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DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PRÁTICA

RESOLUÇÃO DA 2ª FREQUÊNCIA DE DPC DO ANO LETIVO 2022/2023

Pergunta 2. A citação foi realizada pelo distribuidor de serviço postal. Chegado à


sede da pessoa coletiva, a citação é recebida por um vigilante que se encontrava na
portaria das instalações. A Ré pretende suscitar a respetiva falta de citação,
pedindo a respetiva absolvição da instância, com fundamento em que:
(i) a citação foi recebida por um não seu funcionário, dado não haver
nenhum contrato com o vigilante, mas somente um contrato de prestação de
serviços com a Sociedade de Segurança, Lda.;
(ii) e que da remessa não constava o duplicado da petição inicial.
Quid iuris?
Temos aqui uma citação pessoal da pessoa coletiva, na modalidade da citação
postal – artigos 246º nº1 e 2 do CPC + 225º nº2 alínea b) e 228º e ss. também do CPC.
Discutiu-se, em tempos, se a citação feita era pessoal ou quase pessoal, embora a maior
parte dos autores considere que é uma citação pessoal da pessoa coletiva. Diz-se que é
pessoal porque se entende que o funcionário é equiparado ao representante legal da
pessoa coletiva, para efeitos de citação.
Deste modo, temos de ir ao artigo 246º do CPC, que prevê as disposições
específicas da citação das pessoas coletivas. Tudo o que não esteja regulado neste
artigo, vai aproveitar das disposições da citação das pessoas singulares. Temos de
atentar no nº2 do artigo referido, porque este respeita ao lugar da citação da pessoa
coletiva, quando a citação seja por via postal: o lugar é a sede, em princípio.
Para além do artigo 246º do CPC, temos de falar do artigo 225º nº2 alínea b) do
CPC, que prevê as modalidades de citação pessoal, sendo uma delas a citação por carta
registrada. Cumulativamente, temos de aplicar o artigo 228° e ss. do CPC, porque estas
são as disposições específicas da citação postal.
Nesse sentido, temos de ir ao artigo que prevê a possibilidade de a pessoa
coletiva ser citada no seu funcionário, nomeadamente, o artigo 223º do CPC, em
concreto, o seu nº3. O que é que se depreende por funcionário? Será que associado ao
termo funcionário está necessariamente um contrato de trabalho ou pode existir outra
relação contratual? O que se tem entendido é que não é necessário para a qualificação
de alguém como funcionário que esta pessoa tenha perante a pessoa coletiva um
contrato de trabalho. Na realidade, o que se exige é que esta pessoa esteja na sede da
pessoa coletiva ou no local onde normalmente funciona a sua Administração e que essa
pessoa tenha um dever de comunicar o ato de citação à pessoa coletiva. Uma das
hipóteses de que alguém que não tenha um contrato de trabalho, mas tenha o dever de
comunicar a citação, é de um vigilante que se encontra na sede da pessoa coletiva, ainda
que não tenha um contrato de trabalho. Este vigilante era entendido como funcionário.
Então, a partir do momento em que este recebe a citação, a pessoa coletiva considera-se
citada.
Deste modo, o primeiro argumento da pessoa coletiva é inválido, não assiste
razão ao réu, já que não existe falta de citação – artigo 188º nº1 do CPC.
E o segundo argumento da pessoa coletiva? É válido? A falta do duplicado
origina falta de citação ou nulidade de citação? A falta de citação é mais grave,
portanto, temos de distinguir as duas. Quando se faz referência à remessa do duplicado
da petição inicial, este duplicado é entendido como uma formalidade do ato de citação.
Estas formalidades constam do artigo 227º do CPC. A consequência da sua falta não é a

