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c    à à   []

   


Trad.: Sonia Regina Peixoto - Profa. Eliane Ventorim - Prof. Dr. Ricardo da Costa (Ufes)
Revisão e notas: Eliane Ventorim e Ricardo da Costa
Revisão gramatical: Profa. Larissa Brommonschenkel Soares

 

Primeira iluminura do manuscrito 387 do à à  da Universidad de Valencia (final do século


XIV). São duas cenas: à esquerda, a casa do poeta e seu despertar, exatamente como no texto; à direita, os
primeiros passos de seu sonho, quando encontra o rio (uma alegoria do rio da vida), que o poeta segue até
chegar ao jardim. Ele sente o desejo de sair porque é maio, mês da primavera no hemisfério norte, do início da
vida, quando as árvores ficam verdes e os pássaros cantam melodiosamente, enfim, o momento ideal para o
desabrochar do amor.

Alguns dizem que nos sonhos não existem senão engano e mentira, mas às vezes se podem ter sonhos que não
mentem e que, com o passar do tempo, revelam-se verdadeiros. Para demonstrar isso, apresento um autor que
se chamava Macróbio: ele não tomou os sonhos como brincadeiras, pelo contrário, escreveu uma obra sobre o
sonho que teve o rei Cipião. []

Apesar de tudo, se alguém pensa ou diz que é loucura e ignorância acreditar naquilo que sonhou, quem assim
considera, que me tenha por louco, pois sei que o sonho adverte o bem e o mal que acontecerá às gentes. Além
disso, são muitos os que durante a noite sonham coisas obscuras, as quais depois se apresentam com clareza.

No vigésimo ano de minha vida, idade em que o amor cobra imposto aos jovens, uma noite me deitei, como
de costume, e dormi profundamente. E tive um sonho formosíssimo que muito me agradou: não houve nada
que depois não tenha ocorrido tal e qual o sonho me mostrara. Agora desejo contá-lo em versos para agradar
aos corações [], pois assim me pede e ordena o Amor.

Se alguém deseja saber como deve ser chamado o Livro que agora inicio, ele se chamará „à  à ,
e nele estão contidas todas as artes do Amor. O assunto é bom e novo; Deus queira que o receba com gosto
aquela por quem inicio essa obra: ela vale tanto e é tão digna de ser amada que deve se chamar Rosa. []

Parecia maio, faz cinco anos pelo menos. Sonhei que era maio, tempo de amor e de prazer, tempo em que tudo
se alegra: os arbustos e as sebes [] se cobrem de folhas nesse mês. Os bosques recobram seu verdor, pois se
mantiveram secos durante o inverno; e a mesma terra sente orgulho pelo orvalho que a molha, esquecendo a
pobreza em que ficara durante o inverno. A terra se torna tão vaidosa que deseja usar um vestido novo, e isso
não é difícil, pois ela dispõe de cem pares de cores: a erva, as flores violetas, azuis e de muitos tons distintos ±
tal é o vestido que vejo que utiliza a terra para embelezar-se.

Os pássaros que haviam permanecido calados enquanto fazia frio e quando o tempo era hostil e rigoroso, com
a chegada de maio, com o bom tempo, ficam tão contentes que mostram com seu canto o prazer que têm no
coração, e se vêem impulsionados a cantar. Então, o rouxinol [Ë] se esforça com seus silvos e gorjeios e
também o papagaio e a calhandra [ ]. É o momento em que os jovens começam a ficar contentes e a se
enamorar, graças ao suave e doce tempo. Pois aquele que em maio não ama, tem um coração muito duro, pois
ouve em vão os pássaros que cantam nos ramos.

 

Existem vários tipos humanos que não podem cruzar o muro do ù     . São figuras alegóricas das
atitudes que o poeta não deve ter se deseja se apaixonar. As figuras estão pintadas do lado de fora do Jardim
para que todos conheçam quais são os vícios rechaçados pelo amor: todo aquele que deseja ingressar e formar
parte da milícia do amor deve esquecê-los e nunca praticá-los. Algumas dessas alegorias são oriundas de
Prudêncio, outras foram elaboradas por Guilherme de Lorris, que se baseou na tradição existente sobre a
poesia amorosa. Da esquerda para a direita: a  (o maior crime do mundo feudal, pois rompia com
todos os compromissos da vassalagem), a  ! (de azul) e a " (alegoria de forte conteúdo
moral, pois era unida à avareza, à covardia e à infidelidade), o oposto da cortesia.

Nessa época tão agradável, em que todo ser vivo se esforça para amar, certa noite sonhei que me encontrava
[#]. Enquanto dormia, pareceu-me que era muito cedo. Levantei-me da cama, calcei-me e fui lavar as mãos.
Depois, peguei uma agulha de prata de uma alfineteira formosa e bela, e me dispus a costurar. Então, me veio
um desejo de sair da cidade para escutar os gorjeios dos pássaros que cantavam alegremente nos bosques pela
chegada da nova estação. Assim, enquanto costurava o bordado, deleitava-me, escutando as avezinhas que
cantavam nos jardins que começavam a florescer.

Alegre, contente e cheio de prazer, dirigi-me a um rio que ouvia próximo dali, pois não me ocorria um lugar
melhor para me distrair do que as margens daquele rio. A água caía de uma colina próxima com força e
ímpeto. Era clara e tão fria como a do poço ou da fonte. O rio era um pouco menor que o Sena, porém mais
largo. Até então, eu nunca vira este rio tão agradável. Sentei-me para contemplar aquele lugar aprazível,
refresquei-me e lavei o rosto com aquela água transparente e clara. O fundo era coberto e empedrado por
pequenos cascalhos e a margem banhava um prado formoso e belo. A manhã era ensolarada, tranqüila e
luminosa. Fazia um dia agradável. Através do prado, junto à margem do rio, fui descendo o curso de água.

Em pouco tempo deparei-me com um grande e alegre jardim completamente rodeado por um muro alto. A
parte externa da parede tinha desenhos, esculturas e títulos ricamente pintados. Com grande prazer contemplei
essas figuras e imagens, que irei contar e descrever tal como as recordo.

No centro vi a  !. Ela dava a impressão de estar triste, aflita e de ser perversa; parecia evidente
que desejava provocar e molestar, porém se mantendo oculta a todos. Parecia uma mulher pobre, porque não
estava bem vestida. Tinha o semblante enrugado e franzido, e seu nariz era chato. Essa horrível e depreciável
mulher cobria-se com um véu.

Ao seu lado esquerdo havia uma figura de aspecto diferente; li o nome que tinha na cabeça: chamava-se
.

 

Para poder desfrutar da vida cortesã simbolizada pelo ù     seriam necessárias certas qualidades
morais, além de dons naturais e meios de fortuna suficientes. Esta é a razão pela qual às figuras ficam do lado
de fora do Jardim. Aqui o poeta contempla a c$%, como no texto, com uma bolsa de moedas em uma das
mãos e as roupas rasgadas.

À direita, vi uma imagem que tinha o nome de ": era semelhante às outras duas, tanto no aspecto quanto
na forma. Como era insolente, dava a impressão de ser uma má e louca criatura, disposta a causar danos e a
falar mal de todos. Eu saberia pintar e retratar muito bem o que fazia tal imagem, pois ela parecia realmente
uma coisa vil, como se estivesse cheia de injúrias e fosse uma mulher pouco disposta a prestar honra a quem
devia.

