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Sebenta DTrabalho - Teórica
Sebenta DTrabalho - Teórica
Foram elaborados pelas alunas Lara Campos e Maria Ana Rodrigues, tendo por base as aulas e
documentos disponibilizados pela docente Maria Redinha.
Salienta-se que estes apontamentos são apenas complementos de estudo, não sendo dispensada, por
isso, a leitura das obras obrigatórias e a presença nas aulas.
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Índice
INTRODUÇÃO AO DIREITO DO TRABALHO ................................................................................ 6
Conceito de trabalho........................................................................................................................... 6
Fontes Internacionais........................................................................................................................ 10
Tutela específica para postos de trabalho com uma componente digital ......................................... 32
Geolocalização ................................................................................................................................. 34
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4. Teletrabalho .................................................................................................................................. 58
Adaptabilidade ................................................................................................................................. 75
Horário de trabalho........................................................................................................................... 77
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Iremos tratar do ponto chave da dogmática contratual que passará pelas questões de reconhecimento
contratual. Nem sempre é fácil existir este reconhecimento, uma vez que, em muitas situações o
vínculo laboral surge disfarçado de outros tipos, com o propósito de fugir à aplicação da legislação
laboral e à aplicação do direito do trabalho em geral. Há uma série de prestações para além do salário
que são devidas pelo empregador, o que significa que, para este, haja um custo económico acrescido e
um maior interesse em procurar alternativas que não impliquem a aplicação daquela mesma legislação.
Contudo, chegaremos a esta questão após tratarmos das fontes específicas do direito do trabalho. Estas
fontes vão apenas ser acrescentadas às demais fontes de direito que já foram estudadas. Não obstante,
as fontes específicas atribuem a autonomia ao direito do trabalho enquanto ramo do direito, uma
autonomia que é substantiva, mas também metodológica, uma vez que o direito do trabalho e a
legislação que o constitui tem métodos de aplicação própria.
Iremos também analisar a questão da qualidade de vida no emprego. Os trabalhadores são expostos a
certos riscos e agressões que devem ser menorizados. Assim, é importante a tutela da personalidade.
A isto irá acrescer o estudo da multiplicação contratual, uma vez que existem novos modelos de
contração. Finalmente, iremos ver a cessação do contrato de trabalho que, geralmente, é quando
surgem as demais questões já mencionadas que são postas em causa com o fim do vínculo laboral.
Nesta sede falamos de questões como a natureza do vínculo, a possível lesão de direitos, etc.
Conceito de trabalho
É uma definição que atravessa os tempos e que contribuiu para a construção da sociedade atual.
Podemos dizer que o Direito do Trabalho é contemporâneo da Revolução Industrial. No estudo do
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Direito do Trabalho é necessário recordar a organização do Direito Privado, dentro do qual o Direito
Comercial foi o primeiro a autonomizar-se- e que é tido como o inimigo do Direito do Trabalho
Contextualização histórica
Daí que tenha feito sentido a necessidade de intervenção, limitando condições de trabalho exploratórias
e os danos sociais. Emerge desta situação a chamada questão social.
A primeira intervenção é estadual e surge para impor um limite ao tempo de trabalho em determinados
tipos de pessoas, mais especificamente quanto a mulheres e crianças. A liberdade contratual conduzia
a um agravamento dos problemas em sede de trabalho, surgindo este ramo de direito enquanto
legislação. Se assim o é, nasceu e conservou-se sempre como um direito de parte. Ou seja, o direito do
trabalho regula o conflito a favor de uma das partes, ao contrário da generalidade dos ramos de direito.
Assume os interesses dessa parte e garante uma função protetora. Claro está que, se for possível no
âmbito de um litígio equilibrar os interesses de ambas as partes, empregador e trabalhador, esse
equilíbrio trará vantagens para a resolução do conflito.
É com o direito do trabalho que vem surgir a responsabilidade objetiva. Até aqui existia apenas a
responsabilidade aquiliana/extracontratual fundado na culpa, pelo que os acidentes de trabalho que
pudessem vir a ocorrer ficariam desprotegidos. Também todo o edifício normativo que corresponde
aos princípios da igualdade e da não discriminação foi impulsionado pelo direito do trabalho, em
especial o princípio da igualdade salarial.
Esta lógica foi bem-sucedida, uma vez que foram alastrados para outros ramos do Direito mecanismo
que nasceram no âmbito do Direito do Trabalho- é o caso da responsabilidade objetiva (que nasceu
dos acidentes no trabalho). Antes da responsabilidade objetiva, os empregados ficavam com todos os
danos e sem o ressarcimento. Isto causava um conflito claro, pois é o entendimento geral que se o
empregador tem o ganho também tem de conter o risco. Adicionalmente, o êxito jurídico-laboral é
verificado atualmente nos passos dados para a igualdade salarial.
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Foram sendo feitas diversas intervenções a nível do direito do trabalho, até que surgem as duas guerras
europeias que vieram a introduzir alterações. A 1ª Guerra Mundial, marcou modificações organizarias
ditadas pela necessidade de produção de armamento- alterações organizativas. Já a 2ª Guerra Mundial,
gerou fortes mudanças potenciaras pela entrada da mulher no mercado de trabalho.
É a partir daqui que sublinhamos a organização laboral fordista. De 1945 a 1973, o direito do trabalho
viu a sua fase de expansão, surgindo uma perspetiva de preocupação pela consolidação progressiva de
direitos.
Em 1973, temos o primeiro choque petrolífero que traz consigo problemas e que leva ao aparecimento
da necessidade de flexibilidade e de ajuste do volume de trabalho às condições de procura e de oferta.
Entramos num período crítico de crise do direito de trabalho.
Atualmente, são vistos progressos marcantes nomeadamente na preocupação pela qualidade de vida
no emprego que vem sobrepor-se à busca pela estabilidade. Temos influência da globalização, crise
sanitária, digitalização da economia, retração da mesma, fragilização das condições de trabalho e perda
de centralidade do mesmo potenciada pela COVID-19 e que é sobretudo notada nos EUA e na Europa.
É de mencionar ainda a relevância da CRP de 1976 para efeitos de consagração de direitos laborais.
Vimos já anteriormente que a autonomia do direito do trabalho pode ser analisada de um ponto de vista
substantivo, enquanto necessidade de intervir e de limitar a liberdade contratual garantindo boas
condições de emprego e desempenho do trabalho, ou de um ponto de vista metodológico, que abrange
duas questões essenciais: a necessidade das fontes e o processo legislativo próprio. Quanto a este
último, analisamos os artigos 469.º e seguintes do CT.
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A autonomização do Direito do Trabalho deve-se à forma específica como intervém na matéria que
regula e pelos seguintes motivos metodológicos:
Deste modo, podemos identificar uma vertente do Direito do Trabalho exterior ao Direito Privado, pois
é necessário considerar o Direito Individual do Trabalho e o Direito Coletivo do Trabalho. Assim, o
Direito do Trabalho tem um pé na lógica privada e outro na forma de organização desenvolvida de
interesses relevante para efeitos do Direito Coletivo do Trabalho.
A esta noção acresce que o direito do trabalho é também ele composto por uma componente
sancionatória, uma vez que depende da existência de um direito contraordenacional. Aqui distinguimos
que estas contraordenações, em função da gravidade, podiam ser leves, graves ou muito graves.
Quando uma relação entre duas pessoas se prolonga no tempo sendo, à partida, uma relação entre
desiguais, essa duração acaba por ser um elemento que obriga o legislador a atender a múltiplos aspetos
subjacentes a essa relação laboral. Assim, o objeto deste ramo do direito será o trabalho dependente
ou subordinado.
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O contrato de trabalho é aquele em que alguém se obriga a prestar a sua atividade a outrem de forma
subordinada, 1152º CT. Esta noção de contrato de trabalho vigorou até 2009.
Uma das principais características do contrato de trabalho é a subordinação jurídica, que não é pessoal,
mas posicional.
Fontes Internacionais
I. Convenções generalistas, que no meio das suas prescrições incluem prescrições mais voltadas
para o trabalho:
1. Declaração Universal Direitos do Homem;
2. Pacto relativo aos direitos civis e políticos;
3. Pacto internacional sobre os DESC;
4. Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
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tratados; recomendações, sem força vinculativa, mas que funcionam como indicações e como
um mecanismo de pressão. Por força do direito derivado, as convenções da OIT vigoram no
plano interno. Uma vez recebidas no direito interno, as convenções passam a ter força
vinculativa para esse mesmo direito interno;
3. Direito da União Europeia - na comunidade europeia contamos com diretivas, que vinculam os
EM destinatários quanto ao resultado a alcançar, já que não há uma harmonização política única
na área do trabalho. Há alguns regulamentos, mas que não dizem respeito às condições de
trabalho, propriamente ditas. Há também instrumentos de soft law, que não têm carga
vinculativa, mas servem tão só como critério integrador de conceitos indeterminados.
Contamos com o pilar europeu dos direitos sociais, que tem sobretudo a função de coadjuvante
de hard law.
Fontes Internas
1. Constituição da República Portuguesa (CRP) - onde releva essencialmente o artigo 58º CRP,
que determina as linhas de força do nosso ordenamento jurídico, destacando a estabilidade e a
segurança, no 53º CRP. Proíbe os despedimentos sem justa causa. A CRP consagra direitos
individuais gerais como: a liberdade de escolha de profissão etc.; direitos individuais dos
trabalhadores, como o direito à segurança no emprego; e direitos de exercício coletivo como a
liberdade sindical, o direito à criação de comissões.
A par dos direitos coletivos temos os direitos de participação, nomeadamente, o direito à
participação na elaboração da legislação laboral, através das comissões de trabalhadores (artigo
54º/5/d) CRP) e das associações sindicais (artigo 56º/2/a) CRP). A violação deste direito
implica a inconstitucionalidade da correspondente legislação do trabalho, pois a participação é
um pressuposto indispensável para a legitimidade procedimental da normação aprovada.
2. Lei Ordinária - dentro desta temos o Código do Trabalho, legislação conexa, legislação
especial e Código de Processo de Trabalho.
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1. Convenção coletiva
Aquela na qual a autonomia privada coletiva tem o seu campo de eleição. É o IRC nuclear, em torno
do qual todos os outros giram e em função do qual todos os outros se compreendem. Segundo João
Leal Amado, ela poderá ser definida como um acordo estrito celebrado entre instituições patronais
(empregadores e suas associações), por um lado, e, por outro, associações representativas de
trabalhadores (entre nós, em princípio, associações sindicais), com o objetivo principal de fixar as
condições de trabalho que hão de vigorar para as categorias abrangidas.
A convenção coletiva não chega a ser uma lei, mas também não se reduz à mera condição de contrato.
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Na expressão de Carnelutti, as convenções coletivas são um “híbrido que tem um corpo de contrato e
alma de lei”. Isto porque embora esta convenção tenha uma faceta negocial, por resultar do acordo
alcançado entre trabalhadores e empregadores, tem também uma faceta normativa, através da qual
ocorre a determinação coletiva das condições de trabalho.
1.1. Contrato Coletivo, que é o mais abrangente por trabalhar com associações, se tivermos um
sindicato e uma associação de empregadores. O contrato coletivo pode ser vertical, por exemplo um
contrato que abrange todos os trabalhadores da construção civil; ou horizontal, que diz respeito a
uma categoria profissional, por exemplo o sindicato dos professores;
1.3. Acordo de Empresa, quando temos de um lado um sindicato e do outro uma empresa apenas,
ou seja, só uma empregadora;
Vendo esta estrutura, temos a constante do lado dos trabalhadores com o sindicato e uma
pluralidade/amplitude no lado do empregador. Do lado dos trabalhadores não temos um mero conjunto
de trabalhadores ad hoc, para que haja a proteção necessária através dos sindicatos. Para assegurar a
representatividade, a lei exige que deste lado, então, esteja sempre uma organização sindical (sindicato,
federação ou confederação). O instrumento de regulamentação coletiva nobre que justifica
axiologicamente a concentração nesta fonte de direito é a convenção de trabalho, na qual a autonomia
privada coletiva tem o seu campo de eleição. Nas convenções de trabalho, por esta via, pode acontecer
de quem fique de fora, por força do princípio da filiação, tenha interesse em beneficiar dessas
condições. Então, o que pode vir a suceder é a existência de um acordo de adesão, aderindo- se a uma
convenção coletiva já existente.
É uma forma de ultrapassar o processo demoroso da convenção coletiva. Quando o recurso a esta é
voluntário, a decisão arbitral é, ainda, considerada um IRC negocial, de acordo com o artigo 506º CT,
que define as condições de uso da arbitragem voluntária.
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Como é uma normatividade compactuada mais pensada e específica do setor de atividade da profissão,
ela tende a ter condições mais favoráveis e vantajosas do que uma normatividade geral. Considera-se
desejável estender aquilo que os grupos acordaram a mais trabalhadores, surgindo, assim, os IRC não
negociais.
Tem uma elasticidade que cobre um âmbito subjetivo mais alargado. Consideram-se vantajosas as
condições de trabalho existentes, resultante de uma convenção coletiva e alarga-se a sua extensão. Tal
não é automático e tem um conjunto de pressupostos: possível mediante ponderação de circunstâncias
sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social
das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere;
3. Decisão arbitral (arbitragem obrigatória) – artigo 508° CT, a decisão que venha a ser tomada
constitui um IRC não negocial.
NOTA: também os usos laborais são tidos como uma fonte do Direito do Trabalho, que não contrariem
o princípio da boa-fé, 1° CT. Distinguem-se das fontes supramencionadas por serem uma fonte indireta
que consiste na prática reiterada, homogénea e especializada.
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ARTICULAÇÃO DE FONTES
As leis imperativas impõem-se contra a vontade do sujeito e as normas dispositivas têm de ser acatadas.
No artigo 3º/3 CT prevê-se que naquelas matérias, o IRC só pode passar à frente da lei se dispuser num
sentido mais favorável - interpretação finalista, com vista ao resultado - princípio geral de
disponibilidade do Direito do Trabalho.
Temos de ter sempre em consideração a natureza da norma, a matéria regulada e o seu fim.
As convenções coletivas impõem-se como se fossem lei. A diferença é que a convenção só vincula as
pessoas abrangidas pelas associações que a negociaram, ou seja, vincula os empregadores que de forma
direta ou indireta celebraram as convenções e, quanto aos trabalhadores, vincula os trabalhadores
filiados nos sindicatos ou organizações sindicais que celebraram a convenção. Segundo o professor
Leal Amado, a convenção coletiva não chega a ser uma lei, mas também não se reconduz à mera
condição de contrato - ou seja, ao lado das leis, existe esta fonte especial que é a convenção coletiva,
que de certa forma tem força vinculativa semelhante à lei. Contudo, em direito do trabalho não há um
sistema fixo das fontes. É bastante complicado, por vezes, saber qual o resultado mais favorável. Pelo
artigo 3º/4 CT, o contrato de trabalho pode ultrapassar a lei, se assim for mais favorável.
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A CRP é o único patamar que se mantém imóvel. Se a lei estiver blindada com imperatividade, não é
ultrapassável. O artigo 3º/5 CT é um contrapeso do número 4 do mesmo artigo, já que, de certa forma,
a lei estabelece que o seu conteúdo só pode ser modificado por convenção coletiva, significando que
está a restringir a liberdade individual.
CONTRATO DE TRABALHO
Durante décadas a noção de contrato de trabalho era a constante do artigo 1152º CC, transposta para
o ordenamento laboral. Isto mudou em 2009, onde a noção de contrato de trabalho consagrada no CT
se afastou da constante do CC. Afastou-se porque, por um lado, o CT indica que a especificação do
contrato de trabalho respeita a pessoas singulares, e por outro lado, porque a noção começou a abranger
o âmbito das organizações e a subordinação da pessoa singular a estas mesmas (indício de
subordinação). O elemento organizacional começou a sobrepor-se à direção efetiva do trabalho.
Assim, o artigo 11º CT passou a definir o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa
singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no
âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Do ponto de vista técnico, podemos criticar, afirmando que é uma imprecisão, devido ao facto de
termos 2 caracterizações distintas no âmbito civil e no âmbito laboral, sendo que o âmbito civil é
subsidiário no direito do trabalho.
No fundo, é o contrato de trabalho que determina a aplicação do edifício normativo, é ele que
desencadeia a aplicação do regime do direito do trabalho.
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Desta definição conseguimos perceber quais são os três elementos essenciais que compõem o contrato
de trabalho:
1. A prestação de trabalho positiva de uma pessoa singular, que pode ter por objeto qualquer
atividade humana lícita e apta a corresponder a um interesse do empregador que seja digno de
proteção legal – artigo 115º CT. Desenrola-se numa relação complexa, onde o trabalhador
ocupa um lugar central, mas que é uma relação na qual coexistem deveres acessórios de
prestação e de conduta – por exemplo artigo 127º CT. A obrigação do trabalhador traduz-se no
exercício de uma determinada atividade, isto é, no dispêndio de um certo conjunto de energias
físicas e psíquicas ao serviço e em benefício do empregador. Por outro lado, o empregador já
pode ser uma pessoa singular, uma pessoa coletiva ou várias pessoas.
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deve ser executada. Sublinhe-se, por último, que se trata de uma subordinação de natureza
jurídica, a qual não se identifica com a dependência económica do prestador da atividade.
Hoje, o direito do trabalho, apesar de centrado na laboralidade, tem incidências para além dela e
conceções à sua aplicação, tanto nos trabalhadores independentes como aos candidatos a emprego
(antes da celebração do contrato de trabalho). A delimitação de matéria laboral, apenas pela celebração
do contrato de trabalho, está hoje em crise, com extensões a outras formas de atividade, sendo que
muitas matérias (incluindo algumas do artigo 3º/3) estão protegidas, tal como estão os trabalhadores
subordinados. Por outras palavras, o âmbito subjetivo já não é totalmente coincidente com o âmbito
de celebração do contrato de trabalho.
De acordo com o artigo 10º CT, nas situações equiparadas ao contrato de trabalho não há
subordinação jurídica, mas sim uma aplicação das normas do direito do trabalho relativas às suas
matérias essenciais. São situações em que existe dependência económica do prestador. O modelo
português de regulação é de largo espetro – num dos seus extremos encontramos o trabalho
dependente, prestado com subordinação jurídica e, no outro extremo, o trabalho autónomo sujeito às
regras da prestação de serviços nas suas diferentes modalidades. Entre estes, enquadram-se as situações
em que o chamamento do direito do trabalho é mais ou menos intenso, como é o caso das situações
equiparadas, que não têm autonomia suficiente, devido à dependência económica, para ser visto como
prestação de serviços.
c) Quanto à dita “zona cinzenta”, encontrando-se aqui as situações equiparadas, aplica-se em maior
ou menor medida o CT e legislação específica. Em Portugal não temos um modelo único para estas
últimas hipóteses, ou seja, uma Lei Geral para a dependência económica, mas temos cobertura
laboral através da conjugação da aplicação do CT com legislação específica ou com a aplicação da
legislação relativa às relações contratuais de natureza comum. Quando não existe legislação
específica aplica-se simplesmente a normatividade central do CT e o restante deixa-se aos
desígnios da providência, porque não há qualquer previsão específica para essas hipóteses. Esta
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2. Contrato Oneroso: implica para ambas as partes direitos e deveres, ou seja, vantagens e sacrifícios
que têm natureza patrimonial que, na sua perspetiva se equivalem. No caso do trabalhador, a
vantagem de receber o salário supõe o correspondente sacrifico em matéria de dispêndio de
energias físicas e psíquicas.
4. Contrato Obrigacional: limita-se a criar um vínculo obrigacional entre ambas as partes, dando
azo, de resto, à emergência de uma autêntica “relação obrigacional complexa”.
7. Contrato intuitu personae: muito embora o contrato seja de natureza patrimonial, a prestação é
uma atividade de carácter pessoal, na medida em que é indissociável da pessoa do trabalhador. Sem
o consentimento do empregador, o trabalhador não se pode fazer substituir por outrem na execução
do trabalho, pelo a que a infungibilidade da prestação laboral pareça inegável.
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A prestação de serviços tem a sua noção no artigo 1154º CC – contrato de prestação de serviço é
aquele em que cada uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho
intelectual ou manual, com ou sem retribuição. Aqui o que está na sua base é o resultado do
trabalho. No contrato de trabalho, o fundamento é a própria prestação do trabalho e não a prestação
do resultado do trabalho.
1. Contrato de mandato.
2. Contrato de depósito.
3. Contrato de empreitada.
4. Contrato de sociedade.
5. Contrato de agência.
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No contrato de prestação de serviço não se faz qualquer menção. Ao passo que no contrato de
trabalho o devedor presta a sua atividade sob a autoridade e direção (no disposto do CC), ou no
âmbito de organização e sob a autoridade (no disposto do CT), da contraparte.
A verdade é que, na prática, a distinção entre ambos os contratos se revela, frequentemente, bastante
espinhosa. Se bem repararmos, em ambos os contratos pode haver lugar à remuneração do prestador
de serviço. E o certo é que a dicotomia atividade/resultado também não é muito esclarecedora, dado
que toda a atividade tende à obtenção de um qualquer resultado, sendo que este sempre decorrerá da
prestação de uma atividade. Pelo que, diz-se, o verdadeiro critério distintivo reside, no fundo, na
(in)existência de subordinação jurídica entre as partes da relação – se esta existir, aí teremos um
contrato de trabalho, se esta não existir, aí teremos uma qualquer modalidade de contrato de prestação
de serviço.
i. Relativos às partes: quanto ao credor da prestação e, por outro lado, quanto ao devedor da
prestação.
ii. Relativos às condições de execução da prestação, tais como: o local pertencente ao empregador,
o horário do trabalho, a inexistência de pessoal ao serviço do trabalhador, entre outros.
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A tabela de indícios está pensada para o trabalho industrial, por ser anterior à digitalização e
aceleração tecnológica da economia. Trata-se de um modelo adotado numa época em que o tempo e
espaço laborais tinham uma importância acrescida comparativamente com a atualidade.
Hoje, há a necessidade de fazer uma atualização indiciária. O tipo de conexão entre o empregador e
o trabalhador indica, desde logo, algo sobre a natureza da relação laboral. Na sua qualificação, os
indícios não são estáticos, mas evolutivos e móveis, uma vez que dependem de cada profissão. Por
exemplo, há profissões em que o local de trabalho é essencial e definitório. Ou seja, para algumas
profissões, o local de trabalho pode ser muito relevante, ao passo que para outras não tem qualquer
valor.
2. Os instrumentos alheios;
4. A retribuição certa;
Esta presunção diz que verificados, pelo menos, dois dos indícios enunciados podemos presumir que,
o nosso caso outrora duvidoso, se trate agora de uma relação laboral, ou seja, uma relação em que há
inferência jurídica. Deste modo, a presunção inverte o ónus da prova a favor do trabalhador, porque a
partir da verificação dos dois elementos, quem tem de contrariar os indícios que conduzem à
determinação do vínculo de trabalho é o empregador. Ou seja, o empregador não só tem de contrariar
a verificação dos indícios como ainda tem de fazer uma prova negativa. Conclui-se assim que esta
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De certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto
que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as
características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação.
O artigo 12º-A do CT
• Afirma que poderá existir uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma
digital.
Fica a questão de saber se a lei trata todos da mesma forma nesta matéria.
O artigo 12º-A do CT atende a uma série de indícios que acabam por ser uma atualização dos indícios
que encontramos no 12º CT, mas associados às plataformas digitais. Contudo, nem todos eles são
verdadeiros indícios, já que, o que queremos com o recurso a esta análise é algo que nos leve a crer se
há ou não uma relação de trabalho dependente e esta presunção é menos do que aquilo que parece,
uma vez que contém informações adicionais que não são úteis, porque não servem, no fundo, para
colmatar a nossa dúvida.
