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RURBANIZAÇÃO NA PERIFERIA:
Análise da experiência de desenvolvimento local
das comunidades de Dois Unidos e Passarinho
RECIFE
2019
RAFAEL FERREIRA DANTAS SANTOS
RURBANIZAÇÃO NA PERIFERIA:
Análise da experiência de desenvolvimento local
nas comunidades de Dois Unidos e Passarinho
RECIFE-PE
2019
RAFAEL FERREIRA DANTAS SANTOS
RURBANIZAÇÃO NA PERIFERIA:
Análise da experiência de desenvolvimento local
nas comunidades de Dois Unidos e Passarinho
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof.ª. Drª Rita Alcântara Domingues
Universidade Federal Rural de Pernambuco
________________________________________
Prof.ª. Drª Irenilda de Souza Lima
Universidade Federal Rural de Pernambuco
________________________________________
Prof. Dr. José Nunes da Silva
Universidade Federal Rural de Pernambuco
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus, por ter me permitido alcançar tantos sonhos e seguir
sonhando com novos horizontes. Agradeço aos meus familiares, que dividem comigo uma
caminhada árdua, mas de muito apoio mútuo. Minha esposa Regina, especialmente, por
toda paciência e compreensão. Registro uma gratidão especial às professoras Rita
Alcântara, com quem tive o privilégio de ser orientado e compartilhar a construção desta
pesquisa, e Irenilda Lima, que foi minha motivadora em todos os momentos nesse retorno
à vida acadêmica. Registro ainda a gratidão a todos os amigos que conheci no Posmex,
uma turma inesquecível e de muita luta. E, por fim, a todos aqueles moradores das
comunidades de Dois Unidos e de Passarinho que colaboraram para responder a cada
pergunta levantada nessa pesquisa. Que esse esforço acadêmico contribua para o
desenvolvimento local da periferia.
RESUMO
Dois Unidos e Passarinho são dois bairros situados na periferia da zona norte do
Recife que são caracterizados por um processo de desenvolvimento local relacionado aos
aspectos de rurbanidade presentes nessa região. A presente pesquisa realizou um
levantamento bibliográfico dos estudos sobre rurbanização, a partir de Gilberto Freyre, e
de desenvolvimento local; construiu uma narrativa da história de ocupação desses bairros,
que tinham inicialmente fortes elementos de ruralidade; e apontou os marcadores de
desenvolvimento local e de rurbanidade, identificados principalmente pelo trabalho do
Espaço Mulher, instituição popular mobilizadora do movimento Ocupe Passarinho. Para
a melhor compreensão do conceito de rurbanização, a pesquisa sistematizou os principais
trabalhos realizados no Brasil e no exterior por autores como Coelho, Matheus, Maia,
Froehlich e Graziano, apontando nesse aprofundamento as diferentes abordagens de cada
estudo. Para traçar se a população local participava, percebia e tinha anseios que
apontavam na direção do desenvolvimento local e da valorização dos aspectos de
rurbanidade, a presente pesquisa entrevistou moradores que integram movimentos
sociais, idosos e universitários, extraindo diferentes olhares e apropriações acerca desse
cenário.
Dos Unidos y Pasarinho son dos barrios situados en la periferia de la zona norte
de Recife que pasan por un proceso de desarrollo local relacionado a los aspectos de
rurbanidad presentes en esa región. La presente investigación realizó un levantamiento
bibliográfico de los estudios sobre rurbanización, a partir de Gilberto Freyre, y de
desarrollo local; construyó una narrativa de la historia de ocupación de esos barrios, que
tenían inicialmente fuertes elementos de ruralidad; y apuntó los marcadores de desarrollo
local y de rurbanidad, identificados principalmente por el trabajo del Espacio Mujer,
institución popular movilizadora del movimiento Ocupe Pasarinho. Para la mejor
comprensión del concepto de rurbanización, la investigación sistematizó los principales
trabajos realizados en Brasil y en el exterior por autores como Coelho, Matheus, Maia,
Froehlich y Graziano, apuntando en esa profundización los diferentes abordajes de cada
estudio. Para trazar si la población local participaba, percibían y tenían anhelos que
apuntaban hacia el desarrollo local y la valorización de los aspectos de rurbanidad, la
presente encuesta entrevistó a moradores que integran movimientos sociales, ancianos y
universitarios, extrayendo diferentes miradas y apropiaciones acerca de ese escenario.
I Idosos
PB Paraíba
RJ Rio de Janeiro
U Universitários
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................11
1.1 Método e metodologia ...........................................................................................17
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...............................................................................21
2.1 Rurbanização: de Gilberto Freyre aos dias de hoje ...............................................21
2.2. Do desenvolvimento ao desenvolvimento local ...................................................35
3 PROCESSO DE OCUPAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ATUAL DOS BAIRROS ..48
3.1 Contexto histórico e econômico do processo de ocupação ....................................50
3.2 Indicadores socioeconômicos e políticos atuais ....................................................66
3.3 Movimento popular “Ocupe Passarinho” ..............................................................69
4 RURBANIZAÇÃO NA PERIFERIA: UM CAMINHO POSSÍVEL PARA O
DESENVOLVIMENTO LOCAL? ...............................................................................733
4.1. Cenários de rurbanidade .......................................................................................75
4.2 Natureza da pesquisa e sujeitos pesquisados .........................................................86
4.3 Características e anseios da população ..................................................................87
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................98
REFERÊNCIAS ..........................................................................................................1011
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista com lideranças e participantes de movimentos
sociais dos bairros........................................................................................................1088
APÊNDICE B – Roteiro de entrevista com universitários do bairro ........................10909
APÊNDICE C – Roteiro de entrevista com idosos .....................................................1100
APÊNDICE D – Artigo Científico ..............................................................................1101
ANEXO .........................................................................................................................130
11
1 INTRODUÇÃO
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1
Com a demanda por algodão para a indústria têxtil os campos foram esvaziados para a criação de ovelhas,
e a população que lá vivia foi expulsa para as cidades com métodos nada idílicos (MARX, [1867], p. 339-
355).
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conhecido como êxodo rural. A cidade, sem condição de atender a demanda, levou a
expansão acelerada da ocupação habitacional para a periferia tornando possível a
continuidade de certos hábitos do cotidiano rural.
Especificamente, no que diz respeito à Região Metropolitana do Recife2 (RMR)
os dados apontam que dos 15 municípios, três deles: Recife, Camaragibe e Paulista são
100% urbanos. Os demais integrantes da RMR possuem percentuais reduzidos de áreas
rurais. Cabe registrar que os bairros limítrofes dessas três cidades apontadas como
totalmente urbanas são detentores, não apenas de maiores áreas verdes como também de
populações com ligação com o uso da terra para fins agrícolas, devido as suas origens no
campo (CRUZ, 1962). Essa população vivenciou um movimento migratório (êxodo
rural), pelos idos dos anos de 1950 a 1970, quando foi obrigada a migrar para as cidades
em busca de trabalho, ocupando as áreas mais pobres e precárias dos grandes centros
urbanos.
Entre o urbano e o rural, há um intenso debate desses limites, inclusive de forma
conceitual. A partir dos estudos realizados no Projeto Repensando o Conceito de
Ruralidade no Brasil e suas implicações para as políticas públicas de desenvolvimento
rural, Bezerra e Bacelar (2013) discorrem sobre concepções contemporâneas das
ruralidades e acerca das suas singularidades no Brasil, com a perspectiva de contribuir
para a ampliação do debate sobre o lugar e a importância dos espaços rurais brasileiros.
De acordo com as autoras, a definição do que é rural no Brasil é historicamente definida
por oposição e exclusão em relação às áreas consideradas urbanas. Essa conceituação de
rural classifica todo espaço que não corresponde a urbano como rural. Elas avaliam que
essa definição de desprestígio ao rural, levou o País a adotar uma estratégia de
desenvolvimento priorizando sempre que possível a intervenção nos espaços urbanos, em
especial nas metrópoles.
Para propor uma nova definição do que seja rural, Bezerra e Bacelar (2013, p. 72)
fizeram uma vasta pesquisa, analisando a tipificação dos espaços rurais em outros Países,
tanto da América Latina, como da Europa. A revisão do conceito destaca o rural como
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2
A RMR é uma divisão geopolítica do IBGE, uma unidade organizacional, geoeconômica, social e cultural
composta por 15 municípios, hoje constituída por Abreu e Lima, Araçoiaba, Cabo de Santo Agostinho,
Camaragibe, Goiana, Igarassu, Ipojuca, Itamaracá, Itapissuma, Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Olinda,
Paulista, Recife e São Lourenço da Mata. Para fins de planejamento o Estado de Pernambuco considera
Região de Desenvolvimento Metropolitana. Para maiores informações ver:
http://www.bde.pe.gov.br/estruturacaogeral/mesorregioes.aspx.
13
forma territorial da vida social, ultrapassando dessa forma o olhar apenas economicista
do meio rural enquanto espaço de produção agropecuária. Uma análise que traz como
implicações “a interdependência entre os espaços rurais e as cidades; os traços distintivos
dos espaços rurais são variáveis; e o desenvolvimento rural é um projeto de sociedade”.
Segundo Wanderley e Favareto (2013, p. 415), “o rural não se resume às formas
de produção agropecuária. O rural é um lugar de produção e também um lugar de vida e
de moradia”. O conceito é construído por três pilares: funcional, econômico e social.
Funcionalmente, ruralidade está relacionada a elementos como o lugar, a paisagem e a
sociedade rural; economicamente está ligado ao seu papel de produção, inclusive não-
agrícola; enquanto a construção social do rural trata do papel da identidade cultural na
distinção socioespacial.
Tomando de empréstimo a definição de rural como desenho territorial da vida
social, nos aproximamos do cotidiano rural/urbano (rurbanidade) em periferias de grandes
cidades e, no caso específico, da cidade do Recife. A opção por pesquisar a rurbanidade
surge dos debates dentro de diferentes disciplinas do Programa da Pós-Graduação em
Extensão Rural e Desenvolvimento Local, ao associar que os elementos que marcam esse
conceito estavam presentes nas comunidades em que vivi desde a infância na periferia do
Recife, nos bairros de Dois Unidos e de Passarinho. Além desse aspecto, tenho me
dedicado há alguns anos, enquanto profissional do campo de jornalismo, a realizar
reportagens e coberturas jornalísticas de temas relativos ao urbanismo na cidade do
Recife, em discussões sobre a mobilidade urbana e acerca da construção de espaços
públicos mais humanizados, em que acompanho fortemente a participação dos moradores
em novos movimentos sociais ligados à cidade.
As discussões sobre rurbanidade ganharam maior densidade no País com o
crescimento das grandes cidades, como os estudos de Freyre (1982) que apontavam para
a necessidade de se implantar no País processos de rurbanização, que seria o planejamento
dos espaços urbanos e rurais dentro das cidades. Das proposições iniciais de Freyre,
diversos outros estudos posteriormente discutiram essa relação entre o rural e urbano,
inclusive a situação das comunidades de periferia (GOMES, 2018) e dos resquícios de
rurbanidade dentro das capitais (MAIA, 2000, 2010), como na forma de transporte,
atividade econômica e costumes sociais.
As comunidades de Dois Unidos e Passarinho, escolhidas como objeto desta
pesquisa, são marcadas por aspectos ambientais e culturais, como a presença de grandes
áreas verdes e o convívio com práticas mais típicas do meio rural, como algumas práticas
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agrícolas nos quintais e, em menor escala, a criação de animais (DANTAS; LIMA, 2017).