A seguir, estava pintada a ë&!, aquela que incita as gentes a tomar, a não dar nada, a juntar grandes
riquezas; é quem faz com que muitos emprestem com usura, pois está sempre querendo reunir e juntar bens; é
quem aconselha aos ladrões e aos malfeitores para que se ponham em movimento. Ela é um grande erro e uma
grande desgraça, pois através dela muitos acabam sendo enforcados. A ë&! é quem faz tomar as coisas dos
outros, roubar, usurpar e vender mal, diminuir e enganar nas contas; é a criadora dos trapaceiros, dos
charlatães que, seguindo seu conselho, privam donzelas e jovens de suas justas heranças. Esta imagem tinha as
mãos encurvadas e retorcidas ± é lógico ser assim, pois a ë&! sempre se esforça em tomar o bem alheio
sem escutar razões, já que gosta demasiadamente do que é dos outros.

Ao lado da ë&! havia outra figura, chamada Avareza: era feia, suja, magra, fraca e de má aparência, verde
como um alho-poró ['], tão pálida que parecia doente e morta de fome ou que vivia somente de pão amassado
com água sanitária forte e abrasadora. Além de estar fraca, vestia-se pobremente: trazia uma cota velha,
destroçada e cheia de remendos, como se houvesse sido jogada aos cachorros. [] Ao seu lado, pendurada em
uma fraca presilha, estava seu manto e uma cota parda. O manto não era de boa linhagem: era de má
qualidade, desgastado, de lã negra, aveludada e pesada. A cota devia ter mais de vinte anos, mas a c$%
não se preocupava com suas vestes. Ela não sentiria muito por esse traje, ou porque estava usado, ou porque já
não lhe servia, já que necessitaria de um vestido novo; pois a c$%, aquela que não gosta de gastar, prefere
passar grande penúria a fazer isso.

 

A (%, representada por uma jovem mulher enferma que arranhou o próprio rosto, descabelou-se e feriu
os seios à mostra com as próprias unhas.
Ela havia escondido na mão uma bolsa costurada e fechada com tanta força, que se passaria um bom tempo
antes de se tirar algo dela, embora isso lhe importasse pouco, pois ela não tinha a intenção de tirar nada da
bolsa.

A seguir, estava pintada a ÿ$), que nunca havia sorrido em toda a sua vida, e nunca havia se alegrado por
nada, a não ser por ter visto ou escutado alguém contar uma grande desgraça: nada a agradava tanto quanto a
dor e a calamidade. O que ela mais gosta é de ver que um grande infortúnio caiu sobre uma pessoa próxima.
Então, ela alegra seu coração da mesma forma quando vê uma grande linhagem ser destruída ou insultada.
Contudo, se contempla alguém que cresce em honra graças ao seu bom senso e por seus próprios méritos, isso
é o que mais lhe fere, pois se entristece quando acontece algo bom.

A ÿ$) é tão cruel que não mantém a lealdade com seus companheiros e não admite companheirismo; ela é
inimiga de todos os seus familiares, pois certamente não deseja o bem nem para o seu pai. Contudo, é certo
que ela paga caro por sua maldade, pois sofre tanto e sente tanta dor quando as pessoas fazem o bem, que
pouco falta para se desmanchar. Desse modo, seu coração traidor a golpeia, e então Deus e os homens podem
se vingar.

A ÿ$) nunca deixa de falar mal dos outros: se conhecesse o mais nobre de todos que existe desse lado do
mar ou do outro, ela tentaria ofendê-lo; e se fosse um homem tão íntegro que ela não conseguisse fazê-lo cair
de seu mérito, nem derrubá-lo, ao menos lhe agradaria diminuir seu valor e sua honra, falando dele o menos
possível.

Na pintura vi que a ÿ$) tinha um olhar mau, pois não olhava de frente, somente de soslaio, dissimulando;
esse era um mau costume seu, não contemplar nada abertamente, pelo contrário, só fechava um olho com
desprezo, desdenhando e ardendo de raiva ao ver alguém nobre, formoso ou gentil, querido e estimado por
todos.

 

A ÿ$), com a longa mão direita no coração para mostrar o sofrimento que sente quando se faz o bem.
Repare que as imagens crescem em tamanho à medida que são apresentadas, indicativo da grandeza do mal
que a ÿ$) provoca na Terra.

Junto à ÿ$), bem próxima dela, a (% estava pintada no muro: pela cor, parecia que levava luto no
coração, e dava a impressão que padecia de icterícia []. A c$% não a superava nem em palidez, nem em
fraqueza, pois a aflição e a pena, a preocupação e os enjôos que sofria dia e noite haviam feito com que
perdesse a cor e ficasse magra e pálida. Ninguém nunca teve um sofrimento e uma dor semelhantes a que ela
parecia ter. Acredito que ninguém seria capaz de fazer com que ela se alegrasse; ela tampouco queria se
regozijar e aliviar com nada a dor que sentia em seu coração, pois o tinha demasiadamente triste, e seu penar
havia se enraizado profundamente.

Bem se via que estava aflita, pois há pouco tempo havia arranhado seu rosto, dilacerando-o em muitos
lugares, como quem está triste. Tinha os cabelos despenteados e soltos sobre o colo, revolvidos pela pena e
pela aflição. Estou seguro que ela chorava amargamente: quem quer que a visse, por mais duro que fosse,
sentiria uma grande misericórdia por ela, que continuamente se arranhava, se golpeava e se maltratava com os
punhos.

A infeliz, a pobre, mostrava bem a sua dor e não se preocupava em se alegrar, em bailar ou dançar, pois quem
tem o coração aflito sabe que não tem vontade de se deleitar com a dança e com o baile. Aquele que está triste
não se abranda com a alegria, pois o gozo e a aflição lhe são contrários.

Logo depois, estava retratada a " , um passo atrás do lugar que deveria ocupar, pois ela mal se mantinha
em pé, de tão velha e maltratada. Sua beleza havia murchado, tornara-se muito feia. Tinha a cabeça velha e
branca, como se os cabelos tivessem florescido. Meu Deus, sua morte não seria uma grande perda nem uma
grande desgraça, pois todo o seu corpo havia secado e se enrugado pela idade. Seu rosto, cheio de rugas,
outrora fora suave e liso; agora estava repleto de cicatrizes. Suas orelhas eram cabeludas e não lhe restava
nenhum dente, pois havia perdido todos. Era tão velha que parecia que não podia andar quatro passos sem a
ajuda de muletas.

O tempo, que corre noite e dia sem pausa nem repouso, passa por nós tão silenciosamente que por um
momento acreditamos que ele se deteve, quando na verdade nunca descansa nem deixa de correr, de forma
que não se pode pensar que existe o presente; e, se perguntares a um homem douto nas letras, antes que ele
tenha respondido, haverá transcorrido três tempos. O tempo, aquele que não pode ser detido e que sempre
avança sem voltar, como a água que flui sem que regresse uma gota; o tempo, a quem ninguém resiste, nem o
ferro, nem qualquer outro objeto duro; o tempo, que faz com que as coisas cresçam depressa, que rapidamente
cria e tudo destrói e faz apodrecer; o tempo, que envelheceu nossos pais, que envelheceu prematuramente reis
e imperadores, e que todos nós tornará velhos e adiantará nossa morte; o tempo, que tem o poder de
envelhecer todas as coisas, a havia envelhecido tanto que, em minha opinião, fez com que ela não pudesse
amparar-se sozinha, e assim, a fez retornar à infância, pois não tinha mais capacidade, nem força e juízo que
um menino de um ano de idade. Embora, segundo creio, ela tivesse sido discreta e culta quando estava na
idade madura, nada havia lhe restado e ficara atordoada.
 Ë

A "  usa um cajado para se apoiar e tem o corpo recoberto por um longo manto azul, pois sente frio. Ela
é o exato oposto do amor, que é uma paixão ardente. Portanto, a "  também está proibida de entrar no
ù     .