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O 12º-A/2 CT define como plataforma digital “a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços
à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente, sítio da internet ou aplicação informática,
a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de
trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser
prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio
e uma marca próprios” - por exemplo, um empregador de teletrabalho pode ser uma plataforma digital,
mas algumas plataformas não estão incluídas neste conceito. Podemos concluir que o próprio conceito
de plataforma digital adotado é distorcido uma vez que se trata de uma realidade heterogénea com
finalidades díspares. A sua definição como “pessoa” até pode vir a considerar um trabalhador de
teletrabalho como plataforma e acabar por excluir entidades que são de facto plataformas. Assim,
consegue pecar pela sua abrangência e especificidade ao mesmo tempo.
A. O prestador não está sujeito à direção e controlo da contraparte, no que diz respeito à prestação de
trabalho, de facto e de acordo com as estipulações contratuais;
C. O prestador está habitualmente envolvido num negócio, ocupação ou empresa da mesma natureza
da atividade desenvolvida.
Nesta busca de alternativas às limitações do método indiciário ainda se pode ir mais longe, como
enunciou o purposive approach, uma abordagem propositivista, de G. Davidov, onde são abandonados
todos os pontos da prestação e para além do Teste ABC, teremos de averiguar se o caso concreto que
temos em mão apresenta as mesmas características do que aquelas que determinam a existência de um
contrato de trabalho, nomeadamente, verificando se existe a mesma situação económica, entre outras.
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O grande inconveniente do purposive approach é, desde logo, o seu custo. Certo é que o método
indiciário começa a ser muito curto relativamente a tantos casos que o questionam.
A ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho ajuda a reconhecer as condições para
a existência de um contrato de trabalho do ponto de vista processual. Está prevista no Código de
Processo do Trabalho (CPT) em função da sua natureza. Nos casos em que a natureza laboral está
disfarçada, ou seja, em que não há elementos externos que nos permitam reconhecer se está em causa
ou não um contrato de trabalho este instrumento intervém.
Como?
O artigo 15º-A da Lei 107/2009 determina que no caso de a inspeção do trabalho detetar uma prestação
laboral não devidamente qualificada notifica-se o empregador para regularizar a situação no prazo de
10 dias. Se isto não se suceder permanece o problema e há necessidade de participação ao Ministério
Público no tribunal onde tiver sucedido a errada qualificação.
Assim, numa primeira fase tenta-se a regularização voluntária - que sendo acatada, não alberga
consequências ulteriores - e numa segunda fase há participação do ocorrido ao Ministério Público. Esta
última via é mais frequente por causa do custo económico: enquanto a regularização voluntária
significa sempre a contabilização de vários fatores que ficam caros aos empregadores (subsídios, por
exemplo) a participação do Ministério Público pode não significar a perda de dinheiro. Posto isto,
muitas vezes, os empregadores arriscam.
Esta ação tem lugar no artigo 186º-K do CPT. De acordo com este, a participação é recebida pelo
Ministério Público, e dá-se ulterior seguimento ao processo. O 186º-L do CPT prevê que o início do
processo se dá com uma petição inicial em que a legitimidade ativa é do Ministério Público (não
havendo intervenção das partes do processo laboral, já que tudo se passa entre a Autoridade para as
Condições do Trabalho e o Ministério Público).
O Ministério Público avalia as provas para interpor a ação, sendo o empregador notificado para
assegurar o contraditório.
Posto isto:
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• Ou não contesta: neste caso o juiz profere decisão condenatória e requalifica o contrato. Esta
condenação é chamada condenação de preceito.
Este instrumento inicia-se com o auto da inspeção do trabalho e pode terminar num destes dois
momentos.
Tudo isto pode acontecer à sua margem, pois esta questão ultrapassa a vontade das partes. A
qualificação das partes é um acesso a um ordenamento jurídico de proteção, traduzindo-se, portanto,
num interesse público. Desta forma, o trabalhador tem a possibilidade de aderir à ação junto do
Ministério Público. Nos tribunais de trabalho entende-se que o custo da justiça poderia ser impeditivo
do exercício dos direitos do trabalho e, por isso, se o trabalhador quiser pode apresentar o caso ao
Ministério Público que decide ou não o representar. Num processo especial como este, o trabalhador
tem essa faculdade.
Podem excluir-se desta ação os casos dos empregadores que optam pela regularização voluntária e
aqueles em que os trabalhadores já não estão ao serviço do empregador - cada vez mais comum com
o “turn over” do mercado.
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Em sede de qualificação do contrato laboral, para além das presunções de laboralidade dos artigos 12º
e 12º-A do CT, acresce ainda o critério quantitativo para a definição de dependência económica,
previsto no artigo 10º/2 CT que remete para o 140º do Código dos Regimes Contributivos (CRC). Este
critério permite chegar à definição de Trabalhadores Economicamente Dependentes (TED’s).
Por exemplo: A um designer gráfico, produtor de conteúdos web entre outros, tem um cliente B, que
lhe paga 50% da sua atividade como designer, e outros 40% como produtora de conteúdos web. Porém,
se estas são atividades tidas como secundárias, não se pode dizer que A é um trabalhador dependente
aplicar o artigo 140º/1 CRC.
• Pessoa singular;
É de notar que há nesta sede um alargamento do âmbito material do trabalho - IRC negociais que se
aplicam agora a pessoas equiparadas e que houve um reforço dos direitos pessoais do prestador. Para
que isto suceda tem de se verificar a declaração do 140º CRC.
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A importância do vínculo laboral é maior pelo facto da proteção também conferir um estatuto
pessoal para além do âmbito do trabalho. Isto é, o Direito do Trabalho assegura direitos de
personalidade ao trabalhador. A proteção destes direitos opera-se em várias dimensões e níveis, tais
como os expressos na Constituição da República Portuguesa, no Código Civil, no Código Penal e,
claro, no Código do Trabalho. O facto desta tutela ser multinível explica-se, por exemplo, com o facto
de se articularem direitos fundamentais com direitos laborais. Podemos ainda dizer que o Código do
Trabalho surge a par do Código Civil e do Código Penal - sendo que todas estas instâncias normativas
se completam.
NOTA: A CRP destaca-se por ter a previsão dos direitos laborais e dos direitos laborais elencados.
Esta matéria tem o seu objetivo em adequar a tutela da personalidade ao ambiente do trabalho. A
relação laboral, como sabemos, é desequilibrada e o Direito tem a obrigação de a equilibrar. Assim, o
desequilíbrio natural traduz-se numa vulnerabilidade acrescida do trabalhador- isto é, quando se entra
numa relação de emprego a execução do programa laboral pode lesar de modo específico a sua
personalidade. Posto isto, é muito relevante ter em conta o ambiente a fim de reconhecer direitos de
personalidade laborais.
O que é relevante para o nosso estudo é a tutela descentralizada do Direito do Trabalho apesar de
ser importante considerar a articulação com outros ramos. Neste sentido, há um catálogo aberto de
direitos de personalidade a partir do 14º CT. Esta proteção especial, dirigida às características do
trabalho atende a conceitos e limitações específicas.
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Trata-se de uma matéria complexa em que abundam conceitos indeterminados e em que surgem, não
raro, questões melindrosas, cuja resposta poderá oscilar em função das circunstâncias concretas que
rodeiam a situação. Ao Direito do Trabalho compete, no essencial, estabelecer aqui um marco
fundamental: a garantia, nas certeiras palavras da Professora Maria Regina Redinha “de que homens e
mulheres, no tempo e local de trabalho não abandonam a sua qualidade de cidadãos nem se despem
dos atributos jurídicos da sua humanidade”
No Código do Trabalho:
Esses bens genéricos tratados de forma autónoma são, pela ordem apresentada:
• Dados Biométricos;
Mais uma vez é de notar que cada um destes bens tem de ser tido em consideração com a articulação
de outras instâncias normativas.
Estas disposições aplicam-se aos trabalhadores subordinados e aos TED’s, por força da inclusão dos
direitos de personalidade no patamar de direitos essenciais constituintes da proteção laboral
indispensável. Para além disso aplica-se a todos os trabalhadores dependentes- públicos e privados.
Assim, todas as formas de trabalho dependente e os TED’s estão abrangidos.
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Os trabalhadores independentes são tutelados pelo CC, ou seja, no trabalho independente não há tutela
específica laboral - há um “minus”. Isto justifica-se pela diferente situação estatutária. Não obstante,
isto não implica que, por via da remissão legislativa, sejam aplicados direitos tutelados pelo DT a
trabalhos independentes.
Claro que o trabalhador independente tem menor proteção, mas isto sucede porque os trabalhadores
dependentes também têm menor proteção.
No elenco do CT, a partir da proteção de dados pessoais consideram-se sobretudo bens ligados ao
modo da execução de prestação, estando em causa, a presença e previsão de riscos do trabalho no
ambiente digital. Sendo assim, podemos concluir que temos uma tutela específica para os postos de
trabalho com uma componente digital:
• Dados Biométricos;
Portugal previu os direitos de personalidade no CT em 2003, uma vez que até então os trabalhadores
estavam sujeitos à tutela geral. No Código de 2009 não houve alterações significativas neste campo.
Posto isto:
Artigo 14º CT: axiologicamente está trocado com o artigo 15º; este artigo reconhece expressamente
os direitos de personalidade ao trabalhador e empregador - ou seja, a tutela específica do CT estende-
se ao empregador no caso concreto da liberdade de expressão.
Ora, isto não faz sentido uma vez que o empregador no contexto de contrato de trabalho não tem
quaisquer constrangimentos nesta matéria, não havendo uma modificação da sua posição jurídica.
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Contudo, este alargamento foi motivado pelo cenário das opiniões expressas nas redes sociais e a
jurisprudência tem-se estendido a ambos os casos.
Incluem-se ainda todos os elementos da cadeia hierárquica e também trabalhadores singulares. O limite
para esta liberdade no âmbito do trabalho é o “normal funcionamento da empresa”, ou seja, esta
liberdade é reconhecida dentro e fora da empresa, porém, dentro da empresa temos este limite
acrescido para que o ambiente de trabalho não seja prejudicado, valendo apenas para o contexto
laboral.
É sob esta égide que se colocam os problemas da linguagem “woke” e da utilização de símbolos
religiosos no local de trabalho, como dimensão específica da liberdade de expressão religião.
Assim, uma norma que parece reconduzir à tutela geral tem-se revelado de aplicação bastante
controversa e dinâmica.
Artigo 15º CT: a integridade física, psíquica e moral; este artigo não diz respeito apenas ao direito à
integridade num dado momento. Sendo assim, compreende, por exemplo, o direito à saúde – na
dimensão de não ser exposto a riscos de saúde na prestação, e de não ser exposto a um ambiente sadio
(situações humilhantes, assediantes, ou que coloquem em causa da honra e bom nome).
Artigo 16º CT: a reserva da vida privada preocupa-se em proteger o trabalhador e empregador -
fazendo sentido, pela primeira vez englobar este, pois também o trabalhador pode ter acesso a dados
do empregador. Trata-se de uma norma que protege um bem jurídico já previsto nos termos genéricos
do CC.
Discute-se muito na atualidade se não haverá uma esfera privada profissional. Na composição
normativa clássica da esfera privada pode não se incluir a situação de o empregador abrir o armário e
gavetas do empregador, limitar o acesso a determinados sites ou reduzir os meios de contacto com os
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filhos - estamos perante as dimensões pessoal e profissional. Cada vez mais faz-se um apelo à
conciliação da vida pessoal com a profissional.
Também é neste quadro que se integram os regulamentos das empresas - podendo empregador limitar
as relações pessoais entre trabalhadores ou obrigar à sua comunicação.
O que se pode recuperar da vida privada para o contexto laboral são as condutas que possam ter
repercussões laborais (jogadores de futebol que vão sair à noite). O empregador pode exigir algumas
comunicações, mas não pode ultrapassar fronteiras dos limites da pessoa do outro.
Sendo assim, os bens jurídicos são os que conhecemos, mas ganham outra dimensão neste contexto. É
aqui que se inserem discussões como a do código de vestuário que vão para além do funcionalmente
exigido.
Artigo 17º CT: Na era do Big Data, as possibilidades de intrusão na privacidade e de controlo por
banda do empregador são enormes, compreendendo-se, por isso, que a lei se venha preocupando cada
vez mais com esta matéria. Esta norma tem como âmbito subjetivo o trabalhador e o candidato a
emprego e a aplicação está ligada a tratamentos de dados relacionados com a vida privada, saúde e
estado de gravidez. Esta proteção acumula-se à proteção do quadro geral. Estabelece-se que a regra é
a proibição da recolha e tratamento destes dados, embora se reconheçam desvios limitados pela própria
proteção dos sujeitos - condições de saúde que possam agravar ou limitar a prestação (juízo de
necessidade, proporcionalidade e adequação).
Em regra, não há desvios quanto ao estado de gravidez (pode afastar-se, por exemplo, se a prestação
envolver manipulação de matérias radioativas). Este direito é de disponibilidade relativa, ou seja, o
trabalhador pode limitá-lo mediante consentimento a qual (naquele e para aquele caso concreto) e
esclarecido - tal como nos termos gerais.
O desvio da proibição em matérias de saúde e gravidez tem de ser prestado por um médico que entregue
ao empregador um atestado de aptidão ou inaptidão. Assim, o empregador terá acesso ao resultado,
mas não ao processo.
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Não basta a verificação destas condições de derrogação do princípio, têm de se verificar ainda a
fundamentação escrita, ou seja, tem de haver uma formalidade substantiva sob pena de ilegitimidade
na recolha dos dados.
Dados Biométricos
Artigo 18º CT: Neste âmbito, diz o artigo 18º/1 CT que “o empregador só pode tratar de dados
biométricos do trabalhador após notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados”. No
entanto, este artigo requer uma interpretação abrrogante, porque apesar das sucessivas alterações ao
Código do Trabalho, o legislador nunca chegou a conformar o artigo 18º com Regime Geral da
Proteção de Dados (RGDP) - tendo isto em consideração, poder-se-á afirmar que a parte da
“notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados” está, hoje, revogada muito embora continue
na letra da lei.
O que é a biometria?
Os dados biométricos são dados comparativos, onde há uma comparação de uma amostra digital com
caraterísticas pessoais como por exemplo, a impressão digital e o reconhecimento facial. Estes dados
são categorizados pelo RGPD como dados sensíveis, ou seja, dados que pela sua proximidade à pessoa
e ao seu espaço de identidade são particularmente arriscados no tratamento. Nem sempre foi assim,
porque os primeiros sistemas biométricos não tinham capacidade de armazenamento de leituras e, por
isso, a intrusão era muito menor do que aquela que hoje os sistemas permitem.
Quanto à aplicabilidade, estes dados biométricos dizem respeito apenas aos trabalhadores e são objeto
de previsões específicas no RGPD, nomeadamente como expressa o seu artigo 4º e 14º. Tendo em
conta a tutela multinível dos direitos de personalidade também temos de chamar esta previsão
normativa na interpretação do 18º CT. Ora, na sua forma mais simples, os dados biométricos são dados
que não permitem um reconhecimento identitário total.
Todos os dados biométricos são sensíveis, mesmo que uns sejam mais sensíveis que outros, já que
serão tão mais sensíveis quanto maior a possibilidade de descobrir a identidade pessoal e o
reconhecimento de elementos que sejam suscetíveis de fundar juízos discriminatórios, como resulta
do 9º/1 RGPD. Hoje, a biometria é usada para controlo de acesso e assiduidade nos termos da lei geral.
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Artigos 20º e 21º CT: Abrange qualquer forma de controlo ou fiscalização através dos meios
tecnológicos. Portanto, aqui o campo de aplicação é muito alargado. Tem um limite, no artigo 20º/1
CT, uma vez que o empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho,
mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho
profissional do trabalhador. Contudo, esta regra admite exceções no 20º/2 CT, desde logo:
1. A utilização desse equipamento é licita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança
de pessoas e bens;
2. Quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem - falamos, desde
logo, de características de risco da própria atividade, como a manipulação de substâncias
perigosas e arriscadas e a necessidade de grande rigor nas prestações, ou seja, não podem existir
comportamentos que comprometam a boa gestão da atividade.
Existe, no fundo, uma certa interseção entre a segunda exceção e o que diz respeito à circunstância
geral da primeira exceção. Como condição de ilicitude da exceção ao princípio surge a obrigação de
comunicar ou informar o trabalhador acerca da existência e finalidade dos meios utilizados.
Geolocalização
Os GPS não foram, durante muito tempo, considerados meios de localização a distância por não
permitirem o armazenamento de dados recolhidos durante o seu funcionamento. Mais tarde, quando
começaram a permitir esse armazenamento começaram a ser considerados como meios de localização
a distância. A nossa jurisprudência refere essa evolução tecnológica, aliás o influxo jurisprudencial
neste âmbito diz respeito sobretudo à geolocalização e às câmaras de vigilância.
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Estas regras são fáceis de ser estabelecidas em abstrato, mas em concreto não é tão fácil estabelecer
uma fronteira. Tendo em conta o 22º/2 CT, o empregador pode, por exemplo, estabelecer que não há
correio eletrónico pessoal da empresa, e por isso não há informação que não possa ser conhecida por
toda a empresa. Deste modo, passa a ser uma infração contratual a utilização da conta da empresa para
âmbito pessoal. Este é um direito disponível e por isso, como vimos tem o empregador o poder de
estabelecer normas no âmbito profissional.
De acordo com o artigo 19º CT, os testes e exames médicos estão incluídos entre os dados biométricos
e meios de vigilância à distância. Os testes e exames médicos têm como âmbito subjetivo de proteção
tanto trabalhadores como candidatos a emprego. Porém, de acordo com o 19º/1 CT, “o empregador
não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a
trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para
comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção
e segurança do trabalhador ou de terceiros”. O empregador não pode fazê-lo sob pena de incorrer
numa contraordenação muito grave, segundo o disposto no 19º/4 CT.
Além disto, há outros direitos de personalidade que estão protegidos com uma tutela própria, que não
estão nesta secção do código do trabalho, como é o caso do assédio e da discriminação.
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Para responder a esta questão, ter-se-á de aferir de onde parte a violação. Assim, quando a violação
parte:
I. Do empregador: como existe uma proteção multinível, existe uma tutela penal - por exemplo, no
caso de uma violação da correspondência por parte do empregador. No entanto, existe no âmbito
geral, responsabilidade civil com uma obrigação de indemnização, nos termos do 483º CC, já que
se viola um direito absoluto de outrem, neste caso, do trabalhador. Em matéria de tutela de
personalidade importa o 70º CC, que confere uma proteção aos bens jurídicos, já que os bens
jurídicos em causa são tão valiosos que devem ser protegidos. Contudo, há também consequências
no âmbito laboral, desde logo, o trabalhador que veja os seus direitos de personalidade atingidos
pode resolver o seu contrato de trabalho por justa causa, de acordo com o 394º CT, sendo essa
resolução acompanhada por consequências indemnizatórias, conforme o 396º CT. Este direito à
resolução do contrato é uma faculdade, ou seja, nada obrigue a que o trabalhador lance mão desta
faculdade, podendo o mesmo escolher arcar com as consequências, ao invés de resolver o contrato
de trabalho.
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A igualdade esteve desde sempre presente no ordenamento jurídico da União Europeia, desde logo nos
artigos 20º a 26º da CDFUE. Vem a mesma, também, consagrada no artigo 13º CRP. O ordenamento
jurídico interno assenta numa perspetiva ampla do que é a igualdade e não discriminação que se dirige
a vários fatores, desde logo pela Lei 93/2007. Como se organiza este ordenamento complexo?
→ Através de uma tutela da não discriminação em geral, com um corpo normativo desenvolvido
em função da não discriminação em função do género e ainda segundo uma tutela da não
discriminação em função da deficiência.
Quando falamos de igualdade e não discriminação falamos numa comparação entre a situação ideal
típica e a situação real. Por exemplo, X é candidato a um emprego e defronta uma oferta de emprego
que apenas admite candidatos da nacionalidade Y. Esta é a situação real/concreta. Para saber se é ou
não discriminatória comparamos com a situação ideal típica/situação padrão - aquela em que a
nacionalidade não é fator de admissão ao lugar de emprego. Desta análise, podemos constatar três
hipóteses:
1. Se a situação ideal for mais ampla que a situação real temos uma situação discriminatória,
porque a situação real ficou aquém do “dever ser”;
2. Se ambas as situações forem iguais, ou seja, se não houver menção da nacionalidade como
fator na admissão ao emprego, consubstancia-se uma situação de igualdade.
3. Se a situação real for melhor que a situação ideal, há uma diferenciação que tem uma coloração
positiva, sendo melhor do que se esperava e, por isso, o direito não tem de intervir do ponto de
vista corretivo, sendo esta situação aceite pela ordem jurídica por não ser discriminatória.
Mas, imaginando um outro exemplo, se houver um concurso com dois candidatos (A e B) e nesse
concurso B for preterido em função do sexo - há uma discriminação direta, ou seja, o tratamento
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Há outras formas de proteção que merecem relevo, como a invalidade de cláusulas de IRC ou de
regulamento de empresas contrária à igualdade e as medidas de ação positiva. No que diz respeito à
proteção lateral temo a tutela da parentalidade, a proteção contra o despedimento de certas categorias
de trabalhadores, a proteção de trabalhadores vítimas de violência doméstica, entre outras.
Assédio é todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou
física com o objetivo ou efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade ou de lhe
criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, conforme o 29º/2
CT. A mesma norma ocupa-se de duas realidades: assédio moral (ou mobbing) e assédio sexual.
O assédio pode ainda ser vertical, em que o assediante será, em princípio, o empregador ou um superior
hierárquico, ou horizontal, quando ocorre entre trabalhadores entre os quais não existe uma relação
hierárquica. Do ponto de vista jurídico, o assédio sexual não se mostra tão complexo, porque a própria
natureza dos atos o torna reconhecível. Por outro lado, o assédio moral pode ser constituído por uma
série de comportamentos que se traduzem em atos lícitos, que acabam por desgastar a pessoa, ou seja,
traduzem ordens legítimas que visam desgastar e humilhar a pessoa. Muitas vezes o assédio é fundado
em fatores discriminatórios - via de regra é mesmo assim, pois envolve um tratamento diferenciado
para um dado trabalhador. Contudo, esta não tem de ser forçosamente uma conduta discriminatória (o
empregador pode, desde logo, assediar todos os trabalhadores da empresa, sem distinção).
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O assédio sexual é muito mais reconhecível, como dito, pelas suas finalidades e pelo objeto a que se
dirige, mas este aparece via de regra como uma prática desorganizada. Deste modo, este pode ser
uma prática instantânea, constituída por um só ato ou uma prática reiterada, mais ou menos arrastada
no tempo.
O assédio sexual é um epifenómeno de uma realidade mais lata que é o assédio onde, por sua vez, se
situam patologias de violência do trabalho. É de notar que existe um acordo europeu sobre esta matéria
que teve como propósito a pedagogia e a necessidade de restruturação de condutas. O assédio sexual,
para além das caraterísticas referidas, comparando com as outras formas de assédio, tem uma tutela
criminal, em algumas das suas manifestações mais ostensivas, como os casos da coação e
importunação sexual. No que respeita às causas referidas no 29º CT, acontece muitas vezes que o
assédio sexual evolua para o assédio moral, normalmente quando existe uma reação e resistência por
parte da vítima.
O assédio pode ser exercido pelos superiores hierárquicos ao longo da cadeia hierárquica da vítima,
nos dois sentidos: seja de cima para baixo ou de baixo para cima.
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A nível da União Europeia é especialmente relevante o acordo COM (2007) 686- final, em que o
assédio é tratado como uma manifestação de discriminação, existindo um acordo do quadro europeu
neste âmbito que consubstancia um dos primeiros diplomas a ocupar-se do problema, no entanto sem
uma consistência normativa muito específica.
Quer isto dizer que o assédio pode ou não ser discriminatório. Obviamente que assediar alguém leva
sempre a uma diferenciação negativa de tratamento, mas quando nos referimos ao assédio como sendo
ou não discriminatório falamos de motivação, ou seja, do motivo que está na base da conduta
assediante. Caso seja uma conduta baseada nos fatores de discriminação que conhecemos, constituirá
um caso de assédio discriminatório, com o objetivo de desfavorecimento de alguém. Por outro lado,
existem assédios não discriminatórios, nomeadamente, aqueles que não tem uma motivação aparente,
mas apenas subjetiva do agente, como é o caso do distúrbio de personalidade do agente assediante,
sem que isso se deva a qualquer característica da vítima. Outras vezes, o assédio visa favorecer a
situação pessoal do agente, por exemplo, eliminando potenciais concorrentes para promoções ou
cargos dentro da empresa - neste caso, não é nenhuma característica do lesado que determina a prática
assediante, mas motivações pessoais mais ou menos obscuras.