Passamos a analisá-los sob a perspectiva de espaços rurbanos, onde está posta uma nova
concepção de rurbanidade, principalmente no que tange aos aspectos da vida social, o que
nos leva a enxergar de forma mais clara resquícios desses elementos imbricados no
cotidiano urbano dessas comunidades.
O debate sobre o que é rural/urbano continua a instigar cientistas a procura da
melhor conceituação que se adapte a dinâmica da realidade posta. Em estudos de Bezerra
e Bacelar (2013) está colocada a pendência entre as especificidades do campo e a cidade
e sugere inclusive uma nova classificação ao IBGE, que considere as diferentes gradações
para classificar uma localidade enquanto rural ou urbana.
Em oposição ao conceito de rural, o urbano é caracterizado pela predominância
de atividades do segundo e do terceiro setor, com uma menor dependência da natureza
(HESPANHOL, 2013). Para o IBGE o critério fundamental escolhido para a classificação
é a densidade demográfica, alinhada com tipologias bem aceitas internacionalmente como
a da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e União
Europeia (IBGE, 2017)3. Reconhece ainda que a definição de uma tipologia rural–urbano
para o recorte territorial municipal denota uma generalização necessária nessa escala de
análise, uma vez que dentro de praticamente todos os municípios brasileiros
encontraremos uma variedade de situações que vão desde os espaços eminentemente
rurais às grandes densidades urbanas.
Bezerra e Bacelar (2013), por sua vez, reiteram que no Brasil a classificação do
que é rural ou urbano do IBGE depende da legislação de cada município. Sendo assim,
toda a população que vive nos perímetros definidos como urbano pela legislação
municipal é classificado também pelo IBGE como urbano. Sendo residualmente
considerados como rurais todos aqueles que estão em áreas externas a esses perímetros
urbanos.
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3
Através da utilização da base do estudo Arranjos populacionais e concentrações urbanas do Brasil (IBGE,
2016), partiu-se da premissa de agrupamentos de municípios com sua mancha urbanizada contígua iriam
constituir como uma seção homogênea de atividades urbanas. Sendo assim, foram consideradas as
concentrações urbanas (arranjos populacionais e municípios isolados com mais de 100 000 habitantes), os
arranjos populacionais com contiguidade das manchas urbanizadas (neste caso, os municípios que
pertencem a um arranjo populacional somente pelo critério de deslocamento cotidiano, não foram
considerados), além dos municípios isolados (que não formaram arranjos). A este elemento analítico foi
dado o nome de Unidade Populacional a fim de facilitar a compreensão do trabalho (IBGE, 2017).
15
buscar moradia em localidades periféricas das cidades, muitas vezes em processos tensos
de ocupação.
Apesar de inúmeras dificuldades inerentes a áreas periféricas urbanas, o Estado
está presente com projetos de infraestrutura urbana. Devido à existência de áreas verdes,
o bairro de Dois Unidos recebeu nos últimos anos alguns investimentos públicos para
replantio de árvores, requalificação de áreas nos seus morros e, mais recentemente, do
Programa Prometrópole4 que visa requalificar as margens do Rio Beberibe, que separa os
dois bairros que são objeto do estudo. Paralelamente, a comunidade de Passarinho passou
por um intenso processo de mobilização política em torno do direito à moradia, com duas
ocupações recentes no bairro. Desse momento político contra a desocupação e
necessidade de moradia nasce o movimento Ocupe Passarinho, inspirado no Ocupe
Estelita5, mas com bandeiras distintas e com uma participação intensa da comunidade
local.
Do processo vivenciado e a partir da orientação da Organização Não-
Governamental (ONG) Casa da Mulher do Nordeste, nasce um projeto de incentivo à
agricultura urbana, que se tornou o tema central de um dos encontros prévios do evento
anual do Ocupe Passarinho em 2016, chamado de Pré-Ocupe. Esse fato despertou nas
mulheres que integram esse movimento o interesse em retomar práticas agrícolas para o
consumo de suas famílias e até para comercialização de excedentes, quando as produções
são um pouco maiores. Esse foi mais um fator relevante que estimulou as práticas
relacionadas à rurbanidade nesta região.
Embora oficialmente sejam consideradas comunidades distintas, a de Dois
Unidos sendo integrante do Recife e a de Passarinho sendo parcialmente de Recife e
parcialmente de Olinda -, há um entrelaçamento da dinâmica social desses bairros, com
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4
A Lei nº 17.379/2007 altera dispositivos da Lei nº 16.947 de 08 de janeiro de 2004, alterada pela Lei nº
17.166 de 28 de dezembro de 2005, que criou a estrutura de gerenciamento do programa de infraestrutura
em áreas de baixa renda da RMR - Prometrópole - projeto Recife. Faz parte do Conselho previsto, os
seguintes membros: o Secretário de Saneamento- SESAN; o Secretario de Planejamento Participativo,
Obras e Desenvolvimento Urbano e Ambiental; o Secretário de Finanças; Diretor-Presidente da Empresa
de Urbanização do Recife; e um Vereador, representando a Câmara Municipal do Recife (RECIFE, 2007).
5
O movimento Ocupe Estelita é movimento social e cultural que defende um marco histórico de Recife.
Uma área de cerca de 101,7 mil metros quadrados, com um pátio ferroviário e uma série de armazéns de
açúcar abandonados pelo poder público é um local que faz parte da história de Recife, sendo um dos cartões
postais e espaços públicos que restam na capital pernambucana. E é por isso que um grupo está lutando
para evitar que as construções sejam demolidas por um consórcio de grandes construtoras para construção
de prédios comerciais e residenciais. (BUENO, 2014).
17
circulação diária dos seus moradores, usufruindo de serviços em comum, tais como
transporte, comércio e educação. Cruz (1962), que realizou um vasto estudo sobre a
rurbanidade em Dois Unidos na década de 1960 relatou que desde aquela época havia
uma comunicação intensa dessas duas comunidades e semelhanças socioeconômicas.
Do ponto de vista físico os bairros encontram-se separados apenas pelo Rio Beberibe,
entretanto, as comunidades estão conectadas por pontes e passarelas. No passado, a
maioria dessas passagens eram por pequenas pontes de pedestres construídas com
troncos de árvores, segundo o relato dos moradores mais antigos. Até os anos 1990
algumas dessas travessias permaneciam em uso, fazendo o trânsito de pessoas entre os
bairros.
Neste contexto, a pesquisa tem como objetivo geral analisar o cenário de
rurbanidade, relacionando-o a promoção do desenvolvimento local, nos bairros de Dois
Unidos e Passarinho. Desse objetivo geral decorrem alguns específicos, que dizem
respeito a:
1. identificar os elementos de rurbanidade presentes nos bairros;
2. sondar as concepções que os moradores possuem sobre os aspectos de
rurbanidade da comunidade;
3. analisar a atuação das organizações populares locais em prol da melhoria
da qualidade de vida e geração de renda; e
4. relacionar a experiência de desenvolvimento local e de rurbanidade nessas
comunidades.
instituições do passado com a intenção de analisar a influência que eles têm na sociedade
atual.
Para atender tal objetivo e seguir na direção do método escolhido a metodologia
idealizada consta de três fases. A primeira fase é da pesquisa exploratória, composta
inicialmente de um levantamento bibliográfico em fontes secundárias, como dados do
IBGE, pesquisas em documentos já existentes, pesquisa em jornais do Estado, impressos
e digitais e em fontes primárias, bem como foram obtidos dados em pesquisas de campo,
visando o melhor entendimento da área. Para fundamentar o trabalho utilizam-se os
conceitos de rurbanização, desenvolvimento local e sustentável, e periferia, procurando,
sempre que possível estabelecer o diálogo com a realidade em questão.
O segundo momento diz respeito ao levantamento histórico da comunidade,
realizado por meio da sistematização de outras pesquisas realizadas sobre os bairros, em
um segundo levantamento bibliográfico, e principalmente no trabalho de investigar em
jornais antigos de Pernambuco as menções sobre os Bairros, buscando organizar da forma
mais linear possível os registros antigos de ocupação e crescimento dessas comunidades,
que é pouquíssimo conhecido pelos moradores. Ainda nessa fase foi realizada uma
pesquisa de imagens dos bairros de algumas décadas atrás, do acervo do Museu da Cidade
do Recife e da Villa Digital da Fundação Joaquim Nabuco.
Um terceiro momento da pesquisa se voltará para entrevista semiestruturada (2ª
fase) com a população local. A partir dessas realidades, levantamos alguns
questionamentos: Quais os elementos de rurbanidade presentes nessas comunidades?
Qual o nível de percepção e de apropriação desses elementos pela população local e qual
o valor dado a essa característica? Como tem sido a participação da população local na
promoção ou reivindicação das melhorias socioeconômicas das comunidades? Perguntas
que tiveram como a meta encontrar as respostas para os objetivos da pesquisa por meio
de entrevistas diretas com moradores, por meio da análise de outros estudos acadêmicos
e da observação do que é publicado na imprensa sobre essas comunidades.
O trabalho está organizado em três capítulos. O primeiro trata-se de um marco
teórico voltado para as questões da rurbanização, rurbanidade e desenvolvimento local e
sustentável, sendo frutos de pesquisa bibliográfica. O primeiro tópico apresenta diferentes
olhares ao longo das últimas décadas sobre a rurbanização e a rurbanidade, a partir de
Gilberto Freyre. Propomos uma classificação das diferentes vertentes de estudos que
marcaram as pesquisas sobre rurbanidade e rurbanização. O segundo tópico se deteve às
discussões acerca da construção da ideia de desenvolvimento, com as críticas propostas a
19
cidades. A presente pesquisa traz uma contribuição a este debate, principalmente frente
aos desafios contemporâneos de promover o desenvolvimento urbano com preservação
ambiental e com sustentabilidade em seus diferentes aspectos. A sistematização da
história dessas comunidades poderá contribuir também para o fortalecimento da
identidade desses bairros e da maior identificação dos moradores com o seu espaço.
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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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6
O conceito de Campo apresentado pelo dicionário no sentido do texto é o de uma “Região situada fora
dos limites urbanos, distante do litoral, explorada para atividades agropecuárias; zona rural”.
7
O termo rural traz conceitos complementares no dicionário: “Relativo ou pertencendo ao campo;
campestre”; “Que é próprio do campo”; “Aquele que vive ou trabalha no campo”. Há um intenso debate
quando se trata de educação do Campo e Educação Rural, que diferencia esses dois termos para além desses
conceitos, pois associam que o rural adotou ao longo do tempo um sentido pejorativo, de atraso. Na pesquisa
adotaremos ambos como sinônimos, preferindo o uso “rural”, que está na raiz de duas palavras-chaves
rurbanidade e rurbanização.
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8
Uso para a família vivenciar nos finais de semana, férias e feriados. Por trás desse uso encontra-se uma
questão de status, uma vez que tais proprietários detêm alto poder aquisitivo na região.
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profissional, baixa remuneração e menor custo da moradia. Neste caso, dois fatos seriam
indicadores, o baixo valor da compra ou aluguel da moradia ou a mobilização social por
terras desocupadas.
Em qualquer dessas situações uma nova organização do espaço acontece a partir
de uma migração permanente, cuja população oriunda, muitas vezes do campo, em busca
de trabalho e melhor condição de vida.
