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Introdução à Lógica

Francisco Miraglia
Enéas Alves Nogueira Júnior
Francisco Miraglia Enéas Alves Nogueira Júnior
Departamento de Ma- Departamento de Ma-
temática temática
Instituto de Matemática e Es- Instituto de Matemática e Es-
tatı́stica tatı́stica
Universidade de São Paulo Universidade de São Paulo
São Paulo, Brazil São Paulo, Brazil
miraglia@ime.usp.br eneas@usp.br

Maio, 2017
Conteúdo

Parte I. Lógica Proposicional 1


Capı́tulo 1. Sintaxe e Teoria da Prova 7
Capı́tulo 2. Teorias. Separação. Consistência 27
Capı́tulo 3. Semântica: Valorações e Completude. 33
1. As Estruturas de Reticulado e de Corpo em {0, 1} 33
2. Valorações. Consequência Semântica. Completude 41

Parte II. Lógica de Primeira Ordem: Intuicionista e Clássica 53


Capı́tulo 4. Linguagens de Primeira Ordem com Igualdade 55
1. Conceitos Básicos. Termos 55
2. Fórmulas de uma Linguagem de Primeira Ordem com Igualdade 60
Capı́tulo 5. Teoria da Prova do Cálculo de Predicados 67
1. Axiomas e Regras de Inferência. A Noção de Prova Formal 67
2. Fundamentos da Teoria da Prova do Cálculo de Predicados 70
3. As Leis da Igualdade 89
Capı́tulo 6. Teorias de Primeira Ordem. Teorias de Henkin 99
1. Fecho Dedutivo. Teorias Primas e Completas 99
2. Teorias e Extensões de Henkin 105

Parte III. Teoria dos Modelos da Lógica de Primeira Ordem


Clássica 111
Capı́tulo 7. Estruturas de Primeira Ordem 113
1. Funções Definidas em Produtos 113
2. Estruturas de Primeira Ordem. O Teorema da Correção 121
3. Completude e Compacidade 134
4. Equivalência Elementar. Contração e Expansão de Estruturas 143
Capı́tulo 8. L-Subestruturas e L-Morfismos 147
1. Subestruturas e Subestruturas Elementares 147
2. Morfismos de L-estruturas 152
Apêndice A. Fundamentos 161
1. Operações com Conjuntos. O Princı́pio de Indução nos Naturais 161
2. Produtos e Funções 163

iii
iv CONTEÚDO

3. Relações. Relações de Equivalência 169


4. Conjuntos Parcialmente Ordenados. O Lema de Zorn 172
5. Conjuntos Bem Ordenados 177
Bibliografia 179
Índice de Sı́mbolos 181
Índice Remissivo 183
Parte I

Lógica Proposicional
CAPı́TULO 1

Sintaxe e Teoria da Prova

Este Capı́tulo contém uma apresentação introdutória da sintaxe e da Teoria


da Prova do Cálculo Proposicional Clássico. A notação e as convenções do
Capı́tulo A serão utilizadas, frequentemente sem referência explı́cita.
Definição 1.1 (Alfabeto de um Cálculo Proposicional). O alfabeto de um
Cálculo Proposicional, C(S), é constituı́do dos seguintes conjuntos sı́mbolos,
todos disjuntos entre si:
∗ Um conjunto não vazio, S, cujos elementos denominam-se proposições ou
fórmulas atômicas;
∗ Sı́mbolos ou Conectivos Lógicos: ∨ (ou), ∧ (e), → (implicação) e ¬ (negação);

∗ Sı́mbolos Linguı́sticos: “(“ (parentese esquerdo), “)” (parentese direito), e


espaço em branco.
Observação 1.2. Note que os alfabetos de dois Cálculos Proposicionais
são distintos se e somente se os conjuntos de formulas atômicas que os geram
são distintos, já que os sı́mbolos lógicos e linguı́sticos são comuns a todos. Isso
justifica a notação C(S). 

Dado um Cálculo C(S), entre todas as sequências finitas de sı́mbolos do


alfabeto de C(S) há algumas de especial importância: as fórmulas. O método
de definição que utilizaremos é uma forma de indução, denominada indução
na complexidade. Para uma formulação precisa desse método e sua redução
à indução nos naturais veja 3.7 e 3.8.
Definição 1.3 (Fórmulas de um Cálculo Proposicional). O conjunto F ml(S)
de fórmulas de um Cálculo Proposicional C(S) são definidas pelas seguintes
cláusulas:
[for 1] : Toda fórmula atômica é uma fórmula;
[for 2] : Se ϕ, ψ são fórmulas, então (ϕ ∧ ψ ), (ϕ ∨ ψ ), (ϕ → ψ ) e (¬ ϕ) são
fórmulas;
[for 3] : Uma sequência finita de sı́mbolos do alfabeto de C(S) é uma fórmula
se esomente se puder ser construı́da a partir das atômicas por
aplicações de [for 2].
A estrutura de um Cálculo é constituı́da dos seguintes elementos:

7
8 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

∗ Os Axiomas, isto é, um conjunto de fórmulas que consideramos enunciados


“naturais” e que cumprem o papel de ponto de partida do tipo de Lógica que
desejamos estudar e descrever formalmente;

∗ As Regras de Dedução, isto é, regras que nos fornecem fórmulas a partir de
um conjunto de fórmulas e que deveriam corresponder a “operações” ou modo
de pensar que são caracterı́sticos do sistema lógico que desejamos estudar;

∗ Uma noção de prova formal ou consequência lógica, que, em geral,


deve ser finitária, i.e., envolver apenas um número finito de passos e aplicações
das regras de dedução.

A estrutura indicada acima é geral. Agora descreveremos estes elementos no


caso do Cálculo Proposicional Clássico (CPC), com alguns comentários
acerca do seu correspondente Intuicionista. O estilo da apresentação que esta-
mos adotando está associado à David Hilbert. Há outras maneiras de apresentar
os sistemas lógicos formais, o mais importante sendo o método dos sequen-
tes, devido a Gerhard Gentzen (veja, e.g., [Gen], [Kl1], [Kl2], [KV], [Pr],
[ST]).

1.4. Axiomas do CPC. Para todas as fórmulas ϕ, ψ , χ em C(S), as


seguintes fórmulas (chamados esquemas) são axiomas de CPC:
[CPC 1] (Obviedade) : ϕ → (ψ → ϕ).
[CPC 2] (Transitividade da Implicação) : (ϕ → ψ ) → (ϕ → (ψ → χ)) → (ϕ → χ) .


Axiomas da conjunção :
[CPC 3] : ϕ → (ψ → (ϕ ∧ ψ )). [CPC 4] : ϕ ∧ ψ → ϕ. [CPC 5] : ϕ∧
ψ → ψ.
Axiomas da Disjunção :
[CPC 6] : ϕ → ϕ ∨ ψ . [CPC 7] : ψ → ϕ ∨ ψ .
(ϕ → χ) → (ψ → χ) → ((ϕ ∨ ψ ) → χ) .

[CPC 8] :
Axiomas da Negação :
[CPC 9] : (ϕ → ψ ) → ((ϕ → ¬ ψ ) → ¬ ϕ). [CPC 10] ¬ ϕ→ (ϕ → ψ ).
[CPC 100 ] : ¬ ¬ ϕ → ϕ.
Note que cada instância dos esquemas acima é um axioma. Assim, se o
conjunto das proposições atômicas, S, for infinito, o mesmo será verdade acerca
do conjunto de axiomas.
Os esquemas [CPC 1] − [CPC 10] constituem axiomas para o Cálculo Pro-
posicional Intuicionista (CPI), que não discutiremos aqui. No entanto, o
leitor poderá (deverá?) identificar quais dos nossos resultados são válidos em
1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 9

CPI, bastando levar em conta os esquemas que forem utilizados em uma dada
prova.
A lista completa, [CPC 1] − [CPC 100 ], são os axiomas do CPC. Na reali-
dade, na presença de [CPC 100 ] podemos omitir [CPC 10], mas não insitiremos
nessa simplificação. 
1.5. Regra de Dedução. Só há uma: a regra de Modus Ponens, isto é,
para quaisquer fórmulas ϕ, ψ em C(S),
ϕ, ϕ → ψ
[MP] .
ψ
Essa regra, que aliás também é a única do Cálculo Intucionista, nos
permite obter ψ a partir de ϕ e (ϕ → ψ ). É uma regra estrutural muito
importante, com origem na discussão sofista acerca da natureza da implicação,
talvez o conectivo lógico mais complicado e interessante. 

Resta definir a noção de prova ou demonstração, que são análogas para


CPC e CPI (veja, no entanto, 1.36).
Definição 1.6. Se Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S), dizemos que ϕ é consequência
(lógica) de Γ e escrevemos
Γ ` ϕ,
se existir uma sequência finita de fórmulas, χ1 , . . . , χn , denominada prova de
ϕ a partir de Γ, satisfazendo, para cada k ∈ n, as seguintes condições:
[pro 1] : χk é uma instância de um axioma; ou
[pro 2] : χk é um elemento de Γ (i.e., χk é uma hipótese); ou
[pro 3] : χk é obtida pela aplicação da regra de Modus Ponens a partir de χi ,
χj , com i, j < k;
e
[pro 4] : χn = ϕ.
A cláusula [pro 3] significa que para i, j < k, temos χi = (χj → χk ), ou χj
= (χi → χk ). O conjunto Γ (possivelmente vazio) denomina-se conjunto de
hipóteses.
Para Γ ∪ ∆ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S), são hábitos estabelecidos da disci-
plina:
∗ Se Γ = {χ1 , . . . , χn }, escrever χ1 , . . . , χn ` ϕ no lugar de {χ1 , . . . , χn }
` ϕ.
∗ Escrever Γ, ψ ` ϕ no lugar de Γ ∪ {ψ } ` ϕ.
∗ Escrever Γ ` ∆, se para toda ξ ∈ ∆, temos Γ ` ξ.
∗ Se ∆ = {ψ 1 , . . . , ψ n } é finito, escrevemos Γ ` ψ 1 , . . . , ψ n , no lugar de Γ ` ∆.
10 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

1
∗ Escrever Γ ` ∆ ` ϕ, se Γ ` ∆ e ∆ ` ϕ.

Algumas das propriedades fundamentais da relação ` constam do resultado


que segue. O leitor obervará que a prova dos itens (a), (b) e (c) da Proposição
1.7 não depedem dos axiomas ou das regras de dedução adotados. Por este
motivo, denominam-se propriedades estruturais da noção de prova.
Proposição 1.7. Sejam Γ, ∆ conjuntos de fórmulas e ϕ, ψ fórmulas em
C(S).
a) Se ϕ ∈ Γ ou ϕ é uma instância de um axioma, então Γ ` ϕ.
b) (Persistência; “Weakening”) Se Γ ` ϕ e Γ ⊆ ∆, então ∆ ` ϕ.
c) (Compacidade) Se Γ ` ϕ, então existe um subconjunto finito de Γ, Γ0 , tal
que Γ0 ` ϕ.
d) Γ ` ϕ → ψ e Γ ` ϕ ⇒ Γ ` ψ .
e) Γ ` ϕ e Γ ` ψ ⇔ Γ ` ϕ ∧ ψ .
f) Γ ` ϕ ∧ ψ ⇔ Γ ` ϕ e Γ ` ψ ⇔ Γ ` ψ ∧ ϕ.

Prova. a) Se ϕ ∈ Γ ou ϕ é uma instância de um axioma, a prova de ϕ a partir


de Γ tem apenas uma linha: a própria ϕ !
b) Já que Γ ⊆ ∆, o leitor não terá dificuldade em verificar que se χ1 , . . . , χn é
uma prova de ϕ a partir de Γ, então também o será a partir de ∆.
c) Seja χ1 , . . . , χn uma prova de ϕ a partir de Γ e seja D = {k ∈ n : χk ∈ Γ},
isto é, o conjunto dos ı́ndices dos elementos de Γ que aparecem na prova de ϕ.
Está claro que D é finito, e que a mesma prova mostra que Γ0 ` ϕ, onde Γ0 =
{χk ∈ Γ : k ∈ D}.
d) Seja ξ1 , . . . , ξm uma prova de ϕ a partir de Γ e seja χ1 , . . . , χn uma prova de
(ϕ → ψ ) a partir de Γ. Note que temos ξm = ϕ e χn = (ϕ → ψ ). Então, a
sequência de m + n + 1 fórmulas
(I) ξ1 , . . . , ξm−1 , ϕ, χ1 , . . . χn−1 , (ϕ → ψ ), ψ ,
é uma prova de ψ a partir de Γ. De fato:
∗ A última linha de (I) é ψ , obtida de linhas anteriores (a m-ésima e a (m +
n)-ésima) por [MP];
∗ As demais linhas de (I) são, por construção, ou instâncias de axiomas, ou
elementos de Γ, ou são obtidas de linhas anteriores por [MP],
como necessário.
e) ⇒ : Sejam P = {ψ 1 , . . . , ψ n } e Q = {ξ 1 , . . . , ξ k } provas de Γ ` ϕ e Γ ` ψ ,
respectivamente. A seguinte sequência de fórmulas é uma prova de Γ ` ϕ ∧ ψ :
1 Não há asserção de transitividade implı́cita nesta notação!
1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 11

..
. a prova P
n. ϕ última linha de P
..
. a prova Q
n + k + 1. ψ última linha de Q
n + k + 2. ϕ → (ψ → (ϕ ∧ ψ )) axioma [CPC 3]
n + k + 3. ψ → (ϕ ∧ ψ ) de (n) e (n + k + 2) por [MP]
n + k + 4. ϕ∧ψ de (n + k + 1) e (n + k + 3), por [MP].
⇐: Seja R = {χ1 , . . . , χm } uma prova de Γ ` ϕ ∧ ψ ; então, a seguinte sequência
de fórmulas é uma prova de Γ ` ψ :
..
. a prova R
m. ϕ∧ψ a última linha de R
m + 1. (ϕ ∧ ψ ) → ψ axioma [CPC 5]
m + 2. ψ de (m + 1) e (m), por [MP].
Analogamente, mostramos que Γ ` ϕ, encerrando a demonstração do item (e).
f) A primeira equivalência vem imediatamente de (e). Para a segunda equi-
valência basta observar que
Γ ` ϕ e Γ ` ψ ⇔ Γ ` ψ e Γ ` ϕ,
para concluir, por (e), que Γ ` ψ ∧ ϕ. Alternativamente, as provas dadas em
(e) aplicam-se, com as modificações adequadas para provar que Γ ` ϕ e Γ `
ψ ⇔ Γ ` ψ ∧ ϕ : para a implicação (⇒) basta utilizar o axioma [CPC 3]
na forma ψ → (ϕ → (ψ ∧ ϕ)), enquanto que a prova de (e) para a implicação
(⇐) aplica-se apenas substituindo-se (ϕ ∧ ψ ) por (ψ ∧ ϕ). 

Lema 1.8. Se Γ ∪ {ϕ} ∈ F ml(S), então Γ ` ϕ → ϕ.

Prova. Mostraremos que ` ϕ → ϕ, e a conclusão segue então da persistência


da relação de consequência (1.7.(b)). Consideremos a sequência
1) ϕ → (ϕ → ϕ) ([CPC 1], com ψ = ϕ);
2) ϕ → ((ϕ → ϕ) → ϕ) ([CPC 1], com ψ = ϕ → ϕ)
3) (ϕ → (ϕ → ϕ)) → ((ϕ → ((ϕ → ϕ)→ ϕ))→ (ϕ → ϕ)) ([CPC 2], com ψ = ϕ →
ϕe
χ = ϕ)
4) (ϕ → ((ϕ → ϕ) → ϕ)) → (ϕ → ϕ) (de (3) e (1) por [MP])
5) ϕ → ϕ (de (4) e (2), por [MP])
estabelecendo ` ϕ → ϕ, como desejado. 
Um dos resultados fundamentais da Teoria da Prova é o
12 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

Teorema 1.9 (Teorema da Dedução). Se Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S), então


Γ, ϕ ` ψ ⇔ Γ ` ϕ → ψ .

Prova. ⇐ : Assuma que Γ ` ϕ → ψ . Pela Proposição 1.7.(a), sabemos que Γ,


ϕ ` ϕ, enquanto que o item (b) do mesmo resultado (persistência) fornece Γ, ϕ
` ϕ → ψ . Assim, temos
Γ, ϕ ` ϕ e Γ, ϕ ` ϕ → ψ ,
e 1.7.(d) garante que Γ, ϕ ` ψ .
⇒ : Seja χ1 , . . . , χn uma prova de ψ a partir de Γ e ϕ. Por indução em j ∈ n,
iremos mostrar que existe um prova de ϕ → χj a partir de Γ. Já que χn = ψ ,
este método construirá uma prova de ϕ → ψ a partir de Γ, como desejado. No
processo de indução, devemos levar em conta as possı́veis alternativas para que
χj conste da prova:
a) As alternativas para χ1 são:
a.1) χ1 é uma instância de um axioma ou está em Γ. Neste caso obtemos ϕ →
χ1 a partir de Γ com a sequência
a.1.1) χ1 → (ϕ → χ1 ) ([CPC 1])
a.1.2) χ1 (χ1 é axioma, ou está em Γ)
a.1.3) ϕ → χ1 (de (a.1.1) e (a.1.2) por [MP]).
a.2) χ1 = ϕ. Neste caso, Γ ` ϕ → ϕ vem imediatamente do Lema 1.8.
b) Suponha, por indução, que para todo j < n, tenhamos estabelecido, Γ ` ϕ
→ χj . As possibilidades para χj+1 são:
b.1) χj+1 é uma instância de um axioma, ou pertence a Γ, ou é ϕ. Estes casos
são tratados exatamente como em (a.1) e (a.2).
b.2) χj+1 é obtida por [MP]. Assim, para k, m ≤ j, temos χk = χm → χj+1 .
Pela hipótese de indução sabemos que Γ ` ϕ → χm e Γ ` ϕ → χk , isto é, temos
Γ ` ϕ → (χm → χj+1 ) e Γ ` ϕ → χm .
Mas então a sequência:
..
)
. Prova de ϕ → χm a
p) ϕ → χm partir de Γ

.. Prova de ϕ → (χm →

.
χ ) a partir de Γ
p + q) ϕ → (χm → χj+1 ) j+1
p + q + 1) (ϕ → χm ) → ((ϕ → (χm → χj+1 )) → (ϕ → χj+1 )) (Axioma
[CPC 2])
p + q + 2) (ϕ → (χm → χj+1 )) → (ϕ → χj+1 ) (de (p + q + 1) e p, por [MP])
1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 13

p + q + 3) ϕ → χj+1 (de p + q + 2 e p + q, por [MP])


é uma prova de ϕ → χj+1 a partir de Γ, completando o passo de indução e a
prova. 
Corolário 1.10 (A Regra do Corte, [RC]). Sejam Γ ⊆ ∆ ⊆ F ml(S) e
{ψ 1 , . . . , ψ m } ⊆ F ml(S). Se Γ ` ψ 1 , . . . , ψ m , então
∆, ψ 1 , . . . , ψ m ` ϕ ⇒ ∆ ` ϕ.

Prova. Por indução em m ≥ 1. Se m = 1, temos Γ ` ψ 1 e ∆, ψ 1 ` ϕ. Pelo


Teorema da Dedução, a última relação implica ∆ ` ψ 1 → ϕ. Assim, por 1.7.(b),
temos
∆ ` ψ 1 e ∆ ` ψ 1 → ϕ,
e 1.7.(d) fornece ∆ ` ϕ. Suponha o resultado válido para m ≥ 1 e que temos
Γ ` ψ 1 , . . . , ψ m , ψ m+1 e ∆, ψ 1 , . . . , ψ m , ψ m+1 ` ϕ.
Pelo Teorema da Dedução, obtemos ∆, ψ 1 , . . . , ψ m ` ψ m+1 → ϕ, enquanto que
a hipótese de indução fornece ∆ ` ψ m+1 → ϕ. Já que ∆ ` ψ m+1 , uma nova
aplicação de 1.7.(d) fornece ∆ ` ϕ, completando o passo de indução. 
Exercı́cio 1.11.∗∗ Construa uma demonstração da Regra do Corte ([RC],
1.10) diretamente a partir da noção de prova, sem utilizar o Teorema da Dedução.

1.12. Uma Extensão da Noção de Prova. A extensão que descreveremos
é inessencial, devido a Regra do Corte ([RC]); porém, tem importância teórica
e prática, pois facilita e encurta provas. Seja Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F lm(S). Sabemos
de [RC] que
Γ ` ψ e Γ, ψ ` ϕ ⇒ Γ ` ϕ.
Assim, passaremos a admitir − aliás, procedimento standard em Matemática
−, que ψ seja introduzida em uma linha de prova para obter ϕ a partir de
Γ, com a justificativa de que já sabemos que Γ ` ψ . O mesmo será admitido
se precisarmos de um número finito de consequências já estabelecidas de Γ,
correspondente ao enunciado de [RC]. Esta extensão da noção de prova
será utilizada abaixo, sem registro explı́cito. 
Corolário 1.13 (Transitividade da Implicação). Se Γ ∪ {ϕ, ψ , χ} ⊆
F ml(S), então
Γ ` ϕ → ψ e Γ ` ψ → χ ⇒ Γ ` ϕ → χ.

Prova. Pelo Teorema da Dedução a primeira hipótese é equivalente a Γ, ϕ `


ψ . Por outro lado, persistência (1.7.(b)) e a segunda hipótese fornecem Γ, ϕ `
ψ → χ. Assim, temos
Γ, ϕ ` ψ e Γ, ϕ ` ψ → χ,
14 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

e 1.7.(d) implica Γ, ϕ ` χ. Agora, outra aplicação do Teorema da Dedução nos


dá Γ ` ϕ → χ, como desejado. 
Exercı́cio 1.14. Mostre que se Γ ∪ {ϕ, ψ , χ} ⊆ F ml(S), então
Γ ` (ϕ → ψ ) → ((ψ → χ) → (ϕ → χ)). 
Corolário 1.15. Se Γ ∪ {ϕ, ψ , χ} ⊆ F ml(S), então
a) (A adjunção entre ∧ e →) Γ, ϕ ` ψ → χ ⇔ Γ, ϕ ∧ ψ ` χ.
b) Γ ` ϕ → (ψ → χ) ⇔ Γ ` (ϕ ∧ ψ ) → χ.
c) (Troca de Hipóteses) Γ ` ϕ → (ψ → χ) ⇔ Γ ` ψ → (ϕ → χ).
V
d) Se Γ = {ξ1 , . . . , ξn } é finito e Γ = ξ1 ∧ . . . ∧ ξn , então
Γ`ϕ ⇔ Γ`ϕ ⇔ ` Γ → ϕ.
V V

Prova. a) ⇒ : Pelo Teorema da Dedução, a hipótese é equivalente a Γ, ϕ, ψ `


χ. Já que ambos ϕ ∧ ψ → ϕ e ϕ ∧ ψ → ψ são instâncias de axiomas ([CPC 4]
e [CPC 5], respectivamente), o item (a) em 1.7 garante que
Γ ` (ϕ ∧ ψ ) → ϕ e Γ ` (ϕ ∧ ψ ) → ψ ,
ou, de forma equivalente (pelo Teorema da Dedução) Γ, ϕ ∧ ψ ` ϕ, ψ . Assim,
podemos provar cada fórmula de Γ ∪ {ϕ, ψ } a partir de Γ, ϕ ∧ ψ . Já que Γ, ϕ,
ψ ` χ, a Regra do Corte ([RC], 1.10) acarreta Γ, ϕ ∧ ψ ` χ, como necessário.
⇐ : Pelo Teorema da Dedução, a hipótese é equivalente a
(I) Γ ` (ϕ ∧ ψ ) → χ.
Como ϕ → (ψ → (ϕ ∧ ψ )) é uma instância do axioma [CPC 3], sabemos de
1.7.(a) que temos Γ ` ϕ → (ψ → (ϕ ∧ ψ )), ou seja, Γ, ϕ ` ψ → (ϕ → ψ ). Esta
última relação e a persistência (1.7.(b)) aplicada a (I) fornecem Γ, ϕ ` ψ →
(ϕ ∧ ψ ) e Γ, ϕ ` (ϕ ∧ ψ ) → χ, e a transitividade da implicação (Corolário
1.13) acarreta Γ, ϕ ` ψ → χ, estabelecendo (a). O item (b) é uma formulação
equivalente a (a), utilizando (é claro!) o Teorema da Dedução.
c) Dada a simetria do enunciado, é suficiente mostrar que
(II) Γ ` ϕ → (ψ → χ) ⇒ Γ ` ψ → (ϕ → χ).
Pelo Teorema da Dedução, a hipótese em (II) é equivalente a Γ, ϕ, ψ ` χ. Duas
aplicações sucessivas do Teorema da Dedução fornecem, primeiramente Γ, ψ `
ϕ → χ, e finalmente Γ ` ψ → (ϕ → χ), como desejado 2. O item (d) fica como
Exercı́cio para o leitor. 
A esta altura esperamos que o leitor esteja convencido do poder e da cen-
tralidade do Teorema da Dedução. Iremos utiliza-lo de maneira corrente, sem
necessariamente mencionar o fato.
2 Lembre-se que o conjunto Γ ∪ {ψ , ϕ} é igual ao conjunto Γ ∪ {ϕ, ψ }, pois têm os mesmos elementos.
1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 15

O Teorema da Dedução permite “transformar” alguns dos axiomas em “re-


gras de dedução”, facilitando o desenvolvimento da Teoria da Prova. Os Co-
rolário 1.13 e 1.15 são exemplos desse processo. Outros exemplos aparecem
abaixo, iniciando com o próximo Exercı́cio.
Exercı́cio 1.16. Sejam Γ ∪ {ϕ1 , ϕ2 , ψ } ⊆ F ml(S). Mostre que a im-
plicação é “crescente” no consequente e “decrescente” no antecedente, i.e.,
(
a) (ψ → ϕ1 ) → (ψ → ϕ2 )
ϕ ϕ
Γ, ( 1 → 2 ) ` 
b) (ϕ2 → ψ ) → (ϕ1 → ψ ).

Exercı́cio 1.17. (Comutatividade da conjunção) Se Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S),


então
a) Γ ` (ϕ ∧ ψ ) → (ψ ∧ ϕ) e Γ ` (ψ ∧ ϕ) → (ϕ ∧ ψ ).
3
b) Γ ` ϕ ∧ ψ ⇔ Γ ` ψ ∧ ϕ.
Proposição 1.18. a) Para Γ ∪ {ϕ, ψ , χ} ⊆ F ml(S)
Γ, ϕ ` χ e Γ, ψ ` χ ⇔ Γ, ϕ ∨ ψ ` χ.
b) (Comutatividade da disjunção) Se Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S), então
Γ ` (ϕ ∨ ψ ) → (ψ ∨ ϕ) e Γ ` (ψ ∨ ϕ) → (ϕ ∨ ψ ).

Prova. a) ⇒ : Pelo Teorema da Dedução, as hipóteses são equivalentes a Γ `


ϕ → χ e Γ ` ψ → χ. A sequência de fórmulas

1) · 

..
. Prova de Γ ` ϕ → χ
p) ϕ → χ



p + 1) · 

..
. Prova de Γ ` ψ → χ
p + q) ψ → χ

p + q + 1) (ϕ → χ) → ((ψ → χ) → ((ϕ ∨ ψ ) → χ)) (Axioma [CPC 8])


p + q + 2) (ϕ ∨ ψ ) → χ (De (p + q + 1), (p) e (p + q), por [MP])
mostra que Γ ` (ϕ ∨ ψ ) → χ, que pelo Teorema da Dedução é equivalente a Γ,
ϕ ∨ ψ ` χ.

⇐ : Pelo Teorema da Dedução, a hipótese é equivalente a Γ ` (ϕ ∨ ψ ) → χ.


Como temos Γ ` ϕ → (ϕ ∨ ψ ) ([CPC 6]), a transitividade da implicação (1.13)
implica Γ ` ϕ → χ, ou seja, Γ, ϕ ` χ. Analogamente, de [CPC 7], obteremos
Γ, ψ ` χ, encerrando a prova do item (a).
3 A Proposição 1.7 pode ser útil...
16 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

b) Dada a simetria do enunciado, é suficiente mostrar que Γ ` (ϕ ∨ ψ ) → (ψ ∨


ϕ), i.e.,
(I) Γ, ϕ ∨ ψ ` ψ ∨ ϕ.
Pelo item (a), (I) é equivalente a Γ, ϕ ` ψ ∨ ϕ e Γ, ψ ` ψ ∨ ϕ. Mas ambos
estes enunciados são consequência imediata dos Axiomas [CPC 6] e [CPC 7],
encerrando a prova. 
Os itens (a) do Exercı́cio 1.17 e (b) da Proposição 1.18 sugerem a definição
que segue.
Definição 1.19. A equivalência, ↔, é o conectivo binário definido por
ϕ ↔ ψ = (ϕ → ψ ) ∧ (ψ → ϕ).

Corolário 1.20. Se Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S), então


a) As seguintes condições são equivalentes:
(1) Γ ` ϕ ↔ ψ ; (2) Γ ` ϕ → ψ e Γ ` ψ → ϕ; (3) Γ, ϕ ` ψ e Γ, ψ
` ϕ.
b) Γ ` (ϕ ∧ ψ ) ↔ (ψ ∧ ϕ). c) Γ ` (ϕ ∨ ψ ) ↔ (ψ ∨ ϕ).
d) Γ ` ϕ ↔ ψ ⇒ Γ`ϕ ⇔ Γ`ψ .


Prova. Exercı́cio para o leitor. Está claro que 1.17 e 1.18 poderiam ser úteis...

Exercı́cio 1.21.∗∗ Mostre que a recı́proca de 1.20.(d) é falsa. 4

0
Exercı́cio 1.22. a) Se Γ ∪ {ϕ, ϕ0 , ψ , ψ } ⊆ F ml(S), então
0 0
Γ ` (ϕ ↔ ϕ0 ) ∧ (ψ ↔ ψ ) ⇒ Γ ` (ϕ → ψ ) ↔ (ϕ0 → ψ ).
( 0
(1) ϕ → ϕ0 , ϕ ` ϕ0 ∨ ψ ;
b) Mostre que 0 0 
(2) ψ → ψ , ψ ` ϕ0 ∨ ψ .
0
Proposição 1.23. Para Γ ∪ {ϕ, ϕ0 , ψ , ψ } ⊆ F ml(S),
0 0
a) (ϕ ↔ ϕ0 ) ∧ (ψ ↔ ψ ) ` (ϕ ∨ ψ ) ↔ (ϕ0 ∨ ψ ).
0 0
b) (ϕ ↔ ϕ0 ) ∧ (ψ ↔ ψ ) ` (ϕ ∧ ψ ) ↔ (ϕ0 ∧ ψ ).
0 0
c) Γ ` (ϕ ↔ ϕ0 ) ∧ (ψ ↔ ψ ) e Γ, ϕ ` ψ ⇒ Γ, ϕ0 ` ψ .

Prova. a) Por simetria e pelo Teorema da Dedução, é suficiente mostrar que


0 0
(I) (ϕ → ϕ0 ) ∧ (ψ → ψ ), (ϕ ∨ ψ ) ` (ϕ0 ∨ ψ ).
A sequência de fórmulas
4 A esta altura, isto é difı́cil. No Capı́tulo 3, tornar-se-a fácil.
1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 17

0
1) (ϕ → ϕ0 ) → ((ϕ → (ϕ0 ∨ ψ )) (Teorema da Dedução e item (1) do Exercı́cio
1.22.(b))
0
2) ϕ → ϕ0 (por 1.7.(f), da hipótese (ϕ → ϕ0 ) ∧ (ψ → ψ ))
0
3) ϕ → (ϕ0 ∨ ψ ) (De (1) e (2), por [MP])
0 0
4) (ψ → ψ ) → (ψ → (ϕ0 ∨ ψ )) (Item (2) de 1.22.(b))
0 0
5) ψ → ψ (por 1.7.(f), da hipótese (ϕ → ϕ0 ) ∧ (ψ → ψ ))
0
6) ψ → (ϕ0 ∨ ψ ) (De (4) e (5), por [MP])
0 0 0
7) (ϕ → (ϕ0 ∨ ψ )) → [(ψ → (ϕ0 ∨ ψ )) → ((ϕ ∨ ψ ) → (ϕ0 ∨ ψ ))] (Axioma
[CPC 8])
8) ϕ ∨ ψ (Hipótese)
0
9) ϕ0 ∨ ψ (De (3), (5), (7) e (8), por [MP]) 5

estabelece (I), como desejado.


b) Como no item (a), é suficiente mostrar que
(II) ϕ → ϕ0 , ψ → ψ 0 , ϕ ∧ ψ ` ϕ0 ∧ ψ 0 .
A sequência de fórmulas 6
0
1) ϕ ∧ ψ → ϕ 7) ψ → ψ
2) ϕ ∧ ψ → ψ 8) ϕ0
0
3) ϕ ∧ ψ 9) ψ
0 0
4) ϕ 10) ϕ0 → (ψ → (ϕ0 ∧ ψ ))
0 0
5) ψ 11) ψ → (ϕ0 ∧ ψ )
0
6) ϕ → ϕ0 12) ϕ0 ∧ ψ
estabelece (II), como necessário. O item (c) é consequência do item (a) do
Exercı́cio 1.22 e do Teorema da Dedução (detalhes deixados ao leitor como
Exercı́cio). 
Observação 1.24. O Exercı́cio 1.22.(a) e os itens (a) e (b) da Proposição
1.23 mostram que a equivalência (↔) é uma congruência (veja A.22) em
relação à implicação, à disjunção e à conjunção. O mesmo é verdade para a
negação: veja 1.27.(d), abaixo. Além disso, 1.23.(c) mostra que a equivalência
também é compatı́vel com a relação de prova formal. 
Proposição 1.25 (As leis distributivas). Se Γ ∪ {ϕ, ψ , χ} ⊆ F ml(S),
então
a) Γ ` [ϕ ∧ (ψ ∨ χ)] ↔ [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)].
5 Linhas foram omitidas, procedimento standard se o resultado é “óbvio”; a rigor, precisariam ser escritas...
6 As justificativas ficam como Exercı́cio para o leitor.
18 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

b) Γ ` [ϕ ∨ (ψ ∧ χ)] ↔ [(ϕ ∨ ψ ) ∧ (ϕ ∨ χ)].

Prova. a) Note que temos:


i) ϕ ∧ ψ ` ϕ; ii) ϕ ∧ ψ ` ψ ` ψ ∨ χ;
iii) ϕ ∧ χ ` ϕ; iv) ϕ ∧ χ ` χ ` ψ ∨ χ.
Assim, (i), (iii) e o item (a) da Proposição 1.18 acarretam Γ, [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧
χ)] ` ϕ. Analogamente, 1.18.(a), juntamente com (ii) e (iv), fornecem Γ, [(ϕ ∧
ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)] ` ψ ∨ χ. Logo, 1.7.(f) implica Γ, [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)] ` ϕ ∧ (ψ
∨ χ), que é equivalente a
(I) Γ ` [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)] → [ϕ ∧ (ψ ∨ χ)].
Resta mostrar que
(II) Γ ` [ϕ ∧ (ψ ∨ χ)] → [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)],
isto é, que
(III) Γ, (ψ ∨ χ) ∧ ϕ ` [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)].
Pela adjunção entre conjunção e implicação (1.15.(a)), (III) (e portanto (II)) é
equivalente a
(IV) Γ, ψ ∨ χ ` ϕ → [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)].
Uma nova aplicação de 1.18.(a), mostra que (IV) é equivalente a
(V) Γ, ψ ` ϕ → [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)] e Γ, χ ` ϕ → [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)].
Outra aplicação da adjunção em 1.15.(a), mostra que as relações em (V) são
equivalentes a (lembrando que a conjunção é comutativa)
Γ, ϕ ∧ ψ ` [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)] e Γ, ϕ ∧ χ ` [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)],
que são consequências imediatas dos axiomas [CPC 6] e [CPC 7]. Acabamos de
provar (II), que juntamente com (I) completa a prova do item (a).
b) Temos Γ, ϕ ` ϕ ∨ ψ e Γ, ϕ ` ϕ ∨ χ, bem como Γ, ψ ∧ χ ` ψ ` ϕ ∨ ψ
e Γ, ψ ∧ χ ` χ ` ϕ ∨ χ; logo, 1.18.(a) e 1.7.(f) garantem que
(VI) Γ, ϕ ∨ (ψ ∧ χ) ` (ϕ ∨ ψ ) ∧ (ϕ ∨ χ).
Resta mostrar que
(VII) Γ, [(ϕ ∨ ψ ) ∧ (ϕ ∨ χ)] ` ϕ ∨ (ψ ∧ χ),
que pela adjunção em 1.15.(a) é equivalente
(VIII) Γ, (ϕ ∨ ψ ) ` (ϕ ∨ χ) → [ϕ ∨ (ψ ∧ χ)].
Por 1.18.(a), (VIII) é ainda equivalente a
(IX) (i) Γ, ϕ ` (ϕ ∨ χ) → [ϕ ∨ (ψ ∧ χ)] e (ii) Γ, ψ ` (ϕ ∨ χ) → [ϕ ∨ (ψ
∧ χ)].
1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 19

Pela troca de hipóteses (1.15.(c)), (IX).(i), é equivalente a Γ, (ϕ ∨ χ) ` ϕ → [ϕ


∨ (ψ ∧ χ)], que segue imediatamente do Axioma [CPC 6]. Pela adjunção em
1.15.(a), (IX).(ii) é equivalente a
(X) Γ, ψ ∧ (ϕ ∨ χ) ` ϕ ∨ (ψ ∧ χ).
Pelo item (a), ` ψ ∧ (ϕ ∨ χ) ↔ (ψ ∧ ϕ) ∨ (ψ ∧ χ), e portanto, pelo item (c)
da Proposição 1.23.(c), (X) é equivalente a
(XI) Γ, (ψ ∧ ϕ) ∨ (ψ ∧ χ) ` ϕ ∨ (ψ ∧ χ).
Uma vez que ψ ∧ ϕ ` ϕ ` ϕ ∨ (ψ ∧ χ) e, pelo Axioma [CPC 7], (ψ ∧ χ)
` ϕ ∨ (ψ ∧ χ), o item (a) da Proposição 1.18 garante a validade de (XI).
Consequentemente, verificamos (IX).(i) e (IX).(ii), que sabemos ser equivalente
a (VII), encerrando a prova. 
Passaremos agora a discutir as leis lógicas que dependem da negação.
Proposição 1.26 (A lei da dupla negação). Para Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S), temos

Γ ` ϕ ↔ ¬ ¬ ϕ.

Prova. Já que ¬ ¬ ϕ → ϕ é um axioma ([CPC 100 ]), é suficiente mostrar que `
ϕ → ¬ ¬ ϕ. O leitor observará que a nossa prova mostrará que ` ϕ → ¬ ¬ ϕ é
intuicionisticamente válida. Pelo Teorema da Dedução, para obter ` ϕ → ¬ ¬ ϕ
basta mostrar que ϕ ` ¬ ¬ ϕ. A sequência de fórmulas
1) (¬ ϕ → ϕ) → [(¬ ϕ → ¬ ϕ) → ¬ ¬ ϕ] (Axioma [CPC 9])
2) ϕ → (¬ ϕ → ϕ) (Axioma [CPC 1]
3) ϕ (Hipótese)
4) ¬ ϕ → ϕ (De (2) e (3), por [MP])
7
5) ¬ ϕ → ¬ ϕ (Lema 1.8)
6) (¬ ϕ → ¬ ϕ) → ¬ ¬ ϕ (De (5) e (4), por [MP])
7) ¬ ¬ ϕ (De (6) e (5), por [MP])
é uma prova de que ϕ ` ¬ ¬ ϕ, como desejado.
Proposição 1.27. Se Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S), então
a) Γ ` (ϕ → ψ ) ↔ (¬ ψ → ¬ ϕ).
b) (A prova por contraposição) As seguintes condições são equivalentes:
(1) Γ ` ϕ → ψ ; (2) Γ ` ¬ ψ → ¬ ϕ.
c) (A Lei da tripla negação) Γ ` ¬ ϕ ↔ ¬ ¬ ¬ ϕ. d) ` (ϕ ↔ ψ ) → (¬ ϕ ↔
¬ ψ ).
7 Por 1.8 e 1.7.(b) temos Γ ` ¬ ϕ → ¬ ϕ; a convenção em 1.12 garante que podemos citar ¬ ϕ → ¬ ϕ em
uma prova que tem Γ contida nas hipóteses.
20 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

Prova. a) Dividiremos a prova em duas partes:


Passo 1 : ` (ϕ → ψ ) → (¬ ψ → ¬ ϕ); Passo 2 : ` (¬ ϕ → ¬ ψ ) → (ϕ → ψ ).
Além do fato de que esses passos são necessários para a prova da equivalência,
o leitor deverá observar que o primeiro é intuicionisticamente válido.
1o Passo: Pelo Teorema da Dedução, basta verificar que ϕ → ψ , ¬ ψ ` ¬ ϕ.
Temos:
1) ¬ ψ → (ϕ → ¬ ψ ) (Axioma [CPC 1])
2) ¬ ψ (Hipótese)
3) ϕ → ¬ ψ (De (1) e (2), por [MP])
4) (ϕ → ψ ) → ((ϕ → ¬ ψ ) → ¬ ϕ) (Axioma [CPC 9]
5) ϕ → ψ (Hipótese)
6) (ϕ → ¬ ψ ) → ¬ ϕ (De (4) e (5), por [MP])
7) ¬ ϕ (de (3) e (6), por [MP])
estabelecendo ϕ → ψ , ¬ ψ ` ¬ ϕ e concluindo o Passo 1.
2o Passo : Pelo Passo 1, temos ` (¬ ψ → ¬ ϕ) → (¬ ¬ ϕ −→ ¬ ¬ ψ ). Agora
a Proposição 1.26 e o Exercı́cio 1.22 acarretam ` (¬ ¬ ϕ → ¬ ¬ ψ ) ↔ (ϕ →
ψ ), e a transitividade da implicação (1.13) fornece ` (¬ ψ → ¬ ϕ) → (ϕ → ψ ),
completando a prova de (a).
O item (b) é consequência imediata de (a) e do Corolário 1.20.(d).
c) Basta aplicar a contraposição à equivalência ` ϕ ↔ ¬ ¬ ϕ, para obter ` ¬ ϕ
↔ ¬ ¬ ¬ ϕ. Os detalhes do argumento e o item (d) são deixados ao leitor como
Exercı́cio. 
Proposição 1.28. Se ϕ e ψ são fórmulas de C(S), então
a) (Trivialização) ` (ϕ ∧ ¬ ϕ) → ψ . b) ` ¬ (ϕ ∧ ¬ ϕ).

Prova. a) Basta mostrar que ¬ ϕ ∧ ϕ ` ψ . A sequência


1) ¬ ϕ ∧ ϕ → ϕ (Axioma [CPC 4])
2) ¬ ϕ ∧ ϕ → ¬ ϕ (Axioma [CPC 5])
3) ¬ ϕ ∧ ϕ (Hipótese)
4) ϕ (De (3) e (1), por [MP])
5) ¬ ϕ (De (3) e (2), por [MP])
6) ¬ ϕ → (ϕ → ψ ) (Axioma [CPC 10])
7) ϕ → ψ (De (6) e (5), por [MP])
8) ψ (De (7) e (4), por [MP])
é testemunha de que ¬ ϕ ∧ ϕ ` ψ , como desejado.
1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 21

b) Já que ψ em (a) é arbitrária, para toda χ ∈ F ml(S), temos


` (¬ ϕ ∧ ϕ) → χ e ` (¬ ϕ ∧ ϕ) → ¬ χ.
Seque imediatamente do Axioma [CPC 9] e de duas aplicações de [MP] que
` ¬ (¬ ϕ ∧ ϕ), encerrando a prova. 
Proposição 1.29 (A prova por contradição). Para Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S), são
equivalentes:
(1) Γ ` ϕ;
(2) Para alguma χ ∈ F ml(S), Γ, ¬ ϕ ` ¬ χ ∧ χ;
(3) Para alguma χ ∈ F ml(S), Γ, ¬ ϕ ` χ e Γ, ¬ ϕ ` ¬ χ.

Prova. Os itens (2) e (3) são equivalentes pelo item (f) da Proposição 1.7.
Resta mostrar a equivalência entre (1) e (2).
(1) ⇒ (2) : Como Γ ` ϕ, a persistência (1.7.(b)) e a Proposição 1.7.(f) implicam
que
Γ, ¬ ϕ ` ¬ ϕ ∧ ϕ.
Agora, o item (a) da Proposição 1.28 garante que qualquer que seja χ ∈ F ml(S),
temos (¬ ϕ ∧ ϕ) → χ, ¬ χ. Logo, a regra do corte e outra aplicação da Pro-
posição 1.7.(f) fornecem Γ, ¬ ϕ ` ¬ χ ∧ χ, como desejado.
(2) ⇒ (1) : Pelo Teorema da Dedução, (2) é equivalente a Γ ` ¬ ϕ → (¬ χ ∧ χ).
A lei da contraposição (1.27.(a)), a lei da dupla negação (1.26) e a transitividade
da implicação (1.13.(d)) fornecem Γ ` ¬ (¬ χ ∧ χ) → ϕ. Como Γ ` ¬ (¬ χ ∧
χ) (por 1.28.(b)), 1.7.(d) acarreta Γ ` ϕ, como necessário. 
Iremos agora descrever as negações dos conectivos lógicos binários, a im-
plicação em termos da disjunção, denominada implicação material e explicitar
a regra clássica de introdução da disjunção, denominada prova por casos.
Proposição 1.30. Se ϕ, ψ são fórmulas de C(S), então
a) ` ¬ (ϕ ∧ ψ ) ↔ ¬ ϕ ∨ ¬ ψ . b) ` ¬ (ϕ ∨ ψ ) ↔ ¬ ϕ ∧ ¬ ψ .
c) (A implicação material) ` (ϕ → ψ ) ↔ (¬ ϕ ∨ ψ ).
d) (A Lei do Terceiro Excluı́do) ` ϕ ∨ ¬ ϕ.
e) ` ¬ (ϕ → ψ ) ↔ (ϕ ∧ ¬ ψ ).

Prova. (a) e (b) : Sejam χ1 , χ2 fórmulas de C(S). Contraposição (1.27.(a)) e


os axiomas [CPC 3] e [CPC 4] fornecem ¬ χ1 ` ¬ (χ1 ∧ χ2 ) e ¬ χ2 ` ¬ (χ1
∧ χ2 ); portanto, o item (a) da Proposição 1.18 garante que
(I) ¬ χ1 ∨ ¬ χ2 ` ¬ (χ1 ∧ χ2 ).
Analogamente, contraposição (1.27.(a)), [CPC 6] e [CPC 7] fornecem ¬ (χ1 ∨
χ2 ) ` ¬ χ1 e ¬ (χ1 ∨ x2 ) ` ¬ χ2 , e 1.7.(f) acarreta
22 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

(II) ¬ (χ1 ∨ χ2 ) ` ¬ χ1 ∧ ¬ χ2 .
Já que χ1 , χ2 são fórmulas arbitrárias, substituindo-se em (I) χ1 e χ2 primeira-
mente por ϕ e ψ , e depois por ¬ ϕ e ¬ ψ , respectivamente, obtemos
(
(i) ¬ ϕ ∨ ¬ ψ ` ¬ (ϕ ∧ ψ );
(ii) ¬ ¬ ϕ ∨ ¬ ¬ ψ ` ¬ (¬ ϕ ∧ ¬ ψ ).
Lembrando a lei da dupla negação (1.26) e as equivalências na Proposição 1.23,
as relações acima fornecem
(
(i) ¬ ϕ ∨ ¬ ψ ` ¬ (ϕ ∧ ψ );
(III)
(ii) ϕ ∨ ψ ` ¬ (¬ ϕ ∧ ¬ ψ ).
Os mesmos método e argumentos que nos deram (III) se aplicados a (II) forne-
cerão (
(iii) ¬ (ϕ ∨ ψ ) ` ¬ ϕ ∧ ¬ ψ ;
(IV)
(iv) ¬ (¬ ϕ ∨ ¬ ψ ) ` ϕ ∧ ψ .
Agora observe que:
∗ O item (i) de (III) acarreta ` (¬ ϕ ∨ ¬ ψ ) → ¬ (ϕ ∧ ψ ), enquanto que a
contrapositiva de (IV).(iv) e a lei da dupla negação fornecem ` ¬ (ϕ ∧ ψ ) →
(¬ ϕ ∨ ¬ ψ ), estabelecendo (a).
∗ O item (iii) de (IV) implica ` ¬ (ϕ ∨ ψ ) → (¬ ϕ ∧ ¬ ψ ), enquanto que a
contrapositiva de (III).(ii) e a lei da dupla negação mostram que ` (¬ ϕ ∧ ¬ ψ )
→ ¬ (ϕ ∨ ψ ), estabelecendo (b).
c) Note que é consequência de (b), da lei da dupla negação e da Proposição 1.23
que
(V) ` ¬ (¬ ϕ ∨ ψ ) ↔ (ϕ ∧ ¬ ψ ).
¬ ϕ ∨ ψ ` ϕ → ψ : A prova será por contradição, utilizando 1.29. É suficiente
mostrar que (¬ ϕ ∨ ψ ), ϕ, ¬ ψ ` χ, ¬ χ, para alguma fórmula χ. De fato, temos,
(¬ ϕ ∨ ψ ), ϕ, ¬ ψ ` (¬ ϕ ∨ ψ ) e (¬ ϕ ∨ ψ ), ϕ, ¬ ψ ` ϕ ∧ ¬ ψ .
Por (V) e 1.29, concluı́mos que (¬ ϕ ∨ ψ ), ϕ, ` ψ , que é equivalente ao resultado
desejado 8.
ϕ → ψ ` ¬ ϕ ∨ ψ : Novamente por contradição; temos, lembrando (V) e a Pro-
posição 1.23:
(ϕ → ψ ), ϕ ∧ ¬ ψ ` ψ , ¬ ψ .
De fato, de ϕ ∧ ¬ ψ , obtemos tanto ϕ, quanto ¬ ψ , enquanto que ϕ, (ϕ → ψ )
e [MP] fornecem ψ . Pela Proposições 1.23.(a), 1.26, 1.29 e o item (a) acima,
concluı́mos ϕ → ψ ` ¬ ϕ ∨ ψ , encerrando a prova de (c).

8 Se a esta altura o leitor não se lembrar do Teorema da Dedução...


1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 23

O item (d) segue imediatamente de (a) aplicado a ` ¬ (¬ ϕ ∧ ϕ) (1.28.(b)),


lembrando a lei da dupla negação (1.26). O item (e) fica como Exercı́cio para
o leitor. 
Proposição 1.31 (A lei da falta de alternativa). Para Γ ∪ {χ1 , χ2 } ⊆
F ml(S) temos
a) Γ ` ¬ χ1 → [(χ1 ∨ χ2 ) → χ2 ].
b) Γ ` ¬ χ2 → [(χ1 ∨ χ2 ) → χ1 ].

Prova. a) É suficiente mostrar que Γ, ¬ χ1 , (χ1 ∨ χ2 ) ` χ2 . A sequência de


fórmulas
1) ¬ χ1 → (χ1 → χ2 ) (Axioma [CPC 10])
2) ¬ χ1 (Hipótese)
3) χ1 → χ2 (de (1) e (2), por [MP])
4) χ2 → χ2 (Lemma 1.8)
5) χ1 ∨ χ2 → χ2 (de (4) e (5) pela Proposição 1.18.(a))
6) χ1 ∨ χ2 (Hipótese)
7) χ2 (de (5) e (6), por [MP])
é uma prova de χ2 , a partir de Γ, ¬ χ1 e (χ1 ∨ χ2 ). A prova de (b) é análoga e
deixada aos cuidados do leitor. 
Exercı́cio 1.32. a) (Idempotência da conjunção e da disjunção) Se ϕ é
uma fórmula de C(S), mostre que ` (ϕ ∨ ϕ) ↔ ϕ e ` (ϕ ∧ ϕ) ↔ ϕ.
b) Seja Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S).
(1) Se Γ ` ϕ, então Γ ` (ϕ ∧ ψ ) ↔ ψ . (2) Se Γ ` ¬ ϕ, então Γ ` (ϕ ∨ ψ)
↔ ψ.
(3) Γ ` ((¬ ϕ ∧ ϕ) ∨ ψ ) ↔ ψ . 
Corolário 1.33 (A prova por casos). Para Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S), as
seguintes condições são equivalentes:
(1) Γ ` ϕ ∨ ψ ; (2) Γ, ¬ ϕ ` ψ ; (3) Γ, ¬ ψ ` ϕ.
Prova. O item (c) da Proposição 1.30, a lei da dupla negação (1.26), contra-
posição (1.27.(a)) e a Proposição 1.23 garantem que
(*) ` (ϕ ∨ ψ ) ↔ (¬ ϕ → ψ ) e ` (ϕ ∨ ψ ) ↔ (¬ ψ → ϕ).
A equivalência do enunciado é consequência de (*) e do Teorema da Dedução.

Exercı́cio 1.34. Mostre que no Cálculo Clássico todo conectivo binário
pode ser definido a partir da negação e de um conectivo binário fixado. 9 
9 E.g., se fixarmos ∨ como fundamental, então ` (ϕ → ψ ) ↔ ¬ ϕ ∨ ψ e ` (ϕ ∧ ψ ) ↔ ¬ (¬ ϕ ∨ ¬ ψ ).
24 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

Exercı́cio 1.35. Se Γ ∪ {ϕ1 , ϕ2 , ψ 1 , ψ 2 } ⊆ F ml(S), mostre que


Γ, (ϕ1 → ϕ2 ), (ψ 1 → ψ 2 ), ¬ ϕ2 ∨ ¬ ψ 2 ` ¬ ϕ1 ∨ ¬ ψ 1 ,
uma lei da Lógica Clássica, conhecida como “Silogismo do dilema destrutivo”.
Observação 1.36. a) Indicamos por `I a noção de prova no Cálculo In-
tuicionista e por `C a do Cálculo Clássico. Embora análogas, estas noções são
distintas, pois os axiomas que podem ser utilizados em uma prova não são os
mesmos.
Nossa apresentação desses sistemas lógicos foi construı́da − seguindo idéias
de atribuı́das por S. C. Kleene a Gerhard Gentzen −, de modo que a diferença
está registrada com clareza: o que aceitamos acerca da negação no caso clássico,
mais especificamente o axioma [CPC 100 ]. Note que para Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S),
Γ ` I ϕ ⇒ Γ `C ϕ ,
pois todo axioma intuicionista é um axioma clássico; a recı́proca é falsa: e.g.,
a lei do terceiro excluı́do, `C ϕ ∨ ¬ ϕ, não é uma lei Intuicionista; o mesmo é
verdade para `C ¬ ¬ ϕ → ϕ. 10
Por outro lado, se em uma prova de Γ `C ϕ apenas os axiomas [CPC 1] −
[CPC 10] forem usados, então Γ `I ϕ. Assim, muitos dos enunciados estabele-
cidos acima são leis intuicionistas.
b) A terminologia a seguir é standard. Seja ϕ uma fórmula de C(S).
(1) ϕ é um teorema ou lei lógica do Cálculo Intuicionista se `I ϕ;
(2) ψ é um teorema ou lei lógica do Cálculo Clássico se `C ϕ. 

