Você está na página 1de 16

BACHARELADO EM PSICOLOGIA

GRASIELA MARÇAL CORREIA


KASSYA RHAUANY TEIXEIRA DA SILVA

A VIVÊNCIA DO LUTO EM MÉDICOS QUE ATUAM EM EMERGÊNCIAS


HOSPITALARES

Guanambi-BA
2023
GRASIELA MARÇAL CORREIA
KASSYA RHAUANY TEIXEIRA DA SILVA

A VIVÊNCIA DO LUTO EM MÉDICOS QUE ATUAM EM EMERGÊNCIAS


HOSPITALARES

Artigo Científico apresentado ao curso de


Psicologia do Centro Universitário da
Faculdade Guanambi, como requisito de
avaliação da disciplina TCC II.

Supervisor: Prof. Jaldo Cambuy da Silva


Junior.

Guanambi-BA
2023
3

A VIVÊNCIA DO LUTO EM MÉDICOS QUE ATUAM EM EMERGÊNCIAS


HOSPITALARES

Grasiela Marçal Correia1, Kassya Rhauany Teixeira da Silva2,Jaldo Cambuy da Silva Junior3

RESUMO: Inicialmente, o luto pode ser entendido como um processo socialmente


naturalizado que se faz necessário à saúde psicológica do indivíduo que vivência a perda de um
ente querido ou até mesmo de um paciente no âmbito emergencial hospitalar. Nesse contexto,
a morte é um fenômeno que desencadeia os mais variados sentimentos como raiva, dor e
sensação de perda que precisam ser trabalhados em profissionais da saúde visando à preparação
e acolhimento possibilitando o manejo de suas emoções diante deste fenômeno. O objetivo
deste artigo é compreender, através de uma revisão bibliográfica a vivência do luto em médicos
que atuam em emergências hospitalares. Através de uma pesquisa bibliográfica, qualitativa,
baseada em dados colhidos das bases Scielo e Portal de periódicos da CAPES, com informações
de revistas, livros, monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos
científicos publicados entre os anos de 1915 a 2019. Dentre as contribuições do referencial,
enfatizou-se o processo histórico do luto e seus estágios; os desafios e perspectivas dos serviços
emergenciais hospitalares no Brasil e os principais sentimentos expressados por médicos ao
lidar com a morte. Como conclusão, entendem- se que os serviços emergenciais enfrentam
desafios frente as suas perspectivas e que muitos médicos, treinados para cuidar da vida, não se
sentem preparados para cuidar da morte.

Palavras-Chave: Luto. Profissionais da Saúde. Serviços Médicos Hospitalares.

THE EXPERIENCE OF GRIEF IN PHYSICIANS WHO WORK IN HOSPITAL


EMERGENCIES

ABSTRACT: Initially, grief can be understood as a socially naturalized process that is


necessary for the psychological health of the individual who experiences the loss of a loved one
or even a patient in the hospital emergency room. In this context, death is a phenomenon that
triggers the most varied feelings such as anger, pain, and feeling of loss that need to be worked
on by health professionals aiming at preparing and welcoming them, enabling the management
of their emotions when facing this phenomenon. The objective of this article is to understand,
through a bibliographic review, the experience of mourning in physicians who work in hospital
emergencies. Through a qualitative bibliographic research, based on data collected from Scielo,
and Portal de periódicos da CAPES, with information from journals, books, monographs,
master's dissertations, doctoral theses and scientific articles published between 1915 and 2019.
Among the contributions of the referential, it was emphasized the historical process of grief and
its stages; the challenges and perspectives of hospital emergency services in Brazil and the main
feelings expressed by physicians when dealing with death. As a conclusion, it is understood
that emergency services face challenges facing their perspectives and that many physicians,
trained to care for life, do not feel prepared to care for death.

Keywords: Mourning. Health Professionals. Hospital Medical Services.

1 Graduanda do curso de Psicologia do Centro Universitário UNIFG.


2 Graduanda do curso de Psicologia do Centro Universitário UNIFG.
3 Professor do curso de Psicologia do Centro Universitário UNIFG.
4