Ela trazia uma capa forrada ± se não me recordo mal ± com a qual se abrigava muito bem e cobria seu corpo.
Devia ser um manto quente, caso contrário, teria morrido, pois os velhos sentem frio, sabei-o, tal é sua
natureza.

Atrás dessa imagem havia outra representada, e que manifestava claramente sua falsidade: chamava-se
ƒ . É ela que, mantendo-se oculta, quando ninguém pode se defender, faz todo o tipo de dano, sem
nunca se preocupar. Externamente, parece mover-se pela compaixão, tem aspecto simples e piedoso, e parece
uma santa criatura; porém, sob o céu não há desgraça que em seu íntimo não tenha imaginado.

A imagem que a representava se parecia muito com ela, pois tinha um aspecto simples: estava calçada e
vestida como uma mulher devota; na mão levava um saltério e, sabei-o, esforçava-se em oferecer a Deus
falsas orações, invocando santos e santas. Não estava alegre, nem contente, parecia inclinada somente a fazer
boas obras. Vestia um tecido áspero de lã e não era gorda, pelo contrário, dava a impressão de que estava
cansada de jejuar, por causa de sua cor pálida e moribunda.

A ela e aos seus estava proibida a entrada no Paraíso, pois segundo o Evangelho, este tipo de gente afina seu
rosto para ser enaltecido na cidade. Por isso, por obterem um pouco de vanglória, serão privados de Deus e de
Seu reino.

Por último, estava retratada a &%, que carecia de bens e que havia sido pintada desnuda como um verme,
pois havia vendido seus vestidos. Se a estação fosse outra, penso que morreria de frio, pois tinha somente um
saco velho forrado com pedaços de pele ± tal era sua cota e seu manto ± não trazia mais nada para vestir e
tiritaria muito de frio. Ela se mantinha um pouco afastada das demais, como um pobre cão num canto;
encolhia-se e se cobria, pois qualquer coisa miserável sempre sente vergonha e despeito, esteja onde estiver.
Maldita seja a hora em que foi concebido um pobre! Ele nunca será bem alimentado, nem bem vestido e
calçado, ninguém o quererá, e ele não receberá elogios!
Tal como contei, essas eram as imagens que se viam por toda a parede, pintadas de ouro e de azul. O muro era
alto e tinha uma forma quadrada; dentro havia um jardim onde ninguém nunca havia entrado, nem mesmo um
pastor. O lugar era magnífico. Eu ficaria muito agradecido se alguém me levasse lá para dentro mediante
escadas ou escadarias, pois, em minha opinião, não se poderia encontrar um gozo ou uma alegria semelhantes
às que havia naquele jardim. O lugar não estava disperso nem era tacanho para abrigar aves. Nunca houve um
espaço tão rico de árvores e de pássaros cantores ± ali havia três vezes mais que em todo o reino da França.



 é o primeiro personagem que o poeta conhece e que vive no interior do ù  . Ela tem um espelho
em uma das mãos, que pode ser associado à luxúria, já que é um atributo de Vênus, e  é sua
representação, embora na tradição de André Capelão (séc. XII), a luxúria está descartada do amor cortês [].
Quando  mostra o espelho ao poeta, está lhe ensinando o reflexo do mundo que existe dentro do
Jardim, sendo, portanto, também a representação da água (o rio do início do poema). Além disso, associa-se
com o mito de Narciso, que surgirá adiante no texto. Com a aparição de , o poeta se insere na tradição
da poesia amorosa, pois Ovídio diz que devemos fugir da ociosidade para evitar as flechas de Cupido [],
idéia adotada também por André Capelão.

Era muito agradável ouvir a harmonia de seus cantos, pois alegravam todo o mundo. Regozijei-me tanto que,
se estivesse livre, não aceitaria cem libras para não ver a reunião dos pássaros que ali dentro cantavam danças
de amor e notas agradáveis, formosas e belas, com muito gozo. Que Deus os salve!

Ao ouvir o cantar dos pássaros, comecei a pensar de que maneira ou com que astúcia eu poderia entrar no
jardim. Não encontrei nenhum lugar para passar: sabeis que ignorava se havia uma entrada, um caminho ou
uma trilha; não havia ninguém que pudesse me guiar, já que estava só. Encontrava-me derrotado e muito
triste, até que, por fim, entendi que em um pomar tão formoso como aquele não haveria uma porta, escada ou
qualquer outra forma de entrada. Então dei a volta muito depressa ao redor da construção e do muro quadrado,
até que encontrei um portão pequeno e estreito que estava bem fechado. Não havia nenhum outro lugar de
entrada. Parei de procurar e chamei à porta. Chamei e bati bastante; muitas vezes prestei atenção se ouvia
chegar alguém.

Por fim, uma donzela nobre e formosa abriu o portão, que era de carpelo. [] Essa donzela tinha os cabelos
loiros como uma bandeja de cobre, seu rosto era mais doce que um pequeno pintinho, sua fronte brilhava,
tinha as sobrancelhas arqueadas e bem separadas, amplas e bem proporcionais, seu nariz era bem-feito e seus
olhos eram vivos como os de um falcão. Para dar inveja aos loucos, tinha um vigor doce e agradável, um rosto
branco e escarlate, uma boca pequena e carnuda e uma pequena cova no queixo; seu colo era bem
proporcional e a pele era mais suave que um velocino [], sem cravos ou espinhas ± daqui até Jerusalém não
havia mulher com o colo mais charmoso, pois o dela era reluzente e muito suave ao tato; seu pescoço era tão
branco que parecia como a neve recém caída sobre os galhos das árvores.

Seu corpo era elegante e esbelto: era inútil buscar em outras terras um corpo feminino mais belo. Trazia uma
formosa auréola de seda e ouro. Nunca houve uma donzela tão elegante, nem que se vestisse melhor; bem a vi
e a contemplei. Sobre a auréola de seda e ouro ela trazia uma guirlanda de rosas frescas [Ë]; tinha na mão um
espelho, e na cabeça um rico fixador prendia seu cabelo trançado. Para dar maior elegância, as duas mangas
de seu vestido estavam costuradas, e para evitar que suas mãos brancas se sujassem, ela usava luvas também
brancas. Vestia uma cota de rico tecido verde de Gand [ ], com um cordãozinho bordado em volta. Por seu
aspecto, bem se via que tinha pouco o que fazer. Penteando-se, vestindo-se e preparando-se: era assim que
passava o dia. Para ela, fazia sempre bom tempo e era sempre maio, pois nada a preocupava nem a inquietava,
a não ser se arrumar com elegância.

Quando a donzela de corpo formoso abriu o portão, com bons modos lhe dei graças, e lhe perguntei como se
chamava e quem era. Ela não se mostrou altiva nem desdenhosa ao responder:

± Sou chamada  por meus conhecidos. Sou uma mulher rica, afortunada, e levo uma vida agradável,
pois com nada me ocupo senão gozar e desfrutar, pentear-me e fazer-me tranças. Sou amiga íntima de %,
o jovem, o agradável, dono deste formoso jardim: ele trouxe da terra de Alexandria as árvores que aqui estão
plantadas. [#] Depois, quando elas cresceram, fez construir ao redor do pomar o muro que vistes e ordenou
que pintassem na parte externa as imagens que há, que não são nem belas, nem agradáveis, mas dolorosas e
tristes, tal como acabais de ver. Muitas vezes vêm aqui para se divertir e ficar à sombra. % e seus
seguidores, que vivem em contínuo gozo e alegria. Agora % deve estar aqui dentro, escutando o canto dos
rouxinóis, dos melros ['] e de outros pássaros; ele se entretém e se distrai nesse pomar com suas gentes. Não
poderia encontrar um lugar mais belo, nem um lugar melhor para desfrutar. Sabeis que as gentes mais
formosas que poderíeis ver são os companheiros de %, que os traz a seu lado e os guia.