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falta de citação, mas sim a nulidade da citação, nos termos do artigo 191º do CPC, que
não é de conhecimento oficioso – artigo 196º a contrario do CPC.
Neste sentido, o segundo argumento da pessoa coletiva também não seria
procedente, já que a falta do duplicado não origina a falta de citação, mas sim a nulidade
da citação.
Nota: Existem vários fundamentos para a falta de citação, mas o seu fundamento mais
imediato é ter sido, em absoluto, omitido. Consoante os fundamentos da falta de citação,
o conhecimento pode ser ou não oficioso. Por regra, a falta de citação é de
conhecimento oficioso e pode, por regra, ser invocada a todo o tempo. Já a nulidade da
citação, por regra, não é de conhecimento oficioso e tem de ser arguida, por regra, no
prazo da contestação.
Quais são os efeitos da nulidade da citação? Sendo esta arguida no prazo, o ato é
como que “apagado dos autos” e tem de ser repetido, observando-se todas as
formalidades necessárias. Pelo contrário, a falta de citação origina tudo o que tiver sido
processado porque cai no artigo 187º do CPC, salvando-se a petição inicial, em alguns
casos. Em termos práticos, os regimes são muito próximos.

Pergunta 3. A Ré́ pretende defender-se com base nos seguintes fundamentos:


Alínea a) Os contratos subjacentes às prestações referidas nas faturas 1 e 2, com o
valor total de 20.000€ (10.000€ + 10.000€), eram simulados, tendo sido as faturas
emitidas apenas por razões contabilísticas.
Em primeiro lugar, temos de mencionar que vigora o princípio da concentração
da defesa na contestação, nos termos do artigo 573º nº1 do CPC. Este princípio tem
desvios, descritos no nº2 do artigo mencionado.
Existem três grupos de desvios. Por um lado, temos os factos supervenientes
(remissão para os articulados supervenientes). Por outro lado, temos as situações em que
o legislador expressamente admite que sejam conhecidos e invocados depois da
contestação (exemplo: competência absoluta e do dever de impedimento do juiz). Por
fim, temos os meios de defesa e exceções que sejam de conhecimento oficioso (como as
exceções dilatórias, que, por regra, são de conhecimento oficioso).
Olhando para o caso prático, qual seria o meio de defesa? Temos aqui uma
defesa por exceção perentória. Do ponto de vista doutrinal, esta exceção seria uma
exceção material, porque tem que ver com o mérito da causa. Será de efeitos
impeditivos, extintivos ou modificativos do direito da ação? Aqui é arguida a simulação
(artigo 240º e ss. do CC), que é uma divergência entre a vontade e a declaração. Então,
será uma exceção perentória de efeitos impeditivos do direito de ação do autor, porque
ao mesmo tempo que surgiria a pretensão do autor aos 20.000€, o contrato que lhe deu
origem foi atingido por uma causa de invalidade. Portanto, a simulação impede que a
pretensão do autor se constitua. Pelo contrário, nos efeitos extintivos, entende-se que o
direito chegou a nascer, o que não acontece aqui. Do ponto de vista doutrinal seria uma
exceção material de tipo material perentória, já que parte do pedido do autor vai cair –
artigos 576º nº1 e 3 e 579º do CPC.
Porquanto, a existência de uma nulidade, contemporânea da constituição da
pretensão, impede que esta se constitua. Neste sentido, a consequência de a mesma ser
julgada procedente é a absolvição parcial do réu do pedido.
Alínea b) A Autora não entregou as mercadorias referidas nas faturas 3 e 4, com o
valor total de 20.000€ (10.000€ + 10.000€), razão pela qual a quantia a elas relativa
não é devida, devendo a Ré ser, no que lhes respeita, absolvida do pedido.