Como sı́ntese parcial da nossa discussão até agora, registraremos, no estilo


de Gentzen, as principais regras derivadas estabelecidas acima. Serão escritas
como “frações”, como fizemos com a regra de Modus Ponens. Além disso, as
marcadas com • são válidas no Cálculo Intuicionista.
1.37. Regras Derivadas. Sejam Γ ∪ ∆ ∪ {ϕ, ψ , χ} ⊆ F ml(S).
Γ`ϕ
I. Persistência (“Weakening”)• : (1.7.(b))
Γ, ∆ ` ϕ
II. Compacidade• : Se Γ ` ϕ, existe Γ0 ⊆ Γ, finito, tal que Γ0 ` ϕ. (1.7.(c))
Γ ` ϕ, Γ ` ϕ → ψ
III. Modus Ponens• : (1.7.(d))
Γ`ψ
Γ, ϕ ` ψ Γ`ϕ→ψ
IV. Teorema da Dedução• : e (1.9)
Γ`ϕ→ψ Γ, ϕ ` ψ
Γ ` ∆, ∆ ` ϕ
V. A Regra do Corte• : (1.10)
Γ`ϕ
10 Não há como provarmos isto aqui; o leitor poderá consultar, por exemplo, [Mi1].
1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA 25

Γ ` ϕ → ψ, Γ ` ψ → χ
VI. Transitividade da Implicação• : (1.13)
Γ`ϕ→χ
VII. Adjunção entre conjunção e implicação• :
Γ, ϕ ` ψ → χ Γ, ϕ ∧ ψ ` χ
e (1.15.(a))
Γ, ϕ ∧ ψ ` χ Γ, ϕ ` ψ → χ
Γ ` ϕ → (ψ → χ)
VIII. Troca de Hipóteses• : (1.15.(c))
Γ ` ψ → (ϕ → χ)
Γ ` ϕ, Γ ` ψ Γ`ϕ∧ψ
IX. Regras da Conjunção• : e (1.7.(f))
Γ`ϕ∧ψ Γ ` ϕ, Γ ` ψ
X. Introdução da disjunção nas hipóteses• :
Γ, ϕ ` χ, Γ, ψ ` χ Γ, ϕ ∨ ψ ` χ
e (1.18(a))
Γ, ϕ ∨ ψ ` χ Γ, ϕ ` χ, Γ, ψ ` χ
XI. Leis da dupla negação (1.26):
Γ`ϕ Γ ` ¬¬ϕ
XI.(1)• : XI.(2) :
Γ ` ¬¬ϕ Γ`ϕ
XII. Contraposição (1.27):
Γ`ϕ→ψ Γ ` ¬ψ → ¬ϕ
XII.(1)• : XII.(2) : .
Γ ` ¬ψ → ¬ϕ Γ`ϕ→ψ
Γ ¬ϕ Γ ` ¬¬¬ϕ
XIII. Lei da tripla negação• : e (1.27.(c))
Γ ` ¬¬¬ϕ Γ ` ¬ϕ
ϕ ∧ ¬ϕ
XIV. Trivialização• : (1.28.(a))
ψ
XV. A prova por contradição (1.29):
Γ, ϕ ` ψ , Γ, ϕ ` ¬ ψ Γ, ¬ ϕ ` ψ , Γ, ¬ ϕ ` ¬ ψ
XV.(1)• : XV.(2) :
Γ ` ¬ϕ Γ`ϕ
XVI. A implicação material (1.30.(c)) :
Γ ` ¬ϕ ∨ ψ Γ`ϕ→ψ
XVI.(1)• : XVI.(2) :
Γ`ϕ→ψ Γ ` ¬ϕ ∨ ψ
XVII. A falta de alternativa (1.31)
Γ, ¬ ϕ, (ϕ ∨ ψ ) Γ, ¬ ψ , (ϕ ∨ ψ )
XVII.(1)• : ; XVII.(2)• : ϕ
ψ
Γ, ¬ ϕ ` ψ Γ`ϕ∨ψ
XVIII. A prova por casos: e (1.33)
Γ`ϕ∨ψ Γ, ¬ ϕ ` ψ

Os esquemas acima codificam alguns dos principais resultados da teoria da


prova desenvolvida no Capı́tulo 1, um número importante dos quais é intuicio-
niscamente válido. 

Exercı́cio 1.38 (As Leis Associativas). Mostre que se ϕ, ψ , χ ∈ F ml(S),


então
26 1. SINTAXE E TEORIA DA PROVA

a)• ` [ϕ ∧ (ψ ∧ χ)] ↔ [(ϕ ∧ ψ ) ∧ χ].


b)• ` [ϕ ∨ (ψ ∨ χ)] ↔ [(ϕ ∨ ψ ) ∨ χ].
c) Qual o enunciado dos itens (a) e (b) no estilo Gentzen de 1.37?
Exercı́cio 1.39.• Se Γ ∪ {ψ 1 , . . . , ψ n } ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S), mostre que
Γ, ψ 1 , . . . , ψ n ` ϕ ⇔ Γ ` (ψ 1 ∧ . . . ∧ ψ n ) → ϕ.
CAPı́TULO 2

Teorias. Separação. Consistência

Neste Capı́tulo fixamos um Cálculo Proposicional, C(S), como discutido no


Capı́tulo 1.
Definição 2.1. Para Γ ⊆ F ml(S), definimos
Γ = {ϕ ∈ F ml(S) : Γ ` ϕ},
denominado fecho dedutivo de Γ.
Proposição 2.2. Sejam Γ e ∆ conjuntos de fórmulas em C(S). Com
notação da Definição 2.1, temos:
a) Γ ⊆ Γ. b) Γ ⊆ ∆ ⇒ Γ ⊆ ∆. c) Γ = Γ.

Prova. O item (a) é imediato a partir de 1.7.(a), enquanto que o item (b)
é consequência imediata da persistência (1.7.(b)): se Γ ⊆ ∆, tudo que é con-
sequência de Γ também é consequência de ∆. Para (c), note que o item (a)
garante que Γ ⊆ Γ. Resta mostrar que Γ ⊆ Γ.
Suponha que ϕ ∈ Γ; a definição de fecho implica que Γ ` ϕ. Pela compacidade
(1.7.(c)), existem ψ 1 , . . . , ψ n ∈ Γ, tais que ψ 1 , . . . , ψ n ` ϕ. Já que ψ k ∈ Γ,
sabemos que Γ ` ψ k , para todo k ∈ n. Assim, temos
Γ ` ψ 1 , . . . , ψ n e ψ 1 , . . . , ψ n ` ϕ,
e a Regra do Corte (Corolário 1.10) garante que Γ ` ϕ, isto é, ϕ ∈ Γ, como
necessário. 
Observação 2.3. O fecho dedutivo de um conjunto de fórmulas é uma
operação,
· : 2F ml(S) −→ 2F ml(S) ,
que é inflacionária (tem a propriedade 2.2.(a)), crescente (tem a propriedade
2.2.(b)) e idempotente (tem a propriedade 2.2.(c)) 1. 
Definição 2.4. Seja Γ ⊆ F ml(S).
a) Γ é inconsistente se para alguma fórmula χ em C(S), χ ∧ ¬ χ ∈ Γ.
Dizemos que Γ é consistente se não for inconsistente.
b) Γ é próprio se Γ 6= F ml(S); caso contrário, dizemos que Γ é trivial.
1 Se estas propriedades lembrarem ao leitor a noção de fecho em topologia...

27
28 2. TEORIAS. SEPARAÇÃO. CONSISTÊNCIA

c) Γ é uma teoria (em C(S)) se Γ = Γ 2. Definimos


Tp(S) = {T ⊆ F ml(S) : T é uma teoria própria em C(S)}
= {T ⊆ F ml(S) : T é uma teoria e T 6= F ml(S)}.
o conjunto das teorias próprias em C(S).
d) Uma teoria T ⊆ F ml(S) é
(1) prima se for própria e, para quaisquer ϕ, ψ ∈ F ml(S),
ϕ ∨ ψ ∈ T ⇒ ϕ ∈ T ou ψ ∈ T ;
(2) maximal se T é própria e para toda teoria T 0 em C(S),
T ⊆ T0 ⇒ T = T 0 ou T 0 = F ml(S).
e) Se Γ ∪ ∆ ⊆ F ml(S) Γ ⊆ ∆, dizemos que ∆ é uma extensão de Γ.
Observação 2.5. Está claro que Tp(S) ⊆ 2F ml(S) é um conjunto parcial-
mente ordenado pela inclusão (cf. Definição A.30). Note que uma teoria T
em C(S) é maximal (de acordo com 2.4.(d.2)) se e somente se for maximal no
conjunto parcialmente ordenado (po) h Tp(S), ⊆ i, de acordo com o item (g) da
Definição A.37. 
Exercı́cio 2.6. Seja T = {Ti : i ∈ I} uma famı́lia de teorias em C(S).
a) Mostre que a interseção da famı́lia T é uma teoria, que é própria ou consis-
tente se algum membro de T for, respectivamente, própria ou consistente.
b) Para Γ ⊆ F ml(S), mostre que
T
Γ = {T ⊆ F ml(S) : T é uma teoria em C(S) e Γ ⊆ T }.
Assim, Γ é a menor (na ordem parcial da inclusão) teoria que contém Γ.
c) Suponha que T é dirigida para cima, isto é, dados i, j ∈ I, existe k ∈ I tal
que Ti ∪ Tj ⊆ Tk . Mostre que nesse caso a união da famı́lia T é uma teoria.
Será que o leitor consegue obter uma caracterização de quando esta união é
própria e/ou consistente?

Para os Cálculos Clássico e Intuicionista temos:


Lema 2.7.• Para Γ ⊆ F ml(S) as seguintes condições são equivalentes:
(1) Γ é inconsistente; (2) Γ é trivial.
Em particular, uma teoria em C(S) é inconsistente se e somente se for trivial;
ou de forma equivalente, uma teoria em C(S) é consistente se e somente se for
própria.

Prova. (1) ⇒ (2) : Pela definição de inconsistência, existe uma fórmula χ tal
que Γ ` χ ∧ ¬ χ. Segue imediatamente da propriedade de trivialização (1.28.(a))
2 Ou de forma equivalente (por 2.2.(a)), se Γ ⊆ Γ.
2. TEORIAS. SEPARAÇÃO. CONSISTÊNCIA 29

e da regra do corte (1.10) que para toda fórmula ψ em C(S), temos Γ ` ψ . Assim,
Γ = F ml(S) e Γ é trivial.
(2) ⇒ (1) : Já que Γ é trival, para toda fórmula χ em C(S), temos Γ ` χ ∧ ¬ χ
e portanto Γ é inconsistente.
As demais asserções do enunciado são consequências imediatas do que foi
provado e das definições pertinentes. 
Observação 2.8. Em vista do Lema 2.7 poderı́amos perguntar porque
fazer a distinção entre teorias próprias e triviais. A razão é simples: existem
sistemas lógicos, denominados paraconsistentes, onde uma teoria pode ser
inconsistente sem ser trivial. Para uma introdução recente a este tipo de sistema
veja, por exemplo, os artigos e referências em [CCO]. 
Proposição 2.9 (Extensão consistente). Seja Γ ∪ {ξ} ⊆ F ml(S).

a) ¬ ξ 6∈ Γ ⇔ Γ ∪ {ξ} é consistente.
b) ξ 6∈ Γ ⇔ Γ ∪ {¬ ξ} é consistente.

Prova. a) Para provar a implicação (⇒), suponha, por absurdo, que Γ ∪


{ξ} é inconsistente. Então, para alguma fórmula χ teremos Γ, ξ ` χ ∧ ¬ χ.
A lei da contraposição ((XII).(1) em 1.37) e Teorema da Dedução fornecem
Γ `I ¬ (χ ∧ ¬ χ) → ¬ ξ; portanto, 1.28.(b) e persistência garantem que Γ `I
¬ ξ, contrariando a hipótese de que ¬ ξ 6∈ Γ. Para a recı́proca, se Γ `I ¬ ξ,
então a persistência implica Γ, ξ `I ξ, ¬ ξ; logo, por 1.7.(f), Γ, ξ `I ξ ∧ ¬ ξ, e
Γ ∪ {ξ} seria inconsistente, estabelecendo (a).
(b) Pelo item (a), ¬ ¬ ξ 6∈ Γ ⇔ Γ ∪ {¬ ¬ ¬ ξ} é consistente. Uma vez que `I
¬ ¬ ¬ ξ ↔ ¬ ξ (1.27.(c)) e `C ¬ ¬ ξ ↔ ξ (1.26), concluı́mos que no Cálculo
Clássico temos
ξ 6∈ Γ ⇔ Γ ∪ {¬ ξ} é consistente,
como desejado. 
Teorema 2.10.• (Teorema de Separação) Seja Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S). Se ϕ
6∈ Γ, então existe uma teoria prima em C(S), T , tal que Γ ⊆ T e ϕ 6∈ T . 3

Prova. Aqui não há jeito: teremos que utilizar o Lema de Zorn em A.39. Seja
V = {P ∈ Tp(S) : Γ ⊆ P e ϕ 6∈ P },
o conjunto das teorias próprias conténdo Γ e que não contém ϕ, parcialmente
ordenado pela inclusão. Note que V 6= ∅, pois por hipótese Γ ∈ V. Se P =S{Pi
∈ I} é uma cadeia em V 4, segue do item (c) do Exercı́cio 2.6 que P = P
: iS
= i∈I Pi é uma teoria em C(S). Está claro que ϕ 6∈ P (pois está fora de cada
3 Pelo item (b) do Exercı́cio 2.6, Γ ⊆ T .
4 Ou seja, para todo i, j ∈ I, P ⊆ P ou P ⊆ P . Em particular, P é dirigida para cima.
i j j i
30 2. TEORIAS. SEPARAÇÃO. CONSISTÊNCIA

Pi ) e que Pi ⊆ P , para todo i ∈ I. Logo, P é um limitante superior de P em


V. Acabamos de verificar que h V, ⊆ i verifica as hipóteses do Lema de Zorn;
portanto, existe T maximal em V. Em particular, T é uma teoria própria e ϕ
6∈ T . Resta mostrar que T é prima. Para fórmulas ψ , χ, suponha, que ψ ∨ χ ∈
T . Assuma, para obter uma contradição, que nem ψ , nem χ estejam
em T . Cosideremos as teorias
T1 = T ∪ {ψ } e T2 = T ∪ {χ}.
Observe que Ti , i = 1, 2, contém T propriamente, pois, por hipótese de con-
tradição, ψ , χ 6∈ T . Como resultado auxiliar, provaremos o
Fato 2.11. As teorias Ti , i = 1, 2, são próprias.

Prova. Suponha que T1 não seja própria. Por 2.7, T ∪ {ψ } é inconsistente e


assim, por 2.9.(a) concluı́mos que ¬ ψ ∈ T = T . Já que ψ ∨ χ ∈ T , a lei da
falta de alternativa em 1.31 acarreta χ ∈ T , contrariando a hipótese de que χ
6∈ T . Analogamente, se T ∪ {χ} fosse inconsistente, obterı́amos ψ ∈ T , que
também é incompatı́vel com a hipótese de que ψ 6∈ T . 2
Agora, mostraremos que a conclusão do Fato 2.11 leva a uma contradição.
De fato, como T é maximal em V, ambas Ti são próprias e T está estritamente
contida em ambas, concluı́mos que ϕ ∈ T1 ∩ T2 . Logo, T , ψ `I ϕ e T , χ `I
ϕ. Mas então, 1.18 acarreta T `I (ψ ∨ ψ ) → ϕ; já que (ψ ∨ χ) ∈ T , obtemos
T `I ϕ, contrariando a construção de T . Assim, a hipótese de que ambas ψ e
χ estejam fora de T leva a uma contradição. Consequentemente, devemos ter
ψ ∈ T ou χ ∈ T , completando a demonstração. 
Corolário 2.12.• Todo conjunto consistente de fórmulas tem uma extensão
prima e consistente. 5

Prova. Já que Γ é consistente, existe uma fórmula ϕ tal que (ϕ ∧ ¬ ϕ) 6∈ Γ.


Pelo Teorema de Separação(2.10), existe uma teoria prima, T , tal que Γ ⊆ Γ ⊆
T , como desejado. 
No Cálculo Clássico, teorias primas e maximais coincidem:
Proposição 2.13. Se T é uma teoria em C(S) no Cálculo Proposicional
Clássico, as seguintes condições são equivalentes:
(1) T é prima; (2) Para toda ϕ ∈ F ml(S), ϕ ∈ T ou ¬ ϕ ∈ T ;
(3) T é maximal.

Prova. (1) ⇒ (2) : Como para toda ϕ ∈ F ml(S) temos ` ϕ ∨ ¬ ϕ (a lei do


terceito excluı́do; 1.30.(d)) e T é uma teoria, concluı́mos que ϕ ∨ ¬ ϕ ∈ T .
Agora, o fato de que T é prima imediatamente fornece (2).
5 Lembre-se que uma teoria prima é consistente, porque é própria (2.7).
2. TEORIAS. SEPARAÇÃO. CONSISTÊNCIA 31

(2) ⇒ (3) : É suficiente mostrar que toda teoria que contém T propriamente
é trivial, ou equivalentemente, é inconsistente (2.7). Se T está propriamente
contida em uma teoria T 0 , então para alguma fórmula ψ , temos ψ ∈ (T 0 \ T ).
Já que ψ 6∈ T , (2) garante que ¬ ψ ∈ T ⊆ T 0 e portanto ψ , ¬ ψ ∈ T 0 ; logo, T 0 é
inconsistente, como desejado.
(3) ⇒ (1) : Suponha que T é maximal e que para fórmulas ϕ, ψ tenhamos ϕ
∨ ψ ∈ T . Se ϕ ∈ T , nada a provar. Se ϕ 6∈ T , então 2.9.(b) garante que T ∪
{¬ ϕ} é consistente e portanto própria. Como T ⊆ T ∪ {¬ ϕ} e T é maximal,
concluı́mos que T = T ∪ {¬ ϕ}; em particular, uma vez que T é uma teoria,
obtemos ¬ ϕ ∈ T . Agora, (ϕ ∨ ψ ) ∈ T e 1.31.(a) implicam ψ ∈ T , mostrando
que T é prima e completando a prova. 
Observação 2.14. Devido à equivalência entre os itens (2) e (3) em 2.13,
alguns autores chamam uma teoria maximal de teoria completa. 
Corolário 2.15 (Teorema de Lindebaum). No Cálculo Clássico, todo con-
junto consistente de fórmulas possui uma extensão maximal (ou completa) e
consistente.

Prova. Segue imediatamente do Corolário 2.12 e da Proposição 2.13. 


CAPı́TULO 3

Semântica: Valorações e Completude.

Neste Capı́tulo descreveremos a semântica clássica associada a um Cálculo


Proposicional, as valorações em 2 = {0, 1}, discutiremos a noção de con-
sequência semântica e estabeleceremos o Teorema de Completude, isto é, que
consequência semântica e consequência lógica são equivalentes.
Os intrumentos matemáticos básicos para o desenvolvimento dos temas deste
Capı́tulo estão contidos na primeira seção:
∗ As estruturas, tanto de álgebra de Boole, quanto de corpo de caracterı́stica 2,
presentes em {0, 1} e as relações entre estas estruturas;
∗ O Princı́pio de Indução na Complexidade de Fórmulas, uma consequência da
Princı́pio de Indução nos números naturais, enunciado em A.3.(c).(II).

1. As Estruturas de Reticulado e de Corpo em {0, 1}

Seja X um conjunto finito e seja  uma operação binária em X (cf. A.22),


isto é uma função,  : X × X −→ X. Podemos descrever a operação  por uma
tabela ou matriz, com os elementos de X na primeira linha e primeira coluna e
o resultado da operação, x  y, na h x, y i-ésima entrada como ilustrado abaixo:

 ··· y ··· x ···


.. .. .. .. .. ..
. . . . . .
y ··· ··· ··· y  x ···
.. .. .. .. .. ..
. . . . . .
.. ..
x ··· x  y ··· . .
.. .. .. .. .. ..
. . . . . .
Já que  pode muito bem não ser comutativa, isto é, (x  y) 6= (y  x), é
importante notar que x  y está na interseção da x-ésima linha com a y-ésima
coluna, como ilustrado acima.
Iniciaremos nossa discussão apresentando as relações entre as estruturas ma-
temáticas presentes em 2 = {0, 1}.
3.1. A Estrutura de Álgebra de Boole em 2. O conjunto 2 = {0,
1} é um conjunto linearmente ordenado, com 0 < 1. Essa ordem faz de 2 um
reticulado distributivo e mesmo uma álgebra de Boole, conforme será indicado
abaixo.

33
34 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

Para x, y ∈ 2, indicamos por


(I) x ∧ y = inf {x, y} e x ∨ y = sup {x, y}
o ı́nfimo e o supremo do conjunto {x,y} na ordem de 2 (conforme a Definição
A.37). Uma vez que 2 é linearmente ordenado, na realidade inf e sup coin-
cidem com máximo e mı́nimo, respectivamente, mas preferiremos, por razões
estratégicas, manter a notação em (I).
A coincidência entre a notação em (I) e a utilizada para os conectivos lógicos
não é coincidência alguma; é standard e as razões para isso ficarão claras nesse
Capı́tulo.
Com as convenções acerca de tabelas para operações do inı́cio desta seção,
as operações de ∧ e ∨ em 2 são dadas por:
∧ 0 1 ∨ 0 1
[∧] 0 0 0 [∨] 0 0 1
1 0 1 1 1 1
Com um pouco de pacência1, o leitor poderá verificar que estas operações têm
as seguintes propriedades, para todo x, y, z ∈ 2 :
Comutatividade :
[ret 1] : x ∧ y = y ∧ x; [ret 2] : x ∨ y = y ∨ x.
Associatividade :
[ret 3] : x ∧ (y ∧ z) = (x ∧ y) ∧ z; [ret 4] : x ∨ (y ∨ z) = (x ∨ y) ∨ z.
Distributividade :
[D 1] : x ∧ (y ∨ z) = (x ∧ y) ∨ (x ∧ z); [D 2] : x ∨ (y ∧ z) = (x ∨ y) ∧
(x ∨ z).
Top e Bottom : [top] : x ∧ 1 = x; [bottom] : x ∨ 0 = x,
constituindo-se, portanto, em um reticulado distributivo com maior (top)
e menor (bottom) elemento. Note que a estrutura de ordem original em 2
pode ser recuperada a partir tanto de ∧, quanto de ∨, pois para todo x, y ∈ 2
[≤] x≤y ⇔ x = x∧y ⇔ y = x ∨ y.
A operação unária de complementação em 2, indicada por ¬ , é dada por:

x 0 1
[Ng]
¬x 1 0

ou seja ¬ 0 = 1 e ¬ 1 = 0. É fácil verificar que para todo x ∈ 2 temos:


Complementação : [¬ 1] : x ∧ ¬ x = 0; [¬ 2] : x ∨ ¬ x = 1.

1 Autores às vezes mentem desavergonhadamente...


1. AS ESTRUTURAS DE RETICULADO E DE CORPO EM {0, 1} 35

Um reticulado distributivo com top e bottom e que tem uma operação unária
¬ satisfazendo [¬ 1] e [¬ 2] denomina-se uma álgebra de Boole.
Toda álgebra de Boole possui uma implicação, definida para x, y por
[→] x → y = ¬ x ∨ y,
exatamente o que no Capı́tulo 1, denominava-se implicação material (cf. Pro-
posição 1.30.(c)). Para x, y ∈ 2, a tabela desta operação, obtida a partir das
tabelas [Ng] e [∨], é a seguinte:
→ 0 1
0 1 1
1 0 1
Note que x → y = 0 ⇔ x = 1 e y = 0. 
Exercı́cio 3.2. Seja U um conjunto unitário e seja 2U o conjunto das partes
de U , parcialmente ordenado pela inclusão. Mostre que 2U , ⊆ é naturalmente
isomorfo a h 2, ≤ i. Mostre que união, interseção e complemento em 2U são
levados por este isomorfismo, respectivamente, nas operações ∧, ∨ e ¬ definidas
em 3.1. 2 
3.3. A Estrutura de Corpo em 2. O conjunto {0, 1} possui uma outra
estrutura algébrica que passaremos a apresentar. A soma e o produto em 2
são dados por
+ 0 1 · 0 1
[+] 0 0 1 [·] 0 0 0
1 1 0 1 0 1
Estas operações têm as seguintes propriedades, para todo x, y, z ∈ 2:
Comutatividade :
3
[+ 1] : x + y = y + y; [· 1] : xy = yx;
Associatividade :
[+ 2] : x + (y + z) = (x + y) + z; [· 2] : x(yz) = (xy)z;
4
Inverso Aditivo : [+ 3] : Para cada x, existe u ∈ 2 tal que x + u = 0;
Distributividade : [D] : x(y + z) = xy + xz;
Elementos Neutros : [N+] : x + 0 = x; [N·] : x1 = x,
constituindo-se em um anel comutativo com identidade (1). Note que neste
anel valem as seguintes propriedades, para todo x em 2:
[Id] (Idempotência) : x · x = x2 = x;
2 Desse ponto de vista, o conteúdo de 3.1 não é novidade...
3 Como é usual indicamos o produto por superposição, a menos que isto possa produzir confusão.
4 Pode-se provar que um tal u é único, sendo indicado por −x.
36 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

[Car 2] (Caracterı́stica é 2) : 2x = x + x = 0.
Observe que idempotência e caracterı́stica 2 implicam que para todo x, y ∈ 2 e
todo natural n ≥ 1 temos


 (i) x + y = 0 ⇔ x = y; (ii) xn = x;
 (
[\] 0 se n é par;
 (iii) nx =
x se n é ı́mpar.

Assim, 2 com esta estrutura algébrica, é um anel Booleano. Agora observe


que todo elemento distinto de zero em 2 (ou seja 1) tem inverso multiplicativo
(o próprio). Um anel com esta propriedade (como os racionais ou os reais),
denomina-se um corpo. Como 1 + 1 = 0, trata-se de um corpo de carac-
terı́stica 2 5. 

Apresentadas as estrutura em 2, o importante é relacioná-las. A tabela


abaixo corresponde a operação unária “somar 1” em 2:
x 0 1
[1 +]
1+x 1 0
Mas esta tabela é exatamente a tabela [Ng] da complementaçãoem 3.1 ! A
conclusão é que
(A) Para todo x ∈ 2, ¬ x = 1 + x.
Note agora que as tabelas [∧] em 3.1 e [·] em 3.3 também são iguais. Assim:
(B) Para todo x, y ∈ 2, x ∧ y = xy.
Em particular, para todo x, y ∈ 2
(C) x≤y ⇔ x=x∧y ⇔ x = xy.
Assim, a complementação (¬ ) e o inf (∧) da estrutura Boolena de 2 correspon-
dem, respectivamente, a soma com 1 e ao produto na estrutura de corpo de
2.
Será possı́vel relacionar a operação de sup (∨) em (2) com as operações de
soma e produto. Claro! Observe que se somarmos, entrada a entrada, as tabelas
de [+] e [·] em 3.3, obtemos a tabela [∨] em 3.1. Logo:
(D) Para todo x, y ∈ 2, x ∨ y = x + y + xy.
Nossa discussão mostra que as duas estruturas em 2 estão intimamente rela-
cionadas, havendo “traduções” fiés de uma na outra. Uma pergunta ainda
permanece: qual a expressão algébrica da implicação Booleana? Já que u → v
= ¬ u ∨ v, temos, lembrando que 2z = 0:
u → v = ¬ u ∨ v = ¬ u + v + (¬ u)v = (1 + u) + v + (1 + u)v
= 1 + u + v + v + uv = 1 + u + 2v + uv = 1 + u + uv.
5 Embora 2 seja o único anel Booleano que é um corpo, há muitos corpos de caracterı́stica 2 !
1. AS ESTRUTURAS DE RETICULADO E DE CORPO EM {0, 1} 37

Resumindo as regras fundamentais que surgiram da discussão acima:


3.4. Para todo u, v ∈ 2, além da comutatividade, associatividade e distri-
butividade das operações, tanto de reticulado, quanto de anel, temos:
[Idemp] : u2 = u; [C2] : 2u = 0;
[∧, ·] : u ∧ v = uv; [∨, +, ·] : u ∨ v = u + v + uv;
[¬ ] : ¬ u = 1 + u; [→] : u → v = 1 + u + uv.
Temos ainda as de [\] em 3.3, isto é, se x, y ∈ 2 e n ≥ 1 é um natural:
[\.(i)] : x + y = 0 ⇔ x = y; [\.(ii)] : xn = x;
(
0 se n é par;
[\.(iii)] : nx =
x se n é ı́mpar.
Estas regras serão utilizadas nos Exemplos que seguem e na nossa discussão
futura, eventualmente sem referência explı́cita. 
Exemplo 3.5. a) Para quaisquer x, y ∈ 2, x → (y → x) = 1 6. De fato,
com as regras em 3.4, temos
x → (y → x) = 1 + x + x(y → x) = 1 + x + x(1 + y + yx)
= 1 + x + x + xy + x2 y = 1 + 2x + 2xy = 1,
como desejado.
b) Para todo x, y ∈ 2, ¬ x → (x → y) = 1. De fato, utilizando as regras em
3.4, obtemos
¬ x → (x → y) = 1 + ¬ x + ¬ x(x → y) = 1 + (1 + x) + (1 + x)(1 +
x + xy)
= 1 + 1 + x + 1 + x + xy + x + x2 + x2 y
= 1 + 2 + x + x + x + x + xy + xy
= 1 + 2 + 4x + 2xy = 1,
7
como desejado.
c) Para todo x ∈ 2, x ∧ ¬ x = 0 e portanto ¬ (x ∧ ¬ x) = 1. De fato,
(I) x ∧ ¬ x = x(¬ x) = x(1 + x) = x + x2 = x + x = 0.
A tabela [Ng] em 3.1 e (I) fornecem, ¬ (x ∧ ¬ x) = 1, para todo x ∈ 2.
d) Para todo x, y ∈ 2, x ∧ (x → y) = x ∧ y ≤ y.
É suficiente mostrar que x ∧ (x → y) = x ∧ y, já que pela definição de inf
(∧), x ∧ y ≤ y vale sempre. Temos
6 A semelhança com o axioma [CPC 1] não é coincidência!
7 O item (b) é análogo a [CPC 10]; se o leitor estiver com a impressão de que voltamos para Aritmética
elementar módulo 2, está com toda razão. Por sinal, um grande progresso...
38 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

x ∧ (x → y) = x(x → y) = x(1 + x + xy) = x + x2 + x2 y = x +


x + xy
= xy = x ∧ y.
Note que obtemos a seguinte consequência:
(*) x = 1 e (x → y) = 1 ⇒ y = 1.
e) Para todo x, y, z ∈ 2, x ≤ (y → z) ⇔ x ∧ y ≤ z. Temos:
x ≤ (y → z) ⇔ x = x(y → z)
⇔ x = x(1 + y + xy z) = x + xy + x2 yz = x +
xy + xyz
⇔ xy + xyz = 0 ⇔ xy = xyz ⇔ xy ≤ z
⇔ x ∧ y ≤ z,
como desejado.
f) Para todo x, y, z ∈ 2, u = (x → z) → ((y → z) → (x ∨ y) → z)) = 1.
Temos
u = 1 + (x → z) + (x → z)((y → z) → (x ∨ x) → z))
= 1 + (x → z) + (x → z)(1 + (y → z) + (y → z)((x ∨ y) → z))
= 1 + (x→ z) + (x→ z) + (x → z)[(y → z) + (y → z)((x ∨ y) → z)]
| {z }
0
= 1 + (x → z)[(y → z) + (y → z)((x ∨ y) → z)]
Assim, para completar a prova é suficiente verificar que
(II) (x → z)[(y → z) + (y → z)((x ∨ y) → z)] = 0.
Temos:
(x → z)(y → z) = (1 + x + xz)(1 + y + yz)
= 1 + y + yz + x + xy + xyz + xz + xyz + xyz 2
(III)
= 1 + y + x + xy + yz + 3xyz
= 1 + y + x + xy + yz + xyz.
Por outro lado,
(x ∨ y) → z = (x + y + xy) → z
(IV) = 1 + x + y + xy + z(x + y + xy)
= 1 + x + y + xy + xz + yz + xyz.
As igualdades em em (III) e (IV) mostram que 8
(x → z)(y → z) = ((x ∨ y) → z),
e portanto, devido a idempotência, temos
8 Uma nova lei lógica?
1. AS ESTRUTURAS DE RETICULADO E DE CORPO EM {0, 1} 39

(V) (x → z)(y → z) = [(x→ z)(y→ z)]2 = (x → z)(y → z)((x ∨ y) → z).


Já que 2v = 0, para todo v ∈ 2, (V) é equivalente a (II), encerrando a prova de
(f). 9 
Exercı́cio 3.6. Para x, y ∈ 2, definimos a equivalência em 2 por
x ↔ y = (x → y) ∧ (y → x).
Prove a seguinte lei de adjunção10 :
Para todo x, y, z ∈ 2, z ≤ x ↔ y ⇔ z ∧ x = z ∧ y. 

O último tema desta seção é a formalização rigorosa do processos de definição


e prova por indução na complexidade das fórmulas em um Cálculo Proposicional.
3.7. A Definição Formal de Fórmula. O Princı́pio de Indução na
Complexidade. As notações e os conceitos em A.36 serão fundamentais
aqui. Sejam S um conjunto não-vazio e
Alf (C(S)) = S ∪ {¬ , ∨, ∧, →}
o alfabeto associado ao Cálculo Proposicional C(S), onde
S ∩ {¬ , ∨, ∧, →} = ∅.
Como S permanecerá fixo na discussão que segue, para simplificar a notação
indicaremos Alf (C(S) por Alf . Note que deixamos de fora Alf os parentêses a
esquerda e a direita, pois na realidade não são necessários para a formalização
da noção de fórmula de C(S).
Seja Alf∞ (cf. A.36) o conjunto das sequências finitas de elementos de Alf .
O conjunto das fórmulas de C(S) é um subconjunto de Alf∞ , que passaremos
a descrever.
O leitor deve ter em mente que a operação de concatenação, ⊕, definida em
A.36, é associativa (veja [conc 1] em A.36); portanto, pela Proposição A.29,
não há necessidade de parênteses ao escrever a concatenação de tres ou mais
elementos de Alf∞ .
Para T ⊆ Alf∞ , definimos os seguintes subconjuntos de A∞ , onde ⊕ é a
operação de concatenação e  ∈ {∧, ∨, →} :
T¬ = {h ¬ i ⊕ s : s ∈ T }; T = {h  i ⊕ s ⊕ t : s, t ∈ T }.
Assim, se s = h s1 , . . . , sn i e t = h t1 , . . . , tm i são elementos de T ,
h ¬ i ⊕ s = h ¬ , s1 , . . . , sn i e hi ⊕ s ⊕ t =
h , s1 , . . . , sn , t1 , . . . , tm i,
são elementos de T¬ e T , respectivamente. Se c é a função comprimento de
A.36, note que:
9 Aritmética elementar pode ser complicada...
10 Que, na realidade, define ↔.
40 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

(1) c(h ¬ i ⊕ s) = c(s) + 1;


(2) c(h  i ⊕ s ⊕ t) = c(s) + c(t) + 1;
(3) T¬ ∩ T = ∅, pois todo elemento de T¬ tem ¬ como primeira
coordenada,
enquanto que cada elemento de T tem  = 6 ¬ como primeira coor-
denada;
(4) Analogamente, os conjuntos
T∨ , T∧ e T→ são dois a dois disjuntos.
Por exemplo, cada elemento de T∨ tem ∨ como primeira coordenada,
enquanto
que todos os elementos de T∧ tem ∧ =6 ∨ como primeira coordenada.
Para T ⊆ Alf∞ , definimos
Tc = T¬ ∪ T∨ ∪ T∧ ∪ T→ .
Por (3) e (4) acima sabemos que Tc é uma união disjunta.
Por indução em n ≥ 1, definimos uma sequência de subconjuntos de Alf∞ ,
{Sn : n ≥ 1}, da forma seguinte:
(I) S1 = {h p i ∈ Alf∞ : p ∈ S}, as sequências de comprimento 1 de elementos
de S;
(II) Para n ≥ 2, Sn+1 = Sn ∪ (Snc \ Sn ).
A sequência Sn , n ≥ 1, tem as seguintes propriedades:
[S 0] : A função p ∈ S 7−→ h p i ∈ S1 é uma bijeção natural, através da qual
estes conjuntos podem ser identificados;
[S 1] : Para todo n ≥ 1, Sn ⊆ Sn+1 , i.e., a sequência {Sn : n ≥ 1} é crescente;
[S 2] : Para cada n ≥ 1, Sn+1 = Sn ∪ (Snc \ Sn ) é uma união disjunta,
que pelo item (c) da Proposição A.2 pode ser escrita da seguinte forma:
Sn+1 = Sn ∪ (Snc \ Sn )
= Sn ∪ (Sn¬ \ Sn ) ∪ (Sn∨ \ Sn ) ∪ (Sn∧ \ Sn ) ∪ (Sn→ \ Sn ).
O conjunto das fórmulas de C(S) é
S
F ml(S) =def n≥1 Sn .
Proposição 3.8 (Princı́pio de Indução na Complexidade das Fórmulas).
Com a notação acima,
a) (Primeira Forma) Para T ⊆ F ml(S), as seguintes propriedades são equiva-
lentes:
(1) T = F ml(S); (2) (i) S1 ⊆ T ;
(ii) Para todo n ∈ ω, Sn ⊆ T ⇒ Sn+1
⊆ T.
2. VALORAÇÕES. CONSEQUÊNCIA SEMÂNTICA. COMPLETUDE 41

b) (Segunda Forma) Seja P uma propriedade de fórmulas de C(S). Suponha


que
(1) Toda proposição atômica tem a propriedade P;
(2) Para todo n ≥ 1, se cada fórmula em Sn tem a propriedade P, então
toda fórmula em Sn+1 tem a propriedade P.
Então, toda fórmula em C(S) tem a propriedade P.

Prova. a) Seja A = {k ∈ ω : Sk ⊆ T }. As condições 2.(i) e 2.(ii)Se o


Princı́pio de Indução em A.3.(c).(II), garantem que A = ω. Logo, T = n≥1
Sn = F ml(S), como desejado.
b) A prova é análoga; seja A = {k ∈ ω : Cada fórmula em Sk tem a propriedade
S
P}. As condições (1) e (2) em (b) e A.3(c).(II) implicam A = n≥1 Sn =
F ml(S). 
Está claro que a expressão formal de uma fórmula de acordo com a construção
acima rapidamente torna-se ilegı́vel. Assim, uma vez sabendo ser possı́vel tornar
rigoroso os argumentos indutivos de construção e prova na complexidade de
fórmulas, voltamos para a nossa notação usual para fórmulas. Em relação a
esta questão, veja também a Observação 3.11. 

2. Valorações. Consequência Semântica. Completude

Seja C(S) um Cálculo Posposicional, com S como conjunto das fórmulas


atômicas. Nesta seção apresentaremos a noção de valoração em 2 = {0, 1},
um caso particular de valorações em álgebras de Boole, a serem discutidas mais
adiante. A notação em 3.1 e 3.3, bem como as regras apresentadas e discutidas
na seção 1, sumarizadas em 3.4 serão de uso constante.

Definição 3.9. a) Uma 2-valoração em C(S) é uma função, v : F ml(S)


−→ 2 = {0, 1}, tal que para quaisquer fórmulas ϕ, ψ temos
[val ∧] : v(ϕ ∧ ψ ) = v(ϕ) ∧ v(ψ ) = v(ϕ)v(ψ );
[val ∨] : v(ϕ ∨ ψ ) = v(ϕ) ∨ v(ψ ) = v(ϕ) + v(ψ ) + v(ϕ)v(ψ );
[val →] : v(ϕ → ψ ) = v(ϕ) → v(ψ ) = 1 + v(ϕ) + v(ϕ)v(ψ );
[val ¬ ] : v(¬ ϕ) = ¬ v(ϕ) = 1 + v(ϕ).
Seja V al(S, 2) o conjunto das 2-valorações em F ml(S).
b) Se Γ ⊆ F ml(S) e v é uma 2-valoração em C(S), definimos
V
v(Γ) = ξ∈Γ v(ξ),
o ı́nfimo das valorações das fórmulas em Γ. Note que se Γ = ∅, temos v(Γ) =
1.
42 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

Valorações em 2 são livremente geradas por seus valores nas fórmulas atômicas,
isto é, temos
Teorema 3.10. Se h : S −→ 2 = {0, 1} é uma função, existe uma única
2-valoração, vh : F ml(S) −→ 2, tal que vh  S = h, isto é, o seguinte diagrama
é comutativo:
S ι - F ml(S)
A 
A 
hA  vh
A 
A 
AU 
2

onde ι é a injeção canônica de S (o conjunto das fórmulas atômicas) em F ml(S).

Prova. Seja {Sn : n ≥ 1} a sequência definida em 3.7. Pela propriedade [S 0]


em 3.7, podemos considerar h definida em S1 = {h p i : p ∈ S} (por h(h p i)
= h(p)). Inicialmente, estabeleceremos a unicidade da função vh . Suponha que
v, v 0 : F ml(S) −→ 2 satisfaçam
(I) (*) v  S1 = v 0  S1 = h e (∗∗) as condições da Definição 3.9.
Seja A = {k ∈ ω : v  Sk = v 0  Sk }. Como S1 = S, (*) em (I) acarreta 1 ∈ A.
Suponha que n ∈ A; para ϕ, ψ ∈ Sn , (**) em (I) e a hipótese de indução (n ∈
A) garantem que
v(ϕ ∧ ψ ) = v(ϕ) ∧ v(ψ ) = v 0 (ϕ) ∧ v 0 (ψ ) = v 0 (ϕ ∧ ψ ).
Analogamente, temos v(ϕ ∨ ψ ) = v 0 (ϕ ∨ ψ ), v(ϕ → ψ ) = v 0 (ϕ → ψ ) e
v(¬ ϕ) = v 0 (¬ ϕ). Já que, com a notação de [S 2] em 3.7, Sn+1 = Sn ∪ (Snc
\ Sn ), concluı́mos que (n + 1) ∈ A e o S Princı́pio de Indução em A.3.(c).(II)
implica A = ω. Uma vez que F ml(S) = n≥1 Sn , e v coincide com v 0 em cada
Sn , segue imediatamente que v = v 0 , provando a unicidade desejada.
Resta estabelecer a existência de tal extensão. Por indução em n ≥ 1, con-
truiremos vn : Sn −→ 2 tal que (lembre-se que, por [S 1] em 3.7, Sn ⊆ Sn+1 ,
para todo n ≥ 1):
(II) (i) vn verifica as condições da Definição 3.9; (ii) Para n ≥ 1, vn+1  Sn =
vn .
Seja v1 = h (interpretada, como acima, de S1 em 2); suponha construı́da
vn com as propriedades (II).(i) e (II).(ii) acima; lembrando que Sn+1 é a união
disjunta de Sn , (Sn¬ \ Sn ), (Sn∨ \ Sn ), (Sn∧ \ Sn ) e (Sn→ \ Sn ) (por [S 2] em
3.7), definimos vn+1 : Sn+1 −→ 2 da forma seguinte:
(III) Para χ ∈ Sn , vn+1 (χ) = vn (χ);
(IV) Se χ ∈ Sn+1 \ Sn , então χ ∈ Snc \ Sn , isto é, χ = ¬ ϕ ou χ = ϕ  ψ , para
ϕ, ψ ∈ Sn . Definimos,
2. VALORAÇÕES. CONSEQUÊNCIA SEMÂNTICA. COMPLETUDE 43

vn+1 (ϕ ∧ ψ ) = vn (ϕ) ∧ vn (ψ ); vn+1 (ϕ ∨ ψ ) = vn (ϕ) ∨ vn (ψ );




vn+1 (ϕ → ψ ) = vn (ϕ) → vn (ψ ); vn+1 (¬ ϕ) = ¬ vn (ϕ).


Assim, vn+1 é uma função de Sn+1 em 2, tal que vn+1  Sn = vn (por definição;
veja (III) acima). Se χ é uma fórmula em Sn+1 , temos duas possibilidades:
∗ χ ∈ Sn . Neste caso, vn+1 coincide com vn ; como, por hipótese de indução, vn
verifica as condições da Definição 3.9, o mesmo é verdade para vn+1 ;
∗ χ ∈ Snc . Neste caso, a definição de vn+1 em (IV) garante que as condições da
Definição 3.9 estão satisfeitas,
completando passo de indução. Logo, temos uma sequência de funções, {vk : k
≥ 0}, tal que v1 = h e que são extensões uma das outras, isto é, satisfazem
S a
condição (II).(ii). Pelo Corolário A.35, existe uma única vh : F ml(S) = n≥1
Sn −→ 2 tal que vh  Sn = vn , n ≥ 1. Para vermos que v verifica as condições
da Definição 3.9, note que:
∗ Se χ = ϕ ∧ ψ , como a sequência Sn é crescente ([S 1] em 3.7), podemos
escolher n ∈ ω tal que ϕ, ψ ∈ Sn . Logo, χ ∈ Snc ⊆ Sn+1 e a definição de vn+1
em (IV) acima garante que vn+1 (χ) = vn (ϕ) ∧ vn (ψ ). Logo,
vh (ϕ ∧ ψ ) = vh (χ) = vn+1 (χ) = vn+1 (ϕ ∧ ψ ) = vn (ϕ) ∧ vn (ψ ) =
vh (ϕ) ∧ vh (ψ ).
Analogamente, mostramos que vh verifica as condições [val ∨], [val →] e [val ¬ ]
da Definição 3.9, completando a prova. 

Observação 3.11. A prova do Teorema 3.10 é um exemplar tı́pico de


indução na complexidade das fórmulas. A sua prova usual seria:
(1) Unicidade: Suponha que v e v 0 coincidem em S; por indução na complexi-
dade, assuma que para fórmulas ϕ, ψ em C(S), tenhamos v(ϕ) = v 0 (ψ ); então,
já que ambas v e v 0 verificam as condições da Definição 3.9, obtemos
v(ϕ  ψ ) = v(ϕ)  v(ψ ) = v 0 (ϕ)  v 0 (ψ ) = v 0 (ϕ  ψ ),
onde  é um dos connectivos binários de C(S). Analogamente, mostramos que
v(¬ ϕ) = v 0 (¬ ϕ) e concluı́mos que v e v 0 coincidem em todas as fórmulas.
(2) Existência: Dada vh (χ) = h(χ) para χ ∈ S, prosseguimos por indução na
complexidade, definindo para ϕ, ψ ∈ F ml(S)
vh (¬ ϕ) = ¬ vh (ϕ) e vh (ϕ  ψ ) = vh (ϕ)  vh (ψ ),
onde  ∈ {∧, ∨, →}.
Passaremos, como é usual, a utilizar este tipo de argumento, sabendo que
pode ser tornado rigoroso através de 3.7 e 3.8, tendo a prova do Teorema 3.10
como exemplar. 
44 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

Definição 3.12 (Consequência Semântica). Seja Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S). Com


a notação 3.9, dizemos que ϕ é consequência semântica de Γ se para toda
2-valoração v em C(S), temos
ϕ
V
[|=] v(Γ) = ξ∈Γ v(ξ) ≤ v( ).
Escrevemos Γ |= ϕ para indicar que ϕ é consequência semântica de Γ. No caso
em que |= ϕ, (i.e., Γ = ∅) dizemos que ϕ é universalmente válida ou uma
tautologia.

Observação 3.13. A desigualdade [|=] que define consequência semântica


em 3.12 aplica-se a contextos bem mais gerais que a de 2-valorações. No caso
de 2 = {0, 1}, os valores possı́veis para v(Γ) são apenas 0 e 1. Se v(Γ) = 0,
a desigualdade [|=] é válida qualquer que seja ϕ; portanto,
V [|=] é, nesse caso,
ϕ
equivalente a (v(Γ) = 1 ⇒ v( ) = 1). Já que v(Γ) = ξ∈Γ v(ξ), v(Γ) será 1
se e somente se toda fórmula em Γ tem valor 1. Ou seja, [|=] é equivalente a
(*) Se v é uma 2-valoração tal que para toda ξ ∈ Γ, v(ξ) = 1, então v(ϕ)
= 1,
uma formulação usual para [|=] se estamos preocupados apenas com 2-valorações.
Note que se Γ = ∅, a definição de ı́nfimo (A.37) acarreta v(Γ) = 1, para toda
valoração v. 

Proposição 3.14. a) Se ϕ é uma instância de um axioma de [CPC], então


|= ϕ, isto é, para toda 2-valoração v em C(S), v(ϕ) = 1.
b) Se {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S), então para toda 2-valoração v em C(S),
|= [MP] v(ϕ) ∧ v(ϕ → ψ ) ≤ v(ψ ).
Em particular, v(ϕ) = v(ϕ → ψ ) = 1 ⇒ v(ψ ) = 1.

Prova. Exercı́cio. Registramos que 3.5 contém a prova de (b) e parte da prova
de (a). 

Teorema 3.15.• (Teorema da Correção) Se Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S), então


Γ ` ϕ ⇒ Γ |= ϕ.

Prova. Seja χ1 , . . . , χn uma prova de ϕ a partir de Γ. Seja v : F ml(S) −→ 2


uma 2-valoração; por indução em k ∈ n, mostraremos que v(Γ) ≤ v(χk ). Uma
vez que χn = ϕ, concluiremos que v(Γ) ≤ v(ϕ), como necessário. O leitor deve
ter em mente que v(Γ) é o ı́nfimo dos valores das fórmulas em Γ.
a) As possibilidades para χ1 são:
(a.1) χ1 ∈ Γ : Está claro que v(Γ) ≤ v(χ1 );
(a.2) χ1 é um axioma: Pela Proposição 3.14.(a), v(χ1 ) = 1, e portanto v(Γ) ≤
1 = v(χ1 ).
2. VALORAÇÕES. CONSEQUÊNCIA SEMÂNTICA. COMPLETUDE 45

b) Assuma o resultado válido para χ1 , . . . , χk , k < n. As possibilidades para


χk+1 são:
(b.1) χk+1 ∈ Γ ou χk+1 é um axioma : Este caso é tratado exatamente como
em (a.1) e (a.2) acima.
(b.2) Para i, j ≤ k, χk+1 vem de χi e χj = χi → χk+1 por [MP]: A hipótese de
indução fornece
v(Γ) ≤ v(χi ) e v(Γ) ≤ v(χi → χk+1 ).
Logo, da definição de ı́nfimo e do item (b) da Proposição 3.14 obtemos:
v(Γ) ≤ v(χi ) ∧ v(χi → χk+1 ) ≤ v(χk+1 ),
completando o passo de indução e a prova. 

Corolário 3.16. Se Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F ml(S), então 11


Γ ` ϕ ↔ ψ ⇒ ∀ v ∈ V al(S, 2), v(Γ) ∧ v(ϕ) = v(Γ) ∧ v(ψ ).
Em particular, ` ϕ ↔ ψ ⇒ ∀ v ∈ V al(S, 2), v(ϕ) = v(ψ ).

Prova. Iniciamos pelo seguinte


Fato 3.17. Se v ∈ V al(S, 2), então, v(ϕ ↔ ψ ) = 1 + v(ϕ) + v(ψ ).

Proof. Já que ϕ ↔ ψ = (ϕ → ψ ) ∧ (ψ → ϕ), as regras em 3.4 fornecem

v(ϕ ↔ ψ ) = v(ϕ → ψ )v(ψ → ϕ) = (1 + v(ϕ) + v(ϕ)v(ψ ))(1 + v(ψ ) +


v(ψ )v(ϕ))
= 1 + v(ϕ) + v(ϕ)v(ψ ) + v(ψ ) + v(ϕ)v(ψ ) + v(ϕ)v(ψ )2 +
v(ψ )v(ϕ) +
+ v(ψ )v(ϕ)2 + [v(ψ )v(ϕ)]2
= 1 + v(ϕ) + v(ψ ) + 6v(ϕ)v(ψ )
= 1 + v(ϕ) + v(ψ ),
como desejado. 2
Para v ∈ V al(S, 2), o Fato 3.17 e o Teorema da Correção (3.15) fornecem:
v(Γ) ≤ v(ϕ ↔ ψ ) = 1 + v(ϕ) + v(ψ ).
Assim, as relações [≤] em 3.1 e [∧, ·] em 3.4 acarretam
v(Γ) = v(Γ)(1 + v(ϕ) + v(ψ )) = v(Γ) + v(Γ)v(ϕ) + v(Γ)v(ψ ),
que claramente implica v(Γ) ∧ v(ϕ) = v(Γ)v(ϕ) = v(Γ)v(ψ ) = v(Γ) ∧
v(ψ ), completando a prova. 
11 Compare com o Exercı́cio 3.6.
46 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

A recı́proca do Teorema 3.15 também é válida, tanto para o Cálculo Clássico,


quanto para o Intuicionista. No entanto, a prova para o Intuicionismo do
análogo do Teorema 3.18 (abaixo) está fora do escopo dessas notas. O leitor
poderá consultar, por exemplo, [Mi1] ou [Fi].

Teorema 3.18 (da Completude do Cálculo Clássico). Se Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S),


então
Γ ` ϕ ⇔ Γ |= ϕ.

Prova. Tendo em vista 3.15, é suficiente provar a implicação (⇐). Com a


notação da Definição 2.1, suponha, por absurdo, que Γ |= ϕ, mas que ϕ 6∈ Γ.
Pelo Teorema de separação e a Proposição 2.13, existe uma teoria maximal e
consistente, T , tal que Γ ⊆ T e ϕ 6∈ T . O leitor deve ter presente que como T
é uma teoria (i.e., T = T ), para toda fórmula χ, T ` χ ⇔ χ ∈ T . Fixada
T maximal, consistente, contendo Γ e tal que ϕ 6∈ T , definimos
(
1 se χ ∈ T ;
vT : F ml(S) −→ 2, dada por vT ( ) = χ
0 se χ 6∈ T .
Note que vT (ϕ) = 0. Agora temos o seguinte

Fato 3.19. A função vT é uma 2-valoração.

Prova. Devemos verificar que vT tem as propriedades em 3.9. Sejam ψ e χ


fórmulas em C(S).
Prova de [val ∧] : Pela Proposição 1.7.(e),
(I) ψ∧χ∈T ⇔ ψ ∈ T e χ ∈ T.
Assim, a definição de vT implica vT (ψ ∧ χ) = 1 ⇔ vT (ϕ) = vT (χ) = 1.
Logo:
∗ Se ψ ∧ χ ∈ T , então vT (ψ ) ∧ vT (χ) = 1 ∧ 1 = 1 = vT (ψ ∧ χ).
∗ Se ψ ∧ χ ∈ 6 T , então (I) implica ou ψ 6∈ T , ou χ 6∈ T ; portanto, ou vT (ψ ) =
0, ou vT (χ) = 0 e consequentemente vT (ψ ) ∧ vT (χ) = 0 = vT (ψ ∧ χ),
como necessário para estabelecer [val ∧].
Prova de [val ∨] : Inicialmente observe que se T é uma teoria prima
(II) ψ∨χ∈T ⇔ ψ ∈ T ou χ ∈ T .
De fato, a implicação (⇒) é a definição de primalidade; para recı́proca, observe
que se ψ ∈ T , como ψ → (ψ ∨ χ) é axioma ([CPC 7]), teremos ψ ∨ χ ∈ T .
Analogamente, mostramos que χ ∈ T acarreta ϕ ∨ χ, estabelecendo (II). Claro
que (II) é equivalente a sua contrapositiva, isto é, se T é prima,
(III) ψ ∨ χ 6∈ T ⇔ ψ 6∈ T e χ 6∈ T .
2. VALORAÇÕES. CONSEQUÊNCIA SEMÂNTICA. COMPLETUDE 47

Como toda teoria maximal é prima (2.13), se ψ ∨ χ ∈ T , então (II) garante que
ou ψ ∈ T , ou χ ∈ T . Assim, ou vT (ψ ) = 1, ou vT (χ) = 1 e portanto
vT (ψ ) ∨ vT (χ) = 1 = vT (ψ ∨ χ).
Por outro lado, se ϕ ∨ χ 6∈ T , de (III) obtemos ψ ∈
6 T e χ 6∈ T . Assim,
vT (ψ ) ∨ vT (χ) = 0 ∨ 0 = 0 = vT (ψ ∨ χ),
completando a verificação de [val ∨].
Prova de [val ¬ ] : Pela Proposição 2.13 sabemos que ψ ∈ T ou ¬ ψ ∈ T , mas
não ambos, pois T é consistente. Assim, temos ¬ ψ ∈ T ⇔ ψ ∈ 6 T . Segue
imediatamente desta equivalência que vT (¬ ψ ) = ¬ vT (ψ ).
Prova de [val →] :12 Precisamos mostrar (cf. 3.9) que
(IV) vT (ϕ → ψ ) = vT (ϕ) → vT (ψ ) = 1 + vT (ϕ) + vT (ϕ)vT (ψ ).
A verificação passa pela discussão de alguns casos, lembrando que como T é
maximal temos χ ∈ T , ou ¬ χ ∈ T , para toda χ ∈ F ml(S).

a) ψ ∈ T : Pelo axioma [CPC 1], ` ψ → (ϕ → ψ ) e Modus Ponens fornece ϕ


→ ψ ∈ T , isto é, vT (ϕ → ψ ) = 1. Por outro lado, como vT (ψ ) = 1 (ψ ∈ T ),
obtemos:
1 + vT (ϕ) + vT (ϕ)vT (ψ ) = 1 + vT (ϕ) + vT (ϕ) = 1,
estabelecendo a igualdade em (IV) nesse caso.

b) ¬ ψ ∈ T : Por [val ¬ ], provado acima, sabemos que vT (ψ ) = 0. Aqui há dois


subcasos:
(b.1) ϕ ∈ T : Se (ϕ → ψ ) ∈ T , Modus Ponens e o fato que ϕ ∈ T implicariam
ψ ∈ T e T seria inconsistente, o que é impossı́vel. Concluı́mos que (ϕ → ψ ) 6∈
T e portanto vT (ϕ → ψ ) = 0. De outro lado, de vT (ψ ) = 0 e vT (ϕ) = 1 obtemos
1 + vT (ϕ) + vT (ϕ)vT (ψ ) = 1 + 1 + 0 = 0,
verificando (IV) nesse caso.
(b.2) ¬ ϕ ∈ T : Por [CPC 10], ` ¬ ϕ → (ϕ → ψ ) e Modus Ponens acarreta (ϕ
→ ψ ) ∈ T , i.e., vT (ϕ → ψ ) = 1. Mais uma vez, [val ¬ ] acima garante que vT (ϕ)
= 0 = vT (ψ ). Mas então
1 + vT (ϕ) + vT (ϕ)vT (ψ ) = 1 + 0 + 0 = 1,
completando a prova de (IV) e do Fato 3.19. 2
Agora observe que vT é uma 2-valorização tal que vT (Γ) = 1 (pois Γ ⊆ T ),
para a qual vT (ϕ) = 0 (pois ϕ 6∈ T ), contrariando a hipótese de que Γ |= ϕ e
completando a prova. 
12 Já que ` (ϕ → ψ ) ↔ (¬ ϕ ∨ ψ ) (1.29.(c)), porque não podemos usar 3.16 e os itens anteriores?
48 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

Observação 3.20. O leitor não deve subestimar o significado do Teorema


da Completude:
∗ Verificar que Γ |= ϕ é equivalente a um cálculo algébrico, utilizando as regras
em 3.4, como ilustrado pelo Exemplo 3.5. Aliás, esta é a nossa versão das
tabelas de verdade, método de decisão descoberto por E. Post. Trata-se
portanto de algo essencialmente “mecânico”, que pode ser programado em uma
máquina;
∗ Não há nada de mecânico em descobrir uma prova de Γ ` ϕ, exigindo, como
outras atividades intelectuais, criatividade e imaginação.
Não é portanto surprendente que a prova da equivalência exigiu métodos
não “construtivos”, na realidade independentes da Teoria dos Conjuntos, como
o Lema de Zorn, utilizado na prova do Teorema de Separação, sem o qual não
seria possı́vel estabelecer a completude. 