Quando Ociosa terminou de falar, eu, que escutava com atenção, disse-lhe:

± Senhora , não me leve a mal: já que %, o belo, o nobre, está aqui nesse pomar com suas gentes,
gostaria, se pudesse, de estar em sua reunião nessa mesma tarde. Tenho que ir, pois penso que a visão deve ser
agradável e creio que os participantes serão corteses e bem educados.

Sem dizer mais nada, entrei no pomar pela porta que  abrira. Quando estive dentro, senti-me alegre,
contente e gozoso; encontrava-me como no Paraíso Terreno, estejais certo. O lugar era tão agradável que
parecia coisa própria do espírito e, segundo me parecia, em nenhum paraíso se poderia estar tão bem como
naquele pomar que tanto me aprazia.
 #

, coroada, segura o poeta pelo pulso e assim ele entra no ù     (na cena, a figura do poeta se
repete para demonstrar os dois momentos). Nesse segundo momento (à direita), ele ingressa no mundo cortês,
já que o ù   é a representação ideal de um microcosmos: tanto a vegetação quanto os pássaros são
manifestações do amor, e o ù   é o     da literatura medieval, reflexo imperfeito do Paraíso,
natureza domesticada e refúgio do mundo nobiliárquico. A tradição literária do ocidente registra a estória
desse tema, desde a Bíblia até André Capelão, passando por Guilherme de Lorris
(      ).

Havia numerosos pássaros cantores reunidos por todo o jardim: em um lugar havia rouxinóis, em outro, gaios
[] e estorninhos []; e, em outros lugares, havia bandos de pombas-rolas e estrelinhas-de-poupa [], de
pintassilgos [], de andorinhas, de cotovias e de chapins. [] Mais adiante, havia muitas cotovias que já
estavam cansadas de competir no canto e, com elas, havia melros e tordos [] que tentavam superar os outros
pássaros com seus silvos. Em outro lugar, havia papagaios e muitas aves que, nos jardins e bosques que
habitavam, deleitavam-se com seu belo canto. [Ë]

Os pássaros de que estou falando faziam um bom trabalho, pois cantavam como se fossem anjos
espiritualizados e, ao ouvi-los, eu me alegrava, pois nenhum homem vivo ouviu antes uma melodia tão doce.
Era um canto tão agradável e formoso que não parecia de pássaros, e sim com o canto das sereias do mar,
chamadas assim por suas vozes puras e doces.

Os passarinhos estavam atentos ao canto, pois esteja seguro de que não eram nem aprendizes nem ignorantes.
Ao ouvi-los e ao ver o verdor do lugar, fiquei muito alegre, mais do que havia ficado até então; e, pela
amenidade do jardim, me enchi de gozo a tal ponto que me convenci de que  me havia servido bem,
proporcionando-me tal bem-estar. Eu devia tê-la como amiga, já que me abriu a porta daquele bosque cheio de
árvores.

E agora, conforme meus conhecimentos contar-vos-ei tudo o que aconteceu. Mas antes de tudo, dir-vos-ei o
que % estava fazendo e quem eram seus acompanhantes, mas sem me estender em demasia. Depois,
descrever-vos-ei o bosque sem ocultar nada. Não posso fazê-lo todo de uma vez e, por isso, vou contar
ordenadamente, para que não possam me censurar nada.

Os pássaros cumpriam seu dever doce e agradável, cantando   de amor e canções corteses, uns com voz
alta, outros em tom baixo. [ ] O canto não era nada depreciável, e a melodia conseguiu que a doçura voltasse
a brotar em meu coração. Depois de escutar um pouco os pássaros, não pude resistir aos meus desejos de estar
diante de % para ver seu aspecto e contemplar sua pessoa. Sem deter-me, fui à direita, por uma pequena
trilha cheia de erva-doce e de menta, e não demorei em encontrar o %, pois estava no bosquezinho em que
me meti. Ali estava se distraindo com pessoas de tanta beleza que, ao vê-las, perguntei-me de onde poderiam
ter vindo, pois eram como anjos com asas: nunca vi jovens mais belos. Puseram-se a bailar ao coro e ao som
das canções que lhes cantava uma dama chamada c.

 '

Nesta cena há alguns dos personagens que vivem no ù     . Todos estão dançando (como o grupo à
esquerda, liderado pelo Ô  c, ou a dupla acima, também à esquerda) ou tocando um instrumento. A
música representa a luxúria, assim como o macaco acorrentado aos pés do jogral (as correntes podem
significar que a luxúria está controlada pelos padrões sociais do amor cortês). A luxúria também se manifesta
- e mais claramente - nas sensuais carícias e beijos trocados entre duas damas (uma de azul, outra de
vermelho).

c cantava bem e de forma muito agradável; ninguém entoaria os estribilhos melhor nem com mais
elegância; ela cantava extraordinariamente bem, com voz clara e pura; e, além disso, movia-se com
habilidade, lançava os pés de forma educada e surgia no momento oportuno: estava acostumada a cantar
sempre a primeira ± e esse era o trabalho que fazia com mais gosto.

Ali vós os veríeis dar voltas, dançando com graça em belos círculos sobre a grama fresca. Ali, vários
flautistas, menestréis e jograis cantavam ritornelos [#] e canções de Lorena, pois, de todos os reinos, é em
Lorena onde se fazem as mais belas canções. Havia inúmeras mulheres que tocavam as castanholas e o
pandeiro com habilidade, que não paravam de lançar o pandeiro ao ar e o pegarem sem nunca errar. %
fazia com que as moças, muito formosas, dançassem no meio da roda. Elas vestiam somente a cota e tinham
seus cabelos presos com uma trança. Não é necessário cantar a elegância com que dançavam: uma se
aproximava da outra e, quando estavam juntas, aproximavam suas bocas parecendo que se beijariam no rosto.
Sabiam se mover muito bem.

Não sei mais o que vos dizer; por mim, nunca sairia dali enquanto aquelas gentes continuassem com seus
bailados e danças.
De pé, contemplei a roda até que veio a mim uma alegre dama: era ë, apreciável e afável. Que Deus a
livre de todo o mal!

Docemente ela se dirigiu a mim:

± Bom amigo, que vós fazeis aqui? Venhais e tomais parte na dança conosco, se assim quiserdes.

Sem tardança nem demora juntei-me à roda, contente por ë ter suplicado e pedido que bailasse, pois
estava desejoso e com vontade de dançar, embora não me atrevesse a fazê-lo. Assim, contemplei os corpos, as
formas, os rostos, o aspecto e as maneiras dos que estavam dançando ± e vou descrevê-los.

% era belo, alto, esguio: não encontrareis homem mais formoso. Seu rosto era como uma maçã, rosado e
branco em volta; era elegante e de boa aparência; tinha os olhos verdes, a boca formosa, o nariz bem feito,
reto; seus cabelos eram louros, encaracolados; tinha os ombros largos e a cintura estreita: parecia uma pintura,
de tão formoso e elegante que era e por ter os membros bem formados. Em seus movimentos era hábil e ágil;
não conhecerás ninguém mais ligeiro; não tinha barba nem bigode, mas um buço incipiente, pois era um
jovem rapaz. Trazia seu corpo vestido com um tecido de seda bordado com pássaros, todo lustrado de ouro;
seu traje tinha muitos adornos, pois estava elegantemente alisado e cortado em vários lugares. Estava calçado
com grande perfeição, com sapatos de cadarço, feitos sob medida. Por amor e como uma forma de
agradecimento, sua amiga lhe havia feito uma coroa de rosas que lhe caía muito bem. ['] Sabeis quem era
sua amiga? Era c, que não odiava ninguém, sempre estava contente e cantava muito bem; desde que
tinha somente sete anos ela lhe havia declarado seu amor.

