sociedade.

O movimento feminista, que começou efetivamente depois


da Revolução Industrial, tem como uma de suas principais bandei-
ras a luta para fazer uma transformação social ampla em relação à
mentalidade coletiva e ao papel social ainda designado às mulhe-
res. Surgiu dedicando-se há igualdade de direitos políticos, civis,
educacionais, privilégios que eram reservados apenas aos homens
(CANCIAN, 2016).

422
O Feminismo Frente à Legislação Brasileira: A Garantia dos Direitos
Fundamentais da Mulher

O grupo denuncia as vantagens do sexo masculino ao longo


da história, ao passo que, as mulheres são negligenciadas. Os pode-
res foram predominantemente masculinos, com isso, tendo total
dominação sobre o corpo e o comportamento das mulheres, requi-
sitos que se observa ainda no século atual. É relevante constar
que o feminismo não é o oposto de machismo, esse último é uma
construção da sociedade que justifica comportamentos de agressão
e opressão contra o sexo feminino. Já o feminismo, luta contra as
manifestações patriarcais da sociedade, com o objetivo de assegurar
igualdade de condições entre os gêneros.

O FEMINISMO E O DIREITOS DAS MULHERES BRASILEIRAS

Há três diferentes fases que dividem as manifestações, cada


uma delas marcada por distintas características que são classifi-
cadas como ondas. Foi assim que grupos espalhados pelo mundo
e no Brasil foram tomando corpo, lutando e alcançando inúmeros
direitos.

Mulheres que lutavam pela igualdade existiam bem antes


do feminismo, mas foi a partir da Revolução Industrial no século
XIX que esse cenário se transforma substancialmente. Elas come-
çam a trabalhar nas fábricas fazendo parte da força econômica, com
isso, aos poucos começaram a se organizar como grupo e foi nesse
momento que ocorreu a primeira onda (PINTO, 2010).

Nesta fase destaca-se uma mulher chamada Celina Guima-


rães Viana, seu nome é relacionado ao feminismo pelo fato de ser
a primeira a efetivar o alistamento eleitoral no Brasil. Segundo o

423
Capítulo 20

Tribunal Regional Estadual do Espirito Santo (2014), o aconteci-


mento é significativo, pois aconteceu em 1928 e a lei que permitia
o direito ao voto das mulheres foi promulgada apenas em 1934.
Celina deu entrada em uma petição requerendo sua inclusão no rol
dos eleitores, a qual foi aprovada sendo possível que ela votasse
nas eleições da época, porém seu voto não foi computado, ela era
do Rio Grande do Norte e esse fato não repercutiu a nível nacional.

Entretanto, Maria Ernestina Carneiro Santiago Manso


Pereira, mulher, feminista, escritora e advogada de notoriedade
nesse período, notou em 1928 que havia uma brecha na Consti-
tuição, essa não mencionava em momento algum a proibição do
voto feminino, assim deixando de proibir expressamente o direito.

A Constituição da República Federativa dos Estados Unidos


do Brasil (BRASIL,1891), no seu art. 70, caput, expressava “São
eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma
da lei”, nesse trecho nota-se que não há nenhuma discriminação de
sexo. Com isso, a advogada entrou com um mandado de segurança
e obteve sentença, fato inédito no país. O acontecimento foi de
extrema relevância para os debates e discussões a respeito do voto
feminino, ganhando mais popularidade e intensidade.

O próximo acontecimento se deu pela advogada que exigiu


o estudo à Câmera dos Deputados sobre a condição das mulhe-
res casadas no Código Civil brasileiro da época, Romy Martins
Medeiros não concordava com as leis que as submetiam a tutela do
companheiro, com o apoio de outra advogada chamada Orminda
Ribeiro Bastos produziram uma nova proposta que ampliasse
os direitos femininos. Em 1951, foi apresentado ao Congresso
Nacional, mas, ainda que tenha causado muita repercussão o pro-

424
O Feminismo Frente à Legislação Brasileira: A Garantia dos Direitos
Fundamentais da Mulher

jeto tramitou por dez anos através da burocracia do parlamentar.


Somente depois desse período, com muita pressão dos movimentos
de mulheres, foi aprovado. (MOTTA, 2017).

Apesar da demora, o Novo Código Civil de 27 de agosto


de 1962 (BRASIL, 1962), terminava com a tutela dos maridos
sobre as suas esposas.

