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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE PÓS – GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA

CRISTINA MARIA MACÊDO DE ALENCAR

EM TERRAS (DE) ALGUÉM

ESTUDO SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES


NO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DA
PRODUÇÃO DE PEQUENOS
PRODUTORES NUM PROJETO DE
COLONIZAÇÃO.

Rio de Janeiro

1983
2

EM TERRAS (DE) ALGUÉM

ESTUDO SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES


NO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DA
PRODUÇÃO DE PEQUENOS PRODUTORES
NUIM PROJETO DE COLONIZAÇÃO.

CRISTINA MARIA MACÊDO DE ALENCAR

APROVADO EM 14/02/1984

BEATRIZ MARIA ALÁSIA DE HERÉDIA

JOHN WILKINSON

LEONILDE SERVOLO DE MEDEIROS


3

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO


INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS – GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA

EM TERRAS (DE) ALGUÉM

ESTUDO SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES


NO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DA
PRODUÇÃO DE PEQUENOS
PRODUTORES NUIM PROJETO DE
COLONIZAÇÃO.

CRISTINA MARIA MACÊDO DE ALENCAR

SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA

BEATRIZ MARIA ALÁSIA DE HERÉDIA

Tese, submetida como


requisito parcial para a
obtenção do grau Mestre em
Ciências em Desenvolvimento
Agrícola. Área de
concentração em Estrutura
Social e Organização da
Produção Agrícola.

Itaguaí, Rio de Janeiro

Outubro, 1983.
4

DEDICATÓRIA

A Paulinho cujo carinho me foi indispensável,


à Lívia nossa filha, que chegou me fazendo
crescer, a quem mais chegar.

A
Aninha
Joaquim
Mônica
Nilson e
Zélia,

Que durante todo o curso de mestrado


enriqueceram de experiência novas a minha
vida, uma saudade do nosso trabalho coletivo.
5

AGRADECIMENTOS

Desde o início dos meus estudos várias pessoas estiveram envolvidas,


direta ou indiretamente. Agradeço, a todos suas contribuições. Entretanto,
não poderia deixar de mencionar alguns que, de certa forma, tiveram uma
participação determinante. Quero assim, agradecer:

- aos produtores do Projeto Especial de Colonização Serra do Ramalho,


cujas experiências constituem o objeto do nosso estudo;

- à Beatriz Herédia, antropóloga do Museu Nacional do Rio de Janeiro


que não só orientou este trabalho com críticas e sugestões de fundamental
importância mas também, preservou o espaço das divergências com nítida
lucidez e se revelou uma amiga.

Finalmente, quero agradecer ainda a todos os órgãos executores do


Projeto Especial de Colonização Serra do Ramalho.
6

BIOGRAFIA

Cristina Maria Macedo de Alencar, nasceu em Salvador – Ba a


11/05/1956. Graduou-se em Ciências Econômicas pela Faculdade de
Economia da Universidade Católica do Salvador em janeiro de 1979, quando
ingressou no Curso de Mestrado em Desenvolvimento Agrícola, então
pertencentes à FGV – RJ. Desde 1980 exerce a função de assessor técnico na
Comissão Estadual de Planejamento Agrícola da Bahia.
7

RESUMO

O Projeto de Colonização Serra do Ramalho, implantado no Oeste da


Bahia pelo INCRA foi criado para realocar parte das famílias desabrigadas
pela Barragem de Sobradinho. Posteriormente, chegaram produtores de
outras partes do país. O modelo é o de agrovilas. Sua implantação foi
financiada pelo POLONORDESTE e executada pelo INCRA, EMATER/BA
e FSESP.

A organização da produção guarda ainda as características trazidas pelos


produtores, isto é: pequena produção familiar. As famílias recebem um lote
urbano de 1.200 m2 e um rural de 20 há. È variado o nível de tecnificação e
de envolvimento com o crédito rural predominando baixa utilização de
tecnologia moderna. Os produtos cultivados no lote rural ( na safra estudada)
foram arroz, algodão, amendoim, feijão, mandioca, mamona e milho dos
quais, algodão, arroz, milho e mamona foram comercializados.

O agente de comercialização mais freqüente é a Cooperativa ocorrendo


também o intermediário caminhoneiro e raramente algum produtor. A
sobrevivência desses agricultores, entretanto, não está garantida apenas na
produção e comercialização agrícola da Unidade Produtora; outras
estratégias são utilizadas.

O uso sistemático do crédito rural tem viabilizado o aparecimento de


diversidades econômicas mas ainda não se cristalizou a diferenciação social. É
fundamental nesse processo de expansão do capitalismo a ação do Estado que criou
esse espaço implementando o Projeto.

O agricultor do PEC’SR já se encontra em processo de tecnificação e convive


com relações de assalariamento como estratégia de sobrevivência e de reposição da
unidade. Desse processo poderá surgir um outro camponês ou a diferenciação
social.
8

SUMMARY

The “Serra do Ramalho” Special Project of colonization, established in west


Bahia by INCRA, was created to shelter part of the families that lost their houses
because of the Sobradinho Barrage construction.

Later, other productors came from several parts of the Country.

The model is agrivilla. Its establishement was financed by Polonordeste: and


carried out by INCRA, EMATER – BA and FSESP.

The prodution organization still maintain the caracteristics brought through


productors, in other words, a little familiar production. The families receive an
urban lot of 1.200 m2 and rural one of 20 ha.

The Techmicality level and involvement with rural credit varies but the low
utilization of modern tecnology prevails. Rice, cotton, peamut, bean, cassava, castor
bean and corn were the products cultived in the rural lot, but only cotton, rice, corn
and castor bean have been commercialized. Often commercialization agent is the
Cooperative, also ooccuring intermediaries like truck drivers anda rarely any
productor. But only the agricultural production and commercialization does not
garantee these productors survival, other strategies are utilized. The rural credit
sistematic usage hás been made possible the appearing of economic diversities but
yet the social diferenciation hás not been materialized. In this process of capitalism
expanding is fundamental the State action that created this space implementing this
Project.

The PEC’SR Agricultor is already in process of technicality and is familiarized


to payment of salary relatioship like survival strategy and unity apposition. Form
this process can be arise countryman or the social diferenciation.
9

SUMÁRIO

Pág.

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 1

CAPÍTULO I - O PROJETO .................................................................. 8

CAPÍTULO II - ORIGEM DOS COLONOS ........................................... 17

CAPÍTULO III - AS UNIDADES DE PRODUÇÃO ................................ 23

A Utilização Atual da Terra ............................................ 26

Processo de Trabalho ...................................................... 31

Comercialização ............................................................. 46

Estratégia de Sobrevivência ........................................... 53

CAPÍTULO IV - OUTRAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS


PRODUTORES ............................................................. 58

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 66

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 69
10

ÍNDICE DE ANEXOS

QUADRO 1 - PARTICIPAÇÃO DOS COLONOS DE SOBRADINHO


NO PEC’SR POR AGROVILA – 1981 ............................. 72

QUADRO 2 - RELAÇÃO DOS COLONOS COM CRÉDITO E SEM


CRÉDITO POR ORIGEM NAS AGROVILAS – 1981 .... 73

QUADRO 3 - RELAÇÕES ENTRE AS ATIVIDADES INDIVIDUAL


FEMININA EO TRABALHO INDIVIDUAL E/OU
GRUPAL MASCULINO – 1981 ........................................ 74

QUADRO 4 - PARTICIPAÇÃO DA MULHER NO LOTE RURAL -


1981.............................................................................. 75/76

QUADRO 5 - MÉDIA DE PESSOAS POR FASE DE CULTIVO E


IDADE EM CADA UNIDADE PRODUTORA – 1981..... 77

QUADRO 6 - EQUIPAMENTOS, MÁQUINAS, IMPLEMENTOS,


VEÍCULOS DE PROPRIEDADE DOS COLONOS
NO PEC’SR – 1981 ........................................................... 78

QUADRO 7 - PRODUTOS FINANCIADOS PELO CRÉDITO RURAL /


ÁREA MÉDIA POR COLONO – SAFRA 80/81 .............. 79

QUADRO 8 - PRODUÇÃO COLHIDA E VENDIDA – 1981 ................. 80

MAPA ......................................................................................................... 81
11

INTRODUÇÃO

Os freqüentes estudos realizados por vários cientistas sociais a respeito da


penetração do capital no campo(1) despertaram o nosso interesse sobre essa
questão e, embora não tivéssemos definição quanto à particularidade do
objeto, tínhamos quanto à especifidade do problema.

Ao assumir função na, Comissão Estadual de Planejamento Agrícola da


Bahia – CEPA/BA, procuramos engajamento em algum trabalho que
permitisse extrair dele um objeto que viabilizasse o desenvolvimento da
nossa problemática. Quando nos chegou às mãos uma oportunidade de uma
pesquisa no Projeto Especial de Colonização Serra do Ramalho, no oeste da
Bahia, entregamo-nos por completo a ele e elegemos este mesmo projeto
como o nosso objeto de estudo; o particular na especificidade do processo
social de capitalização do campo.

Esta escolha viabilizou toda a parte prática do trabalho colocando-nos,


entretanto, o problema da ausência de estudos sobre a região quer anterior
quer posteriormente à implantação daquele Projeto pelo Instituto Nacional de
colonização e Reforma Agrária – INCRA. Valemo-nos apenas de
contribuições teóricas a respeito de outras regiões do país e da documentação
oficial.

Como pano de fundo de toda a investigação tivemos a ação do Estado


que, onde a produção é organizada sob o Modo de Produção Capitalista, é
também um Estado Capitalista, cujas ações respaldam e até viabilizam o
aprofundamento das relações capitalistas de produção, e que tem a
intervenção pública como instrumento de interferência na realidade.

Assim, por estarmos estudando um espaço organizado pelo Estado, onde a


atividade produtiva é dirigida para a constituição de um determinado tipo de
agricultor, as nossas observações foram direcionadas para verificar se estão
acontecendo transformações na Unidade de Produção Familiar e, em caso
positivo, a que tipo de agricultor podem tender.

Com esses elementos teóricos pudemos pressupor que transformações


substanciais poderiam resultar do tipo de ação governamental implantada na
região. O fato dessa ação partir da destruição de uma economia camponesa 1

(1) Entre outros: Moacyr Palmeira (1976)


12

implementando políticas que poderiam criar desigualdade econômica abriu-


nos a possibilidade de pensar na constituição de um processo de
diferenciação social.

Só uma observação a nível do particular daria condições de se fazer um


estudo que explicitasse a existência ou não desses elementos que são ponto
de partida da diferenciação mas também, apontasse a tendência ou não desse
processo chegar a destruição radical do regime anterior de produção e,
portanto, à formação de novos tipos de produtores. Em outras palavras
verificar-se-ia a existência ou a possibilidade de ocorrer uma diferenciação
social num grupo de produção camponesa.

No Modo de Produção Capitalista a contradição transformadora se


aprofunda com a penetração do capital em áreas não capitalistas, o que
supõem uma subordinação à realidade objetiva. Isto é, ao se iniciar um
processo de transformação de uma realidade, é óbvio que essa realidade
existe com suas formas de organização já determinadas. O surgimento do
elemento transformador, ou seja, de algo contrário ao já existente,provoca
uma reação de resistência por parte da realidade a ser transformada. Para que
essa força contrarestante seja anulada, o elemento transformador se
subordina constituindo o momento de transição.

No nosso caso, os produtores estão organizados em Unidades de Produção


Familiar e subordinados não só ao Estado mas também ao capital, na medida
em que se constituem um alvo a ser atingido, no processo de expansão do
capitalismo pela Relação de Produção que, supõe trabalhadores livres de
qualquer propriedade, exceto a de sua força de trabalho.

Entretanto, pensar a subordinação implica em pensar a autonomia, que é


relativa e se dá basicamente a nível do ideológico, no caso específico da
formação econômico-social brasileira. É este processo de subordinação que
ao transformar estruturalmente as relações de produção na agricultura nos
leva a pensar a diferenciação do campesinato, na medida em que reflete
contradições econômicas no campesinato.

Numa formação econômico-social, onde o Estado é um Estado capitalista,


a diferenciação do campesinato é por vezes implantada pelo Estado através
de suas políticas para o setor agrícola, quando incentiva a industrialização do
agro ou implanta projetos que objetivam o aumento da produção e da
produtividade e, conseqüentemente, a transformação estrutural da região
sócio-econômica em foco. Nesse caso, o desenvolvimento do capitalismo
não se dá de forma homogeinizadora, e sim como indica ser o caso que
pretendemos estudar, e como é o caso do Brasil de uma maneira geral. Aqui,
o conceito trabalhado por Chico de Oliveira em sua Elegia para uma
Re(li)gião, explicita a forma que esse processo de acumulação de capital
assume dando lugar à região econômica e política “que se fundamenta na
especificidade da reprodução do capital, nas formas que o processo de
13

acumulação assume, na estrutura de classes peculiar a essas formas e,


portanto, também nas formas de lutas de classe e do conflito social em escala
mais geral” ( Oliveira, 1978. pág. 27).
Acreditamos assim que o lugar onde se situa o caso concreto a ser
observado faz parte de uma região maior, geograficamente diferente mas que
vive em diferentes tempos, os diversos momentos desse processo da
reprodução do capital configurado a partir dos projetos do governo – quer de
irrigação, quer de eletrificação, etc. – que requerem desapropriações, a
exemplo do projeto estudado.

Dissemos anteriormente, que o nosso envolvimento institucional


canalisou a escolha do caso particular a ser estudado. Este mesmo
envolvimento viabilizou a investigação, embora não tenha eliminado as
limitações impostas pelo controle de informações existente no projeto.

