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INTRODUÇÃO:
Foi com grande satisfação que recebemos este convite… que é o primeiro… desde que a
colectânea «Os Bantu na visão de Mafrano» foi apresentada ao público, em 2022.
As minhas primeiras palavras são de agradecimento: agradecimentos à Profª Greicy Pinto
Bellin, por colocar o Brasil como o primeiro país a organizar uma vídeo conferência sobre a
obra de Maurício Francisco Caetano, “Mafrano”, com um significado muito especial para o
reforço de um intercâmbio entre angolanos e brasileiros; agradecimentos à escritora Isabel
Ferreira, que, nos facilitou a conexão com os organizadores, e, através deles, com os demais
presentes; agradecimentos ao professor doutor Kabengele Munanga, por ter aceite valorizar
este acto, com a sua prestigiante autoridade académica e cientifica; agradecimentos à
Universidade de São Paulo por nos ter facilitado o contacto com o Professor Munanga; e
agradecimentos a todos os participantes pela grande dimensão desta audiência!
Ter entre nós o Professor Kabengele Munanga é sem dúvidas um verdadeiro privilégio, pelo
facto de podermos beneficiar dos conhecimentos e experiência, com que certamente nos irá
extasiar esta noite.
PLANO DA EXPOSIÇÃO:
Com a vossa permissão proponho-me abordar o que fez a nossa família, nestes últimos 40
anos, em termos de resgate e divulgação da obra de Mafrano, a qual, como já se sabe, nasceu
de um vasto espólio literário, disperso em jornais, revistas, arquivos de amigos e noutras
publicações, entre o ano 1947 e a data do seu passamento físico, em julho de 1982. Espero
não ser fastidioso, resumindo-me, por isso mesmo, aos aspectos absolutamente essenciais
para este evento.
A minha apresentação consistirá no seguinte:
Explicar como nasceu e se desenvolveu a Iniciativa da publicação de «Os Bantu na
visão de Mafrano»;
Mencionar os principais problemas, desafios e sucessos que tivemos até à sua
publicação;
Falar do Trabalho de divulgação;
Apontar algumas conclusões e perspectivas para o Futuro.
Deixarei os aspectos históricos e antropológicos da Cultura Bantu com o digníssimo professor
Doutor Kabengele Munanga cuja presença uma vez mais exaltamos.
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Fiel à educação que recebeu desde criança órfã, Maurício Caetano, foi coerente e vertical,
quanto aos princípios morais e teológicos em que foi formado. Crente em Deus e fervoroso
praticante da religião católica, defendeu os seus princípios e valores, até aos últimos dias.
Enquanto observador, Mafrano sempre foi atento, crítico, imparcial e objectivo; seriamente
engajado na defesa da cultura do seu povo, e alinhado a valores que dizia serem universais.
São célebres duas frases que pronunciou em plena noite colonial, tais como:
- O Bantu é negro, não é homem de cor (1972); e
- Deixem o Bantu crescer intelectualmente (1969)!
Ele defendeu a Cultura Bantu, mas advertiu-nos contra “extravagâncias e excentricidades”
(vide pag. 87, Volume I); defendeu a necessidade de o Bantu ser livre para crescer, mas
alertou-nos para tudo aquilo que poderia ser negativo em determinadas práticas sociais, sem
recear a polémica e o debate de que tanto gostava, como amante do conhecimento! No
Brasil, dois dos nomes que mais nos citava, eram Jorge Amado e Gilberto Freyre cujas
colecções continuam até hoje na sua biblioteca.
A minha mãe, Luzia Gabriela da Costa Soares, uma ex-professora da instrução primária em
Luanda, também me chamou um dia e me puxou as orelhas, dizendo:
«Tu és jornalista, escreves para os jornais, tens obras publicadas, e esqueces o trabalho do
teu pai…!?».
Confesso que esta frase sensibilizou-me profundamente, fazendo-me reflectir e agir. Decidi
então congelar os meus projectos literários e abraçar a ideia do que inicialmente quis chamar
de «A Vida e a Obra de Maurício Francisco Caetano». Era o ano de 2008 ou 2009, já não me
lembro com rigor, mas a pergunta que me coloquei a mim mesmo, foi:
Sublinho recomeçar porque uma parte considerável dos textos inéditos e conhecidos, de
Mafrano, tal como ele os havia deixado, em 1982, já tinham sido confiados a alguém, mas
tudo se evaporou e o próprio encarregado, infelizmente, também já não pertence ao mundo
dos vivos; e também já tínhamos editado «O Menino Luís, irmão de João Cassabalo».