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Se o réu afirma que não tem de pagar porque a autora não lhe entregou as
faturas, está a invocar a exceção do não cumprimento, nos termos do artigo 428º do CC,
já que estamos na lógica do sinalagma.
Do ponto de vista processual, estamos perante uma exceção perentória (do ponto
de vista doutrinal, seria uma exceção material) com efeitos modificativos do direito da
ação do autor (portanto, doutrinalmente, exceção material dilatória – artigos 576º nº1 e
3 e 579º do CPC). O autor, por efeito da exceção do não cumprimento, não fica privado
daqueles 20.000€, mas fica temporariamente privado daquele dinheiro.
Se a exceção fosse considerada procedente, em princípio, o réu seria absolvido
do pedido. No entanto, aqui não será assim, porque esta é uma exceção material
dilatória. Isto é assim porque a decisão que o tribunal vai tomar não vai ser a decisão
definitiva do litígio, vai ser uma decisão temporária do litígio. O tribunal vai condenar o
réu a cumprir a obrigação que lhe cabe quando o autor cumprir a obrigação que lhe
cabe. O efeito jurídico substantivo resultante da respetiva invocação da exceção de não
cumprimento não desonera o réu de cumprir a sua obrigação.
Assim sendo, a consequência de a ação ser julgada procedente é a condenação
de ambas as partes a cumprir as obrigações a que se vincularam, nos termos do contrato.
Ou seja, a condenação do réu a satisfazer a obrigação que lhe cabe no momento em que
o autor realize a respetiva contraprestação – artigo 610º do CPC.
Alínea c) Embora estivesse contratualmente acordado que a responsabilidade pelo
transporte das mercadorias até às instalações da Ré recaía sobre a Autora, foi a Ré
que o realizou, razão pela qual pretende ser ressarcida do valor em que incorreu
com essas despesas, 2.000€. Desta forma, apenas seria por si devida a quantia de
6.000€.
Neste caso, a própria ré transportou as mercadorias, ao contrário do que foi
acordado (que seria a autora). Neste sentido, vem pedir o montante de 2.000€, já que
teve despesas com o transporte.
Ora, estamos perante um pedido reconvencional. O réu está a pedir ao autor que
este pague uma certa quantia, ou seja, está a ser feito um contrapedido formulado pelo
réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo).
A reconvenção está prevista no artigo 266º e artigo 583º do CPC. O primeiro
artigo prevê as hipóteses em que se admite um pedido reconvencional. Temos de ver se
o nosso caso se enquadra em algumas destas hipóteses. O nosso caso enquadra-se na
alínea c) 1ª parte do artigo mencionado – “A reconvenção é admissível nos seguintes
casos: quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito seja para obter a
compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede
o do autor.”. Era admissível deduzir pedido reconvencional? Sim, nos termos do artigo
referido supra.
No entanto, além disto, existem requisitos formais da admissibilidade da
reconvenção, previstos no artigo 266º nº3 do CPC. Nos termos deste artigo, os dois
pedidos precisam de seguir a mesma forma do processo, o que parece estar preenchido,
já que ambos seguem a forma do processo comum.
Nota: a reconvenção não é uma peça totalmente diferente, já que é uma forma de
contestação do réu. De facto, pode haver uma contestação - defesa ou uma contestação -
reconvenção.