% a segurava pelos dedos no meio da roda e ela também o segurava. Faziam um bonito par, pois ele era
formoso e ela também. Pela cor de sua delicada pele, que se poderia ferir com um pequeno espinho, ela
parecia uma jovem rosa. Tinha a fronte formosa e ampla, sem rugas; sobrancelhas morenas e arqueadas; olhos
alegres e tão vivos que sempre começavam a sorrir antes de sua pequena boca. Não sei o que dizer de seu
nariz: não se poderia fazer um melhor com cera. Tinha a boca pequenina e sempre disposta a beijar seu amigo;
sua cabeça era loura e reluzente. Que mais vos posso dizer? Ela era bela e elegante; enfeitava-se com um fio
de ouro, e trazia um chapéu novo, de seda e de ouro. Eu, que tenho visto muitos penteados, nunca vi um tão
bem feito. Vestia seu corpo e o cobria com um tecido de seda dourado: sentia-se orgulhosa por seu amigo usar
um tecido igual.

A seu lado estava o Ô  c, que a seu desejo distribui paixões. É ele quem faz justiça com os
enamorados, é ele quem abate o orgulho das gentes, fazendo do senhor, servidor, e das damas, criadas ±
quando as encontra demasiado soberbas.

Por seu aspecto, o Ô  c não parecia um rapaz vulgar, e era apreciado por sua beleza. Para contar
como estava vestido, eu temo estar em dificuldades, pois não trazia traje de seda, mas de florzinhas, feitas por
delicados amores. Era um vestido de xadrez adornado por todas as partes com losângulos, aves, leões,
leopardos e outras classes de animais; para maior abundância de cores, tinha muitos tipos de flores, que
haviam sido colocadas ali com grande arte.

Não havia flor que nascesse no verão e que não estivesse ali: giesta [] e violeta, flores brancas e negras,
amarelas, azuis e verdes; todas estavam ali, tal era sua variedade. Em algumas partes estavam misturadas
pétalas de rosas grandes e cheias. Na cabeça trazia uma grinalda de rosas, mas os rouxinóis que voavam ao
redor faziam cair as pétalas.
Ele mesmo estava rodeado de pássaros, oriolídeos [], rouxinóis, calhandras e chapins-reais []: parecia um
anjo que acabara de cair do céu. Ao seu lado havia um jovenzinho que mantinha perto de si e que se chamava
Ô  .

Esse rapaz contemplava a dança guardando para o Ô  c dois arcos turcos []: um era feito com a
madeira de uma árvore cujos frutos são amargos e estava cheio de nós e protuberâncias por todas as partes;
ainda, era mais negro que a amora. O outro era feito de uma madeira delicada e flexível; era largo e com uma
bela forma; estava bem talhado e moldado, e tinha abundantes adornos: nele havia pinturas que representavam
damas de todas as categorias e jovens alegres e elegantes.

Tais eram os arcos que carregava Ô  . Além disso, ele não parecia um rapaz vulgar, já que guardava
dez flechas de seu senhor e tinha cinco delas na mão direita. Essas estavam pintadas de cor ouro, tinham penas
bem feitas e talhes perfeitos, pontas fortes, cortantes e agudas que podiam cravar-se sem dificuldade, mas não
eram de ferro nem de aço, pois não havia nada nessas flechas que não fosse de ouro, com exceção das penas e
da haste, que haviam sido colocadas em pontas cortantes com filetes.

 

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A melhor e mais rápida dessas flechas, a mais formosa, a que trazia a melhor pluma, chamava-se 8%. Uma
das que feria com maior facilidade recebera o nome de <   , segundo creio. Havia outra chamada
 %, que tinha uma pluma feita com valor e cortesia. A quarta flecha era muito pesada e não podia ir
muito longe: chamava-se ë; se utilizada em distâncias curtas, poderia causar graves danos. A
quinta se chamava 8  ; era a mais ligeira e produzia grandes feridas; é digno de compaixão aquele que é
alcançado por essa flecha, pois antes que se passe muito tempo verá sua saúde afetada com uma dor nada
pequena.

Havia cinco flechas de outro tipo, que eram muito feias. As hastes e pontas eram mais negras que o diabo do
Inferno. A primeira se chamava ; outra, que não era melhor, ", que estava carregada com o
veneno da traição; a terceira recebia o nome de ", e a quarta, de Ô. A última sem dúvida se
chamava  !  . Essas cinco flechas eram todas iguais em suas formas e parecidas entre
si. Caía-lhes muito bem um dos arcos, o que era feio, cheio de nós e de saliências: esse devia disparar tais
flechas. Seguramente tinham propriedades contrárias às outras, mas não vou dizer agora suas qualidades, nem
seus poderes: contar-vos-ei toda a verdade, não esquecendo o significado de cada uma delas ± pois isso é
importante ± e revelar-vos-ei antes de finalizar meu relato. Agora, voltarei ao que estava dizendo.

Vou contar o aspecto, os modos e o comportamento das nobres gentes que estavam dançando. O Ô 
c havia se aproximado muito de uma dama de elevada condição. Tinha escolhido bem sua companhia:
essa dama se chamava 8%, como uma das cinco flechas. Tinha todas as boas qualidades: não era de pele
escura, nem demasiado morena, mas brilhava como a Lua, aquela frente a qual as estrelas parecem tímidas
velas. Tinha a carne frágil como o orvalho, era cheia de pudor como uma recém casada e branca como o lírio;
seu rosto era suave e liso, estava um pouco delgada, era ágil e não havia se maquiado nem se pintado, pois não
tinha necessidade de se arrumar nem de se enfeitar [].

Tinha os cabelos lourinhos e longos até os calcanhares, um nariz bem feito, como os olhos e a boca. Em meu
coração entra uma grande doçura ± que Deus me ajude! ± quando me lembro do aspecto de cada um de seus
membros, pois não houve ainda mulher mais formosa no mundo. Para ser breve, direi que ela era muito jovem
e loura, agradável, afável, cortês e elegante, bem proporcionada e um pouco magra, gentil e alegre.

Ao lado da 8% estava a 9 %, dama de elevada posição, de grande valor e de reconhecido mérito.
Aquele que se atrevesse a causar-lhe dano ou aos seus por meio de ações ou palavras, teria que ser muito
valente e ousado, pois ela poderia prejudicá-lo ou beneficiá-lo muito: não é de hoje nem de ontem que os ricos
têm um grande poder para ajudar ou para prejudicar.

Todos ± grandes e pequenos ± tributavam honras à 9 %; todos se esforçavam em servi-la para merecer
mais suas recompensas; cada um a chamava de ³sua dama´, pois todos a temiam; o mundo inteiro estava sob
seu domínio. Em sua corte há muitos aduladores, muitos traidores e muitos invejosos: são os que buscam o
desprezo e a afronta para os amantes. Os aduladores elogiam as gentes quando estão em sua presença e
subornam todo mundo com palavras, mas logo cravam pelas costas suas mentiras até o fim, até os ossos: esses
aduladores têm obrigado muitos a fugir, fazendo com que se mantenham longe da corte muitos que deveriam
ser conselheiros particulares. Que sobrevenham abundantes males a esses fofoqueiros cheios de inveja!
Nenhum homem nobre ama sua vida.

9 % trazia um vestido de púrpura: não considereis exagero se vos digo e afirmo que jamais houve outro
assim tão belo, rico e elegante em todo o mundo. Estava cheio de adornos de passamanaria [] e tinha
desenhadas estórias de duques e reis com fios de ouro; trazia no colo uma fita de ouro e de esmaltes
enriquecida com abundantes pedras preciosas que irradiavam uma grande claridade. Riqueza trazia um
cinturão muito elegante: nenhuma dama alguma havia colocado um tão rico. Seu broche era feito de uma
pedra que tinha propriedades e virtudes extraordinárias, pois quem a levasse consigo não precisava temer
nenhum veneno, nem ser envenenado com nada.