Ora, quando o assédio é discriminatório as suas consequências são as mesmas que as consequências
da discriminação, mobilizando toda a tutela discriminatória para reprimir a prática de assédio,
fundamentalmente:
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O assédio contende sempre, em qualquer uma das suas modalidades, com a violação de direitos de
personalidade, já que este atinge a dignidade pessoal, bem como a integridade física e moral do
indivíduo. No quadro contratual, o assédio constitui sempre um comportamento infracional por se
traduzir numa violação do princípio da boa-fé na execução do contrato. Se o assédio for vertical
descendente, este constitui ainda uma violação de proporcionar boas condições de trabalho, que
implica a manutenção de um ambiente saudável - artigo 129º CT. No caso do assédio horizontal, viola-
se um dever de respeito para com os colegas de trabalho, já que não existe nenhuma obrigação por
parte de cada trabalhador em proporcionar aos colegas boas condições de trabalho, mas antes um dever
de respeito perante essas condições - artigo 128º CT.
No caso do assédio discriminatório, temos a prova facilitada através da inversão do ónus da prova
parcial - artigo 25º/5 CT. Esta inversão parcial do ónus da prova será completada com a proteção contra
atos retaliatório (29º/6 CT) e pela vinculação do dever disciplinar. Quanto ao ónus da prova no assédio
não discriminatório este recai sobre o trabalhador assediado, por força da regra geral constante no
artigo 342º/1 CC.
Existe uma presunção relativa de que o despedimento ou outra sanção aplicada alegadamente para
punir uma infração é abusivo se acontecer até um ano após a denúncia ou outra forma de exercício de
direitos relativos a igualdade, não discriminação e assédio - artigo 331º/2/b) CT. Constitui justa causa
de resolução do contrato pelo trabalhador a ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou
dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com
competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante - artigo
394º/2/f) CT. É ainda relevante o artigo 4º/1 da Lei 73/2017 em matéria de queixas- sendo de notar
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que, segundo a Professora Maria Regina Redinha, o canal de denúncia aqui previsto é importante, mas
insuficiente (na medida em que não abrange outras situações igualmente graves).
A “relação laboral típica” ou “relação laboral standard” ainda está associada a conceitos como: relação
com vocação para perdurar no tempo; relação que preenche, por inteiro, a “vida laboral” do cidadão-
trabalhador; relação bilateral em que o trabalhador presta a respetiva atividade em prol de um único
sujeito bem definido, que o renumera e que conforma a sua conduta emitindo as correspondentes
ordens e instruções; relação que se desenvolve num quadro empresarial. Com efeito, o emprego normal
ou típico, que ainda funciona como paradigma, é um emprego permanente, de duração indefinida ou
indeterminada, é um emprego a tempo inteiro ou completo, é um emprego que tem a empresa por palco
de execução.
Não obstante, existem cada vez mais modelos contratuais diferentes, as chamadas relações atípicas de
trabalho que fogem ao modelo padrão. Isto não influencia a designação de um contrato, já que uma
relação pode ser atípica de trabalho, mas definida por uma relação contratual típica. O artigo 139º e
seguintes CT elenca as principais modalidades, que se reconhecem a par da relação laboral típica de
duração indeterminada, evidenciadas em modos específicos. Este elenco é aberto, já que existem outras
modalidades de contrato de trabalho que não estão aqui previstos. O princípio da liberdade contratual
vincula-se à lei e a lei nada diz sobre o facto de não poderem existir mais tipos de modalidades. Existem
ainda modalidades que encontram previsão fora do Código do Trabalho.
De acordo com o 139º e seguintes CT, temos como modalidades de contrato de trabalho:
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Todos estes fenómenos põem em xeque o paradigma clássico de contrato de trabalho. Novas
modalidades contratuais surgem e velhas modalidades ressurgem, tudo contribuindo para formar um
“mosaico juslaboral” rico e diversificado. Importa, por isso, fazer uma referência a algumas das
modalidades atípicas do contrato de trabalho.
É um contrato cada vez mais influenciador de outros modelos. É a modalidade primeira de quem
começa a sua carreira profissional. O contrato a prazo parece hoje consistir num sonho para os
empregadores, na exata medida em que, não raro, o mesmo surge como um pesadelo para os
trabalhadores. Ora, o regime jurídico do contrato de trabalho a termo deverá tentar alcançar um ponto
de equilíbrio entre o sonho de uns e o pesadelo de outros, sendo certo que o ponto de partida não pode,
apesar de tudo, deixar de ser o seguinte: a relação laboral standard, o emprego normal/típico, deverá
ser o emprego por tempo indeterminado; o paradigma contratual terá de ser este, pois isso mesmo
resulta do disposto no artigo 53º da CRP.
Releva neste âmbito a Diretiva 70/1999 que, apesar de ainda hoje suscitar certas dúvidas, ser o
substrato de Direito da União Europeia que deve ser articulado com o regime da contratação a termo.
Segundo esta Diretiva, os objetivos da contratação a termo são, no seu essencial, o de contribuir para
melhorar a qualidade do trabalho e evitar abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos.
Quanto ao seu âmbito de aplicação, positivamente, o contrato a termo aplica-se aos trabalhadores
contratados a termo ou partes numa relação laboral, mesmo que não contratados a termo.
Negativamente, a diretiva não se aplica no domínio de uma formação profissional ou aprendizagem
ou ainda num programa público ou com comparticipação de carácter público no domínio da formação.
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É um trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma
empresa realize um trabalho ou uma atividade idêntico ou similar, tendo em conta as qualificações ou
competências.
Um dos princípios previstos na diretiva é o princípio de tratamento não menos favorável onde existe
uma comparação com o trabalhador com um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que,
na mesma empresa realize um trabalho ou uma atividade idêntico ou similar, tendo em conta
qualificações ou competências, com um trabalhador a termo. Está aqui subjacente uma ideia de
proporcionalidade com adaptação em função da limitação temporal. O princípio do tratamento não
menos favorável parte sempre daquilo que é mais próximo para o mais afastado, ou seja, privilegia a
situação mais próxima do estatuto a comparar prosseguindo-se um gradual afastamento. Assim, a
comparação é feita, sucessivamente, em relação ao:
5. Trabalhador com contrato sem termo com situação definida em CC ou em práticas nacionais.
A diretiva operacionaliza a prevenção do abuso determinando que os Estados Membros optem por
adotar entre três instrumentos para controlo, nomeadamente:
1. A exigência de razões objetivas que justifiquem a renovação dos contratos ou relações laborais;
2. A duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;
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relativamente à existência de contratos a termo na empresa. O Tribunal de Justiça tem sido muito ativo
na aplicação desta diretiva através de uma série de decisões particularmente importantes,
nomeadamente, Pérez López v Servicio Madrileño de Salud (2016) C-16/15.
A contratação a termo inicia-se com a norma do 139º CT, segundo a qual o regime da contratação a
termo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRC), com
exceção dos artigos 140º/2 e 145º CT. Sendo assim, é essencial determinar que este regime tem um
carácter imperativo.
Ao contrato a termo é aposta uma cláusula acessória típica - o termo resolutivo - e por esta aposição o
contrato a termo tem uma caracterização tipológica diferente. Ou seja, aqui o termo não é considerado
acessório, mas essencial, uma vez que determina o tipo.
Relativamente a outras cláusulas acessórias típicas, por exemplo, no termo suspensivo não há um
regime próprio, aliás o 135º CT diz que pode ser aposto ao contrato de trabalho condição ou termo
suspensivo, nos termos gerais. Portanto, nestas duas situações, condição e termo suspensivo o
problema está resolvido no 135º CT. Por outro lado, quanto ao termo resolutivo o problema é resolvido
pelo 139º CT - estando este sujeito a determinados requisitos de ordem formal e material. No entanto,
no que diz respeito à condição resolutiva, não há uma referência, porque ela não é admissível em
direito do trabalho, já que ter uma condição resolutiva significa que, verificado o acontecimento futuro
certo, o contrato resolve-se e os seus efeitos serão paralisados. Isto é, o contrato que vigorava até então,
deixa agora de produzir os seus efeitos, o que vai contra a tendencial regra da perdurabilidade do
contrato e faz da cláusula de condição resolutiva uma causa de extinção do contrato de trabalho fora
das outras previstas.
1. Duração indeterminada
2. Causalidade - é um contrato causal, uma vez que a sua validade depende da celebração em
virtude da satisfação de uma necessidade temporária objetivamente definida, isto é, temos um
sistema fundado no princípio da segurança pelo que só admitidos o termo resolutivo numa
causalidade determinada e, por isso, só excecionalmente se admite a celebração do contrato a
termo - 140º CT.
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⚫ Através de situações taxativas previstas na lei - 140º/4 CT. Em principio o contrato a termo serve
para satisfazer necessidades temporárias, de acordo com a cláusula geral, mas para além disso
admite-se a celebração do contrato a termo certo nos casos do 140º/4/CT: na órbita do empregador,
quando em causa o lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como o início do
funcionamento da empresa nos dois anos posteriores - alínea a); e na órbita do trabalhador, quando
seja para regular situações de trabalhadores em desemprego de muito longa duração, facilitando a
reintegração do trabalhador - alínea b).
O ónus da prova dos factos que justificam a causalidade do contrato cabe ao empregador, uma vez que
este tem melhor acesso a esses elementos, em qualquer uma das vias. A lei prevê como variantes da
contratação a termo a possibilidade de apor ao contrato um termo resolutivo certo ou incerto. O termo
certo é aquele que é referido a uma data fixada calendário - por exemplo, sabe-se que um contrato com
duração de um ano que se iniciou no dia 01.01.2023 terminará no dia 31.12.2023. Todavia, se o
trabalhador for contratado para substituir um trabalhador ausente por baixa médica, não se sabe quando
é que o trabalhador irá regressar - o trabalhador ausente pode ter uma baixa médica de cinco dias que
pode ser renovada e, por isso, não há certeza da data fixa do termo, ou seja, sabe-se que irá acontecer
o evento futuro e certo, neste caso, o regresso do trabalhador, mas não há reporte a uma data fixa e
determinada.
O artigo 140º/2 CT elenca as necessidades temporárias. Um contrato a termo certo pode cair em
qualquer uma destas causas justificadoras. E o contrato a termo incerto pode ser celebrado em todas
estas circunstâncias? O contrato a termo incerto tem um fator acrescido de instabilidade porque tem
uma pré-definição temporal que está ainda condicionada pela verificação de um acontecimento não
reportado a data específica. O legislador circunscreveu a possibilidade de contratação a termo incerto
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a certas hipóteses elencadas no 140º/3 CT, ou seja, nos casos do 140º/2/a), c) ou e) a h) CT. O contra
a termo incerto tem um elemento causal diferente do elemento causal da contratação a termo certo.
Assim, enquanto a contratação a termo certo resulta da cláusula geral com uma enumeração
exemplificativa, podendo as partes escapar a essa exemplificação, o mesmo não acontece no contrato
celebrado a termo incerto para o qual a lei admite uma enumeração taxativa, já que fora dos casos
previstos para a sua celebração a lei não admite contratação a termo incerto. Por exemplo, perante a
substituição de um trabalhador que preste trabalho parcial não é possível a contratação a termo
incerto. Para a substituição direta ou indireta de trabalhador temos sempre de celebrar um contrato a
termo incerto porque se encontra nas hipóteses elencadas? Não, existe liberdade de escolha contratual,
contudo se a vontade for pela celebração do contrato a termo incerto, ter-se-á de acolher o disposto
nestas previsões. Tendo isto em conta, é evidente que há uma maior margem de escolha quanto à
contratação a termo certo.
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No referente ao motivo justificativo não basta a remissão para o artigo, sendo preciso incluir a
descrição dos factos que o integram e que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada
e o termo estipulado - 143º/3 CT.
A duração do contrato a termo tem um limite máximo de 2 anos (148º/1 CT), mas também uma duração
mínima normal de 6 meses. Na verdade, o contrato a termo tem um limite mínimo de 6 meses, mas
pode durar menos que isso, em certas situações previstas - 148º/2 CT. Se contrato for celebrado por
prazo inferior a seis meses em situação não prevista no 140º/2/a) a g) CT, o contrato considera-se
celebrado pelo prazo de seis meses desde que corresponda à satisfação de necessidades temporárias da
empresa - 148º/3 CT.
O contrato a termo renova-se automaticamente, isto é, chegando o seu termo, se não houver qualquer
intervenção das partes, o contrato renova-se por igual período de tempo, se outro não for acordado
pelas partes - 149º/2 CT. As partes podem acordar que o contrato a termo certo não fica sujeito a
renovação - 149º/1 CT. A renovação é válida caso se mantenha a necessidade justificativa. O contrato
de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes e a duração total das renovações não pode
exceder a do período inicial daquele - 149º/4 CT. Ou seja, existe uma duração máxima de renovação e
dentro dessa, o contrato pode renovar-se três vezes. A renovação pode ser expressa ou tácita.
O contrato a termo cessa pelo decurso do tempo, pela verificação do seu termo. A cessação de contrato
de trabalho vem prevista nos artigos 338º e seguintes CT. A forma de extinção normal do contrato a
termo é a caducidade - 343º CT. Se nada de anómalo acontecer no decurso da sua vigência a causa de
extinção natural do contrato de trabalho é a caducidade. Se a renovação do contrato a termo é
automática como opera a caducidade? A caducidade é não automática, como disposto no 343º CT.
O artigo 344º CT reporta-se à operacionalidade da caducidade nesta situação, isto é, o contrato a termo
certo caduca no final do prazo ou da sua renovação desde que o empregador ou o trabalhador
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comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, respetivamente, 15 ou 8 dias antes da
expiração do prazo. O 345º CT respeita à caducidade de contrato a termo incerto.
Por exemplo, um contrato a termo é celebrado no dia de 01.01.2020 pelo prazo de seis meses. Se nada
for feito pelas partes, o contrato renovar-se-á pela primeira vez no dia 01.07.2020 e pela segunda vez
no dia 01.01.2021. Neste exemplo, existiram duas renovações, pelo que poderá haver uma outra
renovação a 01.07.2021. Depois desta última data não pode haver mais nenhuma renovação do
contrato, sob pena do mesmo se converter num contrato de duração indeterminada. Isto é, segundo o
entendimento da Professora Regina Redinha existem dois limites à renovação do contrato:
Segundo este entendimento, neste caso, como o contrato de trabalho a 01.07.2021 ainda não tinha
excedido os dois anos de duração máxima e tinha sido renovado apenas duas vezes, poderia existir
uma terceira renovação nessa mesma data- uma vez que não se entendem como cumulativos os
requisitos do 149º/4 CT. No período de 01.01.2020 a 01.01.2021 não existem 3 renovações, uma vez
que o período de 01.01.2020 a 01.07.2020 não consubstancia uma renovação, mas antes o período
normal do contrato com duração de 6 meses. Para que a renovação não aconteça de forma contínua,
tem de haver uma paralisação da renovação automática através de uma declaração receptícia nos
termos do 344º/1 CT - ou seja, antes de chegar a uma destas datas terá de haver uma declaração
segundo a qual uma das partes se opõe à renovação do contrato.
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A função paradigmática da contratação a termo fica evidente se tomarmos em conta o seu papel
paradigmático e subsidiário relativamente a uma série de modalidades. A contração a termo pode ser
chamada a aplicar-se na falta de previsão expressa nestes regimes particulares. Assim, serão contratos
a termo com regime especial:
⚫ Contrato com trabalhador reformado ou com idade superior a 70 anos - 348º CT;
PERÍODO EXPERIMENTAL
Regime Geral
Uma outra particularidade em que a contratação a termo se afasta do regime geral diz respeito ao
período experimental. No contrato de trabalho, o trabalhador envolve parte da sua personalidade e
identidade na prestação que realiza, e tal prestação revela alguma indeterminação quanto ao seu objeto,
uma vez que é no decurso da execução do programa contratual que se vão especificando as tarefas,
atribuições e funções do trabalhador. Estas características fazem com que a entrada numa nova relação
laboral se revista de algum desconhecimento, por ambas as partes, porque o empregador também
desconhece a produtividade do trabalhador e a sua adaptabilidade pessoal ao desempenho das funções
contratuais estabelecidas.
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O que distingue o período experimental da execução do contrato de trabalho sem este período prova?
Durante o período experimental, qualquer uma das partes, empregador e trabalhador, pode denunciar
o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização - 114º/1 CT. Há
uma cessação incondicionada do contrato de trabalho durante o período experimental. Este período é
estabelecido para avaliação do interesse de cada uma das partes na manutenção do contrato de trabalho
podendo as partes mudar de ideias quanto à sua celebração durante este período prova. Assim, quanto
maior é a tarefa maior terá de ser a duração do período experimental, como se retira da interpretação
do 112º CT. No contrato por tempo indeterminado, o período experimental será de 90 dias para a
generalidade dos trabalhadores (112º/1/a) CT) e de 180 dias para os trabalhadores que, segundo o
112º/1/b):
As alíneas i) e ii) são facilmente compreensíveis, onde se exige uma duração mais prolongada para
aferir a compatibilidade entre o trabalhador e a relação contratual. Mas qual é a lógica da alínea iii)
que respeita a trabalhadores que estejam à procura de primeiro emprego e desempregados de longa
duração? Ora, estas situações estavam cobertas pela legislação da contratação a termo antes da
intervenção legislativa que deu uma nova redação a esta disposição. Assim, ficaram englobados na
contratação a termo apenas os trabalhadores de muito longa duração - 140º/4/b) CT. Transformou-se
esta alínea iii) numa pseudo-modalidade do contrato de trabalho. O artigo 112º/1/c) CT prevê ainda
um período de 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direção ou quadro superior.
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dependência de aviso prévio no caso de denúncia do contrato por parte do empregador, quando o
período experimental dure mais de 60 ou 120 dias, sendo que neste caso o aviso prévio deverá ser de
7 e 30 dias, respetivamente - 114º/2 e 3 CT, respetivamente. O não cumprimento do período de aviso
prévio determina o pagamento da retribuição correspondente ao aviso prévio em falta - 114º/4 CT. A
superação destas primeiras fases do período experimental implica que o trabalhador, podendo embora
ver o contrato terminar sem invocação de justa causa pelo empregador, cria já uma certa expetativa de
continuidade do vínculo, tutelada através da exigência de concessão do referido aviso prévio.
Com efeito, retira-se da experiência o seu caráter bilateral. Trata-se de uma via com dois sentidos e,
assim, nas palavras de Raúl Ventura, ao “período de experiência do trabalhador pelo patrão” junta-se
o “período de experiência do patrão em favor do trabalhador”
Esta denúncia livre ao contrato de trabalho no período experimental pode ser radicada quando constitua
abuso de direito, apreciável dos termos gerais - 114º/7 e 8 CT. Ou seja, em princípio as partes são livres
de denunciar o contrato de trabalho, contudo há situações de denúncia que se traduzem no exercício
abusivo de um direito - quando a desvinculação das partes ocorre por motivos que não têm a ver com
as razões para as quais foi estabelecido o período experimental.
Por exemplo, A, trabalhador, é contratado para o exercício de funções técnicas. B, empregador, tem
de avaliar as competências de A para o exercício de funções, bem como a sua adaptabilidade pessoal,
durante o período experimental. Suponhamos que, durante esse período, B toma conhecimento de
opções políticas e religiosas de A que não lhe agradam, usando a desvinculação que lhe é permitida
pelo decurso do período experimental e colocando termo à relação contratual. Ora, existe um abuso
de direito por parte do denunciante, neste caso, do empregador, pelo aproveitamento do direito que
extravasa o quadro em que o mesmo é construído.
Regime Específico
Este período experimental alargado que temos, que em muitos casos se mostra abusivo, não faz sentido
para a contratação a termo. Existem, naturalmente, regras específicas para esta modalidade contratual
previstas no artigo 112º/2 CT, no qual temos um encurtamento significativo do período experimental.
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O período experimental no contrato a termo constitui, em alguns casos, 1/6 da duração do período
experimental no contrato por tempo indeterminado.
Segundo o 112º/2 CT, no contrato a termo o período experimental tem a duração de:
⚫ 30 dias em caso de contrato com duração igual ou superior a seis meses - 112º/2/a) CT;
⚫ 15 dias em caso de contrato a termo certo com duração inferior a seis meses ou de contrato a termo
incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite - 112º/2/b) CT.
É uma modalidade relativamente simples quando comparada com as restantes, porque nesta não há
nenhuma modificação estrutural, sendo que a sua única especificidade advém da duração do tempo de
trabalho. Quando ao seu regime, importa a aplicação de uma diretiva que tem uma especificidade, o
facto de ser pactuada e não ser imposta, ou seja, uma diretiva que resultou de um acordo quadro anexo
à Diretiva 97/81/CE.
Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal
inferir ao praticado a tempo completo em situação comparável - 150º/1 CT. Ou seja, o critério
determinante é o encurtamento do tempo normal de trabalho, tomando como comparação (negativa) o
tempo normal de trabalho semanal. Com isto, o legislador acabou por não estabelecer um critério
quantitativo do trabalho a tempo parcial, ao contrário do que acontece em outros ordenamentos
jurídicos. De acordo com o 150º/3 CT os termos de comparação podem ser diferentes. Isto é, a
referência base do trabalho semanal pode ser alterada de maneira que haja uma modelação temporal e
o trabalho a tempo parcial possa ser prestado apenas em alguns dias por semana, por mês ou por ano,
devendo o número de dias de trabalho ser estabelecido por acordo. O trabalho a tempo parcial é sempre
apurado pelo método comparativo, comparando o trabalhador a tempo completo com o trabalhador a
tempo parcial, seguindo sempre as situações de maior proximidade com o termo comparado. Assim,
seguimos:
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⚫ Em terceiro lugar - disposição de IRC ou legal aplicável a trabalhador a tempo completo, com a
mesma antiguidade e qualificação - 150º/5 CT.
No caso da celebração de um contrato a tempo parcial temos a sua sujeição a forma com conteúdo
mínimo obrigatório, sujeito a período experimental - 153º CT. Quando não tenha sido observada forma
escrita, considera-se o contrato celebrado a tempo completo - 153º/3 CT. Se faltar a indicação do
pedido normal de trabalho diário e semanal considera-se também o contrato celebrado a tempo
completo. É possível cumular o contrato a tempo parcial com outras modalidades de contrato,
nomeadamente, com a contratação a termo.
De acordo com a disciplina do trabalho a tempo parcial temos duas situações contempladas no código:
o contrato de trabalho é ab initio celebrado a tempo parcial e depois existe um acordo escrito de
passagem para o regime de trabalho a tempo completo ou o inverso - 155º/1 CT. O legislador prevê no
155º/2 CT um período de retração, ou seja, de arrependimento, depois de experimentadas as novas
condições, o trabalhador pode repensar e fazer cessar o acordo referido por meio de comunicação
escrita enviada ao empregador até ao sétimo seguinte à celebração do acordo. Este direito de retração
não existe se houver reconhecimento notarial presencial das assinaturas das partes no acordo, porque
o legislador subentende que nessa hipótese houve uma reflexão mais cuidada - 155º/3 CT.
O acordo de passagem do trabalho a tempo completo para o regime de trabalho a tempo parcial ou o
inverso, é um acordo novatório, produzindo a novação do vínculo contratual - 156º/1 CT. Este artigo
diz que o empregador deve “tomar em consideração” o que traduz uma não obrigação.
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Existe uma função social associada ao trabalho a tempo parcial por ser uma modalidade que permite
uma compatibilidade da via profissional com características da vida pessoal, pelo que o legislador
tenha estabelecido fatores de preferência em favor da pessoa com responsabilidades familiares, com
capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica ou que frequente estabelecimento
de ensino - 152º/1 CT. Este artigo não estabelece um direito de preferência, mas remete para IRC o
regime das preferências, e os instrumentos de regulamentação coletiva estabelecem esses direitos.