Com essa conquista, as mulheres não precisariam mais da


autorização do marido se quisessem trabalhar fora de casa, receber
herança, ou viajar. Garantindo há elas liberdade de escolha, sobre
alguns aspectos da sua vida.

Manifestações sobre direitos civis, liberação sexual e o


surgimento da pílula anticoncepcional, acaba trazendo assuntos
específicos sobre a questão dos homossexuais, da mulher negra e
das indígenas. O principal objetivo das mulheres era igualdade de
direitos e liberdade, dedicando-se a uma nova forma de convívio,
de forma unilateral, entre os sexos. Esse período se efetiva entre
os anos de 1960 a 1990. (PINTO, 2010).

O Brasil acompanhava e discutia com grande entusiasmo


os movimentos populares e associações feministas que vinham de
fora. Mas, a ditadura chega e acaba com o direito de manifestações.
Uma mulher em especial chamada Therezinha Zerbini, ativista
que lutava pelos direitos humanos e também advogada, foi quem
originou o Movimento Feminino pela Anistia, esse, era composto
por mulheres que guerreavam pelo perdão dos presos políticos no
período da ditadura militar no país. (DUARTE, 2016).

Com o aumento da escolarização feminina e da estabili-


zação democrática do país, os objetivos do movimento foram se

425
Capítulo 20

adaptando conforme a dinâmica da sociedade. Com isso chega


à terceira onda, que de acordo com Consolim (2017) teve seus
principais movimentos na década de 1990, tendo como pauta a
liberdade total para as mulheres, a preocupação com o uso que a
sociedade, os homens e ela mesma fazem do seu corpo.

Diante do exposto até o momento sobre todos os direitos


conquistados, é relevante citar Beauvoir (2016), de acordo com ela,
seja qual for a crise, política, religiosa ou econômica, coloca sobre
questionamento os direitos já conquistados pelas mulheres. Com
isso, compreende-se que esses não são permanentes, sendo neces-
sário que todos fiquem em constante vigília. Apesar das conquistas
até o presente século todos esses direitos e garantias das mulheres
ainda é pauta para debates, com a sociedade relutando a aceitar.

O MOVIMENTO FEMINISTA ATUALMENTE

Apesar das inúmeras conquistas das últimas décadas ainda


há muito a realizar. O movimento feminista tem se tornado cada
vez mais múltiplo, formado por inúmeros tipos de mulheres, com
as mais diferentes realidades e vivências. E é justamente essa diver-
sidade que faz com que a pauta do movimento se torne mais ampla
e capaz de promover grandes transformações sociais.

Além da busca pela total igualdade de direitos e de opor-


tunidades, dentro do movimento feminista existem pautas e lutas
específicas referentes as mulheres negras, lésbicas, transsexuais,
deficientes, indígenas, entre muitas outras. Assim, questões como a
obrigatoriedade da maternidade, crimes sexuais, direito ao aborto,

426
O Feminismo Frente à Legislação Brasileira: A Garantia dos Direitos
Fundamentais da Mulher

violência doméstica, diversidade de gêneros e de sexualidades são


questões muito atuais dentro do movimento feminista.

A violência doméstica, faz muitas vítimas pelo Brasil. Uma


conquista importante sobre esse crime é a Lei n° 11.340/06 (BRA-
SIL, 2006), específica para casos de violência doméstica que entrou
em vigor depois da luta de Maria da Penha, ela levou um tiro de seu
marido e foi parar em uma cadeira de rodas. Verifica-se que uma
lei de proteção feminina, depende muito de protestos ou discussões
de mulheres que sofreram algum tipo de violência.

A referida lei foi sancionada em 7 de setembro de 2006 ins-


tituída por base no artigo 226 § 8° da Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988) para reparar a irregularidade inconstitucional do
Estado brasileiro, que divergia com a CEDAW - Convenção sobre
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres - da ONU.
A omissão confrontava igualmente com a Convenção de Belém
do Pará legitimada em 1995 pelo Brasil.

Observa-se que no Brasil até 2006 não possuía legislação


específica quanto à violência contra a mulher. Antes de sancionar a
Lei Maria da Penha, aplicava-se a 9.099 de 1995 (BRASIL, 1995),
a qual instituiu aos Juizados Especiais Criminais para tratar especi-
ficamente dos crimes de menor potencial ofensivo, resultando em
neutralizar o padrão de violência, consequentemente aumentando
a hierarquia entre os gêneros e a vulnerabilidade feminina.

