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26 prairial - anno IV (14-6-1796).

Esperava-te, minha cara Josephina, desde 18 e pensava que chegasse a Milão.


Mal sahi do campo de batalha, em Borghetto, corri para te buscar, mas não te
encontrei! Alguns dias depois, um correio me informava que não havias partido, e
não me trazia nenhuma carta tua. Minha alma ficou despedaçada de dor. Julgo-
me abandonado por tudo o que me interessa na terra. Nunca senti o desanimo.
Cheio de dor, escrevi-te e talvez tenha sido rude demais. Se as minhas cartas te
affligiram, ficarei inconsolavel... Devido à inundação do Tessin, fui para Tortone,
afim de te esperar. Todos os dias, aguardava inutilmente a tua chegada. Emfim,
ha quatro horas, ainda lá estava, quando chegou a carta que me trouxe a noticia
de que não vinhas mais. Um instante depois, eu não ousaria manifestar-te a
minha profunda inquietação, ao saber que estás doente, que ha tres medicos à
tua cabeceira, que estás em perigo e que é por isso que não me escreves. Depois
disso, fiquei num estado que não se póde descrever! É preciso ter o meu coração,
amar-te como eu te amo. Ah! Eu não acreditava que fosse possivel experimentar
taes soffrimentos, tormentos tão intensos. Eu julgava que a dôr fosse limitada e
circumscripta, mas ella não tem limites na minha alma. Uma febre abrazadora
circula ainda nas minhas veias, mas o desespero está no meu coração. Soffres, e
eu estou longe de ti. "Helas!" talvez nem vivas mais! Embora ache a vida
desprezivel, a minha triste razão faz-me acreditar que não te encontrarei depois
da morte, e não posso habituar-me à idéa de não tornar a ver-te. No dia em que
eu souber que Josephina não existe mais, terei deixado de viver. Nenhum dever,
nenhum titulo, nada me prenderá mais à terra. Os homens são tão abominaveis!
Só tu apagas aos meus olhos a vergonha da natureza humana.
Todas as paixões me atormentam, todos os presentimentos me affligem. Nada me
arranca à dolorosa solidão e às serpentes que me dilaceram a alma.
Tenho necessidade agora de que me perdôe as cartas loucas, insensatas, que te
escrevi. Se estiveres bôa verás que foi o amor ardente que tenho por ti que me
desorientou. Preciso convencer-me de que não estás em perigo. Minha amiga,
faze tudo pela tua saude; sacrifica tudo ao teu repouso. És delicada, fraca e
doente, e a estação é quente, a viagem, longa. Peço-te de joelhos: não exponhas
uma vida tão cara. Por mais curta que seja a existencia, tres mezes passarão...
tres mezes ainda sem nos vermos!... Eu tremo, minha amiga, e não tenho
coragem de pensar no futuro. Tudo é horrivel e falta-me a esperança, capaz de
me acalmar. Não creio na immortalidade da alma. Se morreres, morrerei logo
depois, mas da morte do desespero, do anniquilamento.
Murat veiu convencer-me de que a tua molestia não tem importancia. Mas tu não
escreves; ha um mez que não recebo as tuas cartas. És fraca, sensivel e amas-
me. Lutas entre a molestia e os medicos, longe daquelles que te arrancaria aos
teus males e mesmo aos braços da morte... Se a tua doença continuar, consegue
uma permissão para que eu te vá ver um momento. Em cinco dias estarei em
Paris e no decimo-segundo me encontrarei de novo à frente do meu exercito. Sem
ti, não posso ser util no meu posto. Embora aspire a gloria e queira servir a Patria,
minha alma está suffocada neste exilio e, quando a minha querida amiga está
doente e soffre, não posso friamente calcular a victoria. Não sei que expressões
empregar, nem que conducta adoptar: quero deixar o meu posto e partir para
Paris. Mas a honra me retém, apesar de tudo. Por piedade, manda-me escrever.
Preciso saber qual é a tua molestia e o que ha a temer. Nosso destino é terrivel.
Mal nos casamos, mal nos unimos, já estamos separados! As minhas lagrimas
molham o teu retrato; só elle não me deixa. Meu irmão não me escreve. Ah, sem
duvida elle não tem coragem de dizer-me a verdade, que me torturará sem
remedio.
Adeus, minha amiga. Como a vida é cruel e como os males que se soffrem são
horriveis! Recebe um milhão de beijos e acredita que ninguem igualará o meu
amor, que durará toda a minha vida. Pensa em mim e escreve-me duas vezes por
dia. Arranca logo de mim a dôr que me opprime. Vem, vem logo, mas toma
cuidado com a tua saude.

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