Porquê estas normas de reenvio de competência para IRC? O Tribunal de Justiça da UE entende
que o trabalho a tempo parcial constitui uma forma de discriminação. Há países em que existe um
considerável número de mulheres a exercer atividades profissionais a tempo parcial. Com isto, o
Tribunal de Justiça tem decidido que o facto de estabelecer como requisito de progressão na carreira o
exercício de funções a tempo completo constitui uma forma de discriminação.
3. Trabalho intermitente
Existem muito poucas situações de contrato de trabalho intermitente, desde logo, pelo seu elevado
custo. O trabalho intermitente tem previsão no 157º CT. Uma primeira condição material para a sua
existência será tratar-se de uma empresa que exerça atividade com descontinuidade ou intensidade
variável - assim, esta primeira condição, verdadeiramente, não o é, porque todas as empresas com
atividade empresarial têm uma intensidade variável, pelo que este será um condicionamento relativo.
Contudo, apenas empresas podem recorrer a esta forma de prestação de atividade. Existem várias
formas de conformar anualmente as situações de intermitência, sendo certo que tenham de existir
expectativas do trabalhador quanto ao seu chamamento para o exercício de funções. O artigo 159º/1
CT traduz a autonomia das partes em fixar a intermitência em qualquer uma das suas variantes. No
entanto, para haver trabalho a tempo intermitente a prestação de trabalho não pode ser inferior a 5
meses a tempo completo, por ano, dos quais pelo menos 3 meses devem ser consecutivos,
correspondendo a 7 meses de inatividade - 159º/2 CT. Em termos contratuais, a intermitência pode
aparecer por referência a determinados meses por ano ou por referência ao início e termo do período
de trabalho. Os intervalos podem ser regulares ou irregulares. Contudo, tem de existir um pré-aviso
mínimo para a prestação de trabalho.
Como dito, o trabalho intermitente é uma forma de prestação muito dispendiosa, uma vez que o
trabalhador é remunerado, pelo empregador, nos períodos de inatividade, ou em valor estabelecido nos
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moldes de IRC ou, na sua falta, de 20% da retribuição base - 160º/2 CT. O trabalhador é compensado
nos períodos de inatividade, pelo facto de durante esses períodos manter a sua disponibilidade para a
prestação de atividade. Não há uma exclusividade do trabalhador, pelo que, no período de inatividade
pode o trabalhador prestar serviço numa outra empresa, devendo informar o empregador desse facto -
160º/1 CT.
Este contrato também é formal e com conteúdo mínimo obrigatório - 158º CT. Exigem-se formalidades
substantivas que se repercutem na validade do contrato, tais como:
b) indicação do número anual de horas de trabalho ou do número anual de dias de trabalho a tempo
completo.
Quando não tenha sido observada forma escrita, ou na falta da indicação do número anual de horas de
trabalho ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo, considera-se o contrato celebrado
sem período de inatividade. Ou seja, no caso de inobservância, o contrato é nulo e há uma conversão
num contrato sem intermitência, em contrato de regime comum.
Comissão de serviço
O seu regime está previsto no 161º e seguintes CT. Deve o seu nome a um instituto do Direito
Administrativo com o qual tem ténues pontos de contacto. A comissão de serviço no Direito
Administrativo permite o exercício de funções temporárias fora do local de origem do posto de trabalho
do trabalhador, isto é, sugere as ideias de “preenchimento transitório de um lugar” e de “deslocação
funcional do trabalhador”. Esta tem uma finalidade de mobilidade funcional no quadro da
administração pública e na administração do Estado. No âmbito das modalidades do Contrato de
Trabalho, a comissão de serviço aparece com um enquadramento que tem em comum com o Direito
Administrativo o facto de permitir que determinados trabalhadores sejam alocados temporariamente a
outras funções. Portanto, na comissão de serviço existe um quadro funcional determinado, uma vez
que existe uma delimitação de acordo com as modalidades funcionais em causa, ao contrário do que
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acontece com as restantes modalidades. Assim, não é todo e qualquer tipo de trabalho que pode originar
uma comissão de serviço, mas antes aqueles que apresentam determinadas funções.
Posto isto, a comissão de serviço consiste numa cláusula acessória que poderá ser aposta ao contrato
de trabalho quando esteja em causa um certo tipo de funções a desempenhar pelo trabalhador,
caracterizadas, todas elas, por uma especial relação de confiança interpessoal. Cumpre ainda dizer que
o traço mais marcante do regime jurídico da comissão de serviço consiste na circunstância de esta
poder cessar, a todo o tempo, por simples manifestação de vontade de qualquer um dos sujeitos,
inclusive do empregador.
Quanto ao seu âmbito funcional, pode ser exercido, em comissão de serviço cargos de direção ou
equivalentes, funções de secretariado pessoal de cargos de direção ou equivalentes ou ainda, desde que
IRC o preveja, outros cargos que suponham especial relação de confiança em relação ao titular do
cargo e funções de chefia - 161º CT. O contrato de comissão de serviço é formal com conteúdo mínimo
obrigatório - 162º/3 CT. Tem um âmbito funcional restrito, mas pode ser livremente denunciado pelas
partes. Isto é, qualquer uma das partes pode colocar termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio
por escrito, com antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante a comissão tenha durado,
respetivamente, até dois anos ou período superior - 163º/1 CT.
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2. Caso não exista cláusula de continuidade de emprego - surge um conflito com o princípio da
estabilidade e da segurança, uma vez que temos uma hipótese de livre desvinculação contratual
fora do quadro taxativo admitido para a extinção do contrato de trabalho.
NOTA: O Professor João Leal Amado distingue entre “comissão de serviço com garantia de
emprego” e “comissão de serviço sem garantia de emprego”, respetivamente.
Há autores que consideram esta situação, que coloca em causa o princípio da estabilidade, como
inconstitucional. Desde a introdução desta figura no ordenamento jurídico que esta crítica lhe é
apontada, vendo a sua legitimidade questionada nestes termos. Quanto aos efeitos da cessação da
comissão de serviço importa o artigo 164º CT, nomeadamente no que respeita aos direitos do
trabalhador, depois de cessada a Comissão.
4. Teletrabalho
Foi introduzido no Código do Trabalho em 2003, sendo Portugal o primeiro país a fazê-lo. O legislador
aproveitou a sua redação e incorporou-o na lei positiva. Apesar de inovadora, esta não foi antecipatória
- no contexto da aprovação do Acordo Quadro Europeu sobre o Teletrabalho de 16 de Junho de 2002.
É um acordo com âmbito de vinculação circunscrito aos Estados Membros que o subscreveram. O
legislador português enquadrou-o no Código do Trabalho, sendo pioneiro e confrontando-se com as
questões subjacentes.
Inicialmente, foi uma situação muito tranquila porque havia poucos teletrabalhadores, o que se veio a
alterar com a pandemia COVID-19. O regime jurídico do Acordo Quadro sobre esta matéria prevê as
considerações gerais, a definição do objeto, o carácter voluntário, as condições de trabalho, a proteção
de dados e a privacidade.
Além deste acordo quadro surge mais tarde um outro: Acordo Quadro sobre Digitalização. O acordo
tem duas notas especificas quanto ao teletrabalho: compliance tempo de trabalho e prevenção da sobre
conexão.
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Esta prestação do trabalhador não tem de ser exclusiva, podendo alternar entre situações de ausência
e presença no local da prestação. Não obstante para haver um elemento qualificador este tem de ter na
situação concreta um peso significativo.
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Daqui resulta que a noção de teletrabalho é complexa, desde logo, porque recobre várias situações. Do
ponto de vista da organização do teletrabalho muitas das vezes a conceção que se tem é de que o
teletrabalho é aquele que ocorre no domicílio do trabalhador. Ora, é verdade que o reporte do
teletrabalho foi pensado para essa situação de modo a evitar as deslocações, no entanto, embora a
associação entre teletrabalho e domicílio seja dominante, o teletrabalho acontece noutras realidades,
como o caso:
⚫ centros satélites;
⚫ centros comunitários - espaços de prestação de teletrabalhadores que prestam a sua atividade para
vários empregadores. São normalmente estabelecidos pelas autarquias ou organizações
comunitárias, mais frequentes em locais do interior do país com maior dificuldade de acesso;
⚫ teletrabalho móvel - não há um centro fixo de atuação, já que os trabalhadores estão em locais
muito variados, incluindo-se aqui o nomadismo social. Também é móvel aquele trabalho que é
executado pelo teletrabalhador junto de clientes do empregador (por exemplo, como a assistência-
ele tem de acompanhar a localização dos clientes).
Observando o disposto no 166º CT, pode exercer a atividade em regime de teletrabalho um trabalhador
da empresa ou outro admitido para o efeito. Para a implementação do regime de teletrabalho será
necessário um acordo escrito, que pode constar do contrato de trabalho inicial ou ser autónomo em
relação a este - 166º/2 CT. O acordo de teletrabalho define o regime de permanência ou de alternância
de períodos de trabalho à distância e de trabalho presencial - “teletrabalho híbrido”. Existem regimes
diferenciados no que diz respeito ao facto jurídico que dá origem à relação de trabalho, embora haja
pontos em comum: a existência de um acordo escrito com conteúdo mínimo obrigatório - 166º/4 CT.
O acordo de teletrabalho pode ser celebrado com duração indeterminada ou determinada - 167º CT.
Em algumas situações, o trabalhador tem o direito a passar a exercer a atividade em regime de
teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada, como o caso do trabalhador
vítima de violência doméstica, tal como diz o 195º/1 CT por remissão do 166º-A/1 do CT, verificadas
certas condições. Mas não só, também o trabalhador com filho com idade até 3 anos ou,
independentemente da idade, com deficiência, doença crónica ou doença oncológica que com ele viva
em comunhão de mesa e habitação, tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando
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seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de meios para o efeito - 166º-
A/2 do CT.
5. Trabalho temporário
Contexto histórico
Esta modalidade de contrato de trabalho começou por ser proibida, uma vez que pressuponha a
intervenção de um terceiro na relação essencialmente bilateral que é a relação laboral. Muitos autores
entenderam essa intervenção como uma afronta especulativa. Ora, neste contexto histórico, o trabalho
temporário teve muitas fases de evolução, acabando no final por ser aceite e regulamentado, sendo
elas:
1. Fase de proibição
3. Fase de aceitação
4. Fase de legitimação
O certo é que o trabalho temporário, tal como se apresenta hoje, é uma figura que costuma dizer-se
permitir que: “quem contrata não empregue e que quem empregue não contrate”, como veremos
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adiante. O trabalho temporário tem na sua figura uma empresa de trabalho temporário (“ETT”), pelo
que não temos um trabalho temporário sem a existência de uma empresa de trabalho temporário.
É costume dizer-se que o trabalho temporário teve uma origem muito curiosa: um dia durante o período
de pós 2ª guerra mundial, um advogado americano, Winters, tinha um prazo urgente para cumprir no
tribunal de recurso, contudo a datilógrafa encarregue de ultimar a peça para que a mesma desse entrada
no Tribunal, faltou. Ora, sob pressão para o cumprimento do prazo e na necessidade de encontrar
alguém capaz de executar a tarefa acabou por se lembrar da sua secretária que tinha abandonado tal
profissão em prol da vida familiar. Assim, o advogado pensou que para aquela situação específica a tal
secretária pudesse resolver a questão e ultimar a peça, de forma que fosse possível cumprir o prazo.
Por um lado, a peça foi de facto ultimada e deu entrada em tempo no Tribunal, e por outro, a secretária
teve um pequeno rendimento extra pela prestação da atividade. Com isto, o advogado começou a
pensar que haveria muitos casos como este, ou seja, factos inesperados de mão de obra e, por isso,
seria útil uma bolsa de pessoas que pudesse satisfazer estas necessidades inesperadas. Para tal, o
advogado fundou uma empresa com estas finalidades e características - uma empresa de trabalho
temporário - de modo a permitir responder a solicitações inesperadas pontuais de falha de mão de obra.
A empresa ainda hoje existe.
Regime jurídico
Existe um regime jurídico do trabalho temporário desde 1989 em conjunto com a cedência ocasional
de trabalhadores. Contudo, apenas em 2009 adquire, o trabalho temporário, uma legitimação reforçada.
Tivemos sempre um regime unitário do trabalho temporário que se ocupava de todas as vertentes que
este integra. Contudo, hoje temos uma regulamentação contratual no Código do Trabalho e a
regulamentação da atividade das empresas de trabalho temporário no DL 260/2009. Ora, se estamos a
cuidar de modalidades de contrato de trabalho será preciso descer a este pormenor, uma vez que é a
partir do modo de regulamentação das empresas de trabalho temporário que chegamos a algumas
soluções do Código do Trabalho. Releva ainda a Diretiva 2008/104/CE que teve um processo negocial
muito longo, demorando décadas a ser aprovada. Tal Diretiva começou a ser negociada ainda antes de
haver um regime jurídico do trabalho temporário, logo, ainda antes de 1989. Embora à primeira vista,
a Diretiva, não tenha nada de controverso na sua regulamentação, o Reino Unido opunha-se a um
regime separado para o trabalho temporário, resultando daí uma resistência à sua aprovação. No
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entanto, quando a Diretiva foi aprovada, já estaria praticamente transposta em toda a Europa à exceção
do Reino Unido o que faz prever que o prazo de transposição até 2011 estaria cumprido.
Porém, existe um grande desencontro com a Diretiva na nossa lei, uma vez que o artigo 4º da Diretiva
prevê um principio das proibições ou restrições ao trabalho temporário, ou seja, o trabalho temporário
é livre, pelo que apenas pode ser restringido excecionalmente. É essencialmente aqui que a disposição
se mostra totalmente oposta ao que o nosso código estabelece, já que por força princípio da estabilidade
e segurança no emprego, o código faz uma leitura inversa ao exposto na diretiva. Isto é muito
significativo por ser uma questão de base que aliás se cruzou com a última intervenção legislativa que
acabou por distanciar ainda mais estas disposições.
O chamado “trabalho temporário” analisa-se também num esquema contratual atípico, mas, dir-se-ia,
aqui a atipicidade e o caráter desviante revelam-se de modo mais ostensivo. É que, com ou sem prazo,
a relação laboral tradicional estabelece-se entre dois sujeitos bem definidos: o trabalhador e o
empregador, aquele prestando a atividade a este e sendo por ele retribuído. Ora, no trabalho temporário
as coisas passam-se de uma outra forma, visto que aqui se assiste a uma relação protagonizada por 3
sujeitos. Temos, portanto, uma dialética mais complexa, entre o trabalhador temporário, a empresa de
trabalho temporário e o utilizador, dando azo, portanto, a um modelo tripartido de vínculo laboral que,
enquanto tal foge ao paradigma clássico da relação de trabalho.
Assim sendo, temos uma empresa de trabalho temporário que celebra contratos de trabalho com
trabalhadores assegurando a atividade da sua prestação, e que posteriormente cede essa disponibilidade
a terceiros (utilizadores), através de um contrato de utilização. Assim, a estrutura do trabalho
temporário parece ser triangular no que diz respeito aos sujeitos:
2. Trabalhador;
No fundo é uma estrutura que resulta da junção de um contrato de trabalho entre a ETT e o trabalhador
fixando um salário, com um contrato de utilização entre a ETT e o utilizador com a fixação de um
preço, acabando por formar uma relação laboral não contratual entre o trabalhador temporário e o
utilizador. Assim, a ETT é a entidade intermediária responsável por recrutar, selecionar e fornecer
trabalhadores temporários à empresa utilizadora. Isto significa que verdadeiramente não temos uma
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relação triangular porque não há um contrato em que os três sujeitos (ETT, trabalhador e utilizador)
sejam juntos parte do contrato, mas antes temos uma junção contratual de três contratos de natureza
distinta que se conjugam - daí termos dito supra “quem contrata não emprega e que quem empregue
não contrata” - na verdade foi a ETT que contratou o trabalhador temporário, mas quem o empregou
foi o utilizador, sendo a este último que o trabalhador presta atividade
Esta estrutura contratual é essencial para efeitos de qualificação, nomeadamente, no que respeita à
cedência ocasional de trabalhadores. Esta, aparentemente, também tem uma relação triangular:
trabalhador, cedente e cessionário. Porquê aparentemente? Ora, o trabalhador vai prestar a sua
atividade a quem não o contratou inicialmente o que se mostra semelhante à relação do trabalho
temporário. Mas qual é a diferença? Aqui na cedência ocasional de trabalhadores existe um contrato
de trabalho em que os três sujeitos são parte, isto é, todos os intervenientes emitem uma declaração
contratual nesse sentido, até porque se faltar uma dessas declarações o contrato não é nulo, mas antes
inexistente. Assim, podemos dizer que a diferença entre a relação do trabalho temporário e a relação
da cedência ocasional de trabalhadores reside no âmbito contratual. E mais se acrescenta que o cedente
não é uma empresa de trabalho temporário, mas antes uma empresa que tem um objeto comum e que
se dedica a qualquer atividade, que não apenas a cedência de trabalhadores. Por isso, a cedência é
considerada como uma vicissitude da relação contratual laboral e não como uma modalidade do
contrato de trabalho, como é o caso do trabalho temporário.
Como vimos, no trabalho temporário existe então uma fragmentação do vínculo da relação contratual.
Ao utilizador cabe tudo aquilo relacionado com o concreto posto de trabalho - por exemplo, a
obrigação de toda a informação relacionada com os riscos inerentes ao posto de trabalho. Nesta
divisória observamos que num primeiro bloco estão todas as obrigações que constituem o risco de ser
trabalhador, ao passo que, do lado do utilizador estão as faculdades do estatuto reportadas, no fundo,
ao benefício da prestação. Uma das críticas que sempre se apontou ao trabalho temporário era
precisamente esta: a existência de uma certa desresponsabilização do utilizador.
O contrato que funda a relação laboral deve ser o contrato de trabalho, porque a ETT só pode ceder a
disponibilidade do trabalho de alguém depois de isso estar assegurado pelo contrato de trabalho.
Contudo, isto não é frequente acontecer.
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O contrato de trabalho pode ser de uma de duas espécies, isto é, a vinculação do trabalhador à ETT
pode ocorrer por um destes dois modelos:
1. Contrato de trabalho por tempo indeterminado - 183º e seguintes CT. Aqui não há uma
sobreposição entre os dois contratos, mas antes o contrato de trabalho tem duração superior ao contrato
de utilização. É um contrato formal - 183º CT. Ora, é contrato de trabalho por tempo indeterminado
aquele celebrado entre uma ETT e um trabalhador, pelo qual este se obriga a prestar temporariamente
a sua atividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à ETT - 172º/1/b) CT.
No contrato de trabalho por tempo indeterminado existe uma afetação do trabalhador e se não houver
uma outra quando esta acabar dá-se um período de inatividade, o que pode levar a situações de
intermitência. Foi esta situação que gerou o trabalho intermitente como forma autónoma. Pode
acontecer que a ETT seja tão eficiente que nunca dê períodos de inatividade, contudo essa hipótese
será praticamente impossível. Os períodos de inatividade são retribuídos - 184º/2/a) CT. Como vimos,
não existe uma sobreposição do contrato de trabalho com o contrato de utilização, pelo que a
vinculação do trabalhador à ETT é independente do contrato de utilização.
NOTA: A expressão “trabalho temporário” pode, com efeito revelar-se enganadora. O adjetivo
temporário refere-se à atividade a desenvolver para o utilizador e não há duração do vínculo com a
empresa de trabalho temporário: este vínculo será constituído por tempo indeterminado ou a termo e,
nos dois casos, o trabalhador prestará a sua atividade temporariamente ao terceiro utilizador. De todo
o modo, não deixa de ser verdade que a sub modalidade tradicional (e largamente maioritária) neste
campo é a do contrato de trabalho temporário/ contrato a termo.
Neste modelo, o contrato de utilização (175º e seguintes CT) comunica com o contrato de trabalho
temporário. O contrato de utilização é um contrato de prestação de serviços a termo resolutivo entre o
utilizador e a ETT pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais
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trabalhadores temporários - 172º/1/c) CT. Este contrato de utilização é de natureza comercial porque
pelo menos num lado dos intervenientes existe um sujeito comercial, a ETT, sujeito a forma escrita -
177º/1 CT. É causal, porque só pode ser celebrado nas situações taxativas referidas na lei - 175º CT.
Isto significa que, ao contrário do que acontece na contratação a termo, onde há uma cláusula geral
com uma enumeração exemplificativa, no contrato de trabalho temporário existe um elenco fechado.
2. Não pode ter por objeto posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde
do trabalhador, a não ser que exista qualificação profissional bastante - 175º/4 CT. Existe uma
sinistralidade elevada relativamente a estes trabalhadores que se discute tendo em conta,
essencialmente dois fatores: um fator de ordem motivacional, uma vez que os trabalhadores
contratados nestas condições tentam prestar tudo da melhor forma possível para que sejam contratados
logo no final desse período; ou porque estes trabalhadores gozam de pouco tempo de adaptação às
condições e exigências que o trabalho implica.
3. Necessidade que não haja sido assegurada por trabalhador despedido (despedimento coletivo ou
por extinção do posto de trabalho) nos 12 meses anteriores - 175º/5 CT.
Como vimos, existe uma cisão do estatuto do trabalhador entre duas empresas (ETT e empresa
utilizadora) e tudo aquilo que não cabe na esfera do utilizador fica na ETT por defeito, que é a empresa
titular do contrato. Contudo, há situações duvidosas, porque não estão especificamente previstas, e não
temos como chegar à solução sem compreensão da sua estrutura. Neste âmbito surgem essencialmente
duas dúvidas:
⚫ A primeira dúvida situa-se na zona de interseção que diz respeito à prestação de trabalho
suplementar - 226º e seguintes CT - para o comum dos trabalhadores o trabalho suplementar é
uma obrigação. O empregador (ETT) pode exigir ao utilizador a prestação de trabalho
suplementar? Pode, porque apesar de exigir ao utilizador um quantum de prestação superior ao
que está estabelecido no contrato de utilização, está a exigir uma prestação que cabe nos seus
poderes de direção. Ou seja, o seu pedido não contende com o objeto contratual e não o modifica,
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pelo que, no seu quadro de direção tem legitimidade para exigir esta prestação. Contudo, isto tem
um preço, e se o empregador pede mais tempo ao utilizador, terá de ajustar o preço previsto no
contrato de utilização, sob pena de enriquecimento indevido do empregador.
⚫ A segunda dúvida diz respeito ao poder disciplinar. Este pode, em última análise, levar ao
despedimento, pelo que só pode despedir o trabalhador aquele que é sujeito da relação. Assim, o
poder disciplinar tem de caber a quem contrata, a ETT - 185º/4 CT. Contudo, esta última pode
exercer o poder disciplinar apenas se o utilizador transmitir os factos necessários à atribuição
daquela competência. Essa comunicação tem de ser feita com a antecedência devida, mas não
havendo nenhuma disposição nesse sentido teremos de retirar o dever de cooperação do utilizador
do princípio da boa-fé contratual, pelo que apenas ao abrigo deste princípio se poderá
responsabilizar o utilizador pela não comunicação desses factos.
Preveem-se situações de responsabilidade solidária entre as duas entidades, uma vez que a celebração
de contrato de utilização de trabalho temporário por empresa de trabalho temporário não licenciada
responsabiliza solidariamente esta e o utilizador pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato
de trabalho, da sua violação ou cessação, relativos aos últimos três anos, bem como pelos encargos
sociais correspondentes - 174º/1 CT.
Prevê-se ainda, uma caução constituída pela ETT para o exercício da atividade garante, desde logo, o
pagamento de crédito do trabalhador temporário relativo a retribuição, indemnização ou compensação
devida pelo empregador pela cessação do contrato de trabalho e outras prestações pecuniárias, em
mora por período superior a 15 dias; e de contribuições para a segurança social, em mora por período
superior a 30 dias - 190º/1 CT. O trabalhador de reclamar os respetivos créditos no prazo de 30 dias a
contar do termo do contrato de trabalho, bem como comunicar o facto ao serviço público de emprego,
para efeitos de pagamento através da caução - 191º/1 CT.
