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U

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EDIÇÃO 412

PE

S
NOV/2023
34º ANO

S
GR
A

IO
ND C
ES NEGÓ

IMERSÃO NOS VINHOS


PATRÍCIA BRENTZEL, DA PB SOMMELIÈRE:
1,5 MIL GARRAFAS VENDIDAS POR MÊS
COM WORKSHOPS E EXPERIÊNCIAS PARA
CLIENTES CORPORATIVOS

MERCADO
Carga Tributária Federal Aproximada 4,65%
NOVEMBRO 2023 • Nº 412 • R$ 25,00

EM FESTA
E V E N TO S A P O S TA M E M D I V E R S I DA D E ,
T E C N O LO G I A E S U S T E N TA B I L I DA D E PA R A
R E TO M A R C R E S C I M E N TO
SUMÁRIO
CA RTA AO L E I TO R 6

FOTO: LIPE BORGES


FRONT END
12 DA T V PAR A O S N EG Ó C I O S
T RA N C ISTA PR OF I S S IO N A L 14
16 U M A P I TA DA D E L I R I SM O
COM B IN AÇÃO SO N O RA 18
20 A M OR N A S N UV E N S
ENTREVISTA 22
ANA FONTES DATA BASE
Com a Rede Mulher Empreendedora,
ela já impactou centenas de milhares 30 CAPA
de mulheres à frente de negócios e diz A RETOMADA DOS EVENTOS
que o caminho para a transformação Revitalizado e renovado
social é o das políticas públicas com novas tecnologias e formatos,
setor tem boas perspectivas
de crescimento em 2024

ESPECIAL 46
MODA SOB MEDIDA
Saiba como se diferenciar nesse
mercado e conheça tendências
em modelos de negócios, como
collabs e lojas colaborativas

60 ENSAIO
PROTAGONISTAS DA MUDANÇA
Investidores negros se mobilizam
pela diversidade racial
e começam a mudar o cenário
do mercado de capital de risco

BACK END
H OW TO 76
CO M O FO R M A R U M A P R OM I S SO R A
PA R C ER I A D E S U C E S SO
82 D E U C E RTO
CAR M E M V I R GI N I A,
DA A LTA R COZ I N H A A NC E ST RA L

ACOMPANHE OS DESTAQUES IMPORTANTE


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IDIOMAS
CENÁRIO PAULISTANO
Professora de inglês,
Eliane Luciano aposta
em experiência turística
pelas ruas de São Paulo
para ensinar aluno a
“se virar” no idioma de
Shakespeare. Desde
2022, a empresa, que
leva o nome de Teacher
Ly, já atendeu mais de
mil pessoas em passeios,
nos quais o estudante é
exposto a situações reais.
bit.ly/3Qx0ga6

BELEZA
CABELOS DE DIVA
Autodidata, a
empreendedora Gabriele
Moura viu vídeos sobre
entrelace no YouTube –
e testou em si própria.
Com uma técnica de
aplicação indolor de
megahair, abriu um salão
e passou oferecer cursos
sobre o método. Hoje,
seu empreendimento, o
Mulambo Hair, fatura
R$ 55 mil por mês.
bit.ly/46LWz6i

EVENTO FLORIDO

A RA JA NY CO Ê L HO ,
NENHUMA EMPRESA,
DA NEGA FU LÔ , Q U E EXCETO A EDITORA
GLOBO, ESTÁ
CO NVERS A CO M AUTORIZADA A
VENDER PRODUTOS
C LI E NT E S PAR A OU SERVIÇOS EM
FAZ E R A RR A NJO S NOME DE PEQUENAS
EMPRESAS & GRANDES
PER SONA L I ZA D O S NEGÓCIOS. EM CASO
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PARA PEGN@
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REVISTAPEGN
AO LEITOR

CA SA CHEIA

Mais tecnológico, sustentável e diverso. O Esta edição do Mês da Consciência


mercado de eventos voltou com tudo – e Negra entrevista e retrata empreendedo-
mudado, como mostramos na reportagem res e especialistas negros. Mostra quem
de capa deste mês. Depois de praticamente são os investidores que estão mudando,
parar nos primeiros tempos de pandemia pouco a pouco, o cenário de capital de
e reinventar todas as suas práticas para risco, aportando em negócios promisso-
poder funcionar, as empresas do setor tra- res tanto no aspecto financeiro quanto
balham agora a 100% da sua capacidade. no social. Traz também uma entrevista
São negócios de micro, pequeno e mé- em profundidade com a inspiradora Ana
dio portes, como produtoras, agências Fontes, que há pouco mais de uma década
de modelos, fornecedores de alimentos lançou um blog e hoje, com a Rede Mulher
e bebidas, especialistas em cenografia e Empreendedora, já impactou centenas de
iluminação, fotógrafos, videomakers e milhares de mulheres à frente de negó-
espaços de eventos. Eles incorporaram cios – elas, por sua vez, investiram nas
tecnologia para transmissão ao vivo, suas comunidades, cresceram, geraram
inteligência artificial, práticas de ESG (go- empregos e impacto em série.
vernança ambiental, social e corporativa). Termino esta carta dentro do avião, rumo
Trouxeram para o palco e jogaram luz em a mais um evento com ingressos esgotados,
especialistas, apresentadores, mestres de com a certeza de que encontrarei centenas
cerimônias e modelos mais diversos. de empreendedores criativos e determi-
A diversidade – de cores, corpos, visões nados, como os desta revista. Espero que
de mundo – também é festejada nas novas traga inspiração e reflexão a você também.
iniciativas de moda, que abordamos em Um abraço,
outra matéria especial. Seja em modelos
de negócios diferentes, como lojas colabo-
rativas e collabs entre criadores, seja na
aposta em públicos anteriormente pouco MARIANA IWAKURA
EDITORA-CHEFE
atendidos, como o plus size, essas marcas
provocam e entregam mudança. MARIANAIWAKURA @MARI_IWAK

ILUSTRAÇÃO: JÔNATAS MOREIRA

6 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N D E S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


NOSSOS VALORES
Fundada há 34 anos, a Revista Pequenas
Empresas & Grandes Negócios tem
por missão ajudar pessoas inovadoras a
DIRETOR GERAL: Frederic Zoghaib Kachar
transformar ideias em grandes realizações.
DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO DE AUDIÊNCIA E COMERCIAL: Tiago Afonso As reportagens da revista apresentam
DIRETOR NACIONAL DE NEGÓCIOS: Samuel Sabbag oportunidades de negócios para micro,
DIRETORIA EDITORIAL: Daniela Tófoli e Maria Fernanda Delmas pequenas e médias empresas e têm o
compromisso de informar o que há de
mais moderno em conceitos de gestão,
marketing, estratégia, finanças e tecnologia.
Acreditamos que é possível fazer aquilo
que você gosta. E lucrar com isso
Acreditamos que é possível ter lucro
REDAÇÃO PEQUENAS EMPRESAS & GRANDES NEGÓCIOS
criando um ambiente de trabalho
DIRETORA EDITORIAL DE MARCAS DE ECONOMIA E NEGÓCIOS: Maria Fernanda Delmas saudável, inspirador e causando um
EDITORA-CHEFE: Mariana Iwakura impacto positivo na sociedade
EDITORA-EXECUTIVA: Juliana Ventura Acreditamos na inovação e na força
EDITORA-ASSISTENTE: Ana Laura Stachewski criativa que vêm das novas empresas
REPÓRTERES: Carina Brito, Paulo Gratão e Rebecca Silva Acreditamos no empreendedorismo
ESTAGIÁRIAS: Bianca Camatta e Luana de Andrade
como pilar essencial para uma
economia equilibrada e para uma
COLABORADORES: Edson Valente, Felipe Nunes, Glau Gasparetto, Maria Clara Vieira, Mauro Silveira, Mônica Kato e Shagaly Ferreira (texto),
melhor distribuição de riquezas
Patrícia Trudes da Veiga e Raquel Bocato (edição); Laís Rigotti (revisão); Camila Cara, Fernando Nuwanda, Acreditamos que o empreendedorismo
Helder Fruteira, Lipe Borges e PC Pereira (foto); Del Nunes, Jônatas Moreira e Reberson Alexandre (ilustração) pode e deve ser promovido e ensinado
nas escolas de todo o país, para
ESTÚDIO DE CRIAÇÃO
despertar talentos e habilitar os
DIRETOR: Rodrigo Buldrini cidadãos a administrar seus negócios
DIRETOR DE ARTE: Alex Vargas Cassalho Acreditamos no empreendedorismo como
EDITORES DE ARTE ASSISTENTES: Clayton Rodrigues e Daniel Pastori chave para a realização de sonhos
DESIGNERS: Demetrios Cardozo, Felipe Hideki Yatabe e Pablo Gonzalez Acreditamos que o empreendedorismo
COLABORADORA: Giovanna Gomes (designer) está alinhado com a visão de mundo
(trabalho com diversão e senso de
MERCADO ANUNCIANTE propósito) das novas gerações
SEGMENTOS: FINANCEIRO – IMOBILIÁRIO – INFRA/LOG – INDÚSTRIA/ENERGIA Acreditamos que compartilhar
DIRETOR DE NEGÓCIOS: Emiliano Morad Hansenn GERENTES DE NEGÓCIOS: Catarina Augusta Pedroso dos Santos e João Carlos Meyer conhecimento produz experiências mais ricas
COORDENADORA DE NEGÓCIOS (PUBLICIDADE LEGAL): Francimaria Pacheco Da Silva Santos Acreditamos que a informação precisa, clara
e de qualidade seja um instrumento capaz de
EXECUTIVOS DE NEGÓCIOS: Bruna Serrajordia Ros, Fabio Bastos Ferreira de Andrade,
transformar e aperfeiçoar empreendedores,
Juliana Fernandes, Renata Ritzmann e Selma Teixeira da Costa empresas e relações de trabalho
SEGMENTOS: EDUCAÇÃO – MONTADORAS – VAREJO – TELECOM – TECNOLOGIA Acreditamos que todas as empresas,
independentemente do tamanho, devem
– ELETRÔNICOS – ENTRETENIMENTO – SHOPPING – MÍDIA
adotar práticas ambientalmente corretas
DIRETORA DE NEGÓCIOS: Lilian Cassamassimo Baima COORDENADORA DE NEGÓCIOS: Alecsandra Regina da Cruz Altran e gerar lucro de modo sustentável
EXECUTIVOS DE NEGÓCIOS: Cristina Furuko, Flávia Marangoni, Karina Penachio Primon, Renata de Carvalho e Renato Arellas

SEGMENTOS: MODA – BELEZA – HIGIENE DOMÉSTICA E PESSOAL – DECORAÇÃO – SAÚDE –


CIAS AÉREAS – TURISMO – PUERICULTURA – ALIMENTOS E BEBIDAS – OUTROS DESEJA FALAR COM A EDITORA GLOBO?
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O QUE É O G.LAB
O G.Lab elabora conteúdos de
O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de
Verificação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa - Ano qualidade patrocinados por empresas
2011, da Editora Globo S.A., é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa que contratam seus serviços. Esses
dos dados e informações de GEE sobre o período de referência, para o escopo definido; foi elaborado em
conformidade com a NBR ISO 14064-1:2007 e Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol. conteúdos são identificados por
expressões como “apresenta”,
Pequenas Empresas & Grandes Negócios é uma publicação mensal da EDITORA GLOBO S.A. “apresentado por”, “oferecimento”,
Av. 9 de Julho, 5.229, Jardim Paulista, São Paulo (SP), CEP 01407-907 – Tel. 11 3767-7000. Distribuidor para todo o Brasil: Dinap - Distribuidora Nacional de Publicações; “especial publicitário”, “conteúdo
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8 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


APRESENTADO POR

© GETTY IMAGES

A IMPORTÂNCIA
DE UMA BOA
REDE DE
CONTATOS
Cultivar relacionamentos
com as diferentes pontas
do seu negócio é
importante para fazê-lo
crescer. Saiba como
melhorar a comunicação
com todas elas

A ntes de mais nada, vale entender


de quais grupos estamos falan-
do. Dentro de qualquer negócio,
é fundamental que o empreendedor
mantenha um bom canal de comuni-
cação com três pontos de interesse: os
clientes, os fornecedores e os parceiros
de segmento. Confira algumas formas
de manter a conexão sempre em dia,
além de fortalecer os vínculos: serviços, qual o tíquete médio... A par- Com os parceiros de segmento
tir daí, o dono do negócio pode pensar Ninguém entende melhor as dores do
Com os clientes em estratégias para engajá-los mais”, negócio como alguém que passa por
No auge da pandemia, os canais digi- explica Indianara Dias, head de ESG situações parecidas. Por isso, estar em
tais tiveram de ser priorizados. E, em- das plataformas Bees e Zé Delivery, contato com pessoas que trabalham
bora o cliente tenha voltado para os da Ambev. Por isso, promover encon- com algo semelhante ao que você faz é
pontos de venda presenciais, eles vira- tros para ativação, convidar para ex- importante para compartilhar vivên-
ram um complemento necessário pa- perimentação, conversar pelas redes cias e soluções. Como “dar uma passa-
ra o consumidor conhecer serviços e sociais são ações bem-vindas. dinha” no negócio daquele conhecido
produtos, e também para a comunica- nem sempre é fácil, vale ficar atento
ção entre ele e a loja. Uma pesquisa da Com os fornecedores a encontros promovidos por asso-
Abrasel (Associação Brasileira de Bares Empreendedores e fornecedores ciações ou empresas que costumam
e Restaurantes) mostra que no segmen- podem se tornar mais conectados agregar gente que tem os mesmos in-
to de alimentação e bebidas, por exem- quando atuam juntos para a melho- teresses. Como o Encontros Bora, da
plo, 83% dos estabelecimentos utilizam ria do negócio. E o investimento em Ambev. Eles reúnem os parceiros do
algum tipo de plataforma digital para qualificação tem a ver com isso. José segmento de bares e restaurantes,
relacionamento com clientes. Eduardo Camargo, líder de conteúdo que dividem preocupações e experi-
Conhecer melhor o consumidor é e inteligência da Abrasel, afirma que ências do dia a dia. “É uma oportuni-
combustível para fazer o negócio cres- quando o fornecedor investe no em- dade de conexão e de aprendizado”,
cer: “É um ponto de partida essencial. preendedor, ajudando-o a se qualifi- diz Indianara Dias.
Ao saber quem é ele, é possível pen- car para enfrentar os desafios diários
sar em ações para atraí-lo e fidelizá- — como entender de gestão financei- A inclusão produtiva é um
-lo. Nas trocas presenciais ou pelos ra, por exemplo —, isso é bom também compromisso da Ambev.
canais digitais, o empreendedor po- para o mercado porque, a partir daí, o Com iniciativas estruturadas em
de obter dados importantes, como sa- empreendedor passa a fazer melho- educação, apoio financeiro e
ber se seu público é formado por mais res escolhas de consumo. “Apoiar o conexões, a companhia tem a
homens ou mulheres, se há mais jo- empreendedor em ações como essa ambição de incluir produtivamente
vens ou mais velhos, os horários de fortalece vínculos e melhora o canal 5 milhões de pessoas até 2032.
maior procura por seus produtos ou de comunicação”, resume Camargo.
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TENDÊNCIAS

NT
RO
F
CONEXÃO

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 11


F R O N T E N D • S U S T E N TA B I L I D A D E

MATURIDADE ESG

FE ED BACK DO S
CL IENTE S FE Z D I L MA
S O U Z A CA M P O S
D E C ID I R P O R UM
R E B RA N D IN G DA
NO SS A P R A I A ,
FOTO: THIAGO BRUNO

T R A NS FO R M AN D O A
AG Ê N CI A D E E VE N TO S
E M U M A E SG T E CH

12 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


DA TV PARA
os N E G Ó C I O S
Após sucesso nas telinhas, Dilma
Souza Campos empreendeu e hoje
é head de ESG da Nossa Praia

TEXTO CARINA BRITO

Atriz, bailarina, dentista, empreendedora. A empreendedora apostou, então, em


Aos 51 anos, Dilma Souza Campos carre- eventos digitais. Mas não foram suficientes
ga uma série de experiências profissionais. para fechar as contas: teve de demitir no-
Nos anos 1990, ganhou destaque como uma ve das 12 pessoas da equipe. Campos con-
das Patativas, os passarinhos que identifi- ta que pensou em alternativas para manter
cavam sons de instrumentos musicais no o negócio funcionando – e percebeu que te-
programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum, da ria de repensar o conceito. Decidiu pergun-
TV Cultura. Depois, recebeu uma bolsa pa- tar quais eram os diferenciais que os clien-
ra estudar odontologia e se formou, mas tes enxergavam na empresa.
não quis trabalhar na área. O feedback deles, que consideravam a Nos-
Longe das telinhas, ela fundou e hoje é head sa Praia forte em aspectos ESG, ao fazer even-
de ESG da Nossa Praia, uma startup que rege- tos carbono zero com diversidade e inclusão,
nera ecossistemas sociais, econômicos e am- a fez optar pelo rebranding. Logo depois, a
bientais. Com a ajuda de IA (inteligência artifi- empreendedora foi procurada pela empre-
cial), a ESG Tech coleta dados e analisa a matu- sa B&Partners.co, uma aceleradora de mar-
ridade das empresas, incluindo fornecedores e cas com 17 negócios e atuação em oito países,
parceiros. A partir daí, propõe ações para miti- criada pelo publicitário Bazinho Ferraz, que
gar problemas e fazer avançar nessa pauta. tinha interesse em comprar a agência justa-
Assim como ela, o negócio passou por mente por seu aspecto social e sustentável.
transformações. Surgiu em 2013 como Ou- A aquisição foi realizada em outubro de
tra Praia, uma agência de marketing espe- 2022, por um valor não revelado. Em abril
cializada em fazer experiências de marcas deste ano, anunciou-se a mudança para ESG
em eventos. Mas sofreu um duro golpe em Tech. Otimista com o potencial do mercado
2020, com a pandemia de covid-19. “Muitos de sustentabilidade, Campos espera conse-
contratos caíram e tivemos uma grande cri- guir alcançar, em breve, faturamento anual
se. Nosso trabalho era reunir pessoas, e isso acima de R$ 4,8 milhões, transformando-se
não podia mais ser feito”, lembra. em uma empresa de médio porte.
FRONT END • BELEZA

TRANCISTA
PROFISSIONAL
Das sobras de cabelo que recolhia em
um salão, Anna Telles moldou uma
empresa de apliques e cosméticos que
deve faturar R$ 5 milhões em 2023