427
Capítulo 20

LEGISLAÇÃO CONTEMPORÂNEA, SOBRE A PROTEÇÃO


DOS DIREITOS DA MULHER BRASILEIRA

O Brasil possui muitas leis ordinárias que tem por objetivo


a proteção da mulher. As quais foram desenvolvidas pelo Poder
Legislativo, visando levar em prática os compromissos assumidos
pelo Estado brasileiro em convenções e tratados, tendo em vista a
plena consumação dos direitos humanos femininos no país.

Para um melhor esclarecimento, é relevante abordar algu-


mas das leis de proteção da mulher. O crime de estupro sofreu
alterações necessárias com a realidade contemporânea da sociedade
e essenciais para uma maior proteção a vítima.

A mulher tem direito à inviolabilidade de seu


corpo, de forma que jamais poderão ser empre-
gados meios ilícitos, como a violência ou grave
ameaça, para constrangê-la à prática de qualquer
ato sexual. Embora a relação sexual constitua dever
recíproco entre os cônjuges, os meios empregados
para sua obtenção são juridicamente inadmissíveis
e moralmente reprováveis. Qualquer interpretação
contrária constitui grave violação ao princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana
(CAPEZ, 2018, p. 108).

Capez (2018) destaca que a mulher tem a liberdade sobre


seu corpo assegurada pela legislação, dessa maneira não sendo
aceitas práticas de atos ilícitos, para intimidá-la e obrigá-la a consu-
mar nenhum ato sexual, muito menos dentro do próprio casamento.

As modificações no crime de estupro se deram pela Lei


12.015/2009 (BRASIL, 2009). No atual texto, o crime tem clas-

428
O Feminismo Frente à Legislação Brasileira: A Garantia dos Direitos
Fundamentais da Mulher

sificação livre, podendo ambos os sexos se configuraram como


sujeito passivo ou ativo.

No §2° do art. 13 do Código Penal (BRASIL, 2009) houve


alteração na pena máxima, que foi estendida de 25 para 30 anos.
Verifica-se, igualmente, a abrangência da qualificadora, consi-
derando que o legislador substitui a expressão “violência” pela
“conduta”. O crime continua caracterizando-se como hediondo
em todas as suas formas. A mudança foi concernente ao estupro
realizado contra vítimas maiores de 14 (quatorze) anos ou menores
de 18(dezoito) anos, que foi incluso no rol de crimes hediondos.

No ano de 2015, foi promulgada mais uma lei para uma


maior proteção das mulheres, conhecida como Feminicído, foi
tipificado na lei 13.104/15. Essa lei modifica o art. 121, do Código
Penal de 1940 e o art. 1° da lei 8.072/90, incluindo o Feminicídio
como circunstância qualificadora do crime de homicídio e também
no rol de crimes hediondos (BRASIL, 2015).

Para ser enquadrado nesse crime, devem estar presente


os seguintes requisitos: violência doméstica: quando o criminoso
é íntimo da vítima ou já manteve algum laço afetivo com ela e
menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher: quando
o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela miso-
ginia e pela objetificação da mulher. (BRASIL, 2019)

Além disso, em 2018 o legislativo tipificou a conduta de


importunação sexual, incluindo o artigo 215-A na Lei n° 13.718/2018
“Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com
o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena -
reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime
mais grave” (BRASIL, 2018, p. 1).

429
Capítulo 20

É perceptível que mesmo com a vigência das leis os casos


ainda se repetem. À vista disso, o Projeto de Lei n°621/2019 pre-
tende trazer ao artigo 216 do Código Penal a seguinte redação
“Constranger alguém mediante a prática de atos libidinosos em
espaços públicos e dentro de transportes coletivos, por meio que
impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”
(BRASIL, 2019, p.1).

Referido projeto pretende aplicar uma punição mais severa


para quem pratica esses tipos de crimes em transportes públicos.
São julgados como atos libidinosos os episódios que ocorrerem
contato ou acontecimentos que injuriam, desagradam a dignidade
sexual com uma proporção menor do que a conjunção carnal.

Já o Projeto de Lei n° 2.143/2019, torna imprescindíveis


câmeras de monitoramento e um botão de pânico no interior de
veículo cadastrado em serviços de viagens por aplicativo. Esse
projeto exige, por exemplo, que as imagens sejam feitas do início
ao final da corrida, e torna obrigatório o armazenamento delas por
um período de 30 dias, além de conter um adesivo informativo para
que os passageiros saibam que estão sendo filmados. O propósito,
apesar de tratar-se da proteção dos passageiros de uma forma geral,
poderá ser útil para uma maior prevenção contra crimes sexuais.
Contudo, um ponto a gerar debates é se tal proposta excede os
limites da intimidade privada, apesar de ser uma justificativa para
uma maior segurança nesses tipos de serviços.