Assim, as condições técnicas de pesquisa foram bastante prejudicadas,


tendo sido vetada a possibilidade de contato direto com os colonos dentro do
projeto, o que só foi possível na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Bom Jesus da Lapa em dezembro de 1981. Ilustra bastante esta situação o
depoimento do Presidente deste mesmo Sindicato a respeito da chegada de
colonos vindos de Encruzilhada Natalina, desapropriados pela barragem de
Itaipú:

- “Eu, o advogado do Sindicato de duas moças da CPT fomos entrevistar


esse pessoal. Chegando na agrovila nove (09) eles tinham ido para a
dezesseis (16). Nós fomos encontrar eles lá. Mas antes de chegar eles já
vinham de volta. Vinha um carro com o executor do Projeto, vinham dois
homens trazendo o pessoal e uma senhora que era assessora lá da nove (09).
Dali nós encontramos eles, voltamos; as duas moças entraram no ônibus,
quiseram falar com o pessoal, a assessora não aceitou que elas falassem com
o pessoal. Chegando na nove (09) nós pedimos ao Dr. Fulano que nós
precisávamos falar com eles. Ele procurou desviar por alto dizendo que o
pessoal ia tomar banho e jantar mas depois nós voltaríamos para conversar
com eles. Quando voltamos veio um senhor que veio acompanhando eles,
dizem que era militar, não fiquei sabendo qual a função dele. Reuniu o
pessoal numa sala e começou a tocar uma safoninha cantando e tal, e não nos
deixando falar com eles. Depois veio o Dr. Fulano e disse que era um
assessor que veio com eles e não aceitava nossa entrevista com o pessoal.
Mas aí tem uma pessoal que é da Federação dos Sindicatos de Porto Alegre,
essa pessoa nós temos o direito de falar porque este é da Federação e nós
também pertencemos à Federação; aí ele (o Dr. fulano) chamou ele à parte.
Ficamos de fora conversando com ele tudo o que vinha ocorrendo ali, e o
pessoal veio saindo de um a um e circulando ali para participar da palestra.
Este que estava lá tocando na safoninha parou, deixou lá em cima da cadeira
e veio e veio e ficou de costas encostadinho com o advogado. Aí eu levei o
pé assim, dei sinal pro advogado, ele olhou pra traz, viu que era ele e falou
14

2
mais alto. Então, eles não consentem que agente fale com o pessoal que vem
de fora, nem que fale com os colonos que já estão ali pra não contar o que
eles sofrem, porque na realidade alguns pontos é bom, serve, mas tem alguns
pontos que o pessoal sofre muito”.

Os instrumentos de pesquisa utilizados foram entrevistas a colonos


sindicalizados, ao Presidente do Sindicato, ao Secretário do Sindicato e ao
Bispo do Município. Essas entrevistas se constituem na documentação
absolutamente independente de vinculação institucional. Foram também
utilizados os questionários aplicados a 73 (dos 916 que compõem a
população amostral) produtores para o estudo feito pela CEPA/BA cujas
informações foram tratadas como dados primários.

Para definição da amostra a ser trabalhada, procuramos identificar um


elemento que se pudesse considerar teoricamente como diferenciador, isto
porque, em princípio, todos os produtores ao chegarem ao PEC’Sr recebem
do Projeto as mesmas coisas. Verificamos, que apesar de o crédito de custeio
estar disponível para todos, o seu uso não é obrigatório, constituindo-se num
espaço de autonomia do produtor. Assim, esses produtores foram divididos
em duas categorias: produtores utilizando crédito agrícola nas safras 79/80 e
80/81 e, produtores que não adquiriram crédito no mesmo período.
Identificamos-lhes respectivamente como “com crédito e sem crédito”.

A maioria dos colonos que compõe nossa amostra têm no máximo três
safras de experiência no Projeto e os mais antigos têm cinco safras. Este fato
relativiza as tendências que se possa detectar nas transformações por que
passa a Unidade de Produção Familiar, considerando-se que a realidade
objetiva ainda não se encontra completamente amadurecida e nem mesmo
sedimentada. O Projeto ainda está, devido aos constantes assentamentos, em
implantação, o que contribui para que se considere a pouca maturidade dessa
realidade.

Para aplicação dos questionários foram considerados como elementos


amostrais as Unidades Produtoras que compunham todo o conjunto
populacional e, como sistema de referência foram utilizados o cadastro do
INCRA, que forneceu as Unidades de Amostragem por Agrovilas e o
cadastro da EMATER/BA que forneceu as áreas cultivadas.

O modelo estatístico adotado foi a Amostragem Acidental Estratificada(2) ,


repartição proporcional, a nível de Unidade produtora, utilizando como
variável a área plantada, já que a disponível é igual para todos.

Finalmente foram utilizados, como dados secundários, relatórios oficiais


de acompanhamento e execução das atividades do Projeto desde sua

(2) No delineamento da amostragem estratificada, a população é dividida em sub-populações, sobre


cada uma das quais se aplica o processo de amostragem independentemente.
15

implantação até junho de 1981 quando foram vetadas quaisquer outras


investigações, mesmo em documentos.
16

CAPÍTULO I - O PROJETO

3
Os pequenos produtores rurais que vivem no Projeto Especial de
Colonização Serra do Ramalho têm uma característica comum: deixaram, por
força de circunstâncias diversas, a terra onde trabalhavam. A existência
mesmo deste projeto decorre da desestruturação de milhares de unidades de
produção familiar como conseqüência da implementação da Política
Econômica Governamental idealizada no princípio da década de 40 quando
começaram as primeiras tentativas de planejamento regional.

Refiro-me à produção de energia hidro-elétrica como um dos aspectos


infra-estruturais necessários à industrialização do Nordeste, região que
passou a ser considerada como tendo potencial de desenvolvimento. É
portanto, neste contexto de implementação do aprofundamento do modo de
produção capitalista que no planejamento regional, o setor primário é
orientado em última instância para a industrialização. Assim é que a CHESF
( Companhia Hidroelétrica do São Francisco) decide construir a Barragem de
Sobradinho “com a finalidade de possibilitar a ampliação da capacidade
instalada da Usina Hidroelétrica de Paulo Afonso” (1).

Este reservatório inundou quatro municípios baianos( Remanso, Casa


Nova, Sento Sé e pilão Arcado) desalojando cerca de 14.000 famílias, sendo
que 4.000 dessas famílias deveriam ser assentadas pelo INCRA (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em um projeto de colonização
pensado especialmente com esse objetivo. As demais decidiriam para onde ir
ou serem assentadas na Borda do Lago de Sobradinho. No referido Projeto,
entretanto, existem também colonos de outras partes do país.

É neste Projeto de Colonização, criado por decreto em abril de 1975 que


se encontram os pequenos produtores rurais cuja situação procuramos

(1) ANCARBA – 1974.


17

4
estudar. Na concepção do INCRA para os Projetos de Colonização este é
considerado como Especial por estar subordinado diretamente ao órgão
central em Brasília.

O Banco Mundial, órgão financiador da construção da Barragem de


Sobradinho, exigiu contratualmente que a CHESF realocasse as famílias
desalojadas. Esse banco, entretanto, punha em dúvida a capacidade de
gerenciamento do INCRA que, neste mesmo ano – 1975, conseguiu junto à
SUPLAN que o Projeto fosse “incluído no Programa POLONORDESTE,
que passou a financiar sua implantação”(2).

A característica definidora do POLONORDESTE (Programa Especial de


Apoio ao Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste), “abordagem
integrada do desenvolvimento agropecuário e agroindustrial, contemplando
desde a identificação de culturas e a indicação de sistemas de produção até a
reorganização agrária e a complementação da infra-estrutura, a pesquisa, a
assistência técnica, o crédito e a comercialização” (3), uma pequena cidade
devido a proximidade das casas e ao serviço de infra-estrutura (água e luz) .
Denotam, entretanto, seu caráter rural pela presença de pequenos cultivos nos
quintais. A distância máxima para o lote rural ( que tem 20 há ou equivalente
conforme a fertilidade do solo) é de 8 km. O número médio de colonos por
agrovila é 275, variando de 251 a 310 colonos.

Apesar da infra-estrutura já citada, algumas casas construídas para


colonos tiveram outra utilização, principalmente a de residência para
funcionários de nível médio.

As agrovilas até (julho/82) em número de 18, estão distribuídas segundo


seus números – que corresponde à penetração no sentido dos municípios de
Bom Jesus da Lapa e Carinhanha – em dois eixos: par e ímpar, ficando a
estrada principal no eixo ímpar (ver mapa). As estradas vicinais dão acesso
aos lotes rurais e ligam os dois eixos.

Apesar do sistema de agrovilas ser justificado oficialmente “face à


inexistência de águas superficiais e dificuldades de obtenção de águas do
sub-solo, considerando-se ainda o fato da população viver na área do
reservatório”(4) , esse sistema é, na verdade, coerente com a orientação
capitalista da sua organização econômica, isto é, não é legitimador no modo
de produção capitalista, uma iniciativa governamental coletivizadora da
propriedade dos meios e do produto da produção, embora seja possível a
convivência com a contradição de uma colonização coletivizadora. Portanto,
haverão sempre justificativas técnicas para a adoção de uma mesma lógica de
colonização na grande maioria dos Projetos oficiais, a exemplo do Projeto

(2) INCRA (1980)


(3) POLONORDESTE (1974)
(4) INCRA, op. cit. Nota 2.
18

5
Integrado de Colonização Alexandre Gusmão, localizado no Distrito
Federal, do PIC Sagarana em Minas Gerais e do PIC Bernardo Sayão em
Goiás.

A mudança de vida que significa esse Projeto, para cada produtor


desalojado com a construção da Barragem de Sobradinho não era aceita
passivamente, não tendo sido fácil para os técnicos da então ANCAR/BA,
hoje EMATER/BA, e do INCRA convencerem a eles de que se tratava de
uma mudança para melhor. Os problemas institucionais de definição de local
para o Projeto e de concorrência para construção deixava transparecer aos
produtores a incerteza do novo empreendimento. Como conseqüência dessas
indefinições, a transferência da população que se deveria iniciar entre
outubro de 1975 e março de 1976 ficou prejudicada e somente a 28 de março
de 1976 foram alocadas as primeiras trinta famílias. A população a ser
colonizada” era apoiada na sua insatisfação; e o processo de transferência foi
também dificultado pela “oposição das lideranças locais – políticas,
religiosas e econômicas”, ... “ e pela própria tendência nata da população que
era a de permanecer na área”(6). Esta situação, que reflete o tipo de
compulsoriedade existente na transferência desses produtores, se agravou a
partir de agosto de 1976 quando surgiu a opção de reassentamento na Borda
do lago de Sobradinho em programa paralelo realizado pela CHESF que
cedia “a pressão das lideranças regionais” atendendo “ aos anseios de grande
parte da população”(7) e viabilizava com isso o fechamento das comportas da
Barragem cujo cronograma estava rigorosamente em dia.

Mesmo não havendo seleção para esses candidatos a colonos, porque


eram os desabrigados que precisavam ser realocados, houve uma queda
significativa de optantes e, já se registrava desistências. Com isso, parte da
capacidade instalada do Projeto ficou ociosa, e no final de 1977 foi tomada a
decisão de assentamento de famílias, agora selecionadas, em outras regiões.
O Projeto, criado especialmente paras os produtores cujas terras foram
inundadas pela Barragem de Sobradinho, até 1978 tinham apenas 36,5% de
colonos com essa origem, caindo esse percentual para 35,5% até julho de
1980 (8) .

Oficialmente, os motivos que levaram os produtores a desistirem do Projeto


eram além do “caráter compulsório de transferência da população”, os seguintes
fatores:

a) frustração da safra 77/78 em conseqüência de chuvas excessivas na região;


inundação de parcelas e incidência de pragas nas lavouras;

(5) INCRA, op. cit. Nota 2.


(6) INCRA, op. cit. Nota 2.
(7) Não nos foi dado acesso a dados atualizados a esse respeito, mas essa
participação era em 1982 bem menor, pelos novos assentamentos, como veremos
posteriormente.
19

6
b) não conclusão do eixo par, ficando a população que habitava as agrovilas
pares totalmente ilhadas no período chuvoso;

c) encerramento do período de dez meses de concessão de crédito de


implantação;

d) rígidos laços familiares que levaram as desistências em grupos;

e) continuidade de prestação de assistência financeira pela CHESF e


ELETROBRÁS às famílias assentadas na Borda do Lago, incluindo aquelas que
retornaram ao Projeto;

f) a estrutura de serviços ainda não correspondia aos compromissos para a


transferência;

g) pouca adaptação da população a um Projeto essencialmente agrícola(9) .

Há entretanto, outros motivos que não foram considerados oficialmente e que,


não os negando, se agregam a eles. Em entrevistas realizadas com o Sindicato de
Bom Jesus da Lapa e a colonos sindicalizados, observamos que o modelo de
agrovilas adotado para o Projeto, a falta de condições materiais para sobrevivência,
a subordinação aos instrumentos de política agrícola e até mesmo o tipo de água
disponível se constituíram, sob a ótica do produtor nos motivos das desistências.
Ilustra esta observação depoimentos como:

“ – Os colonos começaram a trabalhar e nem todos puderam ficar, primeiro


porque não se deram bem com a água; morreram várias crianças e outras
adoeciam... muitos estavam acostumados a viver na beira do rio, prá se deslocar,
sair da terra deles, e viver longe do rio, sem condições de dirigir a vida deles, e a
doença castigando, aí o camarada olhava, via que não tinha condições e se
deparava a sair do Projeto”.

Todo esse processo de reorganização econômico-social significa, na verdade a


concretização de problemas de posse e uso da terra advindos da total
desestruturação de um setor da economia regional de parte do Médio São
Francisco, enquanto particularidade, mas que tem ocorrido em, outras partes do
país como decorrência de uma determinada opção de intervenção pública.

Passa-se a ter um espaço bastante diversificado econômica e culturalmente,


agregando diversas experiências regionais, refletindo a vivência de momentos
diferentes de um processo geral de transformação capitalista do campo brasileiro.
É este um caso concreto de um processo de dirigido de reprodução do capital,
implementado pelo Estado através suas políticas econômicas, quando incentiva a
industrialização do agro ou implanta projetos que objetivam o aumento da

(8) INCRA, op. cit. Nota 2.


20

produção e da produtividade e, conseqüentemente a transformação estrutural da


região em foco. Apesar de o Projeto em estudo ter originalmente um grande peso
social como enfoque, absorvendo volume relevante de recursos para implantação
de infra-estrutura, a lógica capitalista do Estado vai aprofundando cada vez mais o
caráter econômico da política geral que busca as potencialidades de crescimento do
Nordeste pela penetração capitalista no campo.

Apesar de, nesse contexto, o Projeto estar vinculado financeiramente ao


POLONORDESTE e se assemelhar aos programas do tipo PDRI não existe,
efetivamente, integração no trabalho dos diversos órgãos atuantes na sua execução.
Esta não é, contudo, uma característica exclusiva do PEC’SR, sendo verificado o
mesmo procedimento nos referidos programas.

Ao INCRA, órgão implantador e executor do Projeto, cabe a administração


geral, construção e manutenção da infra-estrutura básica através de órgãos
especializados. Estão diretamente vinculados a este órgão a Cooperativa CIRA-
COPROSSERRA e o setor educacional. Aspecto importante de administração
geral é o processo de assentamento de colonos e conseqüentemente distribuição de
títulos. A cooperativa é a instancia mais direta de ligação do INCRA com o
produtor, momento em que se poderia viabilizar a integração institucional com a
EMATER/BA, responsável pelo serviço de crédito e assistência técnica. O clima
de trabalho existente e que pudemos sentir nas quatro visitas feitas ao Projeto é não
só de desintegração, como mesmo de conflito entre esses órgãos, havendo
distanciamento dos técnicos não só a nível profissional como a nível pessoal, o que
presenciamos em momentos de lazer no Clube Social do Projeto.