Ela fazia bem estimar tal pedra, que valia para qualquer rico mais que todo o ouro de Roma. A fivela era de
outro tipo de pedra, que curava a dor de dentes com a virtude de que quem a contemplasse, por mais jovem
que fosse, ficaria salvo o resto da vida. Os detalhes no tecido dourado eram de ouro puro: grossos e pesados, o
valor de cada um deles era, no mínimo, de um besante. [Ë]

Sobre as tranças louras ela trazia um diadema de ouro: até então nunca vira um tão formoso, em minha
opinião. Era de ouro retorcido. Seria muito hábil na descrição aquele que fosse capaz de vos contar ou
descrever as gemas que havia nele: seria impossível calcular o valor das pedras que estavam engastadas no
ouro. Ali havia rubis, safiras, jacintos e mais de duas onças de esmeraldas [ ]; o diadema tinha por toda a
parte da frente um rubi engastado com grande habilidade: esse emitia tanta luz que quando anoitecia podia ser
visto a uma légua de distância, e saía tal claridade da pedra que 9 % tinha seu rosto e sua face
resplandecida, e ao seu redor tudo ficava iluminado.

Ela estava de mãos dadas com um rapaz extraordinariamente belo, que era seu verdadeiro amigo. Era um
homem que prazerosamente se entretinha em cuidar bem de seus pertences: calçava-se e se vestia com
esmero, tinha valiosos cavalos, pois preferia ser acusado de assassinato ou latrocínio que ter rocinantes ruins
em seu estábulo. [#] Por isso, estimava muito a elegância e a benevolência de 9 %, pois estava sempre
pensando em ter grandes gastos: ela os mantinha e o sustentava, dando-lhe tantos bens como se os tirasse de
um celeiro.

A seguir vinha a   , que era bem educada, sabia agradar as gentes e gastar muito. Era da linhagem
de Alexandre ['], e nada lhe causava maior prazer que dizer ³toma´. c$%, a ?  , não estava tão
disposta a receber como    a dar. Deus fazia crescer suas riquezas, de modo que quanto mais
dava, mais tinha. Grandes eram os méritos e a fama de   : ela tinha à sua disposição tanto sábios
quanto loucos, pois a todos havia conquistado com seus dons. E se houvesse alguém que a odiasse, com seus
muitos favores ela conseguiria ganhá-lo como amigo. Por isso, os ricos e os pobres a amavam.

Muito louco está o homem de elevada condição que é tacanho, já que esse é o pior vício que se pode ter: o
avaro não conquistará nunca nem senhorios, nem grandes terras, porque não tem amigos o suficiente para
cumprir seus desejos. Aquele que quiser ter amigos, não deve apreciar muito seus bens, já que ganhará amigos
com bons presentes, pois do mesmo modo que o ímã atrai o ferro com facilidade, o ouro e a prata atraem o
coração das gentes que se presenteia.

   trazia um vestido novo, de púrpura sarracena. Seu rosto era formoso e bem feito; trazia o colo
à mostra, pois acabara de presentear seu broche ali mesmo a uma dama. Mas não lhe ficava mal ter seu colo
descoberto, pois deixando a garganta à vista, por debaixo da camisa sua pele suave ficava às claras.
  , a ?  , a ? , estava acompanhada por um cavaleiro da linhagem do bom rei Artur
da Bretanha. [] Esse cavaleiro sustentava um estandarte de valor e uma bandeira; e tinha tal fama que suas
histórias eram e continuam sendo cantadas diante de reis e de condes. O cavaleiro acabava de regressar de um
torneio em que havia realizado grandes proezas e numerosos combates por sua amiga; destruíra muitos elmos
verdes, tinha atravessado inumeráveis escudos com seu brocal e derrubado muitos cavaleiros, vencendo-os
graças à sua força e ao seu valor. []

A seguir estava a  %, que não era nem morena, nem de cor amarelada, era mais branca que a neve.
Não tinha o nariz chato como os de Orléans, pelo contrário, possuía um nariz longo e reto; seus olhos eram
verde-claros, alegres, com sobrancelhas arqueadas, cabelos louros e longos; era mais singela do que uma
pomba. Tinha um coração doce e cheio de amabilidade: não se atrevia a dizer ou fazer nada indevido contra
ninguém. Se conhecesse um homem que se sentisse atormentado e desejoso de tê-la como amiga, penso que
não tardaria em se compadecer dele, pois seu coração era tão misericordioso, tão doce e tão amável, que se
alguém sofresse por ela sem que ela lhe prestasse ajuda, pensaria estar cometendo uma grande vilania.
Trazia um vestido que não era nada rústico: não havia outro tão rico até Arras []; estava tão bem cortado e
costurado que não havia uma só ponta que não estivesse em seu lugar certo. Muito bem vestida estava
 %, pois não havia vestido melhor para as donzelas do que o que ela usava: a mulher fica mais
elegante e atraente com um vestido com cota como aquele. O vestido, que era branco, indicava que a pessoa
que o vestia era doce e sincera.

Atrás dele estava ë, que era muito estimada por todos, pois não era nem orgulhosa nem louca. Foi ela
quem me chamou para dançar quando chegara ali, e eu a agradeço por isso. Ela não era ingênua nem sombria,
era prudente e discreta, sem insolência, de boas respostas e palavras agradáveis; ninguém a contrariava e com
ninguém se zangava. Tinha cabelos castanhos. Era gentil, formosa e elegante ± não conheço outra de aspecto
mais agradável; por sua beleza era digna de ser imperatriz ou rainha. Estava acompanhada por um cavalheiro
de maneira afetuosa, palavras amenas e que honrava as pessoas como devia. Eram um cavalheiro belo e de
nobre presença, hábil com as armas e amado por sua dama.

Depois vinha a bela , que se mantinha ao meu lado. Já lhes disse, sem ocultar nada, qual era seu
aspecto e sua imagem: não vos contarei nada mais. Ela foi a primeira a me tratar com bondade, ao abrir a
porta do jardim, e lhe sou grato.

Ao seu lado estava, se não me equivoco, :$ , de rosto claro e alegre e que me parecia ter pouco mais
de doze anos. Era um pouco simples, não pensava em nenhum mal, nem em perfídia alguma, pelo contrário,
estava alegre e contente, pois a jovem não se preocupava em nada mais do que brincar, como bem sabeis. Seu
amigo era tão íntimo que a beijava sempre que quisesse na frente de todos que estavam dançando. Ainda que
alguém lhes houvesse dito duas palavras, não teriam se envergonhado, pois estavam se beijando como dois
pombos. O rapaz era jovem e belo, devia ter a mesma idade que sua amiga e sentia a mesma coisa que ela.

Assim bailavam aquelas pessoas, acompanhadas por outras de sua corte. Todas eram nobres, educadas e de
bom comportamento. Depois de ver a aparência dos que dirigiam as danças, eu comecei a sentir um desejo de
contemplar e percorrer o jardim e detive meu olhar nos formosos loureiros [], pinheiros [], aveleiras []
e nogueiras [Ë].