Diante do exposto até o presente momento, notam-se as


diversas leis existentes e projetos para uma melhor proteção femi-
nina, porém uma reportagem demonstra o cenário real ainda vivido
pelas mulheres no país.

430
O Feminismo Frente à Legislação Brasileira: A Garantia dos Direitos
Fundamentais da Mulher

Nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram


espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento
no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasilei-
ras passaram por algum tipo de assédio. [...]. Após
sofrer uma violência, mais da metade das mulheres
(52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda.
(FRANCO, 2019).

Em suma, apesar do grande avanço na legislação e da igual-


dade material, a efetividade da lei não está sendo suficiente para
uma diminuição significativa das violências contra mulheres, isso
ocorre pelo fato do machismo e patriarcalismo ainda serem enrai-
zados na estrutura social brasileira.

MOTIVOS QUE LEVAM AS MULHERES A NÃO DENUN-


CIAREM SEUS AGRESSORES

No Brasil as mulheres que sofrem de violências decorrente


ao gênero, acabam sendo vítimas duas vezes, primeiro do agres-
sor e em seguida da sociedade. No caso de violência sexual, por
exemplo, 42% dos brasileiros homens acreditam que mulheres
que se dão ao respeito, que não usam roupas curtas ou que não
saem sozinhas a noite, não são estupradas. Porém o lado oprimido
também tem o pensamento assim, entre as mulheres, o percentual
é de 32%. (G1, 2016).

Muitas delas não conseguem identificar um ato de assédio,


por conta da normalização que a sociedade dá a ele. E na maioria
dos casos, são crimes de difícil comprovação, por ocorrem em
lugares afastados ou em quatro paredes, sem testemunhas, deixando
as vítimas com medo de ninguém acreditar nelas ou as julgarem.

431
Capítulo 20

O medo e a vergonha de relatar que sofreu esse tipo de vio-


lência, o sentimento de culpa, impedem as vítimas de denunciarem.
A partir da denúncia, a vítima precisa contar sua história e passar
por toda a situação novamente em sua cabeça, além de não ter a
certeza que vai conseguir incriminar o seu estuprador.

A culpabilização da vítima de assédio sexual, são traços


herdados de anos de submissão e inferiorização da mulher bra-
sileira. Mulheres são atacadas nas ruas, igrejas, escolas, em suas
próprias casas, muitas notícias comprovam o fato. Uma reportagem
de fevereiro desse ano, revela a situação desse tipo de violência nas
escolas brasileiras “No estado de São Paulo, a polícia registra em
média um estupro e/ou uma tentativa de estupro por dia dentro de
estabelecimentos escolares públicos e privados incluindo berçários
(SOUTO, 2020).

Nos casos de violência doméstica o vínculo emocional e


muitas vezes financeiro com o agressor torna a decisão de denun-
cia-lo mais difícil. O vínculo faz com que na maioria das vezes a
vítima não reconheça a violência, o medo de estragar a sua família,
ou de passar fome e não conseguir sustentar os filhos, isso tudo
dificulta para a mulher se enxergar como vítima. Nana Sores, do
jornal Estadão escreve uma realidade brasileira:

A realidade brasileira urge que enterremos a máxima


de que em briga de marido e mulher não se mete a
colher. Se mete sim, a colher, o garfo e o faqueiro
todo. Nossa omissão custa vidas todo santo dia.
Doze delas, para ser mais exata. Sob a falsa des-
culpa de respeitar a privacidade alheia e de que
ninguém sabe o que realmente acontece dentro de
uma relação, tapamos os olhos para tragédias anun-
ciadas. Não ligamos para sinais de relacionamentos
abusivos que identificamos todos os dias, agimos

432
O Feminismo Frente à Legislação Brasileira: A Garantia dos Direitos
Fundamentais da Mulher

muito pouco quando vemos uma violência explí-


cita no meio da rua. O resultado é que as mulheres
continuam sendo mortas por seus parceiros, muitas
vezes com plateia (SOARES, 2018, não paginado).