Nosso último tema é o método da substituição. A prova do Teorema da


Substituição (3.24, abaixo) será deixada aos cuidados do leitor.
Definição 3.21. a) Se ϕ é uma fórmula de C(S) e p∗ = {p1 , . . . , pn } ⊆
S são fórmulas atômicas, escrevemos ϕ = ϕ(p1 , . . . , pn ) para indicar que ϕ foi
construı́da a partir de um subconjunto de p∗ , conforme a Definição 1.3.
b) Se Γ ⊆ F ml(S) e p∗ = {p1 , . . . , pn } ⊆ S, escrevemos Γ(p1 , . . . , pn ) para
indicar que cada fórmula em Γ foi construı́da, conforme a Definição 1.3, a
partir de um subconjunto de p∗ .
c) Seja p∗ = {p1 , . . . , pn } ⊆ S proposições atômicas. Um esquema de subs-
tituição associado a p∗ é uma função
s : p∗ −→ F ml(S),
que a cada pk ∈ p∗ associa uma fórmula sk = s(pk ) de C(S).
d) Se ϕ é uma fórmula em C(S) e s é um esquema de substituição associado
a p∗ = {p1 , . . . , pn }, indicamos por ϕ psq o resultado de substituir todas as
ocorrências de cada pk por sk , k ∈ n. No caso em que s consiste de um
elemento, s = {h p, χ i}, indicamos ϕ psq por ϕ pp|χq.
d) Se Γ ⊆ F ml(S) e s é um esquema de substituição associado a p∗ = {p1 , . . . , pn },
definimos Γ psq = {ϕ psq : ϕ ∈ Γ}.
Observação 3.22. a) Sejam ϕ ∈ F ml(S), p∗ = {p1 , . . . , pn } ⊆ S e s um
esquema de substituição associado a p∗ . Em relação a definição de substuição
em 3.21, note que:
(1) Se ϕ = ϕ(p1 , . . . , pn ), s é um esquema de substituição associado a p∗ =
{p1 , . . . , pn } e pk é uma fórmula atômica que não ocorre em ϕ, então ϕ psq =
ϕ ps0 q, onde s0 = s  (p∗ \ {pk });
2. VALORAÇÕES. CONSEQUÊNCIA SEMÂNTICA. COMPLETUDE 49

(2) Por outro lado, se p é uma fórmula atômica que ocorre em ϕ e p 6∈ p∗ , então
p permanece intacta em ϕ, não havendo substituição. Em particular, se p ∈ S
\ p∗ , p psq = p.
(3) Com a notação em 3.21.(b), a definição exige que as fórmulas atômicas que
constituem o domı́nio da função s sejam duas a duas distintas, pois {p1 , . . . , pn }
é um subconjunto de S;
(4) Não há exigência de que as fórmulas sk , k ∈ n, sejam distintas entre si
(afinal, s é uma função); neste caso, proposições atômicas distintas estão sendo
substituı́das pela mesma fórmula.
b) Seja ϕ = (p1 ∧ p2 ) → ((p3 → (p2 ∨ p4 )). Note que:
(1) Se p∗ = {p1 , p2 , p3 , p4 , p5 } e s = {h pi , χi i : i ∈ 5} é um esquema de
substituição associado a p∗ , com a convenção da Definição 3.21, temos ϕ =
ϕ(p∗ ) e
ϕ psq = (χ1 ∧ χ2 ) → ((χ3 → (χ2 ∨ χ4 )).
Caso χ1 = χ3 , então ϕ psq = (χ1 ∧ χ2 ) → ((χ1 → (χ2 ∨ χ4 )).
(2) Sejam p∗ = {p1 , p2 , p3 } e s = {h pi , χi i : i ∈ 3} um esquema de subsituição
associado a p∗ . Então, ϕ psq = (χ1 ∧ χ2 ) → ((χ3 → (χ2 ∨ p4 )), uma vez que
p4 6∈ p∗ . 
Proposição 3.23. Sejam p∗ = {p1 , . . . , pn } ⊆ S e s um esquema de subs-
tituição associado a p∗ . Sejam ϕ e ψ fórmulas de C(S).
a) A operação de substituição por s comuta com todos os conectivos, i.e.,
(1) [¬ ϕ] psq = ¬ ϕ psq;
(2) Se  ∈ {∧, ∨, →, ↔}, então [ϕ  ψ ] psq = ϕ psq  ψ psq.
b) ϕ psq é uma fórmula de C(S).
c) Se ϕ é instância de um axioma, o mesmo é verdade acerca de ϕ psq.
d) A aplicação da regra de Modus Ponens é preservada por substituição, isto é,
ϕ, ϕ → ψ ϕ psq, (ϕ psq → ψ psq)
⇒ .
ψ ψ psq
e) Seja v : F ml(S) −→ 2 uma 2-valoração e seja s : S −→ 2 dada, para p ∈
S, por
(
v(p) se p 6∈ {p1 , . . . , pn };
s(p) =
v(χk ) se p = pk , k ∈ n.
Seja vs : F ml(S) −→ 2 a única extensão de s a F ml(S), dada pelo Teorema
3.10. Então, para toda fórmula ϕ ∈ F ml(S), vs (ϕ) = v(ϕ psq).

Prova. a) Se uma fórmula ϕ não é atômica, então é de um dos dois tipos


seguintes
50 3. SEMÂNTICA: VALORAÇÕES E COMPLETUDE.

ϕ1  ϕ2 ou ¬ ϕ1 ,
onde  é um dos conectivos ∧, ∨ ou → e ϕi , i = 1, 2 são fórmulas em C(S).
Agora observe que na obtenção de ϕ psq a partir de ϕ substituı́mos cada pk ∈
p∗ que está em ϕ1 e/ou ϕ2 , por sk , k ∈ n, deixando as fórmulas atômicas que
não pertencem a p∗ em ϕ1 e/ou ϕ2 intactas. Mas então, a estrutura de ϕ é
preservada, fornecendo os itens (1) e (2) do enunciado.
b) Segue imediatemente de (a), por indução na complexidade. Se ϕ é atômica,
há duas possibilidades:
∗ ϕ = pk para algum k ∈ n e portanto ϕ psq = sk ;
∗ ϕ = p 6∈ p∗ e temos ϕ psq = p,
estabelecendo o resultado para fórmulas atômicas. Os passos para a negação e
os conectivos binários são então consequência de (a) e da hipótese de indução.
c) Observe que os esquemas de axioma, [CPC 1] − [CPC 100 ], são, na realidade,
estruturas que aceitamos como leis básicas da Lógica. Já que o item (a) ga-
rante que o processo de substituição deixa intacta a estrutura de uma fórmula,
concluı́mos que a substituição s leva de uma instância de um esquema à outra
do mesmo esquema. Por exemplo, a substituição s aplicada a [CPC 1] leva ϕ
→ (ψ → ϕ) em ϕ psq → (ψ psq → ϕ psq), outra instância do mesmo [CPC 1].
Argumento análogo mostra a validade do item (d).
e) Por indução na complexidade das fórmulas. Como no caso do item (b) acima,
o leitor deve ter em mente o último parágrafo da Observação 3.11.
Verificação para fórmulas atômicas. Se ϕ = p é atômica, temos dois casos à
considerar :
∗ p 6∈ {p1 , . . . , pn }. Neste caso, p psq = p; como vs (p) = h(p), obtemos
vs (p) = h(p) = v(p psq),
como desejado.
∗ p = pk ∈ {p1 , . . . , pn }. Neste caso, pk psq = χk e temos
vs (pk ) = h(χk ) = v(χk ) = v(pk psq),
completando o Passo 1.
Atravessando os conectivos. Suponha o resultado válido para fórmulas ϕ, ψ ,
isto é,
(*) vs (ϕ) = v(ϕ psq) e vs (ψ ) = v(ψ psq).
Já que vs e v são valorações, se  é um conectivo binário, o item (a) e a hipótese
de indução em (*) fornecem:
vs (ϕ  ψ ) = vs (ϕ)  vs (ψ ) = v(ϕ psq)  v(ψ psq) = v(ϕ psq  ψ psq)
= v([ϕ  ψ ] psq),
2. VALORAÇÕES. CONSEQUÊNCIA SEMÂNTICA. COMPLETUDE 51

como desejado. Analogamente, temos vs (¬ ϕ) = v(¬ ϕ psq), completando a


prova. 
Teorema 3.24 (Teorema da Substituição). Sejam Γ ∪ {ϕ} ⊆ F ml(S) e p∗
= {p1 , . . . , pn } ⊆ S. Seja s um esquema de substituição associado a p∗ .
a)∗∗ Se Γ ` ϕ, então Γ psq ` ϕ psq.
b) Se Γ |= ϕ, então Γ psq |= ϕ psq.

Prova. Exercı́cio para o leitor. 


Parte II

Lógica de Primeira Ordem: Intuicionista e


Clássica
Até agora, estudamos as leis do raciocı́nio que se referem à estrutura pro-
posicional dos enunciados; tais leis estabelecem critérios para a interpretação
de fórmulas proposicionais (ou proposições) construidas a partir de outras, cha-
madas atômicas, que foram interligadas por conectivos lógicos : ∨, ∧, ¬ , →,
↔. A prática mostra que esta abordagem não é suficiente para dar conta da
maioria do que queremos discutir em Matemática:
∗ Será necessário discutir as leis que regem os quantificadores universal (“para
todo”) e existencial (“existe”);
∗ Constantemente devemos tratar com relações binárias, terciárias, etc;
∗ Funções de muitas variáveis são comumente encontradas nas teorias Ma-
temáticas.
A próximas partes do texto apresentarão um tratamento matemático para
a Lógica de Primeira Ordem com Igualdade, na qual poderemos discutir
relações, funções, indivı́duos e quantificadores. Na Parte II, isto será feito para
a versão clássica e a versão intuicionista de modo unificado, seguindo o roteiro
já utilizado na Parte I.
Na Parte III estudaremos a semântica associada à Lógica de Primeira Or-
dem Clássica. A semântica da Lógica Intuicionista de Primeira Ordem ficará
para uma outra oportunidade.
Poderá ser útil ao leitor ter em mente exemplos muito importantes, a saber,
os conjuntos númericos: N, Z, Q e R. Em todos esses casos temos:
– Duas operações, soma e produto;
– Duas relações binárias, igualdade (=) e ordem (≤);
– Dois elementos distinguidos, 0 e 1.
Para facilitar a exposição, lembramos a seguinte notação :
S
ω = {1, . . . , n, . . . } = n≥1 n = N \ {0},
isto é, ω é o conjuntos dos naturais maiores ou iguais a 1. Como indica a própria
definição, para todo n ∈ ω, temos n ⊆ ω.
Como anteriormente, “sse” é uma abreviação de “se e somente se”.
CAPı́TULO 4

Linguagens de Primeira Ordem com Igualdade

1. Conceitos Básicos. Termos

No que segue, apresentaremos uma linguagem formal, L, denominada lin-


guagem de primeira ordem com igualdade. Como já sabemos, o primeiro
passo é descrever seu alfabeto; depois, será necessário descrever as regras para
referir-se a objetos (termos) e as de formação das “frases”, isto é, fórmulas da
linguagem L.
4.1. Alfabeto de L :
Sı́mbolos Lógicos:
(1) Um conjunto enumerável (infinito) de variáveis, V ar(L) = {vn : n ∈ ω}.
As vezes usaremos outras letras para representar variáveis, como x, y, z, x1 ,
. . . , sem perigo de confusão.
(2) Sı́mbolos para os conectivos lógicos 1 : ∨, ∧, ¬ , →.
(3) Sı́mbolo de igualdade : = .
(4) Sı́mbolos para Quantificadores : universal (∀) e existencial (∃).
Sı́mbolos Linguı́sticos:
(5) Parênteses à esquerda e à direita : ( , ).
Sı́mbolos Não Lógicos:
(6) Para cada n ∈ ω, um conjunto (possivelmente vazio), rel(n, L), de sı́mbolos
relacionais n-ários. Indicamos por
S
rel(L) = n≥1 rel(n, L),
o conjunto de todos os sı́mbolos relacionais em L.
Discussão : Conforme a Definição A.24, uma relação n-ária, R, em um con-
junto A é um subconjunto de An . Equivalentemente, n é o número de variáveis
das quais R depende. Por exemplo, a relação de igualdade tem aridade 2. Se
rel(L) = ∅, então L não tem sı́mbolos relacionais distintos de =.
(7) Para cada n ∈ ω, um conjunto (possivelmente vazio) f un(n, L), de sı́mbolos
funcionais n-ários. Indicamos por
S
f un(L) = n≥1 f un(n, L)

1 Exatamente os utilizados no Cálculo Proposicional.

55
56 4. LINGUAGENS DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE

o conjunto dos sı́mbolos funcionais em L.


Discussão : Pensamos em um sı́mbolo funcional como uma função de um
número finito de variáveis, justamente a sua aridade. Caso f un(L) = ∅, L não
possui sı́mbolos funcionais.
(8) Um conjunto (possivelmente vazio), Ct(L), dos sı́mbolos de constantes
de L.
Discussão : Quando discutimos estruturas matemáticas é comum distinguir-
mos certos entes, dando a eles nomes especiais, que utilizamos para descrever
propriedades da estrutura. Exemplos são o 1 e o 0 utilizados em álgebra para
designar ‘elemento neutro da multiplicação e da adição”, respectivamente. O
conjunto de constantes representa uma abstração desta prática comum. No
entanto, é perfeitamente possı́vel que Ct(L) seja vazio.
Observe que os ı́tens (6), (7) e (8) apresentam sı́mbolos que podem ou não
fazer parte de uma linguagem de primeira ordem, dependendo do que desejamos
descrever com uma tal linguagem. Já os demais sı́mbolos, são parte integrante
do alfabeto de qualquer linguagem de primeira ordem com igualdade. 
Exemplo 4.2. Seja L uma linguagem com igualdade, cujos sı́mbolo não
lógicos são um sı́mbolo funcional binário e uma constante, e.
Esta linguagem é adequada, por exemplo, ao estudo dos grupos. Lembremos
que um grupo é uma tripla h G, ∗, e i, onde ∗ : G × G −→ G é uma operação
binária e e é um elemento de G, verificando as seguintes condições:
[G 1] : ∀ x, y, z ∈ G, ((x ∗ y) ∗ z) = x ∗ (y ∗ z));
[G 2] : ∀ x ∈ G (x ∗ e = e ∗ x = x);
[G 3] : ∀ x ∈ G ∃ x0 ∈ G : x ∗ x0 = x0 ∗ x = e.
Estes axiomas implicam a unicidade do elemento x0 que verifica [G 3], denomi-
nado inverso de x. A unicidade do inverso garante que há uma função, ·0 : G
−→ G, que associa a cada x em G o seu inverso, x0 . No estudo de uma teoria
de grupos, pode ser interessante ter na linguagem um sı́mbolo para o produto
(∗) e outro para o inverso 2. Note que a constante e indica o elemento neutro
da operação ∗. O contexto permitindo, escrevemos LG = h ∗,0 , e i, denominada
linguagem dos grupos. 
Exemplo 4.3. Seja L0 uma linguagem cujo único sı́mbolo não lógico é um
sı́mbolo relacional binário, R. L0 pode ser utilizada para:
∗ Apresentar e discutir a Teoria dos Conjuntos, com R sendo utilizado para
representar a “pertinência” (porque só ∈ pode ser usado para esse fim?);
∗ Apresentar e discutir a Teoria das Ordens Parciais;
2 Com notação multiplicativa, escreve-se x−1 no lugar de x0 ; se a notação é aditiva (∗ = +), −x é o nome
usual de x0 .
1. CONCEITOS BÁSICOS. TERMOS 57

∗ Apresentar e discutir a Teoria das Relações de Equivalência. 


Exemplo 4.4. Seja Lao = h ≤, ·, +, 0, 1 i uma linguagem de primeira or-
dem com igualdade cujos sı́mbolos não lógicos são:
∗ Um sı́mbolo relacional binário, ≤; ∗ Dois sı́mbolos de constantes, 0 (zero) e
1 (um);
∗ Dois sı́mbolos funcionais binários, + (soma) e · (produto).
Com essa linguagem podemos estudar anéis ordenados, em particular, corpos
ordenados. É comum referir-se a Lao como a linguagem dos áneis ordenados
e a La = h +, ·, 0, 1 i como a linguagem dos anéis. 

É claro que as linguagens dos Exemplos acima podem ser utilizadas para o es-
tudo de outros objetos matemáticos além dos já mencionados. Nossa pretensão
foi apenas exemplificar como uma mesma linguagem pode ser útil à escrita de
textos matemáticos diversos.
4.5. A idéia de termo. As expressões que são usadas para referenciar
objetos são chamadas de termos. Um modo produtivo de pensar em termos é
como
polinômios generalizados em várias variáveis.
Ao tratarmos de estruturas algébricas (os inteiros, os racionais, os reais ou os
complexos, por exemplo) consideramos expressões do tipo
Pn i
p(x) = i=1 ai x ,
denominada um polinômio na variável x. Analogamente, poderı́amos considerar
polinômios de mais variáveis, por exemplo
(I) 3x2 + 5y 3 z + 1 ou x21 x32 + . . . + x2n−1 x3n + 4,
e tantos outros. Note que está implı́cito nesta noção de “termo” o fato de que
é uma função, que depende das variáveis que ocorrem explicitamente na sua
expressão:
– O primeiro “termo” em (I) depende de x, y e z, é uma “função” de três
variáveis;
– O segundo “termo” em (I) depende de x1 , . . . , xn , é uma “função” de n
variáveis.
Poderı́amos também considerar os termos de L como novos “sı́mbolos funcio-
nais”, que não são primitivos, mas construı́dos a partir dos seguintes sı́mbolos
básicos de L : variáveis, constantes e do conjunto f un(L) dos sı́mbolos funcio-
nais (primitivos) de L. A operação que utilizamos para formar novos “sı́mbolos
funcionais” a partir dos primitivos é a substituição. Conjuntı́sticamente, a
substituição pode ser expressa por uma combinação de composições e produtos
cartesianos de funções. Suponha que A é um conjunto e que temos funções
58 4. LINGUAGENS DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE

f : An −→ A e gi : Ami −→ A, i ∈ n,
onde mi ≥ 1 são naturais. Como construir o resultado de substituir cada variável
xk de f por gk ? Note que este processo fornecerá uma função
h : A` = Am1 × . . . × Amn −→ A,
com ` = ni=1 mi . A construção é obtida de maneira “categórica”, do modo
P
que segue. As funções g1 , . . . , gn fornecem uma única função,
h g1 , . . . , gn i : A` = ni=1 Ami −→ An ,
Q

dada por
h g1 , . . . , gn i(x) =
h g1 (x1 , . . . , xm1 ), g2 (xm1 +1 , . . . , xm1 +m2 ), . . . , gn (x`−mn +1 , . . . , x` ) i,
hgi i f
dando origem a um diagrama A` −→ An −→ A. A função h : A` −→ A desejada
é a composição de f com h g1 , . . . , gn i; é usual indicá-la por
[subs] f ◦ h g1 , . . . , gn i ou f ( px1 |g1 q, . . . , pxn |gn q),
o resultado de substituir cada variável xk em f pela função gk , k ∈ n.
A construção acima e a igualdade [subs] constituem a definição de
substituição das variáveis em f pelas funções gk .
Está claro que esta operação pode ser iterada qualquer número finito de
vezes. 

Com estes preliminares, a formalização da idéia de termo em L está na


Definição 4.6. O conjunto T (L) dos termos de L é definido indutivamente
da forma seguinte:
[T 1] : Toda variável é um termo. [T 2] : Toda constante é um termo.
[T 3] : Se f ∈ f un(L) é um sı́mbolo funcional n-ário em L e t1 , . . . , tn ∈
T (L), então
f (t1 , . . . , tn ) é um termo.
[T 4] : Uma sequência de sı́mbolos de L só é um termo se puder ser cons-
truı́do, em um
número finito de passos, pelo uso iterado das claúsulas [T i], i = 1,
2, 3.
Um termo de L é fechado se não contiver variáveis. Indicamos por T f (L) o
conjunto (possivelmente vazio) dos termos fechados em L.
Exemplo 4.7. (1) Se ∗ é um sı́mbolo funcional binário, é usual utlizarmos a
notação infixa, isto é, x ∗ y é sinônimo de ∗(x, y). O leitor já está acostumado
a esta prática: em geral, x + y e x · y indicam soma e produto, em vez de +(x,
y) e ·(x, y), respectivamente.
1. CONCEITOS BÁSICOS. TERMOS 59

Se n ≥ 1 é um natural e τ é um termo em L, definimos τ n por indução em


n:
τ 1 = τ e τ n+1 = τ n ∗ τ .
Note que τ 3 = (τ ∗ τ ) ∗ τ e não t = τ ∗ (τ ∗ τ ). Além disso, os termos t
e τ 3 são linguisticamente distintos 3, sendo importante ter claro esta diferença,
qualquer que seja a linguagem de primeira ordem em consideração.
No caso em que a operação ∗ é indicada com o sı́mbolo + (da soma), é usual
escrever nτ no lugar de τ n . Por exemplo, 4τ = ((τ + τ ) + τ ) + τ , que é um
termo linguisticamente distinto de qualquer outra forma de colocar parênteses
em τ + τ + τ + τ (que não é um termo, pois + é binária).
(2) Na linguagem dos grupos, LG em 4.2, LG = h ∗,0 , e i, são exemplos de termos
0 0 0
: e, v1 , v2 , e ∗ v2 , v1 ∗ (e ∗ v2 ), (v1 ∗ v2 ) .
(3) Na linguagem do Exemplo 4.3, com apenas um sı́mbolo relacional binário, R,
só as variáveis são termos, já que não há sı́mbolos de constantes, nem sı́mbolos
funcionais.
(4) Na linguagem Lao = h +, ·, 0, 1, ≤ i, de 4.4, são exemplos de termos :
1, 0, 1 + v1 , (v1 + v2 ) · v3 , (v1 · v2 ) + v3 , 3 + (v12 v23 + 5v17
4
),
onde 3 = (1 + 1) + 1 e 5 = (((1 + 1) + 1) + 1) + 1 são exemplos de termos
fechados. 

Podemos identificar o conjunto das variáveis das quais um termo t ∈ T (L)


depende, por indução na “complexidade”.

Definição 4.8. Se t ∈ T (L), definimos, por indução na complexidade, um


conjunto
V (t) ⊆ ω, da forma seguinte :
(1) Se t é uma constante, V (t) = ∅; (2) Se t é a variável vk , então V (t) =
{k};
(3) Se f ∈ f un(L) é n-ário, t1 , . . . , tn ∈ T (L) e t = f (t1 , . . . , tn ), então
Sn
V (t) = i=1 V (ti ).
A aridade de t é definida como a cardinalidade de V (t), isto é, o número de
elementos em V (t). Uma notação conveniente é definir
t(v1 , . . . , vn ) como sinônimo de V (t) ⊆ n,
que será utilizada constantemente abaixo. Note que V (t) não é subconjunto das
variáveis, mas de ω, sendo exatamente o conjunto dos ı́ndices das variáveis que
ocorrem em t ∈ T (L). Note que um termo τ é fechado sse V (τ ) = ∅.

3Todos conhecemos circunstâncias em que a fórmula t = τ 3 é válida.


60 4. LINGUAGENS DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE

A sequência de construção de um termo de L é refletida pelo conjunto de


seus subtermos:
Definição 4.9 (Subtermos). Para cada termo τ em L, definimos o conjunto
Sub(τ ), dos subtermos de τ , por indução na complexidade:
[Subτ 1] : Se τ é uma constante ou uma variável, então Sub(τ ) = {τ };
[Subτ 2] : Se f ∈ f un(n, L), {t1 , . . . , tn } ∈ T (L) e τ = f (t1 , . . . , tn ),
então
Sn
Sub(τ ) = {τ } ∪ j=1 Sub(tj ).

Dizemos que t ∈ T (L) é um subtermo de τ se t ∈ Sub(τ ) e que é um sub-


termo próprio se t ∈ Sub(τ ) e t é distinto de τ .
Exemplo 4.10. Na linguagem do anéis La de 4.4 considere o termo
t(x, y, z) = 2(x2 y 3 ) + (z 4 + 1).
A aridade de t é 3 e temos
Sub(t) = {t} ∪ Sub(2(x2 y 3 )) ∪ Sub(z 4 + 1)
= {t} ∪ {2(x2 y 3 )} ∪ Sub(2) ∪ Sub(x2 y 3 ) ∪ {z 4 + 1} ∪ Sub(1) ∪
Sub(z 4 )
= {t} ∪ {2(x2 y 3 )} ∪ {z 4 + 1} ∪ {1, 2} ∪ {x2 y 3 , x, x2 , y, y 2 , y 3 } ∪
{1} ∪
∪ {z, z 2 , z 3 , z 4 }
= {t, 2(x2 y 3 ), z 4 + 1, 1, 2, x2 y 3 , x, x2 , y, y 2 , y 3 , z, z 2 , z 3 , z 4 }. 

2. Fórmulas de uma Linguagem de Primeira Ordem com Igualdade

As sequências de sı́mbolos de L que são consideradas afirmações bem cons-


truidas e passivas de interpretação constituem as fórmulas de L. No Cálculo
Proposicional, os sı́mbolos proposicionais constituem fórmulas que podemos
chamar de elementares, já que todas as outras são obtidas a partir destas através
dos conectivos lógicos ∧, ∨, ¬ e →. No caso de linguagens de primeira ordem,
as “afimações elementares”denominam-se fórmulas atômicas. Todas as outras
serão obtidas a partir delas, através, não só dos conectivos lógicos, mas também
dos quantificadores. A idéia de “fórmula” é a de “novas relações”, definidas a
partir do conjunto (primitivo) rel(L), dos termos, dos conectivos e dos quanti-
ficadores.
Definição 4.11. O conjunto F(L) das fórmulas de L é definido por
indução na complexidade, da seguinte forma :
[F 1] : Fórmulas atômicas : Um fórmula de L é atômica sse é da forma
R(t1 , . . . , tn )
2. FÓRMULAS DE UMA LINGUAGEM DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE 61

onde t1 , t2 , . . . tn são termos em L e R é um sı́mbolo relacional n-ário. Em


particular, para t1 , t2 ∈ T (L), t1 = t2 é uma fórmula atômica.

[F 2]: Se ϕ e ψ são fórmulas então ϕ ∧ ψ , ϕ ∨ ψ, ¬ϕ e ϕ → ψ são


fórmulas.

[F 3]: Se ϕ é uma fórmula e vk é uma variável, então ∀vk ϕ e ∃vk ϕ são


fórmulas.

[F 4]: Uma sequência de sı́mbolos do alfabeto de L é uma fórmula sse puder ser
obtida a partir das fórmulas atômicas através de um número finito de aplicações
das regras [F 2] e/ou [F 3].

Exemplo 4.12. a) Em LG (4.2)


∗ f1 (x, y) = z, f1 (f1 (x, y), e) = e, f1 (f2 (x), f2 (y)) = f2 (z) são fórmulas
atômicas;
∗ x → ∧y ∀ z não é uma fórmula, por muitas razões. Uma delas é que, por [F
2], → só pode aparecer entre fórmulas, e x não é uma fórmula, e sim um termo.
∗ ∀ x (f1 (x, g(y)) = z) → e = x é uma fórmula de LG . Um modo de justificar
essa afirmação é construir a sua “árvore de formação” :
(i) e = x é uma fórmula atômica ; (ii) f1 (x, g(y)) = z é fórmula atômica.
Em ambos, (i) e (ii), trata-se de uma igualdade de termos.
(iii) ∀ x (f1 (x, g(y)) = z) é fórmula por [F 3];
(iv) Finalmente, ∀ x (f1 (x, g(y)) = z) → e = x é fórmula por [F 2].
b) Seja L0 a linguagem do Exemplo 4.3, com apenas um sı́mbolo relacional
binário, R. Claro que R(x, y) é fórmula atômica. No caso de R ser interpretado
como a relação de pertinência entre conjuntos, usamos a notação x ∈ y; se for
interpretado como uma relação de equivalência ≡, ou de ordem ≤, escrevemos,
respectivamente, x ≡ y ou x ≤ y. De modo geral, se R é um sı́mbolo relacional
binário, é usual utilizarmos a chamada notação infixa, i.e.,
x R y é sinônimo de R(x, y).
Outro exemplo de fórmula é : ∀ x R(x, y) → ∃ z (R(x, z)∧ (R(z, y)). Vejamos
as etapas de sua construção :
(i) R(x, y), R(x, z) e R(z, y) são fórmulas atômicas;
(ii) R(x, z) ∧ R(z, y) é fórmula por [F 2];
(iii) ∀ x R(x, y) e ∃ z((R(x, z) ∧ R(z, y)) são fórmulas por [F 3];
(iv) Finalmente, por [F 2], ∀ x R(x, y) → ∃ z (R(x, z) ∧ (R(z, y)) é fórmula.
c) Na linguagem dos anéis ordenados (4.4), Lao = h +, ·, 0, 1, ≤ i,
(x ≤ y) ∧ (z ≤ 0) → ¬ (y · z ≤ x · z)
62 4. LINGUAGENS DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE

é uma fórmula; fica aos cuidados do leitor verificar essa afirmação. 

Como no caso de termos, a construção de uma fórmula em L pode ser recu-


perada através do conjunto de suas sub-fórmulas:
Definição 4.13 (Sub-fórmulas). Se ϕ é uma fórmula de L, definimos o
conjunto das sub-fórmulas de ϕ, indicado por Sub(ϕ), da maneira sequinte:

[Subf 1] : Se ϕ é atômica, então Sub(ϕ) = {ϕ};


[Subf 2] : Se ϕ = ϕ1  ϕ2 , onde  ∈ {∧, ∨, →}, então
Sub(ϕ) = {ϕ} ∪ Sub(ϕ1 ) ∪ Sub(ϕ2 );
[Subf 3] : Se ϕ = ¬ ψ , então Sub(ϕ) = {ϕ} ∪ Sub(ψ );
[Subf 4] : Se ϕ = Qx ψ , onde Q é um quantificador e x é uma variável,
então
Sub(ϕ) = {ϕ} ∪ Sub(ψ ).
Dizemos que ψ é uma sub-fórmula de ϕ se ψ ∈ Sub(ϕ), e é uma sub-fórmula
própria se for uma sub-fórmula distinta de ϕ.

Variáveis podem ocorrer em uma fórmula de maneiras distintas. Considere


a fórmula
ϕ = (x = y ∧ ∃x∀y (x = y)).
É intuitivo que:
∗ ϕ “depende” de x e y;
∗ Que poderı́amos trocar as ocorrências de x e y na sub-fórmula ∃x∀y (x = y)
por z e t, sem mudar o conteúdo de ϕ, isto é, ϕ deveria ser equivalente à x = y
∧ ∃t∀z (t = z).
Com esta substituição4, podemos dizer que ϕ depende só das variáveis que
não aparecem quantificadas. Mas o que significa “equivalente” ? Será possivel
estabelecer, rigorosamente, a noção de “aparece quantificada” ou não ? Ou seja,
será possivel precisar a idéia de aridade de fórmula, para podermos entende-la
como uma “relação generalizada” ?
Considere as expressões :
Pn Ry
(a) O menor inteiro k tal que m2 + 1 ≤ k; (b) i=1 ai ; (c) a x2 dx.
Em todos os casos temos 2 variáveis ocorrendo na expressão : k e m em (a), i e
n em (b) e x e y em (d), pois a é uma constante. Será que têm o mesmo “papel
lógico” ? Uma caracterı́stica comum de k, i e x é que podemos substitui-las por
outra, diferente de m, n e y, sem mudar o conteúdo do que queremos dizer :
4 Chamada substituição de variáveis ligadas (“renaming bound variables”, na lı́ngua de Shakespeare) ...
2. FÓRMULAS DE UMA LINGUAGEM DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE 63
Pn Ry
(a0 ) O menor n tal que m2 + 1 ≤ n; (b0 ) j=1 aj ; (c0 ) a z 2 dz,
são sinônimas das originais. Por outro lado, as expressões
Pm Rz
(a00 ) O menor k tal que n2 + 1 ≤ k; (c00 ) i=1 ai ; (d00 ) a x2 dx,
não são sinônimas das originais. Portanto, as expressões (a), (b) e (c), dependem
de m, n e y, respectivamente, mas não dependem de k, i e x. Esta noção
intuitiva de dependência é codificada formalmente pelo conceito de ocorrência
livre ou ligada de uma variável. Quando a ocorrência é ligada, o conteúdo
da expressão não muda se substuimos a variável por outra, distinta das que
ocorrem na expressão; caso contrário, é considerada livre. Nas linguagens de
primeira ordem o único recurso para ligar variáveis é utilizar os quantificadores
5
.
Mais um exemplo, desta vez da Aritmética. Considere o predicado
R(x, y) : x é múltiplo de y.
Sabemos dizer se R(12, 4) ou R(18, 5) são frases corretas ou não : mesmo que
não o soubéssemos, não há como negar que R(12, 4) e R(18, 5) são afirmações
referentes a indivı́duos bem determinados, e portanto, a questão da veracidade
ou não de tais frases está bem colocada. Mas a pergunta “R(x, y) é falsa ou
verdadeira ?” não faz sentido, pois depende de x e y. Vale o mesmo, por
exemplo, para R(x, 2). No entanto, para as sentenças ∃xR(x, 2) e ∀xR(x, x),
embora sejam expressões em que ocorrem variáveis, podemos indagar se são
verdadeiras ou não (ambas são verdadeiras), sem que a resposta precise ser
“depende”. Não ocorre o mesmo com a fórmula
R(x, 2) ∧ ∀y R(y, 1) ∧ ∃z ¬ R(z, 4).
Para a pergunta “É verdadeira ?”, a resposta é “depende”: não há dúvida so-
bre a veracidade das sub-sentenças ∀y R(y, 1) e ∃z ¬ R(z, 4) : todo natural
é múltiplo de 1 e existem naturais que não são múltiplos de 4. Mas o julga-
mento acerca da veracidade de R(x, 2) depende do valor de x. Dizemos que x
ocorre livre nessa fórmula (x pode ser substituida por qualquer indivı́duo do
domı́nio de discurso), enquanto que y e z são variáveis que ocorrem ligadas por
quantificadores.
Agora as definições formais:

Definição 4.14. a) Se ϕ é uma fórmula de L, definimos, por indução na


complexidade de ϕ, dois conjuntos,
V (ϕ) e V lg(ϕ),
que representam, respectivamente, o conjunto dos ı́ndices das variáveis que ocor-
rem livres e ligadas em ϕ, da forma seguinte:

5 Que fazem o papel de “o menor v ...”, Pv ... e R v ..., etc.


i=1 a
64 4. LINGUAGENS DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE

(1) Se ϕ é uma fórmula atômica, V (ϕ) = {k ∈ N : vk ocorre em ϕ} e


V lg(ϕ) = ∅.
(2) se ϕ é ϕ1  ϕ2 ,  ∈ {∨, ∧, →}, então
V (ϕ) = V (ϕ1 ) ∪ V (ϕ2 ) e V lg(ϕ) = V lg(ϕ1 ) ∪ V lg(ϕ2 ).
(3) Se ϕ é ¬ ψ , V (ϕ) = V (ψ ) e V lg(ϕ) = V lg(ψ ).
(4) Se ϕ é Qvk ψ onde Q é um quantificador, então
V (ϕ) = V (ψ ) \ {k} e V lg(ϕ) = V lg(ψ ) ∪ {k}.
Como no caso de termos, se ϕ ∈ F(L), as expressões
ϕ(v1 , . . . , vn ) e V (ϕ) ⊆
n = {1, . . . , n},
são sinônimas. A aridade de ϕ é o cardinal de V (ϕ), i.e., o número de ele-
mentos em V (ϕ).
S
b) Se Γ ⊆ F(L), definimos V (Γ) = ξ ∈Γ V (ξ), o conjunto dos ı́ndices
das variáveis que ocorrem livres em algum elemento de Γ. Como em (a), as
expressões V (Γ) ⊆ n e Γ(v1 , . . . , vn ) são sinônimas.

Uma ocorrência de vk em uma fórmula só é ligada se estiver em uma sub-


fórmula contendo um quantificador. Por convenção, a ocorrência de vk em
Qvk é ligada. Note que se
ϕ = (v1 = v2 ) ∧ ∃v1 ∀v2 (v1 = v2 ),
temos V (ϕ) = V lg(ϕ) = {1, 2}. Portanto, uma mesma variável pode ocorrer
de ambas as maneiras em uma mesma fórmula.
As fórmulas sem variáveis livres têm importância especial:
Definição 4.15. a) Uma fórmula sem variáveis livres chama-se uma sen-
tença de L. Indicamos por Sent(L) o conjunto das sentenças em L.
b) Se ϕ é uma fórmula de L tal que V (ϕ) ⊆ n indicamos por
(1) ∀v ϕ = ∀v1 ∀v2 . . . ∀vn ϕ, denominado o fecho universal de ϕ;
(2) ∃v ϕ = ∃v1 ∃v2 . . . ∃vn ϕ, denominado o fecho existencial de ϕ.
Note que os fechos universal e existencial de uma fórmula são sentenças em L.

As noções de ocorrência livre e ligada têm importância também por outro


motivo. Imagine que, em alguma estrutura, estabelecemos a sentença (pense
nos reais..)
ϕ = ∀y ∃x (x < y).
Como temos um quantificador universal ∀y em ϕ, deverı́amos poder substituir
qualquer indivı́duo no seu lugar e obter algo “válido”, eliminando, evidente-
mente, o quantificador correspondente. Mas observe que se substituirmos por
y a variável x, obtemos
2. FÓRMULAS DE UMA LINGUAGEM DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE 65

∃x (x < x),
certamente de caráter duvidoso. O mesmo poderia acontecer se substituirmos y
por um termo contendo a variável x. Qual o problema ? É que na substituição,
a variável y que era “independente” de x, tornou-se “dependente”. A definição
a seguir descreve o conceito de “termo livre para uma variável” em uma fórmula,
de modo a evitar este tipo de problema.
Definição 4.16. Seja ϕ uma fórmula, vk uma variável e t um termo em
L.
a) Indicamos por ϕ( pvk |tq) a fórmula obtida substituindo-se todas as ocorrências
livres de vk em ϕ por t. Se a variável substituı́da estiver clara do contexto, in-
dicaremos a substituição por ϕ(t).
b) Dizemos que t é livre para vk em ϕ sse após a substituição de todas as
ocorrências livres de vk por t, todas as ocorrências das variáveis de t são livres.
Em particular:
(b.1) Se um termo não tem variáveis, então, t é livre para qualquer
variável, em qualquer fórmula;
(b.2) Se vk não ocorre livre em uma fórmula ϕ, qualquer termo é livre para
vk em ϕ.
Exemplo 4.17. a) A variável x é livre para y em P (x, y), mas não em
∃xP (x, y);
b) O termo t = x2 + w é livre para y em ∃z(P (y, z) → Q(z, y)), mas não é livre
para y em ∃z∃w(P (y, z) → Q(y, w)). 
Lema 4.18. Sejam τ , t termos e v uma variável em L. Sejam ϕ, ψ , χ, ξ
fórmulas em L.
a) Se ϕ = ψ  χ, onde  ∈ {∧, ∨, →}, então então τ é livre para v em ϕ sse
τ for livre para v em ψ e χ. Se ϕ = ¬ ξ, então τ é livre para v em ϕ sse τ é
livre para v em ξ.
b) Suponha que t e τ são livres para v em ϕ. Se ϕ∗ é o resultado de substituir
algumas ocorrências livres de v em ϕ por τ , então, t permanece livre para v em
ϕ∗ . Em particular, t é livre para v em ϕ(τ ) = ϕ( pv|τ q).

Prova. a) Se ϕ tem uma das formas especificadas, tanto as substituições de v


por τ , quanto os quantificadores, só podem ocorrer nas sub-fórmulas ψ e χ, no
primeiro caso, e ξ, no segundo. A conclusão segue imediatamente da definição
de τ ser livre para v em uma fórmula.
b) As ocorrências livres de v em ϕ∗ são de dois tipos:
(
(1) ocorrências livres que não foram substituı́das por τ ; ou
(2) ocorrências livres como subtermo de τ , se houve substituição.
66 4. LINGUAGENS DE PRIMEIRA ORDEM COM IGUALDADE

No primeiro caso, a substuição de t por v é feita em uma ocorrência de v em ϕ


e portanto, por hipótese, nenhuma variável de t tornar-se-á ligada. No segundo
caso, τ ocorre em uma sub-fórmula de ϕ∗ que não pode conter quantificador
sobre alguma variável de t, caso contrário a substituição (direta) de v por t em
ϕ não seria livre. Assim, na substituição de t por uma ocorrência livre de v do
segundo tipo, as variáveis de t permanecerão livres. Isto mostra que t é livre
para v em ϕ∗ , completando a demonstração. 
Com este preliminares, estamos prontos para discutir a noção de consequência
sintática ou prova formal nos Cálculos de Predicados de Primeira Ordem,
tanto Clássico, quanto Intuicionista, o tema do próximo Capı́tulo.
CAPı́TULO 5

Teoria da Prova do Cálculo de Predicados

Fixada uma linguagem L do Cálculo de Predicados de Primeira Ordem, seja


Γ um conjunto de fórmulas de L e ϕ uma fórmula de L. Definiremos, como no
caso do Cálculo Proposicional, uma noção de prova, formalizando a idéia que
ϕ é consequência sintática de Γ.
Podemos pensar no “processo de prova” como uma máquina, que tem um
certo mecanismo interno, determinado por axiomas e regras de dedução, isto
é, regras que indicam como obter certas fórmulas a partir de outras. Tanto os
axiomas, quanto as regras de inferência, são estabelecidos tendo em vista o tipo
de sistema que desejamos considerar: sistemas lógicos diferentes têm axiomas
diferentes, regras diferentes ou ambos. Iremos descrever dois desses sistemas:
a formalização do Intuicionismo devido a A. Heyting e uma formalização do
Cálculo de Predicados Clássico.

1. Axiomas e Regras de Inferência. A Noção de Prova Formal

5.1. Axiomas Proposicionais

Assumimos para os Cálculos de Predicados Clássico e Intuicionista, respec-


tivemente, os sequintes esquemas de axiomas, onde ϕ, ψ , χ ∈ F(L) :

67
68 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

Axioma Clássico Intuicionista


[CPC 1] ϕ → (ψ → ϕ) idem
[CPC 2] (ϕ → ψ ) → {[ϕ → (ψ → χ)] → (ϕ → χ)} idem
[CPC 3] ϕ → (ψ → [ϕ ∧ ψ ]) idem
[CPC 4] (ϕ ∧ ψ ) → ϕ idem
[CPC 5] (ϕ ∧ ψ ) → ψ idem
[CPC 6] ϕ → (ϕ ∨ ψ ) idem
[CPC 7] ψ → (ϕ ∨ ψ ) idem
[CPC 8] (ϕ → χ) → {(ψ → χ) → [(ϕ ∨ ψ ) → χ]} idem
[CPC 9] (ϕ → ψ ) → {(ϕ → ¬ ψ ) → ¬ ϕ} idem
[CPC 10] ¬ ϕ → (ϕ → ψ ) idem
[CPC 100 ] ¬¬ϕ → ϕ Não
1. AXIOMAS E REGRAS DE INFERÊNCIA. A NOção DE PROVA FORMAL 69

5.2. Axiomas para os Quantificadores


Se x e t são uma variável e um termo, respectivamente, de L, tanto no Cálculo
Clássico quanto no Intuicionista, todas as intâncias das seguintes fórmulas são
axiomas, se t for livre para x em ϕ :
[∀] : ∀x ϕ → ϕ( px|tq); [∃] : ϕ( px|tq) → ∃x ϕ.
5.3. Axiomas para a Igualdade Tanto no Cálculo Clássico, quanto no
Intuicionista, assumimos como axiomas os seguintes esquemas
[= 1] : x = x;
[= 2] : [(x1 = y1 ) ∧ (x2 = y2 ) ∧ . . . (xn = yn )] → (f (x1 , . . . , xn ) =
f (y1 , . . . , yn ));
[= 3] : [(x1 = y1 ) ∧ (x2 = y2 ) ∧ . . . (xn = yn ) ∧ R(x1 , . . . , xn )] → R(y1 , . . . , yn ),
onde x, x1 , . . . , xn e y1 , . . . , yn são variáveis arbitrárias, f é um sı́mbolo funcional
n-ário e R é um sı́mbolo relacional n-ário em L.
Os esquemas [= 2] e [= 3] são casos particulares de uma lei lógica devida a
Leibnitz e que serão generalizados abaixo para termos e fórmulas, cujo conteúdo
é de que entes iguais possuem as mesmas propriedades.
5.4. Regras de Inferência ou Dedução
Tanto para o Cálculo Clássico, quanto para o Intuicionista, as regras de
inferência são as seguintes:
ϕ, ϕ → ψ
Modus Ponens [MP] :
ψ
ϕ→ψ
[∀ I] (Introdução de ∀): contanto que x não ocorra livre
ϕ → ∀xψ
em ϕ.
ϕ→ψ
[∃ I] (Introdução de ∃) : contanto que x não ocorra livre
∃x ϕ → ψ
em ψ .

Note que, como no caso Proposicional, o único axioma que distin-


gue os Cálculos Clássico e Intuicionista é a validade da lei da dupla
negação, [CPC 100 ].
Podemos agora definir a a noção de prova:
Definição 5.5. Se Γ ∪ {ϕ} é um conjunto de fórmulas em L, dizemos que
ϕ é consequência sintática intuicionista ou clássica de Γ e escrevemos
Γ `I ϕ ou Γ `C ϕ,
respectivamente, se existir uma sequência, ψ 1 , . . . , ψ n de fórmulas de L tal que
:
70 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

[P 1] : ψ n é ϕ.
[P 2] : Para todo i ∈ n,
[P 2.1] : ψ i é um axioma intuicionista ou clássico, ou
[P 2.2] : ψ i ∈ Γ, ou
[P 2.3] : ψ i é obtida de fórmulas anteriores pela aplicação de uma das regras
de inferência.
Uma sequência ψ 1 , . . . , ψ n , satisfazendo as propriedades acima denomina-se
prova de ϕ a partir de Γ. Se Γ = ∅, escrevemos
`I ϕ ou `C ϕ,
e dizemos que ϕ é um teorema intuicionista ou clássico, respectivamente.
Note que a noção de prova é finitária, ou seja, é um processo que envolve
apenas um número finito de fórmulas e aplicações das regras de inferência.
Como no caso Proposicional:
∗ Escrevemos Γ, ϕ1 , . . . , ϕn ` ψ no lugar de Γ ∪ {ϕ1 , . . . , ϕn } ` ψ ;
6 ∆ ⊆ F(L), escrevemos Γ ` ∆ para indicar que para toda ϕ ∈ ∆,
∗ Se ∅ =
temos Γ ` ϕ;
∗ A convenção acerca da extensão da noção de prova feita em 1.12 permanece
vigente.

Introduzimos o conectivo de equivalência pela seguinte


Definição 5.6. Se ϕ, ψ ∈ F(L), definimos o conectivo equivalência por
ϕ ↔ ψ = (ϕ → ψ ) ∧ (ψ → ϕ).

2. Fundamentos da Teoria da Prova do Cálculo de Predicados

No que segue, estabeleceremos algumas das propriedades fundamentais da


Teoria da Prova dos Cálculos de Predicados de Primeira Ordem. Como o
Cálculo Intuicionista é mais geral que o Clássico, isto é, para Γ ∪ {ϕ} ⊆ F(L),
Γ `I ϕ ⇒ Γ `C ϕ ,
a maior parte do que faremos será para o Intuicionista.
Nosso primeiro resultado é o análogo da Proposição 1.7:
Proposição 5.7. Sejam Γ, ∆ conjuntos de fórmulas em L e ϕ, ψ fórmulas
em L.
a) Se ϕ ∈ Γ ou ϕ é instância de um axioma intucionista, então Γ `I ϕ.
b) (Persistência; Weakening) Se Γ `I ϕ e Γ ⊆ ∆, então ∆ `I ϕ.
c) (Compacidade) Se Γ `I ϕ, então existe um subconjunto finito de Γ, Γ0 , tal
que, Γ0 `I ϕ.
2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 71

d) Γ `I ϕ → ψ e Γ `I ϕ ⇒ Γ `I ψ .
e) Γ `I ϕ e Γ `I ψ ⇔ Γ `I ϕ ∧ ψ .
Resultados análogos valem para o Cálculo Clássico.
Prova. Os itens (a) − (e) têm demonstração idêntica aos itens correspondentes
em 1.7; os detalhes são deixados para o leitor. Por exemplo, para (e), se Γ `I
ϕ e Γ `I ψ , com provas P ⊆ F(L) e Q ⊆ F(L), concatenamos as provas
P e Q e adicionamos as seguintes linhas
.. ..
. Prova P .
x. ϕ última linha de P
.. ..
. Prova Q .
y. ψ última linha de Q
y + 1. ϕ → (ψ → (ϕ ∧ ψ )) Axioma [CPC 3]
y + 2. ψ → (ϕ ∧ ψ ) Por [MP], de (x) e (y + 1)
y + 3. ϕ∧ψ Por [MP], de (y) e (y + 2)
mostrando que Γ `I ϕ ∧ ψ . A recı́proca vem facilmente dos Axiomas [CPC 4]
e [CPC 5]. 
Exercı́cio 5.8. Se Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F(L), então 1 Γ `I ϕ → ψ ⇒ Γ, ϕ
`I ψ . Resultado análogo vale para o Cálculo Clássico.
Nosso próximo resultado é a Regra do Corte:
Teorema 5.9 (A Regra do Corte, [RC]). Se ∆ ∪ Γ ∪ {ϕ} ⊆ F(L), então
Γ `I ∆ e ∆ `I ϕ ⇒ Γ ` I ϕ .
Um resultado análogo vale para o Cálculo Clássico.
Prova. Pela compacidade (5.7.(c)), podemos supor que ∆ é finito, ∆ = {ψ 1 , . . . , ψ m }.
Seja P = {θ1 , . . . , θn } uma prova de ϕ a partir de ∆ (logo θn é ϕ). Vamos mos-
trar como construir uma prova R ⊆ F(L) de ϕ a partir de Γ. Para cada j ∈
m, fixemos uma prova Qj de ψ j ∈ ∆ a partir de Γ. A regra para construção de
R a partir de P é a seguinte: para todo j ∈ m,
Cada ocorrência de ψ j em P deve ser substituı́da pela prova Qj de ψ j a partir
de Γ.
Esta regra produzirá uma nova sequência, R, de fórmulas na qual as ocorrências
de cada ψ j são justificadas por Γ. Já que a última fórmula de R continua sendo
θn = ϕ, obtivemos uma prova de ϕ a partir de Γ, como desejado. 
Devido aos novos axiomas e às novas regras de inferência, a formulação do
Teorema da Dedução do Cálculo de Predicados exige um certo cuidado (veja o
1 Esta é a parte fácil do Teorema da Dedução.
72 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

Teorema 5.19). No entanto, há uma forma desse resultado, muito útil, descrita
a seguir.

Proposição 5.10. (Forma proposicional do Teorema da Dedução) Se existir


uma prova de Γ, ϕ `I ψ utilizando apenas as hipóteses em Γ, os axiomas pro-
posicionais e a regra de Modus Ponens, então existe uma prova de Γ `I ϕ → ψ
que utiliza apenas as hipóteses em Γ, os axiomas proposicionais e
[MP]. 2 Em particular, nessas condições temos
Γ `I ϕ → ψ ⇔ Γ, ϕ `I ψ .
Resultado análogo vale para o Cálculo Clássico.

Prova. Seja P = {θ1 , . . . , θn } uma prova de Γ, ϕ `I ψ , satisfazendo as condições


do enunciado. O método adotado na demonstração do Teorema 1.9 mostra
que para cada i ∈ n existe uma prova de Γ `I ϕ → θi , utilizando apenas
as hipóteses em Γ, os axiomas proposicionais e a regra [MP]. Em
particular, isto vale para θn = ψ , como desejado. As demais conclusões seguem
do Exercı́cio 5.8 e do fato que a única diferença entre `I e `C é a utilização, no
caso de `C , do axioma [CPC 100 ]. 
Os resultados abaixo ilustram o uso da Proposição 5.10.

Lema 5.11. Se A, B, C e D são fórmulas de L, então


a) A → B, B → C `I A → C.
b) `I (A → B) → [(B → C) → (A → C)].
c) (A ∧ B), A → (B → C) `I C; (A ∧ B), B → (A → C) `I C.
d) A, B, (A ∧ B) → C `I C.
  
e) `I A → (B → C) ↔ (A ∧ B) → C ↔ B → (A → C) .
f ) A, (A → B) `I B.
g) `I (A ∧ (A → B)) ↔ (A ∧ B). Em particular, `I (A ∧ (A → B))
→ B.
h) `I (A → B) → [(A → C) → (A → (B ∧ C))].
i) `I (A → B) → [((B ∧ C) → D) → ((A ∧ C) → D)].

Prova. a) A seguinte sequência verifica (a) :

2 A preservação dessa propriedade é muito importante!


2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 73

1. A→B hipótese
2. B→C hipótese
3. (B → C) → (A → (B → C)) Axioma [CPC 1]
4. A → (B → C) Por [MP] de (2) e (3)
5. (A → B) → [(A → (B → C)) → (A → C)] Axioma [CPC 2]
6. A→C De (1), (4) e (5) e duas vezes [MP
b) Na prova em (a) só foram utilizados hipóteses, axiomas proposicionais e a
regra de Modus Ponens. Por 5.10, obtemos A → B `I (B → C) → (A → C),
e as hipóteses de 5.10 novamente se aplicam. Logo, `I (A → B) → ((B → C)
→ (A → C)), como desejado.
c) A seguinte sequência é uma prova da primeira afirmação em (c) :
1. (A ∧ B) → A Axioma [CPC 4]
2. (A ∧ B) → B Axioma [CPC 5]
3. A ∧ B hipótese
4. A Por [MP], de (1) e (3)
5. B Por [MP], de (2) e (3)
6. A → (B → C) hipótese
7. B → C Por [MP], de (4) e (6)
8. C Por [MP], de (5) e (7)
A segunda parte do enunciado pode ser verificada de modo análogo.
d) A seguinte sequência estabelece (d) :
1. A hipótese
2. B hipótese
3. A → (B → (A ∧ B)) Axioma [CPC 3]
4. B → (A ∧ B) Por [MP], de (1) e (3)
5. A∧B Por [MP], de (2) e (4)
6. (A ∧ B) → C hipótese
7. C Por [MP], de (5) e (6)
e) Note que nas provas dos itens (c) e (d) só foram utilizados hipóteses, axiomas
proposicionais e a regra de Modus Ponens. Assim, por 5.10:
(1) De (c) obtemos
  
 `I
 A → (B → C) → (A ∧ B) → C ;
(*) e

`  
I B → (A → C) → (A ∧ B) → C .
(2) De (d) obtemos
74 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS
  
 `I
 (A ∧ B) → C → A → (B → C)
(**) e

 `  
I (A ∧ B) → C → B → (A → C)
Tendo em conta a definição de equivalência (5.6), (*), (**) e 5.7.(e) fornecem as
conclusões em (e). Os itens (f) e (g) são deixados como Exercı́cio para o leitor.
h) Por 5.10, é suficiente verificar, utilizando apenas [MP] e o axiomas proposi-
cionais que
(I) A → C, A → B, A `I B ∧ C.
A seguinte sequência é uma prova de (I), satisfazendo estas condições:
1. A →B hipótese
2. A →C hipótese
3. A hipótese
4. B de (1) e (3), por [MP]
5. C de (2) e (3), por [MP]
6. B → (C → (B ∧ C)) Axioma [CPC 3]
7. B ∧C de (4), (5) e (6) por duas aplicações de [MP]
i) Por 5.10, é suficiente verificar, usando apenas os axiomas proposicionais e
[MP] que
(II) A → B, (B ∧ C) → D, A ∧ C `I D.
A seguinte sequência de fórmulas é prova de (II) verificando estas propriedades
:
1. A → B hipótese
2. A ∧ C hipótese
3. (A ∧ C)→ A Axioma [CPC 4]
4. (A ∧ C)→ C Axioma [CPC 5]
5. A de (2) e (3), por [MP]
6. B de (1) e (5), por [MP]
7. C de (2) e (4), por [MP]
8. B → (C → (B ∧ C) Axioma [CPC 3]
9. B ∧ C de (6), (7) e (8), por duas aplicações de [MP]
10. (B ∧ C)→ D hipótese
11. D de (9) e (10), por [MP]
encerrando a demonstração. 