T E X TO S H AGA LY F E R R E I R A

Uma dor pessoal impulsionou Anna Telles, 33 anos, a se


tornar uma marca própria que leva o seu nome e faturou
nada menos que R$ 3,5 milhões em 2022. Além de criar um
método de aplique que tenta aproximar ao máximo o as-
pecto dos fios aos cachos naturais, o Enrolado 3D, e uma
linha de cosméticos capilares, ela gerencia 22 profissio-
nais em um espaço de beleza localizado em um bairro no-
bre de Salvador (BA). Tempo livre, aliás, é algo raro na sua
rotina, já que concilia a gestão dos negócios com consul-
torias ministradas para centenas de trancistas.
Estruturar toda a sua vida profissional para dedicar-se
à estética da mulher negra foi a forma que ela encontrou
para superar a discriminação que sofreu na infância e na
adolescência. Quando criança, Telles teve os fios crespos
alisados pela mãe: “Eu lembro que me sentia muito triste.
Caía muito cabelo por causa do produto químico – e eu
era muito jovem. As pessoas me humilhavam, e as críticas
que eu recebia em casa continuavam na escola”.
Na adolescência, a empreendedora começou a ter con-
tato com as tranças sintéticas, que funcionavam como
uma alternativa ao alongamento dos cabelos. Por mais
de um ano, ela acompanhou o trabalho de uma vizinha
trancista em uma região periférica da capital baiana. Por
GUINADA não ter dinheiro para arcar com os custos do procedi-
mento, ia recolhendo os fios que sobravam nas sessões,
D E P O I S DE MO R A R N A R UA ,
A CA B EL E I RE I R A A N NA
para utilizá-los nela mesma. E foi com esse “aplique de
T E L L E S E ST R U T UR O U TO DA
sobras” que Telles fez suas primeiras tranças e começou
A S UA V I DA PR O FI S S I O NA L a praticar as técnicas que moldaram sua profissão.
PAR A D E DI CA R - S E À Além de influenciar positivamente em sua autoesti-
E ST É T ICA DA M U L HE R ma, o aprendizado foi crucial para a sobrevivência da

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empreendedora em um dos momentos mais delicados tal e consultorias presenciais. Em seu canal no YouTube,
de sua vida, quando sofreu violência doméstica e pre- Telles mantém uma produção frequente de vídeos para
cisou morar na rua, aos 15 anos. mais de 170 mil inscritos com dicas para manutenção de
Vivendo nas vielas do Pelourinho, no centro históri- cabelos crespos e cacheados. Já nos eventos, reúne cen-
co de Salvador, ela trocava seus serviços de cabeleirei- tenas de profissionais para lições sobre marketing digital
ra por roupas, sapatos e produtos de higiene. Foi nes- e gestão de negócios. Com todas essas atividades, a em-
sa época que ela conheceu o seu atual marido, Fernan- preendedora prevê faturar R$ 5 milhões neste ano.
do Bispo. Ele a ajudou a abrir o primeiro salão, ainda Nas comunidades da periferia, Telles compartilha
com poucos recursos, em um dos cômodos da casa on- gratuitamente os conhecimentos que aprendeu em sua
de moravam. Ali, conquistou as primeiras clientes fixas jornada: “As meninas começam a trançar por sobrevi-
e aperfeiçoou a técnica Enrolado 3D. vência, e a gente vem trazendo essa consciência de que
FOTOS: DIVULGAÇÃO

Do salão simples, o trabalho da cabeleireira se expan- isso também pode ser um negócio. Quando me veem,
diu para uma marca que produz mensalmente 15 mil to- elas se reconhecem. Então eu percebo que, além de ins-
neladas de cosméticos, vendidos online e por distribui- pirar, eu consigo trazer para essas mulheres a vontade
dores e revendedoras – inclusive no exterior. Nos últimos de vencer e a visão de que o ambiente em que elas estão
anos, ela tem se dedicado à produção de conteúdo digi- não determina quem elas são”.

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 15


F R O N T E N D • A L I M E N TA Ç Ã O

BOLO AFETIVO

A QU I T U TE I RA S U ZI
R OD RIG UES AD OÇA
A E XPE RI ÊN CIA DO
CL IENTE ENF EITAND O
S E U S B O LO S
CA S E I RO S COM
V E R SO S P O É T ICO S

16 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


UMA PITADA
de L I R I S M O
Na Afeto e Poesias, os bolos
são acompanhados de poemas
e cartinhas, que encantam os clientes
e viram opções de presente

TEXTO MARIA CLARA VIEIRA

Com uma decoração graciosa que inclui versos


poéticos, a empreendedora Suzi Rodrigues, 39
anos, não só adoça a experiência de seus clientes
de Juiz de Fora (MG) como agrega valor aos seus
bolos caseiros e se diferencia da concorrência.
“Conforme eu melhorei os produtos, perdi vendas
no meu bairro, porque os bolos encareceram. Mas
vi que tinha quem pagasse por eles sem reclamar
do valor”, diz. Focou, então, as vendas em locais de
maior poder aquisitivo e reposicionou a marca.
As fotos bem produzidas no Instagram atraíram
40 mil seguidores e passaram a ser a grande porta
de entrada de novos consumidores da Afeto e Po-
esias. Agora, a boleira já experimenta o sabor do
sucesso: “Vendo, em média, de 100 a 120 bolos por trativa em que trabalhava havia quase oito anos.
mês”, contabiliza. “Chegou a um ponto em que não podia mais cres-
Os sabores mais pedidos são o tradicional bo- cer onde estava. Hoje eu sei que posso.”
lo de cenoura com brigadeiros na cobertura (R$ A ideia de abrir o próprio negócio surgiu a par-
60) e o de laranja com damasco (R$ 65), este uma tir de uma sugestão da sogra: “Eu já fazia bolos
receita que ela mesma desenvolveu. “Se tornou em casa, para a família. As pessoas adoravam.
um produto presenteável, para um café especial, Até que ela falou: ‘Por que você não começa a fa-
com carinho e amor.” zer bolos para fora?’”, lembra.
Atualmente, Rodrigues trabalha em um ateliê Ela pensava em parar de trabalhar fora para fi-
que criou nos fundos de sua casa e vem estudan- car mais próxima do filho, “mas não sabia de que
do mais sobre o mercado de cestas comemorati- forma deixaria de ser CLT”. Enquanto ainda es-
vas, que passaram a fazer parte do seu cardápio tava no emprego, começou a fazer bolo no pote e
e a vender de 30 a 35 unidades por mês – custam vender no trabalho e para conhecidos.
de R$ 110 a R$ 380. “Iniciei com um investimento pequeno, cerca de
“A melhor parte de empreender é ter flexibili- R$ 100. Depois, vendi meu primeiro bolo confeitado
dade e poder lutar pelo que é meu de fato. O cres- para festa. No boca a boca, as pessoas foram espa-
FOTOS: DIVULGAÇÃO

cimento só depende de mim”, avalia a quituteira. lhando. Quando vi, todo final de semana tinha en-
“Se eu correr atrás, consigo melhorar minha ren- comenda, e se tornou minha renda extra”, diz.
da. Sou dona de mim.” Os planos para o futuro incluem criar cursos de
Assim, ela se diz feliz com a escolha feita em bolos afetivos. “Já tenho uma procura bem grande
2019, quando deixou o emprego na área adminis- por aulas. Quero ajudar outras mulheres.”

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 17


FRONT END • GASTRONOMIA E ARTE

COMBINAÇÃO
SONORA
O ator e chef Jorge Washington,
de Ó Paí, Ó, usa um museu
como base para montar
cardápio assinado com sabor
e expressões artísticas

T E X TO S H AGA LY F E R R E I R A

Aos 60 anos de idade – mais da metade deles vi- as mais velhas do meu entorno, e fui pegando es-
vidos nos palcos –, o ator baiano Jorge Washing- se gosto pelo tipo de cozinha que pega as sobras
ton aprimora outro talento em um espaço bem di- e transforma em outro prato, pelo colorido, pelo
ferente: a cozinha. Desde 2017, ele mantém o pro- cheiro, pela forma de harmonizar.”
jeto Culinária Musical, em Salvador (BA), no qual A prática foi intensificada na convivência com os
reúne manifestações artísticas, cardápio variado amigos do teatro. Entre uma apresentação e outra,
e diferentes atividades de empreendedorismo na ele preparava delícias para os colegas do Bando de
Casa do Benin, museu de cultura africana locali- Teatro Olodum, grupo artístico do qual faz parte.
zado no centro histórico da capital baiana. No es- O hábito informal, então, começou a se transfor-
paço, ele é o “afrochefe”, como se intitula, e fica mar em um caminho para o empreendedorismo.
responsável pelo preparo dos pratos. Além da gastronomia, o projeto é pensado para
O local, com capacidade para até cem pesso- ser um ambiente de convivência. Com uma progra-
as, recebe, uma vez por mês, clientes interessados mação musical variada, os frequentadores também
no cardápio assinado por ele, que costuma ofere- contam com recitais poéticos, apresentações tea-
cer pratos a partir de R$ 70, com porção para du- trais e o Cantinho do Empreendedor, espaço para
as pessoas. Entre os ingredientes há muitos itens quem tem uma pequena empresa vender seus pro-
da culinária popular local, como carne de fumei- dutos, como doces e enfeites artesanais.
ro, banana-da-terra, mamão verde, bofe e maxixe. No ano passado, excepcionalmente, ele preci-
O acesso ao espaço custa R$ 30. sou suspender as atividades no Culinária Musi-
A inspiração para os preparos é antiga. Quando cal para participar das filmagens da sequência de
criança, Washington era o encarregado da famí- Ó Paí, Ó, estrelado por Lázaro Ramos e com es-
lia para ir à feira livre e comprar os ingredientes treia prevista para o dia 15 deste mês. Washing-
culinários utilizados por sua mãe, Georgina Ro- ton dá vida a Matias, personagem que também
drigues. Com o tempo, ele aprendeu a cortar tem- aparece na primeira edição do longa, lançada em
peros e preparar carnes para o cozimento. 2007. “Minha filha perguntou se eu gostava mais
“A minha culinária vem das minhas memórias”, de atuar ou de cozinhar, mas o prazer é o mesmo
diz. “Aprendi a cozinhar com a minha mãe e com para os dois”, afirma.

18 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


DUPLA JORNADA

ATO R D E Ó PA Í , Ó ,
J OR G E WA S HI N GTO N
É C HEF DE COZ IN H A
E E M P R EE N DE
CO M PR OJ ETO
D E GA STR O NO M I A
E M S A LVAD O R

FOTOS: LUCAS MALKUT E ARQUIVO PESSOAL

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 19


FRONT END • TECNOLOGIA

A M O R nas N U V E N S
Aplicativo de relacionamento voltado
para pessoas negras chega a 100 mil usuários
e mira internacionalização em 2024

TEXTO BIANCA CAMAT TA

Apesar de 56% da população brasileira se declarar trou para criar a identidade visual; o influenciador Ro-
preta ou parda, segundo o IBGE (Instituto Brasilei- ger Cipó, 32, ficou responsável pelo marketing.
ro de Geografia e Estatística), essa distribuição não O Denga Love funciona como outros apps: após o
ocorre proporcionalmente em todos os ambientes – match, os usuários podem conversar. A plataforma é
nos aplicativos de relacionamento, por exemplo. gratuita e oferece também um plano VIP, que permi-
O empreendedor Fillipe Dornelas, 30 anos, identifi- te mudança de geolocalização em viagens e visualiza-
cou essa lacuna e criou, em 2022, o Denga Love, com ção de quem foi dispensado. O pacote mensal custa R$
foco em pessoas negras. Essa parcela da população, 16,90; o semestral, R$ 69,90.
diz ele, não se sente incluída nas plataformas. “Quando O aplicativo não restringe o cadastro de usuários
usei um app no ano passado, passei por situações mui- brancos, mas a comunicação é focada em negros. A
to chatas, até mesmo de racismo”, conta. ideia é não apenas evitar situações de racismo, como
Tinha, então, sua experiência pessoal. Para além de- permitir relações afrocentradas. “Quando falamos de
la, encontrou pesquisas como a da Associação Ameri- amor negro, estamos falando de uma cultura, de pes-
cana de Psicologia, que mostra que pessoas negras, nos soas que têm ideais parecidos e querem se encontrar.”
apps de namoro, contatam dez vezes mais brancas do O aplicativo soma 100 mil usuários, e a meta é che-
que o contrário. Outro artigo, de especialistas da Uni- gar a 130 mil até o fim do ano. Em 2023, até agosto, a
versidade Cornell, nos Estados Unidos, apontou que es- empresa havia faturado R$ 400 mil. O objetivo era ba-
sas ferramentas podem reforçar preconceitos raciais. ter R$ 600 mil em outubro.
Assim, Dornelas juntou a experiência de dez anos em tec- A receita do negócio é composta das vendas de planos
nologia à vontade de trabalhar com impacto social para de- (90%) e de publicidade. Atrair mais marcas está no foco no
senvolver o negócio. Aportou quase R$ 100 mil em seis me- empreendedor, que pensa em internacionalizar o app em
ses, da concepção ao lançamento, em outubro de 2022. 2024 – quando pretende alcançar 300 mil usuários. FOTO: DIVULGAÇÃO
Tudo pronto, compartilhou a versão de teste com Há ainda novidades em desenvolvimento: uma voltada
amigos. Quando chegou a potencial de mercado, foi para encontros em lugares seguros e a outra para ajudar
atrás de sócios. A designer Bárbara Brito, 26 anos, en- as pessoas com dificuldade de começar uma conversa.

20 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


DEU MATCH

O ES P E C IA L ISTA EM
T E C N OLOG I A F IL L IP E
D O RN E L A S C R I OU O
D E NGA LOVE, AP P D E
R E L AC I ON A ME NTO
PAR A P E S SOA S
NEGR AS , A PARTI R
D E E X PE R I Ê N C I A
P E S S OA L E PESQU IS AS

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 21


ENTREVISTA

EMPREENDEDO-
RISMO TEM
RAÇA E GÊNERO
T E X TO S H AGA LY F E R R E I R A FOTO PC PEREIRA

Ana Fontes começou a RME (Rede Mulher Empreendedora) de forma


despretensiosa, quando compartilhava em um blog o que aprendia em
um programa de capacitação para donas de pequenos negócios. A inicia-
tiva, que tem 13 anos, oferece hoje informação, mentoria, capacitação e
recursos. O ecossistema de incentivo ao empreendedorismo feminino
conquistou grandes marcas e recebeu aportes de Google e Itaú. Mesmo
com essas credenciais, Fontes não acredita que vá mudar o mundo.
O caminho para a transformação social, diz, é o das políticas públicas,
para o qual ela contribui participando do Conselho de Desenvolvimento
Econômico Social Sustentável do governo federal. Isso porque, segundo
ela, o empreendedorismo no Brasil tem raça e gênero definidos: “São
mulheres e pessoas negras. A maioria vende o almoço para comprar
a janta”. E questiona: “Cadê a linha de crédito para MEI?”. A PEGN a
empreendedora revela as ofensas que recebe por redes sociais: “Me
chamam de gorda, velha”. Mas isso não a intimida: “Quero estar cada vez
mais fora das minhas bolhas”. Não à toa, mostrar que existe um caminho
sustentável, diverso e inclusivo tem sido a sua batalha.

22 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


ANA FONTES
57 anos, é fundadora
da Rede Mulher
Empreendedora
(RME). Publicitária
de formação, cursou
pós-graduação
em marketing pela
ESPM e relações
internacionais pela
USP, tendo atuado por
quase duas décadas no
mercado corporativo,
antes de ingressar
no terceiro setor.
Atualmente, ocupa a
vice-presidência do
Conselho do Pacto
Global da ONU Brasil
e integra o Conselho
de Desenvolvimento
Econômico Social
Sustentável do
governo federal

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 23


E N T R E V I S TA • A N A F O N T E S

Você migrou ainda criança com Era bem complicado. Passei todos os processo seletivo bizarro, com várias
sua família de Alagoas para São perrengues que se possa imaginar. coisas discriminatórias, e fui selecio-
Paulo. Como foram essa transição Além de ser mulher, negra e nordesti- nada para ser gerente de marketing.
e os primeiros anos aqui? na, eu morava em Diadema, uma das Avisei que estava na fila de adoção
cidades mais violentas do Brasil du- da minha segunda filha. Eu entrei em
Foram meio doídos. Não lembro de rante muitos anos. Tinha um diretor 18 de agosto, e no dia 16 de outubro
muita coisa, mas ouvi meu pai e minha que falava – o que é preconceituoso me ligaram do fórum para avisar que
mãe falarem que foi durante um dos – que eu morava na Faixa de Gaza. tinha chegado a minha vez. No dia se-
maiores frios que teve em São Paulo, Queria ser trainee e, no RH, fala- guinte, fui para o escritório e o clima
em abril de 1970. A gente morou em ram: “Você não tem perfil”. Via gente tinha mudado, as pessoas me tratan-
Diadema [na Grande São Paulo]. com menos capacidade [sendo trai- do friamente. Uma mulher do jurídi-
Lá [em Alagoas,] meu pai era pes- nee] ganhando três vezes mais. De co falou: “Descobriram que, como a
cador, e minha mãe, agricultora. Eles estagiária, fui efetivada como assis- sua filha tem 10 meses, você vai ter
tinham uma plantaçãozinha. Meu pai tente e virei analista. Levei dez anos que sair de licença-maternidade”.
veio na frente com os meus dois ir- para conseguir a carreira executiva Quando o diretor veio conversar
mãos mais velhos. Minha mãe veio que um trainee alcançava em dois. comigo sobre isso, eu ria e falava:
dois meses depois com os seis filhos “Gente, eu vou cuidar da minha filha,
mais novos, inclusive eu. Foram quase duas décadas nessa é um momento muito especial e vo-
Meu pai trabalhava em uma fá- carreira. Por que decidiu sair? cês podem me mandar embora!”. Ti-
brica de conexões, e minha mãe rei a licença e fui demitida na volta.
era costureira. A gente passou to- Sofri de forma muito clara o [precon-
das as necessidades possíveis e ceito pelo] fato de ser mulher. Estava Quando você criou a RME
imagináveis. Trabalhei olhando concorrendo a uma vaga de executiva. onde pretendia chegar?
criança do vizinho, ajudando vizi- Na entrevista com o diretor, ele falou:
nha a buscar compras. “Seu desempenho aqui na empresa é Comecei a empreender antes da
perfeito. Pena que você é mulher. Pa- RME. Tive uma plataforma de reco-
E os estudos? ra essa vaga eu quero um homem, al- mendações positivas, a Elogia Aqui,
guém que bata na mesa, que fale gros- que criei com dois sócios – e deu
Meus irmãos mais velhos foram lar- so e que faça os funcionários fazerem muito errado. No meio do erro, fui
gando os estudos, porque não con- as coisas”. Eu sofria muito racismo e selecionada para o 10.000 Mulheres,
seguiam conciliar com o trabalho. machismo. Mas foi a primeira vez que da Fundação Getulio Vargas [projeto
Minha mãe falava: “Para mudar de vi- foi jogado assim [de forma explícita]. do banco Goldman Sachs e da Gold-
da, a gente precisa estudar”. Ela era Antes, [o “não”] era atribuído a não ter man Sachs Foundation que proporcio-
semianalfabeta, meu pai também. inglês e uma faculdade boa. nou, com instituições de ensino parcei-
Um tempo depois, fui promovi- ras, educação em administração e ges-
Como chegou até da. Estava grávida e havia uma vaga tão de negócios a empreendedoras].
a universidade? que só eu podia cumprir. Trabalhava Foi a mudança de rota para mim.
com propaganda de varejo e eu era a Dentro do programa, vi que estava
Prestei vestibular para comunica- maior especialista na área. Me pro- empreendendo, mas não da melhor
ção. Achava que pagaria apenas a moveram. Aí aconteceu um negócio forma. Descobri que tinha um monte
mensalidade, mas tinha matrícula e horrível: combinei que ia ficar quatro de mulher que também passava tan-
mensalidade. Não conseguia pagar meses de licença-maternidade, e 20 tos perrengues quanto eu. A RME eu
os dois. Minha mãe comentou com dias depois [do nascimento da crian- criei como um blog. Comecei a escre-
uma vizinha e ela me emprestou o ça] ele começou a me pressionar pa- ver sobre o que eu aprendi nas aulas e
dinheiro. Às vezes, eu juntava dois ra voltar. Voltei com um mês e meio. chamei de Rede Mulher Empreende-
meses de salário para pagar a facul- dora. Era para ajudar quem não tinha
dade, porque a prioridade era co- Nessa época você já começou passado no programa – se inscreve-
mer. Eu estava sempre devendo. a repensar a carreira? ram mais de mil mulheres, e a turma
era de 35. Conheci um monte delas
Quando iniciou a carreira, Fiquei mais cinco anos. Em 2007, to- durante o processo seletivo.
como era ser mulher, negra e mei a decisão de sair. Oito meses de- Perguntei para o coordenador se
nordestina no marketing? pois, eu tinha 40 anos, passei em um podia transmitir com as minhas pa-