1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, com fulcro no entendimento de Machado (2014, p. 04), o Luto é
considerado como uma tristeza profunda, inconsolável, passível de superação apenas com o
passar do tempo. É considerado um período de desespero em que os valores da vida são
ressignificados. De fato, é individual, pois varia de pessoa para pessoa. Cada um reage de
maneira diferente já que se relaciona a crenças, valores e religião.
Com base na afirmação de Matos (2011, p. 47), o luto também pode ser entendido como
um processo socialmente naturalizado que se faz necessário à saúde psicológica do indivíduo
que vivencia a perda de um ente querido ou talvez, considerado a temática desta pesquisa, de
um paciente.
Para Hayasida (2014, p. 113), ao longo dos séculos, as mortes, que antes geralmente
aconteciam em casa, no seio da família, passaram a ocorrer com maior frequência nos hospitais.
Nesse sentido, entende-se que inúmeros profissionais da saúde, especificamente médicos, que
lidam diariamente nos seus ambientes laborais com os processos de luto pela morte de pacientes
apresentam algum grau de ansiedade em virtude da sensação de frustração, tristeza e
impotência.
Na compreensão de Santos (2013, p. 2626), o médico, com destaque aquele que atua
em emergência hospitalar pode ser vislumbrado como um ator social no qual se deposita a
família do paciente, a equipe e a sociedade depositam a função de detentor da morte,
transformando a vivência do luto um processo mais dificultoso.
A morte é um fenômeno incontrolável que pode desencadear raiva, dor e sensação de
perda que precisam ser trabalhados inclusive em profissionais que lidam com saúde, visando à
preparação e acolhimento destes. Esse preparo envolve diretamente a forma como irão manejar
suas emoções diante deste fenômeno (FARIA; FIGUEREIDO, 2017).
Desta maneira, compreende-se que o despreparo emocional e psicológico de
profissionais de saúde, em relação à morte e luto, implica de forma negativa no seu exercício
profissional, uma vez que todos os sentimentos evidenciados diante da terminalidade da vida
podem acarretar um acúmulo sensações variáveis, assim como um desgaste físico e psicológico.
Na maioria das vezes a morte é considerada um fracasso profissional. Isso pode
ocasionar estresse, angústia ou até mesmo esgotamento profissional, razão pela qual, é de
extrema importância a compreensão de todos os aspectos que envolvem o processo de luto, de
profissionais diante da morte (FARIA; FIGUEREIDO, 2017).
O objetivo deste estudo então é compreender, através de uma revisão bibliográfica a
vivência do luto em médicos que atuam em emergências hospitalares. Especificamente, objetiva
5

discutir sobre o processo histórico do luto e seus estágios; discorrer sobre os desafios e
perspectivas dos serviços emergenciais hospitalares no Brasil e analisar os principais
sentimentos expressados por médicos ao lidar com a morte.

2 MATERIAIS E MÉTODOS
A priori, compreendendo o significado de Metodologia, etimologicamente, é uma
derivação da palavra “método” (do Latim “methodus”), cujo significado, que tem origem latina
é “caminho ou via para realização de algo.” Consiste no campo que estuda os melhores métodos
praticados para pesquisa científica.
Assim, a metodologia mais do que uma descrição formal de técnicas e métodos a serem
utilizados na pesquisa científica, indica a opção que o pesquisador fez do quadro teórico para
determinada situação prática do problema.
Sendo assim, o presente trabalho busca compreender, através de uma revisão
bibliográfica a vivência do luto em médicos que atuam em emergências hospitalares. Foram
utilizados como instrumentos de pesquisa: os livros, revistas, periódicos, monografias, sites,
entre outros, que relatam sobre o tema em análise.
Não menos importante, utilizou-se abordagem exploratória, que segundo Gil (2002, p.
41): “têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-
lo mais explícito ou a constituir hipóteses”.
Para embasamento teórico foram utilizadas as bases de dados: Scielo, e Portal de
periódicos da Capes. Na escolha dos artigos foram elaborados descritores com o intuito de
facilitar a busca, sendo eles: “luto”; “morte”; “profissionais da saúde” e “serviços médicos
hospitalares”. Ademais, autores como: Bittencourt (2009); Cavalcanti (2013); Freud (1915);
Kovacs (1992); Kubler-Ross (2005); Souza (2005), entre outros, foram as principais referências
utilizadas para realização do trabalho. Foram priorizados artigos mais recentes, entretanto,
aqueles mais antigos que tenham maior relevância entre os anos de 1915 a 2019.
Dentre as contribuições do referencial, enfatizou-se, o processo histórico do luto e seus
estágios; os desafios e perspectivas dos serviços emergenciais hospitalares no Brasil e os
principais sentimentos expressados por médicos ao lidar com a morte.
Por fim, o critério de inclusão da busca dos artigos foi à concordância em responder à
questão problema que embasa o presente trabalho e quais tinham conteúdos referentes à
vivência do luto e os sentimentos expressados pelos médicos que atuam em emergências
hospitalares ao lidar com a morte dos seus pacientes. Dessa forma, foram excluídos artigos que
não respondiam ou completavam as expectativas sobre o assunto.
6