Outra observação que fizemos a respeito da atuação dos órgãos é o fato de que
o Projeto se amplia com novos assentamentos, abertura de agrovilas, e a estrutura
de serviços não acompanha o mesmo ritmo de crescimento. Assim, fomos
informados pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jesus da Lapa, pelo
Bispo do mesmo município e por colonos que, os mais recentes colonos (dezembro
81), destinados à agrovila 18, estavam desabrigados na área do Projeto,
aguardando a construção das casas pelo INCRA e a distribuição dos lotes. A
FSESP ( Fundação Serviço de Saúde Pública) responsável pela assistência médica
no Projeto, continua com apenas dois médicos e um dentista para atender a uma
população de 30.000 pessoas aproximadamente e, a EMATER/BA conta apenas
com 1 agrônomo, 2 assistentes sociais, 12 técnicos agrícolas, 11 escriturários e 2
serventes, quando o ideal seria: 8, 8, 32, 16 e 8, respectivamente. O setor
educacional não foge a esta situação de precariedade, sendo encontrado técnico
agrícola como diretor de escola. Esta é a situação administrativa do Projeto,
refletindo o desgaste crescente da ação governamental.
21

CAPÍTULO II – ORIGEM DOS COLONOS

A migração, a partir de diferentes lugares, como característica comum dos


produtores colonizados no PEC’SR fez com que essa população se construísse
bastante diversificada quanto às suas experiências de processo de trabalho e
relações de produção.

Predominava entre esses produtores a organização familiar da produção,


embora tivessem outras experiências de trabalho, como mutirão, parceria e até
mesmo o assalariamento, co-existindo com a Unidade de Produção Familiar. Este
fenômeno refletia a utilização de estratégias de sobrevivência na tentativa de se
manterem como produtores familiares.

Esses produtores eram ex-proprietários de terra, arrendatários, posseiros,


assalariados e parceiros. A maioria deles não tinha regularizada a propriedade da
terra e portanto, não dispunham de garantias bancárias para a aquisição de crédito
oficial. Assim, a subordinação desses produtores se dava, em primeira instância,
em relação ao proprietário da terra em que trabalhavam e não em relação ao capital
financeiro. A necessidade de recursos para custeio da produção estabelecia
subordinação a outros capitais como mercantil e usuário, embora em pequena
escala. Desta forma, antes de irem para o PEC’SR, 72% desses agricultores
trabalhavam com renda própria o que representa um grau significativo de ausência
no envolvimento com mecanismos dirigidos para a capitalização do campo.
Agrega-se a isto o fato de que, daqueles que não trabalhavam com renda própria
apenas 30% utilizava o crédito oficial, o que no total representa 4%.

As diferentes experiências no processo de trabalho atingiram não só o cultivo


desenvolvido como as técnicas utilizadas. Os produtos cultivados relacionam-se
com a região de origem, existindo tanto produtores de mandioca, feijão e milho,
como produtores de café, soja, mamona, algodão, etc. Nas técnicas desenvolvidas
22

7
para o cultivo desses produtos, utilizavam desde as ferramentas tradicionais até o
trator.

Entretanto, a modernização(1) das técnicas de produção desses agricultores não


era tão profunda. Assim é que, dos produtores entrevistados apenas 16% declarou
que, antes de chegar ao Projeto, utilizava defensivos e 20% que utilizava
implementos (por exemplo: plantadeira, polvilhadeira), sendo predominante a
participação dos produtores que trabalhavam apenas com as ferramentas
tradicionais (50%).

Apesar da diversidade de relações e técnicas de produção, uma característica


lhes eram comum: eram pequenos produtores que, como veremos mais adiante, se
reproduziam a nível de subsistência, mesmo aqueles que cultivavam produtos
estritamente comerciais como o algodão e a mamona.

O fato da Unidade de produção desenvolver este tipo de cultura não é


determinante para a elevação do seu nível de reprodução; determina apenas uma
articulação bilateral (consumo-venda) com o mercado e que, numa economia
inflacionária é mais vulnerável à redução do ganho real por ser monetarizado. É
ilustrativo desse fenômeno o empobrecimento desses produtores.

A especialização de cultivos típicos de auto-consumo favorece uma articulação


com o mercado, privilegiada significativamente a nível de consumo. Esse tipo de
articulação resguarda o produtor da subordinação aos elementos de mercado como
flutuações de preço, superprodução, entraves à comercialização etc, que incidem
diretamente na produção comercial. Com isto, dispõe de uma autonomia
relativamente maior do que a daqueles produtores especializados na produção
comercial.

Autonomia, entretanto, não significa nível satisfatório de sobrevivência, como


ilustra o depoimento de um colono originário de Sobradinho sobre sua vida antes
do PEC’SR: “... nunca foi bom, porque pobre, eu nunca fui rico mas, tinha minha
vidinha particular, eu plantava minha vazante, plantava em meu terreirinho alto,
morava na beira do rio, pescava ...”. Era esse o tipo de agricultura desenvolvida
pela maioria dos colonos nos lugares onde viviam.

Outro elemento que faz do PEC’SR um espaço de muita diversidade é o motivo


que levou cada produtor a migrar. Listamos dois motivos diferentes, e os
agrupamos em duas categorias: compulsórios e voluntários. Estamos considerando
como compulsório aqueles motivos que não nasceram da vontade do produtor, ou
seja: expulsão devido à construção de barragens, expulsão por grileiros, qualidade
do clima e do solo, desemprego e expulsão pelo proprietário da terra. Os motivos
considerados como voluntários foram: vontade de retornar à terra, deixar de ser

(1)
Modernização – utilização de máquinas, equipamentos, insumos químicos e
instrumentos de política agrícola no processo de produção.
23

empregado, oportunidade de estudo e expectativa de melhores condições de vida e


necessidades pessoais.

Observamos, que apenas um colono da população amostral sem crédito migrou


voluntariamente, ainda que, dos motivos de migração para esses colonos, apenas
um foi voluntário, enquanto que para os com crédito 34% dos motivos refletem
uma tentativa de garantir melhor posição social.

Estes dados ilustram certas diferenças por parte dos produtores em


modernização (utilizando crédito rural) em relação aos demais, no sentido de que
caso se criem novas expectativas de vida, poder-se-iam constituir em elemento de
diferenciação social na mediada em que se cristalizarem ideologicamente.

A motivação da ida para o PEC’SR compondo a história de vida dos colonos é


mais um fator que nos ajuda a pensar as diferentes respostas dadas ao processo de
modernização dirigido pelo Estado, na medida em que expectativas como por
exemplo a de propriedade da terra, a de deixar de ser empregado, estando presente
apenas entre os produtores que utilizam o crédito oficial, podem refletir a
existência de lógicas diferentes na organização da Unidade Produtora.

O PEC’SR reúne agricultores de várias partes do Brasil, em sua maioria, do


Estado da Bahia (79%) embora de áreas diferentes, sendo que os originados da
Região de Sobradinho representa 46% dos baianos e 42% de população amostral.
O assentamento de colonos, foi sendo feito à proporção que as agrovilas iam
ficando prontas e sendo lotadas. Isto fez com que os colonos vindos de Sobradinho
se concentrassem nas primeiras agrovilas.

Desta forma, as agrovilas 01, 03, 04, 06 e 07 são habitadas predominantemente


por esses colonos, que estão mais próximos do município de Bom Jesus da Lapa do
que da administração do Projeto. O quadro 1 mostra a participação desses colonos
nas referidas agrovilas, além de mostrar que apenas 2 dos colonos que utilizam
crédito são dessa região.

A diversidade de origens ilustra a existência de regiões sócio-econômicas no


país na mediada em que o envolvimento do colono com os instrumentos de
modernização é visivelmente diferenciado se comparado com a região de onde ele
veio. Neste sentido, a pesquisa demonstrou que dos colonos que não utilizam, no
momento, o crédito rural, 97% são do Estado da Bahia. Ao considerarmos
internamente as regiões verificamos que dos que vieram do centro-sul do país, 93%
utilizam o crédito, para 33% dos originados da Bahia. O processo de assentamento
ocorrido como nos referimos anteriormente fez também com que coincidisse nas
agrovilas 08,09 e 10, o maior número de colonos que utilizam crédito rural (ver
quadro 2). Essa composição criou, portanto, agrovilas visivelmente diferentes,
ficando mais ligada à administração do Projeto aquelas que utilizam com mais
freqüência os instrumentos da política agrícola modernizante. Esta proximidade
permite aos órgãos maior eficiência na orientação da atividade produtiva não só
pelas maiores possibilidades de cobrança por parte dos colonos mas também pelas
24

melhores condições de atendimento por parte dos órgãos. A dificuldade objetiva de


responder afirmativamente às metas do Projeto fez dos colonos oriundos de
Sobradinho, uma população à qual é desvantagem dar atenção. Efetivamente, as
primeiras agrovilas, onde se localizam esses colonos, estão praticamente
abandonadas; na linguagem do executor do Projeto elas estão “automatizadas”. O
depoimento de colonos das agrovilas 03, 04 e 06 ilustra bastante a diferença que a
distância física entre os colonos e a administração do Projeto provoca.

“Tem diferença. Diferença na assistência médica; o médico mora lá mesmo. No


estudo porque lá tem ginásio. E na parte financeira também porque o cara está lá
dentro; pra nós é mais difícil” ... “Se todos nós tivéssemos e morássemos em um
lugar que tivesse escritório em nossa agrovila, mas não tem não, nós corrigiríamos
o erro melhor”.

Em suma, verificamos que os produtores do PEC’SR foram alocados de


maneira tal nas diversas agrovilas que criou grupos de agrovilas com
predominância ou não de determinadas regiões do país, de uso de crédito rural, de
processo de trabalho modernamente tecnificado e mercantilização da produção.
Analisando-se as Unidades de Produção a partir desses elementos é possível se
perceber lógicas de organização que poderão tender não só à diversidade
econômica como à diferenciação social, onde o elemento ideológico é
fundamental.

Com isto, destacam-se mais uma vez as agrovilas 08, 09 e 10, como delimitação
aproximada do espaço onde poderia ocorrer uma tendência mais imediata à
diferenciação. Em relação aos colonos das primeiras agrovilas essa diferenciação
não se constitue, no momento como uma tendência pelo menos a nível ideológico.
Discurso como: “... realmente tem pessoas de melhores condições, mas não tem
assim um destaque entre os colonos ... pelo menos lá onde eu moro ... tanto faz
estar conversando com um igual que vive na diária como um outro que tem o seu
meio de vida, não tem destaque não”, são recorrentes entre os colonos dessas
agrovilas.
25

CAPÍTULO III – AS UNIDADES DE PRODUÇÃO

Entre os colonos entrevistados (assentados até primeiro semestre de 1981),


verificamos que 69% deles teve a sua situação regularizada em menos de um mês;
ou seja, pode dispor da terra para trabalhar. Isto não se constituiu em motivo de
atraso para o primeiro plantio, sendo que 97% dos colonos não perdeu nenhum
período produtivo; e, os que perderam foi porque chegaram tarde em relação ao
calendário agrícola. Com a expansão do Projeto, entretanto, esta regularidade está
deixando de acontecer e, como nos referimos no capítulo anterior passou a existir
colonos desabrigados por até três meses (data da ultima visita nossa). Apesar dessa
regularidade em relação à liberação do lote, muitas críticas são feitas ocorrendo
uma freqüência de 25% de colonos que não encontram no Projeto aquilo que
esperavam, devido a promessas não cumpridas pelo INCRA quanto ao serviço
médico e a infra-estrutura. Os colonos das agrovilas de 01 a 07 têm maior peso
entre os que não receberam o prometido do que os das agrovilas 08, 09 e 10. Este é
o motivo de diferença entre estes dois grupos de colonos que contribui para o
estabelecimento de relações diferentes com a lógica e a administração do Projeto,
onde a insatisfação dos primeiros contribui para respostas economicamente
desfavoráveis se comparadas às demais, conforme às expectativas do projeto.

A sobrevivência desses produtores nos primeiros meses de Projeto se dá, de


maneira geral com ajuda do INCRA – um salário mínimo regional aliada a algum
ou alguns outros elementos, como por exemplo; economias trazidas pelas famílias
(34%), trabalho já no próprio lote (31%), assalariamento em outros lotes 26%,
assalariamento no INCRA (23%) e ajuda de parentes e amigos (3%). A freqüência
percentual de ocorrência dessas estratégias de sobrevivência nos permite que a
Unidade de Produção Familiar Agrícola no PEC’Sr precisou combinar mecanismos
26

8
para garantir a sua reprodução em momentos de transição como este, que
significam uma total reorganização da Unidade.

Os colonos, de maneira geral, participam de um núcleo familiar composto de


pai, mãe e filhos, tendo ocorrido poucos casos de parentes (sobrinhos, netos etc.)
compondo este núcleo e raríssimos casos que poderemos denominar como
agregados (pessoas que, mesmo não tendo laço de consangüinidade, passaram a
integrar a família antes da ida para Projeto). O chefe da família, responsável
imediato pelo trabalho no lote rural e titular, como colono, dos lotes rurais e
urbanos, é normalmente o marido. Ocorreram apenas três casos em que a mulher
chefia a Unidade de Produção no Projeto, por ser viúva, situação esta ocorrida após
a chegada ao Projeto(1).

Essas famílias compõem-se em média de seis filhos, sendo que nem todos
residem no Projeto, o que faz com que essa média caia para cinco filhos por núcleo
familiar. Não há diferença relevante entre o número de filhos e de filhas; nem
todos os filhos e filhas residentes na Unidade de Produção , entretanto, se
constituem em mão-de-obra ativa no trabalho da roça. Pudemos observar que a
participação dos filhos no trabalho produtivo ocorre basicamente a partir dos dez
anos de idade. Até este período as crianças desenvolvem apenas atividades
escolares.

Configura-se, portanto, na Unidade de produção Familiar a Existência de mais


elementos de consumo do que de produção; uma média de sete elementos de
consumo para cinco elementos de produção, exigindo dos elementos produtivos
uma produção de sobretrabalho necessária a reprodução dos elementos apenas de
consumo. Há ainda a redução desses elementos de produção quando ocorrem os
casamentos e, a nova família passa a ocupar outro lote. Essas Unidades Familiares
que observamos estão em grande maioria numa boa faixa de vitalidade, sendo que
91% dos chefes, elemento mais velho do núcleo, tem idade inferior a 50 anos, o
que, para as mulheres corresponde a 86%.