24 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


PELO DIÁLOGO

ATACA DA E
A M EAÇA DA N A S
R E D E S, ANA FO NTE S
NÃO S E RECU SA A
FAL A R COM Q U E M
P EN S A D I F E RE NT E :
S E U O B JE TI VO É
FURA R A B O LHA
DE PES SOAS QU E
CO NCOR DAM CO M
O QU E E L A P E NS A

lavras o que eu aprendia na aula. Ele RME. Comecei a trabalhar para o Itaú Tem raça e tem gênero. O empreen-
permitiu, pegou o meu blog e man- Mulher Empreendedora, e isso deu dedorismo, em geral, são mulheres
dou para o mailing das mil que não fôlego para investir na Rede. e pessoas negras. As pessoas gla-
passaram. A partir dali, viralizou. Outro salto gigantesco foi a en- mourizam – as startups são zero
trada do Google, em 2016 e 2017. vírgula alguma coisa. A maior par-
Você poderia traçar uma linha Recebemos o primeiro milhão de te vende o almoço para comprar
do tempo com os principais dólares em doação deles em 2018. a janta, não tem empregados, são
marcos da história da RME? Isso deu uma chancela e atraiu ou- microempreendedores individuais
tras empresas. ou informais.
O lançamento do blog foi bem impor- O que ajudou muito também foi ter Aqui na Rede, quase 16% das mu-
tante. O primeiro boom foi orgânico: trabalhado em uma grande empresa lheres são informais. Obviamente, a
as mil mulheres que recebiam o con- [na Volkswagen, por 18 anos]. Hoje, gente incentiva que elas sejam MEI,
teúdo foram passando para outras. sou convidada para falar de capta- mas, às vezes, nem isso elas conse-
Em seis meses, tinha 100 mil assina- ção de recursos e falo sobre reputa- guem fazer. Então, o empreendedo-
turas. No segundo ano, com a distri- ção, porque o que a gente vende é rismo no Brasil é de sobrevivência.
buição pelo Facebook, esse número credibilidade. Temos auditoria desde A maioria não tem acesso a capital, a
subiu para 300 mil mulheres. 2018, buscamos certificações. Para crédito, não consegue empregar. Pa-
Outro marco foi quando o Sebrae o ambiente corporativo, que é quem rece paradoxal porque, dos empre-
de São Paulo entrou em contato. Eles nos financia, é importante. gos no Brasil, mais de 60% são gera-
me deram espaço para eu fazer os dos pelos pequenos negócios, mas
encontros, em 2011. No final de 2012, O empreendedorismo no Brasil não é a maioria dos pequenos negó-
eu tive o primeiro cliente pago da tem cor e gênero definidos? cios que gera emprego.

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 25


E N T R E V I S TA • A N A F O N T E S

As pesquisas sobre
empreendedorismo olham
muito para o negócio formal,
não considerando quem
trabalha por conta própria?

Tem um monte de MEI que é [entrega-


dor] de aplicativo. Mesmo que não se-
ja MEI, tem a lógica de não receber di-
nheiro de forma fixa e não ser coberto
por proteção social. No Brasil, a gente
criou um modelo de glamourização
do empreendedorismo para precari-
zar o trabalho. Você vê um monte de
gente devendo no cheque especial
porque tá empreendendo desse jeito.
PARA O FUTURO

Quanto aos desafios que você NA AVA L IAÇÃO DA


observava mais de dez anos FU NDAD ORA DA
atrás, principalmente com o R M E , A S P O L Í TI CA S
recorte de empreendedorismo P Ú B LI CA S S ÃO
negro, houve mudança? O CA M I NH O DA
T R A NS FO RM AÇÃO
Não vejo tanta mudança. Vejo, sim, S O C IA L : “ NÃO T E NH O
uma movimentação para formali- A ILUS ÃO D E Q U E O
M EU TR A BA L HO VA I
zar. Quando você é um MEI, tem di-
M U DAR O PAÍS ”
reito à licença-maternidade – é um
horror para tirar e ninguém fala so-
bre isso – de um salário mínimo, ou
seja, se você tira no seu negócio R$
3 mil ou R$ 4 mil, vai receber mil e
poucos reais [referentes ao salário-
-maternidade, desde que, como MEI,
tenha contribuído por no mínimo dez
meses, entre outras regras]. O que eu
mais ouço é que elas não tiram li- ela compra fogão, geladeira, maté- no não pode fazer isso? Tem progra-
cença-maternidade porque [se tira- ria-prima para fazer o produto dela, ma que começa com 20 mil mulheres
rem] não pagam as contas. e isso faz a diferença. e faz doação para cem, pois não tem
Hoje tem mais consciência, mas condição de fazer para todas. A gen-
não é a ação. Cadê a linha de crédi- Quais métricas são empregadas te muda o empreendedorismo quan-
to para MEI? Cadê alternativas para na RME para avaliar o sucesso do dá perspectiva e condição. Ho-
essa formalização? Podia haver um das empreendedoras atendidas? je a gente não dá política pública de
programa gigantesco de inclusão e acesso a capital, a mercado.
formalização de forma mais simpli- Tem o momento zero, quando ela não
ficada ainda. entrou no programa ou entrou e não Como tem sido o diálogo com
Falta, de verdade, uma política fez nada. Seis meses depois, a gen- o governo federal no Conselho
mais firme, não só de linha de cré- te avalia se formalizou, se aumentou de Desenvolvimento Econômico
dito. A gente faz, na Rede, há qua- o faturamento, a autodeclaração de Social Sustentável, o Conselhão?
tro anos, microdoações – variam de confiança e a empregabilidade.
R$ 1 mil a R$ 10 mil. A gente repassou A gente fez uma pesquisa no ano Tem sido aberto. É muito importante,
quase R$ 40 milhões. Depois que [a passado. Os dados de impacto de do- porque, no governo anterior, a gente
empreendedora] recebeu o dinheiro, ação são chocantes. Por que o gover- não tinha diálogo. As pessoas estão

26 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


bem intencionadas. Só que fazer po- ís polarizado – as pessoas não que- O que é necessário para
lítica é um processo difícil. rem ouvir ninguém. que mais mulheres negras
No Conselhão participam 246 pes- Prefiro mesmo que as pessoas alcancem espaços de poder?
soas, desde CEOs de empresas até lí- pensem diferente e tentem dialogar.
deres de movimentos sociais. Conci- Toda vez que tenho posições mais Intencionalidade. Parece uma pala-
liar essas várias visões é um exercício assertivas em relação a questões po- vra boba, mas o que eu mais escuto
interessante, minimamente falando. líticas ou sociais, perco seguidores. das empresas é que não acham mu-
O que tem sido muito bacana é lheres negras boas – aí eu mando
que a gente se divide em grupos e Isso intimida? uma lista com umas 40.
discute o que pode fazer. Hoje, por Eu fazia um trabalho de bastido-
exemplo, está se discutindo no gru- Não. Quero estar cada vez mais fora res, que nunca contei. Via todos os
po de combate à desigualdade quais das minhas bolhas. Se eu falar sem- eventos maiores e mandava mensa-
são as políticas imediatas, como pre para as pessoas que acham tudo gem para os organizadores: “Olha,
compras inclusivas, acesso a capital que eu falo legal, eu não estou conse- o seu evento tem 90% de homens
e microdoações. guindo furar a bolha. brancos, não tem mulheres, pessoas
negras”. A maioria me respondia fa-
Você integra também alguns Como você se mantém em paz? lando que não achava [esses profis-
conselhos de empresas privadas. sionais]. Tem sim. É só buscar e, de
Consegue atuar nesses lugares Sou uma mulher canceriana, que cho- forma intencional, achar as pessoas.
de forma mais assertiva? ra por tudo. Quero ajudar todo mun-
do, salvar o planeta, e tenho que tra- Qual o legado que você
Consigo. Tem sido interessante, por- balhar minha saúde mental para en- gostaria de deixar para suas
que mostrar para as empresas que tender que eu não consigo fazer tudo. filhas e para as mulheres
existe um caminho sustentável, di- Recebo dezenas de mensagens de empreendedoras que apoia?
verso e inclusivo tem sido minha ba- pessoas pedindo comida, e isso é
talha a vida inteira. uma das coisas que mais me matam. Queria que elas conseguissem vi-
Tenho que respirar bem fundo e lem- ver de verdade. Queria que minhas
Você se posiciona nas brar para mim mesma [que já ajudo filhas andassem na rua sem ter me-
redes sociais sobre diversos outras pessoas], e, claro, fazer terapia do. O Brasil é um país extremamente
temas: política, machismo, e coisas alternativas também. violento para as mulheres, e quanto
homofobia… Como é se fazer Nem sempre estou 100% bem. Às mais marcadores sociais, mais vio-
ouvida nesses espaços? vezes, tenho que me recolher. lento: com negras, com trans…
Queria que a Rede Mulher Empre-
Olha, eu tenho muitos haters! [risos] Você falou sobre os ataques endedora existisse não para colocar
em relação a aparência. Aos coisas óbvias para a sociedade, mas
Você fica incomodada com isso? 57 anos, você já precisou como um espaço só de conexão. Te-
lidar com o etarismo? nho uma visão diferente da maioria
Já fiquei mais, porque os haters não dos empreendedores sociais, porque
atacam a sua posição, eles atacam a Um monte! Quando eles me xingam, não acredito em heroísmo individual,
sua aparência. Tenho vários prints me chamam de gorda, velha – e sem- acho isso um caminho muito perigo-
me chamando de gorda, velha, feia, pre em relação ao meu cabelo. so. Em um país como o nosso, a gente
que meu cabelo é ridículo. Dificil- só muda com políticas públicas.
mente bloqueio, só se ameaçam. E no ambiente profissional? Entendo meu papel, acredito no
que faço, batalho para ajudar milha-
Então você já recebeu ameaças? Não. Tem situações subliminares. res de mulheres. Mas não tenho a ilu-
Não são explícitas. são de que o meu trabalho vai mudar
[Recebi] ameaças do tipo: “Quero que o país. Se a gente não empurrar polí-
suas filhas morram”, “vou descobrir O racismo é o que ainda tica pública, a gente não muda o jogo.
onde você mora”. Esses [usuários] eu está mais presente? Quero sair desse território do heroís-
bloqueio. Com a maioria, consigo es- mo individual, de que os empreende-
tabelecer o diálogo, mesmo que seja O racismo é mais presente do que o dores sociais vão resolver a fome, o
difícil, porque a gente vive em um pa- etarismo – o racismo e o machismo. machismo… Não vão.

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 27


EDIÇÃO THOMAZ GOMES

ESTRATÉGIA

SE
B A

PROPÓSITO
VISÃO

T A
D A
EXECUÇÃO

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 29


D ATA B A S E

A
RETOMADA
DOS
EVENTOS Revitalizado e renovado
com novas tecnologia e formatos,
setor tem boas perspectivas
de crescimento em 2024

T E X T O M A U R O S I LV E I R A
FOTOS PC PEREIRA E LIPE BORGES
I L U S T R A Ç Ã O J Ô N ATA S M O R E I R A

30 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


O setor de eventos chega ao final de 2023 revitalizado e
pronto para crescer no próximo ano. Além de existir uma
demanda reprimida, que deve alavancar os negócios em
2024, há sinais de recuperação da economia brasileira:
a inflação está relativamente sob controle, e a taxa de
juros um pouco menor em relação aos anos anteriores.
A estimativa é que, neste ano, as empresas do setor
registrem faturamento de R$ 76,6 bilhões. Isso repre-
senta um aumento de 13,6% em relação a 2022, quando
foram computados R$ 67,4 bilhões, segundo a Abrape
(Associação Brasileira dos Promotores de Eventos).
Quem atua nessa área demonstra otimismo em re-
lação ao futuro. “A principal natureza dos eventos é a
possibilidade de trocar, compartilhar e fazer contatos”,
afirma Daiane Batista de Jesus, pesquisadora e pro-
fessora de especialização de gestão de negócios, que
avalia uma tendência maior de encontros presenciais.
Trata-se de um alívio para um segmento que fatura
em média R$ 300 bilhões anuais e que sofreu no iní-
cio da pandemia com o cancelamento generalizado
de congressos, festas, feiras e shows. Da noite para o
dia, 6,4 milhões de profissionais de mais de 640 mil
empresas foram obrigados a interromper suas ati-
vidades. Tiveram que se reinventar para sobreviver
diante de um amanhã incerto.
Muitos encontraram a tábua de salvação na onda de
lives que se seguiu ao isolamento social. “A pandemia
devastou o setor no começo, mas, ao mesmo tempo,
contribuiu para sua maior profissionalização”, pondera
Elisson Ferreira, secretário da Abrape.
“Um grande número de pessoas precisou sair da infor-
malidade e se adaptar ao uso de tecnologias de ponta
para atender às demandas do mercado por eventos
online que proporcionassem ao público experiências
imersivas e marcantes”, diz o especialista.

TECNOLOGIA VIRA ALIADA

Uma das principais mudanças que surgiram durante a


pandemia foram os eventos híbridos. Sua grande vanta-
gem é proporcionar a participação de um público maior
e que está distante de onde tudo acontece.
Para empresas que desejam divulgar suas marcas
para mais pessoas, é uma oportunidade que não pode
ser menosprezada. O desafio é fazer com que essa ex-
periência seja tão significativa quanto a proporcionada
àqueles que estão no local. E nisso a tecnologia vem
sendo uma aliada.
Recursos como IA (inteligência artificial) e realida-
de virtual, entre outros, possibilitam um envolvimento
maior de quem acompanha tudo pela tela do celular
ou do computador, com apresentações interativas e
personalizadas, demonstrações virtuais de produtos,

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 31


D ATA B A S E • A RETOMADA DOS EVENTOS
O SETOR
EM NÚMEROS
Ecossistema soma
4,5% do PIB brasileiro

R$ 314,2 bilhões
tradução em tempo real e gamificação, incluindo recur- de faturamento anual
sos de acessibilidade.
Possibilitam ainda coletar e analisar um grande vo- 6,4 milhões
lume de dados, gerar leads (potenciais clientes que de pessoas envolvidas
fornecem dados de contato para a empresa, como
e-mail e telefone) e conhecer melhor as necessidades e
640.246
os comportamentos das pessoas.
empresas
“O formato híbrido permite que uma empresa
faça um evento em sua sede e não precise deslocar
funcionários de outras cidades ou estados para lá, 7,4% dos empregos
garantindo a eles uma sensação muito próxima à de gerados no Brasil
quem está presente”, diz André Luís Nascimento dos
Santos, vice-diretor da Escola de Administração da R$ 76 bilhões
Universidade Federal da Bahia. “Representa uma re- em massa salarial
dução importante dos gastos com passagens aéreas,
hospedagem e alimentação desse pessoal.”
19,9% do total de
microempreendedores
C U STO S E M A LTA
individuais no Brasil
A possibilidade de reduzir as despesas é bem-vinda, já
que os custos para a realização de eventos aumentaram R$ 51,4 bilhões
cerca de 25% desde o início da pandemia para cá, se- em impostos federais
gundo Ferreira, da Abrape.
No caso da realização de um show, por exemplo, ainda
não foi possível reajustar na mesma proporção o preço
dos ingressos, o que penalizaria os fãs dos artistas, que
teriam que desembolsar um valor maior para assisti-los.
“Mas como há uma demanda grande de público, tem
sido possível equiparar a receita à mesma de 2020, por
conta do volume maior de vendas”, afirma.
Para Jamil Antônio Dias, professor de cultura do Se- O IMPACTO
nac EAD (Ensino à Distância do Serviço Nacional de DO PROGRAMA
EMERGENCIAL

FONTES: ABRAPE (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PROMOTORES DE EVENTOS), COM DADOS


Aprendizagem Comercial) de Santa Catarina, uma das

DO MINISTÉRIOS DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, PORTAL DO EMPREENDEDOR


E RECEITA FEDERAL; CASAR.COM, A PARTIR DE DADOS DE 120 MIL CASAMENTOS E 1,5 MIL
oportunidades de crescimento do setor é a descentrali-
zação dos eventos. Há um potencial enorme para avançar Em vigor desde maio de 2021, o Perse
fora do eixo Rio-São Paulo, de acordo com ele: “Eventos (Programa Emergencial de Retomada
de sucesso podem ser replicados com mais frequência do Setor de Eventos) – que engloba
nas regiões Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Sul, fazendo crédito, refinanciamento de dívidas
com que aqueles que atuam no setor somem suas ações e desoneração fiscal, entre outros
em vez de se olharem como concorrentes”. benefícios – vem contribuindo para uma
Seja um congresso, seja um desfile de moda, quem rápida retomada do segmento, segundo
organiza um evento tem que entender o público que a Abrape. Em 2022, o hub setorial
pretende atrair e agir para mantê-lo próximo. “Um bom chegou a acumular estoque de 3.617.274
planejamento de marketing passa obrigatoriamente por empregos, 110.843 a mais do que em
saber o que as pessoas querem”, diz Milena Bizzarri, di- 2019, período anterior à pandemia.
retora de marketing da consultoria Mazars. O crescimento de 3,2% comprova que
“Terminado o evento, é preciso sair com o nome de as políticas de proteção ao segmento
pelo menos 50 pessoas para você tomar um café, nutrir impactaram na geração de empregos e
leads e estreitar o relacionamento”, avalia. Dessa forma, na movimentação da economia, avalia
o retorno tem grandes chances de ser bastante positivo. Gilmar Afonso de Lucas, professor na
Nas próximas páginas, confira tendências de cada um escola de negócios HECSA da FMU
ASSESSORES

dos subsegmentos de eventos e como alguns empre- (Faculdades Metropolitanas Unidas):


endedores deste setor estão se diferenciando em suas “Além da segurança jurídica e tributária,
áreas de atuação. provoca impacto econômico e social”.