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 LUTO
A priori, em consonância com o entendimento de Madureira (2019, p. 25), é válido
salientar que falar sobre luto é também falar sobre dor e afeto, é falar sobre sintomas somáticos
e psíquicos, sobre reações e desorganizações ruidosas ou silenciosas.
Todavia, por vezes o conceito de luto remete a ideia de tempo. Significa dizer que o luto
proporciona certa experiência real e subjetiva do tempo no sentido de que toda perda é dolorosa,
mas o que algumas perdas têm de especificamente espinhoso é seu caráter definitivo. Nesse
sentido, Madureira (2019, p. 25) ressalta que definitivamente é uma experiência temporal
excessivamente concreta, o seja, tempo de nenhum futuro.
Diante de tal entendimento e com fulcro no entendimento de Madureira (2019, p. 26),
quando o psicólogo ou profissional da saúde é capacitado de forma adequada, há uma maior
preparação e capacitação para lidar com situações de luto não apenas no ambiente emergencial
hospitalar, mas até mesmo num contexto de desastre que demanda a necessidade de auxiliar
famílias no reconhecimento de cadáveres.
Nesse mesmo sentido, para Ramírez (2014, p. 113) um dos principais objetivos dos
profissionais de saúde em relação ao luto, é justamente prestar auxílio como suporte emocional
aos familiares em todo seu processo, assim como, estar em boas condições de enfrentá-lo em
seu ambiente laboral. O profissional com melhores condições de compreender e apoiar as
famílias na dor, lhes permite experienciar sentimentos de amparo, bem como proporciona a
validação das emoções do enlutado.
De acordo com Kovács (2010, p. 51), a forma como ocorreu a morte pode afetar a
elaboração do luto. Suicídios e acidentes mais graves, bem como mortes de longa duração,
suportadas com muito sofrimento, que são bastante desgastantes, e a relação anterior com o
falecido podem ser diferencias para o enfrentamento da perda. É correto afirmar que cada
indivíduo possui seu próprio tempo e valores pessoais para vivenciar e lidar o seu próprio luto
(RAMOS, 2016). Esse tempo, por ser indeterminado e variável, por depender do entendimento
do ser humano sobre o luto e também a complexidade de seus sentimentos referentes à pessoa
perdida, pode se estender por dias, meses ou anos.
Segundo Parkes (1998) o luto pode ser comparado a uma ferida, pois, tal como no
"ferimento", progressivamente ele cura e cicatriza. Entretanto, esclarece ainda que
complicações podem aparecer e a depender destas, a ferida pode novamente voltar ao seu estado
7

inicial e a cicatrização pode ser demorada e dispendiosa. Os ferimentos abertos pelo luto
requerem tempo para se curar, suas cicatrizes não serão ignoradas, pois são uma confirmação
de que uma ferida que existiu e que foi suficientemente significativa.
Os estudiosos Worden (1991), John Bowlby (1990), observaram quatro fases do luto:
entorpecimento, anseio, desorganização e desespero, reorganização. Na primeira fase, a do
entorpecimento, os autores entendem a existência de uma espécie de choque e negação da
realidade em pessoas quando noticiadas a respeito da perda, em um período indeterminado de
aflição e fragilidade. A segunda fase, o anseio, é caracterizada pela espera por uma possível
aparição do morto; o enlutado passa a ter sonhos com a pessoa que faleceu e inquietação.
Prevalece, naquele momento, o desejo de recuperar o ente querido. Entendida como desespero
e desorganização, a terceira fase se caracteriza pela presença de sentimentos de raiva e tristeza,
a pessoa enlutada sente-se abandonada e impotente diante da morte. A quarta e última fase, a
reorganização, caracteriza-se pela possibilidade do enlutado retomar às suas atividades e rotina,
apesar de todo o seu sofrimento.
Elizabeth Kubler-Ross (1985), autora que se destaca por seus trabalhos acerca do luto,
aborda também cinco estágios em que luto pode ser vivenciado. Dentre os quais ela cita: O
primeiro, negação, estágio de defesa, geralmente temporário e seguido por uma aceitação
parcial, em que o sujeito nega a sua condição atual na tentativa de se proteger contra o choque.
Como segundo estágio, a autora cita a raiva, que se caracteriza como revolta, inveja e
ressentimento com pouca ou nenhuma relação com as pessoas em quem é descarregada. O
terceiro estágio, o da barganha, são feitas promessas a forças maiores para que o seu estado seja
mudado ou a perda seja adiada que reflete o habito humano de esperar ser recompensado por
um bom comportamento ou por troca de favores. No estágio da depressão, quarto estágio, a
tristeza aparece não como sintoma de doença diagnosticada, mas como reflexo da dor de uma
perda. E por fim, o quinto estágio, a aceitação, caracteriza-se por ser a fase na qual o sujeito
consegue enfim encarar a.
Elizabeth Kubler-Ross (1985), traz a morte na literatura de modo que possa ser
compreendida, como fases que podem ser vividas separadamente ou totalmente misturadas,
mas que, enfrentá-las, é necessário para o ser humano, na sua construção como indivíduo em
seu contexto biopsicossocial e espiritual.
Faria (2017, p. 51) ao descrever os estágios do luto, entende que, por meio deles se pode
observar como se forma o processo de aceitação da possibilidade e proximidade com a morte.
Além disso, é importante ressaltar que tais estágios não seguem um ciclo preestabelecido, isto
porque cada indivíduo é permeado por sua subjetividade.
8