Pergunta 4. No decurso da audiência de julgamento, a Ré, receando não conseguir


impugnar os factos afirmados pela Autora, pede ao Tribunal que

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(i) condene adicionalmente a Autora no pagamento de juros de mora
relativos à quantia de 2.000€, mencionada, supra, sob 3.c);
(ii) no pagamento da quantia de 12.000€, resultante da compra e venda de
uma carrinha de transporte de vinhos; alegando, por fim, ter procedido entretanto
(iii) ao pagamento do remanescente da dívida, em 6.000€.
Existe aqui um princípio da estabilidade da instância, previsto no artigo 260º do
CPC. Este princípio prevê que aquando da citação do réu, à partida, a instância fica
estabilizada ao nível das partes, do pedido e da causa de pedir. Aqui a instância já
estaria estabilizada.
O réu pode pedir estes juros de mora, nesta fase processual? Temos de dar a
resposta olhando para a noção da ampliação do pedido: o réu estava a tentar ampliar o
pedido convencional. A ampliação do pedido segue algumas regras temporais e,
portanto, seria necessário ir ao artigo 265º nº2 do CPC. Aqui seria admissível a
ampliação do pedido reconvencional, ainda que na fase do julgamento, porque a
condenação nos juros de mora é uma consequência do pedido primitivo, ou seja, os
juros de mora são uma dependência do pedido principal de 2.000€. Então, a primeira
ampliação era de admitir.
Nota: Os juros de mora precisam de ser pedidos pela parte interessada, pelo que o
tribunal não poderia condenar em juros se a parte não pedisse.
Já a segunda ampliação (ii) não era admissível (o pagamento de 12.000€). Esta
ampliação não é admissível, porque este pedido não é um desenvolvimento /
consequência do pedido primitivo, sendo antes um pedido autónomo, que tem uma
natureza própria, considerando novamente o artigo 265º nº2 do CPC. No entanto, por
acordo das partes, ou seja, se as partes acordassem que fosse formulado este pedido,
esta ampliação, nesta fase processual, já seria de admitir, nos termos do artigo 264º do
CPC.
Nota: O artigo 264º prevê uma exceção: a ampliação do pedido não é possível por
acordo das partes salvo se a ampliação perturbar inconvenientemente a instrução,
discussão e julgamento do pedido. Esta exceção nunca é levantada, porque não se
definiu ainda bem o que é “perturbar inconvenientemente” a instrução, discussão e
julgamento do pedido.
Por último, nota-se que o tribunal deparou-se com um novo facto, o pagamento
anterior da dívida, alegado pelo réu. Isto constitui um facto objetivamente
superveniente, porque o réu terá pago os 6.000€ muito depois da contestação. Temos de
ir ao artigo 573º nº2 do CPC, que prevê os desvios ao princípio da concentração da
defesa na contestação, onde se pode invocar os factos supervenientes após a
contestação.
Neste sentido, temos de analisar os artigos 588º e 589º do CPC. Nos termos do
artigo 588º nº1 do CPC, a parte interessada na invocação dos factos supervenientes só
os pode invocar até ao encerramento da discussão. O nº2 distingue os factos
objetivamente supervisores e subjetivamente supervenientes. Depois temos de ver qual
o momento / prazo que a parte pode invocar os factos – artigo 588º nº3 do CPC. A
alínea c) enquadra-se nesta situação, que constitui o momento final da invocação deste
facto. O réu tem de provar que os fatos ocorreram após a contestação ou dos outros
momentos ou que ele teve conhecimento deles após a contestação.
Porque é que se admite que na audiência final se possa invocar estes factos?
Porque, nos termos do artigo 611º nº1 do CPC, a sentença deve considerar todos os
fatos ocorridos e do conhecimento das partes até aquele momento. Deste modo, era
admissível, através de articulado superveniente, a alegação deste facto.