32 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


N ÚM E RO D E M E I S E P O R C NA E
327.472 microempreendedores individuais estão no ecossistema

ATIVIDADES DE ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS 207.636


(EXCETO CULTURAIS E ESPORTIVOS)
ATIVIDADES LIGADAS AO PATRIMÔNIO CULTURAL E AMBIENTAL 103.702
PRODUÇÃO E PROMOÇÃO DE EVENTOS ESPORTIVOS 16.133
ATIVIDADES DE RECREAÇÃO E LAZER 1

SALDO DO EMPREGO FORMAL


Segmento de organização de eventos puxa crescimento

Jan-ago 2022 Jan-ago 2023

PRODUÇÃO E PROMOÇÃO DE EVENTOS ESPORTIVOS 548 413


ATIVIDADES LIGADAS AO PATRIMÔNIO
580 1.150
CULTURAL E AMBIENTAL
ATIVIDADES DE RECREAÇÃO E LAZER 2.151 984
ATIVIDADES DE ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS
8.066 13.779
(EXCETO CULTURAIS E ESPORTIVOS)
ATIVIDADES ARTÍSTICAS, CRIATIVAS E ESPETÁCULOS 3.052 2.051

Total de 18.377 vagas, 27,6%


superior ao mesmo período de 2022

ESTIMATIVA DE CONSUMO DO SETOR DE RECREAÇÃO


em R$ milhões/ano

2019 71.500,94
2020 71.173,74 Foi o melhor
2021 65.223,99 resultado da série,
2022 67.418,34 13,6%
2023* 76.558,71 superior a 2022

QUANTO GIRA O MERCADO DE CASAMENTOS

Nº de festas Gasto médio


em mil em R$ mil, por festa

2019 450 45
2020 152 26
2021 459 40
* PROJEÇÃO

2022 585 53
2023* 480 58

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 33


D ATA B A S E • A RETOMADA DOS EVENTOS

A S I N FO N I A
D E U MA F ESTA
Conheça setores e tendências envolvidos
em uma comemoração corporativa
TRANSPORTE
Para atender todos T E X T O PAT R Í C I A T R U D E S D A V E I G A E R A Q U E L B O C AT O
I L U S T R A Ç Ã O J Ô N ATA S M O R E I R A
os públicos, vale
combinar voucher de
transporte, carona
solidária, sistema de
valet e parceria com
estacionamentos
CONVITES
Papéis e agendas
impressas entregues
na entrada dão espaço
a apps e outras
soluções tecnológicas,
que são atualizadas
em tempo real

GRÁFICA RECEPCIONISTAS
Backdrops – painéis Ser amigável,
impressos em lona ou acessível e capaz
tecido – são tendência de interagir com
em lançamento de desenvoltura com os
produtos, desfiles e participantes é chave,
comunicação visual assim como equipes
com diversidade

SEGURANÇA
Mais do que conferir
identidades, a empresa
responsável precisa
ter atenção a plano de AGÊNCIA OU
abandono e contingência, PRODUTOR DE
primeiros socorros e EVENTOS
conforto dos convidados É o maestro,
que coordena os
fornecedores. Deve ter
inteligência emocional
para lidar com
imprevistos e bom
planejamento para
compreender custos

CENOGRAFIA
Cenário tecnológico, apps
e inteligência artificial
dão o tom do momento. A
pandemia aflorou o desejo
por experiências imersivas
ou de realidade mista

34 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


PAISAGISMO ESG FOTO E VÍDEO
Entram em cena Cada vez mais, os O formato
jardins verticais, projetos demandam tradicional dá
suspensos ou sustentabilidade, espaço também
sustentáveis; móveis que se apresenta a experiências
de madeira; designs tanto em soluções integrativas,
inusitados; e uso de de redução de como por meio
cores e texturas resíduos, como no de dispositivos
uso de produtos de captação 360º
sustentáveis e cabines de
impressão rápida

MESTRE DE
CERIMÔNIAS
Influenciadores são
muito requisitados,
especialmente para
promover experiências
memoráveis. O cuidado
é não roubarem a cena

SOM E IMAGEM
Shows ao vivo
ganham força
em diversos
BRINDES E TROFÉUS tipos de evento,
Os queridinhos ainda possivelmente por
são caneta, nécessaire, causa dos anos de
copo, ecobag, chaveiro distanciamento
e squeeze sustentáveis. provocado pelo
Power banks de energia isolamento social
solar, por exemplo,
substituem prêmios

FONTES: GILMAR AFONSO DE LUCAS,


PROFESSOR NA ESCOLA DE NEGÓCIOS
HECSA, DAS FACULDADES METROPOLITANAS
UNIDAS (FMU); INGRID FOLLMANN, GERENTE
DE MARKETING E RELACIONAMENTO DA
FACULDADE ESAMC SANTOS; LEANDRO SILVA,
PROJETISTA DA AGÊNCIA DE LIVE MARKETING
BTO+; THAINÁ ROCHA, PROFESSORA DE
COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE SÃO JUDAS

ALIMENTAÇÃO BEBIDAS
Sair do tradicional, com Ter bartenders,
criatividade e sabor, para criar drinques
é mandatório. Opções com e sem álcool,
vegetarianas, veganas é tendência. Além
e funcionais garantem do bar, convém
diversidade e novidade disponibilizar ilhas
aos convidados com bebidas geladas

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 35


D ATA B A S E • A RETOMADA DOS EVENTOS

AGÊNCIA OU PROMOTOR

ENGRENAGEM
PERFEITA
Quem pensa em abrir sua própria agên-
cia de eventos ou se tornar um promo-
tor na área precisa ter como uma de suas
principais habilidades a capacidade de
lidar com imprevistos, especialmente
aqueles de última hora.
É raro tudo sair 100% como o programa-
do, pois há um grande número de detalhes
que devem funcionar em plena harmonia.
“É preciso manter a calma e ter a capaci-
dade de tomar decisões rápidas e preci-
sas, visando à sua solução”, afirma Ingrid
Follmann, gerente de marketing e relacio-
namento da faculdade ESAMC Santos.
Ter um amplo networking é diferen-
cial, pois será preciso lidar com vários
fornecedores, como bufês, decoradores,
floristas e modelos, entre outros, equili-
brando o orçamento.
Integrar novas tecnologias para pro- TENHA ATENÇÃO
porcionar experiências imersivas e im-
pactantes ajuda a se destacar da con- Organizar um congresso, uma feira
corrência, assim como estabelecer par- ou um show exige habilidade de
cerias com influenciadores digitais e trabalhar em equipe, pois é preciso
personalidades, que podem dar maior coordenar profissionais com perfis e
visibilidade ao evento. competências diferentes. Tudo deve
funcionar como uma engrenagem.

O promotor ou o dono da agência


de eventos precisa ser uma pessoa
criativa para poder apresentar ideias
originais em todas as etapas, do
design às estratégias de marketing.

Coletar feedbacks dos participantes e


elaborar relatórios detalhados ajudam
FOTO: PC PEREIRA

a analisar se os objetivos foram


alcançados e quais medidas precisam
ser adotadas para que o próximo
evento seja ainda melhor.

36 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Andréa Pitta
fundadora e CEO
da Fibra.ag

COMO EU ME DIFERENCIO
“Os princípios de ESG,
que são uma demanda
atual do mercado, estão
no centro de todos
os meus projetos”

EXPERIÊNCIA IMERSIVA
A agenda de Andréa Pitta, fundadora e CEO da Fibra.
ag, agência especializada em live marketing, está lota-
da. Aos 56 anos, ela é considerada uma das mais im-
portantes empresárias do setor e realiza, mensalmen-
te, em média 30 eventos dos mais variados portes para
marcas de gigantes como Coca-Cola, Nestlé e Stellan-
tis, grupo que reúne montadoras de veículos, a exem-
plo de Alfa Romeo, Chrysler, Fiat, Jeep e Masseratti.
Com escritórios em São Paulo, na Argentina e no Mé-
xico, Pitta e sua equipe de 40 funcionários já fizeram
projetos dentro de megaeventos como Rock in Rio, The
Town, Tim Festival e Salão do Automóvel. Os eventos híbridos, segundo ela, são uma forma
Durante a pandemia, a empresa passou por uma re- eficiente de divulgar marcas para um público muito
estruturação, que impactou seu modelo de negócio. maior. “É comum fazer eventos presenciais para 500
“O ESG se tornou um pilar fundamental”, afirma a em- pessoas que são transmitidos e acompanhados à dis-
preendedora. “Passamos a nos posicionar como uma tância por outras 2 mil”, exemplifica. Daí a importância
agência que prioriza a diversidade, pois essa plurali- de proporcionar a esse público uma experiência imer-
dade permite que a criatividade seja mais verdadeira.” siva, como se estivesse no local.
Para que tudo saia dentro das expectativas dos clien- No lançamento do carro elétrico Peugeot 208, em
tes, Pitta faz um planejamento estratégico detalhado. 2021, a equipe da Fibra.ag fez uma live em formato de
Em cada reunião, os temas ligados aos princípios de cinema, por exemplo. A repercussão foi grande e deci-
ESG são colocados no centro das conversas. Essa pos- siva para a agência.
tura foi decisiva para que a Fibra.ag se consolidasse Depois de 2022 ser o melhor ano da história da em-
como uma das preferidas de empresas que desejam presa, a empreendedora prevê para este ano um cres-
associar suas marcas a esses princípios. cimento de 20% em seu faturamento.

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 37


D ATA B A S E • A RETOMADA DOS EVENTOS

COMES E BEBES

ESTÍMULO
AOS SENTIDOS
Estrelas nos eventos, os comes e bebes
precisam ir além de satisfazer somente
o paladar, estimulando outros sentidos.
Pratos bonitos provocam um impacto vi-
sual importante, assim como o aroma que
exalam: fica difícil resistir. Se forem pro-
duzidos com ingredientes saudáveis, me-
lhor ainda. “As pessoas querem cada vez
mais experiências e sensações diferen-
tes”, diz Leandro Silva, da agência BTO+. TENHA ATENÇÃO
Os organizadores devem estar atentos
às mudanças de hábito das pessoas. Ali- O bufê deve seguir as
mentos e bebidas naturais e orgânicos regulamentações de segurança
estão em alta e são exigidos com mais alimentar. Além de contar com
frequência. Entram nessa lista ainda as opções vegetarianas e veganas,
opções veganas e vegetarianas, que pas- é bom saber se há pessoas
saram a fazer parte de praticamente to- com restrições alimentares.
dos os cardápios. Para Ingrid Follmann,
da ESAMC Santos, esse fenômeno tem O ideal é ofertar uma boa variedade
relação com a sustentabilidade: “Além de de bebidas. “Muitos produtores
trazer um alto valor para a marca e a ima- têm optado por utilizar bartenders
gem da empresa, há também a conscien- para oferecer drinques com e sem
tização das pessoas e das empresas”. álcool”, diz Maria Thainá Rocha,
da Faculdade São Judas.

“Os organizadores e frequentadores


estão cada vez mais conscientes dos
impactos ambientais dos descartáveis
de uso único”, diz Follmann. Ganha
pontos quem usa pratos, copos e
talheres biodegradáveis ou recicláveis.

Evitar desperdícios é premissa:


quanto melhor for a estratégia
de cálculo de convidados, mais
assertiva será a definição da
FOTO: PC PEREIRA

quantidade de alimentos e bebidas.

Garçons devem ser treinados para


atender as pessoas de forma gentil.

38 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Patrícia Brentzel
da PB Sommelière

COMO EU ME DIFERENCIO
“Trabalho somente
com vinhos orgânicos
e de vinícolas
sustentáveis, que
prezam pelo bem-estar
dos funcionários”

individuais, adquirindo vinhos para consumo próprio


na loja online que ela mantém.
O valor dos vinhos servidos pela empreendedora va-
ria de R$ 80 a R$ 8 mil, caso o cliente queira rótulos ra-
ros, de safras específicas ou que estão fora do mercado,
o que faz dela uma caçadora de vinhos.
A PB Sommelière vende, em média, 1,5 mil garrafas
por mês graças à sua expertise técnica, ao bom relacio-
namento com consumidores e fornecedores e ao por-
tfólio de serviços que agrega valor aos produtos.
CAÇADORA DE RARIDADES Há casos em que ela faz degustações às cegas para
trabalhar aspectos sensoriais. As pessoas provam a
Encontrar um novo nicho num setor que tradicionalmen- bebida sem saber qual o tipo e a vinícola. A ideia é esti-
te tem um grande número de profissionais em atuação mular outros sentidos que não a visão, como o paladar
não é uma tarefa simples. Conseguir se destacar no meio e o olfato. “Procuro ser bastante didática e tornar essa
dessa multidão pode ser a garantia de melhores contra- linguagem mais acessível”, diz.
tos, por conta da exclusividade do serviço prestado. Brentzel não tem equipe. Serve somente vinhos
Foi por esse motivo que a sommelière Patrícia Brent- orgânicos e sustentáveis, produzidos por vinícolas
zel, 45 anos, decidiu aproveitar sua paixão por vinhos brasileiras e estrangeiras com as quais mantém um
para oferecer apresentações, workshops e palestras portfólio de representação. Esse é outro fator que a
com direito a degustação da bebida e explicações so- diferencia no mercado.
bre harmonizações aos seus clientes corporativos. Paralelamente a esses eventos corporativos, ela
Ela fundou a PB Sommelière em 2011 e fez da sua atende ainda cerca de cem clientes, como hotéis, res-
paixão por vinhos um negócio lucrativo. Em boa parte taurantes, empórios, pousadas e lojas virtuais. Além
dos eventos, é o presidente quem a contrata para pro- de vender vinhos, presta consultorias, elabora cartas
porcionar um momento especial e de descontração ao de vinhos e faz apresentações para o público que fre-
seu time de executivos. Muitos se tornam seus clientes quenta esses locais.

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 39


D ATA B A S E • A RETOMADA DOS EVENTOS

DECORAÇÃO

CRIATIVIDADE
COM INOVAÇÃO
A decoração de um evento tem grande
impacto visual nos convidados. É capaz
de causar tanto uma sensação positiva
quanto negativa, dependendo da quali-
dade do serviço. “A criatividade e a ino-
vação, quando bem exploradas, levam
o evento a outro nível”, afirma Gilmar
Afonso de Lucas, da FMU.
Seu universo é eclético, composto
por cenógrafos, designers, floristas e
iluminadores, além de empresas de alu- TENHA ATENÇÃO
guel de móveis e objetos, como mesas,
poltronas e tapetes. O conceito que será adotado no
É comum encontrar pessoas que tra- evento será a base de todo o projeto
balham em alguns desses setores apenas de decoração. É possível optar por um
nas horas vagas. Não é a situação ideal. estilo clássico ou moderno, rústico ou
Por mais talentosas que sejam, “a pro- oriental, entre uma série de opções.
fissionalização é importante e necessá-
ria”, avalia Jamil Antônio Dias, do Senac Sofás, poltronas, quadros e tapetes
de Santa Catarina. “Quem contrata quer são recursos que dão um ar sofisticado
qualidade. Portanto, não adianta uma ao local. Dependendo do local, é
florista não ter armazenamento térmico possível aproveitar a luz ambiente ou
e entregar as flores murchas.” usar lustres, luminárias e lâmpadas
de LED para destacar detalhes.

A decoração deve encantar o


público, mas não atrapalhar o
fluxo de pessoas pelo ambiente.

A sustentabilidade está em alta: usar


produtos ecológicos e recicláveis
reduz o impacto ambiental e o
desperdício de matéria-prima.

As flores requerem um cuidado


especial: precisam estar bonitas
FOTO: LIPE BORGES

e frescas. O fator climático deve


ser considerado no orçamento
– o preço delas é mais acessível
no verão do que no inverno.

40 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Arajany Coêlho
da Nega Fulô

COMO EU ME DIFERENCIO
“Procuro me reunir
com as pessoas para
levantar informações
e fazer arranjos
personalizados”

QUESTÃO DE REPRESENTATIVIDADE
O trabalho de decoração floral foi durante muito tem-
po apenas um hobby para a fisioterapeuta carioca Ara-
jany Coêlho, 40 anos. Uma forma de relaxar e esquecer
um pouco sua rotina de plantonista do centro de tera-
pia intensiva infantil de um hospital no Rio de Janeiro.
Nos finais de semana, para reforçar a renda, ela se
desdobrava como assistente de cerimoniais. A rotina
intensa e desgastante no CTI a levou a repensar a car-
reira. Fez um curso de florista e logo recebeu um convi-
te para fazer a decoração de um casamento. festa de casamento custa entre R$ 4 mil e R$ 5 mil. Já
Deu tão certo que outras propostas vieram. Assim, em os buquês giram em torno de R$ 500.
2013, surgiu a ideia de fundar a Nega Fulô e passar a se Visando à maior autonomia, a empreendedora de-
dedicar integralmente à atividade. “Em seis meses, con- cidiu não fazer parcerias com agências e promotores
segui faturar mais do que ganhava no meu emprego”, diz. de eventos, que geralmente trabalham com preços fe-
Para sobreviver com o cancelamento de todos os chados e decoração padronizada. Ela seria obrigada a
eventos na pandemia, ela passou a fazer terrários com reduzir muito o valor de seus arranjos e abrir mão de
até cinco tipos de suculentas com temática de orixás, o realizar um trabalho personalizado.
que a levou a conquistar mais clientes. A maior parte dos clientes da Nega Fulô são mulheres
Hoje, para ajudá-la no trabalho de decoração, Co- pretas que preferem contratar também pessoas pretas,
êlho conta com quatro freelancers e dois motoristas por questões de representatividade. Embora seu carro-
para transportar tudo até o local do evento. Faz, em -chefe sejam os casamentos, há também empresas que
média, quatro festas por mês, além de atender a en- requisitam seus serviços. Recentemente, ela fundou a
comendas de buquês e grinaldas de noiva, arranjos Nega Arah, para celebrar casamentos de pessoas que
florais, terrários e design floral. A decoração de uma não desejam um religioso comandando a cerimônia.

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 41


D ATA B A S E • A RETOMADA DOS EVENTOS

AGÊNCIA DE MODELOS

CONEXÃO
COM O PÚBLICO
O papel dos modelos nos eventos vai
muito além de atrair a atenção das pes-
soas para marcas e produtos que são
apresentados aos visitantes. Quando
bem preparados, esses profissionais po-
dem auxiliar na apresentação da empre-
sa, fortalecer sua imagem, comunicar a
mensagem desejada pela organização
com mais efetividade e interagir com
o público, criando assim uma conexão TENHA ATENÇÃO
maior com as pessoas. Muitas vezes são
responsáveis também por coletar leads Especializar-se num nicho pode
para serem utilizados em campanhas. ser uma escolha eficiente para
Como os eventos atraem pessoas com se destacar no setor e explorar
culturas, formações, hábitos e interesses um segmento menos saturado.
variados, a agência ou o promotor tem de Considere a possibilidade de
investir na diversidade e na inclusão, o atuar exclusivamente com
que significa contar com equipes de mo- modelos plus size ou infantis.
delos de diferentes etnias, idades e gêne-
ros. “A diversidade consiste em garantir Novas tecnologias estão
um ambiente organizacional saudável e possibilitando que as agências
inclusivo”, diz Leandro Silva, projetis- utilizem modelos virtuais, que
ta da agência de live marketing BTO+. conseguem também interagir
“É obrigação de quem organiza o evento com o público e transmitir
mostrá-la a todos.” informações importantes dos
contratantes às pessoas.