Sendo assim, as primeiras tarefas consistiram em:
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- Descobri aqui diamantes! Estes arquivos valem mais do que minas de diamantes…
E, à medida que fui lendo e registando esses textos, fui fazendo descobertas sensacionais,
nomeadamente:
(i) Muitos dos textos eram assinados somente por «O nosso correspondente», a partir de
Cabinda, Ndatalando, Golungo Alto e Dembos;
(ii) Maurício Caetano também assinava como “ALIQUIS”, «VIRAFRO» e «Um Ex-Seminarista»,
além de MAFRANO.
(iiI) O primeiro texto assinado por Maurício Francisco Caetano, sob a epígrafe «Perfil
Etnográfico do Negro Jinga», vinha inserido no Jornal «Angola Norte», do dia 23 de Agosto de
1947, um periódico independente da província de Malanje, no Norte de Angola (segundo nos
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revela ele próprio no jornal «O Apostolado» de 18 de Novembro de 1959. Este artigo, note-
se, é assinado, justamente, por «UM EX-SEMINARISTA» e esse ex-seminarista era ele,
Maurício Caetano!).
Esta metodologia de trabalho, isto é, a comparação exaustiva dos seus textos e a remissão de
uns para outros, permitiu-nos a descoberta de um total de sete (07) pseudónimos de Maurício
Francisco Caetano cujas alcunhas no Seminário de Luanda, eram, diga-se a propósito, «RATO
DA BIBLIOTECA» e «AQUILLA VOLANS», ou seja, «ÁGUIA VOLANTE», em Latim, dado origem
ao anagrama «Aliquis», como ele tão bem sabia fazer!
O material recolhido foi tanto que calculamos serem necessários três volumes com mais de
200 páginas, para editar textos dispersos ao longo de 35 anos de produção literária sobre a
antropologia cultural, e um grande esforço para a sua digitalização e sistematização. Os seus
textos, diga-se, contemplavam uma diversidade de temas, incluindo Antropologia Religiosa,
História, estudos sobre as Línguas Kimbundu e Portuguesa, Episódios Vividos, Notas Ligeiras,
Reflexões Filosóficas, Tertúlias e assuntos correntes sobre a vida económica e social.
Em 2018, quando obtive a minha reforma, passei a dedicar-me exclusivamente a este
apaixonante projecto, num ritmo verdadeiramente acelerado, digo mesmo, quase 24 sobre
24 horas, não fazendo muito mais do que «Escrever, Comer e Dormir», o necessário.
Como resultado, as primeiras 200 páginas com as «Notas Preliminares» desta obra ficaram
prontas em 2019, então com o titulo «Vida e Obra de Maurício Caetano». Nessa altura, saltei
de alegria e acreditei que seria possível terminar não só a colectânea, mas também outros
mais livros a publicar no futuro.
Permitam-me uma breve explicação sobre a mudança do título «Vida e Obra de Maurício
Caetano» para «Os Bantu na visão de Mafrano – Quase Memórias». Em 2019, quando
terminei as primeiras 200 páginas com as «Notas Preliminares» desta obra, não estava
satisfeito com o titulo inicial, por três razões fundamentais:
(i) Primeiro, por me parecer um titulo bastante genérico e vulgar;
(ii) Em segundo lugar, porque nos escasseavam fontes e elementos importantes para
completar a sua biografia.
(iii) Finalmente, não se teria a dimensão histórica das suas pesquisas antropológicas;
Para a família, Mafrano era o «pai, tio e avô», mas pouco mais sabíamos sobre a sua infância
e adolescência, além de que ficara órfão, aos seis anos, e do que já era público. De facto,
faltavam-nos os necessários detalhes e episódios mais salientes do seu percurso estudantil e
profissional. Muitos dos contemporâneos de quem mais falava - como Jorge Macedo,
Domingos Van-Dúnem e Alcântara Monteiro -, além da esposa e irmãos, já tinham falecido.
Por isso, a opção inclinou-se para «Os Bantu na visão de Mafrano – Quase Memórias», numa
sugestão feita por um dos netos, João Piúla Casimiro, cujo nome consta na ficha técnica, ao
lado do Padre Noé Gomes do Secretariado do Cardeal de Luanda e do reverendíssimo
arcebispo emérito do Lubango, Huíla, Dom Zacarias Kamwenho que tanto nos estimularam.
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No dia 22 Março de 2022, pondo-se termo a um longo e complexo trabalho de buscas, revisão
e correcções, foi finalmente concluído o volume I com o titulo «Os Bantu na visão de Mafrano
– Quase Memórias», sob chancela da Editora Perfil Criativo. As primeiras duas cidades a
receber esta obra, em Angola, foram o Lubango, a 28 de Abril, e Luanda, a 14 de Maio, do
mesmo ano, destacando-se em ambas a presença do Arcebispo emérito do Lubango, Dom
Zacarias Kamwenho, o prémio Sakharov 2001.
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