A vitimização das mulheres em vários tipos de violências,


se dá pelo fato da maneira imprópria que a sociedade e algumas
instituições tratam as violências. Mas ao logo do artigo, percebe-
-se que os questionamentos e culpabilização da mulher pode ser
desacreditados pelas estatísticas e casos reais.

FATORES DE INFERIORIZAÇÃO DA MULHER NO CON-


TEXTO SOCIAL

A luta das mulheres é constante. Com o patriarcado e a infe-


riorização da figura feminina tão presentes no convívio social, essa
batalha torna-se mais difícil. Além disso, o machismo no Brasil
ainda é frequente, estando na mente de pessoas de baixo ao alto
nível cultural, homens e até mesmo mulheres.

A população, de certa maneira, contribui para a dificuldade


das mulheres conseguirem alcançar a igualdade. O gênero é uma
construção social, sendo ações aprendidas pelo processo de socia-
lização. Aprende-se a se tornar homem e mulher e tolerar como
normal, natural, às relações de poder entre os sexos.

É relevante destacar a data da primeira edição do livro


citado acima, 1949. Espantoso verificar que as palavras escritas
nesses trechos valham para os dias atuais. A mulher, nessas e em

433
Capítulo 20

diversas ocasiões tem de lutar para conseguirem se igualar aos


homens nos direitos e garantias.

Mesmo sendo elencado no art. 5°, I da Constituição da


República de 1988 que “Todos são iguais perante a lei, sem distin-
ção de qualquer natureza, [...] I - homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL,
1988, p. 2).

A constituição garante os mesmos direitos em todos os


sentidos, porém, a cultura que há no Brasil desde a sua existência
faz muitas mulheres sofrerem até os dias atuais com discrimina-
ções e violências. Essa visão de inferiorização da figura mascu-
lina e também da sociedade em geral em relação às mulheres,
acaba normalizando a prática de violências. Mesmo com todas
as mudanças sociais, culturais e legislativas o método patriarcal
permaneceu. É possível afirmar que ele sofreu uma evolução, no
entanto, ainda possui como base a superioridade e a subordinação.
É nessa conjuntura que a relação de homem e mulher permanece
herdando características distintas, entretanto essas diferenças nos
dias atuais são encontradas com menos evidência. Mas, mesmo
assim, manipulando o padrão ideal feminino moderno.

CONCLUSÃO

Dessa forma verifica-se no decorrer do trabalho a cons-


tante batalha das mulheres pelos seus direitos e a influência que o
feminismo teve nos avanços legislativos. Mas apesar de todas as

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O Feminismo Frente à Legislação Brasileira: A Garantia dos Direitos
Fundamentais da Mulher

conquistas e leis vigentes a cultura patriarcal no país dificulta a


aceitação da sociedade em relação ao avanço dessas legislações.

Assim sendo, os movimentos feministas se tornaram mais


comuns, mulheres de diferentes personalidades e realidades rei-
vindicando mais respeito e oportunidades iguais aos homens. As
diversidades nos movimentos os tornam mais amplos na busca de
direitos e garantias capaz de promover grandes transformações
sociais. Assim, questões como a obrigatoriedade da maternidade,
crimes sexuais, direito ao aborto, violência doméstica, diversidade
de gêneros e de sexualidades são questões muito atuais dentro do
movimento.

Portanto, ao contrário do que muitos pensam o feminismo


não é adverso ao machismo. Esse último é composto por miso-
ginia, preconceito e inferiorização do sexo oposto ao masculino.
A primeira luta por oportunidades iguais a homens e mulheres,
têm como principal bandeira a luta para uma transformação social
ampla em relação à mentalidade coletiva e ao papel social ainda
designado às mulheres, os quais são comportamentos que ainda
hoje são considerados naturais na sociedade, mas que ainda são
responsáveis por diversas violências. Mesmo com esses avanços
na legislação, há ameaças de retrocessos ligados, principalmente,
às questões de saúde e direitos reprodutivos e do direito a ser autô-
noma, sem nenhuma discriminação da sociedade.

Com isso, conclui-se que para uma desconstrução eficaz


dessa cultura é necessário abordar com mais frequência em livros
escolares e debates o assunto sobre diferença de gênero com crian-
ças. Para entenderem desde cedo à importância de iguais condi-
ções e oportunidades para ambos os sexos. É possível, com isso,

435
Capítulo 20

construir futuramente indivíduos mais evoluídos para perceber que


homens e mulheres são iguais em seus direitos e deveres.

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O Feminismo Frente à Legislação Brasileira: A Garantia dos Direitos
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