Proposição 5.12 (Preservação da Equivalência; Transitividade da Implicação).


Seja Γ ∪ {ϕ, ψ , χ, ξ} ⊆ F(L).
2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 75

a) Γ `I ϕ ↔ ψ e Γ `I ϕ ⇒ Γ `I ψ .
b) Γ `I ϕ → ψ e Γ `I ψ → χ ⇒ Γ `I ϕ → χ.
c) Γ `I (ϕ → (ψ → χ)) e Γ `I χ → ξ ⇒ Γ `I (ϕ → (ψ → ξ)).
Resultados análogos valem para o Cálculo Clássico.

Prova. a) Uma vez que Γ `I ϕ ↔ ψ , segue de 5.7.(e) que temos Γ `I ϕ → ψ


(e também Γ `I ψ → ϕ). Já que Γ `I ϕ, 5.7.(d) garante que Γ `I ψ .
b) Sejam P, Q provas de Γ `I ϕ → ψ e Γ `I ψ → χ, respectivamente. A
sequência de fórmulas
..
. P
x.ϕ→ψ última linha de P
..
. Q
y. ψ→χ última linha de Q
y + 1. (ϕ → ψ )→ ((ψ → χ)→ (ϕ → χ)) Por 5.11.(b)
y + 2. ϕ → χ de (x), (y) e (y + 1), por [MP]
mostra que Γ `I ϕ → χ, como desejado.
c) Por 5.11.(e) temos
(I) Γ `I [ϕ → (ψ → χ)] ↔ [(ϕ ∧ ψ ) → χ].
Como Γ `I ϕ → (ψ → χ), o item (a) e (I) acarretam Γ `I (ϕ ∧ ψ ) → χ; esta
última relação, o item (b) e Γ `I χ → ξ fornecem Γ `I (ϕ ∧ ψ ) → ξ. Outra
aplicação de (I) (com ξ no lugar de χ) e do item (a) garante que Γ `I ϕ → (ψ
→ ξ), encerrando a prova. 
O leitor deve estar percebendo que fórmulas do Cálculo de Predicados que
tem a estrutura de uma fórmula proposicional demonstrável no Cálculo Propo-
sicional, permanecem demonstráveis no Cálculo de Predicados. Seria possı́vel
utilizando os métodos exemplificados acima estabelecer este resultado. Entre-
tanto, este o processo seria longo e (no mı́nimo) tedioso. Há outra maneira
de tratar esta questão, mostrando que os Cálculos de Predicados são uma “ex-
tensão conservativa” dos Cálculos Proposicionais correspondentes. Para esta-
belecer estes resultados utilizaremos uma versão de primeira ordem da noção
de substituição apresentada no final do Capı́tulo 3. Embora muito semelhantes,
há diferenças importantes que nos levam a retomar a construção ab ovo.
Definição 5.13. Seja C(S) um Cálculo Proposicional, com S como conjunto
de fórmulas atômicas. Seja L uma linguagem de primeira ordem com igualdade.
a) Sejam P uma fórmula de C(S) e {p1 , . . . , pk } ⊆ S um conjunto de fórmulas
atômicas. Indicamos por P = P (p1 , . . . , pk ) que P foi construı́da a partir de um
subconjunto de p∗ = {p1 , . . . , pk }, conforme a Definição 1.3.
76 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

b) Se Γ ⊆ F ml(S) e {p1 , . . . , pk } ⊆ S, escrevemos Γ(p1 , . . . , pk ) para indicar


que cada fórmula em Γ foi construı́da, conforme a Definição 1.3, a partir de
um subconjunto de {p1 , . . . , pk }.
c) Um esquema de substituição de primeira ordem é uma função, s : S
−→ F(L), que a cada p ∈ S associa uma fórmula s(p) de L.
d) Se P é uma fórmula em F ml(S) e s é um esquema de substituição de primeira
ordem indicamos por P psq o resultado de substituir todas as ocorrências de
cada fórmula atômica p em P por s(p).
e) Se Γ ⊆ F ml(S) e s é um esquema de substituição de primeira ordem,
definimos
Γ psq = {Q psq : Q ∈ Γ}.

Observação 5.14. a) Há diferenças entre o processo de substituição apre-


sentado aqui e o discutido no final do Capı́tulo 3. A mais importante delas
é que o presente processo precisa fornecer, a partir de fórmulas proposicio-
nais, fórmulas do Cálculo de Predicados. Assim, é necessário que todas as
ocorrências de fórmulas atômicas em uma fórmula proposicional sejam subs-
tituı́das por fórmulas do Cálculo de Predicados. Além disso, no caso presente a
função de substituição está definida em todo S, no lugar de algum subconjunto
finito de S.
Há um modo, aliás clássico, de evitar esta “complicação” : incluir no alfabeto
do Cálculo de Predicados sı́mbolos para proposições atômicas, como fazia a es-
cola polonesa (entre outras). Esta forma de apresentar o Cálculo de Predicados
(infelizmente) saiu de moda.
b) Há também propriedades importantes que são comuns às duas apresentações
(cf. 3.22). Sejam p∗ = {p1 , . . . , pk } ⊆ S e s, s0 esquemas de substituição de
primeira ordem. Observe que se P = P (p1 , . . . , pk ) é uma fórmula proposicional
em C(S), então
s  p∗ = s0  p∗ ⇒ P psq = P ps0 q,
pois apenas aqueles elementos de p∗ que ocorrem na construção de P serão
substituı́dos.
(2) Como em 3.21, os valores da função s não precisam ser distintos, isto é, s
não precisa ser injetora.
c) Seja P = P (p1 , . . . , pk ) uma fórmula proposicional em C(S). Note que:
∗ Se P é atômica, então P ∈ {p1 , . . . , pk };
∗ Se P = ¬ Q, então, Q = Q(p1 , . . . , pk ), pois uma fórmula atômica só ocorre
em P se ocorrer em Q;
2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 77

∗ Se P = P1  P2 , onde  é um dos connectivos binários, então Pi = Pi (p1 , . . . , pk ),


i = 1, 2, pois as fórmulas atômicas que ocorrem em P devem ocorrer em P1 ou
P2 (ou em ambas).
O leitor pode agora perceber a conveniência do item (a) da Definição 5.13: o
conjunto {p1 , . . . , pk } deve apenas conter o conjunto das fórmulas proposicionais
atômicas que ocorrem em P . 

O enunciado correspondente à Proposição 3.23 é o seguinte:


Proposição 5.15. Seja s : S −→ F(L) um esquema de substituição de
primeira ordem. Sejam P , Q fórmulas proposicionais em C(S).
a) A substituição por s commuta com todos os conectivos lógicos, i.e.
(1) [¬ P ] psq = ¬ P psq;
(2) Se  ∈ {∧, ∨, →, ↔}, então [P  Q] psq = P psq  Q psq.
b) P psq é uma fórmula de L.
c) Se P é instância de um axioma proposicional, então P psq é uma instância
de primeira ordem do mesmo axioma proposicional.
d) A aplicação da regra de Modus Ponens é preservada por substituição, isto é,
P, P → Q P psq, (P psq → Q psq)
⇒ .
Q Q psq

Prova. a) Se uma fórmula R(p1 , . . . , pk ) não é atômica, então é de um dos dois


tipos seguintes
R1  R2 ou ¬ R1 ,
onde  é um dos conectivos ∧, ∨ ou → e Ri , i = 1, 2 são fórmulas em C(S).
Por 5.14.(c), sabemos que para i = 1, 2, Ri = Ri (p1 , . . . , pk ) 3. Agore note que
na obtenção de R psq a partir de R substituı́mos cada p ∈ S que ocorre em
R1 e/ou R2 , por s(p). Mas então, a estrutura de R é preservada, fornecendo os
itens (1) e (2) do enunciado.
b) Segue de (a), por indução na complexidade. Se P é atômica, então P = p,
para algum p ∈ S e portanto P psq = s(p), uma fórmula de L, estabelecendo
o resultado para fórmulas atômicas. Os passos para a negação e os conectivos
binários são consequência de (a) e da hipótese de indução, lembrando o item
(c) em 5.14.
Os argumentos para a prova de (c) e (d) são análogos aos apresentados
na verificação dos itens correspondentes da Proposição 3.23; os detalhes são
deixados a cargo do leitor. 
3 Uma diferença com o argumento em 3.23.(a).
78 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

Teorema 5.16 (da Substituição Proposicional). Sejam Γ ∪ {P } ⊆ F ml(S)


e s um esquema de substituição de primeira ordem. Se Γ `I P no Cálculo
Proposicional, então Γ psq `I P psq no Cálculo de Predicados. Resultado
análogo vale para o Cálculo Clássico.

Prova. O leitor deve ter em mente a definição de prova no Cálculo Proposicional


em 1.6.
Seja P = {Q1 , . . . , Qn } uma prova de P a partir de Γ no Cálculo Propo-
sicional Intuicionista. Claro que P = Qn . Mostraremos que
P psq = {Qj psq : 1 ≤ j ≤ n} é uma prova, no Cálculo de
(I) Predicados
Intuicionista, de Qn psq a partir de Γ psq.
Uma vez que tenhamos (I), segue imediatamente que P psq é uma prova no
Cálculo de Predicados Intuicionista de P psq a partir de Γ psq. A afirmação (I)
será estabelecida analisando a razão para a ocorrência de cada linha da prova
P.
1) Qj ∈ Γ : Então, Qj psq ∈ Γ psq;
2) Qj é uma instância de um axioma proposicional: Pelo item (c) da Proposição
5.15, Qj psq é uma instância, no Cálculo de Predicados Intucionista, do mesmo
axioma proposicional;
3) Qj segue de linhas anteriores pela aplicação de Modus Ponens: Neste caso,
para i, l < j, temos Ql = Qi → Qj . Na sequência P psq as linhas i e l serão,
lembrando o item (a) de 5.15,
Qi psq e Ql psq = [Qi → Qj ] psq = Qi psq → Qj psq.
Mas então, uma aplicação de [MP] (ou 5.15.(d)) garante que Qj psq é a j-ésima
linha de P psq, estabelecendo (I) e completando a demonstração. 
O Teorema 5.16 tem consequências importantes, algumas das quais estão
registradas abaixo:
0
Corolário 5.17. Sejam ϕ, ψ , χ, ϕ0 , ψ , χ0 fórmulas de L.
a) Seja P uma fórmula do Cálculo Proposicional e seja s um esquema de subs-
tituição de primeira ordem.
(1) Se `I P no Cálculo Proposicional Intuicionista, então `I P psq
no Cálculo de
Predicados Intuicionista.
(2) Se P é uma tautologia clássica, então `C P psq no Cálculo de Predicados
Clássico.
b) `I ϕ → ϕ; `I (ϕ ∧ (ϕ → ψ )) → ψ .
c) `I (ϕ ∧ ψ ) ↔ (ψ ∧ ϕ); `I (ϕ ∨ ψ ) ↔ (ϕ ∨ ψ ).
2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 79

0 0
d) `I [(ϕ ↔ ϕ0 ) ∧ (ψ ↔ ψ )] → [(ϕ  ψ ) ↔ (ϕ0  ψ )], onde  ∈ {∧, ∨,
→, ↔}.
e) `I [ϕ ∧ (ψ ∨ χ)] ↔ [(ϕ ∧ ψ ) ∨ (ϕ ∧ χ)]; `I [ϕ ∨ (ψ ∧ χ)] ↔ [(ϕ
∨ ψ ) ∧ (ϕ ∨ χ)].
f ) `I (ϕ ∧ ϕ) ↔ ϕ; `I (ϕ ∨ ϕ) ↔ ϕ.
g) `I ϕ → ¬ ¬ ϕ; `C ϕ ↔ ¬ ¬ ϕ ; `I ¬ ϕ ↔ ¬ ¬ ¬ ϕ ; `I ¬ (ϕ ∧ ¬ ϕ).
h) `I (ϕ → ψ ) → (¬ ψ → ¬ ϕ); `I (ϕ ↔ ψ ) → (¬ ϕ ↔ ¬ ψ ).
i) `C (ϕ → ψ ) ↔ (¬ ψ → ¬ ϕ).
j) `I ¬ (ϕ ∨ ψ ) ↔ (¬ ϕ ∧ ¬ ψ ); `C ¬ (ϕ ∨ ψ ) ↔ (¬ ϕ ∧ ¬ ψ );
k) `C (ϕ → ψ ) ↔ (¬ ϕ ∨ ψ ); `C ¬ (ϕ → ψ ) ↔ (ϕ ∧ ¬ ψ ); `C ϕ ∨
¬ ϕ.
l) `I ¬ ϕ → ((ϕ ∨ ψ ) → ψ ); `I ¬ ψ → ((ϕ ∨ ψ ) → ϕ).
0 0
m) `I (ϕ → ψ ) → [(ϕ0 → ψ ) → ((ϕ  ϕ0 ) → (ψ  ψ ))], onde  ∈ {∧, ∨}.

Prova. O item (a) é consequência imediata do Teorema 5.16, enquanto que os


outros itens são aplicações de (a) à resultados do Capı́tulo 1; o leitor poderá
divertir-se em encontrá-los. 

Antes de dar a prova do Teorema da Dedução, exemplificaremos o uso das


regras dos quantificadores. Alguns fatos, registrados em seguida e essencial-
mente óbvios, serão utilizados muitas vezes e sem menção expressa. Sejam ϕ
uma fórmula e x uma variável em L. Então
∗ x é livre para x em ϕ; ∗ ϕ( px|xq) é identica à ϕ.
Teorema 5.18. Sejam ϕ, ψ , σ fórmulas de L e x uma variável de L.
a) Se x não ocorre livre em ϕ, então `I (ϕ ↔ ∃x ϕ) e `I (ϕ ↔ ∀x ϕ).
(
(1) `I ∀x (σ → ϕ) ↔ (σ → ∀x ϕ).
b) Se x não ocorre livre em σ, então
(2) `I (σ ∧ ∃x ϕ) ↔ ∃x (σ ∧ ϕ).

c) `I ∀x (ϕ → ψ ) → (∀x ϕ → ∀x ψ ).
d) `I ∀x (ϕ ∧ ψ ) → (∀x ϕ ∧ ∀x ψ ).
e) `I (∃x ϕ ∨ ∃x ψ ) → ∃x (ϕ ∨ ψ ) .
(1) `I ∃x ϕ → ∃ x ψ ;

f ) `I ϕ → ψ ⇒
(2) `I ∀x ϕ → ∀ x ψ .

Prova. a) De 5.17.(b), temos `I (ϕ → ϕ); como x não ocorre livre em ϕ as


regras [∀ I] e [∃ I] implicam que
(*) `I ∃x ϕ → ϕ e `I ϕ → ∀x ϕ,
80 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

enquanto que os axiomas [∀] e [∃] acarretam


(**) `I ∀x ϕ → ϕ e `I ϕ → ∃x ϕ.
A conclusão segue de (*), (**) e 5.7.(e).
b) (1) A seguinte sequência mostra que `I ∀x (σ → ϕ) → (σ → ∀x ϕ) :
1. ∀x (σ → ϕ) → (σ → ϕ) Axioma [∀]
2. (∀x (σ → ϕ) ∧ σ) → ϕ De (1), por 5.11.(e)
3. (∀x (σ → ϕ) ∧ σ) → ∀x ϕ De (2), por [∀ I]
4. ∀x (σ → ϕ) → (σ → ∀x ϕ) De (3) por 5.11.(e)
A seguinte sequência é uma prova de que `I (σ → ∀x ϕ) → ∀x (σ → ϕ) :
1. ∀x ϕ → ϕ Axioma [∀]
2. (σ ∧ (σ → ∀x ϕ)) → ∀xϕ Por 5.11.(g)
3. (σ ∧ (σ → ∀x ϕ)) → ϕ De (1), (2) , por 5.11.(b)
4. (σ → ∀x ϕ) → (σ → ϕ) De (3), por 5.11.(e)
5. (σ → ∀x ϕ) → ∀x (σ → ϕ) De (4), por [∀ I]
A conclusão desejada segue destas provas e de 5.7.(e).
(b).(2) A seguinte sequência mostra que `I ∃x (σ ∧ ϕ) → σ ∧ ∃x ϕ :
1. ϕ → ∃xϕ Axioma [∃]
2. σ → σ Por 5.17.(b)
3. (σ ∧ ϕ) → (σ ∧ ∃x ϕ) De (1) e (2), por 5.17.(m)
4. ∃x (σ ∧ ϕ) → (σ ∧ ∃x ϕ) Por [∃I], pois x não ocorre livre em σ ∧ ∃x ϕ
A seguinte sequência estabelece `I (σ ∧ ∃x ϕ) → ∃x (σ ∧ ϕ) :
1. (σ ∧ ϕ) → ∃x (σ ∧ ϕ) Axioma [∃], pois x é livre para x em σ ∧ ϕ
2. ϕ → (σ → ∃x (σ ∧ ϕ)) Pela adjunção em 5.11.(e)
3. ∃x ϕ → (σ → (σ ∧ ∃x ϕ)) Por [∃I], pois x não ocorre livre em (σ → ∃x (σ ∧ ϕ
4. (σ ∧ ∃x ϕ) → ∃x (σ ∧ ϕ) Pela adjunção em 5.11.(e),
completando a prova do item (b).
c) A seguinte sequência de fórmulas verifica que `I ∀x (ϕ → ψ ) → (∀x ϕ
→ ∀x ψ ) :
1. ∀x ϕ → ϕ Axioma [∀]
2. ∀x (ϕ → ψ ) → (ϕ → ψ ) Axioma [∀]
3. (ϕ ∧ ∀x (ϕ → ψ )) → ψ De (2), por 5.11.(e)
4. (∀x ϕ ∧ ∀x (ϕ → ψ )) → ψ De (1), (3) e 5.11.(i), por [MP]
5. (∀x ϕ ∧ ∀x (ϕ → ψ )) → ∀x ψ De (4), por [∀ I]
6. ∀x (ϕ → ψ ) → (∀x ϕ → ∀x ψ ) De (5), por 5.11.(e)
2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 81

O item (d) é deixado como exercı́cio para o leitor. Para o item (e), a seguinte
sequência mostra que `I ∃x ϕ → ∃x (ϕ ∨ ψ ) :
1. ϕ → (ϕ ∨ ψ ) Axioma [CPC 6]
2. (ϕ ∨ ψ ) → ∃x (ϕ ∨ ψ ) Axioma [∃]
3. ϕ → ∃x (ϕ ∨ ψ ) De (1) e (2), por 5.11.(b)
4. ∃x ϕ → ∃x (ϕ ∨ ψ ) de (3), por [∃ I]
Analogamente, podemos mostrar que `I ∃x ψ → ∃x (ϕ ∨ ψ ); à estas duas
provas podemos adicionar a seguinte sequência de linhas, onde A é ∃x (ϕ ∨ ψ )
:
9. (∃x ϕ → A) → {(∃x ψ → A) → [(∃x ϕ ∨ ∃x ψ ) → A]} Axioma [CPC 8]
10. (∃x ϕ ∨ ∃x ψ ) → A De (9) e duas vezes [M
completando a prova de (e).
f) Pelo axioma [∃] temos `I ψ → ∃x ψ . Como `I ϕ → ψ , a regra do corte (5.9,
ou a transitividade da implicação, 5.12.(b)) fornece `I ϕ → ∃x ψ . Já que x não
ocorre livre em ∃x ψ , a regra de dedução [∃ I] implica `I ∃x ϕ → ∃x ψ , como
desejado.
(2) O axioma [∀] implica `I ∀x ϕ → ϕ; a hipótese `I ϕ → ψ e a regra do corte
(ou a transitividade da implicação) fornecem `I ∀x ϕ → ψ . Como x não ocorre
livre em ∀x ϕ, a regra de dedução [∀ I] garante que `I ∀x ϕ → ∀x ψ , como
necessário para encerrar a demonstração. 

Teorema 5.19 (Teorema da Dedução). Seja Γ ∪ {σ, ϕ} um conjunto de


fórmulas em L. Se σ é uma sentença então Γ, σ `I ϕ ⇔ Γ `I (σ → ϕ).
Resultado análogo vale para o Cálculo Clássico.

Prova. Por 5.8.(a) é suficiente mostrar que Γ, σ `I ϕ ⇒ Γ `I σ →


ϕ. O método será o mesmo usado na demonstração do Teorema 1.9: dada uma
prova P = {ψ 1 , . . . , ψ n } de ϕ a partir de Γ e σ, mostraremos por indução que
para todo i ∈ n temos
Γ `I σ → ψ i .
Logo, Γ `I σ → ψ n ; uma vez que ψ n é ϕ, a demonstração estará completa.
a) ψ 1 é uma axioma, ψ 1 ∈ Γ ou ψ 1 é σ. A prova que Γ `I σ → ψ 1 é igual à
feita em 1.9.

Suponha que 2 ≤ i ≤ n e que Γ `I (σ → ψ j ), 1 ≤ j < i. Mostremos que Γ


`I σ → ψ i , completando o passo indutivo. Devemos analizar as razões para a
presença de ψ i em P :
b) ψ i é um axioma, ψ i ∈ Γ ou ψ i é σ. Esse caso é tratado como em (a).
82 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

c) ψ i vem de fórmulas anteriores pela aplicação de [MP]. O método para obter


Γ `I σ → ψ i é igual ao usado em 1.9.
d) ψ i vem de fórmulas anteriores pela aplicação da regra [∀ I]. Logo, ψ i é (A →
∀x B), onde para algum j < i, ψ j é (A → B) e x não ocorre livre em A. Logo,
x não ocorre livre em σ ∧ A. Além disso, por hipótese de indução, temos uma
prova, Q, de Γ `I σ → (A → B). Logo,
x.σ → (A → B) Última linha de Q
(σ ∧ A) → B
x + 1. De (x), por 5.11.(e)
(σ ∧ A) → ∀x B
x + 2. De (x + 1), por [∀ I]
σ → (A → ∀x B)
x + 3. De (x + 2), por 5.11.(e)
mostrando que Γ `I σ → ψ i .
e) ψ i vem de fórmulas anteriores pela aplicação da regra [∃ I]. Logo, ψ i é (∃x A
→ B) e ψ j , j < i, é (A → B) e x não ocorre livre em B. Logo, x não ocorre
livre em (σ → B). Por indução, existe uma prova, Q, de Γ `I σ → (A → B).
Assim,
σ → (A → B)
x. Última linha de Q
A → (σ → B)
x + 1. De (x), por 5.11.(e)
∃xA→ (σ → B)
x + 2. De (x + 1), por [∃ I]
σ → (∃x A → B)
x + 3. De (x + 2), por 5.11.(e)
mostrando que Γ `I (σ → ψ i ), completando os passos de indução e a demons-
tração. 
Muito embora a formulação de 5.19 é a mais utilizada, e será suficiente para
os nossos propósitos, há resultados mais gerais, que envolvem acompanhar as
variáveis em relação às quais foram aplicadas as regras dos quantificadores. Os
interessados podem consultar [Kl2] (§22 do Capı́tulo II), [Kl1], [KV] ou [Sch].

Proposição 5.20. Seja Γ ∪ {ϕ, ψ } ⊆ F(L).


a) `C (¬ ϕ → ψ ) → [(¬ ϕ → ¬ ψ ) → ϕ]. 4

b) (Prova por contradição) Se ϕ é uma sentença em L, então


Γ, ¬ ϕ `C ψ e Γ, ¬ ϕ `C ¬ ψ ⇒ Γ `C ϕ.
c) (Prova por casos)
(1) Γ `C ϕ ∨ ψ Γ, ¬ ϕ `C ψ e Γ, ¬ ψ `C ϕ.

(2) Se ϕ é uma sentença, então Γ, ¬ ϕ `C ψ ⇒ Γ `C ϕ ∨ ψ .
(3) Se ϕ, ψ são sentenças, então
4 Este resultado poderia ser obtido diretamente do Teorema 5.16 ou de 5.17.(a).(2).
2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 83

Γ `C ϕ ∨ ψ ⇔ Γ, ¬ ϕ `C ψ ⇔ Γ, ¬ ψ `C ϕ.

Prova. a) A seguinte sequência de fórmulas é uma prova de que ¬ ϕ → ψ , ¬ ϕ


→ ¬ ψ `C ϕ :
1. (¬ ϕ → ψ ) → [(¬ ϕ → ¬ ψ ) → ¬ ¬ ϕ] Axioma [CPC 9]
2. ¬ ϕ → ψ hipótese
3. ¬ ϕ → ¬ ψ hipótese
4. ¬ ¬ ϕ De (1), (2) e (3), por duas aplicações de
5. ¬ ¬ ϕ → ϕ Axioma [CPC 100 ]
6. ϕ De (4) e (5), por [MP]
Já que na prova acima só utilizamos hipóteses, axiomas proposicionais e a regra
[MP], a conclusão desejada segue de 5.10.
b) Já que ϕ não possui varáveis livres, o mesmo é verdade acerca de ¬ ϕ, i.e.,
¬ ϕ também é uma sentença. Pelo Teorema 5.19, as hipóteses são equivalentes
a
(i) Γ `C ¬ ϕ → ψ e (ii) Γ `C ¬ ϕ → ¬ ψ .
Sejam P e Q provas de (i) e (ii), respectivamente. A seguinte sequência de
fórmulas em L é uma prova de Γ `C ϕ :
..
. P
x. ¬ϕ → ψ última linha de P
..
. Q
y. ¬ϕ → ¬ψ última linha de Q
y + 1. (¬ ϕ → ψ ) → ((¬ ϕ → ¬ ψ ) → ϕ) do item (a)
y + 2. ϕ De (x), (y) e (y + 1), por [MP].
c) (1) Suponha que P ⊆ F(L) seja uma prova de Γ `C ϕ ∨ ψ . Então, lembrando
a lei de falta de alternativas em 5.17.(l), a sequência abaixo é uma prova de Γ,
¬ ϕ `C ψ :
..
. P
x. ϕ∨ψ última linha de P
x + 1. ¬ ϕ → ((ϕ ∨ ψ ) → ψ )de 5.17.(k)
x + 2. ¬ϕ hipótese
x + 3. ψ de (x), (x + 1) e (x + 2), por [MP]
estabelecendo Γ `C ϕ ∨ ψ ⇒ Γ, ¬ ϕ `C ψ . De modo inteiramente análogo
obtemos Γ `C ϕ ∨ ψ ⇒ Γ, ¬ ψ `C ϕ. Note que se Γ `I ϕ ∨ ψ , (1) é intuici-
onisticamente válido.
84 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

(2) Já que ϕ é uma sentença, o mesmo é verdade acerca de ¬ ϕ. Portanto, pelo
Teorema 5.19 a hipótese em (2) é equivalente a Γ `C ¬ ϕ → ψ . Pelos itens (g)
e (k) do Corolário 5.17, temos
`C (¬ ϕ → ψ ) ↔ (¬ ¬ ϕ ∨ ψ ) ↔ (ϕ ∨ ψ ),
e portanto o item (a) da Proposição 5.12 garante que Γ `C ϕ ∨ ψ . O item (3)
é consequência imediata dos anteriores, encerrando a prova. 

Exercı́cio 5.21. Sejam Γ ∪ ∆ ∪ {ϕ, ψ , χ} um conjunto de sentenças de L.


Mostre que todas as regras derivadas que constam de 1.37 valem nos Cálculos
de Predicados correspondentes (as marcadas com • em 1.37 são Intuicionistas).

Lema 5.22. Se ϕ é uma fórmula de L e x, y são variáveis de L, então


a) `I ∀x∀y ϕ → ∀y∀x ϕ. b) `I ∃x∃y ϕ → ∃y∃x ϕ.
c) Sejam x e y variáveis distintas.
(1) Se y é livre para x em ϕ e não ocorre livre em ϕ, então `I ∀x ϕ
↔ ∀y ϕ( px|yq). Em particular, esta equivalência vale se y é distinta
de todas as variáveis que ocorrem em ϕ.
(2) Se y é livre para x em ϕ e não ocorre livre em ϕ, então `I ∃x ϕ
↔ ∃y ϕ( px|yq). Em particular, esta equivalência vale se y é distinta
de todas as variáveis que ocorrem em ϕ.
Resultados análogos valem para o Cálculo Clássico.

Prova. a) A sequência abaixo demonstra (a) :


1. ∀x∀y ϕ → ∀y ϕ Axioma [∀]
2. ∀y ϕ → ϕ Axioma [∀]
3. ∀x∀y ϕ → ϕ De (1) e (2), por 5.11.(b)
4. ∀x∀y ϕ → ∀xϕ De (3), pela regra [∀ I]
5. ∀x∀y ϕ → ∀y∀x ϕ De (4), pela regra [∀ I]
b) A seguinte sequência demonstra (b) :
1. ϕ → ∃x ϕ Axioma [∃]
2. ∃x ϕ → ∃y∃x ϕ Axioma [∃]
3. ϕ → ∃y∃x ϕ De (1) e (2), por 5.11.(b)
4. ∃y ϕ → ∃y∃x ϕ De (3), pela regra [∃ I]
5. ∃x∃y ϕ → ∃y∃x ϕ De (4), pela regra [∃ I]
c) O leitor deve ter em mente que x e y são distintas.
(1) Já que y é livre para x em ϕ e não ocorre livre em ∀x ϕ, temos:
1. ∀x ϕ → ϕ( px|yq) Axioma [∀]
2. ∀x ϕ → ∀y ϕ(y) De (1), pela regra [∀ I]
2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 85

Agora note que x é livre para y em ϕ( px|yq) (senão alguma ocorrência ligada
de x teria sido substituı́da por y), e não ocorre livre em ϕ( px|yq) (pois todas
as ocorrências livres de x foram substituı́das por y). Assim, o que acabamos
de provar mostra que `I ∀y ϕ → ∀x ϕ, estabelecendo (1). O item (2) pode ser
tratado analogamente, completando a prova. 
O Lema 5.22 mostra que:
∗ A mudança na ordem de uma quantificação produz fórmulas logicamente
equivalentes;
∗ A substituição de uma variável ligada por outra distinta de todas as variáveis
que aparecem em uma fórmula produz uma fórmula logicamente equivalente à
original.
Os resultados acima e o fato de que a substituição de sub-fórmulas por equi-
valentes preserva equivalência, serão utéis para mostrar que é sempre possı́vel,
preservando a equivalência lógica, evitar a colisão de variáveis livres e ligadas
em uma fórmula (cf. 5.26, abaixo).
O próximo resultado descreve métodos importantes no Cálculo de Predicados
: variação de constantes e generalização. No método de variação de constantes,
desejando provar um enunciado universal, nomeamos um “elemento” por c (ou
x, etc.) e raciocinamos com c para provar a propriedade desejada. Se não utili-
zamos nenhuma propriedade especial de c, além daquelas que são consequências
das nossas hipóteses, concluimos a universalidade desejada 5. Antes do enunci-
ado formal, fixemos as seguintes convenções, onde Γ ⊆ F(L), t é um termo e x
é uma variável de L. Dizemos que:
∗ t não ocorre em Γ se t não ocorre em nenhuma fórmula de Γ;
∗ x não ocorre livre em Γ se x não possui ocorrência livre em nenhuma
fórmula de Γ.

Teorema 5.23. Seja Γ ∪ {ϕ} um conjunto de fórmulas de L e seja x uma


variável em L.
a) Se x não ocorre livre em Γ e Γ `I ϕ, então Γ `I ∀x ϕ.
b) (1) (A lei de generalização) `I ϕ ⇔ `I ∀x ϕ.
(2) (A lei de substituição) Se t é um termo livre para x em ϕ(x), então
`I ϕ ⇒ `I ϕ( px|tq).
c) Suponha que x possua ocorrências livres em ϕ e que c é uma constante de L.
Se c não ocorre em Γ e Γ `I ϕ px|cq então Γ `I ∀x ϕ.
Resultados análogos valem para o Cálculo Clássico.

5 Quantas vezes já usamos este tipo de raciocı́nio !


86 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

Prova. a) Seja B um axioma no qual x não possui ocorrência livre 6 e


seja Q uma prova de Γ `I ϕ(x). Para obter (a), adicionamos à Q as seguintes
linhas:
x. ϕ(x) última linha de Q
x + 1. ϕ(x) → (B → ϕ(x)) Axioma [CPC 1]
x + 2. B → ϕ(x) Por [MP] de (x) e (x + 1)
x + 3. B → ∀x ϕ De (x + 2), por [∀ I]
x + 4. B Axioma
x + 5. ∀x ϕ De (x + 3) e (x + 4) por [MP]
mostrando que Γ `I ∀x ϕ, como desejado. O item (1) em (b) é consequência
imediata de (a), enquanto que (2) segue do axioma [∀].
c) Seja P = {ψ 1 , . . . , ψ n } uma prova de ϕ(c) (=def ϕ( px|cq)) a partir de Γ. Por
5.7.(b) e 5.7.(c) podemos supor que Γ é finito. Seja y uma variável de L que
não ocorre em Γ ∪ P ∪ {ϕ}; y existe pois este conjunto é finito e L tem um
número infinito de variáveis 7. Como para variáveis, definimos
ψ ( pc|yq) = A fórmula obtida substituindo-se todas as ocorrências de c em ψ
por y.
Para facilitar a exposição, para k ∈ n, definimos ainda
P k = {ψ 1 ( pc|yq), . . . , ψ k ( pc|yq)}.
Com esta notação, mostraremos primeiro e por indução em k ∈ n, que P k
é uma prova de Γ `I ψ k ( pc|yq). Já que ψ n é ϕ, concluiremos que P n é uma
prova de ϕ(y) à partir de Γ, i.e.,
Γ `I ϕ(y).
Como sempre o argumento depende da razão para ψ j estar em P.
∗ ψ 1 é um axioma ou ψ 1 ∈ Γ. Se ψ 1 é instância de um axioma, é fácil verificar
que o mesmo é verdade para ψ 1 ( pc|yq); se ψ 1 ∈ Γ, como c não ocorre em Γ,
temos ψ 1 ( pc|yq) = ψ 1 ∈ Γ.
Suponha que estabelecemos que P i−1 = {ψ 1 ( pc|yq), . . . , ψ i−1 ( pc|yq)}, i ≥ 2, é
uma prova de Γ `I ψ i−1 ( pc|yq). Para completar o passo de indução, é necessário
verificar que isto é preservado quando passamos para i ≤ n. O caso em que ψ i
é uma instância de um axioma, ou uma hipótese, já foi discutido acima. Resta
saber o que acontece com as regras de dedução.
∗ ψ i vem de fórmulas anteriores por uso de [MP]. Neste caso, existem ψ j , ψ k ,
j, k < i, tal que ψ k é (ψ j → ψ i ). Mas então,
ψ k ( pc|yq) é ψ j ( pc|yq) → ψ i ( pc|yq).

6 Por exemplo, ∀x (x = x).


7 Esta é uma das vezes em que ter infinitas variáveis faz diferença !
2. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS 87

Por indução, ψ k ( pc|yq) e ψ j ( pc|yq) estão em P i−1 e portanto uma aplicação de


[MP] garante que P i é uma prova de Γ `I ψ i ( pc|yq).
∗ ψ i vem de ψ j , j < i por aplicação de [∀ I]. Neste caso, ψ i é (A → ∀z B) e ψ j
é (A → B), onde z não ocorre livre em A. Lembrando que y é distinta de z
(por construção), temos
ψ j ( pc|yq) é A( pc|yq) → B( pc|yq),
e z continua não tendo ocorrência livre em A( pc|yq). Podemos aplicar [∀ I] à
ψ j ( pc|yq) para concluir A( pc|yq) → ∀z B( pc|yq), que é justamente ψ i ( pc|yq).
Portanto, também neste caso P i é uma prova de Γ `I Pi ( pc|yq).
∗ ψ i vem de ψ j , j < i por aplicação de [∃ I]. Neste caso ψ i é ∃z A → B, ψ j é
(A → B), onde z não ocorre livre em B. O procedimento é exatamente como
no caso anterior e os detalhes são deixado aos cuidados do leitor.
Acabamos de mostrar que Γ `I ϕ(y) e y não ocorre livre em Γ. Pelo item
(a), concluimos que Γ `I ∀y ϕ(y). Já que y é distinta de todas as variáveis que
ocorriam em ϕ, o item (c).(1) do Lema 5.22 garante que `I (∀x ϕ) ↔ ∀y ϕ(y).
Assim, obtemos Γ `I ∀x ϕ, completando a demonstração. 
Como consequência do item (b) do Teorema 5.23, temos o
Corolário 5.24. Com a notação em 4.14.(b) e em 4.15.(b), se Γ ∪ {ϕ} ⊆
F(L), então
V (Γ) ∩ V (ϕ) = ∅ ⇒ Γ `I ϕ sse Γ `I ∀v ϕ ,
 

isto é, Γ prova ϕ sse Γ prova o fecho universal de ϕ. Resultado análogo vale
para o Cálculo Clássico. 
Teorema 5.25 (Substituição de Equivalentes). Sejam ϕ uma fórmula, ψ 1 , . . . , ψ k
sub-fórmulas de ϕ e {ξ 1 , . . . , ξ k } fórmulas de L. Seja ϕ∗ o resultado de substi-
tuir algumas ocorrências de cada ψ j por χj , j ∈ k. Se para todo j ∈ k, `I
ψ j ↔ χj , então `I ϕ ↔ ϕ∗ . Resultado análogo vale para o Cálculo Clássico.

Prova. É suficiente tratar do caso k = 1; o caso geral segue por indução em k


≥ 1, pois o conectivo de equivalência, ↔, é transitivo. Assim, indicaremos ψ 1
por ψ e χ1 por χ. Há duas possibilidades a discutir:
(1) ψ = ϕ. Neste caso,
(
ϕ se não há substituição;
ϕ0 =
χ se χ substituir ϕ.
Na primeira alternativa temos `I ϕ ↔ ϕ (por 5.17.(b)); na segunda, a hipótese
do enunciado garante que `I ϕ ↔ χ, estabelecendo a conclusão desejada no caso
(1). Note que a alternativa (1) estabelece o resultado para fórmulas atômicas.
88 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

(2) ψ é uma sub-fórmula própria de ϕ. Por indução na complexidade.


(2.1) ϕ = ϕ1  ϕ2 , onde  é um connectivo binário. Então, ϕ∗ = ϕ∗1  ϕ∗2 ;
pela hipótese de indução, temos `I ϕ∗i ↔ ϕi , i = 1, 2, e portanto 5.17.(d)
acarreta `I ϕ ↔ ϕ∗ .
(2.2) ϕ = ¬ ϕ1 . Então, ϕ∗ = ¬ ϕ∗1 e `I ϕ1 ↔ ϕ∗1 (a hipótese de indução) e
5.17.(h) implicam `I ¬ ϕ1 ↔ ¬ ϕ∗1 , como necessário.
(2.3) ϕ = Qx ϕ1 , onde Q é um quantificador e x é uma variável. Então ϕ∗ =
Qx ϕ∗1 e segue de 5.18.(f) e de `I ϕ1 ↔ ϕ∗1 (a hipótese de indução) que `I Qx
ϕ1 ↔ Qx ϕ∗1 ,
concluindo a demonstração. 
Corolário 5.26. Seja ϕ uma fórmula de L. Então existe ϕ∗ tal que
`I ϕ ↔ ϕ∗ , V (ϕ) = V (ϕ∗ ) e V (ϕ∗ ) ∩ V lg(ϕ∗ ) = ∅.
Um resultado análogo vale para o Cálculo Clássico.
Prova. Seja V (ϕ) ∪ V lg(ϕ) ⊆ n. Se Qx ψ é uma sub-fórmula de ϕ e y é
uma variável cujo ı́ndice está fora de n, então em particular y não ocorre em
ψ e portanto, por 5.22.(c), sabemos que `I Qy ψ px|yq ↔ Qx ψ . Já que o
conjunto das variáveis é infinito e o conjunto das sub-fórmulas de ϕ do tipo Qx
ψ é finito, é possı́vel subsituir cada uma destas sub-fórmulas por análogas, mas
com variáveis duas a duas distintas, fora de n e preservando equivalência. Se
ϕ∗ é o resultado de substituir todas as ocorências destas sub-fórmulas por suas
equivalentes, o Teorema 5.25 garante que `I ϕ ↔ ϕ∗ . Está claro da contrução
que as variáveis livres em ϕ e em ϕ∗ são as mesmas e que nenhuma variável
ocorre livre e ligada em ϕ∗ , como desejado. 
Se uma fórmula ϕ em L é tal que V (ϕ) ∩ V lg(ϕ) = ∅, dizemos que não há
choque de variáveis livres e ligadas em ϕ. O Corolário 5.26 garante que,
preservando a equivalência lógica, toda fórmula pode ser escrita sem choque de
variáveis livres e ligadas, aliás o modo usual de escrever fórmulas na prática
cotidiana.
O último resultado desta seção trata da relação entre os quantificadores,
tanto no Intuicionismo, quanto no caso Clássico.
Proposição 5.27. Se ϕ é uma fórmula de L, então
a) `I ¬ ¬ ∀x ¬ ¬ ϕ ↔ ¬ ∃x ¬ ϕ.
b) `C ∀x ϕ ↔ ¬ ∃x ¬ ϕ e `C ∃x ϕ ↔ ¬ ∀x ¬ ϕ.
Prova. a) Pelo Axioma [∀] temos `I ∀x¬ ¬ ϕ → ¬ ¬ ϕ. Logo, os itens (g)
e (h) de 5.17 acarretam `I ¬ ϕ → ¬ ∀x¬ ¬ ϕ. Como x não ocorre livre em
¬ ∀x¬ ¬ ϕ, [∃ I] implica que
`I ∃x¬ ϕ → ¬ ∀x¬ ¬ ϕ,
3. AS LEIS DA IGUALDADE 89

e uma nova aplicação da contraposição em 5.17.(h)


`I ¬ ¬ ∀x¬ ¬ ϕ → ¬ ∃x¬ ϕ,
verificando uma direção da equivalência. Para a outra, o Axioma [∃] garante
que
`I ¬ ϕ → ∃x¬ ϕ,
e assim, por contraposição (5.17.(h)), obtemos `I ¬ ∃x¬ ϕ → ¬ ¬ ϕ. Como
x não ocorre livre em ¬ ∃x¬ ϕ, a regra [∀ I] fornece `I ¬ ∃x¬ ϕ → ∀x¬ ¬ ϕ.
Pela primeira relação em 5.17.(g), temos `I ψ → ¬ ¬ ψ , de onde concluı́mos
`I ¬ ∃x¬ ϕ → ¬ ¬ ∀x¬ ¬ ϕ,
completando a prova do item (a). O item (b) segue de (a), das leis de con-
traposição em 5.17.(h) e do fato de que uma fórmula e sua dupla negação são
classicamente equivalentes (5.17.(g)). 

O leitor atento terá notado que assim que ficou claro como fazer provas
formais, passamos a lidar, como no caso Proposicional, com esquemas de argu-
mento que concluiam a existência de certas provas a partir de outras estabele-
cidas anteriormente. Um modo importante e elegante de formalizar este proce-
dimento é o Cálculo de Sequentes de Gentzen. Não faremos isto aqui; fica
a sugestão enfática que o leitor familiarize-se com este método. Uma referência
clássica8 é [Pr]. Outras referências são [Kl1] e [Kl2]. Para uma visão que se
origina em Ciência de Computação e que também inclui uma apresentação do
λ-Cálculo, veja [ST].

3. As Leis da Igualdade

Mostraremos aqui que as propriedades usuais da igualdade (simetria, tran-


sitividade) são consequência dos axiomas em 5.3. Além disso, será importante
estabelecer as regras da igualdade para termos e fórmulas em geral.
Lema 5.28. Se x, y, z são variáveis de L e u, v, w são termos de L então,
a) `I ∀x ∀y [(x = y) ↔ (y = x)].
b) `I ∀x ∀y ∀z [((x = y ∧ y = z)) → (x = z)].
c) `I u = u.
d) `I (u = v) ↔ (v = u).
e) `I [(u = v) ∧ (v = w)] → (u = w).
f ) Se R é um sı́mbolo relacional n-ário e x1 , . . . , xn , y1 , . . . , yn são variáveis em
L, então
`I [(x1 = y1 ) ∧ . . . ∧ (xn = yn )] → [R(x1 , . . . , xn ) ↔ R(y1 , . . . , yn )].
8 E ótima, embora nem sempre fácil de encontrar ...
90 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

g) Se f é um sı́mbolo relacional n-ário e x1 , . . . , xn , y1 , . . . , yn são variáveis em


L, então 9
`I [(x1 = y1 ) ∧ . . . ∧ (xn = yn )] → [f (y1 , . . . , yn ) = f (x1 , . . . , xn )].

Prova. a) Por [equ 3] temos, com x = x no lugar de R(·),


`I [(x = y) ∧ (x = x)] → (y = x)
que pela adjunção em 5.11.(c) é equivalente a
(I) `I (x = x) → [(x = y) → (y = x)].
Já que x = x é axioma ([= 1]), (I) fornece `I (x = y) → (y = x). Analogamente,
de [= 3] obtemos
`I [(y = x) ∧ (y = y)] → (x = y),
e método utilizado acima fornece `I (y = x) → (x = y), estabelecendo `I (x
= y) ↔ (y = x). O item (a) é agora conseqência da lei de generalização em
5.23.(b).
b) Pelo axioma [equ 3], com y = z no lugar de R(y, z), temos
(II) `I [(y = x) ∧ (z = z) ∧ (y = z)] → (x = z).
Uma vez que z = z é axioma, (II) implica
(III) `I [(y = x) ∧ (y = z)] → (x = z).
Pelo item (a), `I (y = x) ↔ (x = y) e portanto o Teorema 5.25, da substituição
de equivalentes, fornece `I [(x = y) ∧ (y = z)] → (x = z) e o item (b) segue
imediatamente por generalização.
c) Seja x uma variável que não ocorre em u; então u é livre para x em x = x, e
os axiomas [= 1] e [∀] implicam `I u = u.
d) Sejam x e y variáveis distintas e que não ocorrem nem em u, nem em v.
Então u e v são livres para x e y, respectivamente, em ϕ(x, y) = (x = y) ↔
(y = x). Assim, segue de (b) e de duas aplicações do axioma [∀] que `I (u =
v) ↔ (v = u). Método análogo prova o item (e).
f) O axioma [= 3] e a adjunção em 5.11.(e) garantem que
(
(i) `I [(x1 = y1 ) ∧ . . . ∧ (xn = yn )] → [R(x1 , . . . , xn ) → R(y1 , . . . , yn )];
(IV)
(ii) `I [(y1 = x1 ) ∧ . . . ∧ (yn = xn )] → [R(y1 , . . . , yn ) → R(x1 , . . . , xn )].
Já que para todo k ∈ n, temos `I (xk = yk ) ↔ (yk = xk ), a conclusão desejada
segue dos itens (i) e (ii) de (IV). O item (g) é análogo e deixado aos cuidados
do leitor. 
O Lema 5.28 e a substituição de equivalentes (5.25) nos permitem escrever
a igualdade entre variáveis e/ou termos na ordem que for mais conveniente;
9 Note a diferença com o enunciado em [= 2].
3. AS LEIS DA IGUALDADE 91

além disso, o seu item (f) mostra que a substituição por iguais acarreta a equi-
valência lógica para fórmulas atômicas. Veremos abaixo que isto vale, em uma
forma bem geral, para todas as fórmulas.
Corolário 5.29. Sejam f um sı́mbolo relacional n-ário, R um sı́mbolo
relacional n-ário e u1 , . . . , un , w1 , . . . , wn termos em L. Então,
Vn
a) `I j=1 (uj = wj ) → [R(u1 , . . . , un ) ↔ R(w1 , . . . , wn )].
Vn
b) `I j=1 (uj = wj ) → [f (u1 , . . . , un ) = f (w1 , . . . , wn )].

Prova. a) Sejam x1 , . . . , xn , y1 , . . . , yn variáveis distintas e diferentes de todas


as que ocorrem em uk e em wk , k ∈ n. Então, cada uk e cada wk , é livre,
respectivamente, para xk e yk , k ∈ n, na fórmula
Vn
ϕ(x1 , . . . , xn , y1 , . . . , yn ) = j=1 (xk = yk ) → [R(x1 , . . . , xn ) ↔
R(y1 , . . . , yn )].
Por 5.28.(f) e a lei de generalização (5.23.(b)), temos (com a notação em 4.15.(b)),
(I) `I ∀x ∀y ϕ(x1 , . . . , xn , y1 , . . . , yn ).
A conclusão desejada é imediata a partir de (I) e do axioma [∀]. A prova de (b)
é analóga e deixada aos cuidados do leitor. 
Proposição 5.30. a) Seja τ (v1 , . . . , vn ) um termo em L, e sejam z1 , . . . , zn
variáveis em L. Então,
`I [(v1 = z1 ) ∧ . . . ∧ (vn = zn )] → [τ (v1 , . . . , vn ) = τ (z1 , . . . , zn )].
b) Sejam ϕ uma fórmula em L, x, y variáveis em L, com y livre para x em ϕ.
Então,
`I (x = y) → [ϕ ↔ ϕ( px|yq)].
c) (Leibnitz) Seja ϕ(v1 , . . . , vn ) uma fórmula em L e sejam z1 , . . . , zn variáveis
em L. Se zk é livre para vk em ϕ, para todo k ∈ n, então
`I [(v1 = z1 ) ∧ . . . ∧ (vn = zn )] → [ϕ(v1 , . . . , vn ) ↔ ϕ(z1 , . . . , zn )].

Prova. a) Por indução na complexidade dos termos; se τ é uma variável, τ =


vk , para algum k ∈ n, então τ ( pvk |zk q) = zk e temos
Vn
`I j=1 (vj = zj ) → (vk = zk ),
e a conclusão desejada é consequência da transitividade da implicação. Se τ
é uma constante
Vn c, então τ (z1 , . . . , zn ) = c; por 5.28.(c), temos `I c = c;
logo, `I j=1 (vj = zj ) → (c = c).
Para o último passo da indução, sejam g um sı́mbolo funcional m-ário e
tj (v1 , . . . , vn ), j ∈ m, termos em L tais que τ = g(t1 , . . . , tm ). A hipótese de
indução garante que para cada k ∈ m temos
Vn
`I j=1 (vj = zj ) → [tk (v1 , . . . , vn ) = tk (z1 , . . . , zn )].
92 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

Mas então 5.11.(h) (aplicado n vezes) acarreta


Vn Vn
`I j=1 (vj = zj ) → j=1 tk (v1 , . . . , vn ) = tk (z1 , . . . , zn ).
Pelo item (b) do Corolário 5.29 sabemos que,
Vn
`I j=1 (tk (v) = tk (z)) → [g(t1 (v), . . . , tm (v)) = g(t1 (z), . . . , tm (z)],
e a transitividade da implicação fornece a conclusão desejada, encerrando a
indução e estabelecendo (a).
b) A demonstração será por indução na complexidade. Se ϕ é atômica, então
ϕ = R(t1 , . . . , tm ), onde R é um sı́mbolo relacional m-ário e tk são termos em
L, k ∈ n. Como no item (a), temos:
Vm
(1) `I x = y → j=1 (tj (x) = tj (y));
Vm
(2) `I j=1 (tj (x) = tj (y)) → [R(t1 (x), . . . , tm (x)) ↔ R(t1 (y), . . . ,
tm (y))],
com (2) sendo consequência do item (a) do Corolário 5.29. De (1), (2) e a
transitividade da implicação obtemos a conclusão desejada no caso de ϕ ser
atômica. Se ϕ = ¬ ψ e o resultado vale para ψ , o item (h) de 5.17 garante que
`I [ψ (v) ↔ ψ (z)] → [¬ ψ (v) ↔ ¬ ψ (z)],
e a transitividade da implicação e a hipótese de indução acarretam a veracidade
da conclusão para ϕ. Analogamente, o passo de indução através dos conectivos
é consequência da hipótese de indução e do item (d) de 5.17.
Suponha que ϕ = Qz ψ , onde Q = ∀, ∃. Note que z deve ser distinta de y,
caso contrário, y não seria livre para x em ϕ. Resta discutir duas possibilidades:
(3) z = x : Neste caso, x não tem ocorrências livres em ϕ, de modo que ϕ( px|yq)
= ϕ; logo a conclusão desejada seque de `I ϕ ↔ ϕ( px|yq) (5.17.(b));
(4) z 6= x, y : Neste caso, ϕ = Qz ψ (z, x) e temos ϕ( px|yq) = Qz ψ (z,
px|yq); a hipótese de indução garante que
`I x = y → [ψ (z, x) ↔ ψ (z, px|yq)].
Assim, lembrando a adjunção em 5.11.(e), obtemos
(
(I) `I [(x = y) ∧ ψ (z, x)] → ψ (z, px|yq);
(II) `I [(x = y) ∧ ψ (z, px|yq)] → ψ (z, x).
Agora daremos o argumento para cada tipo de quantificador.
(4.1) Q = ∀ : Pelo axioma [∀] temos `I ∀z ψ (z, x) → ψ (z, x) e portanto
5.17.(m) e (I) garantem que
(III) `I [(x = y) ∧ ∀z ψ (z, x)] → [(x = y) ∧ ψ (z, px|yq)].
Agora (I), (III) e a transitividade da implicação (ou a regra do corte) fornecem
(IV) `I [(x = y) ∧ ∀z ψ (z, x)] → ψ (z, x).
3. AS LEIS DA IGUALDADE 93

Uma vez que z não ocorre livre no antecedente de (IV), a regra [∀ I] acarreta
`I [(x = y) ∧ ∀z ψ (z, x)] → ∀z ψ (z, px|yq),
que pela adjunção em 5.11.(e) é equivalente a
`I (x = y) → [∀z ψ (z, x) → ∀z ψ (z, px|yq)].
De modo inteiramente análogo e utilizando (II) estabelecemos
`I (x = y) → (∀z ψ (z, px|yq) → ∀z ψ (z, x)),
completando o passo de indução no caso em que Q = ∀.
(4.2) Q = ∃ : Pelo axioma [∃] temos `I ψ (z, px|yq) → ∃z ψ (z, px|yq).
Assim, a transitividade da implicação e (I) fornecem
(V) `I [(x = y) ∧ ψ (z, x)] → ∃z ψ (z, px|yq).
Como z não ocorre livre no consequente de (V), a regra [∃ I] implica
(VI) `I ∃z ((x = y) ∧ ψ (z, x)) → ∃z ψ (z, px|yq).
Já que o item (2) de 5.18.(b) garante que
`I ∃z((x = y) ∧ ψ (z,x)) ↔ [(x = y) ∧ ∃z ψ (z, x)]
de (VI) concluı́mos que `I [(x = y) ∧ ∃z ψ (z, x)] → ∃z ψ (z, px|yq), que
é equivalente (por 5.11.(e)) a
`I (x = y) → [∃z ψ (z, x) → ∃z ψ (z, px|yq)].
Analogamente, de (II) obtemos
`I (x = y) → [∃z ψ (z, px|yq) → ∃z ψ (z, x)],
completando o passo de indução pelos quantificadores e a prova de (b).
c) Por indução em n ≥ 1. O passo n = 1 é justamente o item (b). Assuma
o resultado verdadeiro para n ≥ 1 e sejam v1 , . . . , vn , vn+1 e z1 , . . . , zn , zn+1
variáveis nas condições do enunciado. Então,
Vn+1 Vn
(VII) `I j=1 (v j = zj ) → j=1 (vj = zj ) ∧ (vn+1 = zn+1 ).
Seja ϕ0 (vn+1 ) = ϕ(z1 , . . . , zn , vn+1 ); então, a hipótese de indução e o caso n
= 1 acarretam
( Vn
(1) `I ϕ
j=1 (vj = zj ) → [ (v1 , . . . , vn , vn+1 ) ↔
ϕ0 (vn+1 )]
(VIII)
(2) `I (vn+1 = zn+1 ) → [ϕ0 (vn+1 ) ↔ ϕ0 (zn+1 )].
De (VII), (VIII) e 5.17.(m), obtemos
Vn+1
`I ϕ
j=1 (vj = zj ) → [( (v1 , . . . , vn , vn+1 ) ↔
ϕ0 (vn+1 )) ∧ (ϕ0 (vn+1 ) ↔
ϕ0 (zn+1 ))],
Vn+1
que claramente implica `I j=1 (vj = zj ) → [ϕ(v1 , . . . , vn , vn+1 ) ↔
ϕ0 (zn+1 )]. Já que ϕ0 (zn+1 ) = ϕ(z1 , . . . , zn , zn+1 ), completamos o passo de indução,
encerrando a prova. 
94 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

O item (c) de 5.30 denomina-se lei da igualdade de Leibnitz, já menci-


onada anteriormente: entes iguais devem ter as mesmas propriedades; 5.30.(c)
será generalizado para termos no item (d) do Teorema 5.32.
Há uma forma usual de substituir iguais que ainda não foi formalmente
justificada. Como um exemplo considere o termo da linguagem dos anéis La
(4.4),
t = x2 y + y.
Suponhamos que τ seja um termo em La e que tenhamos estabelecido que τ =
y. Consideramos lı́cito concluir qualquer uma das igualdades abaixo:
t = x2 τ + y; t = x2 y + τ ; t = x2 τ + τ .
No entanto, apenas a última − a substituição de todas as ocorrências de y por
τ − está justificada pelos resultados que temos até agora.
Questão análoga está colocada para fórmulas: justificar a substituição só de
algumas ocorrências de uma variável por um termo que lhe seja igual, preser-
vando a equivalência lógica. Os últimos resultados desta seção justificam esta
prática corrente, sendo, análogos, para a igualdade, do Teorema 5.25, da subs-
tituição de equivalentes. Além disso, estes resultados, especialmente o Teorema
5.32, fornecem formas gerais da lei da igualdade de Leibnitz.
Proposição 5.31. a) Sejam τ um termo de L, u1 , . . . , un subtermos de
τ e w1 , . . . , wn termos de L. Seja b τ o resultado de substituir algumas das
ocorrências de cada uk por wk , k ∈ n. Então,
Vn 
`I k=1 (uk = w k ) → (τ = b τ ).
b) Sejam ϕ uma fórmula atômica, u1 , . . . , un termos que ocorrem em ϕ e w1 , . . . , wn
termos em L. Seja ϕ b resultado de substituir algumas das ocorrências de cada
uk por wk , k ∈ n. Então
Vn
→ (ϕ ↔ ϕ

`I k=1 (u k = w k ) b ).
c) Sejam ϕ uma fórmula atômica, x uma variável e τ , t termos em L. Sejam
ϕ∗ e ϕ\ os resultados de substituir um subconjunto fixado das ocorrências livres
de x em ϕ por τ e t, respectivamente. Então, `I (τ = t) → (ϕ∗ ↔ ϕ\ ).