O empregador é objetivamente responsabilizado no quadro do 500º CC, isto é, aquele que encarrega
outrem é objetivamente responsabilizado por danos do comissário. Neste âmbito necessário será
distinguir entre duas situações:
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⚫ Caso o trabalhador seja afetado a um utilizador e no decurso, esse provoque danos ao utilizador,
este último pode demandar a ETT enquanto comitente? Não, porque o utilizador, não obstante não
ser parte do contrato de trabalho não é um terceiro qualquer, mas antes um terceiro que tem poder
para conformar a prestação, poder de atribuir funções e de estabelecer limites à prestação. Portanto,
a ETT não é aqui comitente, esta pode ser objetivamente responsabilizada, mas com base num
outro fundamento, por exemplo, se escolheu mal aquele trabalhador para aquela função entre
outros, mas tal já não será ao abrigo do 500º CC.
⚫ Caso o dano seja causado a um terceiro que nada tem que ver com o quadro contratual, o utilizador
é o comitente? Sim. Todavia, há situações em que a vinculação do trabalhador excede a vinculação
do utilizador - neste caso, se o dano acontecer quando não haja nenhuma afetação do utilizador, ou
seja, nos períodos em que não há qualquer intervenção deste, será a ETT o comitente.
Invalidades contratuais
Quanto a esta matéria importa sublinhar a especificidade que advém do facto da invalidade conduzir a
conversão do contrato. A conversão tem um regime geral, mas para além disso pode ser paralisada se
nos primeiros 30 dias da prestação da atividade o trabalhador optar por uma indemnização.
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Existem figuras que, mesmo não estando incluídas no elenco das modalidades de contrato de trabalho,
comportam-se como tal, como é o caso da cedência ocasional de trabalhadores. De acordo com o
129º/1/g) CT é proibido ao empregador ceder trabalhador para utilização de terceiro, isto é, a cedência
de trabalhadores ocasional ou não é, em princípio, proibida. No entanto, segundo o mesmo artigo,
abrem-se duas ordens de exceções: nos casos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação
coletiva de trabalho. A cedência ocasional de trabalhador tem previsão no artigo 288º e seguintes do
CT. Ora, a cedência consiste na disponibilização temporária do trabalhador pelo empregador, para
prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo
contratual inicial - 288º CT. Nesta medida, o 288º CT utiliza-se para a determinação da licitude desta
figura, inserindo-se no quadro das vicissitudes contratuais. Ou seja, a cedência ocasional não surge
como um contrato de trabalho nem como modalidade deste, sendo antes um contrato superveniente ou
sobreposto a um contrato de trabalho pré-existente - a cedência ocasional aparece como uma
vicissitude da relação contratual laboral, um acidente de percurso durante a vigência do contrato de
trabalho.
Assim, pela definição que consta do 288º CT, podemos retirar o facto da cedência ocasional assentar,
essencialmente, em três elementos:
Isto é, na cedência ocasional de trabalhadores temos um empregador (cedente) que tem um contrato
de trabalho com o trabalhador e que posteriormente, por razões objetivas ou subjetivas, disponibiliza
a terceiros (cessionário), a prestação do trabalhador. Mantém-se, no entanto o contrato de trabalho
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inicial, e daí a cedência ocasional ser uma vicissitude contratual, uma vez operar em sobreposição com
esse contrato de trabalho inicial já existente. Isto tem bastante importância, já que é através desta
estrutura contratual que diferenciamos a cedência ocasional do trabalho temporário, como vimos.
Contudo, a cedência ocasional é novatória, porque acaba por renovar e manter a relação contratual pré-
existente entre o cedente e o trabalhador.
⚫ Previsão em IRC - a cedência ocasional, dentro daquela noção do 288º CT, será admitida nas
condições que o IRC estipular. A cedência ocasional é uma das poucas figuras que, em Portugal,
teve origem na contratação coletiva, precisamente, em IRC. A cedência começou a ser designada
por “empréstimo de mão de obra” num contrato coletivo de trabalho.
⚫ Verificação cumulativa das condições previstas no 289º/1 CT - de acordo com este artigo a
cedência é lícita quando:
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⚫ Inclusão do trabalhador para efeitos de organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho;
Existe a hipótese de responsabilidade solidária entre cedente e cessionário, ao abrigo da Lei 102/2009.
Existe ainda o caso da chamada cedência de interesse público, no quadro do regime do contrato de
trabalho em funções públicas. No entanto, fica apenas a menção, pelo que não vamos particularizar
estas situações.
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Pluralidade de empregadores
O contrato de trabalho com pluralidade de empregadores está sujeito a forma escrita com um conteúdo
mínimo obrigatório - 101º/2 CT. Uma dessas menções obrigatórias será a indicação do empregador
que representa os demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do
contrato de trabalho, o chamado “empregador alfa” - 101º/2/c) CT. Este “empregador alfa” representa
a pluralidade dos empregadores e se essa pluralidade acabar, será ele o titular da relação laboral -
101º/4 CT - assim, nesse caso, se por algum motivo desaparecem os empregadores, que não o
“empregador alfa”, o trabalhador fica apenas vinculado a esse, salvo acordo em contrário.
Estes empregadores são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do
contrato de trabalho, cujo credor seja o trabalhador ou terceiro, pelo que cada empregador pode exigir
a prestação integral do trabalhador - 101º/3 CT. Contudo, existindo esta responsabilidade solidária
haverá também o direito de regresso por parte de cada empregador. No caso de existir uma pluralidade
de empregadores fora da colaboração empresarial ou uma inobservância de forma resulta no direito
potestativo do trabalhador em optar pelo empregador ao qual fica vinculado - 101º/5 CT. A pluralidade
de empregadores fora da colaboração empresarial ou inobservância de forma - o trabalhador pode optar
pelo empregador a que fica vinculado.
A ordem jurídica preocupa-se com o tempo alienado pelo trabalhador ao empregador, na medida em
que deve determinar que tempo é esse e quanto tempo será. A este propósito devemos começar pela
CRP que prevê concretamente no seu artigo 59º/1/d) e 2/b) preocupações que acompanham o Direito
do Trabalho desde o seu nascimento: limitação do tempo de trabalho, proteger o equilíbrio físico e
psíquico do trabalhador, tutelar a sua saúde, garantir períodos de repouso para este, salvaguardar a sua
auto-disponibilidade, assegurar a conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar etc.
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Quando falamos de organização do tempo de trabalho falamos numa distribuição diária, semanal,
mensal ou até anual da prestação de trabalho. Pode dizer-se que não existe trabalho, mas antes tempo
de trabalho. Toda a atividade de trabalho se prolonga por determinado período de tempo, ou seja, a
prestação de trabalho é indissociável do tempo. Quando falamos nesta organização do tempo de
trabalho distinguimos dois regimes:
Em primeiro lugar, temos de ter em atenção alguns conceitos comuns a estes regimes sobre a duração
e organização do tempo de trabalho - artigos 197º e seguintes CT. O que é o tempo de trabalho? De
acordo com o artigo 197º/1 CT, considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o
trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as
interrupções e os intervalos previstos no número seguinte. O que não seja tempo de trabalho entende-
se por período de descanso - 199º CT.
2. Organização flexível do tempo de trabalho - cada vez mais os trabalhadores estão abrangidos por
este tipo de regime no qual, ao contrário do regime normal, não há um horário fixo de entrada e de
saída do trabalho, por exemplo. Enquadram-se neste âmbito também as pessoas que, estando no seu
domicílio, são contactas pela empresa ou por clientes desta em relação a questões laborais - este é um
problema que tem vindo a ser tratado pela saúde no trabalho porque, para além do trabalho em questão
não ser pago é um trabalho que acresce ao tempo normal e que acaba por provocar um desgaste no
trabalhador, nomeadamente, desgaste emocional. Este estado de alerta cria várias situações de stress
para o trabalhador. O empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de
descanso, sob pena de incorrer numa contraordenação grave - artigo 199º-A CT - isto evidencia um
esforço da lei em defender não só a posição dos trabalhadores sujeitos a um regime flexível de trabalho,
mas também aqueles que estão sujeitos a um regime normal.
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A lei consagra a saúde e a segurança no trabalho como fundamentos para a limitação do trabalho. Entre
nós não é muito frequente a limitação anual, mas antes a limitação diária de 8h e a limitação semanal
de 40h - artigo 203º/1 CT.
É importante ainda dizer que, nesta matéria, a lei assenta no binómio tempo de trabalho/período de
descanso, sendo certo que o tempo de trabalho compreende dois módulos diferentes: tempo de trabalho
efetivo (artigo 197º/1 CT) e os períodos de inatividade comparados a tempo de trabalho (as
interrupções e os intervalos previstos no artigo 197º/2 do CT). O período de descanso é recortado
negativamente pela lei, consistindo, nos termos do artigo 199º, em todo aquele que não seja tempo de
trabalho.
Conceitos Importantes:
• Período Normal de Trabalho (198º CT): tempo de trabalho que o trabalhador se
obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana (o quantum
da prestação, a determinação do volume de trabalho);
• Horário de Trabalho (200º CT): determinação das horas de início e termo do
período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do
descanso semanal (o quando da prestação, a distribuição das horas que compões
o período normal de trabalho ao longo do dia).
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Adaptabilidade
1. Adaptabilidade por regulamentação coletiva (204º CT) - o regime é admitido por instrumento
de regulamentação coletiva.
2. Adaptabilidade individual (205º CT) - definido por acordo entre o empregador e trabalhador;
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Partimos sempre do pressuposto de que o trabalhador tem um determinado período de trabalho e a lei
permite que esse trabalhador preste até 200h por ano, como atividade suplementar ou acrescida. As
empresas, normalmente, utilizam estas soluções para épocas de maior aperto de trabalho. Enquanto na
adaptabilidade não há excesso de trabalho, porque no final do período referente o número de horas
deve corresponder ao período normal de trabalho, no banco de horas já há um acréscimo do período
normal de trabalho. No entanto, esse acréscimo poderá ser compensado, por exemplo com o aumento
do período de férias (artigo 208º/4/a) CT), redução equivalente do tempo de trabalho ou ainda mediante
pagamento em dinheiro, pelo que não é, na verdade um trabalho gratuito, na medida em que será
compensado.
O artigo 210º CT admite exceções aos limites máximos do período normal de trabalho, estabelecidos
no artigo 203º CT e como tal, os limites do período normal de trabalho, ou seja, as 8h diárias e as 40h
semanais, podem ser ultrapassadas em relação a determinadas categorias de profissionais, como o caso
de trabalhadores de entidades sem fins lucrativos (artigo 210º/1/a) CT) ou o trabalho de simples
presença (artigo 210º/1/b) CT). É claro que quer o regime de adaptabilidade quer o regime do banco
de horas levam a um aumento semanal das horas de trabalho e, por isso, o artigo 211º CT estabelece
um teto máximo de duração média do trabalho semanal em 48h. Ora, o trabalho suplementar é aquele
trabalho que acresce ao trabalho que estava contratualizado e o artigo 211º CT estabelece uma média
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semanal onde está incluído esse trabalho suplementar que pode ser prestado, quer em regime normal,
quer em regime de flexibilidade.
Horário de trabalho
A lei, no artigo 200º CT, inclui no horário de trabalho a fixação do intervalo de descanso e do descanso
semanal. Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período
normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal. A lei obriga a
que o trabalhador faça um intervalo durante o dia de trabalho, chamado o intervalo de descanso - artigo
213º CT - em regra, se o trabalhador tem o horário de 8h diárias a lei obriga a que ele descanse, pelo
menos 1h, de maneira que não preste mais de 5h de trabalho consecutivo. Por outro lado, a lei
determina um descanso diário de, pelo menos, 11h seguidas entre o final da atividade do trabalhador
num dia e o início da atividade no dia seguinte, ou seja, entre dois períodos diários de trabalho
consecutivos - artigo 214º/1 CT. A determinação da fixação do horário do trabalho interfere não só
com a vida da empresa, mas com a vida do trabalhador, de maneira que a lei obriga a publicidade do
horário de trabalho permitindo, principalmente à Inspeção do Trabalho, conhecer o horário que os
trabalhadores devem cumprir e aquele que efetivamente cumprem. O horário pré-fixado pode ser
alterado pelo empregador, ainda que com algumas limitações substanciais - artigo 217º CT.
Existem vários regimes de flexibilidade clássicos, desde logo, o regime de isenção do horário de
trabalho. Segundo este regime não há hora de entrada nem de saída do trabalho, no entanto a lei
estabelece algumas condições a este regime, não admitindo livremente a sua fixação porque,
normalmente, serve para aumentar o tempo diário e semanal do horário de trabalho. Ainda assim, antes
da revisão de 2004 a lei era mais restritiva neste âmbito do que se mostra hoje.
O artigo 218º/1 CT prevê que, por acordo escrito, poderá ser isento de horário de trabalho o trabalhador
que se encontre numa das seguintes situações:
• Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser
efetuados fora dos limites do horário de trabalho;
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Neste quadro, as partes poderão, nos termos do 219º CT, acordar numa das seguintes modalidades de
isenção de horário: isenção total; isenção parcial/limitada; isenção modelada/relativa.
Note-se que o trabalhador isento de horário não ganha, mas antes perde, auto-disponibilidade: é o
horário que baliza a situação de hetero-disponibilidade do trabalhador, o qual sabe que fora desse
horário não terá de se sujeitar ao poder diretivo do empregador e prestar-lhe a correspondente atividade
laboral. Ora, são essas balizas protetoras que vêm a ser removidas aquando da isenção de horário de
trabalho - daí que a lei só admita a isenção num círculo limitado de situações, provendo, ademais, o
direito de uma retribuição específica para o trabalhador isento de horário, contrapartida da
disponibilidade acrescida que lhe é exigida (265ºCT).
Trata-se, afinal, de mais uma ferramenta de flexibilidade temporal oferecida ao empregador, o que
explica que este, se quiser utilizá-la, tenha de compensar o trabalhador.
É um outro regime de flexibilidade clássico. Este tipo de regime justifica-se quando a empresa funciona
mais do que o normal período de funcionamento, já que muitas vezes as empresas ficam isentas das
limitações de duração do período normal de trabalho, podendo trabalhar mais do que 40h semanais-
221º/1 CT. Ora, na medida em que cada trabalhador apenas pode trabalhar 8h diárias, como impõe a
lei, e a empresa funciona 24h por dia, por exemplo, a mesma terá de contratar três trabalhadores (A, B
e C) que sucessivamente ocuparão o mesmo posto de trabalho, isto é, A trabalhará das 8h às 16h, B
das 16h às 00h e C das 00h às 8h. Este trabalho por turnos pode ser:
⚫ Fixo - se o mesmo trabalhador ocupar sempre o mesmo turno. Por exemplo, A trabalhará sempre
das 8h às 16h, B das 16h às 00h e C das 00h às 8h;
⚫ Rotativo - se o mesmo trabalhador ocupar turnos diferentes rotativamente. Por exemplo, uma
semana A trabalha das 8h às 16h, na semana seguinte trabalhará das 16h às 00h e noutra das 00h
às 8h, ou seja, o seu horário vai rodando.
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Isto é também um regime de flexibilidade na medida em que a empresa pode contratar o número de
trabalhadores necessário à sua atividade - por exemplo, se a empresa funcionar 24h por dia, a mesma
precisará de contratar três trabalhadores, como vimos. No entanto, se funcionar 16h por dia, bastarão
dois trabalhadores. O trabalho por turno rotativo, como vimos, pode ter início todas as semanas em
horas diferentes, o que implica um esforço por parte do trabalhador e do seu organismo a regulares
adaptações e realidades diferentes, causando um enorme desgaste ao trabalhador a nível familiar e
emocional, como já demonstrado a nível de medicina de trabalho. Quanto ao regime por turnos, a única
garantia que a lei tem é o descanso diário de, pelo menos, 11h, o que se mostra insuficiente, uma vez
que este regime significa uma organização particularmente desgastante para os trabalhadores
(sobretudo na modalidade de turnos rotativos, dado que estes perturbam o ritmo biológico da pessoa,
o chamado “ciclo circadiano”). Critica-se o facto de a lei não prever qualquer compensação semanal
por este desgaste adicional no regime por turnos. Assim, podemos dizer que a lei revela preocupação
com a salvaguarda da segurança e saúde destes trabalhadores - artigo 222ºCT - mas não reconhece o
direito a qualquer retribuição especial nestes casos.
É o trabalho prestado num período que tenha a duração mínima de sete horas e máxima de onze,
compreendendo o intervalo entre as 0 e as 5 horas. Na falta de determinação do período de trabalho
noturno por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, considera-se como tal o trabalho entre
as 22h de um dia e as 7h do dia seguinte - artigo 223º/2 CT. O mesmo trabalho prestado num período
diurno e noturno tem implicações diferentes, nomeadamente, pela questão da qualidade do sono do
trabalhador. A lei estabelece limites quanto ao trabalho noturno fixando, desde logo, uma compensação
que acresce, no mínimo, em 25% ao valor da hora normal. Se o trabalhador tiver um regime de trabalho
por turnos e este contender com um regime noturno, ou seja, quando o turno do trabalhador é no horário
noturno existe uma compensação de 25% pelo trabalho noturno e não pelo trabalho ser por turnos -
266º CT. Isto é, todo o trabalho noturno, seja em que regime for, tem esse acréscimo ao valor da hora
normal. No entanto, a regra do pagamento de uma retribuição acrescida nesta sede esta sujeita a várias
exceções, desde que as que respeitam a atividades exercidas exclusiva ou predominantemente durante
o período noturno, ou que devam funcionar à disposição do público durante esse período, até aos casos
em que a retribuição já tenha sido estabelecida atendendo à circunstância de o trabalho dever ser
prestado em período noturno - 266º/3 CT.
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⚫ Em caso de força maior ou quando indispensável para prevenir um prejuízo grave - artigo 227º/2
CT. Por exemplo, um incêndio na empresa. Neste caso, existe o limite do período de trabalho
semanal do artigo 211º/1 CT por força do artigo 228º/4 CT.
A lei garante, no artigo 232º/1 CT, pelo menos, um dia de descanso por semana, ao qual chamamos de
descanso semanal obrigatório. Em princípio, esse dia de descanso semanal coincidirá com o domingo
(princípio do descanso dominical), mas tendo em conta que a nova economia funciona 24 horas por
dia e 7 dias por semana, a lei não deixa de prever diversos casos em que o descanso semanal pode
deixar de ser gozado ao domingo (artigo 232º/2 CT). Normalmente, o período semanal de trabalho é
no máximo de 40h e muitas empresas vulgarizam um outro dia de descanso, por essas 40h conseguirem
ser realizadas em apenas três dias, por exemplo. O instrumento de regulamentação coletiva prevê outro
dia de descanso, ao qual se dá o nome de descanso semanal complementar - artigo 232º/3 CT. A lei
obriga, até por imposição do direito comunitário, que o descanso semanal obrigatório deva seguir-se
sempre ao descanso diário, salvas exceções previstas - artigo 233º CT (por IRCT ou por contrato de
trabalho). Dito de outra forma, a lei impõe que as 24h de descanso semanal devem seguir-se sempre
às 11h de descanso diário, resultando na prática um descanso semanal de 35h.
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São dias comemorativos que podem ter diferente natureza: civil ou religiosa; nacional ou local. Os
feriados não só conferem o direito de não trabalhar (ao trabalhador) como também o dever de
encerramento da empresa (ao empregador), salvo casos excecionais. Isto é, para aquelas empresas que
estão isentas de limitações de duração do período normal de trabalho e que podem trabalhar 24h por
dia 365 dias por ano, o feriado é um dia de trabalho. O feriado de Sexta-feira Santa pode mudar nos
locais em que comemoram o equivalente à Sexta-Feira Santa num outro dia - artigo 234º/2 CT. Para
além dos feriados obrigatórios que a lei fixa, os instrumentos de regulamentação coletiva podem
estabelecer outros, como a terça-feira de Carnaval e o feriado municipal da localidade - artigo 235º
CT. Nos dias considerados como feriado obrigatório, têm de encerrar todas as atividades não
permitidas ao domingo - artigo 236º/1 CT.
Independentemente do seu tipo específico vamos ocupar-nos da formação do contrato e dos direitos e
deveres que dele emergem- a ótica vai passar a ser mais estrutural. O contrato de trabalho, como
qualquer outro está sujeito à Teoria Geral do Contrato quanto ao objeto e declarações de vontade,
nomeadamente. Assim, não admira que o Código do Trabalho inicie este tema com uma disposição
que reafirma o princípio da boa-fé - 102º CT - sendo deste modo transposto para o CT aquilo que é
conhecido do 127º do CC, em toda a sua amplitude. Portanto, na formação dos contratos o princípio
da boa-fé atua nos mesmos termos do CC.
O contrato de trabalho pode ser objeto de promessa- pode haver um contrato de promessa de trabalho
- 103º CT. Não se aplicando aqui a execução especifica.
É importante referir que o contrato de promessa de trabalho é sempre formal mesmo se o prometido
não o for. Para além disso, o contrato de promessa deve conter sempre o objeto do contrato prometido,
isto é a atividade a prestar e a retribuição.
NOTA: o objeto do contrato de promessa é sempre o contrato prometido em si e não o seu objeto
concreto- apesar de dever contê-lo.
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Como contrato que é, o contrato promessa é um negócio jurídico bilateral, pressupondo o consenso de
duas declarações de vontade contrapostas (proposta-aceitação). Porém, o contrato de promessa pode
ser:
Posto isto, o contrato de promessa em geral tem um regime de efetivação muito peculiar, por recorrer
à execução específica. Contudo, no âmbito laboral o recurso à execução específica não se aplica-nos
termos do 103º/2 CT - por estarmos perante uma prestação de facto infungível em que seria impossível
obrigar alguém a trabalhar contra a sua vontade. Sendo assim, este regime é mais simples do que o
regime geral uma vez que não se aplica o 830ºCC.
Ora, no contrato de trabalho o consentimento é muitas vezes afetado pela premência, sendo por isso
mesmo que na maior parte das situações o contrato de trabalho é um contrato de adesão - 104º CT.
Assim, este artigo estabelece que o empregador tem um poder organizativo que pode ser expresso num
Regulamento Interno, que, mesmo não sendo fonte de Direito é reconhecido como um elemento
relevante no plano da fixação contratual. Deste modo, o artigo 104º CT permite que o empregador
expresse no Regulamento Interno a vontade de contratar. No 104º/2 CT apresenta-se uma presunção
relativa de adesão no prazo de 21 dias a contar do início da execução do contrato ou da divulgação do
regulamento se esta for posterior.
O contrato de trabalho pode ser tido como um contrato de adesão também nos casos maioritários dos
trabalhadores que não podem negociar todos os elementos dos contratos- sendo certo que os
trabalhadores que o conseguem são raros. Diz-se que o contrato de trabalho é um contrato de adesão
pois o trabalhador não participa nas condições contratuais pré-estabelecidas. Assim, aplica-se o regime
das cláusulas contratuais gerais - 105º CT.
No âmbito da boa-fé contratual um dos aspetos que ganha cada vez mais relevo é a obrigação de
informação - prevista no artigo 106º CT - podendo-se dizer que neste âmbito a obrigação tem um
alcance alargado. Ora, o Direito do Trabalho tem motivado isto para os outros ramos do Direito. Porém,
no âmbito Laboral, o dever de informação concretiza-se em especial na Diretiva 1152 (Diretiva da
Transparência) que visa reforçar a necessidade da obrigação de informar cobrir um plano alargado nas
condições contratuais. Esta Diretiva viu-se transposta para o plano nacional com a Agenda do Trabalho
Digno. Adicionalmente, existe uma proposta de Diretiva que vem alargar ainda mais a obrigação de
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informação. Apesar de não sabermos se esta será aprovada, a verdade é que tudo aponta que sim. Trata-
se da proposta Due Diligence que procura conciliar a sustentabilidade e a diligência. Sendo assim, esta
proposta de Diretiva ao ser aprovada nos termos em que está formulada vai estender a responsabilidade
do empregador ao longo da carreira de contratação.
