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Você tem um chamado? Como assim?

Postado por Yago Martins às 8 fev, 2013 em Artigos | 15 comentários

Muitos amigos, após me verem pregando em escolas ou em universidades, já me


indagaram se eu possuo “chamado” para fazer missões, ou se sei qual é o “chamado” de
Deus para a minha vida. Confesso que já participei de obras missionárias urbanas e já
preguei o evangelho em alguns lugares públicos, mas nunca senti um chamado. Eu
simplesmente fui. Eu entendi que ir é uma ordem que eu preciso obedecer.

Infelizmente, muitos cristãos esperam uma revelação apoteótica de Deus nos céus
convocando-os para ir, algo parecido com Paulo a caminho de Damasco. No entanto,
assim como não precisamos de uma revelação extrabíblica de Deus para não matarmos
nossos amigos, ou para não roubarmos um banco, não precisamos de uma manifestação
de Deus para não vivermos em um estado de comodismo religioso. Há uma ordem para
irmos e pregarmos. Como podemos ser tão negligentes a esta ordem e por a culpa em
não sermos “chamados”? Não precisamos de um chamado, pois já temos uma ordem.
“Ide”, disse Cristo. Precisamos de mais algo?

O missionário David Sitton, fundador e presidente do To Every Tribe Ministries, nos dá


uma alternativa bíblica para a “chamada missionária”, e é simplesmente tentar ir:

Paulo tentou ir para a Ásia, mas o Senhor não permitiu. Então, ele tentou ir para Bitínia,
mas foi “impedido pelo Espírito Santo de pregar a palavra na província asiática.” Ainda
assim, ele continuou tentando ir. Eu conto ao menos seis cidades em Atos 16 para onde
Paulo tentou levar o evangelho. Foi só então que o Senhor lhe deu a visão do
macedônio. Ele acordou na manhã seguinte e partiu imediatamente para as regiões do
norte, tendo concluído que Deus o chamou para pregar o evangelho na Macedônia.[1]

A ideia bíblica não é que você deve esperar uma ordem especifica de Deus sobre sua
missão. Você já possui esta ordem. Claro que pode acontecer novamente o que
aconteceu em Atos 13, onde o Espírito Santo trouxe uma revelação específica sobre o
envio de Barnabé e Saulo (v. 2). No entanto, comissionamentos específicos são
exceções, não regras. Paulo simplesmente tentou obedecer a ordem de Cristo de todos
os modos possíveis, até que Deus lhe abrisse alguma porta. Isso me faz crer que Jim
Elliot, mártir entre os índios Aucas no Equador, estava muito correto ao afirmar que
“nós não precisamos de uma grande chamada de Deus, o que realmente necessitamos é
de um bom chute no traseiro”.

Jim Stier, fundador da JOCUM Brasil, conta sobre uma vez que estava pregando em
uma grande universidade e no momento de perguntas, um jovem o questionou: “Sabe,
eu tenho muito vontade de fazer missões, mas eu não quero fazer nada na carne”. Stier
pensou consigo mesmo e disse, “irmão, não se preocupe. Eu já li todas as listas de obras
da carne na Bíblia e missões não está em nenhuma delas”. Ele igualmente pontua que
quando a Escritura nos manda não adulterar, sabemos que é uma ordem para nós,
quando ordena não roubar, cremos ser um mandamento a nosso respeito, mas quando
lemos “ide”, pensamos: “Senhor, isso é pra mim?”[2].

Pessoalmente, estas são verdades que sempre me emocionam. Foi diante desta
perspectiva que larguei a faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal do
Ceará, já indo para o quarto semestre, a fim de cursar o seminário teológico,
desempregado e sem ter alguém que pagasse as mensalidades. Eu não tive nenhuma
visão, nenhum sonho, nenhum arrepio e não recebi nenhuma mensagem divina. Tudo o
que eu possuía eram incertezas, medos e temores. Lembro que após as aulas noturnas,
esperando o ônibus, eu observava os vendedores de churrasquinho, milho cozido e
salgadinhos e pensava: “se eu sair do meu curso a fim de fazer teologia, esse será meu
futuro”. Nada contra tais profissões, mas este não é a perspectiva dos sonhos de
qualquer universitário.

Por pura ironia, Deus usou uma cena do filme secular “V de Vingança”[3] para me
chacoalhar de um modo que nunca esquecerei. Quando o anarquista cunhado pela letra
V é questionado se ele realmente acredita que explodir o prédio do parlamento faria do
Reino Unido um lugar melhor, sua resposta foi breve, mas profunda: “Não existem
certezas, apenas oportunidades”.

Essa frase ressoou em minha mente por meses. Muitas vezes, esperamos certezas a fim
de nos dedicarmos à obra de Deus. Esperamos que Ele nos revele apoteoticamente qual
Seu plano para nossa existência. A verdade é que Ele espera que nos arrisquemos mais,
pulando de corpo inteiro no fogo das possibilidades, a fim de proclamar o Nome Dele
por entre as nações. Cursar teologia foi a melhor coisa que eu poderia ter feito, apesar
de todas as incertezas relacionadas a emprego, casamento, família e ministério. Eu não
tinha sequer como pagar o seminário! Eu aproveitei uma oportunidade, e Deus me
sustentou no caminho, unicamente por graça.