O trabalho dos modelos exige que


se exponham e sejam receptivos.
Para realizá-lo com eficiência, as
agências precisam desenvolver
iniciativas que os protejam de
sofrer assédio moral ou sexual.

Com a globalização, os modelos


passaram a atender clientes de todos
FOTO: PC PEREIRA

os cantos do mundo. O empreendedor


deve traçar uma estratégia para
acessar vários mercados no Brasil e
no exterior e oferecer seus serviços.

42 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Regina Ferreira
fundadora da
Hutu Casting

COMO EU ME DIFERENCIO
“Criei uma agência
exclusiva para
modelos negros, que
ajuda a promover
mais diversidade
nos eventos”

Para mudar essa realidade, Ferreira fundou em 2019


a Hutu Casting, uma agência especializada em modelos
pretos. “Eu conhecia muita gente desse mercado e nun-
ca me faltou trabalho quando era modelo, mas muitas
portas se fecharam assim que me posicionei”, conta.
“Isso só fortaleceu minha ideia de provocar o mercado
e promover mudanças para que não fôssemos contrata-
O VALOR DA DIVERSIDADE das somente em eventos ligados à temática afro.”
Como os debates sobre a diversidade ganharam
A modelo Regina Ferreira, 34 anos, sempre se inco- mais espaço nos últimos anos, as marcas começaram
modou com o fato de ser a única negra entre as mode- a mudar sua postura. E Ferreira viu seu time de 600
los dos eventos em que trabalhava. Era como se sua profissionais – composto também por atores, escrito-
contratação fosse uma forma de as marcas tentarem res, DJs e performers – passar a ser mais procurado. Em
vender a imagem de que valorizavam a diversidade, 2022 a Hutu teve um faturamento de R$ 667 mil. A pre-
uma espécie de cumprimento de cotas para se mos- visão é chegar ao final de 2023 com um crescimento de
trarem politicamente corretas. 20%. Na sua lista de clientes estão marcas como Apple,
No início da carreira, ela achava curioso ser chama- Bradesco, Nestlé, Netflix, Nike e Oracle.
da de exótica pelos contratantes devido ao seu estilo, Ferreira faz também mentorias e webinars para dar
com roupas e maquiagens coloridas e os cabelos afro. orientações à equipe sobre o funcionamento de cam-
“Acreditava que era um elogio, mas, com o tempo, per- panhas, clipes, eventos e o mundo audiovisual. Dessa
cebi que se tratava de preconceito mesmo”, afirma. forma, os modelos passam a atuar com maior segu-
“Quando questionava os motivos de não haver mais rança, proporcionando resultados positivos para os
diversidade nos eventos, negavam, alegando que eu clientes e abrindo caminho para que o mercado passe
trabalhava ao lado de meninas loiras, morenas e ruivas. a considerar a diversidade como uma parte estratégica
Só que todas eram brancas.” para que um evento seja bem-sucedido.

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 43


D ATA B A S E • A RETOMADA DOS EVENTOS

FOTO E VÍDEO

IMAGENS EM
TEMPO REAL
As redes sociais são responsáveis por uma
profunda mudança no perfil do profissio-
nal de foto e vídeo. Se antes ele tinha no
mínimo 48 horas após um evento para es-
colher as melhores imagens, editá-las e
entregá-las ao cliente, agora é obrigado a
enviar tudo imediatamente para ser com-
partilhado pelo contratante e viralizar.
Ter essa agilidade é a única forma de en-
frentar a concorrência do próprio públi-
co presente, que filma, fotografa e posta
cada registro praticamente em tempo real.
Além de dispor de equipamentos mo-
dernos para obter os melhores registros,
quem trabalha nessa área precisa ter
criatividade e buscar ângulos diferentes.
Vale oferecer alternativas como cabines
de fotos. Há também os backdrops, pai-
néis que possibilitam o registro de ima- TENHA ATENÇÃO
gens com um fundo mais bonito, elegan-
te ou que destaque uma marca. Quem trabalha com fotos e vídeos
Com tantas pessoas com celulares à mão, precisa ter equipamentos profissionais
é praticamente impossível ter controle so- de alta qualidade, além de conexão
bre o que vai ser postado, especialmente em wi-fi, e dominar softwares de edição.
megaeventos. A organização de um festival
de música, por exemplo, fica muito satisfei- Uma linguagem criativa para fotos e
ta quando vê fotos e vídeos de pessoas ale- vídeos é fundamental para diferenciar
gres vibrando com seus ídolos. Mas se sen- o profissional da infinidade de imagens
te extremamente frustrada quando as ima- feitas por celular pelos convidados.
gens mostram desorganização, mau aten-
dimento e filas intermináveis para comprar O portfólio é o cartão de visitas
um lanche ou conseguir usar os banheiros. desse profissional: deve mostrar
“Em eventos corporativos é preciso ter versatilidade e um estilo consistente.
cautela para que nada indevido seja publi-
cado nas redes oficiais da empresa”, lem- Um contrato deve definir quem será
bra Maria Thainá Rocha, professora de co- o dono dos direitos autorais das
FOTO: PC PEREIRA

municação da Faculdade São Judas Tadeu. imagens. O cliente pode solicitar


que o próprio fotógrafo apresente
e recolha as autorizações do
uso de imagem das pessoas.

44 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Robson de
Paiva Leandro
da 22Imagens

COMO EU ME DIFERENCIO
“Ofereço o pacote
completo com fotos e
vídeos e faço a edição
durante o evento,
para o meu cliente
postar imediatamente
em suas redes”

UM NOVO OLHAR PARA O MERCADO


Para não perder clientes, Robson de Paiva Leandro,
48 anos, precisou se adaptar ao mercado. Ao longo de
uma década de carreira como fotógrafo, ele criou uma
rede de contatos corporativos que procuram sempre
pelo seu trabalho. Nos dois últimos anos, no entanto,
percebeu uma mudança importante quando ia para as
reuniões: era sempre questionado se sabia também fa-
zer vídeos. “Ou eu passaria a oferecer esse serviço ou
deixaria de ser contratado”, explica.
“A saída foi estudar e me preparar para ser um mitir as imagens em tempo real. Há clientes que ficam
profissional mais completo”, conta. Hoje, 60% do fa- do seu lado esperando a imagem para postar. Com a
turamento de sua empresa, a 22Imagens, vem justa- retomada do setor, ele faz cerca de quatro eventos por
mente da produção de vídeos. mês. Sua diária custa R$ 1,5 mil.
Passar a produzir e editar vídeos foi só uma das mu- Recentemente, o empreendedor passou a explorar
danças que Leandro introduziu na sua rotina de tra- o nicho de podcasts. “Tenho a iluminação necessária,
balho. Para se diferenciar dos demais profissionais, ele boas câmeras e três microfones, e ofereço para as em-
busca uma abordagem diferente. Segundo ele, não dá presas fazerem seus próprios programas”, explica.
para entregar as mesmas fotos de sempre: é preciso Em vez de gravar em estúdios, o que encarece a
pensar em backdrops, painéis instagramáveis que va- produção, Leandro leva sua estrutura para a empre-
lorizem a marca do cliente e procurar saber qual o pú- sa. O local escolhido pode ser a sala do CEO ou de
blico e quem são as pessoas mais importantes, que não reuniões. Dessa forma, o executivo pode gravar en-
podem deixar de ser fotografadas e filmadas. trevistas com outros diretores, gerentes, funcioná-
Neste ano, o fotógrafo fez um investimento de R$ 10 rios, clientes e fornecedores, levando informações
mil numa câmera nova e equipada com wi-fi para trans- importantes para toda a equipe.

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 45


D ATA B A S E

MODA SOB
Setor reage em 2023, mas
inflação, instabilidade
geopolítica e interrupções
na cadeia produtiva são
ameaças. Saiba como se
diferenciar nesse mercado
e conheça tendências em
modelos de negócio

T E X T O M Ô N I C A K AT O
ILUSTRAÇÃO DEL NUNES
FOTOS DIVULGAÇÃO

46 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


B MEDIDA

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 47


D ATA B A S E • MODA SOB MEDIDA

Não é novidade que os últimos três anos foram


desafiadores além da conta para a maioria dos
empreendedores. Para a indústria têxtil e de ves-
tuário, uma das mais afetadas na pandemia, os
efeitos duraram até o ano passado, quando os
preços no varejo fecharam com uma elevação PRODUÇÃO CONSCIENTE
acumulada de 18% – bem mais que os 5,8% do
IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Quem deseja empreender ou incrementar seu ne-
Amplo), de acordo com o IEMI - Inteligência de gócio no setor de moda sai na frente ao se atentar
Mercado, empresa que monitora as mudanças a alguns pontos. Um deles é avaliar a possibilidade
comportamentais desse setor. de se adequar a práticas de ESG (sigla em inglês
Neste ano, o cenário vem mudando. Os pri- para governança ambiental, social e corporativa).
meiros quatro meses demonstraram tendência O The State of Fashion destaca que sustentabilida-
de queda da inflação prevista para o segmento: de, além de diferenciação de marca e experiência
no período, ela somou 0,59%; os demais produ- do cliente, são grandes oportunidades.
tos e serviços, 2,7%. No acumulado para 2023, Thais Oliveira, analista do Sebrae (Serviço Bra-
a projeção do IEMI é de 4,8%, ante previsões de sileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e
5,7% para o IPCA geral. gestora estadual de moda de Goiás, afirma que, no
“Estímulos como o programa Desenrola Bra- Brasil, a produção está cada vez mais conscien-
sil [incentivo governamental para pessoas físicas te. “Não apenas em relação à questão ambiental,
negociarem suas dívidas e recuperarem o crédi- cuidando da cadeia produtiva dos insumos e das
to] estão contribuindo para que o consumidor embalagens, mas também à social, respeitando o
volte a comprar, assim como os últimos meses ser humano fora e dentro da empresa, com inclu-
do ano, que contam com Black Friday, festas de são e direitos legais garantidos”, diz ela, fazendo
fim de ano nas empresas, Natal e férias de ve- um paralelo com a concorrência dos sites chine-
rão”, ressalta Danielle Santos, especialista em ses, que nem sempre têm esse cuidado.
marketing para negócios de moda e professora Outro aspecto relevante para empreender de
do Hub de Moda e Luxo da ESPM (Escola Supe- forma mais assertiva no segmento de moda tem a
rior de Propaganda e Marketing). ver com buscar um nicho. Quanto mais genérico,
A boa notícia, no entanto, pode estar com os maior é a competitividade. “Mesmo a segmen-
dias contados. Segundo o estudo global The State tação pode ser aprofundada, focando o nicho
of Fashion, produzido pelo portal de informações do nicho”, explica a consultora do Sebrae. Por
sobre moda Business of Fashion em parceria com exemplo, dentro do plus size, explorar feminino,
a consultoria McKinsey, a inflação lidera a lista de infantil, praia, fitness ou festa; ou, na moda para
maiores ameaças dos negócios dessa área, segui- bebês e infantil, investir em roupas de tecido or-
da por instabilidade geopolítica e interrupções gânico ou em modelos agênero.
na cadeia produtiva. E conclui que o mercado de Para Naia Silveira, especialista em tendências
moda, excluindo o setor de luxo, terá dificuldade da consultoria WGSN, “o mundo pede peças con-
de crescer de forma significativa neste ano. fortáveis, herança dos tempos da pandemia, e
agora também versáteis, que podem ser usadas
em diferentes ocasiões – o que está ligado a sus-
tentabilidade, porque, ao comprar boas peças que
circulam em vários ambientes, você incentiva o
consumo consciente”.
Nas próximas páginas, conheça cinco ten-
dências de modelos de negócios e dicas para
empreender com moda. Quem sabe tem uma sob
medida para você.

48 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


FOTOGRAFIA DO MERCADO DE MODA
Dados de 2022

1,3 milhão 24,6 mil R$ 160 bilhões


de trabalhadores empresas da indústria têxtil de faturamento
e de confecção

6,3 bilhões R$ 265,8 bilhões


de peças de vestuário comercializadas, foi o faturamento do varejo de vestuário,
número 2,7% 15,8%
superior ao do ano anterior a mais do que no ano anterior

VENDAS ONLINE E OFFLINE


Comparação com 2021

52,6% 124,3% 0,04% 11,2%


de crescimento de aumento de crescimento de aumento
no volume nos valores no volume nos valores
do e-commerce comercializados do varejo físico comercializados
de vestuário no e-commerce de vestuário nas lojas físicas

VAREJO DE MODA BEBÊ E INFANTIL


1,47 bilhão 28 R$ 1.037 R$ 36,50
de peças peças por ano por ano foi foi o preço médio
comercializadas foi o consumo médio o gasto médio anual da roupa infantil
por criança por criança

RAIO-X DE TENDÊNCIAS*
OPORTUNIDADES DESAFIOS
SUSTENTABILIDADE 16% INFLAÇÃO E DESACELERAÇÃO 29%
AGILIDADE 13% ECONÔMICA
FONTES: ABIT (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA TÊXTIL),
IEMI - INTELIGÊNCIA DE MERCADO E ESTUDO THE STATE OF

DIFERENCIAÇÃO DE MARCA MARGENS E LUCROS 15%


FASHION, DO BUSINESS OF FASHION (BOF) E DA MCKINSEY

E EXPERIÊNCIA DO CLIENTE 12% DECLÍNIO DA DEMANDA E 10%


DA CONFIANÇA DO CONSUMIDOR

RISCOS
INFLAÇÃO 78%
INSTABILIDADE GEOPOLÍTICA 66%
INTERRUPÇÕES NA CADEIA DE SUPRIMENTOS 52%
AUMENTO DA VOLATILIDADE ECONÔMICA 31%
PREÇOS VOLÁTEIS DE ENERGIA 28%
AUMENTO DAS TAXAS DE JUROS 17%
* OS NÚMEROS REFEREM-SE
VOLATILIDADE DO MERCADO FINANCEIRO 15%
AO PERCENTUAL DE EXECUTIVOS
MUDANÇAS NA POLÍTICA COMERCIAL 7% QUE CITARAM ESSAS
PANDEMIA DE COVID-19 5% CARACTERÍSTICAS EM ENTREVISTA

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 49


D ATA B A S E • MODA SOB MEDIDA

Slow fashion
AT E N Ç Ã O À C A D E I A P R O D U T I V A

Como o próprio nome diz, slow (do in-


glês, devagar) é o oposto de fast (rápido)
fashion. Ou seja, uma moda produzida
sem pressa, com mais atenção aos de-
talhes e maior rigor no respeito à cadeia
produtiva sustentável: matéria-prima,
mão de obra, transporte, comunicação
inclusiva e embalagens.
Essa tendência conquista cada vez mais
espaço. É voltada, principalmente, para recimento. “Pode ser tratado como um
um consumidor mais consciente, que topa grande diferencial e, por isso, o consu-
pagar um valor maior para ter uma peça midor vai entender a proposta e investir
que foi produzida respeitando diferentes mais”, explica.
preceitos nos quais ele acredita. Ela lembra que é importante conhecer
“Os itens costumam ser diferenciados, muito bem o público-alvo que tem interes-
praticamente handmade, feitos artesanal- se em produtos mais sustentáveis, porque
mente”, afirma Thais Oliveira, do Sebrae. ele busca outros benefícios além do preço
Para Márcio Ito, professor de planejamento – como conhecer a origem dos materiais
de coleções e produtos de moda na Fa- com os quais a roupa foi produzida, quem
culdade Santa Marcelina, “o slow fashion costurou e onde essa pessoa fica.
mostra o processo, a narrativa, o significa- Em geral, a moda slow fashion pode de-
do de consumir um produto desse tipo”. finir uma margem de lucro em torno de
“O mais comum é encontrar marcas de 40%, ante os 60% da moda varejista mais
roupas básicas, atemporais, que focam comum, em função do custo de produção
um público bem prático. Quem conseguir mais alto, segundo a especialista.
se diferenciar, mirando um nicho como o E, diferentemente do que muitos po-
afro, pode se beneficiar, porque esse mo- dem pensar, não é preciso ser grande para
vimento vem se tornando cada vez mais apostar nessa tendência. “Tenho visto até
robusto”, avalia Danielle Santos, da ESPM. MEIs [microempreendedores individuais] e
Naia Silveira, da WGSN, afirma que microempresas se movimentando nesse
o empreendedor que resolve trabalhar mercado”, conta a consultora do Sebrae.
com slow fashion precisa deixar isso bem “Uma possibilidade, inclusive, é a da inter-
claro, como um aviso, uma nota de escla- nacionalização, quando a ABIT [Associação
Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção]
faz parcerias, mesmo com marcas peque-
nas, para exportação. Há quem pense que
precisa encher um contêiner para vender
para fora do país. Isso não é verdade.”

50 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


SANTA RESISTÊNCIA

CRI ADA E M 201 8, A


MA RCA DA CA RI O CA
M Ô NI CA SA M PAI O T E M
U M T Í Q UE T E M É D I O D E
R $ 6 0 0 E FAT U R AM E N TO
M EN S AL DE R$ 55 M I L

COM ALMA E COM CALMA

Aos 54 anos, a carioca Mônica Sampaio sempre


teve um quê de pioneirismo em tudo o que fez.
Engenheira eletricista, serviu o Exército, onde
chegou a ser chefe desse setor do Hospital Cen-
tral. Também atuou na extinta Varig, não como
comissária nem na área administrativa, o mais
comum para as mulheres, mas na técnica, como
gosta de pontuar.
Nesses e em outros ambientes, destacava-se Assim, inspirada pelas artes e pela história,
pelas roupas que vestia. “Chamavam a atenção. Sampaio desenvolve peças dentro do conceito
Gostava de usar peças cheias de personalidade, já slow fashion. “Para mim, essa é uma moda feita
que a moda sempre esteve em mim. Sou do tempo com alma e com calma”, define. A empreendedo-
de costureiras de bairro, de cortes de tecido. De- ra explica que o número de peças é mais limitado
senhava e mandava fazer”, conta. do que a produção de grandes magazines; a
Tudo isso serviu de base para a Santa Resistên- produção, enxuta; e há dedicação de tempo e cui-
cia, marca que criou em 2018. Ela faz questão de dados com a cadeia produtiva – matéria-prima
dizer que não foi o seu primeiro negócio. “Não se certificada, compromisso com sustentabilidade,
podem contar só belas histórias. Ao empreender mão de obra que recebe o justo pelo seu traba-
pela primeira vez, em engenharia, em 2015, não lho. “Além disso, crio as estampas que refletem
deu certo e fali”, lembra. brasilidade e ancestralidade.”
Mas, segundo ela, isso lhe deu ainda mais força Ao comungar com essas crenças, seu consu-
e vontade para encontrar outro caminho. A guina- midor gasta em média R$ 600, o que leva a um
da de carreira veio aos 45 anos, e o nome da marca faturamento médio mensal de R$ 55 mil. Neste
surgiu para lembrá-la sempre da força, da ances- ano, a marca vai participar de sua 6ª edição da
tralidade, das dificuldades para continuar criando São Paulo Fashion Week. “Estar nesse evento foi
moda e contando histórias. Esse, aliás, é o princi- uma baita vitória e vem me fortalecendo. Deixei a
pal pilar da sua marca. A próxima coleção vai falar síndrome de impostora para trás e celebro as con-
sobre o poeta e compositor Catulo da Paixão Ce- quistas. Sempre soube que era capaz, mas tinha
arense – quem nunca cantou os versos “Não há, ó consciência de que precisaria aprimorar. A cada
gente, ó não, luar como este do sertão”? desfile, vejo mais maturidade no meu trabalho.”