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Pergunta 5. O Tribunal julgou a ação – tal como constante do enunciado –
parcialmente procedente, condenando a Ré a cumprir a quantia de € 46 000. A
Autora entende que o Tribunal errou ao não julgar o pedido integralmente
procedente. Também a Ré, inconformada, pretende reagir, com fundamento em
que:
(i) a sentença era nula, dado que o Tribunal não explicitou com
desenvolvimento bastante as razões pelas quais não acolheu a defesa da Ré;
(ii) além de, nos termos gerais, ter sido o erro de julgamento a conduzir à
condenação nos referidos 46.000€.
Aprecie em que termos poderão as partes impugnar a sentença.
Temos uma hipótese de recurso, mais concretamente uma interposição de
recurso ordinário – de apelação. Se estamos perante um recurso ordinário temos de
considerar dois pressupostos para a sua admissibilidade: requisito do valor da causa e
requisito da sucumbência – artigo 629º nº1 do CPC. Para as hipóteses do artigo 629º nº2
e 3 não interessam estes requisitos.
Quanto ao valor da causa, uma vez que a quantia pedida na ação foi certa, então
o valor da causa é de 48.000€ - artigo 297º nº1 do CPC. Segundo o artigo 629º nº1, para
se poder recorrer, o valor da causa tem de ser superior ao valor da alçada do tribunal de
que se recorre – artigo 44 da LOSJ. Neste caso, este critério está preenchido.
Quanto à sucumbência, esta é o prejuízo para a parte que recorre considerando o
se pede. Para sabermos quem ficou prejudicado na ação, quem ficou vencido, temos de
analisar o artigo 631º do CPC. Perante esta decisão, tanto o autor como o réu são partes
vencidas - o autor pediu 48.000€ e viu o réu condenado em 46.000€ e o réu foi
condenado. A sucumbência do réu é de 46.000€. O prejuízo tem de ser superior a
metade da alçada do tribunal de que se recorre (neste caso metade da alçada é 2.500€),
logo quanto ao réu estava preenchido este requisito. Assim, o réu podia interpor recurso
ordinário para a Relação e este recurso é autónomo. Quanto ao autor o seu prejuízo é de
2.000€, que é inferior aos 2.500€. Assim, quanto ao autor falhava o requisito da
sucumbência, nos termos do artigo 629º nº1 do CPC.
O autor ficava impedido de interpor recurso autónomo, porque falha o critério da
sucumbência, e também não podia reclamar para o juiz porque não existem
fundamentos de nulidade ou de reforma (artigos 615 e 616º do CPC). No entanto,
poderia avaliar-se a interposição de um recurso subordinado -artigo 633º nº5 do CPC.
Um recurso independente ou autónomo é um recurso interposto pela parte
vencida, no prazo do artigo 638º do CPC que começa a contar da notificação da
sentença às partes. Estando as partes vencidas e os critérios preenchidos, podem avançar
com o recurso autónomo. Diz-se autónomo porque cada parte pode interpor recurso,
sendo independente na delimitação do conteúdo do mesmo.
Quanto ao recurso subordinado, a par dele existe o recurso principal
(independente). Para a parte que apresenta o recurso principal estão preenchidos os dois
requisitos. Assim, a parte vencida interpõe recurso e a outra parte que ficou vencida vai
poder, depois de ser notificada do recurso principal, ter um prazo para apresentar o
recurso subordinado. O prazo para a sua interposição só começa a decorrer após a
notificação do recurso independente, que por norma são 30 dias. Para além disso, o
tribunal só vai poder conhecer do objeto do recurso subordinado se conhecer do objeto
do recurso principal.
Em relação ao réu podia interpor recurso autónomo, porque tinha os dois
critérios preenchidos. Para além disso, o réu apresenta no seu recurso uma causa de
nulidade da sentença. Ora, estamos perante uma causa de nulidade uma vez que o juiz