Acrescenta-se a estes elementos anteriormente citados o fato das dificuldades
financeiras que os levam, na maioria das vezes, em direção à ocupação de áreas carentes,
- sem infraestrutura básica e até então desvalorizadas pelo mercado imobiliário,
justificando o baixo custo do aluguel -, ou ocupação em área de risco. Este seria o caso
da nossa área de pesquisa. Vejamos, pois, que processos diferentes de ocupação podem
sinalizar também resultados muito distintos quanto à manutenção das características
iniciais da região e preservação dos seus ativos ambienteis.
Vários são os processos de reorganização e ocupação do espaço que podem levar
a situação de rurbanização, a exemplo do estudo conduzido por Mateus (2009) quando
observou as ações mutacionais no diálogo entre o rural e o urbano em Coimbra, em
Portugal. A partir da análise específica ela estabeleceu uma classificação para melhor
identificar as dinâmicas acerca da rurbanização de diferentes regiões no entorno de
Coimbra que apresentaram interfaces entre o rural e o urbano. Seriam, pois:
a) a suburbanização (caracterizada pelo espaço próximo do centro urbano, dominado
por um espaço construído com algum grau de degradação urbanística, por vezes
socialmente segregado, onde a distância ao centro é mais sociológica do que física);
b) a periurbanização, espaço morfologicamente heterogêneo, com claros processos de
mutação social e econômica;
c) Rurbanização, campos urbanizados, com áreas construídas, segundo modelos de
arquitetura urbana, intercalados com espaços agrícolas e naturais, estando o seu
desenvolvimento estreitamente relacionado com o centro urbano próximo.
As perguntas iniciais do trabalho de Mateus foram: Como se transformou o espaço
rural envolvente de Coimbra? Que dinâmicas o animaram? Que novas territorialidades se
geram? Após a pesquisa, Mateus (2009) afirmou que o processo de suburbanização se
concretizou na subida da densidade demográfica urbana, nas regiões mais próximas do
núcleo urbano, tais como Santa Clara, Santo António dos Olivais, Eiras e S. Martinho do
Bispo, entre 1960 e 1991. Tais regiões até aquele momento eram caracteristicamente
rurais.
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9
Alves (2015) aponta que “a população de Portugal estava decrescendo. Houve declínio populacional na
década de 1960, durante a ditadura salazarista. Em 1960, a população de Portugal era de 8,9 milhões de
habitantes e o saldo natural (natalidade-mortalidade) estava acima de 100 mil pessoas por ano. Em 1970, a
despeito do crescimento vegetativo dos anos 60, a população portuguesa caiu para 8,7 milhões de
habitantes, chegando a 8,6 milhões em 1973. Porém, a Revolução dos Cravos, de 25 de Abril de 1974,
mudou a história portuguesa e em 1975 houve a independência das colônias africanas: Angola,
Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau. Com isto houve uma grande volta de
patrícios e a imigração bateu todos os recordes históricos. Em 1980, a população de Portugal tinha subido
para 9,8 milhões de habitantes. Porém, a emigração voltou a subir e, mesmo com crescimento vegetativo,
a população portuguesa ficou estável na década de 1980. Somente depois da constituição da União Europeia
foi que Portugal apresentou elevadas taxas de crescimento e teve saldo migratório positivo”.
29
capital paraibana. O estudo revelou que a permanência de vida rural não apenas enquanto
atividades econômicas, mas também como manutenção de costumes referentes a um
modo de vida rural.
Geralmente dispostas ao longo dos vales dos rios e por detrás das grandes
avenidas, essas unidades de produção, a despeito da constante pressão que a
vida urbana lhes impõe, conseguem manter costumes trazidos da zona rural de
onde foram expulsas, principalmente das regiões interioranas do estado da
Paraíba e de estados vizinhos (Rio Grande do Norte e Pernambuco). Algumas
já vieram de outros bairros da cidade de onde foram tangidas pela especulação
imobiliária. Outros pequenos produtores estão no local desde que para aqui
migraram. A escolha do local dá-se a partir do valor do terreno a ser adquirido
como também da constatação da existência de um grande número de lotes
vazios ou mesmo antes do loteamento da área. (MAIA, 2010, p. 47).
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10
A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro é uma universidade federal brasileira localizada no
município de Seropédica, no km 7 da BR-465, no Rio de Janeiro. (UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL
DO RIO DE JANEIRO, 2019).
31
apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio
do programa de Núcleos de Excelência e pela Secretaria de Desenvolvimento Rural do
Ministério da Agricultura e do Abastecimento (SDR/MMA), teve três fases, começando
em 1997; tendo um segundo momento iniciado em 1999; e a sua última fase no ano 2000.
A primeira fase (1997) tinha como meta retomar e sistematizar os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) para apresentar o cenário da
população rural e do campo brasileiro. Naquele momento foi diagnosticado um
crescimento dessa população na década de 1990 (0,5% ao ano) e uma mudança de cenário
com a existência e o aumento de atividades econômicas não agrícolas, sendo responsável
na época por ocupar 30% da população rural.
O segundo período (1999), apenas dois anos depois, da pesquisa Rurbano apontou
para o fato da agricultura e da pecuária terem perdido espaço para a criação de animais
exóticos, e mais nobres, que tinham como destino a comercialização para a agroindústria,
os restaurantes e para as redes de supermercados. Atividades que não eram tipicamente
rurais, como o “pesque-pague”, a construção de condomínios de classe média e alta nessas
regiões antes agrícolas e o turismo rural são algumas das novidades reveladas na segunda
fase desse estudo.
A terceira fase do Projeto Rurbano (2000) aprofundou o conhecimento sobre o
novo rural brasileiro, se direcionando então para uma análise sobre a influência das
transformações no campo brasileiro no meio ambiente e no cenário do emprego e renda,
como a importância das aposentadorias e pensões na composição de renda familiar, a
abertura de oportunidade de trabalho com o crescimento das agroindústrias e até mesmo
de atividades ligadas ao turismo e lazer rural, que passaram a demandar outros tipos de
profissionais ligados a esses segmentos. Graziano da Silva (2001) quebra uma série de
mitos acerca da vida e da dinâmica socioeconômica do meio rural brasileiro. O rural
menos agrícola revelado pelo autor é o sinal da chegada de novas atividades econômicas
no campo.
A pesquisa Rurbano teve ainda uma quarta fase (2005), que se desdobrou já sem
a coordenação de José Graziano11. Com um grupo menor de pesquisadores e agora com
o apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o projeto trouxe como foco
de análise a pobreza rural e o autoconsumo, que até então era uma renda invisível, embora
fundamental para a segurança alimentar da população. A análise comparativa envolvia a
segurança alimentar em duas situações distintas: municípios que tinham como principal
atividade econômica a agrícola e àqueles que estavam mais alinhados à atividade
industrial (IZIQUE, 2012). Essa última fase revelou que o autoconsumo era uma prática
em 11,1% dos domicílios rurais e urbanos, sendo uma renda até então invisível e
contribuía para a segurança alimentar das populações em situação de vulnerabilidade
social. Também foi realizada uma radiografia da pobreza da população agrícola, seja de
moradores do campo ou das cidades. O estudo apontou que a insegurança alimentar era
maior com a população que vivia nas áreas urbanas de pequenos municípios.
Dando continuidade a estudo de cenários rurais López, Vargas e Romero Perez
(2014) investigaram as transformações na arquitetura rural a partir dos aspectos da
viviendas vernáculas, que são construções tradicionais e com maior resistência às
mudanças ao longo do tempo, na região de Chilapa de Álvarez (Guerrero, México). Os
pesquisadores identificaram o surgimento de elementos de evolução no espaço físico,
como uma “nueva concepción del hábitat originado en el cambio generacional, social y
de actividades económicas” (ibid., p. 163). Nesse aspecto, as evidências apontaram para
mudanças não apenas nas atividades econômicas, na arquitetura da região e no processo
de transformação da rurbanização, mas, sobretudo influenciaram fortemente nos
costumes e comportamentos da população.
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11
O Graziano se afastou do projeto devido ao seu envolvimento com o Ministério Extraordinário de
Segurança Alimentar (Mesa) em 2003.
33
Junina “Tradição Nordestina”. A autora conclui que o Morro da Conceição é formado por
cenários rurbanos posto que haja o “uso de carroças com cavalos, a conversa nas portas
das calçadas ou nas escadarias, e as festas religiosas tão características das cidades
rurbanas”. Conclui que o aspecto cultural rurbano é importante para o desenvolvimento
local, gerando renda, promovendo a valorização do endógeno, e ponto de partida para a
realização de parcerias público-privadas e da participação popular.
Esse olhar estaria inserido entre a perspectiva de observar a rurbanização como
um elemento de desenvolvimento e, paralelamente, da contemplação da permanência dos
elementos de ruralidade nas cidades. Nesse sentido, o trabalho de pesquisa aqui proposto
toma de empréstimo esta abordagem para as experiências dos bairros de Dois Unidos e
de Passarinho, relacionando a rurbanidade e rurbanização como elementos no processo
de desenvolvimento local.
Como indicadores de rurbanidade dentro dos espaços urbanos, podemos apontar
três deles. O primeiro é o humano, através da presença de parte da população de origem
rural, seja vinda diretamente da vida do campo no interior do Estado, seja descendente de
retirantes a partir do êxodo rural ocorrido no Brasil décadas atrás. Esse segundo perfil é
o mais comum de ser encontrado nos bairros de Dois Unidos e de Passarinho, tendo sido
identificados inclusive famílias que tiveram seus antepassados oriundos de indígenas e
ex-escravos.
O segundo indicador de rurbanidade na cidade diz respeito à manutenção de
práticas ou costumes tipicamente rurais, tais como, atividades agrícolas, de pequenos
plantios (em quintais produtivos ou por meio de espaços comunitários), criação de
animais, uso de modos de transporte (tais como uso de carroças ou mesmo de animais,
como cavalos, nos deslocamentos), festividades e outras atividades culturais típicas do
meio rural.
O terceiro indicador seria a própria paisagem do lugar, visto que alguns dos
bairros, principalmente aqueles localizados na periferia, guardam ainda vastas áreas
verdes, com menor intervenção humana, como nos meios rurais e espaços destinados à
agricultura urbana e criação de animais. Esses marcadores de ruralidade observados em
áreas periféricas de cidades estão presentes em três tipologias identificadas nos estudos
de rurbanização e de rurbanidade mapeados.
Enquanto no caso do Morro da Conceição é a questão cultural (da festividade e da
dança), o elemento mais forte de ruralidade dentro dessa comunidade, nos bairros de Dois
Unidos e Passarinho são os aspectos ambientais e a manutenção de algumas práticas
35
agrícolas nos quintais e sítios como pontos fortes que as caracterizam como rurbanas.
Embora não haja um indicador oficial do percentual de moradores com origem de
comunidades rurais de áreas do interior, em ambas as pesquisas acadêmicas a observação
de campo apontou que uma parcela significativa da população tem origem nos
movimentos de êxodo rural vividos na região Nordeste décadas atrás.
A abrangência da temática vai mais além com novos questionamentos dependendo
dos observadores. Entretanto, para esta pesquisa estão postos alguns estudos acerca de
rurbanização e rurbanidades, conforme o quadro abaixo.
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12
Neste ponto não se aborda o surgimento do urbano, mas do conceito de “desenvolvimento urbano”. Um
desdobramento do conceito de desenvolvimento.
37
Esteva (2000, p. 65) afirma ainda que esse conceito nunca conseguiu se dissociar
de termos que se aproximam da sua origem, tais como crescimento, evolução e maturação.