O baile estava acabando, pois a maioria se retirava com suas amigas para a sombra das árvores a fim de
cortejá-las. Deus, que boa vida levam! Louco é quem não sente inveja! Aquele que pudesse se permitir uma
vida semelhante suportaria com gosto a falta de outros bens menores, pois não há paraíso maior que estar à
vontade com sua amiga.

   c $  

3

[] Essa primeira parte do à à  é um poema de 3.975 versos escritos por volta de 1225. Nossa
tradução em prosa foi feita a partir da excelente edição GUILLAUME DE LORRIS, JEAN DE MEUNG. 
  à  (introd. de Carlos Alvar, trad. de Carlos Alvar y Julián Muela, lectura iconográfica de Alfred
Serrano i Donet). Barcelona: EdicionesSiruela, 2003.

[]  1&- c&1 ( 1 (c. 400) ± Juntamente com Caio Mário Vitorino, foi um dos chamados
³cristãos neoplatônicos´. Macróbio exerceu considerável influência na Idade Média pela transmissão e
elaboração de uma parte da tradição filosófica grega. A ele se deve uma compilação chamada J  
J     e um comentário intitulado J  J ?   do célebre J   ?  , de
Cícero. Nesse comentário, Macróbio tomou como base a visão do cosmos e a doutrina da imortalidade da
alma apresentada por Cícero para elaborar idéias procedentes de Platão, Plotino e Porfírio.
A tríade neoplatônica ± o  , a    e a    ± foi apresentada por Macróbio na seguinte
forma: o , a    e a . O  é o princípio e a fonte da Inteligência; esta, o princípio e fonte
da . A    contém as idéias e os nomes; a  as almas individuais. Em um sentido semelhante
às religiões de mistérios e aos Oráculos caldeus, Macróbio também concebeu as almas individuais como
espíritos caídos das esferas superiores para a matéria, e que ao passarem pelas esferas adquiriram suas
faculdades, desde a razão até o impulso da nutrição. Estes espíritos estão ligados em sua parte superior às
esferas celestes, que constituem sua pátria e para a qual ascendem após terem sido liberadas da prisão do
corpo ± FERRATER MORA, José.      ! "

[] Recorde-se sempre que o texto original foi escrito em versos rimados.

[] A 9 simboliza o dom do amor e sua pureza. ³A rosa tornou-se um símbolo do amor e mais ainda do
dom do amor, do amor puro (...) a do à  à , de Guillaume de Lorris e Jean de Meung
transformaram no misterioso tabernáculo do Jardim de Amor da Cavalaria, rosa mística das litanias da
Virgem, rosas de ouro que os papas oferecerão às princesas dignas, enfim a imensa flor simbólica que Beatriz
mostra a seu fiel amante, quando este chega ao último círculo do Paraíso, rosa e rosácea ao mesmo tempo.´ ±
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain.   J   . Rio de Janeiro: Editora José Olympio,
1995, p. 789.

[] <& (do latim ?), cerca de arbustos, ramos, estacas ou ripas entrelaçadas, para vedar os terrenos.

[Ë] O 0 é um pássaro de cor marrom quase vermelha, tímido e muito apreciado por seu canto.
³Ambrósio, em seu ƒ# , já deduzia seu nome latino     de   , que significa µa luz do dia¶
(...) Os bestiários não aludem às origens mitológicas do rouxinol, constando do outro apelido latino,
?  , que em grego significa ³amiga da música´: tratava-se de uma princesa grega, exímia cantora
metamorfoseada em ave cantora. Conforme Plínio, os rouxinóis às vezes desafiam um ao outro para produzir
o canto mais bonito: aquele que perde, vendo-se desonrado, cai morto do galho.´ ± VAN WOENSEL,
Maurice. J     $% &  & !   '?   
!   . João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2001, p. 216.

Para os poetas, o 0 é o pássaro símbolo do amor e dos sentimentos, mas apresenta um íntimo laço
entre o amor e a morte. Um bom exemplo se encontra na cena 5 do 3º ato da obra de William Shakespeare,
à  ù  , em que os amantes na noite que finda ouvem o canto de um pássaro que, caso seja a cotovia,
anuncia a separação deles e que continuarão vivos; porém, se for o canto do rouxinol, eles ficarão juntos e
morrerão por esse amor. Ver CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain.   J   ( ?" .,
p. 791. Para nós, brasileiros, é importante ressaltar a bela canção de Gilberto Gil (letra de Jorge Mautner), "O
Rouxinol" (de 1974): "Joguei no céu o meu anzol / Pra pescar o Sol / Mas tudo que eu pesquei / Foi um
rouxinol / Foi um rouxinol / Levei-o para casa / Tratei da sua asa / Ele ficou bom / Fez até um som / Ling,
ling, leng / Ling, ling, lengling / Cantando um rock com um toque diferente / Dizendo que era um rock do
Oriente pra mim / Depois foi embora / Na boca da aurora / Pássaro de seda / Com cheiro de jasmim / Cheiro
de jasmim." : )   ) "*  . São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 151. O   
   +  é, mesmo que sem que os compositores o soubessem, uma alusão, uma
reminiscência da idéia medieval que associava o rouxinol ao        .

[ ] A   (do grego ^ , pelo latim  ) pássaro de costas escuras com manchas claras,
ventre quase branco, resto do corpo cinza e bico grande e grosso, é uma espécie de cotovia, de sabiá do
campo.

[#] ³...sonhei que me encontrava´, no sentido de ver ou descobrir algo que já se buscava.
['] O 1 é uma planta parecida com a cebola, que tem talo cilíndrico, flores rosadas e uma parte das
folhas comestíveis. Em sentido figurado, representa uma pessoa torpe, tonta, um pateta.

[] A  a que o texto se refere era uma vestimenta que os cavaleiros usavam e que cobria o peito e o
abdome. Podia ser feita de placas de metal ou de pequenas argolas metálicas entrelaçadas.

[] A  ;  é uma síndrome caracterizada pelo excesso de bilirrubina no sangue e pela deposição do
pigmento biliar na pele e nas membranas mucosas, o que resulta na coloração amarela apresentada pelo
paciente.

[] ANDRÉ CAPELÃO. *      . São Paulo: Martins Fontes, 2000.

[] OVÍDIO.   . Porto Alegre: L&PM, 2001.

[] ë ± folha transformada que entra na constituição do gineceu (habitação destinada às mulheres).

[] "  ± Pele de carneiro, ovelha ou cordeiro, com lã. Aqui certamente há uma referência ao
mitológico Velocino de Ouro de Jasão e os Argonautas, carneiro da mitologia grega.

[Ë] A   (ornamento de flores) decorando os cabelos era um sinal indicativo da nobreza da donzela
que o utilizava.

[ ]  (ou Gent, Ghent) era uma importante cidade comercial na Idade Média, atualmente na Bélgica.
Portanto, a passagem sugere que o tecido da dama era muito fino.

[#] ³Árvores da terra de Alexandria´ ± A planificação da cidade de Alexandria, segundo a tradição, é


atribuída ao arquiteto Dinócrates de Rodes (322 a.C.) que, no tempo de Alexandre $ , projetou a
reconstrução do Artemísio de Éfeso. Sua artéria principal, a ,? , era rodeada por árvores. Assim,
Guilherme de Lorris busca na tradição antiga uma referência para as bases fundacionais do Jardim de %,
associando o prazer e o deleite de estar no espaço do amor à tradição cultural da Antigüidade.

[']  ± Designação comum às aves passeriformes da família dos turdídeos, especialmente o
*   ", cujo macho é preto, com bico amarelo-alaranjado, e cuja fêmea tem dorso preto, ventre
pardo-escuro malhado de pardo-claro, e a garganta e a parte superior do peito pardas com malhas
esbranquiçadas.

[]  ± Trata-se do Jay Europeu ()   ), pássaro da ordem das Passeriformes, também
chamado no Brasil de -. . Abundante na Europa, habita nos bosques espessos e se alimenta
principalmente de frutos de diversas árvores.