No que diz respeito ao conceito de luto, para Machado (2014, p. 03), pode ser definido
como aceitação da perda do outro e das transformações internas e externas que ocorrem em um
indivíduo ao experienciar situações de morte. De fato, um evento em que cada sujeito vivencia
de modo diferente.
Cavalcanti (2013, p. 89) cita Freud (1915) ao dizer que o luto é um processo lento e
doloroso, que tem como características uma tristeza profunda, afastamento de toda e qualquer
atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido, a perda de interesse no
mundo externo e a incapacidade de substituição com a adoção de um novo objeto de amor
(FREUD, 1915).
No mesmo sentido, para Freud (1915, p. 03), o luto é uma reação a algo que foi perdido,
e que não é essencialmente a perda de um ente querido, mas algo que adote as mesmas
extensões. Dessa forma, Machado (2014, p. 04) afirma que o luto então não se relaciona
exclusivamente à morte em si, mas, ao grau de investimento e vínculo entre o indivíduo e o
objeto ou pessoa perdida.
Ainda sobre seu conceito, Machado (2014, p. 04) assevera que o luto é considerado
como uma tristeza profunda que pode ser superada. É um período de desorganização e
desespero onde a vida é repensada e a identidade se transforma. Deste modo, varia de pessoa
para pessoa, é subjetivo, cada um reage de maneira diferente de acordo com suas crenças,
valores e religião.
No mesmo sentido, Machado (2014, p. 04) cita Kovács (1992), ao afirmar que as perdas
são naturais ao longo da vida de todo indivíduo e mesmo sendo uma situação universal, são ao
mesmo tempo experiências únicas e individuais e que estão diretamente ligados a qualidade do
vínculo estabelecido entre o indivíduo e o objeto perdido.
No que diz respeito ao profissional de saúde no contexto hospitalar, Machado (2014, p.
05) salienta que quando não se consegue evitar a chegada da morte, o enlutado entra em contato
com a frustração e o sentimento de derrota. Significa dizer, que a reflexão sobre o processo de
luto é de suma importância para melhorar a atuação dos respectivos profissionais no ambiente
hospitalar de emergência.
A instabilidade provocada pelo caos permite que a pessoa se afaste de um
comportamento programado e bloqueado proporcionando uma maior fluidez figura/fundo e
uma maior abertura à vivência de novas situações. De acordo com Souza (2016, p. 255), as
perdas podem oferecer uma parada na correria da vida, para refletir e reavaliar qual o sentido
que está sendo dado a ela, avaliar o que está sendo valorizado e o que está sendo deixado de
lado, reconfigurando e reorganizando a vida.
9

Além disso, para Násio (1997, p. 17), o profissional de saúde, principalmente médicos
atuantes na ala de emergência, diariamente vivem conflitos sob como se posicionar frente a
morte de um paciente, afetados pela tristeza devido à idade do paciente, a causa da morte e
principalmente quando se cria um vínculo, como o respectivo. Dessa forma, destaca-se como
relevante a atuação dos profissionais da psicologia como intermediários que acolhem a dor
inassimilável do paciente, e a transforma em uma dor ressignificativa.