As transformações por que passam o campesinato podem ser percebidas


inicialmente a nível do consumo familiar. Se por um lado, a cesta básica de
alimentos não sofreu alteração significativa, isto é, a composição alimentar se dá
basicamente sobre cereais, amidos e grãos (arroz, feijão, milho e farinha); carne
nem sempre presente, laticínios aparecendo raramente e sem ocorrência de frutas e
verduras, há em contra-partida, grande diversificação no uso de eletrodomésticos.
È mais significativo a presença entre os colonos, do rádio (62%), da máquina de
costura (40%) e do ferro elétrico (22%); todavia aparecem ainda geladeira (16%),
toca-discos (15%), fogão (12%), ventilador e liquidificador (3%), gravador e
televisão (1%); note que na época ainda não chegava ao município a imagem
televisada. Na região de origem desses produtores, nem mesmo o rádio era
(1)
Velhos com mais de 60 anos e viúvas ao chegarem ao Projeto receberam
apenas o lote urbano. Esses casos ocorreram apenas entre os colonos vindos de
Sobradinho por não ter havido seleção.
27

popularizado e o nível de monetarização de sua economia praticamente


inviabilizava a aquisição desse tipo de produto.

Está se dando portanto, uma crescente urbanização do consumo familiar, o que


reflete um processo de redução na dicotomia campo/cidade não só pela
interiorização de objetos produzidos no setor de bens de consumo dos
trabalhadores mas também de hábitos de consumo, só viabilizados pela produção
industrial, associada à existência do crédito ao consumidor, enquanto que o mesmo
não ocorre com os produtos alimentares.

A pauta de produtos cujo plantio foi registrado no PES’CR se refere


fundamentalmente àqueles de consumo imediato pela família; arroz, feijão, milho,
mandioca entre outros e aparecendo o algodão e a mamona estritamente
comercializáveis, principalmente o algodão que tem entre a população com crédito
uma média de 2 ha plantados por produtor enquanto que para população sem
crédito essa média é de 0,05 há. Assim, a reprodução da família e
conseqüentemente da Unidade de Produção dar-se-ia com uma menor margem de
vulnerabilidade às influências de mercado, pelo menos em relação ao mínimo para
a sobrevivência. Entretanto, não se exclui a comercialização desses produtos de
consumo imediato que também são agroindustrializáveis e, portanto, podem
existir em Unidades de produção tipicamente comerciais. Da mesma forma, a
produção extritamente comercial pode viabilizar apenas a reprodução simples.

3.1 A Utilização Atual da Terra

Temos como elemento homogeneizador o fato de que todos os colonos da


população amostral receberam um lote de 20 há, estando 2 há desmatado pelo
INCRA e, a EMATER/BA procurou direcionar os sistemas a serem produzidos.
Em suma, foram o INCRA e a EMATER/BA que definiram em conjunto, os
padrões e ritmo da utilização inicial da terra. Esta foi a forma encontrada de
viabilizar o caráter eminentemente agrícola do Projeto sob os padrões da
agricultura comercial modernizada.

No discurso oficial, entretanto, esse direcionamento aparece como tentativa de


organizar a atividade produtiva para a agricultura, simplesmente, considerando o
tipo de produção desenvolvido anteriormente na região pelos produtores da área de
Sobradinho.

Os produtores do PEC’SR detêm os objetos de trabalho necessários ao


desenvolvimento do processo de produção, o que lhes garante certo nível de
autonomia.
28

Ainda não está totalmente utilizada a área disponível de 20 ha do lote rural de


cada colono e, a expansão da área cultivada não se deu de forma linear,
apresentando variações significativas. Neste sentido, observamos que a área
desmatada, em cada Unidade de produção, além dos 2 ha desmatados pelo INCRA
atingiu para a safra 80/81, uma média de 7,5 há, sendo que a menor foi de 2 há e a
maior de 12 ha. O crescimento da área desmatada, entretanto, não coincide com o
da área plantada. Embora predomine a utilização total da área desmatada (em 81%
das UP), a área média plantada cai para 6,6 há. Este é mais um elemento que
relativiza qualquer conclusão a que se possa chegar nesse estudo, na medida em
que apenas 20% dos produtores entrevistados já ocupam metade da área
disponível, ou seja, 10 há. Em outras palavras, esses dados refletem não só a baixa
utilização dos lotes mas também a existência de condições diferenciadas de
produção, o que inviabiliza uma utilização eqüitativa dos 20 ha disponíveis em
cada Unidade de Produção, dando margem à diversidade econômica. A nível de
tendência, essa diversidade seria estimulada a partir do momento em que, por
exemplo, esgotando-se os 20 ha disponíveis fosse constituído um mercado de
terras, o que promoveria o surgimento de trabalhadores proprietários apenas de sua
força de trabalho. Seria este um momento certamente determinante para a
sedimentação da diferenciação social. Fica em aberto, entretanto, a possibilidade
dos lotes serem vendidos, pois não foi possível saber efetivamente se o INCRA
permite essa transação.

A utilização de área plantada como variável para o cálculo da amostra permitiu


visualizar quais as agrovilas em que se concentram o maior número de produtores
com área cultivada superior a 6 ha. Observamos, com isso que a relação é de 8 para
1 considerando-se as agrovilas 08, 09 e 10 em oposição às de 01 a 07, sendo que o
peso significativo está entre aqueles que utilizam crédito rural, 83% desses
produtores.

A área desmatada que não foi plantada, foi utilizada para pastagem em apenas
13% dos casos, sendo que nos 87% restantes essa área está efetivamente sem
utilização, principalmente por falta de recursos financeiros para o plantio (52%).
Além desse, outros fatores contribuíram para o não aproveitamento de toda a área
desmatada como falta de insumos, crédito restrito, desmatamento precário,
condições edafoclimáticas ruins e problemas pessoais (por exemplo, doença).

O fato de o INCRA ter entregue todos os lotes com 2 ha desmatados não foi
suficiente para promover o crescimento eqüitativo do plantio de todos os colonos,
dificultando, portanto, o direcionamento da atividade produtiva.

Esse direcionamento tentado para a organização da produção no PEC’SR não se


verificou também em relação aos sistemas de produção. Na programação da
EMATER/BA para a safra de 76/77 estava previsto o financiamento de apenas dois
sistemas eqüitativamente: feijão x milho e algodão. Registramos, contudo, o
financiamento também de milho, mandioca e milho x mamona. Entre os produtores
que não utilizaram crédito (teoricamente também público da EMATER/BA) a
diversificação de cultivo foi bem maior, quando se utilizou mamona, mandioca,
29

9
feijão x milho, milho x mandioca, milho x mamona, mandioca x feijão, milho x
algodão, milho x algodão x feijão e milho x feijão x mandioca.

INCRA e EMATER/BA tentaram, juntos, homogeneizar o desenvolvimento da


atividade agrícola no PEC’SR através da demarcação de lotes iguais(2) e do
oferecimento indiscriminado do crédito de custeio. Porém, o fato de esses colonos
começarem um novo período produtivo num mesmo lugar e numa mesma área não
significa que este ponto de partida seja um ponto zero no processo econômico e
social, o que nunca será conseguido. Entraram em jogo, nesse caso, como forças
contrarestantes, não só as experiências anteriores desses colonos como também a
disponibilidade de recursos e de mão-de-obra em cada Unidade de Produção. Essas
forças precisariam ser minimizadas pelos órgãos executores para que se efetivasse
a homogeneização esperada.

Isto demonstra que da safra 76/77 à 80/81 a variação média da área plantada foi
bem maior entre os produtores com crédito do que os sem crédito, sendo de 1,6 ha,
- 0,5 ha, 3,3 ha, 3,5 ha e 0,2 ha – 0,3, 0,9 e 0,7 respectivamente, as alterações
ocorridas. Observando-se a relação entre a área cultivada com financiamento
bancário e a total foi possível notar o grande crescimento ocorrido na utilização
desse instrumento. Assim, para a safra de 76/77 a participação da área com crédito
era de 10%, passando a ser de 58% na safra de 79/80.

Os sistemas de produção que se fizeram como mais representativos foram:


arroz, milho x mamona, algodão, milho, mamona, milho x mandioca e mandioca.
Há, entretanto, diferença significativa dos produtos em relação à utilização ou não
do crédito. Assim, dos produtos com maior área plantada (arroz, algodão e milho)
dois predominam largamente entre os produtos com crédito (algodão 97%; arroz
73,8%) e um é aproximadamente equivalente entre as duas populações amostrais
(milho: com crédito 49%; sem crédito 51%).

O problema de se optar pela utilização ou não do crédito de custeio não se dilui


na possibilidade de plantar mais e conseqüentemente de maior retorno. Os colonos
que atualmente não utilizaram o crédito são predominantemente os originados da
área da Barragem de Sobradinho. Esses colonos, quando chegaram ao Projeto
utilizaram esse recurso pela primeira vez. As frustrações de safra e o conseqüente
endividamento bancário além da irregularidade no financiamento dos recursos
desestimularam essa população a recorrer novamente a esse sistema.

Considerando a importância da disponibilidade de recursos para a produção,


além da área desmatada pelo INCRA e dos sistemas propostos pela EMATER/BA,
o acesso ao crédito rural para o custeio dessa produção está sendo considerado
como referência para o estudo das transformações, já que esse instrumento de
política agrícola é oferecido a todos os produtores do Projeto, sendo ou não por
eles solicitados por decisão própria.

(2) Nos poucos casos em que o lote rural é maior de 20 ha, a qualidade do solo só
viabiliza uma produtividade igual à dos demais lotes.
30

Esses registros em relação ao comportamento dos produtores na instância mais


imediata do trabalho produtivo, isto é, quanto à decisão da área e do sistema a ser
cultivado, bem como da utilização ou não de capital financeiro, demonstra a
existência efetiva de relativa autonomia na organização da sua unidade de
produção e já aponta para efeitos diferenciadores decorrentes da opção de utilizar
crédito de custeio.

3.2 Processo de Trabalho

O trabalho no lote rural, onde são cultivados os produtos quer para consumo
próprio, quer para comercialização, se desenvolve em cinco fases: preparo do solo,
em que o produtor limpa e ara a terra após o desmatamento; plantio; tratos
culturais; momento de limpar o plantio ou, se for o caso, aplicar defensivos;
colheita e beneficiamento.

O preparo do solo deve ser feito nos meses de agosto e setembro para que o
plantio coincida com o inicio do período chuvoso outubro/novembro. Os tratos
culturais, ou “limpa”, como é chamado pelos agricultores ocupa os meses de
novembro e dezembro, quando as chuvas atingem o auge, ocorrendo a colheita
aproximadamente em abril.

Para os produtores que utilizam crédito, a liberação dos recursos é o elemento


desorganizador desse ritmo de trabalho na medida em que o atraso na liberação não
só retarda o início das atividades desde o desmatamento, como impossibilita ao
produtor dependente desse recurso, de preparar a terra conforme definição no
plano de crédito. O motivo pelo qual esse recurso não chega ao produtor no
momento oportuno começa a se delinear na deficiência administrativa dos órgãos
envolvidos que trabalham com um grande déficit de pessoal, atrasando o pedido de
fornecimento dos recursos ao Banco. Entretanto, não foi possível aprofundar que
outros motivos entram em jogo após essa primeira instância. O controle das
informações não nos permitiu o acesso. Para os que não utilizam o crédito de
custeio, no entanto, o mecanismo é o crescimento reduzido da área cultivada ou
ritmo lento de trabalho pela necessidade de assalariamento em outras roças para
manutenção da família. Esses produtores, que são exatamente aqueles que não tem
experiência em lidar com os instrumentos de política agrícola, não tem no PEC’SR
as mesmas condições de autonomia a que, em seu lugar de origem garantiam a
reprodução de sua família; quando plantavam acompanhando a regularidade da
vazante do rio, pescavam durante todo ano e tinham sua criação de pequeno porte.
Vale lembrar que quando esses produtores chegaram ao Projeto não lhes era
permitido ter criatório, o que só veio a acontecer em função do crescimento das
dificuldades de sobrevivência dessa população. No PEC’SR, a necessidade de
assalariamento temporário ganhou maior peso nas estratégias dessas Unidades.
31

Fator predominante para a compreensão da organização da Unidade de


Produção é a forma de utilização da força de trabalho disponível que, apesar de se
tratar de unidades de produção familiar não há implicação necessária de
homogeneidade. Isto é, as condições de reprodução, o ciclo de vida da família e a
lógica de organização da Unidade contribuem para uma utilização diferenciada da
mão-de-obra familiar disponível, não só no trabalho da roça como em ocupações
alternativas podendo haver aquelas que se assalariam ao lado das que contratam,
numa simbiose que permite a manutenção dessas unidades. Particularmente, no
espaço tomado para delimitação do nosso objeto de estudo a diversidade de
relações de trabalho conta com o crédito de custeio como elemento provável da
diferença, já que os produtores que o utilizam disporiam de dinheiro para
contratação de mão-de-obra.

As condições de realização da pesquisa, já explicitadas, limitaram o conteúdo


deste estudo, não viabilizando um aprofundamento na observação do modelo de
organização da Unidade Produtiva. Entretanto, pudemos verificar que, nessas
unidades, a divisão sexual do trabalho só é excludente no que tange ao serviço
doméstico, de conservação da residência e dos alimentos, que é um serviço
exclusivamente feminino. Nos demais trabalhos, porém, basicamente o trabalho de
força no lote rural que é predominantemente masculino, a força de trabalho
feminina também se faz presente. Entretanto, não é possível concluir
necessariamente que seja esse o modelo; há a possibilidade de que essa situação
decorra da dificuldade de contratação de mão-de-obra. Mesmo quando comparadas
as categorias de produtores, a diferença não é relevante (75% e 73% a participação
da mulher no trabalho da roça para os produtores sem crédito e com crédito
respectivamente) para se inferir que a mulher deixaria de trabalhar na roça caso
houvesse condições de contratação.

Ocorre, portanto, para a força de trabalho feminina uma diversificação de


atividade que vai do trabalho doméstico à venda de sua força de trabalho em outras
roças, como forma de complementação da sua renda familiar (quadro 3), sem que
se possa esquecer os cuidados com o lote urbano (quintal da casa) que é na maioria
das vezes de responsabilidade da mulher do colono, embora também se destaquem
os casos em que o colono é o responsável ou os filhos. Ocorre ainda esse trabalho
ser desempenhado pela família como um todo, agregados, parentes e mesmo os
vizinhos quando todos os familiares vão para o lote rural.