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não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão – artigo
615º nº1 alínea b) do CPC.
Por parte dos tribunais, a interpretação feita deste artigo é de que a sentença só é
nula com base nesta alínea se faltar em absoluta a fundamentação de facto e de direito.
As deficiências de fundamentação de facto e de direito não são fundamento de nulidade
de sentença.
O nosso caso era de deficiência e não de falta absoluta de fundamentação, e, por
isso, não estava em causa a nulidade prevista no artigo 315º nº1 alínea b) do CPC. O réu
apresenta esta nulidade no requerimento de interposição de recurso – artigo 615º nº4 do
CPC –, sem prejuízo de, no seu âmbito, o juiz a quo a poder apreciar – artigo 617º do
CPC.

CASO PRÁTICO Nº14


A «Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – DECO» veio
instaurar contra «Portugal Telecom, S.A.», procedimento cautelar comum «como
preparatório de ação inibitória que irá intentar».
Foi pedido que o tribunal decretasse uma medida de natureza cautelar com
o alcance de a requerida ser condenada a «abster-se de iniciar a cobrança da nova
taxa de ativação prevista na Proposta de Tarifário Geral junta, no ano em curso,
seguindo-se os ulteriores termos dos arts.365º e ss. do CPC». Pediu ainda a
requerente que a providência fosse decretada sem audiência da contraparte e que
se fixasse sanção pecuniária compulsória não inferior a 250.000€, nos termos do
art.365º nº2, do mesmo diploma.
O juiz lavrou despacho em que indeferiu o pedido de não audição da
Requerida. Desta decisão interpôs a «DECO» tempestivo recurso.
Pergunta 1. O que é o procedimento cautelar comum «preparatório»?
Um procedimento cautelar pode ser preliminar / preparatório de uma ação
principal, ou seja, pode decorrer antes de instaurada a ação principal, ou pode ser
intentado na pendência de uma ação principal. Quando o procedimento precede é
preliminar, quando é interposto na pendência é incidental.
Conforme seja preliminar ou incidental vamos dar respostas diferentes quanto ao
tribunal competente e de que forma é processado o procedimento cautelar. Se for
preliminar, vamos ter de ver o tribunal competente em razão do território ao artigo 78º
nº1 do CPC. Se for incidental, o tribunal competente em razão do território é o tribunal
da ação principal. Se for preliminar, o procedimento cautelar corre em autos próprios e
depois de instaurada a ação principal estes autos vão ser apensadas a esta. Se for
incidental, vai ser processado de imediato em apenso à ação principal, não corre em
autos próprios.
No nosso caso trata-se de um procedimento cautelar preliminar.
Nota: as providências cautelares caracterizam-se pela sua instrumentalidade – meios de
tutela provisórios – artigo 373º nº1 alínea a) do CPC. Imaginemos que temos um
procedimento preliminar, uma vez decretada a providência cautelar e transitado o
despacho que decreta essa providência, o requerente dela vai ter um prazo de 30 dias
para instaurar a ação principal. À partida, quem tem o ónus de propositura da ação é o
requerente – artigo 369º do CPC. Se ao fim dos 30 dias o requerente não faz nada, a
providencia vai caducar.
Nota: Imaginemos que o tribunal competente para o procedimento cautelar é um certo
tribunal que é diferente do tribunal da ação principal. Os autos vão ser remetidos para o
tribunal da ação principal.

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Pergunta 2. Como se caracteriza a ação principal, à luz da classificação contida no
art.10º do CPC?
Estamos perante uma ação inibitória, que se classifica como uma ação
declarativa de condenação – artigo 10 nº3 alínea b) parte final do CPC. As ações de
tutela inibitória são declarativas de condenação e nesta ação pretende-se condenar o réu
de se abster de praticar um facto (non facere) – aplicar uma nova taxa de ativação
prevista na Proposta de Tarifário Geral.

Pergunta 3. Destinando-se a ação a prevenir determinado comportamento – o que


a situa no campo da tutela cautelar –, haverá interesse jurídico relevante em
requerer o procedimento cautelar comum preliminar da ação principal?
A ação de tutela inibitória tem em si uma natureza cautelar, mas com efeitos
definitivos. No entanto, as providências cautelares são meios de tutela provisórios e não
definitivos.
Quando se inicia uma ação não sabemos quando ela vai terminar e a mora na
obtenção definitiva podia dar lugar à cobrança da taxa. A vantagem do procedimento
cautelar é de forma provisória conseguir os efeitos que se visa atingir na ação principal,
mas no curto prazo – artigo 362º do CPC.
Esta ação principal tem natureza cautelar, com efeitos definitivos. Havia
interesse em requerer o procedimento cautelar preliminar da ação principal, pois evitaria
a cobrança da taxa a título provisório enquanto não haja decisão da ação principal.
Tratava-se, portanto, de uma providência cautelar requerida através do procedimento
cautelar antecipatório, quanto aos seus efeitos – artigo 362º nº1 do CPC.
Assim sendo, havia interesse jurídico na propositura do procedimento cautelar
comum, em face do periculum in mora (artigo 368º nº1 2ª parte do CPC), isto é, se se
esperasse pela sentença da ação principal, o facto lesivo poderia já estar consumado. Já
o fumus boni iuris consistiria aqui em demonstrar, sumariamente, a cobrança ilegal da
taxa.

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