3.2 DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS SERVIÇOS EMERGENCIAIS HOSPITALARES


NO BRASIL
De acordo com Souza (2014), dentre os avanços que vêm se materializando na
organização do Sistema Único de Saúde (SUS) está a implantação da Rede de Atenção à Saúde
(RAS). No campo emergencial, há um conjunto de unidades prestadoras de serviços de saúde
atuando e funcionando como porta de entrada para o sistema de saúde, isto é, prestando o
primeiro atendimento ao usuário do SUS.
Conforme diretrizes do Ministério da saúde (2011), tais unidades hospitalares compõem
a Rede de Atenção às Urgências e incluem os serviços de atenção primária; atenção de urgência
e emergência; atenção psicossocial; especiais de acesso aberto, centro de referência em AIDS,
saúde do trabalhador e outros que atendam necessidades específicas do cidadão.
Tendo em vista essa perspectiva e os desafios que permeiam as unidades que prestam
serviços hospitalares emergenciais e com fulcro no entendimento de Bittencourt (2009, p. 702)
é válido salientar que muitas dificuldades enfrentadas pelos profissionais da saúde se dão em
razão da frágil estruturação da rede, que somada a um número cada vez maior de acidentes e
violência urbana, resulta em uma sobrecarga de demanda no âmbito do hospital.
Não menos importante Souza (2014, p. 702) destaca que o aumento gradativo por
atendimento nos serviços de emergência em hospitais privados e públicos leva, muitas vezes, a
pessoa que necessita de um atendimento de emergência real, com risco iminente de morte, a
aguardar por horas pela assistência. De fato, identifica-se tal realidade como um desafio
enfrentado não apenas pelo paciente, mas por todos os profissionais que atuam num ambiente
hospitalar que oferece serviços emergenciais.
Além disso, tais situações se justificam pelo fato de que poucas pessoas que procuram
estes recursos apresentam problemas de saúde efetivamente de caráter prioritário de urgência
ou emergência, sendo que grande parcela dos casos poderia ser atendida em outro ponto de
atenção da rede de saúde, conforme destaca Souza (2014, p. 702).
10

Significa dizer que a situação nos serviços de emergência é agravada por problemas do
tipo organizacional, a título de exemplo, a falta de triagem de risco, o que determina o
atendimento por ordem de chegada, sem qualquer avaliação prévia do caso, resultando, muitas
vezes, em agravos ainda maiores à saúde das pessoas (MENDES, 2011).
Levando em consideração a atuação dos profissionais da saúde no ambiente hospitalar
emergencial, é relevante destacar que o protocolo de Manchester de classificação de risco foi
criado com o objetivo de estabelecer um consenso entre médicos e enfermeiros, quanto à
ferramenta de classificação de risco, para os serviços de urgência e emergência. Sendo assim,
Souza (2014, p. 702) ao citar (Mendes 2011) salienta que tem como características principais
uma escala em cinco níveis por cores, com base em categorias de sintomas, discriminantes-
chave, algoritmos clínicos, e com um tempo de execução inferior a três minutos.
No mesmo sentido, conforme as orientações do Ministério da Saúde (2009), no Brasil
as diretrizes gerais para a implementação da Política Nacional de Humanização (PNH)
propõem, em âmbito hospitalar, o acolhimento com avaliação de risco, considerando esta uma
das ações potencialmente decisivas para a reorganização da atenção à saúde em rede.
Ao adotar os pressupostos de que os serviços de emergência hospitalar (SEH)
configuram um ponto de atenção relevante para o poder público e que a implementação do
acolhimento com classificação de risco é um elemento que racionaliza a dor da atenção às
urgências. Dessa forma, conforme Souza (2014, p. 702), compreende-se que a identificação de
fragilidades enfrentadas por um Serviço de Emergência Adulto (SEA) no âmbito de um hospital
que presta serviços emergenciais permitirá contribuir para melhor organização deste serviço.

3.3 OS PRINCIPAIS SENTIMENTOS EXPRESSOS POR MÉDICOS AO LIDAR COM A


MORTE
Inicialmente, de acordo com Lima (2007, p. 25), é importante ressaltar que a morte
incomoda e desafia a onipotência humana e profissional, pois os profissionais da área da saúde
são ensinados a cuidar da vida, mas não da morte.
Para Brêtas (2006, p. 477) a maior parte das grades curriculares dos cursos de Medicina
não contemplam uma disciplina que trate do assunto de forma não defensiva e tecnicista e que
promova discussão das subjetividades que o tema possui.
Corroborando a tal entendimento, pode-se dizer que a maioria das instituições
formadoras de profissionais de saúde no país não possui espaço em suas estruturas
programáticas para a discussão dessa temática. Dessa forma o profissional ao deixar a academia
11