Prova. a) Prova indução na complexidade dos termos.


(1) Se τ é uma variável x ou uma constante, então τ = u1 e há duas possibili-
dades:

τ se não houver substituição;
τ =
b
w1 se houver substituição.
Se não há substituição então b
τ = τ e o resultado é consequência imediata de
5.28.(c). Se houver substituição, então (τ = bτ ) é a fórmula u1 = w1 . Já que
temos
3. AS LEIS DA IGUALDADE 95
Vn
`I k=1 (uk = vk ) → (u1 = w1 ),
a conclusão desejada é válida no caso (1).
(2) τ = g(t1 , . . . , tm ), onde g é um sı́mbolo funcional n-ário e t1 , . . . , tm são
termos em L. O caso em que τ = u1 pode ser tratado como em (1). Resta
o caso em que as substituições são feitas nos t1 , . . . , tm , ou seja, temos b τ =
g(b t m ). A hipótese de indução garante que para cada j ∈ m temos
t 1, . . . , b
Vn
`I k=1 (uk = wk ) → (tj = t j ),
b
e portanto concluı́mos que (por aplicações sucessivas do axioma [CPC 3])
Vn Vm
(*) `I k=1 (uk = w k ) → j=1 (tj = t j ).
b
Do item (b) do Corolário 5.29 obtemos
Vm
`I j=1 (tj = tj ) → [g(t1 , . . . , tm ) = g(t 1 , . . . , t m )].
b b b
Logo, (*) e a transitividade da implicação fornecem, lembrando que b
τ = g(b
t 1,
..., b
t m ),
Vn
`I k=1 (uk = wk ) → [τ = b τ ],
estabelecendo (a).
b) O caso em que R é o sı́mbolo da igualdade segue do item (a). Podemos,
portanto, supor que ϕ = R(t1 , . . . , tm ), com R um sı́mbolo relacional m-ário
(distinto de =) e onde t1 , . . . , tm são termos em L. Assim,
ϕ
b = R(b t 1, . . . , b
t m ),
onde b
t j é o resultado de substituir algumas das ocorrências de ukVem tj por wk
n
(j ∈ m, k ∈ n). Pelo item (a), para cada j ∈ m temos `I k=1 (uk =
wk ) → (tj = b t j ), e portanto concluı́mos que
Vn Vm
(I) `I k=1 (uk = w k ) → j=1 (tj = t j ).
b
Pelo Corolário 5.29.(a) sabemos que
Vm
(II) `I j=1 (tk = t k ) → [R(t1 , . . . , tm ) ↔ R(t 1 , . . . , t m )].
b b b
Logo, (I), (II) e a regra do corte (ou a transitidade da implicação) implicam
Vn
`I k=1 (uk = wk ) → [R(t1 , . . . , tm ) ↔ R(t 1 , . . . , t m )],
b b
como desejado.
c) Se ϕ∗ é o resultado de substituir um subconjunto fixado das ocorrências de
livres x em ϕ por τ , então ϕ\ é o resultado de substituir estas mesmas ocorrências
c∗ = ϕ\ . Portanto, a conclusão segue imediatemente do
de τ por t, isto é, ϕ
item (b), encerrando a demonstração. 

Teorema 5.32 (As leis da igualdade de Leibnitz). a) Sejam ϕ uma fórmula


de L e x uma variável e τ , t termos em L, livres para x em ϕ. Sejam ϕ∗ e
96 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

ϕ\ os resultados de substituir um subconjunto fixado das ocorrências livres de


x em ϕ por τ e t, respectivamente. Então,
`I (τ = t) → [ϕ∗ ↔ ϕ\ ].
b) Sejam ϕ uma fórmula e v1 , . . . , vn variáveis distintas em L. Sejam τ 1 , . . . , τ n ,
t1 , . . . , tn termos em L, tais que para todo k ∈ n, τ k e tk são livres para vk em ϕ.
Sejam ϕ∗ e ϕ\ os resultados de substituir um subconjunto fixado das ocorrências
livres de cada vk em ϕ por τ k e tk , respectivamente, k ∈ n. Então,
Vn
→ (ϕ∗ ↔ ϕ\ ).

`I k=1 (τ k = tk )
c) Sejam ϕ uma fórmula e v1 , . . . , vn variáveis distintas em L. Sejam τ 1 , . . . , τ n
termos em L tais que para todo k ∈ n, τ k é livre para vk em ϕ. Seja ϕ∗ o
resultado de substituir algumas das ocorrências livres de cada vk em ϕ por τ k ,
k ∈ n. Então,
Vn
→ (ϕ∗ ↔ ϕ).

`I k=1 (v k = τ k )
d) Sejam ϕ uma fórmula e v1 , . . . , vn variáveis distintas em L. Sejam τ 1 , . . . , τ n ,
t1 , . . . , tn termos em L, tais que para todo k ∈ n, τ k e tk são livres para vk em
ϕ. Então,
Vn
→ (ϕ(τ 1 , . . . , τ n ) ↔ ϕ(t1 , . . . , tn )).

`I k=1 (τ k = t k )

Prova. a) Por indução na complexidade. O caso em que ϕ é atômica foi tratado


no item (c) da Proposição 5.31. Suponha que ϕ = χ  ξ, com  um conectivo
binário, e que o resultado vale para χ, ξ. Então, ϕ∗ = χ∗  ξ ∗ , ϕ\ = χ\  ξ \ e
temos
`I (τ = t) → (χ∗ ↔ χ\ ) e `I (τ = t) → (ξ ∗ ↔ ξ \ ).
Logo, `I (τ = t) → [(χ∗ ↔ χ\ ) ∧ (ξ ∗ ↔ ξ \ )]. Mas então 5.17.(d)
e a regra do corte acarretam
`I (τ = t) → [(χ∗  ξ ∗ ) ↔ (χ\  ξ \ )],
completando o passo de indução pelos conectivos binários. O passo de indução
pela negação pode ser tratado por argumento análogo, usando 5.17.(h).
O argumento para o passo de indução dos quantificadores é análogo ao usado
na prova do item (b) da Proposição 5.30. Suponha que ϕ = Qz ψ e que ψ
verifica a conclusão do enunciado. Observe que:
∗ z não pode ser nenhuma das variáveis que ocorrem em τ ou em t, caso contrário
τ e t não seriam livres para x em ϕ;
∗ Se z é x, então todas as ocorrências de x em ϕ são ligadas; logo, ϕ = ϕ∗ = ϕ\
e a conclusão desejada é consequência imediata da lei da identidade, `I ϕ∗
↔ ϕ\ (5.17.(b)).
Resta o caso em que z é distinta de x e de todas as variáveis que ocorrem em τ e em t
Neste caso, temos
3. AS LEIS DA IGUALDADE 97

ϕ∗ = Qz ψ ∗ (z) e ϕ\ = Qz ψ \ (z).
A hipótese de indução garante que
∗ \
`I (τ = t) → [ψ (z) ↔ ψ (z)],
o que sabemos ser equivalente a
( \ ∗
(III) `I [(τ = t) ∧ ψ (z)] → ψ (z); e
∗ \
(IV) `I [(τ = t) ∧ ψ (z)] → ψ (z).
∗ ∗
Caso em que Q = ∃ : Pelo axioma [∃] temos `I ψ (z) → ∃z ψ ; logo, (III) e
a regra do corte acarretam
\ ∗
(V) `I [(τ = t) ∧ ψ (z)] → ∃z ψ .
Uma vez que z não ocorre livre no consequente de (V), a regra [∃ I] implica
\ ∗
(VI) ∃z [(t = τ ) ∧ ψ (z)] → ∃z ψ .
Já que z não ocorre em (τ = t), o item (2) do Teorema 5.18.(b) garante que
   
\ \
(VII) `I ∃z [(τ = t) ∧ ψ (z)] ↔ (τ = t) ∧ ∃z ψ (z) .
\ ∗
De (VI) e (VII) concluı́mos que `I [(τ = t) ∧ ∃z ψ ] → ∃z ψ , que é
equivalente a
\ ∗
`I (τ = t) → (∃z ψ → ∃z ψ ).
∗ \
Método análogo, utilizando (IV), fornece `I (τ = t) → (∃z ψ → ∃z ψ ),
completando a prova do passo de indução pelo quantificador existencial.
O leitor deve ter observado a completa analogia entre a prova apresentada
acima e aquela do item (4.2) da Proposição 5.30. O caso em Q = ∀ é semelhante:
pode ser tratado como no item (4.1) da demonstração de 5.30, sendo deixado
aos cuidados do leitor.
b) A prova é por indução em n ≥ 1, o caso n = 1 tendo sido estabelecido no item
(a). O argumento é o mesmo que o do item (c) da Proposição 5.30 e deixado
como Exercı́cio para o leitor.
O item (c) é um caso particular de (b), pois se tk = vk então ϕ\ (o resultado
de substituir vk por si mesma) é a própria ϕ. Lembrando que ϕ(u1 , . . . , un )
indica a fórmula obtida pela substituição de todas as ocorrências livres de cada
vk pelo termo uk , está claro que (d) também é um caso particular de (b). Isto
encerra a demonstração. 

Corolário 5.33. Sejam ϕ(x) uma fórmula e τ um termo de L. Se x não


ocorre em τ , então
`I ϕ( px|τ q) ↔ ∃x (x = τ ∧ ϕ).
98 5. TEORIA DA PROVA DO CÁLCULO DE PREDICADOS

Prova. Pelo Teorema 5.32.(c), temos


`I (x = τ ) → (ϕ ↔ ϕ( px|τ q).
Pela adjunção em 5.11.(e), obtemos.
`I [(x = τ ) ∧ ϕ] → ϕ( px|τ q).
Já que x não ocorre em τ , x não ocorre livre em ϕ( px|τ q) e portanto a regra
[∃ I] implica
(*) `I ∃x [(x = τ ) ∧ ϕ] → ϕ( px|τ q).
Seja ψ (x) = [x = τ ∧ ϕ(x)]. Então, τ é livre para x em ψ e temos
ψ ( px|τ q) = [τ = τ ∧ ϕ( px|τ q)].
O axioma [∃] fornece `I ψ ( px|τ q) → ∃x ψ , ou seja
(**) `I [(τ = τ ) ∧ ϕ( px|τ q)] → ∃x (x = τ ∧ ϕ).
Como `I τ = τ (5.28.(c)), de (**) e da adjunção em 5.11.(e) concluı́mos
`I ϕ( px|τ q) → ∃x (x = τ ∧ ϕ),
que, juntamente com (*), completa a demonstração. 
CAPı́TULO 6

Teorias de Primeira Ordem. Teorias de Henkin

Seja L um linguagem de Primeira Ordem com Igualdade. A primeira seção


deste Capı́tulo generaliza para L os resultados do Capı́tulo 2 da Parte I. Na
segunda seção, discutiremos a construção da extensão de Henkin de uma teoria
consistente, que será instrumento fundamental para provar uma forma forte do
Teorema de Completude do Cálculo de Predicados Clássico.

1. Fecho Dedutivo. Teorias Primas e Completas

Muitos dos resultados desta seção são análogos, com provas também análogas,
dos apresentados no Capı́tulo 2. Por isso, muitos detalhes serão deixados aos cui-
dados do leitor. Quando não houver indicação expressa ao contrário, o sı́mbolo
` indica tanto a consequência lógica Intuicionista, quanto Clássica.
Lembramos que Sent(L) indica o conjunto das sentenças em L, isto é, das
fórmulas sem variáveis livres (cf. 4.15).
Definição 6.1. Para Γ ⊆ Sent(L), definimos
Γ = {ϕ ∈ Sent(L) : Γ ` ϕ},
denominado fecho dedutivo de Γ em Sent(L).
Proposição 6.2. Se Γ ∪ ∆ ⊆ Sent(L), então, com a notação em 6.1,
temos:
a) Γ ⊆ Γ. b) Γ ⊆ ∆ ⇒ Γ ⊆ ∆. c) Γ = Γ.

Prova. O item (a) segue de 5.7.(a), enquanto que o item (b) é consequência
imediata da persistência (5.7.(b)). A prova de que Γ ⊆ Γ é idêntica a de 2.2, com
a aplicação da Regra do Corte em 1.10 substituı́da pelo resultado correspondente
no Cálculo de Predicados, 5.9. 
Observação 6.3. Como no caso Proposicional, o fecho dedutivo de um
conjunto de fórmulas é uma operação,
· : 2Sent(L) −→ 2Sent(L) ,
que é inflacionária (6.2.(a)), crescente (6.2.(b)) e idempotente (6.2.(c)). 
Definição 6.4. Seja Γ ⊆ Sent(L).
a) Γ é inconsistente se para alguma fórmula χ em F(L), χ ∧ ¬ χ ∈ Γ.
Dizemos que Γ é consistente se não for inconsistente.

99
100 6. TEORIAS DE PRIMEIRA ORDEM. TEORIAS DE HENKIN

b) Γ é próprio se Γ 6= Sent(L); caso contrário, dizemos que Γ é trivial.

Como no caso Proposicional temos o


Lema 6.5. Tanto no caso do Cálculo Clássico, quanto no Intuicionista, se
Γ ⊆ Sent(L), então Γ é inconsistente ⇔ Γ é trivial. Em particular,
a) Γ é consistente ⇔ Γ é consistente.
b) Γ é inconsistente ⇔ Para toda χ em F(L), Γ `I χ ∧ ¬ χ.

Prova. Exercı́cio para o leitor. 


Os comentários registrados na Observação 2.8 permanecem válidos aqui, pois
há versões paraconsistentes do Cálculo de Predicados, para as quais o leitor
poderá consultar [CCO].
Outro resultado análogo ao Proposicional (2.9) é
Proposição 6.6 (Extensão consistente). Seja Γ ∪ {ξ} ⊆ Sent(L).
a) No Cálculo Intucionista, ¬ ξ 6∈ Γ ⇔ Γ ∪ {ξ} é consistente.
b) No Cálculo Clássico, ξ 6∈ Γ ⇔ Γ ∪ {¬ ξ} é consistente.

Prova. a) Para provar a implicação (⇒), suponha, por absurdo, que Γ ∪


{ξ} é inconsistente. Então, para alguma fórmula χ, Γ, ξ `I χ ∧ ¬ χ. A lei
da contraposição (5.17.(h)) e Teorema da Dedução (5.19; ξ é uma sentença)
fornecem Γ `I ¬ (χ ∧ ¬ χ) → ¬ ξ; portanto, 1.28.(b), 5.17.(a.1) e persistência
(5.7.(b)) garantem que Γ ` ¬ ξ, contrariando a hipótese que ¬ ξ 6∈ Γ. Para
a recı́proca note que se Γ `I ¬ ξ, então a persistência e a definição de fecho
dedutivo garantem que Γ, ξ `I ξ, ¬ ξ, isto é, por 5.7.(e), Γ, ξ `I ξ ∧ ¬ ξ, e Γ ∪
{ξ} seria inconsistente, estabelecendo (a).
Para (b), basta aplicar o item (a) a ¬ ¬ ξ (que é uma sentença equivalente a
ξ no Cálculo Clássico) para obter, a equivalência enunciada. 
Definição 6.7. a) Uma teoria em L é um conjunto de sentenças em L, T ,
tal que T = T , isto é, T é fechado por consequência sintática em Sent(L).
b) Uma teoria T é:
(1) prima se for própria e para toda σ, σ 0 ∈ Sent(L)
σ ∨ σ0 ∈ T ⇒ σ∈T ou σ 0 ∈ T .
(2) maximal se for própria e para toda teoria T 0 em L,
T ⊆ T0 ⇒ T = T 0 ou T 0 = Sent(L).
T
Exercı́cio 6.8. a) Se Ti , i ∈ I, é um conjunto de teorias em L, então i∈I
Ti é uma teoria, que é própria ou consistente se alguma Ti for, respectivamente,
própria ou consistente.
1. FECHO DEDUTIVO. TEORIAS PRIMAS E COMPLETAS 101

b) Se Γ ⊆ ∆ ⊆ Σ(L) então
(1) Γ é inconsistente ⇒ ∆ é inconsistente. (2) ∆ é consistente ⇒ Γ é
consistente.
c) Para Γ ⊆ Sent(L), mostre que
T
Γ = {T ⊆ Sent(L) : T é uma teoria em L e Γ ⊆ T }.
Assim, Γ é a menor (na ordem parcial da inclusão) teoria que contém Γ.
d) Se {Ti : i ∈ I} é um conjunto de teorias dirigido para cima pela inclusão,
isto é,
Para todo i, j ∈ I, existe k ∈ I tal que Ti ∪ Tj ⊆ Tk ,
S
então i∈I Ti é uma teoria, que é consistente se cada Ti o for.
No Cálculo Clássico, teorias primas e maximais coincidem:
Lema 6.9. Se T é uma teoria, então no Cálculo Clássico, as seguintes
condições são equivalentes:
(1) T é prima; (2) Para toda σ ∈ Sent(L), σ ∈ T ou ¬ σ ∈ T ;
(3) T é maximal.
Prova. (1) ⇒ (2) : Como para toda σ ∈ Sent(L), temos `C σ ∨ ¬ σ (a lei
do terceito excluı́do; 5.17.(k)) e T é uma teoria, concluı́mos que σ ∨ ¬ σ ∈ T .
Agora, o fato de que T é prima imediatamente fornece (2).
(2) ⇒ (3) : É suficiente mostrar que toda teoria que contém T propriamente
é trivial, ou equivalentemente, é inconsistente (6.5). Se T está propriamente
contida em uma teoria T 0 , então para alguma sentença ψ , temos ψ ∈ (T 0 \ T ).
Já que ψ 6∈ T , (2) garante que ¬ ψ ∈ T ⊆ T 0 e portanto ψ , ¬ ψ ∈ T 0 ; logo, T 0 é
inconsistente, como desejado.
(3) ⇒ (1) : Suponha que T é maximal e que para sentenças ϕ, ψ tenhamos ϕ
∨ ψ ∈ T . Se ϕ ∈ T , nada a provar. Se ϕ 6∈ T , então 6.6.(b) garante que T ∪
{¬ ϕ} é consistente e portanto própria. Como T ⊆ T ∪ {¬ ϕ} e T é maximal,
concluı́mos que T = T ∪ {¬ ϕ}; em particular, uma vez que T é uma teoria,
obtemos ¬ ϕ ∈ T . Agora, (ϕ ∨ ψ ) ∈ T e 5.17.(l) implicam ψ ∈ T , mostrando
que T é prima e completando a prova. 
Observação 6.10. Devido à equivalência entre os itens (2) e (3) em 6.9,
muitos autores chamam uma teoria maximal no Cálculo Clássico de teoria
completa, prática que passaremos a adotar. 
Vejamos alguns exemplos importantes de teorias.
6.11. Se L é uma linguagem de primeira ordem com igualdade e τ i , i = 1,
2, 3, são termos em L, adotaremos a seguinte convenção notacional, usual em
textos matemáticos:
102 6. TEORIAS DE PRIMEIRA ORDEM. TEORIAS DE HENKIN

τ1 = τ2 = τ3 é uma abreviação da fórmula (τ 1 = τ 2 ∧ τ 2 = τ 3 ).


(1) A teoria dos grupos, Grp, é o fecho dedutivo, na linguagem dos grupos,
Lg , das sentenças [G i], i = 1, 2, 3 em 4.2.
É bem conhecido − e raramente provado − que se uma operação binária
verifica
[G 1] : ∀x∀y∀z [x ∗ (y ∗ z) = (x ∗ y) ∗ z],
isto é, se ∗ é assocciativa, então não importa o modo como colocamos parenteses
em um “produto” de n ≥ 3 variáveis ou termos. Ou seja, se n ≥ 3 é um natural,
τ 1 , . . . , τ n são termos e E1 (τ 1 , . . . , τ n ), E2 (τ 1 , . . . , τ n ) são maneiras distintas de
associar os τ 1 , . . . , τ n 1, então
[gass] [G 1] `I E1 (τ 1 , . . . , τ n ) = E2 (τ 1 , . . . , τ n ).
Para uma prova de caráter bem geral de [gass], veja A.29. Este fato é que
justifica a omissão de parenteses ao escrever um “produto” de 3 ou mais termos
pela operação ∗. Em particular, τ n é igual a todas as outras maneiras de associar
n cópias τ .
Como é usual, na presença de axiomas que garantam a associatividade de
uma operação binária, adotaremos, se não houver risco de confusão, a omissão
de parênteses em expressões envolvendo esta operação.
Duas observações merecem menção:
∗ Uma parte considerável das teorias correntes envolvem operações associativas
− mesmo na Lógica: módulo equivalência, ∧ e ∨ são associativos (cf. Exercı́cio
1.38);
∗ Há teorias muito importantes em que as operações fundamentais não são as-
sociativas. Além de uma área clássica da Matemática, denominada Álgebra
Não-Associativa, há exemplos interessantes na Lógica: o conectivo de equi-
valência, ↔, é associativo na Lógica Clássica, mas não é associativo na Lógica
Intuicionista. Aliás, é possı́vel mostrar que, na presença dos demais axiomas,
a associatividade de ↔ implica o axioma [CP100 ], isto é, a Lógica tem que
ser Clássica. Recomendamos ao leitor a construção de uma prova destes fatos
acerca do conectivo de equivalência.
2) A teoria dos grupos Abelianos ou comutativos, AbGrp, é o fecho
dedutivo, na linguagem dos grupos, das sentenças [G i], i = 1, 2, 3, juntamente
com a sentença
[Ab] : ∀x∀y (x ∗ y = y ∗ x).
A teoria Grp está propriamente contida em AbGrp: a sentença [Ab] não é
consequência lógica dos axiomas de grupo, pois existem grupos não-Abelianos.
1 Isto é, modos distintos de colocar parênteses na expressão τ ∗ . . . ∗ τ , que, por sinal, não é um termo.
1 n
1. FECHO DEDUTIVO. TEORIAS PRIMAS E COMPLETAS 103

No momento, este argumento apoia-se na nossa experiência, mas não se trata


de uma prova deste fato.
3) A teoria dos anéis com unidade, An, é o fecho dedutivo das seguintes
sentenças na linguagem dos anéis, La = {+, ·, 0, 1}, de 4.4 :
[+ 1] : ∀x∀y (x + y = y + x); [+ 2] : ∀x∀y∀z [x + (y + z) = (x + y) +
[+ 3] : ∀x (x + 0 = 0 + x = x); [+ 4] : ∀x∃y (x + y = y + x = 0);
[· 1] : ∀x∀y∀z [x(yz) = (xy)z]; [· 2] : ∀x [x · 1 = 1 · x = x],
e [D] : ∀x∀y∀z [x(y + z) = (xy + xz)].
4) A teoria dos anéis comutativos com unidade, AnC, é o fecho dedutivo
na linguagem La dos anéis, das teoria dos anéis com unidade descrita no item
(3), juntamente com a sentença
[· 3] : ∀x∀y (xy = yx).
5) A teoria dos anéis parcialmente ordenados, AnCpo, é o fecho dedutivo
na linguagem dos anéis ordenados, Lao = {+, ·, ≤, 0, 1}, de 4.4, da teoria dos
anéis comutativos com unidade, descrita em (4), juntamente com as seguintes
sentenças, cujo conteúdo é que ≤ é uma ordem parcial, que respeita as operações
de soma e produto:
[po 1] : ∀x (x ≤ x);
[po 2] : ∀x∀y [((x ≤ y) ∧ (y ≤ x)) → (x = y)];
[po 3] : ∀x∀y∀z [((x ≤ y) ∧ (y ≤ z)) → (x ≤ z)];
[≤ +] : ∀x∀y∀z [(x ≤ y) → (x + z ≤ y + z)];
[≤ ·] : ∀x∀y∀z [((x ≤ y) ∧ (0 ≤ z)) → (xz ≤ yz)].
6) A teoria dos anéis ordenados, AnOrd, é é o fecho dedutivo, na lin-
guagem dos anéis ordenados, Lao , da teoria dos anéis parcialmente ordenados,
juntamente com a sentença abaixo, garantindo que ≤ é uma ordem linear:
[lin] : ∀x∀y (x ≤ y ∨ y ≤ x).
7) A teoria dos corpos, Co, é o fecho dedutivo na linguagem dos anéis, da
teoria dos anéis comutativos com unidade (em (4) acima), juntamente com a
seguinte sentença, cujo conteúdo é que “todo elemento 6= 0 tem inverso multi-
plicativo” :
[· 4] : ∀x [¬ (x = 0) → ∃y (xy = 1)].
8) Seja p um natural primo. A teoria dos corpos de caracterı́stia p,
Co(p), é o fecho dedutivo na linguagem dos anéis, da teoria dos corpos em
(7), juntamente com a sentença
[C(p)] : p = 0
104 6. TEORIAS DE PRIMEIRA ORDEM. TEORIAS DE HENKIN

onde, p = 1| + .{z
. . + 1}, conforme as convenções acerca de operações associati-
p ×
vas em (1), acima.

9) A teoria dos corpos de caracterı́stica 0, Co(0), é o fecho dedutivo na


linguagem dos anéis, La , da teoria dos corpos em (7), juntamente com a seguinte
sequência de sentenças:
{¬ C(p) : p é um primo em ω}.

10) A teoria dos corpos algébricamente fechados, CAF, é o fecho dedu-


tivo, na linguagem dos anéis, da teoria dos corpos, adicinando-se o conjunto de
sentenças {σ n : n ∈ ω}, onde para cada n
P 
n j
σ n = ∀a1 , . . . , an ∃z j=1 aj z = 0 ,
que nos diz que “todo polinômio em uma variável tem raiz”. O leitor não deverá
ter dificuldade em definir:
∗ A teoria dos corpos algébricamente fechados de caracterı́stica p, CAF(p);
∗ A teoria dos corpos algébricamente fechados de caracterı́stica 0, CAF(0).

11) A teoria dos corpos ordenados, Cord, dada por


Cord = AnOrd ∪ Co,
o fecho dedutivo na linguagem Lao da união da teoria dos corpos e dos anéis
ordenados. Alternativamente, um conjunto de axiomas para Cord pode ser
obtido adicionando-se aos axiomas de anel ordenado em (6), o axioma [· 4] em
(7). Com a notação do item (8), é bem conhecido que para todo primo p em ω,
Cord `C ¬ C(p).

12) A teoria dos corpos reais fechados, CRF, é o fecho dedutivo na lin-
guagem dos anéis ordenados da teoria dos corpos ordenados, juntamente com
os seguintes axiomas, onde m é um natural ı́mpar arbitrário:
2
hP[pos] : ∀x [(x ≥
i 0) → ∃y (x = y )]; [ρ(m)] : ∀a1 , . . . , am ∃z
m j
j=1 aj z = 0

Assim, CRF é o fecho dedutivo de Cord ∪ {[pos]} ∪ {[ρ(m)] : m é ı́mpar em


ω}. Note que [pos] diz que “todo positivo é um quadrado”, enquanto que a
reunião das [ρ(m)] formaliza “todo polinômio de grau ı́mpar em uma variável
tem raiz”.
Registramos que resultados importantes da Teoria dos Modelos Clássica mos-
tram que as teorias CAF e CRF são ambas completas e consistentes nas
linguagens correspondentes. 

Teorema 6.12. Seja L uma linguagem de primeira ordem com igualdade.


2. TEORIAS E EXTENSÕES DE HENKIN 105

a) No Cálculo de Predicados Intucionista, toda teoria consistente em L possui


uma extensão prima e consistente. 2
b) No Cálculo de Predicados Clássico, toda teoria em consistente em L possui
uma uma extensão completa e consistente.

Prova. a) Seja T ⊆ Sent(L) uma teoria consistente no Cálculo Intuicionista.


Utilizaremos o Lema de Zorn, enunciado em A.39. Definimos
V = {Γ ⊆ Sent(L) : Γ é uma teoria consistente e T ⊆ Γ},
parcialmente ordenado por inclusão. Claro que
3
S V 6= ∅, pois T ∈ V. Se Γi , i ∈
I, é uma cadeia em V , segue de 6.8.(d) que i∈I Γi é uma teoria consistente
do Cálculo Intuicionista. Assim, toda cadeia em V tem limitante superior e o
Lema de Zorn garante que V tem um elemento maximal, Π. Note que Π é uma
extensão consistente de T , por construção.
Para verificar que Π é prima, suponha que σ, σ 0 ∈ Sent(L) sejam tais que
(σ ∨ σ 0 ) ∈ Π. Se σ ∈ Π, nada a provar; se σ 6∈ Π, seja Λ = Π ∪ {σ}. Então,
Λ é uma extensão própria de Π; em particular, T ⊆ Λ. Uma vez que Π é
maximal em V, concluı́mos que Λ deve ser inconsistente. Mas então o item
(a) da Proposição 6.6 acarreta ¬ σ ∈ Π. Já que σ ∨ σ 0 ∈ Π, a lei da falta de
alternativa (5.17.(l)) fornece Π `I σ 0 , isto é, σ 0 ∈ Π, mostrando que Π é prima.
b) O argumento em (a) pode ser repetido, com `C no lugar de `I , para mostrar
que Π é prima. Segue da equivalência em 6.9 que Π é completa, encerrando a
demonstração. 
Corolário 6.13 (Teorema de Lindebaum). No Cálculo Clássico, todo con-
junto consistente de sentenças possui uma extensão completa e consistente.

Prova. Se Γ ⊆ Sent(L) é consistente, o resultado vem imediatamente do item


(b) do Teorema 6.12 aplicado a teoria Γ. 

2. Teorias e Extensões de Henkin

O resultado principal desta seção, o Teorema 6.17, será fundamental para


estabelecer, entre outras coisas, a completude do Cálculo de Predicados Clássico.
Para sua prova será necessário tratar com extensões de linguagens e teorias.
Nesta seção, nosso contexto de trabalho é o Cálculo Clássico.
Definição 6.14. Sejam L e L0 linguagens de primeira ordem com igualdade.
Com a notação em 4.1,
a) L0 é uma extensão de L, e escrevemos L ⊆ L0 , se:
2 Por definição, uma teoria prima é própria e, portanto, consistente. Comentário semelhante aplica-se ao
item (b). A redundância fica por conta de ênfase e licença poética.
3 Isto é, para todo i, j ∈ I, ou Γ ⊆ Γ ou Γ ⊆ Γ .
i j j i
106 6. TEORIAS DE PRIMEIRA ORDEM. TEORIAS DE HENKIN

[ext 1] : Para cada n ∈ ω, rel(n, L) ⊆ rel(n, L0 ) e f un(n, L) ⊆


f un(n, L0 );
[ext 2] : Ct(L) ⊆ Ct(L0 ).
b) L0 é uma extensão por constantes de L, se ambas possuirem os mesmos
sı́mbolos relacionais e funcionais n-ários (n ∈ ω), e Ct(L) ⊆ Ct(L0 ).

Proposição 6.15. a) Se Γ ⊆ Sent(L) e L0 é uma extensão de L, então


Γ é consistente em L ⇔ Γ é consistente em L0 .
b) Seja {h Ln , Tn i : n ∈ ω} uma famı́lia de pares, onde para cada n ∈ ω, Ln
é uma linguagem de primeira ordem com igualdade e Tn é uma teoria em Ln .
Suponha que para todo n ∈ ω temos:
(1) Ln ⊆ Ln+1 e Tn ⊆ Tn+1 ;
(2) Tn é uma teoria completa e consistente em Ln .
S S
Sejam L = n≥1 L n e T = n≥1 Tn . Então, T é uma teoria completa
e consistente na linguagem L.

Prova. a) Para a implicação (⇒), suponha que Γ é consistente em L; como


F(L) ⊆ F(L0 ), se Γ fosse inconsistente em L0 , o item (b) do Lema 6.5 garante
que existiria uma fórmula χ de L tal que Γ ` χ ∧ ¬ χ, e Γ seria inconsistente
em L. Está claro que se Γ é consistente em L0 , então deve ser consistente em
L.
b) Está claro que L é uma linguagem de primeira ordem com igualdade, cujos
sı́mbolos não-lógicos (constantes, sı́mbolos relacionais e funcionais) são todos
os que ocorrem em cada Ln , n ∈ ω. Como a sequência de linguagens e teorias
que estamos considerando formam cadeias (pelo item (1) do enunciado), se
{ϕ1 , . . . , ϕm } é um conjunto finito de fórmulas em L, então existe n ∈ ω tal
que {ϕ1 , . . . , ϕm } ⊆ F(Ln ). Resultado análogo vale para conjuntos finitos de
sentenças em L. Em particular,
S S
(I) F(L) = n≥1 F(Ln ) e Sent(L) = n≥1 Sent(Ln ).
∗ T é uma teoria em L. Segue de (I) que T é constituı́da por sentenças em L.
Suponha que σ ∈ Sent(L) seja tal que T `C σ. Por compacidade (5.7.(c)),
existe {ψ 1 , . . . , ψ m } ⊆ T tal que ψ 1 , . . . , ψ m `C σ. Como T é união da cadeia
Tn , {ψ 1 , . . . , ψ m } ⊆ Tk , para algum k ∈ ω. Mas então, Tk `C σ e portanto, σ ∈
Tk ⊆ T , mostrando que σ ∈ T , isto é, que T é fechada por consequência lógica,
como necessário.
∗ T é completa em L. Pelo Lema 6.9 devemos verificar que para cada σ ∈
Sent(L), ou σ ∈ T ou ¬ σ ∈ T . As relações em (I) implicam que σ ∈ Sent(Ln ),
para algum n ∈ ω. Uma vez que Tn é uma teoria completa em Ln , sabemos que
ou σ ∈ Tn ⊆ T , ou ¬ σ ∈ Tn ⊆ T , como desejado.
2. TEORIAS E EXTENSÕES DE HENKIN 107

∗ T é consistente. Suponha, para obter um absurdo, que T é inconsistente, isto


é, T `C χ ∧ ¬ χ, para χ ∈ F(L). Por compacidade existe {ψ 1 , . . . , ψ m } ⊆ T
tal que ψ 1 , . . . , ψ m `C χ ∧ ¬ χ. Seja n ∈ ω tal que {ψ 1 , . . . , ψ m } ⊆ Tn e χ ∈
F(Ln ). Então, Tn `C χ ∧ ¬ χ, contradizendo a hipótese de que Tn é consistente
e encerrando a demonstração. 
Definição 6.16. Seja L uma linguagem de primeira ordem com igualdade.
a) Uma teoria T em L é de Henkin se satisfizer as seguintes condições:
[H 1] : T é completa e consistente;
[H 2] : Para toda sentença em T do tipo ∃v ϕ, onde v possui ocorrências
livres em ϕ,
existe uma constante c em L tal que ϕ( pv|cq) ∈ T .
b) Se Σ ⊆ Sent(L), uma extensão de Henkin de Σ é uma teoria de Henkin,
T , em uma extensão por constantes de L (6.14.(b)), tal que Σ ⊆ T .

O resultado central desta seção é o


Teorema 6.17 (Henkin). Se L é uma linguagem de primeira ordem com
igualdade, todo conjunto consistente de sentenças em L possui uma extensão de
Henkin.
6.18. A operação ]. Como passo preparatório para a prova de 6.17,
construiremos uma operação ], que associa a um par h L, T i, consistindo de
uma linguagem de primeira ordem, L, e uma teoria consistente T em L, um
novo par, L] , T ] , satisfazendo as seguintes condições:
[] 1] : L] é uma extensão por constantes de L;
[] 2] : Para cada sentença do tipo ∃v ϕ em T , na qual v tem ocorrências livres
em ϕ, existe
uma constante c ∈ Ct(L] ) \ Ct(L) (i.e., c está fora de L), tal que
ϕ( pv|cq) ∈ T ] ;
[] 3] : T ] é consistente e completa em L] e T ⊆ T ] .
A construção da operação ] é a seguinte:
Passo 1 : Seja ∃T o conjunto das sentenças em T do tipo ∃v ϕ, onde v possua
ocorrências livres em ϕ. Seja C um conjunto de novas constantes, isto é, C ∩
Ct(L) = ∅, juntamente com uma função bijetora e : ∃T −→ C. Assim, temos
uma bijeção, ψ ∈ ∃T 7−→ e(ψ ) ∈ C. Seja L] a extensão de L obtida pela adição
de C ao conjunto Ct(L); está claro que L] é uma extensão de L por constantes
(6.14.(b)).
Passo 2. Temos o seguinte
Lema 6.19. Com a notação acima seja
108 6. TEORIAS DE PRIMEIRA ORDEM. TEORIAS DE HENKIN

T 0 = T ∪ {ϕ( pv|e(∃v ϕ)q) : ∃v ϕ ∈ ∃T }.


Então, T 0 é uma teoria consistente em L] .
Prova. Já que T é consistente, se T 0 for inconsistente, então existe um sub-
conjunto finito de ∃T , {∃xk ϕk ∈ ∃T : k ∈ n} tal que, com ek = e(∃xk ϕk ), k
∈ n,
T , ϕ1 ( px1 |e1 q), . . . , ϕn ( pxn |en q) `C χ ∧ ¬ χ,
para alguma χ ∈ L] , que por 6.5.(b), podemos supor ser uma sentença em L.
Portanto, para completar a prova é suficiente mostrar que para todo n ≥ 1
(I) T ∪ {ϕ1 ( px1 |e1 q), . . . , ϕn ( pxn |en q)} é consistente,
que será feito por indução em n ≥ 1 4. Para n = 1, suponha que T ∪
{ϕ1 ( px1 |e1 q)} é inconsistente. Então, já que ϕ1 ( px1 |e1 q) é uma sentença, o
Teorema da Dedução (5.19), a lei da contraposição e o fato de que ` ¬ (χ ∧ ¬ χ)
(5.17.(g)), acarretam T ` ¬ ϕ1 ( px1 |e1 q). Como a constante e1 não ocorre em
T (i.e., em nenhuma fórmula de T ⊆ Sent(L)), o item (c) do Teorema 5.23 for-
nece T ` ∀x1 ¬ ϕ1 . Uma vez que ∃x1 ϕ1 ∈ T , segue do item (b) da Proposição
5.27 que T é inconsistente, contrariando a hipótese. Suponha (I) verdadeiro
para n ≥ 1 e que T ∪ {ϕ1 ( px1 |e1 q), . . . , ϕn ( pxn |en q), ϕn+1 ( pxn+1 |en+1 q)} fosse
inconsistente. Como acima, obterı́amos
(II) T , ϕ1 ( px1 |e1 q), . . . , ϕn ( pxn |en q) ` ϕn+1 ( pxn+1 |en+1 q).
Como a constante en+1 não ocorre nas hipóteses em (II) 5, 5.23.(c) implica
T , ϕ1 ( px1 |e1 q), . . . , ϕn ( pxn |en q) ` ∀xn+1 ¬ ϕn+1 ,
o que é impossı́vel pois a hipótese de indução garante que T ∪ {ϕ1 ( px1 |e1 q), . . . ,
ϕn ( pxn |en q)} é consistente e ∃xn+1 ϕn+1 está em T . Isto completa a indução e
a demonstração de 6.19. 
Passo 3. Pelo Teorema 6.12, a teoria T 0 do Lema 6.19 tem uma extensão com-
pleta e consistente em L] . Seja T ] uma tal extensão.
Está claro da construção que o par L] , T ] tem as propriedades [] i], i = 1, 2,
3.
Com estes preliminares, estamos em condições de demonstrar o Teorema
6.17. 
Prova do Teorema 6.17. Seja Γ ⊆ Sent(L) um conjunto consistente de sen-
tenças em L. Por indução em n ≥ 1, constuiremos uma sequência, Λn =
h Ln , Tn i, satisfazendo as seguintes condições, para todo n ≥ 1:
(1) Ln é uma linguagem de primeira ordem e Tn é uma teoria completa e
consistente em Ln ;
4 Isto é, na cardinalidade de um subconjunto finito de ∃T .
5 Veja a importância da bijeção e.
2. TEORIAS E EXTENSÕES DE HENKIN 109

(2) Ln+1 é uma extensão por constantes de Ln e Tn ⊆ Tn+1 ;


(3) Para toda sentença do tipo ∃v ϕ em Tn , na qual v tem ocorrências
livres, existe
c ∈ Ct(Ln+1 ) \ Ct(Ln ) tal que ϕ( pv|cq) ∈ Tn+1 .
Para n = 1, seja Λ1 = h L, T1 i, onde T1 uma extensão completa e consis-
tente de Γ na linguagem L (que existe pelo Corolário 6.13). Tendo construı́do
Λn = h Ln , Tn i, definimos, com a notação em 6.18,
Λn+1 = L]n , Tn] .
Como a operação ] satisfaz as condições [] i], i = 1, 2, 3 em 6.18, é imediato
que as condições (1), (2) e (3) acima estão verificadas pelo par Λn+1 , concluindo
a construção dos Λn , n ∈ ω.
Sejam
S S
LH = n≥1 Ln e TH = n≥1 Tn .
Por construção, LH é um extensão por constantes de L; além disso, pela Pro-
posição 6.15.(b), TH é uma teoria completa e consistente em LH , verificando a
condição [H 1] da Definição 6.16. Para verificar [H 2] em 6.16, seja ∃v ϕ é uma
sentença em TH , na qual v possui ocorrências livres; como TH é a união das
teorias Tn , existe n ≥ 1 tal que ∃v ϕ ∈ Tn . Mas então existe uma constante c
∈ Ln+1 (e que não está em Ln ) tal que ϕ( pv|cq) ∈ Tn+1 ⊆ TH , mostrando que
TH é uma extensão de Henkin de Γ na linguagem LH , como desejado. 
Parte III

Teoria dos Modelos da Lógica de Primeira


Ordem Clássica
CAPı́TULO 7

Estruturas de Primeira Ordem

1. Funções Definidas em Produtos

Nesta seção discutiremos propriedades fundamentais de funções cujo domı́nio


é um produto. O caso particular que nos interessará mais de perto será o da
potência Aω , onde A é um conjunto não-vazio. No entanto, a teoria geral,
que terá aplicações quando discutirmos ultraprodutos, não é mais difı́cil que a
discussão do caso particular Aω .
7.1. Notação. Sejam C e D conjuntos. Em geral, indicamos o conjunto
das funções de C em D por DC . No entanto, para facilitar a exposição, se
conveniente também utilizaremos a notação da Teoria das Categorias,
escrevendo [C, D] para indicar o conjunto das funções de C em D. 

Fixemos uma famı́lia de conjuntos não-vazios indexada por um conjunto


não-vazio I,
{Ai : i ∈ I},
Ai o seu produto cartesiano, conforme definido em A.23 1.
Q
e seja A = i∈I
S
Por definição, um elemento s de A é uma função, s : I −→ i∈I Ai , tal que
s(i) ∈ Ai , para todo i ∈ I; assim, se J ⊆ I,
S
s  J : J −→ i∈I Ai ,
verifica
S [s  J](j) ∈ Aj , para todo j ∈ J, isto é, na realidade s  J toma valores
Q em
j∈J Aj . Consequentemente, pela definição de produto (A.23), s  J ∈ j∈J Aj .
Esta observação será utilizada abaixo com frequência, sem menção explı́cita.
Definição 7.2. Seja J ⊆ I.
Q
a) Definimos A  J = j∈J Aj , denominada a restrição do produto a J .
b) Definimos πJ : A −→ A  J, dada por
s ∈ A 7−→ πJ (s) = s  J ∈ A  J,
denominada projeção que esquece as coordenadas fora de J . Está claro
que πJ é sobrejetora 2. No caso em que J = {j}, escrevemos πj : A −→ Aj ,
no lugar de π{j} , denominada projeção na j-ésima coordenada.
c) Para s, t ∈ A, definimos
1 O caso interessante é aquele em que I é infinito, porém a teoria a seguir aplica-se a qualquer I não-vazio.
2 Se J = ∅, então A  J = {∅} e π é a função constante de valor ∅. Se J = I, π é a identidade de A em A.
J J

113
114 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

[[s = t]] = {i ∈ I : s(i) = t(i)},


o conjunto das coordenadas nas quais s e t coincidem.
Q
Lema 7.3. Com a notação acima e A = i∈I Ai , para s, t, z ∈ A e J
⊆ I temos:
a) [[s = t]] = [[t = s]]; b) [[s = t]] ∩ [[t = z]] ⊆ [[s = z]].
c) s  J = t  J ⇔ J ⊆ [[s = t]]. Em particular, s  [[s = t]] = t  [[s = t]].

Prova. Deixada os cuidados do leitor. 


Q
Definição 7.4. Seja A = i∈I Ai e seja B um conjunto. Seja J ⊆
I. Uma função f : A −→ B depende só de J (ou das coordenadas em J),
se para todo s, t ∈ A,
J ⊆ [[s = t]] ⇒ f (s) = f (t).
Indicamos por F (J, A, B) = {f ∈ B A : f depende só de J}, o conjunto das
funções de A em B que dependem só de J.
Exemplo 7.5. a) Seja A = Rω o conjunto das sequências de reais. Seja f :
A −→ R dada por
f (s) = s(2) + s(17)s(204),
Note que que se s e s0 coincidem em 2, 17 e 204, então f (s) = f (s0 ). Assim, f
depende só de J = {2, 17, 204}. Uma vez visto este exemplo, é fácil construir
muitos outros.
Q
b) Sejam A = i∈I Ai e B um conjunto.
(1) Se f : A −→ B é uma função, então
[dep ∅] f depende só do ∅ ⇔ f é constante.
De fato, para s, s0 ∈ A, temos ∅ ⊆ [[s = s0 ]] e a Definição 7.4 acarreta f (s) =
f (t), quaisquer que sejam s, t ∈ A. Logo, f é uma função de valor constante,
estabelecendo a implicação (⇒) em [dep ∅]. A recı́proca é imediata.
(2) Para J ⊆ I, as projeções πJ : A −→ A  J dependem só de J, pois se J
⊆ [[s = s0 ]], então πJ (s) = s  J = s0  J = πJ (s0 ), pelo item (c) do Lema 7.3.
Em particular, para i ∈ I, a projeção na i-ésima coordenada, πi : A −→ Ai ,
depende só de {i}. 
Q
Proposição 7.6. Sejam A = i∈I Ai , com Ai 6= ∅, e J ⊆ I. Seja B
um conjunto. A projeção πJ : A −→ A  J induz, por composição, uma função
3

πJ∗ : [A  J, B] −→ [A, B], que a cada f : A  J −→ B, associa f ◦ πJ : A


−→ B.
3 O leitor deve lembrar-se da convenção notacional em 7.1.
1. FUNÇÕES DEFINIDAS EM PRODUTOS 115

J π f
A −→ A  J −→ B.
Então,
a) Para toda f ∈ [A  J, B], f ◦ πJ ∈ F (J, A, B), isto é, πJ∗ (f ) depende só
de J.
b) πJ∗ é uma bijeção natural entre [A  J, B] e F (J, A, B).

Prova. a) Pelo item (c) do Lema 7.3, é suficiente mostrar que se s, t ∈ A,


então
(I) sJ = tJ ⇒ [f ◦ πJ ](s) = [f ◦ πJ ](t).
Já que πJ (s) = s  J e πJ (t) = t  J, a conclusão em (I) segue imediata-
mente da sua hipótese.
b) Pelo item (a), temos uma função
πJ∗ : [A  J, B] −→ F (J, A, B)
que desejamos mostrar ser injetora. Iniciamos com uma construção, que ex-
plicita relações entre A e A  J, mostrando, em particular e como indicado em
7.2.(b), que πJ é sobrejetora.

7.7. Construção. Como A 6= ∅ (estamos adimitindo oQLema de Zorn; cf.


A.40.(c)), fixemos um elemento d ∈ A. Dado x ∈ AJ = j∈J Aj , definimos
xbd ∈ A pela seguinte prescrição:
(
x(i) se i ∈ J
xbd(i) =
d(i) se i ∈ I \ J.
Está claro que:
(1) xbd ∈ A, isto é, para todo i ∈ I, xbd(i) ∈ Ai ; (2) [xbd]  J = x;
(3) Segue de (2) que πJ é sobrejetora; de fato, para todo x ∈ A  J, existe
z = xbd ∈ A, tal que πJ (z) = z  J = x;
(4) Por (2), a função x ∈ A  J 7−→ x bd é injetora; de fato, dados x, y ∈
A  J, se
xbd = y bd, então suas restrições a J serão iguais, o que implica x =
y. 

Agora,retomamos a prova de (b).


πJ∗ é injetora: Devemos verificar que para f , g ∈ [A  J, B],
(II) f ◦ π J = g ◦ πJ ⇒ f = g.
Dado x ∈ A  J, seja z = xbd, como acima. Então, (2) acima e a hipótese em
(II) implicam
f (x) = f (z  J) = f (πJ (z)) = g(πJ (z)) = g(z  J) = g(x).
116 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Já que x é arbitrário em A  J, concluı́mos que f = g, como necessário 4.


πJ∗ é sobrejetora : Dada h ∈ F (J, A, B), precisamos mostrar que existe f ∈
A  J tal que πJ∗ (f ) = f ◦ πJ = h. Para x ∈ A  J =
Q
j∈J Aj , definimos
f (x) = h(xbd),
onde xbd ∈ A foi definido acima. Para t ∈ A, já que t  J ∈ A  J, consideremos
t0 = (t  J)bd. Então, por (2) acima, temos
(*) t0  J = [(t  J)bd]  J = t  J.
Como h depende só de J (por hipótese), de (*) concluı́mos que h(t) = h(t0 ).
Mas então,
(**) h(t) = h(t0 ) = h((t  J)bd) = f (t  J) = f (πJ (t)) = πJ∗ (f )(t).
Uma vez que t é arbitrário em A, (**) garante que πJ∗ (f ) = h, encerrando a
prova. 
Q
Observação 7.8. Sejam A = i∈I Ai , J ⊆ I e d ∈ A. Com a notação
de 7.7, seja
γ dJ : A  J −→ A, dada por γ dJ (x) = xbd.
Pelo item (2) em 7.7 (na prova de 7.6) mostramos que
(I) πJ ◦ γ dJ = IdAJ , ou equivalentemente, γ dJ (x)  J = x.
de onde segue imediatamente que γ Jd é injetora e πJ é sobrejetora, como regis-
trado durante a prova. Note que d é arbitrário em A, de modo que (I) vale para
qualquer d fixado em A. Como γ dJ é injetora, isto mostra que se J 6= ∅, I, há
muitas cópias de A  J dentro de A.
Se o conjunto J ⊆ I ao qual esta construção se refere estiver claro do contexto,
escrevemos γ d no lugar de γ dJ . A termimologia usual para um par de conjuntos
e funções
J γd
J π
A  J −→ A −→ AJ
satisfazendo (I) é que A  J é um retrato de A. 

Para cada conjunto B e cada J Q⊆ I, a Proposição 7.6 permite identificar o


conjunto das funções de A  J = j∈J Aj em B com o conjunto F (J, A, B),
das funções de A em B que dependem só de J.

7.9. No caso que nos interessará mais de perto, seja A um conjunto não-
vazio e seja Aω o conjunto da sequências de elementos de A,
Aω = {s = {sn : n ∈ ω} : sn ∈ A para todo n ∈ ω}.

4 O leitor observará que esta prova depende apenas do fato que π é sobrejetora.
J
1. FUNÇÕES DEFINIDAS EM PRODUTOS 117

Observe que se J ⊆ ω, então Aω  J é simplesmente AJ , o conjunto das


funções de J em A. Como indicado na Definição 7.2, temos as projeções que
esquecem as coordenadas fora de J,
πJ : Aω −→ AJ = Aω  J, dada por πJ (s) = s  J.
No caso em que J = {n}, indicamos πJ por πn : Aω −→ A, dada por s ∈ Aω
7−→ sn ∈ A, denominada a projeção na n-ésima coordenada.
Para cada J ⊆ ω, a Proposição 7.6 mostra que há uma correspondência
natural e biunı́voca entre conjunto das funções de Aω em A que dependem só
de J, F (J, Aω , A), e o conjunto das funções de Aω  J = AJ em A. Em
particular, para todo n ≥ 1, como o conjunto das operações n-árias em A é,
por definição, [An , A], concluı́mos que:
As operações n-árias em A, estão em corespondência natural e
[n-op] biunı́voca com os elementos de F ( n, Aω , A), o conjunto das
funções de Aω em A que dependem só de n ⊆ ω.
Por esta correspondência, operações n-árias em A podem ser identificadas com
elementos de [Aω , A], qualquer que seja n ≥ 1. 

No contexto de funções definidas em produtos, há várias noções de substi-


tuição que passaremos a apresentar.
Definição 7.10 (Substituição em uma operação). Sejam B um Qconjunto
n
e F um operação n-ária em B, i.e., F : B −→ B. Seja A = i∈I Ai , e
sejam f1 , . . . , fn funções de A em B. Indicamos por F (f1 , . . . , fn ) a função de
A em B definida pela seguinte prescrição : 5
Para s ∈ A, F (f1 , . . . , fn )(s) = F (f1 (s), . . . , fn (s)).
A função F (f1 , . . . , fn ) denomina-se a substituição das f1 , . . . , fn em F .
Q
Lema 7.11. Sejam A = i∈I Ai e B um conjunto. Para n ≥ 1, seja
F uma operação n-ária em B e sejam f1 , . . . , fn ∈ [A, B]. Para cada k ∈ n,
Sn que fk depende só de Jk ⊆ I. Então, F (f1 , . . . , fn ) depende só de J
suponha
= k=1 Jk .

Prova. Para s, t ∈ A, suponha que


Sn
(I) J = k=1 Jk ⊆ [[s = t]].
Logo, para cada k ∈ n, Jk ⊆ [[s = t]], e portanto fk (s) = fk (t). Consequente-
mente, (I) acarreta
F (f1 , . . . , fn )(s) = F (f1 (s), . . . , fn (s)) = F (f1 (t), . . . , fn (t)) =
F (f1 , . . . , fn )(t),
mostrando que F (f1 , . . . , fn ) depende só de J, como desejado. 
5 Para s ∈ A, note que h f (s), . . . , f (s) i ∈ B n = dom F .
1 n
118 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Ao discutir morfimos de estruturas será importante saber tratar com uma


propriedade básica de produtos: “levantar” funções definidas nas coordenadas,
processo que passamos a discutir. Começamos com dois exemplos.