[] . ± Pequeno pássaro conirrostro (J  /  ), de plumagem negra, lustrosa, malhado de
branco com reflexos verdes e purpúreos.

[] .  (à     ) ± Pássaro comum na Europa, de nove a dez centímetros de
comprimento, com asas curtas e arredondadas e plumagem vistosa pela variedade de suas cores.

[]  (J?     ) ± Ave passeriforme, fringilídea, de dorso oliváceo, cabeça,
garganta, asas e cauda pretas, espelho, base da cauda e lado inferior amarelos.

[] ë ( ) ± Tipo de canário-da-terra, ave que canta regularmente.


[] (   (*  ?   ) ± Pássaro da família dos turdídeos semelhante ao sabiá.

[Ë] Repare que o autor selecionou propositalmente pássaros que possuem cantos muito melodiosos,
envolvendo o     com uma bela e harmoniosa música natural criada por Deus. Os medievais
tinham especial predileção pela idéia que o universo emitia notas musicais, especialmente o movimento das
estrelas. Em sua obra    (séc. XII), o escritor Honório de Autun (provavelmente um monge
que viveu nas proximidades de Regensburg) escreveu que ³a revolução das sete esferas dá origem a sons
maviosíssimos, cuja harmoniosa consonância produz a mais admirável das melodias. Contudo, esta harmonia
das esferas não chega aos nossos ouvidos, por originar-se para além do ar, que é o único meio em que nós
percebemos os sons. Ademais, ela é demasiado forte para ser perceptível ao ouvido humano.´ Citado em
BOEHNER, Philotheus e GILSON, Etienne. ƒ ,    !  . Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p.
278. Por esse motivo, Guilherme de Lorris incorpora uma verdadeira revoada melódica de pássaros para dar
um toque ainda mais poético ao ambiente harmonioso e amoroso do    .

[ ] Os   eram contos em versos octossilábicos do século XII. Ver  $  0 (trad. e introd.
de Antonio L. Furtado). Petrópolis: Vozes, 2001.

[#] 9 ± No francês antigo  , correspondente ao francês moderno   (e em espanhol
   ), o  era uma composição em verso para ser cantada com um estribilho que se repetia depois
de cada estrofe. Agradecemos à eterna amabilidade do Prof. Dr. Fernando DomínguezReboiras, que sempre
interrompe seu trabalho no à   -  -   (Freiburg imBreisgau, Alemanha) para responder às
minhas eternas dúvidas sobre os temas e a linguagem dos homens do passado.

['] A  a que o texto se refere significa a amante de %, isto é, a c.

[]  ()    ) ± subarbusto de até 1,5 metros de altura, muito ramoso, dotado de folhas
unifolioladas, oblongas, ciliadas, vernicosa e glabras, ou pouco pubescentes, e flores amarelas.

[] ;  ± Família de aves passeriformes do Velho Mundo, caracterizadas pela cor brilhante, amarelo-
preta, dos machos.

[] ë ±  + .

[] c    ± Provavelmente oriundo do arco assírio, o arco turco era um arco composto, mais vergado
e feito com diferentes materiais, tudo isso com a finalidade de dar maior potência à flecha. Por isso, eles eram
superiores ao arco inglês, já muito potente (ambos foram utilizados nas cruzadas). No entanto, curiosamente o
iluminista do manuscrito 387 do à à  da Universidad de Valencia parece não ter conhecido o
arco turco, pois na imagem 10 ele retrata o Ô  c com um arco inglês (ver figura 10)!

[] Normalmente nos textos medievais a pintura feminina é associada à prostituição, especialmente nas
pregações dos moralistas (o que, de fato, destaca ainda mais o fato de as mulheres medievais se pintarem,
contrariando o discurso eclesiástico). Neste caso, Guilherme de Lorris literalmente subverte o sentido
tradicional, pois destaca que 8% não se pintava porque era naturalmente bela, o que ressalta ainda mais o
caráter profano do texto e sua relação com a natureza, nova descoberta dos medievais dos séculos XII-XIII.
Para o primeiro caso (da pintura e da prostituição feminina), ver MACEDO, José Rivair. ³A face das filhas de
Eva: os cuidados com a aparência num manual de beleza do século XIII´, : ƒ , . São Paulo: Unesp,
17/18, 1998/1999, p. 293-313.

[]  ± Designação comum a certos tipos de tecido trabalhado ou entrançado com um fio
grosso, em geral de seda (passamanes, galões, franjas, borlas, etc.), e destinado ao acabamento ou adorno de
roupas. Havia ainda um ofício de costureiro específico para esse tipo de trabalho: o  (e sua loja,
também chamada de ).

[Ë] 8 ± Antiga moeda bizantina de ouro e prata.

[ ] ³...mais de duas onças de esmeraldas´ ± A ! era uma unidade de peso, equivalente a cerca de 28,691
g; entre os romanos, equivalia à décima-segunda parte da libra.

[#] 9  ± cavalo muito manso e obediente.

['] Nessa passagem Guilherme se refere a Alexandre, ) .

[] c, rei lendário da Bretanha que aparece num círculo de romances medievais como o soberano dos
cavaleiros da Távola Redonda. É mencionado na ƒ  à    de Geoffrey de Monmouth
(1136-1138), obra posteriormente ampliada por Chrétien de Troyes (c. 1135-1138).

[] O louvor à bravura demonstrada pelo cavaleiro nos  mostra uma vez mais o explícito caráter
laico do texto, pois os clérigos medievais sempre se opunham a essas competições. Ver LE GOFF, Jacques.
"Realidades sociais e códigos ideológicos no início do século XIII: um #?  de Jacques de Vitry sobre os
torneios". : LE GOFF, Jacques. „    /. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 267-279.

[] Como na   , o texto indica outra importante cidade na Idade Média, Arras, localizada atualmente na
região de Norte-pas-de-Calais, no norte da França, entre Lille e Amiens. Na Idade Média, além de ser um
conhecido centro literário, Arras era conhecida por ser um importante centro comercial e financeiro. O século
XIII é conhecido como %   de Arras. A cidade também era famosa pela qualidade de seus tecidos
(a tapeçaria em Arras era muito estimada). Por esse motivo, na passagem do Romance da Rosa, o vestido da
Franqueza era tão rico como os de Arras (ver seu   oficial).

[] Os  representam a imortalidade, pois simbolizam todas as plantas que permanecem verdes
durante o inverno. Ver CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain.   J   ( ?" ., p. 561.

[] O , assim como o loureiro, também representa a imortalidade. Era dedicado a Cibele, deusa da
fecundidade. Em Roma, no culto a essa deusa, um pinheiro era abatido e transportado para o templo do
Palatino pela confraria dos dendróforos (carregadores de árvores). Esse pinheiro simbolizava Átis morto ±
esposo de Cibele. O pinheiro, dessa forma, representava a alternância das estações. CHEVALIER, Jean e
GHEERBRANT, Alain.   J   ( ?" ., p. 719.

[] As $ têm uma importante simbologia entre germânicos e nórdicos. Iduna, deusa da vida e da
fertilidade é libertada por Loki, transformado em falcão, que a leva sob a forma de uma avelã. Num conto da
Islândia, uma duquesa passeia por um bosque de aveleiras para consultar os deuses que a tornam fecunda.
Pouco a pouco essa árvore se torna símbolo da incontinência e da luxuria e, por fim, do diabo. CHEVALIER,
Jean e GHEERBRANT, Alain.   J   ( ?" ., p. 103.

[Ë] As  entre os gregos eram associadas ao dom da profecia. Um culto era prestado a Ártemis
Cariátide, que foi amada por Dionísio, dotada de clarividência e transformada em uma nogueira de frutos
fecundos. CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain.   J   ( ?" ., p. 639.
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