e encarar a morte como possibilidade real, terá que adquirir as condições de maneira intuitiva
e muitas vezes sem preparo emocional (Angerami-Camon, 2002)
Para Quintana (2002, p. 204), a morte é uma experiência única e impessoal. No entanto,
discussões sobre essa temática no âmbito acadêmico e profissional dos profissionais da saúde,
especificamente da medicina, se faz necessária e relevante a fim de enriquecer a formação,
contribuindo para a uma melhor atuação profissional no âmbito dos hospitais que prestam
serviços emergenciais numa abordagem técnica e adequada.
Sendo assim, Lima (2007, p. 24), cumpre dizer que aos estudantes de medicina são
colocados bem claramente os dois objetivos mais tradicionais que norteiam a prática médica:
preservar a vida e aliviar o sofrimento. No entanto, na maioria das vezes não ocorre confronto
na aplicação desses dois princípios, porém em circunstâncias de doenças terminais eles se
tornam conflitantes (PESSINI, 2001)
Lima (2007, p. 24) destaca que o primeiro objetivo, preservar a vida, é o que predomina
na formação do médico. Quando tecnicista, o caminho de cada médico é, na abordagem da
doença grave, fazer o diagnóstico, planejar e efetuar a cura específica.
No mesmo entendimento Bifulco (2006, p. 25) refere que essa peregrinação funciona
como a medida da capacidade de cada médico, é o que faz funcionar o treino da maquinaria
clínica. Tendo em vista a formação centralizada na cura, significa dizer que o processo de morte
e morrer só podem gerar sentimentos contraditórios para uma equipe de saúde, especificamente
no presente estudo, que se refere a médicos que prestam serviços emergenciais.
Ao citar Angerami-Camon (2002), Lima (2007, p. 25) destaca o morrer como uma
ameaça às funções dos profissionais da saúde e cria sentimentos de impropriedade,
incompatíveis com suas funções definidas. Sendo assim, uma das formas mais utilizadas pelos
profissionais é a formação reativa, a conquista da doença, o desafio da morte e a tentativa de
tomar medidas heróicas para salvar o paciente a todo custo, obstinação terapêutica (Kovács,
2002)
Nesse viés, convêm destacar que a medicina contemporânea tem tratado a morte como
sua grande inimiga, e utilizando-se disso, algumas vezes têm estendido a vida para além de
qualquer benefício humano, negligenciando, assim, o cuidado com aquele que está morrendo
(PESSINI, 2001)
Segundo Secondy, (1977), para que o luto não seja um fator desestabilizador, o médico
deve autoanalisar-se e reconhecer as suas crenças e valores, deve entender as suas reações
diante da morte, assumir as suas perdas não resolvidas e tentar resolvê-las para que não
desequilibrem sua relação com a dor dos seus pacientes ou familiares. De fato, deve capacitar-
12

se para entender as questões éticas, filosóficas e sociais que permeiam a morte e podem catalisar
ansiedade ou tristeza.
Reconhecer o luto e aceitá-lo, pode auxiliar na condução dos próprios sentimentos,
entretanto, ignorá-lo pode traduzir-se em comportamentos de fuga, medo e esquiva de
responsabilidade. O morrer e a morte são experiências que acionam um conjunto de sensações,
percepções, sentimentos e pensamentos que marcam o profissional de saúde.
A morte de um doente pode ser extremamente penosa para um profissional assim como,
pode ser tranquila para outro. Esses sentimentos serão medidos pelo vínculo emocional e pela
disposição para o entendimento, reflexão e elaboração dessa experiência. É importante pensar
a morte, uma vez que ela a vida coexistem mais ou menos pacificamente, os melhores mestres
poderão ser os moribundos que muitas vezes ensinam o essencial da vida (Kübler-Ross, 2009).
Após a perda de um doente e face ao processo de luto a que estavam sujeitos
continuamente, profissionais da saúde necessitavam, eles próprios, de apoio para voltarem a
prestar assistência a enfermos terminais. Já Foucault (2010), entendia que uma pessoa deve
cuidar de si mesma para, então, cuidar dos outros.
Segundo Fonseca (2004), para os profissionais de saúde, o conceito de “auto-cuidado”
tem sido associado à resiliência e à prevenção de burnout, está definido como as atitudes
adotadas pelos profissionais de saúde que promovem seu próprio bem estar e evita a síndrome
da fadiga de compaixão.
Não menos importante, convêm conceituar a síndrome de Burnout que de acordo com
Perniciotti (2020, p. 35-36), pode ser entendida como uma resposta prolongada a estressores
interpessoais crônicos no trabalho, caracterizada pela exaustão emocional, despersonalização e
redução do sentimento de realização pessoal. Afeta especificamente a saúde física e emocional
dos profissionais, de modo que seus sintomas são prevenidos através de estratégias de
intervenções individuais e organizacionais.
Para autores como Doka (2014), há vários estudos na literatura que salientam a
importância do auto-cuidado, e considera um luto não expresso, um risco para auto-cuidado. O
autor sugere ainda que há várias estratégias, todas individuais, para lidar com o luto, como:
consciencialização, aceitação, partilha, vivência dos lutos pessoais e ressalta que quanto maior
for a consciencialização da necessidade de autocuidado, melhor será a sua atitude perante a
morte (SANSÓ, 2015).
13