Exemplo 7.12. a) Sejam Ai , Bi , i = 1, 2 ,3 conjuntos. Sejam fi : Ai −→


Bi , i = 1, 2, 3, funções. Podemos definir uma função,
f : A = A1 × A2 × A3 −→ B = B1 × B2 × B3
pela seguinte prescrição:
f (a1 , a2 , a3 ) = h f1 (a1 ), f2 (a2 ), f3 (a3 ) i,
ou seja, a i-ésima coordenada de f (a1 , a2 , a3 ) é fi calculada na i-ésima coorde-
nada de h a1 , a2 , a3 i, i = 1, 2, 3. Outra maneira de descrever a construção de f
é a seguinte: para cada a = h a1 , a2 , a3 i em A e cada i = 1, 2, 3
∗ Primeiro projetamos a na i-ésima coordenada, obtendo ai ;
∗ Calculamos fi (ai ) e consideramos a tripla ordenada que tem este valor na
i-ésima coordenada.
Assim, se projetarmos na i-ésima coordenada o valor de f (a) encontraremos
fi (ai ), i = 1, 2, 3. Assim, para todo i = 1, 2, 3, com πiA e πiB as projeções na
i-ésima coordenada, temos

A f - B

πiB ◦ f = fi ◦ πiA πiA πiB


? ?
Ai - Bi
fi
isto é, o diagrama acima é comutativo. Como uma tripla ordenada é determi-
nada por suas coordenadas, a função f que satisfaz esta propriedade é única,
denominada o produto de f1 , f2 e f3 .
b) Há um caso particular do item (a) que nos interessará mais de perto: para i
= 1, 2, 3, temos
Ai = A, Bi = B e fixamos uma função h : A −→ B.
Neste caso, a função f : A3 −→ B 3 , construı́da em (a), tem a forma
f (a1 , a2 , a3 ) = h h(a1 ), h(a2 ), h(a3 ) i,
merecendo o nome de h3 .
O fato importante é que estas construções valem para famı́lias arbitrárias
de conjuntos e funções, conforme será estabelecido no que segue. No entanto,
a generalização poderá parecer “meio óbvia” para aqueles que entederam os
exemplos em (a) e (b). 
1. FUNÇÕES DEFINIDAS EM PRODUTOS 119

Sejam {Ai : i ∈ I} e {Bi : i ∈ I} famı́lias de conjuntos indexadas pelo


conjunto I. Sejam
Q Q
A = i∈I A i e B = i∈I Bi .
fi
Proposição 7.13. a) Com a notação acima, seja {Ai −→ Bi : i ∈ I} uma
famı́lia de funções de cada Ai em cada Bi , i ∈ I. Então existe uma única f :
A −→ B, tal que o diagrama abaixo à esquerda é commutativo para todo i ∈ I:

A f - B AI fI - BI

πiA πiB πiA πiB


? ? ? ?
Ai - Bi A - B
fi f
onde πiA e πiB são as projeções na i-ésima coordenada.
f
b) Seja A −→ B uma função. Para cada conjunto I, f induz uma única f I :
AI −→ B I , tal que o diagrama acima à direita é comutativo para todo i ∈ I,
onde πiA e πiB são as projeções na i-ésima coordenada. Além disso, para s ∈
AI , temos
f I (s) = h f (s(i)) ii∈I ,
isto é, f I (s) é o elemento de B I que tem f (s(i)) na i-ésima coordenada.
Q
Prova. Para s ∈ A, definimos f (s) ∈ B = i∈I Bi pela seguinte prescrição:
para cada i ∈ I
(*) f (s)(i) = fi (s(i)).
Q
Como s(i) ∈ Ai , temos fi (s(i)) ∈ Bi . Assim, f (s) ∈ B = i∈I Bi . Fixado
i ∈ I, note que para s ∈ A a definição de f em (*) acarreta, lembrando que
a projeção na i-ésima coordenada leva um elemento v de um produto na sua
i-ésima coordenada, v(i),
[πiB ◦ f ](s) = πiB (f (s)) = f (s)(i) = fi (s(i)) = [fi ◦ πiA ](s),
mostrando que o diagrama do enunciado é, de fato, comutativo. A unicidade
segue da propriedade fundamental das projeções e fica aos cuidados do leitor.
Está claro que o item (b) é um caso particular de (a). 
Q Q
Definição 7.14. a) Sejam A = i∈I A i e B = i∈I Bi . Se fi :
Ai −→ Bi , i ∈ I, é uma famı́lia de funções, a única f : A −→ B que satisfaz
a propriedadeQda Proposição 7.13.(a) denomina-se produto das fi ’s, sendo
indicada por i∈I fi .
f
b) Se A −→ B é uma função e I é um conjunto, a função f I : AI −→ B I
definida no item (b) de 7.13 denomina-se a I-ésima potência de f .
120 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Se o conjunto I estiver claro do constexto e não houver risco de confusão,


utilizaremos a seguinte notação:
∗ a = {ai : i ∈ I} indicará um elemento de AI ;
∗ f (a) = {f (ai ) : i ∈ I} ∈ B I indicará o valor de f I em a ∈ AI .

A última noção de substituição que Qnecessitaremos é a de valores em uma


coordenada de um elemento de A = i∈I Ai .
Q
Definição 7.15. Sejam A = i∈i A, s ∈ A, j ∈ I e b ∈ Aj . Indicamos
por s [j|b] o elemento de A definido, para i ∈ I, por
(
s(i) se i 6= j;
s [j|b](i) =
b se i = j.

I se b = sj ;
Logo, [[s = s [j|b]]] =
I \ {j} se b 6= sj .
Assim, s [j|b] é o elemento de A cujas coordenadas são as mesmas que s, com
a possı́vel exceção da j-ésima, que passa a ser b, no lugar de sj = s(j).
Em particular, se A é um conjunto, s ∈ Aω , k ∈ ω e a ∈ A, então
(
sn se k 6= n;
[k|a] s [k|a](n) =
a se k = n.

A noção de substituição em 7.15 será importante na definição da inter-


pretação dos quantificadores em uma estrutura de primeira ordem (cf. 7.21).
Q
O leitor deve notar que se s ∈ A = i∈I Ai então:
∗ Para todo j 6= k ∈ I, todo x ∈ Aj e y ∈ Ak , s [j|x] [k|y] = s [k|y] [j|x];
∗ Para todo j ∈ I e todo x, x0 ∈ Aj , s [j|x] [j|x0 ] = s [j|x0 ],
relações que são consequências diretas da Definição 7.15.
Com estes preliminares, estamos prontos para apresentar a noção de estru-
tura para uma linguagem de primeira ordem e a definição, devida a Alfred
Tarski, de satisfação de uma fórmula em uma tal estrutura.
2. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM. O TEOREMA DA CORREÇÃO 121

2. Estruturas de Primeira Ordem. O Teorema da Correção

Nesta seção, fixamos uma linguagem de primeira ordem com igual-


dade, L.
Definição 7.16 (L-Estruturas). Uma estrutura para L ou L-estrutura,
M , é um conjunto não-vazio, |M |, denominado domı́nio de M , juntamente
com:
[fun n] : Para cada n ∈ ω e cada sı́mbolo funcional n-ário em L, f , uma
operação n-ária
em |M |, f M : |M |n −→ |M |, denominada a interpretação de f
em M ;

[rel n] : Para cada n ∈ ω e cada sı́mbolo relacional n-ário em L, R, distinto


de =, uma
relação n-ária em |M |, RM ⊆ |M |n , denominada interpretação
de R em M ;

[=] : O sı́mbolo da igualdade é interpretado pela diagonal do produto


|M | × |M |, isto é,
=M = {h a, a i ∈ |M | × |M | : a ∈ |M |}.
Assim, a interpretação de = em qualquer L-estrutura é a relação de
igualdade do seu domı́nio.
[Ct] : Para sı́mbolo de constante c em L, um elemento cM ∈ |M |, a inter-.
pretação de c em M
Fixada uma interpretação dos sı́mbolos não-lógicos de L em um domı́nio
|M |, será frequente indicarmos a L-estrutura associada por
M =
M M M
|M |, {R : R ∈ rel(L)}, {f : f ∈ f un(L)}, {c : c ∈ Ct(L)} ,
ou até mesmo, se o conjunto dos sı́mbolos não-lógicos de L for finito e a inter-
pretação no domı́nio |M | estiver clara do contexto, por
M = h |M |, R1 , . . . , Rm , f1 , . . . , fn , c1 , . . . , ck i,
onde rel(L) = {R1 , . . . , Rm }, f un(L) = {f1 , . . . , fn } e Ct(L) = {c1 , . . . , ck }.
Exemplo 7.17. a) Indicamos por N = h N, ≤, +, ·, 0, 1 i a interpretação
standard da linguagem dos anéis ordenados, Lao = {≤, +, ·, 0, 1}, no conjunto
dos naturais: ≤ é a ordem usual, +, · são a soma e produto usuais e 0, 1 os
números naturais correspondentes. Analogamente, escrevemos
Z = h Z, ≤, +, ·, 0, 1 i, Q = h Q, ≤, +, ·, 0, 1 i e R=
h R, ≤, +, ·, 0, 1 i
para as estruturas usuais dos inteiros, racionais e reais, respectivamente.
122 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

b) Se L = {≤} é a linguagem das ordens, h N, ≤ i, h Q, ≤ i e h R, ≤ i indicam


as L-estruturas cujos domı́nios são os naturais, os racionais e reais, respecti-
vamente, com a relação ≤ tendo como interpretação as ordens usuais nestes
domı́nios. 

A partir da interpretação dos sı́mbolos do alfabeto de L, podemos construir


a interpretação de termos e fórmulas em uma L-estrutura. Começamos com a
interpretação de termos:
Definição 7.18 (Interpretação de Termos). Seja M uma L-estrutura. Cada
termo τ em L dá origem a uma função
τ M : |M |ω −→ |M |,
denominada interpretação de τ em M , definida por indução na complexidade,
como segue:
[var] : Se τ é a variável vk , então τ M = πk : |M |ω −→ |M |, a projeção na
k-ésima coordenada;
[Ct] : Se τ é uma constante c em L, então cM : |M |ω −→ |M | é a função
constante de valor cM ;
6
[sub] : Se τ = g(t1 , . . . , tn ), onde g é um sı́mbolo funcional n-ário e
t1 , . . . , tn são termos
em L, então τ M = g M (tM M
1 , . . . , tn ), conforme a Definição 7.10.

Exemplo 7.19. Seja La = {+, ·, 0, 1} a linguagem dos anéis (4.4).


a) O conjunto dos números naturais − muito embora não seja um anel −, é uma
La -estrutura de maneira natural: 0N = 0, 1N = 1, +N = + (a soma usual em
N) e ·N = · (o produto usual em N). Note que tanto a soma, quanto o produto
usual em N são funções de N × N em N.
Note que a expressão “+” do alfabeto de La não é um termo. Sómente
quando acompanhada de outros termos, torna-se um termo. Por exemplo,
(*) τ = (v12 + 3) + v63 ,
é um termo de La . Tendo fixado a interpretação dos sı́mbolos funcionais e
constantes de La em N, podemos perguntar qual a interpretação de τ em N. De
acordo com a Definição 7.18, esta interpretação é uma função
τ N : Nω −→ N,
construı́da por indução na complexidade. Para uma sequência em N, s = {sn
∈ : n ∈ ω} ∈ Nω , temos:
∗ (v63 )N (s) deve ser o cubo da projecão de s na sexta coordenada, isto é, s36 ;
∗ 3N = [(1 + 1) + 1]N = [(1N + 1N ) + 1N ] = (1 + 1) + 1 = 3;
6 Por definição (7.16), g M : |M |n −→ |M |; por indução, tm : |M |ω −→ |M |, k ∈ n.
k
2. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM. O TEOREMA DA CORREÇÃO 123

∗ (v12 )N (s) = s21 ;


Logo, a interpretação de τ em N é a função τ N (s) = (s21 + 3) + s36 .
Note interpretação análoga para τ seria obtida se utilizassemos as inter-
pretações naturais de {+, ·, 0, 1} nos inteiros, racionais e reais.
b) Faremos de N o domı́nio de uma La -estrutura, indicada por N0 , com as
seguintes prescrições:
0 0
∗ 1N = 1 e 0N = 0;
0
∗ +N = ·, o produto usual em N;
0
∗ ·N = +, a soma usual em N.
Note que N0 é uma La -estrutura distinta daquela em (a), muito embora |N| =
N0 7. A interpretação do termo τ em (*) em N0 é a seguinte, onde s ∈ |N0 |ω =
Nω :
0
τ N (s) = {[(s1 + s1 ) + s1 ] · [(1 · 1) ·1]} · [s6 + s6 ] = [3s1 ] · 1 · (2s6 ) =
6s1 s6 .
Estes exemplos ilustram a variedade de estruturas associadas à uma linguagem
de primeira ordem com igualdade e o significado da interpretação de termos em
uma tal estrutura. 

Das Definições 4.8 e 7.10 e do Lema 7.11 obtemos o


Proposição 7.20. Sejam τ um termo em L e M uma L-estrutura.
a) τ M : |M |ω −→ |M | depende só de V (τ ).
b) Seja vk uma variável e t um termo em L. Seja τ ∗ = τ ( pvk |tq) o resultado
de substituir todas as ocorrências de vk em τ por t. Para s ∈ |M |ω , seja bs =
tM (s). Então,
τ ∗ M (s) = τ M (s [k|bs ]).

Prova. a) Por indução na complexidade. Se τ é uma constante, então cM é


a função constante de |M |ω em |M |, que depende só de ∅ = V (c); se τ é a
variável vk , então τ M é a projeção na k-ésima coordenada, que depende só de
{k} = V (τ ) (cf. (1) e (2) em 7.5.(b)).
Se τ = g(t1 , . . . , tn ), onde g é um sı́mbolo funcional n-ário e t1 , . . . , tn são
termos em L, então τ M = g M (tM M
1 , . . . , tn S
); logo, a hipótese de indução e o
Lema 7.11 garantem que τ depende só de nk=1 V (tk ) = V (τ ), completando
M

a indução.
b) Se k 6∈ V (τ ), por um lado, não haverá substituição, isto é, τ ∗ = τ ; por
outro, o item (a) implica τ M (s) = τ M (s [k|bs ]), e a conclusão é válida neste
caso. Note o caso acima aplica-se se τ é uma constante de L. Daqui em diante
7 Este exemplo ilustra a necessidade da noção de domı́nio de uma estrutura.
124 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

assumimos que k ∈ V (τ ) (ou seja, vk ocorre em τ ) e procedemos por indução


na complexidade. Se τ é uma variável, então τ = vk e τ ∗ = t. Assim, para s ∈
|M |ω , então
vkM (s [k|bs ]) = πk (s [k|bs ]) = bs = tM (s),
como necessário (lembre-se que a késima coordenada de s [k|bs ] é, por definição,
bs ). Suponha que τ = g(u1 , . . . , un ), onde g é uma operação n-ária em L e
u1 , . . . , un são termos em L, para quais vale a conclusão desejada. Então, τ ∗ =
g(u∗1 , . . . , u∗n ). Para s ∈ |M |ω , a hipótese de indução fornece,
τ ∗ M (s) = g M (u∗1 , . . . , u∗n )(s) = g M (u∗1 (s), . . . , u∗n (s)) = g M (u1 (s [k|bs ]),
. . . , un (s [k|bs ]))
= g M (u1 , . . . , un )(s [k|bs ]) = τ M (s [k|bs ]),
completando a indução e a demonstração. 
Agora apresentaremos a definição de interpretação (ou satisfação) das fórmulas
de L em uma L-estrutura, contribuição essencial de Alfred Tarski para a fundação
da Teoria dos Modelos.

Definição 7.21 (Interpretação de Fórmulas; A. Tarski). Seja M uma L-


estrutura.
a) Para cada fórmula ϕ em L e cada s ∈ |M |ω , definimos, por indução na
complexidade, uma relação
M |=s ϕ,
M satisfaz ϕ em s, da forma que segue:
[atom] : Se ϕ = R(t1 , . . . , tn ) é atômica, onde R é um sı́mbolo relacional n-
ário e t1 , . . . , tn
são termos em L, então M |=s ϕ ⇔ tM M M
1 (s), . . . , tn (s) ∈ R ;

[¬ ] : M |=s ¬ ψ ⇔ não é o caso que M |=s ψ ;


[∨] : M |=s ψ ∨ χ ⇔ M |=s ψ ou M |=s χ;
[∧] : M |=s ψ ∧ χ ⇔ M |=s ψ e M |=s χ;
[→] : M |=s ψ → χ ⇔ se M |=s ψ , então M |=s χ;
[∃] : M |=s ∃vk ψ ⇔ para algum a ∈ M , M |=s [k|a] ψ ;
[∀] : M |=s ∀vk ψ ⇔ para todo a ∈ M , M |=s [k|a] ψ ,
com s [k|a], que aparece em [∃] e [∀], é como definido em 7.15.
b) Dizemos que M satisfaz ϕ e escrevemos
M |= ϕ,
se para todo s ∈ |M |ω , M |=s ϕ.
2. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM. O TEOREMA DA CORREÇÃO 125

Se ϕ é uma fórmula em L, na Definição 4.14 definimos V (ϕ), o conjunto


dos ı́ndices da variáveis que ocorrem livres em ϕ. Mostraremos que a noção de
satisfação de uma fórmula em uma sequência s do domı́nio de uma L-estrutura
depende só de V (ϕ):
Proposição 7.22. Sejam M uma L-estrutura e ϕ uma fórmula em L.
a) Para todo s, s0 ∈ |M |ω , V (ϕ) ⊆ [[s = s0 ]] ⇒ M |=s ϕ ⇔ M |=s0 ϕ .
 

Em particular, se ϕ é uma sentença, então para todo s, s0 ∈ |M |ω ,


M |=s ϕ ⇔ M |=s0 ϕ.
b) Sejam vk uma variável e t um termo em L, tal que t é livre para vk em ϕ.
Seja ϕ∗ = ϕ( pvk |tq) o resultado de substituir todas as ocorrências livres de vk
em ϕ por t. Para s ∈ |M |ω , seja bs = tM (s). Então,
M |=s ϕ∗ ⇔ M |=s [k|b ] ϕ. s

Prova. a) Por indução na complexidade. Se ϕ = R(t1 , . . . , tn ) é atômica,


R é um sı́mbolo relacional n-ário e t1 , . . . , tn são termos em L, então V (ϕ)
onde S
n
= k=1 V (tk ). Assim, a Proposição 7.20.(a) fornece
(*) V (ϕ) ⊆ [[s = s0 ]] ⇒ para todo k ∈ n, tM M 0
k (s) = tk (s ).
Mas então (*) e a definição de satisfação em M ([atom] em 7.21) implicam
0 M 0
M |=s ϕ ⇔ tM M
1 (s), . . . , tn (s) ∈ R
M
⇔ tM 1 (s ), . . . , tn (s ) ∈ R
M

ϕ
M |=s0 ,
como desejado. O passo pelos conectivos binários segue diretamente da hipótese
de indução, juntamente com o fato que V (ψ  χ) = V (ψ ) ∪ V (χ). Analo-
gamente, o passo pela negação segue da hipótese de indução e de V (¬ ψ ) =
V (ψ ). Para o passo indutivo pelos quantificadores, suponha que ϕ = Qvk ψ ;
então, 8
(**) V (ψ ) ⊆ V (ϕ) ∪ {k}.
Se s, s0 ∈ |M |ω são tais que V (ϕ) ⊆ [[s = s0 ]], então (**) garante que, para
cada a ∈ |M |, V (ψ ) ⊆ [[s [k|a] = s0 [k|a]]] (pois s [k|a](k) = a = s0 [k|a](k)).
Logo, a hipótese de indução acarreta
(***) Para cada a ∈ |M |, M |=s [k|a] ψ ⇔ M |=s0 [k|a] ψ .
Agora, (***) e as definições de satisfação para ϕ = Qvk ψ , Q = ∃, ∀, implicam
que para todo s, s0 ∈ |M |ω ,
V (ϕ) ⊆ [[s = s0 ]] ⇒ M |=s Qvk ψ ⇔ M |=s0 Qvk ψ ,
 

completando a indução na complexidade. Se ϕ é uma sentença, temos V (ϕ)


= ∅ e a asserção final do enunciado é consequência imediata do que já foi
demonstrado.
8 A variável v pode ou não ocorrer livre em ψ .
k
126 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

b) Se k 6∈ V (ϕ), então ϕ∗ = ϕ (não há substituição, pois vk não ocorre livre


em ϕ) e o item (a) implica M |=s ϕ ⇔ M |=s [k|bs ] ϕ∗ . Em particular,
isto aplica-se a sentenças de L. Daqui em diante, suporemos que k ∈ V (ϕ),
isto é que vk ocorre livre em ϕ e procederemos por indução na complexidade,
mostrando que
h i
ω ∗
(\) Para todo s ∈ |M | , M |=s ϕ ⇔ M |=s [k|bs ] ϕ .
Se ϕ é atômica, ϕ = R(u1 , . . . , um ), onde R é uma relação m-ária em L e
u1 , . . . , un são termos em L, então, com a notação em (b) da Proposição 7.20,
temos ϕ∗ = R(u∗1 , . . . , u∗n ); por este mesmo resultado sabemos que
(I) Para cada j ∈ m, u∗j M (s) = uM
j (s [k|bs ]).
Assim, (I) implica
M |=s ϕ∗ ⇔ u∗1 M (s), . . . , u∗mM (s) ∈ RM ⇔ uM M
1 (s [k|bs ]), . . . , um (s [k|bs ])
∈ RM
⇔ M |=s [k|b ] ϕ, s

como necessário. Suponha que ϕ = ψ → χ e que o resultado vale para ψ e χ.



Então, ϕ∗ = ψ → χ∗ . Pela cláusula [→] da Definição 7.21, temos:
(II) M |=s [k|b ] (ψ → χ) ⇔ se M |=s [k|b ] ψ , então M |=s [k|b ] χ.
s s s

Pela hipótese de indução, temos



M |=s ψ ⇔ M |=s [k|bs ] ψ e M |=s χ∗ ⇔ M |=s [k|bs ] χ.
h i h i

ψ
Logo, se M |=s [k|bs ] , então M |=s [k|bs ] χ ⇔ ψ
se M |=s , então M |=s χ ∗
,

de onde concluı́mos, lembrando (II), M |=s ψ → χ∗ ⇔ M |=s [k|bs ] ψ →
χ, como necessário. Os passos indutivos pelos demais conectivos binários, bem
como pela negação podem ser estabelecidos análogamente. Se ϕ = Qvj ψ ,
onde Q = ∀, ∃, podemos supor que j 6= k (senão vk não ocorre livre em ϕ).

Além disso, temos ϕ∗ = Qvj ψ . Pela hipótese de indução (cf. (\) acima),

(III) ∀ s ∈ |M |ω , |=s ψ ⇔ |=s [k|b ] ψ . s
∗ ∗
Q = ∀ : Então, M |=s ∀vj ψ ⇔ para todo a ∈ |M |, M |=s [j|a] ψ . Já que
(III) vale para todo s ∈ |M |ω , obtemos, para todo a ∈ |M |:
∗ ∗
M |=s ∀vj ψ ⇔ ∀ a ∈ |M |, M |=s [j|a] ψ ⇔ ∀ a ∈ |M |, M |=(s [j|a]) [k|bs ]
ψ
⇔ ∀a ∈ |M |, M |=(s [k|bs ]) [j|a] ψ ⇔ M |=s [k|bs ] ∀vj ψ ,
6 k, está claro que (s [j|a]) [k|bs ] = (s [k|bs ]) [j|a] 9. Assim,
pois, já que j =
estabelecemos o passo de indução, pelo conectivo ∀. Metódo análogo poder ser
9 Para j 6= k, substituir a j-ésima coordenada de s por a e depois a k-ésima coordenada de s [j|a] por b
s
fornece o mesmo resultado que inverter ordem da aplicação destas operações.
2. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM. O TEOREMA DA CORREÇÃO 127

usado para o passo indutivo através do conectivo existencial. Os detalhes são


deixados aos cuidados do leitor, encerrando a demonstração. 
Com a introdução das noções de L-estrutura e de satisfação, uma questão
torna-se óbvia: qual a relação entre prova no Cálculo Clássico e a de satisfação
em uma L-estrutura? Um dos resultados principais desta seção é o
Teorema 7.23 (da Correção). Sejam L um linguagem de primeira ordem
com igualdade e M uma L-estrutura. Para Γ ∪ {ϕ} ⊆ F(L),
Γ `C ϕ ⇒ Para todo s ∈ |M |ω , M |=s Γ ⇒ M |=s ϕ .
 

Nossos próximos passos são dirigidos para a prova deste resultado. Mais
adiante veremos que a recı́proca do Teorema 7.23 também vale, o chamado
Teorema da Completude.
Definição 7.24. Com a notação em 3.1, 3.3 e 3.4 da seção 1 do Capı́tulo
3, para cada L-estrutura M e cada fórmula ϕ em L, definimos uma função
[[ϕ(·)]]M : |M |ω −→ 2 = {0, 1}
por indução na complexidade, do modo que segue, onde  ∈ {∨, ∧, →} :
[atom] : Se ϕ = R(t1 , . . . , tn ) é atômica, onde R é um sı́mbolo relacional n-
ário e t1 , . . . , tn
são termos em L, então
(
1 se tM M M
1 (s), . . . , tn (s) ∈ R ;
ϕ
[[ (s)]]M =
0 se tM M M
1 (s), . . . , tn (s) 6∈ R .

[¬ ] : [[¬ ϕ(s)]]M = ¬ [[ϕ(s)]]; [∃] : [[∃vk ψ (s)]]M = ϕ


W
a∈|M | [[ (s [k|a])]]M

[] : [[ψ  χ(s)]]M = [[ψ (s)]]M  [[χ(s)]]M ; [∀] : [[∀vk ψ (s)]]M = ϕ


V
a∈|M | [[ (s [k|a])]]M

W V
com e indicando sup e inf na ordem de 2 e s [k|a] como definido em 7.15.
Se a L-estrutura M estiver clara do contexto, omitimos o ı́ndice M , escrevendo
[[ϕ(s)]] no lugar de [[ϕ(s)]]M .
Observação 7.25. a) Seja Z um conjunto e seja h : Z −→ 2 = {0, 1} uma
função. Note que
W
z∈Z h(z) = supz∈Z h(z) = 1 ⇔ para algum z ∈ Z, h(z) = 1,
pois se todos os valores de h forem 0, então o supremo do conjunto {0} também
será 0. Analogamente,
V
z∈Z h(z) = inf z∈Z h(z) = 1 ⇔ para todo z ∈ Z, h(z) = 1,
pois se algum valor de h for nulo, então o ı́nfimo do conjunto dos valores também
será nulo. Está claro que estas observações aplicam-se às cláusulas [∃] e [∀] em
7.24.
128 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

b) A definição em 7.24 indica o caminho para uma vasta generalização da


noção de interpretação. Não discutiremos isto aqui; o leitor interessado poderá
consultar [Mi3], [RS], [FS] e [MM]. 
Exercı́cio 7.26. Se ϕ é uma fórmula em L e M é uma L-estrutura, a
função
[[ϕ(·)]] : |M |ω −→ 2 depende só de V (ϕ).
Lema 7.27. Para toda L-estrutura, M , toda L-fórmula, ϕ, e cada s ∈ |M |ω ,
M |=s ϕ ⇔ [[ϕ(s)]]M = 1.
Prova. Por indução na complexidade e deixada aos cuidados do leitor. Note
que, por definição, o enunciado vale para fórmulas atômicas. 10 
Corolário 7.28. Sejam M uma L-estrutura e ϕ, ψ fórmulas em L.
a) Se ϕ é uma instância dos axiomas proposicionais em 5.1, então M |= ϕ.
b) Para cada s ∈ |M |ω , M |=s ϕ e M |=s ϕ → ψ ⇒ M |=s ψ . Em
particular,
[MP] M |= ϕ e M |= ϕ → ψ ⇒ M |= ψ .
Prova. Com a equivalência do Lema 7.27, a prova é a mesma que a da Pro-
posição 3.14, do Cálculo Proposicional, pois o Exemplo 3.5 aplica-se também
neste caso. Só como exemplo do enunciado em (a), suponha que ϕ = [ψ →
(χ → ψ )], ou seja uma instância de [CPC 1]. Se M é uma L-estrutura e s ∈
|M |ω , então, 3.5.(a), com x = [[ψ (s)]] e y = [[χ(s)]] mostra que
[[ϕ(s)]] = [[ψ (s)]] → ([[χ(s)]] → [[ψ (s)]]) = 1.
Por 7.27, obtemos M |=s ϕ; como isto vale para s arbitrário em |M |ω , concluı́mos
M |= ϕ 11. Analogamente, verificamos todos os esquemas proposicionais do
Cálculo de Predicados Clássico em 5.1, como desejado.
Para o item (b), seja s ∈ |M |ω ; então, 3.5.(d), com x = [[ϕ(s)]] e y = [[ψ (s)]]
mostra que
(I) [[ϕ(s)]] ∧ ([[ϕ(s)]] → [[ψ (s)]]) ≤ [[ψ (s)]].
As hipóteses em (b) e 7.27 garantem que [[ϕ(s)]] = 1 = ([[ϕ(s)]] → [[ψ (s)]]), e
portanto (I) implica [[ψ (s)]] = 1, ou seja M |=s ψ , estabelecendo a primeira
implicação em (b). Agora observe que, como as hipóteses em [MP] valem para
todo s ∈ |M |ω , teremos M |=s ψ , ∀ s ∈ |M |ω , ou seja M |= ψ , encerrando a
demonstração. 
Tendo verificado que os axiomas proposicionais são válidos em toda L-estrutura,
para a prova do Teorema 7.23, precisaremos ainda verificar a validade dos axi-
omas dos quantificadores em 5.2, da igualdade em 5.3 e as regras [∀ I] e [∃ I]
10 A Observação 7.25.(a) pode ser útil...
11 O leitor deve lembrar que M |= ϕ significa ∀ s ∈ M ω , M |= ϕ (cf. 7.21).
s
2. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM. O TEOREMA DA CORREÇÃO 129

em 5.4. Esta é a finalidade dos Lemas que seguem, que poderiam ser feitos uti-
lizando a versão de 7.24 da satisfação. No entanto, isto exigiria a reformulação
das Proposições 7.20 e 7.22, que deixamos como Exercı́cio para o leitor.
Lema 7.29. Os axiomas da igualdade em 5.3 são válidos em toda L-estrutura.

Prova. É imediato que o axioma x = x vale em qualquer L-estrutura. Faremos


a prova de [= 3], deixando [= 2] aos cuidados do leitor. Seja M uma L-estrutura
e s ∈ |M |ω . Lembremos que se vj é uma variável, então vjM (s) = sj = s(j), a
projeção na j-ésima coordenada. Para facilitar a exposição, se x é uma variável
indicaremos por s(x) o valor da sequência s no ı́ndice correspondente a x. Sejam
x1 , . . . , xn , y1 , . . . , yn variáveis e suponha que
M |=s (x1 = y1 ) ∧ . . . ∧ (xn = yn ) ∧ R(x1 , . . . , xn ).
Isto significa que as seguintes condições estão satisfeitas:
(1) ∀ j ∈ n, xM M
k (s) = yk (s), isto é, s(xk ) = s(yk );
(2) h s(x1 ), . . . , s(xn ) i ∈ RM .
Mas então, h s(y1 ), . . . , s(yn ) i = h s(x1 ), . . . , s(xn ) i ∈ RM , mostrando que M
|=s R(y1 , . . . , yn ), como necessário. 
Exercı́cio 7.30. Mostre que 7.29 é consequência de 7.20.(b) e 7.22.(b).
Lema 7.31. Os axiomas [∀] e [∃] em 5.2 são válidos em toda L-estrutura.

Prova. Seja ϕ uma fórmula em L, vk uma variável e seja t um termo em L,


livre para vk em ϕ. Seja M um L-estrutura.
Verificação de [∀] : Para s ∈ |M |ω , lembrando a clásula [→] em 7.21, assuma
que M |=s ∀vk ϕ, isto é,
(I) Para todo a ∈ |M |, M |=s [k|a] ϕ.
Em particular, se bs = tM (s), (I) fornece M |=s [k|bs ] ϕ. Já que t é livre para vk
em ϕ, o item (b) da Proposição 7.22 garante que M |=s ϕ pvk |tq. Como isto
vale para s arbitrário em |M |ω , concluı́mos que M |= ϕ pvk |tq, mostrando que
M |= ∀vk ϕ → ϕ pvk |tq, como necessário.
Verificação de [∃] : Para s ∈ |M |ω , suponha que M |=s ϕ pvk |tq; como t é livre
para vk em ϕ, 7.22.(b) acarreta, com bs = tM (s), M |=s [k|bs ] ϕ. Mas então a
cláusula [∃] em 7.21 garante que M |=s ∃vk ϕ, encerrando a demonstração. 
Lema 7.32. Em toda L-estrutura valem as regras [∀ I] e [∃I] em 5.4.
χ
Prova. Como as regras têm a forma χ1 , χi fórmulas em L, i = 1, 2, devemos
2
mostrar que
M |= χ1 ⇒ M |= χ2 .
130 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Verificação de [∀ I] : Suponha que M |= ϕ → ψ e que vk não ocorre livre em ϕ.


Então,
(I) Para todo s ∈ |M |ω , M |=s ϕ → ψ .
Suponha que M |=s ϕ; para a ∈ |M |, temos V (ϕ) ⊆ [[s = s [k|a]]], pois vk não
ocorre livre em ϕ 12 e 7.22.(a) garante que M |=s [k|a] ϕ. Agora, (I) implica M
|=s [k|a] ψ ; como a é arbitrário em |M |, a cláusula [∀] na Definição 7.21 fornece
M |=s ∀vk ψ . Este argumento vale para cada s ∈ |M |ω , acarretando M |= ∀vk
ϕ, como necessário.
Verificação de [∃ I] : Suponha que M |= ϕ → ψ e que vk não ocorre livre em ψ .
Assim,
(II) Para todo s ∈ |M |ω , M |=s ϕ → ψ .
Suponha que M |=s ∃vk ϕ; então, para algum a ∈ |M | teremos M |=s [k|a] ϕ. De
(II), concluı́mos que M |=s [k|a] ψ . Como vk não ocorre livre em ψ , temos V (ψ )
⊆ [[s = s [k|a]]] e portanto 7.22.(a) implica M |=s ψ . Novamente, do fato que
este argumento vale para s arbitrário em |M |ω , concluı́mos que M |= ψ , como
necessário para terminar a demonstração. 
Agora estamos prontos para a
Prova do Teorema 7.23. Seja M uma L-estrutura. Para Γ ∪ {ϕ} ⊆ F(L),
suponha que Γ `C ϕ. Seja P = {θ1 , . . . , θn } uma prova de ϕ a partir de Γ. Por
indução em k ∈ n, mostraremos que M |= θk ; como θn = ϕ, obteremos a con-
clusão desejada. Como sempre, é necessário analisar a razão para a ocorrência
de θk na prova:
θk é um axioma ou θk ∈ Γ : Se θk ∈ Γ, então M |= θk , por hipótese; se for um
axioma, a conclusão segue do Corolário 7.28.(a) e dos Lemas 7.29 e 7.31.
θk segue de linhas anteriores por aplicação das regras de dedução : O Corolário
7.28.(b) e o Lema 7.32 mostram que a aplicação de qualquer uma das regras de
inferência preserva validade em cada L-estrutura. Assim, a hipótese de indução
mostra que M |= θk ,
completando a indução e a demonstração. 
Corolário 7.33 (Generalização). Se M é uma L-estrutura e ϕ(v1 , . . . , vn )
é uma fórmula em L, então
M |= ϕ ⇔ M |= ∀v ϕ,
onde ∀v ϕ é o fecho universal de ϕ (4.15.(b.1)).

Prova. Como vk é livre para vk em ϕ, a implicação (⇐) segue dos fatos que
o axioma [∀] em 5.2 é válido em M (7.31) e que satisfação em M preserva
12 O leitor lembrará da definição de [k|a] em 7.15.
2. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM. O TEOREMA DA CORREÇÃO 131

a aplicação da regra de Modus Ponens (7.28.(b)). Para a recı́proca, M |= ϕ


significa que
∀ s ∈ |M |ω , M |=s ϕ.
Logo, para todo a ∈ |M | e k ∈ n, temos M |=s [k|a] ϕ, o que implica M |=s ∀vk ϕ.
Assim, por indução em k ∈ n, obtemos M |=s ∀v ϕ; já que esta última relação
vale para todo s ∈ |M |ω , concluı́mos que M |= ∀v ϕ, encerrando a prova. 
Outra consequência do Teorema da Correção é que satisfação reflete a im-
plicação e a equivalência lógica:

Corolário 7.34. Sejam ϕ, ψ fórmulas em L.


a) Se `C ϕ → ψ , então,
Para toda L-estrutura M e todo s ∈ |M |ω , M |=s ϕ M |=s ψ .
 

Em particular, M |= ϕ ⇒ M |= ψ .
b) Se `C ϕ ↔ ψ , então
Para toda L-estrutura M e todo s ∈|M |ω , M |=s ϕ M |=s ψ .
 

Em particular, M |= ϕ ⇔ M |= ψ .

Prova. Como ϕ ↔ ψ = (ϕ → ψ ) ∧ (ψ → ϕ), o item (b) é consequência


imediata de (a) e da cláusula [∧] em 7.21. Para a prova de (a), sejam M uma
L-estrutura e s ∈ |M |ω ; o Teorema da Correção (7.23) implica M |=s (ϕ → ψ ).
Por outro lado, a clásula [→] em 7.21 garante que
M |=s (ϕ → ψ ) ⇔ M |=s ϕ ⇒ M |=s ψ ,
 

como desejado. 

Observação 7.35. Simplificação da Indução na Complexidade. O Co-


rolário 7.34 permite simplificar provas por indução na complexidade de fórmulas.
Só como um exemplo, sejam M uma L-estrutura, s ∈ |M |ω e P uma propriedade
de fórmulas em L. Suponha que o resultado a ser provado é
(*) ϕ tem P ⇒ M |=s ϕ,
e que o método usado será a indução na complexidade das fórmulas. Então:
(1) Já que `C (ϕ → ψ ) ↔ (¬ ϕ ∨ ψ ) (por 5.17.(k)), tendo verificado (*) para a
disjunção e a negação, concluı́mos que (*) vale a implicação;
(2) Como `C ∀x ψ ↔ ¬ ∃x ¬ ψ (por 5.27.(b)), se (*) vale para o quantificador
existencial e a negação, concluı́mos que (*) vale para o quantificador universal.
O leitor já percebeu que há outras combinações possı́veis: se estabelecermos (*)
para a conjunção, a negação e o quantificador universal, então (*) valerá para
todas as fórmulas.
132 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Esta Observação será usada nas futuras provas por indução na


complexidade. 

As Proposições 7.20.(a) e 7.22.(a) originam as convenções notacionais usuais


em Teoria dos Modelos, establecidas em seguida e que serão utilizadas em
tudo que segue.
7.36. Notação para a interpretação de termos. Seja M uma L-
estrutura. O item (a) da Proposição 7.20 garante que se τ (v1 , . . . , vn ) é um
termo em L e s, s0 ∈ |M |ω , então
n ⊆ [[s = s0 ]] ⇒ τ M (s) = τ M (s0 ).
Logo, para a = h a1 , . . . , an i ∈ |M |ω , indicamos por
τ M (a1 , . . . , an ) ou τ M (a)
o valor de τ M em qualquer sequência s ∈ |M |ω tal que s n n = a. Nesta notação,
que se não houver risco de confusão, adotaremos no que segue, o item (b) da
Proposição 7.20 seria escrito: para todo a = h a1 , . . . , an i ∈ |M |n , se b = tM (a),
então (
M
τ M (a) se k 6∈ V (τ );
(τ pvk |tq) (a) =
τ M (a [k|b]) se k ∈ V (τ ),
onde a [k|b] é o resultado de substituir a k-ésima coordenada de a por b = tM (a)
∈ |M |, conforme a Definição 7.15. 
7.37. Notação para a satisfação de fórmulas. a) Sejam ϕ(v1 , . . . , vn )
uma fórmula em L e M uma L-estrutura. A Proposição 7.22 garante que se
s, s0 são tais que n ⊆ [[s = s0 ]], então M satisfaz ϕ em s sse satisfaz ϕ em s0 .
Assim, a satisfação de ϕ em M em s ∈ |M |ω depende apenas dos valores de s
∈ n. Se a = h a1 , . . . , an i ∈ |M |n , indicamos por
M |= ϕ[a1 , . . . , an ] ou M |= ϕ[a],
que M satisfaz ϕ em qualquer sequência s ∈ |M |ω tal que sk = ak , k ∈ n; como
mencionado acima, se isto valer para alguma s ∈ |M |ω , valerá para todas.
No caso em que ϕ(v1 , . . . , vn ) é da forma Qvp ψ , com Q ∈ {∃, ∀}, note que:
∗ Certamente vp não ocorre livre em ϕ; devido a nossa convenção que as variáveis
livres de ϕ são um subconjunto de {v1 , . . . , vn }, poderı́amos supor que p ∈ n;
∗ Por outro lado, pelos itens (1) e (2) do Lema 5.22.(c), se y é uma variável
distinta de todas as que ocorrem, livres ou ligadas, em ϕ, então `C Qy ψ ↔
Qvp ψ ; logo, o Corolário 7.34.(b) garante que para todo s ∈ |M |ω ,
M |=s Qvp ψ ⇔ M |=s Qy ψ .
13
Assim, poderı́amos também supor, sem perda de generalidade, que p 6∈ n .
13 Por 5.22.(c), podemos até mesmo supor que p = n + 1; deixamos os detalhes a cargo do leitor.
2. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM. O TEOREMA DA CORREÇÃO 133

Para evitar discutir casos, a notação usual no caso dos quantificadores é a


seguinte:

Se ϕ(v1 , . . . , vn ) = ∃vp ψ e a ∈ |M |n ,




M |= ϕ[a] ⇔ Existe b ∈ |M |, tal que M |= ψ [a; b],

[Ex]
ω



 onde h a; b i indica qualquer sequência s ∈ |M | n=a e
tal que s n
sp = s(p) = b.

Se ϕ(v1 , . . . , vn ) = ∀vp ψ e a ∈ |M |n ,




M |= ϕ[a] ⇔ Para todo b ∈ |M |, tal que M |= ψ [a; b],

[Un]
ω
 onde h a; b i indica qualquer sequência s ∈ |M | tal que s n = a e


 n
sp = s(p) = b.

Note que com esta convenção, se p ∈ n, então h a; b i = a [p|b], de acordo com


a Definição 7.15; se p 6∈ n, então h a; b i é uma extensão de a.

b) Se σ ∈ Sent(L), então V (σ) = ∅; logo, para todo s, s0 ∈ |M |ω , M |=s σ


sse M |=s0 σ. Assim, escrevemos
M |= σ
e dizemos que M é modelo de σ, para indicar que M satisfaz σ em alguma −
e portanto em todas −, s ∈ |M |ω . Note que este uso é compatı́vel com o item
(b) da Definição 7.21.
Se Γ ⊆ Sent(L) e M é uma L-estrutura que é modelo de cada elemento de
Γ, escrevemos
M |= Γ
e dizemos que M é modelo de Γ. Está claro que para Γ ⊆ Σ ⊆ Sent(L),
(*) M |= Σ ⇒ M |= Γ. 

Outra consequência do Teorema da Correção (7.23) é o seguinte


Corolário 7.38. a) Seja Γ ∪ {σ} ⊆ Sent(L) e seja M uma L-estrutura.
Se Γ `C σ, então M |= Γ ⇒ M |= σ. Em particular, M |= Γ ⇔ M |=
Γ, onde Γ é o fecho dedutivo de Γ em Sent(L) (6.1).
b) (Consistência) Se Σ ⊆ Sent(L) tem modelo, então Σ é consistente.
c) Se M é uma L-estrutura, definimos
TL (M ) = {σ ∈ Sent(L) : M |= σ},
denominada a teoria de M em L. Então, TL (M ) é uma teoria completa
e consistente em L. Se a linguagem L estiver clara do contexto, escrevemos
T (M ) no lugar de TL (M ).
134 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Prova. O item (a) vem imediatamente do Teorema 7.23. Para (b), observe
que pela definição de satisfação, uma L-estrutura não pode verificar ϕ e ¬ ϕ.
Assim, se Σ tem modelo, o Teorema da Correção garante que não existe ϕ em
F(L) tal que Σ `C ϕ ∧ ¬ ϕ.
Para (c), note que, por definição, M |= T (M ), e (b) garante que T (M )
é consistente. Se ψ ∈ Sent(L) é tal que T (M ) `C ψ , então o Teorema da
Correção acarreta M |= ψ ; logo, ψ ∈ T (M ), mostrando que T (M ) é fechado por
consequência lógica, sendo, portanto, uma teoria. Se ψ ∈ Sent(L), a cláusula
[¬ ] na definição de satisfação (7.21) implica que ou M |= ψ , ou M |= ¬ ψ .
Assim, para cada ψ ∈ Sent(L), ou ψ ∈ T (M ) ou ¬ ψ ∈ T (M ); por 6.9, T (M )
é completa (sinônimo, no caso clássico, de maximal). 

Nosso próximo tema, discutido na secção que segue, é a construção de mode-


los para teorias consistentes, o chamado Teorema Generalizado da Completude,
devido a Leon Henkin.

3. Completude e Compacidade

A idéia fundamental de Leon Henkin foi de construir um modelo de um con-


junto consistente de sentenças de L, Γ, a partir de sı́mbolos linguı́sticos.
Para isto desenvolveu também a idéia, já apresentada na secção 2 do Capı́tulo 6,
de construir o que hoje é conhecido como uma extensão de Henkin de Γ (6.16),
em uma expansão por constantes da linguagem original, L. Como veremos adi-
ante, o domı́nio do modelo que construiremos será, essencialmente, constituı́do
das constantes adicionadas para obter a extensão de Henkin de Γ.
O resultado fundamental desta seção é o seguinte
Teorema 7.39 (Teorema Generalizado da Completude; Leon Henkin). Seja
L uma linguagem de primeira ordem com igualdade. Se Γ ⊆ Sent(L), então
Γ é consistente ⇔ Γ tem modelo.

Prova. A implicação (⇐) da equivalência no enunciado já foi observada no


item (c) do Corolário 7.38.
Para a recı́proca, suponha que Γ ⊆ Sent(L) é consistente. Pelo Teorema 6.17,
Γ possui uma extensão de Henkin, TH , em uma extensão LH por constanstes
de L. Seja T = T f (LH ) o conjunto dos termos fechados de LH (4.6).
Definimos uma relação binária E ⊆ T × T pela seguinte prescrição, onde τ , τ 0
∈T :
τ E τ0 ⇔ τ = τ 0 ∈ TH ,
isto é, h τ , τ 0 i ∈ E sse a sentença atômica τ = τ 0 está na teoria TH (que, lem-
bremos, é completa e consistente em LH ). As leis da igualdade nos itens (c), (d)
e (e) do Lema 5.28, juntamente com o fato de que TH é uma teoria (e portanto
3. COMPLETUDE E COMPACIDADE 135

fechada por consequência lógica), garantem que E é uma relação de equivalência


em T (cf. A.25). Seja
|M | = T /E = {τ /E : τ ∈ T }
o conjunto das classes de equivalência dos termos fechados de LH módulo E.
Mostraremos que |M | é o domı́nio de uma LH -estrutura, M , tal que M |= TH .
Uma vez que T ⊆ TH , concluı́mos que M é modelo de T , como desejado.
Nossa primeira observação é o seguinte
Fato 7.40. Para todo τ ∈ T existe uma constante c em LH tal que τ /E
= c/E. Em particular, |M | = {c/E : c é uma constante em LH }.

Prova. Seja x uma variável que não ocorre em τ e consideremos a sentença ∃x


(x = τ ); uma vez que TH é uma teoria de Henkin, e x é livre em x = τ , deve
existir uma constante c ∈ LH tal que a sentença atômica c = τ pertence a TH .
Mas então a definição da relação E garante que h c, τ i ∈ E, isto é, c/E =
τ /E, como necessário. 2
Lembramos que LH é uma extensão por constantes de L e assim para cada
n ∈ ω temos
rel(n, L) = rel(n, LH ) e f un(n, L) = f un(n, LH ),
isto é, L e LH possuem os mesmos sı́mbolos relacionais e funcionais. Antes de
dar a interpretação dos sı́mbolos não-lógicos de LH em |M |, registramos o
Fato 7.41. Sejam n ∈ ω, f um sı́mbolo funcional n-ário e R um sı́mbolo
relacional n-ário em L. Se τ 1 , . . . , τ n , τ 01 , . . . , τ 0n são n-uplas em T , tais que ∀ k
∈ n, τ k /E = τ 0k /E, então
(1) R(τ 1 , . . . , τ n ) ∈ TH ⇔ R(τ 01 , . . . , τ 0n ) ∈ TH .
(2) f (τ 1 , . . . , τ n ) = f (τ 01 , . . . , τ 0n ) ∈ TH , i.e., f (τ 1 , . . . , τ n )/E =
f (τ 01 , . . . , τ 0n )/E.
Assim, E é uma congruência para todos os sı́mbolos funcionais (e relacionais)
em L (A.28).

Prova. Os itens (1) e (2) são consequência imediata do Corolário 5.29. De fato,
por 5.29.(a), temos
`C nk=1 (τ k = τ 0k ) → [R(τ 1 , . . . , τ n ) ↔ R(τ 01 , . . . , τ 0n )].
V

Uma vez que para todo k ∈ n a sentença τ k = τ 0k está em TH e TH é fechada


por consequência lógica, obtemos [R(τ 1 , . . . , τ n ) ↔ R(τ 01 , . . . , τ 0n )] ∈ TH . Logo,
R (τ 1 , . . . , τ n ) ∈ TH sse R(τ 01 , . . . , τ 0n ) ∈ TH , como desejado. Analogamente,
o item (b) de 5.29 fornece (2), como necessário. 2
A interpretação dos sı́mbolos não-lógicos em |M | é a seguinte, lembrando
que por 7.40 temos |M | = {c/E : c ∈ Ct(LH )} :
136 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

∗ Se f é um sı́mbolo funcional n-ário em L e c1 /E, . . . , cn /E são elementos de


|M |, então
f M (c1 /E, . . . , cn /E) = f (c1 , . . . , cn )/E;
Note que pelos Fatos 7.40 e 7.41 esta definição é independente de representantes
das classes de equivalência.
∗ Se R é um sı́mbolo relacional n-ário em L então
RM = {h c1 /E, . . . , cn /E i ∈ |M |n : R(c1 , . . . , cn ) ∈ TH }.
∗ Se c é uma constante em LH , então cM = c/E.
Agora temos o

Fato 7.42. Se τ é um termo fechado em LH , então τ M = τ /E, i.e., a


interpretação de τ em M é a sua classe de equivalência por E.

Prova. O resultado é verdadeiro por definição se τ é uma constante. Pros-


seguimos por indução na complexidade; se f é um sı́mbolo funcional n-ário e
τ 1 , . . . , τ n são termos fechados em LH , pelo Fato 7.40, para cada k ∈ n existe
uma constante ck em LH tal que τ k /E = ck /E. Assim, tendo em conta o
item (2) do Fato 7.41 (i.e., f (τ 1 , . . . , τ n ) = f (c1 , . . . , cn )), obtemos, utilizando a
hipótese de indução,
τ M = f M (τ M M M M
1 , . . . , τ n ) = f (τ 1 /E, . . . , τ m /E) = f (c1 /E, . . . ,
cn /E)
= f (c1 , . . . , cn )/E = f (τ 1 , . . . , τ n )/E = τ /E,
completando o passo de indução e a prova de 7.42. 2
Resta mostrar que a LH -estrutura M é um modelo de TH . Por indução na
complexidade das fórmulas, provaremos que se ϕ(v1 , . . . , vn ) é uma fórmula de
LH e h c1 /E, . . . , cn /E i ∈ |M |n , então
(I) M |= ϕ[c1 /E, . . . , cn /E] ⇔ ϕ(c1 , . . . , cn ) ∈ TH .
Uma vez (I) estabelecido, concluiremos que se σ é uma sentença em TH , então
M |= σ, isto é, M é um modelo de TH . Lembrando a Observação 7.35, para
estabelecer (I) é suficiente verificar sua validade para fórmulas atômicas, para
a disjunção, para a negação e para o quantificador existencial.
(a) Seja ϕ = R(τ 1 (v), . . . , τ m (v)) uma fórmula atômica, com v = h v1 , . . . , vn i,
τ 1 , . . . , τ m termos em LH e R um sı́mbolo relacional m-ário. Fixemos c/E
= h c1 /E, . . . , cn /E i ∈ |M |n ; para cada k ∈ m, pelo Fato 7.40, existe uma
constante dk em LH tal que dk /E = τ k (c)/E 14. Consequentemente, pelos
Fatos 7.41 e 7.42, temos

14Note que τ (c) = τ ( pv |c q, . . . , pv |c q) é um termo fechado de L .


k k 1 1 n n H
3. COMPLETUDE E COMPACIDADE 137
(
∀ k ∈ m, [τ k (c)]M = τ k (c)/E e dM
k = dk /E;
(II)
R(τ 1 (c), . . . , τ m (c)) ∈ TH ⇔ R(d1 , . . . , dm ) ∈ TH .
Assim, lembrando a definição da interpretação de R em M acima, obtemos,
utilizando as relações em (II):
M |= ϕ[c/E] ⇔ [τ 1 (c)]M , . . . , [τ m (c)]M ∈ RM ⇔ h τ 1 (c)/E, . . . , τ m (c)/E i
∈ RM
⇔ h d1 /E, . . . , dm /E i ∈ RM ⇔ R(d1 , . . . , dm ) ∈ TH
⇔ R(τ 1 (c), . . . , τ m (c)) ∈ TH ⇔ ϕ(c1 , . . . , cn ) ∈ TH ,
estabelecendo (I) para fórmulas atômicas.
(b) Se ϕ = ψ ∨ χ, então a hipótese de indução acarreta
M |= (ψ ∨ χ)[c/E] ⇔ M |= ψ [c/E] ou M |= χ[c/E]
⇔ ψ [c] ∈ TH ou χ[c] ∈ TH ⇔ (ψ ∨ χ)(c) ∈
TH ,
onde a última equivalência advém do fato que uma teoria completa (i.e., maxi-
mal) é prima (Lema 6.9).
(c) Para a negação, obtemos utilizando a hipótese de indução,
M |= ¬ ψ [c/E] ⇔ Não é verdade que M |= ψ [c/E] ⇔ ψ [c] 6∈ TH
⇔ ¬ ψ [c] ∈ TH ,
a última equivalência sendo consequência da completude de TH (Lema 6.9).
(d) Se ϕ(v1 , . . . , vn ) = ∃x ψ , então a hipótese de indução fornece
M |= ϕ[c/E] ⇔ Existe d ∈ Ct(LH ) tal que M |= ψ [c/E; d/E] ⇒
ψ (c, d) ∈ TH
⇒ ∃x ψ (c) ∈ TH 15,
fornecendo a implicação (⇒) da equivalência em (I). Para a recı́proca, podemos
supor que x possua ocorrências livres em ψ , caso contrário nada a provar pois
`C ϕ ↔ ψ (pelo item (a) do Teorema 5.18). Já que TH é uma teoria de Henkin
e ∃x ψ (c) ∈ TH , existe uma constante d em LH tal que ψ (c; px|dq) ∈ TH .
A hipótese de indução acarreta M |= ψ [c/E; d/E] e a definição de satisfação
fornece M |= ∃x ψ [c], encerrando a demonstração. 
O leitor deverá ter observado a essencialidade da extensão da teoria original
ser de Henkin (6.16) para a prova do Teorema 7.39; além disso, a prova de 7.39
fornece informação acerca do tamanho do modelo de um conjunto consistente de
sentenças que vale a pena registrar e que será importante abaixo. Para enunciar
estas propriedades, introduzimos as seguintes convenções:
15Lembre-se que d ∈ Ct(L ) é livre para x em ψ e o axioma [∃] fornece ` ψ (c, d) → ∃x ψ (c). Como T
H C H
é teoria e portanto fechada por consequência lógica, obtemos ∃x ψ (c) ∈ TH .
138 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

7.43. Cardinalidade de Conjuntos. Para evitar conflito com a notação


de subestrutura elementar, a ser apresentada mais tarde, iremos mudar um
pouco o modo de comparar o tamanho de conjuntos, introduzido em A.15.(b).
Se X e Y são conjuntos, então:
∗ card (X) ≤ card (Y ), (o cardinal de X é menor ou igual ao cardinal
de Y ), indica que existe uma função injetora de X em Y ;
∗ card (X) = card (Y ), (X e Y tem a mesma cardinalidade), indica
que existe uma função bijetora de X em Y ;
∗ card (X) < card (Y ), (o cardinal de X é estritamente maior que o
cardinal de Y ), indica que existe uma função injetora de X em Y , mas não
existe função injetora de Y em X.
Note que não estamos definindo a “cardinalidade” de um conjunto, mas sim
a relação entre os tamanhos de X e Y . Como exemplos desta notação temos,
onde X e Y são conjuntos:

(I) O Teorema de Cantor-Bernstein (A.17):


card (X) ≤ card (Y ) e card (Y ) ≤ card (X) ⇔ card (X) =
card (Y ).
(II) O Teorema
 de Cantor (A.21) garante que para todo conjunto X, card (X)
X
< card 2 .
Na presença do Lema de Zorn (ou do Axioma da Escolha), os resultados
dos itens (a), (b) e (d) do Teorema A.40 podem ser escritos, onde A e B são
conjuntos:
(III) card (A) ≤ card (B) ou card (B) ≤ card (A).
(IV) Se card (ω) ≤ card (A) (i.e., se A é infinito), então
card (A) = card (A × ω) = card (A × A).
(V) Se A é infinito, então card (A) = card (A∞ ), onde A∞ é o conjunto das
sequências finitas de elementos de A.
Aproveitamos o ensejo para registrar dois resultados, o primeiro dos quais é
equivalente ao Axioma da Escolha, que serão utéis abaixo:

Lema 7.44. a) Na presença do Lema de Zorn, se A e B são conjuntos e


existe uma função sobrejetora de A em B, então card (B) ≤ card (A).
b) Sejam A um conjunto infinito e {Dn : n ∈ ω} umaS famı́lia de
 conjuntos. Se
card (Dn ) ≤ card (A), para todo n ∈ ω, então, card n≥1 Dn ≤ card (A).
c) Se A é um conjunto infinito e D1 , . . . , DS
n são conjuntos tais que card (Dk )
≤ card (A), para todo k ∈ n, então card ( nk=1 Dk ) ≤ card (A).
3. COMPLETUDE E COMPACIDADE 139

Prova. a) Podemos supor que B 6= ∅. Uma função sobrejetora, f : A −→ B,


origina uma famı́lia não-vazia de conjuntos não-vazios, dada
Q por {f −1 [b] ⊆ A : b
∈ B}. Pelo item (c) do Teorema A.40, o produto B = b∈B f −1 [b] é não-vazio.
Se s ∈ B, note que:
∗ s : B −→ b∈B f −1 [b] = f −1 [B] = A;
S

∗ Para todo b ∈ B, f (s(b)) = b, pois s(b) ∈ f −1 [b]. Assim, f ◦ s = IdB .