O regime da informação sobre aspetos relevantes na prestação de trabalho está previsto no artigo 106º
e seguintes do CT, ficando claro no 106º/2 CT que também ao trabalhador cabe o dever de informar o
empregador sobre aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral. A obrigação de informação
que aqui se trata é uma obrigação qualificada. O 106º/3 CT compreende os elementos mínimos daquilo
que o empregador deve informar o trabalhador. Neste campo coloca-se um problema ao nível da alínea
s), isto é, do dever de informar sobre os parâmetros, critérios, regras e instruções em que se baseiam
os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o
acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de
perfis e o controlo da atividade profissional que é o facto de muitas vezes o próprio empregador
desconhecer as implicações dos algoritmos associados a essa conta. Aliás, o usual é os algoritmos
desenvolverem-se, aperfeiçoarem-se e darem-se a conhecer com a utilização. No caso laboral isto é
muito frequente, porém, nos termos da disposição, o empregador está obrigado a pelo menos tentar
saber em que termos operam os algoritmos para que se possa policiar o próprio fabricante deste.
O artigo 107º/1 do CT impõe que a informação prevista no 106º CT seja prestada por escrito, podendo
constar de um ou de vários documentos, assinados pelo empregador. Por sua vez, o artigo 108º do CT
prevê obrigações de informação específicas relativamente à prestação do trabalho no estrangeiro e no
artigo 109º do CT estabelece-se a obrigação de atualização das informações.
Não se pode confundir a obrigação de informação por escrito com o contrato. A violação da primeira
gera responsabilidade e uma contraordenação, mas não gera a invalidade do contrato. A forma do
contrato já tem repercussões na validade do contrato
O artigo 110º do CT determina que quando a lei não estabelece o contrário o contrato de trabalho é
consensual, na medida em que não depende da observância de forma especial. Ora, não depender de
forma especial apenas significa que as partes não estão obrigadas a documentar o negócio, nada as
impedindo de, voluntariamente, reduzirem o contrato a escrito. Uma coisa é, na verdade, a forma legal,
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outra a forma voluntária, sendo bem conhecidas as vantagens da formalização dos contratos. Não é um
negócio solene, antes bastando, para que seja validamente constituído, o encontro de vontades entre
os respetivos sujeitos, vontades que se ajustam “na sua comum pretensão de produzir um resultado
jurídico unitário, embora com um significado para cada parte” Isto é assim porque se alguém presta
trabalho a outro o resultado da sua prestação é percetível e a sua presença também. Porém, atualmente
não é bem assim, com a evolução dos meios tecnológicos e o crescimento do trabalho à distância.
Assim, de todo o modo, se a regra geral é, neste campo, a da consensualidade, o certo é que existem
certas situações em que a lei do trabalho se afasta da regra, sujeitando as declarações negociais a forma
escrita. Outra realidade que contribui para a não visibilidade do trabalho é os trabalhadores do meta
verso. Assim, a regra da forma é da consensualidade, apesar de ter riscos para a avaliação das
prestações de trabalho pela Inspeção do Trabalho.
Quanto ao período experimental este tem de ser estabelecido com mútua avaliação; são neste âmbito
especialmente relevantes as seguintes disposições:
• 115º CT: prevê que cabe às partes definir a atividade para a qual o trabalhador é contratado;
• 117º CT: prevê a situação específica de a prestação exigir determinada aplicação ou capacidade
laboral (por exemplo, um motorista tem de ter carta de condução); o 117º/2 estabelece que quando
a falta desse título é superveniente ao contrato de trabalho e atinge o corpus do negócio, na medida
em que o objeto da prestação se deixa de poder realizar, o vínculo caduca (por exemplo, se a carta
de condução for retirada ao motorista);
• 118º CT: estabelece que o objeto contratual é fixado nos limites externos mais latos, sendo a
concretização desse objeto feita no dia a dia; para o efeito, o trabalhador tem de ter em conta as
suas características pessoas no que toca à execução da atividade.
Por exemplo, o trabalhador é contratado para uma atividade específica seja por um contrato quer por
remissão por IRC quer por Regulamento Interno. A remissão por IRC contém descrições profissionais
para a dimensão da categoria e prevê várias categorias associadas à progressão da carreira. No
Regulamento Interno a empresa define os termos e categorias de admissão, sendo uma admissão
própria da empresa- tendo esta que ter, para o efeito, uma certa dimensão. Ora, o 118º/2 CT diz que a
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atividade assim definida compreende afins ou relacionadas- alarga-se o âmbito de uma forma
indefinida. Discute-se se, por exemplo, o motorista seria responsável pela limpeza do automóvel- o
que é importante para determinar o objeto da prestação.
Esta extensão discute-se quando se incluem tarefas de menor peso social e profissional. Isto surge
porque o trabalho não se reduz à energia laborativa, sendo também uma forma de afirmação social.
Tem por isso de haver limites, pelo que o artigo 118º/3 do CT esclarece que para efeitos do número
anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho,
consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo
grupo ou carreira profissional.
Mobilidade Funcional
O artigo 120º/1 do CT consagra um instituto tradicionalmente designado “ius variandi” dizendo que
o limite pode ser afastado temporariamente quando o interesse da empresa o exija (requisito positivo)
e não haja alteração substancial do trabalhador (requisito negativo). Deste modo, o objeto do contrato
de trabalho torna-se mais sensível porque a qualquer momento o trabalhador pode ser incumbido de
funções não previstas. O 120º/2 do CT alarga ainda mais esta possibilidade pela existência de acordo
e o 120º/3 do CT diz que a ordem de alteração tem uma formalidade substantiva de fundamentação e
justificação. Posto isto, a faculdade de mobilidade funcional não pode ultrapassar os 2 anos nem
implicar a diminuição de retribuição. Se o trabalhador adquirir funções superiores deve ser remunerado
por estas, não significando isso que vá adquirir a categoria profissional respetiva. Contudo, os IRC’s
podem incluir cláusulas que afastem a mobilidade funcional- mas geralmente não o fazem.
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Pode suceder que haja contratos nulos, mas no âmbito laboral já tendo havido execução, a nulidade só
se aplica para a frente- ou seja, se um contrato é tido como nulo a meio da sua execução essa nulidade
só opera para o futuro - 122º/1 CT. Assim o contrato é válido no período da sua execução- pela
impossibilidade de reaver o trabalho. Neste sentido, estamos perante uma ficção jurídica. Vale dizer
que a lei laboral acolhe um princípio da irretroatividade da invalidade contratual, esta funciona apenas
para o futuro, ex nunc, deixando incólumes os efeitos que o contrato executado tenha, entretanto,
produzido.
No artigo 123º/1 CT fica clara esta ficção na medida em que a facto extintivo ocorrido antes da
declaração de nulidade ou anulação de contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do
contrato. No nº 2 do mesmo artigo prevê-se a nulidade e anulabilidade no contrato a termo e colocam-
se limites para a indemnização. São ainda relevantes os artigos 123º/3 do CT e 123º/4 do CT, na medida
em que este último comporta uma presunção absoluta e inilidível.
Por sua vez, o artigo 124º do CT destina-se ao contrato com objeto ou fim contrário à lei ou à ordem
pública, estabelecendo-se que nesses casos a parte que conhecia a ilicitude perde a favor do serviço
responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança social as vantagens auferidas
decorrentes do contrato.
O artigo 125º determina a convalidação o contrato de trabalho, na medida em que cessando a causa da
invalidade durante a execução de contrato de trabalho, este considera-se convalidado desde o início da
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execução. Significa isto, que se a invalidade do contrato de trabalho executado não produz efeitos
retroativos, já a convalidação retroage ao momento da celebração do contrato, na hipótese de a causa
de invalidade desaparecer no decurso da respetiva execução.
É certo que as partes do contrato de trabalho são empregador e do trabalhador. Apesar do contrato de
trabalho ter um objeto muito pouco determinado, isso não leva a que as obrigações principais não
sejam bem definidas. O contrato de trabalho é sinalagmático e podem nele ser identificados 2
obrigações principais: a atividade e a retribuição.
A par destas, e até para que estas sejam possíveis há outras (por exemplo, na atividade exige-se
pontualidade, zelo e segurança). Sendo assim, à prestação principal juntam-se prestações acessórias e
a estas últimas juntam-se deveres laterais - que derivam do princípio da boa fé. Assim, há direitos e
deveres que podemos incluir nos 2 grupos de obrigações não principais.
O contrato de trabalho é uma relação obrigacional complexa, onde se incluem, portanto, todos estes
conceitos e categorias de obrigações.
A secção VII do Código do Trabalho ocupa-se dos direitos, deveres e garantias das partes - incluindo-
se nesta sede tanto os direitos e deveres principais, como os acessórios e laterais.
• Deveres Secundários: podem ser criados por lei ou convenção contratual. Trata-se de deveres
relacionados com a formação e elaboração de códigos de conduta;
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• Deveres Acessórios: são deveres que são sistémicos aos deveres principais, isto é, que se
traduzem em condições necessárias à prestação
Neste quadro podemos sintetizar os deveres do empregador (127º CT), do trabalhador (128ºCT) e
ainda as garantias deste último (129º CT).
Deveres do empregador
Podemos dizer que, enquanto do lado do empregador temos um mero catálogo de deveres, do lado do
empregador acrescem garantias- sendo claro que isto se deve ao facto de pôr estar numa situação de
vulnerabilidade contratual. Assim, limita-se a subordinação jurídica.
1) Deveres de Correção: estão em causa regras de convivência da interação entre as partes, sendo
nesta sede importante referir o assédio. Assim, na qualidade do ambiente de trabalho não importa
considerar a técnica da execução da prestação, temos de atender sobretudo a considerações
humanas e sociais (organização humanizada).
2) Deveres de Lealdade: destaca-se nos deveres de lealdade o dever de ocupação efetiva. Assim,
apesar de ser certo que é possível reduzir as prestações de trabalho também não deixa de ser
verdade que a prestação de atividade envolve uma dimensão da pessoa. Posto isto, o trabalho é
mais do que uma realidade laborar um modo de realização pessoal e social. Nesta medida não se
pode ignorar que o empregador tem a obrigação de ocupar o trabalhador - pelo que o cumprimento
da sua parte do contrato não se manifesta só pelo cumprimento e pagamento da retribuição. Assim,
entende-se que se o empregador que não ocupa o seu trabalhador impede este de cumprir o contrato
e afeta a sua dimensão pessoal de realização e até dignificação. É de notar que o não cumprimento
do dever de ocupação efetiva pelo empregador pode ter graves consequências e danos na esfera do
trabalhador (por exemplo: se um cirurgião ficar muito tempo sem operar é natural que possa perder
a prática; isto acontece na maior parte das profissões).
Durante muito tempo não se atendia à necessidade do dever de ocupação efetiva, mas este passou a ser
seriamente considerado pela doutrina e jurisprudência. Nesta sede foi particularmente relevante o caso
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No que toca à noção de lealdade adotada neste âmbito esta é decorrente do princípio de boa-fé e é um
comportamento caracterizado pela lisura, correção e sobretudo por uma postura negativa - uma vez
que se traduz sobretudo na abstenção de comportamentos em relação ao interesse da contraparte.
O elenco do artigo 127º do CT tem vindo a ser aumentado e densificado e prevê-se um maior
alargamento com a Due Diligence.
Deveres do trabalhador
Por sua vez, o artigo 128º do CT versa sobre os deveres do trabalhador que se dividem em:
• Deveres de Correção, como o dever do respeito pela paridade que o Professor João Leal Amado
define como dever de respeito, urbanidade e probidade. Está consagrado no artigo 128º/1/a) do
CT e a sua violação pode convocar a aplicação de várias alíneas do 351º/2 do CT. Enquadra-se
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nesta sede ainda o dever de assiduidade e pontualidade (128º/1/b) CT). Distingue-se neste
âmbito a assiduidade da pontualidade.
• Deveres de Custódia - artigo 128º/g) CT. Este dever traduz-se na obrigação de velar pela
guarda, conservação e boa utilização dos instrumentos de trabalho (ou outros bens
relacionados). Assim, se for distribuído um computador ao trabalhador este tem de cuidar dele.
• Deveres de Lealdade - 128º/1/f) CT, expressão da boa fé contratual, que inclui os:
o Deveres de Informação.
• Deveres de Cooperação - está sobretudo em causa nesta dimensão o dever de obediência que
se traduz no acatamento das ordens, diretivas e orientações no quadro da relação de
subordinação estabelecida entre o empregador e o trabalhador. Este dever está concretizado no
artigo 128º/1/e) e 128º/2 do CT.
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NOTA: O Professor João Leal Amado acrescenta que há ainda um dever de produtividade nos termos
do artigo 128º/1/h) CT, uma vez que o artigo 351º/2/m) CT também prevê como justa causa de
despedimento as “reduções anormais de produtividade”.
Por sua vez, o artigo 129º do CT vem prever as garantias do trabalhador e limitar, consequentemente,
o exercício da subordinação pelo empregador. É de notar que o 129º/1/b) CT refere-se à prestação
efetiva do trabalho.
Neste sentido, o regulamento interno de uma empresa será um documento em que estão reunidas todas
as normas de organização e disciplina do trabalho. Deste modo, este engloba não só uma componente
técnica e organizativa, mas também uma componente de regras de conduta (prevenção do assédio,
cláusulas contratuais “no dating”, códigos de vestuário etc.).
Cumpre ainda referir nesta sede algumas cláusulas específicas com dificuldades de admissibilidade,
na medida em que contendem com a liberdade de trabalho:
• Pacto de Não Concorrência (136º CT): determina que se pode limitar o trabalhador na
concorrência após a cessação do contrato de trabalho durante o período máximo de 2 anos, desde
que se encontrem verificados os seguintes requisitos:
2. Tem de se tratar de uma atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador
(136º/2/b) CT).
NOTA: É importante não confundir o dever de não concorrência com o pacto de não concorrência. Se
o dever de não concorrência decorre da lei e vigora na pendência do contrato, o pacto de não
concorrência, pelo contrário, pode ser celebrado entre as partes, em ordem a limitar a atividade do
trabalhador durante um certo período de tempo subsequente à cessação do contrato.
• Pacto de Permanência (137º CT): se o empregador investe no trabalhador é natural que este
espere um retorno. Assim, o pacto de permanência consiste numa convenção em que o trabalhador
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se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a 3 anos, como
compensação ao empregador pelas despesas feitas na sua formação profissional. Contudo, nos
termos do artigo 137º/2 do CT o trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do acordo
previsto mediante o pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas.
• Limitação da Liberdade de Trabalho (138º CT): nesta sede proíbe-se o conluio entre
empregadores para proibir a admissão que tenham prestado no trabalho (evitando listas
negras/listas de não contratação). Posto isto é nulo o acordo entre empregadores, nomeadamente
em cláusula de contrato de utilização de trabalho temporário, que proíba a admissão de trabalhador
que a eles preste ou tenha prestado trabalho, bom como obrigue, em caso de admissão ao
pagamento de uma indemnização.
Poderes do empregador
É certo que a relação laboral se trata de uma relação de poder na qual o trabalhador surge como sujeito
juridicamente subordinado e adstrito, entre outros, ao dever de obediência relativamente às ordens e
às instruções do empregador. Assim, a posição jurídica das partes num contrato de trabalho afasta-se,
desde logo, pelo facto de uma das partes poder intervir no conteúdo de execução contratual de forma
desigual. Tradicionalmente agrupamos os poderes do empregador em:
Assim, tudo aquilo que compõe a esfera jurídica do empregador pode ser agrupado nestes três poderes.
Na literatura nem sempre vem esta classificação tal qual ela foi aqui apresentada, no entanto, esta
classificação é o ponto de partida clássico tradicional. Há autores que acrescentam ao poder de direção
a organização e há até quem diga que o poder regulamentar emana do poder de direção, não sendo
autónomo. Não obstante todas as diferentes classificações que podemos encontrar relativamente à
classificação destes poderes, aqui seguiremos a classificação tradicional. A determinação do regime
jurídico aplicável faz-se independentemente desta diversa distinção dos poderes.
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O Poder de Direção
O empregador tem o poder de dirigir e organizar o trabalho, como se retira do artigo 97º CT. A
concretização desta disposição vem expressa no 212º CT, e daí, o horário de trabalho constituir o índice
que temos vindo a referir. Ou seja, compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho
deve ser prestado, desde logo, pela elaboração do horário de trabalho.
Por outras palavras, o poder de direção consiste na faculdade de determinar a concreta função exercida
pelo trabalhador, no poder de conformar a prestação laboral e ainda nos poderes de vigilância e
controlo sobre a atividade desenvolvida pelo trabalhador em sede de execução contratual.
O Poder Regulamentar
O poder regulamentar vem expresso no artigo 99º CT, pelo que o empregador pode elaborar
regulamento interno de empresa sobre organização e disciplina do trabalho, reunindo todas as regras
relacionadas num documento escrito. Está em causa mais uma manifestação da posição de domínio
ocupada pelo empregador.
Ainda que se esteja perante um poder do empregador, a lei procura “democratizar” o exercício deste
poder, reconhecendo aos representantes dos trabalhadores um direito de audição aquando da
elaboração do regulamento, nos termos do 99º/2 CT. Adicionalmente, o legislador ainda se preocupa
com a publicitação do regulamento interno - 99º/3/a) CT - e determina que que este só produzirá efeitos
após o respetivo envio ao serviço com competência inspetiva no ministério responsável pela área
laboral - 99º/3/b) CT.
Note-se que no artigo 99º/4 CT fica claro que a elaboração de regulamento interno de empresa sobre
determinadas matérias pode ser tornada obrigatória por instrumento de regulamentação coletiva de
trabalho negocial - isto é, o IRC pode tornar obrigatório o regulamento interno sobre determinadas
matérias.
Que matérias são essas? Aquelas em que a componente preventiva é mais relevante, por exemplo, o
caso do assédio. O regulamento interno é o documento onde se reúnem as normas de organização e
disciplina do trabalho tanto do ponto de vista técnico, como do ponto de vista contratual.
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O Poder Disciplinar
Se o empregador “governa” e “legisla”, então ele também dispõe do poder de punir. Este poder do
empregador está previsto no 98º CT, ao abrigo do qual o empregador tem poder disciplinar sobre o
trabalhador ao seu serviço enquanto vigorar o contrato de trabalho. Isto consagra uma situação única
do ponto de vista contratual, por termos um trabalho entre dois pares, onde cada um pode sancionar
outro. Trata-se de um mecanismo sui generis de auto-tutela patronal representando um intuito-chave
para o Direito do Trabalho. Contudo, é um facto que o poder disciplinar representa um desvio a dois
princípios basilares do Direito:
• Princípio da Igualdade das Partes: tendo em conta que este poder traduz uma inequívoca
posição de domínio contratual do empregador
NOTA: Estamos perante um genuíno poder punitivo privado, através do qual um dos sujeitos do
contrato de trabalho pode castigar o outro contraente, caso entenda que este cometeu qualquer infração
disciplinar.
Este poder traduz-se no poder de impor regras de disciplina e, se for o caso, aplicar infrações quando
estejamos perante infrações, pelo que se prevê um poder sancionatório que não encontramos em
qualquer outra disposição contratual. O poder disciplinar, como poder sancionatório que é, fica a meio
caminho entre o direito dos contratos e o direito sancionatório em geral. Assim, haverá aplicação dos
princípios do direito sancionatório ao poder disciplinar e ao seu exercício. De acordo com o já referido
98º CT, o titular do poder disciplinar é o empregador, o que não significa que o empregador não possa
delegar o seu exercício. Isto significa que o empregador, pessoa jurídica parte do contrato de trabalho,
por vezes, pode encontrar-se muito afastado do plano onde ocorre a infração contratual e, por isso,
sente a necessidade de exercer delgadamente o poder disciplinar. Assim, o superior hierárquico do
trabalhador irá desempenhar as funções do poder disciplinar - 329º/4 CT. Ou seja, o poder disciplinar
não tem de ser exercido pessoalmente pela pessoa do empregador, podendo ser exercício pela cadeia
hierárquica da empresa, no quadro contratual do contrato de trabalho. No dia que cessa o contrato,
cessa também o poder disciplinar.
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A ação disciplinar é uma ação que está sujeita a regras, a um procedimento, ou seja, um encadeamento
de atos destinados a um dado objetivo. Assim, temos como garantia de um exercício justo e equitativo
a procedimentalização, através dessa série de atos encadeados ao apuramento da infração e aplicação
da sanção. O que é uma infração disciplinar? Apura-se o que são infrações suscetíveis de desencadear
uma sanção disciplinar através do quadro dos deveres do trabalhador - 128º CT. Servimo-nos como
referência esta norma do 128º CT e de outras que estabelecem pontualmente deveres ao trabalhador,
como o caso dos artigos 156º e 251º CT. Uma infração é, em primeira linha, uma infração contratual.
SANÇÕES DISCIPLINARES
No que toca sanções em concreto, apenas podemos ter sanções típicas, não havendo quaisquer
infrações ad hoc para infrações contratuais. Desta forma, releva o 328º CT que prevê o arsenal
sancionatório à disposição do empregador.
O 328º/3 CT prevê limites à aplicação dessas sanções. A sanção pode ser agravada pela sua divulgação
no âmbito da empresa - 328º/5 CT. É de notar que a leitura conjugada dos artigos 328º/2, 3 e 5 do CT
exclui a previsão de novas sanções disciplinares em sede de contrato individual de trabalho. Desta
forma, o artigo 328º CT clarifica que os IRC’s podem fixar sanções disciplinares distintas da lei (regra
explícita permissiva) e que o contrato individual já não poderá ser palco de tal labor criativo (regra
implícita proibitiva).
Posto isto, os IRC’s podem enriquecer o quadro legal das sanções disciplinares mas só “desde que não
prejudiquem os direitos e garantias do trabalhador” - o que lança fundadas dúvidas sobre a legalidade
de algumas sanções por vezes previstas pela contratação coletiva.
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NOTA: Algumas das sanções disciplinares previstas na lei não têm deixado de suscitar fortes reservas
doutrinais. É o caso, desde logo, da sanção consistente na perda de dias de férias bem como da
multa/sanção pecuniária.
O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
O artigo 329º CT tem como epígrafe “Procedimento disciplinar e prescrição” e onde se dispõe que o
direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração. Ou seja, o
empregador tem o prazo de um ano de prescrição da infração, não importando que o mesmo dele tenha
conhecimento após esse ano. O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes
àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve
conhecimento da infração. É importante não confundir o prazo de prescrição (1 ano) com o prazo para
iniciar o procedimento disciplinar (60 dias).
1. Acusação
2. Defesa
3. Instrução
5. Decisão do Empregador
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No âmbito da acusação, com o apuramento da existência de uma infração, se ela for tão grave que
possibilite o despedimento por justa causa, constituindo a sanção mais grave, existe um dever do
empregador comunicar, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado com intenção de proceder ao
despedimento, juntamente com nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são
imputados - 353º/1/ in fine CT. Relembra-se que a titularidade do poder disciplinar pertence em
exclusivo à entidade empregadora, ainda que o respetivo exercício possa caber a um outro trabalhador,
em princípio a um superior hierárquico - 329º/4 CT. A nota da culpa é essencial, uma vez que contém
a descrição tão concreta quanto possível da infração, não havendo possibilidade de enquadrar factos
que não estão incluídos nesta. Esta deverá ser entregue nos prazos do artigo 329º/1 e 2 CT.
Para efeitos de defesa e em resposta à nota de culpa, o trabalhador tem 10 dias úteis para consultar o
processo e responder à mesma, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para
esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as
diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade - 355º CT.
Na fase da instrução, o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar
as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere
patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito,
segundo o 356º/1 CT. Releva também o número 5 do mesmo artigo, ao abrigo do qual após a conclusão
das diligências probatórias, o empregador apresenta cópia integral do processo à comissão de
trabalhadores que pode juntar ao processo o seu parecer fundamentado. Para este efeito, pode o
trabalhador comunicar ao empregador, nos três dias úteis posteriores à receção da nota de culpa, que
o parecer sobre o processo é emitido por determinada associação sindical, não havendo neste caso
apresentação da cópia do processo à comissão de trabalhadores - 356º/6 CT. De acordo com o 357º
CT, recebido tal parecer ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador tem 30 dias para proferir a
decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção. Também existe um
prazo de caducidade para aplicação da sanção depois da decisão. A decisão deve ser fundamentada e
constar de documento escrito - 357º/5 CT.