De forma irônica ele descreve que desenvolvimento ganha um contorno quase que mágico
que irá “solucionar todos os mistérios que nos rodeiam ou, pelo menos, que nos irá guiar
até essas soluções”.
Avançando no entendimento Montenegro Goméz (2005) ressalta que a
inauguração do termo desenvolvimento como instrumento de dominação, impunha um
modelo a ser seguido pelos países, aconteceu em um discurso do presidente dos Estados
Unidos Harry S. Truman13, no dia 20 de janeiro de 1949. A busca do “melhor mundo
possível” assinalada no discurso do presidente americano apontaria as políticas
econômicas que conduziram o mundo nas décadas seguintes.
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13
Após a Segunda Guerra Mundial a geopolítica apontou a existência de dois blocos: capitalista e socialista.
Tal situação da pré-Guerra Fria levou o presidente americano, Truman como representante da nação
hegemônica dos países capitalistas a estabelecer estratégias econômicas, diplomáticas e militares para
impedir a expansão do socialismo, especialmente em nações capitalistas consideradas frágeis.
14
Gatt é o "General Agreement on Tariffs and Trade”, que em português significa Acordo Geral de Tarifas
e Comércio.
38
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15
O entendimento de ecodesenvolvimento aos poucos foi substituído por desenvolvimento sustentável,
como informa Sach (1993. p .2 apud BARBIERI. 1997. p. 23).
41
sociedade que se projete para um modo de vida e de produção mais sustentável como
parte da cooperação internacional
No entanto, ele ressaltou que no marco dos dez anos após a Reunião ECO-92 o
desequilíbrio planetário se agravou, não apenas com a manutenção dos problemas vistos
na década de 1990, mas também com a insistência dos países em não assumirem
compromissos em questões como a substituição de combustíveis fósseis, redução do
crescimento, reconhecimento de direitos sobre a biodiversidade e aumento dos
financiamentos aos países pobres.
Milanez (2003, p. 81) reitera que o Desenvolvimento Sustentável tem quatro
facetas: a ambiental, a social, a econômica e a cultural. Ele avalia, porém, que a última
delas é relevante e complexa, uma vez que envolve a sociedade com “os sistemas de
valores, as estratégias de produção, as formas de lazer”, entre outros elementos que
movem todo o processo de desenvolvimento. O caminho apontado pelo autor para se
atingir o desenvolvimento sustentável culturalmente é através de uma educação que
desenvolva indivíduos “críticos, criativos e cooperativos”. Essa consideração parte do
pressuposto de que se não for transformada a mente do indivíduo que cresceu imerso dos
valores da sociedade capitalista, não seria possível modificar a relação entre o homem e
a natureza.
Apesar de avanços em relação ao conceito tradicional de desenvolvimento,
Mazzeto (2012) apontou contradições no Relatório de Brundland quando o documento
não fez uma crítica acerca do padrão de consumo elevado adotado pelos países
industrializados. Seria, para ele, uma defesa tímida de um modelo de desenvolvimento.
No entanto, ele reconheceu a importância daquele documento para pavimentar um
caminho diplomático de proposta de uma nova política global com uma perspectiva de
sustentabilidade. Mesmo diante das críticas às limitações impostas pelo sistema
capitalista ao desenvolvimento sustentável, Mazzeto (2012) ressaltou que nas últimas
décadas, apesar do reconhecimento de sua necessidade não houve uma transformação do
modelo de desenvolvimento, e sim, apenas uma atuação para tornar a sociedade menos
predatória ambientalmente.
42
Outro autor que trouxe, no início do Século XXI, uma concepção mais
humanizada e distante daquele modelo inicial de desenvolvimento foi Sen (2000, p. 10):
“o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as
escolhas e oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição enquanto
agentes de sua própria mudança”. O conceito está relacionado às pessoas e ao processo
de mudanças e não nas transformações em si. Sen, que foi um dos responsáveis pela
proposição da criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), propõe uma
abordagem que é também econômica, mas não essencialmente econômica sobre o
desenvolvimento.
Para ele é após desprender os indivíduos das privações que impedem o fluir de
suas capacidades que se torna possível impulsionar quaisquer processos de
desenvolvimento. Sua perspectiva é de que primeiro acontece a formação das capacidades
humanas para que a população tenha condições de construir a própria melhora da
condição de vida humana. O reconhecimento do papel dos indivíduos na construção do
desenvolvimento vista em Jesus (2003) e em Sen (2000) nos leva a outro desdobramento
desse conceito que é o de desenvolvimento local.
O desenvolvimento local seria, segundo Jesus (2003), “um processo que mobiliza
pessoas e instituições buscando a transformação da economia e da sociedade local,
criando oportunidades de trabalho e de renda, superando dificuldades para favorecer a
melhoria das condições de vida da população local”. Sob esse ponto de vista,
desenvolvimento não está atrelado simplesmente a crescimento econômico, atração de
investimento e geração de postos de trabalho, mas traz uma perspectiva humana e de
dignidade social sustentável, conforme define o próprio conceito de desenvolvimento.
Jesus (2003) apontou que o nascedouro desse conceito de desenvolvimento local
está assentado nas últimas décadas do século XX. O contexto desse nascimento são as
consequências negativas do intenso processo de globalização. Sua formação é uma
antítese aos modelos de desenvolvimento com forças muito mais exógenas do que
endógenas conforme pensavam autores.
O olhar mais humano sobre os processos de desenvolvimento e a concepção de
observar o indivíduo ao mesmo tempo como agente e beneficiário do desenvolvimento
43
são algumas marcas desse conceito. “Trata-se, pois, de um pressuposto óbvio, isto é, que
as pessoas devem participar ativamente e não apenas serem beneficiárias do
desenvolvimento” (MARTINS, 2002, p. 51). Neste ponto há uma mudança de paradigma
significativa entre as concepções anteriores acerca do desenvolvimento.
Aqui, segundo Domingues (2006), o espaço torna-se território pela projeção dos
diversos interesses, das diferentes formas de apropriação do recurso e das distintas
funções que lhe são atribuídas. Reiterando essa visão, para Santos (1999, p. 18-19): “O
território usado é a categoria de análise e deve ser visto como algo que está em processo,
possuindo um conteúdo social, um dinamismo sócio-territorial, enfim, é o quadro da vida
de todos nós nas várias dimensões”.
A formação das periferias, tais como conhecemos atualmente, acontece no mundo
com a eclosão dos processos de industrialização e a mobilização intensa da população
rural para as cidades. Lefebvre (1999) defendeu que o surgimento da indústria trouxe uma
transformação também na relação entre o espaço e o valor. Diferente do período histórico
45
da Idade Média, quando o valor do espaço era do seu uso, o autor apontou que na era
industrial ele é um produto cujo valor está na comercialização.
Os subúrbios, sem dúvida, foram criados sob a pressão das circunstâncias a fim
de responder ao impulso cego (ainda que motivado e orientado) da
industrialização, responder à chegada maciça dos camponeses levados para os
centros urbanos pelo “êxodo rural”. (LEFEBVRE, 1999, p. 17)
Esses contingentes, uma vez expulsos do campo, eram atraídos pelos inúmeros
predicados atribuídos à cidade-polo, porém, ao chegarem se viam
desqualificados e, principalmente, descapitalizados a ocupar a “cidade”, a
“metrópole”, consequentemente, passavam a fazer parte das suas franjas, do
seu entorno ou das suas áreas insalubres.
Entretanto, esse processo é antigo, posto que segundo Anjos e Chaveiro (2007, p.
188), desde o período do Brasil Colônia até a segunda metade do século XVIII, quando
acontecem invasões nos centros urbanos pelo comércio e indústria, o processo de
expansão das cidades brasileiras não ocorria de forma muito distinta em relação à classe
social ou econômica dos indivíduos. O crescimento da população urbana e a instituição
da Lei de Terras (inclusa dentro da Lei Áurea e que dá o início às restrições do uso de
terras no País) mudam esse cenário.
Ritter e Firkowski (2009, p.24) ressalvam que como o êxodo rural é praticamente
inexistente no Brasil do século XXI, a expansão atual das periferias está relacionada às
“migrações intraurbanas ou intrametropolitanas, uma vez que a metrópole e a pós-
metrópole produzem pobres e reproduzem a pobreza nos seus interiores”.
Nesse contexto, a crescente violência urbana vista nas duas últimas décadas tem
levado os olhos do poder público e da academia a analisar com maior atenção esse
fenômeno da expansão das periferias e suas consequências socioeconômicas.
O problema da expansão da periferia de cidades remete de alguma forma a questão
da necessidade de uma política pública de promoção à habitação. Entretanto, tardiamente,
se registra uma primeira política pública no País nos anos de 1960, com a criação do
46
Banco Nacional de Habitação - BNH, prolongando-se até o ano de 1986, sem atender de
forma eficiente a necessidade de moradia nos grandes centros urbanos. Por outro lado,
Santos (1994) afirma que naquele período houve um incremento acelerado da quantidade
de habitantes nos grandes centros urbanos do País, em especial em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Segundo o geógrafo, na década de 1960, a média percentual de aumento da
população que se instala nas Regiões Metropolitanas é de 37,46% alcançando na década
de seguinte o percentual de 43,37%.
A negação do direito da cidade e dos seus serviços é uma constante da experiência
de expansão da urbanização brasileira à população da periferia. Esses moradores, que
ocuparam os extremos das cidades ou as áreas de pântanos e morros (ARRAIS, 2004),
como no caso recifense, ficam excluídos dos benefícios do desenvolvimentismo
brasileiro.
Diante da ausência de políticas públicas de habitação específicas para áreas de
periferia urbana, houve a necessidade de participação da comunidade na gestão do seu
território e as experiências aconteceram historicamente no Recife, por meio dos
movimentos sociais (CAVALCANTI, 2017). Em muitos casos, participação essa
organizada através de Associações de Bairros na década de 1950.
na capital seguem em disputa. Elas afirmam que hoje, mais do que em qualquer outro
momento, a supremacia dos agentes que detém o poder econômico tem conduzido a
processos de ampliação da “segregação espacial do Recife, expulsando, indiretamente, os
mais pobres para áreas periféricas cada vez mais distantes e sem infraestrutura”.
Para discutir alternativas de melhorias de qualidade de vida para as populações
das periferias, observaremos a evidência dos elementos de desenvolvimento local dentro
das comunidades de Dois Unidos e Passarinho, localizados na periferia da zona norte do
Recife e de Olinda. Nosso olhar se orienta para identificar como o capital social da
população local mobilizada em torno do seu próprio desenvolvimento tem a capacidade
de trazer avanços socioeconômicos e culturais observando uma das características
singulares de algumas dessas comunidades de periferia que é a rurbanidade, presente
nesses bairros (DANTAS; LIMA, 2017).
Apesar do processo de desenvolvimento urbano da cidade ser configurado em sua
maioria como de uma “urbanização absoluta” (FREYRE, 1982), sem historicamente ser
dado o devido valor a preservação dos ativos ambientais e das práticas agrícolas,
diferentemente, no caso dos bairros de Dois Unidos e Passarinho, há um remanescente de
área verde relativamente preservada, além da presença de uma parcela da população de
origem rural. Estes seriam elementos que podem evidenciar um caminho para o
desenvolvimento a partir da valorização e fomento dessas características.