O trabalho da mulher do colono se destacou como exemplo da utilização


diferenciada da força de trabalho disponível. Nesse sentido verificamos que a força
de trabalho da mulher do colono, que tem importância significativa na reprodução
da Unidade, apresenta (ver quadro 4) freqüência variada conforme a sua presença
nas diversas fases de cultivo. Percebemos que nas agrovilas 08, 09 e 10 ocorre
participação quase eqüitativa do trabalho da mulher em todas as fases de cultivo,
demonstrando com isso sistematicidade na utilização dessa força de trabalho e do
próprio processo de trabalho. Nas demais agrovilas, onde não há a mesma
integração com os instrumentos modernizantes, o trabalho da mulher, embora
presente, é mais flutuante, deixando transparecer que o processo de trabalho nessas
32

unidades produtoras se organiza com maior vulnerabilidade, mesmo que o ciclo de


vida das famílias seja equivalente. Nesse caso concreto, o fator diferenciador
parece ser a disponibilidade ou não de recurso para contratação de mão-de-obra,
como ilustra o depoimento de colonos no sentido de que – “Quando o empréstimo
sai, o colono tem condições de ficar na roça (e não vender sua força de trabalho),
põe gente pra trabalhar, tocar seu serviço, mas quando o dinheiro não sai, assim é
difícil”. – Esse depoimento aponta não só para o fato de que o produtor com
crédito, tem menor dificuldade de contratação como também para o fato de que
apesar de estar envolvido com instrumentos modernizantes, a organização da sua
produção também sofre descontinuidades devido a irregularidade no fornecimento
dos recursos ou na disponibilidade de insumos.

A organização do trabalho no lote urbano envolve diferenciadamente as


famílias. A participação do chefe da família e dos filhos é mais significativa entre
os produtores com crédito, percebendo-se inclusive um maior envolvimento de
outras pessoas nesse trabalho, o que permite obter um menor percentual de
desutilização desse lote. Para tanto, 10% desses lotes urbanos são cuidados por
vizinhos, agregados ou parentes enquanto que entre os produtores sem crédito esse
percentual é de 3%, e os lotes sem cuidados é de 6% e 7% respectivamente para os
sem crédito e com crédito. Esses dados refletem um maior índice de utilização da
terra disponível por parte dos produtores que interiorizaram instrumentos de
política agrícola modernizantes, como por exemplo o crédito rural. É possível que
a disponibilidade de recursos para financiar a produção exigindo retorno
economicamente satisfatório, estimule o desenvolvimento de uma lógica diferente
na organização da Unidade de Produção. Isto ocorrendo, há uma forte tendência de
busca constante de melhores níveis de produção o que levará a Unidade de
Produção a se reproduzir além do mínimo necessário. Havendo condições naturais
favoráveis, isto é, não ocorrendo frustração de safras, poder-se-ia esperar que a
Unidade começasse a constituir alguma poupança.

Embora a nível teórico o crédito rural possa ser um elemento estimulador do


crescimento econômico do produtor, não existem indicadores suficientes para que
se conclua que a diversidade econômica existente no PEC’SR tenda
necessariamente a uma diferenciação social.

Entretanto, não se pode deixar de perceber que a diversidade existe entre os


produtores diretamente inseridos no processo de tecnificação via uso do crédito ou
não. Além dos aspectos já analisados, a questão da disponibilidade de recursos
para contratação de mão-de-obra cria expectativas diferentes em relação à
possibilidade de escolarização dos filhos.

Em dados estatísticos, 67% dos produtores com crédito declararam optar pela
contratação de mão-de-obra quando for preciso escolher entre a roça e a escola,
enquanto é de 41% o percentual desta opção entre os produtores sem crédito.Se
formos observar separadamente as agrovilas, verificaremos a mesma relação para
aqueles onde predomina o uso do crédito (08, 09 e 10) onde 56%, 71% e 71%
respectivamente optariam pela contratação de mão-de-obra enquanto naquelas
33

onde predomina menor integração com os instrumentos de tecnificação (03, 04 e


05 por exemplo), o percentual é de 33%, 25% e 33% respectivamente. Ilustra essa
diferença o depoimento de colonos que não utilizam o crédito, como o seguinte:
“esse ano não estudaram não; falta de condições. Eles (os filhos) tinham que
trabalhar na roça”.

A possibilidade de contratação de mão-de-obra não significa apenas que os


filhos de alguns colonos poderão estudar e outros não. Apesar de esse fato poder
contribuir, diretamente para aumentar a diversidade e, indiretamente, no futuro,
para o processo de diferenciação, possibilitando a diversificação de atividades
rentáveis, ele é reflexo de uma situação favorável para os que, usando crédito,
podem contratar trabalhadores e garantir a execução ininterrupta do processo de
produção. Isto , mais uma vez, contribuirá para a existência de diferença
econômica na medida em que, como ocorre efetivamente no Projeto, esses
produtores conseguem recuperar boa parte de seus plantios em caso de seca ou
excesso de chuva, por terem cumprido o calendário agrícola.
A grande diversidade de situações e experiências dos colonos do PEC’SR faz
desse projeto um espaço extremamente rico de representações das relações sociais
de produção e condições de sobrevivência da maior parte dos produtores rurais
brasileiros que são realmente pequenos produtores familiares. Temos portanto, um
espaço que nos permite visualizar resultados diferentes para diferentes
combinações de condições objetivas e lógicas internas das Unidades de Produção
Familiar, estimuladas ou não pela ação governamental. Elemento fundamental que
não se pode perder de vista é o caráter dirigido das atividades produtivas nesse
Projeto, e conseqüentemente a ausência de participação dos colonos na sua gestão,
o que, por sua vez requerem do governo um discurso de altas vantagens para
convencer o produtor independente a se tornar colono. O resultado disso é a
frustração a uma grande expectativa criada em relação às novas condições de vida.

Estas situações caracterizam formas diferentes de subordinação do pequeno


produtor. Quando a produção é financiada por recursos bancários, a necessidade de
um resultado economicamente satisfatório é imperiosa. Para isso, o aumento da
intensidade do trabalho é o primeiro artifício empregado para se obter uma maior
produtividade, aliado ao uso de técnicas e implementos modernos de produção.
Passa a compor a lógica da organização dessas Unidades, a necessidade de uma
margem de lucro que permita remunerar o capital aplicado além de manter a
reprodução da Unidade.

Desta forma, no caso daqueles que estão mais inseridos no processo de


tecnificação, o uso do crédito não só permite a contratação de mão-de-obra como
impõe a necessidade de uma racionalidade diferente na utilização da força de
trabalho criando assim uma outra forma de limitação da autonomia desses
produtores que é a subordinação direta ao capital financeiro e ao Estado, enquanto
que os outros indiretamente, no sentido de estarem sob a tutela do Estado.

A subordinação ao Estado se dá não só por ser ele o financiador como também


por ser o definidor da política agrícola e, portanto, da orientação da forma de
34

organizar a produção e do seu objetivo, como também por esses produtores


estarem trabalhando a terra do Estado num espaço delimitado e organizado por ele.

A mão-de-obra disponível para contratação pelos colonos é,


predominantemente do próprio Projeto (aproximadamente 93%) e efetivamente
mais utilizada pelos produtores com crédito onde 95% deles assalariou
trabalhadores para a safra 80/81, enquanto que entre os sem crédito esse percentual
foi de 61,5%. Tomando-se esses dados por agrovila verificamos que entre os
produtores que usam crédito não houve nenhuma agrovila sem registro de
contratação em pelo menos uma fase de cultivo.É interessante observar que de
todas as agrovilas pesquisadas quer com crédito quer sem crédito apenas na
agrovila 09 houve contratação de trabalhador para todas as fases de cultivo dando
indicio de maior internalização do processo de tecnificação se considerarmos ao
lado disso o maior uso de crédito e influência mais definida da extensão rural.

É importante lembrar que o assalariamento rural no PEC’SR por se caracterizar


como uma relação alternativa, de forma a complementar a carência de mão-de-obra
familiar, aponta apenas o início de um processo de diferenciação social que ainda
não está delineado nesse processo de diversidade econômica e que poderia ou não
ser revertido, dado a insipiência de sua sedimentação.

A diferença no volume de contratação ocorre, além de no cômputo geral, por


fase de cultivo. Enquanto a fase de tratos culturais aglutina o maior número de
agrovilas contratando mão-de-obra entre os produtores com crédito, entre os sem
crédito a fase correspondente é a de preparo do solo.Essa relação é reforçada ao se
observar a média de pessoas (contratadas ou não) trabalhando em cada Unidade
Produtora (ver quadro 5), percebendo-se que os tratos culturais e a colheita são as
fases com maior média para os produtores com crédito e as demais para os sem
crédito.

A maior dependência de mão-de-obra assalariada entre os produtores sem


crédito, estando na fase de preparo do solo e havendo problemas de disponibilidade
de recursos para contratação poderia implicar numa flutuação maior da extensão de
área cultivada entre esses produtores. Entretanto, o prejuízo com o produto em
safra anterior é que aparece como principal motivo de redução da área cultivada e,
ao observarmos esses dados por produto, percebemos que apenas no plantio de
mandioca a diferença acumulada entre aumento e diminuição de área plantada é
mais significativa para a redução de área (-4,1 ha). E o produto com aumento
acumulado mais significativo foi o arroz (28 ha); depois o consórcio milho x
mamona (22 ha) motivados principalmente pelo interesse de aumentar o volume
produzido e pela rentabilidade dos produtos.

A relação efetivamente significativa parece ser a constituição de uma


organização do processo de trabalho da pequena produção agrícola, onde aos
poucos vai sendo interiorizado o uso de equipamentos modernos de cultivo e maior
estreitamento com as transações comerciais.
35

Observamos que dos equipamentos solicitados ao crédito de investimento para


80/81, o pulverizador e o arado foram os mais significativos. Isto nos leva a crer
que os tratos culturais utilizando defensivos estão tendo impulso relevante,
requerendo maior utilização de mão-de-obra entre os produtores com crédito
enquanto que o uso do arado reduz essa necessidade na fase de preparo do solo.

Esse dado reflete o tipo de tecnologia que está sendo desenvolvida, isto é, uma
tecnologia sem sofisticação e consumidora de insumos químicos e, o ritmo em que
esse processo está ocorrendo. As Unidades que estão tecnificando o seu processo
de trabalho não o estão fazendo em todas as fases de cultivo ao mesmo tempo. Isto
cria uma descontinuidade no processo que acirra o problema da necessidade de
mão-de-obra em determinadas fases. Por outro lado, transforma a pequena
produção em mercado consumidor da produção industrial. Em outras palavras, no
que tange ao problema da disponibilidade de mão-de-obra, as transformações pelas
quais estão passando esses pequenos produtores apontam para uma nova situação,
ampliando das fases de plantio e colheita, consideradas como de pique, para outras
fases, como a de tratos culturais, a presença desse problema. Relativamos esse
enfoque quando consideramos a frustração da safra 80/81, em que foi feita a
pesquisa, o que levou a, na fase de colheita a posteriormente a de beneficiamento
do produto, uma utilização menos significativa de mão-de-obra assalariada. Isto
todavia não invalida a constatação de que o processo de trabalho desses produtores
está passando por transformações reorientadoras e, que o problema da
disponibilidade de mão-de-obra se faz presente em qualquer fase de cultivo na
Unidade de Produção Familiar.

Apesar de já poder delinear transformações desse tipo, a situação inicial de


baixo uso de tecnologia moderna que caracterizava o processo de trabalho desses
produtores antes de se instalarem no PEC’Sr, ainda não está profundamente
alterada. Consideramos a possibilidade dessa transformação apesar de não se ter
consolidado um estoque de equipamentos. É preciso ter em mente o pouco tempo
de implantação do Projeto, e mais ainda o pouco número de safras vividas aí pelos
produtores entrevistados (54% com apenas 3 safras) como fatores representativos
da imaturidade da realidade observada, ao lado das experiências anteriores desses
produtores, como força contrarestante. Esta força ganha significação maior quando
verificamos que além da não aquisição de equipamento existe uma ausência quase
total da prática de aluguel de equipamentos tendo sido registrado apenas um
entrevistado que recorreu a este serviço. Isto pode ser sintoma não só de
inexperiência anterior em relação a este tipo de operação, como também de
carência de recursos para o aluguel.

As condições de chegada dos produtores no Projeto, em relação ao que


trouxeram de objetos de trabalho (entre os com crédito, 16% trouxe alguns
equipamentos ou máquinas, 13% trouxe algum animal e 46% trouxe ferramenta
básica; entre os sem crédito esses percentuais correspondem a 3%, 22% e 42%
respectivamente) sendo precária e tendo atualmente apresentado modificações
significativas (a pesquisa registrou 48 itens de equipamentos e 29 animais de
trabalho entre os 31 produtores com crédito; 34 itens de equipamentos e 13 animais
36

de trabalho entre os 37 produtores sem crédito), reforça a nossa observação que


apesar das limitações encontradas por essa forma dirigida de organizar a produção,
está ocorrendo efetivamente o início de um processo de tecnificação. Os
equipamentos adquiridos são tecnicamente simples (ver quadro 6), deixando
transparecer um grau rudimentar nessa “modernização”.

O trabalho de extensão rural, ao lado do fortalecimento de crédito, é um


instrumento modernizante que atua diretamente na organização da Unidade de
Produção e que não pode ser excluído desse processo de transformações que
estamos verificando por ser elemento fundamental na sua determinação.

No PEC’SR, a EMATER/BA, órgão responsável pela extensão rural tem como


meta assistir a todos os colonos assentados no Projeto. Entretanto, verificamos que
apenas 31 dos 68 produtores entrevistados recebem assistência técnica, sendo 16%
entre os sem crédito e 84% entre os com crédito. Dos demais produtores 32% já
recebeu assistência técnica em alguma época. Esses dados demonstram não só que
a atuação da EMATER/BA está longe de atingir as suas metas, o que aceleraria o
processo de transformação, mas também que, de uma forma ou de outra grande
número de produtores passou a conhecer esse serviço e a ser em maior ou menor
grau influenciado por ele.

A conseqüência mais imediata da orientação técnica foi a definição do sistema


de produção a ser adotado pelo produtor. Dos produtores que recebem assistência
técnica, 61% acatou a sugestão da EMATER/BA quanto ao que plantar (58% com
crédito e 67% sem crédito). Vale notar que entre os que definem seu próprio
sistema de produção existem aqueles que coincidem com o sugerido pela
EMATER/BA, a esse respeito, com a lógica “modernizante” da política agrícola.