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 51


D ATA B A S E • MODA SOB MEDIDA

Collab
JUNÇÃO DE FORÇAS

“Numa associação de nomes, dá para


experimentar, entender e medir o nível de
aceitação do público diante de um novo
estilo de design, de modelagem e de es-
tamparia”, diz a especialista em marketing
para negócios de moda.
É possível ir mais longe: nem sempre
uma collab precisa agregar dois parceiros
Aumentar o valor agregado de uma peça de moda. Se for coerente, dá para associar
é o principal objetivo de uma collab, que uma marca de moda a uma de decoração
acontece quando duas marcas se unem ou de beleza, por exemplo. Uma possibili-
para criar uma coleção, seja ela algo gran- dade que, segundo Naia Silveira, da WGSN,
de, seja uma cápsula (poucas peças). Para é tendência, são os licenciamentos.
isso, é preciso estudar bastante o perfil da Para que esse modelo tenha sucesso, é
parceira com a qual se quer associar. Ao imprescindível observar alguns tópicos
mesmo tempo em que ela deve trazer um importantes. O primeiro é deixar claro,
diferencial, uma novidade para o produto, inclusive em contrato, quais são as atri-
também necessita estar em consonância, buições de cada uma das partes. Até que
ter o mínimo de identificação. ponto uma pode interferir no trabalho da
Não dá para criar uma peça tão descolada outra – e, quando não se chegar a um acor-
do DNA original, caso contrário, o consumi- do, o que desempata ou desempaca.
dor sequer reconhecerá a marca que gosta Também é importante combinar quanto
e compra, explica Danielle Santos, da ESPM. cada um vai fazer de investimento e ter
“Por esse motivo, é fundamental que os como pagamento. Não existe uma praxe no
cocriadores daquele conteúdo consigam mercado: em geral, os valores costumam
se conectar com a história que precisa ser ser proporcionais ao tamanho de cada
contada naquela coleção.” marca. Se um lado é maior e possui mais
Para os dois lados da collab, a vantagem visibilidade, pode aportar um valor X para
é se tornar conhecido de outros públicos e ter um retorno proporcional no lucro que a
aumentar a capilaridade das vendas. Fun- coleção trouxer, por exemplo.
ciona, ainda, como uma boa estratégia de É bom ter em mente que a collab certa
marca para entender quais são as poten- só tem a potencializar ambas as marcas. De
ciais sinergias entre os colaboradores e, quebra, provoca os consumidores dos dois
por que não, para realizar testes de produ- lados, que ficarão ávidos por ter uma peça
tos para além do arroz com feijão. exclusiva daquela coleção.
Por mais que, no dia a dia, a equipe de
criação “invente moda” para trazer no-
vidades constantemente, algumas são
mais ousadas e, consequentemente, ar-
riscadas. Assim, podem ser colocadas
em prática numa parceria que ajude a
endossar aquela ideia.

52 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


NEGRO PICHE

O CEA RE NSE IU RY
A L D EN HO F F, QU E JÁ
FE Z COL L A B COM
A C & A E A RTI STA S
D E FO RTA LE Z A E
S A LVAD O R, E S P ER A
FAT U R AR R $ 50 0
M I L N ESTE A NO

para grandes marcas, para ser sua sócia.


A grife começou no digital e, em 2019, saiu da
periferia para um ponto físico na praia de Iracema,
região litorânea, onde o poder aquisitivo é maior.
“Foi um passo importante, porque acredito que
devemos ocupar espaços onde o produto se en-
A ARTE DE CEDER caixa, e não apenas naqueles em que a sociedade
quer nos colocar”, diz. Em 2022, as vendas explo-
O nome Negro Piche veio da lembrança da infân- diram, e o empreendedor ampliou a loja física.
cia de uma criança negra estudando em escola de Nesse período, a Negro Piche fez uma collab
brancos. Remete aos apelidos e às formas pejora- com a C&A. “Uma amiga me falou do edital Todes
tivas frequentemente atribuídas ao cearense Iury na Moda, voltado a empreendedores LGBTQI+, e
Aldenhoff, 27 anos, que transformou essa violên- me inscrevi na última hora. Fomos selecionados
cia em algo positivo e afirmativo. e passamos por um processo de formação, que
Ele conta que o empreendedorismo corre na durou alguns meses. Recebemos uma bolsa para
veia. Bem cedo, vendia canetas no colégio; depois, podermos nos dedicar a esse aprendizado, e em
comercializou sacolé e lingerie. E, um dia, ao con- 2022 fomos convidados a desenvolver uma co-
feccionar uma camisa com sobra de tecido de um leção”, conta. O pagamento para produzir 7 mil
figurino do espetáculo do seu marido, viu poten- peças veio adiantado: “Foi desafiador dividir a
cial em mais um item. “Era o auge da camisaria coleção, porque a outra parte também opina. É a
estampada, e todo mundo me parava na rua para arte de ceder aqui e ali”.
perguntar onde eu tinha comprado a peça”, lembra. Mas a experiência foi tão positiva que hoje
O lote de estreia da marca nasceu assim, no im- a marca tem collabs com diferentes artistas de
proviso, em 2017. As peças eram vendidas no hall Fortaleza e Salvador. “Para esse tipo de parceria
do teatro e em eventos ligados à arte cênica na vingar, é preciso acreditar no trabalho do outro. A
cidade. Com seis meses, Aldenhoff deixou o em- gente dá visibilidade para ele, e ele, para nós”, diz.
prego na área da gastronomia e convidou a mãe, Um ganha-ganha que enriquece o negócio, afirma
Ionete Rodrigues, 52 anos, que já havia costurado Aldenhoff, que prevê faturar R$ 500 mil neste ano.

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 53


D ATA B A S E • MODA SOB MEDIDA

Plus size
I N C LU S ÃO PA R A AU TO E S T I M A

Esse é um segmento em evidência e pro-


missor no mundo todo. No Brasil, cresceu
75,4% nos últimos dez anos, e a perspec-
tiva é de continuar se expandindo 10% ao
ano. Por aqui, mais de 120 milhões de pes-
soas são gordas, o equivalente a 57,25%
da população adulta, assim como 12,9%
das crianças e 7% dos adolescentes.
Em 2025, a ONU (Organização das Na-
ções Unidas) estima que 2,3 bilhões de
adultos estarão gordos, e 700 milhões
precisarão vestir tamanhos acima de 50. tante é ter sensibilidade para entender as
Todos esses dados fazem parte do Rela- dores do cliente, que já passa por diversas
tório Setorial Mercado Plus Size 2022, da dificuldades no cotidiano”, destaca.
Associação Brasil Plus Size (ABPS). Incluir e diversificar. Esse entendimento
Não à toa, mais de 25% do varejo de ves- passa por vários tópicos, desde pensar em
tuário possui tamanhos plus size em sua estamparia inclusiva – foi-se o tempo em
grade regular, segundo a ABPS, e novas que peças de tamanhos grandes “tinham”
confecções de varejo físico e e-commer- de ser sóbrias e discretas, justamente para
ce especializados em plus size surgem a esconder esses corpos –; modelagem que
cada dia. adapte e dê bom caimento a itens “exclu-
Diante desse cenário, empreender nes- dentes” até então, como um top cropped;
se segmento é promissor. “Cada vez mais, até planejar a localização dessa moda no
a inclusão de corpos reais nas passarelas, layout da loja física.
nas fotos e no dia a dia das marcas vem au- “Mesmo que o público seja um nicho, ele
mentando”, afirma Thais Oliveira, analista não quer se ver à parte. O ideal é oferecer a
do Sebrae. Para ela, esse é um movimento moda plus, sim, porém, não fazer a pessoa
em direção à moda mais sustentável. ir lá atrás, na área de tamanhos grandes.
“Dentro do nicho plus size, vale pensar Ou à loja que vende só essa numeração.
que há outras chances de segmentação: Essas pessoas desejam ir aos mesmos lo-
feminino, masculino, crianças, adoles- cais que os magros frequentam”, afirma
centes, idosos, moda festa, fitness, praia, Naia Silveira, da consultoria WGSN.
lingerie. Seja qual for a escolha, o impor- Danielle Santos, da ESPM, completa:
“Não se trata apenas de produzir roupas
de tamanho grande. Esse público não se
contenta mais em vestir o que cabe. Busca
estilo, quer se encaixar em tribos e grupos
– e isso também passa pela moda”.

54 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


LAMBUZADA

CO M PEÇAS QUE VÃO


D O TAM A N HO 3 6 AO
70 , O PAUL ISTA NO
R O DR I G O S A NTOS
FAT U R A R $ 1 2 0 MI L
P OR M Ê S N A S UA LOJA
FÍS ICA E NA ON LI NE

TRABALHO NO AMOR PRÓPRIO

“Sou de um tempo em que pessoas com cor-


pos maiores compravam o que tinha, não o que
desejavam. Camisa polo horrível, calça sem mo-
delagem.” É assim que Rodrigo Santos, 40 anos,
fundador da Lambuzada, de São Paulo (SP),
lembra de seu interesse por moda plus size. “Eu
mesmo não encontrava nada legal para mim, do
meu tamanho, com a minha identidade. Por isso,
ia atrás de tecidos e mandava na costureira. Era
frequente me pararem na rua para perguntar de
onde eram as minhas camisas.”
Ao ser demitido de uma fábrica de eletrodo-
mésticos que faliu, empreender na área de moda
foi um caminho natural. Ele tinha contatos de
amigos e de amigos de amigos para quem já ha-
via produzido algumas peças – e esse foi o início,
em 2015, da marca, que tem um nome escolhido a A Lambuzada tem loja física e online e vende um
dedo para representar algo doce, abrangente, que volume parecido nas duas. No site, são cerca de
o cliente pudesse usar e abusar, com muito prazer. 200 pedidos por mês. O faturamento em ambos os
Com camisas, calças, conjuntos, quimonos e canais é por volta de R$ 120 mil mensais, ante os
moletons, entre outras peças, atende todos os R$ 89 mil por mês do ano passado.
tamanhos e tipos de corpos, do 36 ao 70 – e, se Para o empreendedor, a moda plus size tem
preciso, além deles, porque o empreendedor se espaço para crescer: “Muitas pessoas ainda pre-
compromete a fazer ajustes, se necessário, para cisam fazer o exercício de vestir algo e se sentir
que ninguém deixe de ser contemplado. bem. Elas estranham quando põem uma peça e
“Trabalho não apenas com roupas, mas com são admiradas. Usar uma moda adequada muda a
autoestima. Tem gente que não sai de casa pessoa, que fica mais confiante e feliz”.
porque não tem roupa que fique bem. Recebo O desafio, no entanto, é manter o ritmo criati-
inúmeras mensagens de gente agradecendo por vo. Santos faz questão de desenhar as estampas
finalmente encontrar uma peça – bonita! – do diferentes – que são coloridas e divertidas – para
seu tamanho. Esse feedback me diz que estou imprimir nos tecidos: “Estou sempre, literalmente,
no caminho certo”, afirma. inventando moda”.

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 55


D ATA B A S E • MODA SOB MEDIDA

Loja colaborativa
E S PAÇ O E C U S TO C O M PA R T I L H A D O S

para o aluguel – que depende do fatu-


ramento da marca – e uma porcentagem
sobre o total das vendas no mês.
Para Danielle Santos, da ESPM, as lojas
colaborativas fazem muito sentido para
Sabe aquele pequeno empreendedor que pequenos empreendedores, porque eles
tem uma marca, mas não necessariamente diminuem seu custo de operação e têm a
recursos para investir em um ponto físi- possibilidade de alcançar vários públicos
co? Ele pode se juntar a outros na mesma para conhecerem sua marca. “O ponto de
situação e fazer parte de uma loja cola- atenção é o fato de o espaço, em geral, ser
borativa, um espaço comum a diferentes bem limitado. Assim, é preciso fazer uma
marcas que o utilizam para fazer suas boa curadoria sobre quais produtos levar
vendas sem precisar arcar com o custo para a loja física”, pondera.
cheio de um imóvel e/ou ponto. Ela recomenda procurar espaços que te-
Segundo o Sebrae, esse é um negócio nham a ver com o perfil dos produtos da
fundamentado na ideia de um espaço fí- marca. “Uma que comercializa várias de
sico para expor produtos e serviços de moda étnica não comporta uma de alfaia-
artesãos, microempreendedores individu- taria”, exemplifica. Lembra, ainda, que se a
ais e pequenos negócios. Nesse modelo, os ideia é complementar o e-commerce com
empreendedores dividem custos, divulgam um ponto físico, a loja colaborativa pode
e vendem seus produtos, em geral, em um ser uma boa opção também, mas é preciso
ponto com boa localização comercial e es- ter a clareza de que ela traz novos custos.
trutura de apoio, como banheiros. “É importante colocar na ponta do lápis
Já o empreendedor dono da loja fica para entender o momento do seu negó-
responsável por gerenciar a operação, cio e se isso faz sentido”, diz Santos. “Em
treinar e coordenar vendedores e, muitas caso positivo, definir qual parte do seu
vezes, fazer a divulgação do local e das portfólio tem maior potencial para vender
marcas que alugam boxes ou outro tipo ali. Para a sua marca, a estratégia omni-
de formato dentro dela, além de receber o channel [multicanais] é complementar e
pagamento dos clientes. interessante. E, para o consumidor, um
Em algumas lojas colaborativas, os loca- deleite poder frequentar o espaço e ter
tários pagam uma taxa de administração mais essa experiência com a marca.”
que varia entre 20% e 30% sobre o valor
do aluguel ou da venda dos produtos, de
acordo com o Sebrae. Esse valor costu-
ma ser direcionado a cobrir gastos com
marketing, meios de pagamento (como
cartões) e comissão de vendedores. Há
empreendimentos que cobram uma taxa

56 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


AFROCENTRADOS

CY NTHI A PA I X ÃO
M A N TÉ M U M E S PAÇO
CO L A B O RAT I VO D E 52
M ² N O S HO P PI N G B E LA
V I STA, E M S A LVAD O R,
Q UE CO M ER CI A L IZ A
P EÇA S D E 35
EMP REE ND ED ORES

laborativa AfroCentrados, em 2022, em Salvador


(BA). Ela divulgou nas redes sociais e, em pouco
tempo, formou-se uma fila de interessados em
vender ali suas criações.
“Uma loja colaborativa é a solução para mui-
tos empreendedores que ficam perdidos no dia
a dia: afinal, têm de criar, vender, atender, postar
nas redes. Não dá para romantizar o empreen-
dedorismo. Ele é complexo. Porque empreender,
UNIR FORÇAS PARA CRESCER muitas vezes, é sustento, mas também é sonho,
cura pessoal para tantas dores. Por isso, me senti
Ela trabalhava distribuindo panfletos nas ruas na obrigação de acolher tanta gente na loja”, diz.
e como funcionária administrativa de uma em- Paixão buscou formação na internet. Ela enten-
presa quando engravidou de gêmeos e se tornou deu o mecanismo de funcionamento de uma loja
mãe-solo. Ressentindo-se de ver pouco os be- colaborativa, ajustando conforme a necessidade.
bês, resgatou o sonho de trabalhar com moda. Em pouco tempo, tinha 18 marcas em um espaço
“Aumentei muitos manequins e não achava rou- de 19 m². Os empreendedores desembolsam uma
pa para mim, depois do nascimento deles. Fazia taxa fixa mínima de R$ 150 e uma porcentagem
minhas próprias peças. Passei a produzir para as sobre as vendas. A loja se responsabiliza pela ad-
amigas”, conta Cynthia Paixão, 38 anos. ministração e pelo sistema de gestão de estoque
Durante a pandemia, fechou a pequena loja de que acompanha vendas, saídas e entradas.
roupas de tamanhos grandes e providenciou um O negócio ainda não se paga – toda a receita
rebranding da marca, ao participar de um projeto é reinvestida na AfroCentrados, que, apenas um
de aceleração de negócios. Ali, também conheceu ano depois de abrir a primeira loja, mudou para
empreendedoras mães-solo, que conversavam so- um espaço de 52 m² no Shopping Bela Vista, um
bre como viviam momentos difíceis, sem trabalho. dos maiores de Salvador, e que agora acomoda
Pensando em ajudar quem passa por uma si- produtos de 35 marcas. “É a primeira loja com
tuação parecida com a que havia vivido anos criações de afroempreendedores no local e isso
antes, ela decidiu alugar um espaço no popular provoca uma reflexão: sozinho a gente até chega,
Shopping Vasco da Gama. Daí nasceu a loja co- mas juntos chegamos mais rápido.”

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 57


D ATA B A S E • MODA SOB MEDIDA

Coletivo
UNIDOS POR UM PROPÓSITO

Segundo o dicionário Houaiss, coletivo


é “aquilo que compreende ou abrange
muitas pessoas ou coisas, ou que lhes diz
respeito”. Um coletivo de moda é exata-
mente isso: reúne empreendedores que,
em geral, compactuam com ideias seme-
lhantes e trabalham em prol delas.
Em geral, de acordo com Danielle San-
tos, da ESPM, tem um viés, uma mensagem
mais politizada. Podem ser marcas que se
preocupam com sustentabilidade ou outra
pauta mais específica, como movimentos Ao se juntar, viram cinco forças técnicas
que atuam em defesa da cultura periféri- que se multiplicam em suas redes e fazem
ca, afro ou do feminismo, entre outros. “A com que determinado produto chegue a
loja colaborativa vai focar na venda de pro- públicos diferentes”, exemplifica.
dutos, mas o coletivo existe para além da Para fazer parte de um coletivo, a es-
moda. Trata-se de realmente uma atuação pecialista Danielle Santos lembra que é
mais ampla em torno de ideias”, diz. importante que a marca tenha uma visão
Márcio Ito, professor da Faculdade San- madura do seu posicionamento, de como
ta Marcelina, cita outro ponto relevante quer ser vista pelo consumidor. O negócio
desse tipo de negócio: a união de com- ao qual vai se associar deve ter coerência
petências. “Imagine que cinco pessoas com o que ela acredita.
tenham conhecimento sobre uma técnica. Thais Oliveira, do Sebrae, ressalta que,
antes de fazer parte de um coletivo, o
empreendedor deve avaliar quais são as
vantagens: pode ser positivo para o for-
talecimento da marca, porque outras que
compactuam de uma mesma ideia aliam
forças para divulgar uma mensagem em
comum, por exemplo. Também pode ser
bom porque, em uma loja colaborativa,
se dividem despesas e administração do
espaço. Mas, de novo, estar ali precisa ser
compatível com o que a marca acredita.