48
Brandão (1988, p.124) ainda no final dos anos 1980, aponta que Passarinho
(Figura 2), compunha a chamada Zona Administrativa de Beberibe da mesma forma que
o Bairro de Dois Unidos (Figura 3), de igual forma, é conforme registrado em vários
documentos e jornais como um lugar ou povoado de Beberibe. Contudo na descrição das
fotografias encontradas em pesquisa no Museu da Cidade do Recife foi possível
identificar também imagens do Alto do Maracanã, que fica em Dois Unidos, assinaladas
como se fossem do Bairro de Casa Amarela. Essas nomenclaturas diversas dificultam a
busca de informações das origens dos bairros.
Nesse século há uma série de menções nos classificados de jornais sobre terrenos
ou sítios à venda nesses bairros. Uma questão interessante é perceber que nos anúncios
não são citados os nomes dessas comunidades que pertenciam à Beberibe, mas devido à
localização foi possível ser reconhecida pela indicação dos endereços, a Estrada do
Passarinho e a Estrada do Cumbe, que são as principais vias dos dois bairros.
Para fundamentar a ideia da ocupação desses bairros no final do século XIX, a
pesquisa se alongou no tempo e encontrou o registro mais antigo do Bairro de Passarinho,
com o anúncio da venda de um terreno na Estrada do Passarinho, que tinha o fundo para
o rio Beberibe no Diário de Pernambuco de 19 de novembro de 1878. Com relação à
comunidade de Dois Unidos o mesmo jornal, no dia 11 de março de 1881, (três anos
depois) registrou o mais antigo anúncio que sem registrar o nome cita a Estrada do
Cumbe, que futuramente irá se chamar de Avenida Hidelbrando de Vasconcelos, principal
via nos dias de hoje. A notícia revela que “A 3 de novembro, em cumprimento do disposto
do parágrafo 38 da Lei 1.449, (1881) mandei (Governo da Província) que a repartição de
obras públicas, no mais curto prazo, apresentasse os estudos indispensáveis à conclusão
de 63 quilômetros da Estrada da Villa de Água Preta ao povoado de Jacuípe, assim como
a Estrada do Cumbe, em Beberibe”.
No Jornal do Recife, em 2 de julho de 1881, há outro registro sobre a Estrada do
Cumbe. Essa nota anuncia o leilão do sítio denominado Emberibeira, (Figura 4) que tem
a Estrada do Cumbe como limite ao sul. O local é apresentado como situado no Povoado
52
de Beberibe e há a informação que se trata da casa onde funcionava uma escola pública
este, por sua vez é o registro mais antigo de uma instituição educacional na localidade.
Figura 4 – Anúncio de leilão.
Provavelmente o mesmo sítio, que pode ter originado o nome do Bairro, vem a ser
registrado em 19 de março de 1935 no 1º Ofício do Registro Geral de Imóveis do Recife,
com a seguinte descrição:
até encontrar a antiga Estrada do Oiti Furado, até onde existe um marco de
trilho e daí limita-se com terras de Claudino Leal, por uma reta com 760,00 m,
aproximadamente, em cerca de arame farpado, até encontrar novamente o Rio
Beberibe, estando dita propriedade cortada pelo riacho permanente de taipa,
em sentido transversal do Sudoeste para Nordeste, em posição de cerca de
900,00m contados do Poente terminal da Estrada do Cumbe. (Anexo 1 da Lei
Nº 14.517, de 7 de dezembro de 2011, p.3).
para plantações, possuindo muitas fruteiras de qualidade, sendo cortado por diversos
riachos, além do Rio Beberibe, e possui gado e cavalos. A referida propriedade rural
ficava distante 15 minutos no terminal do bonde no bairro de Beberibe. Sem identificar
se seriam 15 minutos de veículo, animal ou a pé, não é possível uma compreensão mais
aproximada do local exato dessa propriedade. A nota menciona ainda que a Estrada do
Cumbe fica no Engenho Beberibe.
Nos jornais surgem vários nomes de moradores e posseiros que teriam vivido
nesta região no início do século XIX. A região era caracterizada em vários momentos
como um lugar que tinha a qualidade de ter abundância de água.
O Livro de Mensagem da Assembleia Legislativa de Pernambuco de 1925 (no
Anexo X) registra a construção de dois Pontilhões na Estrada do Cumbe. O registro indica
que são construções de madeira com encontros de alvenaria.
Até este momento apenas informações mais fragmentadas dos bairros foram
coletadas nos jornais do Recife. No final da década de 1930 e início da década de 1940
passamos a ter algumas informações de instituições com atuação local, como a Água
Mineral Santa Clara, alguns terreiros e as primeiras instalações militares.
Em 1937 um grupo de investidores compra a propriedade com algumas nascentes
de água do Rio Beberibe. Já na década de 1910 havia na localidade um personagem
chamado de Bento, o milagroso, que tinha a fama de curar pessoas nas águas dessas
nascentes que ele dá o nome de Santa Clara. É organizada então a sociedade comercial
que ganha o nome de Empresa Santa Clara Limitada, conforme Figura 14. De acordo com
o histórico da empresa, seu objetivo inicial seria explorar a fonte do “Bento Milagroso”
tanto para o engarrafamento natural da água como para sua comercialização gaseificada.
Dessa fábrica são produzidas também guaraná, vinagre, refrigerante de uva, gasosa de
maçã e pera e água tônica. Um dos fatos curiosos dessa empresa é que ela se torna a
primeira produtora da Coca-Cola em solo brasileiro, no ano de 1941, um ano antes da
inauguração da primeira fábrica da multinacional no Rio de Janeiro.
O site da Coca-Cola Brasil (2016) informa que Recife e Natal foram as primeiras
cidades a receber os refrigerantes da marca, pois eram paradas obrigatórias das
embarcações norteamericanas e de veículos militares que se deslocavam em direção à
Guerra na Europa. “A Coca-Cola usou as instalações da fábrica de água mineral Santa
Clara, que existe até hoje. Depois foram instaladas mini fábricas (kits com equipamentos
básicos para produção de refrigerante) em Recife e Natal”. A empresa Águas Minerais
Santa Clara foi registrada no Diário Oficial de Pernambuco como Sociedade Autônoma
apenas no dia 8 de maio de 1942 (PERNAMBUCO, 1942). Atualmente a Empresa
engarrafa apenas água mineral no bairro.
Campos e Pacheco (2018) ressaltam a importância inclusive histórica da bacia do
Rio Beberibe para o abastecimento de água na Região Metropolitana do Recife. O trecho
do rio que divide os bairros de Dois Unidos e Passarinho, inclusive, foi um dos pontos
utilizados já em 1946 para captação de água para abastecimento das cidades do Recife e
de Olinda.
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16
A palavra Diario não tem acento. Até hoje eles não mudaram a forma de grafia.
61
primeiro nome deste espaço foi São João Baptista de Seita Africana. Segundo Mendonça
(1975), essa região foi no passado uma das que concentravam o maior número de terreiros
do Estado. O relato de Meira (2008) sobre os primeiros anos deste espaço religioso é que
o bairro não tinha sequer as ruas definidas, sendo entrecortado por caminhos estreitos de
terra, sendo a Avenida Hidelbrando de Vasconcelos a primeira via a receber
pavimentação do bairro, sendo inaugurada apenas em 1973 pelo prefeito Augusto Lucena.
Nas proximidades deste terreiro, que segue em atividade, havia uma cacimba onde se
encontravam as lavadeiras do bairro naquela década.
No final desta década, o Diario de Pernambuco, na edição de 27 de maio de 1949
(p. 4), há o registro do levantamento topográfico e o loteamento do Sítio Dois Unidos,
pelo Serviço Social Contra o Mocambo17. Uma edição do Diario de Pernambuco em 15
de agosto de 1939, quando ainda estava em vigor a Liga Social Contra o Mocambo, há
uma menção do interventor Agamenon Magalhães à construção de uma olaria no Sítio
Dois Unidos para fornecer 25 mil tijolos por semana para esse serviço de construção de
moradias populares. Os moradores mais idosos da comunidade entrevistados na pesquisa
mencionam a Liga Social Contra o Mocambo como responsável pela construção de parte
das casas antigas do bairro.
Apenas em 1958 é erguida no bairro a Capela da Vila de Dois Unidos (MENDES,
2011), o primeiro templo católico desta região, a hoje Paróquia São Vicente de Paulo.
Essa igreja foi liderada por décadas pelo padre holandês João Pubben. No relato oral dos
moradores mais antigos do bairro aponta a presença de uma pequena igreja pentecostal,
chamada de O Brasil para Cristo, ainda na década de 1960 em Dois Unidos. Quanto à
presença religiosa no bairro de Passarinho, está a primeira Igreja Batista fundada na
década de 1970, de acordo com os moradores. Ambas as igrejas permanecem em
funcionamento.
Do ponto de vista prisional localiza-se a Colônia Correcional de Dois Unidos,
construída em 1960, apontada como uma das estruturas mais antigas do bairro que
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17
O Serviço Social contra o Mocambo é o originado com o final da Liga Social Contra o Mocambo, que
era uma associação fundada pelo interventor Agamenon Magalhães em 1939, que tinha como meta
extinguir os mocambos (moradias miseráveis recifenses, como as palafitas — e de mobilizar a construção
de residências populares. A Liga é encerrada em 1945, dado lugar o Serviço Social contra o Mocambo.
Essa entidade construiu em torno de 45 vilas até o ano de 1943. As residências eram comercializadas a
prazo. O Serviço Social Contra o Mocambo, segundo DE LIRA (1994, p.750), era uma autarquia
administrativa do Governo do Estado, que tinha finalidade “a construção de casas higiênicas e populares
destinadas às classes menos favorecidas, protegendo-as contra os males da habitação insalubre e da
promiscuidade da vida nos mocambos”.
62
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18
O Programa Ponto IV tinha como meta prevenir a infiltração comunista, para isso fazia aportes
econômicos e fornecia treinamento para forças policiais. (DA SILVA e MARTINS, 2014).
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19
Lei 2593/1953. Câmara Municipal do Recife. Disponível em:
<https://leismunicipais.com.br/a/pe/r/recife/lei-ordinaria/1953/260/2593/lei-ordinaria-n-2593-1953-
autoriza-pavimentacao-da-estrada-do-cumbe?q=Estrada+do+cumbe>.
64
Dois Unidos. Esse teria sido o primeiro pavimento dessa via, ainda sem as dimensões da
avenida atual, que só foi construída 20 anos depois.
O estudo realizado por Cruz (1962) apontava que a maior dificuldade dos
moradores era o transporte (mencionado por 61,5% da população). Os problemas ou a
ausência de luz elétrica foi o segundo maior problema destacado por 9,1% da população
entrevistada na década de 1960. Observa-se, portanto, uma diferença muito grande da
primeira para a segunda maior reivindicação de melhoria. A ausência de escolas,
comércio, serviços médicos e falta de trabalho foram outras dificuldades relatadas
naquele contexto entre 1950 e 1960. Com exceção do número de comércio, que é bastante
característico dos bairros, todos os demais problemas seguem mencionados pelos
moradores. A questão das escolas e serviços médicos, que eram praticamente ausentes
naquelas décadas, hoje são mais presentes nos bairros, porém com muitas queixas de falta
de qualidade nos seus serviços.
Em 25 de novembro de 1973 a Prefeitura do Recife inaugurava a pavimentação e
a iluminação da Avenida Hidelbrando de Vasconcelos. As notícias do Jornal da Manhã
daquele ano anunciavam essa obra como uma infraestrutura que facilitaria o acesso à área
rural de Beberibe. Uma segunda etapa era prometida para permitir o acesso dos moradores
da zona norte do Recife para a BR-101, mas naquela data foi inaugurado apenas o trecho
que seguiria de Beberibe até o Terminal de Dois Unidos. Os relatos da imprensa
revelavam que o acesso a essa comunidade era prejudicado principalmente nos períodos
de inverno, devido às chuvas que afetavam a via que até então era de terra batida.