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do supracitado, foi possível analisar que o conceito de luto remete a ideia de
sintomas somáticos, psíquicos, reações, desorganizações silenciosas e experiências subjetivas.
Não menos importante, verificou-se que a capacitação adequada dos profissionais de
saúde, pode ser um grande diferencial ao lidar com situações de luto, não apenas no ambiente
emergencial hospitalar, mas até mesmo num contexto de desastre que demanda a necessidade
de auxiliar famílias no reconhecimento de cadáveres.
Além disso, destacou-se que profissionais que não conseguem experienciar situações de
luto, sentem, também, dificuldades em prestar auxílio, como suporte emocional aos familiares
enlutados e dificuldades em estar preparados para enfrentar situações de morte em seu ambiente
laboral. Profissionais com melhores condições de compreender e apoiar as famílias na dor
permite-lhes o sentimento de amparo, bem como proporciona a validação dos sentimentos e
emoções do enlutado.
Foi possível verificar que a morte incomoda e desafia a onipotência humana e
profissional, pois os trabalhadores da área da saúde, ensinados a cuidar da vida não se atentaram
ao cuidar. Nesse contexto, a maioria das instituições formadoras de profissionais de saúde no
país não possui espaço em suas estruturas programáticas para a discussão dessa temática.
Dessa forma o profissional ao deixar a academia e encarar a morte como possibilidade
real, terá que adquirir as condições de maneira intuitiva e muitas vezes sem preparo emocional.
De fato, a consciência aprofundada da morte e do processo de morrer pode ajudar os
profissionais de saúde a viver de forma diferente, dando mais sentido à vida. Todos os
profissionais são mais ou menos vulneráveis face à perda e ao sofrimento, por esta razão
conclui-se ainda que o saber lidar com situações de morte, equilibra sentimentos que podem
levar ao stress profissional e até a uma possível síndrome de esgotamento.
Diante desse cenário, foi possível analisar que a formação centralizada na cura cria
paradigmas, de modo que o processo de morte e morrer gera sentimentos contraditórios para
uma equipe de saúde, especificamente no presente trabalho, para médicos que prestam serviços
emergenciais hospitalares.
14

REFERÊNCIAS

ANGERAMI-CAMON, V. A. O papel da espiritualidade na prática clínica. Novos rumos


na psicologia da saúde. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

BIFULCO, Vera Anita. A morte na formação dos profissionais de saúde. Prática Hospitalar,
v. 45, n. 2, p. 164-6, 2006.

BITTENCOURT, J. Hortale VA. Intervenções para solucionar a superlotação nos serviços


de emergência hospitalar: uma revisão sistemática. Cad. Saúde Pública. 2009.

BOWLBY, J. Perda: tristeza e depressão. Vol. 3 Trilogia Apego e Perda. São Paulo: Martins
Fontes.1998

BRÊTAS JRS, et al. Reflexões de estudantes de enfermagem sobre morte e morrer. Rev Esc
Enferm USP 2006; 40(4):477-83.

CAVALCANTI, Andressa Katherine Santos; SAMCZUK, Milena Lieto; BONFIM, Tania


Elena. O conceito psicanalítico do luto: uma perspectiva a partir de Freud e Klein.
Psicólogo informação, v. 17, n. 17, p. 87-105, 2013.

DOKA, Keneth. Introduction. In: DOKA, Keneth. Disenfranchiesed Grief: New Directions,
Challenges and Strategies for practice. Illinois: Research Press, p. 5-20, 2014.

FARIA, Simony de Sousa; FIGUEREIDO, Jowilma de Sousa. Aspectos emocionais do luto


e da morte em profissionais da equipe de saúde no contexto hospitalar. Psicol. hosp. (São
Paulo), São Paulo, v. 15, n. 1, p. 44-66, jan. 2017. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
74092017000100005&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 17 out. 2022.