58 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


POPAFRO

DA E S Q . PA R A A DI R .
L I G I A PA R R EI R A ,
I G NE Z T E I X E I RA E
JACIA NA MELQU ÍAD ES,
QU E C R I A R A M U M
CO L E TI VO PA R A DAR
M A IS V I S IB I L IDAD E
E PO P U L A R IZ AR
C R IAÇÕ E S P R ETAS

MODA COM IDENTIDADE

Bem antes de criar o coletivo PopAfro, no Rio de


Janeiro (RJ), Ligia Parreira, 42 anos, já circulava
pelo mundo da moda e do ativismo pelo empo-
deramento feminino e conscientização sobre a
necessidade de encontrar mais espaço para o
afroempreendedorismo.
Publicitária de formação e pós-graduada em
moda e marketing de moda, ela fazia moda iden-
titária antes mesmo de se falar nesse tipo de
movimento. “A iniciativa veio porque trabalhava Atualmente, ele é gerido por Parreira e pelas só-
em agência e sentia falta de representatividade. cias, Ignez Teixeira, 53 anos, e Jaciana Melquíades,
Questionava por que modelos negros não esta- 40. Ocupa dois pontos – um no Shopping Madureira
vam nas passarelas e na publicidade. Essa era e outro na Pequena África, local histórico conheci-
minha leitura enquanto mulher negra, suburbana, do por abrigar a resistência negra no Rio de Janeiro.
periférica”, lembra. “O PopAfro é uma reunião de pessoas que es-
Embora fosse atuante na defesa do protagonis- tão ali com a finalidade de disseminar a moda afro
mo negro, à época ela tinha apenas 20 anos. Com e discutir ideias para atingir esse propósito. Não
o tempo, foi amadurecendo e experimentando ou- há hierarquia, mas colaboração. E união de forças
tras formas de trabalhar dentro desse tema. Uma para conseguirmos vantagens comerciais, como
delas foi participar de uma oficina de moda afro, a aquisição de insumos de fornecedores comuns
do Sebrae, onde encontrou outros empreendedo- para termos descontos”, explica.
res negros do segmento. Foi o passo inicial para a A gestão, porém, não é horizontal. As três só-
formatação do primeiro coletivo que integrou. Ela cias se dividem na curadoria das marcas, no
participou ativamente da sua criação, levando sua planejamento, no marketing e na administração.
expertise em marketing, publicidade e moda. Os participantes pagam de R$ 800 a R$ 1,2 mil
O PopAfro veio algum tempo depois, em 2019, mensais para estar na loja colaborativa e uma taxa
quando preferiu fundar outro coletivo: “O objeti- de 20% sobre o total de vendas – disso, 15% fica
vo sempre foi dar mais visibilidade e popularizar com o coletivo. Em 2022, o faturamento foi de
criações pretas. Muitas vezes, os negócios de R$ 1 milhão, e a expectativa para este ano é de
moda afro ficam ‘guetificados’ demais, e acredito crescimento, já que a unidade instalada na Peque-
que temos de ir para mais lugares”. na África, em agosto, deve trazer novo fôlego.

PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023 59


Protagonistas
da mudança
Investidores negros se mobilizam pela diversidade
racial no mercado de capital de risco

T E X T O E D S O N VA L E N T E
F O T O S C A M I L A C A R A , F E R N A N D O N U WA N D A ,
HELDER FRUTEIRA E LIPE BORGES
Os investidores negros estão propon- vestimentos para que tenhamos não só
do grandes mudanças no mercado de mais aportes direcionados a empresas
capital de risco. Fomentam negócios de fundadores negros como mais pre-
que, muitas vezes, focam melhorias sença de investidores negros”, afirma
sociais e de inclusão e criam fundos Douglas Vidal, gestor do ecossistema
e organizações que visam empoderar global do Black Entrepreneurs Club.
as pessoas negras na seara dos inves- A reivindicação se justifica. O estudo
timentos em startups, tanto do lado “Panorama do Ecossistema de Startups
de quem empreende quanto do de no Brasil – Rumo à Diversidade Racial”,
quem aporta capital. Um exemplo é a da consultoria Bain & Company, entre-
BlackWin, associação de mulheres ne- vistou 30 gestores de relevância nesse
gras criada para investir em startups setor, e 91% disseram acreditar que a
de fundadores negros. “Queremos es- diversidade racial no meio hoje é ine- OLHAR AFIADO
truturar e pavimentar esse caminho”, xistente ou está muito abaixo da ideal.
NO ALTO, S E N TI D O
afirma a cofundadora Jéssica Rios. Para 96% deles, ações para mudar essa
H O R ÁR I O, O S
Projetos como esse ajudam a for- situação são nichadas, insuficientes e I NV E ST I DO R E S A M A N DA
talecer elos e a preencher lacunas no até inexistentes. Por sua vez, a Anjos do G RAC I A NO , G ILVA N
mercado investidor no país. “Com a Brasil, de capital de risco, indica que, B U EN O , J É SS I CA R I OS ,
agenda racial avançando, começa a em 2022, 3% dos investidores-anjo no P ED R O B E RTO , LUANA
haver uma cobrança no meio dos in- Brasil se declaravam pessoas negras. OZE M E LA E A B R A ÃO S E N A
D ATA B A S E • P R O TA G O N I S TA S D A M U D A N Ç A

Senso de
comunidade
para o
afroempreen-
dedorismo

Abraão Sena tem se desdobrado por me- em impacto social: o papel de investidor.
lhores condições para as pessoas negras Sena já aportou em cinco negócios, a
no mercado de investimentos. Filho de começar por uma empresa de e-sports, em
pais pernambucanos “muito humildes”, 2022. A fintech Beacon também compõe
ele desempenha múltiplos papéis no ecos- sua “carteira diversa”, na qual diz mesclar
sistema e centra sua verve investidora em “tendências de mercado com preferências
dar protagonismo a fundadores negros. pessoais”. Educação e tecnologias emer-
Antes de ser investidor, construiu uma gentes, como inteligência artificial, estão
sólida trajetória como empreendedor. entre os setores que procura.
Após interromper, em 2014, uma carreira Ao escolher negócios para investir, o
em auditoria devido a uma síndrome de “fit cultural” precede a análise dos indi-
burnout, voltou seu foco para trabalhos cadores de desempenho. Na sequência,
voluntários e neles conheceu seu futuro observa o perfil de escalabilidade, posi-
sócio, Rodrigo Terron. Começaram com cionamento no mercado e tração futura.
uma software house, a Horizon Four, e E acrescenta: “Dependendo do modelo de
criaram a startup Shawee, de hackathons negócio, o empreendedor precisa ter uma
online. “Foi a minha faculdade.” visão não só de crescimento local, mas
Suas conquistas na seara do empreen- também de expansão global”.
dedorismo aguçaram o olhar de investidor. Seu senso de comunidade inclui ser
Em 2018, foi um dos primeiros afroem- conselheiro de cinco startups. Aos empre-
preendedores do Cubo Itaú; em 2020, a endedores negros, recomenda autoestima
Shawee foi eleita startup do ano pela As- corporativa ou “pisar com firmeza em
sociação Brasileira de Startups. Um ano espaços em que muitas vezes não terão
depois, fundiu-se à edtech Rocketseat. A visibilidade”. É dessa maneira, em sua vi-
venda do negócio para a Digital House o di- são, que conseguirão vencer o desafio de
recionou para o que define como seu ápice alcançar cheques maiores.

62 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Abraão Sena

37 A NO S , M I NE I R O D E
CO NGO NHA S , FO R M AD O P E LO
D I GI TA L O N B OA R D ( PR OG R A M A
E X EC U T I VO D E FO R M AÇÃO
D E CO NSE L HEI ROS ) DA H S M
U N IV E R SI T Y E M 2 0 22 . É S Ó C I O
DA D IG ITA L HO U S E ; M EN TO R
D E P R O GR A MA S CO M O A NT L ER ,
B L AC K FO U N D ER S F UN D D O
G O OG L E FO R STA RTU P S E
G I NGA P R OTOTI PA DO S E BR A E
FO R STARTU P S ; E FU NDA D OR E
E M BA I XA DO R D O A FR O C U B O .
I N VE ST E E M N E GÓ C I O S
CO M O LOS G R A ND E S , D E
E S P O RT E S E L E T R Ô N I CO S , E
B E ACO N, PL ATA FO R M A D E
I N VE ST I D O RE S , E N T RE O U T R O S
FOTO: HELDER FRUTEIRA

PEQ U E NAS E M PR E SAS & G R AN DE S N EGÓ CIOS • NOV ⁄ 2023 63


D ATA B A S E • P R O TA G O N I S TA S D A M U D A N Ç A

Amanda Graciano

3 2 A N O S , N AT U R A L D E B E LO
H O R I ZO N T E ( M G) , FO R M A DA E M
E CO N O M IA N A PU C - M G , CO M
M BA E M INOVAÇÃO E G E STÃO
P E L A P U C - RS E CU R S AN D O M BA
EX ECU T IVO P EL A FU NDAÇÃO D O M
CA B R A L . É S Ó CI A DA FI SCHE R ,
CO NS ELH EI RA DO MOVI ME NTO
AL ADAS E, DE S D E 20 22, ME MB RO
DO CONS E L HO CO N S U LT I VO
D O PACTO GLOBAL DA ONU NO
B R A SI L . INV E ST E N A 8 33 ST U D I O S,
E M P R ES A D E AU D I OVI S UA L E
E N T RE TE N I M E NTO , AL É M D E U M A
H RT E C H E UM A F I N TE C H , QUE E L A
P R EF E R E NÃO D IZ E R Q UA I S S ÃO

64 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Construção
de um futuro
com mais
diversidade

A economista Amanda Graciano tem um Em seu percurso como investidora –


critério muito bem definido para o tipo cinco aportes com recursos próprios –,
de negócio em que decide investir: “Meu Graciano aplicou como pessoa física e em
olhar é se ele vai contribuir com o mundo grupos de anjos, optando por negócios
que eu quero lá na frente”. em estágio inicial até por requererem va-
Entre os aspectos desse futuro está o da lores menores de investimento.
diversidade, o que explica sua preferência Hoje, tem estado atenta a projetos de
por apostar em empresas com fundadores comunicação e entretenimento. “As finte-
negros. “No Brasil, as pessoas negras saem chs também continuam muito em alta, e
de um ponto de partida muito diferente”, o setor da saúde vem crescendo”, avalia.
diz. “Então, se tenho acessos e conhe- Há um ano e oito meses, é sócia da Fischer
cimento, forneço um aporte que inclui Venture Builder, organização que cria, va-
‘smart money’ [conhecimento e recursos em lida e acelera startups.
troca de participação societária].” Entre seus critérios de avaliação está o
Sua expertise foi enriquecida por uma dos perfis das pessoas na gestão. “Se elas
passagem pelo Cubo Itaú, hub de startups têm boa índole, se concordo com as ideias
em que foi gestora de projetos até 2022. delas, se o santo bateu”, afirma. “Para a
“Lá, minha chave virou.” Se já se conectava comunidade negra, intuição é tecnologia
a esses fundos com esse olhar, por que não e vem de um processo muito estruturado
atuar como investidora?, questionou-se. de rever aquele ponto várias vezes. Avaliei
Seu primeiro investimento foi feito 11 mais de mil startups, então tem coisa que,
anos atrás, com o dinheiro que ganha- ao escutar, já sei se o empreendedor está
va como estagiária. À época, aportou em falando a verdade ou se está enrolando ou
uma loja de roupas, muito pela familiari- inventando.” Outro quesito é a “capacida-
dade com a “economia real”: “Minha vó de de aquele time executar” a solução – e se
teve salão de beleza, minha mãe tem uma ela de fato atende a uma demanda de mer-
consultoria na área farmacêutica”. cado, além da tecnologia que usa para isso.
FOTO: CAMILA CARA

PEQ U E NAS E M PR E SAS & G R AN DE S N EGÓ CIOS • NOV ⁄ 2023 65


D ATA B A S E • P R O TA G O N I S TA S D A M U D A N Ç A

Olhar
apurado
por trás dos
números

O baiano Gilvan Bueno tem facilidade boa cultura ESG, foco nos ODS da ONU
na relação com pessoas e com números. [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,
Com base nessas características, o ex-gar- das Nações Unidas] e um quadro de diversi-
çom, que concluiu o segundo grau aos 27 dade no conselho e entre sócios me atraem
anos pelo Encceja (Exame Nacional para também”, afirma.
Certificação de Competências de Jovens Entre os setores de negócio, ele percebe
e Adultos), cursou tecnologia em gestão um aquecimento nas áreas de construção
financeira e elegeu esse universo como civil e imobiliária. Por outro lado, tem tido
opção de desenvolvimento de carreira. cautela ao avaliar empreendimentos dos
Foi nessa trilha que passou a investir em setores de cursos, com quedas de preços
startups, selecionando as que vão receber e evasão de alunos, e de streaming, com
aporte pelo modo como a empresa ganha um número decrescente de usuários.
dinheiro. “O segundo ponto é entender O investidor – que é CEO e cofundador
se ela tem facilidade de ter uma base de da plataforma de educação financeira Fi-
usuários e o quanto eles consomem”, diz. nancier Academy e gerente de inteligência
Menciona ainda como fundamentais as empresarial da Órama Investimentos –
características empreendedoras das pes- foca segmentos como o da digitalização do
soas que tocam o negócio. setor educacional e detecta como grande
Bueno já investiu em dez empresas – em desafio atual a falta de equidade nos apor-
duas aportou capital econômico; em outras tes, considerando raça e gênero: “É preciso
oito, trocou conhecimento por participa- haver cheques de sete dígitos, com viabi-
ção societária. Sua primeira aplicação foi lidade econômica de 18 a 36 meses, para
em um marketplace de empreendedores que os empreendedores negros consigam
negros. Esse perfil de fundador, por sinal, fazer os negócios tracionarem. Tecnologia,
é prioritário em prospecções. “Oportuni- marketing e pessoas, os grandes três fato-
dades em outras esferas que tenham uma res de crescimento, são caros”.

66 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Gilvan Bueno

42 ANO S, DE SALVAD O R ( BA ) ,
T ER M I NO U O E NS INO M ÉD IO
CO M O E N CC EJA ( E XA M E
N AC I ON A L PA R A C E RT I FI CAÇÃO
D E COM P E TÊ N C I AS DE JOV ENS
E AD U LTOS ) AO S 27 ANO S,
POS SU I E S P EC I A L I ZAÇÕ E S
N O M E R CA D O FI NA N C E IR O
P ELO I B M EC , M BA EM
G E STÃO D E C R É D I TO P ELA
FACUL DAD E WO L I E C U R S O
D E CONS ELH EI R O P E LA
D O M CA B R A L . É G E R E N T E
DA Ó R A MA I N VEST I M E NTO S ,
C EO DA FI N A NC I E R ACA D E MY,
CO NSE LHEI R O D O I N ST I T UTO
CO NSU ELO E I N VE ST I DO R D O
K I LO M BU , A P LICAT I VO PA R A
A FR O EM P RE E ND E D O R E S , E
D O GAR R A FA N O M A R, S I TE
PAR A PAGA R B O LE TO S

FOTO: LIPE BORGES

PEQ U E NAS E M PR E SAS & G R AN DE S N EGÓ CIOS • NOV ⁄ 2023 67


FOTO: DIVULGAÇÃO
Jéssica Silva Rios

3 4 A N O S , D E V ITÓR I A DA
CO NQUI STA (BA) , FO R M A DA
E M A D MI N I ST R AÇÃO NA
P U C -S P. I NTEGR A O COM I T Ê
E S G D O G RU P O F L E U RY E É
CO NSE LHEI RA DO PACTO D E
P R O MO ÇÃO DA EQ U I DA DE
R AC I A L . COF U N D O U A
B L AC KW I N, P EL A QUA L I NVE ST E
NA HE ALTH TEC H G E STAR . É
I N V E ST I DO R A DA I NF R AT EC H
C E LCO I N ; DA P L ATAFO R M A
D E H O S PE DAG E NS E CU RS OS
DIÁ SP OR A B LACK; DA
P L ATAFO R M A D E C U R S O S
P R O FI S S IO N A LI Z A N TE S
E S CO L A D O M E CÂ N ICO E
DA LOJA D E C HÁ S, CA FÉ S E
R O U PA S T HE FE M I N I ST T E A

68
O risco como
alavanca
para a inclusão

A administradora baiana Jéssica Silva Rios para o ecossistema dos investidores.


é uma investidora de risco por natureza. Em 2018, tornou-se sócia da VOX. Mas
Sempre ousou em suas apostas, a come- outra de suas inquietações ganhou corpo:
çar pela decisão de parar de trabalhar aos a falta de diversidade de gênero e raça en-
18 anos – o que fazia desde os 14 – para tre os empreendedores de startups e de
estudar para o ingresso em um curso su- inovação no Brasil. Lançou-se então ao
perior. Era uma ruptura e tanto, levando desafio de estruturar teses de investimen-
em conta que sua lógica familiar à época to com o foco em fundadores negros. Em
tendia a priorizar a constituição imediata 2022, cofundou a BlackWin, plataforma
de renda em detrimento dos estudos. que reúne 80 investidoras-anjo negras.
Já no primeiro ano da graduação em Quem recebe os aportes são startups
administração na PUC-SP (Pontifícia que tenham pessoas negras no corpo so-
Universidade Católica de São Paulo), cietário ou na liderança. “Olhamos para
arriscou-se a tentar uma chance em um negócios já estruturados, que buscam
programa de trainee da PwC que se desti- pré-seed [fase de desenvolvimento de
nava apenas a alunos do segundo ano em produto] e tenham produtos testados e
diante. Conseguiu a vaga. Em 2016, saiu estabelecidos”, diz. Healthtechs estão es-
da empresa, onde era gerente, para aden- pecialmente no radar, bem como startups
trar o universo de negócios que conciliam com soluções para empregabilidade.
“retornos financeiros e retorno social”. Como a BlackWin aporta diretamente
Assumiu uma posição de gestão no até R$ 100 mil por projeto, também se
fundo de investimento de impacto VOX preocupa em “movimentar o ecossiste-
Capital. “Entendi que o mercado de inves- ma de pessoas e instituições aliadas”,
timentos era uma alavanca muito relevante para completar a demanda de capital
contra as desigualdades.” Como esse viés dos negócios. Como pessoa física, já in-
de impacto e ESG para o setor ainda tinha vestiu em quatro negócios, todos sob a
poucas referências no país, “puxou” o tema premissa de impacto socioambiental.