Do ponto de vista demográfico, nas décadas seguintes há um crescimento
populacional, com a chegada de conjuntos habitacionais populares ou mesmo com
processo de ocupações não regulares. Até o final da década de 1960 sequer havia moradia
em alguns dos morros das comunidades, segundo o relato dos entrevistados da pesquisa,
que afirmavam que a parte alta dos bairros era tomada de vegetação e que foi pouco a
pouco ocupada. Com a chegada dos moradores nessas regiões mais altas surge a
necessidade de investimentos em infraestrutura, sobretudo, no sentido do abastecimento
de água, como relatou principalmente o Diario da Manhã na década de 1970. Em 1973,
inclusive, o então governador Eraldo Gueiros inaugura (Figura 16) um sistema robusto
de chafarizes no Alto do Deodato para atender 255 mil moradores dos morros da Zona
Norte do Recife. Com base nestes dados percebe-se quão grande era a demanda reprimida.
65
Os bairros de Dois Unidos e Passarinho estão situados em uma das regiões mais
carentes das cidades do Recife e de Olinda, possuindo respectivamente 32.805 e 25.421
habitantes, de acordo com o Censo do IBGE de 2010. A população de Passarinho aqui
registrada é a soma do número de moradores presentes na parte do bairro pertencente ao
território localizado em Olinda (5.116) e no Recife (20.305).
67
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20
O programa Pacto Pela Vida foi criado pelo Governo do Estado, tendo como uma de suas inúmeras
atribuições o monitoramento dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) por cidade.
68
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21
O Ocupe Passarinho é um movimento social popular, que nasceu num processo de intensa ameaça de
remoção de milhares de famílias, no ano de 2014, do bairro de Passarinho, uma comunidade com
características rurbanas que é localizada na periferia da zona norte do Recife e de Olinda. (DANTAS e
SOUZA, 2018).
69
O Ocupe nasceu com uma proposta de evento a ser realizado uma vez por ano,
sendo um dia de atividades na comunidade que visava atrair o olhar da
sociedade civil e do poder público para os problemas pelos quais o bairro passa.
Em articulação com diversas organizações, coletivos e movimentos da Região
Metropolitana do Recife – inclusive o Movimento Ocupe Estelita -, o Ocupe
Passarinho trouxe um dia de programações intenso para a comunidade: rodas
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22
Decreto 41.332, de 19 de novembro de 2014, assinado pelo então governador João Soares Lyra Neto,
“Declara de interesse social para fins de desapropriação a área de terra, com suas benfeitorias porventura
existentes, situada no município do Recife, neste Estado”. Foi publicada no Diário Oficial de Pernambuco,
em 20 de novembro de 2014.
71
luta por melhor qualidade de vida, nas reivindicações por implantação de infraestrutura
junto ao poder público.
Nas periferias urbanas das grandes cidades, - a exemplo dos bairros de Passarinho
e Dois Unidos -, estão localizadas de forma mais acentuada problemas nacionais como a
violência urbana, a pobreza, a falta de infraestrutura básica e uma série de outras questões
que contribuem para o agravamento da desigualdade social no País (como a mobilidade
urbana ineficiente, a ausência de equipamentos educacionais e de saúde qualificados).
Soma-se a esses aspectos a baixa autoestima de muitas comunidades, que geralmente são
marcadas pelos meios de comunicação de massa apenas por seus aspectos negativos,
dificultando assim o desenvolvimento de uma maior identificação com o seu espaço, que
é um elemento fundamental para o despertamento do protagonismo cidadão para o
desenvolvimento local.
Diante desse cenário de adversidades, é imprescindível identificar vocações e os
indicativos de alternativas para a promoção do desenvolvimento local a partir da realidade
específica dessas periferias. Um aspecto que ganhou atenção da sociedade nos últimos
anos e que poderia ser tomado como fio condutor de um planejamento para o
desenvolvimento local dessas periferias é a valorização dos espaços que preservam áreas
verdes, sejam os parques, frentes d’água (praias, lagos, rios) ou mesmo as florestas
urbanas. Ao mesmo tempo, o meio rural também passa por transformações a partir da
apropriação de elementos tipicamente urbanos que agregaram valor à moradia, a geração
de renda e a qualidade de vida dessas populações. Paralelamente as populações urbanas
têm procurado experienciar no seu cotidiano alguns elementos que antes eram da vida
tipicamente rural.
Diante dessa especificidade da realidade de estudo é possível dialogar com o
quadro teórico. Vejamos, pois. Parte-se do entendimento de rurbanização como um
processo de desenvolvimento que promove o diálogo das formas e conteúdos de vivências
rurais e urbanas, segundo Freyre (1982) e agrega-se a questão do desenvolvimento local
como um processo que tem o objetivo de buscar melhoria das condições de vida da
população local, a partir da mobilização das pessoas e instituições segundo Jesus (2003).
Neste sentido é possível perceber elementos que nos apontem a comunicação entre
esses dois conceitos como um caminho sustentável para superação das dificuldades
enfrentadas pelos moradores desses bairros de periferia. Além desse olhar de
identificação dos marcadores de rurbanização e desenvolvimento local, nossa pesquisa
74
tem a pretensão de responder a seguinte pergunta: esse modelo poderia ser aplicado
noutras comunidades de periferia?
Para a caracterização dos elementos de rurbanidade e rurbanização presentes nas
comunidades, bem como a percepção dos marcadores de desenvolvimento local, a
presente pesquisa, de caráter qualitativo, realizou uma intensa observação de campo
durante dois anos e fez uma análise interpretativa a partir das 20 entrevistas realizadas
com moradores dos dois bairros dentro dos seguintes perfis: universitários (8 entrevistas),
idosos (5 entrevistas) e integrantes de movimentos sociais da comunidade (7 entrevistas).
O número menor de idosos se deu porque as respostas acerca das percepções praticamente
se repetiram. Nos outros dois grupos surgiram algumas divergências de percepção e, por
esta razão, um número um pouco maior de moradores pesquisados.
A escolha desses perfis proporcionará o entendimento a partir dos diferentes
olhares sobre as transformações do bairro. O primeiro grupo, o dos universitários por
trazerem olhares acadêmicos das suas respectivas áreas de estudo incorporados ao fato de
morarem e conviverem com dificuldades e potencialidades dessas periferias urbanas. O
segundo grupo, o dos idosos agrega informações e interpretações próprias pelo longo
período de vivência no bairro e, o terceiro grupo, integrantes de movimento sociais por
estarem engajados diretamente nas reivindicações por melhorias na infraestrutura e nos
serviços públicos.
Ao trabalhar o espaço de periferia urbana dotado de carências torna-se
imprescindível o entendimento do Estado em várias escalas. Como no caso da
rurbanização, o processo de desenvolvimento, na maioria dos casos, conta com uma
participação forte do poder público, se faz necessário mapear as iniciativas do poder
público estadual e municipal nessas comunidades e verificar se dialogam ou não com os
elementos de rurbanização e de desenvolvimento local.
Essa análise indicará a existência ou não de diálogo entre ações públicas e
necessidades da comunidade que possam favorecer a um dinamismo autossustentável. É
importante ressaltar que dentro do conceito de desenvolvimento local o protagonismo do
processo é das pessoas que vivem na comunidade e das instituições por elas formadas, e
não dos governantes, empresas ou demais instituições externas que venham a intervir ou
induzir possíveis melhorias para as comunidades.
75
pequena extensão, abriga também uma lista numerosa de espécies de animais, incluindo
mamíferos como bicho-preguiça, preá, raposa, saguim, timbus; répteis a exemplo do
jaboti, cágado, iguana e teju; e uma diversidade de anfíbios, aves e insetos. Diferente da
Mata de Dois Unidos, em Passarinho há uma estrutura municipal de gestão da Unidade
de Conservação para recepção de visitas públicas e de caráter científico. Uma estrutura
pública que teria o potencial de ser um espaço de formação ambiental em direção à uma
maior consciência do valor das rurbanidades nesses locais.
As matas são o elemento de rurbanidade mais perceptível pelos moradores. Elas
foram mencionadas como ativos importantes dos bairros por todo o grupo enquadrado no
perfil de integrantes de movimentos sociais e pela maioria dos universitários ouvidos
(apenas uma não mencionou a mata como um aspecto de rurbanidade na comunidade,
citando apenas que entre os aspectos mais típicos do universo rural ela observava a
presença de animais de maior porte no bairro, não comuns na cidade.
Uma das universitárias (U5) relatou que desde a infância passeava e brincava na
região da Mata de Passarinho, sendo a única que sinalizou de fato uma relação mais forte
nesse espaço. Aos demais ficou claro na pesquisa que há uma valorização dessas matas
ou florestas urbanas como um ativo importante para o bairro, que precisam ser
preservados, mas nunca tiveram uma experiência mais significante nesses espaços. Os
idosos, por sua vez, faziam referência aos elementos de rurbanidade do bairro como algo
mais referente ao passado, - com a extensão de áreas verdes -, do tempo que chegaram à
localidade para morar, embora sejam um grupo que guarda práticas agrícolas nas suas
residências, nos quintais.
Uma particularidade dos bairros de Dois Unidos e Passarinho além dessas reservas
permanentes, é o fato de possuírem sítios urbanos e áreas desocupadas que passaram a
receber ocupações irregulares em áreas privadas nos últimos anos com finalidade
residencial. Numa região dessas comunidades compreendida entre o Terminal de Ônibus
de Passarinho e a BR-101, pela Rua Pereira Barreto, nas proximidades do Conjunto
Habitacional Miguel Arraes, há uma presença ainda maior de sítios no bairro. Com mais
espaço nos quintais e com uma maior concentração de população de idosos, neste trecho
do bairro é mais comum a prática da agricultura urbana e onde estão as experiências mais
consistentes de produção de alimentos para consumo e comercialização dos excedentes
dos bairros. É nessa localidade onde aconteceram algumas das Oficinas de Agricultura
Urbana ligadas ao Espaço Mulher. Uma das idosas entrevistadas mencionou que nessa
78
região havia uma intensa plantação de cana-de-açúcar no passado, num marco de tempo
de aproximadamente 50 a 55 anos.
Acrescentando ao quadro de mudança ambiental os dois rios que cortam os bairros
(Rio Beberibe e Rio Morno) possuem pouca mata ciliar e encontram-se extremamente
poluídos. Árvores são derrubadas sistematicamente na região com a finalidade de abrir
novos terrenos para construções de moradias ou para abertura de vias. Do ponto de vista
paisagístico além das matas, ocupações consolidadas e em construção, a paisagem do
bairro é desenhada ainda por uma série de morros que circundam as suas áreas planas,
onde estão localizados comércio e terminais de ônibus.
Nesses bairros há ainda uma significativa produção de água. Está localizada ao
lado da Mata de Dois Unidos à sede da Água Mineral Santa Clara, por exemplo, que segue
por décadas seu trabalho de extração e engarrafamento de água mineral. Apesar disso, a
oferta de água encanada na comunidade é um problema semelhante aos demais bairros da
periferia do Recife. A presente pesquisa identificou ainda que alguns dos quintais
possuem cacimbas para coleta de água para consumo familiar, complementar à oferta de
água da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa).