Pelo item (b.1) da Proposição A.16, concluı́mos que s : B −→ A é injetora,
mostrando que card (B) ≤ card (A), como desejado.
S Para cada n ∈ ω fixemos uma função injetora fn : Dn −→ A. Seja
b)
16
D =
n≥1 Dn . Para cada x ∈ D, seja µ(x) = min {k ∈ ω : x ∈ Bk } . Agora,
definimos
f : B −→ ω × A, dada por f (x) = µ(x), fµ(x) (x) .
Então, f é injetora; de fato, f (x) = f (y) implica µ(x) = µ(y) = m e fm (x) =
fm (y). Já que fm é injetora, concluı́mos que x = y, como desejado. Acabamos
de mostrar, lembrando A.40.(b) (ou (IV) em 7.43) que
card (B) ≤ card (ω × A) = card (A),
como necessário. O item (c) é conseqência de (b): basta considerar a sequência
que para todo k ≥ n verifica Dk = Dn . 
7.45. Cardinalidade de Linguagens. Seja L uma linguagem de primeira
ordem com igualdade. Já que o conjunto das fórmulas e das sentenças em L
são sequências finitas de sı́mbolos do seu alfabeto Alf (L), que é um conjunto
infinito (há sempre infinitas variáveis), segue do item (d) do Teorema A.40 (ou
de (V) em 7.43) que
(I) card (Alf (L)) = card (Sent(L)) = card (F(L)).
Indicaremos esta cardinalidade comum por card (L).
Dizemos que L é enumerável se card (L) = card (ω). Por exemplo, as lin-
guagens das ordens, da Teoria dos Conjuntos, da Teoria dos Grupos, da Teoria
dos Anéis e da Teoria dos Anéis Ordenados são todas linguagens enumeráveis.
Em geral, toda linguagem tal que o conjuntos dos sı́mbolos relacionais, dos
sı́mbolos funcionais e das constantes são enumeráveis (ou finitos), será enu-
merável.
Quanto ao conjunto dos termos, o seu tamanho dependerá do número de
constantes e sı́mbolos funcionais. Está claro que se card (Ct(L)) = card (L),
então uma nova aplicação do item (d) do Teorema A.40 (ou de (V) em 7.43)
garante que
(II) card (T (L)) = card (L),
o que muitas vezes será o caso no que segue. Por exemplo, temos o seguinte
16Como x ∈ B, {k ∈ ω : x ∈ B } 6= ∅ e portanto possui mı́nimo pois ω é bem ordenado (A.4, A.41).
k
140 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Lema 7.46. Seja L uma linguagem de primeira ordem com igualdade e Γ ⊆


Sent(L) um conjunto consistente. Então, a extensão por constantes de L, LH ,
do Teorema 6.17 é tal que
card (LH ) = card (Ct(LH )) = card (T f (LH )) = card (L),
onde T f (LH ) é o conjunto dos termos fechados em LH .

Prova. A linguagem LH é construı́da (veja prova do Teorema 6.17 na página


108) pela iteração da operação ], definida em 6.18. Se L é uma linguagem de
primeira ordem com igualdade, e T é uma teoria consistente em L, então L] é
obtida juntando-se a L um novo conjunto de constantes, C, tal que card (C)
= card (∃T ), onde ∃T é o conjunto das sentenças em T do tipo ∃v ϕ, em que v
possui ocorrências livres em ϕ. Já que card (∃T ) ≤ card (T ) ≤ card (Sent(L))
= card (L), está claro que card (C) ≤ card (L). Como card (L) é infinito,
segue do item (c) do Lema 7.44 que
card (C) ≤ card L] = card (L ∪ C) = card (L).


Agora, uma indução simples mostrará, com a notação da prova do Teorema 6.17
S que para todo n ∈ ω, card (Ct(Ln )) ≤ card (L). Como Ct(LH )
(p. 108),
= n≥1 Ct(Ln ), o item (b) do Lema 7.44 garante que
card (Ct(LH )) = card (T f (LH )) ≤ card (L),
como necessário. 

A discussão acima tem a seguinte importante consequência:


Corolário 7.47 (da prova do Teorema 7.39). Se Γ é um conjunto con-
sistente de sentenças em uma linguagem de primeira ordem com igualdade L,
então Γ tem um modelo M tal que card (|M |) ≤ card (L).

Prova. Com a notação da prova do Teorema 7.39, seja |M | o domı́nio do


modelo ali construı́do; pelo Fato 7.40, temos
|M | = {c/E : c ∈ Ct(LH )}.
Há uma sobrejeção natural de Ct(LH ) em |M |, dada por c 7−→ c/E. Pelo item
(a) do Lema 7.44, concluı́mos, lembrando o Lema 7.46, que
card (|M |) ≤ card (Ct(LH )) ≤ card (L),
como desejado. 
Daqui em diante, o Corolário 7.47 será considerado parte integrante
da conclusão do Teorema 7.39.
Corolário 7.48 (O Teorema da Compacidade). Seja L uma linguagem de
primeira ordem com igualdade. Se todo subconjunto finito de Γ ⊆ Sent(L) tem
modelo, então Γ tem um modelo M tal que card (|M |) ≤ card (L).
3. COMPLETUDE E COMPACIDADE 141

Prova. Se todo subconjunto de Γ possui modelo, então Γ é consistente 17; segue


imediatamente do Teorema 7.39 que Γ tem um modelo M tal que card (|M |)
≤ card (L). 
Corolário 7.49 (Completude). Seja L uma linguagem de primeira ordem
com igualdade.
a) Se Σ ⊆ Sent(L) e ϕ é fórmula de L, as seguintes condições são equivalentes:

(1) Σ `C ϕ; (2) Para toda L-estrutura M , M |= Σ ⇒ M |= σ.


b) (Gödel) Se ϕ é uma fórmula de L, as seguintes condições são equivalentes:
(1) `C ϕ; (2) Para toda L-estrutura M , M |= ϕ.

Prova. Item (b) é consequência imediata de (a). Para (a), pelo Teorema da
Correção (7.23), basta verificar que (2) ⇒ (1). Uma vez que Σ é um conjunto
de sentenças, o item (a) do Teorema 5.23 e o axioma [∀] acarretam
(I) Σ `C ϕ ⇔ Σ `C ∀v ϕ,
onde ∀v ϕ é o fecho universal de ϕ (que é uma sentença em L). Suponha, por
absurdo, que vale (2) mas que ϕ não é consequência lógica de Σ; por (I), ∀v ϕ ∈
Sent(L) também não é consequência lógica de Σ e a Proposição 6.6.(b) garante
que Γ = Σ ∪ {¬ ∀v ϕ} é consistente. Pelo Teorema 7.39, Γ tem um modelo
M ; assim, M |= Σ e M |= ¬ ∀v ϕ. Logo, M não é modelo de ∀v ϕ e portanto,
pelo Corolário 7.33, não pode ser modelo de ϕ, contrariando a hipótese em (2)
e encerrando a demonstração. 
Encerramos esta seção com algumas aplicações importantes dos resulta-
dos acima. Outras serão apresentadas quando discutirmos L-morphismos e
o método de diagramas.
Corolário 7.50. Se uma teoria T ⊆ Sent(L) tem modelos finitos de car-
dinalidade arbitrariamente grande, então T tem um modelo infinito.

Prova. Seja C = {cn : n ∈ ω} um conjunto de novas constantes e seja L0 =


L ∪ C. Consideremos o seguinte conjunto de sentenças em L0 :
Σ = T ∪ {¬ (cn = cm ) : Para todo n 6= m em ω}.
Se F é um subconjunto finito de Σ, então apenas um subconjunto de c1 , . . . , cn
aparece nas sentenças em F. Seja M um modelo de T com ao menos n elemen-
tos; se x1 , . . . , xn ∈ |M | e definimos cM
k = xk , k ∈ n, M torna-se uma estrutura
para L ∪ {ck : k ∈ n}. Está claro que M é um modelo de F. Já que todo
subconjunto finito de Σ possui um modelo, o Teorema da Compacidade 7.48
garante que Σ possui um modelo, N . Como para todo p 6= q em ω, temos cN p
N
6= cq , está claro que |N | é infinito. 
17Γ só é inconsistente se possuir algum subconjunto finito que seja inconsistente!
142 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Corolário 7.51 (Löwenheim-Skolem-Tarski). Se uma teoria T ⊆ Sent(L)


tem modelos infinitos, então possui modelos de todas as cardinalidades maiores
ou iguais a card (L).

Prova. A prova é análoga à do Corolário 7.50. Seja C = {ci : I} um conjunto


de novas constantes tal que card (C) ≥ card (L) e consideremos o conjunto de
sentenças
Σ = T ∪ {¬ (ci = cj ) : Para todo i 6= j ∈ I},
na linguagem L0 = L ∪ C. Como T possui modelos infinitos, cada subconjunto
finito de Σ tem modelo, sendo portanto consistente. Pelo Teorema 7.39, Σ
possui um modelo M tal que
card (|M |) ≤ card (L0 ) = card (L ∪ C) = card (C),
onde a última igualdade vem de 7.44.(c). Note que se i 6= i em I, então cM i 6=
M M
cj , i.e., a função ci ∈ C 7−→ ci ∈ |M | é injetora. Logo, card (C) ≤ card (|M |)
e o Teorema de Cantor-Bernstein (A.17, ou (I) em 7.43) implica card (|M |) =
card (C), como desejado. 
Corolário 7.52 (Skolem). Existem modelos não-standard da teoria de N.

Prova. A teoria de N, T (N), é o conjunto das sentenças, na linguagem dos anéis


ordenados, satisfeitas em N = h N, +, ·, ≤, 0, 1 i (cf. 7.38.(c)) 18. Pelo Corolário
7.51, T (N) possui modelos não-enumeráveis que, claramente, não podem ser o
modelo standard. 
Seja ZF a Teoria Axiomática dos Conjuntos e ZFE 19 o resultado de adicionar
o Axioma da Escolha a ZF. Resultados famosos, devidos a Gödel e Cohen,
garantem que
ZFE é consistente ⇔ ZF é consistente ⇔ ZF + ¬ (AE) é
consistente,
onde ¬ (AE) é a negação do Axioma da Escolha. Merece a reflexão do leitor o
seguinte
Corolário 7.53. Se ZFE é consistente, então possue um modelo enu-
merável. Resultado análogo vale para ZF e ZF + ¬ (AE).

Prova. A linguagem de ZFE tem apenas um predicado binário (∈), sendo


portanto enumerável. Se ZFE for consistente, o Teorema 7.39 garante que
possue um modelo M , com card (M ) ≤ card (ω). Como o axioma da infinidade
fornece uma cópia de N dentro de M , concluı́mos que card (ω) ≤ card (M ) e
portanto (por A.17) obtemos card (M ) = card (ω). 
18 As vezes chamada de teoria dos números completa.
19Em inglês indicada por ZFC, com “C” indicando “Choice”.
4. EQUIVALÊNCIA ELEMENTAR. CONTRAÇÃO E EXPANSÃO DE ESTRUTURAS 143

4. Equivalência Elementar. Contração e Expansão de Estruturas

Em geral, há muitas maneiras de classificar estruturas. A definida a seguir,


devida a A. Tarski, é central em Teoria dos Modelos.
Definição 7.54. Com a notação em 7.38.(c), sejam M e N L-estruturas.
M é elmentarmente equivalente a N em L, em sı́mbolos, M ≡L N , sse
TL (M ) = TL (N ). Se a linguagem L estiver clara do contexto, omitimos o ı́ndice
L da notação.

Ou seja, M ≡ N em uma linguagem L, se não existir sentença em L que


possa “separar” M de N . Note que a relação de equivalência elementar possui
as seguintes propriedades:
7.55. Propriedades da Equivalência Elementar. Se M1 , M2 e M3 são
L-estruturas,
[≡ 1] : M1 ≡ M1 ; [≡ 2] : M1 ≡ M2 ⇒ M2 ≡ M1 ;
[≡ 3] : M1 ≡ M2 e M2 ≡ M3 ⇒ M1 ≡ M3 . 
Lema 7.56. Se T é uma teoria completa e consistente em L, então quaisquer
dois modelos de T são elementarmente equivalentes. Em particular, se M é uma
L-estrutura, todo modelo de T (M ) (cf. 7.38.(c)) é elementarmente equivalente
a M.

Prova. Sejam M e N modelos de T . Então, T ⊆ T (M ) e T ⊆ T (N ); como


todas estas teorias são maximais e consistentes, concluı́mos que T (M ) = T =
T (N ) e portanto M ≡ N . 
Descreveremos agora a contração e a expansão de estruturas, associada a
operações análogas em linguagens.
7.57. Contração de uma Estrutura. Seja L uma linguagem de primeira
ordem e seja L0 uma extensão de L conforme a Definição 6.14. Se M 0 é uma
L0 -estrutura, então M 0 é, de forma natural, uma L-estrutura: basta “esquecer”
os sı́mbolos funcionais e relacionais fora de L. Entendida com L-estrutura,
escrevemos M 0  L, denominada a contração de M 0 a L 20.
As relações de ser modelo de Γ ⊆ Sent(L) ou de L-equivalência elementar
são preservadas pela contração, isto é, se L0 é uma extensão de L, Γ ⊆ Sent(L)
e M 0 , N 0 são L0 -estruturas, então
[contração] M 0 |= Γ ⇒ M 0  L |= Γ e M 0 ≡L0 N 0 ⇒ M 0  L ≡L N 0  L,
pois a verificação da validade de uma fórmula em uma estrutura depende apenas
dos sı́mbolos não-lógicos com os quais foi escrita e toda fórmula de L é uma
fórmula de L0 .
20 O termo em inglês é reduct; não parece haver tradição em como nomear esta operação em português.
144 7. ESTRUTURAS DE PRIMEIRA ORDEM

Tanto a prova de 7.39, como a de seus Corolários na seção anterior, mostram


a utilidade de extensões, L0 , de uma linguagem L para obter modelos de uma
teoria Γ em L : a L0 -estrutura construı́da será modelo de Γ e portanto a sua
contração a L também será modelo de Γ. 
7.58. Expansão de Estruturas. Diagramas de Robinson. 21 Seja L
uma linguagem de primeira ordem com igualdade e seja M uma L-estrutura.
Há muitas maneiras de extender L a uma linguagem L0 e fazer de M uma L0 -
estrutura. Um método importante é funções de Skolem, que não abordaremos
aqui, indicando [CK], [Sch] e [Ho] como referências.
Como já foi indicado, outro método importante é a extensão por cons-
tantes. As idéias e definições apresentadas abaixo são devidas a Abraham
Robinson. Seja L uma linguagem de primeira ordem com igualdade e seja M
uma L-estrutura. Adicionamos a L um conjunto
CM = {a : a ∈ |M |}
de novas constantes, de modo que a função a ∈ |M | 7−→ a ∈ CM seja bijetora.
Em particular, a = a0 sse a = a0 em |M |. Seja LM a extensão de L obtida
juntando-se CM ao alfabeto de L. Para cada a ∈ |M |, a denomina-se o nome
de a em LM .
Note que M é, de modo natural, uma LM -estrutura, definindo-se
Para cada a ∈ |M |, ( a )M = a.
Esta é a única maneira em que consideraremos M como LM -estrutura
(evidentemente, há muitas outras).
Construı́da LM , definimos o diagrama positivo M por
D + (M ) = {ϕ ∈ Sent(LM ) : ϕ é atômica e M |= ϕ}
i.e., o conjunto das sentenças atômicas em LM que são válidas em M . O con-
junto D + (M ) faz o papel de uma “tabela” generalizada das operações e relações
entre os elementos de |M | :
∗ Se f é um sı́mbolo relacional n-ário em L e h a1 , . . . , an , an+1 i ∈ |M |n+1 são
tais que an+1 = f M (a1 , . . . , an ), então a sentença an+1 = f (a1 , . . . , an ) está
em D + (M );
∗ Se ϕ = R(t1 (v1 , . . . , vn ), . . . , tm (v1 , . . . , vn )) é uma fórmula atômica em L
e a ∈ |M |n é tal que M |= ϕ[a], isto é, tM M M
1 (a), . . . , tm (a) ∈ R , então a
LM -sentença
ϕ(a1 , . . . , an ) = R(t1 (a1 , . . . , an ), . . . , tm (a1 , . . . , an ))
está em D + (M ).
O diagrama de M é o conjunto
21 Em inglês, tipicamente usa-se “Expansion”.
4. EQUIVALÊNCIA ELEMENTAR. CONTRAÇÃO E EXPANSÃO DE ESTRUTURAS 145

D(M ) = {ϕ ∈ Sent(LM ) : ϕ é atômica ou negação de atômica e M |=


ϕ}.
Está claro que D + (M ) ⊆ D(M ); além disso, o diagrama de M expressa tanto
as relações e operações entre elementos de |M | que são válidas em M , quanto
as que não estão satisfeitas em M .
Finalmente, a teoria de M na linguagem LM (7.38.(c)),
Tc (M ) = {σ ∈ Sent(LM ) : M |= σ},
denomina-se o diagrama completo de M .
Os diagramas introduzidos aqui serão importantes na construção de mor-
fismos de diversos tipos entre estruturas, uns dos temas do próximo Capı́tulo.

CAPı́TULO 8

L-Subestruturas e L-Morfismos

Seja L uma linguagem de primeira ordem com igualdade. Neste Capı́tulo


apresentaremos as noções de subestrutura e subestrutura elementar, além de
estudarmos os diversos tipos de morfismos associados a L-estruturas.

1. Subestruturas e Subestruturas Elementares

Definição 8.1 (L-subestrutura). a) Se M , N são L-estruturas, dizemos


que N é uma L-subestrutura de M , e escrevemos N ⊆ M , se para todo
n∈ω:
[sub 0] : |N | ⊆ |M |;
[sub 1] : Para toda constante c em L, cM = cN ;
[sub 2] : Para todo sı́mbolo funcional n-ário f em L, f N = f M  |N |n ;
[sub 3] : Para todo sı́mbolo relacional n-ário em L, RN = RM ∩ |N |n .
b) Se N ⊆ M são L-estruturas, dizemos que N é uma L-subestrutura ele-
mentar de M , em sı́mbolos, N L M , se para toda fórmula ϕ(v1 , . . . , vn )
em L e todo a ∈ |N |n ,
N |= ϕ[a] ⇔ M |= ϕ[a].
Se a linguagem L estiver clara do contexto, omitimos sua menção, escrevendo
N  M , no lugar de N L M .
Exercı́cio 8.2. Sejam M uma L-estrutrura e |N | ⊆ |M |.
a) As seguinte condições são equivalentes, onde n ∈ ω :
(1) |N | é o domı́nio de uma L-subestrutura, N , de M ;
(2) (i) {cM : c ∈ Ct(L) ⊆ |N |};
(ii) Para todo sı́mbolo funcional f ∈ L e todo b = h b1 , . . . , bn i ∈ |N |n ,
f M (b) ∈ |N |.
b) A relação  possui as seguintes propriedades, onde M1 ⊆ M2 ⊆ M3 são
L-estruturas:
[ 1] : M1  M1 ;
[ 2] : M1  M2 e M2  M3 ⇒ M1  M3 .
[ 3] : M1  M2 ⇒ M1 ≡ M2 .

147
148 8. L-SUBESTRUTURAS E L-MORFISMOS

Observação 8.3. As condições (2).(i) e (2).(ii) do Exercı́cio 8.2.(a) nos


dizem que se um subconjunto, |N |, do domı́nio de uma L-estrutura M contém
as constantes e é fechado para todas as operações em L, então |N | é domı́nio
de uma L-subestrutura de M , dada por
∗ Para cada c ∈ Ct(L), cN = cM ;
∗ Para cada sı́mbolo funcional n-ário f em L, f N = f M  |N |n ; note que
(2).(ii) garante que esta restrição toma valores em |N |, como necessário;
∗ Para cada sı́mbolo relacional n-ário R em L, RN = RM ∩ |N |n .
Observe que se uma linguagem não possui sı́mbolos funcionais, então qualquer
subconjunto do domı́nio de uma L-estrutura M que contenha as interpretações
das constantes determina uma L-subestrutura de M . A presença de sı́mbolos
funcionais adiciona uma “complicação” : o subconjunto considerado precisa
ser fechado em relação a todas as operações em L. Estas exigências nos são
familiares: um subgrupo de um grupo precisa conter o elemento neutro e, além
de ser fechado em relação às operações de grupo e inverso; um sub-anel de um
anel precisa conter 0 e 1, além de ser fechado em relação a soma e ao produto;
etc. 
Exemplo 8.4. a) Seja Lao = {+, ·, ≤, 0, 1} a linguagem dos anéis ordenados
(4.4). Com as interpretações usuais em N, Z, Q e R, estes conjuntos de números
tornam-se Lao -estruturas. Além disso, como cada um desses domı́nios é fechado
para as operações de soma e produto, e a relação de ordem é preservada, temos
N ⊆ Z ⊆ Q ⊆ R, como Lao -estruturas.
b) Seja L0ao a extensão de Lao obtida pela adição √
de um sı́mbolo funcional 1-
ário, ρ. Seja ρR a função raiz quadrada. Como 2 é irracional, a restrição
de ρR a Q não fornece uma função de Q em Q. Consequentemente, Q não
é uma L0ao -subestrutura de R. Evidentemente, o mesmo aplica-se a N e Z.
Exemplos semelhantes podem ser obtidos adicionando-se a Lao constantes cujas
interpretações em R sejam irracionais. 
Lema 8.5. Sejam M e N L-estruturas, com N ⊆ M , e seja n ≥ 1 um
natural.
a) Se τ (v1 , . . . , vn ) é um termo em L, então para todo a ∈ |N |n , τ M (a) =
τ N (a) 1.
b) Se ϕ(v1 , . . . , vn ) é uma fórmula atômica em L, então para todo a ∈ |N |n ,
N |= ϕ[a] ⇔ M |= ϕ[a].

Prova. a) Por indução na complexidade. Se τ é uma constante c em L, [sub


1] em 8.1 garante que cM = cN . Se τ é uma variável vk , k ∈ n, então (vk )M (a)
= ak = (vk )N (a), a projeção na k-ésima coordenada. Suponha que g é um
1 Ou seja, τ M  |N |n = τ N , uma extensão natural de [sub 2] em 8.1.
1. SUBESTRUTURAS E SUBESTRUTURAS ELEMENTARES 149

sı́mbolo funcional m-ário em L e que τ = g(t1 (v1 , . . . , vn ), . . . , tm (v1 , . . . , vn )).


A hipótese de indução e a cláusula [sub 2] em 8.1 fornecem, lembrando que tN j (a)
∈ |N |,
τ M (a) = g M (tM M M N N N N
1 (a), . . . , tm (a)) = g (t1 (a), . . . , tm (a)) = g (t1 (a), . . . ,
tN
m (a))
= τ N (a),
completando a indução.
b) Seja ϕ = R(t1 (v1 , . . . , vn ), . . . , tm (v1 , . . . , vn )), onde R é um sı́mbolo rela-
cional m -ário e t1 , . . . , tm são termos em L. Pelo item (a), para cada a ∈ |N |n ,
temos tM N
j (a) = tj (a) ∈ |N |, j ∈ m. Assim, lembrando que R
N
= RM ∩
|N |n ([sub 3] em 8.1), obtemos
M |= ϕ[a] ⇔ tM M
1 (a), . . . , tm (a) ∈ R
M
⇔ tN N
1 (a), . . . , tm (a) ∈ R
M

∩ |N |n
⇔ tN N
1 (a), . . . , tm (a) ∈ R
N
⇔ N |= ϕ[a],
completando a demonstração. 
O seguinte critério é útil para mostrar que N  M .

Lema 8.6. Se M e N são L-estruturas, com N ⊆ M , então conições são


equivalentes:
(1) N  M ;
(2) Para toda fórmula do tipo ∃vp ψ (v1 , . . . , vn ) em L e todo a ∈ |N |n ,
M |= ∃vp ψ [a] ⇒ N |= ∃vp ψ [a].

Prova. É suficiente mostrar que (2) ⇒ (1). Por indução na complexidade,


mostraremos que para toda fórmula ϕ(v1 , . . . , vn ) em L e todo a ∈ |N |n ,
(I) N |= ϕ[a] ⇔ M |= ϕ[a].
O leitor deve ter em mente os comentários em 7.35 e em 7.37. Já que N
é subestrutura de M , segue de 8.5.(b) que (I) vale para fórmulas atômicas.
Utilizando a hipótese de indução, obtemos que (I) também vale para todos os
conectivos proposicionais. Por exemplo,
N |= (ϕ1 ∨ ϕ2 )[a] ⇔ N |= ϕ1 [a] ou N |= ϕ2 [a] ⇔ M |= ϕ1 [a] ou
M |= ϕ2 [a]
⇔ M |= (ϕ1 ∨ ϕ2 )[a].
Analogamente, mostramos que N |= ¬ ϕ[a] ⇔ M |= ¬ ϕ[a]. Se ϕ = ∃vp
ψ (v1 , . . . , vn ) então (veja [Ex] em 7.37)
N |= ∃vp ψ [a] ⇒ existe b ∈ |N | tal que N |= ψ [a; b].
150 8. L-SUBESTRUTURAS E L-MORFISMOS

Como b ∈ |M |, a hipótese de indução fornece M |= ψ [a; b], e portanto M |= ∃vp


ψ [a]. O fato de que M |= ∃vp ψ acarreta N |= ∃vp ψ é consequência imediata
de (2), completando a demonstração. 
Se a linguagem L não possuir sı́mbolos funcionais, então a união de uma
famı́lia arbitrária de L-estruturas é uma L-estrutura, tendo como domı́nio a
união dos domı́nios das estruturas da famı́lia. O caso importante em que L tem
sı́mbolos funcionais exige mais cuidado, devido a necessidade de compatibilidade
entre as operações associadas a cada sı́mbolo funcional. O resultado a seguir é
o mais geral que se pode esperar provar neste caso.
Proposição 8.7. Seja M = {Mi : i ∈ I} uma famı́lia de L-estruturas,
dirigida para cima pela relação de inclusão, isto é,
[⊆ dir] Para todo i, j ∈ I, existe k ∈ I, tal que Mi ⊆ Mk e Mj ⊆ Mk .
S
Seja |M | = i∈I |Mi |. Então, |M | é o domı́nio de uma única L-estrutura,
M , tal que para todo i ∈ I, temos Mi ⊆ M S . Esta estrutura
S M é a união da
famı́lia dirigida M, sendo indicada por i∈I Mi ou M.
Em particular, se I é uma cadeia 2 e M = {Mi : i ∈ I} é tal que i ≤ j implica
S i ⊆ Mj (isto
M S é, M é uma cadeia pela inclusão), então M possui uma união,
M = i∈I Mi .

Prova. Daremos a definição da interpretação dos sı́mbolos não-lógicos de L,


que irão fazer de |M | uma L-estrutura. Seja n ≥ 1 um natural.
∗ Para cada constante c ∈ Ct(L), escolhemos i ∈ I e defimos cM = cMi ; esta
escolha independe de i ∈ I. De fato, dados i, j ∈ I, existe k ∈ I tal que Mi ⊆
Mk e Mj ⊆ Mk . Assim, a propriedade [sub 1] em 8.1 garante que cMi = cMk =
cMj , como desejado.
Antes de definir a interpretação dos sı́bolos funcionais, registramos o se-
guinte:
Fato 8.8. Para todo n ≥ 1, |M |n = n
S
i∈I |Mi | .

Prova. Para n = 1, esta é a definição de |M |. Em particular, |Mi | ⊆ |M |, para


todo i ∈ I, e portanto |Mi |n ⊆ |M |n . Segue imediatamente que o lado direito
da igualdade no enunciado está contido em |M |n . Para a inclusão oposta, seja a
= h a1 , .S. . , an i ∈ |M |n ; para cada p ∈ n, existe ip ∈ I tal que ap ∈ Mip (afinal,
|M | = |Mi |). Já que a famı́lia é dirigida para cima pela inclusão, existe j ∈
I, tal que Mip ⊆ Mj , para todo p ∈ n 3. Mas então, a = h a1 , . . . , an i está em
|Mj |n , conforme necessário. O leitor observará a importância, na prova, de que
a famı́lia |Mi | seja dirigida para cima pela inclusão. 2
2İ.e., linearmente ordenado.
3 Por indução em p ∈ n, lembrando que para cada 2 há um satisfazendo as condições desejadas.
1. SUBESTRUTURAS E SUBESTRUTURAS ELEMENTARES 151

∗ Se f é um sı́mbolo n-ário em L, {f Mi : i ∈ I} é uma famı́lia compatı́vel de


funções parciais de |M |n em |M |. De fato, fixados i, j ∈ I, seja k ∈ I tal que
Mi , Mj ⊆ Mk . Então, a cláusula [sub 2] em 8.1 garante que
f Mi = f Mk  |Mi | e f Mj = f Mk  |Mj |.
Portanto, f Mi e f Mj , sendo restrições de uma mesma função, devem coincidir
na interseção de seus domı́nios, |Mi |n ∩ |Mj |n ⊆ |M |n . Como dom f Mi = |Mi |n ,
i ∈ I, o Fato 8.8 fornece
|M |n = Mi
S
i∈I dom f ,
e o Princı́pio de Colagem de Compatı́veis (A.34), garante que existe uma única
função
f M : |M |n −→ |M |
tal que f M  |Mi |n = f Mi , para todo i ∈ I, determinando a interpretação de
f em M .
∗ Se R é uma relação n-ária em L, definimos
RM = Mj
S
j∈I R .

Como RMj ⊆ |Mj |n ⊆ |M |n , j ∈ I, temos RM ⊆ |M |n . Resta mostrar que


(II) Para todo i ∈ I, RM ∩ |Mi |n = RMi .
Fixemos i ∈ I; está claro da definição que RMi ⊆ RM ∩ |Mi |n ; para a outra
inclusão, suponha que a ∈ RM ∩ |Mi |n . Pela definição de RM , deve existir j ∈
I, tal que a ∈ RMj ; como a famı́lia dos Mi é dirigida pela inclusão, existe k tal
que Mi , Mj ⊆ Mk . Assim, temos a ∈ RMj ⊆ RMk . Como também sabemos que
a ∈ |Mi |n e Mi é subestrutra de Mk , concluı́mos que
a ∈ RMk ∩ |Mi |n = RMi ,
estabelecendo (II).
As prescrições acima mostram que M é uma L-estrutura, tal que Mi ⊆ M ,
para todo i ∈ I; a unicidade da L-estrutura com domı́nio |M | e satisfazendo
esta condição é deixada aos cuidados do leitor. 
O próximo resultado fornece um método importante na Teoria dos Modelos:
Teorema 8.9 (Lema de Tarski). Seja M = {Mi : i ∈ I} uma famı́lia de
L-estruturas, dirigida para cima pela relação , isto é,
[ dir] Para todo i, j ∈ I, existe k ∈ I tal que Mi  Mk e Mj  Mk .
S
Então, para todo i ∈ I, Mi  M (definida em 8.7). Em particular, se {Mi
: i ∈ I} S
é uma cadeia elementar (isto é, I é uma cadeia e i ≤ j implica Mi  Mj )
e M = i∈I Mi , então Mi  M , para todo i ∈ I.

Prova. Mostraremos, por indução na complexidade, que se ϕ(v1 , . . . , vn ) é uma


fórmula em L, então
152 8. L-SUBESTRUTURAS E L-MORFISMOS

n
(*) Para todo n ≥ 1, para todo i ∈ I e todo a ∈ |Mi | ,
Mi |= ϕ[a] ⇔ M |= ϕ[a] .
Como cada Mi é L-subestrutura de M , o Lema 8.5.(b) garante que (*) vale para
as fórmulas atômicas. Se ϕ = ψ ∨ χ, temos
Mi |= (ψ ∨ χ)[a] ⇔ Mi |= ψ [a] ou Mi |= χ[a] ⇔ M |= ψ [a] ou M
|= χ[a]
⇔ M |= (ψ ∨ χ)[a].
Analogamente, tratamos o caso dos outros conectivos proposicionais 4. Suponha
que ϕ = ∃vp ψ (v1 , . . . , vn ); então
Mi |= ∃vk ψ [a] ⇔ existe b ∈ |Mi | tal que Mi |= ψ [a; b],
A hipótese de indução garante que M |= ψ [a; b] e portanto M |= ∃vp ψ [a].
Para a recı́proca, suponha que M |= ∃vp ψ [a]; então, existe d em |M | tal que
M |= ψ [a; d]. Já que |M | =
S
i∈I |Mi | (por 8.7), existe j ∈ I tal que d ∈
Mj . Como a famı́lia é dirigida para cima por , existe Mk tal que Mi  Mk e
Mj  Mk . Note que a1 , . . . , an , d ∈ |Mk |, pois d ∈ |Mk | e a1 , . . . , an ∈ |Mi | ⊆
|Mk |. Assim, a hipótese de indução implica Mk |= ψ [a; d], acarretando Mk |=
∃vk ψ [a]. Já que Mi  Mk , com a ∈ |Mi |n ,obtemos Mi |= ∃vk ψ [a], conforme
necesário para atravessar o passo de indução pelo quantificador existencial. 
Após apresentarmos a noção de morfismo de L-estruturas, daremos exemplos
de subestruturas elementares.

2. Morfismos de L-estruturas

Definição 8.10 (Morfismos de L-estruturas). a) Se M e N são L-estruturas,


um L-morfismo de M em N é uma função f : |M | −→ |N |, tal que, com a
convenção notacional em 7.14.(b),
[mor 1] : Para todo sı́mbolo de constante c em L, f(cM ) = cN ;
[mor 2] : Para cada n ∈ ω, cada sı́mbolo funcional n-ário f em L e todo a =
h a1 , . . . , a n i
em |M |n , f(f M (a)) = f N (f(a1 ), . . . , f(an )) = f N (f(a));
[mor 3] : Para cada n ∈ ω, cada sı́mbolo relacional n-ário R em L e todo a =
h a1 , . . . , a n i
em |M |n , a ∈ RM ⇒ f(a) = h f(a1 ), . . . , f(an ) i ∈ RN .
b) Um L-morfismo é uma L-imersão se para cada n ∈ ω, cada sı́mbolo relaci-
onal n-ário R em L e todo a = h a1 , . . . , an i em |M |n ,
5
[imersão] : a ∈ RM ⇔ f(a) = h (a1 ), . . . , f(an ) i ∈ RN .
4 Lembramos ao leitor a Observação 7.35.
5 Ou seja o “⇒” em [mor 3] foi substituı́do po “⇔”.
2. MORFISMOS DE L-ESTRUTURAS 153

c) Um L-morfismo é um L-isomorfismo se for uma L-imersão sobrejetora.

Exercı́cio 8.11. a) Se M é uma L-estrutura, a identidade, Id|M | : |M |


−→ |M | é o suporte de um L-morfismo, denominado morfismo identidade
de M e indicado por IdM .
b) Mostre que a composição de L-morfismos é um L-morfismo.
c) Mostre que a composição de L-imersões é uma L-imersão.
d) Mostre que toda L-imersão é injetora 6.
e) Mostre que para um L-morfismo, f : M −→ N , 7, as seguintes condições são
equivalentes:
(1) f é um L-isomorfismo;
(2) Existe um L-morfismo, g : N −→ M tal que g ◦ f = IdM e f◦g
= IdN .

Os resultados do Exercı́cio 8.11 mostram que a famı́lia das L-estruturas e seus


morfismos constituem uma categoria, indicada por L-estr.

Proposição 8.12. Sejam τ um termo de L e f : M −→ N um L-


morfismo. Então, τ N ◦ f ω = f ◦ τ M , isto é, o seguinte diagrama é comuta-
tivo, onde f ω é definido em 7.14:

|M |ω fω - |N |ω

τM τN
? ?
|M | - |N |
f

Prova. Por indução na complexidade. Se τ é uma constante c, então sabemos


que f (cM ) = cN . Logo, como a interpretação de c tanto em M , quanto em N
são as funções constantes de valor as respectivas interpretações, para cada s ∈
|M |ω , temos
[cN ◦ f ω ](s) = cN (f ω (s)) = cN = f (cM ) = f (cM (s)) = [f ◦ cM ](s),
como necessário. Se τ é uma variável vk , então a τ M e τ N são as projeções
na k-ésima coordenada, de M ω em M e N ω em N , πiM e πiN , respectivamente.
Como f ω (s)(i) = f (si ), obtemos
[πiN ◦ f ω ](s) = πiN (f ω (s)) = f (si ) = f (πiM (s)) = [f ◦ πiM ](s),

6 Lembre-se que L é uma linguagem com igualdade.


7 Nesta expressão estará sempre ı́mplicito que M e N são L-estruturas
154 8. L-SUBESTRUTURAS E L-MORFISMOS

como desejado. Suponha que τ = g(t1 , . . . , tn ), onde g é um sı́mbolo funcional


n-ário e t1 , . . . , tn são termos em L, satisfazendo a conclusão do enunciado.
Então,
(*) τ M = g M (tM M
1 , . . . , tn ) e τ N = g N (tN N
1 , . . . , tn ).
Como f é um L-morfismo, para cada a = h a1 , . . . , an i ∈ |M |n , temos
f (g M (a1 , . . . , an )) = g N (f (a1 ), . . . , f (an )).
Assim, para s ∈ |M |ω , obtemos, lembrando (*),
(**) f (τ M (s)) = f (g M (tM M N M M
1 (s), . . . , tn (s))) = g (f (t1 (s)), . . . , f (tn (s))).
Pela hipótese de indução, para cada k ∈ n,
f (tM N ω
k (s)) = tk (f (s)),
que substituı́da em (**), fornece, lembrando a definição de substituição (7.10),
f (τ M (s)) = g N (tN ω N ω N ω
1 (f (s)), . . . , tn (f (s))) = τ (f (s)),
completando o passo de indução e a demonstração. 
Observação 8.13. Seja τ = τ (v1 , . . . , vn ) um termo em L. Com a convenção
notacional em 7.36, a conclusão de 8.12 escrever-se-ia
Para todo a ∈ |M |n , τ N (f(a)) = f(τ M (a)),
onde f(a) = h f(a1 ), . . . , f(an ) i, conforme 7.14.(b). 

A noção de satisfação pode ser utilizada para caracterizar L-morfismos:


Lema 8.14. Sejam M e N L-estruturas e seja f : |M | −→ |N | uma função.
a) As seguintes condições são equivalentes, onde f(a) = h f(a1 ), . . . , f(an ) i :
(1) f é um L-morfismo;
(2) Para toda fórmula atômica ϕ(v1 , . . . , vn ) em L e para todo a = h a1 , . . . , an i
∈ |M |n ,
M |= ϕ[a] ⇒ N |= ϕ[f(a)]
b) As seguintes condições são equivalentes, onde f(a) = h f(a1 ), . . . , f(an ) i :
(1) f é uma L-imersão;
(2) Para toda fórmula atômica ϕ(v1 , . . . , vn ) em L e para todo a = h a1 , . . . , an i
∈ |M |n ,
M |= ϕ[a] ⇔ N |= ϕ[f(a)].

Prova. a) (1) → (2) : Seja ϕ(v1 , . . . , vn ) = R(t1 , . . . , tm ) uma fórmula atômica,


onde R é uma relação m-ária em L e t1 , . . . , tm são termos em L. Observe que
para cada j ∈ m temos tj = tj (v1 , . . . , vn ). Fixada a = h a1 , . . . , an i ∈ |M |n ,
para cada j ∈ m a Proposição 7.20.(a) garante que
(*) f(tM N
j (a)) = tj (f(a)).
2. MORFISMOS DE L-ESTRUTURAS 155

Por outro lado, a condição [mor 3] em 7.16.(b) acarreta que para todo b =
h b1 , . . . , bm i ∈ |M |m , temos
(**) b ∈ RM ⇒ f(b) ∈ RN .
Tomando bj = tM j (a1 , . . . , an ) em (**) e levando em conta tanto (*), quanto a
condição [atom] em 7.21, obtemos
M |= ϕ[a] ⇔ tM M
1 (a), . . . , tm (a) ∈ RM ⇒ f(tM M
1 (a)), . . . , f(tm (a))
∈ RN
⇔ tN M
1 (f(a)), . . . , tm (f(a)) ∈ RN ⇔ N |= ϕ[f(a)],
como desejado.
(2) ⇒ (1) : Seja c uma constante em L e considere a fórmua atômica ϕ(v1 )
= (v1 = c) em L. Está claro que M |= ϕ[cM ] 8. Por (2), concluı́mos que
N |= ϕ[f(cM )], i.e., f(cM ) = cN , mostrando que f verifica [mor 1] em 7.16.(b).
Seja agora f um sı́mbolo relacional n-ário em L e considere a fórmula atômica
ϕ(v1 , . . . , vn , vn+1 ) = (vn+1 = f (v1 , . . . , vn )). Fixado a ∈ |M |n , seja an+1 =
f M (a); então, em M temos an+1 = f M (a), ou seja M |= ϕ[a, an+1 ]. Da condição
(2) obtemos N |= ϕ[f(a), f(an+1 ], isto é, em N vale
f(f M (a)) = f(an+1 ) = f N (f(a)),
mostrando que f verifica a condição [mor 2] em 7.16.(b). por fim, seja ϕ =
R(v1 , . . . , vn ), onde R é uma relação n-ária e v1 , . . . , vn são variáveis distintas.
Se para a ∈ |M |n temos M |= ϕ[a] (ou seja a ∈ RM ), então (2) assegura que
N |= ϕ[f(a)], isto é, f(a) ∈ RN , mostrando que f verifica [mor 3] em 7.16.(b) e
completando a prova de (a).
A demonstração de (b) é análoga e deixada aos cuidados do leitor. 
Exercı́cio 8.15. Se f : M −→ N é um L-isomorfismo, então para toda
fórmula ϕ(v1 , . . . , vn ) em L e cada a ∈ |M |n , M |= ϕ[a] ⇔ N |= ϕ[f(a)].
Exemplo 8.16. Seja L a linguagem pura da igualdade, isto é, a linguiagem
de primeira ordem cujo único sı́mbolo relacional é a igualdade. Está claro que:
(I) Uma L-estrutura é simplesmente um conjunto não vazio;
(II) Um L-morfismo, f : A −→ B, é simplesmente uma função de A em B;
(III) Se f : A −→ B é um L-morfismo, então
a) f é uma imersão ⇔ f é injetora;
b) f é uma isomorfismo ⇔ f é bijetora.
Assim, a noção de morfismo de estruturas generaliza a noção de função.
Para descrever um primeiro exemplo de subsestrutura elementar, precisaremos
o Lema que segue, enunciado com a notação em 7.43.
8 A interpretação do termo c em M é cM .
156 8. L-SUBESTRUTURAS E L-MORFISMOS

Lema 8.17. a) Sejam A1 , . . . ,SAn conjuntos finitos (A.19), com card


Pn (Ak )
9 n
= nk , k ∈ n. Então, A = k=1 Ak é finito e card (A) ≤ k=1 nk .
b) Sejam A, B conjuntos tais que A ∪ B é infinito e card (A) ≤ card (B).
Então:
(1) card (A ∪ B) = card (B).
(2) A 6= ∅ ⇒ card (A × B) = card (B).
c) Sejam E e C1 , . . . , Cn conjuntos, com E infinito. Então,
∀ k ∈ n, card (Ck ) < card (E) ⇒ card ( nk=1 Ck ) < card (E).
S

d) Sejam D ⊆ E conjuntos, com E infinito. Então,


card (D) = card (E) ou card (E \ D) = card (E)
e) Se A ⊆ B são conjuntos, com B infinito e card (A) < card (B), então para
x, y ∈ B, existe uma permutação f de B 10 tal que:
(1) Para a ∈ A, f(a) = a (i.e., A permanece fixo por f); (2) f(x) = y.
11
Prova. O item (a) fica como Exercı́cio para o leitor .
b) Pelo item (a), ou A ou B devem ser infinitos. Como card (A) ≤ card (B),
segue que B deve ser infinito (o que não exclui a possibilidade de que A também
seja infinito).
(1) Está claro que card (B) ≤ card (A ∪ B); resta mostrar a relação recı́proca
(e a conclusão segue de (I) em 7.43 ou A.17). Já que B é infinito, podemos
escolher b0 6= b1 em B. Definimos h : A ∪ B −→ B × B, dada para x ∈ A ∪ B
por
(
h x, b0 i se x ∈ A;
h(x) =
h x, b1 i se x ∈ B \ A.
Note que h está bem definida pois A ∪ B = A ∪ (B \ A) e estes dois últimos
conjuntos são disjuntos. Além disso, h é injetora; de fato, se h(x) = h(y), então,
devem possuir a mesma segunda coordenada. Se esta segunda coordenada for
b0 , então x e y estão ambos em A e da igualdade h x, b0 i = h y, b0 i obtemos x
= y. Se a segunda coordenada de h(x) = h(y) for b1 , então x, y ∈ B \ A e a
igualdade h x, b1 i = h y, b1 i acarreta x = y, como necessário. Pelo item (IV) em
7.43 (ou A.40.(b)), sabemos que card (B) = card (B × B). Já que h é injetora
concluı́mos que card (A ∪ B) ≤ card (B × B) = card (B), conforme desejado.
(2) Como card (A) ≤ card (B), seja g : A −→ B uma função injetora. Deixamos
aos cuidados do leitor mostrar que a função
f : A × B −→ B × B dada por f (a, b) = h g(a), b i
9 Isto é, A ≈ n = {1, . . . , n }.
k k k
10 Isto é, uma bijeção f : B −→ B.
11 Basta tratar o caso n = 2, com A ∩ A = ∅, e proceder por indução.
1 2
2. MORFISMOS DE L-ESTRUTURAS 157

é injetora. Assim, card (A × B) ≤ card (B × B) = card (B). Por outro lado,


como A 6= ∅, podemos fixar a0 ∈ A; mas então a função b ∈ B 7−→ h a0 , b i ∈
A × B é injetora, mostrando que card (B) ≤ card (A × B) e completando a
demonstração do item (b).
b) Para n = 1 o resultado é evidente. É suficiente provar o resultado para n =
2 e utilizar indução. Suponha que C1 e C2 sejam tais que card (Ci ) < card (E),
i = 1, 2. Se C1 e C2 são ambos finitos, o mesmo será verdade para a união
e portanto card (C1 ∪ C2 ) < card (E) (pois E é infinito). Resta o caso em
que C1 ou C2 é infinito. Sem perda de generalidade, podemos supor que C1 é
infinito. Pelo item (III) em 7.43 (ou A.40.(a)), temos
(*) (i) card (C1 ) ≤ card (C2 ) ou (ii) card (C2 ) ≤ card (C1 ).
Iremos tratar do caso (ii) em (*), a outra possibilidade sendo análoga. Note
que como estamos supondo que C1 é infinito, o caso (i) implica que C2 também
é infinito 12.
Fixemos uma injeção h : C2 −→ C1 e seja D = C1 \ h∗ (C2 ) (o complemento
em C1 da imagem de C2 por h). Note que C1 é a união disjunta de h∗ (C2 ) e
D. Já que C1 é infinito, fixamos c0 6= c1 em C1 e definimos
g : (C1 ∪ C2 ) −→ C1 × C1 ,
pela seguinte prescrição, onde x ∈ (C1 ∪ C2 ):
(
h h(x), c0 i se x ∈ C2 ;
g(x) =
h x, c1 i se x ∈ D = C1 \ h∗ (C2 ).
Note que g está bem definida, pois
a) Seja C = E \ D; está claro que card (D) ≤ card (E) e card (C) ≤
card (E). Além disso, já que E é infinito, devemos ter que ou C, ou D é
infinito 13. Só para fixar idéias, suponhamos que D é infinito. Pelo item (III)
em 7.43 (ou A.40.(a)), sabemos que
(*) card (C) ≤ card (D) ou card (D) ≤ card (C).
No primeiro caso em (*), fixemos uma injeção h : C −→ D. Como d é infinito,
sejam d0 6= d1 em D. Definimos g : E −→ D × D pela seguinte prescrição:
(
h h(e), d0 i se e ∈ C;
g(e) =
h e, d1 i se e ∈ D.
Note que g está bem definida pois C ∩ D = ∅ (C é o complemento de D em
E). Além disso, g é injetora; de fato, dados e, e0 ∈ E, se g(e) = g(e0 ), então
têm as mesmas segundas coordenadas em D × D e temos:

12 Assim, sob as nossas hipóteses, o caso (ii) é o mais geral.


13 A união de conjuntos finitos é finita.
158 8. L-SUBESTRUTURAS E L-MORFISMOS

∗ Se a segunda coordenada de g(e) = g(e0 ) é d0 , então as primeiras serão h(e)


= h(e0 ), com e ∈ C; como h é injetora, concluı́mos que e = e0 ;
∗ Se a segunda coordenada de g(e) = g(e0 ) for d1 , então as primeiras serão e =
e0 ∈ D.
Como D é infinito, o item (IV) em 7.43 (ou A.40.(b)) garante que card (D)
= card (D × D). Logo, a função g construı́da acima mostra que card (E) ≤
card (D) e portanto card (E) = card (D). O mesmo método funciona se valer
a segunda alternativa em (*), com C no lugar de D. Note que neste caso, C
também será infinito.


A próxima definição introduz duas noções fundamentais em Teoria dos Mo-


delos: preservação e reflexão de fórmulas por um morfismo.

Definição 8.18 (Preservação e Reflexão por um Morfismo). Seja f : M


−→ N um L-morfismo e seja ϕ(v1 , . . . , vn ) uma fórmula de L.
a) f preserva ϕ em a ∈ |M |n se M |= ϕ[a] ⇒ N |= ϕ[f(a)].
b) f preserva ϕ se preservar ϕ em todo a ∈ |M |n .
c) f reflete ϕ em a ∈ |M |n se N |= ϕ[f(a)] ⇒ M |= ϕ[a].
d) f reflete ϕ se refletir ϕ em todo a ∈ |M |n .

O Lema 8.14 mostra que um L-morfismo preserva todas as fórmulas atômicas;


e que uma imersão preserva e reflete todas as fórmulas atômicas. O exercı́cio
8.15 mostra que um L-isomorfismo preserva e reflete todas as fórmulas.
O conjunto das fórmulas preservadas por L-morfismos é consideravelmente
maior do que as atômicas. A definição que segue apresenta alguns tipos de
fórmulas que são importantes em aplicações de Teoria dos Modelos.

Definição 8.19. Uma fórmula ϕ de L é


a) sem quantificadores se ϕ não contém ocorrência de ∀ ou ∃;
b) positiva sem quantificadores, se for construı́da a partir das atômicas
utilizando somente os conectivos ∧ e ∨.
c) positiva se ϕ não contém ocorrência de ¬ ou →; equivalentemente, ϕ é
construı́da a partir das atômicas usando os conectivos ∧, ∨ e os quantificadores
∃ e ∀.
d) existencial positiva (∃+ ) se for construı́da a partir das atômicas usando
os conectivos ∧, ∨ e o quantificador ∃.
e) existencial (∃) se for construı́da a partir das atômicas usando todos os
conectivos, mas apenas o quantificador ∃.
2. MORFISMOS DE L-ESTRUTURAS 159

e) positiva primitiva (pp) se for da forma ∃x ϕ, onde ϕ é uma conjunção


de fórmulas atômicas.
f ) geométrica se for a negação de uma fórmula atômica ou da forma ∀x(ϕ(x; z) → ψ (x; z
onde ϕ e ψ são existenciais positivas.
g) universal se for construı́da a partir das atômicas usando todos os conectivos,
mas apenas o quantificador universal.
h) universal-existencial (∀∃) se for do tipo ∀ x∃y ψ , onde ψ é sem quantifi-
cadores.
h) básica de Horn se ϕ for a negação de uma fórmula atômica ou da forma
(ϕ → ψ ) onde ϕ é uma conjunção de fórmulas atômicas e ψ é atômica.
i) de Horn se for construı́da a partir de fórmulas básicas de Horn utilizando
o conectivo ∧ e os quantificadores ∃ e ∀.
O leitor poderá constatar a importância destes tipos de fórmulas examinando
os axiomas das teorias mencionadas em 6.11 na seção 1 do Capı́tulo 6.
Agora temos
Proposição 8.20. Seja f : M −→ N um L-morfismo.
a) f preserva toda fórmula existencial positiva.
b) Se f é uma imersão, então
(1) f preserva e reflete todas as fórmulas sem quantificadores;
(2) f preserva todas as fórmulas existenciais;
(3) f reflete todas as fórmulas universais.
Prova. a) Por indução na complexidade. O caso em que ϕ(v1 , . . . , vn ) é atômica
foi tratado no Lema 8.14.(a). Suponha que ϕ = ψ ∧ χ e que a conclusão vale
para ψ e χ. Então, para a ∈ |M |n ,
M |= ϕ[a] ⇔ M |= ψ [a] e M |= χ[a] ⇒ N |= ψ [f(a)] e N |=
χ[a]
e a última conjunção é equivalente a N |= ϕ[a]. Método análogo trata o caso
em que ϕ é um disjunção.
Suponha que ϕ(v1 , . . . , vn ) = ∃vk ψ ; seja s ∈ |M |ω tal que s n n = a e seja s0
= fω (s). Note que s0 n n = f(a). Se M |=s ∃vk ψ , então existe b ∈ |M | tal que M
|=s[k|b] ψ ; a hipótese de indução garante que N |=s0 [k|f(b)] ψ , ou seja, N |=s0 ∃vk
ψ , que é equivalente a N |= ∃vk ψ [f(a)], como necessário para encerrar a prova
de (a).
b) (1) Por indução na complexidade, mostraremos preservação e reflexão, pro-
vando que se ϕ(v1 , . . . , vn ) é sem quantificadores e a ∈ |M |n , então
M |= ϕ[a] ⇔ N |= ϕ[f(a)].
160 8. L-SUBESTRUTURAS E L-MORFISMOS

O caso em que ϕ(v1 , . . . , vn ) é atômica foi tratado no Lema 8.14.(b). Se ϕ = ψ


∨ χ e a hipótese de indução vale para ψ e χ, então, para a ∈ |M |n
M |= ϕ[a] ⇔ M |= ψ [a] ou M |= χ[a] ⇔ N |= ψ [f(a)] ou N |=
χ[f(a)]
⇔ N |= ϕ[f(a)].
De modo análogo atravessamos o passo de indução pelo conectivo da conjunção.
Para a negação, a definição de satisfação em 7.21, fornece
M |= ¬ ψ [a] ⇔ não é o caso que M |= ψ [a] ⇔ não é o caso que N |=
ψ [f(a)]
⇔ N |= ¬ ψ [f(a)].
Para o conectivo de implicação é suficiente notar que, por definição e para
qualquer s ∈ |M |ω ,
M |=s (ψ → χ) ⇔ M |=s ¬ ψ ∨ χ,
ou seja a implicação da definição de Tarski é a implicação material. Logo, a
conclusão segue dos passos para a disjunção e a negação, concluindo a prova de
(1). A prova de (2) é análoga ao do item (a) e deixada aos cuidados do leitor.
(3) Tendo em vista o item (1), devemos mostrar que se ϕ(v1 , . . . , vn ) é da forma
∀vk ψ e ψ é refletida por f, então o mesmo é verdade para ϕ. Como na prova de
(a), seja s ∈ |M |ω tal que s nn = a. Seja s0 = fω (s); como anteriormente, temos
s0 n
n = f(a).
Suponha que N |=s0 ∀vk ψ e seja a ∈ |M |. Como f(a) ∈ |N |, a cláusula [∀] na
definição 7.21 garante que N |=s0 [k|f(a)] ψ . Como ψ é refletida por f, concluı́mos
que M |=s[k|a] ψ . Uma vez que a ∈ |M | é arbitrário, segue que para todo a
∈ |M |, M |=s[k|a] ψ , isto é, M |=s ∀vk ψ , que é equivalente a M |= ∀vk ψ [a],
encerrando a demonstração. 
Exercı́cio 8.21. Sejam M uma L-estrutrura e |N | ⊆ |M |.
a) As seguinte condições são equivalentes, onde n ∈ ω :
(1) |N | é o domı́nio de uma L-subestrutura, N , de M ;
(2) A imersão canônica, ι|N | : |N | −→ |M |, é o suporte de uma L-imersão.
b) Se f : M −→ N é uma L-imersão, então f∗ (|M |) é o domı́nio de uma L-
subestrutura de M , denominada imagem de M por f e indicada por f∗ (M ).
Além disso, f : M −→ f∗ (M ) é um L-isomorfismo.
APÊNDICE A

Fundamentos

Este Apêndice descreve a notação e alguns conceitos fundamentais que serão


utilizados constantemente no texto. Como é usual
∗ P ⇒ Q é uma abreviação para “Se P, então Q”;
∗ P ⇔ Q ou P sse Q é uma abreviação para “P se e somente se Q”.