PEQ U E NAS E M PR E SAS & G R AN DE S N EGÓ CIOS • NOV ⁄ 2023 69


D ATA B A S E • P R O TA G O N I S TA S D A M U D A N Ç A

Capital como
ativismo para
a igualdade racial

Filha de pais “muito ativistas do movimen- ros aportes como investidora-anjo. Em


to negro gaúcho”, Luana Ozemela conta paralelo, criou o PreCapLab, programa de
ter entendido desde cedo a importância de conexão de empreendedores negros com
reivindicar protagonismo para a população investidores negros que já mobilizou US$ 5
negra. Para defender a causa, mediante um milhões para 52 empresas, e a consultoria
“ativismo mais eficaz e baseado em evidên- de negócios Dima. Ao deparar-se com a es-
cias”, decidiu cursar economia na UERGS cassez de investidores negros, cofundou a
(Universidade Estadual do Rio Grande do BlackWin, rede de investidoras negras.
Sul), onde se formou em 2003. Atualmente, Ozemela investe em cinco
Em 2011, começou a trabalhar no BID negócios. Seu primeiro aporte no Brasil foi
(Banco Interamericano de Desenvolvimen- em uma startup de conteúdos de streaming
to) com foco em políticas públicas. Depois afirmativos. “Tenho alguns investimentos
de certo tempo, passou a estruturar emprés- também no Reino Unido, na indústria de
timos para a área de mercado de capitais. cosméticos”, diz. “Atuo ainda nos setores
“Notei que a indústria de investimentos de agritech e de educação.”
poderia ser a ferramenta de mercado mais Para ela, “o importante é investir em
poderosa em termos de promoção da igual- pessoas negras, talentosas e que são ob-
dade racial”, afirma. Buscou, então, no BID, cecadas pelos negócios que fazem. Que
redirecionar mais capital para gestores ne- demonstram resiliência e escutam os
gros e fundos temáticos. conselhos de uma investidora ativista,
Em 2015, lançou o primeiro programa participante e curiosa”. Também avalia “os
de apoio ao afroempreendedorismo na números, o potencial de mercado, o tama-
América Latina – o Inova Capital. Ao sair nho do tíquete”. “Gosto de uma posição
do banco, em 2019, realizou seus primei- minoritária, mas ativa na empresa”, afirma.
FOTO: DIVULGAÇÃO

70 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Luana Ozemela

43 ANO S, DE P ORTO
A L E GR E ( R S ) , E CO N O MI STA
P EL A U E R GS , M E ST R E
E M D E S E NVO LV I M EN TO
E CO N Ô MI CO E A NÁ L I S E D E
P O L Í T ICA S E CO NÔM ICAS
PE LA UNI VE RS IDADE D E
S O U T H AM P TO N ( I NG L AT E RR A )
E P H.D. E M ECO N OM I A P E LA
U N IV E R S IDAD E D E A B E R D EE N
( E S CÓ C I A) . É VI C E - P RE S ID E NT E
D E I M PACTO S O C IA L D O I FO O D ,
E M BA I XA D O R A D O PACTO
DE MU L H ER E S NE G R AS E
CO FUNDAD ORA DE B L ACK WIN,
GRYN DTE CH E P R ECAP L A B

PEQ U E NAS E M PR E SAS & G R AN DE S N EGÓ CIOS • NOV ⁄ 2023 71


D ATA B A S E • P R O TA G O N I S TA S D A M U D A N Ç A

Pedro Berto

3 2 A N O S , D O R I O , FO R M A DO EM
A D M I NI ST R AÇÃO P Ú B L I CA N A
FGV, CO NCLUIN DO ME STR A D O
E M G E STÃO TA M B É M NA
FGV (PA RTE R EAL IZA DO NA
LONDO N BU S I NE S S S C HO O L) .
É F U NDA D OR DA A NGRA VC
E MEMB RO DOS CO M I T ÊS DE
D I V ER S IDA D E E I NCLUS ÃO D E
A LG U M AS E M PRE SA S DA VO L P E
CA P I TA L . PARTI C I P O U D E
P R O CE S SO S D E I N VEST I M EN TO
NA CA J U B E NE F Í CI O S E
NA AT L AS G OV ER NA NCE E
APO RTO U E M U M A E M P RE S A
Q UE P R E FER E N ÃO D I V U LGA R
FOTO: FERNANDO NUWANDA

72 PEQ U E N AS E M PR E SAS & G R A N DE S N EGÓ C I O S • NOV ⁄ 2023


Pelo propósito
de garantir mais
educação e
empregabilidade

“Quebrar ciclos de pobreza” sempre foi VC, em que o investimento em marketing e


um norte nas jornadas de estudo e car- mídia é trocado por participação acionária
reira de Pedro Berto. A decisão de cursar em startups. “Em vez de dinheiro, aporto
administração pública na FGV (Fundação a mídia social de influencers em troca de
Getulio Vargas), por exemplo, foi influen- 3% a 5% de equity”, resume. “É uma grande
ciada por um conflito de sua comunidade tendência. No Brasil, 45% das pessoas que
de origem, a Vila Autódromo, com a pre- compram um produto ou serviço foram in-
feitura do Rio de Janeiro. Lá, Berto liderou fluenciadas por alguém das redes sociais.”
o movimento contra a remoção de famí- Berto diz ser desafiador focar negros
lias para a construção do Parque Olímpico ao prospectar investimentos justamente
para os Jogos de 2016. por sua escassez. “Em toda a minha car-
Parte de sua graduação foi realizada na reira, a maioria dos fundadores com que
Tsinghua University, em Pequim. Na Chi- me deparei era de pessoas hétero, cis e
na, surgiu a convicção de trabalhar com brancas.” Para interferir nesse cenário, co-
investimentos em tecnologia, o “melhor loca-se à disposição de empreendedores
caminho” para gerar impacto positivo e negros para ajudá-los no aprimoramento
levar educação e empregabilidade a po- de seus modelos de negócio.
pulações vulneráveis. Na Angra VC, o direcionamento é in-
Em 2020, começou a trabalhar na socie- vestir em empresas do Brasil que sejam
dade de capital de risco Redpoint eventures. majoritariamente voltadas ao consu-
No ano seguinte, foi para a Volpe Capital, do midor final, em rodadas séries A e B
mesmo segmento. A experiência despertou (crescimento da base de clientes e esca-
nele o desejo de estar do “outro lado da la). “Nelas, o produto já está mais pronto,
mesa”, para entender melhor os desafios de e colocar um influencer para vender algo
startups e fundadores. Entrou, então, em que não esteja redondo pode gerar um
2022, na SaltPay, empresa de meios de pa- prejuízo de imagem tanto para ele quanto
gamento, e foi líder de logística em Portugal. para a startup”, diz ele, que já participou
Neste ano, fundou, com um sócio, a Angra de seis processos de investimento.

PEQ U E NAS E M PR E SAS & G R AN DE S N EGÓ CIOS • NOV ⁄ 2023 73


MENTORIA

ND
E
APRENDIZADO

EXPERTISE
C K
B A

EXCELÊNCIA

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 75


BACK END • HOW TO
EDIÇÃO PATRÍCIA TRUDES DA VEIGA
E RAQUEL BOCATO
ILUSTRAÇÕES REBERSON ALEXANDRE

T O
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76 P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3


COMO FORMAR
UMA PROMISSORA
PARCERIA
de N E G Ó C I O S
Comuns entre grandes companhias,
alianças colaborativas são cada vez
mais comuns entre pequenas e médias
empresas que querem crescer mais

TEXTO FELIPE NUNES

Por muito tempo, o empresário brasileiro


enxergou seu concorrente como inimigo,
alguém que apresentava riscos à sobre-
vivência do seu negócio. “É algo cultural,
mas que também refletia a insegurança de
muitos empreendedores”, afirma Kleber
Rosa Lima, analista de negócios do Sebrae
(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pe-
quenas Empresas) em São Paulo.
As coisas começaram a mudar quando
as organizações se viram diante de mar-
cos de avanços tecnológicos, práticas
gerenciais profissionalizadas e amadu-
recimento do comportamento dos con-
sumidores – que pesquisam e têm mais
informações de compra. Estar sozinho
passou a ser sinônimo de ficar para trás.
Para driblar os desafios de mercado, as
alianças estratégicas se tornaram opção
para quem precisa lidar com limitações de
recursos, mão de obra e infraestrutura em
suas operações. “Ao trabalhar em parce-
ria, tendo um sistema associativista como
base de apoio, as empresas ampliam a ca-
pacidade de encontrar soluções para pro-
blemas comuns”, afirma o superintenden-
te-geral da Facesp (Federação das Asso-
ciações Comerciais do Estado de São Pau-
lo), Natanael Miranda dos Anjos.
Frequentes entre grandes compa-
nhias, acordos colaborativos ocorrem
cada vez mais entre micro, pequenas e
médias. Podem ser por joint ventures,
em que cada negócio mantém sua pró-
pria identidade, fusões societárias ou
até criação de uma terceira empresa.
Os benefícios imediatos incluem maior
poder de negociação com fornecedores
e visibilidade. Com o tempo, a colabora-
ção auxilia no crescimento do número de
clientes e no desenvolvimento de produ-
tos e serviços. No longo prazo, ajuda a
tornar a reputação mais sólida e propor-
cionar mais sustentabilidade financeira.
No entanto, há ameaças que devem ser
consideradas. A gestão malsucedida da
parceria pode levar à dependência exces-
siva e à estagnação. Saiba, a seguir, como
construir uma, minimizando os riscos.

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 77


BACK END • HOW TO

EM BUSCA DE UMA ALIANÇA

Na procura por parcerias para alavancar


seu negócio, a dica é não se limitar a pes-
quisas na internet. A prospecção pode
ser feita em rodadas de negócios, feiras e
congressos do seu segmento.
Vale também examinar o que as empre-
sas de outras áreas estão fazendo, afirma
o analista do Sebrae. “É possível identifi-
car algo que esteja funcionando em ou-
tro mercado e implementar no seu para
se destacar dos concorrentes”, diz Lima.
Não é regra identificar apenas parcei-
ros que sejam do mesmo tamanho. Hoje,
há um movimento de grandes empresas
interessadas nas soluções oferecidas pe-
las pequenas.
Por outro lado, é importante prestar
atenção a relações assimétricas. “Apesar
de o parceiro maior ter poder de barga-
nha, é preciso se posicionar para não vi-
ver uma espécie de sujeição no seu pró-
prio negócio”, afirma o advogado tributa-
rista André Luiz Pereira.

CO LOQ U E AS CA RTAS N A M E SA

Identificado o parceiro em potencial,


aborde-o com cordialidade e faça o con-
vite para uma reunião. Caso tenha dificul-
dades em dar esse passo, conte com a aju-
da de entidades associativas que realizam
a intermediação de oportunidades de par-
cerias. O ideal é que os empreendedores
se encontrem presencialmente.
“Ao apresentar a proposta, mostre qual
é o seu modelo de negócio, o que as du-
as empresas têm em comum e como elas
podem se fortalecer”, diz o analista do Se-
brae. Aqui, é importante determinar quais
serão os benefícios a serem conquistados
com a união de forças.
Às vezes, os ganhos não são os mesmos,
o que não é um problema. Pode ser que
para um lado o mais importante seja cap-
tar clientes, enquanto para o outro signifi-
que conquistar melhores condições de ne-
gociação com fornecedores.

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JOGO DE INTERESSES

Ao estabelecer uma aliança com outra em-


presa, deixe claro que a colaboração preci-
sa atender a suas necessidades e interes-
ses – e vice-versa. Para alcançar objetivos
e metas estipulados, trace um plano estra-
tégico baseado na colaboração, definindo
o papel de cada um na operação.
Uma das táticas para maximizar a cria-
ção de valor é definir o ritmo e o grau de
integração entre as empresas, afirma Os-
valdo Luis do Nascimento, vice-presidente
da Acirp (Associação Comercial de São Jo-
sé do Rio Preto), no interior de São Paulo.
Ele explica ser fundamental ter defini-
ção de como os recursos existentes – co-
mo área comercial, capacidade intelec-
tual, manufatura, pesquisa e desenvol-
vimento – podem ser usados no projeto.
“Não menos importante é a definição de
como funcionará a plataforma para solu-
ções inovadoras, como aplicação de novas
tecnologias e processos.”

DE PAPEL PASSADO

Ter bom senso e não ser ingênuo é es-


sencial em qualquer fase da vida de um
empreendedor. Mas esse cuidado nem
sempre ocorre durante o processo de
formalização das parcerias, afirma Pe-
reira, advogado tributarista.
Apesar da necessidade de confiança
mútua e da vontade de crescerem juntos,
faz sentido formalizar o acordo com o au-
xílio de um advogado ou contador, antes
de dar início ao trabalho colaborativo. “O
respaldo jurídico contribui para uma aná-
lise dos riscos e delimita o objetivo da atu-
ação dos parceiros”, avalia.
Como muitos negócios não contam
com um setor jurídico interno, é possí-
vel contratar assessorias especializa-
das para elaborar essa análise. O valor
para esse tipo de serviço varia de acor-
do com a complexidade e com a quanti-
dade de horas de trabalho.

P E Q U E N A S E M P R E S A S & G R A N D E S N E G Ó C I O S • NOV ⁄ 202 3 79


INOVAÇÃO NOS NEGÓCIOS

Inovar não significa apenas criar algo iné-


dito – pode ser todo e qualquer ajuste fei-
to para melhorar seu sistema de produ-
ção, produto ou forma de atender os clien-
tes. “Não é inventar a roda”, ressalta o ana-
lista do Sebrae.
Cada vez mais pequenas e médias em-
presas estão se unindo para encontrar so-
luções que otimizem e aperfeiçoem sua
rotina operacional. “A colaboração visan-
do desenvolver artefatos tecnológicos
que viabilizem a realização de tarefas ma-
nuais é o que tem sido mais comum após a
revolução 4.0”, diz Pereira.
Esse tipo de união pode ocorrer com ne-
gócios dos mais diversos segmentos. Co-
mo empresas de pequeno e médio por-
tes nem sempre possuem setores como os
de logística, análise de dados e marketing
dentro da sua própria estrutura, a celebra-
ção de parcerias contribui para o desen-
volvimento dessas áreas.

TR ANSPARENTE COMO A ÁGUA

Um sistema de parceria, para ser bem


gerido, precisa ter um eficiente esque-
ma de comunicação. Não só depois de
firmado o contrato, transparência e ob-
jetividade precisam ocorrer ainda nas
primeiras reuniões para que a colabo-
ração seja mais sólida.
Nas conversas iniciais, comece a definir
as metas e as responsabilidades de cada
parte, inclusive com datas para possíveis
revisões e alterações de rota, orienta o su-
perintendente-geral da Facesp. “A manu-
tenção de canais de comunicação abertos
e francos é fundamental. Reuniões regula-
res para feedbacks são indicadas”, afirma.
Anjos, da Facesp, também orienta para
a utilização de ferramentas colaborativas
online, como compartilhamento de docu-
mentos na nuvem, para facilitar o acesso
a informações importantes. “A comunica-
ção eficaz exige atenção mútua, transpa-
rência e confiança.” Também seja sincero
sobre as limitações da sua empresa ou do
setor envolvido.

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BACK END • HOW TO

EVITE DORES DE CABEÇA

Toda nova empreitada oferece riscos, mas


é possível minimizá-los ou até mesmo evi-
tá-los com maturidade e sensatez. Antes
de confiar, desconfie.
Faça uma análise da pessoa com quem
pretende unir forças a fim de conhecer seu
passado e descobrir se ela tem histórico
de descumprir contratos, se é uma deve-
dora contumaz ou se enfrenta processos
trabalhistas que podem te prejudicar. “De-
ve-se tomar muito cuidado com a idonei-
dade do parceiro, checando se a empresa
dele possui problemas que, eventualmen-
te, possam contaminar seu negócio”, afir-
ma o advogado André Luiz Pereira.
Imponha regras e travas para que ele
não se aproprie de seu empreendimento
com condutas parasitárias. O especialis-
ta também orienta evitar a adoção de um
comportamento de responsabilidade soli-
dária em relação ao negócio do parceiro e
estabelecer formas de identificar e punir
eventuais descumprimentos de regras.

TROCA DE CONHECIMENTO

A relação de aliança entre pequenas, mé-


dias e grandes empresas transcende as
operações financeiras e jurídicas. Na ava-
liação de Osvaldo Luis do Nascimento, vi-
ce-presidente da Acirp, o processo cola-
borativo também pode auxiliar na maior
compreensão do empreendimento e na
adoção de boas práticas de governança,
que contribuem para maior sustentabili-
dade e longevidade do negócio.
“As empresas podem se valer do com-
partilhamento de seus conhecimentos e
experiências nas áreas de diversidade e
inclusão, meio ambiente, responsabilida-
de social, práticas gerenciais e de bem-es-
tar de colaboradores”, sugere.
A troca de vivências e habilidades espe-
cíficas também é um ganho para os dois
lados. “Às vezes, eu tenho uma expertise,
mas ela não é suficiente para que eu possa
subir mais um degrau. Com a do parceiro,
podemos alavancar o negócio”, argumen-
ta Lima, analista do Sebrae.

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B AC K E N D • #D E U C E R TO
CARMEM VIRGINIA,
47 A N O S . A LTA R C OZ I N H A A N C E S T R A L

DE RECIFE PARA SP

P R O PR I E TÁ RI A D O
A LTA R COZI NH A
A N C E ST R A L, D O N A
CA R M EM VI R G IN I A
V E ND I A ACA R AJ É D E
P O RTA E M P O RTA NO
RE CIFE E H OJE T E M
U M A U NI DA D E “ HY PA DA”
NA CA P ITA L PAUL ISTA N A

COMIDA DOS ORIXÁS


Aos 7 anos, a pernambucana Carmem Virginia tor- até então era apenas convidada para programas de
nou-se iabassê – a pessoa responsável por preparar TV, entrou para o time da agência Music2/Mynd e
as comidas sagradas do candomblé. Já adulta, ven- começou a ganhar dinheiro com publicidade.
dia acarajé de porta em porta. Hoje com 47 anos, Hoje apresenta um programa no canal GNT, o
é o nome por trás do badalado restaurante Altar Uma Senhora Panela. Recebe amigos para cozi-
Cozinha Ancestral, que tem unidades na capital nhar e conversar – quando são artistas, rolam até
pernambucana e em São Paulo. pocket shows.
Ex-vendedora de plano de saúde, teve o apoio Reduto de famosos e apreciadores da boa comida,
de pessoas próximas para conseguir os R$ 15 mil a unidade paulistana tem também como sócias a em-
necessários para abrir o empreendimento de 35 lu- presária Fátima Pissarra e a cantora Luísa Sonza.
gares no bairro recifense de Santo Amaro. Ganhou O restaurante segue a linha da casa pernambu-
clientes e mudou-se para um espaço maior. cana: alimentar o corpo, a alma e o conhecimento
Durante a pandemia, mais uma vez, recebeu au- sobre cultura afro-brasileira.
xílio de amigos para manter o local fechado por Com 90 lugares, tem equipe composta por 70%
oito meses, sem dispensar funcionários. Naquela de profissionais pretos. O faturamento gira em tor-
época, outra oportunidade surgiu: Virginia, que no de R$ 800 mil.

TEXTO GLAU GASPARETTO FOTO DIVULGAÇÃO

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