Seguidamente, após a conclusão das diligências probatórias, o empregador apresenta cópia integral do
processo à comissão de trabalhadores, que pode, no prazo de 5 dias úteis, fazer juntar ao processo o
seu parecer fundamentado - 356º/5 CT. O parecer da estrutura representativa dos trabalhadores
não é de emissão obrigatória nem vinculativo para o empregador, estando, porém, este obrigado a tê-
lo como elemento de ponderação na decisão final. Recebido o parecer, nos termos do 357º/1 CT, o
empregador dispõe de 30 dias para tomar e proferir a decisão.
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NOTA: Quando não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical,
o prazo conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução - 357º/2 CT.
É importante ressalvar que as fases de acusação, instrução, defesa e contradição estão delineadas para
aplicação da sanção mais grave, no entanto, se houver sanção por repreensão, por exemplo, não se
chega ao mais extremo dos patamares.
Pode acontecer que a conduta seja tão grave que a presença do trabalhador se torne indesejada na
empresa. Para estas hipóteses, dispõe o 354º/1 CT que com a notificação da nota de culpa o trabalhador
pode ser suspenso preventivamente, aguardando o desfecho da acusação. Isto releva a possibilidade de
despedimento do trabalhador no decorrer do procedimento disciplinar.
Como vimos este poder disciplinar pode ser delegado pelo empregador a uma entidade que faz parte
da cadeia hierárquica, todavia, suponhamos que o poder disciplinar determina o despedimento, que é
no fundo uma desvinculação contratual. Neste caso, quem é que pode, por exemplo, proferir a
declaração de despedimento do trabalhador? Terá de ser o empregador ou alguém com poderes
bastantes. Damos nota desta situação por ser frequente que o instrutor do processo é o advogado e não
raramente este assina a declaração de despedimento, sem poderes representativos para o efeito. Ou
seja, o advogado não tem poder disciplinar para aplicar sanções, embora possa acompanhar todo o
procedimento.
Depois de vermos o regime comum, aplicado ao comum das empresas, será necessário dar nota de um
regime simplificado para microempresas - 358º CT. O artigo 100º/1/a) CT releva na definição de
microempresa, pelo que se a empresa tiver menos de dez trabalhadores, o procedimento é simplificado,
mantendo-se, no entanto, na sua essência a regra do princípio do contraditório e os prazos prescritivos.
Assim, deixam de intervir as estruturas de representação coletiva dos trabalhadores - 358º/1 CT.
Adicionalmente, os critérios orientadores da decisão da entidade empregadora são os que valem nas
restantes empresas - 358º/2 CT - dispondo esta dos seguintes prazos para proferir a decisão:
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No que respeita à aplicação das sanções e decisão regem os artigos 330º e 331º CT. Este último ocupa-
se das sanções abusivas. Existe uma presunção de carácter abusivo se qualquer um dos factos tiver
sido denunciado até 6 meses após qualquer sanção disciplinar motivada pelos factos do 331º/1 CT. As
sanções abusivas dão direito a indemnização - 331º/3 CT, ou seja, o empregador que aplicar sanção
abusiva deve indemnizar o trabalhador nos termos gerais. Segundo o 331º/4 CT, em caso de
despedimento, o trabalhador tem direito a optar entre a reintegração e uma indemnização calculada
nos termos do artigo 392º/3 CT. Para além disso há um registo de sanções disciplinares no quadro do
332º CT.
Concluindo, quanto ao procedimento disciplinar poder-se-á dizer que se sabe o seu início, mas não é
previsível os termos do seu fim, uma vez que este procedimento disciplinar pode a qualquer momento
ser terminado por insuficiência de factos que permitam a continuação da investigação, ou pelo
contrário levar, em última análise ao despedimento do trabalhador. Por esta razão, quando estudamos
a matéria dos poderes do empregador, muito facilmente esbarramos na matéria de cessação de contrato
de trabalho, desde logo, através do despedimento, mas esta não é a única forma de cessação do
contrato.
A aplicação das sanções disciplinares pelo empregador encontra-se sujeita a alguns princípios gerais
consagrados no CT. Neste âmbito falamos de limites qualitativos e quantitativos. O poder disciplinar
tem de estar subordinado ao princípio da proporcionalidade, sendo que a sanção deve ser
proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator - 330º/1 CT. Cumpre ainda destacar
o princípio do non bis in idem consagrado na parte final da mesma disposição, não podendo aplicar-
se mais de uma sanção pela mesma infração, o princípio do contraditório - 329º/6 CT e o princípio
da celeridade que tem as suas várias dimensões previstas nos artigos: 329º/1, 329º/2, 329º/3 e 330º/2
do CT.
O regime jurídico da cessação do negócio duradouro que é o contrato de trabalho se verifica uma
tensão entre o princípio da liberdade de desvinculação contratual e o princípio da estabilidade do
vínculo laboral.
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Nesta matéria há que atentar à Diretiva relativa aos despedimentos coletivos. A este propósito relevam
ainda os princípios constitucionais, nomeadamente, o princípio da liberdade de trabalho e profissão e
o princípio da segurança no emprego que, desde logo, proíbe os despedimentos sem justa causa - 47º
e 53º CRP, respetivamente. Esta disposição constitucional tem como reflexo o artigo 338º CT que tem
como epígrafe “Proibição do despedimento sem justa causa”. Por este motivo, temos uma regra da
imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho no 339º CT, com ressalvas para IRC. Se
o regime é imperativo significa que as formas de cessação do contrato são pré-determinadas, pelo que
existe um elenco típico que prevê essas modalidades de cessação que previstas no 340º CT e que
podem ser agrupadas em diferentes causas.
Os princípios constitucionais em apreço apontam, assim, para uma nítida diferenciação de regimes,
consoante a iniciativa da rutura contratual provenha do empregador ou do trabalhador. Temos então:
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Enquadra-se na causa neutra de cessação do contrato. De acordo com o 343º CT, os casos de
caducidade são três:
1) verificação do termo do contrato de trabalho: 343º/a) CT - muitas vezes diz-se que o contrato a
termo “nasce para caducar” pelo que, se tudo correr de acordo com o previsto aquando da
celebração do contrato, este caducará quando se verificar o respetivo termo final ou resolutivo;
3) reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez: 343º/c) CT - Pode existir caducidade após
reforma por velhice ou invalidez, caducidade por idade de 70 anos do trabalhador sem reforma.
Ora, se houver uma manutenção em atividade 30 dias após o conhecimento da reforma ou 30 dias
após o trabalhador perfazer 70 anos existe conversão do contrato de trabalho em contrato a termo
resolutivo - 348º/1 CT. O contrato a termo, neste caso, prevê um regime distinto relativamente ao
regime geral do contrato a termo. Isto é, o contrato fica sujeito ao regime geral do contrato a termo
com algumas adaptações e especificidades - 348º/2 CT.
A revogação opera por mútuo acordo das partes, trabalhador e empregador. Assim, o acordo de
vontades que deu vida ao contrato pode, pois, renovar-se, agora com o intuito de pôr fim a esse
contrato. Tal acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes. O
trabalhador pode arrepender-se e fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante
comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respetiva celebração
- 350º/1 CT.
É necessário não esquecer que, a necessária articulação com os princípios constitucionais dos artigos
47º e 53º CRP obriga a que esta figura seja analisada com uma outra perspetiva que não a puramente
civilista. Assistimos aqui a um autêntico despedimento negociado pelo que a revogação no nosso
ordenamento tende a funcionar como verdadeira válvula de escape ao serviço do empregador.
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Nos termos do 349º/2 CT o acordo de revogação carece de forma escrita e prevê-se nos termos do nº
5 do mesmo artigo uma compensação de fim de contrato (operando nesta sede uma presunção legal
em benefício do empregador). Adicionalmente, o artigo 350º CT concede ao trabalhador o direito
potestativo de fazer cessar os efeitos do acordo revogatório.
A justa causa de despedimento será o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade
e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. De
acordo com o 351º CT não basta existir uma infração contratual, mas antes é necessário um
comportamento culposo do trabalhador em qualquer das suas formas (dolo ou negligência) que tenha
uma gravidade tal que a torne relevante. A gravidade afere-se pelas respetivas consequências que
poderão tornar não exigível a manutenção da relação contratual. Apuramos juridicamente a justa causa
através da conjugação da cláusula geral do 351º/1 CT com uma concretização exemplificativa do
351º/2 CT. Na apreciação da justa causa deve atender-se, entre outros, ao grau de lesão do empregador
que reforça a ideia de que a apuração da justa causa é casuística - 351º/3 CT. A justa causa apura-se no
âmbito do exercício do procedimento disciplinar - no âmbito de uma infração de tal modo grave que
consubstancie uma perturbação insuperável na relação laboral - e daí ser relevante remeter esta questão
para tudo aquilo que foi dito supra relativamente às várias fases e ao desencadear do procedimento
disciplinar, nomeadamente, o inquérito, instrução e decisão. Se não houver justa causa o despedimento
é ilícito, como também o será se não existir procedimento disciplinar ou se forem preteridas
formalidades especiais, como a prescrição da infração disciplinar ou do respetivo procedimento, bem
como a falta de nota de culpa.
NOTA: Nas palavras de Jorge Leite “A gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-
se como um conceito objetivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de
saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode
obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva do empregador, mas a critérios de
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A proibição legal e constitucional do despedimento sem justa causa não significa que o nosso
ordenamento jurídico-laboral apenas considere lícito o despedimento com justa causa. Com efeito, a
par do despedimento com justa causa a lei admite várias modalidades de despedimento por causas
objetivas - isto é, por motivos da esfera da empresa, por razões económicas, de índole gestionária.
1. Crédito de horas durante o prazo de aviso prévio, correspondente a dois dias de trabalho por
semana, sem prejuízo de retribuição - 364º CT
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NOTA: Esta compensação tem uma função reparatória e também uma função de caráter modelador,
impelindo o empregador a uma maior ponderação na decisão do despedimento, pelo ónus financeiro
que representa o respetivo exercício.
A oferta desta compensação pecuniária ao trabalhador constitui uma condição indispensável à licitude
do despedimento nos termos do 383º/c) CT. Resta saber se a receção da mesma pelo trabalhador se
analisa numa condição suficiente para legitimar o respetivo despedimento.
As diuturnidades são acréscimos atribuídos pela antiguidade do trabalhador. Com vimos, esta fórmula
de compensação tem limites, desde logo, um limite máximo de um dos termos e um limite máximo
global. No entanto, poderá um modo diferente ser estabelecido por IRC. A compensação aplica-se a
uma série de figuras: à comissão de serviço (164º/1 CT); ao trabalho temporário (190º/2 CT); à
transferência de local de trabalho (194º/5 CT); à caducidade do contrato (344º/2, 345º/5, 346º/5 e
347º/5 CT); ao despedimento por extinção do posto de trabalho (372º CT); e ao despedimento por
inadaptação (379º CT). A figura do despedimento coletivo só pode ter por fundamento um dos três
motivos enunciados, isto é, motivos de mercado, motivos estruturais ou motivos tecnológicos.
NOTA: A noção legal de despedimento coletivo revela-nos que o elemento fundamental da distinção
deste despedimento face ao despedimento com justa causa não reside propriamente no aspeto
quantitativo, ou seja, no número de trabalhadores a abranger, mas sim na natureza dos motivos
subjacentes a cada um deles:
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1. Objetividade da causa, ou seja, os motivos não sejam devidos a conduta culposa do empregador
ou do trabalhador - alínea a); por um lado, se houver culpa do trabalhador, isso legitimará,
possivelmente, um despedimento com justa causa, por outro se houver culpa do empregador,
isso inibi-lo-á de desencadear um despedimento por extinção do posto de trabalho que, em
última análise, resultaria de uma conduta censurável do respetivo autor;
Em termos simples, dir-se-ia que o despedimento por extinção do posto de trabalho se perfila como
uma espécie de variante individual do despedimento coletivo, porque, no fundo, este despedimento
tem uma causalidade idêntica à do despedimento coletivo - no entanto este não abrange vários
trabalhadores e determina a extinção de postos de trabalho. A lei prevê, no 368º/2 CT, critérios
relevantes e não discriminatórios para determinação dos postos de trabalho a extinguir, pelo que a
decisão do empregador deve respeitar esta ordem:
Na mesma linha antifraudulenta, note-se ainda que se, nos 3 meses anteriores ao início do
procedimento para despedimento, o trabalhador tiver sido transferido para posto de trabalho que venha
a ser extinto, ele terá direito a ser reafetado ao posto de trabalho anterior, caso o mesmo ainda exista,
nos termos do 368º/3 CT.
Existe mais uma vez um procedimento começando pela comunicação do empregador, por escrito, à
comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissão sindical, ao
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trabalhador envolvido - 369º/1 CT. Segue-se uma fase de consultas e uma decisão formal e
fundamentada, segundo os artigos 370º e 371º respetivamente. Também aqui se preveem direitos do
trabalhador - 372º CT. Segundo este último artigo, em matéria de direitos do trabalhador em caso de
despedimento por extinção de posto de trabalho, aplica-se o disposto nos artigos 364º a 366º quanto
aos direitos do trabalhador em caso de despedimento coletivo que vimos anteriormente.
Existe uma consideração da pessoa do trabalhador, mas não uma apreciação de qualquer conduta
infracional, ou seja, o cerne da questão é a pessoa do trabalhador. O motivo da inadaptação ou do
desajustamento do trabalhador ao posto de trabalho terá de ser superveniente ao conteúdo do contrato,
isto é, terá de existir alguma situação no decorrer do âmbito contratual. Considera-se despedimento
por inadaptação a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada em
inadaptação superveniente do trabalhador ao posto de trabalho - 373º CT. A inadaptação verifica-se
em qualquer uma das situações do 374º/1 e ainda, no caso do 374º/2 CT, isto é:
Evidentemente, como reafirma o 374/3º CT, existe ainda uma proteção conferida aos trabalhadores
com capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica. A inadaptação tem como
pressupostos, desde logo, a superveniência, a impossibilidade de manutenção do posto de trabalho,
uma formalidade substantiva, com a fundamentação da decisão e a comunicação receptícia ao
trabalhador. Existem também quanto ao despedimento por inadaptado alguns requisitos cumulativos a
preencher, segundo o 375º/1 CT, nomeadamente:
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Assim, retira-se da análise de tais requisitos que não basta introduzir novos processos de adaptação e
dizer que o trabalhador não se adaptou sendo necessário uma comprovação dessa inadaptação. Existe
mais uma vez um procedimento começando pela comunicação do empregador, por escrito, ao
trabalhador e, caso este seja representante sindical, à associação sindical respetiva o conteúdo do
376º/1 CT. Segue-se uma fase de consultas e uma decisão formal e fundamentada tal como vimos para
as figuras anteriores, segundo os artigos 377º e 378º respetivamente. Preveem-se igualmente direitos
do trabalhador no 379º CT que correspondem àqueles já elencados relativamente às outras figuras de
despedimento (364º a 366º CT). Além disso, o empregador tem a obrigação extracontratual de manter
o nível de emprego no prazo de 90 dias seguintes ao despedimento por inadaptação - 380º CT.
Ainda assim, a inadaptação não se confunde com a extinção de posto de trabalho. Neste caso haverá,
em princípio, redução do nível de emprego na empresa. Mas naquele já não, o que explica a obrigação
de manutenção do nível de emprego estabelecida no artigo 380º CT.
Pode o trabalhador colocar termo ao contrato através de resolução, no caso de ter havido uma violação
do contrato por parte do empregador- falando-se, por isso, de demissão com justa causa. Assim,
ocorrendo justa causa o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato. A resolução contém
uma justa causa de resolução, mas ao contrário do que acontece com a justa causa por iniciativa do
empregador aqui não existe uma cláusula geral conjugada com uma exemplificação, pelo que a
ocorrência de justa causa habilita o trabalhador não tanto a dissolver licitamente o contrato, mas sim a
dissolvê-lo imediatamente. Neste caso, existe desde logo um elenco exemplificativo, constante do
394º/2 CT (justa causa subjetiva). Por sua vez, o 394º/3 CT, apesar de se ocupar preferencialmente da
resolução por justa causa infracional, contempla uma resolução por justa causa objetiva, que se
consubstancia:
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NOTA: No domínio da cessação do contrato por iniciativa do trabalhador, a justa causa desempenha
uma função mais modesta traduzindo-se apenas numa condição de licitude da rutura imediata do
contrato e não numa condição de licitude da rutura imediata do contrato e não numa condição de
licitude da própria rutura, como sucede em sede de despedimento patronal.
Segundo o 394º/4 CT a justa causa é apreciada nos termos do 351º/3 CT, com as necessárias
adaptações. De novo existe um procedimento para a resolução de contrato - 395º CT. Terá especial
relevância o número 4 do mesmo artigo que confere a possibilidade do empregador em exigir que a
assinatura do trabalhador constante da declaração de resolução tenha reconhecimento notarial
presencial. A falta culposa de pagamento pontual da retribuição tem um prazo de resolução que se
conta a partir dos 60 dias de mora ou da declaração do empregador substancial e duradoura das
condições de trabalho. Sendo o contrato resolvido pelo trabalhador, este tem direito a uma
indemnização, nos termos do 396º CT, bem como um direito a revogar a resolução pelo 397º/1 CT,
consubstanciando mais um caso de possível arrependimento.
Aqui existe uma desvinculação por parte do trabalhador não porque tenha havido uma violação do
contrato pelo empregador, mas apenas por uma questão individual e escolha pessoal - está em causa o
princípio da livre demissão. O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa
causa. Ou seja, aqui não estamos perante nenhum comportamento culposo por parte do empregador. É
controverso se estamos a falar ou não de uma verdadeira modalidade extintiva do contrato de trabalho,
no entanto, o legislador prevê a denúncia como tal. Esta dúvida reside, desde logo, por se prever a
denúncia pelo trabalhador com e sem aviso prévio. Quanto à denúncia com aviso prévio, a única
exigência para operacionalizar esta medida será então a existência de aviso prévio que tem uma
regulamentação supletiva, podendo os IRC dispor de outra forma, fixada em função da antiguidade do
trabalhador. Quanto à denúncia sem aviso prévio, prevista no 401º CT, o trabalhador desvincula-se ao
empregador através do pagamento de indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades
correspondente ao período em falta. Também aqui existe um direito ao arrependimento, através da
revogação da denúncia por parte do trabalhador - 402º CT. O abandono de trabalho, previsto no 403º
CT, corresponde à ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda
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NOTA: A liberdade de demissão do trabalhador não deixa de estar submetida a uma certa compressão
legal. Deste modo, apesar de princípio da livre demissão ser uma homenagem à liberdade pessoal e à
liberdade de trabalho do trabalhador, o certo é que este, embora não tenha de motivar a sua demissão,
já deverá diferir a extinção do contrato para momento ulterior.
O quadro típico das modalidades de cessação do contrato de trabalho que acabamos de ver tem muita
importância por através dele se distinguir uma determinada relação de emprego, relevante também do
ponto de vista pessoal. Até porque, há cada vez mais implicações no modo de organização das
empresas que se repercute nos seus poderes de gestão. Depois de 2013 houve uma codificação a este
propósito que surgiu através do 338º-A CT que tem por epígrafe “proibição do recurso à terceirização
de serviços”. O legislador importou a designação brasileira para esta realidade, porque
tradicionalmente o que aqui se designa por terceirização era referido no âmbito português como
“exteriorização”. Assim, a primeira vez que a terceirização vem referida neste domínio e com este
significado é neste artigo. O artigo 338º-A CT estabelece um dever contratual, pelo que não é permitido
recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram
asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento
coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho. Isto consagra muitos problemas que no
fundo têm que ver com a liberdade de organização da empresa quanto ao seu processo produtivo. Hoje,
as cadeias de produção e a organização de produção das empresas é frequente, e o que o legislador
vem dizer é que após o despedimento coletivo ou despedimento por extinção do posto de trabalho não
pode haver esta aquisição de serviço externo durante 12 meses. A finalidade do legislador é garantir
que só se despede coletivamente ou por extinção do posto de trabalho quando deixa de existir uma
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necessidade efetiva para aqueles trabalhadores envolvidos. Ou seja, se não há necessidade também não
será preciso, na lógica do legislador, recorrer à aquisição externa. O que acontece muitas vezes é que
o despedimento coletivo acaba por ser determinado pela necessidade de recorrer a essa aquisição
externa, à terceirização, o que significa que estamos perante um ciclo, porque se proíbe a terceirização
quando ela própria é a causa principal para o despedimento. Assim, neste contexto suscitam-se
problemas de constitucionalidade. Porquê? Na Constituição temos um princípio da liberdade de
empresa, que pressupõe que o empresário pode organizar o conjunto de fatores produtivos da forma
que melhor entenda de maneira a chegar aos seus propósitos - 61º CRP. Ora, a liberdade contratual
pressupõe a liberdade de organizar e a liberdade de “contratar para”. Se a terceirização não fosse (como
é) muitas vezes, causa do despedimento poder-se-ia entender este limite à liberdade do empregador
por se destinar a salvaguardar a fiabilidade da causa do despedimento, mas como existe esse ciclo entre
a consequência do despedimento e a causa do mesmo, realmente não faz sentido, nem do ponto de
vista lógico nem normativo esta solução. Temos outras situações de defesa do direito contratual no
direito do trabalho, pelo que não é essa a questão que se discute, mas antes este desencontro.
Cessando o contrato de trabalho a termo por causa não imputável ao trabalhador durante um terço de
duração do contrato impede nova admissão ou afetação de trabalhador através de contrato de trabalho
temporário, de contrato a termo ou de prestação de serviços - 143º/1 CT. Da mesma forma o 179º CT
diz que sendo atingida a duração máxima de contrato de utilização de trabalho temporário durante um
período de tempo igual a um terço da sua duração do referido contrato é proibida a sucessão no mesmo
posto de trabalho ou atividade profissional de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a
termo, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto ou atividade. Para evitar
situações de engenharia laboral para este período de defesa é considerado não apenas o trabalhador
nominal, mas alarga-se às sociedades em relação de domínio ou grupo e a estruturas organizativas
comuns.
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No que toca à cedência ocasional de trabalhadores remete-se para o que foi anteriormente dito em sede
das modalidades do contrato de trabalho.
Nas palavras de Jorge Leite, a suspensão do contrato de trabalho consiste na “coexistência temporária
da subsistência do vínculo contratual com a paralisação de alguns dos principais direitos e deveres dele
emergentes”. Assim, trata-se de um instituto que se filia no princípio da conservação do contrato,
traduzindo-se numa manifestação do direito à estabilidade no emprego e, em certos casos, num
mecanismo de proteção do devedor transitoriamente impossibilitado de cumprir, através da garantia
do chamado “direito ao lugar”.
Muitas vezes, não podemos falar de suspensão do contrato, mas de uma série de situações que
determinam a suspensão do vínculo contratual. Verdadeiramente, dever-se-ia dizer suspensão dos
efeitos do contrato, porque o vínculo contratual mantém-se, mas é desprovido dos seus efeitos
principais. De acordo com o 294º CT que consagra os factos determinantes de redução ou suspensão,
essas podem fundamentar-se na impossibilidade temporária, respetivamente parcial ou total, de
prestação de trabalho por facto relativo ao trabalhador ou ao empregador. O 294º/2 CT complementa
esta designação com a necessidade de assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos
de trabalho, em situação de crise empresarial e com o acordo entre trabalhador e empregador,
nomeadamente acordo de pré-reforma. Daqui retiramos modalidades da suspensão:
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Quanto aos efeitos da suspensão releva o 295º CT existindo, desde logo, a manutenção dos direitos,
deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação, o facto de o tempo de
suspensão contar para antiguidade, bem como a reversibilidade dos direitos, deveres e garantias das
partes findo o período de suspensão, pelo que existe uma revivescência da relação jurídica laboral. A
suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade - por exemplo, se o contrato a termo tem
início no dia 1 de janeiro de 2021 com a duração de 1 ano, significa que o mesmo terminará no dia 31
de dezembro de 2021. Ora, se durante esse período de vigência do contrato a termo interceder uma
causa de suspensão do contrato por um mês, o contrato terminará na mesma data, ou seja, no dia 31 de
dezembro de 2021.