Já no segundo semestre do seminário, senti uma necessidade na Missão que faço parte
até hoje. Percebemos que precisávamos de um missionário de tempo integral para
cuidar das pregações nas escolas de Fortaleza. O problema é que ainda não possuíamos
nenhum centavo para sustentar um pregador – e mesmo assim, sentia uma vontade
imensa de me candidatar ao cargo. Após muita oração para que Deus enviasse alguém,
ouvi uma música da banda também secular Engenheiros do Hawaii, a qual dizia: “Na
falta de algo melhor, nunca me faltou coragem”[4]. Como no caso passado, a frase
ressoou por semanas em minha mente. O medo de não ter como me sustentar, demorar
ainda mais anos para casar (na época, já namorava há quase cinco anos) e todo tipo de
temor gelava em minhas costas. No entanto, Deus me deu forças para me dedicar às
missões urbanas, de tempo integral. Aos poucos, Deus foi me mantendo e suprindo com
tudo o que necessitei.

Aprendi com tudo isso que a ordem de “ir” deve ser obedecida. Pode parecer óbvio, mas
nós costumamos nos manter inertes e parados até “sentirmos no coração” sobre aquilo
pelo qual somos chamados. Como jovem, eu também passava constantemente por
aquela crise de tentar saber qual o ministério que devo me dedicar. A maioria dos
adolescentes e jovens que conversam comigo assumem estarem constantemente
preocupado sobre onde eles deveriam investir tempo e força – e para alguns, esta é uma
luta frequente e paralisante. Lembro-me de quanto, no começo de 2011, escrevi um
poema sobre minhas lutas em descobrir para quê “fui chamado”:

Quem sou eu, Senhor? Quem eu sou?

Não sei pr’onde ir, não sei pr’onde vou.

Se tenho um talento, não sei onde por.

Essa angustia, com o tempo, tornou-se pavor.

Quem sou eu, Senhor? Por favor…

Quem sou eu, Senhor? Onde estou?


A nuvem sumiu, o fogo apagou,

minh’alma gelou e me trouxe essa dor.

Sozinho no escuro, com a mente em torpor.

Onde está, Senhor, teu calor?

Que fazer, Senhor, com esse amor?

Se cedo um instante, meu mundo acabou.

Se troco o semblante, se mudo o humor,

mostro pra todos que sou transgressor

- sei que sou, meu Senhor, sei que sou…

Aprendi, acima de tudo, que é obedecendo o “ide” que descobriremos para quê fomos
chamados. O pregador nos aconselha com as seguintes palavras: “O que as suas mãos
tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força” (Ec 9:10), e eu descobri que esta é
a melhor maneira de saber onde nossas forças são melhores empregadas. Quer saber em
qual ministério você será mais útil? Pois faça de tudo, de acordo com suas capacidades.
Quando duvidoso de minhas habilidades, propus-me a fazer de tudo, onde eu pudesse:
dediquei-me ao evangelismo, ao discipulado e aconselhamento, gastei tempo com
pregações e redação de textos, participei de blogs e gravei vídeos pra o Youtube, traduzi
e produzi a gravação de hinos, escrevi e dirigi um documentário cristão, comecei um
movimento onde entregávamos folhetos em shows gospéis com meditações a respeito
do conteúdo das canções do grandes músicos, escrevi artigos para revistas, editei um
livro, fiz cobertura de eventos cristãos, entrevistei grandes pregadores, sincronizei
legendas em vídeos de pastores americanos, organizei congressos – e agora estou
escrevendo meu primeiro livro. Ainda havia muito mais a ser feito, mas que estavam
além de minhas forças. Foi no meio de tudo isso que pude descobrir no que eu melhor
me encaixava e onde minhas forças seriam melhor empregadas (e onde elas seriam mal
empregadas, principalmente).
Lembro-me da história de uma moça que dizia que queria servir ao Senhor em
determinado ministério, mas oportunidades para servir em tal local não aparecia.
Durante este tempo, várias oportunidades de servir em sua igreja local surgiram, mas ela
sempre argumentava: “não foi pra isso que Deus me chamou”. Durante trinta anos, ela
esperou inerte por essa oportunidade, mas em vão. Ora, que engano terrível. Não faça
como essa senhora. Tente, de todo modo, ir. Arrisque-se! Obedeça a ordem do Mestre e
vá onde você conseguir para proclamar as verdades de salvação. Tente “abraçar o
mundo”, como dizem, e se envolver no máximo de atividades que você puder – sem
negligenciar sua família e seus estudos, claro. E, como Sitton bem pontua, não se
preocupe com “passar na frente de Deus”, você nunca será tão rápido assim[5].

[1] DAVID, Sitton. Don’t Complicate the “Missionary Call”. Disponível em:
<http://www.desiringgod.org/blog/posts/dont-complicate-the-missionary-call>. Acesso
em: 29 jul. 2012.

[2] STIER, Jim. Missões e Pressuposições. Disponível em: <http://vimeo.com/893714>.


Acesso em: 22 out. 2012.

[3] Do original V for Vendetta (2006), é um filme de suspense dirigido por James
McTeigue, baseado em uma série de Graphic Novels escrita por Alan Moore. A história
se passa em um futuro fictício, no Reino Unido, onde um misterioso anarquista tenta
destruir o Estado. Não concordo com os ideais anarquistas, mas não deixa de ser um
bom filme.

[4] “Surfando Karmas & DNA”, do CD Acústico MTV, de 2004.

[5] DAVID, Sitton. Don’t Complicate the “Missionary Call”. Disponível em:
<http://www.desiringgod.org/blog/posts/dont-complicate-the-missionary-call>. Acesso
em: 29 jul. 2012.

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