Este fato se deve principalmente à experiência de cada produtor, ou seja, já


trabalhavam com o sistema definido pela EMATER/BA. Sendo os produtores com
crédito, minoria entre os que acataram a sugestão da EMATER/BA e, portanto,
definiram o seu próprio sistema, deduz-se que a modernização e a mercantilização
da produção está sendo introduzida basicamente naquelas Unidades que já
trabalhavam sob essa ótica. Os produtores sem crédito eram antes do PEC’SR os
menos mercantilizados e, portanto, com experiência em sistemas que fogem a essa
lógica. Disso pode resultar um acirramento na diversidade econômica já que os
modernizados avançarão mais, neste processo enquanto os demais caminharão
mais lentamente.

A conseqüência seguinte registrada pela pesquisa foi o aumento da intensidade


do trabalho, admitido por 68% dos produtores que declararam receber essa
assistência. Se considerarmos também os produtores que já receberam assistência
técnica esse percentual cai para 51% mantendo-se ainda em nível significativo. AS
influências técnicas ocorreram de forma assistemática, com orientação diversa ou
especificamente para o plantio (57% dos influenciados) ou ainda para os tratos
culturais (23% dos influenciados).
37

O relacionamento desses efeitos do trabalho de extensão rural nos aponta


caminhos representativos das transformações que estão ocorrendo. Assim, a
orientação dada aos produtores quanto à definição dos sistemas de produção está
voltada para o incentivo à produção comercial. Pudemos chegar a essa conclusão
ao observarmos que dos produtos financiados pelo crédito rural para a safra de
80/81 (ver quadro 7), o algodão teve a maior área média financiada, e o feijão –
tipicamente para auto-consumo – ficou em penúltimo lugar, seguido apenas do
amendoim. O algodão é também o produto que absorve maior volume de trabalho
no período de tratos culturais, e como já vimos anteriormente é esta fase que tem
efetivamente absorvido o maior índice de utilização de mão-de-obra entre os
produtores com crédito. Com isso, verificamos que embora não tenha havido uma
influenciação massiva da assistência técnica de forma quantitativa (apenas 25% da
população amostral declarou ter sido influenciado), onde ela ocorreu, aliada ao uso
sistemático do crédito rural, foi verificada efetiva mudança de comportamento. O
direcionamento da produção desses pequenos produtores para um estreitamento
cada vez maior com as relações comerciais acirra a dependência do crédito rural
que, não só exigem um nível mínimo de rentabilidade como de utilização de
insumos modernos. No nosso caso concreto, a ênfase dada a fase de tratos culturais
e não apenas de “limpa” manual, ou seja, também consumidora de defensivos,
aponta para a redefinição do papel desse tipo de pequena produção que, quando
modernizada ou em vias de modernização, assume o caráter realizador da produção
industrial além do caráter fornecedor de matéria-prima. É bastante visível nesse
estudo de caso a importância do Estado como elemento determinante dessas
transformações por meio da política agrícola.

O processamento manual dos questionários aplicados à população amostral nos


permitiu sentir, entre os produtores sem crédito, significativa inconsistência das
informações quanto ao tipo de influencia exercida pela extensão rural. Esses
produtores apesar de considerarmos hoje como sem crédito e estando situados
principalmente entre os desabrigados pela Barragem de Sobradinho, utilizaram o
crédito rural pelo menos uma vez, abrindo espaço para uma nova lógica de
organização da produção. Entretanto, essa utilização generalizada do crédito rural
caracterizou-se como uma imposição decorrente da tentativa de dirigir a
organização da produção no Projeto. Nas condições em que esses produtores
chegaram ao Projeto a alternativa do crédito era a única maneira de se iniciar uma
atividade produtiva, já que para a própria manutenção da família o INCRA
forneceu um “salário” a fundo perdido. A reação, contudo, surgiu na safra
subseqüente com a não renovação do crédito.

Isto implica na ausência de sistematicamente no uso de crédito, fazendo com


que não existam entre esses produtores transformações relevantes, apesar de terem
freqüência percentual maior do que os com crédito quanto à aceitação de sugestões
de plantio dadas pela EMATER/BA. Se op trabalho de extensão rural fosse
desenvolvido entre os produtores sem crédito com a mesma intensidade que entre
os produtores com crédito, é possível que essas transformações tendessem a
ocorrer mais rapidamente e de forma menos diferenciada, considerando a
possibilidade de aquisição de equipamentos e insumos por parte desses
38

produtores.A inexistência desse requisito nos leva a questionar a efetividade do


discurso modernizante na medida em que não se verifica para os produtores com
menor experiência de técnicas modernas de cultivo, oportunidade concreta de
adquirir essa experiência e, a levantar a possibilidade de que a expropriação
daqueles que não se modernizam seja a sua lógica fetichizada. Ilustra essa situação
o depoimento de produtores no sentido de que:

“Se existisse uma maquinaria como eles apresentam, era uma boa para nós,
porque realmente se tivesse maquinaria, todo mundo tinha suas melhoras. Mas o
problema é que as máquinas não saem. Promete, promete quando muito sai se o
camarada tiver condições compra um arado e, se não tiver fica no braço toda a
vida; então, a experiência termina sendo a mesma”.

De fato , analisando a origem dos recursos utilizados para compra de


equipamentos, verificamos entre os produtores com crédito que 65% dos itens de
equipamentos e 66% dos animais de trabalho foram adquiridos com financiamento
bancário, demonstrando a relevância desse instrumento para a tecnificação desses
produtores.

O fato de existirem equipamentos comprados com recursos da própria safra é


indicativo de que a ausência de financiamento não é elemento de estagnação do
processo de tecnificação. Contudo, a predominância desses equipamentos entre os
produtores com crédito aponta para a importância do financiamento na aceleração
desse processo.

Da mesma forma, a experiência anterior do produtor com instrumentos de


política agrícola é fundamental para a interiorização mais rápida da lógica
“modernizante”. Nesse sentido, verificamos na população amostral com crédito,
diferenças de reações conforme a sua origem. Assim é que, existe uma relativa
correspondência entre os produtores que definiram seus sistemas de produção e os
que aceitaram sugestão da EMATER/BA, nas agrovilas 01, 03, 04 e 06 enquanto
que nas agrovilas 08, 09 e 10 a relação é visivelmente mais significativa para os
produtores que têm seus plantios sugeridos pela EMATER/BA. Agregam-se a estes
os dados de que 92% dos produtores que se consideram influenciados pela
assistência técnica estão nas agrovilas 08, 09 e 10. Com isso acreditamos que o
trabalho de extensão rural tem tido respostas mais efetivas onde já havia
experiência anterior de tecnologia moderna, mesmo que elementar, coincidindo
com a origem dos colonos do Centro-Sul e Sul do país.

Um ultimo dado representativo do caráter sistemático da organização do


processo de trabalho entre os produtores com crédito, e portanto com efeitos mais
profundos pelo uso dos instrumentos de política agrícola diz respeito à real
utilização dos recursos do crédito. Conforme os dados da pesquisa não há
distorções significativas entre a razão para pedir crédito e a utilização desses
recursos, havendo mesmo equilíbrio entre mão-de-obra, manutenção da família,
sementes e defensivos. O comportamento se diferencia por estrato de área
cultivada; quanto ao estrato de 3-6 ha a utilização real foi sempre menor do que a
39

10
expectativa enquanto que, nos estratos de 6-10 ha e 10-15 ha o fenômeno é
exatamente inverso. O processo simultâneo de expansão na área cultivada e início
de tecnificação viabilizados pela integração com o crédito, caracteriza os maiores
estratos como aqueles onde a lógica “modernizante” e portanto comercial esteja
mais interiorizada.

Aspecto talvez mais importante para o questionamento da possibilidade de


tendência à diferenciação social é o efeito reidentificador que a política agrícola
imprime nos produtores. O conhecimento dos conceitos pelos quais eles se
definem colocados em comparação aos utilizados oficialmente demonstram a
ocorrência dessa redefinição na identificação própria. Queremos conhecer
exatamente a atividade anterior dos produtores originários de Sobradinho,
questionamos em entrevistas se eles eram agricultores. Ao que nos foi respondido
que: “Ah! Tem muita gente na minha região (agrovila) que não trabalhava com
agricultura. A maior parte do pessoal é de Casa Nova, Sento Sé, lá trabalhavam
voluntariamente(3). Não tinha esse negócio de ninguém trabalhando com técnico,
com branco, trabalhava à vontade. Ser daí tanta dificuldade”.

Nesse depoimento percebe-se claramente que se imprime nesses produtores um


novo conceito de agricultura e portanto uma redefinição de sua identidade.
Entretanto, o fato de a agricultura ser para eles agora, apenas aquela dirigida e não
“voluntária” não é suficiente para constituir categorias sociais diferenciadas. Ou
seja: embora haja mudança também a nível ideológico ao lado da diversidade
econômica, essa mudança ainda não é suficiente para se dizer que há diferenciação
social, já que esses produtores não se opõem enquanto categoria social.

3.3 Comercialização

O momento da realização da produção sendo o último instante do processo de


produção, momento em que se estabelece a totalidade desse processo pela
interação ao movimento geral do capital, é também onde se explica
quantitativamente a subordinação do pequeno produtor.

A frustração da safra 80/81 não nos permitiu um levantamento preciso de dados


a respeito do processo de comercialização. Desta forma, registramos colheita de
apenas sete produtos (ver quadro 08), dos quais, quatro foram comercializados:
algodão, arroz, milho e mamona, dando um caráter marcadamente agroindustrial a
essa produção. Para analisar a comercialização tomamos como referencia os
produtos mencionados por terem sido os únicos colhidos.

(3) Grifo nosso.


40

No PEC’Sr, a comercialização não é totalmente assumida pela cooperativa,


apesar de ser essa a meta, de maneira a eliminar o capital mercantil pela presença
do intermediário.

Contudo, ainda é o intermediário o predominante, embora com características


variadas. Considerando as diversas categorias, o caminhoneiro é o mais freqüente
(32%) estando aquém apenas da cooperativa (37%). A presença de outros
produtores como intermediário (10%) não da indícios de significativa apropriação
de sobre-trabalhho na medida em que nenhum deles armazena os produtos e
portanto não têm maior espaço para especulação de preços. Além disso, o volume
comercializado por esses produtores é insignificante no que tange à possibilidade
de acumulação. A irrelevância da intermediação desses produtores no âmbito do
Projeto não se refere ao pequeno número de produtores existente nessa atividade e
sim, a característica de descapitalização que ela apresenta sem estrutura de
comercialização com pequenos volumes comercializados.

Analisando comparativamente os dados por produto verificamos que apenas em


relação ao algodão (produto com maior volume comercializado) é significativo a
diferença de freqüência por categoria de produtor. Assim, registramos entre os
produtores de algodão, 97% utilizando crédito enquanto que para arroz, milho e
mamona os percentuais correspondentes foram 50%, 43% e 44% respectivamente,
ou seja, sem relevância para qualquer das populações amostrais. A nova lógica a
que estão se submetendo os produtores do PEC’Sr tem no algodão o produto mais
ilustrativo do tipo de produtores que se pretende constituir, Poe ser o mais
exigentes dos insumos modernos além de ser estritamente agroindustrial o que não
equivale a dizer que as transformações que estão ocorrendo decorrem do plantio de
algodão.

A frustração da safra 80/81 trouxe para todos os colonos envolvidos com


crédito de custeio, a anistia dos débitos adquiridos desde que chegaram ao Projeto
até aquela data. Como houve colheita e comercialização da produção anistiada, a
conseqüência imediata é a contribuição desse fato para a sedimentação do tipo de
organização da produção que a política agrícola está dirigindo. Isto se conclui não
só pelo estimulo efetivamente registrado para o uso de crédito na safra seguinte,
tanto para os produtores que já o utilizaram como para os demais, mais também
porque a existência da colheita e comercialização com anistia bancaria significa
efetivamente renda liquida para alguns produtores.

O crédito reaparece na problemática de comercialização porque os produtores


que tiveram sua produção financiada com os recursos oficiais na safra 80/81 não
tiveram custos de produção, apenas receita, quando comercializaram os seus
produtos. Agrega-se, com isso, mais um elemento acirrador das diversidades
econômicas na medida em que apenas esses produtores teriam possibilidade de
reter uma poupança ou com essa receita liquida, ampliar a sua atividade produtiva.

Em quase todos os casos, considerando-se os produtos, a cooperativa é o


principal comprador, exceto para milho (25%); para algodão, arroz e mamona a
41

freqüência de produtores que comercializaram com a cooperativa é de 62%, 55% e


50% respectivamente. Esses dados demonstram mais uma vez o tipo de produção
privilegiada pelo Projeto. Como a cooperativa é o elemento que isoladamente tem
maior peso nesse processo, nos deteremos na análise de sua ação, um pouco mais
adiante.

Apesar da produção do PEC’Sr ser predominantemente adquirida por


compradores da região (66% do próprio Projeto, e 18% do município de Bom
Jesus da Lapa), fazendo com que a renda gerada seja agregada à do município e,
pelo seu peso, amplie a importância regional do Projeto, o comprador final da
matéria-prima é a agroindústria, fora do município, mas da mesma região socio-
econômica.

A intermediação comercial se dá tanto por intermediários da própria


agroindústria – “... tem um moço aí que compra pra agroindústria coelho”. “... tem
também um Sr. Fulano que lê compra mamona também, agora não sei pra qual
industria, parece que é de Vitória da Conquista. Também deixa pessoa lá comprar
mamona pra ele, os colonos mesmos “- como por outros intermediários e pela
própria cooperativa, sendo que a compra direta ao produtor é realizada
principalmente na propriedade do colono (73%), o que elimina o transporte como
elemento de custo da comercialização de grande parte desses produtores. Ainda
ocorre, contudo, necessidade de transportar o produto até a cooperativa (22%) ou
até a feira (5%), sendo a transação comercial realizada na cooperativa
predominante apenas no caso do algodão. Para esse transporte, que é de pequena
distância, o veículo mais utilizado é a carroça, geralmente de propriedade do
colono (61%), adquirida com o crédito de investimento e que predomina entre os
produtores que utilizam crédito de custeio (60%). Este é um indicador importante
de como o capital se faz presente em todos os momentos do processo de produção,
de forma a tornar irreversível o processo de subordinação do produtor.