A suspensão de contrato por facto respeitante ao trabalhador tem previsão nos artigos 296º e seguintes.
De acordo com o 296º/1 CT, temos como pressupostos da aplicação do instituto da suspensão
individual:
⚫ A duração superior a um mês - se o impedimento durar menos de um mês aplica-se o regime das
faltas ao trabalho (249º/2/d) CT);
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Consagra-se neste âmbito um princípio da minimização da suspensão no 297º CT pelo que no dia
imediato à cessação do impedimento, o trabalhador deve apresentar-se ao empregador para retomar a
sua atividade.
O contrato de trabalho pode também suspender-se por facto relativo ao empregador, seja porque se
verifique uma impossibilidade temporária deste receber a prestação de trabalho (294º/1 CT), seja
porque tal se mostre necessário para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção de postos de
trabalho, em situação de crise empresarial (294º/2/a) CT). Comecemos por esta última hipótese, o
chamado lay-off, que se tornou bem conhecido entre nós durante a pandemia da Covid-19.
Quanto à suspensão por facto respeitante ao empregador, ou seja, à suspensão coletiva mais
precisamente em situação de crise empresarial relevam os artigos 298º e seguintes CT. Esta modalidade
de suspensão aligeira o peso dos encargos laborais, pelo que se acredita que a empresa se pode
restabelecer de situações de crise empresarial. Está aqui aquilo a que se designa de lay-off, isto é, um
meio para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho (crise
empresarial). Outra ordem de considerações será a impossibilidade temporária de receber a prestação.
Nesta medida, consta do 298º/2 CT uma exemplificação de situações que a suspensão pode abranger.
Ora, estas situações darão lugar à suspensão se forem indispensáveis para a viabilidade da empresa e
a manutenção dos postos de trabalho consubstanciando uma ideia de assegurar um mal menor, sendo
preferível a suspensão à cessação do contrato de trabalho.
Quanto tal suceda, o empregador deverá comunicar a sua intenção de suspender a prestação do trabalho
à estrutura representativa dos trabalhadores ou, na sua falta, a cada trabalhador a abranger, nos termos
do artigo 299º CT. Depois disto, é aberta uma fase de informações e negociação entre as partes, com
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vista à obtenção de um acordo sobre a matéria (300º CT). O artigo 301º CT refere a duração da redução
ou da suspensão que terá de ser previamente definida não superior a seis meses ou um ano, no caso de
catástrofe ou outra ocorrência grave, sendo prorrogável até seis meses. Isto é assim porque ao direito
não interessam casos de suspensão, desde logo, por uma incerteza de indefinição jurídica das partes.
Como é que se articulam os direitos e deveres das partes durante este período de suspensão do
contrato em situação de crise empresarial?
Uma vez que existe uma subsistência do vínculo contratual, existe também subsistência da
disponibilidade do trabalhador para a prestação, contando este com uma remuneração mensal de
montante mínimo igual a dois terços da sua retribuição normal líquida ou o valor da retribuição mínima
mensal garantida correspondente ao seu período normal de trabalho, consoante o que for mais elevado
- 305º/1/a) CT. Durante este período tem o trabalhador ainda o direito de manter as regalias sociais ou
prestações da segurança social, bem como o direito a exercer outra atividade remunerada - 305º/1/b) e
c) CT. A decisão de suspender os contratos de trabalho, com a inerente redução dos custos salariais,
emana do empregador e não depende de qualquer autorização administrativa. Para aquele, os custos
salariais reduzem-se por uma dupla via: por um lado, porque a compensação retributiva a pagar ao
trabalhador será de montante inferior à sua retribuição normal; por outro porque a segurança social
comparticipa nessa compensação retributiva suportando 70% da mesma, cabendo os restantes 30% ao
empregador, nos termos do 305º/4 CT. O trabalhador conta também com a manutenção de direitos
relativos ao subsídio de férias ou de Natal - 306º CT.
Do ponto de vista do empregador, este tem como deveres, segundo o 303º/1 CT:
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⚫ A não contratação ou renovação de contrato para postos de trabalho passível de ser ocupado por
trabalhadores em situação de redução ou suspensão, ou seja, privilegia-se aquele que já tenha um
vínculo com a empresa.
Fora do círculo de situações de grave crise empresarial, a suspensão do contrato de trabalho pode
resultar do encerramento temporário da empresa ou do estabelecimento. Nestes casos de suspensão
contratual por facto relativo ao empregador, o trabalhador conserva direitos em matéria retributiva nos
termos do artigo 309º e seguintes CT. As regras são voltadas para o encerramento ou diminuição
temporários de atividade que não respeite a situação de crise empresarial. Neste caso, segundo a
exemplificação do 309º/1 CT, o trabalhador tem direito a retribuições diferentes consoante o
encerramento temporário da atividade se deva a caso fortuito ou de força maior, ou se deva a facto
imputável ao empregador ou por motivo de interesse deste. Quanto à primeira hipótese, em caso de
fortuito poderá estar em causa, por exemplo, a destruição ou inacessibilidade de instalações ou
equipamentos ou a falta de matérias-primas ou energia, pelo que o trabalhador terá direito a 75% da
retribuição. Quanto à segunda hipótese, em caso de facto imputável ao empregador ou por motivo de
interesse deste poderá tratar-se, por exemplo, de encerramento para remodelação, substituição ou
reparação de equipamento, por delito contra a saúde pública ou por violação de normas sobre segurança
no trabalho, pelo que aqui o trabalhador terá direito à totalidade da retribuição.
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Nos casos até agora analisados, a suspensão do contrato radica num facto respeitante a um dos sujeitos
da relação laboral, ora o trabalhador (suspensão individual), ora o empregador (suspensão coletiva).
Mas a suspensão do vínculo contratual pode também basear-se no mútuo acordo das partes. Isto
acontece em dois grupos de situações: licença sem retribuição e pré-reforma.
⚫ No que respeita à licença sem retribuição, esta pode ser concedida pelo empregador ao
trabalhador, a pedido deste - 317º CT. Os termos dessa licença são aqueles que as partes
acordarem. No entanto, o trabalhador tem direito a licença sem retribuição quando seja para
formação profissional ou esteja em causa um trabalhador vítima de violência doméstica. A
formação aqui em causa é, em princípio, uma formação complexa e de nível muito exigente. Este
direito não é potestativo, porque o empregador pode recusar a concessão de licença nos casos
previstos no 317º/3 CT. Segundo 317º/4 CT, tal licença determina a suspensão do contrato de
trabalho, com os efeitos do 295º CT.
⚫ Quanto à pré-reforma a sua noção consta do 318º CT pelo que se considera pré-reforma a situação
de redução ou suspensão da prestação de trabalho, constituída por acordo entre empregador e
trabalhador com idade igual ou superior a 55 anos, durante a qual este tem direito a receber do
empregador uma prestação pecuniária mensal, denominada de pré-reforma. O acordo pré-reforma
é um instituto destinado a possibilitar que os trabalhadores mais velhos possam reduzir a sua
atividade com vista a possibilitar o ingresso de trabalhadores mais jovens nos respetivos postos de
trabalho. Por este motivo, a pré-reforma pode ser considerada uma medida de redistribuição de
emprego. O acordo de pré-reforma é formal e tem um conteúdo mínimo, segundo o 319º CT. A
pré-reforma não é um estatuto genérico, mas antes diz respeito apenas ao âmbito contratual. Aos
trabalhadores em situação de pré-reforma também assistem direitos, previstos no 321º CT. Esta
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Além do regime geral que acabamos de ver, temos situações particulares/atípicas que podem conduzir
à suspensão do contrato de trabalho, como é o caso da falta de pagamento da retribuição, que se traduz
numa manifestação da exceção de não cumprimento do contrato. A falta de pagamento tratando-se de
um elemento fundamental do contrato tem esta proteção adicional, conferindo ao trabalhador a
faculdade de suspender ou fazer cessar o contrato - 323º/3 CT. A contagem deste procedimento para a
suspensão com esta causa inicia-se com o vencimento da prestação. Isto é, segundo o 325º/1 CT “no
caso de falta de pagamento pontual da retribuição por período de 15 dias sobre a data do vencimento,
o trabalhador pode suspender o contrato de trabalho, mediante comunicação por escrito ao
empregador e ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, com
a antecedência mínima de oito dias em relação à data de início da suspensão”.
A suspensão por falta de pagamento pode cessar, como é claro se a prestação for paga integralmente,
por acordo das partes para a regularização das retribuições em dívida e juros de mora ou, ainda através
da comunicação do trabalhador que ponha termo à suspensão - 327º CT.
NOTA: A suspensão do contrato de trabalho por falta de pagamento da retribuição é uma adaptação
da figura civilística da exceção de não cumprimento do contrato (428º/1 CC) ao âmbito juslaboral.
Posto isto, esta forma de suspensão é um meio reativo-defensivo à disposição do credor insatisfeito,
consistindo numa figura que não pode deixar de ser acolhida pelo Direito do Trabalho.
Proteção do Salário
O pagamento da retribuição tem normas muito específicas, pelo que a retribuição não é apenas mais
um elemento do contrato de trabalho, como qualquer outro. Essas regras garantem o seu pagamento
atempado. O regime consta do 258º CT, segundo o qual se considera retribuição a prestação a que, nos
termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida
do seu trabalho. Quanto às características da retribuição releva o seu carácter periódico e regular e o
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facto de ser atribuída em contrapartida da prestação de trabalho. Existe uma presunção do carácter
retributivo, isto é, presume-se que qualquer prestação do empregador ao trabalhador constituir uma
retribuição. A retribuição pode ser feita em espécie de acordo com os critérios do 259º CT, pelo que ao
valor da prestação retributiva não pecuniária não pode exceder o da parte em dinheiro, salvo o disposto
em IRC. Neste âmbito importa aludir ao abono para falhas, que se traduz numa prestação atribuída aos
trabalhadores que lidam com quantias pecuniárias, por exemplo, operadores de caixa de supermercado,
bancários, e todas as outras atividades que lidem com pagamentos em dinheiro. Estas atividades
podem, no final do período laboral, ter um desencontro entre o registo de entrada e o registo efetivo
de quantia pecuniária, porque existem sempre pequenos enganos no acerto de trocos, por exemplo,
pelo que será preciso um abono para falhas, sob pena de este desencontro ser compensado pelo
trabalhador que se enganou. Nesta medida, o abono para falhas previsto por IRC tem como objetivo
proteger o trabalhador que desempenha estas funções. O abono para falhas, em princípio, não se
considera retribuição, ao abrigo do 260º/2 CT.
O artigo 260º CT tem uma delimitação positiva e uma delimitação negativa do que é a retribuição, uma
vez que prevê um conjunto de prestações que estarão incluídas e outras que estarão excluídas da
retribuição. Quanto às modalidades, a retribuição pode ser certa, variável ou mista o que, muitas vezes,
dificulta a sua qualificação - 261º CT. Nos termos deste artigo também se prevê a forma de
determinação do valor dessa retribuição. Segundo o 270º CT, na determinação do valor da retribuição
deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que,
para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.
No que diz respeito à proteção do salário, depois de vermos a mesma em matéria de suspensão do
contrato, observamos que existem outras formas de proteger essa retribuição, desde logo, o trabalhador
só pode ceder crédito a retribuição, a título gratuito ou oneroso, na medida em que o mesmo seja
penhorável - 280º CT. Os créditos constituem direitos reais de garantia, segundo o 765º e seguintes
CC. Quanto às garantias de créditos do trabalhador, releva o 333º e seguintes CT. Por outro lado, a
prescrição e prova, do crédito constam do 337º CT. Assim, o prazo de prescrição do crédito de 1 ano
começa a contar-se no dia seguinte ao da cessação do contrato e não a partir do vencimento, porque
até por força das assimetrias laborais não é fácil, durante a vigência do período contratual, o trabalhador
demandar o empregador ao pagamento do crédito.
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Falamos agora da terceira vicissitude contratual que é a transmissão da empresa, depois de estudarmos
a cedência ocasional de trabalhadores e a suspensão do contrato de trabalho. Todas elas se encontram
no Capítulo V do Código do Trabalho que se refere, precisamente, às vicissitudes contratuais. Esta
vicissitude traduz a situação em que, na vigência do contrato de trabalho, a empresa ou estabelecimento
é transmitido a um terceiro, pelo que o contrato não se extinguirá, antes registará uma modificação de
caráter subjetivo (mudança de empregador) - 285º e seguintes CT.
Ora, a organização na qual se insere o trabalhador e que faz parte hoje da própria noção de contrato de
trabalho passa a ter outro titular. Assim, dispõe o próprio 285º/1 CT que “em caso de transmissão por
qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou
estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do
empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade
pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral” - isto traduz a ideia de
que sendo transmitida uma unidade económica ou parte dela que tenha autonomia, transmitem-se para
o novo adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores. Nesta medida,
podemos falar de uma cessação contratual ope legis. O disposto neste artigo acabado de mencionar
vale igualmente para quando haja uma alteração na titularidade no caso de transmissão, cessão ou
reversão da exploração da empresa, que podemos dizer consubstanciar uma transmissão indireta -
285º/2 CT. Ou seja, também nas situações de reversão da exploração, se verifica esta cessação ope
legis.
O que será preciso para que se verifique uma transmissão da empresa ex lege?
⚫ A ligação efetiva a essa unidade económica, ou seja, um contrato de trabalho vigente e em plena
força de produção de efeitos;
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Evidentemente que sim, pode não interessar aos trabalhadores a prestação da sua atividade a pessoa
diferente daquela que constitui o seu empregador inicialmente, pelo que podem, nessa medida, fazer
cessar o contrato de trabalho por sua iniciativa, segundo o 286º-A/1 CT. Os efeitos da transmissão da
empresa na esfera jurídica do trabalhador não se fazem sentir, desde logo, porque se mantém todos os
seus direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente, retribuição, antiguidade, categoria profissional
e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos - 285º/3 CT. Dar-se-á na hipótese do 285º/3 CT
uma sub-rogação ex lege do transmissário nas relações contratuais laborais do transmitente.
LOCAL DE TRABALHO
Apesar do “local de trabalho” se tratar de um conceito relativo ou elástico, podendo ser dotado de uma
amplitude ou extensão variáveis, o certo é que ainda assim, não se pode verificar uma total
indeterminação do local de trabalho, pois a situação de hetero-disponibilidade do trabalhador tem de
estar, de algum modo, espacialmente delimitada pelo contrato.
Quanto ao local de trabalho, já referimos a sua particular importância de qualificação e à sua natureza
enquanto objeto do contrato de trabalho. Falamos agora da proteção do local de trabalho enquanto
local ou sede da prestação de trabalho pelo trabalhador. O regime do local de trabalho e sua proteção
encontra-se no artigo 193º e seguintes CT. O 193º/1 CT estabelece a regra da inalterabilidade do local
de trabalho, pela qual o trabalhador deve, em princípio, exercer a sua atividade no local
contratualmente definido - é em função deste local que foi estabelecido contratualmente que o
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trabalhador organizará a sua vida pessoal e a vida profissional. Desta forma, facilmente percebemos
que o local de trabalho tem uma grande importância contratual que se traduz na definição do objeto do
contrato de trabalho, mas também uma importância que advém do facto de esse local ser o centro de
organização e polarização da vida pessoal do trabalhador e, por consequência, do seu agregado
familiar. Note-se que, como temos vindo a falar, a alteração do contrato de trabalho é apenas possível
por acordo das partes, por este se tratar de um objeto contratual.
Esta regra da inalterabilidade do local de trabalho do 193º/1 CT pode, no entanto, ser desviada por
uma situação de transferência de local de trabalho, de acordo com o 194º CT. Ora, o empregador pode
transferir o trabalhador para outro local temporária ou definitivamente, em dois grupos de situações -
194º/1 CT:
⚫ Quando, de forma residual, outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não
implique um prejuízo sério para o trabalhador. Neste grupo de situações, as circunstâncias são
mais exigentes porque pressupõem uma condição negativa adicional de que não haja prejuízo sério
para o trabalhador. Por prejuízo sério, naturalmente, se entende um conjunto de situações que pode
alterar as condições da prestação pelo trabalhador que não apenas situações de ordem pecuniária,
mas tudo aquilo que possa vir a prejudicar até a organização de vida do trabalhador, por exemplo,
o acesso aos transportes.
Segundo o 194º/2 CT, as partes podem alargar ou restringir essa transferência, mediante acordo que
caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado - isto significa que, mesmo que inicialmente no
contrato de trabalho se preveja a possibilidade de transferência do trabalhador, de forma abstrata e
hipotética, se durante dois anos não se verificar essa transferência, o acordo inicial caduca. A
transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do
funcionamento da empresa - 194º/3 CT. O 194º/4 CT impõe o encargo da transferência ao empregador
na medida em que deve ser este a custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos
custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de
alojamento, no caso de haver necessidade de deslocar o trabalhador do seu centro de residência. Por
outro lado, diz o 194º/5 CT que, se houver uma transferência definitiva pode o trabalhador resolver o
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contrato com direito à compensação prevista no 366º CT. É de notar que toda esta matéria pode, no
entanto, ser alterada por disposto em instrumento de regulamentação coletiva.
O 195º CT contém uma norma inovadora, que não existe em muitos outros ordenamentos jurídicos, e
que trata da transferência do trabalhador vítima de violência doméstica. Estes trabalhadores ficam
vulneráveis e expostos no seu local de trabalho e de forma a prevenir essa exposição constante do
trabalhador perante o agressor, é lhes reconhecido o direito a se transferido de modo definitivo ou
temporário para outro estabelecimento da empresa. Transferência essa que será subordinada a duas
condições ao encargo da vítima, pelo 195º/1 CT, mais precisamente, a apresentação de queixa-crime e
a saída de casa de morada de família no momento em que se efetive a transferência. Ora, reunidas que
estejam estas condições, o direito de ser transferido será concedido ao trabalhador, pelo que o
empregador apenas poderá adiar essa transferência com fundamento em exigências imperiosas ligadas
ao funcionamento da empresa ou serviço, ou até que exista posto de trabalho disponível, compatível
com as funções desenvolvidas pelo trabalhador transferido - 195º/2 CT. Se houver lugar a este
adiamento da transferência por parte do empregador e para evitar a continuidade da exposição do
trabalhador, tem o mesmo o direito de suspender o contrato de imediato até que se verifique a
transferência, sendo garantida a confidencialidade da situação que motiva essa suspensão - 195º/3 e 4
CT.
O procedimento em caso de transferência do local de trabalho do trabalho consta do artigo 196º CT,
segundo o qual o empregador deve comunicar a transferência do trabalhador, por escrito, com oito ou
30 dias de antecedência, consoante estejamos a falar de transferência temporária ou definitiva.
NOTA: não se confunde este regime de transferência do local de trabalho com as situações de
mobilidade funcional do 120º CT.
Nomadismo Digital
Ainda a propósito do local de trabalho cabe-nos fazer uma referência a uma realidade cada vez mais
instante do desprendimento da prestação do trabalho relativamente a um local fixo certo e determinado.
Essa realidade é o nomadismo digital - uma designação compreensível, que abrange um conjunto de
situações, sem necessidade de densificação normativa. Todos conhecemos esta realidade, quanto mais
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Faculdade de Direito da Universidade do Porto - 2023/2024
não seja, das constantes referências nos media a Portugal como um país de nómadas digitais devido,
nomeadamente, à acessibilidade de preços no consumo de principais bens e serviços de que o
nomadismo se socorre. Ora, este nomadismo consubstancia uma forma de trabalho à distância, forma
essa que pode ser independente/autónoma ou dependente/subordinada. O nomadismo digital é
transnacional, pelo que não trata de uma prestação centrada, exclusivamente, nas fronteiras nacionais.
Isto suscita para o Direito do Trabalho grandes questões quando ao exercício desta forma de trabalho
à distância, especialmente, quando seja de forma subordinada. No entanto, a forma subordinada traduz
a minoria dos casos uma vez que, no nomadismo digital, reina o trabalho de forma independente.
Quando o nomadismo é realizado de forma subordinada existe uma variabilidade nas condições de
proteção do trabalhador o que levanta questões de efetividade do Direito do Trabalho, desde logo,
porque o trabalhador não está tempo suficiente num determinado local ou país para que possa ser
protegido por esse. Portugal, tem despendido alguma atenção a este fenómeno, onde podemos verificar
a uma referência à utilidade e ao interesse em consolidar o nosso país como atrativo para os
trabalhadores e empregadores do nomadismo digital. Esse interesse foi consubstanciado, por exemplo,
na construção de centros de teletrabalho. Como pontos críticos a esta nova realidade, suscita-se a fraca
legalização dos trabalhadores no âmbito interno e a falta de proteção específica para os trabalhadores.
Atente-se, agora, a uma série de alterações do trabalho digno. Neste contexto foi introduzido o artigo
12º-A CT que já foi tema abordado no nosso estudo sobre o Direito de Trabalho, relativamente ao
método indiciário. Assim, no âmbito do trabalho na plataforma digital que, no essencial, ele estabelece
índices de laboralidade, dá uma noção de plataforma, reitera a irrelevância do nomen juris, prevê um
carácter relativo da presunção de contrato de trabalho, dá conta de uma plataforma digital e seus
intermediários, consagra o princípio do tratamento menos desfavorável, a responsabilidade solidária
entre a plataforma e intermediário, bem como a aplicabilidade da legislação laboral e as respetivas
sanções.
Do ponto de vista operativo é a noção de plataforma que se encontra no 12º-A/2 CT definida como
uma “pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos,
nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam,
como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco
de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização
determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios”. Ao abrigo
deste artigo, como vimos, estabelece-se um método indiciário que traduz a ideia de que para
estabelecimento e funcionamento da presunção é necessário o preenchimento de pelo menos dois
indicadores. Ao todo serão seis os indicadores, consagrados nas alíneas a) a f) do 12º-A/1 CT, no
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entanto, existem graves dúvidas quanto a eles, porque, na verdade parte destes indicies,
verdadeiramente não o são, tratando-se de puras consequências da relação laboral. A proposta de
diretiva também elenca uma presunção, sendo igualmente necessário o preenchimento de, pelo menos,
dois indicadores de entre os quais esta prevê. O 12º-A/7 proíbe a introdução de parâmetros
desfavoráveis ou de natureza discriminatória.
A Gestão Algorítmica
Os algoritmos são regras mais ou menos codificadas que permitem chegar a uma decisão através de
um procedimento lógico, normalmente, sob a forma de desdobramento de ramos de hipóteses, podendo
ser instrumentais ou fundamentais. Isto é, o algoritmo pode servir de coadjuvante de uma decisão
humana e nesse caso, estamos perante um algoritmo instrumental ou pode o algoritmo fundar
exclusivamente a decisão e nesse caso, estamos perante um algoritmo fundamental.
A Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital contém alguns enunciados programáticos
relativos a esta matéria, nomeadamente, no seu artigo 9º. Em matéria de criação de perfis (“Profiling”)
temos de considerar, além do Código do Trabalho, todo o corpo normativo relativo à proteção da
igualdade e não discriminação e a consideração de que na criação de perfis pode estar em causa a
proteção especial de dados - 12º e 24º/3 Regime Geral da Proteção de Dados. O mesmo já não acontece
a propósito a avaliação (“Rating”) - porque aqui já não temos uma legislação específica, apesar deste
ser visto como um índice do contrato de trabalho e até como um motivo para o despedimento. Assim,
tratando-se de um trabalhador subordinado, a cessação do trabalhador à plataforma digital pode
traduzir um despedimento, quando haja uma série de avaliações negativas. Claro que esse mesmo
despedimento não pode ser automático, mas antes apurado no quadro de um procedimento disciplinar
a cargo do empregador, como vimos.
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