FONSECA, J.P. Luto antecipatório: as experiências pessoais, familiares e sociais diante de


uma morte anunciada. Campinas: Editora Livro Pleno. 2004.

FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. Editora Cosac Naify, 1915.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. - 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2002

HAYASIDA, N. M. A., Assayag, R. H., Figueira, I. & Matos, M. G. (2014). Morte e luto:
competências dos profissionais. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. 10 (2), 112-121.
2014. Disponível em: http://hdl.handle.net/10071/14648.

KOVACS, M. J. Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador


profissional.O mundo da saúde, São Paulo, v. 34, n. 4. 2010. Disponível em:
http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/79/420.pdf. Acesso em: 17 out. 2022.

KOVACS, Maria Júlia. Morte e Desenvolvimento Humano. São Paulo: Casa do Psicólogo.
1992.
15

KOVACS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo;
2002.

KUBLER-ROSS and D. Kessler. On grief and grieving: Finding the meaning of grief
through the five stages of loss. Simon and Schuster, 2005.

KUBLER-ROSS, E. Acolher a Morte (trad. Pedro Soares). Cruz-Quebrada, Estrela Polar.


2008.

KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes; 2002.

KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Editora Martins Fontes;


1985.

LIMA, Daniele Martins de. Enfrentamento de situações de morte e morrer: percepção de


médicos e enfermeiros sobre seu preparo. 2007.

MACHADO, Érica. O luto no contexto hospitalar. O portal dos psicólogos. 2014.

MADUREIRA, Denise. Luto em pediatria: reflexões da equipe multidisciplinar do


Sabará hospital infantil.- 1. ed. - Barueri [SP]: Manole, 2019. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788578683771/pageid/4. Acesso em:
17 de out. 2022.

MATOS, Mariana Santiago de Silva. Teclando com os mortos: um estudo sobre o uso do
Orkut por pessoas em luto. 2011.

MENDES EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da


Saúde; 2011.

Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização


da Atenção e Gestão do SUS. Acolhimento e classificação de risco nos serviços de
urgência. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

NASIO, J.D. O livro da Dor e do Amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1997.

PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Tradução de Maria Helena
Franco Bromberg. São Paulo: Summus, 1998.

PERNICIOTTI, Patrícia et al. Síndrome de Burnout nos profissionais de saúde: atualização


sobre definições, fatores de risco e estratégias de prevenção. Revista da SBPH, v. 23, n. 1, p.
35-52, 2020.

PESSINI, L. Distanásia: até quando prolongar a vida? São Paulo: Loyola; ed. Centro
Universitário São Camilo, 2001.

QUINTANA, A. M. et all. O preparo para lidar com a morte na formação do profissional


de Medicina. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 26, nº 03, set/dez
2002.
16

RAMÍREZ, D. S. Acompanhamento para reconhecimento de vítimas. In Conselho Federal


de Psicologia (CFP). Psicologia de emergências e desastres na América Latina: Promoção de
direitos e construção de estratégias de atuação. Brasília: CFP. 2014.

RAMOS, V.A.B. O Processo de Luto. Portal dos psicólogos, 2016. Disponível em


https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1021.pdf . Acesso em 07 de Maio de 2022.

SANSÓ, N. et al (2015) Palliative Care Professionals’ inner life: Exploring the relationships
among awareness, self-care, and compassion satisfaction and fatigue, burnout and coping with
death. Journal of Pain and Symptom Management. Vol 50, nº 2: 200- 207.

SANTOS, Ana Paula Bragança. Assistência na Fase Final da Vida e Luto: Assistência à
Família. Instituto Nacional de Câncer. 2013.

SECONDY M. Bereavement: The Role of Family Physician Journal of The National


Medical Association. Vol 69, Nº 9, 1977; 649-651, 1977.

SOUSA, L.E.E.M. O processo de luto na abordagem gestáltica: contato e afastamento,


destruição e assimilação. IGT rede. 2016, vol.13, n.25, pp. 253-272. ISSN 1807-2526.
Disponível em: pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-
25262016000200006. Acesso em 12 de Maio de 2022.

SOUZA, Thaise Honorato de; Selma Regina de Andrade. Acolhimento com classificação de
risco: um indicador da demanda emergencial de um serviço hospitalar. Cogitare Enferm.
2014. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/viewFile/35941/23931. Acesso
em 23 de out. 2022.

WORDEN, J. Grief Counselling & Grief Therapy. London and New York: Tavistock
Publications. 1983.

Você também pode gostar