Para embalar a produção a ser vendida, a maioria dos colonos (72%) dispende
recursos para aquisição de embalagem, e os demais têm seu produto acondicionado
pelo comprador, no caso o intermediário. A principal dificuldade declarada pelos
produtores, foi entretanto, o deslocamento até o município de Bom Jesus da Lapa
onde se encontram os principais fornecedores, os armazéns, com freqüência de
60%. Os demais fornecedores de embalagens foram o comprador do produto,
comerciante particular e a cooperativa. Apesar de serem ainda mencionadas outras
dificuldades (falta de recursos, falta de embalagem e preço), na verdade, o que
predomina entre os colonos (61%) é a inexistência de dificuldade para comprar
embalagem. Mesmo tendo peso significativo na composição dos custos de
comercialização da maioria dos produtores do PEC’SR, o acondicionamento dos
produtos não é feito para estocagem, já que 85% dos produtores não estocam seu
produto, principalmente pela necessidade de vendê-lo imediatamente (59%). Há
ainda os casos em que a produção é pequena (36%) e o produto perecível (5%).
Deve-se considerar certa interação nesses problemas podendo ocorrer mais de uma
justificativa para a não estocagem. Os casos de produtores estocando produto
foram registrados nas agrovilas 04, 06, 08, 09 e 10, para os estratos de 3-6, 6-10 e
42

11
10-15 ha cultivados. Conforme o quadro Destino da Produção, a produção é
praticamente dividida entre consumo, venda e reserva como semente, sendo pouco
significativo o volume de produção cujo destino não foi especificado e que se pode
esperar como tendo sido armazenado para esperar preço.

Assim, percebe-se que a reprodução dessas Unidades não incorpora


mecanismos de especulação próprios de Unidades capitalisticamente organizadas,
e como tal não se reproduzem de forma ampliada. Em outras palavras, esses
produtores não só são pequenos produtores como se reproduzem a nível de
subsistência, onde o volume comercializado não pode ser considerado como
excedente, por se tratar de sub-consumo. Vale explicitar que o mecanismo de
expectativa de preço não define a Unidade capitalista, embora seja uma categoria
fundamental neste tipo de organização.

A questão do preço é o instante final da comercialização, e onde se caracteriza a


expropriação do sobre-trabalho do produtor familiar. Mais uma vez, a cooperativa
tem papel de destaque, reconhecida por 50% dos produtores como responsável pela
definição dos preços. Vale lembrar que a cooperativa trabalha com base nos preços
mínimos, sabidamente incapazes de cobrir os custos de produção. Outros
elementos reconhecidos como definidores do preço são: caminhoneiro (22%),
produtor (17%), EMATER/BA (6%), usineiro e dono de armazém (2,5%). Entre os
produtores que sabem o que é preço mínimo (47% dos entrevistados), 37,5% o vê
como garantia de preço, 31,5% como aumento do preço de venda, 25% como
queda do lucro e 6% simplesmente desconhecem outro preço.

É evidente a importância da cooperativa na organização do processo de


comercialização. Isto não significa, todavia, que os seus serviços sejam
considerados satisfatoriamente pelos produtores. A própria existência da
cooperativa não significa resposta aos interesses dos produtores e sim o
cumprimento de decreto do INCRA que cria em seus projetos as CIRA’S
(Cooperativa Integrada de Reforma Agrária) com objetivos de promover “venda
em comum da produção dos associados, compra em comum e prestação de
serviços” de maneira a “conduzir o processo de apoio, incentivo e permanência, da
população assentada no Projeto Especial de Colonização Serra do Ramalho”...(4).
Interessa-nos portanto, conhecer a opinião dos colonos associados à cooperativa
(66% dos entrevistados) a respeito dos serviços que ela desenvolve. Verificamos
que 44% deles acha que a cooperativa vende insumos mais caros, 38% mais barato,
2% diz que alguns insumos são mais baratos, 7% não sabe dizer e 9% não
respondeu à questão. Estes dados dão, em última instância, predomínio aos preços
mais altos, o que pudemos registrar em entrevista coletiva quanto aos preços das
sementes. Numa assembléia geral do Sindicato os colonos chegaram à conclusão
de que “nós não temos condições de aceitar aquilo como uma cooperativa, mas
uma companhia exploradora”...”então botamos (novo nome) é Explorativa
mesmo”...”quando naquele mesmo dia que eu comprei um saco de arroz no

(4) Cooperativa Integral de Reforma Agrária Serra do Ramalho Ltda-CIRA-SR


(1981).
43

intermediário que já vende caro, cobrando o dele, ganhando o dele, né? Eu comprei
a Cr$ 700,00 o saco naquele dia, foi quando a cooperativa que está lá dentro, que
nós somos sócios dela nessas alturas já cobrava era Cr$ 2.940,00”... Então, no dia
que eu comprei quatro sacos de arroz pra plantar por Cr$ 2.800,00, no
intermediário, o meu vizinho comprou os mesmos quatro sacos naquele dia por
Cr$ 11.740,00. Então, ela vende pra gente pagar com a produção, mas compare, na
mínima coisa, quatro sacos de arroz somente. E quando a gente vai buscar quatro
sacos de arroz, dois, três de feijão, dois, três daquele outro, quando termina,
trabalha o ano todinho e não dá pra pagar a diferença.

Sobre a comercialização da produção, 57% dos colonos que utilizam esse


serviço desconhecem o comprador final de sua mercadoria e 43% desconhece a
que preço seu produto foi revendido. Esses percentuais se elevem para 94% e 92%
quando se considera apenas os produtores que responderam a essa questão.
Reforça essa informação o fato de que 94% dos produtores que comercializaram
pela cooperativa não foi chamado a participar das decisões do preço de revenda
dos produtos. Quando consideramos apenas os produtores que responderam a essa
questão essa freqüência é de 100%. Este é um elemento de restrição à autonomia
dos produtores bastante significativo do controle exercido pela administração do
Projeto apesar de incoerente com a expectativa oficial de melhoria do nível de vida
dos produtores.
Fenômeno análogo ocorre em relação aos preços em que a cooperativa adquire
a produção dos colonos. Pudemos observar que 89% dos colonos que responderam
a essa questão não sabem como se dá a decisão do preço de compra; 5% diz que é
estabelecido pelo governo; 3% que é decidido em reunião e 3% combinado com o
produtor. Os produtores que opinaram sobre alguma forma de decidir o preço estão
nas agrovilas 08, 09 e 10, portanto, mais próximos da administração do Projeto e
mais integrados com os instrumentos de “modernização”.

Por essa caracterização do processo de comercialização podemos concluir que,


devido à necessidade imediata de reposição do dinheiro aplicado, à impossibilidade
do estabelecimento pelo produtor, do preço do seu produto ou, dificuldade de reter
o produto para barganha de melhor preço, e principalmente pela impossibilidade de
o produtor gerir esse processo (já que a cooperativa o faz por ele), não há
remuneração satisfatória para o produtor, pelo seu produto. Conseqüentemente, se
dá, neste momento, apropriação de sobre-trabalho pelo capital comercial,
principalmente quando há maior envolvimento com os serviços da cooperativa
através dos altos juros embutidos nos preços dos insumos. Desta forma, o interesse
do INCRA em ter na cooperativa o instrumento organizador da comercialização da
produção dos colonos no PEC’Sr, não reflete o interesse desses mesmos colonos
que mantém voluntariamente a vinculação com o intermediário, já que conseguem
assim, melhor preço.
44

3.4 Estratégia de Sobrevivência

Sendo o trabalho agrícola diretamente dependente das condições climáticas e do


solo, a sua possibilidade de manutenção de um determinado nível de rentabilidade
já sofre uma restrição natural. Agregando-se a isto o fato de que os pequenos
produtores dispõem de menor espaço de manobra para superar as limitações
naturais, é difícil conceber-se a existência de Unidade de Produção Familiar
estritamente agrícola, sem incorporar relações de produção que não a familiar.
Neste contexto não estamos considerando os casos em que a ocupação alternativa à
agricultura significa renda excedente e sim aqueles em que essa ocupação se impõe
como estratégia de sobrevivência.

Na Unidade de Produção Familiar não só o trabalho da roça é assumido pelos


diversos membros da família como também o trabalho fora da roça, a que
chamamos de ocupação alternativa. A utilização do crédito de custeio para
financiar a produção não viabilizou a exclusividade da ocupação da mão-de-obra
familiar no trabalho agrícola próprio, o que pudemos perceber ao verificarmos que
a falta de recursos para plantar mobiliza tanto produtores com crédito como sem
crédito na busca de ocupação alternativa. Mesmo aquelas Unidades em que se
utilizou o crédito, em determinado momento, elementos da mão-de-obra familiar
precisariam se assalariar enquanto, em outros, trabalhar na própria Unidade ou
desenvolverem atividades autônomas. Além dos recursos para plantar, a
manutenção imediata da família aparece como motivo dessas ocupações.

A diversidade de experiência dos agricultores aponta basicamente para duas


situações distintas: uma que reflete um processo de aculturação na medida em que
significa reorientação de toda a organização sócio-economica de uma comunidade;
no caso, os produtores desabrigados pela Barragem de Sobradinho. Esses, e os
demais nordestinos tinham na pesca, no pequeno comércio e na criação de animais
de pequeno porte a sua atividade alternativa, o que é dificultado pela forma de
organização da produção existente no Projeto, onde o cultivo de certos produtos é
privilegiado e as demais ocupações apenas permitidas. Aliado a este fato temos a
inexperiência desses agricultores em lidar com o capital financeiro o que dificulta
ainda mais a aquisição de recursos para plantar.

A outra situação se refere aos agricultores que já tinham alguma experiência em


lidar com o capital financeiro e que constituem, atualmente, a maioria da
população amostral com crédito. Entre esses agricultores não encontramos a “não
rentabilidade da atividade agrícola” como motivo de ocupação alternativa o que
verificamos entre os sem crédito. Esta situação pode ser ilustrativa de certa
favorabilidade econômica das Unidades Produtoras que trabalham com crédito.

Nesse processo de busca de fontes alternativas de sobrevivência o chefe da


família se ocupa apenas eventualmente, tendo sido raro a ocupação permanente
mesmo entre outros membros da família; no caso, como empregados no INCRA e
na COBAL. A ocupação eventual, que aparece em todas as fases do processo de
45

trabalho, com menos freqüência na fase de tratos culturais, acompanha a


experiência dos agricultores, mantendo-se a pesca, o comércio próprio, o
assalariamento em outros lotes como alternativas presentes.

Quando a ocupação é permanente (basicamente, o assalariamento no


INCRA e na COBAL e às vezes, comércio próprio) a mulher e os filhos assumem
a atividade mais diretamente, enquanto o chefe da família se dedica à roça. Esta
divisão do trabalho não é rígida, podendo a mulher e os filhos trabalhar na roça se
necessário e o marido fazer, por exemplo, as transações comerciais a nível de
atacado para abastecer o comércio próprio.

Este fato nos faz retomar a questão do modelo de organização da Unidade de


Produção existente no PEC’SR. Na verdade, a diversidade de origens dos colonos
provocou também uma diversidade de modelos. A atividade permanente de
comércio próprio organizada desta forma e com relevância equivalente à da
produção agrícola para a Unidade, ocorre principalmente entre os colonos que
vieram do Sul e Centro-Sul do país embora também tenha ocorrido entre os
nordestinos.

Nas ocupações eventuais todos os membros da família se envolvem. A


ocupação alternativa não ocorre com regularidade, mas, atinge Unidades
Produtoras que utilizam ou não o crédito de custeio.
Em suma, observamos, que mesmo que a manutenção física da família não
tenha na agricultura sua fonte mais significativa, existe uma luta constante para
reprodução da Unidade de Produção Familiar em seu nível mínimo, pelo menos. A
persistência do trabalho agrícola é que legitima essa reprodução em bases
produtivas; é onde o agricultor considera haver realmente, trabalho. Esta lógica,
ainda bastante marcada entre os produtores estudados, aponta como remota, no
momento, a caracterização da diferenciação social, cuja possibilidade de tendência,
a diversidade econômica já faz sentir. Ainda como força contrarestante desse
processo, encontramos a prática de troca de dias de serviço, demonstrando que a
cooperação e não a concorrência caracteriza a prática produtiva desses produtores.

Três aspectos se sobressaem dessas observações:

- Caráter tecnificante do processo de trabalho que concentra na fase de tratos


culturais uma das maiores intensidades de trabalho;

- a incapacidade da política de crédito agrícola em resolver o problema do


financiamento efetivo da produção;

- e, o conflito entre a lógica da Unidade de Produção Familiar que se reproduz a


nível de subsistência, a lógica capitalista da política agrícola que as organiza.
46

CAPÍTULO IV – OUTRAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS


PRODUTORES

Consideramos como outras formas de organização dos produtores qualquer


mobilização em torno do processo produtivo além daquela interna à Unidade de
Produção, responsável pela execução do processo de trabalho. A especificidade do
nosso objeto de estudo, como espaço organizado, dirigido e delimitado pelo
Estado, nos leva a observar essa questão considerando não só as mobilizações
surgidas entre os próprios produtores, mas também aquelas promovidas pelos
órgãos executores.

A metodologia de ação da EMATER/BA inclue o trabalho social com grupos de


produtores de maneira a viabilizar as atividades de extensão rural. No PEC’SR
nem mesmo esse trabalho é realizado. Não existe nenhuma ação social organizada
pelos órgãos executores havendo posição exatamente contrária por parte do
47

INCRA em relação às tentativas da EMATER/BA em implementar qualquer ação


nesse sentido.

A cooperativa, que supostamente seria uma instancia de organização dos


produtores, representa efetivamente mais uma das ações do Estado via INCRA no
sentido de dirigir a vida dos colonos do Projeto. A própria decisão de se criar uma
cooperativa de produção não partiu dos seus possíveis sócios, tendo sido decretada
pelo INCRA, a exemplo dos demais Projetos sob sua orientação. Desta forma, foi
criada a Cooperativa Integral de Reforma Agrária a 23 de março de 1977.
(CIRA-SR).

O comportamento do quadro social da cooperativa para os anos de 79, 80 e 81,


conforme dados oficiais da própria CIRA-SR não reflete aumento de interesse por
parte dos colonos considerando que foram de 51%, 54% e 47% a participação do
número de sócios no total de colonos para aqueles três anos respectivamente.
Observamos mesmo, que existe desinteresse por parte dos colonos em se associar
devido a ineficiência na atuação da cooperativa, distanciamento em relação ao
sócio e mesmo falta de dinheiro, apesar de estatuariamente a participação do sócio
ser de Cr$ 10.000,00 subdivididos em quotas – parte no valor unitário de Cr$ 1,00
com subscrição mínima de 10 quotas. Ou seja, uma participação financeira apenas
ilustrativa, incapaz de garantir a existência de capital de giro satisfatório; o que
garante, por outro lado, a dependência da cooperativa ao INCRA, não
administrativa como financeiramente. Os colonos podem optar pela associação ou
não à cooperativa, que deve prestar serviços de comercialização de produtos, de
equipamentos e de insumos e, armazenamento de produtos. No início do Projeto a
vinculação do produtor à cooperativa ia-se dando de forma equivalente à ocorrida
com o crédito, quase que como uma decorrência natural do fato de ser colono.O
desinteresse pela CIRA foi crescendo na medida em que não se concretizavam as
vantagens anunciadas aos associados.