1. Operações com Conjuntos. O Princı́pio de Indução nos Naturais

A.1. Uniões, Interseções e Diferença Simétrica. Conjunto das Par-


tes. a) Se A e B são conjuntos, indicamos por A ⊆ B que A é um subconjunto
de B, isto é,
Para todo x, x ∈ A ⇒ x ∈ B.
Um axioma fundamental da Teoria dos conjuntos é o Axioma da Extensio-
nalidade, isto é
A = B ⇔ A ⊆ B e B ⊆ A.
b) Se A e B são conjuntos,

 A ∪ B = {x : x ∈ A ou x ∈ B},

A ∩ B = {x : z ∈ A e x ∈ B},

A \ B = {x ∈ A : x 6∈ B}

indicam, respectivamente, a união, a interseção e a diferença entre A e B.


Se A ⊆ X, a diferença X \ A é frequentemente indicada por Ac e denomina-se
o complemento de A em X. Lembramos ainda que
A 4 B = (A \ B) ∪ (B \ A)
é a diferença simétrica entre A e B.
Note que:
∗ A ⊆ B ⇔ A \ B = ∅; ∗ (A ∩ B) ∩ (A 4 B) = ∅;
∗ A ∪ B = (A 4 B) ∪ (A ∩ B) = (A 4 B) 4 (A ∩ B).
b) Se {Xi : i ∈ I} é uma famı́lia de subconjuntos de um conjunto U 1,
(S
i∈I Xi = {a ∈ U : Para algum i ∈ I, a ∈ Xi }
T
i∈I Xi = {z ∈ U : Para todo i ∈ I, z ∈ Xi }
1 Para a definição formal de famı́lia, veja A.11.

161
162 A. FUNDAMENTOS

são, respectivamente, a união e a interseção da famı́lia {Xi : i ∈ I}.


c) Se X é um conjunto, 2X indica o conjunto das partes ou subconjuntos
de X, isto é, 2X = {A : A ⊆ X}.
d) Como é usual, o sı́mbolo ∅ indica o conjunto vazio, o único conjunto sem
elementos. Note que para todo conjunto A, temos ∅ ⊆ A. 

Algumas das propriedades fundamentais das operações entre conjuntos cons-


tam da seguinte
Proposição A.2. a) As operações de união e interseção são comutativas,
associativas e distributivas uma em relação à outra, isto é, se A, B, C são
conjuntos então
(1) A ∪ B = B ∪ A e A ∩ B = B ∪ A;
(2) A ∪ (B ∪ C) = (A ∪ B) ∪ C e A ∩ (B ∩ C) = (A ∩ B) ∩ C;
(3) A ∩ (B ∪ C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩ C) e A ∪ (B ∩ C) = (A ∪
B) ∩ (A ∪ C).
b) Se A é um conjunto e {Bi : i ∈ I} é uma famı́lia de conjuntos, então
S S
A ∩ i∈I Bi = i∈I A ∩ Bi .
c) Se A e B1 , . . . , Bn são conjuntos, então ( ni=1 Bn ) \ A =
S Sn
i=1 Bn \ A.
2
d) Seja X um conjunto.
(1) Se A ⊆ X, então A ∩ Ac = ∅ e A ∪ Ac = X.
(2) Se A, B ⊆ X, então (A ∪ B)c = Ac ∩ B c e (A ∩ B)c = Ac ∪
B c.
(3) (As leis de De Morgan) Se {Ai : i ∈ I} é uma famı́lia de subconjuntos
de X, então
S c T c
T c S c
i∈I A i = i∈I A i e i∈I A i = i∈I Ai . 
A.3. Conjuntos Numéricos. a) N, Z, Q e R indicam, respectivamente,
os conjuntos dos números naturais, inteiros, racionais e reais, acompanhados de
suas estruturas naturais: ordem, soma e multiplicação.
b) Se n ≥ 1 é um natural, n indica o conjunto {1, . . . , n}.
S
c) Indicamos por ω = {1, . . . , n, . . . , } = n≥1 n = N \ {0} o conjunto
dos naturais distintos de 0. 
A.4. A Boa Ordem de N. De particular importância no texto serão os
Princı́pios de Indução, que têm origem na seguinte propriedade fundamental da
ordem de N 3:
2 Lembre-se que para A ⊆ X, Ac = X \ A = {x ∈ X : x 6∈ A} é o complemento de A em X.
3 Que será generalizada em 5, abaixo.
2. PRODUTOS E FUNÇÕES 163

O Axioma da Boa Ordem : Todo subconjunto não-vazio de N possui


mı́nimo.
Assim, se S ⊆ N é não vazio, existe m ∈ S tal que m ≤ s, para todo s ∈S. Note
que todo subconjunto de N, com a ordem induzida, também verifica o Axioma
da Boa Ordem; consequências importantes este Axioma são os Princcı́pios de
Indução, enunciados a seguir. 
A.5. Princı́pio de Indução Finita. Se n ≥ 1 é um natural e S ⊆ n, as
seguintes condições são equivalentes:
(1) S = n;
(2) (i) 1 ∈ S; e (ii) Para todo j < n, j ∈ S ⇒ j + 1 ∈ S;
(3) (i) 1 ∈ S; e (ii) Para todo j < n, j ⊆ S ⇒ j + 1 ∈ S. 
A.6. Princı́pio de Indução em N. Se n0 ∈ N e S ⊆ {m ∈ N : m ≥ n0 },
as seguintes condições são equivalentes:
(1) S = {m ∈ N : m ≥ n0 };
(2) (i) n0 ∈ S; e (ii) ∀ m ≥ n0 , m ∈ S ⇒ m + 1 ∈ S.
(3) (i) n0 ∈ S; e ii) ∀ m ≥ n0 , {n0 , . . . , m} ⊆ S ⇒ m + 1 ∈ S.
É usual enunciar A.6 apenas para o caso n0 = 0, mas a generalização acima é
muito útil. 

2. Produtos e Funções

A.7. Produtos e n-uplas ordenadas. a) Seja n ≥ 2 um natural e


sejam x1 , . . . , xn conjuntos. Indicamos a n-upla ordenada cuja j-ésima
coordenada é xj por x = h x1 , . . . , xn i. Há muitas definições concretas de x,
a mais conhecida sendo devida a Kuratowski. No entanto, o importante é a
propriedade fundamental das n-uplas ordenadas, isto é,
[n-upla] h x1 , . . . , x n i = h y 1 , . . . , y n i ⇔ ∀ j ∈ n, xj = yj ,
ou seja, duas n-uplas são iguais se e somente se têm as mesmas coordenadas.
b) Produtos Finitos. Seja n ≥ 1 um natural e seja X1 , . . . , Xn uma famı́lia
de conjuntos indexada por n. O produto dos Xi
Qn
X1 × . . . × Xn = i=1 Xi
é o conjunto de todas as n-uplas ordenadas, h x1 , . . . , xn i tais que xj ∈ Xj , para
todo j ∈ n :
Qn
i=1 Xi = {h x1 , . . . , xn i : xj ∈ Xj , 1 ≤ j ≤ n}.
Q1
No caso em que n = 1, definimos i=1 Xi como sendo X1 .
Em particular, se todos os Xj são iguais a um conjunto X, indicamos o
produto com a notação exponencial, i.e., X n . Assim, X 1 =X; se n = 2 ou
164 A. FUNDAMENTOS

3, é usual utilizar a notação X × X ou X × X × X no lugar de X 2 e X 3 ,


respectivamente.
c) Para n ≥ 1, o conjunto
∆nX = {h x, . . . , x i ∈ X n : x ∈ X}
denomina-se a diagonal do produto X n . 

Com a noção de produto, podemos definir funções:


Definição A.8. Se A, B são conjuntos, uma função de domı́nio A e
contradomı́nio B é um subconjunto f de A × B, satisfazendo as seguintes
propriedade:
[fun] : Para todo a ∈ A, existe um único b ∈ B tal que h a, b i ∈ f .
A.9. Se f é uma função de A em B as seguintes notações e noções são
standard:
∗ O conjunto A denomina-se o domı́nio de f , sendo indicado por dom f ;
∗ O conjunto B denomina-se contradomı́nio de f , sendo indicado por cdom
f;
∗ Para cada a ∈ A, o único b ∈ B tal que h a, b i ∈ f denomina-se valor de f
em a, sendo indicado por f (a);
∗ Notações usuais para uma função de A em B são:
f
f : A −→ B, A −→ B, ou ainda a ∈ A 7−→ f (a) ∈ B.
∗ Indicamos com a notação exponencial, B A , o conjunto das funções de A em
B. Note que pela própria definição de função, B A ⊆ 2A × B , isto é, B A é um
subconjunto das partes do produto A × B. 
A.10. Função Identidade. Imersão Natural. Restrição a) Se A é
um conjunto, indicamos por IdA a função a ∈ A 7−→ a ∈ A, denominada
identidade de A. Note que como conjunto, IdA é simplesmente ∆2A = {h a, a i
∈ A × A : a ∈ A}, a diagonal de A × A, conforme a definição em A.7.(c).
b) Se C ⊆ A, a função c ∈ C 7−→ c ∈ A denomina-se imersão natural C em
A, sendo indicada por ιC .
c) Se C ⊆ A e f : A −→ B é uma função, a restrição de f a C, indicada
por f  C, é a função dada por c ∈ C 7−→ f (c) ∈ B. Assim, f  C é a função
obtida rstringindo-se o domı́nio de f ao subconjunto C 4. 
A.11. Famı́lias de Conjuntos. Sejam I e U conjuntos. Uma famı́lia de
subconjuntos de U indexada por I é uma função f : I −→ 2U , isto é, uma
função que a cada i ∈ I associa um subconjunto de U . Em geral, indicamos
famı́lias indexadas por I com as notações
4 Frequentemente, utilizamos a expressão “esquecendo os elementos fora de C”.
2. PRODUTOS E FUNÇÕES 165

A = {Ai : i ∈ I} ou mais informalmente, Ai , i ∈ I,


frequentemente omitindo o conjunto U , abuso usual na disciplina. 
f g
A.12. Composição de funções. Se A −→ B −→ C são funções, a com-
posição de g com f é a função de A em C definida, para cada a ∈ A, por

[g ◦ f ](a) = g(f (a)).


f g h
A composição tem as seguintes propriedades: se A −→ B −→ C −→ D são
funções, então
[◦ 1] (Associatividade) : f ◦ (g ◦ h) = (f ◦ g) ◦ h;
[◦ 2] : f = IdB ◦ f = f = f ◦ IdA .
Note que se f : A −→ B é uma função e C ⊆ A, então, com a notação dos
itens (b) e (c) de A.10, temos f  C = f ◦ ιC . 
A.13. Imagem e Imagem Inversa. Se f ∈ Y X , A ⊆ X e B ⊆ Y ,
f ∗ (B) = {x ∈ X : f (x) ∈ B} e f∗ (A) = {f (a) ∈ Y : a ∈ A}
são, respectivamente, a imagem inversa de B por f e a imagem de A por
f . Assim, uma função f : X −→ Y , induz duas funções:
f∗ : 2X −→ 2Y e f ∗ : 2Y −→ 2X
definidas acima, e que satisfazem a seguinte lei de adjunção :
[f-adj] Para todo A ⊆ X e todo B ⊆ Y , f∗ (A) ⊆ B ⇔ A ⊆ f ∗ (B).
Além disso, a imagem inversa preserva todas as operações conjuntı́sticas:
Lema A.14. Seja f : A −→ B uma função.
a) Se {Di : i ∈ I} é uma famı́lia de subconjuntos de B então
(1) f ∗ i∈I Di = ∗ ∗ ∗
S  S T  T
i∈ f (Di ). (2) f i∈I Di = i∈ f (Di ).
b) Se D, E são subconjuntos de B, então
(1) f ∗ (D \ E) = f ∗ (D) \ f ∗ (E). (2) f ∗ (D 4 E) =
f ∗ (D) 4 f ∗ (E). 

Lembramos a seguinte
Definição A.15. a) Uma função f : A −→ B é
(1) injetora se para todo x, y ∈ A, f (x) = f (y) ⇒ y = y 5;
(2) sobrejetora se para todo b ∈ B, existe a ∈ A tal que f (a) = b. Assim, f
é sobrejetora se B = f∗ (A).
(3) bijetora se for injetora e sobrejetora.
5 Ou de forma equivalente, x 6= y ⇒ f (x) 6= f (y).
166 A. FUNDAMENTOS

b) Se X, Y são conjuntos, escrevemos


(1) X  Y se existir uma função injetora de X em Y ;
(2) X ≈ Y se existir uma função bijetora de X e Y .

As propriedades fundamentais de funções injetoras, sobrejetoras e bijetoras


constam do
Proposição A.16. a) A composição de funções preserva injectividade, so-
brejetividade e bijetividade 6.
f g
b) Sejam A −→ B −→ C funções.
(1) Se g ◦ f é injetora, então f é é injetora.
(2) Se g ◦ f é sobrejetora, então g é sobrejetora.
c) Para uma função u : X −→ Y as seguintes condições são equivalentes:
(1) u é bijetora;
(2) Existe v : Y −→ X tal que v ◦ u = IdX e u ◦ v = IdY .
(3) Existe uma única v : Y −→ X tal que v ◦ u = IdX e u ◦ v = IdY .
d) Seja C ⊆ A.
(1) A imersão natural de C em A (A.10.(b)), ιC , é injetora.
(2) Se f : A −→ B é injetora, então f  C : C −→ B é injetora. 

Se u ∈ Y X é bijetora e v ∈ X Y é a única função satisfazendo as condições em


A.16.(c).(3), então:
∗ v denomina-se a inversa de u, sendo, as vezes, indicada por u−1 ;
∗ Segue da equivalência em A.16.(c) (aplicada a u) que v também é bijetora e
sua inversa é u.
Um dos resutados fundamentais da Teoria dos Conjuntos é o seguinte
Teorema A.17 (Cantor-Bernstein). Se X e Y são conjuntos, então
X Y e Y X ⇔ X ≈ Y,
i.e., se existem injeções de X em Y e de Y em X, então existe uma bijeção
entre X e Y . 

Se X e Y são conjuntos, dizemos que têm a mesma cardinalidade se X


≈ Y . Note que não estamos definindo cardinalidade de um conjunto, mas
apenas o conceito de “mesma cardinalidade”. O Teorema A.17 é muito útil
para estabelecer a relação de “mesma cardinalidade”, ou seja de igualdade de
“número” de elementos.
6 A composição de injetoras é injetora; analogamente para sobrejetoras e bijetoras.
2. PRODUTOS E FUNÇÕES 167

Exemplo A.18. a) Note que por A.16.(a) as relações  e ≈ são transi-


tivas. Assim, se X, Y e Z são conjuntos, temos
(1) X  Y e Y Z ⇒ X  Z; (2) X ≈ Y e Y ≈ Z ⇒ X
≈ Z.
b) A função f : N −→ N × N dada por f (n) = h n, n i é claramente injetora.
Por outro lado, o Teorema Fundamental da Aritmética garante que a função
h n, m i ∈ N × N 7−→ 2n 3m ∈ N
també é injetora, pois 2n 3m = 2k 3j sse n = k e m = j. Pelo Teorema de
Cantor-Bernstein concluı́mos que N ≈ N × N, isto é, N e N × N têm a mesma
cardinalidade. O mesmo método mostrará que para todo natural m ≥ 1, N ≈
Nm . Analogamente, podemos mostrar que para todo natural m ≥ 1 ω ≈ N
≈ ω m ≈ Zm ≈ Qm .
A situação para R é bem diferente: um resultado de Cantor mostra que não
existe função injetora de R em N (ou Z, ou Q). Neste sentido, R possui “mais
elementos” do que os demais conjuntos númericos usuais (na realidade, muito
mais). 
Lembramos a seguinte
Definição A.19. Um conjunto A é:
∗ finito se for vazio ou para algum n ∈ ω, A ≈ n;
∗ infinito se ω  A;
∗ enumerável se A  ω;
∗ não enumerável se for infinito e for falso que A  ω; equivalentememte,
se ω  A, mas é falso que A ≈ ω.
Na ausência de axiomas especiais (como o Lema de Zorn, A.39) não é ver-
dade que se A é um conjunto arbitrário, então ou A é finito, ou A é infinito
(com as definições em A.19).
O item (b) do Exemplo A.18 fornece o seguinte
Corolário A.20. Seja {An : n ∈ ω} uma famı́lia de conjuntos tal que para
todo n ∈ ω, temos An  ω. Então,
S
a) n≥1 An  ω.
S
b) Se para algum n ∈ ω tivermos An ≈ ω, então n≥1 An ≈ ω.
S
Prova. a) Pela definição de união, para cada x ∈ n≥1 An o conjunto
αx = {k ∈ ω : x ∈ Ak }
é não-vazio (x deve pertencer a algum Ak ). Pelo Axioma da Boa Ordem (cf.
A.4), o conjunto αx possui um mı́nimo, m(x). Para cada n ∈ ω, fixamos uma
injeção, fn : An −→ ω. Agora definimos
168 A. FUNDAMENTOS
S
u: n≥1 An −→ ω × ω, dada por u(x) = m(x), fm(x) (x) .
Então, u é injetora; de fato, se u(x) = u(y) então os pares ordenados m(x), fm(x) (x)
e m(y), fm(y) (y) são iguais; pela propriedade fundamental dos pares ordena-
dos (cf. [n-upla] em A.7.(a)), concluı́mos que m(x) = m(y) = m e fm (x) =
fm (y). Já que fm é injetora, obtemos x = y, como necessário para mostrar que
u é injetora. Para terminar a prova de (a), seja h : ω × ω −→ ω uma função
bijetora (que existe por A.18.(b)). S Mas então o item (a) da Proposição A.16
garante que h ◦ u é injetora de n≥1 An em ω, como desejado.
b) Fixemos n ∈ ωStal que An ≈ ω; então temos ω  An (toda função bijetora é
injetora) e An  n≥1 An (a imersão canônica é injetora; A.16.(d).(1)). Assim,
o item (a) acarreta
S
ω  An  n≥1 An  ω,
e o Teorema de Cantor-Bernstein garante a conclusão desejada. 
O slogan associado a A.20 é: “a união enumerável de conjuntos enumeráveis é
enumerável”.
Outro resultado fundamental da Teoria dos Conjuntos é o seguinte
Teorema A.21 (Cantor). Se A é um conjunto, não existe função sobrejetora
de A em 2A . Em particular, A  2A 7 mas é falso que A ≈ 2A . 

Este resultado de Cantor pode ser interpretado como dizendo que o conjunto das
partes de qualquer conjunto A é sempre “mais numeroso” que A. Em particular,
se A for infinito e enumerável, 2A é não-enurável. Assim, o conjunto das partes
de qualquer um dos conjuntos numéricos usuais é não-enumerável.
É frquente em Matemática nos depararmos com operações, a maioria das
quais é binária. No entanto, há exemplo importantes de operações de aridade
maior.
Definição A.22 (Operações em um Conjunto). Seja X um conjunto e seja
n ≥ 1 um natural. Uma operação n-ária em X é uma função h : X n −→ X.

O leitor está familiarizado com várias operações binárias e unárias: a soma


e a mutiplicação nos conjuntos de números são operações binárias; tomar o
inverso aditivo em Z, ou o inverso multiplicativo de um número distinto de zero
em Q ou R, é uma operação unária.
O último tema desta seção é a generalização da noção de produto apresentado
em A.7.(b).
A.23. Produtos Arbitrários. Se I é um conjunto e {Ai : i ∈ I} é uma
famı́lia de conjuntos indexada por I, definimos o seu produto por:
7 A função a ∈ A 7−→ {a} ∈ 2A é injetora.
3. RELAÇÕES. RELAÇÕES DE EQUIVALÊNCIA 169
Q S
i∈I Ai = {f : I −→ i∈I Ai : ∀ i ∈ I, f (i) ∈ Ai },
i.e., o conjunto de todas as funções de I na união dos Ai , tais que para todo
i ∈ I, f (i) está em Ai . Está claro que se todos Ai são iguais a um conjunto
A, então o produto é o conjunto das funções de I em A, justificando a notação
exponencial, AI , já indicada em A.13.(a).
Que o produto de uma famı́lia arbitrária de conjuntos não-vazios é não-vazio
tem status de axioma na Teoria dos Conjuntos (o Axioma da Escolha), sendo
independente da Teoria (formal) dos Conjuntos. Mais comentários acerca deste
tema aparecem na discussão do chamado Lema de Zorn em A.39 e A.40, abaixo.


3. Relações. Relações de Equivalência

Definição A.24. Sejam X um conjunto e n ≥ 1 um natural. Uma relação


n-ária em X é um subconjunto de X n .

Em particular, uma relação unária em X é simplesmente um subconjunto de


X.
O caso mais frequente será o de relações binárias, i.e., de subconjuntos R
⊆ X 2 = X × X. Neste caso, é prática usual utilizarmos a chamada notação
infixa, i.e.,
x R y é sinônimo de h x, y i ∈ R,
que adotaremos sem exceção.
Definição A.25 (Relações de Equivalência). Uma relação de equivalência
em um conjunto X é uma relação binária em X, E ⊆ X × X, satisfazendo as
seguintes condições, para todo x, y, z ∈ X :
[equ 1] (reflexividade) : x E x;
[equ 2] (simetria) : x E y ⇒ y E x;
[equ 3] (transitividade) : x E y e y E z ⇒ x E z.

Está claro que:


(1) X × X e ∆X = {h x, x i ∈ X 2 : x ∈ X} (a diagonal do produto X × X)
são relações de equivalência em X;
(2) Se E é uma relação de equivalência em X, então ∆X ⊆ E ⊆ X × X, isto
é, ∆X e X × X são, respectivamente, a menor e a maior (com respeito
à inclusão) relações de equivalência em X;
(3) A interseção de qualquer famı́lia de relações de equivalência em X é uma
relação de equivalência em X.
Se E é uma relação de equivalência em X e x ∈ X,
170 A. FUNDAMENTOS

x/E = {y ∈ X : y E x}
é a classe de equivalência de x módulo E. Note que para x, y ∈ X:
x/E ∩ y/E 6= ∅ ⇔ x/E = y/E ⇔ x E y,
e portanto classes de equivalência ou são iguais ou são disjuntas. Seja
X/E = {x/E : x ∈ X}
o conjunto das classes de equivalência de X módulo E, também chamado de
quociente de X por E. Temos uma função canônica
x ∈ X 7−→ x/E ∈ X/E,
indicada por qE : X −→ X/E, e denominada projeção quociente. Note que
qE é sobrejetora.
Exemplo A.26. Se f : A −→ B é uma função e definimos
ker f = {h a, b i ∈ A × A : f (a) = f (b)},
então, ker f é uma relação de equivalência em A, denominada kernel de f .


Temos a seguinte:
Proposição A.27 (Propriedade Universal do Quociente). Seja E uma
relação de equivalência em X e seja f : X −→ Y uma função. Com a notação
em A.26, se E ⊆ ker f , existe uma única função g : X/E −→ Y tal que o
seguinte diagrama é comutativo (i.e., g ◦ qE = f ) :
X qE - X/E
A 
A 
fA  g
A 
A 
AU 
Y

Prova. Deixada aos cuidados do leitor. 


Definição A.28. Sejam E uma relação de equivalência e h uma operação
n-ária em um conjunto X. Dizemos que E é uma congruência para h se
para todo h x1 , . . . , xn i, h y1 , . . . , yn i ∈ X n ,
xj E yj , ∀ j ∈ n ⇒ h(x1 , . . . , xn ) E h(y1 , . . . , yn ),
isto é, a operação h aplicada a elementos equivalentes módulo E fornece ele-
mentos equivalentes módulo E.

O leitor poderá verificar que se E é uma congruência para uma operação


n-ária h em X, então existe uma única operação n-ária em X/E, hE : (X/E)n
−→ X/E, tal que o seguinte diagrama é comutativo (i.e. hE ◦ qEn = qE ◦ h) :
3. RELAÇÕES. RELAÇÕES DE EQUIVALÊNCIA 171

Xn h - X

qEn qE
? ?
(X/E)n - X/E
hE
onde qEn (x1 , . . . , xn ) = h qE (x1 ), . . . , qE (xn ) i ∈ (X/E)n .
O último tema desta seção é a discussão da associatividade de operações
binárias, um tema em geral omitido da maior parte das apresentações algébricas
da Matemática. A referência [La] é uma exceção que merece registro.
Sejam A um conjunto, ∗ uma operação binária em A e ≡ uma congruência
em relação à operação ∗ (cf. A.28). Dizemos que ∗ é associativa em relação a
E se para todo x, y, z ∈ A,
[ass] (x ∗ y) ∗ z ≡ x ∗ (y ∗ z).
No caso em que o par h ∗, ≡ i satisfaz [ass], omitimos parenteses ao escrever o
resultado de aplicar a operação a três ou mais elementos de A: se n ≥ 3 é um
natural e a1 , . . . , an ∈ A, escrevemos, módulo ≡
a1 ∗ a2 ∗ . . . ∗ an no lugar de ( . . . (a1 ∗ a2 ) ∗ a3 ) ∗ . . . ) ∗ an ,
ou de qualquer das distintas maneiras de associar a n-upla h a1 , . . . , an i pela
operação ∗ 8. A Proposição abaixo justifica esta prática standard, adotada em
particular se ≡ é a igualdade.
Proposição A.29. Sejam A um conjunto, ∗ uma operação binária em A
e ≡ uma congruência em relação à operação ∗. Para n ≥ 3 e a ∈ An , sejam
E(a) e E 0 (a) duas maneiras distintas de associar a n-upla a pela operação ∗.
Se h ∗, ≡ i é associativa (i.e., verifica [ass] acima), então E(a) ≡ E 0 (a).

Prova. Dada a transitividade de ≡ (que é uma congruência), é suficiente mos-


trar que se a ∈ An e E(a) é uma forma de associar a n-upla a, então
(I) E(a) ≡ E0 (a) =def (. . . (a1 ∗ a2 ) ∗ a3 ) ∗ . . . ) ∗ an .
A prova de (I) é por indução em n ≥ 3. O caso n = 3 de (I) é exatamente
a propriedade [ass]. Suponha (I) verdadeiro para todo j ∈ n e seja x =
h x1 , . . . , xn , xn+1 i ∈ An+1 . Note que para algum k ∈ n, podemos escrever
9

(II) E(x) = E1 (x1 , . . . , xk ) ∗ E2 (xk+1 , . . . , xn+1 ).


Agora analisamos os dois casos possı́veis:
8 Quantas são? Se n(k) são as maneiras de associar um k-upla, então n(1) = n(2) = 1, n(3) = 2, n(4) = 5,
...
9 Nenhuma forma de associar a pode terminar com ∗...
172 A. FUNDAMENTOS

(1) k = n. Neste caso, temos E(x) = E1 (x1 , . . . , xn ) ∗ xn+1 . A hipótese de


indução implica E0 (x1 , . . . , xn ) ≡ E1 (x1 , . . . , xn ); já que ≡ é uma congruência
em relação à operação ∗, concluı́mos que
E(x) = E1 (x1 , . . . , xn ) ∗ xn+1 ≡ E0 (x1 , . . . , xn ) ∗ xn+1 = E0 (x),
estabelecendo (I) neste caso.
(2) 1 ≤ k < n. Temos (n + 1) − (k + 1) = n − k < n e a hipótese e indução
implica 10
(III) E2 (xk+1 , . . . , xn+1 ) ≡ E0 (xk+1 , . . . , xn+1 ) = E0 (xk+1 , . . . , xn ) ∗ xn+1 .

Mas então (II), (III) e a propriedade [3-ass] acarretam


E(x) = E1 (x1 , . . . , xk ) ∗ E2 (xk+1 , . . . , xn+1 )

= E1 (x1 , . . . , xk ) ∗ E0 (xk+1 , . . . , xn ) ∗ xn+1

≡ E1 (x1 , . . . , xk ) ∗ E0 (xk+1 , . . . , xn ) ∗ xn+1 .

Pelo caso (1) acima, E1 (x1 , . . . , xk ) ∗ E0 (xk+1 , . . . , xn ) ∗ xn+1 ≡ E0 (x), e
a transitividade de ≡ implica E(x) ≡ E0 (x), concluindo o passo de indução e a
demonstração. 

4. Conjuntos Parcialmente Ordenados. O Lema de Zorn

Definição A.30. a) Uma relação binária, ≤ 11, em um conjunto X é uma


ordem parcial se satisfizer, para todo x, y, z ∈ X:
[op 1] : (reflexiva) x ≤ x;
[op 2] : (antisimétrica) x ≤ y e y ≤ x ⇒ x = y;
[op 3] : (transitiva) x ≤ y e y ≤ z ⇒ x ≤ z.
Dizemos que h X, ≤ i é um conjunto parcialmente ordenado (po). Como
é usual
x < y é sinônimo de x ≤ y e x 6= y,
e dizemos que x é estritamente menor que y.
b) Se h X, ≤ i é um conjunto po, uma cadeia em X é um subconjunto A de X
satisfazendo
[cadeia] Para todo a, b ∈ A, a ≤ b ou b ≤ a.
Em particular, se o próprio X é uma cadeia dizemos que X é linear ou to-
talmente ordenado por ≤ (ou que ≤ é uma ordem linear ou total em X)

10 É fácil ver que E (a, b) = E (a) ∗ b.


0 0
11 Lê-se “menor ou igual”.
4. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS. O LEMA DE ZORN 173

O arquétipo de uma ordem parcial é a relação de inclusão entre


partes de um conjunto. Exemplos bem conhecidos de ordens totais são as
ordens usuais nos conjuntos de números, N, Z, Q e R.
Exemplo A.31. a) Se h X, ≤ i é um conjunto po e Y ⊆ X, então h Y, ≤ i
(onde ≤ é a relação ≤ restrita a Y ) também é um conjunto po.
b) Se h L, ≤ i é um conjunto po e Z é um conjunto, o conjunto LZ , das funções
de Z em L, possui uma ordem parcial natural, dada, para f , g ∈ LZ , por
f ≤g ⇔ ∀ z ∈ Z, f (z) ≤ g(z) (em L).
c) Generalizando (b), se {h Xi , ≤i i : i ∈ I} é uma famı́lia de conjuntos po, seu
produto herda uma Q ordem parcial natural, definida coordenada a coordenada,
i.e., para f , g ∈ i∈I Xi
f ≤g ⇔ ∀ i ∈ I, f (i) ≤i g(i).
d) Se h L1 , ≤1 i e h L2 , ≤2 i são conjuntos po, a ordem lexicográfica em L1 × L2
é definida por
[lex] h a1 , a2 i ≤lex h b1 , b2 i ⇔ a1 <1 b1 ou (a1 = a2 e b1 ≤2 b2 ).
A ordem lexicográfica é uma ordem parcial, que será linear em L1 × L2 se ≤1
e ≤2 forem ordens lineares. 
Definição A.32. Seja h A, ≤ i um conjunto po.
a) Definimos os segmentos iniciais e finais determinados por x em A da
seguinte forma:
segmentos iniciais : x< = {y ∈ A : y < x}; x← = {y ∈ A : y ≤ x};
segmentos finais : x> = {y ∈ A : y > x}; x→ = {y ∈ A : y ≥ x}.
b) Definimos os intervalos determinados por x, y ∈ A da forma seguinte:
[x, y) = x→ ∩ y < ; [x, y] = x→ ∩ y ← ;
(x, y) = x> ∩ y < ; (x, y] = x> ∩ y ← .
Note que se x é um elemento de um conjunto po h A, ≤ i, então:
∗ x não está nem em x< , nem em x> ; ∗ x← ∩ x→ = {x};
∗ x< = x← \ {x}; x> = x→ \ {x}.
Uma famı́lia muito importante de conjunto parcialmente ordenados é das
funções parciais entre dois conjuntos.
A.33. Funções Parciais. Lembramos que se f : D −→ E é uma função,
indicamos D por dom f , denominado domı́nio de f .
Se A, B são conjuntos, definimos o conjunto das funções parciais de A
em B, indicado por Fp(A, B), por 12
12 Uma função, f : D −→ E, é, por definição, um subconjunto de D × E; A.8.
174 A. FUNDAMENTOS

Fp(A, B) = {g ⊆ A × B : g é uma função, g : dom g −→ B, tal que dom g


⊆ A},
i.e., os elementos de Fp(A, B) são as funções de contradomı́nio B, cujo domı́nio
é um subconjunto de A. Como a única função de domı́nio vazio é o próprio
vazio, temos ∅ ∈ Fp(A, B).
Para f , g ∈ Fp(A, B), dizemos que:
(1) f , g ∈ Fp(A, B) são compatı́veis se coincidem na in-
terseção de seus domı́nios; em sı́mbolos: f  (dom f ∩ dom g) =
g  (dom f ∩ dom g).
Note que funções parciais de domı́nios disjuntos são com-
patı́veis, pois suas restrições à interseção de seus domı́nios são ambas
iguais a ∅.
(2) Uma famı́lia {fi : i ∈ I} ⊆ Fp(A, B) é dita compatı́vel se para
todo i, j ∈ I, fi e fj são compatı́veis.
(3) g é uma extensão de f , e escrevemos f ≤ g, se
dom f ⊆ dom g e g  dom f = f ,
isto é, g coincide com f em dom f ⊆ dom g.
Deixamos aos cuidados do leitor verificar que a relação ≤ (de extensão) é
uma ordem parcial em F p(A, B), denominada da extensão. Note que ∅ é
o menor elemento de Fp(A, B), ou seja é o bottom desta ordem parcial. 

O conjunto Fp(A, B) tem muitas aplicações em Teoria dos Conjuntos. Para


nós, o resultado que será importante é o seguinte
Teorema A.34 (Princı́pio da Colagem de Compatı́veis). Seja F = {fi :
i ∈ I} ⊆ Fp(A, B). Se a famı́lia F é compatı́vel, então existe uma única f :
S
i∈I dom fi −→ B tal que para todo i ∈ I, f  domfi = fi , i.e., f é extensão
de cada fi , i ∈ I.
S
Prova. Fixado a ∈ i∈I dom fi , seja j ∈ I tal que a ∈ dom fj ; definimos
f (a) = fj (a). A compatibilidade da famı́lia F garante que esta definição de f é
independente do ı́ndice j tal que a ∈ dom fj . Os demais detalhes da prova são
deixados a cargo do leitor. 
Se F = {fi : i ∈ I} é uma famı́lia compatı́vel em Fp(A, B), a única f
A.34, denomina-se a colagem da famı́lia F , sendo
construı́da noWTeorema W
indicada por F ou i∈I fi .
Há um caso particular do Teorema A.34 que merece menção:
Corolário A.35. Seja {Ak : k ∈ N} uma famı́lia
S crescente de conjuntos,
13
isto é, para todo n ∈ N, An ⊆ An+1 . Seja A = n≥0 An a união dos An .
13 E portanto, para n ≤ m em N, A ⊆ A .
n m
4. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS. O LEMA DE ZORN 175

Seja B um conjunto e, para n ∈ N, seja fn : An −→ B uma função. Se a


famı́lia {fn : n ∈ N} é tal que
Para todo n ∈ N, fn+1  An = fn ,
W
então existe uma única f = n≥0 fn : A −→ B, tal que f  An = fn , para
todo n ∈ N.

Prova. Note que {fn : n ∈ N} é uma famı́lia compatı́vel de funções parciais


de A em B e a conclusão segue do Teorema A.34. 

Lembramos que ω = {1, . . . , n, . . . } é o conjunto dos naturais distintos de


0.
Se A é um conjunto não-vazio, há um subconjunto de Fp(ω, A) que é im-
portante em considerações sintáticas de linguagens formais: o conjunto A∞ das
sequências finitas de elementos de A. Se pensarmos em A como um “alfa-
beto”, A∞ pode ser considerado o conjunto das “palavras” construı́das a partir
do alfabeto A.
A.36. Sequências Finitas de Elementos de um Conjunto. Se A é um
conjunto não-vazio, definimos
S
A∞ = {∅} ∪ n∈ω {s ∈ n × A : s é uma função de n em A}.
denominado o conjunto das sequências finitas de elementos de A. Note
que {∅} é exatamente o conjunto das funções de ∅ em A.
Dado s : n −→ A em A∞ :
(1) A notação para s será s = h s1 , . . . , sn i, onde sk = s(k), k ∈ n;
(2) O natural n é o comprimento de s, indicado por c(s). Assim, o
subconjunto dos
elementos de comprimento 1 em A∞ é {h a i : a ∈ A}.
(3) Por definição, o único elemento de A∞ de comprimento 0 é ∅.
Há uma operação binária importante em A∞ , denominada concatenação,
indicada por ⊕, e definida da forma seguinte: para s = h s1 , . . . , sn i e t =
h t1 , . . . , tm i em A∞ ,
s ⊕ t = h s1 , . . . , sn , t1 , . . . , tm i.
Ou seja, s ⊕ t : n + m −→ A é a função dada, para j ∈ n + m , por
(
s(j) se j ∈ n;
s ⊕ t(j) =
t(j − n) se n + 1 ≤ j ≤ n + m.
Observe que para todo s, t, z ∈ A∞ ,
[conc 1] : s ⊕ (t ⊕ z) = (s ⊕ t) ⊕ z; [conc 2] : s ⊕ ∅ = s = ∅ ⊕ s;
[conc 3] : c(s + t) = c(s) + c(t),
176 A. FUNDAMENTOS

isto é, a operação de concatenação é associativa, ∅ é o seu elemento neutro e a


função comprimento é aditiva (o comprimento da concatenação é a soma dos
comprimentos das parcelas). No entanto, exemplos simples mostrarão que se A
possui ao menos dois elementos, ⊕ não é comutativa.
Segue da Proposição A.29 que para s1 , . . . , sk em A∞ , a expressão s1 ⊕ . . . ⊕
sk corresponde a um elemento bem determinado de A∞ , sendo desnecessário o
uso de parênteses. 

Uma série de noções familiares em conjuntos de números fazem sentido em


ordens parciais em geral. A próxima definição introduz os conceitos que serão
importantes no que segue.

Definição A.37. Seja h X, ≤ i um conjunto po. Sejam A ⊆ X e x ∈ X.


a) x é máximo de A, x = max A, se x ∈ A e para todo a ∈ A, temos a ≤
x.
b) x é mı́nimo de A, x = min A, se x ∈ A e para todo a ∈ A temos x ≤ a.
c) x é limitante superior ou majorante de A se para todo a ∈ A, temos a
≤ x.
d) x é supremo de A, x = sup A, se x é o mı́nimo do conjunto dos majorantes
de A.
e) x é limitante inferior ou minorante de A se para todo a ∈ A, temos x
≤ a.
f ) x é o ı́nfimo de A, x = inf A, se x é o máximo do conjunto dos minorantes
de A.
g) x é maximal em A se x ∈ A e para todo a ∈ A, x ≤ a implica x = a.
h) x é minimal em A se x ∈ A e para todo a ∈ A, a ≤ x implica a = x.

Exemplo A.38. Seja U um conjunto com pelo menos dois elementos.


a) Sejam A, B ⊆ U . O leitor poderá verificar que em 2U , parcialmente ordenado
pela inclusão, temos
sup {A, B} = A ∪ B e inf {A ∩ B} = A ∩ B.
Note que, a menos que A ⊆ B (ou B ⊆ A), o conjunto {A, B} não possui nem
máximo, nem mı́nimo em 2U , ⊆ . Além disso, o único minimal em 2U é o
vazio, que também é min 2U ; e o único maximal é o próprio U = max 2U .
b) Seja V = 2U \ {∅}, parcialmente ordenado pela inclusão. Todo subconjunto
unitário 14 é minimal em h V, ⊆ i; o único maximal é U = max V .

14 Um conjunto é unitário se possui apenas um elemento.


5. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 177

c) Seja W = 2U \ {∅, U }, parcialmente ordenado pela inclusão. Os únicos


minimais em W são os unitários e os únicos maximais são os complementos de
unitários. Note que W não possui nem mı́nimo, nem máximo. 

O enunciado que segue, embora chamado, por motivos históricos, de Lema,


tem o status de axioma da Teoria dos Conjuntos. Resultados de Gödel em
1939 e de Cohen em 1957 mostram que o Lema de Zorn é independente da
Teoria (formal) dos Conjuntos. Ou seja, o seu status em relativamente à Teoria
dos Conjuntos é análogo ao do Axioma das Paralelas em relação a Geometria
Euclideana.
A.39. Lema de Zorn. Seja h X, ≤ i é um conjunto parcialmente ordenado
e não vazio. Se toda cadeia em X tem limitante superior, então X possui
elementos maximais. 

O próximo resultado indica algumas consequências importantes do Lema de


Zorn. As provas podem ser encontradas, por exemplo, em [Mi2] ou [Le].
Teorema A.40. Na presença do Lema de Zorn, valem os seguintes resul-
tados, onde A e B são conjuntos:
a) A  B ou B  A.
b) Se A é infinito, então A ≈ ω×A ≈ A × A.
Q da Escolha) Se {Ai : i ∈ I} é uma famı́lia de conjuntos não-vazios,
c) (Axioma
então i∈I Ai é não-vazio.
d) Se A é infinito, então A ≈ A∞ , onde A∞ é o conjunto das sequências finitas
de elementos de A (A.36).
e) A ou é finito ou é infinito de acordo com os itens (a) e (b) da Definição
A.19.
Na realidade, os items (a), (b), (c) e (d) são equivalentes ao Lema de Zorn. 

5. Conjuntos Bem Ordenados

O leitor interessado poderá consultar [Le] ou [Mi2]. Indicaremos aqui, sem


provas, apenas as propriedades que serão utilizadas no texto.
Definição A.41. Um conjunto po, h A, ≤ i, é bem ordenado ou ≤ é uma
boa ordem em A se todo subconjunto não vazio de A possui mı́nimo 15.

Note que se h A, ≤ i é bem ordenado, então é uma cadeia (ou linearmente


ordenado): para todo x, y ∈ A, {x, y} possui mı́nimo e portanto x ≤ y ou y
≤ x. Além disso, se A é não vazio (o único caso interessante!), então A possui
mı́nimo, em geral indicado por ⊥A .
15 Na ordem ≤, claro!
178 A. FUNDAMENTOS

Note que seA é bem ordenado e B ⊆ A, então B, com a ordem induzida por
A, também é bem ordenado.
Exemplares importantes de conjuntos bem ordenados são os subconjuntos
de N, com a ordem natural. Por outro lado, as ordens usuais em Z, Q e R não
são boas ordens (embora sejam cadeias).
Subconjuntos dos naturais estão longe de ser os únicos exemplos de conjuntos
bem ordenados, havendo uma grande variedade deles, mesmo sem utilização
de axiomas especiais, como o Lema de Zorn. No entanto, temos o seguinte
resultado:
Teorema A.42. Na presença do Lema de Zorn (A.39), vale o seguinte
Axioma da Boa Ordem : Todo conjunto A pode ser bem ordenado,
16
isto é, existe ≤ ⊆ A × A tal que h A, ≤ i é bem ordenado. 

Conjuntos bem ordenados satisfazem uma generalização dos Princı́pios de


Indução descritos em A.6:
Teorema A.43. Sejam h A, ≤ i um conjunto bem ordenado e x ∈ A.
a) Para S ⊆ A, as seguintes condições são equivalentes:
(1) S = A;
(2) (i) ⊥A ∈ S; (ii) Para todo z ∈ A, z < ⊆ S ⇒ z ∈ S.
b) Com a notação em A.32.(b), para S ⊆ x→ , as seguintes condições são equi-
valentes:
(1) S = x→ ;
(2) (i) x ∈ S; (ii) Para todo z ∈ x→ , [x, z) ⊆ S ⇒ z ∈ S. 

Está claro que o item (b) de A.43 é mais geral do que seu item (a). Entre-
tanto, consideramos que o registro de ambos poderia facilitar a comprensão do
leitor.
Como no caso de N, os princı́pios de indução em A.43 (as vezes denominados
transfinitos) podem ser utilizados para definir funções cujos domı́nios sejam
conjuntos bem ordenados.

16 O Axiomas da Boa Ordem, da Escolha e o Lema de Zorn são equivalentes entre si.
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Índice de Sı́mbolos

IdA , 164 h g1 , . . . , gn i, 58
P (p1 , . . . , pn ), 75 h x1 , . . . , xn i, 163
Sent(L), 64 ∨, 7
Sub(ϕ), 62 f∗ , 165
Sub(τ ), 60 f∗ (M ), 160
TL (M ), 133 D(M ), 144
V (ϕ), 63 ⊕, 175
V (t), 59 B A , 164
V al(S, 2), 41 f I , 120
V lg(ϕ), 63 RM , 121
Γ(p1 , . . . , pk ), 76 f M , 121
Γ(p
T 1 , . . . , pn ), 48 2X , 162
Si∈I Xi , 162 D + (M ), 144
Wi∈I Xi , 162 x< , 173
i∈I fi , 174 x> , 173
T (L), 58 τ M , 122
T f (L), 58 ∆nX , 164
Tp(S),
Q 28 R, 162
Q i∈I A i , 168 ↔, 16
i∈I f i , 119 →, 7
i = 1n Xi , 163
Q
f  C, 164
f ( px1 | g1 q, . . . , pxn | gn q), 58 A  J, 113
s pj | bq, 120 Tc (M ), 145
t(v1 , . . . , vn ), 59 A∞ , 175
[MP], 9 ⊥A , 177
[∃ I], 69 LM , 144
[∀ I], 69 ιC , 164
Γ |= ϕ, 44 πJ , 113
Γ ` ϕ, 9 πj , 113
Γ `C ϕ, 69 `C , 24
Γ `I ϕ, 69 `C ϕ, 70
Γ psq, 76 `I , 24
⇔, 161 `I ϕ, 70
N, 162 a, 144
¬, 7 x→ , 173
Q, 162 ∧, 7
⇒, 161 |= ϕ[a], 132
Z, 162 A ∩ B, 161
|M |, 121 A \ B, 161
fW∗ , 165 A ⊆ B, 161
F, 174 A ∪ B, 161
L ⊆ L0 , 105 M ≡ N , 143
card (X), 138 M ≡L N , 143
card (L), 139 M |= Γ, 133
Fp(A, B), 173 M |= ϕ[a1 , . . . , an ], 132
x← , 173 M |= σ, 133
ϕ(p1 , . . . , pn ), 48 M mod s ϕ, 124
ϕ psq, 48 N  M , 147
ϕ pvk | tq, 65 N L M , 147
ϕ pp | χq, 48 P psq, 76

181
182 ÍNDICE DE SÍMBOLOS

X/E, 170
f ◦ h g1 , . . . , gn i, 58
f (a), 120
g ◦ f , 165
x < y, 172
x/E, 170

P ⇔ Q, 161

dom f , 164

inf A, 176

max A, 176
min A, 176

P ⇒ Q, 161

sup A, 176
Índice Remissivo

adjunção da conjunção, 15
entre conjunção e implicação, 14, 25 da disjunção, 15
entre imagem e imagem inversa, 165 concatenação, 175
alfabeto, 7 conectivo, 55
de uma linguagem de primeira ordem, 55 conectivos lógicos, 7
anel congruência, 170
Booleano, 36 conjunto
comutativo com identidade, 35 ı́nfimo de um, 176
aridade bem ordenado, 177
de um termo, 59 das funções de A em B, 164
de uma fórmula, 62, 64 das partes ou subconjuntos de um, 162
Axioma das sequências finitas, 175
da Boa Ordem, 178 de hipóteses, 9
axioma, 8 limitante inferior de um, 176
da boa ordem, 163 limitante superior de um, 176
da conjunção, 8 linearmente ordenado, 172
da disjunção, 8 máximo de um, 176
da escolha, 177 mı́nimo de um, 176
da extensionalidade, 161 majorante de um, 176
da negação, 8 maximal em um, 176
do Cálculo Proposicional Intuicionista (CPI), 8 mesma cardinalidade, 166
do Cálculo Proposional Clássico (CPC), 8 minorante de um, 176
Axioma da Boa Ordem, 178 operação n-ária em um, 168
axioma proposicional parcialmente ordenado, 172
do Cálculo de Predicados, 67 po, 172
axiomas subconjunto de um, 161
para a igualdade, 69 supremo de um, 176
para os quantificadores, 69 totalmente ordenado, 172
conseqência sintática
boa ordem, 177
no Cálculo de Predicados, 69
Boole
consequência
álgebra de, 35
semântica, 44
Cálculo consistente, 27, 99
alfabeto de um, 7 contração
cadeia de uma estrutura, 143
elementar, 151 corpo, 36
em um conjunto parcialmente ordenado, 172
caracterı́stica 2, 36 diagonal de um produto, 164
cdom f , 164 diagrama
choque de variáveis completo de uma estrutura, 145
eliminação do, 88 de uma estrutura, 144
fórmula sem, 88 positivo de uma estrutura, 144
classe de equivalência, 170 diagramas de Robinson, 144
colagem diferença, 161
de funções compatı́veis, 174 diferença simétrica, 161
compacidade distributividade
de um Cálculo Proposicional, 10 da soma em relação ao produto, 35
complemento em um reticulado, 34
de um subconjunto, 161 domı́nio
comutatividade de uma estrutura, 121

183
184 ÍNDICE REMISSIVO

elementar imagem, 165


cadeia, 151 imagem inversa, 165
equivalência, 143 injetora, 165
equivalência, 70 inversa de uma, 166
elementar, 143 kernel de uma, 170
em 2 = {0, 1}, 39 parcial, 173
equivalência (conectivo), 16 restrição de uma, 164
esquema de substituição sobrejetora, 165
de primeira ordem, 76 valor de uma, 164
estrutura funções compatı́veis, 174
L-, 121 funções de Skolem, 144
de corpo
em 2 = {0, 1}, 35 grupo, 56
de primeira ordem, 121
idempotência, 35
de reticulado
da conjunção, 23
em 2 = {0, 1}, 33
da disjunção, 23
extensão
imersão
de Henkin, 107
de L-estruturas, 152
de um conjunto de fórmulas, 28
imersão natural, 164
de uma linguagem, 105
implicação material, 21, 25
por constantes, 106, 144
inconsistente, 27, 99
fórmula interpretação
atômica, 7 de um sı́mbolo funcional, 121
do Cálculo de Predicados, 60 de um termo em uma L-estrutura, 122
básica de Horn, 159 interpretação de um sı́mbolo relacional, 121
de Horn, 159 interseção, 161
de uma famı́lia de conjuntos, 162
de um Cálculo Proposicional, 7
intervalos, 173
do Cálculo de Predicados, 60
inversa
do Cálculo Proposicional, 40
de uma função, 166
existencial, 158
inverso, 56
existential positiva, 158
fecho existencial de uma, 64 kernel de uma função, 170
fecho universal de uma, 64
geométrica, 159 lei
positiva, 158 associativa
positiva primitiva (pp), 159 da conjunção, 25
positiva sem quantificadores, 158 da disjunção, 25
pp, 159 da contraposição, 25
preservada por um L-morfismo, 158 da dupla negação, 19, 25
refletida por um L-morfismo, 158 da falta de alternativa, 23, 25
satisfeita em uma L-estrutura, 124 da generalização, 85
satisfeita em uma sequência em uma da igualdade de Leibnitz, 91, 94, 96
L-estrutura, 124 da tripla negação, 19, 25
sem quantificadores, 158 da trivialização, 25
universal-existencial, 159 de De Morgan, 162
famı́lia de substituição, 85
compatı́vel, 174 do terceiro excluı́do, 21
fecho lei lógica
existencial de uma fórmula, 64 do Cálculo Clássico, 24
universal de uma fórmula, 64 do Cálculo Intuicionista, 24
fecho dedutivo Lema
no Cálculo de Predicados, 99 de Tarski, 151
função, 164 limitante inferior, 176
bijetora, 165 limitante superior, 176
compatı́vel, 174 linguagem
composição, 165 de primeira ordem com igualdade, 55
contradomı́nio de uma, 164 dos anéis, 57
domı́nio de uma, 164 dos anéis ordenados, 57
identidade, 164 dos grupos, 56
ÍNDICE REMISSIVO 185

enumerável, 139 estrutural, 10


propriedades da equivalência elementar, 143
máximo, 176 prova
método da variação das constantes, 85 de uma fórmula a partir de Γ, 9
mı́nimo, 176 em um Cálculo Proposicional, 9
majorante, 176 formal, 8, 9
maximal, 176 no Cálculo de Predicados, 69
minorante, 176 por casos, 23, 25
modelo por contradição, 21, 25
de um conjunto de sentenças, 133 por contraposição, 19
de uma sentença, 133 propriedade estrutural de uma, 10
Modus Ponens, 24, 69
Modus Ponens, [MP], 9 quantificador, 55
morfismo quociente
de L-estruturas, 152 por uma relação de equivalência, 170
n-upla ordenada, 163 reflexão
nome de uma fórmula por um L-morfismo, 158
de um elemento de uma estrutura, 144 regra de dedução, 8
notação infixa, 58, 61, 169 Modus Ponens, [MP], 9
dos Cálculos Proposicionais, 9
operação
], 107 regra de inferência
n-ária, 168 de introdução de ∃, 69
associativa, 171 de introdução de ∀, 69
ordem Regra do Corte, 13, 24
em produto, 173 do Cálculo de Predicados, 71
em um conjunto de funções, 173 regras de inferência
lexicográfica, 173 do Cálculo de Predicados, 69
linear, 172 regras derivadas, 24
parcial, 172 Modus Ponens, 24
da extensão, 174 ajunção entre conjunção e implicação, 25
restriçãode uma, 173 compacidade, 24
total, 172 da contraposição, 25
ordem parcial da tripla negação, 25
da extensão, 174 falta de alternativa, 25
implicação material, 25
paraconsistência, 29, 100 introdução de ∨ nas hipóteses, 25
persistência, 10, 24 leis da dupla negação, 25
potência para a conjunção, 25
de uma função, 120 persistência, 24
próprio, 27, 100 prova por casos, 25
preservação prova por contradição, 25
de um fórmula por um L-morfismo, 158 Regra do Corte, 24
Princı́pio de Indução Teorema da Dedução, 24
finita, 163 Transitividade da Implicação, 25
na complexidade de fórmulas, 40 trivialização, 25
nos números naturais, 163 troca de hipóteses, 25
principio de indução relação
transfinito, 178 n-ária, 169
produto antisimétrica, 172
de conjuntos, 163 binária, 169
de funções, 119 de equivalência, 169
de uma famı́lia de conjuntos, 168 reflexiva, 169
projeção simétrica, 169
em uma coordenada, 113 transitiva, 169
que esquece coordenadas, 113 unária, 169
projeção quociente, 170 restrição
proposição de um produto, 113
atômica, 7 de uma função, 164
propriedade reticulado distributivo, 34
186 ÍNDICE REMISSIVO

retrato, 116 Generalizado da Completude, 134


teorema
sı́mbolo da separação, 29
funcional do Cáculo Intuicionista, 24
n-ário, 55 do Cálculo de Predicados Clássico, 70
lógico, 55 do Cálculo de Predicados Intuicionista, 70
linguı́stico, 55 o Cáculo Clássico, 24
não lógico, 55 teoria, 28
relacional completa, 31, 101
n-ário, 55 consistente, 28
sı́mbolos de Henkin, 107
de constantes, 56 de uma L-estrutura, 133
satisfação extensão de Henkin de uma, 107
de uma fórmula em uma L-estrutura, 124 inconsistente, 28
segmento maximal, 28, 100
final, 173 no Cáculo de Predicados, 100
inicial, 173 própria, 28
sentença, 64 prima, 28, 100
sequências finitas, 175 trivial, 28
concatenação de, 175 termo, 58
silogismo do dilema destrutivo, 24 de uma linguagem 1a ordem, 58
sse, 161 de uma linguagem de 1a , 57
sub-fórmula, 62 fechado, 58
própria, 62 livre para uma variável, 65
subestrutura, 147 substituição de uma variável por um, 65
elementar, 147 subtermo de um, 60
imagem por uma imersão, 160 subtermo próprio de um, 60
substituição, 48, 76, 117 transitividade
de uma variável por um termo, 65 da implicação, 8, 13, 25
de variáveis por funções, 58 trivial, 27, 100
subtermo, 60 trivialização (de um Cálculo), 20
próprio, 60 troca de hipóteses, 14, 25
supremo, 176
união, 161
tautologia, 44 de uma famı́lia de conjuntos, 162
Teorema de uma famı́lia dirigida de estruturas, 150
da Compacidade, 140 universalmente válida, 44
da Completude, 141 valoração
da Completude de Gödel, 141 2-, 41
da Completude de Henkin, 134 variáveis, 55
da Completude do Cálculo Proposicional variável
Clássico, 46 da qual um termo depende, 59
da correção ocorrência
do Cálculo de Predicados, 127 ligada, 63
da Correcção, 44 livre, 63
da Dedução, 12, 24
do Cálculo de Predicados, 81 weakening, 10
forma proposicional no Cálculo de Predicados,
72
da extensão de uma valoração, 42
da Substituição, 51
da substituição de equivalentes, 87
da substituição proposicional, 78
de Cantor-Bernstein, 166
de Henkin, 107
de Löwenheim-Skolem-Tarski, 142
de Lindenbaum
do Cáculo de Predicados, 104
para o Cálculo de Predicados, 105
para o Cálculo Proposicional, 31

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