A imagem a seguir, a Figura 17 por exemplo, por estar situada numa propriedade
privada é bem pouco conhecida pelos moradores do bairro. Durante as pesquisas, quando
essas imagens foram apresentadas aos universitários e aos idosos houve surpresa ao
saberem que se tratava de uma localidade dentro da comunidade de Dois Unidos. Isso
revelou que existe a percepção da população local quanto aos aspectos de rurbanidade
ainda presentes nesses bairros, mas ela é limitada pelo fato de parte disso estar em terrenos
privados e outra parte estar numa área marcada como Reserva de Floresta Urbana, em
que os acessos são de certa forma restritos.
Essas informações apontam para a necessidade de uma maior circulação dessas
imagens e informações que valorizam essas comunidades nos espaços coletivos, como
associações, igrejas ou mesmo em espaços digitais utilizados pelos jovens, como as redes
sociais. O maior conhecimento desse cenário de rurbanidade tem o potencial de agregar
valor aos bairros, associado ao sentimento de orgulho das comunidades e, em um segundo
momento, de preservação desses ativos ambientais.
79
Figura 18 – Região de sítios no bairro de Dois Unidos. Registro de existência de densa vegetação em
propriedade particular, com o Sr. Amaro.
Figura 19 – Região de sítios no bairro de Dois Unidos. Registro de criação de patos, com a Srª Lourdes.
Cruz (1962) no bairro de Dois Unidos 40% dos moradores criavam animais e 59,5%
plantavam no quintal de casa no início dos anos 1960. Em sua pesquisa com os moradores
da região foi mapeado, naquela ocasião, que cerca de 54,1% delas tinham origem rural e
45,9% vinham de áreas urbanas. Esse estudo não abrangeu o bairro de Passarinho.
Dantas e Lima (2017) identificaram vários elementos de práticas tipicamente
rurais no cotidiano dessas comunidades urbanas.
Figura 21 – Local que antes era um Ponto Crítico de Lixo, às margens do Rio Beberibe, nas proximidades
do principal pontilhão que liga os bairros de Dois Unidos e Passarinho.
comunidade. Uma terceira era de que o conhecimento histórico estava mais concentrado
nos idosos, sendo menos conhecido pelos universitários.
Em relação à primeira hipótese, podemos apontar que o processo de
desenvolvimento local fica bem característico ao se analisar a experiência das moradoras
do bairro envolvidas na atuação do Espaço Mulher, que é responsável pela mobilização
do Ocupe Passarinho. As entrevistas revelaram a presença dos marcadores do
desenvolvimento local, tais como:
a) um processo de mobilização de pessoas e instituições: a maioria das atividades
do grupo são abertas para a população local, há a comunicação com outros grupos sociais
da comunidade, como associação de moradores e grupos culturais locais, além do diálogo
com Organizações Não-Governamentais externas, ligadas principalmente ao movimento
feminista e aos grupos de pesquisa universitários sobre agroecologia.
b) uma busca pela transformação da sociedade local: várias são as reivindicações
ao poder público por mais investimentos na comunidade, em prol da oferta de novos
serviços públicos, como creches e ampliação da oferta de vagas na escola pública local,
e de estruturas urbanas, como iluminação pública. As integrantes desse movimento social
reconhecem que algumas das demandas foram atendidas, como a chegada da escola
pública, posto de saúde e de calçamento da comunidade, bem como da construção de uma
praça pública.
c) geração de renda: no Movimento Social Ocupe Passarinho, em que há uma
circulação maior de pessoas, é realizada uma feirinha, onde são comercializados lanches,
roupas e produtos artesanais dos próprios moradores locais. A partir das formações de
agricultura urbana, as mulheres capacitadas aprenderam a produzir fertilizante natural,
que é comercializado. O próprio plantio nos quintais agroecológicos gera frutas, verduras,
ervas e legumes que são tanto consumidos pelas próprias famílias (autoconsumo) como
comercializados os seus excedentes, no caso das famílias com maiores quintais. No
Espaço Mulher também houve a confecção de camisas e bolsas, com marcas relacionadas
ao movimento ou à comunidade, que são comercializadas na sede ou nos eventos que as
suas integrantes promovem ou participam.
d) os resultados já alcançados pelos movimentos sociais: a chegada de novas
estruturas urbanas, a oferta de formação e os eventos dessas organizações populares
atuantes na comunidade favorecem a melhoria das condições de vida da população local.
Quanto aos elementos de rurbanidade no seu cotidiano, o grupo dos Integrantes
de Movimentos Sociais é aquele com maior percepção acerca da relevância dos aspectos
89
transformação dessas décadas e pelo fato de não haver uma oferta de informações
sistematizadas.
Para a categoria dos idosos a abertura da Avenida Hidelbrando de Vasconcelos, a
chegada da Fábrica da Minerva (duas estruturas típicas de espaços urbanos), o
escasseamento das práticas agrícolas no bairro e o aumento da quantidade de moradores
e da violência urbana foram as mudanças mais mencionadas por esse grupo de
entrevistados. Todas estão de alguma forma atreladas ao processo de urbanização vivido
pela comunidade (crescimento da atividade industrial, calçamento de vias para atender a
necessidade do deslocamento de veículos motorizados, redução das práticas agrícolas e o
aumento da densidade populacional e da intensidade dos problemas urbanos nessas
comunidades constroem esse cenário relatado pelos idosos.
No começo, os morros não eram ocupados. Era tudo mato. Daí um começou a
invadir e daqui a pouco estava tudo cheio de casas”, menciona o I-1. “Aqui era
o fim do mundo, muito distante de tudo. Andávamos muito para chegar a casa,
sem iluminação de noite. Mas era muito bonito, muito verde, o rio era limpo”,
afirmou a I-3. “Antigamente não conseguíamos ver a casa do outro lado da rua
pela quantidade de bananeiras plantadas. (I-6).
Tanto os conhecimentos históricos como práticos dos idosos, bem como sua
referência junto aos mais jovens da família apontam para o fato da retomada do
engajamento do grupo ser estratégico para a reconexão da população mais jovem com seu
território. A afetividade pelo espaço e a interação amistosa com outros idosos são fatores
fortes que contribuem para a sensibilização deste grupo diante das mobilizações em torno
do desenvolvimento local. A reconquista do engajamento dos idosos na comunidade e a
abertura deles para receber visitas na região dos sítios pode trazer um olhar mais evidente
aos jovens e integrantes dos movimentos sociais acerca do potencial da comunidade de
geração de renda e empregos a partir dos elementos de rurbanidade.
98
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
público. Uma atuação mais sistematizada dos movimentos sociais na direção destes
universitários no sentido de despertá-los a uma participação mais ativa nas lutas coletivas
da comunidade seria um caminho endógeno para gerar engajamento e até formar
lideranças jovens nos bairros. Em relação aos aspectos rurbanos, a falta de interação da
população com suas matas, rios ou mesmo nas áreas onde é praticada a agricultura urbana
seriam os fatores que dificultam a estes jovens uma maior identificação com essa
característica dos bairros. A criação de espaços públicos nas bordas das matas e nas
margens dos rios poderiam construir conexões que conduzissem esses jovens a observar
os ativos ambientais como elementos relevantes na qualidade de vida local e, a depender
das suas áreas de formação profissional, teria a capacidade de geração de emprego e renda
a partir da exploração sustentável de atividades de lazer ecológico, por exemplo.
Seria relevante neste contexto, observar como se deu a experiência de outras
comunidades com florestas urbanas que conseguiram simultaneamente garantir a
preservação dos seus ativos ambientais, permitindo experiências de lazer deles com a
população que os rodeia, e gerar oportunidades de trabalho e renda para os moradores.
Sobre os rios que cortam os bairros, há uma memória bastante positiva da
experiência com esses ativos ambientais, onde era possível banhar-se e viver momentos
de lazer. A revitalização dos rios para reviver essas práticas, frente ao estado de
degradação atual, é bastante improvável. Um cenário comum a maioria dos rios urbanos
do País. No entanto, há de se considerar a relevância das atividades possíveis às margens
dos rios, a exemplo das propostas de parques lineares como no caso do Parque Capibaribe,
no Recife.23 Esse projeto prevê num horizonte de duas décadas a criação de um sistema
de parques integrados nas duas margens do Rio Capibaribe, reconectando as pessoas com
as águas do rio, com a promoção do lazer, descanso e bem-estar dos recifenses. Uma das
propostas deste projeto é de ampliar o acesso da população às áreas verdes da cidade, um
objetivo que poderia ser comum a um projeto “Parque Beberibe”. Para tal, simples
intervenções às margens do rio, como um projeto urbanístico que privilegie a arborização,
construção de calçadas e iluminação pública voltada para os pedestres, teriam o potencial
de ampliar a relação dos moradores com esse ativo ambiental. A percepção dos valores
ambientais da comunidade, gerados pelos estudos acadêmicos e adquiridos inicialmente
––––––––––––––––––––––––––––
23
O Parque Capibaribe é um projeto da Prefeitura do Recife, UFPE e Inciti (Pesquisa e Inovação para a
cidade) que propõe a requalificação das margens do Rio Capibaribe, de forma a garantir melhor qualidade
de vida na cidade.
100
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APÊNDICE D - ARTIGO
RESUMO
Notas e anúncios dos jornais do Recife no final do século XIX e começo do século XX
revelam a presença de moradores e o desenvolvimento de atividades econômicas
tipicamente rurais nas comunidades de Dois Unidos e Passarinho, localizadas nas
periferias do Recife e de Olinda. As pesquisas acadêmicas anteriores registravam a
ocupação dessas comunidades apenas em meados do século XX. A ocupação nas Estradas
do Cumbe e Estrada do Passarinho revelam um período em que as periferias do Recife e
de Olinda guardavam uma paisagem do campo.
ABSTRACT
Notes and classifieds of Recife newspapers in the late nineteenth and early twentieth
century reveal the presence of residents and the development of rural economic activities
in the communities of Dois Unidos and Passarinho, located on the periphery of Recife
and Olinda. Previous academic research recorded the occupation of these communities
only in the middle of the twentieth century. The occupation on the Cumbe Road and
Passarinho Road reveals a period in which the periphery of Recife and Olinda kept a
countryside landscape.
INTRODUÇÃO
Os registros acadêmicos sobre a ocupação dos bairros de Dois Unidos e
Passarinho, na periferia da zona norte do Recife e de Olinda, em sua maioria remetem as
décadas de 1960 até 1980. Os poucos estudos científicos, que se debruçaram em algum
112
recorte temático sobre essas comunidades, usaram na maioria das vezes a história oral24
dos moradores como instrumento de coleta de dados, elucidando informações importantes
sobre o passado desses bairros, mas muito distante de uma possível origem da ocupação
dessas comunidades.
Dentro da pesquisa realizada sobre uma experiência rurbana dessas
comunidades25 foram identificados indícios e uma presença bem mais antiga. No acervo
da Fundação Joaquim Nabuco está preservado o livro Dois Unidos: uma comunidade
rurbana26, de Levy Cruz, que revelava a formação de vilas nesta comunidade entre as
décadas de 1950 e 1960 e já menciona o bairro vizinho de Passarinho. Um estudo
socioeconômico que já recuaria em mais uma década a história de ocupação deste bairro.
A proximidade do bairro de Beberibe, que faz divisa com as duas comunidades
em análise e que possui uma ocupação muito antiga, sendo palco principal, por exemplo,
da Convenção de Beberibe27 há quase dois séculos (DELGADO, 1972), em 1821, era
outro indício inicial de que poderia haver uma ocupação bem mais antiga desses bairros.