Ocorre, entretanto, um fenômeno interessante, capaz de elevar


significativamente o número de sócios, sem que isso represente interesse por parte
dos colonos. Em dezembro de 1981, a expansão do Projeto já atingia a agrovila 18,
sendo que a partir da agrovila 15 houve mudança significativa de comportamento
do INCRA em relação a esses colonos. Na medida em que a ação da cooperativa
não legitima o cooperativismo, a única forma de torná-la representativa e até
justificar a sua existência é aumentando o seu quadro social. Para tanto o Critério
de Seleção dos Colonos passou a ser de fato, a sua associação à cooperativa, o que
ficou bastante claro em entrevistas com colonos mais antigos das primeiras
agrovilas, como ilustra o depoimento de que:

“Está havendo um tipo de sujeição, de uma ditadura, porque é


forçado...... porque esses colonos que estão na agrovila 18, da 15
para as outras lá, ou eles pagam os 10 mil da cooperativa de sócio ou
não arrumam lote, nem casa ... dinheiro mesmo não tem mas, tem o
Banco; aí eles fazem a promissória...”
48

12
A decisão de se tornar sócio da cooperativa, a posição do produtor frente a
organização, no caso estudado, reflete não só a ausência de organização desses
produtores como a manipulação a que são submetidos de maneira a garantir para o
Estado um discurso de representatividade.

É cumprindo essa lógica que a cooperativa é administrada por um legado


designado pelo INCRA, que atua no sentido de cumprir as orientações mais gerais
do órgão, em sintonia com o grupo executor do Projeto. Entretanto, não deixa de
existir uma diretoria composta por colonos que na verdade não teve nenhuma
atuação e que, portanto, diferem dos demais colonos apenas formalmente, no que
tange à gestão da cooperativa.

Essa ausência de participação dos sócios pode ser visualizada de diversas


formas. Existe desconhecimento pela maioria dos colonos dos serviços prestados
pela cooperativa, mesmo entre os sócios, o que é uma participação elementar em
qualquer tipo de organização. A ausência dos produtores vai ficando mais evidente
à proporção que se observa a prestação dos serviços. A comercialização dos
produtos, o serviço mais utilizado e realmente significativo no processo produtivo,
é feita sem que os produtores saibam a quem ou a que preço seu produto será
vendido pela cooperativa, da mesma forma como há um desconhecimento quase
absoluto de como é decidido o preço de compra em vigor na cooperativa. Para esta
tomada de decisão nenhum produtor foi consultado, nem mesmo os ex-membros
da diretoria (secretário e presidente) que foram entrevistados. E finalmente, a nível
da diretoria a manipulação atinge o seu momento mais profundo. O ex-secretário
entrevistado, que teve mandato de 4 anos com 2 pedidos de demissão, jamais
lavrou uma ata, recebendo-a pronta para assinar. Além disso, tomavam-se decisões
em reunião com colonos que não eram implementadas e entravam em vigor outras
que “vinham prontas de cima”.

Assim como o discurso oficial justifica a não rentabilidade econômica dos


produtores, principalmente dos nordestinos, como conseqüência da ausência de
tradição agrícola, poderia atribuir a uma incapacidade de auto-organização dos
colonos a falta de participação na gerencia da cooperativa. Essa não seria,
entretanto uma leitura representativa da realidade. Há, efetivamente, clara
consciência do que vem sendo o cooperativismo no PEC’Sr, da limitação imposta
para uma organização própria via cooperativa. E, essa compreensão aparece nos
grupos de produtores independente de sua origem ou de sua experiência em
cooperativas. Nesse sentido é que os colonos dizem que “... nós estamos debaixo
das pernas deles, eles fazem o que querem. A cooperativa quase que é do Fulano(1).
“Não adianta agente se reunir porque tá tudo na mão de Fulano e da cooperativa”
... “não é cooperativa de colonos não, a cooperativa aí é de funcionários do
INCRA, entendeu? Foi criada essa cooperativa aí só para beneficiar a eles”.

O que se percebe é que existe efetivamente a consciência do problema entre os


produtores e mais que isso consciência da correlação de forças dominante. Na

(1) Executor do Projeto.


49

verdade existe potencialidade de organização própria dos produtores, haja visto a


sua capacidade de avaliar a situação atual e propor reencaminhamentos; a exemplo
do destino a ser dado ao lucro obtido pela cooperativa com a revenda dos seus
produtos quer em repasse direto aos sócios ou através de investimentos na própria
cooperativa para sua recuperação financeira; e, para uso dos sócios pela redução
dos preços dos serviços, composição do capital de giro, pagamento de melhores
preços pelo produto e desenvolvimento de serviços. Ou ainda de como deve ser
organizada a comercialização dos produtos “... para o nosso conhecimento que
entende o que é cooperativa, por sinal ela nem compra na hora a produção do
produtor, do sócio. Sim, ela armazena, garante. Às vezes solta 60% daquele valor
que a pessoa depositou, né? E lá fica aguardando aquilo pra quando chegar o preço
reunir os sócios e combinar: já existe tal preço, mandaram oferecer de São Paulo e
de Conquista e vocês acham que deve vender esse produto agora? ...”Da mesma
forma tem consciência que com o encaminhamento em vigor não será possível
qualquer melhora para os colonos pela ausência de participação dos sócios,
ineficiência e “desonestidade” na administração da cooperativa, chegando mesmo
a ser sugerida a sua extinção.

A mais recente atuação da cooperativa no sentido de controlar a organização


dos colonos foi implementada promovendo-se eleição, em cada agrovila, de um
representante que atuariam como fiscal da cooperativa. Esse processo foi
encaminhado pelo INCRA enquanto executor do Projeto e pela administração da
cooperativa, de maneira a que se pudesse divulgar a existência de livre escolha por
parte dos colonos. A concretização da manipulação já aparece provocando divisão
entre colonos como ilustra o depoimento de que:

“Agora sim, é que os colonos depois que escolheram aquele


representante muitos se arrependeram porque ele vai ouvir o executor
do Projeto, os interessados lá da cooperativa conforme o presidente, e
tal, faz de interesse, então ele chega aí só dá treinamento no pessoal
que o pessoal obedeça, sabe?”

Esse trabalho, que no discurso oficial é tido como organização dos produtores,
aparece no mesmo momento em que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom
Jesus da Lapa amplia suas atividades no Projeto, embora ainda bastante frágeis. Há
mesmo um número representativo de colonos que negam ou desconhecem a
existência de atividade sindical no PEC’SR (43%). Apesar disso é predominante a
noção do Sindicato como órgão de classe, com a finalidade de defender os
interesses do produtor além das atividades assistenciais que marcam o
Sindicalismo no Brasil. E foi exatamente esse caráter de classe que mobilizou a
maior parte dos colonos sindicalizados a se integrarem ao Sindicato. Contudo, não
é desconhecido por parte desses colonos as dificuldades e limitações da ação
Sindical tanto a nível particular por se tratar de um Projeto do Estado, como a nível
mais geral pelos problemas financeiros e judiciais.
50

Essa limitação particular se refere, naturalmente ao controle ideológico exercido


no Projeto de maneira a se ter sob controle qualquer tentativa de reivindicação e
portanto, procurando bloquear as atividades do Sindicato na área do Projeto.
Quanto aos problemas de ordem financeira e jurídica se referem as grandes
dificuldades enfrentadas pelo Sindicato para pagarem advogado, e remunerar
mesmo que simbolicamente a sua diretoria, além da impossibilidade de romperem
as barreiras jurídicas que, como pequenos produtores, encontram sempre que seu
adversário é um grande proprietário. Mesmo em questão de assistência médica o
Sindicato não consegue se impor, haja visto que quando encaminha um colono
para ser atendido no município, o serviço médico dali não aceita pelo fato de no
Projeto haver esse serviço.

Essa compreensão nos foi possível em conversa com representantes do


Sindicato de algumas agrovilas, oportunidade em que ficou explicita a
descriminação dirigida pelo próprio executor do Projeto a qualquer colono que
manifeste discordância; “...Quem não gostasse do que eles estavam executando
dentro do Projeto podia sair, podia se mandar”.
A nível mais geral, ainda não nos parece haver compreensão por parte dos
sindicalizados do que está por traz da “incapacidade” do Sindicato em resolver
questões judiciais, principalmente as referentes a tensões sociais, à fazer valer o
direito a assistência médica. Ainda não foi identificado a existência do poder como
o elemento comum presente quer nas questões particulares quer nas questões
gerais, o que dificulta sobremaneira a mobilização e a organização de classe.

O Sindicato é visto pelos produtores como mais uma forma de organização, na


medida em que reconhecem a utilidade de uma “cooperativa de verdade” e aceitam
orientação dos órgãos executores para outras formas de orientação.
Pensando-se numa possibilidade de organização independente dos colonos,
reaparece a questão do controle, no Projeto, de qualquer movimento organizativo
além da dificuldade de auto-financiamento de uma organização própria. Nesse
sentido é que lideres sindicais admitem que:

“Nós contamos com menos da metade dos colonos, porque, existe lá,
na hora que nós estamos sozinhos, eles, todo mundo está no mesmo
lado, compreende? Mas, na hora que eles vêem o executor do Projeto,
80% dos colonos têm medo.

O controle exercido no Projeto em relação a qualquer mobilização é direto,


como por exemplo quando chegaram os produtores desabrigados pela barragem de
Itaipu que o presidente, o advogado e os delegados sindicais quiseram entrar em
contato com esses produtores e o próprio executor do Projeto tentou impedir que
eles se comunicassem. O Sindicato contudo, não desistiu e, informando àqueles
produtores a situação do Projeto conseguiram que eles desistissem de se instalarem
ali.

Por outro lado, também a mobilização para uma ação econômica se depara com
limitações serias, “a gente já tentou fazer uma caixa, uma caixinha mas somos
51

fracos; não dá pra chegar até lá ...”. Essa “caixinha” era para “comprar máquina,
comprar semente lá fora; também quando for pra vender a produção a gente se
reúne todos e lá numa companhia, que compra mais caro, vende pra todos”.

Enquanto o Projeto não estiver autonomizado parece-nos extremamente difícil


que os produtores consigam dar respostas efetivamente transformadoras da
situação no PEC’SR. Entretanto, de tudo o que vimos, pudemos perceber que não
há passividade mesmo compreendendo que a reação nem sempre atinge o objetivo.

Em síntese, observa-se não só consciência dos problemas de classe e tentativas


de organização mas também uma força contra-restante muito forte à mobilização
que é o controle exercido pelo poder de Estado representado pelo órgão
responsável pelo projeto.

CONCLUSÃO

A exposição precedente revela uma das formas encontradas pelo Estado para
viabilizar a penetração do capitalismo no campo, acelerando com isto as
transformações das relações sociais de produção que não se caracterizam como
capitalistas.

Permite-nos sentir concretamente a luta que se estabelece entre esta ação


capitalista de um lado e os produtores de outro, configurando um processo social
que possivelmente fará surgir um outro camponês.

A migração como elemento primeiro da constituição desse Projeto e


reconstruída nesse estudo explicitou um problema de generalização que ocorre ao
se tentar reproduzir a realidade apenas a nível do geral, sem estar atento às
52

13
particularidades e às especificidades dessa mesma realidade. Refiro-me à questão
da migração como sinônimo de protelarização - questão já abordada por Moacyr
Palmeira(1) – exatamente quando se pretende demonstrar o aprofundamento das
relações de produção capitalista e daí à constituição de classes sociais opostas.
Embora este fenômeno ocorra em vastas proporções, concluímos que é necessário
que as condições transformadoras não se encontrem mais subordinadas à realidade
a ser transformada e, portanto, que esta já se encontre amadurecida para que se
configurem especificamente as relações de produção capitalistas. Os agentes
sociais desse processo estarão, então, diferenciados socialmente.

Na realidade observada pudemos reproduzir momentos diferentes desse


processo a partir da grande diversidade de experiências anteriores dos produtores e
dos diferentes graus de envolvimento desses produtores com os elementos
modernizantes. Isto nos leva a concluir que, a estrutura familiar de produção –
como representante de uma lógica de organização onde a produção de valor não se
da sobre a mercantilização da força de trabalho e, portanto, sem produção nem
apropriação de mais-valia -, busca estratégias diversas para se reproduzir enquanto
tal. O capital, entretanto, exige sempre mais para que isso ocorra, de maneira a
reduzir cada vez mais sua autonomia, expropriando-a progressivamente. A
intensidade do trabalho aumenta, as necessidades monetarizadas requerem maiores
retornos no processo produtivo para serem satisfeitas e, a nível geral, se dá então a
diferenciação.

No nosso caso particular, entretanto, esse processo ainda não atingiu um


momento que explicite a existência de diferenciação, na medida em que não se
constituíram classes sociais antagônicas entre os produtores. Vimos que ainda há
pouca utilização de terra disponível, não tendo portanto, surgido problemas devido
ao seu tamanho definido em 20 ha. Este é um dado que reflete a imaturidade da
realidade observada, o que relativiza as nossas conclusões, já que ainda não surgiu
o problema da necessidade de terra para plantar.

Entretanto, o crescimento desigual da área cultivada, a diversidade de cultivos e


de técnicas utilizadas bem como os instrumentos de política agrícola, nos permitem
afirmar a existência de uma relativa autonomia dos colonos na organização do seu
processo produtivo apesar de todo o direcionamento observado. Aqui, a
subordinação ao capital e ao Estado não ocorre de forma direta e incisiva.
Ideologicamente, contudo, é bastante mais explicitada o que pudemos sentir não só
nos limites impostos às suas tentativas de organização própria como nas
dificuldades que tivemos em desenvolver esse estudo.

Finalmente, pudemos dizer que, embora o processo de tecnificação que está


efetivamente acontecendo, esteja viabilizando o surgimento de uma nova
identidade entre os colonos, de agricultores “modernizados”, ou seja: os
camponeses se identificam agora como agricultores; este fato não foi suficiente
para, ao lado da diversidade econômica existente caracterizar uma diferenciação

(1) Palmeira (Mimeo).


53

social. As relações de produção ainda não são capitalistas apesar de este particular
estar inserido numa formação capitalista que luta para absorvê-lo.

Em síntese, o camponês que hoje é colono no PEC’Sr ainda não foi


descaracterizado, apesar de, na sua luta diária para manter o seu espaço e não cedê-
lo ao capital, já se apresentar como agricultor em processo de tecnificação. Em seu
processo de trabalho coexistem relações de assalariamento e não-assalariamento
como estratégia de sobrevivência e de reposição da Unidade. O acirramento das
contradições poderá criar ainda um outro tipo de camponês ou efetivamente,
desencadear um processo de diferenciação social.
54

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