Beberibe é apontado por Vainsencher (2008) como uma das ocupações mais antigas do
Recife, tendo sido doada ao então auditor da capitania de Pernambuco Diogo Gonçalves
ainda em meados do século XVI.
Foi realizada também uma pesquisa nos acervos da Fundação Joaquim Nabuco e
no Museu da Cidade do Recife de imagens que retratassem o bairro no século XIX. No
entanto, as fotografias mais antigas encontradas da região datam do início do século XX
e sem o registro preciso desses bairros, mas de Beberibe (que abrangia Dois Unidos e
Passarinho naquele período).
A presente pesquisa teve o objetivo principal de identificar uma ocupação mais
antiga dessas comunidades da periferia do Recife, partindo da hipótese de que tenha
ocorrido ainda no século XIX. Um objetivo secundário seria de levantar uma
caracterização inicial dessas comunidades, buscando enxergar os elementos de ruralidade
presentes naquele período. Sem livros ou publicações acadêmicas que revelem mais
24
Trata-se de uma metodologia de pesquisa que levanta informações a partir de entrevistas gravadas com
testemunhas de modos de vida, acontecimentos, instituições e demais aspectos da história recente.
25
O presente artigo integra uma pesquisa mais ampla de dissertação que relacionou a rurbanização e o
desenvolvimento local na experiência das comunidades de Dois Unidos e Passarinho.
26
A pesquisa do sociólogo Levy Cruz, que foi professor da Universidade Federal de Pernambuco e
presidente da Fundação Joaquim Nabuco, foi realizada no ano de 1960, sendo publicada dois anos depois.
Trata-se de um levantamento socioeconômico dessa comunidade, que recebeu entre os anos de 50 e 60
famílias fugidas das intensas secas do interior e das cheias que atingiram outras regiões do Recife.
27
Foi um movimento constitucionalista, armado, que aconteceu no ano de 1821 e que conseguiu na
ocasião a expulsão dos exércitos portugueses de Pernambuco.
113
informações acerca da ocupação dos bairros de Dois Unidos e Passarinho, esse trabalho
utilizou os jornais que circulavam em Pernambuco no século XIX para levantar indícios
mais antigos da ocupação dessas localidades, bem como para identificar essa provável
caracterização inicial desses bairros, com ênfase no mapeamento dos elementos de
ruralidade.
JUSTIFICATIVA
28
Em contraponto ao processo de globalização e homogeneização cultural, há no mundo inteiro o
processo de fortalecimento das identidades relacionadas ao território, entendendo que este é um “espaço
de identidade ou pode se dizer que é um espaço de identificação”. Essa identidade diz respeito ao espaço
social e geográfico que o grupo habita.
114
Os subúrbios, sem dúvida, foram criados sob a pressão das circunstâncias a fim
de responder ao impulso cego (ainda que motivado e orientado) da
industrialização, responder à chegada maciça dos camponeses levados para os
centros urbanos pelo “êxodo rural”. (LEFEBVRE, 1999, p. 17)
1993). Nesse sentido, retoma-se o conceito de território tal como definido por Raffestin
(1993, p. 143):
O território usado é a categoria de análise e deve ser visto como algo que está
em processo, possuindo um conteúdo social, um dinamismo sócio-territorial,
enfim, é o quadro da vida de todos nós nas várias dimensões.
MATERIAIS E MÉTODOS
acontece a partir do advento dos Annales29, que ampliou a concepção do que são fontes
documentais. Ele informa, mais precisamente, que a partir da terceira geração dos
Annales, quando a história cultural ganha um protagonismo no período pós-movimentos
de maio de 1968, “o quadro da historiografia brasileira passa por alterações em sua
relação com o jornal como documento-fonte” (LAPUENTE, 2015, p.3). Antes disso,
porém, a historiografia francesa já utilizava vastamente o jornal como fonte histórica.
Foi realizada uma busca inicialmente pelo nome dos bairros, não se obtendo
resultados, pois a nomenclatura atual é recente. Na ocasião, ambas as comunidades eram
conhecidas como localidades de Beberibe. A busca passou a ser realizada com os nomes
das avenidas principais desses bairros: Estrada do Cumbe (nome antigo da Avenida
Hidelbrando de Vasconcelos), no bairro de Dois Unidos, e Estrada do Passarinho, no
bairro de Passarinho.
O foco desses levantamentos foi nas notas e anúncios publicados nos jornais, visto
que não havia reportagens ou notícias escritas sobre as comunidades nessa época. Os
textos foram guardados digitalmente, transcritos e identificadas as palavras que
revelavam sempre que possíveis aspectos ambientais, modo de vida e atividades
econômicas desenvolvidas nessas comunidades.
As informações publicadas pelos veículos de comunicação são fatos discursivos
(BENITES, 2001). O que eles contam ou deixam de contar expõe muito do olhar
jornalístico de tal redação, bem como a abordagem dos textos e as expressões usadas nas
notícias, reportagens ou mesmo notas.
A “verdade” dos textos jornalísticos deve ser buscada não apenas na
concordância entre o narrado e o ocorrido, mas também na seleção e ordenação
de vocábulos, acontecimentos e declarações, nas lacunas deixadas entre as
informações e nas indicações sugeridas sobre a forma de preenchê-las.
(BENITES, 2001, p. 217)
Muitas dessas notas foram encontradas repetidamente (um mesmo anúncio, por
exemplo, era publicado em vários dias ou mesmo nos dois jornais). Nesses casos, a análise
será apenas da primeira publicação e haverá menção de que foi republicado em outras
ocasiões. Os resultados serão apresentados de forma cronológica.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
29
Trata-se de um movimento historiográfico que aconteceu a partir de 1929, pelos pesquisadores Lucien
Febvre e Marc Bloch. O movimento era responsável pelo periódico acadêmico Annales d'histoire
économique et sociale.
118
30O mesmo texto é publicado no jornal nos dois dias seguintes (19 e 20 de novembro de 1878). No dia 24
de janeiro de 1882 a mesma nota é publicada no Jornal do Recife, acrescentando-se apenas o nome da
proprietária que deveria ser contatado para a negociação, Nicomedes Maria Freire.
119
Ainda entre os anos de 1870 e 1880 o mesmo jornal publica quatro listas de
devedores de impostos, referentes aos anos e 1875 e 1876, em que menciona os endereços
e a dívida dos mesmos. Nessas listas estão registrados o nome de moradores que residiam
na Estrada do Cumbe. Essa informação sinaliza que havia um reconhecimento e algum
tipo de registro do poder público acerca dessas propriedades. Esse apontamento é
relevante, pois ainda hoje muitas residências, sítios e terrenos desses bairros não têm seus
devidos registros. Parte da ocupação dessas comunidades segue de maneira informal,
segundo pode ser observado nas visitas de campo e entrevistas recentes com moradores
(DANTAS e LIMA, 2018).
Em 19 de junho de 1880, está registrada no periódico Diario de Pernambuco,
aproximadamente dois anos depois, uma lista de emendas parlamentares da então
Assembleia Provincial que menciona que “foram lidas, apoiadas e postas em discussão
as seguintes emendas”. A emenda N. 12, que tratava de ordem de pagamento, liberava a
quantia de 3:000$ para “a conclusão da Estrada do Cumbe, em Beberibe”.
Em se tratando de um recurso público liberado para ampliação, fica evidente que
a referida via já possuía um trecho concluído naquela década. A mesma nota é publicada
uma semana depois, no dia 25 de junho e no dia 9 de julho de 1880. Com pequenas
alterações, o texto volta a ser publicado nos dias 17 de julho, 2 de agosto e 8 de novembro
daquele ano. A autorização para o pagamento dessa conclusão das obras, no entanto, só é
anunciada no dia 6 de maio de 1881, pelo Diario de Pernambuco, endereçada ao contador,
e no dia 11 de maio, (Figura 3) uma nova publicação autoriza o engenheiro ajudante da
repartição de obras públicas a conclusão da referida estrada, com uma despesa que não
superasse o valor e 1:500$00.
A primeira residência em Dois Unidos, mencionada no Jornal do Recife, está
registrada no dia 11 de junho de 1881. Um leilão da finada Antonia Isabel de Couto revela
quer ela possuía o Sítio Embiribeira na Estrada do Cumbe e uma casa na povoação, com
120
o número 21, ocupada na ocasião por “escolas públicas”. A nota do leilão cita o terreno
contendo o sítio, que possui uma cocheira e cacimba, e matas do Cumbe ou do Cafezeiro.
Além do sítio, entra no leilão também uma parte da “Mata do Cumbe ou Cafezeiro”. Não
há referência no local de nenhuma mata com este nome, mas um trecho da comunidade
de Dois Unidos, bem próxima da Mata de Dois Unidos, é conhecido como Cumbe.
31
A mesma nota é publicada no dia 12 de julho de 1881, no Jornal do Recife, um dia antes da data agendada
para o referido Leilão, no dia 13 de julho. Com pequenas variações no texto, o Leilão é anunciado em
diversas notas no Diário de Pernambuco na década de 1880.
121
Nos anos seguintes outros anúncios de sítios, casas e terrenos nesta Estrada do
Passarinho sinalizam que naquela época já havia moradia na região. A descrição desses
sítios ou terrenos nos trazem sempre informações do caráter rural da época, sendo lugares
com qualidades para plantações, com árvores frutíferas e próximos às águas do Rio
Beberibe ou de outros riachos. Em alguns dos classificados se informa que o referido
terreno é cortado pelo Rio Beberibe, o que indica propriedades que atravessavam os
limites dos dois bairros no passado.
Há uma menção de uma localidade chamada de Sítio Dois Unidos no Jornal do
Recife, no dia 4 de abril de 1883 (Figura 6). O sítio seria de propriedade de Eulalio
Rodrigues dos Santos, que teria ficado como herança para seus filhos, conforme Figura
6. É a primeira vez que o nome Dois Unidos, que dará futuramente o nome ao bairro, é
mencionado nos periódicos. Um detalhe dessa nota é o fato de a questão ser resolvida na
Comarca de Olinda. As comunidades ficam numa região exatamente de divisa entre o
Recife e Olinda.
Provavelmente o mesmo sítio, que pode ter originado o nome do Bairro, vem a ser
registrado em 19 de março de 1935 no 1º Ofício do Registro Geral de Imóveis do Recife,
com a seguinte descrição:
Nas três primeiras décadas do século XX as novas notas publicadas nesses jornais
dão indícios mais claros do contexto de ruralidade desses locais. São colocadas à venda
granjas33, sítios com árvores frutíferas, gado e cavalos34, vendas de vacas leiteiras35.
CONSIDERAÇÕES
dessas comunidades36, que apontam que essa região era produtora de café, cana-de-açúcar
e açafrão, além de ser utilizada para extração de madeiras, que não foi mapeada nesses
jornais.
REFERÊNCIAS
BENITES, Sonia Aparecida Lopes. A história contada nas páginas dos jornais. Revista
Letras, Curitiba, n. 55, p. 197-219, jan./jun. 2001. Editora da UFPR.
CRUZ, Levy. Dois Unidos: uma comunidade rurbana do Recife. Recife: Fundação de
Promoção Social, 1962.
36
Entrevistas realizadas na pesquisa de dissertação, com moradores que chegaram à comunidade entre as
décadas de 60 e 70.
128
ANEXO
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EXTENSÃO RURAL E DESENVOLVIMENTO
LOCAL – POSMEX